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PRÓLOGO:
UMA SERINGA PARA CAVALOS
O surpreendente, desconcertante e misterioso caso de influência
Você e eu temos um papel em comum. Talvez você nunca tenha
parado para pensar nisso, talvez pense o tempo todo. Se você tem um cônjuge, é pai, mãe, ou amigo de alguém, cumpre tal papel. Se é médico, professor, consultor financeiro, jornalista, gerente ou ser humano – também. Esse dever de que todos compartilhamos é influenciar os outros. Ensinamos a nossos filhos, orientamos nossos pacientes, aconselhamos os clientes, ajudamos os amigos e informamos nossos seguidores nas redes sociais. Agimos assim porque cada um de nós tem experiências, conhecimento e habilidades exclusivos que outros talvez não tenham. Mas será que cumprimos bem esse papel? Parece-me que as pessoas com a mensagem mais importante, aquelas que têm os conselhos mais úteis, não são necessariamente as que têm o maior impacto. A história recente está repleta desses enigmas, do empresário que convenceu investidores a despejar bilhões em um empreendimento de biotecnologia duvidoso ao político que não conseguiu convencer os cidadãos a brigar pelo futuro do planeta. O que, então, determina se você influi nos pensamentos dos outros ou se é ignorado? E o que determina se os outros mudam aquilo em que você acredita e como você se comporta? O pressuposto subjacente a este livro é que seu cérebro faz de você quem você é. Cada pensamento que lhe ocorre, cada sentimento que você vive, cada decisão que toma – tudo é gerado pelos neurônios ativados dentro dele. Entretanto, seu próprio cérebro, no alto de seu pescoço, não é inteiramente seu. Ele é fruto de um código que foi escrito, reescrito e editado durante milhões de anos. Se entendermos esse código e por que ele é escrito desse jeito, poderemos prever melhor as reações das pessoas e compreender por que algumas abordagens comuns à persuasão costumam fracassar enquanto outras têm sucesso. Nas últimas duas décadas, venho estudando o comportamento humano em laboratório. Meus colegas e eu realizamos dezenas de experiências numa tentativa de entender o que leva as pessoas a mudar suas decisões, atualizar as crenças e reescrever suas memórias. Manipulamos sistematicamente estímulos, emoções, contexto e ambientes sociais, depois examinamos o cérebro da pessoa, registramos suas reações corporais e documentamos seu comportamento. Acontece que aquilo que a maioria de nós acredita que vai levar os outros a alterar seus pensamentos e ações está errado. Meu objetivo com este livro é revelar os erros sistemáticos que cometemos quando tentamos mudar a cabeça de alguém, bem como esclarecer o que ocorre nos casos em que somos bem-sucedidos. Começarei por mim mesma em meu próprio quintal, contando como quase fui convencida a ignorar anos de instrução científica por um homem cuja influência inesperada sobre milhões de pessoas desconcertou muitas delas.
***
Na noite do dia 16 de setembro de 2015, por volta das oito da noite, eu
estava sentada no sofá de minha sala vendo o segundo debate das primárias republicanas na CNN. A disputa presidencial de 2016 era uma das mais interessantes da história, cheia de surpresas e guinadas inesperadas na trama. Por acaso, também era um estudo fascinante da natureza humana. O palco central na Biblioteca Presidencial Ronald Reagan, em Simi Valley, na Califórnia, era ocupado pelos dois principais candidatos: o neurocirurgião pediatra Ben Carson e o magnata dos imóveis Donald Trump. Entre as discussões sobre imigração e impostos, o debate se voltou para o autismo. “Dr. Carson”, começou o moderador, “Donald Trump tem ligado pública e repetidamente as vacinas, a vacinação infantil, ao autismo, assunto que, como o senhor sabe, a comunidade médica debate com fervor. O senhor é neurocirurgião pediatra. Deveria o sr. Trump parar de dizer isso?” “Bom, vou colocar da seguinte maneira”, respondeu o dr. Carson. “Foram feitos numerosos estudos e eles não demonstraram que exista alguma correlação entre vacinação e autismo.” “Ele deveria parar de dizer que as vacinas provocam autismo?”, perguntou o moderador. “Expliquei a ele há pouco. Ele pode ler sobre o assunto, se quiser. Creio que é um homem inteligente e tomará a decisão correta depois que tiver conhecimento dos fatos reais”, disse o dr. Carson. Embora nem sempre concordasse com o dr. Carson, nessa questão eu estava com ele. Por acaso, estou familiarizada com a literatura, não só devido a minha profissão de neurocientista, mas também porque sou mãe de dois filhos pequenos, que na época tinham dois anos e meio e sete semanas de idade. Assim, fiquei inteiramente surpresa com minha reação ao que disse Trump. “Gostaria de uma réplica”, disse Trump. “O autismo se tornou uma epidemia. (…) Ficou inteiramente descontrolado. (…) Vocês pegam um lindo bebezinho e bum!, quero dizer, parece coisa feita para um cavalo, e não para uma criança. E temos muitos exemplos, gente que trabalha para mim. Outro dia mesmo, uma criança de dois anos, dois anos e meio, uma linda criança, foi tomar a vacina e voltou, e uma semana depois teve uma febre tremenda, ficou muito, mas muito doente, e agora é [1] autista.” Minha reação foi imediata e visceral. A imagem de uma enfermeira inserindo uma seringa para cavalos em meu bebê minúsculo surgiu em minha cabeça e não desapareceu. Ainda que eu soubesse muito bem que a seringa usada na imunização tinha o tamanho normal – eu entrei em pânico. “Ah, não”, pensei. “E se meu filho adoecer?” Fiquei chocada que essas ideias passassem por minha cabeça. Todavia, a ansiedade, um sentimento por demais conhecido de pais de todos os credos e formações, tomou posse de mim abruptamente. “Mas, veja bem”, disse o dr. Carson, “a questão é que temos provas extremamente bem documentadas de que não existe associação do autismo com a vacinação.” Não importa. Provas, grande coisa. O dr. Carson podia ter citado cem estudos e não teria nenhum efeito na tempestade que explodiu em minha cabeça. Fiquei fixada naquela agulha para cavalos que estava prestes a deixar meu filho muito, muito doente. Não fazia sentido. Em um pódio estava um neurocirurgião pediatra cuja munição incluía estudos médicos analisados por seus colegas e anos de prática clínica; no outro, um homem de negócios cujos argumentos se reduziam a uma simples observação e à intuição. Entretanto, apesar de meus anos de educação científica, fui convencida pelo último. Por quê? Eu sabia exatamente por quê. E foi essa percepção que me trouxe de volta à realidade. Enquanto Carson se dirigia à minha porção “cerebral”, Trump visava ao resto. E ele agia segundo as regras – as mesmas deste livro, por acaso. Trump explorou minha necessidade muito humana de controle e meu medo de perdê-lo. Ele me deu um exemplo do erro de outra pessoa e induziu emoção, que ajudou a alinhar o padrão de atividade em meu cérebro com o dele, tornando mais provável que eu aceitasse seu ponto de vista. Por fim, ele alertou sobre as consequências nefastas de não seguir seus conselhos. Como explicarei neste livro, induzir medo costuma ser uma abordagem fraca à persuasão; na verdade, na maioria dos casos, é mais poderoso induzir esperança. Porém, em duas condições o medo funciona bem: (a) quando o que você tenta induzir é a inação e (b) quando a pessoa diante de você já está ansiosa. Esses dois critérios, neste caso, foram satisfeitos, porque Trump fazia lobby contra a vacinação, e seu público-alvo – pais e mães com filhos pequenos – é o grupo perfeito para o estresse. O fato de eu entender como Trump afetava meus pensamentos me permitiu depois parar e reavaliar a situação; eu não mudaria de ideia a esse respeito – meu filho mais novo será vacinado, como foi minha filha, antes dele. Mas me perguntei quantos outros pais e mães de primeira viagem foram convencidos por seus argumentos. Também refleti sobre o que teria acontecido se o dr. Carson tivesse sido mais competente ao se voltar para as necessidades, desejos, motivações e emoções das pessoas, em vez de pressupor que elas tomariam a decisão correta depois de [*] receber os fatos. O dr. Carson falava com milhões de pessoas e perdeu uma oportunidade extraordinária de fazer a diferença. Todos nós encontramos essas oportunidades. Talvez você não tenha o hábito de se dirigir a milhões, mas você se dirige a pessoas todo dia: em casa, no trabalho, dentro ou fora da internet. A questão é que as pessoas adoram divulgar informações e compartilhar opiniões. É possível ver isso claramente on-line: todo dia, são criados quatro milhões de novos blogs, 80 milhões de novas fotos são publicadas no Instagram e 616 milhões de novos tweets são lançados no ciberespaço. Isso representa 7.130 tweets por segundo. Por trás de cada tweet, blog e foto carregados na internet está um ser humano como você e eu. Por que milhões de pessoas passam milhões de momentos preciosos todo dia compartilhando informações? Parece que a oportunidade de transmitir seu conhecimento para os outros tem recompensas íntimas. Um estudo realizado na Universidade de Harvard revelou que as pessoas estavam dispostas a renunciar a dinheiro para que suas opiniões fossem divulgadas a terceiros.[2] Mas, veja bem, não estamos falando aqui de insights brilhantes. Eram opiniões relacionadas a questões comuns, como, por exemplo, se Barack Obama gosta de esportes de inverno e se café é melhor do que chá. Uma varredura do cérebro mostrou que quando as pessoas têm a oportunidade de comunicar suas pérolas de sabedoria aos outros, o centro de recompensa é ativado com força. Vivemos uma explosão de prazer quando partilhamos nossos pensamentos, e isso nos impele à comunicação. É uma característica sofisticada de nosso cérebro, porque garante que o conhecimento, a experiência e as ideias não fiquem sepultados na pessoa que os teve e que, como sociedade, nos beneficiemos dos frutos de muitos intelectos. Para que isso aconteça, é claro que não basta simplesmente compartilhar. Precisamos provocar uma reação – ao que Steve Jobs apropriadamente se referiu como deixar uma “marca no universo”. Sempre que partilhamos nossas opiniões e nosso conhecimento, é com a intenção de causar impacto nos outros. A mudança pretendida pode ser grande ou pequena. Talvez nosso objetivo seja aumentar a consciência para uma causa social, ampliar as vendas, alterar como as pessoas veem as artes ou a política, melhorar os hábitos alimentares das crianças, abalar a percepção que as pessoas têm de si mesmas, aprimorar a compreensão dos outros de como funciona o mundo, aumentar a produtividade de nossa equipe ou talvez apenas convencer o cônjuge a trabalhar menos e se juntar a nós em umas férias nos trópicos. Mas é aqui que está o problema: abordamos tal tarefa de dentro da nossa cabeça. Quando tentamos criar impacto, pensamos primeiro e sobretudo em nós mesmos. Refletimos sobre o que é convincente para nós, nosso estado mental, nossos desejos e nossos objetivos. Mas é claro que se quisermos influenciar os comportamentos e crenças de quem está diante de nós, precisamos primeiro entender o que se passa dentro da cabeça dessa pessoa e acompanhar como funciona o cérebro dela. Veja, por exemplo, o dr. Carson. Como médico e cientista preparado, ele foi convencido por dados demonstrando que as vacinas não provocam autismo. Assim, pressupôs que os referidos dados convenceriam a todos os outros. A espécie humana, porém, não é equipada para reagir a informações sem nenhuma paixão. Os números e a estatística são necessários e maravilhosos para revelar a verdade, mas não bastam para mudar crenças e praticamente são inúteis na motivação à ação. Isso é verdade quer você esteja tentando mudar a cabeça de uma pessoa ou de muitas – toda uma sala de possíveis investidores ou apenas seu cônjuge. Pense na mudança climática: existem montanhas de dados indicando que o ser humano tem seu papel no aquecimento do planeta, [3] entretanto metade da população não acredita nisso. Ou então na política: ninguém convencerá um empedernido correligionário do Partido Republicano de que um presidente do Partido Democrata promoveu o progresso da nação, e vice-versa. E quanto à saúde? Centenas de estudos demonstram que a prática de exercícios faz bem e as pessoas acreditam nisso; entretanto, tal conhecimento falha terrivelmente na hora de nos fazer subir numa esteira ergométrica. Na realidade, o tsunami de informações que recebemos hoje pode nos deixar ainda menos sensíveis aos dados, porque nos acostumamos a encontrar apoio a qualquer coisa em que quisermos acreditar com um simples clique do mouse. Em vez disso, nossos desejos é que dão forma a nossas crenças. São essas motivações e sentimentos que precisamos explorar para promover mudanças, seja em nós mesmos ou nos outros. Nas páginas seguintes, descreverei nossos instintos com relação à influência – aqueles hábitos em que recaímos quando tentamos mudar as crenças e comportamentos dos outros. Muitos instintos – de tentar levar as pessoas à ação pelo susto, insistir que o outro está errado ou tentar exercer controle – são incompatíveis com as operações da mente. A principal ideia deste livro é que uma tentativa de mudar a mente dos outros terá sucesso se estiver alinhada com os elementos essenciais que regem nossa forma de pensar. Cada capítulo se concentrará em um entre sete fatores críticos – prévias (por exemplo, crenças anteriores), emoção, incentivos, instrumentalidade, curiosidade, estado de espírito e os outros – e explicará como cada fator pode servir de obstáculo ou ajuda na tentativa de influenciar. A diferença entre nos familiarizarmos com esses fatores e continuar ignorantes é que a familiaridade permitirá a você avaliar criticamente seu comportamento, quer esteja influenciando ou sendo influenciado. Na maior parte do tempo, assumirei a perspectiva de quem pretende influenciar, mas com frequência inverterei a relação e verei as coisas do ponto de vista de quem é influenciado. O que se passa em seu cérebro quando você ouve a opinião de outra pessoa? É claro que se você entende um lado da moeda, entenderá melhor o outro também. Ainda temos muita pesquisa a fazer para compreender plenamente os fatores que influenciam nossa mente, mas o conhecimento parcial que já temos é imensamente valioso. Por exemplo, a compreensão de como o sistema de recompensas do cérebro está ligado ao sistema motor revela em quais momentos é maior a probabilidade de as pessoas serem influenciadas por recompensas ou por punições. Saber como o estresse afeta o cérebro explica por que as pessoas ficam mais alarmadas que o normal diante de notícias negativas logo após ataques terroristas. Por todo o livro, faremos várias vezes a viagem de ida e volta entre corredores de seu cérebro, em que os neurônios estão constantemente se comunicando, e os corredores de meu laboratório, onde registro as reações fisiológicas e de comportamento das pessoas. Também faremos uma excursão ao mundo lá fora: um hospital na Costa Leste dos Estados Unidos que tentava fazer com que a equipe médica higienizasse as mãos e passou do fracasso completo a quase 90% de adesão em um só dia; um lar para idosos em Connecticut em que a saúde dos moradores foi melhorada pelo aumento de seu senso de controle; uma adolescente que, sem saber, induziu sintomas psicossomáticos em milhares de pessoas; e muito mais. Minha pergunta sempre será: por quê? Por que uma estratégia provoca uma reação, mas outra não? Por que reagimos a um e ignoramos outro? Se você souber o que leva as pessoas a determinadas reações, terá os instrumentos para resolver desafios específicos que encontrará diariamente em sua vida.
* Um estudo que descrevo no capítulo 1 revela por que a abordagem do dr. Carson provavelmente fracassa e o que ele poderia ter feito em vez disso.