Direito Ambiental e A Economia

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Direito Ambiental

e a Economia
Renata Zanin

1ª Edição / Agosto / 2012


Impressão em São Paulo - SP
Direito Ambiental Revisão Ortográfica
Vanessa Almeida
e a Economia
Coordenadora
Coordenação Geral Pedagógica de
Nelson Boni Cursos EaD
Eleonora Altruda de Faria
Coordenação de
Projetos 1ª Edição: Agosto
Leandro Lousada de 2012
Impressão em São Paulo/SP
Professor
Responsável
Renata Zanin Copyright © EaD KnowHow 2011
Nenhuma parte dessa publica-
Projeto Gráfico, Capa ção pode ser reproduzida por
e Diagramação qualquer meio sem a prévia
Giulia Paolillo autorização desta instituição.

Z31d Zanin, Renata.


Direito ambiental e economia. / Renata Zanin – São
Paulo : Know How, 2012.
122 p. : 21 cm.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-8065-173-7

1. Direito ambiental. 2. Meio ambiente. 3. Economia


ambiental. 4. Recursos naturais. I. Título.

CDD 344.046

Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353


Sumário

Bibliografia Básica 9

1. Questão de entendimento pre- 10


liminar: O Ambiente equilibrado X
Desenvolvimento Econômico e a co-
lisão de direitos constitucionalmente
protegidos.
1.1. O meio ambiente e o desenvolvimento 14
econômico no contexto da Constituição
1.2. Do Direito Ambiental 19
1.3. Do Desenvolvimento econômico 26
1.4. O Direito Ambiental X Desenvolvimen- 30
to Econômico e a colisão de direitos constitu-
cionalmente protegidos

2. Recursos naturais 40
2.1. Qualidade ambiental 49

3. A Sociedade industrial e a sua 54


influência no meio ambiente

4. Exploração e mercantilização 62
dos recursos naturais. Apropria-
ção da natureza pelos interesses
comerciais.
70 5. Economia ambiental
77 5.1. Teoria do crescimento econômico, o de-
senvolvimento sustentável e os recursos
naturais.
84 5.2. Valoração ambiental. Teoria das ex-
ternalidades.

94 6. Os instrumentos da política
ambiental

115 Legislação Ambiental a ser con-


sultada

117 Referências

124 Anotações
Bibliografia Básica

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. Doutrina –


Jurisprudência – Glossário. 3a edição revista, atu-
alizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais LTDA, 2004. 1024.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.


4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.171.

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico.


2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2001.

FIORILLO, C. A. P. Curso de Direito Ambiental


Brasileiro. 9a edição revista, atualizada e ampliada.
São Paulo: Editora Saraiva, 2008. 580.

9
1
capítulo
Questão de entendimento preliminar: O
Ambiente equilibrado X Desenvolvimento
Econômico e a colisão de direitos
constitucionalmente protegidos
A Constituição Federal é a Lei suprema
brasileira, pelos motivos a seguir deli-
neados, e por tantos outros, é vetor de interpretação
para todas as demais normas do ordenamento, e nela
encontram-se não só a discriminação dos elementos
constitutivos de nosso Estado, como também apre-
senta os valores fundamentais de nossa República.
Esses valores foram materializados na Constituição
sob a denominação de “Princípios Fundamentais”,
espalhados por toda a nossa lei constitucional. A Lei
Maior, portanto, é um sistema onde convivem duas
espécies de normas: os princípios e as regras.
Os princípios são mandamentos de otimiza-
ção e, como ensina o mesmo autor, ordenam que
algo seja realizado na “maior medida do possível”
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existen-
tes, isto é, diante de um caso concreto.
Assim, no plano da teoria, não há hierarquia
entre princípios.
Como não há hierarquia entre princípios,
eles só se sobrepõem a outro diante de um caso con-
creto, diferentemente das regras que, se exatamente
antinômicas, apenas uma valerá.
Diante de princípios que se façam colidir,
em um caso concreto, diferentemente das regras,
ambos podem e devem coexistir, em maior ou me-
nor medida, mas sem que um exclua o outro.
E o que o Meio Ambiente tem a ver com isso?
O Meio Ambiente é um bem constitucional
e sua proteção, preservação e reparação são direitos

13
constitucionais fundamentais. E os direitos consti-
tucionais fundamentais advêm dos princípios funda-
mentais de nossa Constituição.
Acontece, no entanto, que também desses
princípios fundamentais decorrem direitos como
o de liberdade e propriedade. Assim, o desenvolvi-
mento da sociedade, inclusive sob o seu aspecto eco-
nômico, também encontra a mesma fonte: a Consti-
tuição. Senão, vejamos:

1.1. O meio ambiente e o desenvolvimento


econômico no contexto da Constituição

Para entender qualquer objeto de estu-


do, a fim de conhecê-lo verdadeiramente em sua
extensão e conteúdo, devemos primeiramente
descobrir de que se trata o objeto em si, inde-
pendentemente da preconcepção que venhamos
a ter até aquele momento.
Às crianças, sobretudo as dos tempos mais
recentes, são passados os avisos de que nossos recur-
sos naturais não são infinitos e as futuras gerações
dependem de como cuidamos do ambiente hoje.
O Ambiente protegido e ecologicamen-
te equilibrado, e sua preservação para esta e as
futuras gerações, são bens e direitos constitucio-
nalmente protegidos. A presença do Meio Am-
biente na Constituição Federal não é um mero
detalhe, mas sim um fato que deve ser integral-

14
mente compreendido, a fim de que se possa des-
cobrir o real significado, em extensão e conteúdo,
do Meio Ambiente para nós brasileiros.
Tanto que dentro do texto constitucional
estão presentes algumas garantias que asseguram o
direito ao meio ambiente equilibrado. Uma destas
garantias é a vigilância pública quanto ao uso que
se faz da propriedade; apesar de ratificar o direito à
propriedade, a Constituição Federal impõe limites a
ele. A função social mitiga este direito individual em
benesse ao direito coletivo do meio ambiente sadio.

1.1.1. Função Social e Função Social da


Propriedade

A contribuição que um fenômeno provê a


um sistema maior do que aquele ao qual o fenômeno
faz parte é chamada de função social.1
A participação responsável de cada ho-
mem na vida social não é algo que começa com a
nossa Constituição de 1988, muito embora valores
embutidos nessa Carta, como os da dignidade da
pessoa humana, a Justiça, a Solidariedade tenham
feito surgir, em nosso Direito, a ideologia da cha-
mada Função Social, em diversas áreas. Fala-se
em Função Social da Empresa, dos Contratos, do
Processo, da Educação etc.

1
Thomas Ford Hoult. Dicionário de Sociologia Moderna, p. 139.1969.

15
Especificamente no que tange à Função So-
cial da Propriedade, essa diz respeito a um condi-
cionamento do exercício do direito e da garantia de
propriedade, uma vez que o bem-estar da sociedade
e a proteção do ambiente não poderão ser sufocados
em razão de um uso irrestrito da propriedade. Ao
contrário. As balizas do exercício do direito de pro-
priedade são, exatamente, as condicionantes do res-
peito ao interesse público e a proteção do ambiente.
Assim, “ter” simplesmente uma propriedade,
rural ou urbana, deixando-a, todavia, subaproveitada
ou sem utilização; ou ainda, utilizando-a mediante lesa
ao ambiente, não atende à pretendida função social,
podendo, o seu exercício, por isso, sofrer restrições.
Conforme lembra Robério Nunes dos Anjos
Filho , o marco do direito de propriedade (individual)
2

foi o Código de Napoleão (Código Civil Francês de


1804), que o colocou no cerne do ordenamento jurí-
dico e conferiu - lhe, seguindo a linha do pensamento
romanístico, um caráter absoluto. Foi elevado a direito
natural, inalienável, não suscetível de prescrição.
O autor alerta, todavia, que havia, desde
aquela época, uma tímida disposição, no sentido de
que se poderia dispor das coisas da forma mais abso-
luta, contanto que não se fizesse delas um uso proi-
2
ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. A FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Disponível em http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/
artigos/agrario/roberio-a_funcao_social.pdf, último acesso em
10.02.2012

16
bido pelas leis e regulamentos.
Essa concepção influenciou o nosso direito,
especificamente, por meio do Código Civil, quer ao
garantir o direito de propriedade, quer nas limitações.
Servidões, tombamento e a desapropriação são limi-
tações históricas do direito de propriedade no Brasil.
Em 1988, com a promulgação de nossa atual
Constituição, a mesma mão que constitucionalizou o di-
reito de propriedade também consagrou a sua conjuga-
ção de seu exercício mediante o respeito à função social.
Segundo Anjos Filho, o criado princípio da fun-
ção social da propriedade é inspirado na doutrina social
da Igreja, como exposta nas Encíclicas Mater et Magistra,
do Papa João XXII, de 1961, e Populorum Progressio,
do Papa João Paulo II, nas quais se associa a proprieda-
de a uma função social. A propriedade também deveria
servir à função de instrumento para a criação de bens
necessários à subsistência de toda a humanidade.
Tal qual o desenvolvimento econômico e
a livre iniciativa, o direito de propriedade também
tem, atualmente, proteção constitucional.
E como direito constitucional fundamental,
insculpido no artigo 5º, XXII da Carta da República,
não caberia restringi-lo, a não ser na hipótese de um
caso concreto, em que outro bem ou direito consti-
tucional se opusesse a ele.
Ocorre que, em algumas poucas circunstân-
cias, o constituinte, por ocasião da promulgação da
Constituição, enfrentou previamente algumas situa-
ções hipotéticas de colisão entre direitos constitu-

17
cionais fundamentais. Foi o que aconteceu com o
direito de propriedade, de um lado, e o interesse pú-
blico e o meio ambiente, do outro.
Assim, e conforme se verifica no texto cons-
titucional o direito de propriedade é garantido pela
constituição, com a condicionante de atender, por-
tanto, a sua função social.
É de se perceber, nesse exemplo, que no art. 5º
a Constituição Federal, no inciso imediatamente seguinte
ao que prescreve a garantia do direito de propriedade, já
mitiga tal garantia, afirmando que “a propriedade aten-
derá a sua função social” (art. 5º, XXIII da CF).
E nesse contexto, vai informando o Tex-
to Maior algumas hipóteses de colisão e a maneira
como o embate se resolve. O primeiro caso é o da
desapropriação por necessidade ou utilidade pública:

Art. 5º:
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro, ressalvados os
casos previstos nesta Constituição;

Como se percebe, no caso de necessidade


ou utilidade pública, a propriedade poderá ser desa-
propriada, mas no caso, o produto da harmonização
entre interesse público — que pode ser a preservação do
ambiente — e a propriedade, faz com que se indenize o

18
proprietário com justa e prévia indenização em dinheiro.
A função da propriedade rural descreve bem
esta mitigação do direito de propriedade em favor
do meio ambiente:
Nos termos da Constituição (art. 186) é asse-
gurado o direito à propriedade rural quando ela, simul-
taneamente, aos requisitos do aproveitamento racional
e adequado; da utilização adequada dos recursos natu-
rais disponíveis e preservação do meio ambiente; da
observância das disposições que regulam as relações de
trabalho e, por fim, da exploração que favoreça o bem-
-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
A função social da propriedade significa im-
por ao titular o exercício do direito de propriedade
mediante o atendimento do interesse público, que
significa a atenção aos fins sociais; mas também me-
diante a permanente proteção do ambiente.
Uma vez desrespeitados, portanto, esses va-
lores que contrapõem ao exercício individual do di-
reito de propriedade, cabe falar em restringi-lo em
um caso concreto, ou nas hipóteses e na forma exata
que a própria Constituição Federal já previu.

1.2. Do Direito Ambiental

Nos termos de nossa Lei da Política Nacio-


nal do Meio Ambiente, a Lei 6.938/81, que o meio
ambiente é o conjunto de condições, leis, influências
e interações de ordem física, química e biológica, que

19
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Por isso, alguns autores entendem haver
uma redundância na expressão, e preferem utilizar,
apenas, ambiente.
A proteção do Meio Ambiente como um
bem jurídico, no Brasil, no dizer de Sirvinskas (2011,
p.75), tem três períodos distintos:

a) O primeiro [...] com o descobrimento (1500) e vai


etá a vinda da Família Real (1808). Nesse período
havia algumas normas isoladas de proteção aos recur-
soas naturais [...] como [...] o pau-brasil, o ouro etc.
b) o segundo [...] com a vinda da Família Real
(1808) e vai até a criação da Lei da Política Nacio-
nal do Meio Ambiente (1981). Esse período carac-
terizava-se pela exploração desregrada [...] em que o
legislador procurou proteger categorias mais amplas
dos recursos naturais, limitando sua exploração de-
sordenada [...]. Tulelava-se somente aquilo que ti-
vesse interesse econômico.
c) o terceiro [...] começa com a criação da Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938,
de 31-08-1981), [...] que consistia em proteger de
maneira integral o meio ambiente por meio de um
sistema ecológico integrado [...].

Assim, o meio ambiente consolidou-se


como patrimônio público, a ser assegurado e pro-
tegido pela sociedade e pelo Estado, em benefício

20
das presentes e futuras gerações. E, dessa forma, a
partir de 1988, com a promulgação de nossa atual
Constituição, o meio ambiente foi alçado à categoria
de bem constitucionalmente protegido como, ilus-
trativamente, mostramos:

Constituição Federal de 1988.


Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecolo-
gicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, in-
cumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essen-
ciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecos-
sistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do pa-
trimônio genético do País e fiscalizar as entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação,
espaços territoriais e seus componentes a serem espe-
cialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer
utilização que comprometa a integridade dos atri-
butos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra
ou atividade potencialmente causadora de significa-
tiva degradação do meio ambiente, estudo prévio de

21
impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o em-
prego de técnicas, métodos e substâncias que compor-
tem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os
níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma
da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou sub-
metam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica
obrigado a recuperar o meio ambiente degradado,
de acordo com solução técnica exigida pelo órgão pú-
blico competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrati-
vas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata
Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Gros-
sense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e
sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem a preservação do meio am-
biente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou ar-
recadadas pelos Estados, por ações discriminatórias,
necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

22
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deve-
rão ter sua localização definida em lei federal, sem o
que não poderão ser instaladas.

Deve-se perceber que o Direito constitucio-


nal não trata de um bem “Meio Ambiente”, mas sim
a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”,
de uso comum.
O direito protegido tem como conteúdo um
ambiente que seja ecologicamente equilibrado e, para
tanto, na sequência do artigo, o art. 225 oferece ins-
trumentos de proteção e efetivação do meio ambiente
— verdadeiras garantias constitucionais fundamentais.
A partir dessas premissas funda-se toda uma
disciplina do Direito, o Direito Ambiental, com seus
princípios específicos que podem ser observados mate-
rializados ao longo do próprio art. 225 da CF, dos demais
artigos da Constituição e por todo o ordenamento.
Enumeremos os mais importantes:

1. Princípio do direito humano:


Decorre da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro em 1992, notadamente do primei-
ro princípio aprovado na Conferência:

Os seres humanos estão no centro das preocupações re-


lacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm
direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia

23
com o meio ambiente (SIRVINSKAS. 2011, p.104).

2. Desenvolvimento sustentável:
É o “desenvolvimento que atende às neces-
sidades das gerações presentes, sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de atender aos seus
próprios interesses”; que se complementa:

as necessidades são determinadas social e cultural-


mente, e o desenvolvimento sustentável requer a
promoção de valores que mantenham os padrões de
consumo dentro dos limites das possibilidades ecoló-
gicas a que todos podem, razoavelmente, aspira (Re-
latório “Nosso Futuro Comum”).

Conceito apresentado em 1987 pelo Relató-


rio “Nosso Futuro Comum” entregue pela Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da
ONU, ou também conhecida por Comissão Bruntland.

3. Princípio da participação:
Esse princípio determina a ampla parti-
cipação do cidadão na participação das políticas
públicas ambientais, que pode ocorrer desde o
voto, mas também por meio de peticionamento
aos Poderes Públicos (direito de petição, art. 5º,
XXXIV, a da CF), ou de ações judiciais como a
ação popular (art. 5º LXXIII).

24
4. Prevenção:

Quando houver ameaça de danos sérios ou irrever-


síveis, a ausência de absoluta certeza científica não
deve ser utilizada como razão para postergar medi-
das eficazes e economicamente viáveis para prevenir
a degradação ambiental (Conferência do Rio-92).

A adoção deste princípio no cenário mun-


dial se deve ao fato de que os Estados só agiam ou
deixavam de agir, a partir da prova concreta da re-
lação de causalidade entre dano e atividade. Na vi-
gência deste princípio, então, a falta de comprovação
científica não é mais motivo de adiamento de adoção
de medidas necessárias.
No princípio da prevenção há verdadei-
ra presunção quanto o conhecimento ao mal ou
dano que pode ocorrer. Em razão disso, tomam-
-se medidas protetivas.

5. Precaução:
Pode-se entender este princípio como abran-
gido pelo princípio da prevenção.
Desconhece-se se o dano vai acontecer, ou
não. Mas o princípio da precaução recomenda que,
por segurança, tome-se providência mesmo diante
de um dano desconhecido, como no caso da gri-
pe aviária, que quando diagnosticada, ainda que os
efeitos nos seres humanos não sejam comprovados,

25
enseja não só no isolamento da criação, como no
sacrifício das aves.

6. Poluidor-pagador:
Consoante o princípio 16 da Declaração do
Rio/92, o poluidor deve arcar com o custo decor-
rente da poluição, as autoridades nacionais devem
promover a internalização dos custos ambientais
e o uso de instrumentos econômicos, levando na
devida conta o interesse público, sem distorcer o
comércio e os investimentos internacionais.
É princípio materializado tanto na Constitui-
ção Federal (art. 225, § 1º, V) quanto na Lei da 6.938/81.

1.3. Do Desenvolvimento Econômico

Decorrente de institutos clássicos como o


direito de propriedade e o da autonomia da vonta-
de privada, tutelados há séculos pelo Direito, de-
senvolvimento econômico é, como é o Direito do
Ambiente, um anseio de toda a sociedade.
Visando, no entanto, regulamentar a ativi-
dade econômica, principalmente combater e pregar
contra o abuso do poder econômico, também ga-
nhou status constitucional.
A partir do artigo 170 da Constituição Fede-
ral, mas não só nele, podemos observar os contor-
nos da ordem econômica segundo o nosso Direito:

26
Art. 170. A ordem econômica, fundada na va-
lorização do trabalho humano e na livre inicia-
tiva, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social [...].

É de se perceber que a ordem econômica


funda-se a partir de dois pilares estruturantes, a
saber, a valorização do trabalho humano e da li-
vre iniciativa que, aliás, são fundamentos de nos-
sa República (art. 1º IV).
Apesar de serem supostamente antagôni-
cos, uma vez que dizem respeito a interesses de
classes opostas (valor social do trabalho = em-
pregados X livre iniciativa = empregadores), são
mandamentos que remetem a busca de seus in-
teresses, o que os direciona, logicamente, à evo-
lução, ao desenvolvimento, ainda que mediante
frequente sopesamento dos interesses opostos
de cada classe social (mediante existência digna
e justiça social).
Assim como o Meio Ambiente, uma “Disci-
plina Jurídica” se forma a partir dessas balizas consti-
tucionais econômicas, a saber, o “Direito Econômico”.
Também como no caso do Direito Am-
biental existem princípios constitucionais econô-
micos que nortearão a Ordem Econômica.

1. Soberania nacional:
É princípio a ser observado durante toda a

27
vigência da Constituição: que a influência de outros
países em nossa economia seja ditada segundo as
vontades e conveniências de nosso Estado.

2. Propriedade privada:
O direito de propriedade é garantido pela
Constituição; esta garantia consagra a importância
da propriedade privada para o desenvolvimento da
economia brasileira, bem como limita a atividade/li-
berdade estatal diante destes bens particulares. Con-
tudo, o uso e gozo privado estarão condicionados à
obediência à função social.

3. Função social da propriedade:


A função social da propriedade, conforme
vimos é um condicionamento ao exercício do di-
reito e da garantia de propriedade, uma vez que o
bem-estar da sociedade e a proteção do ambiente
não poderão ser sufocados em razão de um uso ir-
restrito da propriedade. Assim, “ter” simplesmente
uma propriedade, rural ou urbana, deixando-a, to-
davia, subaproveitada ou sem utilização; ou ainda,
utilizando-a mediante lesa o ambiente não atende à
pretendida função social, podendo, o seu exercício,
por isso, sofrer restrições.

4. Livre concorrência:
A preocupação implícita neste princípio
constitucional é com a não intervenção estatal na
concorrência do mercado. Mas tal qual o direito de

28
propriedade, trata-se de garantia que pode ser res-
tringida quando exercida de forma abusiva.
O abuso do poder econômico, com vistas a
estabelecer concorrência desleal, ou a própria elimi-
nação da concorrência é combatida pela Constitui-
ção, conforme art. 173 § 4º c/o 173 § 5º; assim como
por lei infraconstitucional, a Lei 8.884/94.
O CADE (Conselho Administrativo de Defe-
sa Econômica) é autarquia destinada a reprimir a con-
corrência desleal e outras infrações à ordem econômica

5. Defesa do consumidor:
A defesa do consumidor foi reclamada pela
Constituição Federal, quando determinou (art. 48 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias)
que, dentro de cento e vinte dias da promulgação da
Constituição, elaborasse o Congresso, um Código de
Defesa do Consumidor.
Os interesses dos consumidores, portanto,
devem ser sopesados com os interesses relacionados
à livre iniciativa e ao desenvolvimento da economia.
Não por outro motivo, estão entre os
princípios criados pela Política Nacional de
Relações de Consumo, por ocasião da elabora-
ção do Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/90), entre outros:
(a) a harmonização dos interesses dos par-
ticipantes das relações de consumo e compatibiliza-
ção da proteção do consumidor com a necessidade
de desenvolvimento econômico e tecnológico, de

29
modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a
ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equi-
líbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
(b) defesa do meio ambiente, inclusive
mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de
seus processos de elaboração e prestação: Dei-
xamos por último esse princípio porque é, fun-
damentalmente, o tema a ser desenvolvido neste
estudo, ou seja, a relação entre meio ambiente e
economia. Se a defesa do meio ambiente é uma
vontade da Constituição, o Direito Ambiental, e
todos os seus princípios (desenvolvimento sus-
tentável, poluidor pagador, prevenção etc) de-
verão sopesar e serem sopesados em relação ao
desenvolvimento da economia.
Aliás, em relação a esse último princípio, trata-se
de verdadeira ciência que surge a partir daí: a Economia
ambiental (conceito adiante pormenorizado).

1.4. O Direito Ambiental X:


Desenvolvimento Econômico e a colisão
de direitos constitucionalmente protegidos

Assim, essa introdução se faz importante


porque tanto o Meio Ambiente como o Desenvol-
vimento econômico são direitos fundamentais, de-
correntes de princípios fundamentais e, por isso,
nenhum deles pode ser visto sob aquela premissa

30
adquirida quando criança, de que um ou outro seja
absoluto em relação aos demais, em qualquer caso.
Deveremos entender desde aqui, e seguir os
estudos que se propõem para agora em diante neste
módulo, sabendo que o embate entre Proteção do
Ambiente X Desenvolvimento econômico:

▪ é plenamente possível e permitido pela


Constituição;
▪ que não possui fórmula prévia para solu-
ção do embate, sendo necessário analisar cada uma
das ocorrências em que se contrapuserem e
▪ e, essa análise utilizará menos a hierarquia
(mesmo porque, conforme visto, não há hierarquia
entre princípios) e mais o sopesamento entre direi-
tos constitucionalmente garantidos.

No embate, a colisão encontrará solução


à luz do caso concreto à base da aplicabilidade da
“maior medida do possível” de cada um dos princí-
pios em choque, sem jamais ferir de morte qualquer
um dos direitos envolvidos.
O sopesamento, ou Máxima da Proporcio-
nalidade, também foi descrita e explicada por Alexy
(2008). Essa técnica de aplicação dá-se pela verifica-
ção do caso concreto, sob três regras ou máximas:
adequação, necessidade e ponderação ou proporcio-
nalidade em sentido estrito. A verificação, a fim de
se encontrar a solução constitucionalmente legítima
para o embate, deve ser aprovada sob as três regras;

31
jamais alternativamente por uma ou por outra.
É importante explicar tais regras. Será bom
e elucidativo, na medida em que nos embrenhamos
pela Teoria, pensemos no caso concreto.

1.4.1. Aplicação da técnica do sopesamento


ou da máxima da proporcionalidade

CASO CONCRETO:
Imaginemos que uma Fábrica que polua
o meio Ambiente seja sumariamente fechada
pelo poder Público. Um embate claro entre in-
teresses e direitos constitucionais fundamentais:
a proteção do ambiente de um lado e, de outro,
o desenvolvimento econômico, mas não só, a
própria livre inciativa e o direito ao trabalho dos
empregados também.
1° ETAPA: REGRA OU MÁXIMA DA
ADEQUAÇÃO - verifica-se no eventual embate o
ajustamento entre o meio e o fim almejado, ou seja,
se a medida que se quer tomar alcança a finalidade
descrita ou inspirada pela lei.
No caso, realmente a decisão de fechar a fá-
brica atende a finalidade de proteger o meio ambiente.
2° ETAPA: REGRA OU MÁXIMA DA
NECESSIDADE - questiona a intensidade do meio
utilizado: se não existe outra forma menos gravosa
e igualmente eficaz. Um meio não é necessário se
existe um meio atenuado, menos interveniente.

32
Parece que, sob a regra da necessidade, com
rápida reflexão, já se conclui que fechar a fábrica é
um meio tão gravoso que fere de morte os direitos
de um dos lados, no caso, o do desenvolvimento eco-
nômico, da livre iniciativa, lembrando ainda no desem-
prego que será causado pelo fechamento da fábrica.
Conforme já dissemos, o exame requer a
aprovação sob as três regras; a reprovação em uma
delas já importa em concluir que fechar a empresa
não é, de saída, a correta decisão para o caso concreto.
Entre as medidas igualmente eficazes, con-
tudo, menos gravosas, estariam a troca dos maquiná-
rios por outros menos poluentes (desde que também
não inviabilizassem a empresa em face do alto cus-
to), ou mesmo a instalação de filtros.
3° ETAPA: REGRA OU MÁXIMA DA
PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ES-
TRITO - faz-se uma análise de “custo x bene-
fício”, ou seja, verifica-se se a intensidade da
intervenção está em proporção à importância
do objeto que se quer proteger. Em uma escala
comparativa, a restrição deve situar-se em mes-
mo nível em que se encontra o direito protegido.
Fácil perceber, por exemplo, que a obriga-
toriedade na instalação de equipamentos (ou de um
filtro) é medida que restringe a livre iniciativa, mas
é ação totalmente justificável e necessária em razão
do que se quer preservar, do que se mostra eficaz na
preservação do meio ambiente.
Não somente como procedimento para apli-

33
cação da norma, essa proporcionalidade pode, tam-
bém, ser assimilada como fonte de Justiça.
Deve-se lembrar de que o necessário sopesa-
mento do meio ambiente com outros valores como
o desenvolvimento econômico não é uma tarefa do-
méstica, nem tão pouco recente.
No Século XVIII, Thomas Malthus pre-
viu o que chamou de crise alimentar: com o
crescimento populacional acelerado e quantita-
tivamente maior do que a capacidade de produ-
ção de alimentos, logo não seria possível suprir
toda a precisão alimentar da humanidade. (Conf.
TRENNEPOHL. 2008, p.5/6)
Sobre este assunto, crescimento popu-
lacional, industrialização, revolução industrial
acontecida com maior intensidade durante o
século XVII – XVIII trataremos nos próximos
capítulos, com maior especificidade. Estudiosos
apontam estes acontecimentos como os propul-
sores da crise ambiental vivenciada atualmente.
Neste momento, intenta-se, apenas, visuali-
zar a colisão existente entre duas bases fundamentais
da existência do homem na Terra: desenvolvimento
econômico e meio ambiente equilibrado.
Com o final da Segunda Guerra Mundial,
a sociedade internacional vivenciava um período
de reconstrução material e moral; o meio am-
biente que ficou relegado a plano inferior, volta
a preocupar o mundo.

34
Em 1968, inicia-se um dos momentos mais impor-
tantes do debate e questionamentos sobre o futuro
do homem na Terra. Do encontro de cientistas, edu-
cadores, economistas, humanistas e industriais, em
abril de 1968, em Roma, nasce o Clube de Roma.
Composto por cerca de setenta pessoas de diferentes
países, esse “colégio invisível”, organização informal
e internacional, analisou questões como: pobreza e
meio ambiente; diminuição dos recursos naturais;
expansão urbana descontrolada; crescimento popu-
lacional e desemprego (LANGE. 2005, p.17)

Já em 1972, em Estocolmo, durante a


primeira Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente Humano3, foram traçados 26
princípios que ofereceram “aos povos do mundo
inspiração e guia para preservar e melhorar o meio
ambiente humano” (preâmbulo da Declaração);
em suas proclamações iniciais verifica-se explici-
tamente a necessidade de se equilibrar desenvolvi-
mento e proteção ao meio ambiente:
3
Conferência que contou com a participação de 113 países, 250
organizações não governamentais e organismos da ONU. Os
principais resultados dessa Conferência foram a criação do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA e a aprovação da
Declaração sobre o Meio Ambiente Humano. A Convenção também
aprovou um Plano de Ação, composto de 109 recomendações, tendo
por base a cooperação internacional em matéria de meio ambiente e
destinado a possibilitar a implementação da Declaração de Princípios.
(MILARÉ. 2009, pp. 1191/1192)

35
O homem deve fazer constante avaliação de sua
experiência e continuar descobrindo, inventando,
criando e progredindo. Hoje em dia, a capacidade
do homem de transformar o que o cerca, utilizada
com discernimento, pode levar a todos os povos os
benefícios do desenvolvimento e oferecer-lhes a opor-
tunidade de enobrecer sua existência. Aplicado errô-
nea e imprudentemente, o mesmo poder pode cau-
sar danos incalculáveis ao ser humano e a seu meio
ambiente. Em nosso redor vemos multiplicar-se as
provas do dano causado pelo homem em muitas re-
giões da terra, níveis perigosos de poluição da água,
do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos
de equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e esgo-
tamento de recursos insubstituíveis e graves deficiên-
cias, nocivas para a saúde física, mental e social do
homem, no meio ambiente por ele criado, especial-
mente naquele em que vive e trabalha.4

Assim sendo, ressalvando-se alguns docu-


mentos anteriores a esse, podemos afirmar que ele
é considerado o primeiro documento em que a co-
munidade internacional expressa positivamente sua
preocupação com a proteção ao meio ambiente.
Em 1983, foi criada, pela Assembleia Geral
da ONU, a Comissão Mundial sobre Meio Ambien-

4
Fonte: www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/
estocolmo.doc Acesso em 28.12.2011

36
te e Desenvolvimento (UNCED). Presidida pela
Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brun-
dtland, após quatro anos de trabalho, esta comissão
apresentou ao mundo o documento intitulado “Nos-
so Futuro Comum”, ou “Relatório Brundtland”.
Este estudo teve grande influência nos próxi-
mos eventos mundiais sobre Meio Ambiente; talvez o
mais forte influxo tenha sido delimitação do conceito
de desenvolvimento sustentável, que, por sua vez, se-
ria positivado, mais para frente, durante a Rio 92.5
Esse conceito, por si só, já é a aplicação da
técnica do sopesamento. A ideia de desenvolvimen-
to sustentável surgiu da necessidade de garantirmos
o desenvolvimento e preservarmos o meio ambiente
(principalmente em seu aspecto concreto – preserva-
ção dos recursos naturais para evitar a escassez total)6
Com a oficialização, mesmo antes, mas, prin-
cipalmente após, do termo desenvolvimento susten-
tável a questão ganhou corpo e complexidade. Veja-
mos uma decisão da Corte Internacional de Justiça;
trata-se do caso Gabcikovo-Nagymmaros Project, que
foi julgado em 1997 (apud MILARÉ. 2009, p.1209):
5
Ou Cúpula da Terra, Conferência realizada em junho de 1992 na
cidade do Rio de Janeiro, em que abordou questões relativas ao meio
ambiente e desenvolvimento. Os documentos que foram elaborados
nesta Conferência foram dois:
6
Desenvolvimento sustentável, segundo o relatório Brundtland é o
desenvolvimento que conforma “o atendimento das necessidades
do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem as suas próprias necessidades”.Declaração do Rio sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21.

37
No entendimento do Juiz Weeramantry, então
Vice-Presidente da Corte Internacional de Justiça,
ambos os direitos, ao desenvolvimento e à proteção
ambiental, são hoje princípios integrantes do Direi-
to Internacional. Eles poderiam operar entre si em
contrariedade, não fosse a existência de um princípio
de Direito Internacional que indica como eles devem
se reconciliar. Este princípio é o princípio do desen-
volvimento sustentável (...) que é mais do que um
conceito; ele próprio é reconhecido como um prin-
cípio do Direito Internacional contemporâneo. Na
busca pela implementação desse princípio, a Corte
deveria amparar-se fundamentalmente na experi-
ência humana, uma vez que a humanidade con-
viveu por milênios com a necessidade de reconciliar
os princípios do desenvolvimento e da preocupação
com o ambiente. Desenvolvimento sustentável não é,
portanto, um novo conceito e, para concretizá-lo na
atualidade, uma rica gama de experiências globais
está à nossa disposição (...).

Nossa sucinta apresentação histórica inter-


nacional se fez necessário pelo simples motivo de
que o embate entre os dois direitos prima facie coli-
dentes não é exclusividade brasileira, conforme foi
dito. Além do que, estes instrumentos internacionais
tem aplicabilidade no ordenamento interno e devem
ser respeitados por todos os seus signatários.
O sistema jurídico brasileiro, a Constituição

38
Federal de 1988, as leis infraconstitucionais são re-
conhecidamente um exemplo para o mundo no que
tange à proteção ao meio ambiente, sem que isso
institua a “ditadura do verde”, como dizem alguns.
A Constituição deseja a proteção do meio
ambiente, o seu equilíbrio, mas também deseja
e permite o crescimento, o desenvolvimento, a
livre inciativa, e garante o direito de propriedade.
No entanto, no caso concreto, esses interesses
fatalmente colidirão.
Exemplo claro desta colisão é o que acon-
tece com a votação do Novo Código Florestal: a
bancada ruralista e os ambientalistas não conseguem
chegar a um consenso – talvez nunca alcancem – e
caberá então ao resto da sociedade, representada pe-
los deputados e senadores, definir qual será o rumo
a ser seguido nesta questão.
Este é só um exemplo que demonstra a im-
portância da informação, do conhecimento adquiri-
dos pelos cidadãos. Será preciso saber, e levar como
conhecimento a partir daqui, que somos também
intérpretes da Constituição.
O que estudamos e o que estudaremos a
seguir, diz respeito a formas de se interpretar a
Lei Maior, prestigiando e multiplicando as for-
mas possíveis de se promover o equilíbrio do
ambiente e o desenvolvimento econômico, e, so-
bretudo, promover Justiça.

39
2
capítulo
Recursos Naturais
C onforme já visto, identificou-se a pro-
blemática do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (Art. 225 da Consti-
tuição Federal) equiparando-se a um direito fun-
damental da pessoa.
A partir disto, temos que o meio ambiente é
um bem de uso comum do povo (pertencendo à so-
ciedade e não aos indivíduos ou às pessoas de direito
público), reconhecidamente considerado como um
“conjunto de condições, leis, influências e interações
de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas” (Art.
3, inciso I da Lei 6.938/81).
Segundo BENATTI (2005, p.206):

O meio ambiente passa a ser entendido como uma


categoria difusa, de natureza pública e imaterial,
não se confundindo com os bens ambientais, que são
partes integrantes do ambiente, que tem autonomia
e identidade própria como macrobem. Logo, o meio
ambiente passa a ser analisado como um bem, mas
bem como entidade que se destaca dos vários bens
materiais em que se firma, ganhando proeminência,
na sua identificação, muito mais o valor relativo à
composição, característica ou utilidade da coisa do
que a própria coisa. (Grifo nosso)

O Meio Ambiente, ainda de acordo com Be-


natti, é um bem unitário cuja tutela busca assegurar a

43
conservação, a gestão racional e a melhoria das con-
dições naturais dos bens ambientais. Caracterizando
desta forma a relação macrobem do Meio Ambiente
e microbens dos Bens Ambientais.
Numa visão mecanicista e muito importante
para o correto enquadramento legislativo, os Bens
Ambientais (microbens) se descolam do Meio Am-
biente: aqueles demonstram o lado concreto, per-
ceptível, quantificável e até mesmo valorável deste
que é difuso, intangível, abstrato.
Os Recursos Naturais são aqueles que pos-
suem valor e são úteis na forma em que eles se en-
contram na natureza. Entretanto, é necessário que
eles sejam utilizados com outros fatores de produ-
ção (juntamente com o capital e trabalho), para ge-
rarem um bem ou serviço que traga utilidade para as
pessoas. (Conf. Kamogawa, 2003).
Não faz parte do presente curso o estu-
do específico sobre o assunto “Meio Ambiente”,
mas sim um específico bem material que, dentre
outros, formam o seu todo. Para localizar e hie-
rarquizar nosso objeto principal, “Recursos Natu-
rais”, utilizaremos uma síntese conceitual desen-
volvida por Édis Milaré (2009, p. 213):

1. O meio ambiente, bem de uso comum do povo,


consistente no equilíbrio ecológico e na higidez do
meio e dos recursos naturais, é bem público essencial,
considerado communes omnium. É bem comum, ge-
ral, difuso, indissociável da qualidade dos seus cons-

44
titutivos e, por conseguinte, indivisível, indisponível
e impenhorável. Esse bem é alvo necessário da solici-
tude do Poder Público e da coletividade, que devem,
em conjunto, zelar continuamente por ele.
2. Os recursos naturais de origem biótica ou abió-
tica, que ordinariamente mantêm interrelações se
inseridos num determinado ecossistema, são bens
ambientais considerados res communes omnium;
significa que são bens tangíveis, reificados ou “coisifi-
cados”, vale dizer, são “coisas”. E, na medida em que
se inserem no bem maior – que, no caso, é a qua-
lidade ambiental decorrente do equilíbrio entre as
partes –, eles são objetos de legislação específica, no
que tange à propriedade, à preservação, à manuten-
ção, ao domínio, ao usufruto, à sustentabilidade e a
outros itens mais. Da proteção desses bens depende a
qualidade geral do meio.
3. Os bens chamados de culturais, que, sem dúvida,
integram o patrimônio ambiental nacional, devem
ser definidos como tais por meio de atos jurídicos e da
gestão ambiental e, por isso, protegidos, mantidos e
perpetuados. Sem embargo, devem ser tratados como
res communes omnium, na medida em que se tradu-
zem criações especiais do espírito humano e da socie-
dade, representam a memória nacional, alimentam
valores de ordem cultural e espiritual e contribuem
para a qualidade de vida tomada como fato biológi-
co ou como fato existencial.
4. Em virtude da visão holística do meio ambiente,
é necessário rever o conceito de “bens ambientais”:

45
são aqueles que integram o Patrimônio Ambiental
Nacional, não apenas os bens “naturais”. Assim,
todo recurso ou bem natural é ambiental; porém,
nem todo bem ambiental é natural. De fato, o pa-
trimônio ou os bens culturais não figuram no elenco
dos elementos naturais, embora constituam objeto
do Direito e da Gestão do Ambiente, sendo também
alvo das políticas ambientais e da avaliação dos im-
pactos (EIA-RIMA).

Assim sendo, nosso objeto de estudo envol-


verá aqueles bens que existem e estão disponíveis
sem a influência do homem, que foram classificados
e identificados como Recursos ou Bens Naturais.
Recursos naturais podem ser classificados em
(a) recursos naturais renováveis ou não exauríveis; e
(b) recursos naturais não renováveis ou exauríveis.
Aqueles poderão ser regenerados; segundo
SILVA (2004, p. 90) “uma vez aproveitado em um
determinado lugar num dado tempo, é suscetível de
ser aproveitado neste mesmo lugar, ao cabo de um
período de tempo relativamente curto”. Como por
exemplo: biodiversidade, florestas.
Enquanto que os recursos não renováveis
são “aqueles sobre os quais toda a exploração traz
consigo, inevitavelmente, sua irreversível diminui-
ção”. Como por exemplo: carvão mineral, petróleo.
Os recursos não renováveis detêm a característica
de existirem em quantidades fixas, “e têm potencial

46
para renovação apenas por processos geológicos, fí-
sicos e químicos que ocorrem em centenas de mi-
lhões de anos”.
A doutrina inclui no conceito de recursos
naturais os seguintes elementos (conf. Silva. 2004):

1. A atmosfera;
2. As águas interiores superficiais e subterrâneas;
3. Os estuários;
4. O mar territorial;
5. O solo
6. O subsolo;
7. Os organismos ou seres vivos.

São estes bens, ou melhor, a probabilida-


de de sua escassez (pois se assim não considerados
não seriam objeto de estudo da economia), ou da
possibilidade de seu esgotamento, que impulsionou
as diversas teorias que alinharam o desenvolvimen-
to econômico com a proteção do meio ambiente.
E não poderia ser diferente, o desenvolvi-
mento está diretamente vinculado à utilização do
meio ambiente; tanto da exploração dos seus mi-
crobens (Bens ambientais), quanto da capacidade
de absorção dos dejetos da produção (receptar e
assimilar rejeitos do processo produtivo).
Estas duas facetas do meio ambiente em
sua relação ao desenvolvimento econômico, não
seria prejudicial se:

47
(a) Se uma das consequências desta exploração
dos recursos naturais não fosse o escassez/esgota-
mento de suas reservas;
(b) Se o meio ambiente, visto como receptáculo das
externalidades negativas da produção, fosse capaz
de absorver toda a poluição ou emissão de poluentes
gerada pela atividade industrial.

Num tempo mais remoto, antes da cha-


mada Revolução Industrial, estes dois itens não
impactavam na qualidade, nem o equilíbrio do
meio ambiente. Como será visto, a produção era
atividade manufatureira, portanto muito menos
agressiva daquela desenhada no padrão industrial
(em que a manufatura, em que o artesanato foi
substituído pela produção em massa realizada
por máquinas).
Atualmente, com todos os índices ele-
vados de poluição, da extinção de espécies, de
esgotamento das reservas de recursos naturais,
se faz necessário adequar desenvolvimento eco-
nômico com o obrigatório respeito ao meio am-
biente; repise-se que não se trata de qualquer
meio ambiente, mas sim, aquele que é considera-
do ecologicamente equilibrado.
De que forma medir este equilíbrio? Quan-
do o meio ambiente poderá ser considerado sadio?

48
2.1. Qualidade Ambiental

Economia e meio ambiente relacionam-se,


tendo em vista que a atividade econômica utili-
za recursos naturais como matéria-prima e tem
como o meio que nos cerca um receptáculo de
dejetos. Os recursos naturais, quando são extraí-
dos como matéria-prima para o processo produ-
tivo, geram poluição e/ou degradação do meio
ambiente. Cabe à economia ambiental estabelecer
limites para esta poluição/degradação que sejam
suportáveis ao planeta e ao homem.
Tratando-se as ciências econômicas do
estudo da atividade econômica e a relação desta
com a sociedade, no caso em que discorremos –
a economia ambiental – sua principal ferramenta
para atingir a finalidade almejada, é o estabeleci-
mento de padrões monetários, valores pré-fixa-
dos para os recursos naturais.
Ao criar padrão monetário, a economia am-
biental, limitará o acesso privado aos recursos na-
turais e, portanto, restringirá a atividade produtiva
cuja matéria-prima seja o bem natural que, confor-
me visto, são bens escassos. Esta seria a finalida-
de imediata alcançada pela valoração dos recursos
– impedir a exploração desmedida; enquanto que,
em longo prazo, atingirá a finalidade mediata: criar
limites aceitáveis de poluição/degradação.
A economia ambiental enfrenta os proble-
mas ambientais sob o prisma da busca por uma so-

49
lução que contenha todas as características de “es-
tado ótimo”, como por exemplo, definir níveis de
poluição e desenvolvimento cujo resultado defina a
“poluição ótima”.
A saída encontrada pela economia foi fixar,
artificialmente, um valor para o recurso natural explo-
rado (custos da apropriação privada do bem). Os cri-
térios para esta fixação estão baseados nos riscos as-
sumidos pela atividade econômica com a degradação
ambiental inicial – surgida em razão da exploração
– e, também, com a poluição gerada posteriormente
– advinda do próprio processo de industrialização, de
transformação daquele recurso natural.
Segundo DERANI (1997), duas teorias fun-
damentaram a valoração do meio ambiente: a Cor-
reção do Mercado, de Arthur C. Pigou e a Extensão
do Mercado, de Ronald Coase, também conhecidas
por Custos Sociais.

Então, a fim de se equacionar o problema da escas-


sez dos recursos naturais e da melhoria da qualidade
de vida, mantendo o processo produtivo, procura a
economia ambiental incorporar ao mercado o meio
ambiente, adotando a teoria da extensão do merca-
do (atribuição de preços) patrocinada por Ronald
Coase. Somando-se a isto, busca a economia am-
biental um outro teórico, Arthur C. Pigou, adotan-
do a via da correção do mercado, ou seja, apostando
na revalorização das preferências individuais atra-
vés do mercado. A preocupação central é a interna-

50
lização das externalidades ambientais, visando ao
“uso racional dos recursos naturais”. (p. 107) Grifo
presente no original.

As teorias que determinaram o que ficou co-


nhecido como “Custos Sociais”, serão desenvolvidas a
seguir, onde trataremos da Economia Ambiental, seus
efeitos externos positivos e negativos; o que nos cabe
agora, chegado ao fim deste capítulo e da primeira parte
do nosso estudo, é ter em mente os seguintes aspectos:

 O Meio Ambiente é um bem constitucional


e sua proteção, preservação e reparação são
direitos constitucionais fundamentais;
 Além deste, a Constituição garante outros
direitos que prima facie são colidentes com o
do meio ambiente equilibrado, direitos como
o de liberdade (inclusive a livre iniciativa) e
propriedade privada;
 A solução deste aparente conflito é dada a
partir da aplicação da Regra ou Máxima da
Proporcionalidade;
 O necessário desenvolvimento econômico
está diretamente vinculado à utilização do
meio ambiente; tanto da exploração dos
seus microbens (Bens ambientais), quanto
da capacidade de absorção dos dejetos da
produção (receptar e assimilar rejeitos do
processo produtivo).

51
 Estes microbens, mais precisamente os recursos
naturais, são escassos. Alguns são considerados
renováveis e outros não renováveis, mas todos
eles não podem ser explorados desmedidamente,
pois reitera-se, são bens escassos;
 Os recursos naturais, quando são extraídos como
matéria-prima para o processo produtivo, geram
poluição e/ou degradação do meio ambiente.
Cabe à economia ambiental estabelecer limites
para esta poluição/degradação que sejam
suportáveis ao planeta e ao homem;
 A ciência econômica, pelos motivos dispostos,
estabeleceu padrões monetários, valores pré-
fixados para os recursos naturais; a partir de
então, o meio ambiente passa a ser valorado
economicamente.

52
3
capítulo
A Sociedade Industrial e a sua
influência no Meio Ambiente
O divisor histórico no que tange à explo-
ração predatória dos recursos naturais
pode ser apontado pela Revolução Industrial, pois
a partir dela o homem “conseguiu” poluir e degra-
dar de forma mais incisiva do que aquilo que a na-
tureza tinha a capacidade de absorver e regenerar.
Historicamente, desde o início da era mo-
derna, com o fim do período feudal foi necessário
repensar o modelo econômico. Senão, vejamos:
Com a burguesia ganhando mais espaço,
tanto econômica como socialmente, o intercâm-
bio de mercadorias e, consequentemente o co-
mércio, vão se intensificando.
Iniciava-se o capitalismo. Era basicamen-
te alicerçado pelas atividades desenvolvidas pelos
artesãos. O emprego das máquinas era feito sub-
sidiariamente; elas não substituíram o homem,
mas sim, auxiliavam em seu trabalho. A atividade
produtiva era artesanal e manufatureira.
O início da Revolução Industrial, no sé-
culo XVIII, é fato histórico que marca o declínio
desta forma de produção artesanal e a ascensão
da produção em massa. A sociedade rural vai
sendo substituída pela sociedade cuja atividade
principal é o consumo. O capitalismo denomina-
do antes de comercial passa a ser industrial.

Com o advento da Revolução Industrial a con-


cepção mecanicista e materialista de natureza se
auto realiza. A ideia de progresso torna-se im-

57
perante. Todos os recursos naturais passam a ser
visto como matéria prima geradora de novos pro-
dutos. Busca-los onde quer que se encontrassem,
torna-se uma obsessão, em um sistema econômi-
co e social fundado na acumulação constante.
Paralelamente, uma perigosa e falsa ideia são
difundidas, a de que a capacidade da natureza
de fornecê-los é desmedida, inesgotável. A socie-
dade industrial consolidada na era contempo-
rânea pautada nos avanços técnico-científicos, e
na expansão do capitalismo industrial, promove
efetivamente uma dissociação entre sociedade e
natureza, como resultado, temos o acirramento
da degradação do ambiente natural. (SILVA. 2006)

E é a partir deste momento que o meio


ambiente 7 começa a sofrer agressão intensa; as
máquinas empregadas no processo de produção
elevam a produtividade. Para que produzam mais
(para atender o crescente consumo) é necessário
maior emprego de matéria-prima, isto é, recursos
naturais. No mesmo sentido, explica DERANI:

7
Apenas para ressalvar a ideia de que o sistema capitalista não é
o único que necessita da exploração efusiva dos recursos naturais.
Como identificado por Cristiane Derani houve a destruição,
quase por completa, das florestas primárias europeias durante a
Baixa Idade Média, e ainda “a destruição das florestas de cedro
ainda pelos navegadores fenícios de mil anos atrás” (2001, p. 73).

58
Tomando-se o fato de que a espécie humana possui
um espaço limitado para a expansão de suas ativida-
des (a vontade incomensurável humana tem como
última barreira os limites da Terra), a delimitação
do que seria matéria (natureza) para o trabalho e
matéria (natureza) para o lazer é feita dentro de um
universo finito. A imanente necessidade de expansão
produtiva da atividade econômica implica na subor-
dinação de toda a relação homem-natureza a uma
única e suficiente ação apropriativa. Aqui a nature-
za passa a ser exclusivamente recurso, elemento da
produção. (1997, p.70)

Além da maior exploração, da visão subservien-


te ao homem, o meio ambiente ainda sofre com a polui-
ção – como consequência da atividade produtiva – com
adensamento populacional nos centros industriais, com
a necessidade veemente e crescente de aumento nos lu-
cros. A sociedade organiza-se em função do consumo e
o acúmulo de riqueza é o novo paradigma.
Neste contexto, o progresso humano es-
tava (e ainda está), sem as devidas medidas, des-
truindo o habitat e, portanto colocando em risco
a própria existência.
Os efeitos da poluição e da degradação am-
biental, desde então, já ultrapassam os limites do ter-
ritório. O que se quer dizer é que os danos ao meio
ambiente “não respeitam mais a soberania”, os gazes
de efeito estufa lançados à atmosfera no ocidente,

59
impactam no oriente. A pesca predatória de um especí-
fico mamífero em um dado espaço oceânico acaba por
impactar todo o ecossistema marinho.
Preocupando-se com a exploração desmedida
dos recursos naturais vivenciada desde aquela época até
os dias atuais analisa MILARÉ:

Essa crise [ambiental] parece ser consequência da ver-


dadeira guerra que se trata em torno da apropriação
dos recursos naturais limitados para satisfação de ne-
cessidades ilimitadas. E é esse fenômeno tão simples
quanto importante – bens finitos versus necessidades
infinitas – que está na raiz de grande parte dos confli-
tos que se estabelecem no seio da comunidade.
A corrida armamentista e as guerras, em regra, não pas-
sam de dissensões entre países que buscam a conquista da
hegemonia sobre os bens essenciais e estratégicos da natu-
reza. [...] a possibilidade de conflitos tende a aumentar,
já que o mundo, depois de ter enfrentado a crise do petró-
leo na segunda metade do século XX, prepara-se agora
para enfrentar a crise da água (2009, p.789).

E esta crise ambiental vivenciada há algum


tempo, poderá impactar antes, as próprias condi-
ções sociais de existência – a falta de medidas, de
limites, remeterá, se nada for feito, à insustentabili-
dade do sistema produtivo vivido atualmente.
A partir destas constatações percebe-se que a
economia precisa estar atrelada ao pensamento ecológico.

60
4
capítulo
Exploração e Mercantilização dos
recursos naturais:
Apropriação da Natureza pelos
Interesses Comerciais
Num prazo muito curto – e que se torna sempre mais
curto – são dilapidados os patrimônios formados lenta-
mente no decorrer dos tempos geológicos e biológicos, cujos
processos não voltarão mais. Os recursos consumidos e es-
gotados não se recriarão. (MILARÉ. 2007, p. 55)
Não existem sociedades humanas que não tenham proce-
dido à inventariação do meio botânico e zoológico de que
se apropriaram – Claude Lévi-Strauss

D entro de nosso estudo e, sempre que


nos depararmos com a relação economia-
-meio ambiente, em que a natureza é vista como meio
de satisfazer as necessidades humanas, nos utilizamos da
nomenclatura recursos naturais. 8
Desta forma, serão considerados recursos na-
turais aqueles que passarem pelo crivo subjetivo do ho-
mem, isto é, aqueles que se transponham num processo
valorativo realizado pela sociedade.
Aqui não se circunscreve apenas na valora-
ção econômica9, monetária, mas também na valoração
cultural, biológica... e não poderia ser diferente. Como
quantificar quanto vale o metro cúbico de oxigênio, ou
a biodiversidade? Mesmo diante desta impossibilidade,
8
Para um conceito legal e científico, consultar Capítulo 3. Denominado
Dos Recursos Naturais.
9
A valoração econômica será estudada adiante, por ora apenas o
conceituaremos como “processo de atribuir valores monetários aos bens
e serviços derivados dos recursos ambientais, independentemente de
existirem ou não preços de mercado relacionados a eles.” (Silva. 2005, p.88)

65
credita-se ao oxigênio, ou à biodiversidade, a denomina-
ção de recurso natural.
É sabido que a sociedade moderna se alicerça
sobre o lucro, sobre o acúmulo de riqueza. Desde o sécu-
lo XVII é possível afirmar que vivemos em uma econo-
mia de mercado, e uma das suas pilastras é o desenvolvi-
mento econômico, sem ele o sistema não existe.
De acordo com José Francisco Pierangelli, a
preocupação com a apropriação desmedida do am-
biente que nos circunda, sempre existiu, ainda que
de forma genérica. Dela já tratavam o Código de
Hamurabi, o Direito Romano e o homem da Idade
Média e moderna.
No mesmo sentido, apontam algumas pesqui-
sas arqueológicas e documentais que, desde a Idade An-
tiga, a sociedade já sofria com a exploração desmedida
dos recursos naturais e, consequentemente, dos impac-
tos ambientais dela advindos10.
10
Os aquedutos que abasteciam Roma de água potável foram construídos
entre 400 e 500 a. C, em virtude de água do Tibre ter-se tornada imprópria
para o consumo doméstico. E pode-se afirmar com segurança que, antes
mesmo dos romanos, outras civilizações já tivessem realizado práticas
ecológicas desastrosas. As pesquisas arqueológicas vem encontrando
evidências de que os problemas ecológicos contribuíram para a derrocada
de civilizações antigas. Um dos mais respeitados pesquisadores, o
prof. Gerald W. Olson, da Universidade Cornell, com base em sua
longa experiência em escavações arqueológicas afirma que “embora a
queda final de uma civilização possa ser atribuída a uma guerra crítica,
a sociedade pode já ter-se enfraquecido com práticas ecológicas que
forçaram desmoronamentos, secas e inundações e fome em seus
habitantes”. O arqueólogo cita, entre vários exemplos, o da antiga cidade
de Sardis, localizada na Turquia, nas costas do mar Egeu, e que foi a

66
Este é um problema que assola a humanida-
de desde que ganhamos a razão e nos diferenciamos
nos animais irracionais. Contudo, esta preocupação
fundamentava-se nos cuidados com a vida econômica
da sociedade, isto é, os limites à atividade pesqueira,
por exemplo, garantiriam a continuidade na atividade
econômica da pesca e não a proteção às espécies ma-
rinhas afetadas. O enfoque até aqui era a eficiência no
desenvolvimento econômico.
Segundo Silvia Vanti Pezzi, antes do século
XIX, mesmo diante do adensamento populacional,
a urbanização da humanidade e o crescente alarga-
mento das áreas agrícolas e pastoris, essas atividades
ainda não tinham se tornado prejudicial, pois o meio
ambiente ainda conseguia regenerar-se na mesma ra-
pidez com que era degradado.

importante capital do reino da Lidia. Durante séculos, a região, localizada


em férteis vales, foi o núcleo de um intenso e ativo comércio e se tornou
um dos reinos mais ricos e politicamente influentes do mundo. Sardis
era então um grande centro político e cultural. Por volta do ano 600 a.
C. foi descoberto ouro em seus vales. O professor Olson concentrou-
se no estudo dos solos sem vegetação, inférteis e erodidos, e procurou
ligar suas propriedades físico-químicas a fenômenos tais como secas,
terremotos, desmoronamentos, erosão e inundações. Seus estudos o
levaram a relacionar o mal uso da terra aos acontecimentos históricos que
levaram ao empobrecimento e a destruição daquele reino. (...) A verdade
é que será difícil indicar um só período da História da antiguidade à
era medieval, sem que sistemáticas práticas agressivas ao ambiente não
tenham sido perpetradas. Todavia, o advento da civilização industrial
tornou-se sinônimo de agressivo e desmesurado desrespeito à natureza.

67
(...) era suportável graças à enorme capacidade re-
generativa da biosfera. No entanto, a partir de fins
do século XIX, e mais precisamente após o segundo
conflito mundial, as grandes descobertas científicas
e tecnológicas, possibilitaram ao homem conquistas
extraordinárias na sistemática de exploração dos
bens naturais. E, a tal ponto, que o homem passou
a ser o elemento predador, por excelência. O homem
praticamente se voltou contra a Natureza. (CAR-
VALHO. 2003, p 37).

Nos anos 1950, as pesquisas científicas tanto


no solo quanto nos oceanos se intensificaram. Com
o avanço da tecnologia e das modernas técnicas
implantadas nas explorações científicas, o homem
começou a descobrir (com maior profundidade) o
mundo que os cerca e, consequentemente a explota-
ção11 deste meio também aumentou.
O meio ambiente explorado, isto é, a apro-
priação desmedida de seus recursos, gerou consequ-
ências não previstas pela ciência. Veremos a seguir
que a economia clássica não qualificava os recursos
naturais como fator que influenciava a produção,
principalmente porque creditava a eles a característi-
ca de infindável.
Constatou-se, todavia, que esse modelo de

11
ato de explotar; extrair proveito econômico de (área, terra etc.), esp.
quanto aos recursos naturais. Dicionário Houassis.

68
desenvolvimento econômico é autodestrutivo. O
pensamento político, social e econômico precisava ser
reestruturado de acordo com o que se constatava.
O que é novo, e isso se refletiu, sobretudo,
no final do século XX, é que a noção de proteção
ao meio ambiente passou a ser dimensionada numa
perspectiva em que se reconhece a biosfera como
sustentáculo da própria vida planetária. Tal pensa-
mento ficou conhecido como ecocentrismo. Então,
o homem já não é o centro do universo e das preo-
cupações – Antropocentrismo – a natureza não exis-
tia mais com o único propósito de servir ao homem.
Segundo Leonardo Boff (apud Milaré, 2009,
p.100), há alguns princípios básicos que regem este
pensamento, a maioria deles fundamenta-se numa
ética ambiental. Podemos apontar um deles que re-
sume com exatidão o novo paradigma ambiental:
“Age de tal maneira que tuas ações não sejam des-
trutivas da Casa Comum, a Terra, e de tudo que nela
vive e coexiste conosco”.
No próximo capítulo trataremos da influ-
ência do pensamento ecocêntrico na apropriação e
exploração dos recursos naturais. Sim, porque, con-
forme visto, o ser humano é dependente do desen-
volvimento econômico; ele precisa apropriar-se da
natureza e transformá-la na exata medida de suas
necessidades, contudo, empiricamente, o homem,
descobriu que seus desejos infinitos devem ser limi-
tados pela capacidade finita do meio ambiente em
suprir e suportar toda a atividade produtiva.

69
5
capítulo
Economia Ambiental
A economia ambiental analisa os problemas ambien-
tais a partir do pressuposto de que o meio ambiente
– precisamente a parte dele que pode ser utilizada nos
processos de produção e desenvolvimento da sociedade
industrial – é limitado, independentemente da efici-
ência tecnológica para sua apropriação.
O esgotamento dos recursos naturais, responsável pela
assim chamada crise do meio ambiente, é identificado
em duas clássicas tomadas: com o crescente consumo
dos recursos naturais (minérios, água, ar, solo, maté-
ria-prima) como bens livres ( free gifts of nature) e com
efeitos negativos imprevistos das transações humanas.
(...) a fim de equacionar o problema da escassez
dos recursos naturais e da melhoria da qualidade
de vida, mantendo o processo produtivo, procura a
economia ambiental incorporar ao mercado o meio
ambiente, adotando a teoria da extensão do merca-
do (atribuição de preços). (DERANI. 1997, p.107)

O porquê da formação, da junção de duas


disciplinas que, prima facie, encontram-
-se em colisão, pode ser visualizado através fatos his-
tóricos; alguns deles serão descritos aqui com o intuito
de aprimoramento dos conceitos (pré-concebidos ou
que serão fixados a posteriori, durante este módulo).
Empregando como paradigma o cresci-
mento econômico, os países foram divididos em
desenvolvidos e subdesenvolvidos de acordo com
critérios quantitativos de apreciação. Essa forma de

73
diferenciação criou um panorama propício para a
implantação e aperfeiçoamento do processo desen-
volvimentista, pois quanto mais alto estiver na escala
de desenvolvimento, maior a influência e poder do
país em escala internacional.
Portanto, até aqui podemos vislumbrar a
busca incessante do desenvolvimento econômico11.
Neste período, não se percebia (proposita-
damente ou não) os impactos causados diretamen-
te a um dos principais vetores do desenvolvimento
econômico: os recursos naturais, ou meio ambiente
apropriado. Sim, vetor. Porque é através destes re-
cursos naturais que o homem retira seu sustento e
a sociedade o seu enriquecimento, seu desenvolvi-
mento. E será neste mesmo meio ambiente que a so-
ciedade descartará todo o dejeto final da produção.
De acordo com Silva (2004), o modelo de
desenvolvimento econômico era aquele praticado
nos EUA; era o desenvolvimento puro e simples e
para alcançá-lo de forma plena não havia certo ou er-
rado, o único juízo de valor empregado era aumento
nos lucros, aumento no consumo. Sendo assim, pre-
ocupação com a destruição selvagem dos recursos
naturais ou com a degradação impiedosa do meio
ambiente não fazia parte da agenda empresarial.
12
Desenvolvimento econômico deve ser entendido “como o
processo que se traduz pelo incremento da produção de bens
por uma economia, acompanhado de transformações estruturais,
inovações tecnológicas e empresariais, e modernização em geral da
mesma economia”. (Silva. 2004, p.80)

74
Não existe crescimento sem a exploração dos
recursos naturais; o lucro necessita do consumo, que
por sua vez influencia e é influenciado pela produção
e a produção só poderá acontecer através da utilização
dos recursos naturais, ou seja, de matéria-prima.
A preocupação com meio ambiente, em protegê-
lo da explotação desmedida até já existia, mas era um
questionamento que se fazia em razão da economia.
Isto quer dizer que esforçava-se pelo cuidado ao meio
ambiente, contudo essa proteção advinha da própria
manutenção do sistema: se não houvesse um mínimo
de regulamentação para as atividades econômicas, o que
era possível hoje, amanhã não seria mais em razão da
escassez ou extinção da matéria-prima (recurso natural).
Durante a Primeira Grande Guerra, ain-
da estão presentes as decisões que discutem o meio
ambiente dentro do viés antropocêntrico: “estavam
embasadas sempre em considerações de ordem sanitária,
de estratégia econômica, de turismo, de preservação do
patrimônio público e histórico e de segurança nacional.”
(Carvalho. 2000).
Conforme visto no capítulo em que se desen-
volveu o tema Recursos Naturais, temos que, na segun-
da metade do século XX, esta ideologia entra em declí-
nio; este foi um importante período para o pensamento
ambiental, para a alteração do espaço que suporta tudo,
que é infinito e infindável, para meio que inspira cuida-
dos, que é necessário para a vida no planeta.
Laureado pelo Prêmio Nobel da Paz, em
1952, Albert Schweitzer, médico e missionário, foi

75
um dos precursores a vincular a ética com o respeito
pelo ambiente; foi o responsável por popularizar, o
que ficou conhecido, por ética ambiental.
Em 20 de outubro de 1952, o Nobel da Paz,
proferiu um discurso, na Academia Francesa de Ci-
ências (Paris), sobre o tema “O problema da ética na
evolução do pensamento”, em que declarou:

Uma ética que nos obrigue somente a preocupar-nos com


os homens e a sociedade não pode ter esta significação.
Somente aquela que é universal e nos obriga a cuidar de
todos os seres nos põe de verdade em contato com o Uni-
verso e a vontade nele manifestada. (Albert Schweitzer)

Nos anos 1960, outra expoente em matéria


de meio ambiente, Rachel Carson, bióloga marinha
norte-americana que escreveu importante obra “Silent
Spring” (Primavera Silenciosa), publicada em 1962.
Carson foi atacada pela indústria química como
uma alarmista. Em depoimento ao Congresso dos EUA
em 1963, a bióloga pediu novas políticas para proteger
a saúde humana e o meio ambiente; corajosamente ex-
pressou sua preocupação com o desenvolvimento da so-
ciedade industrial, inserindo o homem numa posição de
vulnerabilidade perante o ecossistema.
Em 1967, o embaixador de Malta, Arvid Pardo,
discursou durante a XXII sessão da Assembleia Geral
das Nações Unidas, no sentido de assegurar que a explo-
ração dos fundos marinhos fosse feita a partir do respei-

76
to ao princípio do “Patrimônio Comum da Humanida-
de”. Este preceito engloba questões de sustentabilidade
e igualdade entre as nações.
A preocupação ambiental, mesmo em seu ápice,
mesmo diante dos discursos efusivos de seus defensores,
não conseguiu influenciar, impactar no crescimento eco-
nômico. A sociedade já havia estruturado seu modus ope-
randi, e um viés deste sistema era o acúmulo de capital.
Contudo, apesar de não atingir seus objeti-
vos imediatamente, aqueles expoentes acabaram, ao
menos, por influenciar as novas doutrinas ambienta-
listas e reverberaram nas demais ciências humanas.

5.1. Teoria do crescimento econômico,


o desenvolvimento sustentável e os
recursos naturais.

Não é nossa intenção esgotar todos os as-


pectos da Teoria do Crescimento Econômico, nosso
intuito é tangenciar essa matéria no que é relevante
ao tema do curso13. O que nos importa aqui é a in-
13
Apenas para traçar um panorama geral da temática, e, para aqueles
que desejarem aprofundarem-se no assunto, apresentaremos as
principais correntes que buscam explicar a Teoria do Crescimento
Econômico. São elas: a corrente clássica (Smith, Ricardo, e Malthus.
Mais tarde, por contemporâneos como Ramsey, Young, Knight e
Schumpeter), a corrente Keynesiana (Teoria Geral de Keynes) ou
neoclássica (Harrod-Domar e Solow), crescimento endógeno (Paul
Romer e Robert Lucas). Conf. PESQUISA & DEBATE, SP, volume
12, n. 2(20), p. 119-140, 2001, http://www.pucsp.br/pos/ecopol/
downloads/edicoes/(20)antonio_moraes.pdf – Acesso em 01.12.2011

77
trodução dos recursos naturais como um dos fatores
de crescimento econômico.
No paradigma clássico da teoria existiam
apenas dois fatores: capital e trabalho. Inclusive, al-
guns economistas inseridos nesta teoria clássica, tais
como Jean Baptiste Say, afirmavam que os recursos
naturais estariam sempre disponíveis a qualquer in-
teressado, eram considerados fonte inesgotável de
exploração e, desta forma, o seu estudo não fazia
sentido dentro das ciências econômicas.
Por certo que tal desimpedimento não se mos-
trou tão mágico e infindável assim; novos economistas
começaram a tratar o assunto com maior cautela, qua-
lificando os recursos naturais como um fator de pro-
dução capaz de influenciar o crescimento econômico.
Assim afirma Cristiane Derani:

Ao procurar-se inserir o fator natureza na ciranda


do capital, de forma que ela deixasse de ser utilizada
como um bem livre; ao mesmo tempo, porém, fazen-
do com que o recurso natural obtivesse um valor mo-
netário, para, assim, receber um tratamento mais
comedido, a fim de que não seja apropriado como
coisa de ninguém (...) (2003, p. 102/103).

Até que tal posicionamento se positivou


mundialmente; fato este que ocorreu em 1972 na
cidade de Estocolmo, durante a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. As

78
conclusões desta Conferência deram ensejo a 26
princípios, segundo Carvalho (2000), foi ela a res-
ponsável por lançar bases programáticas para um
novo entendimento político-social e jurídico relativo
à relação ao homem e o meio ambiente.
De mais concreto, podemos conferir à Confe-
rência de Estocolmo a influência na criação do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA.
O próximo grande marco foi a RIO/92, re-
alizada no Rio de Janeiro, que acabou por positivar e
delimitar o conceito de desenvolvimento sustentável.
Na verdade, esta definição foi trazida pelo
Relatório Brundtland ou Nosso Futuro Comum, do-
cumento que condensa o resultado das discussões
travadas durante os trabalhos da Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em âmbi-
to da Organização das Nações Unidas.
As conclusões do Relatório Brundtland e da
Rio/92 possibilitaram o surgimento da “Declaração
do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”,
documento este que, segundo Milaré:

busca estabelecer um novo modelo de desenvolvi-


mento, fundado na utilização sustentável dos recur-
sos ambientais, no respeito à capacidade do Planeta
de absorção de resíduos e de efluentes líquidos e gaso-
sos poluentes (2007, p. 1146).

Sustentável seria, a partir de então, o desen-

79
volvimento “que atender às necessidades do presen-
te sem comprometer a possibilidade de as gerações
futuras atenderem às suas necessidades”.
Aquele ideal de desenvolvimento econômi-
co clássico, “puro e simples” já não satisfaz os inte-
resses da sociedade atual.
A rejeição do conceito de desenvolvimento
acima disposto, identificado como puramente econô-
mico, incita a aplicação do novo paradigma – da sus-
tentabilidade, mas será que ele é factível na proteção
dos recursos naturais? Quais são os limites e a efeti-
vidade do desenvolvimento sustentável quando nos
deparamos com a exploração dos recursos naturais?
Assegurar que as próximas gerações também
possam atender suas necessidades importa em deixar
a elas, no mínimo, o mesmo nível de riqueza natural
que é concedido à geração atual, isto quer dizer que:

(...) toda vez que o desenvolvimento estiver baseado


na utilização de um recurso natural ou na degrada-
ção do meio ambiente, a sociedade deverá utilizar
parte do resultado dessa operação na reconstrução do
ambiente e na formação de estoques de ativos produ-
tivos (Silva. 2004, p.83.)

Assim, quando se atrelou ao conceito de de-


senvolvimento sustentável a ideia de satisfação das
necessidades, percebe-se que a utilização do meio
ambiente (na forma de exploração ou depositário

80
dos dejetos da produção) somente será remida:
(I) para manutenção da vida humana, (II)
para a proteção de algum valor humano básico ou
(III) quando for justificada a capacidade de se apro-
priar dos meios sem danificar a sua reprodução.
(conf. Derani. 2000)
Isto porque, lembremo-nos de nosso segun-
do capítulo, em que estudamos a máxima da pro-
porcionalidade; lá vimos também que o conceito
“desenvolvimento sustentável” já foi estruturado
utilizando-se das três regras: adequação, necessidade
e proporcionalidade.
Sendo assim, unindo o que aprendemos com
o conceito de desenvolvimento sustentável: então só
poderemos explotar14 validamente o meio ambiente
quando não for atividade que comprometa o futu-
ro. Será que a explotação de qualquer minério (ouro,
cobre, calcário), de combustíveis fósseis, enfim de
qualquer recurso considerado não renovável pode
ser feita validamente? Será que poderemos afirmar
que esta exploração para fins econômicos atende às
premissas do desenvolvimento sustentável?
Acreditamos, portanto, que não há possibi-
lidade de aplicação do conceito de desenvolvimento
sustentável, em sua inteireza, numa atividade de ex-
plotação de recurso não renovável – a não ser que
possamos enquadrar tal ação em uma das hipóteses
remissórias aventadas por DERANI: para manuten-

14
Vide nota de rodapé 11

81
ção da vida humana ou para a proteção de algum
valor humano básico.
E, mesmo assim, devemos levar em conside-
ração que tais afirmativas carregam em sua formação
termos abertos, abstratos, conceitos que não são ob-
jetivos. Por exemplo, o que seria de fato “manuten-
ção da vida humana” ou “valor humano básico”? São
conceitos de conteúdo histórico e cultural, portanto,
que variam de acordo com o tempo e o espaço.
Isso também demonstra a fragilidade de se
assegurar os recursos naturais necessários para a
existência das futuras gerações; não há previsibili-
dade das necessidades que surgirão e, ainda, o que
engloba o conceito de necessidade?
Aliado a isso, não se pode desprezar que o sis-
tema econômico atual (conforme já descrito antes) se
baseia no lucro ou na expectativa dele e que, para tanto
investe no consumo, chegando a ser dele dependente.
Estratégias de publicitárias influenciam e es-
tabelecem novos patamares de consumo.

O condicionamento do desenvolvimento sustentável


ao abstrato e genérico suprimento de necessidades
das presentes e futuras gerações ignora por completo
a determinação social do que seja necessário e a va-
riação de seus elementos no tempo e no espaço. (...)
Exibe-se em total desprezo à sua origem nas socie-
dades e ao seu movimento moderno, eficientemente
manipulado pelo desenvolvimento do marketing.
Este instrumento da sociedade moderna é respon-

82
sável por criações surpreendentes de “necessidades”,
e sem ele a sociedade de consumo não sobreviveria.
(DERANI. 1997, p.134)

Na sociedade atual não há razoabilidade


vincular a proteção dos recursos naturais ao atendi-
mento das necessidades humanas. Poderíamos vis-
lumbrar o tempo em que todas estas necessidades
estariam satisfeitas?
Conclusão que não é nossa, nos dizeres
de Derani:

(...) julgo que uma proposta de redirecionamento da


economia visando à satisfação das necessidades de
todos os sujeitos da sociedade, vinculando o consumo
ao apenas “necessário”, inibindo o aumento do con-
sumo, para, assim, finalmente alcançar-se o almeja-
do desenvolvimento sustentável é apenas um modelo
de discurso apaixonante que se esgota nas palavras
do interlocutor (1997, p.136).

E não é tudo, pior (ou melhor) seria se, numa


visão utópica de mundo, realmente alcançássemos a
saciedade das necessidades como sobreviveria a so-
ciedade capitalista?
Uma outra solução apontada pela doutrina
seria preocupar-nos, não com o atendimento das
necessidades futuras, mas simplesmente criar meca-

83
nismos que limitem o acesso aos recursos naturais. As
grandes empresas se empenhariam em buscar alternati-
vas – menos dependentes do meio ambiente – quando,
de alguma forma, disto depender sua lucratividade.

Criar valores, taxas quando da exploração do meio


ambiente, seria uma forma eficaz que garantiria
uma previdência ao ato da exploração. Por esta prá-
tica, o desenvolvimento sustentável deixa a questão
subjetiva da necessidade e ganha outro patamar. De
maneira mais condizente com a realidade, a orien-
tação do desenvolvimento sustentável passa a ser
tratada como um problema de escolha, uma opção
política (...). (Derani. 1997, p.137)

Vejamos de que forma a seguir.

5.2. Valoração ambiental. Teoria das


externalidades

Diante de todos os problemas advindos da


produção industrial apontados ao longo do traba-
lho e, principalmente no tópico anterior, a economia
não poderia quedar-se inerte.
A atividade econômica utiliza recursos na-
turais como matéria-prima e tem, como o meio que
nos cerca um receptáculo de dejetos, isto é fato in-
conteste. Outro fato incontestável é aquele que traz

84
o desenvolvimento econômico como algo necessá-
rio e essencial para a própria manutenção do sistema
capitalista atual.
Se de um lado somos obrigados a conviver
com a poluição gerada pelo processo produtivo (ex-
ternalidades negativas) – que degrada o meio am-
biente e impacta negativamente na qualidade de vida
–, por outro, nos beneficiamos dos avanços científi-
cos, tecnológicos (externalidades positivas). Enfim,
do conjunto destes fatores que influenciam positiva-
mente a saúde e bem-estar do ser humano.
Desta forma, torna-se impossível aniqui-
lar o desenvolvimento econômico no interesse
de bem-estar social, porque também nos bene-
ficiamos dos produtos gerados por ela. E essa
paralização afetaria diretamente aquilo que foi
objeto inicial de proteção: qualidade de vida,
bem-estar social.
Tratando-se as ciências econômicas do es-
tudo da atividade econômica e a relação desta com
a sociedade, no caso em que discorremos – a eco-
nomia ambiental – uma das suas ferramentas para
solucionar o impasse de meio ambiente equilibrado
versus desenvolvimento econômico é o estabeleci-
mento de padrões monetários, de valores pré-fixa-
dos para os recursos naturais.
Ao criar padrão monetário, a economia
ambiental limitará o acesso privado aos recursos
naturais e, portanto, restringirá a atividade pro-
dutiva cuja matéria-prima seja o bem natural que,

85
conforme visto, são bens escassos.
Os critérios para esta fixação estão baseados
nos riscos assumidos pela atividade econômica com
a degradação ambiental inicial – surgida em razão da
exploração – e, também, com a poluição gerada pos-
teriormente – advinda do próprio processo de indus-
trialização, de transformação daquele recurso natural.
Esta seria a finalidade imediata alcançada
pela valoração dos recursos – impedir a explora-
ção desmedida; enquanto que em longo prazo,
atingirá a finalidade mediata: criar limites aceitá-
veis de poluição/degradação.
Para entender o processo de fixação, de va-
loração destes recursos é necessário discorrer, mes-
mo que resumidamente, acerca de alguns elementos
de natureza econômica.
(a) As falhas de mercado (externalidades).
A principal ideia envolvida neste aspecto
da teoria pode ser resumida pela seguinte frase:
“privatização dos lucros e socialização das per-
das”. Estas externalidades, ou efeitos externos
da produção serão sentidos por toda a coletivi-
dade, inclusive pela parte que não participou da
relação econômica. Para exemplificar tal concei-
to, vejamos o caso da poluição.
Qualquer atividade econômica tem um cus-
to: para produzir ou prestar serviço será necessário a
utilização dos fatores de produção – capital, recursos
naturais e trabalho. Haverá compensação pecuniária
destes custos a partir da contraprestação da utiliza-

86
ção destes serviços: pagamentos de impostos, de sa-
lários em virtude da força de trabalho, pelo aluguel
em razão do imóvel utilizado. O produtor usufrui e
paga. Este é o custo privado da produção.
Quem adquire o produto ou utiliza-se
dos serviços pagará pelos custos que envolvem
tal atividade: o produtor ou prestador repassará
ao consumidor, através do preço a ser pago pela
coisa, aquilo que gastou durante sua atividade.
Contudo, há custos que não possuem
compensação. O caso da poluição da água, por
exemplo, haverá uma série de custos/danos que
não poderão ser, eficazmente, compensados (de
que adiantaria o pagamento em pecúnia se a socie-
dade nunca mais poderá usufruir daquele rio, não
poderá mais pescar, praticar esportes, visualizar
sua paisagem afetada pela poluição)?
E pior, há alguns custos que envolverão
parcela da sociedade que nem faz parte da rela-
ção econômica. Imaginemos que não somos con-
sumidores de fraldas descartáveis e moramos ao
lado de uma indústria que produz tal bem; não
participamos da relação econômica, mas, mesmo
assim, conviveremos com a poluição gerada pela
produção. Este é o custo social da produção.
E agora, a frase inicial ganha transparên-
cia: “privatização dos lucros e socialização das
perdas” – o que é custo privado está exatamente
onde deveria, no interior da relação econômica,
na relação entre o produtor/prestador e o consu-

87
midor, enquanto que os custos sociais são supor-
tados por todos, indiscriminadamente.
Continuando, temos outro aspecto da teo-
ria que precisa ser abordado antes de passarmos
ao próximo tópico: a concorrência num sistema
capitalista de produção. Veremos que não são
somente os custos da produção que influenciam
na formação dos preços, a própria concorrência
também tem sua parcela de persuasão.
O mercado concorrencial impulsiona o
produtor/prestador em busca sempre da redução
dos custos e, muitas vezes, o preço se adequará
ao o do concorrente inclusive sem diminuição
dos custos. Diante disto:

a possibilidade de incorporar produtos naturais


sem preço e/ou a geração de desperdícios em es-
paços públicos são modalidades de depredação e/
ou poluição que, constituindo efeito negativo para
a sociedade em seu conjunto, significam, parado-
xalmente, uma vantagem normal individual no
capitalismo (Foladori. 2001, p.170).

Algumas teorias procuram corrigir os efei-


tos nocivos das Externalidades. A que será apre-
sentada a seguir harmonizará o mercado através do
pagamento de taxas, através da valoração do meio
ambiente. Trataremos da Teoria da Correção do
Mercado de Arthur C. Pigou.

88
5.2.1. Internalização da externalidade

Se as externalidades significativas existem, o que pode


corrigir este equilíbrio de mercado ineficiente? Inter-
nalizar externalidades pode ocorrer de várias formas.
Um exemplo seria uma taxa sobre os automóveis. Po-
demos chamar isto de taxa de poluição, cujo objetivo
não é primeiramente aumentar a receita do governo
(embora seja um dos resultados), mas transferir para os
compradores de automóveis os custos ambientais reais
de suas ações.15

Diante dos custos não compensados, diante dos


custos que são distribuídos por toda a sociedade – e não
somente entre aqueles que participam da relação econô-
mica – procurou-se trazê-los novamente para dentro da
produção. É o que se denomina internalização da exter-
nalidade, cujo precursor foi Arthur C. Pigou.

A modalidade de internalização proposta por Pigou é


preencher o desvio custo social (...). A internalização da
externalidade, fenômeno exterior ao mercado, traduz-
-se por um pagamento que, de algum modo, vem atri-
buir um preço à nocividade. O preço do bem produzido
é então igual ao custo marginal social do bem (custo
15
Harris, Jonathan M. Environmental and Natural Resource
Economics: A Contemporary Approach. Teoria das Externalidades
Ambientais. http://www.neema.ufc.br/GERNPA_HARRIS4.pdf
Acesso em 20.07.2012

89
marginal privado + taxa). Este processo de interna-
lização através de uma taxa, preconizada por Pi-
gou, é conhecida pelo nome de solução pigoviana da
externalidade (...) (Faucheux e Noel. 1995, p.218).

Segundo Francisco de Souza Ramos, as ta-


xas pigovianas buscam reprimir o produtor polui-
dor. E pode ser compreendidas da seguinte forma:
elas são vistas como um “instrumento de financia-
mento da luta coletiva contra a poluição”, ou como
um incentivo que imprime ao poluidor uma mu-
dança de hábito, principalmente no caso em que tal
mudança em seu comportamento nocivo é menos
dispendiosa do que pagar a taxa.
Para os leitores mais atentos uma questão
deve estar a tilintar: tudo o que foi desenvolvido por
Pigou é muito semelhante à ideia do Poluidor-paga-
dor. Realmente esta semelhança não é casual e nem
um plagio internacional.
Foi por influencia desta teoria de Pigou que
se desenvolveu o princípio ambiental aplicado com
muita propriedade pelo mundo inteiro, o princípio
do poluidor pagador.
Imaginemos que no mundo só houvesse
esta teoria, imaginemos agora que:

um fazendeiro drena um pântano em sua proprieda-


de para criar um campo adequado para agricultura.
Seu vizinho no curso baixo do rio reclama que sem o

90
pântano para absorver as pesadas precipitações, sua
terra agora está alagando – danificando suas culturas. O
primeiro fazendeiro teria o direito de fazer o que quisesse
em suas terras, ou deve ser obrigado a pagar ao segundo
fazendeiro o valor de seus cultivos danificados? 15

O que se questionou a seguir é que somente


imputar a responsabilidade por uma externalidade
causada não resolve todos os problemas ambientais.
No exemplo apresentado, o segundo fazen-
deiro foi diretamente afetado; provavelmente terá
que abandonar sua propriedade em razão de uma
atitude unilateral do primeiro fazendeiro – que in-
clusive pode ter agido assim de forma plenamente
legal, pagando a taxa pigoviana de poluidor pagador.
Mas e o direito de propriedade do segundo
fazendeiro não foi aniquilado?
Segundo Ronald Coase, com seu “O Proble-
ma do custo social”, para internalizar eficazmente
a externalidade produzida pelo primeiro fazendeiro,
este deveria indenizar o segundo fazendeiro. Este,
por sua vez, através de uma negociação feita bila-
teralmente, poderá barganhar essa indenização a tal
ponto que poderá persuadir o segundo fazendeiro
para que não drene seu pântano. De que forma?
15
Harris, Jonathan M. Environmental and Natural Resource
Economics: A Contemporary Approach. Teoria das Externalidades
Ambientais. http://www.neema.ufc.br/GERNPA_HARRIS4.pdf
Acesso em 20.07.2012

91
Requerendo uma indenização alta de tal monta que
obrigue o segundo fazendeiro a rever sua forma de
produção (buscando novas alternativas de plantio).
Neste caso, a teoria de Coase fará, pela própria
característica de bilateralidade da negociação, com que
o primeiro fazendeiro pense em outras técnicas de pro-
dução que não gerem as externalidades negativas.
Na primeira teoria temos uma taxa fixada
pelos Administradores públicos, na segunda temos
a ideia de livre mercado. A escolha pública X a es-
colha privada. Os economistas entendem essa dife-
renciação como processo de escolha social (em que
o governo decreta o grau de taxação para esta ou
aquela atividade degradadora) ou como processo de
escolha privada (em que um processo de bem-estar
individual comanda o nível de poluição).
Falamos a pouco que deveríamos imaginar
que no mundo só existisse a teoria para resolver a
questão, mas no caso brasileiro não podemos esque-
cer-nos de nossa Constituição Federal que elevou o
meio ambiente equilibrado a um direito por ela prote-
gido e garantido e, além disso, também fixou expres-
samente em seu texto o direito à propriedade limitado
a sua função social, ambos já estudados neste módulo.
Portanto, a junção das teorias ora analisadas
com nossa Constituição Federal ocupando-se dos te-
mas ambientais, ao menos no plano teórico, no mundo
do “dever-ser”, estar-se-á protegendo o meio ambiente.
A seguir traremos para o mundo do “ser”
esta proteção ambiental. Com instrumentos públicos

92
eficazes de controle prévio e posterior fecharemos
o ciclo de proteção ambiental – o certificado e licen-
ciamento ambientais são importantes instrumentos de
política pública utilizados em defesa do meio ambiente.

93
6
capítulo
Os Instrumentos da
Política Ambiental
Para superar os problemas ecológicos, não há uma
receita padrão, mas existem muitas particularidades
locais e regionais que precisam ser consideradas. Em
muitos países semi-industrializados do Terceiro-
-Mundo, os instrumentos público-ambientais discu-
tidos são conhecidos. Na realidade, porém, aplica-se
somente a proteção ambiental corretiva. Isto quer
dizer: em caso extremo executam-se as dispendiosas
medidas corretivas para melhorar a qualidade am-
biental às custas dos cofres públicos, portanto às cus-
tas dos contribuintes (socialização dos custos). Nesses
países há muita liberdade para se poluir à vontade
e os responsáveis ficam impunes. (O fim visual do sé-
culo XX e outros textos críticos. Por Ernesto Manuel
de Melo e Castro).

F oi visto que o direito ao meio ambiente


equilibrado, considerado bem comum do
povo, é direito fundamental do homem constitucio-
nalmente reconhecido. A fórmula encontrada pela
ciência para alcançar (ou manter) o meio ambiente
equilibrado é aliar o desenvolvimento econômico
com a proteção aos bens ambientais explorados.
Neste momento, verificam-se dois direitos
constitucionalmente protegidos que entram em co-
lisão diante do caso concreto, a saber: o direito à
liberdade econômica – presente no caput do artigo
170 da Constituição Federal –, e o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado – presente no

97
artigo 225 também da Constituição Federal.
No intuito de sopesar e harmonizar tais inte-
resses coube ao Poder Público criar instrumentos de
fiscalização que ao mesmo tempo fossem capazes de
proteger os bens ambientais da exploração predatória
e assistir ao inevitável desenvolvimento econômico.
Os instrumentos da política ambiental, segun-
do Ernesto Manuel de Melo e Castro, dividem-se em:
(a) não-fiscais: prescrições com proibições ou
exigências (regulamentação para produtos e a emis-
são de poluentes), instrumentos de planejamento
ambiental (estudos e relatórios de impactos ambien-
tal), alterações jurídicas (legislação ambiental, alvarás
ambientais, licenciamentos), soluções de cooperação
(convênios, uniões) e instrumentos livres (educação
ambiental, atuação espontânea, soluções negociadas);
(b) de gastos: oriundos de financiamentos de
impostos, taxas e contribuições compreende os ins-
trumentos de proteção ambiental públicas, subven-
ções, apoio à pesquisa e desenvolvimento relevantes
para o meio ambiente. Inclusive, este instrumento de
política ambiental tem propriedades semelhantes às
da taxa no sentido em que fornece o mesmo incen-
tivo para reduzir as emissões, mas com a vantagem
de gerar menos oposição: as empresas são evidente-
mente mais receptivas a medidas que financiem os
custos de controle da poluição que àquelas que jo-
gam a carga sobre elas.
(c) de receitas: advêm de alvarás, taxas, im-
postos e multas.

98
Em todos eles podemos identificar aqueles
conceitos tratados no capítulo anterior – princípio
do poluidor pagador, internalização dos custos so-
ciais. Vimos que em todos eles o ideal de punir os
poluidores e prevenir novos danos ambientais. Para
tanto, a Administração Pública estruturou-se, dele-
gando funções, estabelecendo objetivos claros, prin-
cipalmente a partir de 1981.
Neste ano, 1981, foi promulgada a Lei n.º
6.938 estabelecendo a Política Nacional do Meio
Ambiente (PNMA) ratificando as pretensões da so-
ciedade e pormenorizando aqueles objetivos, prin-
cípios, indicação dos órgãos responsáveis, enfim,
todos os fundamentos que definem a proteção am-
biental em nosso país.
Incorporando a responsabilidade da pre-
servação, melhoria e recuperação da qualidade am-
biental, visando assegurar, no país, condições ao
desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida
humana, os órgãos executores da PNMA fazem par-
te de um Sistema maior de proteção, Sistema Nacio-
nal do Meio Ambiente (SISNAMA) são eles:
(i) órgão superior: o Conselho de Governo,
com a função de assessorar o Presidente da Repú-
blica na formulação da política nacional e nas dire-
trizes governamentais; (ii) órgão consultivo e deli-
berativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar
e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de po-

99
líticas governamentais e deliberar, no âmbito de sua
competência, sobre normas e padrões compatíveis
com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e
essencial à sadia qualidade de vida, é presidido pelo Mi-
nistro do Meio Ambiente; (iii) órgão central: a Secretaria
do Meio Ambiente da Presidência da República, com a
finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e con-
trolar, como órgão federal, a política nacional e as dire-
trizes governamentais fixadas para o meio ambiente; (iv)
órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com a
finalidade de executar e fazer executar, como órgão fe-
deral, a política e diretrizes governamentais (v) Órgãos
Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsá-
veis pela execução de programas, projetos e pelo con-
trole e fiscalização de atividades capazes de provocar a
degradação ambiental; (vi) Órgãos Locais: os órgãos ou
entidades municipais, responsáveis pelo controle e fisca-
lização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições
Positivados, ainda pela Política Nacional do
Meio Ambiente, estão diversos instrumentos que as-
seguram o equilíbrio entre desenvolvimento econô-
mico e a proteção do Meio Ambiente. O artigo 9º da
Lei enumera treze deles:

Art 9º - São instrumentos da Política Nacional


do Meio Ambiente:

I - o estabelecimento de padrões de qualida-


de ambiental;

100
II - o zoneamento ambiental;

III - a avaliação de impactos ambientais;

IV - o licenciamento e a revisão de atividades


efetiva ou potencialmente poluidoras;

V - os incentivos à produção e instalação de equi-


pamentos e a criação ou absorção de tecnologia,
voltados para a melhoria da qualidade ambiental;

VI - a criação de espaços territoriais especial-


mente protegidos pelo Poder Público federal,
estadual e municipal, tais como áreas de prote-
ção ambiental, de relevante interesse ecológico e
reservas extrativistas;

VII - o sistema nacional de informações sobre o


meio ambiente;

VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades


e Instrumentos de Defesa Ambiental;

IX - as penalidades disciplinares ou compensató-


rias ao não cumprimento das medidas necessárias à
preservação ou correção da degradação ambiental.

X - a instituição do Relatório de Qualidade do


Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

101
e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;
(Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989).

XI - a garantia da prestação de informações re-


lativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder
Público a produzi-las, quando inexistentes;

XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades


potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos
recursos ambientais.

XIII - instrumentos econômicos, como con-


cessão florestal, servidão ambiental, seguro am-
biental e outros.

Diante de pretensa lista, não seria possível


esclarecer todos os pontos indicados pela PNMA;
assim sendo, trataremos de dois instrumentos. A sa-
ber, certificações e alvarás ambientais.
Ambos os instrumentos, segundo Viana
(2003, p.588): “funcionam como meio de propor-
cionar e garantir o comportamento ambientalmente
correto de uma determinada organização, embora
possuam fins e princípios diversos”. Desta forma,
ao mesmo tempo em que possuem característica,
forma e competência diferentes e especiais, a fi-
nalidade última é garantir o equilíbrio entre meio
ambiente e produção econômica.
Sendo assim, são destes dois instrumentos
que trataremos a seguir.

102
6.1. Certificados e alvarás ambientais
Ao analisar estes dois instrumentos, veremos
que suas semelhanças são patentes. Ambos buscam
o bem agir ambiental, mas o ponto que os distancia
é bem interessante e demonstra como a sociedade
busca alternativas quando a máquina estatal é defici-
tária (corrupção, morosidade, burocracia excessiva).
Isso é assim porque, enquanto o Licencia-
mento Ambiental é estruturado e regulamentado
pelo Poder Público, a Certificação Ambiental é de
responsabilidade da sociedade civil.
Veremos neste item as principais caracterís-
ticas dos instrumentos, começando pela Certifica-
ção Ambiental.

6.1.1.Certificados Ambientais

Não é preciso anos de estudos em gestão


empresarial para concluir que o mercado atual exige
sempre mais das empresas, seja qualitativa ou quan-
titativamente; os “selos” ou “certificados especiais”
garantem uma visibilidade um tanto quanto atrativa
dentro de um ambiente ferozmente competitivo.
Sua importância é tamanha que a existência
dos certificados ambientais está fundamentada na
própria Constituição Federal. Um dos instrumentos
da Política Nacional do Meio Ambiente, a certifica-
ção, está expressa no inciso I do artigo 9°: através do
estabelecimento de padrões de qualidade ambiental.

103
Partindo desta premissa: é favorável às
empresas certificarem-se, ao mesmo tempo em
que recebem chancela constitucional, vemos que
a Certificação Ambiental é um importante ins-
trumento de proteção ambiental.
Segundo Eder Cristiano Viana (2003, p.587), a
Certificação Ambiental, via de regra, tem interferência
privada, enquanto que o licenciamento está submetido
às regras de direito publico – portanto e, infelizmente,
em ambiente corrupto, moroso e burocrático.

A certificação ambiental surge no contexto em que a


variável ambiental se insere no campo organizacional
da empresa, tanto por uma pressão de mercado quanto
pelo desenvolvimento crescente dos movimentos am-
bientalistas e da pressão das instituições políticas. As-
sim, passa-se a exigir que as empresas tenham um com-
promisso efetivo de proteção e conservação da natureza,
o que servirá, igualmente, para informar ao mercado
sobre a origem do produto e as técnicas de produção.

E, contextualiza que:

[o] licenciamento, associado à sua morosidade e ao


argumento de que o próprio mercado pode se incum-
bir de eleger, através da certificação ambiental, ins-
trumentos que garantam a credibilidade ambiental
das empresas e, assim, a proteção ambiental. Garan-
tia que, para muitos, suplanta a do próprio Poder Pú-

104
blico, desgastado pelos processos de corrupção e ineficiên-
cia que assolam as estruturas administrativas estatais.

A possibilidade de emitir um certificado am-


biental passa por um sistema de padrões e critérios
normatizados por instituições e organismos nacio-
nais ou internacionais privados, chamados de enti-
dades certificadoras.
E, resumidamente, ao cumprir estes padrões
e/ou critérios estabelecidos, as empresas recebem o
aval daquelas entidades certificadoras e alcançam re-
conhecimento da sociedade, do consumidor. Desta
forma, o motivo que as leva para a certificação é a
sobrevivência no mercado, é ganhar competitividade
perante seus concorrentes.
Indiretamente, contudo, a sociedade é premia-
da com produtos e serviços de maior qualidade, menos
agressivos ao meio ambiente, socialmente responsáveis.

Como exemplos de sistemas de certificação podem


ser citados o FSC (Forest Stewardship Council); as
normas da série ISO 14000 da International Or-
ganization for Standardization (ISO), conforme
seu processo de gestão ambiental; e o CERFLOR, da
ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas),
através da NBR 14.789 (Carvalho, 2002). Estes
últimos voltados para o setor florestal.
(...)
Há vários sistemas de certificação ambiental, como

105
rotulagem, selo e auditorias ambientais. No Reino
Unido, por exemplo, existe a norma BS 7750, nos
Estados Unidos, a SGA NSF 110 DA NSF Interna-
cional (Souza, 2000). No Brasil pode-se citar, além
dos já apresentados, a certificação agrícola para o se-
tor canavieiro, do Instituto de Certificação e Manejo
Florestal e Agrícola – Imaflora/CAN, associado ao
Instituto de Agricultura – CAN, cuja certificação
possui grande aceitação no mercado internacional,
com o selo socioambiental ECO-O.K.® (VIANA,
E.C. etal. 2003, p.589/590)

A eficácia social alcançada por tais normas


privadas não poderá nunca afastar o sistema regu-
latório governamental, nem evidenciar que a base
institucional para o tratamento da questão ambiental
deva permanecer sob a responsabilidade única e ex-
clusiva dos agentes privados, do mercado ou da eco-
nomia: “Embora as entidades certificadoras assumam
este papel, atuando com neutralidade – o que lhes pro-
porciona credibilidade –, cuidar das questões ambientais
é dever do Poder Público (Viana. 2003, p. 590).”
Sendo assim, no próximo ponto, faremos o
estudo das normas e regras cogentes (portanto de
natureza obrigatória e válida em todo território na-
cional) que impulsionam o assunto na esfera pública.
São, dentro das prerrogativas do Poder Público, de-
correntes de seu poder de polícia.

106
6.1.2. Licenciamento Ambiental

Conforme dito, o licenciamento é instru-


mento utilizado pelo Poder Público, através do po-
der de polícia, para fiscalização ambiental.
Também está presente na Política Nacional
do Meio Ambiente (PNMA) em seu artigo 9°, inciso
IV, “o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou
potencialmente poluidoras”.
Através do estabelecimento de limites, pa-
drões, especificações, - seja de ruídos, de emissão de
gases poluentes, de reciclagem do material etc. – de-
finidos por algum dos órgãos do SISNAMA (Siste-
ma Nacional do Meio Ambiente), geralmente pelo
IBAMA (Instituto brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis) ou pelo CONA-
MA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) a Ad-
ministração Pública garante atingir patamar aceitável
em busca pelo meio ambiente sadio.
Atualmente, dentro do setor público, temos
estabelecidos padrões ambientais para a qualidade
do ar, fundamentada pela Resolução CONAMA
5/89 – através do Programa Nacional de Qualidade
do Ar (PRONAR); padrões de qualidade da água,
tanto para as superficiais ou para as subterrâneas,
através das Resoluções do CONAMA n° 357/ 05 e
39608 respectivamente; e, também pelo CONAMA,
em sua Resolução 01/90 em que há preocupação
com os níveis de ruídos em áreas habitadas.
Estes são alguns exemplos do que podería-

107
mos chamar de “certificados públicos”, nos dizeres
de VIEIRA, pelos quais “a Administração Pública
confere ao empreendedor, atestando que todas as normas
ambientais estão sendo obedecidas e que os padrões técni-
cos exigidos pelo Poder Público estão sendo cumpridos”
(591, 2003).

O papel do Poder Público origina-se da necessidade


de uma regulamentação que, atualmente, reveste-se
das características de imposição de normas e meca-
nismos, sobretudo de fiscalização, que interferem na
atuação das empresas e de particulares cujas ativi-
dades repercutem no meio ambiente, principalmen-
te gerando impactos negativos. Entre os vários ins-
trumentos legais instituídos com este intuito pode-se
citar o licenciamento ambiental. Este é praticado
no Brasil em vários Estados, por exigência da Cons-
tituição Federal e da Lei no 6.938/81, que o elege
como instrumento da Política Nacional do Meio
Ambiente (PNMA). (VIANA, E.C. Et al)

Tratando-se de matéria tipicamente adminis-


trativa, temos que colacionar alguns conceitos que
caracterizam o agir da Administração Pública, isto
é, aquilo que garante ao ato praticado por ela, as ca-
racterísticas necessárias para tornar-se cogente e res-
peitado. Tarefa que necessita de legitimidade, pois,
com estes atos, o poder público limita o exercício
dos direitos individuais do administrado.

108
Assim sendo, temos que Licenciamento
Ambiental é procedimento administrativo pelo qual
o órgão ambiental competente licencia a localização,
instalação, ampliação e a operação de empreendi-
mentos e atividades utilizadoras de recursos ambien-
tais, consideradas efetiva ou potencialmente polui-
doras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam
causar degradação ambiental.
E, ao final deste procedimento, ao final do
licenciamento ambiental é possível, caso o adminis-
trado tenha atendido a todos os requisitos e con-
dições impostas pela lei, a expedição do ato admi-
nistrativo “Alvará”, ou no caso em estudo, “Alvará
Ambiental”, permitindo que o interessado pratique
a atividade potencialmente poluidora.
Então, a materialização do licenciamento
ambiental se dará na figura do alvará ambiental, den-
tre os quais estão o Alvará de Licença e o Alvará
de Autorização. Contudo, mesmo possuindo carac-
terísticas diferentes, as normas que tratam do licen-
ciamento utilizam-se destas nomenclaturas de forma
indiscriminada. Exemplos:

(...) nos arts. 14, “b”, 26, “h”, “i”, “o” e “q”, e 45, da
Lei nº 4.771/65 (Código Florestal), e nos arts. 4º,
12, 13, 14, 20 e 22 da Lei nº 5.197/67 (Código de
Caça); ou, ainda, há hipóteses em que a sua mani-
festação, porquanto impregnada de características e
princípios peculiares ao Direito Ambiental, se dis-
tanciará da acepção clássica da doutrina adminis-

109
trativa (Antunes. 2011, p.171)

Segundo Marçal Justen Filho (2011, pp.


385/386), “licença é ato administrativo editado no
exercício de competência vinculada, por meio do qual
a Administração Pública formalmente declara terem
sido preenchidos os requisitos legais e regulamentares
exigidos (...)”, enquanto que autorização, segun-
do o mesmo autor é: “é ato administrativo edita-
do no exercício de competência discricionária, tendo
por objeto o desempenho de uma atividade privada”.
O alvará de licença é um ato vinculado e o
alvará de autorização é um ato discricionário. Esta é
a primeira grande diferença.
O direito gerado a partir do cumprimento
das exigências legais não será subjetivo para o ad-
ministrado que solicita o procedimento do Licen-
ciamento e recebe, ao final, uma autorização: pois
se trata de poder discricionário, a Administração se
achar conveniente ou oportuno aceitará o pedido.
Bem diferente será a situação daquele que
recebe uma licença, pois, sendo ato vinculado –
portanto não tem espaço para juízo de valor – se o
administrado cumprir o que a lei manda e, mesmo
assim a Administração não expedir o Alvará de Li-
cença, o indivíduo poderá ser indenizado.

110
6.1.3. Diferenças entre Certificação
e Licenciamento Ambiental

Mesmo comparando o licenciamento com a


certificação, em razão da proteção ao meio ambien-
te, por certo que há diferenciações importantes que
devem estar fixadas.
A Certificação Ambiental, como vimos,
é atividade de cunho privado, regulado, procedi-
mentalizado, instituído por organizações particu-
lares. Seus destinatários deverão cumprir as nor-
matizações se assim desejarem, isto quer dizer,
suas regras são de cumprimento facultativo.
No que tange ao Licenciamento Ambiental, por
ser atividade pública, tem origem em normas cogentes,
de cumprimento obrigatório por todo o território nacio-
nal. Sua competência é privativa e definida por lei.
No artigo 23 da Constituição Federal temos
que: É competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios:
VI – proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas;
VII – preservar as florestas, a fauna e a flora.
Portanto, caberá administrativamente todos
os entes agirem conjuntamente para resguardar o
meio ambiente.
No artigo 24 a Constituição Federal de-
fine a competência para legislar, competência le-
gislativa concorrente entre a União, os Estados e
o Distrito Federal:

111
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação
da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cul-
tural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Enquanto que na Certificação Ambiental, a
competência é definida pelos próprios órgãos nor-
matizadores e/ou reguladores.
Por sua vez, quanto à finalidade imediata
é conceder às empresas certificadas maior cre-
dibilidade no mercado comercial. Com a certi-
ficação, os consumidores, a sociedade como um
todo reconhecerá um diferencial naquele produ-
to/serviço oferecido.
E, no licenciamento ambiental o que se
preza imediatamente é preservar o meio ambien-
te, de forma a limitar as atividades da iniciativa
privada que são consideradas poluidoras ou de-
gradantes ao meio.
Vejamos que a atividade as empresas cer-
tificadoras é receptiva – elas agem por opção e
desejo daquele que as procura; bem diferente é
a situação do administrado perante a Adminis-
tração: a atividade é receptiva num primeiro mo-
mento, torna-se ativa logo após – aquele deve
obediência à lei e quem garante este cumprimen-
to é o órgão competente definido pela Lei. Aqui

112
o cumprimento é obrigatório, lá é facultativo.
Segue um quadro comparativo de ambos os
instrumentos:
Elemento de Comparação Certificação Licenciamento
Atestar comportamento menos
nocivo ao meio ambiente e, ou Atestar comportamento menos
promover uma atuação do nocivo ao meio ambiente, e, ou, promover
Objetivos
particular conforme padrões uma atuação do particular conforme
técnicos de conservação padrões técnicos de conservação ambiental
ambiental
Promove a verificação da
Promove a verificação
compatibilidade da atividade
da compatibilidade da atividade com
com conservação ambiental,
Atuação conservação ambiental, visando
visando equalizar
equalizar desenvolvimento
desenvolvimento
econômico e sustentável
econômico e sustentável

O sistema constitui-se através


É procedimento administrativo formado
de prescrições normativas que
por conjunto de prescrições normativas
devem ser obedecidas por
Formação do que devem obedecidas por aquele que
aquele que procura obtê-la. São
Processo/Sistema requer o licenciamento. Devem ser
regras cujos cumprimento e
observados procedimentos e normas
observância são pré-requisitos
para a expedição da licença
para a expedição do certificado

É atividade desenvolvida pelo


É desenvolvida por particulares, Poder Público, possibilitando o
A Quem Compete visando atender a interesses desenvolvimento de certa atividade
também particulares privada. Visa sempre o bem
público, comum

As regras e os critérios que


Decorre de exigência legal, isto é,
prescrevem os procedimentos
são normas de caráter obrigatório,
Natureza da Normas para a certificação ambiental
editadas e válidas em todo o
dão normas de adesão
território nacional
voluntária

As normas são elaboradas por


entidades privadas (entidades
normatizadoras), sendo também
São normas elaboradas pelas pessoas
privadas aquelas entidades
Quem Elabora as Normas de direito público interno competentes
encarregadas da verificação e
(União, estados, municípios e DF)
auditoria para a expedição dos
certificados ambientais
(entidades certificadas)

Decorre da atuação particular Exercício do poder de polícia do Estado,


Origem em virtude de uma exigência do por força dos deveres e das competências
mercado constitucionais

Atuação preventiva, condicionado


Atuação posterior, quando em o exercício da atividade conforme a lei.
Momento de Atuação
funcionamento a atividade Pode haver atuação posterior, se a
atividade já está em funcionamento

Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0100-67622003000400019. Acesso em 12.12.2011

113
Legislação Ambiental a Ser Consultada

• Código Florestal – número 4.771/65


• Lei da Fauna Silvestre – número 5.197/67
• Lei do Zoneamento Industrial nas Áreas –
número 6.803/1980
• Política Nacional do Meio Ambiente – nú-
mero 6.938/81
• Lei da Área de Proteção Ambiental - nú-
mero 6.902/81
• Lei da Ação Civil Pública - número
7.347/85
• Lei do Gerenciamento Costeiro – número
7.661/1988
• Lei da criação do IBAMA – número
7.735/1989.
• Lei dos Agrotóxicos - número 7.802/1989.
• Lei da Política Agrícola - número 8.671/91
• Lei da Engenharia Genética – número
8.974/95
• Lei de Recursos Hídricos – número
9.433/97.
• Lei de Crimes Ambientais - número
9.605/98.

115
Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais.
Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Edi-
tora Malheiros. 2008

ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. A FUN-


ÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Dispo-
nível em http://www.juspodivm.com.br/novo/
arquivos/artigos/agrario/roberio-a_funcao_so-
cial.pdf, último acesso em 10.02.2012

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