"... À Sombra de Um Cajueiro": IV Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade ISSN 1982-3657
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RESUMO
Este artigo, de natureza bibliográfica, tem por finalidade apresentar o resultado de uma
experiência transdisciplinar realizado nas dependências da Universidade Federal da Bahia
(UFBA) na Faculdade de Educação (FACED) e na Seção de Treinamento Físico (STF) do
Colégio Militar de Salvador (CMS). O encontro do sujeito a partir de uma experiência
transdisciplinar, vivenciada pelo grupo de dança-teatro pôde dar impulso a diversas criações
coletivas de natureza dialógica.
ABSTRACT
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IV Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade ISSN 1982-3657
APRESENTAÇÃO
3 Termo utilizado por Celso Castro e diversos autores que tratam sobre as instituições militares
4 Autor de diversas obras relativas à sociedade castrense.
5 O texto sobre o encontro de Zezé, personagem de “O meu pé de laranja lima” com o seu Tio Edmundo.
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Inseridos num discurso que eles próprios transcreveram dos textos analisados e
aglutinados, os alunos produziram um monólogo que eles tiveram dificuldade de decorar por
causa da falta de tempo. Solicitaram que fossem gravadas algumas vozes que servisse para o
texto adaptado por eles e, depois de realizada a tarefa, levou o CD para um estúdio acoplando
partes da trilha sonora do filme “O gladiador”, escolhida por representar exatamente a força
de um ato resiliente6.
A performance foi apresentada como uma espécie de fábula com o intuito de refletir
sobre os seus papéis sexuais na instituição. Isto porque, é justamente o referencial de gênero
que provoca no estabelecimento os mais desagradáveis desencontros. Outro elemento de
importância no contexto elaborado por eles é a figura da mãe.
6 Resiliência – processo tomado emprestado da Física em que pode ser traduzido como o ato de “dar a volta
por cima”. Contornar, de variadas formas, as adversidades da vida.
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A falta de uma leitura dos códigos e/ou símbolos gráficos que traduzem a escrita do
ser humano, talvez passe para um plano inferior quando pensamos o quanto somos
analfabetos quando não sabemos interpretar a leitura corporal do outro. E foi exatamente isso
que os estudantes sentiram. Passar os sentimentos de Humberto de Campos, para os
estudantes, era invadir a intimidade alheia. No caso, a de Humberto de Campos.
Naquele momento da representação do cajueiro, os componentes da tarefa se
desnudaram para um mundo que era um pouco de Humberto de Campos, um pouco do
cajueiro e um pouco deles mesmos. Assim, o cajueiro referenciado parece estar relacionado a
uma dimensão muito maior, ligada essencialmente ao corpo fálico. Sentiam eles que falar do
cajueiro era falar da vida, falar de todos os seres terrenos que se relacionam e que vivem
emocionalmente implicados.
No caso dos meus alunos que tentam reconhecer-se em um espelho que fale
realmente a língua de cada um, a comunicação é, cada vez, mais difícil, se não for utilizada a
linguagem metafórica da própria natureza. Nela desfilam fartos exemplos de como se podem
vencer as dificuldades da vida para realizar aquilo que se gosta, ou que tenha sido decidido
realizar porque aos alunos do Colégio Militar é vetado saber o quanto a dança é uma
dimensão vívida que se apresenta num instante cênico recheado de emoções provocadas pelas
relações estabelecidas em cena. Aos alunos do colégio é dito que sempre é feio chorar. Por
isso “...à sombra de um cajueiro” foi realizado como um ensaio para outros trabalhos em que
se queria vivenciar o auto-conhecimento de seus participantes, e foi facilitado para que eles
acreditassem que temos muitas possibilidades além da marcha e da continência.
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forma com a fala dos alunos que passaram a acreditar que todos eram castanhas que foram,
um dia, Humberto de Campos.
8 “Incororando-me ao Colégio Militar e perante seu nobre estandarte (uma flâmula grande, confeccionada em
cetim vermelho que os alunos carregam à frente da banda, nos cortejos militares), assumo o compromisso de
cumprir com honestidade meus deveres de estudante, de ser bom filho e leal companheiro, de respeitar os
superiores, de ser disciplinado e de cultivas as virtudes morais, para tornar-se digno herdeiro de suas
gloriosas tradições e honrado cidadão da minha pátria.”
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PRECONCEITO
O que nos remeteu a intitular a obra dessa forma foi a presença marcante dos
estudantes e suas considerações sobre a sua posição na instituição que eles acreditam ocupar:
uma sombra. Sombras...Por serem sombras, não podem, jamais, serem rasgadas, amassadas
ou jogadas numa cesta de lixo. Sombras são sombras e sempre serão sombras. Elas existem,
às dezenas e, cada uma, com sua personalidade própria, traduzem suas matrizes.
Debaixo de um cajueiro, aquela que me acompanha diuturnamente, apesar de tão
próxima a mim, é imperceptível. De forma semelhante, nós, seres humanos, precisamos
compreender a fundo, tudo que nos acompanha e considerar, sempre, em todos os momentos,
como parte inerente de todos nós.
Para os alunos, a felicidade de estar realizando sonhos acalentados por tanto tempo
provocou felicidade intensa. Em 2007, provavelmente, será o último ano da construção de um
ato tão solene quanto o hasteamento da bandeira nacional – a sala de dança Humberto de
Campos. Será o nosso cajueiro e, com certeza, até lá, as nossas gaiolas estarão vazias demais.
Quando a dança no CMS ainda não passava de uma hipotética fantasia de 'três
castanhas de caju', pôde-se imaginar que plantar um cajueiro poderia ser enveredado para
outros caminhos, do mesmo modo que na Rua Coronel José Narciso, no jardim que leva seu
nome, um cajueiro fora plantado por Humberto de Campos quando criança e, ali mesmo, no
Piauí, ele deu e ainda dá muitos frutos. Cem anos depois recebemos como desafio erigir um
novo cajueiro. Com o mesmo entusiasmo que utilizamos para plantar um cajueiro, iniciamos
uma jornada que leva ida e volta à esse mesmo endereço.
Nome oriundo da palavra indígena acaiu, que em tupi quer dizer “noz que se
produz”, é um pseudofruto suculento que só pode sobreviver a partir da castanha que, na
verdade, é o seu verdadeiro fruto. Fundada em relações de dependência e submissão, a dança
do cajueiro passou a ser uma resposta simbólica do encontro do ser e do ente: “uma
comunhão entre diferentes a partir da diferença”, como proclama Dante Galeffi (2000) em
palestra proferida na UFBa durante o curso de “Educação transdisciplinar para o
Desenvolvimento Humano: a arte de aprender”, realizado de 2004 a 2006.
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Esse trabalho não nasceu somente na sala de musculação da STF onde o grupo dos
três alunos da 1ª série do ensino médio se encontrava nas tardes de quarta-feira,
complementando as parcas aulas de educação física que ocorriam nas segundas-feiras, por um
período de aproximadamente quarenta minutos. Esses três bravos soldados brincavam de
dançarinos e sentiram a necessidade, assim como qualquer um, de desenvolver novas formas
de apresentar suas expressões corporais, uma vez que não eram aceitos no estabelecimento os
trabalhos realizados por eles. Portanto, após a leitura dos textos referenciados nesse trabalho,
jogos de expressão corporal foram realizados e, através deles, um compêndio de gestos foram
sendo incorporados à performance.
O tempo estipulado para as tarefas era tão pouco que, muitas vezes, lançávamos o
desafio de rebuscarem em outras coreografias que o grupo havia realizado, seqüências de
movimentos que pudessem dar corpo à performance trabalhada. Foram associadas as frases
que mais se aproximavam do contexto idealizado por eles. A princípio, as frases musicais
pareciam ficar desconexas com os movimentos, mas, eles próprios passaram a perceber que o
texto ajudava bastante a acoplar música e movimento devido ao fato de o trabalho não exigir
uma forma de movimentação obrigatória.
Dois dos três jovens foram substituídos por outros alunos que puderam apresentar o
trabalho no Clube do BANEB, no dia 12 de novembro de 2006. Em 3 minutos e 45 segundos,
o trabalho de 10 minutos foi simplificado por esse novo grupo. Foi o bastante para ser
mostrado o quanto um grupo poderia fazer pela dança. Da primeira para a segunda
experiência, pouca coisa mudou. Essa foi a terceira apresentação do trabalho pelo grupo.
Usamos os mesmos artifícios que no primeiro trabalho, colocando em evidência o cajueiro e
as manifestações de apego em relação à planta. Pedimos para que eles tomassem
conhecimento sobre tudo que se refere a um caju, desde o nome das partes da planta, assim
como os dados representados nas fotos sobre cajus ou a própria foto de Humberto de Campos.
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Na experiência mais recente realizada por esses alunos um achou que poderia ser
comparado ao tronco. Admirou a solidez, as raízes e alcance destas. O tronco altivo, de base
sólida, significava alguém que poderia dar apoio a todo conjunto de árvore. Outro
componente acreditava que a sombra do cajueiro era muito mais parecido com ele porque ele
está sempre tolhido. Educado de uma forma bastante controladora pelo pai, ele fica sempre à
margem de qualquer processo e, por não poder se mostrar totalmente nas coisas que ele mais
gosta de fazer como dançar, a sombra é a sua melhor imagem. Para ele, a sombra pode fazer
com que ele se sinta o próprio cajueiro de Humberto de Campos porque o trabalho, nada mais
é que uma reprodução de uma obra que já foi encenada por outros, de maneiras diferenciadas,
até mesmo por ele. Outro componente, ainda sem uma idéia formada sobre o assunto,
acreditou ser parecida com a flor do cajueiro porque a flor é o objeto da sua afeição e atenção.
Talvez, pela proximidade com o lado feminino, ainda persiste em ser somente as flores, a
mãe, a filha porque, na criação deles, uma vez que esse trabalho foi lançado em maio, o
vínculo com a feminilidade estava bastante impregnado.
Cada encontro permitia a construção de uma parte da performance que era montada e
alterada em virtude das variadas percepções que iam surgindo. Quanto mais ouviam o texto,
mais sentimentos afloravam para relacioná-lo com a música. Dessa forma, o trabalho
aproximava-se, cada vez mais, de um gestual bem natural. Muitas vezes, os gestos mais
significativos para os alunos expressavam pouco do que queriam, na verdade, defender.
Nesses momentos os professores intervinham fazendo colocações provocativas para que eles
encontrassem nos seus corpos a verdade que eles buscavam. Certos gestos funcionavam como
espelhos dos demais colegas. A comunhão gestual formava um coro que foi aproveitado no
trecho que eles proclamavam:”Areias de Portugal, um dia serei general!”Segundo os próprios
alunos, a vontade de conquistar um lugar ao sol naqueles espaço tão distante de ser deles,
mexia com a auto-estima de todos. Numa oficina de criação de gestos semelhantes,
solicitação deles mesmos, criou-se um espaço para ser delimitado como o espaço do caju, o
outro da castanha, e ambos, caju e castanha teriam que realizar o movimento de um terceiro
elemento, sem perder as características de seus personagens. Não havia preocupação com uma
lógica, embora eles sempre procuravam por essa lógica e as possibilidades de aumentar a
abstração tornavam-se mais freqüentes. Sempre trabalhando de forma improvisada, outros
quadros foram surgindo a partir da troca de informação entre eles mesmos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A análise final dos trabalhos, tão inter e transdisciplinar, tal como as teorias de Física
quando analisa a projeção da luz branca sobre um prisma emitindo ondas de diferentes
freqüências, mostra nossos dançarinos-atores de forma interessante fazendo com que se
conclua que não existe compatibilidade entre aquele que dança e o que se mostra perfilado
nas formaturas matinais. Enquanto análise empírica separa componentes fundamentais nesse
discurso subliminar, apresentado no PAC. Partindo do princípio de que duas ou mais
proposições são mutuamente compatíveis, e que nenhuma delas nega a outra, é estranho
quando se cria barreiras quanto à existência da outra. Assim o presente texto contribuiu para a
formulação de algumas inquietações sobre questões relativas à vivência das masculinidades
representadas ou dissimuladas em alunos, na maioria graduados e simbolicamente, ícones da
instituição.
Esse foi um dos trabalhos mais profundos realizados, até então, na STF em virtude
de ter sido fruto de um trabalho dos próprios alunos e que passou a ser matriz para outros
trabalhos significativos para a evolução da dança nesse espaço tão singular e que,
inexplicavelmente, causou bastante estranheza em todos que permitiram, assim mesmo, sua
exposição. Em relação aos alunos, o que se pôde apreender de tudo isso é que todos,
diferentemente do corpo feminino, apostavam nas suas apresentações e que, através das
expressões manifestadas por eles, constatei que é um prazer, uma obrigação, quase obsessão,
estar “...à sombra de um cajueiro”.
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REFERÊNCIAS
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