Direito Ambiental e A Economia
Direito Ambiental e A Economia
Direito Ambiental e A Economia
e a Economia
Renata Zanin
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-8065-173-7
CDD 344.046
Bibliografia Básica 9
2. Recursos naturais 40
2.1. Qualidade ambiental 49
4. Exploração e mercantilização 62
dos recursos naturais. Apropria-
ção da natureza pelos interesses
comerciais.
70 5. Economia ambiental
77 5.1. Teoria do crescimento econômico, o de-
senvolvimento sustentável e os recursos
naturais.
84 5.2. Valoração ambiental. Teoria das ex-
ternalidades.
94 6. Os instrumentos da política
ambiental
117 Referências
124 Anotações
Bibliografia Básica
9
1
capítulo
Questão de entendimento preliminar: O
Ambiente equilibrado X Desenvolvimento
Econômico e a colisão de direitos
constitucionalmente protegidos
A Constituição Federal é a Lei suprema
brasileira, pelos motivos a seguir deli-
neados, e por tantos outros, é vetor de interpretação
para todas as demais normas do ordenamento, e nela
encontram-se não só a discriminação dos elementos
constitutivos de nosso Estado, como também apre-
senta os valores fundamentais de nossa República.
Esses valores foram materializados na Constituição
sob a denominação de “Princípios Fundamentais”,
espalhados por toda a nossa lei constitucional. A Lei
Maior, portanto, é um sistema onde convivem duas
espécies de normas: os princípios e as regras.
Os princípios são mandamentos de otimiza-
ção e, como ensina o mesmo autor, ordenam que
algo seja realizado na “maior medida do possível”
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existen-
tes, isto é, diante de um caso concreto.
Assim, no plano da teoria, não há hierarquia
entre princípios.
Como não há hierarquia entre princípios,
eles só se sobrepõem a outro diante de um caso con-
creto, diferentemente das regras que, se exatamente
antinômicas, apenas uma valerá.
Diante de princípios que se façam colidir,
em um caso concreto, diferentemente das regras,
ambos podem e devem coexistir, em maior ou me-
nor medida, mas sem que um exclua o outro.
E o que o Meio Ambiente tem a ver com isso?
O Meio Ambiente é um bem constitucional
e sua proteção, preservação e reparação são direitos
13
constitucionais fundamentais. E os direitos consti-
tucionais fundamentais advêm dos princípios funda-
mentais de nossa Constituição.
Acontece, no entanto, que também desses
princípios fundamentais decorrem direitos como
o de liberdade e propriedade. Assim, o desenvolvi-
mento da sociedade, inclusive sob o seu aspecto eco-
nômico, também encontra a mesma fonte: a Consti-
tuição. Senão, vejamos:
14
mente compreendido, a fim de que se possa des-
cobrir o real significado, em extensão e conteúdo,
do Meio Ambiente para nós brasileiros.
Tanto que dentro do texto constitucional
estão presentes algumas garantias que asseguram o
direito ao meio ambiente equilibrado. Uma destas
garantias é a vigilância pública quanto ao uso que
se faz da propriedade; apesar de ratificar o direito à
propriedade, a Constituição Federal impõe limites a
ele. A função social mitiga este direito individual em
benesse ao direito coletivo do meio ambiente sadio.
1
Thomas Ford Hoult. Dicionário de Sociologia Moderna, p. 139.1969.
15
Especificamente no que tange à Função So-
cial da Propriedade, essa diz respeito a um condi-
cionamento do exercício do direito e da garantia de
propriedade, uma vez que o bem-estar da sociedade
e a proteção do ambiente não poderão ser sufocados
em razão de um uso irrestrito da propriedade. Ao
contrário. As balizas do exercício do direito de pro-
priedade são, exatamente, as condicionantes do res-
peito ao interesse público e a proteção do ambiente.
Assim, “ter” simplesmente uma propriedade,
rural ou urbana, deixando-a, todavia, subaproveitada
ou sem utilização; ou ainda, utilizando-a mediante lesa
ao ambiente, não atende à pretendida função social,
podendo, o seu exercício, por isso, sofrer restrições.
Conforme lembra Robério Nunes dos Anjos
Filho , o marco do direito de propriedade (individual)
2
16
bido pelas leis e regulamentos.
Essa concepção influenciou o nosso direito,
especificamente, por meio do Código Civil, quer ao
garantir o direito de propriedade, quer nas limitações.
Servidões, tombamento e a desapropriação são limi-
tações históricas do direito de propriedade no Brasil.
Em 1988, com a promulgação de nossa atual
Constituição, a mesma mão que constitucionalizou o di-
reito de propriedade também consagrou a sua conjuga-
ção de seu exercício mediante o respeito à função social.
Segundo Anjos Filho, o criado princípio da fun-
ção social da propriedade é inspirado na doutrina social
da Igreja, como exposta nas Encíclicas Mater et Magistra,
do Papa João XXII, de 1961, e Populorum Progressio,
do Papa João Paulo II, nas quais se associa a proprieda-
de a uma função social. A propriedade também deveria
servir à função de instrumento para a criação de bens
necessários à subsistência de toda a humanidade.
Tal qual o desenvolvimento econômico e
a livre iniciativa, o direito de propriedade também
tem, atualmente, proteção constitucional.
E como direito constitucional fundamental,
insculpido no artigo 5º, XXII da Carta da República,
não caberia restringi-lo, a não ser na hipótese de um
caso concreto, em que outro bem ou direito consti-
tucional se opusesse a ele.
Ocorre que, em algumas poucas circunstân-
cias, o constituinte, por ocasião da promulgação da
Constituição, enfrentou previamente algumas situa-
ções hipotéticas de colisão entre direitos constitu-
17
cionais fundamentais. Foi o que aconteceu com o
direito de propriedade, de um lado, e o interesse pú-
blico e o meio ambiente, do outro.
Assim, e conforme se verifica no texto cons-
titucional o direito de propriedade é garantido pela
constituição, com a condicionante de atender, por-
tanto, a sua função social.
É de se perceber, nesse exemplo, que no art. 5º
a Constituição Federal, no inciso imediatamente seguinte
ao que prescreve a garantia do direito de propriedade, já
mitiga tal garantia, afirmando que “a propriedade aten-
derá a sua função social” (art. 5º, XXIII da CF).
E nesse contexto, vai informando o Tex-
to Maior algumas hipóteses de colisão e a maneira
como o embate se resolve. O primeiro caso é o da
desapropriação por necessidade ou utilidade pública:
Art. 5º:
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro, ressalvados os
casos previstos nesta Constituição;
18
proprietário com justa e prévia indenização em dinheiro.
A função da propriedade rural descreve bem
esta mitigação do direito de propriedade em favor
do meio ambiente:
Nos termos da Constituição (art. 186) é asse-
gurado o direito à propriedade rural quando ela, simul-
taneamente, aos requisitos do aproveitamento racional
e adequado; da utilização adequada dos recursos natu-
rais disponíveis e preservação do meio ambiente; da
observância das disposições que regulam as relações de
trabalho e, por fim, da exploração que favoreça o bem-
-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
A função social da propriedade significa im-
por ao titular o exercício do direito de propriedade
mediante o atendimento do interesse público, que
significa a atenção aos fins sociais; mas também me-
diante a permanente proteção do ambiente.
Uma vez desrespeitados, portanto, esses va-
lores que contrapõem ao exercício individual do di-
reito de propriedade, cabe falar em restringi-lo em
um caso concreto, ou nas hipóteses e na forma exata
que a própria Constituição Federal já previu.
19
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Por isso, alguns autores entendem haver
uma redundância na expressão, e preferem utilizar,
apenas, ambiente.
A proteção do Meio Ambiente como um
bem jurídico, no Brasil, no dizer de Sirvinskas (2011,
p.75), tem três períodos distintos:
20
das presentes e futuras gerações. E, dessa forma, a
partir de 1988, com a promulgação de nossa atual
Constituição, o meio ambiente foi alçado à categoria
de bem constitucionalmente protegido como, ilus-
trativamente, mostramos:
21
impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o em-
prego de técnicas, métodos e substâncias que compor-
tem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os
níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma
da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou sub-
metam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica
obrigado a recuperar o meio ambiente degradado,
de acordo com solução técnica exigida pelo órgão pú-
blico competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrati-
vas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata
Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Gros-
sense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e
sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem a preservação do meio am-
biente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou ar-
recadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,
necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
22
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deve-
rão ter sua localização definida em lei federal, sem o
que não poderão ser instaladas.
23
com o meio ambiente (SIRVINSKAS. 2011, p.104).
2. Desenvolvimento sustentável:
É o “desenvolvimento que atende às neces-
sidades das gerações presentes, sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de atender aos seus
próprios interesses”; que se complementa:
3. Princípio da participação:
Esse princípio determina a ampla parti-
cipação do cidadão na participação das políticas
públicas ambientais, que pode ocorrer desde o
voto, mas também por meio de peticionamento
aos Poderes Públicos (direito de petição, art. 5º,
XXXIV, a da CF), ou de ações judiciais como a
ação popular (art. 5º LXXIII).
24
4. Prevenção:
5. Precaução:
Pode-se entender este princípio como abran-
gido pelo princípio da prevenção.
Desconhece-se se o dano vai acontecer, ou
não. Mas o princípio da precaução recomenda que,
por segurança, tome-se providência mesmo diante
de um dano desconhecido, como no caso da gri-
pe aviária, que quando diagnosticada, ainda que os
efeitos nos seres humanos não sejam comprovados,
25
enseja não só no isolamento da criação, como no
sacrifício das aves.
6. Poluidor-pagador:
Consoante o princípio 16 da Declaração do
Rio/92, o poluidor deve arcar com o custo decor-
rente da poluição, as autoridades nacionais devem
promover a internalização dos custos ambientais
e o uso de instrumentos econômicos, levando na
devida conta o interesse público, sem distorcer o
comércio e os investimentos internacionais.
É princípio materializado tanto na Constitui-
ção Federal (art. 225, § 1º, V) quanto na Lei da 6.938/81.
26
Art. 170. A ordem econômica, fundada na va-
lorização do trabalho humano e na livre inicia-
tiva, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social [...].
1. Soberania nacional:
É princípio a ser observado durante toda a
27
vigência da Constituição: que a influência de outros
países em nossa economia seja ditada segundo as
vontades e conveniências de nosso Estado.
2. Propriedade privada:
O direito de propriedade é garantido pela
Constituição; esta garantia consagra a importância
da propriedade privada para o desenvolvimento da
economia brasileira, bem como limita a atividade/li-
berdade estatal diante destes bens particulares. Con-
tudo, o uso e gozo privado estarão condicionados à
obediência à função social.
4. Livre concorrência:
A preocupação implícita neste princípio
constitucional é com a não intervenção estatal na
concorrência do mercado. Mas tal qual o direito de
28
propriedade, trata-se de garantia que pode ser res-
tringida quando exercida de forma abusiva.
O abuso do poder econômico, com vistas a
estabelecer concorrência desleal, ou a própria elimi-
nação da concorrência é combatida pela Constitui-
ção, conforme art. 173 § 4º c/o 173 § 5º; assim como
por lei infraconstitucional, a Lei 8.884/94.
O CADE (Conselho Administrativo de Defe-
sa Econômica) é autarquia destinada a reprimir a con-
corrência desleal e outras infrações à ordem econômica
5. Defesa do consumidor:
A defesa do consumidor foi reclamada pela
Constituição Federal, quando determinou (art. 48 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias)
que, dentro de cento e vinte dias da promulgação da
Constituição, elaborasse o Congresso, um Código de
Defesa do Consumidor.
Os interesses dos consumidores, portanto,
devem ser sopesados com os interesses relacionados
à livre iniciativa e ao desenvolvimento da economia.
Não por outro motivo, estão entre os
princípios criados pela Política Nacional de
Relações de Consumo, por ocasião da elabora-
ção do Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/90), entre outros:
(a) a harmonização dos interesses dos par-
ticipantes das relações de consumo e compatibiliza-
ção da proteção do consumidor com a necessidade
de desenvolvimento econômico e tecnológico, de
29
modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a
ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equi-
líbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
(b) defesa do meio ambiente, inclusive
mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de
seus processos de elaboração e prestação: Dei-
xamos por último esse princípio porque é, fun-
damentalmente, o tema a ser desenvolvido neste
estudo, ou seja, a relação entre meio ambiente e
economia. Se a defesa do meio ambiente é uma
vontade da Constituição, o Direito Ambiental, e
todos os seus princípios (desenvolvimento sus-
tentável, poluidor pagador, prevenção etc) de-
verão sopesar e serem sopesados em relação ao
desenvolvimento da economia.
Aliás, em relação a esse último princípio, trata-se
de verdadeira ciência que surge a partir daí: a Economia
ambiental (conceito adiante pormenorizado).
30
adquirida quando criança, de que um ou outro seja
absoluto em relação aos demais, em qualquer caso.
Deveremos entender desde aqui, e seguir os
estudos que se propõem para agora em diante neste
módulo, sabendo que o embate entre Proteção do
Ambiente X Desenvolvimento econômico:
31
jamais alternativamente por uma ou por outra.
É importante explicar tais regras. Será bom
e elucidativo, na medida em que nos embrenhamos
pela Teoria, pensemos no caso concreto.
CASO CONCRETO:
Imaginemos que uma Fábrica que polua
o meio Ambiente seja sumariamente fechada
pelo poder Público. Um embate claro entre in-
teresses e direitos constitucionais fundamentais:
a proteção do ambiente de um lado e, de outro,
o desenvolvimento econômico, mas não só, a
própria livre inciativa e o direito ao trabalho dos
empregados também.
1° ETAPA: REGRA OU MÁXIMA DA
ADEQUAÇÃO - verifica-se no eventual embate o
ajustamento entre o meio e o fim almejado, ou seja,
se a medida que se quer tomar alcança a finalidade
descrita ou inspirada pela lei.
No caso, realmente a decisão de fechar a fá-
brica atende a finalidade de proteger o meio ambiente.
2° ETAPA: REGRA OU MÁXIMA DA
NECESSIDADE - questiona a intensidade do meio
utilizado: se não existe outra forma menos gravosa
e igualmente eficaz. Um meio não é necessário se
existe um meio atenuado, menos interveniente.
32
Parece que, sob a regra da necessidade, com
rápida reflexão, já se conclui que fechar a fábrica é
um meio tão gravoso que fere de morte os direitos
de um dos lados, no caso, o do desenvolvimento eco-
nômico, da livre iniciativa, lembrando ainda no desem-
prego que será causado pelo fechamento da fábrica.
Conforme já dissemos, o exame requer a
aprovação sob as três regras; a reprovação em uma
delas já importa em concluir que fechar a empresa
não é, de saída, a correta decisão para o caso concreto.
Entre as medidas igualmente eficazes, con-
tudo, menos gravosas, estariam a troca dos maquiná-
rios por outros menos poluentes (desde que também
não inviabilizassem a empresa em face do alto cus-
to), ou mesmo a instalação de filtros.
3° ETAPA: REGRA OU MÁXIMA DA
PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ES-
TRITO - faz-se uma análise de “custo x bene-
fício”, ou seja, verifica-se se a intensidade da
intervenção está em proporção à importância
do objeto que se quer proteger. Em uma escala
comparativa, a restrição deve situar-se em mes-
mo nível em que se encontra o direito protegido.
Fácil perceber, por exemplo, que a obriga-
toriedade na instalação de equipamentos (ou de um
filtro) é medida que restringe a livre iniciativa, mas
é ação totalmente justificável e necessária em razão
do que se quer preservar, do que se mostra eficaz na
preservação do meio ambiente.
Não somente como procedimento para apli-
33
cação da norma, essa proporcionalidade pode, tam-
bém, ser assimilada como fonte de Justiça.
Deve-se lembrar de que o necessário sopesa-
mento do meio ambiente com outros valores como
o desenvolvimento econômico não é uma tarefa do-
méstica, nem tão pouco recente.
No Século XVIII, Thomas Malthus pre-
viu o que chamou de crise alimentar: com o
crescimento populacional acelerado e quantita-
tivamente maior do que a capacidade de produ-
ção de alimentos, logo não seria possível suprir
toda a precisão alimentar da humanidade. (Conf.
TRENNEPOHL. 2008, p.5/6)
Sobre este assunto, crescimento popu-
lacional, industrialização, revolução industrial
acontecida com maior intensidade durante o
século XVII – XVIII trataremos nos próximos
capítulos, com maior especificidade. Estudiosos
apontam estes acontecimentos como os propul-
sores da crise ambiental vivenciada atualmente.
Neste momento, intenta-se, apenas, visuali-
zar a colisão existente entre duas bases fundamentais
da existência do homem na Terra: desenvolvimento
econômico e meio ambiente equilibrado.
Com o final da Segunda Guerra Mundial,
a sociedade internacional vivenciava um período
de reconstrução material e moral; o meio am-
biente que ficou relegado a plano inferior, volta
a preocupar o mundo.
34
Em 1968, inicia-se um dos momentos mais impor-
tantes do debate e questionamentos sobre o futuro
do homem na Terra. Do encontro de cientistas, edu-
cadores, economistas, humanistas e industriais, em
abril de 1968, em Roma, nasce o Clube de Roma.
Composto por cerca de setenta pessoas de diferentes
países, esse “colégio invisível”, organização informal
e internacional, analisou questões como: pobreza e
meio ambiente; diminuição dos recursos naturais;
expansão urbana descontrolada; crescimento popu-
lacional e desemprego (LANGE. 2005, p.17)
35
O homem deve fazer constante avaliação de sua
experiência e continuar descobrindo, inventando,
criando e progredindo. Hoje em dia, a capacidade
do homem de transformar o que o cerca, utilizada
com discernimento, pode levar a todos os povos os
benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a opor-
tunidade de enobrecer sua existência. Aplicado errô-
nea e imprudentemente, o mesmo poder pode cau-
sar danos incalculáveis ao ser humano e a seu meio
ambiente. Em nosso redor vemos multiplicar-se as
provas do dano causado pelo homem em muitas re-
giões da terra, níveis perigosos de poluição da água,
do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos
de equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e esgo-
tamento de recursos insubstituíveis e graves deficiên-
cias, nocivas para a saúde física, mental e social do
homem, no meio ambiente por ele criado, especial-
mente naquele em que vive e trabalha.4
4
Fonte: www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/
estocolmo.doc Acesso em 28.12.2011
36
te e Desenvolvimento (UNCED). Presidida pela
Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brun-
dtland, após quatro anos de trabalho, esta comissão
apresentou ao mundo o documento intitulado “Nos-
so Futuro Comum”, ou “Relatório Brundtland”.
Este estudo teve grande influência nos próxi-
mos eventos mundiais sobre Meio Ambiente; talvez o
mais forte influxo tenha sido delimitação do conceito
de desenvolvimento sustentável, que, por sua vez, se-
ria positivado, mais para frente, durante a Rio 92.5
Esse conceito, por si só, já é a aplicação da
técnica do sopesamento. A ideia de desenvolvimen-
to sustentável surgiu da necessidade de garantirmos
o desenvolvimento e preservarmos o meio ambiente
(principalmente em seu aspecto concreto – preserva-
ção dos recursos naturais para evitar a escassez total)6
Com a oficialização, mesmo antes, mas, prin-
cipalmente após, do termo desenvolvimento susten-
tável a questão ganhou corpo e complexidade. Veja-
mos uma decisão da Corte Internacional de Justiça;
trata-se do caso Gabcikovo-Nagymmaros Project, que
foi julgado em 1997 (apud MILARÉ. 2009, p.1209):
5
Ou Cúpula da Terra, Conferência realizada em junho de 1992 na
cidade do Rio de Janeiro, em que abordou questões relativas ao meio
ambiente e desenvolvimento. Os documentos que foram elaborados
nesta Conferência foram dois:
6
Desenvolvimento sustentável, segundo o relatório Brundtland é o
desenvolvimento que conforma “o atendimento das necessidades
do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem as suas próprias necessidades”.Declaração do Rio sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21.
37
No entendimento do Juiz Weeramantry, então
Vice-Presidente da Corte Internacional de Justiça,
ambos os direitos, ao desenvolvimento e à proteção
ambiental, são hoje princípios integrantes do Direi-
to Internacional. Eles poderiam operar entre si em
contrariedade, não fosse a existência de um princípio
de Direito Internacional que indica como eles devem
se reconciliar. Este princípio é o princípio do desen-
volvimento sustentável (...) que é mais do que um
conceito; ele próprio é reconhecido como um prin-
cípio do Direito Internacional contemporâneo. Na
busca pela implementação desse princípio, a Corte
deveria amparar-se fundamentalmente na experi-
ência humana, uma vez que a humanidade con-
viveu por milênios com a necessidade de reconciliar
os princípios do desenvolvimento e da preocupação
com o ambiente. Desenvolvimento sustentável não é,
portanto, um novo conceito e, para concretizá-lo na
atualidade, uma rica gama de experiências globais
está à nossa disposição (...).
38
Federal de 1988, as leis infraconstitucionais são re-
conhecidamente um exemplo para o mundo no que
tange à proteção ao meio ambiente, sem que isso
institua a “ditadura do verde”, como dizem alguns.
A Constituição deseja a proteção do meio
ambiente, o seu equilíbrio, mas também deseja
e permite o crescimento, o desenvolvimento, a
livre inciativa, e garante o direito de propriedade.
No entanto, no caso concreto, esses interesses
fatalmente colidirão.
Exemplo claro desta colisão é o que acon-
tece com a votação do Novo Código Florestal: a
bancada ruralista e os ambientalistas não conseguem
chegar a um consenso – talvez nunca alcancem – e
caberá então ao resto da sociedade, representada pe-
los deputados e senadores, definir qual será o rumo
a ser seguido nesta questão.
Este é só um exemplo que demonstra a im-
portância da informação, do conhecimento adquiri-
dos pelos cidadãos. Será preciso saber, e levar como
conhecimento a partir daqui, que somos também
intérpretes da Constituição.
O que estudamos e o que estudaremos a
seguir, diz respeito a formas de se interpretar a
Lei Maior, prestigiando e multiplicando as for-
mas possíveis de se promover o equilíbrio do
ambiente e o desenvolvimento econômico, e, so-
bretudo, promover Justiça.
39
2
capítulo
Recursos Naturais
C onforme já visto, identificou-se a pro-
blemática do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (Art. 225 da Consti-
tuição Federal) equiparando-se a um direito fun-
damental da pessoa.
A partir disto, temos que o meio ambiente é
um bem de uso comum do povo (pertencendo à so-
ciedade e não aos indivíduos ou às pessoas de direito
público), reconhecidamente considerado como um
“conjunto de condições, leis, influências e interações
de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas” (Art.
3, inciso I da Lei 6.938/81).
Segundo BENATTI (2005, p.206):
43
conservação, a gestão racional e a melhoria das con-
dições naturais dos bens ambientais. Caracterizando
desta forma a relação macrobem do Meio Ambiente
e microbens dos Bens Ambientais.
Numa visão mecanicista e muito importante
para o correto enquadramento legislativo, os Bens
Ambientais (microbens) se descolam do Meio Am-
biente: aqueles demonstram o lado concreto, per-
ceptível, quantificável e até mesmo valorável deste
que é difuso, intangível, abstrato.
Os Recursos Naturais são aqueles que pos-
suem valor e são úteis na forma em que eles se en-
contram na natureza. Entretanto, é necessário que
eles sejam utilizados com outros fatores de produ-
ção (juntamente com o capital e trabalho), para ge-
rarem um bem ou serviço que traga utilidade para as
pessoas. (Conf. Kamogawa, 2003).
Não faz parte do presente curso o estu-
do específico sobre o assunto “Meio Ambiente”,
mas sim um específico bem material que, dentre
outros, formam o seu todo. Para localizar e hie-
rarquizar nosso objeto principal, “Recursos Natu-
rais”, utilizaremos uma síntese conceitual desen-
volvida por Édis Milaré (2009, p. 213):
44
titutivos e, por conseguinte, indivisível, indisponível
e impenhorável. Esse bem é alvo necessário da solici-
tude do Poder Público e da coletividade, que devem,
em conjunto, zelar continuamente por ele.
2. Os recursos naturais de origem biótica ou abió-
tica, que ordinariamente mantêm interrelações se
inseridos num determinado ecossistema, são bens
ambientais considerados res communes omnium;
significa que são bens tangíveis, reificados ou “coisifi-
cados”, vale dizer, são “coisas”. E, na medida em que
se inserem no bem maior – que, no caso, é a qua-
lidade ambiental decorrente do equilíbrio entre as
partes –, eles são objetos de legislação específica, no
que tange à propriedade, à preservação, à manuten-
ção, ao domínio, ao usufruto, à sustentabilidade e a
outros itens mais. Da proteção desses bens depende a
qualidade geral do meio.
3. Os bens chamados de culturais, que, sem dúvida,
integram o patrimônio ambiental nacional, devem
ser definidos como tais por meio de atos jurídicos e da
gestão ambiental e, por isso, protegidos, mantidos e
perpetuados. Sem embargo, devem ser tratados como
res communes omnium, na medida em que se tradu-
zem criações especiais do espírito humano e da socie-
dade, representam a memória nacional, alimentam
valores de ordem cultural e espiritual e contribuem
para a qualidade de vida tomada como fato biológi-
co ou como fato existencial.
4. Em virtude da visão holística do meio ambiente,
é necessário rever o conceito de “bens ambientais”:
45
são aqueles que integram o Patrimônio Ambiental
Nacional, não apenas os bens “naturais”. Assim,
todo recurso ou bem natural é ambiental; porém,
nem todo bem ambiental é natural. De fato, o pa-
trimônio ou os bens culturais não figuram no elenco
dos elementos naturais, embora constituam objeto
do Direito e da Gestão do Ambiente, sendo também
alvo das políticas ambientais e da avaliação dos im-
pactos (EIA-RIMA).
46
para renovação apenas por processos geológicos, fí-
sicos e químicos que ocorrem em centenas de mi-
lhões de anos”.
A doutrina inclui no conceito de recursos
naturais os seguintes elementos (conf. Silva. 2004):
1. A atmosfera;
2. As águas interiores superficiais e subterrâneas;
3. Os estuários;
4. O mar territorial;
5. O solo
6. O subsolo;
7. Os organismos ou seres vivos.
47
(a) Se uma das consequências desta exploração
dos recursos naturais não fosse o escassez/esgota-
mento de suas reservas;
(b) Se o meio ambiente, visto como receptáculo das
externalidades negativas da produção, fosse capaz
de absorver toda a poluição ou emissão de poluentes
gerada pela atividade industrial.
48
2.1. Qualidade Ambiental
49
lução que contenha todas as características de “es-
tado ótimo”, como por exemplo, definir níveis de
poluição e desenvolvimento cujo resultado defina a
“poluição ótima”.
A saída encontrada pela economia foi fixar,
artificialmente, um valor para o recurso natural explo-
rado (custos da apropriação privada do bem). Os cri-
térios para esta fixação estão baseados nos riscos as-
sumidos pela atividade econômica com a degradação
ambiental inicial – surgida em razão da exploração
– e, também, com a poluição gerada posteriormente
– advinda do próprio processo de industrialização, de
transformação daquele recurso natural.
Segundo DERANI (1997), duas teorias fun-
damentaram a valoração do meio ambiente: a Cor-
reção do Mercado, de Arthur C. Pigou e a Extensão
do Mercado, de Ronald Coase, também conhecidas
por Custos Sociais.
50
lização das externalidades ambientais, visando ao
“uso racional dos recursos naturais”. (p. 107) Grifo
presente no original.
51
Estes microbens, mais precisamente os recursos
naturais, são escassos. Alguns são considerados
renováveis e outros não renováveis, mas todos
eles não podem ser explorados desmedidamente,
pois reitera-se, são bens escassos;
Os recursos naturais, quando são extraídos como
matéria-prima para o processo produtivo, geram
poluição e/ou degradação do meio ambiente.
Cabe à economia ambiental estabelecer limites
para esta poluição/degradação que sejam
suportáveis ao planeta e ao homem;
A ciência econômica, pelos motivos dispostos,
estabeleceu padrões monetários, valores pré-
fixados para os recursos naturais; a partir de
então, o meio ambiente passa a ser valorado
economicamente.
52
3
capítulo
A Sociedade Industrial e a sua
influência no Meio Ambiente
O divisor histórico no que tange à explo-
ração predatória dos recursos naturais
pode ser apontado pela Revolução Industrial, pois
a partir dela o homem “conseguiu” poluir e degra-
dar de forma mais incisiva do que aquilo que a na-
tureza tinha a capacidade de absorver e regenerar.
Historicamente, desde o início da era mo-
derna, com o fim do período feudal foi necessário
repensar o modelo econômico. Senão, vejamos:
Com a burguesia ganhando mais espaço,
tanto econômica como socialmente, o intercâm-
bio de mercadorias e, consequentemente o co-
mércio, vão se intensificando.
Iniciava-se o capitalismo. Era basicamen-
te alicerçado pelas atividades desenvolvidas pelos
artesãos. O emprego das máquinas era feito sub-
sidiariamente; elas não substituíram o homem,
mas sim, auxiliavam em seu trabalho. A atividade
produtiva era artesanal e manufatureira.
O início da Revolução Industrial, no sé-
culo XVIII, é fato histórico que marca o declínio
desta forma de produção artesanal e a ascensão
da produção em massa. A sociedade rural vai
sendo substituída pela sociedade cuja atividade
principal é o consumo. O capitalismo denomina-
do antes de comercial passa a ser industrial.
57
perante. Todos os recursos naturais passam a ser
visto como matéria prima geradora de novos pro-
dutos. Busca-los onde quer que se encontrassem,
torna-se uma obsessão, em um sistema econômi-
co e social fundado na acumulação constante.
Paralelamente, uma perigosa e falsa ideia são
difundidas, a de que a capacidade da natureza
de fornecê-los é desmedida, inesgotável. A socie-
dade industrial consolidada na era contempo-
rânea pautada nos avanços técnico-científicos, e
na expansão do capitalismo industrial, promove
efetivamente uma dissociação entre sociedade e
natureza, como resultado, temos o acirramento
da degradação do ambiente natural. (SILVA. 2006)
7
Apenas para ressalvar a ideia de que o sistema capitalista não é
o único que necessita da exploração efusiva dos recursos naturais.
Como identificado por Cristiane Derani houve a destruição,
quase por completa, das florestas primárias europeias durante a
Baixa Idade Média, e ainda “a destruição das florestas de cedro
ainda pelos navegadores fenícios de mil anos atrás” (2001, p. 73).
58
Tomando-se o fato de que a espécie humana possui
um espaço limitado para a expansão de suas ativida-
des (a vontade incomensurável humana tem como
última barreira os limites da Terra), a delimitação
do que seria matéria (natureza) para o trabalho e
matéria (natureza) para o lazer é feita dentro de um
universo finito. A imanente necessidade de expansão
produtiva da atividade econômica implica na subor-
dinação de toda a relação homem-natureza a uma
única e suficiente ação apropriativa. Aqui a nature-
za passa a ser exclusivamente recurso, elemento da
produção. (1997, p.70)
59
impactam no oriente. A pesca predatória de um especí-
fico mamífero em um dado espaço oceânico acaba por
impactar todo o ecossistema marinho.
Preocupando-se com a exploração desmedida
dos recursos naturais vivenciada desde aquela época até
os dias atuais analisa MILARÉ:
60
4
capítulo
Exploração e Mercantilização dos
recursos naturais:
Apropriação da Natureza pelos
Interesses Comerciais
Num prazo muito curto – e que se torna sempre mais
curto – são dilapidados os patrimônios formados lenta-
mente no decorrer dos tempos geológicos e biológicos, cujos
processos não voltarão mais. Os recursos consumidos e es-
gotados não se recriarão. (MILARÉ. 2007, p. 55)
Não existem sociedades humanas que não tenham proce-
dido à inventariação do meio botânico e zoológico de que
se apropriaram – Claude Lévi-Strauss
65
credita-se ao oxigênio, ou à biodiversidade, a denomina-
ção de recurso natural.
É sabido que a sociedade moderna se alicerça
sobre o lucro, sobre o acúmulo de riqueza. Desde o sécu-
lo XVII é possível afirmar que vivemos em uma econo-
mia de mercado, e uma das suas pilastras é o desenvolvi-
mento econômico, sem ele o sistema não existe.
De acordo com José Francisco Pierangelli, a
preocupação com a apropriação desmedida do am-
biente que nos circunda, sempre existiu, ainda que
de forma genérica. Dela já tratavam o Código de
Hamurabi, o Direito Romano e o homem da Idade
Média e moderna.
No mesmo sentido, apontam algumas pesqui-
sas arqueológicas e documentais que, desde a Idade An-
tiga, a sociedade já sofria com a exploração desmedida
dos recursos naturais e, consequentemente, dos impac-
tos ambientais dela advindos10.
10
Os aquedutos que abasteciam Roma de água potável foram construídos
entre 400 e 500 a. C, em virtude de água do Tibre ter-se tornada imprópria
para o consumo doméstico. E pode-se afirmar com segurança que, antes
mesmo dos romanos, outras civilizações já tivessem realizado práticas
ecológicas desastrosas. As pesquisas arqueológicas vem encontrando
evidências de que os problemas ecológicos contribuíram para a derrocada
de civilizações antigas. Um dos mais respeitados pesquisadores, o
prof. Gerald W. Olson, da Universidade Cornell, com base em sua
longa experiência em escavações arqueológicas afirma que “embora a
queda final de uma civilização possa ser atribuída a uma guerra crítica,
a sociedade pode já ter-se enfraquecido com práticas ecológicas que
forçaram desmoronamentos, secas e inundações e fome em seus
habitantes”. O arqueólogo cita, entre vários exemplos, o da antiga cidade
de Sardis, localizada na Turquia, nas costas do mar Egeu, e que foi a
66
Este é um problema que assola a humanida-
de desde que ganhamos a razão e nos diferenciamos
nos animais irracionais. Contudo, esta preocupação
fundamentava-se nos cuidados com a vida econômica
da sociedade, isto é, os limites à atividade pesqueira,
por exemplo, garantiriam a continuidade na atividade
econômica da pesca e não a proteção às espécies ma-
rinhas afetadas. O enfoque até aqui era a eficiência no
desenvolvimento econômico.
Segundo Silvia Vanti Pezzi, antes do século
XIX, mesmo diante do adensamento populacional,
a urbanização da humanidade e o crescente alarga-
mento das áreas agrícolas e pastoris, essas atividades
ainda não tinham se tornado prejudicial, pois o meio
ambiente ainda conseguia regenerar-se na mesma ra-
pidez com que era degradado.
67
(...) era suportável graças à enorme capacidade re-
generativa da biosfera. No entanto, a partir de fins
do século XIX, e mais precisamente após o segundo
conflito mundial, as grandes descobertas científicas
e tecnológicas, possibilitaram ao homem conquistas
extraordinárias na sistemática de exploração dos
bens naturais. E, a tal ponto, que o homem passou
a ser o elemento predador, por excelência. O homem
praticamente se voltou contra a Natureza. (CAR-
VALHO. 2003, p 37).
11
ato de explotar; extrair proveito econômico de (área, terra etc.), esp.
quanto aos recursos naturais. Dicionário Houassis.
68
desenvolvimento econômico é autodestrutivo. O
pensamento político, social e econômico precisava ser
reestruturado de acordo com o que se constatava.
O que é novo, e isso se refletiu, sobretudo,
no final do século XX, é que a noção de proteção
ao meio ambiente passou a ser dimensionada numa
perspectiva em que se reconhece a biosfera como
sustentáculo da própria vida planetária. Tal pensa-
mento ficou conhecido como ecocentrismo. Então,
o homem já não é o centro do universo e das preo-
cupações – Antropocentrismo – a natureza não exis-
tia mais com o único propósito de servir ao homem.
Segundo Leonardo Boff (apud Milaré, 2009,
p.100), há alguns princípios básicos que regem este
pensamento, a maioria deles fundamenta-se numa
ética ambiental. Podemos apontar um deles que re-
sume com exatidão o novo paradigma ambiental:
“Age de tal maneira que tuas ações não sejam des-
trutivas da Casa Comum, a Terra, e de tudo que nela
vive e coexiste conosco”.
No próximo capítulo trataremos da influ-
ência do pensamento ecocêntrico na apropriação e
exploração dos recursos naturais. Sim, porque, con-
forme visto, o ser humano é dependente do desen-
volvimento econômico; ele precisa apropriar-se da
natureza e transformá-la na exata medida de suas
necessidades, contudo, empiricamente, o homem,
descobriu que seus desejos infinitos devem ser limi-
tados pela capacidade finita do meio ambiente em
suprir e suportar toda a atividade produtiva.
69
5
capítulo
Economia Ambiental
A economia ambiental analisa os problemas ambien-
tais a partir do pressuposto de que o meio ambiente
– precisamente a parte dele que pode ser utilizada nos
processos de produção e desenvolvimento da sociedade
industrial – é limitado, independentemente da efici-
ência tecnológica para sua apropriação.
O esgotamento dos recursos naturais, responsável pela
assim chamada crise do meio ambiente, é identificado
em duas clássicas tomadas: com o crescente consumo
dos recursos naturais (minérios, água, ar, solo, maté-
ria-prima) como bens livres ( free gifts of nature) e com
efeitos negativos imprevistos das transações humanas.
(...) a fim de equacionar o problema da escassez
dos recursos naturais e da melhoria da qualidade
de vida, mantendo o processo produtivo, procura a
economia ambiental incorporar ao mercado o meio
ambiente, adotando a teoria da extensão do merca-
do (atribuição de preços). (DERANI. 1997, p.107)
73
diferenciação criou um panorama propício para a
implantação e aperfeiçoamento do processo desen-
volvimentista, pois quanto mais alto estiver na escala
de desenvolvimento, maior a influência e poder do
país em escala internacional.
Portanto, até aqui podemos vislumbrar a
busca incessante do desenvolvimento econômico11.
Neste período, não se percebia (proposita-
damente ou não) os impactos causados diretamen-
te a um dos principais vetores do desenvolvimento
econômico: os recursos naturais, ou meio ambiente
apropriado. Sim, vetor. Porque é através destes re-
cursos naturais que o homem retira seu sustento e
a sociedade o seu enriquecimento, seu desenvolvi-
mento. E será neste mesmo meio ambiente que a so-
ciedade descartará todo o dejeto final da produção.
De acordo com Silva (2004), o modelo de
desenvolvimento econômico era aquele praticado
nos EUA; era o desenvolvimento puro e simples e
para alcançá-lo de forma plena não havia certo ou er-
rado, o único juízo de valor empregado era aumento
nos lucros, aumento no consumo. Sendo assim, pre-
ocupação com a destruição selvagem dos recursos
naturais ou com a degradação impiedosa do meio
ambiente não fazia parte da agenda empresarial.
12
Desenvolvimento econômico deve ser entendido “como o
processo que se traduz pelo incremento da produção de bens
por uma economia, acompanhado de transformações estruturais,
inovações tecnológicas e empresariais, e modernização em geral da
mesma economia”. (Silva. 2004, p.80)
74
Não existe crescimento sem a exploração dos
recursos naturais; o lucro necessita do consumo, que
por sua vez influencia e é influenciado pela produção
e a produção só poderá acontecer através da utilização
dos recursos naturais, ou seja, de matéria-prima.
A preocupação com meio ambiente, em protegê-
lo da explotação desmedida até já existia, mas era um
questionamento que se fazia em razão da economia.
Isto quer dizer que esforçava-se pelo cuidado ao meio
ambiente, contudo essa proteção advinha da própria
manutenção do sistema: se não houvesse um mínimo
de regulamentação para as atividades econômicas, o que
era possível hoje, amanhã não seria mais em razão da
escassez ou extinção da matéria-prima (recurso natural).
Durante a Primeira Grande Guerra, ain-
da estão presentes as decisões que discutem o meio
ambiente dentro do viés antropocêntrico: “estavam
embasadas sempre em considerações de ordem sanitária,
de estratégia econômica, de turismo, de preservação do
patrimônio público e histórico e de segurança nacional.”
(Carvalho. 2000).
Conforme visto no capítulo em que se desen-
volveu o tema Recursos Naturais, temos que, na segun-
da metade do século XX, esta ideologia entra em declí-
nio; este foi um importante período para o pensamento
ambiental, para a alteração do espaço que suporta tudo,
que é infinito e infindável, para meio que inspira cuida-
dos, que é necessário para a vida no planeta.
Laureado pelo Prêmio Nobel da Paz, em
1952, Albert Schweitzer, médico e missionário, foi
75
um dos precursores a vincular a ética com o respeito
pelo ambiente; foi o responsável por popularizar, o
que ficou conhecido, por ética ambiental.
Em 20 de outubro de 1952, o Nobel da Paz,
proferiu um discurso, na Academia Francesa de Ci-
ências (Paris), sobre o tema “O problema da ética na
evolução do pensamento”, em que declarou:
76
to ao princípio do “Patrimônio Comum da Humanida-
de”. Este preceito engloba questões de sustentabilidade
e igualdade entre as nações.
A preocupação ambiental, mesmo em seu ápice,
mesmo diante dos discursos efusivos de seus defensores,
não conseguiu influenciar, impactar no crescimento eco-
nômico. A sociedade já havia estruturado seu modus ope-
randi, e um viés deste sistema era o acúmulo de capital.
Contudo, apesar de não atingir seus objeti-
vos imediatamente, aqueles expoentes acabaram, ao
menos, por influenciar as novas doutrinas ambienta-
listas e reverberaram nas demais ciências humanas.
77
trodução dos recursos naturais como um dos fatores
de crescimento econômico.
No paradigma clássico da teoria existiam
apenas dois fatores: capital e trabalho. Inclusive, al-
guns economistas inseridos nesta teoria clássica, tais
como Jean Baptiste Say, afirmavam que os recursos
naturais estariam sempre disponíveis a qualquer in-
teressado, eram considerados fonte inesgotável de
exploração e, desta forma, o seu estudo não fazia
sentido dentro das ciências econômicas.
Por certo que tal desimpedimento não se mos-
trou tão mágico e infindável assim; novos economistas
começaram a tratar o assunto com maior cautela, qua-
lificando os recursos naturais como um fator de pro-
dução capaz de influenciar o crescimento econômico.
Assim afirma Cristiane Derani:
78
conclusões desta Conferência deram ensejo a 26
princípios, segundo Carvalho (2000), foi ela a res-
ponsável por lançar bases programáticas para um
novo entendimento político-social e jurídico relativo
à relação ao homem e o meio ambiente.
De mais concreto, podemos conferir à Confe-
rência de Estocolmo a influência na criação do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA.
O próximo grande marco foi a RIO/92, re-
alizada no Rio de Janeiro, que acabou por positivar e
delimitar o conceito de desenvolvimento sustentável.
Na verdade, esta definição foi trazida pelo
Relatório Brundtland ou Nosso Futuro Comum, do-
cumento que condensa o resultado das discussões
travadas durante os trabalhos da Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em âmbi-
to da Organização das Nações Unidas.
As conclusões do Relatório Brundtland e da
Rio/92 possibilitaram o surgimento da “Declaração
do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”,
documento este que, segundo Milaré:
79
volvimento “que atender às necessidades do presen-
te sem comprometer a possibilidade de as gerações
futuras atenderem às suas necessidades”.
Aquele ideal de desenvolvimento econômi-
co clássico, “puro e simples” já não satisfaz os inte-
resses da sociedade atual.
A rejeição do conceito de desenvolvimento
acima disposto, identificado como puramente econô-
mico, incita a aplicação do novo paradigma – da sus-
tentabilidade, mas será que ele é factível na proteção
dos recursos naturais? Quais são os limites e a efeti-
vidade do desenvolvimento sustentável quando nos
deparamos com a exploração dos recursos naturais?
Assegurar que as próximas gerações também
possam atender suas necessidades importa em deixar
a elas, no mínimo, o mesmo nível de riqueza natural
que é concedido à geração atual, isto quer dizer que:
80
dos dejetos da produção) somente será remida:
(I) para manutenção da vida humana, (II)
para a proteção de algum valor humano básico ou
(III) quando for justificada a capacidade de se apro-
priar dos meios sem danificar a sua reprodução.
(conf. Derani. 2000)
Isto porque, lembremo-nos de nosso segun-
do capítulo, em que estudamos a máxima da pro-
porcionalidade; lá vimos também que o conceito
“desenvolvimento sustentável” já foi estruturado
utilizando-se das três regras: adequação, necessidade
e proporcionalidade.
Sendo assim, unindo o que aprendemos com
o conceito de desenvolvimento sustentável: então só
poderemos explotar14 validamente o meio ambiente
quando não for atividade que comprometa o futu-
ro. Será que a explotação de qualquer minério (ouro,
cobre, calcário), de combustíveis fósseis, enfim de
qualquer recurso considerado não renovável pode
ser feita validamente? Será que poderemos afirmar
que esta exploração para fins econômicos atende às
premissas do desenvolvimento sustentável?
Acreditamos, portanto, que não há possibi-
lidade de aplicação do conceito de desenvolvimento
sustentável, em sua inteireza, numa atividade de ex-
plotação de recurso não renovável – a não ser que
possamos enquadrar tal ação em uma das hipóteses
remissórias aventadas por DERANI: para manuten-
14
Vide nota de rodapé 11
81
ção da vida humana ou para a proteção de algum
valor humano básico.
E, mesmo assim, devemos levar em conside-
ração que tais afirmativas carregam em sua formação
termos abertos, abstratos, conceitos que não são ob-
jetivos. Por exemplo, o que seria de fato “manuten-
ção da vida humana” ou “valor humano básico”? São
conceitos de conteúdo histórico e cultural, portanto,
que variam de acordo com o tempo e o espaço.
Isso também demonstra a fragilidade de se
assegurar os recursos naturais necessários para a
existência das futuras gerações; não há previsibili-
dade das necessidades que surgirão e, ainda, o que
engloba o conceito de necessidade?
Aliado a isso, não se pode desprezar que o sis-
tema econômico atual (conforme já descrito antes) se
baseia no lucro ou na expectativa dele e que, para tanto
investe no consumo, chegando a ser dele dependente.
Estratégias de publicitárias influenciam e es-
tabelecem novos patamares de consumo.
82
sável por criações surpreendentes de “necessidades”,
e sem ele a sociedade de consumo não sobreviveria.
(DERANI. 1997, p.134)
83
nismos que limitem o acesso aos recursos naturais. As
grandes empresas se empenhariam em buscar alternati-
vas – menos dependentes do meio ambiente – quando,
de alguma forma, disto depender sua lucratividade.
84
o desenvolvimento econômico como algo necessá-
rio e essencial para a própria manutenção do sistema
capitalista atual.
Se de um lado somos obrigados a conviver
com a poluição gerada pelo processo produtivo (ex-
ternalidades negativas) – que degrada o meio am-
biente e impacta negativamente na qualidade de vida
–, por outro, nos beneficiamos dos avanços científi-
cos, tecnológicos (externalidades positivas). Enfim,
do conjunto destes fatores que influenciam positiva-
mente a saúde e bem-estar do ser humano.
Desta forma, torna-se impossível aniqui-
lar o desenvolvimento econômico no interesse
de bem-estar social, porque também nos bene-
ficiamos dos produtos gerados por ela. E essa
paralização afetaria diretamente aquilo que foi
objeto inicial de proteção: qualidade de vida,
bem-estar social.
Tratando-se as ciências econômicas do es-
tudo da atividade econômica e a relação desta com
a sociedade, no caso em que discorremos – a eco-
nomia ambiental – uma das suas ferramentas para
solucionar o impasse de meio ambiente equilibrado
versus desenvolvimento econômico é o estabeleci-
mento de padrões monetários, de valores pré-fixa-
dos para os recursos naturais.
Ao criar padrão monetário, a economia
ambiental limitará o acesso privado aos recursos
naturais e, portanto, restringirá a atividade pro-
dutiva cuja matéria-prima seja o bem natural que,
85
conforme visto, são bens escassos.
Os critérios para esta fixação estão baseados
nos riscos assumidos pela atividade econômica com
a degradação ambiental inicial – surgida em razão da
exploração – e, também, com a poluição gerada pos-
teriormente – advinda do próprio processo de indus-
trialização, de transformação daquele recurso natural.
Esta seria a finalidade imediata alcançada
pela valoração dos recursos – impedir a explora-
ção desmedida; enquanto que em longo prazo,
atingirá a finalidade mediata: criar limites aceitá-
veis de poluição/degradação.
Para entender o processo de fixação, de va-
loração destes recursos é necessário discorrer, mes-
mo que resumidamente, acerca de alguns elementos
de natureza econômica.
(a) As falhas de mercado (externalidades).
A principal ideia envolvida neste aspecto
da teoria pode ser resumida pela seguinte frase:
“privatização dos lucros e socialização das per-
das”. Estas externalidades, ou efeitos externos
da produção serão sentidos por toda a coletivi-
dade, inclusive pela parte que não participou da
relação econômica. Para exemplificar tal concei-
to, vejamos o caso da poluição.
Qualquer atividade econômica tem um cus-
to: para produzir ou prestar serviço será necessário a
utilização dos fatores de produção – capital, recursos
naturais e trabalho. Haverá compensação pecuniária
destes custos a partir da contraprestação da utiliza-
86
ção destes serviços: pagamentos de impostos, de sa-
lários em virtude da força de trabalho, pelo aluguel
em razão do imóvel utilizado. O produtor usufrui e
paga. Este é o custo privado da produção.
Quem adquire o produto ou utiliza-se
dos serviços pagará pelos custos que envolvem
tal atividade: o produtor ou prestador repassará
ao consumidor, através do preço a ser pago pela
coisa, aquilo que gastou durante sua atividade.
Contudo, há custos que não possuem
compensação. O caso da poluição da água, por
exemplo, haverá uma série de custos/danos que
não poderão ser, eficazmente, compensados (de
que adiantaria o pagamento em pecúnia se a socie-
dade nunca mais poderá usufruir daquele rio, não
poderá mais pescar, praticar esportes, visualizar
sua paisagem afetada pela poluição)?
E pior, há alguns custos que envolverão
parcela da sociedade que nem faz parte da rela-
ção econômica. Imaginemos que não somos con-
sumidores de fraldas descartáveis e moramos ao
lado de uma indústria que produz tal bem; não
participamos da relação econômica, mas, mesmo
assim, conviveremos com a poluição gerada pela
produção. Este é o custo social da produção.
E agora, a frase inicial ganha transparên-
cia: “privatização dos lucros e socialização das
perdas” – o que é custo privado está exatamente
onde deveria, no interior da relação econômica,
na relação entre o produtor/prestador e o consu-
87
midor, enquanto que os custos sociais são supor-
tados por todos, indiscriminadamente.
Continuando, temos outro aspecto da teo-
ria que precisa ser abordado antes de passarmos
ao próximo tópico: a concorrência num sistema
capitalista de produção. Veremos que não são
somente os custos da produção que influenciam
na formação dos preços, a própria concorrência
também tem sua parcela de persuasão.
O mercado concorrencial impulsiona o
produtor/prestador em busca sempre da redução
dos custos e, muitas vezes, o preço se adequará
ao o do concorrente inclusive sem diminuição
dos custos. Diante disto:
88
5.2.1. Internalização da externalidade
89
marginal privado + taxa). Este processo de interna-
lização através de uma taxa, preconizada por Pi-
gou, é conhecida pelo nome de solução pigoviana da
externalidade (...) (Faucheux e Noel. 1995, p.218).
90
pântano para absorver as pesadas precipitações, sua
terra agora está alagando – danificando suas culturas. O
primeiro fazendeiro teria o direito de fazer o que quisesse
em suas terras, ou deve ser obrigado a pagar ao segundo
fazendeiro o valor de seus cultivos danificados? 15
91
Requerendo uma indenização alta de tal monta que
obrigue o segundo fazendeiro a rever sua forma de
produção (buscando novas alternativas de plantio).
Neste caso, a teoria de Coase fará, pela própria
característica de bilateralidade da negociação, com que
o primeiro fazendeiro pense em outras técnicas de pro-
dução que não gerem as externalidades negativas.
Na primeira teoria temos uma taxa fixada
pelos Administradores públicos, na segunda temos
a ideia de livre mercado. A escolha pública X a es-
colha privada. Os economistas entendem essa dife-
renciação como processo de escolha social (em que
o governo decreta o grau de taxação para esta ou
aquela atividade degradadora) ou como processo de
escolha privada (em que um processo de bem-estar
individual comanda o nível de poluição).
Falamos a pouco que deveríamos imaginar
que no mundo só existisse a teoria para resolver a
questão, mas no caso brasileiro não podemos esque-
cer-nos de nossa Constituição Federal que elevou o
meio ambiente equilibrado a um direito por ela prote-
gido e garantido e, além disso, também fixou expres-
samente em seu texto o direito à propriedade limitado
a sua função social, ambos já estudados neste módulo.
Portanto, a junção das teorias ora analisadas
com nossa Constituição Federal ocupando-se dos te-
mas ambientais, ao menos no plano teórico, no mundo
do “dever-ser”, estar-se-á protegendo o meio ambiente.
A seguir traremos para o mundo do “ser”
esta proteção ambiental. Com instrumentos públicos
92
eficazes de controle prévio e posterior fecharemos
o ciclo de proteção ambiental – o certificado e licen-
ciamento ambientais são importantes instrumentos de
política pública utilizados em defesa do meio ambiente.
93
6
capítulo
Os Instrumentos da
Política Ambiental
Para superar os problemas ecológicos, não há uma
receita padrão, mas existem muitas particularidades
locais e regionais que precisam ser consideradas. Em
muitos países semi-industrializados do Terceiro-
-Mundo, os instrumentos público-ambientais discu-
tidos são conhecidos. Na realidade, porém, aplica-se
somente a proteção ambiental corretiva. Isto quer
dizer: em caso extremo executam-se as dispendiosas
medidas corretivas para melhorar a qualidade am-
biental às custas dos cofres públicos, portanto às cus-
tas dos contribuintes (socialização dos custos). Nesses
países há muita liberdade para se poluir à vontade
e os responsáveis ficam impunes. (O fim visual do sé-
culo XX e outros textos críticos. Por Ernesto Manuel
de Melo e Castro).
97
artigo 225 também da Constituição Federal.
No intuito de sopesar e harmonizar tais inte-
resses coube ao Poder Público criar instrumentos de
fiscalização que ao mesmo tempo fossem capazes de
proteger os bens ambientais da exploração predatória
e assistir ao inevitável desenvolvimento econômico.
Os instrumentos da política ambiental, segun-
do Ernesto Manuel de Melo e Castro, dividem-se em:
(a) não-fiscais: prescrições com proibições ou
exigências (regulamentação para produtos e a emis-
são de poluentes), instrumentos de planejamento
ambiental (estudos e relatórios de impactos ambien-
tal), alterações jurídicas (legislação ambiental, alvarás
ambientais, licenciamentos), soluções de cooperação
(convênios, uniões) e instrumentos livres (educação
ambiental, atuação espontânea, soluções negociadas);
(b) de gastos: oriundos de financiamentos de
impostos, taxas e contribuições compreende os ins-
trumentos de proteção ambiental públicas, subven-
ções, apoio à pesquisa e desenvolvimento relevantes
para o meio ambiente. Inclusive, este instrumento de
política ambiental tem propriedades semelhantes às
da taxa no sentido em que fornece o mesmo incen-
tivo para reduzir as emissões, mas com a vantagem
de gerar menos oposição: as empresas são evidente-
mente mais receptivas a medidas que financiem os
custos de controle da poluição que àquelas que jo-
gam a carga sobre elas.
(c) de receitas: advêm de alvarás, taxas, im-
postos e multas.
98
Em todos eles podemos identificar aqueles
conceitos tratados no capítulo anterior – princípio
do poluidor pagador, internalização dos custos so-
ciais. Vimos que em todos eles o ideal de punir os
poluidores e prevenir novos danos ambientais. Para
tanto, a Administração Pública estruturou-se, dele-
gando funções, estabelecendo objetivos claros, prin-
cipalmente a partir de 1981.
Neste ano, 1981, foi promulgada a Lei n.º
6.938 estabelecendo a Política Nacional do Meio
Ambiente (PNMA) ratificando as pretensões da so-
ciedade e pormenorizando aqueles objetivos, prin-
cípios, indicação dos órgãos responsáveis, enfim,
todos os fundamentos que definem a proteção am-
biental em nosso país.
Incorporando a responsabilidade da pre-
servação, melhoria e recuperação da qualidade am-
biental, visando assegurar, no país, condições ao
desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida
humana, os órgãos executores da PNMA fazem par-
te de um Sistema maior de proteção, Sistema Nacio-
nal do Meio Ambiente (SISNAMA) são eles:
(i) órgão superior: o Conselho de Governo,
com a função de assessorar o Presidente da Repú-
blica na formulação da política nacional e nas dire-
trizes governamentais; (ii) órgão consultivo e deli-
berativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar
e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de po-
99
líticas governamentais e deliberar, no âmbito de sua
competência, sobre normas e padrões compatíveis
com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e
essencial à sadia qualidade de vida, é presidido pelo Mi-
nistro do Meio Ambiente; (iii) órgão central: a Secretaria
do Meio Ambiente da Presidência da República, com a
finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e con-
trolar, como órgão federal, a política nacional e as dire-
trizes governamentais fixadas para o meio ambiente; (iv)
órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com a
finalidade de executar e fazer executar, como órgão fe-
deral, a política e diretrizes governamentais (v) Órgãos
Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsá-
veis pela execução de programas, projetos e pelo con-
trole e fiscalização de atividades capazes de provocar a
degradação ambiental; (vi) Órgãos Locais: os órgãos ou
entidades municipais, responsáveis pelo controle e fisca-
lização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições
Positivados, ainda pela Política Nacional do
Meio Ambiente, estão diversos instrumentos que as-
seguram o equilíbrio entre desenvolvimento econô-
mico e a proteção do Meio Ambiente. O artigo 9º da
Lei enumera treze deles:
100
II - o zoneamento ambiental;
101
e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;
(Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989).
102
6.1. Certificados e alvarás ambientais
Ao analisar estes dois instrumentos, veremos
que suas semelhanças são patentes. Ambos buscam
o bem agir ambiental, mas o ponto que os distancia
é bem interessante e demonstra como a sociedade
busca alternativas quando a máquina estatal é defici-
tária (corrupção, morosidade, burocracia excessiva).
Isso é assim porque, enquanto o Licencia-
mento Ambiental é estruturado e regulamentado
pelo Poder Público, a Certificação Ambiental é de
responsabilidade da sociedade civil.
Veremos neste item as principais caracterís-
ticas dos instrumentos, começando pela Certifica-
ção Ambiental.
6.1.1.Certificados Ambientais
103
Partindo desta premissa: é favorável às
empresas certificarem-se, ao mesmo tempo em
que recebem chancela constitucional, vemos que
a Certificação Ambiental é um importante ins-
trumento de proteção ambiental.
Segundo Eder Cristiano Viana (2003, p.587), a
Certificação Ambiental, via de regra, tem interferência
privada, enquanto que o licenciamento está submetido
às regras de direito publico – portanto e, infelizmente,
em ambiente corrupto, moroso e burocrático.
E, contextualiza que:
104
blico, desgastado pelos processos de corrupção e ineficiên-
cia que assolam as estruturas administrativas estatais.
105
rotulagem, selo e auditorias ambientais. No Reino
Unido, por exemplo, existe a norma BS 7750, nos
Estados Unidos, a SGA NSF 110 DA NSF Interna-
cional (Souza, 2000). No Brasil pode-se citar, além
dos já apresentados, a certificação agrícola para o se-
tor canavieiro, do Instituto de Certificação e Manejo
Florestal e Agrícola – Imaflora/CAN, associado ao
Instituto de Agricultura – CAN, cuja certificação
possui grande aceitação no mercado internacional,
com o selo socioambiental ECO-O.K.® (VIANA,
E.C. etal. 2003, p.589/590)
106
6.1.2. Licenciamento Ambiental
107
mos chamar de “certificados públicos”, nos dizeres
de VIEIRA, pelos quais “a Administração Pública
confere ao empreendedor, atestando que todas as normas
ambientais estão sendo obedecidas e que os padrões técni-
cos exigidos pelo Poder Público estão sendo cumpridos”
(591, 2003).
108
Assim sendo, temos que Licenciamento
Ambiental é procedimento administrativo pelo qual
o órgão ambiental competente licencia a localização,
instalação, ampliação e a operação de empreendi-
mentos e atividades utilizadoras de recursos ambien-
tais, consideradas efetiva ou potencialmente polui-
doras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam
causar degradação ambiental.
E, ao final deste procedimento, ao final do
licenciamento ambiental é possível, caso o adminis-
trado tenha atendido a todos os requisitos e con-
dições impostas pela lei, a expedição do ato admi-
nistrativo “Alvará”, ou no caso em estudo, “Alvará
Ambiental”, permitindo que o interessado pratique
a atividade potencialmente poluidora.
Então, a materialização do licenciamento
ambiental se dará na figura do alvará ambiental, den-
tre os quais estão o Alvará de Licença e o Alvará
de Autorização. Contudo, mesmo possuindo carac-
terísticas diferentes, as normas que tratam do licen-
ciamento utilizam-se destas nomenclaturas de forma
indiscriminada. Exemplos:
(...) nos arts. 14, “b”, 26, “h”, “i”, “o” e “q”, e 45, da
Lei nº 4.771/65 (Código Florestal), e nos arts. 4º,
12, 13, 14, 20 e 22 da Lei nº 5.197/67 (Código de
Caça); ou, ainda, há hipóteses em que a sua mani-
festação, porquanto impregnada de características e
princípios peculiares ao Direito Ambiental, se dis-
tanciará da acepção clássica da doutrina adminis-
109
trativa (Antunes. 2011, p.171)
110
6.1.3. Diferenças entre Certificação
e Licenciamento Ambiental
111
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação
da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cul-
tural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Enquanto que na Certificação Ambiental, a
competência é definida pelos próprios órgãos nor-
matizadores e/ou reguladores.
Por sua vez, quanto à finalidade imediata
é conceder às empresas certificadas maior cre-
dibilidade no mercado comercial. Com a certi-
ficação, os consumidores, a sociedade como um
todo reconhecerá um diferencial naquele produ-
to/serviço oferecido.
E, no licenciamento ambiental o que se
preza imediatamente é preservar o meio ambien-
te, de forma a limitar as atividades da iniciativa
privada que são consideradas poluidoras ou de-
gradantes ao meio.
Vejamos que a atividade as empresas cer-
tificadoras é receptiva – elas agem por opção e
desejo daquele que as procura; bem diferente é
a situação do administrado perante a Adminis-
tração: a atividade é receptiva num primeiro mo-
mento, torna-se ativa logo após – aquele deve
obediência à lei e quem garante este cumprimen-
to é o órgão competente definido pela Lei. Aqui
112
o cumprimento é obrigatório, lá é facultativo.
Segue um quadro comparativo de ambos os
instrumentos:
Elemento de Comparação Certificação Licenciamento
Atestar comportamento menos
nocivo ao meio ambiente e, ou Atestar comportamento menos
promover uma atuação do nocivo ao meio ambiente, e, ou, promover
Objetivos
particular conforme padrões uma atuação do particular conforme
técnicos de conservação padrões técnicos de conservação ambiental
ambiental
Promove a verificação da
Promove a verificação
compatibilidade da atividade
da compatibilidade da atividade com
com conservação ambiental,
Atuação conservação ambiental, visando
visando equalizar
equalizar desenvolvimento
desenvolvimento
econômico e sustentável
econômico e sustentável
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0100-67622003000400019. Acesso em 12.12.2011
113
Legislação Ambiental a Ser Consultada
115
Referências
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Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Edi-
tora Malheiros. 2008
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BIRNFELD, Carlos André. Algumas perspectivas
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ambientais. Direito ambiental contemporâneo. Ba-
rueri: Manole, 2004.
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FOLADORI, Guillermo. Limites do desenvolvimento
sustentável. Campinas: Editora Unicamp, 2001, p. 170.
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MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. Doutrina –
Jurisprudência – Glossário. 3a edição revista, atu-
alizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais LTDA, 2004. 1024.
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PIERANGELLI, José Henrique. Agressões
à natureza e proteção dos interesses difu-
sos. São Paulo: Revista dos Tribunais. RT
649/378, novembro/89, p. 378.
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dica do licenciamento ambiental e sua interface
com a certificação ambiental. Rev. Árvore [on-
line]. 2003, vol.27, n.4, pp. 587-595. <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
-67622003000400019&lng=en&nr m=iso>.
ISSN 0100-6762.
122