Beneficios Da Meditacao

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BENEFÍCIOS

DA
MEDITAÇÃO
BENEFÍCIOS DA MEDITAÇÃO

ALÉM DO VÉU DA ILUSÃO


"Quem sou eu?" Essa antiga e angustiante pergunta marcou o ensinamento do
místico indiano Ramana Maharshi como exercício de autoconhecimento revelador da
natureza ilusória de nossa auto-referência, o chamado ego. Ao repeti-la, mergulhando em
nosso mundo interior, sempre acabamos constatando que somos, na essência, algo bem
maior que o nosso corpo e a nossa identidade pessoal.
Tomemos emprestada a técnica de auto-indagação de Maharshi para uma
investigação sobre a natureza da mente:
1) Pare, respire profunda e suavemente e dirija a atenção para dentro de você.
2) Procure observar seus pensamentos. Não os julgue nem os retenha. Apenas os
contemple em sua seqüência ininterrupta.
3) Depois de algum tempo, questione: quem está observando?

Percebeu? Se você pode "ver" os pensamentos se sucedendo em sua mente, então


existe algo por trás deles. Existe algo que os observa. O reconhecimento dessa situação,
implícita na metáfora do homem, o elefante e o macaco, é fundamental para o entendimento
do que se passa na meditação. Você é o observador. A mente, o objeto observado. O
assunto é complexo e nos remete a questões de fundo nos domínios da filosofia, da
metafísica e da ciência, inclusive a polêmica acerca da existência do Eu, da individualidade.
Nem todas cabem num livro introdutório, mas uma delas se faz inevitável. Afinal, o que é a
mente e qual a sua relação com o ser essencial, a consciência?
Quando consideramos a mente como um objeto, a idéia emergente é a de que se
trata de algo palpável e individualizado. Mas isso não passa de uma ilusão, como nos
lembra uma antiga parábola zen na qual um homem, aflito por não conseguir conter seu
tumulto mental, pede a um monge que o ajude. "Traga aqui a sua mente e eu a pacificarei",
diz o monge. Mas o homem, perplexo ante a proposta, rebate: "Mestre, é impossível pegá-
la". Na verdade, é impossível delimitar a mente. Não há como separá-la da consciência nem
do corpo. Ao mesmo tempo, não dá para apalpá-la, pois ela não tem substância. Não
conseguimos sequer defini-la. No entanto , podemos vê-la atuando, principalmente
em seus processos mais grosseiros, ligados a tudo o que sentimos. Observamos a mente
operando junto com as emoções, conduzindo as energias internas e interferindo em seus
canais e centros de força (os chacras, que, segundo o hinduísmo e o budismo, são pontos
de concentração energética ao longo do corpo). E, com um pouco mais de atenção,
podemos enxergá-la presente em processos mais sutis, como a própria formatação da
realidade.
Ainda assim, não se assuste quando algum instrutor de meditação lhe disser: "Você
não é a sua mente". Na tradição do yoga, a mente é vista como uma faculdade do homem,
uma espécie de "sexto sentido" ao qual se submetem os cinco órgãos de percepção do
corpo. Podemos notá-la e examiná-la, como fazemos com o tato ou o olfato, mas não seria
apropriado tomarmos o detalhe (a mente) pelo todo. A mente subsiste na consciência, mas
esta prescinde da mente e do pensamento para existir. Afirmar, portanto, que você não é a
sua mente é apenas uma tentativa de cortar um tipo de identificação que o impede de
reconhecer a dimensão profunda e não-condicionada do ser, a consciência, também
rotulada de espírito por algumas escolas filosóficas e pelas tradições religiosas.

PODERES E LIMITAÇÕES
A mente é um aspecto operativo da consciência, amplo e poderoso. E poderoso, neste
caso, não diz respeito às fenomenologias inexplicáveis no campo da paranormalidade ou da
patologia, porém a algo ainda mais fascinante: a própria função construtora da realidade do
aparato mental. As estruturas cognitivas se refletem no mundo concreto a tal ponto que, ao
olharmos para um objeto, não é o objeto em si o que vemos, mas a nossa própria mente. É
nela que os diferentes tipos de onda (da luz, do som etc.), captados pelos sentidos, ganham
significado conforme o processo mental de cada pessoa.
Experimente. Considere, por exemplo, uma cadeira convencional, de madeira - talvez
exista uma ao seu lado. Observe-a. Certamente, você a reconhecerá em seu conjunto e a
chamará de cadeira, pois neste momento você é um observador que vê o conjunto, a
cadeira. Mas você pode transformar essa percepção internamente e enxergar ali apenas
madeira, se estiver procurando madeira. Por que você pode ver apenas madeira onde antes
via cadeira? Porque sua mente mudou, você mudou. E quando você muda, o objeto muda.
Você poderia repetir o experimento com uma foto antiga, com um amigo, com qualquer
coisa, pessoa ou situação e sempre acabaria deparando com novidades que apenas
refletem a sua mudança interior, a alteração de sua paisagem mental.
Admitir esse fenômeno implica romper com a noção de que sujeito e objeto existem
separadamente, assumida em nossa relação com o mundo, e tirar o chapéu para sábios e
místicos do Oriente que sempre caminharam na contramão dessa idéia. Para eles, a divisão
sujeito-objeto não é mais que uma aparência, um epifenômeno gerado nas entranhas da
consciência e operacionalizado pela mente. O hinduísmo refere-se a essa ocorrência como
o véu de maya, a ilusão. O budismo cunhou o conceito de co-surgimento dependente
(paticca samuppada) para explicar por que, quando o observador surge, o objeto surge, no
mesmo instante e no mesmo processo mental. O curioso é que tais ilações, processadas há
milênios com base na experiência introspectiva da meditação, começaram a ser
consideradas por cientistas e filósofos da ciência no século XX, impressionados com os
experimentos da mecânica quântica que sugerem a natureza vazia e instável da matéria no
nível subatômico - sempre se alternando na condição de partícula ou de feixe de energia - e
a influência do olhar do observador sobre os eventos físicos ocorridos nesse plano.
O que tais pesquisadores inferem assemelha-se, em muitos pontos, à cosmologia
milenar da Índia - segundo a qual a base de todas as coisas é a consciência una - e,
principalmente, ao conceito budista de vacuidade, que expressa a ausência de substância
inerente a toda a existência, seja a do mundo, seja a do próprio eu. No budismo, o mundo
inteiro é entendido como uma experiência da mente, e sua compreensão pode se dar em
dois níveis: o absoluto e o relativo. No nível absoluto, tudo é vazio. Essa vacuidade, no
entanto, está irremediavelmente entrelaçada à experiência da forma no nível da
compreensão relativa. Uma xícara, por exemplo, não é apenas a silhueta de cerâmica, mas
também o espaço interno e externo que a compõem. Na verdade, vazio e forma são apenas
identificações de um mesmo princípio, algo como feixes de energia e partículas
entrelaçados, alternando-se na perene mutação da matéria atômica.
É com base nesse conceito que podemos perceber, no âmbito da compreensão
relativa, a estrutura cármica da mente, condicionada à acumulação de contextos de vida e,
praticamente, escravizada ao repertório aprendido. Aqui está a base de nossa auto-
referência, o ego, que se alimenta desses contextos e da identificação com o corpo. E
também a fonte das dificuldades de nossa mente discursiva. O ego amplia-se na medida em
que cresce o repertório de aprendizado e se consolida quando os padrões de hábito estão
totalmente estabelecidos. Mas, ao alcançar esse estágio, quase já não nos resta liberdade.
Lembra-se da cadeira que há pouco você observou? Imagine que, ao vê-la, você disse:
"Que linda cadeira. Gostei dela". Agindo assim, teria direcionado ao objeto impulsos
atrelados a emoções, forjando um tipo de causalidade responsiva — ou seja, algo que, ao
surgir, nos impulsiona para outra coisa - que é uma forma de prisão da mente. Naquele
momento, uma fixação teria se estabelecido, apoiada na ilusão de que estava percebendo
um objeto separado de você. Isso acontece na atividade corriqueira da mente, envolvendo
não apenas impulsos de apego e prazer, como no exemplo da cadeira, mas também de
aversão e desconforto. Ambos estão na base das atitudes reativas que dirigem a nossa
relação com o mundo e com os seres e têm a ver com a felicidade ou infelicidade que
construímos a partir dessa relação.
O objetivo da meditação é superar esse programa, libertando a mente do
condicionamento, da escravidão ao processo cármico e impulsivo. Quando não estamos
atentos, nosso comportamento segue sempre o caminho mais condicionado, mesmo que
tenhamos várias opções à nossa frente. O macaco picado pelo escorpião é tomado pelo
medo, agita-se e procura segurança em galhos conhecidos. No entanto, quando prestamos
atenção, quando estamos presentes, somos livres para escolher.
Você pode testar o que estou dizendo de uma forma simples, especialmente
naquelas ocasiões em que tudo parece dar errado. Sente-se, respire suave e
profundamente por alguns segundos e note o que acontece. Verá, então, que esses breves
segundos foram suficientes para mudar sua paisagem interna e alterar a maneira como
você enxerga o problema pelo simples fato de centrar você no aqui e agora, liberando-o dos
impulsos baseados no passado, na memória.
Isso é meditação. Meditar conduz a mente ao estado de atenção e, a partir daí, aos
estágios mais profundos e mais serenos relacionados à natureza luminosa do ser. Para ser
eficaz e produtiva, contudo, a meditação precisa ser sustentada por uma motivação
adequada, tema de nosso próximo capítulo.

O QUE REVELAM AS PESQUISAS


O psicólogo e filósofo americano William James queixava-se, no final do século XIX,
da "extrema lentidão com que a mente acadêmica e crítica reconhece a existência de fatos
sem classificação ou categorias que ameaçam romper com o sistema aceito". Incluem-se aí
os chamados fenômenos transcendentais e, entre esses, a meditação. Somente na
segunda metade do século passado, a prática meditativa milenar passou a ser alvo de
estudos em centros de pesquisa renomados, principalmente nos Estados Unidos. É
surpreendente, portanto, que em tão pouco tempo tantas descobertas tenham se
acumulado, a ponto de transformar a meditação - originalmente, uma prática mística - em
ferramenta de trabalho da medicina e da psicologia contemporâneas. A rapidez desse
avanço se deve, entre outros fatores, à evolução das tecnologias de monitoramento do
cérebro, especialmente o uso dos aparelhos de tomografia computadorizada apoiados na
emissão de pósitrons, a anti-partícula do elétron. Com o auxílio dessas máquinas, foi
possível devassar a intimidade cerebral de meditadores durante os diferentes estágios de
sua prática, constatando-se que os fenômenos descritos por eles são reais e possuem uma
base biológica sujeita a investigação.
Os primeiros 40 anos de pesquisas nessa área, da década de 50 à de 80,
forneceram elementos que demonstram a estreita relação entre corpo e mente e a
influência da meditação nos estados emocionais e na prevenção e tratamento de doenças
ou de transtornos psicofísicos. A partir dos anos 90 a ambição dos pesquisadores
aumentou. Agora, os estudos visam entender como a meditação pode treinar a mente e
reformatar o funcionamento do cérebro, um conhecimento suscetível de utilização em larga
escala na psicologia social, na educação e até na economia.

A MENTE E O CÉREBRO
Apesar da enorme evolução da neurociência, nos últimos tempos, a mente ainda é
uma instância pouco conhecida dos pesquisadores. Para a maioria dos cientistas, a
cognição e a percepção consciente, funções primordiais da mente, constituem um
epifenômeno do cérebro, isto é, um fenômeno que é subproduto ocasional de outro, do qual
é dependente. Nesse contexto, há quem imagine o cérebro como o hardware, a parte do
computador que tem existência concreta, real. Em diferentes estados, tal hardware é capaz
de executar funções independentes, guiado por um conjunto de instruções ou software, o
que caracterizaria a mente. Uma das teorias mais consideradas, no entanto, é a que
sustenta a existência de circuitos de neurônios associados a aspectos da consciência, por
sua vez interligados a outros circuitos. A mente e a consciência emergiriam, assim, da
interação de um sem-número de redes neurais de células. Em resumo: o cérebro seria um
conjunto de estruturas físicas que reúnem e processam os sentidos, a cognição e as
emoções, enquanto a mente seria o próprio fenômeno dos pensamentos, memória e
emoções que surgem do processo de percepção do cérebro.
É nesse ponto, que diz respeito à natureza da mente, que cientistas e místicos
divergem profundamente. As tradições sapienciais admitem que mente e cérebro estão
intimamente relacionados, mas se referem àquela como um ente ou um mecanismo que
transcende o cérebro e atua em diferentes níveis - do corpo físico a estágios energéticos
mais sutis. Trata-se, obviamente, de uma afirmação baseada na fé ou na experiência
introspectiva, até agora sem chance de ser testada nos laboratórios da ciência, apesar de
os neurocientistas reconhecerem a impossibilidade atual de explicar como um conjunto de
neurônios pode ter consciência de si mesmo. Qualquer que seja a essência da mente,
porém, é fato que os eventos mentais deixam marcas concretas e mensuráveis na
arquitetura cerebral, cuja investigação tem revelado, entre outras novidades, a abrangência
e a eficácia das práticas meditativas.
Os primeiros estudos sobre meditação, com o emprego de moderna tecnologia, foram
realizados na década de 60 pela equipe do cardiologista americano Herbert Benson, da
Universidade de Harvard, autor do clássico "A Resposta de Relaxamento", publicado nos
anos 70. Na época, meditadores foram submetidos a experimentos nos quais a pressão
arterial, os ritmos cerebrais e cardíacos e mesmo a temperatura da pele e do reto foram
monitorados. Constatou-se que, durante a meditação, o corpo consumia 17% menos
oxigênio e os batimentos cardíacos caíam para até três por minuto (uma pessoa em
repouso apresenta, em média, 60 batimentos por minuto) sempre que as ondas cerebrais
alcançavam o ritmo teta, mais lento e mais poderoso, no qual a mente alcançaria o estado
de "superconsciência" relatado pêlos iogues. As ondas teta vibram a apenas 4 ciclos por
segundo. Abaixo delas só existem as ondas delta, de l ciclo por segundo, registradas em
experiências com meditadores ultratreinados. Para se ter uma idéia, quando estamos
ativos, o cérebro emite ondas beta, de oscilação em torno de 13 ciclos por segundo. No dia-
a-dia, ele só opera em ritmo teta nos poucos segundos que antecedem o sono, quando
sentimos aquele embotamento dos sentidos. Os meditadores pesquisados, no entanto, não
estavam dormindo, mas bem despertos e serenos. Mais tarde, percebeu-se também que,
no momento da meditação, o fluxo sanguíneo diminuía em quase todas as áreas cerebrais,
mas aumentava na região do sistema límbico, o chamado "cérebro emocional", responsável
pelas emoções, pela memória e pelos ritmos do coração, da respiração e do metabolismo.

NEURÔNIOS E NIRVANA
Após Benson apresentar ao mundo suas conclusões, outros estudos foram
realizados em centros de pesquisa renomados, como as universidades de Columbia,
Stanford, Massachusetts e Harvard, alguns deles tendo como cobaias os próprios
pesquisadores, submetidos a estados alterados de consciência durante transes naturais ou
provocados, com o objetivo de avaliarem, nas entranhas, a sensação de estar fora do
espaço e do tempo relatada por meditadores e religiosos. É o caso de James Austin,
neurologista que, em 1999, publicou, sob o patrocínio do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), o livro Zen and the Brain (O Zen e o Cérebro), um denso relato sobre
a atividade do cérebro, seus neurônios e neurotransmissores durante a meditação e outros
estados contemplativos. O fato que motivou o trabalho de Austin ocorreu em Londres,
quando ele estava numa estação de metrô próximo ao rio Tamisa. Ao lançar o olhar sobre o
horizonte, o cientista viu-se, subitamente, guindado ao estado mental descrito pelos
meditadores nos momentos de pico da meditação, caracterizado por uma impressão de
unicidade com o universo. De repente, sumiu o senso de individualidade e de separação do
mundo físico e ele sentiu-se fundido ao rio, às nuvens, aos edifícios e a toda a paisagem,
em meio a uma sensação de eternidade. Foram segundos infindáveis de deslumbramento.
"Todos os meus receios, inclusive o medo da morte, desapareceram. Eu havia alcançado a
compreensão da natureza última das coisas", escreveria Austin depois. Como cientista e
cético, contudo, ele viu, no fenômeno surpreendente, apenas uma prova cabal da existência
e dos poderes do cérebro, analisados posteriormente em seu livro.
Uma das pesquisas mais reveladoras nesse campo, contudo, foi realizada na
Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, pelo radiologista Andrew Newberg e pelo
psiquiatra Eugene d'Aquili, falecido em 2000, relatada depois no livro Why God won 't Go
away (Por Que Deus Não Vai Embora). A idéia era registrar o que ocorre, nos diversos
segmentos do cérebro, quando se alcança o clímax de práticas místicas como a meditação
e a oração, utilizando-se as possibilidades de tomógrafos de última geração. Um passo
além das pesquisas iniciais de Benson, que apenas mediam os ciclos das ondas cerebrais.
Newberg e Aquili rastrearam a atividade cerebral de um grupo de budistas em
meditação profunda e de um grupo de freiras franciscanas rezando fervorosamente. E em
ambos constataram, durante as práticas, uma significativa alteração no lobo parietal
superior, segmento localizado na parte anterior do cérebro e responsável pelo senso de
orientação - a capacidade de percepção do espaço e do tempo e da própria individualidade.
A atividade da região diminuía à medida que a meditação ou a reza se fazia mais profunda,
até mostrar-se totalmente desativada no momento de pico, aquele em que o meditador
experimenta a sensação de unicidade com o universo, cerca de uma hora após o início da
concentração. Nesse instante, privados de impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal
desligavam os mecanismos das funções visuais e motoras e o meditador ou devoto perdia a
noção do "eu", sentindo-se prazerosamente expandido, além de qualquer limite.
Talvez esteja aí o indício mais concreto de que se tem notícia do não-fazer
meditativo, do nirvana e do paraíso relatados pelos místicos. Além disso, as imagens
revelaram que, durante a experiência, os lobos temporais, sede do sistema límbico
(responsável pelas emoções), tiveram sua atividade redobrada, o que explicaria a enorme
influência da meditação sobre as emoções e a personalidade dos praticantes.
Para Newberg e Aquili, as sensações de elevação e de contato com o divino
vivenciadas por budistas e freiras são um fenômeno real baseado em eventos biológicos.
Mas, segundo os autores, essa evidência não esgota o leque de dúvidas que acabou
ficando ainda mais amplo com as descobertas proporcionadas pelo estudo. É intrigante
para eles que a consciência continue a existir depois que o indivíduo perde a noção do "eu",
do tempo e do espaço e os sentidos deixam de funcionar. Mas, por enquanto, essa é uma
questão que a ciência não sabe responder.

NEURÔNIOS E SAÚDE
Indiscutíveis são os efeitos que as tais alterações cerebrais, durante a meditação,
provocam no corpo - felizmente positivas, até onde os cientistas conseguiram esclarecer. A
mente estabilizada e serena atua, principalmente, no controle da ansiedade e da dor e
estimula a produção de hormônios e neurotransmissores que previnem e combatem
distúrbios físicos e psicológicos. Depois de dezenas de pesquisas, os cientistas ficaram
sabendo que meditar reduz a produção de adrenalina e cortisol, dois hormônios que atuam
nas situações de estresse. Em contrapartida, estimula a produção de endorfinas, espécie de
tranqüilizante e analgésico natural tão poderoso quanto a morfina, responsáveis pela
sensação de leveza experimentada em momentos de alegria e êxtase.
Apenas esses efeitos colaterais já seriam suficientes para atestar a importância do
uso da meditação na medicina e na psicologia. Na Clínica de Redução do Estresse da
Universidade de Massachusetts, por exemplo, o monitoramento ao longo dos últimos 25
anos de mais de 14 000 pacientes com câncer, aids, dor crônica e complicações digestivas
submetidos a práticas meditativas mostrou uma diminuição média de 40% nas queixas de
dor. Ao mudar o foco de sua atenção, meditando, os pacientes reduziram o nível de
ansiedade, que costuma amplificar e até antecipar a dor física por meio do medo de vir a
senti-la. Eles aprenderam a entender a dor, em vez de combatê-la. Como conseqüência da
eliminação do fator psicológico, muitos puderam dispensar os analgésicos.
As técnicas de meditação são atualmente empregadas como terapia complementar
em pacientes de câncer e hipertensão em quase 200 hospitais americanos. No Brasil,
pesquisas realizadas pelo Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) também levaram à sua adoção no hospital da universidade nos casos de
fibromialgia (dores intensas nos músculos e articulações), fobias e compulsões. Segundo o
psicólogo José Roberto Leite, coordenador das pesquisas na Unifesp, "focalizar a atenção
no mundo interior é uma situação terapêutica", ainda mais útil hoje do que no passado. Há
um século, as doenças que afligiam as pessoas eram causadas por vírus e bactérias que,
de certa forma, foram postos sob controle ou eliminados com investimentos em saneamento
básico e a evolução da medicina e da farmácia. Hoje, a maioria das doenças é causada por
coisas como hipertensão, obesidade e dependência química, todas relacionadas aos
hábitos inadequados do homem civilizado. A contribuição da meditação, nesse caso,
começa com o descondicionamento da mente e se completa com os efeitos positivos de
uma mente saudável sobre o organismo, cuja abrangência novos estudos têm revelado ser
maior do que se imaginava.
Investigações recentes realizadas na Universidade de Wisconsin, nos Estados
Unidos, acrescentaram que meditar também melhora a ação do sistema imunológico,
responsável pela defesa do corpo contra bactérias e vírus. A experiência, realizada em duas
etapas, comparou a atividade cerebral de dois grupos de voluntários - um constituído de
pessoas que meditavam havia alguns meses e outro de não-meditadores. No primeiro
estágio, constatou-se que os meditadores tiveram um aumento da ativação do córtex pré-
frontal esquerdo, área relacionada às emoções positivas. Então, os integrantes de ambos
os grupos foram inoculados com vacina contra gripe e submetidos a medições do nível de
anticorpos quatro semanas e oito semanas depois. A avaliação mostrou que os meditadores
apresentavam um número bem maior de anticorpos, detalhe que sugere que seus sistemas
de defesa estavam mais ativos. Outros estudos indicaram que mulheres com câncer de
mama que passaram a meditar também registraram elevação no nível das células
imunológicas responsáveis pelo combate a tumores.

REPROGRAMAÇÃO CEREBRAL
A descoberta de que o simples ato de focar a atenção produz alterações
consideráveis no funcionamento do cérebro tem levado os cientistas a manter expectativas
altas quanto ao uso futuro da meditação. Estudos como o de Wisconsin, que ligam
disciplina mental a emoções positivas e ambas ao bom desempenho do sistema
imunológico, despertam o interesse dos pesquisadores em avaliar o real poder da prática na
reformatação das funções cerebrais. Considera-se, inclusive, a possibilidade de a
meditação vir a ser usada na prevenção e tratamento de complicações vasculares leves a
custo mais baixo e sem o risco das cirurgias, no tratamento dos processos depressivos e no
redirecionamento do comportamento de indivíduos anti-sociais.
Há experiências recentes que sinalizam o provável sucesso desses planos futuristas.
Na Universidade de Cambridge, nos Estados Unidos, a meditação foi aplicada regularmente
a pacientes com depressão crônica e, após algum tempo, houve uma redução de até 50%
nas recaídas. É bom lembrar que, na depressão, ocorre uma diminuição no nível do
neurotransmissor serotonina no cérebro, processo geralmente revertido com o uso de
antidepressivos, como o Prozac. Mas a meditação aumenta a produção desse
neurotransmissor, funcionando como um antidepressivo natural. Entre muitas experiências
de redirecionamento de comportamento por meio de técnicas meditativas, realizadas em
vários países, vale destacar a de um grupo de prisioneiros da penitenciária Kings County
North Rehabilitation Facility, em Seattle, nos Estados Unidos, condenados por crimes
relacionados ao consumo de álcool e drogas ilegais. Durante dez dias, os detentos
praticaram vipassana, meditação budista com foco inicial na respiração, seguida de análise
existencial e da sistemática da mente, em longas sessões, de até 11 horas de duração. Ao
voltar para casa, apenas 56% tornaram a cometer delitos no prazo de dois anos, um índice
otimista se considerados os 75% de reincidência registrados entre os prisioneiros que não
meditaram.
As conclusões dos estudos sobre a meditação ainda não são consensuais, exceto a
comprovação de que meditar ajuda a controlar a ansiedade e a dor. Há quem ache
prematuro alardear os demais prováveis benefícios da meditação apenas com base nas
experiências de laboratório realizadas até agora. As pesquisas, no entanto, continuam e
certamente reservam para os próximos anos muitas outras revelações sobre a técnica
ancestral de nos colocar presentes no aqui e agora.

Meditação: pesquisa e aplicações práticas

Meditação e estresse
Enquanto estive na Índia em 1971, conheci muitos yogis indianos, lamas tibetanos e
monges budistas. Fiquei assombrado com a serena cordialidade, a receptividade e a
prontidão daqueles homens e mulheres, não importa em que situação. Cada um deles era o
tipo de pessoa com quem eu gostava de estar, e sentia-me preenchido quando os deixava.
Havia grandes diferenças em suas crenças e em seus antecedentes. A única coisa
que compartilhavam era a meditação. Depois conheci S. N. Goenka, um mestre que não era
monge, mas um industrial que tinha sido um dos homens mais ricos da Birmânia. Embora
tivesse obtido enorme êxito, Goenka descobriu que seu ritmo acelerado cobrou na forma de
enxaquecas diárias. Tratamentos médicos em clínicas européias e norte-americanas não
tiveram efeito em suas enxaquecas, e ele se voltou para a meditação como um último
recurso. Três dias depois de sua primeira instrução suas enxaquecas desapareceram.
Nos anos 1960 houve um golpe militar na Birmânia e o novo governo socialista
confiscou todas as propriedades de Goenka, deixando-o quase sem vintém. Ele emigrou
para a índia, onde se valeu de antigos negócios e de relações familiares para começar uma
nova empresa. Enquanto sua nova empresa começava a caminhar, ele viajou por toda a
Índia dando cursos de meditação de dez dias. Alguma reserva de energia permitia-lhe ser
em tempo integral um professor de meditação e um homem de negócios. Seu exemplo me
ajudou a ver que não é preciso ser monge para meditar. É possível separar os efeitos
físicos da meditação de seu contexto monástico.
Quando voltei da Índia para Harvard, descobri que o psicólogo Gary Schwartz tinha
iniciado pesquisas sobre meditação. Ele tinha verificado que os meditadores apresentavam
níveis de ansiedade diária muito inferiores ao dos não-meditadores. Eles tinham muito
menos problemas psicológicos ou psicossomáticos, como resfriados, dores de cabeça e
insônia.
Minha experiência pessoal, e essas descobertas científicas, sugeriam que os
meditadores podiam dominar as dificuldades da vida, controlar bem as pressões diárias e
sofrer menos com elas. Com Schwartz como meu orientador de tese, elaborei um estudo
para ver como a prática da meditação ajuda alguém a lidar com o estresse.
Chamei dois grupos de voluntários para nosso laboratório de fisiologia. Um grupo era
formado de professores de meditação, que vinham meditando havia pelo menos dois anos.
O outro grupo era constituído de pessoas interessadas em meditação mas que ainda não
tinham começado a meditar. Uma vez no laboratório, pediu-se a cada voluntário que se
sentasse calmamente e que relaxasse ou meditasse. Se não-meditadores eram designados
para o tratamento com meditação, eu os ensinava a meditar ali mesmo no laboratório. Após
vinte minutos de relaxamento ou meditação, os voluntários viram um pequeno filme que
descrevia uma série de acidentes sangrentos com operários de uma carpintaria. O filme é
um procedimento-padrão para induzir estresse durante estudos de laboratório porque toda
pessoa que assiste a ele fica agitada com os acidentes apresentados.
Os meditadores tiveram um padrão único de reação ao filme. Assim que o acidente
estava para acontecer, seus ritmos cardíacos aumentavam e eles começavam a suar mais
do que os não-meditadores. Para preparar- se para a visão aflitiva, suas batidas cardíacas
aumentavam e seus corpos mobilizavam aquilo que os fisiologistas chamam reação fight-or-
flight ("luta-ou-vôo"). Mas tão logo o acidente acabava os meditadores se recuperavam,
seus sinais de excitação corporal caíam mais depressa que os dos não-meditadores. Após
o filme, eles estavam mais relaxados que os não-meditadores, que ainda mostravam sinais
de tensão.
Esse padrão de maior excitação inicial e recuperação mais rápida foi apresentado
por meditadores experientes que tinham ou não meditado antes de começar o filme. De
fato, os meditadores sentiram-se mais relaxados todo o tempo que passaram no laboratório.
Recuperação rápida do estresse é um traço típico de meditadores. Mesmo os novatos, que
meditavam pela primeira vez naquele dia no laboratório, ficavam menos ansiosos após o
filme e recuperavam- se mais depressa que os não-meditadores.
A própria meditação parece ser a causa mais provável da rápida recuperação do
estresse. Se a rápida recuperação entre os meditadores experientes tivesse sido o
resultado de algum traço de personalidade comum ao tipo de pessoas aferradas à
meditação, os novatos teriam sido tão lentos na recuperação quanto as pessoas que
relaxaram.
Meu estudo pode explicar a menor incidência de ansiedade e distúrbios
psicossomáticos entre os meditadores. As pessoas cronicamente ansiosas ou que têm um
desajuste psicossomático compartilham um padrão específico de reação ao estresse; seus
corpos se mobilizam para enfrentar o desafio, em seguida param de reagir quando o
problema foi superado. A elevação da tensão inicial é essencial pois permite-lhes disciplinar
sua energia e consciência para lidar com uma ameaça potencial. Mas seus corpos
permanecem excitados para o perigo quando deviam estar relaxados, reunindo energias
gastas e acumulando recursos para o novo confronto com o estresse.
A pessoa ansiosa enfrenta os acontecimentos normais da vida como se fossem
crises. Cada mínima ocorrência aumenta sua tensão, e sua tensão, por sua vez, amplia o
próximo evento ordinário - um prazo final, uma entrevista, uma consulta ao médico — ao
tamanho de uma ameaça. Por seu corpo permanecer mobilizado depois que um
acontecimento já passou é que a pessoa ansiosa tem um limiar de ameaça menor para o
próximo. Se tivesse ficado num estado relaxado, ela apreenderia o segundo evento com
tranqüilidade.
Um meditador lida com o estresse de uma maneira que rompe a espiral ameaça-
excitação-ameaça. O meditador relaxa depois que um desafio passou mais freqüentemente
que o não-meditador. Isso diminui sua probabilidade de ver ocorrências inocentes como
ameaçadoras. Ele percebe a ameaça com maior precisão, e reage com excitação apenas
quando necessário. Uma vez excitado, sua rápida recuperação torna menos provável para
ele do que para a pessoa ansiosa ver o próximo prazo final como uma ameaça.
Efeitos da meditação sobre o cérebro

O apelo popular da meditação é a promessa de tornar a pessoa mais relaxada por


mais tempo. Mas alguns membros altamente pressionados da sociedade não estão certos
de que o relaxamento é uma coisa boa. Quando Herbert Benson, da Escola de Medicina de
Harvard, escreveu um artigo na Harvard Business Review insistindo para que os
empresários dessem aos empregados um tempo de pausa para meditação, houve uma
enxurrada de cartas protestando que o estresse e a tensão eram essenciais para a boa
administração de negócios. Um amigo meu, quando aconselhado a meditar para diminuir
sua pressão sanguínea, respondeu: "Preciso ir com mais calma, mas não quero me tornar
um zumbi".
Felizmente, a meditação não cria zumbis. Os especialistas em meditação que conheci
na Índia e nos Estados Unidos estavam entre as pessoas mais animadas que jamais
encontrei. A investigação dos efeitos da meditação sobre o cérebro pode explicar por quê.
A meditação treina a capacidade de prestar atenção. Isso a distingue de outros meios
de relaxamento, que em sua maioria deixam a mente dispersar-se quanto queira. Esse
aguçamento da atenção perdura para além da própria sessão de meditação. Ele aparece de
diferentes maneiras no resto do dia do meditador. Verificou-se, por exemplo, que a
meditação melhora a capacidade de apreender deixas perceptuais sutis no ambiente e de
prestar atenção ao que está acontecendo em vez de deixar a mente dispersar- se alhures.
Essas habilidades significam que, na conversação com outra pessoa, o meditador deve ser
mais enfático. Por poder prestar uma atenção mais aguçada ao que a outra pessoa está
fazendo ou dizendo, o meditador pode captar porções maiores das mensagens ocultas que
o outro está enviando.

Técnicas de MT e de Gurdjieff
Todas as técnicas de meditação parecem ser meios igualmente efetivos de diminuir
o nível de ansiedade e ajudar a lidar com o estresse. Mas os diferentes tipos de meditação
reeducam a atenção de modos diferentes.
Alguns de meus colegas em Harvard — Gary Schwartz, Richard Davidson e
Richard Margolin - compararam pessoas treinadas em Meditação Transcendental (MT) com
um grupo treinado numa técnica gurdjieffiana. Esta técnica leva o nome de G. I. Gurdjieff, o
russo da virada do século que trouxe para o Ocidente um amálgama de técnicas
meditativas esotéricas que compilou em suas viagens pela Ásia.
Na MT o meditador ouve em sua mente um som sânscrito, reiniciando o som
mentalmente repetido toda vez que sua mente se dispersa. O treinamento gurdjieffiano,
como a MT, inclui técnicas que melhoram a capacidade de manter um único e sutil
pensamento na mente. Mas os discípulos gurdjieffianos também aplicam esse poder
aprimorado de atenção para aprender uma complicada série de movimentos semelhantes à
dança e para sentir áreas específicas ao longo do corpo.
O grupo de Harvard testou os meditadores MT e gurdjieffianos um a um. Os
pesquisadores olhavam para os padrões de ondas cerebrais enquanto o meditador se
concentrava nas sensações de sua própria mão direita, e depois numa fotografia de alguém
sentado numa cadeira do laboratório. Os psicólogos registraram sinais da parte do cérebro
que controla a visão e da parte que controla movimentos musculares. Descobriram que
quando um meditador gurdjieffiano se concentrava em sua mão, o centro de movimentos
musculares em seu cérebro ficava ativo, como que se preparando para comandar um
movimento. Ao mesmo tempo, a área visual do cérebro ficava menos ativa. Quando um
discípulo gurdjieffiano olhava para a fotografia, a área motora se aquietava. Tais diferenças
não apareceram no grupo de MT, nem num grupo de pessoas que nunca tiveram
treinamento de meditação de qualquer tipo.
Os cérebros dos meditadores gurdjieffianos mostraram especificidade cortical, a
habilidade de acionar aquelas áreas do cérebro necessárias para a tarefa pertinente
deixando inativas ao mesmo tempo as áreas irrelevantes.
Esse é o modo como o cérebro funciona quando estamos no pico de nossa eficiência
e alerta. Se áreas demais ficam demasiado excitadas, ficamos superexcitados e temos um
desempenho pobre. Se muito poucas áreas estão ativas, ficamos grogues. As engrenagens
do cérebro e do corpo funcionam melhor quando apenas aquelas áreas que são essenciais
ao trabalho pertinente ficam ativadas. O treinamento gurdjieffiano desenvolveu essa
habilidade, enquanto a MT não.

Tanto a MT quanto o treinamento gurdjieffiano ativam o poder de atenção enquanto


relaxam o corpo. Mas só o treinamento gurdjieffiano aplica essa prontidão relaxada ao
aprimoramento das habilidades de detecção sensorial e controle muscular. Essa mesma
combinação de treinamento é encontrada em várias artes marciais orientais. Se a mente do
mestre de caratê se dispersasse, ele quebraria sua mão e não o tijolo. A concentração
poderosa amplia a eficiência de qualquer tipo de atividade.
O resultado da pesquisa mostra que uma técnica de meditacão é tão boa quanto
outra para aprimorar o modo como lidamos com o estresse. Os meditadores tornam-se mais
relaxados quanto mais tempo permanecerem meditando. Ao mesmo tempo, tornam-se mais
alertas, coisa que outros métodos de relaxamento não conseguem fazer porque não treinam
a capacidade de prestar atenção.

Propriedades curativas da meditação


Em 1984, o National Institute of Health (NIH) publicou um relatório de consenso que
recomendava a meditação (junto com restrições de sal e dietas) preferencialmente ao uso
de drogas como o primeiro tratamento para a hipertensão moderada. Esse reconhecimento
oficial foi um catalisador na difusão da meditação e de outras técnicas de relaxamento como
tratamentos na medicina e na psicoterapia.
No início dos anos 1970, quando preparei minha dissertação de pesquisa sobre
meditação e relaxamento como antídotos à reatividade ao estresse (Goleman e Schwartz,
1976), essa idéia era novidade. Descobri que a meditação diminuía os níveis de ansiedade
e acelerava a recuperação do meditador da excitação causada pelo estresse. As aplicações
clínicas para distúrbios do estresse pareciam óbvias.
Eu não estava sozinho em minhas descobertas. A metade da década de 70
presenciou uma enxurrada de pesquisas sobre meditação, particularmente seus benefícios
para a saúde (ver Shapiro e Walsh, 1984, para um panorama mais completo). O rigor
metodológico desses estudos, francamente, era desigual. Mas a essência das descobertas
era clara: a meditação era útil de diversas maneiras. Por exemplo, a prática regular da
meditação diminuía a freqüência de resfriados e dores de cabeça e reduzia a severidade da
hipertensão. Embora essas aplicações médicas tenham recebido alguma atenção, a
receptividade inicial mais forte para a meditação partiu dos psicoterapeutas, que a viam
como um meio para os pacientes administrarem a ansiedade sem drogas, para obterem
acesso a memórias e sentimentos bloqueados, e como uma prescrição geral para lidar com
toda sorte de estresse. A meditação era por excelência uma ferramenta de controle do
estresse e foi vigorosamente comercializada como tal para escolas, hospitais e empresas,
junto com uma gama de outras técnicas de relaxamento.
Meditação e relaxamento não são uma e a mesma coisa; a meditação é, em
essência, o esforço de reeducar a atenção. Isso dá à meditação seus efeitos cognitivos
exclusivos, como o aumento da concentração e da empatia do meditador. O uso mais
comum da meditação, entretanto, é como uma técnica de relaxamento rápida e fácil.
Embora as raízes orientais da meditação fossem exóticas, ficou claro para os
pesquisadores que, em termos de seus efeitos metabólicos, a meditação tinha muito em
comum com técnicas nativas de relaxamento como o relaxamento progressivo e o
biofeedback da tensão muscular de Edmund Jacobsen, e com produtos importados da
Europa como o treinamento autogênico. A meditação diferia de outras técnicas de
relaxamento em seus componentes de atenção, como salientou Herbert Benson (1975) em
seu best-seller The relaxation response, mas muito de sua qualidade terapêutica residia em
sua eficácia em levar o meditador a um estado de profundo relaxamento.
À medida que prossegue a pesquisa sobre técnicas de relaxamento para o controle de
distúrbios do estresse, torna-se mais incisiva a prova de sua eficácia. As mudanças
neuroendócrinas trazidas à tona em alguém profundamente relaxado mostraram ser mais
profundas do que acreditavam os primeiros pesquisadores que viam as técnicas de
relaxamento sobretudo em termos de seu alívio da tensão muscular e da fadiga mental.
Investigações mais biologicamente sofisticadas têm revelado efeitos profundos na função
imunológica bem como uma gama de outras modificações com aplicações clínicas
específicas.
Janice Kiecolt-Glaser (1985, 1986) descobriu, por exemplo, que residentes idosos de
um asilo que usavam um exercício de relaxamento mostraram um aumento significativo na
força de suas defesas imunológicas contra tumores e vírus. Estudantes de medicina que
usaram tais técnicas durante o estresse dos exames apresentaram aumentos nos níveis de
células auxiliares que defendem contra doenças infecciosas. A descoberta dessas
mudanças explica relatos anteriores de que a meditação, por exemplo, aumentava a
resistência a gripes e resfriados.
Talvez o primeiro e maior interesse médico no relaxamento tenha sido seu auxílio na
luta contra doenças cardíacas. Pesquisadores que trabalharam com o doutor Benson
relataram que a meditação diminuía a reação do corpo à norepinefrina, um hormônio
liberado em reação ao estresse. Embora a norepinefrina normalmente estimule o sistema
cardiovascular, elevando a pressão sanguínea, ela não teve seu efeito habitual nos
meditadores. Ao contrário, os meditadores mostraram um decréscimo na pressão
sanguínea. Essa reação simula a dos betabloqueadores prescritos para o controle da
pressão sanguínea.
O uso clínico do relaxamento no controle da pressão alta, especialmente nos casos
moderados, tornou-se um tratamento bem estabelecido, como reflete o relatório do NIH; se
praticado regularmente, ele freqüentemente consegue substituir a medicação ou diminuir a
dependência de drogas. Num estudo britânico, verificou- se que pacientes treinados nesses
métodos tinham pressão sanguínea mais baixa quatro anos depois que o treinamento
terminou (Patel et alii, 1985).
Os benefícios para os pacientes de males cardíacos vão além do controle da pressão
sanguínea. Verificou-se que o relaxamento ajuda a aliviar o sofrimento causado pela angina
e pela arritmia e a diminuir os níveis de colesterol no sangue. Dean Ornish (1983) mostrou
que o relaxamento aumenta o fluxo de sangue para o coração, diminuindo o perigo de
isquemia assintomática.
Os diabéticos também podem lucrar com o relaxamento. Richard Surwit (1983)
verificou que o relaxamento melhorava a regulação da glicose em pacientes com diabetes
surgida na idade adulta. Usando o relaxamento progressivo de Jacobsen com asmáticos,
Paul Lehrer (1986) verificou que a prática diminuía as reações emocionais que
freqüentemente precedem os ataques e melhorava o fluxo em vias aéreas comprimidas.
Para os pacientes de dor, algumas formas de relaxamento oferecem interesse
particular. Jon Kabat-Zinn (1985) descobriu que a meditação conscienciosa, combinada
com yoga, diminuía a dependência de analgésicos e reduzia o nível de dor em sofredores
de dor crônica. As causas de sofrimento iam de dores nas costas e de cabeça (enxaqueca e
tensão) aos diferentes casos de dor vistos em clínica. Quatro anos depois de terminado o
tratamento, os benefícios ainda se mantinham.
Técnicas de relaxamento de todos os tipos têm sido usadas por pacientes de
diferentes tipos, particularmente onde o estresse desempenha um papel principal ou
exacerba o problema — e há poucos casos onde o estresse não conta. Algumas das mais
promissoras aplicações se verificam nos efeitos colaterais da diálise renal e da
quimioterapia do câncer, nos distúrbios gastrintestinais, insônia, enfisema e problemas de
pele.
O relaxamento também é amplamente usado como um acessório na psicoterapia,
onde tem sido bem aceito muito mais abrangentemente do que na medicina. Mesmo assim,
há alguns problemas na aplicação dessas técnicas. Algumas pessoas reagem ao
relaxamento com aumento de tensão e até com pânico (Cohen, 1985). Nesses casos, o
relaxamento precisa ser introduzido após preparação cognitiva inicial ou simplesmente não
ser introduzido.
Há outras situações em que a meditação pode não ser apropriada para pacientes.
Um esquizóide pode provavelmente piorar sua apreensão da realidade, ficando
excessivamente absorto em realidades interiores; aqueles em estados emocionais agudos
podem estar agitados demais para começar a meditação; os obsessivos-compulsivos
podem, por um lado, ser muito fechados às experiências novas para tentar a meditação ou,
por outro, superzelosos em seus esforços.
Uma tarefa a ser empreendida é delimitar as diferenças significativas, se as há, entre
técnicas de relaxamento e da meditação em termos das pessoas e problemas para os quais
elas serão mais eficazes. Mas, como deixa claro o resultado das pesquisas, tais métodos
oferecem um meio poderoso de despertar a capacidade interna dos pacientes de participar
de sua própria cura.

Meditação e psicoterapia
Hans Selye (1978) aponta para a necessidade de uma "terapia do estresse" que
funcionasse não contra determinado agente produtor de males ou que melhorasse algum
sintoma específico, mas que fosse preventiva, trabalhando de modo a favorecer o
organismo como um todo. O padrão de reação ao estresse que encontrei entre os
meditadores é aquele em que o meditador está mais alerta porém tranqüilo em relação aos
indícios de ameaça, e se recupera deles mais eficientemente. Na medida em que a fase de
recuperação do estresse é a chave para os sintomas de ansiedade crônica e distúrbios
psicossomáticos, a meditação pode funcionar como uma terapia para o estresse, no nível
psicológico bem como no nível puramente somático, facilitando a recuperação mais rápida
das situações estressantes. Dessa forma, a meditação pode se revelar um acessório útil em
qualquer psicoterapia.
Outros processos da meditação podem coincidir com aspectos da terapia. Por
exemplo, na medida em que dirige sua atenção para dentro, o meditador fica aguçadamente
consciente de pensamentos, sentimentos e estados colhidos do estoque armazenado de
sua experiência total que emergem espontaneamente. Dado que o meditador está, ao
mesmo tempo, profundamente relaxado, o conteúdo total de sua mente pode ser visto como
formando uma "hierarquia de dessensibilização". Essa hierarquia não se limita àqueles itens
que o terapeuta e os pacientes identificaram como problemáticos, embora estes certamente
estejam incluídos, mas se estende a todos os assuntos da vida da pessoa, a tudo quanto
esteja "na mente de alguém". Nesse sentido, a meditação pode ser uma
autodessensibilização natural, global.
Isso pode influir na diminuição da tensão normalmente associada a material
reprimido quando a meditação foi usada como acessório para a terapia, permitindo assim
que material doloroso anterior emerja com maior consciência. Após meditar, a associação
livre do paciente tem-se mostrado particularmente rica em conteúdo, enquanto, ao mesmo
tempo, o paciente está mais apto a tolerar esse material. Dessa forma, a meditação parece
melhorar o acesso ao inconsciente.
Muitas terapias contemporâneas partem de uma compreensão da condição humana
semelhante em alguns aspectos à do Abhidhamma. Freud, por exemplo, viu a "neurose
universal do homem"; Buda viu que "todos os seres mundanos são desajustados". Embora
o insight fosse semelhante, a resposta foi diferente. Freud tentou, através da análise, ajudar
seus pacientes a encarar, compreender e reconciliar-se com essa "trágica" condição de
vida. Buda procurou, através da meditação, erradicar as fontes de sofrimento numa
reorientação radical da consciência.
A terapia psicodinâmica, desde Freud, tem trabalhado dentro das coerções da
consciência para alterar o impacto dos conteúdos do passado da pessoa na medida em que
afetam o presente. As psicologias asiáticas têm desprezado amplamente os conteúdos da
consciência, buscando ao mesmo tempo alterar o contexto em que eles são registrados na
consciência.
As psicoterapias convencionais assumem como dados os mecanismos subjacentes
aos processos mentais, buscando ao mesmo tempo alterá-los no nível dos padrões
socialmente condicionados. Os sistemas asiáticos desconsideram esses mesmos padrões
socialmente condicionados, enquanto visam ao controle e à auto-regulação dos próprios
mecanismos subjacentes.
As terapias rompem com o domínio do condicionamento passado sobre o
comportamento presente; a meditação visa a alterar o processo de condicionamento em si,
de modo a não mais ser um determinante primordial nos atos futuros. Na abordagem
asiática a mudança de comportamento e de personalidade é secundária, um epifenômeno
de mudanças, através da voluntária auto-regulação de estados mentais, no processo básico
que define nossa realidade.
A consciência é o meio que transporta as mensagens que compõem a experiência. As
psicoterapias se preocupam com essas mensagens e seus significados; a meditação, em
vez disso, se dirige para a natureza do meio, a consciência. Essas duas abordagens não
são de forma alguma exclusivas; ao contrário, são complementares. Uma terapia do futuro
pode integrar técnicas de ambas as abordagens, produzindo possivelmente na pessoa toda
uma mudança mais consumada e mais poderosa do que cada uma delas sozinha.

Meditação e pesquisa da consciência: algumas propostas


Como vimos anteriormente, há duas estratégias fundamentais de atenção na
meditação: concentração e atentividade (mindfulness). O estado alcançado pelo meditador
depende do método usado. A concentração leva o meditador a ficar unidirecionado e
finalmente funde sua atenção com seu objeto. A atentividade leva o meditador a
testemunhar as operações de sua própria mente, vindo a perceber com desapego os mais
finos segmentos de seu fluxo de pensamento. Os estados alterados produzidos por cada
abordagem são radicalmente diferentes.
Embora essas duas rotas da atenção para estados alterados representem protótipos,
elas não esgotam todas as mudanças possíveis na consciência que a meditação pode
acarretar. A manipulação da atenção pode ser ligada a outras práticas como movimento,
controle da respiração ou jejum. A adição de outras práticas aumenta a complexidade do
cálculo das mudanças na consciência.
A literatura clássica sobre a fenomenologia da meditação traça uma distinção entre
estados alterados e traços alterados de consciência. Os estados alterados são temporários
e ocorrem caracteristicamente dentro do espectro da atividade do meditador - os transes
chamados samadhi em sânscrito jhana em páli. Traços alterados são transformações
permanentes na natureza da consciência do meditador e persistem a despeito da atividade
em que ele esteja engajado. Os estados alterados meditativos duram apenas enquanto uma
manobra particular de atenção (como a unidirecionalidade) é executada, e diminuem
rapidamente quando cessa o esforço. Os traços alterados são mudanças na consciência
que se tornam habituais e fáceis; são, assim, um aspecto automático dos estados de
consciência básicos da pessoa. Eles permanecem depois que cessa o esforço inicial.

Pesquisas sobre meditação e consciência


Embora a pesquisa sobre meditação até o presente tenha sido amplamente
fragmentária, ela tende a confirmar os aspectos gerais das mudanças de estado e dos
traços de consciência descritos nas fontes clássicas. Mas nenhuma das pesquisas sustenta
conclusivamente essas afirmações, em parte por causa da amostragem preconcebida e
outros problemas metodológicos (ver J. M. Davidson, 1976; Shapiro, 1980; Schuman, 1980)
e porque medições radicais nunca foram feitas.
As mudanças de estado durante a meditação têm sido um importante foco de
pesquisa. A literatura clássica deixa claro que o estado produzido pela meditação depende
das especificidades da manipulação da atenção envolvida. As técnicas de
unidirecionalidade (one-pointedness), por exemplo, devem produzir um estreitamento da
percepção, alcançando, em seu ponto mais plenamente focalizado, um estado alterado no
qual o meditador ignora todos os estímulos externos. As técnicas de atentividade devem
produzir um estado de percepção permanente dos estímulos sem nenhum condicionamento
da reação orientadora.
Dois dos primeiros estudos sobre meditação parecem ter confirmado essas hipóteses
clássicas. Anand e seus colaboradores (1961) levaram uma unidade portátil de EEG
(eletrencefalograma) para a Índia e mediram um yogi obsequioso que afirmava poder entrar
num estado de samadhi. Durante a meditação, seu EEG mostrou um forte e contínuo ritmo
alfa. Quando os pesquisadores fizeram ruídos altos e até tocaram o braço do yogi com um
tubo de ensaio quente, não houve, dizem eles, quebra no ritmo alfa. A ausência de bloqueio
alfa, por parte do yogi, frente a um estímulo forte sugere que, de fato, ele estava num
estado de samadhi, indiferente a estímulos externos.
Kasamatsu e Hirai (1969) fizeram um teste semelhante em meditadores zen no Japão.
Levaram sua unidade de EEG para um zendo e mediram monges engajados em meditação
intensa. A hipótese que os investigadores buscavam testar era a de que os meditadores
estavam tentando cultivar uma atitude de atentividade (mindfulness). Os meditadores zen
foram submetidos a um estímulo monótono, uma série de quarenta ruídos de pancadas
leves. Se sua meditação tivesse produzido a capacidade de estar atentivo, eles deveriam
reagir plenamente à seqüência inteira de pancadas. Se estivessem num mero estado
normal de vigília, então seu ritmo alfa seria quebrado por cada pancada (uma reação
orientadora normal) até por volta da décima pancada; além deste ponto, não deveriam
mostrar bloqueio do ritmo alfa, um sinal de que se teriam habituado ao estímulo.
Kasamatsu e Hirai relatam que a maior parte dos meditadores zen se habituaram às
pancadas, indicando que não estavam num estado alterado. No entanto, os três monges
que foram qualificados por seu mestre como os mais avançados reagiram ao último som de
pancada tão intensamente quanto ao primeiro — um padrão que indica um estado de
prontidão atentiva e constante, para além da faixa normal dos estados de vigília.

Repetição
Os dois estudos descritos acima são freqüentemente citados, mas nunca foram
repetidos com sucesso. Ambos foram feitos nos primórdios da pesquisa de EEG sem auxílio
da análise de computador ou outras práticas correntes. Cada estudo deveria ser
reproduzido para se estabelecer se aquelas técnicas de treino da atenção podem resultar
nos estados alterados descritos na literatura clássica. Essa reprodução exigiria uma seleção
muito cuidadosa dos sujeitos e das medidas: o nível de realização exigido dos sujeitos é
muito alto — e raro. Seria fácil obter falsos negativos se fossem examinados sujeitos
inadequados. Os sujeitos têm de praticar realmente uma técnica de atenção que resulte na
transformação hipotetizada. Muitos meditadores zen, por exemplo, praticam outras técnicas
além da atentividade. Os candidatos mais prováveis para a reprodução do estudo da
atentividade se encontrariam entre os praticantes avançados da meditação-introvisão do
estilo theravadano (Brown, 1984). A medida de atividade cerebral mais apropriada para
esses estudos seria o potencial evocado (evoked potential), junto talvez com as medições
alfa usadas nos estudos mais antigos. O potencial evocado representa uma poderosa
medida dos processos centrais do cérebro e pode oferecer uma reprodução mais definitiva.
A análise total do espectro de EEG seria uma medida adicional útil, particularmente
para traçar a cartografia das diferenças sutis entre estados alterados na meditação.
Novamente é preciso ter muito cuidado na escolha dos sujeitos. Visto que os estados a
serem avaliados são frágeis e que poucos praticantes são hábeis o bastante para evocá-los
quando solicitados, uma comparação entre sujeitos só pode gerar resultados frutíferos se os
meditadores forem rigorosamente adequados.

Traços alterados e estados alterados na meditação


Os objetivos das diversas vias de meditação, embora expressos em termos
diferentes, compartilham um núcleo comum: a transformação da consciência. Embora cada
tradição descreva "aqueles que chegaram lá" em sua própria linguagem e de acordo com
sua própria cosmologia e sistema de crenças, existem sobreposições notáveis. O conjunto
de traços de personalidade descritos para o arahat no budismo clássico serve tão bem
quanto qualquer outro para representar o tipo ideal de ser "acabado".
Um estudo ilustrativo de meditadores em vários níveis de perfeição foi realizado por
Brown e Engler (1980), que administraram uma bateria de testes de personalidade em
perfeitos meditadores budistas de introvisão nos Estados Unidos e na Índia. Uma
descoberta desse estudo é particularmente fértil. Meditadores que receberam três meses de
intenso treinamento em meditação-introvisão foram submetidos a testes Rorschach antes e
depois de seu treinamento. Independentemente, seu mestre classificou cada um quanto a
seu progresso em unidirecionalidade ou atentividade. As respostas aos testes Rorschach
dos indivíduos de classificação mais alta foram comparadas. Os treinados em
unidirecionalidade deram respostas ralas, sem imaginação; os treinados em atentividade
deram respostas fartas com ricas associações. O padrão das respostas Rorschach parece
refletir as conseqüências do treinamento meditativo; a unidirecionalidade intensa indica que
o meditador despreza o encadeamento das associações mentais, enquanto a atentividade
intensa indica que o meditador apreende todo e qualquer elemento em seu fluxo de
consciência. O estudo não deixa claro por quanto tempo esses traços de consciência
persistiriam depois de os meditadores retornarem a suas vidas normais.
Outros estudos têm documentado uma gama de efeitos duradouros da meditação,
embora não esclareçam se os efeitos de longo prazo são subprodutos da meditação em
geral ou específicos a uma estratégia de atenção. Esses traços-efeitos incluem percepção
acurada e distração reduzida (Pelletier, 1974; Van Nuys, 1971), estabilidade autônoma e
recuperação acelerada de excitação provocada por estresse (Orme-Johnson, 1973;
Goleman e Schwartz, 1976), e nível de ansiedade geral diminuído (Davidson, Goleman e
Schwartz, 1976).
O Abhidhamma sugere que a meditação pode produzir certas mudanças duradouras
na personalidade. Estudos empíricos recentes da personalidade em meditadores investigam
a grande mudança sugerida: o decréscimo de estados psicológicos negativos e o aumento
dos positivos. Por exemplo, os meditadores demonstraram ser significativamente menos
ansiosos se comparados a não-meditadores (Ferguson e Gowan, 1976; Goleman e
Schwartz, 1976; Nidich et alii, 1973), apresentam menos distúrbios psicossomáticos, mais
bom humor, e são menos neuróticos na escala de Eysenck (Schwartz, 1973). Os
meditadores também mostram uma crescente independência dos estímulos situacionais,
isto é, um locus interno de controle (Pelletier, 1974); são mais espontâneos, têm maior
capacidade de fazer contato íntimo, aceitam-se melhor, e têm uma auto-avaliação melhor
(Seeman et alii, 1972); têm mais empatia para com outras pessoas (Lesh, 1970; Leung,
1973); e exibem menos medo da morte (Garfield, 1974). Embora tais estudos não tenham
sido elaborados para avaliar especificamente as formulações do Abhidhamma sobre o
impacto da meditação na personalidade, os resultados tendem a corroborar sua premissa
principal: a de que a meditação reduz os estados negativos enquanto aumenta os positivos.
A literatura sugere de modo rudimentar que o treinamento na meditação gera efeitos
em estados e traços. Tal como nos efeitos-estados, os efeitos-traços encontrados até agora
precisam ser reproduzidos e ampliados. Há dois modelos gerais que podem revelar-se
muito úteis na apreensão desses efeitos duradouros: perfis básicos e índices de
desempenho em reação a desafios.
Não existe até agora nenhum estudo metodologicamente rigoroso dos efeitos
duradouros da meditação (Shapiro, 1980). Idealmente, tal estudo controlaria diferenças
iniciais nos sujeitos (como motivação), enviá-los-ia aleatoriamente a tratamentos, e faria
medições pré e pós-tratamento. Um estudo definitivo levaria esses fatores em conta e então
mediria seus sujeitos numa série de dimensões relevantes para as mudanças induzidas
pela meditação. Baterias de testes de personalidade padronizados, medições de
comportamento e, sobretudo, medições cerebrais da atenção são os primeiros candidatos.
Os relatos dos próprios meditadores e a literatura clássica, bem como a pesquisa
contemporânea, deveriam ser consultados para a formulação de hipóteses específicas.
Muitos traços só se manifestam sob condições especiais. Por exemplo, estudos de
hipertensos mostram que o registro da pressão sanguínea tomada de uma pessoa em
repouso pode estar dentro da faixa normal, ao passo que um registro tomado sob estresse
indicará hipertensão. Em repouso, alguns atributos especiais dos meditadores podem ficar
latentes, ao passo que o estresse ou outras condições podem trazer à tona esses atributos.
Uma escala de testes de desempenho poderia avaliar essas capacidades ocultas.
Quaisquer que sejam as especificidades do modelo e da medição, a pesquisa mais
frutífera será guiada pela sabedoria das psicologias orientais. Essas psicologias podem
oferecer uma perspectiva teórica sobre o curso das mudanças na meditação que pode
informar a pesquisa. Poucos estudos de meditação até o momento têm sido feitos dentro do
contexto de uma perspectiva teórica abrangente. A maioria dos estudos tem sido
fragmentário. Alguns medindo ondas cerebrais, outros observando mudanças metabólicas,
outros ainda avaliando efeitos psicológicos. Os relatórios dos laboratórios científicos
parecem-se um pouco com o conto dos seis cegos e o elefante.
As psicologias orientais, no entanto, oferecem muitas teorias e hipóteses testáveis
sobre o que a meditação é e faz. Refinar essas hipóteses resultaria numa compreensão
ocidental da meditação que seria bem fundamentada na teoria e nos dados. Um excelente
exemplo de como esse trabalho pode ser realizado é a pesquisa de Daniel Brown (1984)
sobre mudanças na percepção de meditadores vipassana.
Existe uma abundância de hipóteses de trabalho a ser descoberta nas psicologias
orientais. Com um arcabouço como este para orientá-las, a pesquisa sobre meditação pode
crescer para tornar-se uma valiosa contribuição para nosso entendimento da consciência
humana.

Meditação e fluxo: vivendo no Tao


Diz-se que o arahat, a todo momento e em toda circunstância, vivência um estado
interno de calmo deleite, é agudamente atento a todos os aspectos importantes da situação
e exibe "meios habilidosos" em resposta às exigências do momento. Um estado semelhante
foi descrito na psicologia contemporânea por Csikzenmihalyi (1978), que estudou um amplo
espectro de atividades intrinsecamente prazerosas, todas marcadas por uma experiência
semelhante, que ele chama "fluxo" (flow).
Os elementos-chave do fluxo são: (a) a fusão da ação e da consciência na firme
concentração na tarefa em execução, (b) a focalização da atenção num puro envolvimento
sem preocupação com o resultado, (c) esquecimento de si mesmo com elevada consciência
da atividade, (d) habilidades adequadas para responder à exigência ambiental, (e) clareza
no tocante a estímulos situacionais e reações apropriadas. O fluxo aparece quando há um
encaixe perfeito entre a capacidade da pessoa e as exigências do momento. A zona do
fluxo é limitada, de um lado, pelas situações que induzem a ansiedade, onde as exigências
superam a capacidade, e, do outro, pelo tédio, onde a capacidade ultrapassa a exigência.
Num trabalho correlato, Hartmann (1973) propõe um modelo de "aguçamento
inibitório" (inhibitory sharpening) nos padrões da excitação cortical, que representa a
especificidade otimizada da reação cerebral à exigência ambiental. A atenção focalizada
implica pequenas áreas claramente demarcadas de excitação cortical circundadas por
áreas de inibição.
Quando não fica clara a demarcação cerebral de excitação e inibição, ocorre um
"transbordamento" de excitação para áreas do cérebro irrelevantes à atividade em curso.
Isso, propõe Hartmann, caracteriza um funcionamento cortical menos equilibrado, menos
delicadamente ajustado, tal como encontrado na fadiga. Esse "transbordamento" de
excitação pode ocorrer também em ansiedade aguda, e pode ser responsável pela
habilidade diminuída de perceber e reagir em estados de ansiedade. A especificidade
cortical finamente sintonizada, por outro lado, caracteriza o funcionamento vigilante
descansado, permitindo flexibilidade na resposta às exigências ambientais com reações
habilidosas. Esse pode ser um aspecto do substrato neurofisiológico do fluxo.
Enquanto eu interpreto o modelo do fluxo em termos de neurofisiologia, a formulação
de Hartmann aponta para uma característica significativa do fluxo: ele exige precisão e
fluidez na padronização neurológica, de modo que a ativação possa transformar exigências
situacionais rígidas em flutuantes. O estado de fluxo não é um padrão determinado de
excitação permanente; ele exige flexibilidade. A pessoa que é cronicamente ansiosa, ou
habitualmente bloqueada dentro de qualquer configuração de excitação, tem probabilidade
de confrontar-se com mais situações em que seu estado interno é inadequado para o
encaixe favorável com as exigências ambientais — isto é, não-fluxo. Circunstâncias
cambiantes requerem estados internos cambiantes.
Há duas maneiras de aumentar a probabilidade de uma experiência de fluxo: regular
o desafio ambiental para encaixá-lo nas habilidades da pessoa, como nos jogos, ou auto-
regulação de capacidades internas para enfrentar uma maior variação nas exigências
externas. Considero que a meditação pode ser um equivalente funcional da segunda
estratégia, produzindo uma mudança no estado interno que poderia maximizar as
possibilidades de fluxo.
"Algumas pessoas", observa Csikzenmihalyi, "entram no fluxo simplesmente dirigindo
sua consciência de forma a limitar o campo de estímulo de um modo que permite a fusão da
ação e da consciência" — isto é, o foco de atenção com exclusão de estímulos
dispersantes. Isso é idêntico à habilidade básica praticada na meditação: é o núcleo
essencial de toda disciplina meditativa (embora as técnicas possam variar de acordo com o
grau de esforço despedido na atenção).
Uma constelação de descobertas acerca dos efeitos duradouros da meditação sugere
um espectro de mudanças, que inclui o aguçamento perceptivo e o crescimento da
habilidade de responder a um estímulo-alvo desprezando ao mesmo tempo os estímulos
irrelevantes; especificidade cortical aumentada — isto é, excitação da área cortical
apropriada a uma dada atividade com respectiva inibição das zonas corticais irrelevantes,
um padrão subjacente à reação habilidosa; crescente excitabilidade cortical específica a
situações, com inibição límbica; estabilidade autônoma e decréscimo do nível de ansiedade;
e serenidade e tranqüilidade na resposta a estímulos carregados emocionalmente e
ameaçadores.
Na medida em que essas diversas descobertas são válidas para qualquer meditador
individual, esses traços deveriam operar de modo a diminuir o patamar de entrada no fluxo
ao trazer para seu domínio aquelas instâncias onde o fluxo de outro modo teria sido
excluído por percepção errônea, distração, estados excitados inadequados a exigências
específicas, ou funcionamento prejudicado pela ansiedade. Na medida em que se expande
a abrangência do fluxo e seu sentimento dos prazeres intrínsecos da atividade, haveria um
concomitante encolhimento nos domínios das situações indutoras de ansiedade e tédio na
vida diária. De fato, o ajuste do estado interno da pessoa com as demandas de ação
específicas, como no "fluxo", tem sido um ideal em vários sistemas asiáticos para o
autodesenvolvimento. Nas palavras do mestre zen Unmon: "Se você andar, apenas ande.
Se se sentar, apenas se sente. Mas, faça o que fizer, não oscile".
A fenomenologia do fluxo compartilha muitos atributos do estado mental do meditador
tal como descrito no Abhidhamma: clareza de percepção, prontidão, serenidade; e
flexibilidade, eficiência e habilidade na ação. Na medida em que os efeitos duradouros da
meditação se aproximam desse ideal, o estado de fluxo pode ser visto como um benefício
da meditação.
Neste sentido, o objetivo do treinamento meditativo coincide em parte com as
qualidades do comportamento habilidoso e, de modo mais geral, com o fluxo: ação
desimpedida de ansiedade, clareza de percepção e acuidade da resposta, prazer na ação
por si mesma. A natureza dessa experiência está muito bem condensada na tradução feita
por Merton de um poema do mestre taoísta Chuang Tsé:
“Ch'ui o desenhista
Podia traçar círculos mais perfeitos à mão livre
Do que com o compasso.
Seus dedos geravam
Formas espontâneas tiradas do nada. Sua mente
Era ao mesmo tempo livre e sem preocupação.
Nenhum ímpeto, nenhuma compulsão,
Nenhuma necessidade, nenhuma atração:
Então os teus afazeres
Estão sob controle.
És um homem livre.”

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