CRÓNICA

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CRÓNICA

A crónica é um texto de carácter reflexivo e interpretativo, que parte de um


assunto do quotidiano, um acontecimento banal, sem significado relevante.
É um texto subjectivo, pois apresenta a perspectiva do seu autor, o tom do
discurso varia entre o ligeiro e o polémico, podendo ser irónico ou humorístico.
É um texto breve e surge sempre assinado numa página fixa do jornal.
CARACTERÍSTICAS DA CRÓNICA
O discurso
Texto curto e inteligível (de imediata percepção);
Apresenta marcas de subjectividade – discurso na 1ª e 3ª pessoa;
Pode comportar diversos modos de expressão, isoladamente ou em
simultâneo:
- narração;
- descrição;
- contemplação / efusão lírica;
- comentários;
- reflexão.
Linguagem com duplos sentidos / jogos de palavras / conotações;
Utiliza a ironia;
Registo de língua corrente ou cuidado;
Discurso que vai do oralizante ao literário;
Predominância da função emotiva da linguagem sobre a informativa;
Vocabulário variado e expressivo de acordo com a intenção do autor;
Pontuação expressiva;
Emprego de recursos estilísticos.
A temática
Aborda aspectos da vida social e quotidiana;
Transmite os contrastes do mundo em que vivemos;
Apresenta episódios reais ou fictícios.
(A crónica pode ser política, desportiva, literária, humorística, económica,
mundana, etc.)
A crônica foi produzida, inicialmente, para ser publicada em jornais e
revistas. Hoje em dia, além desses meios, há vários livros de coletâneas de crônicas
de vários autores renomados, como Luís Fernando Veríssimo, Fernando Sabino,
Rubem Braga, Vinícius de Moraes, Clarice Lispector, Carlos Drumond de Andrade,
Cecília Meirelles, Manoel Bandeira, entre outros.
CRONISTAS
Affonso Romano de Sant'Anna
Afonso Félix de Sousa
Alcione Araújo
Álvaro Moreyra
Antônio Torres
Ary da Veiga Sanhudo
Athos Damasceno Ferreira
Austregésilo de Athayde

O PRIMEIRO ENCONTRO >> Eduardo Loureiro Jr.


Diariamente, encontramos pessoas pela primeira vez.

Quando Paulo encontrou João, eles tinham 15 e 16 anos, respectivamente. João


estava se apresentando na quermesse da Igreja de São Pedro com a sua banda Os
Pedreiros. Um amigo em comum apresentou os dois. Paulo mostrou a João como se
fazia a afinação de um violão em Sol, à moda de um banjo. Os dois ficaram
intrigados com o talento um do outro. Duas semanas depois, Paulo aceitou o convite
para integrar a banda de João. Três anos depois daquele primeiro encontro, a banda
de João (John) e Paulo (Paul) passou a se chamar Besouros Prateados e, logo
depois, apenas Beatles, um neologismo que juntou Besouro com Batida (ritmo).
Mais dois anos se passaram e eles começaram a compor música juntos por um
período de sete anos: 180 canções, dizem uns; 192 canções, dizem outros. Canções
que embalaram muitos primeiros encontros, vários encontros duradouros e alguns
encontros eternos. Tudo porque John e Paul se encontraram pela primeira vez no
dia 6 de julho de 1957, no final da tarde de um sábado, em Liverpool, Inglaterra.

E você? Quem você encontrou ou encontrará hoje pela primeira vez?


UM SORRISO NUMA BOLHA DE SABÃO
<< Cristiana Moura

E era tanta a alegria num rosto só! Gabriela, num sorriso que não cabia em
seu tamanho pequeno de menina com dois anos incompletos, brincava com a leveza
efêmera das bolhas de sabão. Dera eu saber lidar assim com o que simplesmente
se desmancha na minha frente. Dera eu.

Vez por outra acordo na madrugada. Insônia quando a gente não briga com
ela é assim: um emaranhado de palavras, imagens, desejos como os de Gabi,
voando em bolhas de sabão.
A menina cresceu e, no corpo de moça, às alegrias se juntaram seus delírios
sãos. Queria adentrar os céus carregada pelas bolhas da infância até adormecer
dependurada no sorriso da lua que mal começara a crescer. Deveria também ter
sonhos de raízes adentrando na terra. Não. Ela se negava a manter os pés fincados
ao chão — só queria o ar.
Era dia de quinta-feira, um dos mais atribulados. Acordou. Escovou os
dentes. Sentiu, na pele, o Sol recém-nascido como há tempos não fazia. Tomou
banho. Comeu suas frutas e cereais. Saiu como em todos os dias. No trânsito
caótico, o senhor no carro de trás buzinava freneticamente como se quisesse que
ela ultrapassasse o sinal vermelho e ele pudesse fazê-lo também. Ela freava
indiferente. O jovem adentrou a faixa de pedestres como quem chega na própria
casa. Passos lentos e longos. Era tanta a intimidade e um bem-estar à vontade que
os olhos de Gabriela arregalaram-se. Ela, naquele momento, não sabia fazer uma
coisa só: dirigia, ouvia o som das buzinas, preenchia o pensamento,
simultaneamente, com a lista dos afazeres e a dos dissabores. Freou. Tudo parou.
Nas mãos do homem-clown, com seus gestos leves e sua bola de cristal , o destino
de Gabi era um sorriso não planejado no sinal fechado. E este sorriso lhe tomou o
corpo numa alegria leve que lhe acompanhou por todo o dia.
A arte tem dessas coisas — adentra a vida da gente e oferece outros
itinerários ao cotidiano. Ouvi dizer que Gabriela, agora, quer costurar os pedaços do
dia a dia com linhas de névoa e assoprar. Assoprar até virar uma bolha leve.
O CARA >> Sergio Geia
Taubaté. Praça Santa Teresinha. Terça-feira. Sete e meia da manhã. Céu
cinza. Ele caminha em volta da praça falando ao celular. Eu atrás. No mesmo ritmo.

“Não! Não é assim! Nós precisamos fazer uma reunião. Pra já! Mas se
prepara, mermão! Se prepara! Ele é esperto. E te passa o rodo. Não, Carlos, eu já
disse isso pra ti uma vez. Cê precisa conversar com a Celinha e com o Paulo antes.
Expor os parâmetros do projeto, mostrar as referências. Assim eles já vêm pra
reunião na nossa, sabendo da coisa toda. Isso...”.

Eu não entendo alguém que se dispõe a cair da cama cedo, botar um abrigo
roxo, fazer uma caminhada matinal e ao mesmo tempo trabalhar.
Já eram três voltas, setecentos e cinquenta metros cada uma, pouco mais
de dois quilômetros, aproximadamente dezoito minutos, e o cara com o telefone no
ouvido.
“Eu tô com umas ideias, mas não posso falar ainda. Olha: promete. O
negócio é bacana. Biscoito fino. Coisa de futuro. A gente precisa disso. Olhar pra
frente, entende? Eu sei que o pessoalzinho lá não vai gostar, vai achar que é
loucura. Mas o Fernando deixa comigo. Ele tem visão. Se fosse se ancorar naqueles
manés a empresa dele já tinha ido pro buraco”.
Eu até pensei em dar uma forçada no ritmo e deixar o panguá pra trás. Mas
aquele papo todo tava ficando hilário. O cara era uma metralhadora giratória. Ô
homem pra falar!
“A Carol. Sim, a Carol! Tô falando. Tá na minha, mermão. Por que eu
inventaria? Sim, parece que tem... Se o cara é babaca eu não posso fazer nada.
Não, não, não foi a primeira vez. Deixa de ser mané, Carlos! Sim, ela tem jeitão de
modelo. É meio siliconada. Cê já pegou uma siliconada? É meio esquisito. A
temperatura é diferente. E daí? Elas gostam. Tem que tratar bem. Quem? A
Suzana? Cê tá brincando? Porra, mermão, e aí? Nada? Ah, cê tá marcando...”
Pensei: esse é o cara. Sabe tudo, o anjão! Uma sumidade. Taí a pessoa que
tava faltando pro mundo ser melhor. Será que ele não gostaria de governar o Brasil?
A gente tá tão sem opção... O Joaquim tá aposentando. Uma boquinha no Supremo
não seria de todo o mau... Eu já tava até pensando num jeito de contratá-lo,
aproveitar de seu elevado conhecimento pra fazer chegar meu livro na Capital.

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