GÓRGIAS. Sobre o Não Ser e o Elogio de Helena
GÓRGIAS. Sobre o Não Ser e o Elogio de Helena
GÓRGIAS. Sobre o Não Ser e o Elogio de Helena
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ISSN 1414-8315
Górgias
Tratado do não-ente
Elogio de Helena
Tradução e apresentação de
M aria Cecília de Miranda N. Coelho
C adernos de T radução, n. 4, df/ usp, 1999.
rência a ele no livro C ontra os Rotores, embora este se inicie com um comentá
rio ao Górgias, de Platão, seguido de uma referência a Helena de Tróia - caso
exemplar da beleza servindo como instrumento de persuasão. Por que, tratan
do exaustivamente da retórica como a arte de persuadir, Sexto não fala nada
de Górgias? Tal fato não deixa de ser inquietante se pensarmos que tradicio
nalmente Górgias é estudado a partir da ótica platônica, seja na crítica à
sofistica como falsa filosofia, seja na prática de apresentar o que seria o pensa
mento de Górgias agrupando, indevidamente, trechos de suas obras com aque
les recolhidos nos diálogos platônicos. Este é um dos motivos que nos levam
a insistir, aiiida, numa outra perspectiva do pensamento de Górgias.
Vejamos, então, onde e como Sexto fala de Górgias. O C ontra os Lógi
cos se inicia com a discussão sobre o sentido da palavra filosofia (I, 2) e trata
das várias formas nas quais ela pode ser dividida, assumindo como a melhor
aquela que considera Lógica, Física e Ética seus três principais ramos (I, 16)
e da qual, segundo ele, Platão foi o primeiro adepto, tendo sido adotada, tam
bém, pelos peripatéticos e estóicos. Em seguida, é discutida a existência de
um critério de verdade (I, 27-28) e os significados de ‘critério’ (I, 29-37) e de
‘verdade’ (I, 38-46), questões que, juntamente com uma teoria da prova, são
os objetos da lógica. É bom ressaltar a importância qua a lógica tem para Sex
to, uma vez que, sendo a verdade o objetivo último de toda Filosofia, deve-se,
antes de tudo, possuir princípios e métodos confiáveis para seu discernimento
(I, 24). Tendo como fio condutor esse tema, ele tratará dos filósofos que o
investigaram. Dentre os apresentados, alguns pouco famosos, estão Xenófanes,
Protágoras e Górgias, nessa ordem. Mas, em seguida (I, 89 ss), ele afirmará
que, na verdade, os físicos parecem ter sido os primeiros a abrir o caminho
para o problema do critério, à medida que “tendo condenado a sensação como
não confiável em muitos casos, instituíram a razão juiz da verdade das coisas”
(I, 91-2).
Se fizemos questão de expor a classificação de Sexto não foi com a in
tenção de justificar para Górgias um lugar entre os filósofos, mas, sim, de
mostrar como as classificações alteram nossa perspectiva ao estudar um autor.
F, mais importante, pelo fato de a fonte para o texto de Górgias ser a obra de
Sexto Empírico, cremos ser muito razoável levar em conta as indicações e clas-
mIu ações dadas por este último. E se, por um lado, o Tratado do n ão-en te, na
■ma versão, pode nos predispor a ver Górgias como um cético^), por outro,
• le m au abalança o viés platônico-aristotélico que no induz a vê-lo sempre
C adernos de T radução, n. 4, df/ usp, 1999. 9
Notas
1 Para mais informações sobre essa versão veja CASSIN, B. Si P a rm en id r, I.illc, 1980,
como também WESOLOY, M. “Le tecnichc argomentative di Gorgia intorno alia
tesi che nulla esiste”, Sic Gymn XXXVIII, 1-2 (1985)157-170.
I. Para uma análise estilística de Górgias pode-se consultar o texto de ZUNIGA, P.CT
Górgias, F ragm entos (Introd., trad. e notas), México, 1980.
10 C adernos de T radução, n. 4, df/ usp , 1999.
1. O trecho que está omitido na edição de Diels se refere a Empédoclcs, Alt nn:on r íon,
conforme se constata ao consultar o Antídosis, de Isócrates, de onde vem .i i itaçao 915,
268). Já a primeira citação (10, 3) vem do Elogio de H elena, desse humik» .mim
λ Λ adição do termo ti (algo) não é aceita por UNTERSTEINHR, M. 19-12, p 38 m in poi
CA.SSIN, B. 1982, p. 31 e s s .,, que, cm parte, desenvolveu sua argumeni.K. io d< <|ti< “Si
Parmcnide, alors Gorgias”, isto c, que só se pode entender o 7rolado do niio m tr muno
um discurso segundo, que faz referência a um discurso primeiro, que· < o Poema de
Parmênides, com base na exclusão de tal partícula e, também, na Intuía da vnsao ΛΙ.Ví,
12 C adernos de T radução, n. 4, df/ usp, 1999.
mente o não-ente não existe. Pois, se o não-ente existe, existirá e ao mesmo tem
po não existirá: pois, à medida que o nao-ente é pensado nao existirá, mas à
medida que é não-ente, de novo ele existirá. Inteiramente absurdo algo ser ao
mesmo tempo e não ser. Logo, não existe o não-ente. E, de outra maneira, se o
não-ente existe, o ente não existirá. Pois contrárias uma da outra essas coisas
são, e se ao não-ente ocorre o ser, ao ente ocorrerá o não ser. Mas não é o caso
que o ente não existe; e <na verdade> o não-ente nao existirá. (68) E certa
mente nem o ente existe. Se pois o ente existe, ou é eterno ou gerado ou eterno
e gerado ao mesmo tempo; mas, nem é eterno nem gerado nem as duas coisas,
como mostraremos. Logo, não existe o ente. Pois, se e eterno o ente (é preciso
começar a partir daqui) não tem um começo. (69) Pois tudo que é gerado tem
um começo, e o eterno, estabelecido não gerado, não teve começo e o que não
tem começo infinito é. Se é infinito, em nenhum lugar existe. Pois se existe em
algum lugar, diferente dele é aquilo em que ele está, e deste modo não mais
será infinito o ente que está contido em algo: pois, maior do que o que está
contido é o que contém, e nada é maior do que o infinito, de modo que não
está num lugar o infinito. (70) Certamente nem em si mesmo ele está contido.
Pois o mesmo será o “em algo” e o “em si mesmo”, e duas coisas serão o ente,
0 lugar e o corpo (pois um é “o lugar em que”, o outro, “o corpo em si mes
mo”). Isto é absurdo. Assim, nem em si mesmo está o ente, de tal maneira que,
se o ente é eterno, é infinito, se é infinito, em lugar nenhum está, e se não está
em nenhum lugar não existe. Na verdade, se é eterno o ente, desde o início nem
existe ente. (71) Certamente o ente nem pode ser gerado. Pois se ele foi gera
do, foi gerado ou do ente ou do não-ente. Mas não foi gerado do ente: pois se
existe ente, não foi gerado mas desde sempre existe; nem a partir do não-ente:
pois o não-ente não pode gerar algo, pois, por necessidade, deve participar da
existência o gerador de algo. Logo, não existe nem o ente gerado. (72) Segun
do o mesmo, nem as duas coisas, ao mesmo tempo eterno e gerado; pois essas
1nis.is são destrutivas uma da outra, e se o ente é eterno, não foi gerado e se foi
gcr.ulo, não é eterno. Assim, se nem é eterno o ente nem gerado nem ambas as
Coisas, não poderá existir o ente. (73) E, de outra maneira, se existe, ou é uno
f ui m ú ltip lo : mas não é uno nem múltiplo, como se sustentará: logo, não existe
. - t nu Pois se é uno, ou é quantidade ou é contínuo ou é extensão ou é corpo.
M as, q u alq u er um destes que seja, não é uno; por um lado, estabelecido como
quaiu idade será dividido, por outro lado, sendo contínuo será cortado.
S>m* Ihamnnentc, a extensão pensada não será indivisível. O corpo obtido será
C adernos de T radução, n. 4, df/ usp, 1999. 13
modo as coisas pensadas existirão porque são tomadas por um critério próprio,
mesmo se não podem ser vistas pela visão nem ouvidas pela audição. (82) Se
então alguém pensa em carros a correr no mar, e se não vê isso, é necessário
confiar que carros estão no mar correndo. Mas isso é absurdo, logo o ente não
é pensado nem apreendido.
(83) Mas mesmo que possa ser apreendido, é incomunicável ao outro.
Se pois os entes são visíveis e audíveis e comumente sensíveis, os quais sub
sistem fora, e desses os vistos são obtidos pela visão e os ouvidos, pela audi
ção, e não inversamente, como então é possível eles serem indicados ao ou
tro? (84) Pois o meio pelo qual indicamos é a palavra, e a palavra não é os
subsistentes e os entes. Logo, não são os entes indicados ao outro, mas a pa
lavra, que é diferente dos subsistentes. Então, do mesmo modo que o visível
não se tornaria audível e reciprocamente, da mesma maneira, porque o ente
subsiste fora, ele não se tornaria nossa palavra . (85) Não sendo palavra não
poderia ser mostrado ao outro. Aliás, a palavra, ele diz, é constituída a partir
das coisas exteriores que se apresentam diante de nós, isto é, a partir das sen
sações: pois do choque com o sabor se produz em nós a palavra portadora
dessa qualidade, e da insinuação da cor, a palavra sobre a cor. E se isso, não é
a palavra evocativa do exterior, mas é o exterior que se torna indicador da pa
lavra (86) E seguramente nem é possível dizer que do modo como as coisas
vistas e ouvidas subsistem, deste modo subsiste também a palavra, de manei
ra que é possível do seu subsistente e do seu ente indicar o subsistente e o
ente. Pois se a palavra subsiste, ele diz, é diferente dos subsistentes restantes,
e diferem em maior grau os corpos visíveis e a palavra: pois por meio de um
órgão é o visível apreendido e por outro a palavra. Logo, a palavra não mos
tra a pluralidade dos subsistentes, da mesma forma nem esses podem tornar
evidente a natureza uns dos outros. (87) Então, com Górgias, por causa de
tais aporias, vai-se, enquanto se apoia nelas, o critério de verdade: pois não
havendo ente nem possibilidade de conhecer nem de ser indicado ao outro,
nenhum critério poderia existir.
C adernos de T radução, n. 4, df/ usp, 1999.
Elogio de Helena
Górgias
(1) Ordem para a cidade é o heroísmo dos homens, para o corpo a bele
za, para a alma a sabedoria, para o ato a excelência, para o discurso a verdade; o
contrário disso é desordem. E, em relação ao homem, à mulher, ao discurso, à
ação, à cidade e ao ato particular é necessário honrar com louvor o digno de
louvor e sobre o indigno aplicar censura; pois, igual erro e ignorância é censu
rar as coisas louváveis e louvar as censuráveis. (2) E, é dever do mesmo homem
dizer corretamente o que é preciso e refutar ***os que censuram Helena, mu
lher em torno da qual, uníssona e unânime, c a crença dos que ouviram os poe
tas e a fama do nome, que se tornou memento de males. E eu quero, tendo dado
uma lógica ao discurso, tanto livrar da acusação aquela que ouve falar mal de si,
quanto, os que censuram, tendo demonstrado que se enganam e tendo mostra
do a verdade, livrar da ignorância.
(3) Que, seguramente, por natureza e linhagem, o primor dos princi
pais homens e mulheres é a mulher em torno da qual é feito este discurso,
não é obscuro sequer para poucos. Pois, é claro que a mãe era Leda e o pai, o
que foi, era um deus e o que era dito, um mortal: Tíndaro e Zeus. Desses,
um, por ser, pareceu e o outro, por dizer, foi refutado; e um era o melhor dos
homens e o outro, o senhor de todos.
(4) E, tendo sido gerada de tais, ela obteve beleza igual à divina, que ten
do tomado e não ocultado, manteve. E em muitíssimos, muitíssimos desejos de
amor ela suscitou, e com um só corpo conduziu muitos corpos de homens que
pensavam grande sobre grandes coisas, dos quais uns tiveram grandeza de ri
queza, outros a celebridade de uma antiga raça, outros o vigor de uma força
própria, outros a capacidade de um saber adquirido; e chegavam todos sob o
domínio do amor que gosta de vitória e do invencível gosto pela honra. (5)
Quem, certamente, por que e como saciou o amor, tendo tomado Helena, não
direi; pois, dizer aos que sabem aquelas coisas que já estão sabendo tem credi
bilidade, mas não traz satisfação. E o tempo de então, com o discurso, neste
momento tendo sobrepassado, para o início do discurso que está por vir avan-
16 C adernos de T radução, n. 4, df/ usp, 1999.
çarei e proporei as causas pelas quais era verossímil ter ocorrido a partida de
Helena para Tróia.
(6) Pois, ou pelos desígnios da sorte e por deliberações dos deuses e por
decretos da necessidade ela agiu como agiu ou tendo sido raptada à força, ou
persuadida por palavras <ou presa por am or>^). Se, no entanto, foi pela
primeira, é justo ser acusado o que acusa; pois o desejo da divindade com as
precauções humanas c impossível impedir. Pois é natural não o superior pelo
inferior ser impedido, mas o inferior pelo superior ser comandado e guiado e
tanto o superior deve governar quanto o inferior submeter-se. E a divindade é
superior ao homem em força, sabedoria e noutras coisas. Se, então, à sorte e à
divindade a acusação deve-se atribuir, da má reputação deve-se absolver Helena.
(7) Se com violência ela foi raptada e ilegalmente coagida e injustamente
ultrajada, é evidente que, de um lado, o raptor, porque ultrajou, cometeu in
justiça, por outro lado, a raptada, porque foi ultrajada, foi infeliz. Digno, en
tão, o bárbaro que empreendeu uma empresa bárbara, pelo discurso, pela lei e
pela ação receber pelo discurso, a acusação; pela lei, a desonra; pelo ato, o
castigo; mas a que foi coagida, privada da pátria e feita órfa dos amigos, como,
justamente, não podería ser ela pranteada mais do que injuriada? Pois, enquan
to aquele fez coisas terríveis, aquela sofreu; justo é, então, por um lado,
deplorá-la e, por outro, odiá-lo.1
1. Tal referência ao amor como quarta causa foi acrescentada por alguns editores, anteci
pando a exposição que ocorrerá a partir do parágrafo 15. UNTERSTEINER, M. Sofisti,
testemonicmze e fra m m en ti. Firenzc, 1942, vol. II, p. 95, não a aceita c dispõe as quatro
causas do seguinte modo: a) deliberação dos deuses; b) força; c) persuasão pela pala
vra; d) desígnio da sorte e decreto da necessidade - disposição essa que conduziría a
uma outra interpretação do texto e que é, a nosso ver, incompatível com o final desse
parágrafo c também com o parágrafo 20. Já CASSIN, B. op. cit., 1995, p. 143, não
aceita a adição, oferecendo uma justificativa interessante para isso: a quarta causa faria
parte de um outro momento na argumentação, diferente dos anteriores, que tem em
comum o fato de apresentar Helena como vítima, passiva, dos deuses, da violência c do
discurso. O quarto motivo apresentaria uma Helena que escolhe fugir por amor, mas
me smo nesse caso, ainda que se possa acusá-la (o que nos três outros não faria senti
do), ela seria defensável, pois foi vítima de seus olhos. Para compreender melhor tal
explicação é preciso ter em mente a importância que Górgias atribui aos nossos órgãos
sensoriais, cm particular à visão e à audição. Para a discussão desse tema nos remete
mos aos artigos de KERFERD, G.B., op. cit. e DONADI, E “Considerazioni in
marginc alPEnconio di Elcna” Sic Gymn XXXVIII, 1-2 (1985) 470-490.
C adernos de T radução, n. 4, df/ usp, 1999. 17
(8) Se foi o discurso o que persuadiu e iludiu a alma, nem diante disso é
difícil fazer a defesa e extinguir por completo a acusação desta maneira: o dis
curso é um grande soberano, que com o menor e mais invisível corpo, executa
as ações mais divinas, pois ele tem o poder de cessar o medo, retirar a tristeza,
inspirar a alegria e aumentar a piedade. E essas coisas, como elas são assim, eu
mostrarei: (9) é preciso mostrar, por uma opinião, aos ouvintes: toda a poesia
considero e nomeio um discurso que tem métrica; nos ouvintes desta penetram
um tremor aterrorizante, uma piedade lacrimosa e um desejo doloroso, e diante
das ações e dos corpos dos outros, pelos êxitos e reveses, um sofrimento pró
prio, por meio das palavras, a alma sofre. Mas vamos! Que eu mude o discurso
de uma coisa para outra. (10) Pois os encantamentos inspirados pelos deuses,
por meio das palavras, introduzem o prazer e afastam a dor; pois, nascendo jun
to com a opinião da alma, o poder do encantamento fascina, persuade e altera
essa alma pelo enfeitiçamento. E duas técnicas de enfeitiçamento e magia são
encontradas, as quais são erros da alma e ilusões da opinião^2). (11) E quantos,
a quantos, acerca de quanto persuadiram e ainda persuadem tendo modelado
um falso discurso. Pois, certamente, se todos, acerca de tudo, tivessem a lem
brança das coisas passadas, a noção das presentes e a previsão das futuras não
seria igualmente igual o discurso para aqueles aos quais nesse momento nem
lembrar do passado nem investigar o presente nem predizer o futuro é fácil; de
maneira que, acerca da maior parte das coisas, a maioria a opinião como
conselheira apresenta à alma. Mas a opinião, sendo vacilante e instável, envolve
em sorte vacilante e instável os que se servem dela. (12)(3) Então, que causa
impede considerar que também Helena, semelhantemente, sob o domínio das
2. A que essas duas técnicas se referem ainda . UNTERSTEINER, M. op. cit., p. 101,
seguindo Reich c Blass, vê aqui uma referência à poesia e à prosa. DUMONTJ.P. / π
Sophistes, Paris, 1969, p. 87, além da possibilidade citada, sugere que se trate aqui tia
oratória e da arte medica (com base, inclusive, no parágrafo 14). Uma interpretação
interessante c a de CASSIN, B. op. cit., 1995, p. 145, para quem, scmclhantemcntc
aos dissói lójjoij dissaí téchnai se referem às “arts doubles”, capablcs de dire et de fa ire
i mire une chose et son contraire, le vrai et 1c faux ou lc mensonger”.
< <) início desse parágrafo está bastante danificado. Houve várias propostas de m onstru-
ção pode-se ver uma análise de algumas em DIES, A. A utour de Pintou. Paris, 1927,
l> 110 125. A que nós utilizamos foi proposta por H. Diels, não no corpo d<>sett texto
jmeg<), mas cm nota relativa a tal parágrafo.
18 C adernos de T radução, n. 4, df/ usp, 1999.
palavras partiu contra vontade do mesmo modo como se raptada pela violência
dos violentos? Pois em relação à persuasão é possível parecer que ela domina;
por um lado, ela não tem a aparência de necessidade, por outro lado, tem a po
tência desta. Pois, o discurso que persuadiu a alma, a qual persuadiu, força-a a
confiar nas coisas ditas e a estar de acordo com as coisas feitas. Aquele, então,
que persuade, porque força, é injusto, mas a que é persuadida, porque forçada
pelo discurso, inutilmente tem má reputação. (13) Que a persuasão, unindo-se
ao discurso, também molda a alma da maneira que quer, é preciso saber, pri
meiro, pelas palavras dos meteorologistas, os quais, opinião contra opinião, ora
tendo suprimido uma, ora produzido outra, fazem aparecer as coisas obscuras e
inacreditáveis aos olhos da opinião; segundo, pelos debates inevitáveis, por meio
das palavras, nos quais um discurso agrada e persuade numerosa multidão ten
do sido escrito com arte, mas não dito com verdade; terceiro, os combates de
palavras dos filósofos, nos quais é mostrada também a prontidão da inteligên
cia, que faz mutável a crença na opinião. (14) A mesma proporção tem o poder
do discurso perante a ordenação da alma e a ordenação dos remédios perante a
natureza dos corpos. Pois, como dos remédios alguns retiram alguns humores
do corpo, uns cessando a doença, outros a vida, assim, também, dos discursos
alguns atormentam, outros agradam, outros aterrorizam, outros levam os ou
vintes a uma situação de confiança e outros, por meio de uma persuasão má,
drogam e enfeitiçam a alma.
(15) Que, se pelo discurso ela foi persuadida, não cometeu injustiça,
mas foi infeliz, está dito. E a quarta causa vou expor com o quarto discurso.
Pois, se amor foi o que fez todas essas coisas, não dificilmente ela escapará à
acusação do erro que é dito ter ocorrido. Pois, aquilo que nós vemos tem a
natureza, não a que nós queremos, mas a que a cada coisa aconteceu ter; e,
por meio da visão, a alma também é moldada nos seus modos. (16) Pois, por
exemplo, no momento em que corpos inimigos armam sobre inimigos a or
dem inimiga de bronze.e de ferro de uns defesa, de outros ataque - se a vista
contemplar, ela se agita e agita a alma de maneira que, muitas vezes, havendo
o perigo futuro, fogem aturdidos. Pois, firme, a conduta da lei emigra por cau-
\,i <lo medo, medo que se origina da visão, e essa tendo ido, faz com que se
•li ‘.cuide do julgado belo, belo por causa da lei, e do tornado bom, bom por
( .ms.i da vitória. (17) E alguns tendo visto as coisas terríveis do presente, na
quele momento presente mudaram o pensamento, tal o modo como o medo
• simguc e expulsa a reflexão. E muitos tombaram em penas vãs, enfermidades
C adernos de T radução, n. 4, df/ usp , 1999. 19
terríveis e manias incuráveis; tal o modo como as imagens das coisas vistas a
visão inscreveu no pensamento. E, certamente, quanto às coisas que assustam,
por um lado muitas são negligenciadas, por outro, são semelhantes às negligen
ciadas aquelas ditas. (18) Mas, os pintores, quando a partir de muitas cores e
corpos um só corpo e figura fabricam com perfeição, agradam a vista; e a fabri
cação de estátuas humanas e a confecção de imagens votivas um agradável espe
táculo apresentam aos olhos. Assim, não só o atormentar, mas também o dese
jar são naturais à vista. E muitas coisas em muitos produzem amor e desejo dc
muitas coisas e corpos. (19) Se, então, pelo corpo de Alexandre, o olhar de He
lena, tendo sentido prazer, desejo e combate de amor transmitiu à alma, que há
de admirável? Por um lado, se este sendo deus tem o poderio divino dos deu
ses, como o que é inferior seria capaz de expulsá-lo e defender-se? Por outro
lado, se ele é uma enfermidade humana e uma ignorância da alma, não deve ser
criticado como erro, mas considerado como infelicidade; pois veio, do modo
que veio, devido às redes do acaso, não por deliberações do juízo, por necessi
dades de amor e não por preparações de artifícios.
(20) Como, então, é preciso julgar justa a censura a Helena que, quer
tendo se apaixonado, quer tendo sido persuadida pelo discurso, quer tendo sido
raptada à força, quer tendo sido forçada pela necessidade divina, agiu como
agiu e, em todos os casos, escapa à acusação ?
(21) Retirei, por meio do discurso, a má reputação da mulher, perma
necí na norma que coloquei no início do discurso; tentei desfazer, por com
pleto, a injustiça da censura e a ignorância da opinião, quis escrever este dis
curso, por um lado, elogio de Helena, por outro, meu brinquedo.