Beneficios Da Meditacao
Beneficios Da Meditacao
Beneficios Da Meditacao
DA
MEDITAÇÃO
BENEFÍCIOS DA MEDITAÇÃO
PODERES E LIMITAÇÕES
A mente é um aspecto operativo da consciência, amplo e poderoso. E poderoso, neste
caso, não diz respeito às fenomenologias inexplicáveis no campo da paranormalidade ou da
patologia, porém a algo ainda mais fascinante: a própria função construtora da realidade do
aparato mental. As estruturas cognitivas se refletem no mundo concreto a tal ponto que, ao
olharmos para um objeto, não é o objeto em si o que vemos, mas a nossa própria mente. É
nela que os diferentes tipos de onda (da luz, do som etc.), captados pelos sentidos, ganham
significado conforme o processo mental de cada pessoa.
Experimente. Considere, por exemplo, uma cadeira convencional, de madeira - talvez
exista uma ao seu lado. Observe-a. Certamente, você a reconhecerá em seu conjunto e a
chamará de cadeira, pois neste momento você é um observador que vê o conjunto, a
cadeira. Mas você pode transformar essa percepção internamente e enxergar ali apenas
madeira, se estiver procurando madeira. Por que você pode ver apenas madeira onde antes
via cadeira? Porque sua mente mudou, você mudou. E quando você muda, o objeto muda.
Você poderia repetir o experimento com uma foto antiga, com um amigo, com qualquer
coisa, pessoa ou situação e sempre acabaria deparando com novidades que apenas
refletem a sua mudança interior, a alteração de sua paisagem mental.
Admitir esse fenômeno implica romper com a noção de que sujeito e objeto existem
separadamente, assumida em nossa relação com o mundo, e tirar o chapéu para sábios e
místicos do Oriente que sempre caminharam na contramão dessa idéia. Para eles, a divisão
sujeito-objeto não é mais que uma aparência, um epifenômeno gerado nas entranhas da
consciência e operacionalizado pela mente. O hinduísmo refere-se a essa ocorrência como
o véu de maya, a ilusão. O budismo cunhou o conceito de co-surgimento dependente
(paticca samuppada) para explicar por que, quando o observador surge, o objeto surge, no
mesmo instante e no mesmo processo mental. O curioso é que tais ilações, processadas há
milênios com base na experiência introspectiva da meditação, começaram a ser
consideradas por cientistas e filósofos da ciência no século XX, impressionados com os
experimentos da mecânica quântica que sugerem a natureza vazia e instável da matéria no
nível subatômico - sempre se alternando na condição de partícula ou de feixe de energia - e
a influência do olhar do observador sobre os eventos físicos ocorridos nesse plano.
O que tais pesquisadores inferem assemelha-se, em muitos pontos, à cosmologia
milenar da Índia - segundo a qual a base de todas as coisas é a consciência una - e,
principalmente, ao conceito budista de vacuidade, que expressa a ausência de substância
inerente a toda a existência, seja a do mundo, seja a do próprio eu. No budismo, o mundo
inteiro é entendido como uma experiência da mente, e sua compreensão pode se dar em
dois níveis: o absoluto e o relativo. No nível absoluto, tudo é vazio. Essa vacuidade, no
entanto, está irremediavelmente entrelaçada à experiência da forma no nível da
compreensão relativa. Uma xícara, por exemplo, não é apenas a silhueta de cerâmica, mas
também o espaço interno e externo que a compõem. Na verdade, vazio e forma são apenas
identificações de um mesmo princípio, algo como feixes de energia e partículas
entrelaçados, alternando-se na perene mutação da matéria atômica.
É com base nesse conceito que podemos perceber, no âmbito da compreensão
relativa, a estrutura cármica da mente, condicionada à acumulação de contextos de vida e,
praticamente, escravizada ao repertório aprendido. Aqui está a base de nossa auto-
referência, o ego, que se alimenta desses contextos e da identificação com o corpo. E
também a fonte das dificuldades de nossa mente discursiva. O ego amplia-se na medida em
que cresce o repertório de aprendizado e se consolida quando os padrões de hábito estão
totalmente estabelecidos. Mas, ao alcançar esse estágio, quase já não nos resta liberdade.
Lembra-se da cadeira que há pouco você observou? Imagine que, ao vê-la, você disse:
"Que linda cadeira. Gostei dela". Agindo assim, teria direcionado ao objeto impulsos
atrelados a emoções, forjando um tipo de causalidade responsiva — ou seja, algo que, ao
surgir, nos impulsiona para outra coisa - que é uma forma de prisão da mente. Naquele
momento, uma fixação teria se estabelecido, apoiada na ilusão de que estava percebendo
um objeto separado de você. Isso acontece na atividade corriqueira da mente, envolvendo
não apenas impulsos de apego e prazer, como no exemplo da cadeira, mas também de
aversão e desconforto. Ambos estão na base das atitudes reativas que dirigem a nossa
relação com o mundo e com os seres e têm a ver com a felicidade ou infelicidade que
construímos a partir dessa relação.
O objetivo da meditação é superar esse programa, libertando a mente do
condicionamento, da escravidão ao processo cármico e impulsivo. Quando não estamos
atentos, nosso comportamento segue sempre o caminho mais condicionado, mesmo que
tenhamos várias opções à nossa frente. O macaco picado pelo escorpião é tomado pelo
medo, agita-se e procura segurança em galhos conhecidos. No entanto, quando prestamos
atenção, quando estamos presentes, somos livres para escolher.
Você pode testar o que estou dizendo de uma forma simples, especialmente
naquelas ocasiões em que tudo parece dar errado. Sente-se, respire suave e
profundamente por alguns segundos e note o que acontece. Verá, então, que esses breves
segundos foram suficientes para mudar sua paisagem interna e alterar a maneira como
você enxerga o problema pelo simples fato de centrar você no aqui e agora, liberando-o dos
impulsos baseados no passado, na memória.
Isso é meditação. Meditar conduz a mente ao estado de atenção e, a partir daí, aos
estágios mais profundos e mais serenos relacionados à natureza luminosa do ser. Para ser
eficaz e produtiva, contudo, a meditação precisa ser sustentada por uma motivação
adequada, tema de nosso próximo capítulo.
A MENTE E O CÉREBRO
Apesar da enorme evolução da neurociência, nos últimos tempos, a mente ainda é
uma instância pouco conhecida dos pesquisadores. Para a maioria dos cientistas, a
cognição e a percepção consciente, funções primordiais da mente, constituem um
epifenômeno do cérebro, isto é, um fenômeno que é subproduto ocasional de outro, do qual
é dependente. Nesse contexto, há quem imagine o cérebro como o hardware, a parte do
computador que tem existência concreta, real. Em diferentes estados, tal hardware é capaz
de executar funções independentes, guiado por um conjunto de instruções ou software, o
que caracterizaria a mente. Uma das teorias mais consideradas, no entanto, é a que
sustenta a existência de circuitos de neurônios associados a aspectos da consciência, por
sua vez interligados a outros circuitos. A mente e a consciência emergiriam, assim, da
interação de um sem-número de redes neurais de células. Em resumo: o cérebro seria um
conjunto de estruturas físicas que reúnem e processam os sentidos, a cognição e as
emoções, enquanto a mente seria o próprio fenômeno dos pensamentos, memória e
emoções que surgem do processo de percepção do cérebro.
É nesse ponto, que diz respeito à natureza da mente, que cientistas e místicos
divergem profundamente. As tradições sapienciais admitem que mente e cérebro estão
intimamente relacionados, mas se referem àquela como um ente ou um mecanismo que
transcende o cérebro e atua em diferentes níveis - do corpo físico a estágios energéticos
mais sutis. Trata-se, obviamente, de uma afirmação baseada na fé ou na experiência
introspectiva, até agora sem chance de ser testada nos laboratórios da ciência, apesar de
os neurocientistas reconhecerem a impossibilidade atual de explicar como um conjunto de
neurônios pode ter consciência de si mesmo. Qualquer que seja a essência da mente,
porém, é fato que os eventos mentais deixam marcas concretas e mensuráveis na
arquitetura cerebral, cuja investigação tem revelado, entre outras novidades, a abrangência
e a eficácia das práticas meditativas.
Os primeiros estudos sobre meditação, com o emprego de moderna tecnologia, foram
realizados na década de 60 pela equipe do cardiologista americano Herbert Benson, da
Universidade de Harvard, autor do clássico "A Resposta de Relaxamento", publicado nos
anos 70. Na época, meditadores foram submetidos a experimentos nos quais a pressão
arterial, os ritmos cerebrais e cardíacos e mesmo a temperatura da pele e do reto foram
monitorados. Constatou-se que, durante a meditação, o corpo consumia 17% menos
oxigênio e os batimentos cardíacos caíam para até três por minuto (uma pessoa em
repouso apresenta, em média, 60 batimentos por minuto) sempre que as ondas cerebrais
alcançavam o ritmo teta, mais lento e mais poderoso, no qual a mente alcançaria o estado
de "superconsciência" relatado pêlos iogues. As ondas teta vibram a apenas 4 ciclos por
segundo. Abaixo delas só existem as ondas delta, de l ciclo por segundo, registradas em
experiências com meditadores ultratreinados. Para se ter uma idéia, quando estamos
ativos, o cérebro emite ondas beta, de oscilação em torno de 13 ciclos por segundo. No dia-
a-dia, ele só opera em ritmo teta nos poucos segundos que antecedem o sono, quando
sentimos aquele embotamento dos sentidos. Os meditadores pesquisados, no entanto, não
estavam dormindo, mas bem despertos e serenos. Mais tarde, percebeu-se também que,
no momento da meditação, o fluxo sanguíneo diminuía em quase todas as áreas cerebrais,
mas aumentava na região do sistema límbico, o chamado "cérebro emocional", responsável
pelas emoções, pela memória e pelos ritmos do coração, da respiração e do metabolismo.
NEURÔNIOS E NIRVANA
Após Benson apresentar ao mundo suas conclusões, outros estudos foram
realizados em centros de pesquisa renomados, como as universidades de Columbia,
Stanford, Massachusetts e Harvard, alguns deles tendo como cobaias os próprios
pesquisadores, submetidos a estados alterados de consciência durante transes naturais ou
provocados, com o objetivo de avaliarem, nas entranhas, a sensação de estar fora do
espaço e do tempo relatada por meditadores e religiosos. É o caso de James Austin,
neurologista que, em 1999, publicou, sob o patrocínio do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), o livro Zen and the Brain (O Zen e o Cérebro), um denso relato sobre
a atividade do cérebro, seus neurônios e neurotransmissores durante a meditação e outros
estados contemplativos. O fato que motivou o trabalho de Austin ocorreu em Londres,
quando ele estava numa estação de metrô próximo ao rio Tamisa. Ao lançar o olhar sobre o
horizonte, o cientista viu-se, subitamente, guindado ao estado mental descrito pelos
meditadores nos momentos de pico da meditação, caracterizado por uma impressão de
unicidade com o universo. De repente, sumiu o senso de individualidade e de separação do
mundo físico e ele sentiu-se fundido ao rio, às nuvens, aos edifícios e a toda a paisagem,
em meio a uma sensação de eternidade. Foram segundos infindáveis de deslumbramento.
"Todos os meus receios, inclusive o medo da morte, desapareceram. Eu havia alcançado a
compreensão da natureza última das coisas", escreveria Austin depois. Como cientista e
cético, contudo, ele viu, no fenômeno surpreendente, apenas uma prova cabal da existência
e dos poderes do cérebro, analisados posteriormente em seu livro.
Uma das pesquisas mais reveladoras nesse campo, contudo, foi realizada na
Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, pelo radiologista Andrew Newberg e pelo
psiquiatra Eugene d'Aquili, falecido em 2000, relatada depois no livro Why God won 't Go
away (Por Que Deus Não Vai Embora). A idéia era registrar o que ocorre, nos diversos
segmentos do cérebro, quando se alcança o clímax de práticas místicas como a meditação
e a oração, utilizando-se as possibilidades de tomógrafos de última geração. Um passo
além das pesquisas iniciais de Benson, que apenas mediam os ciclos das ondas cerebrais.
Newberg e Aquili rastrearam a atividade cerebral de um grupo de budistas em
meditação profunda e de um grupo de freiras franciscanas rezando fervorosamente. E em
ambos constataram, durante as práticas, uma significativa alteração no lobo parietal
superior, segmento localizado na parte anterior do cérebro e responsável pelo senso de
orientação - a capacidade de percepção do espaço e do tempo e da própria individualidade.
A atividade da região diminuía à medida que a meditação ou a reza se fazia mais profunda,
até mostrar-se totalmente desativada no momento de pico, aquele em que o meditador
experimenta a sensação de unicidade com o universo, cerca de uma hora após o início da
concentração. Nesse instante, privados de impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal
desligavam os mecanismos das funções visuais e motoras e o meditador ou devoto perdia a
noção do "eu", sentindo-se prazerosamente expandido, além de qualquer limite.
Talvez esteja aí o indício mais concreto de que se tem notícia do não-fazer
meditativo, do nirvana e do paraíso relatados pelos místicos. Além disso, as imagens
revelaram que, durante a experiência, os lobos temporais, sede do sistema límbico
(responsável pelas emoções), tiveram sua atividade redobrada, o que explicaria a enorme
influência da meditação sobre as emoções e a personalidade dos praticantes.
Para Newberg e Aquili, as sensações de elevação e de contato com o divino
vivenciadas por budistas e freiras são um fenômeno real baseado em eventos biológicos.
Mas, segundo os autores, essa evidência não esgota o leque de dúvidas que acabou
ficando ainda mais amplo com as descobertas proporcionadas pelo estudo. É intrigante
para eles que a consciência continue a existir depois que o indivíduo perde a noção do "eu",
do tempo e do espaço e os sentidos deixam de funcionar. Mas, por enquanto, essa é uma
questão que a ciência não sabe responder.
NEURÔNIOS E SAÚDE
Indiscutíveis são os efeitos que as tais alterações cerebrais, durante a meditação,
provocam no corpo - felizmente positivas, até onde os cientistas conseguiram esclarecer. A
mente estabilizada e serena atua, principalmente, no controle da ansiedade e da dor e
estimula a produção de hormônios e neurotransmissores que previnem e combatem
distúrbios físicos e psicológicos. Depois de dezenas de pesquisas, os cientistas ficaram
sabendo que meditar reduz a produção de adrenalina e cortisol, dois hormônios que atuam
nas situações de estresse. Em contrapartida, estimula a produção de endorfinas, espécie de
tranqüilizante e analgésico natural tão poderoso quanto a morfina, responsáveis pela
sensação de leveza experimentada em momentos de alegria e êxtase.
Apenas esses efeitos colaterais já seriam suficientes para atestar a importância do
uso da meditação na medicina e na psicologia. Na Clínica de Redução do Estresse da
Universidade de Massachusetts, por exemplo, o monitoramento ao longo dos últimos 25
anos de mais de 14 000 pacientes com câncer, aids, dor crônica e complicações digestivas
submetidos a práticas meditativas mostrou uma diminuição média de 40% nas queixas de
dor. Ao mudar o foco de sua atenção, meditando, os pacientes reduziram o nível de
ansiedade, que costuma amplificar e até antecipar a dor física por meio do medo de vir a
senti-la. Eles aprenderam a entender a dor, em vez de combatê-la. Como conseqüência da
eliminação do fator psicológico, muitos puderam dispensar os analgésicos.
As técnicas de meditação são atualmente empregadas como terapia complementar
em pacientes de câncer e hipertensão em quase 200 hospitais americanos. No Brasil,
pesquisas realizadas pelo Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) também levaram à sua adoção no hospital da universidade nos casos de
fibromialgia (dores intensas nos músculos e articulações), fobias e compulsões. Segundo o
psicólogo José Roberto Leite, coordenador das pesquisas na Unifesp, "focalizar a atenção
no mundo interior é uma situação terapêutica", ainda mais útil hoje do que no passado. Há
um século, as doenças que afligiam as pessoas eram causadas por vírus e bactérias que,
de certa forma, foram postos sob controle ou eliminados com investimentos em saneamento
básico e a evolução da medicina e da farmácia. Hoje, a maioria das doenças é causada por
coisas como hipertensão, obesidade e dependência química, todas relacionadas aos
hábitos inadequados do homem civilizado. A contribuição da meditação, nesse caso,
começa com o descondicionamento da mente e se completa com os efeitos positivos de
uma mente saudável sobre o organismo, cuja abrangência novos estudos têm revelado ser
maior do que se imaginava.
Investigações recentes realizadas na Universidade de Wisconsin, nos Estados
Unidos, acrescentaram que meditar também melhora a ação do sistema imunológico,
responsável pela defesa do corpo contra bactérias e vírus. A experiência, realizada em duas
etapas, comparou a atividade cerebral de dois grupos de voluntários - um constituído de
pessoas que meditavam havia alguns meses e outro de não-meditadores. No primeiro
estágio, constatou-se que os meditadores tiveram um aumento da ativação do córtex pré-
frontal esquerdo, área relacionada às emoções positivas. Então, os integrantes de ambos
os grupos foram inoculados com vacina contra gripe e submetidos a medições do nível de
anticorpos quatro semanas e oito semanas depois. A avaliação mostrou que os meditadores
apresentavam um número bem maior de anticorpos, detalhe que sugere que seus sistemas
de defesa estavam mais ativos. Outros estudos indicaram que mulheres com câncer de
mama que passaram a meditar também registraram elevação no nível das células
imunológicas responsáveis pelo combate a tumores.
REPROGRAMAÇÃO CEREBRAL
A descoberta de que o simples ato de focar a atenção produz alterações
consideráveis no funcionamento do cérebro tem levado os cientistas a manter expectativas
altas quanto ao uso futuro da meditação. Estudos como o de Wisconsin, que ligam
disciplina mental a emoções positivas e ambas ao bom desempenho do sistema
imunológico, despertam o interesse dos pesquisadores em avaliar o real poder da prática na
reformatação das funções cerebrais. Considera-se, inclusive, a possibilidade de a
meditação vir a ser usada na prevenção e tratamento de complicações vasculares leves a
custo mais baixo e sem o risco das cirurgias, no tratamento dos processos depressivos e no
redirecionamento do comportamento de indivíduos anti-sociais.
Há experiências recentes que sinalizam o provável sucesso desses planos futuristas.
Na Universidade de Cambridge, nos Estados Unidos, a meditação foi aplicada regularmente
a pacientes com depressão crônica e, após algum tempo, houve uma redução de até 50%
nas recaídas. É bom lembrar que, na depressão, ocorre uma diminuição no nível do
neurotransmissor serotonina no cérebro, processo geralmente revertido com o uso de
antidepressivos, como o Prozac. Mas a meditação aumenta a produção desse
neurotransmissor, funcionando como um antidepressivo natural. Entre muitas experiências
de redirecionamento de comportamento por meio de técnicas meditativas, realizadas em
vários países, vale destacar a de um grupo de prisioneiros da penitenciária Kings County
North Rehabilitation Facility, em Seattle, nos Estados Unidos, condenados por crimes
relacionados ao consumo de álcool e drogas ilegais. Durante dez dias, os detentos
praticaram vipassana, meditação budista com foco inicial na respiração, seguida de análise
existencial e da sistemática da mente, em longas sessões, de até 11 horas de duração. Ao
voltar para casa, apenas 56% tornaram a cometer delitos no prazo de dois anos, um índice
otimista se considerados os 75% de reincidência registrados entre os prisioneiros que não
meditaram.
As conclusões dos estudos sobre a meditação ainda não são consensuais, exceto a
comprovação de que meditar ajuda a controlar a ansiedade e a dor. Há quem ache
prematuro alardear os demais prováveis benefícios da meditação apenas com base nas
experiências de laboratório realizadas até agora. As pesquisas, no entanto, continuam e
certamente reservam para os próximos anos muitas outras revelações sobre a técnica
ancestral de nos colocar presentes no aqui e agora.
Meditação e estresse
Enquanto estive na Índia em 1971, conheci muitos yogis indianos, lamas tibetanos e
monges budistas. Fiquei assombrado com a serena cordialidade, a receptividade e a
prontidão daqueles homens e mulheres, não importa em que situação. Cada um deles era o
tipo de pessoa com quem eu gostava de estar, e sentia-me preenchido quando os deixava.
Havia grandes diferenças em suas crenças e em seus antecedentes. A única coisa
que compartilhavam era a meditação. Depois conheci S. N. Goenka, um mestre que não era
monge, mas um industrial que tinha sido um dos homens mais ricos da Birmânia. Embora
tivesse obtido enorme êxito, Goenka descobriu que seu ritmo acelerado cobrou na forma de
enxaquecas diárias. Tratamentos médicos em clínicas européias e norte-americanas não
tiveram efeito em suas enxaquecas, e ele se voltou para a meditação como um último
recurso. Três dias depois de sua primeira instrução suas enxaquecas desapareceram.
Nos anos 1960 houve um golpe militar na Birmânia e o novo governo socialista
confiscou todas as propriedades de Goenka, deixando-o quase sem vintém. Ele emigrou
para a índia, onde se valeu de antigos negócios e de relações familiares para começar uma
nova empresa. Enquanto sua nova empresa começava a caminhar, ele viajou por toda a
Índia dando cursos de meditação de dez dias. Alguma reserva de energia permitia-lhe ser
em tempo integral um professor de meditação e um homem de negócios. Seu exemplo me
ajudou a ver que não é preciso ser monge para meditar. É possível separar os efeitos
físicos da meditação de seu contexto monástico.
Quando voltei da Índia para Harvard, descobri que o psicólogo Gary Schwartz tinha
iniciado pesquisas sobre meditação. Ele tinha verificado que os meditadores apresentavam
níveis de ansiedade diária muito inferiores ao dos não-meditadores. Eles tinham muito
menos problemas psicológicos ou psicossomáticos, como resfriados, dores de cabeça e
insônia.
Minha experiência pessoal, e essas descobertas científicas, sugeriam que os
meditadores podiam dominar as dificuldades da vida, controlar bem as pressões diárias e
sofrer menos com elas. Com Schwartz como meu orientador de tese, elaborei um estudo
para ver como a prática da meditação ajuda alguém a lidar com o estresse.
Chamei dois grupos de voluntários para nosso laboratório de fisiologia. Um grupo era
formado de professores de meditação, que vinham meditando havia pelo menos dois anos.
O outro grupo era constituído de pessoas interessadas em meditação mas que ainda não
tinham começado a meditar. Uma vez no laboratório, pediu-se a cada voluntário que se
sentasse calmamente e que relaxasse ou meditasse. Se não-meditadores eram designados
para o tratamento com meditação, eu os ensinava a meditar ali mesmo no laboratório. Após
vinte minutos de relaxamento ou meditação, os voluntários viram um pequeno filme que
descrevia uma série de acidentes sangrentos com operários de uma carpintaria. O filme é
um procedimento-padrão para induzir estresse durante estudos de laboratório porque toda
pessoa que assiste a ele fica agitada com os acidentes apresentados.
Os meditadores tiveram um padrão único de reação ao filme. Assim que o acidente
estava para acontecer, seus ritmos cardíacos aumentavam e eles começavam a suar mais
do que os não-meditadores. Para preparar- se para a visão aflitiva, suas batidas cardíacas
aumentavam e seus corpos mobilizavam aquilo que os fisiologistas chamam reação fight-or-
flight ("luta-ou-vôo"). Mas tão logo o acidente acabava os meditadores se recuperavam,
seus sinais de excitação corporal caíam mais depressa que os dos não-meditadores. Após
o filme, eles estavam mais relaxados que os não-meditadores, que ainda mostravam sinais
de tensão.
Esse padrão de maior excitação inicial e recuperação mais rápida foi apresentado
por meditadores experientes que tinham ou não meditado antes de começar o filme. De
fato, os meditadores sentiram-se mais relaxados todo o tempo que passaram no laboratório.
Recuperação rápida do estresse é um traço típico de meditadores. Mesmo os novatos, que
meditavam pela primeira vez naquele dia no laboratório, ficavam menos ansiosos após o
filme e recuperavam- se mais depressa que os não-meditadores.
A própria meditação parece ser a causa mais provável da rápida recuperação do
estresse. Se a rápida recuperação entre os meditadores experientes tivesse sido o
resultado de algum traço de personalidade comum ao tipo de pessoas aferradas à
meditação, os novatos teriam sido tão lentos na recuperação quanto as pessoas que
relaxaram.
Meu estudo pode explicar a menor incidência de ansiedade e distúrbios
psicossomáticos entre os meditadores. As pessoas cronicamente ansiosas ou que têm um
desajuste psicossomático compartilham um padrão específico de reação ao estresse; seus
corpos se mobilizam para enfrentar o desafio, em seguida param de reagir quando o
problema foi superado. A elevação da tensão inicial é essencial pois permite-lhes disciplinar
sua energia e consciência para lidar com uma ameaça potencial. Mas seus corpos
permanecem excitados para o perigo quando deviam estar relaxados, reunindo energias
gastas e acumulando recursos para o novo confronto com o estresse.
A pessoa ansiosa enfrenta os acontecimentos normais da vida como se fossem
crises. Cada mínima ocorrência aumenta sua tensão, e sua tensão, por sua vez, amplia o
próximo evento ordinário - um prazo final, uma entrevista, uma consulta ao médico — ao
tamanho de uma ameaça. Por seu corpo permanecer mobilizado depois que um
acontecimento já passou é que a pessoa ansiosa tem um limiar de ameaça menor para o
próximo. Se tivesse ficado num estado relaxado, ela apreenderia o segundo evento com
tranqüilidade.
Um meditador lida com o estresse de uma maneira que rompe a espiral ameaça-
excitação-ameaça. O meditador relaxa depois que um desafio passou mais freqüentemente
que o não-meditador. Isso diminui sua probabilidade de ver ocorrências inocentes como
ameaçadoras. Ele percebe a ameaça com maior precisão, e reage com excitação apenas
quando necessário. Uma vez excitado, sua rápida recuperação torna menos provável para
ele do que para a pessoa ansiosa ver o próximo prazo final como uma ameaça.
Efeitos da meditação sobre o cérebro
Técnicas de MT e de Gurdjieff
Todas as técnicas de meditação parecem ser meios igualmente efetivos de diminuir
o nível de ansiedade e ajudar a lidar com o estresse. Mas os diferentes tipos de meditação
reeducam a atenção de modos diferentes.
Alguns de meus colegas em Harvard — Gary Schwartz, Richard Davidson e
Richard Margolin - compararam pessoas treinadas em Meditação Transcendental (MT) com
um grupo treinado numa técnica gurdjieffiana. Esta técnica leva o nome de G. I. Gurdjieff, o
russo da virada do século que trouxe para o Ocidente um amálgama de técnicas
meditativas esotéricas que compilou em suas viagens pela Ásia.
Na MT o meditador ouve em sua mente um som sânscrito, reiniciando o som
mentalmente repetido toda vez que sua mente se dispersa. O treinamento gurdjieffiano,
como a MT, inclui técnicas que melhoram a capacidade de manter um único e sutil
pensamento na mente. Mas os discípulos gurdjieffianos também aplicam esse poder
aprimorado de atenção para aprender uma complicada série de movimentos semelhantes à
dança e para sentir áreas específicas ao longo do corpo.
O grupo de Harvard testou os meditadores MT e gurdjieffianos um a um. Os
pesquisadores olhavam para os padrões de ondas cerebrais enquanto o meditador se
concentrava nas sensações de sua própria mão direita, e depois numa fotografia de alguém
sentado numa cadeira do laboratório. Os psicólogos registraram sinais da parte do cérebro
que controla a visão e da parte que controla movimentos musculares. Descobriram que
quando um meditador gurdjieffiano se concentrava em sua mão, o centro de movimentos
musculares em seu cérebro ficava ativo, como que se preparando para comandar um
movimento. Ao mesmo tempo, a área visual do cérebro ficava menos ativa. Quando um
discípulo gurdjieffiano olhava para a fotografia, a área motora se aquietava. Tais diferenças
não apareceram no grupo de MT, nem num grupo de pessoas que nunca tiveram
treinamento de meditação de qualquer tipo.
Os cérebros dos meditadores gurdjieffianos mostraram especificidade cortical, a
habilidade de acionar aquelas áreas do cérebro necessárias para a tarefa pertinente
deixando inativas ao mesmo tempo as áreas irrelevantes.
Esse é o modo como o cérebro funciona quando estamos no pico de nossa eficiência
e alerta. Se áreas demais ficam demasiado excitadas, ficamos superexcitados e temos um
desempenho pobre. Se muito poucas áreas estão ativas, ficamos grogues. As engrenagens
do cérebro e do corpo funcionam melhor quando apenas aquelas áreas que são essenciais
ao trabalho pertinente ficam ativadas. O treinamento gurdjieffiano desenvolveu essa
habilidade, enquanto a MT não.
Meditação e psicoterapia
Hans Selye (1978) aponta para a necessidade de uma "terapia do estresse" que
funcionasse não contra determinado agente produtor de males ou que melhorasse algum
sintoma específico, mas que fosse preventiva, trabalhando de modo a favorecer o
organismo como um todo. O padrão de reação ao estresse que encontrei entre os
meditadores é aquele em que o meditador está mais alerta porém tranqüilo em relação aos
indícios de ameaça, e se recupera deles mais eficientemente. Na medida em que a fase de
recuperação do estresse é a chave para os sintomas de ansiedade crônica e distúrbios
psicossomáticos, a meditação pode funcionar como uma terapia para o estresse, no nível
psicológico bem como no nível puramente somático, facilitando a recuperação mais rápida
das situações estressantes. Dessa forma, a meditação pode se revelar um acessório útil em
qualquer psicoterapia.
Outros processos da meditação podem coincidir com aspectos da terapia. Por
exemplo, na medida em que dirige sua atenção para dentro, o meditador fica aguçadamente
consciente de pensamentos, sentimentos e estados colhidos do estoque armazenado de
sua experiência total que emergem espontaneamente. Dado que o meditador está, ao
mesmo tempo, profundamente relaxado, o conteúdo total de sua mente pode ser visto como
formando uma "hierarquia de dessensibilização". Essa hierarquia não se limita àqueles itens
que o terapeuta e os pacientes identificaram como problemáticos, embora estes certamente
estejam incluídos, mas se estende a todos os assuntos da vida da pessoa, a tudo quanto
esteja "na mente de alguém". Nesse sentido, a meditação pode ser uma
autodessensibilização natural, global.
Isso pode influir na diminuição da tensão normalmente associada a material
reprimido quando a meditação foi usada como acessório para a terapia, permitindo assim
que material doloroso anterior emerja com maior consciência. Após meditar, a associação
livre do paciente tem-se mostrado particularmente rica em conteúdo, enquanto, ao mesmo
tempo, o paciente está mais apto a tolerar esse material. Dessa forma, a meditação parece
melhorar o acesso ao inconsciente.
Muitas terapias contemporâneas partem de uma compreensão da condição humana
semelhante em alguns aspectos à do Abhidhamma. Freud, por exemplo, viu a "neurose
universal do homem"; Buda viu que "todos os seres mundanos são desajustados". Embora
o insight fosse semelhante, a resposta foi diferente. Freud tentou, através da análise, ajudar
seus pacientes a encarar, compreender e reconciliar-se com essa "trágica" condição de
vida. Buda procurou, através da meditação, erradicar as fontes de sofrimento numa
reorientação radical da consciência.
A terapia psicodinâmica, desde Freud, tem trabalhado dentro das coerções da
consciência para alterar o impacto dos conteúdos do passado da pessoa na medida em que
afetam o presente. As psicologias asiáticas têm desprezado amplamente os conteúdos da
consciência, buscando ao mesmo tempo alterar o contexto em que eles são registrados na
consciência.
As psicoterapias convencionais assumem como dados os mecanismos subjacentes
aos processos mentais, buscando ao mesmo tempo alterá-los no nível dos padrões
socialmente condicionados. Os sistemas asiáticos desconsideram esses mesmos padrões
socialmente condicionados, enquanto visam ao controle e à auto-regulação dos próprios
mecanismos subjacentes.
As terapias rompem com o domínio do condicionamento passado sobre o
comportamento presente; a meditação visa a alterar o processo de condicionamento em si,
de modo a não mais ser um determinante primordial nos atos futuros. Na abordagem
asiática a mudança de comportamento e de personalidade é secundária, um epifenômeno
de mudanças, através da voluntária auto-regulação de estados mentais, no processo básico
que define nossa realidade.
A consciência é o meio que transporta as mensagens que compõem a experiência. As
psicoterapias se preocupam com essas mensagens e seus significados; a meditação, em
vez disso, se dirige para a natureza do meio, a consciência. Essas duas abordagens não
são de forma alguma exclusivas; ao contrário, são complementares. Uma terapia do futuro
pode integrar técnicas de ambas as abordagens, produzindo possivelmente na pessoa toda
uma mudança mais consumada e mais poderosa do que cada uma delas sozinha.
Repetição
Os dois estudos descritos acima são freqüentemente citados, mas nunca foram
repetidos com sucesso. Ambos foram feitos nos primórdios da pesquisa de EEG sem auxílio
da análise de computador ou outras práticas correntes. Cada estudo deveria ser
reproduzido para se estabelecer se aquelas técnicas de treino da atenção podem resultar
nos estados alterados descritos na literatura clássica. Essa reprodução exigiria uma seleção
muito cuidadosa dos sujeitos e das medidas: o nível de realização exigido dos sujeitos é
muito alto — e raro. Seria fácil obter falsos negativos se fossem examinados sujeitos
inadequados. Os sujeitos têm de praticar realmente uma técnica de atenção que resulte na
transformação hipotetizada. Muitos meditadores zen, por exemplo, praticam outras técnicas
além da atentividade. Os candidatos mais prováveis para a reprodução do estudo da
atentividade se encontrariam entre os praticantes avançados da meditação-introvisão do
estilo theravadano (Brown, 1984). A medida de atividade cerebral mais apropriada para
esses estudos seria o potencial evocado (evoked potential), junto talvez com as medições
alfa usadas nos estudos mais antigos. O potencial evocado representa uma poderosa
medida dos processos centrais do cérebro e pode oferecer uma reprodução mais definitiva.
A análise total do espectro de EEG seria uma medida adicional útil, particularmente
para traçar a cartografia das diferenças sutis entre estados alterados na meditação.
Novamente é preciso ter muito cuidado na escolha dos sujeitos. Visto que os estados a
serem avaliados são frágeis e que poucos praticantes são hábeis o bastante para evocá-los
quando solicitados, uma comparação entre sujeitos só pode gerar resultados frutíferos se os
meditadores forem rigorosamente adequados.