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DIREITOS DA NATUREZA

E EDUCAÇÃO ECOLÓGICA
MARIZA RIOS
(ORGANIZADORA)

Casa Leiria Casa Leiria


MARIZA RIOS
(ORGANIZADORA)

DIREITOS DA NATUREZA
E EDUCAÇÃO ECOLÓGICA

CASA LEIRIA
SÃO LEOPOLDO/RS
2024
DIREITOS DA NATUREZA E EDUCAÇÃO ECOLÓGICA
DOI: https://doi.org/10.29327/5392371
Organizadora: Mariza Rios
Revisão: Maria Elizabete de Sousa
Os textos são de responsabilidade de seus autores.
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

Arte da capa: Crásio Sérgio Vieira. Habilitado em Desenho pela Escola de Arte
Guignard da Universidade Estadual de Minas Gerais, atua principalmente nas
áreas de pintura e desenho, tendo uma criação voltada para a utilização de obje-
tos comuns como instrumentos de trabalho. Para conhecer mais obras, acesse o
Instagram @crasioart.

Editora Casa Leiria – Conselho Editorial


Ana Carolina Einsfeld Mattos (UFRGS)
Ana Patrícia Sá Martins (Uema)
Antônia Sueli da Silva Gomes Temóteo (UERN)
Glícia Marili Azevedo de Medeiros Tinoco (UFRN)
Haide Maria Hupffer (Feevale)
Isabel Cristina Arendt (Unisinos)
José Ivo Follmann (Unisinos)
Luciana Paulo Gomes (Unisinos)
Luiz Felipe Barboza Lacerda (Unicap)
Márcia Cristina Furtado Ecoten (Unisinos)
Rosangela Fritsch (Unisinos)
Tiago Luís Gil (UnB)

D598 Direitos da natureza e educação ecológica [recurso eletrônico]. /


organização Mariza Rios. – São Leopoldo: Casa Leiria, 2024.

Disponível em: <http://www.guaritadigital.com.br/casaleiria/


acervo/direito/dneducacaoecologica/index.html>

ISBN 978-85-9509-113-9

1. Direito ambiental – Brasil. 2. Direitos da natureza – Direitos


humanos. 3. Direitos da natureza – Economia. 4. Direitos da natureza –
Políticas púbicas. 5. Direito ambiental – Educação ecológica. I. Rios,
Mariza (Org.).

CDU 349.6(81)

Catalogação na Publicação
Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973
DIREITOS DA NATUREZA
E EDUCAÇÃO ECOLÓGICA
SUMÁRIO

Prefácio ............................................................................................ 9
João Batista Moreira Pinto
Prólogo .......................................................................................... 13
Fernando González Botija
Introdução ..................................................................................... 19
Mariza Rios
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da
cosmologia ao paradigma ecológico, uma jornada ecopedagógica
necessária ....................................................................................... 25
Adelaide Pereira Reis
Clarissa Carneiro Desmots
Edmilson de Jesus Ferreira
Juliana de Andrade
Marcos Alberto Ferreira
Paulo Vitor Mendes de Oliveira
1. Considerações iniciais ................................................................................ 25
2. Conhecer o cosmos para compreender-se como cosmos: vislumbres de uma
cosmologia da solidariedade cósmica .......................................................... 26
3. Ecopedagogia: ensinando a aprender o cosmos ........................................... 34
4. Racionalidade ambiental: o primeiro passo para a substituição da visão
antropocêntrica .......................................................................................... 39
5. Considerações finais ................................................................................... 44

Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a


proteção dos direitos da natureza .................................................... 49
Caio Cabral Azevedo
Hebert Leonardo Lehner
Kênia Aparecida Ramos Silva
Maria Eduarda Milagres Fonseca
1. Considerações iniciais ................................................................................ 49
2. Os direitos da natureza como pressupostos para uma nova economia ......... 50
3. Pressupostos filosóficos da nova economia: um novo modo de pensar ........ 53
4. Economia circular como forma de efetivação dos direitos da natureza ........ 59
5. Considerações finais ................................................................................... 63
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial:
questões de gênero e raça e contribuições do antirracismo e do
ecofeminismo ................................................................................. 67
Larissa Lauane Rodrigues Vieira
Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto
1. Considerações iniciais ................................................................................ 67
2. Ecofeminismo e feminismo decolonial ....................................................... 70
3. O negro e a questão ambiental ................................................................... 75
4. Considerações finais ................................................................................... 81

Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas


públicas do município de Santa Bárbara frente aos direitos da
natureza ......................................................................................... 85
Meirilane Gonçalves Coelho
Renata Cristina Araújo
Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira
1. Considerações iniciais ................................................................................ 85
2. A cidade de Santa Bárbara: conexão com a história, a mineração e o
rio Santa Bárbara ....................................................................................... 86
3. Impactos da atividade mineradora: rio Santa Bárbara e o sentimento de
pertencimento ........................................................................................... 90
4. Políticas públicas como instrumento de proteção dos rios: os reflexos da
mineração sobre as políticas municipais de Santa Bárbara, Minas Gerais .... 95
5. Considerações finais ................................................................................. 100

Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos


direitos humanos ameaçados por defenderem os povos e seus
territórios na Amazônia ................................................................. 107
José Boeing
Jane Portella Salgado
1. Considerações iniciais .............................................................................. 107
2. Integração entre direitos humanos e direitos da natureza .......................... 108
3. A questão ambiental e a defesa dos direitos humanos ............................... 111
4. Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos,
Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) ............................................ 113
5. Defensores e defensoras dos direitos humanos e direitos da natureza são
assassinados na Amazônia ........................................................................ 119
6. A natureza como sujeito de direito: caso do igarapé Canacupá e do lago
Macupixi ................................................................................................. 124
7. Proteger os rios como sujeitos de direito no cuidado da Casa Comum ..... 127
8. Considerações finais ................................................................................. 128
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma
análise das práticas integrativas e complementares ........................ 135
Adriana Silva Lúcio
Alair Silva Nogueira Alves
Juliana Froede Peixoto Meira
1. Considerações iniciais .............................................................................. 135
2. Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICs): uma
abordagem holística ................................................................................. 137
3. As políticas públicas brasileiras no âmbito das plantas medicinais e da
fitoterapia ................................................................................................ 140
4. Etnoconhecimento sobre práticas integrativas e plantas medicinais
sob a ótica da ecopedagogia e as políticas públicas de difusão dos
conhecimentos da medicina popular ........................................................ 145
5. Considerações finais ................................................................................. 149

Sobre os autores ........................................................................... 155


DOI: https://doi.org/10.29327/5392371.1-1

PREFÁCIO
João Batista Moreira Pinto
O convite para prefaciar este livro foi motivo de alegria; pri-
meiro, pela proximidade temática entre o projeto dos Direitos Huma-
nos, meu tema fundamental de pesquisa, e a afirmação dos direitos
da natureza, perspectiva assumida e abordada pelo grupo de pesquisa
da professora Mariza Rios. Em 2022 trabalhamos essas duas temáticas
fundamentais no grupo de pesquisa originalmente denominado Direi-
tos Humanos como projeto de sociedade, e que, com a integração da Profa.
Mariza ao grupo, recebeu o adendo: ... e direitos da Natureza; grupo este
vinculado à pós-graduação da Dom Helder Escola Superior.
A maioria de nós – influenciada por uma formação moderna,
esta vinculada a uma racionalidade mais restrita e privilegiando um de-
terminado modelo de desenvolvimento – viveu até aqui sob um modus
de vida que negligenciou a correlação fundamental entre a vida humana
e a vida do planeta. Esse modelo civilizatório desconsiderou, buscou
ocultar ou aniquilar povos e culturas tradicionais como os indígenas
e os quilombolas, que vivem e buscam viver em proximidade com a
natureza, vinculando a esta suas tradições.
A cultura ocidental, por outro lado, ao adotar a crença no domí-
nio sobre a natureza, considerando-a simplesmente como matéria-prima
a ser explorada, visando o aumento do poder, econômico ou outro, só re-
centemente, nos últimos cinquenta anos, tem se deparado com uma na-
tureza que evidencia os limites dessa concepção, desse antropocentrismo.
A tentativa de subjugar a natureza nos conduziu a uma encru-
zilhada, a um “beco sem saída”, e a única alternativa plausível parece
ser retroceder, dar “marcha a ré” e buscar construir novos caminhos,
alternativas que sempre considerem o ambiente, a natureza. Onde se
reconheçam os limites do planeta diante dos modelos econômicos pre-
datórios, e, diante disso, sejam estabelecidos a partir de horizontes mais
amplos, baseados em maior participação social e coletiva, valorizando as
diversas culturas e saberes, mais próximos e integrados com a natureza.
9
10 Prefácio

Este livro tem a relevância de discutir questões centrais em tor-


no desse processo civilizatório, ao mesmo tempo que adentra em pers-
pectivas para uma reconstrução humanitária, que garanta novas rela-
ções com as pessoas e com o mundo, tendo por referência os direitos
humanos e os direitos da natureza.
Adentrando um pouco mais na temática de Direitos da Natureza
e Educação Ecológica pode-se apontar que tanto os direitos humanos
como os direitos da natureza representam realidades em disputa; são
objetos conflituais sobretudo por envolverem elementos centrais da
produção econômica capitalista, isto é, algo que nos acompanha há cer-
ca de cinco séculos.
Como objetos em disputa nas sociedades, um dos primeiros es-
paços de construção dos elementos centrais desse embate entre o capital,
o social e a natureza é o campo epistemológico. Este domínio, especifi-
camente, é o espaço no qual são estabelecidas as bases para a produção
do conhecimento, e onde este se torna objeto de questionamentos.
Em função dessas disputas, teremos, por um lado, a busca por
manter uma racionalidade produtivista, própria do capitalismo, com
ações que visam instrumentalizar uma parcela significativa dos seres hu-
manos e da natureza, submetendo-os a interesses puramente econômi-
cos, norteados pelo lucro. Por outro lado, essa disputa evidencia igual-
mente a atuação dos atores presentes no outro lado da contraposição
dialética, aqueles que vão atuar sob outras lógicas e outros princípios
norteadores, capazes de gerar práticas de resistência contra-hegemôni-
cas, levando a lutas fundadas na solidariedade e garantindo avanços na
preservação da vida dos humanos e da natureza.
Fazendo parte desse polo de valorização da vida e da solidarie-
dade, contribuindo para novos olhares sobre o mundo e a realidade,
destaca-se a visão integradora presente na encíclica Laudato Si, do Papa
Francisco. Nela, adotando a “língua da fraternidade”, defende-se uma
“solidariedade universal” e uma “ecologia integral”, buscando a garantia
dos bens comuns com justiça distributiva, exigindo, portanto, ações
civis e políticas (FRANCISCO, 2015).
Note-se, aliás, neste último, o resgate, o reconhecimento e a pro-
ximidade com elementos centrais das culturas dos povos indígenas, com
seus saberes e práticas tradicionais, em forte vinculação com a mãe natu-
reza, como também será ressaltado em alguns dos capítulos deste livro.
João Batista Moreira Pinto 11

Por fim, ao abordarmos concepções, racionalidades ou para-


digmas divergentes, que fundamentam práticas e relações nos diversos
campos da atuação humana, seja na política, no econômico, no jurídico
ou outros, surge a possibilidade de duas direções contrastantes. Por um
lado, pode ocorrer a intensificação da separação entre o ser humano e a
natureza, resultando na continuidade e agravamento de consequências
que podem levar à extinção da vida em nosso planeta. Por outro lado,
há a oportunidade de fortalecer, por meio da ecoeducação, concepções
e racionalidades emancipatórias, capazes de ampliar nossas ações e lutas
em prol da natureza e da vida – de todos os seres vivos, incluindo os
humanos. Em última instância, isso implica na expansão das possibili-
dades de estender ou até mesmo salvar a vida na Terra, para nós e para
as gerações que nos sucederão.
Todas as questões acima são resgatadas e aprofundadas, de for-
ma brilhante, nos capítulos deste livro, organizado pela professora Ma-
riza Rios, que há anos tem trabalhado com povos tradicionais, o que
sem dúvida a despertou para a temática inovadora dos direitos da natu-
reza, a ser integrada no direito e articulada e integrada com os direitos
humanos.
Este prefácio foi finalizado no primeiro dia de 2024, com isso,
concluo manifestando meu desejo e esperança de que todos e todas que
buscam um mundo com mais igualdade e mais comprometido com a
vida dos seres humanos e do planeta, possamos, no Brasil e no mundo,
lutar, em todos os campos: o do conhecimento – o formal e da educa-
ção popular –, o político – em sentido amplo, abarcando a luta cotidia-
na por cidadania e igualdade de direitos –, o jurídico, o econômico, o
cultural, o religioso, o ético ... Enfim, em todos os espaços conflituais de
atuação humana, pela efetivação de um projeto amplo e universal, que
cada vez mais se afirma como indissociável e fundamental, e que pode
ser apontado como objeto último deste livro: o projeto dos Direitos
Humanos e dos Direitos da Natureza.

João Batista Moreira Pinto*

* Pós-Doutor e Doutor em Direito pela Université de Paris X – Nanterre, França. Mestre em Filosofia
pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França. Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC, Brasil. Professor do Programa
de Pós-Graduação em Direito da Dom Helder Escola Superior (DHES), Belo Horizonte/MG, Bra-
sil. Líder do Grupo de Pesquisa “Direitos Humanos como projeto político de sociedade”.
DOI: https://doi.org/10.29327/5392371.1-2

PRÓLOGO

Fernando González Botija


Es para mí un motivo de especial satisfacción y honor la invi-
tación que me hace la profesora Mariza Ríos de poder prologar esta
obra colectiva dedicada a los Derechos de la Naturaleza y la Educación
Ecológica. Debo comenzar estas líneas mostrando mi más profundo
agradecimiento a ella, a los autores que dirige y a la Universidad Dom
Helder con la que nos une un vínculo especial de amistad y frater-
nidad académica. La profesora Ríos, doctora por nuestra Universidad
Complutense, es una gran experta y buena conocedora del Derecho
ambiental, lo cual hace doblemente grande el honor de poder redactar
estas líneas introductorias al concederme la oportunidad de presentar
a tan egregio grupo de investigadores brasileños medioambientalistas,
miembros del Grupo de Pesquisa Direitos da Natureza e Educação Eco-
lógica no Programa de Pós-graduação da Escola Superior Dom Helder
Câmara em Direito Ambiental e Sustentabilidade.
La obra que tengo el orgullo de prologar aborda un tema capital
en el Derecho ambiental moderno como es el de la concepción de la
que debemos partir cuando hablamos del Derecho ambiental. ¿El me-
dio ambiente debe ser observado como un sujeto o como un objeto?
Se trata sin duda del tema con el que los profesores que impartimos
la materia abrimos las explicaciones sobre esta rama del ordenamiento
jurídico.
De este modo, en este terreno siempre es inevitable comenzar
haciendo referencia al Capítulo séptimo de la Constitución ecuatoriana
dedicado a los “Derechos de la Naturaleza”. Su artículo 71 dispone con
contundencia que “la Naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y
realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existen-
cia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura,
funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o
nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de
13
14 Prólogo

los derechos de la Naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos


se observarán los principios establecidos en la Constitución, en lo que
proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a
los colectivos, para que protejan la Naturaleza, y promoverá el respeto
a todos los elementos que forman un ecosistema”. Este precepto se re-
fuerza en el artículo siguiente al declarar que la Naturaleza tiene dere-
cho a la restauración.
El camino abierto por los ecuatorianos consagrando a la Madre
Naturaleza como sujeto de Derecho ha cuajado en los ordenamientos
jurídicos de otros continentes que han seguido el mismo camino de
reconocer u otorgar personalidad jurídica a la Naturaleza o a determi-
nados ecosistemas.
Esta idea en un principio podría parecer a priori atrevida e in-
cluso ingenua. Sin embargo, debe tomarse muy en serio pues nos re-
cuerda que la Naturaleza, aunque no puede acudir a los tribunales a
defender sus derechos, al ser un ente material, no necesita las vías judi-
ciales de los seres humanos para ejecutar directamente la sanción que
nos merezcamos por no haberlos respetado. Por desgracia la realidad del
pasado está llena de ejemplos en ese sentido. Las agresiones medioam-
bientales ya ocurridas, algunas de ellas gravísimas (destrucción del Mar
de Aral, Chernóbil, por citar algunos ejemplos conocidos) las han pa-
gado muy caras las sociedades que las han cometido. Ante estos ataques
la Naturaleza se reformulará y se adaptará a las nuevas circunstancias,
continuando con sus ciclos. Ciertamente, la alteración de una pieza
del sistema hará que éste se reordene o mute, pero no desaparecerá. En
este proceso, sin duda acentuado por el cambio climático, quién saldrá
perdiendo será siempre el ser humano, cuya dependencia del statut quo
o herencia que nos legó el Creador y cuya conservación han preservado
las generaciones pasadas es evidente.
Es verdad que la concepción de persona jurídica de la Natura-
leza, con el fin de proteger y conservar el medio ambiente, se ha visto
reforzado por un poder judicial que en ocasiones ha sido activo y pro
medioambientalista. Con todo, el protagonismo corresponde sin duda
al legislador que debe instrumentar políticas decididas en este sentido.
En España el gran referente y ejemplo paradigmático en la ma-
teria, sin lugar a dudas, es la reciente Ley 19/2022, de 30 de septiembre,
para el reconocimiento de personalidad jurídica a la laguna del Mar
Menor y su cuenca. El legislador nos explica en su exposición de mo-
Fernando González Botija 15

tivos que las razones por los que se aprobó esta ley fueron dos: Por un
lado, la grave crisis que en materia socio-ambiental, ecológica y huma-
nitaria viven el mar Menor y los habitantes de sus municipios ribereños;
por otro lado, la insuficiencia del actual sistema jurídico de protección,
a pesar de las importantes figuras e instrumentos de carácter regulador
que se habían ido sucediendo a lo largo de los últimos veinticinco años.
Para situar al lector hay que explicar que el ecosistema marino lagunar
del Mar Menor cuenta una superficie de 135 km2, la mayor laguna
costera del Mediterráneo español y una de las más grandes del Medite-
rráneo occidental. Aunque pueda parecer pequeña desde la perspectiva
latinoamericana en general, y brasileña en especial, dada la extensión
de las tierras del nuevo continente, se comprende mejor la importancia
del tema pese a su diminuta extensión desde esta óptica americana si
tenemos en cuenta la riqueza de sus valores ecológicos. Así, hay que
destacar el conjunto de todos sus componentes –la biodiversidad carac-
terística (hábitats, flora y fauna), el sistema hidrogeológico con el que
conecta y que conforma su cuenca vertiente, el fondo lagunar, el agua y
su salinidad, los humedales litorales. Todo ello ha venido sufriendo una
serie de presiones derivadas de la intensificación de usos desde la década
de los años 60 del siglo XX. Por otro lado se explica por el legislador
que junto a sus valores ambientales, el mar Menor es uno de los prin-
cipales elementos de identificación cultural de la Región de Murcia, y
despierta en todos los murcianos un fuerte apego emocional. Prueba de
ello es la creación de diversas plataformas ciudadanas que reúnen a aso-
ciaciones vecinales, organizaciones ecologistas, colectivos profesionales,
fundaciones culturales, etc., que reivindican medidas para recuperar y
proteger este ecosistema. Todos ellos el 30 de octubre de 2019 celebra-
ron en la ciudad de Cartagena una multitudinaria manifestación con
más de 55.000 personas, solicitando medidas para salvar el mar Menor.
Esto último motivó que, como confiesa el legislador, se diera un salto
cualitativo para adoptar un nuevo modelo jurídico-político, en línea
con la vanguardia jurídica internacional y el movimiento global de re-
conocimiento de los derechos de la Naturaleza. La norma efectivamente
quiere potenciar la democracia directa, en línea con la Declaración de
Rio de Janeiro sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo, que ya avisaba
sobre el hecho de cómo los mecanismos democráticos, especialmente
de tipo directo, podían convertirse en un poderoso aliado para proteger
el medio ambiente de manera eficaz. Así, su principio número 10 esta-
16 Prólogo

blece que la mejor manera de gestionar los asuntos ambientales es con-


tar con la participación de todos los ciudadanos, lo cual encuentra su
razón de ser última en la necesidad de avanzar hacia la transformación
del modelo de desarrollo, basada en planteamientos democráticos que
postulan la participación activa, real y efectiva de la sociedad civil como
única vía para, en primer lugar, legitimar las decisiones que se hayan de
adoptar y, en segundo lugar, garantizar su acierto y eficacia en el terreno
práctico. De este modo, apoyándose en el marco de la Ley Orgánica
3/1984, de 26 de marzo, reguladora de la iniciativa legislativa popular,
confiesa la Ley de 2022 que su objetivo es otorgar personalidad jurídica
al ecosistema lagunar del Mar Menor, para poder dotarlo, como suje-
to de derecho, de una carta de derechos propios, con base en su valor
ecológico intrínseco y la solidaridad intergeneracional, garantizando así
su protección para las generaciones futuras. De este modo se apunta lo
siguiente en su exposición de motivos:
“que se reconozcan los derechos del ecosistema de la laguna del Mar Menor
y de su cuenca significa cumplir con nuestros compromisos internacionales
adquiridos, como el Acuerdo de París de 2015 sobre Cambio Climático,
y situarnos a la altura de las exigencias del nuevo periodo geológico en
el que ha entrado nuestro planeta, el Antropoceno. En el siglo XXI, los
graves daños ecológicos causados por el modelo de desarrollo humano nos
obligan a ampliar nuestra responsabilidad con el medio natural. Al mismo
tiempo, otorgar derechos a la entidad natural del mar Menor, fortalece y
amplía los derechos de las personas que viven en el área de la laguna, y que
resultan amenazados por la degradación ecológica: los llamados derechos
bioculturales. El gran desafío que tiene hoy el derecho ambiental es lograr
la protección efectiva de la Naturaleza y de las culturas y formas de vida
humanas que están estrechamente asociadas a ella, como sucede con los
municipios ribereños de la laguna del Mar Menor. En este sentido, se hace
necesario interpretar el derecho aplicable y los sujetos dignos de protección
jurídica de conformidad al profundo grado de degradación ecológica en
que se encuentra el mar Menor. El artículo 45 de nuestra Constitución
ha sido interpretado por el Tribunal Supremo en el sentido de que es la
Naturaleza como ecosistema la unidad que integra al ser humano como un
elemento más y, por tanto, la que permite el desarrollo de la persona. En
la sentencia del Tribunal Supremo, Sala 2.ª, de 30 de noviembre de 1990,
se puso de manifiesto la conexión entre el medio natural y los derechos
fundamentales a la vida y la salud de las personas, y se refiere expresamente
al ser humano como una parte integrante de la Naturaleza y no como un
ser destinado a dominarla para ponerla exclusivamente a su servicio: La «di-
ferenciación entre males que afectan a la salud de las personas y riesgos que
dañan otras especies animales o vegetales y el medio ambiente se debe, en
gran medida, a que el hombre no se siente parte de la Naturaleza sino como
una fuerza externa destinada a dominarla o conquistarla para ponerla a su
Fernando González Botija 17

servicio. Conviene recordar que la Naturaleza no admite un uso ilimitado


y que constituye un capital natural que debe ser protegido» (Sentencia de
la Sala 2.ª del Tribunal Supremo, de 30 de noviembre de 1990, número
3851/1990, Fundamento de Derecho 17.2). De acuerdo con la propuesta
de una interpretación ecocéntrica de nuestro ordenamiento jurídico, seña-
lada tanto por el Alto Tribunal como por algunos operadores jurídicos, se
debe ampliar la categoría de sujeto de derecho a las entidades naturales, con
base en las evidencias aportadas por las ciencias de la vida y del sistema tie-
rra. Estas ciencias permiten fundamentar una concepción del ser humano
como parte integral de la Naturaleza, y nos obliga a afrontar la degradación
ecológica que sufre el planeta tierra y la amenaza que eso conlleva para la
supervivencia de la especie humana”.

De este modo, la declaración de la personalidad jurídica del mar


Menor y su cuenca permitirá una gobernanza autónoma de la laguna
costera, entendida como un ecosistema merecedor de protección en sí
mismo, una novedad jurídica que potencia el tratamiento dado hasta
ahora: la laguna pasa de ser un mero objeto de protección, recuperación
y desarrollo, a ser un sujeto inseparablemente biológico, ambiental, cul-
tural y espiritual. Para ello se crea una estructura jurídica de protección
que dota de un protagonismo relevante a la sociedad civil que se ve
reforzado por un carácter de autoridad independiente desvinculada de
una Administración pública, por desgracia, tradicionalmente entregada
a unos ideales alejados de la defensa de la Naturaleza.
Es en este contexto internacional donde se enmarca la obra ob-
jeto de este prólogo. Desde luego no puede ser más acertado su conte-
nido. Se estructura en seis grandes bloques donde se abordan temáticas
de gran interés. Comienza el estudio con el examen de la educación
ecológica y la racionalidad ambiental, la economía circular y la perspec-
tiva del ecofeminismo y de la lucha contra el racismo desde la perspec-
tiva ambiental. Ciertamente, la necesidad de tener una visión del todo
y enseñarla es fundamental para entender lo que es la Naturaleza y su
Derecho. Aquella es un sistema y el ser humano ha usurpado el puesto
que legítimamente pertenece a la Naturaleza. Las consecuencias de ese
comportamiento son en verdad nefastas, porque siempre olvidamos la
existencia de ese sistema y la dependencia que tenemos de él. No me-
nos importante es concienciarse, como se explica en el segundo bloque
de la obra de la importancia que tiene para el desarrollo de una nueva
economía en donde se tengan en cuenta los derechos de la Naturaleza.
Si queremos gozar de una economía sana y verdaderamente productiva
y provechosa debemos ser respetuosos con los procesos naturales, que
18 Prólogo

son los que permiten gozar de una economía real frente a la falacia de la
economía financiera. La tercera parte aborda una temática igualmente
novedosa en el mundo ambiental como es la tocante al género y la raza.
Se trata de un capítulo muy recomendable por su originalidad y que
puede abrir en verdad muchos caminos de reflexión sobre esta materia.
Los capítulos cuarto y quinto tocan temas geográficamente sectoriales
mostrando una perspectiva más ligada al caso concreto. Así, el capítulo
cuarto se centra en el panorama de las políticas públicas en el municipio
de Santa Barbara frente a los derechos de la Naturaleza y el quinto el
caso de los derechos de la Naturaleza y sus defensores de los derechos
humanos amenazados por defender los pueblos y sus territorios en la
Amazonía. Finalmente, la obra se cierra con un capítulo dedicado a
la perspectiva de los saberes tradicionales, la salud y la sostenibilidad,
elementos todos ellos ligados a la calidad de vida ambiental que su pers-
pectiva como sujeto garantiza de la mejor manera posible.
En suma, se trata de un trabajo colectivo de investigación que,
una vez más, sirve de botón de muestra del alto nivel que alcanzan los
estudios de Derecho administrativo ambiental en Brasil, país puntero
en esta disciplina que nos vuelve a aportar un estudio de la máxima re-
levancia y actualidad. Por eso quiere llamar la atención de nuevo sobre
la importancia de trabajos de esta altísima calidad que nos permiten
concienciarnos sobre la suma violencia que se ejerce en ocasiones contra
la herencia medioambiental que nos dejaron las generaciones pasadas y
que nosotros tenemos el deber de legar a las generaciones futuras como
responsables ante Dios y ante la Historia.

Madrid, a 5 de febrero de 2024.

Fernando González Botija*

* Catedrático de Derecho Administrativo, Facultad de Derecho, Universidad Complutense de


Madrid.
DOI: https://doi.org/10.29327/5392371.1-3

INTRODUÇÃO
Mariza Rios

O conhecimento científico, nos últimos 20 anos, tem sido cor-


rentemente questionado sobre o colapso do planeta no que concerne à
crise socioambiental nos seus diversos aspectos, nomeadamente, o eco-
lógico, o social, o ambiental e o econômico em que a própria ciência já
reconhece que estamos a falar de uma crise sistêmica que atinge todos
os aspectos da vida.
Nesse contexto, surgem diversos estudos sobre negação de direi-
tos da humanidade, sobretudo das populações mais pobres e vulnerá-
veis. Na mesma medida, os direitos da natureza se incluem nesse pro-
cesso de negação por se entender que a natureza é objeto e, portanto,
sua proteção está sempre condicionada ao querer humano, à satisfação
das vontades econômicas e políticas em nome do crescimento, das de-
mandas e do consumo.
Contudo, em movimento contrário a essa crença formadora da
impossibilidade de ser a natureza sujeito de direitos, há um caminho
científico e sociopolítico que vem sendo construído no interior das
lutas sociais das comunidades tradicionais, dos movimentos ativistas
ambientais e das agendas de um significativo grupo de pesquisadores
acadêmicos em diversos campos das ciências sociais, jurídicas e econô-
micas, dentre outras.
No intuito de reforçar essa caminhada, em setembro de 2022
nasce o Grupo de Pesquisa Direitos da Natureza e Educação Ecoló-
gica no Programa de Pós-Graduação da Escola Superior Dom Helder
Câmara em Direito Ambiental e Sustentabilidade.
Na preparação desse nascimento, durante seis meses estivemos
orgulhosamente fazendo parte do Grupo de Pesquisa Direitos Huma-
nos, do pesquisador Professor Doutor João Batista Moreira Pinto que,
calorosamente, albergou o debate preliminar dos direitos da natureza
em sua agenda de pesquisa.
19
20 Introdução

Assim, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que nascemos


abraçadinhos ao incansável debate científico dos direitos humanos e,
porque não dizer, somos afiliados a este longo e proficiente lugar de
pesquisa.
Em comemoração ao seu primeiro ano de existência, o Grupo
de Pesquisa Direitos da Natureza e Educação Ecológica compartilha
neste livro uma síntese dos estudos realizados pelos seus três Gts que,
no exercício do protagonismo científico, à luz da inquietação principal
– Quais as condições lógico-jurídicas para o reconhecimento dos Direitos da
Natureza e suas respectivas aplicações? – suas pesquisas sobre as condições
para o reconhecimento e a visibilidade dos direitos da natureza no con-
texto das ciências sociojurídicas e suas implicações práticas na vida da
humanidade e da própria natureza.
Visando levar a cabo os estudos, o grupo priorizou, neste primeiro
ano de atuação, três premissas básicas. A primeira é de que a ciência mo-
derna carece de um novo olhar sobre o suporte teórico acerca da relação
humanidade e natureza que seja capaz de proteger nosso planeta, a Casa
Comum. A segunda é de que é possível pensar em uma nova economia
que possa fortalecer os direitos da natureza e da humanidade e, nesse sen-
tido, deram-se os primeiros passos nos estudos sobre o tema. A terceira
e última premissa é a de que somente as lutas concretas por reconheci-
mento de direitos são capazes de vencer a tarefa de repensar os rumos da
ciência moderna em direção ao reconhecimento de que condição para
sair da catástrofe ambiental está, em primeiro lugar, no reconhecimen-
to da necessidade de mudança de rumos e, em segundo lugar, assumir
que essa mudança está conectada ao fortalecimento da harmonia entre
Humanidade e Natureza que foi quebrada ao longo da história moder-
na, dominada por um único pensamento antropocêntrico, marcado pela
primazia do desenvolvimento econômico que se consolidou com esforço
a partir de catástrofes sem precedentes do sistema ecológico.
Com vistas à fundamentação dessas premissas, optou-se por vi-
sitar alguns teóricos que na opinião do Grupo, seriam capazes de res-
ponder às inquietações que todo o esforço científico, no campo do di-
reito ambiental desde 1972, não conseguiu responder, nomeadamente,
o da crise ambiental e da inefetividade sem precedente dos instrumen-
tos protetores de direitos de todas as formas de vida.
Vale lembrar que o ponto nevrálgico da pesquisa é a constata-
ção do fortalecimento da distância, construída pela modernidade, entre
Mariza Rios 21

natureza e humanidade fazendo-nos crer na aparente impossibilidade


de retomada dos laços de harmonia entre esses dois sujeitos de direitos:
humanidade e natureza. A crença da recuperação dessa harmonia inter-
dependente alimentou a pesquisa do Grupo nesse primeiro ano de vida.
Os principais autores pesquisados pelo grupo nessa primeira fase
da pesquisa foram Hans Jonas (2006), Moacir Gadotti (2000), Fran-
cisco Gutiérrez e Cruz Prado (2013); Alberto Acosta (2016), Leonardo
Boff (2016) e Enrique Leff (2010, 2014 e 2015). Para tanto, optou-se
pela estratégia metodológica, partindo do locus para a pesquisa biblio-
gráfica e documental, visando a construção de novos instrumentos que
pudessem materializar os diversos saberes, ou a reinvenção daqueles
existentes, que melhor se adaptem e se apliquem ao processo do desen-
volvimento do pensamento no âmbito ético-político e socioambiental,
bem como contribuam para um efetivo desenvolvimento sustentável.
Metodologicamente, o estudo foi divido em três aspectos: pa-
radigma ecológico; direitos da natureza, economia e políticas públicas.
O primeiro se ocupou de três premissas básicas: conhecer o cosmos
para se compreender sua atuação com a intenção de apresentar o novo
paradigma cosmológico em relação à dinâmica e evolução do universo;
ecopedagogia entendida como uma metodologia pedagógica no cami-
nho da construção de uma nova racionalidade, qual seja a racionalidade
ambiental como alternativa capaz de reconectar, de forma interdiscipli-
nar, a humanidade com a natureza e, assim, gerar novos caminhos de
proteção da natureza emergindo novas práticas educacionais por um
processo de ensino-aprendizagem integral, sistêmico considerando as
dimensões ecológicas, éticas e sociais no processo ensino-aprendizagem.
O segundo aspecto tratado pelo estudo foi a dimensão econô-
mica que, ainda de forma preliminar, conectou o debate na experiência
da economia circular como um bom exemplo para o aprofundamento
de uma nova economia sustentada na proteção da vida que requer a
integração dos direitos da natureza com os direitos humanos em que a
centralidade da intepretação é a perspectiva ecológica.
Na mesma direção, o terceiro ponto explorado pelo grupo, foi
a necessidade de se repensar a questão ambiental sob a perspectiva de-
colonial a partir do olhar de gênero e da raça. Nesse ponto tem-se,
historicamente, o desafio de compreender que a perspectiva racial e de
gênero estão inter-relacionadas com a crise ambiental em que quase a
totalidade dos resultados encontra-se nos espaços onde vive a população
22 Introdução

radicalizada e, portanto, a busca de soluções para a crise ambiental está


imbricada com a busca de soluções para as questões de gênero e de raça.
Dando vida a esse novo olhar/direção três desafios exemplificam a
importância do fortalecimento desse enfoque, cujo desafio primeiro está
no reconhecimento científico de ser a natureza portadora de direitos. Essa
constatação requer o fortalecimento do protagonismo em pelo menos
três dimensões: a da fundamentação científica, a da garantia legislativa e
fortalecimento das lutas por justiça ecológica que, a nosso ver, traz como
suporte fundamental a resistente experiência dos povos tradicionais.
Nessa paisagem desafiadora, uma leitura crítica buscou enten-
der, de acordo com o ordenamento jurídico, a Comunidade de Santa
Bárbara que possui dispositivos que protegem o rio Santa Bárbara da
atividade mineradora desenvolvida naquela região, tendo como chave
de leitura os seus significados para a própria comunidade e para a pre-
servação ambiental, cuja conclusão preliminar foi a de que a dificuldade
de realização da política pública ambiental devido à ausência de parti-
cipação das comunidades locais nos debates públicos em que se decide
a construção, a realização e o monitoramento da política pública am-
biental. Portanto, não há como chamar essa política de pública porque
não cumpre sua exigência primária que é a participação da sociedade.
Assumir esse desafio de construção e aplicação de uma nova ra-
cionalidade ecológica requer repensar os critérios e proteção do ativis-
mo social e, nesse sentido, apresenta-se a necessidade de um maior cui-
dado com a questão ambiental na Região Amazônica que, sem qualquer
dúvida, está entrelaçada com a grilagem de terras, especialmente através
da falsificação de documentos que buscam privatizar as terras públicas,
mas que, se enfrentada pelo protagonismo social, tem-se como resul-
tado a fragilidade do programa público de proteção dos defensores da
natureza.
Por fim, recorda o estudo a importância da políticas públicas
nacionais de proteção das plantas medicinais e fitoterápicas, cuja priori-
dade está na implementação de práticas alternativas aos medicamentos
alopáticos com vistas à difusão da universalização da saúde a partir do
reconhecimento do potencial da biodiversidade brasileira na reconstru-
ção e fortalecimento harmônico de humanidade e natureza, defendida
pelo grupo como condição para nossa conexão com o Universo, com
o planeta, a Casa Comum carinhosamente assim batizada pelo Papa
Francisco.
Mariza Rios 23

Para 2024 planejou o grupo a continuidade das pesquisas a par-


tir do olhar dos direitos da natureza e economia; dos direitos da natu-
reza e as políticas públicas; dos direitos da natureza no sistema jurídico
internacional; dos direitos da natureza no sistema jurídico nacional; e,
por fim, dos direitos da natureza e instituições públicas.
São temas significativos e que enriquecerão ainda mais os estu-
dos do Grupo Direitos da Natureza e Educação Ecológica.

Mariza Rios*

* Doutora em Direito pela Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Mestra em Direito


pela Universidade Nacional de Brasília. Professora de Direitos Humanos e Políticas Públicas na
Escola Superior Dom Helder Câmara. Professora do Mestrado e Doutorado (PPGD) em Direito
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder Câmara. Pesquisadora
no campo dos Direitos Humanos Fundamentais e da Jurisdição e Adoção de Políticas Públicas de
Desenvolvimento Socioeconômico Sustentável. Líder do GP PPGD “Direitos da Natureza e Edu-
cação Ecológica”. Associada ao grupo “Global Law comparative group: Economics, Biocentrism
innovation and Governance in the Anthropocene World”. Advogada. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/3913038205048493. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4586-9810. E-mail: riosmariza@
yahoo.com.br. Instagram: @mariza.rios.7.
DOI: https://doi.org/10.29327/5392371.1-4

CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO ECOZÓICA E


RACIONALIDADE AMBIENTAL: DA COSMOLOGIA
AO PARADIGMA ECOLÓGICO, UMA JORNADA
ECOPEDAGÓGICA NECESSÁRIA

Adelaide Pereira Reis1


Clarissa Carneiro Desmots2
Edmilson de Jesus Ferreira3
Juliana de Andrade4
Marcos Alberto Ferreira5
Paulo Vitor Mendes de Oliveira6

1. Considerações iniciais
Partindo da constatação de nossa “insignificância” diante do
processo evolutivo do Universo e da vastidão cósmica, convidamos o
leitor à compreensão acerca da relação do ser humano com o Universo
e como essa relação é essencial para o futuro da própria espécie humana.
O problema aqui enfrentado se traduz no questionamento a respeito
do nosso lugar no universo e à necessidade de reavaliar a nossa relação
com a natureza, reconhecendo a interdependência, a interconexão entre
todos os seres, bem como a necessidade urgente de uma mudança de
paradigma da visão antropocêntrica para ecocêntrica. A questão-pro-
blema foi formulada da seguinte forma: como desenvolver processos de

1 Lattes: http://lattes.cnpq.br/5887507566505469. E-mail: [email protected].


2 Lattes: http://lattes.cnpq.br/8330404521870571. E-mail: [email protected].
3 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6303-297X. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7073263103868600.
4 Lattes: http://lattes.cnpq.br/6984448323038877.
5 Lattes: http://lattes.cnpq.br/2511986997422030.
6 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0818-5658. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7439153080255727.
E-mail: [email protected].
25
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
26 jornada ecopedagógica necessária

educação capazes de levar a pessoa ao conhecimento da natureza (cos-


mos) e a compreender-se como natureza (cosmos)?
Diante disso, este capítulo se estrutura a partir dos seguintes pon-
tos: 1) conhecer o cosmos para compreender-se como cosmos: busca apresen-
tar o novo paradigma cosmológico em relação à dinâmica e evolução do
universo. Esse entendimento nos provoca a nos compreendermos como
parte da rede interdependente do cosmos; 2) Ecopedagogia: aponta uma
proposta pedagógica, alinhada com o novo paradigma científico, capaz de
promover um processo de ensino-aprendizagem que gere mudanças pro-
fundas em nossa percepção do papel que deve desempenhar o ser humano
no conjunto harmonioso do cosmos; e 3) racionalidade ambiental: consti-
tui a construção de conhecimentos, de forma integrada e interdisciplinar,
para garantir o restabelecimento do equilíbrio entre as atividades humanas
e os ciclos e capacidade de resposta da natureza.
A metodologia empregada foi a pesquisa qualitativa e explicativa.
Utilizou-se o método hipotético-dedutivo com base no levantamento
bibliográfico e doutrinário. As bases teóricas do texto são de Hans Jonas,
Francisco Gutiérrez e Enrique Leff, entre outros.

2. Conhecer o cosmos para compreender-se como cosmos:


vislumbres de uma cosmologia da solidariedade cósmica
“O silêncio eterno dos espaços infinitos me apavora” (PASCAL,
1967, p. 61). Essa foi uma emblemática constatação de Blaise Pascal em
seus Pensamentos, enquanto buscava compreender o universo, bem como
o lugar e o papel do ser humano nele, partindo da seguinte indagação:
“[...] finalmente, que é o homem na Natureza?”. A resposta, para sua épo-
ca, não poderia ter sido mais realista: “Um nada em relação ao infinito,
um tudo relativamente ao nada, um ponto intermediário entre nada e
tudo. Infinitamente longe de compreender os extremos, o fim das coisas e
seu princípio são-lhe invencivelmente ocultos num segredo impenetrável”
(PASCAL, 1967, p. 56). Nessa passagem, Pascal dá-se conta da pequenez
do ser humano no contexto cosmológico e, tendo em vista essa finitude,
questiona, portanto, a capacidade humana de conhecer o infinito.
Após quatrocentos anos, essas constatações ainda ressoam em nos-
sa consciência, apesar de termos evoluído bastante em alguns aspectos, no
que se refere ao conhecimento acerca do Universo. Nos últimos cem anos,
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
27
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

a partir dos avanços da Física, da Astronomia, e das Ciências Naturais, a


cosmologia tem-se afirmado como um importante espaço de compreen-
são da evolução do universo e percorrido um caminho dialético bastante
significativo. Esse percurso é marcado pela proposição de novos mode-
los de universo, o que é de suma importância para a evolução da forma
como podemos compreender a existência, o desenvolvimento e o futuro
do mundo. Alguns modelos e, com eles, algumas visões de mundo, vão
sendo superados. Atualmente, há consenso em torno da compreensão de
que o Universo é dinâmico, em processo constante de expansão e infi-
nito. No início deste século, conforme Novello (2010), tem-se firmado
também a hipótese de que ele seja eterno e que o big bang tenha sido um
dos momentos no processo evolutivo marcado pelo movimento cíclico da
matéria no espaço-tempo, o que reforça a noção de sua infinitude.
Apesar disso, infelizmente, parece que ainda não se avançou
muito na compreensão do lugar do ser humano no cosmos ou, pelo
menos, do lugar em que deveria se colocar. Nesse sentido, deveríamos
nos empenhar ao máximo para encontrar respostas para outras signifi-
cativas perguntas apresentadas também por Pascal (1967, p. 61): “Por
que é limitado meu conhecimento? Meu porte? Minha duração tem
cem anos ao invés de mil? Que razão teve a Natureza para dar-me tal
tamanho, e escolher este número e não outro, pois que na sua infini-
dade não há motivo para escolher e um não tenta mais que outro?”.
Diante dessas indagações, ressoa inevitável pensar que a natureza, em
sua sabedoria cósmica, estabeleceu, para sua autoproteção, o princípio
da autopreservação, como se já pudesse antever o que representaria o
desenvolvimento da espécie humana para todo o cosmos. Por isso, urge
pensar de forma contundente o sentido da existência humana no con-
texto cósmico. Mas para isso, é necessário, primeiro, sermos capazes
de afirmar o lugar da natureza para o ser humano, na perspectiva de se
superar a equivocada ideia de que ela existe em função dele.
Nesse sentido, é premente um mínimo de conhecimento cos-
mológico7. Esse conhecimento seria, talvez, o único capaz de nos levar

7 A cosmologia é uma área da astronomia dedicada ao estudo da origem, estrutura, organização e evo-
lução do universo em seu todo. Está intimamente ligada à Física (do grego antigo: φύσις (physis)
“natureza”), ciência que investiga as leis do universo, a natureza e seus fenômenos em seus aspectos ge-
rais, com base no estudo da matéria e da energia em suas interações (relações e propriedades), as quais
possibilitam a existência do universo em sua forma dinâmica de ser. Assim, a Física busca a compreen-
são científica dos comportamentos naturais e gerais do mundo em nosso entorno, desde as partículas
elementares (microcosmo) até o universo como um todo (macrocosmo). Cf. ABBAGNANO, Nicola.
Dicionário de Filosofia. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
28 jornada ecopedagógica necessária

à compreensão de uma relação de integração com o universo. A cultu-


ra atual, resultado direto da racionalidade moderna técnico-científica
instrumental, marcada pela liquidez (BAUMAN, 2009), faz com que
vivamos desconectados de tudo, de todos e, sobretudo, do todo, apesar
do paradoxo expresso pela falsa ideia de que estamos conectados (tecno-
logicamente) o tempo todo a tudo. Assim, conhecer o mundo pode nos
dar a dimensão de quem somos e, enquanto nos conhecemos, tomamos
consciência de que somos, ao mesmo tempo, esse mundo. Em relação
à natureza, contrariamente ao que se tem aprendido e à forma desinte-
grada e desvinculada com que nos relacionamos com ela, urge perceber
que não há separação entre nós e o mundo. Precisamos superar a ideia
de que somos meramente habitantes do mundo. Somos um mundo
habitado por infinitos mundos num mundo infinito e eterno8. Somente
a consciência dessa nossa universalidade pode ser capaz de nos dar uma
verdadeira noção de pertencimento ao todo.
Nessa linha de raciocínio, Brian Swimme (1999, p. 33) nos aler-
ta para a importante tarefa de inventar novas maneiras de introduzir as
pessoas no conhecimento e compreensão do Universo, ou seja, apre-
sentar a cosmologia e possibilitar que as pessoas façam uma experiência
concreta do mundo, proporcionar um “processo transformador onde
se possa aprender a ver e sentir o mundo de uma maneira congruente”
(SWIMME, 1999, p. 38). O desafio, segundo ele, é colocar essa trans-
formação da subjetividade como uma meta do milênio. Para isso, pon-
tua Swimme (1999, p. 40), precisamos “de uma nova mente e de uma
nova História que nos capacitarão a habitar esse quantum do cosmos
evolutivo”. Segundo Swimme (1999, p. 47), a cosmologia tem como
objetivo primordial “integrar o ser humano na dinâmica divinamente
inspiradora de nosso sistema solar”. Por isso, devíamos tê-la em conta
de um rito de iniciação das pessoas ao Universo, criar uma dinâmica de
relacionamento com o universo, resgatando a capacidade de nos mara-
vilharmos com ele. Sem isso, a fenda que atualmente separa ser humano
e natureza tende a ampliar-se como um abismo intransponível. Isso
exige coragem, imaginação e energia, porque se trata de uma grande
transformação por meio da experiência do universo em nós, como for-
ma necessária de expansão de nossa consciência.
Essa perspectiva explicita a noção de pertencimento, a qual me-
rece ser elevada à categoria de princípio ecológico, tendo em vista que

8 Cf. NOVELLO, Mario. Do big bang ao universo eterno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010, p. 68-93.
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
29
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

sem ele, certamente, jamais seremos capazes de reconhecer a natureza


como origem de tudo, como mãe geradora de vida, de todas as formas
de vida e de seres, o que culturas originárias chamam de Pachamama9.
A falta do senso de pertencimento é a razão da ruptura da relação entre
ser humano e Natureza, o que faz com que ela seja vista apenas como
um meio para satisfação das necessidades e utilidades humanas como
delineado pelo projeto técnico-científico e cultural bacon-cartesiano10.
Especialmente a partir dessa matriz moderna de pensamento, em fun-
ção de um dualismo tirânico, a Natureza passou a ser vista predomi-
nantemente como destituída de valoração intrínseca, sendo, portanto,
numa perspectiva monista materialista-mecanicista, esvaziada de senti-
do próprio por meio de uma ontologia da morte como constata Hans
Jonas (2004).
Esse dualismo, conforme Jonas (2004, p. 22) “[...] trabalhou
para retirar da esfera física os conteúdos espirituais, e por fim, depois de
sua época haver passado, deixou para trás de si um mundo privado de
todos estes atributos”. Nessa passagem, Jonas evidencia que esse modo
de pensamento reduziu a Natureza a matéria inerte, morta, sem “inte-
resse”, ou seja, sem atividade espiritual11, e, assim, sem valor intrínseco,
sendo considerada apenas como meio e não possuidora de um fim em si
mesma. Portanto, numa tal visão, a Natureza é desprovida de sentido, o
que implica que não precisa ser respeitada. Isso é agravado pela falta de
vínculo do ser humano para com a Natureza.
A ausência dessa relação de pertencimento conduz a uma forma
de pensar e agir altamente predatória, o que recebe reforço do modelo
cultural e econômico que se constituiu e se impôs a partir da moder-
nidade, sobretudo, da Revolução Industrial e do desenvolvimento do
modelo de produção capitalista que predomina sobremaneira nos dias
atuais sobrelevado pelo desenvolvimento técnico-científico e tecnológi-
co. Essa visão conduziu ao desencantamento do ser humano em relação
ao cosmos. Nesse contexto, a natureza é interpretada como totalmente
9 Aqui, nessa mesma linha semântica tratada na nota 7, é possível resgatar o sentido etimológico da pala-
vra Natureza do grego original. Veja-se: φυσιζοος (ον) (Physizoon): que dá a vida; nutritivo; fecundo.
E ainda: φυσικως (Physicós) (adv.): de maneira natural; por natureza; naturalmente; em conformida-
de com as leis da natureza. Cf. MALHADAS, Daisi; DEZOTTI, Maria Celeste Consolin; NEVES,
Maria Helena de Moura (Org.). Dicionário grego-português. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2010.
10 Neologismo criado a partir dos dois maiores representantes das origens do pensamento filosófico-cien-
tífico moderno: Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650).
11 A noção de espírito aqui não se refere ao aspecto divino, de ordem sobrenatural, mas com uma
atividade, uma dinâmica interna, ou seja, um movimento inerente à própria matéria, uma forma de
interioridade, uma espécie de inteligibilidade intrínseca.
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
30 jornada ecopedagógica necessária

desprovida de interesse, propósito e vontade, sendo considerada apenas


como objeto de vontade de poder do ser humano. Considerada sem
“valor”, sem sentido de dignidade, fica, portanto, à mercê da exploração
ilimitada da ciência e dos modelos econômico e político.
A ciência e a tecnologia, quase que inexoravelmente, estão a ser-
viço do capital e do sistema de produção, cuja força propulsora se dá
pela indústria cultural. Assim, a natureza é vista quase que exclusiva-
mente como fonte de recursos para alimentar o modelo de produção
e consumo, não havendo preocupação relevante com as consequências
nefastas do sistema de exploração degradante que se impõe sobre ela.
Nesse contexto, é possível se deparar com posturas reducionistas para
as quais a natureza foi, é e sempre será apenas meio para responder às
demandas da humanidade. Esse tipo de visão de mundo é a causa proe-
minente da crise socioambiental que aflige o planeta e todas as formas
de seres nele existentes, incluindo a própria vida humana.
Não há dúvida que o desenvolvimento de processos educativos a
partir da cosmologia seria capaz de possibilitar uma revolução ecológica
de fato, no sentido mais genuíno do termo, qual seja, o desenvolvimento
de uma nova racionalidade de ordem ambiental. Somente uma racionali-
dade ambiental será efetivamente capaz de exercer força suficientemente
propulsora para novas formas de pensar e agir em relação à natureza e ao
mundo a que pertencemos, no qual somos, existimos e nos movemos,
juntamente com todos os demais seres. Aqui, nos parece, já não cabe mais
uma visão hierárquica e dicotômica entre ser, vida, sujeito e mundo.
É por si evidente que o atributo da racionalidade dá à espécie
humana a possibilidade de criar um conceito de mundo à moda hu-
mana, o que não implica necessariamente que este conceito seja su-
perior, melhor ou com mais sentido que o mundo de uma pedra e
de um animal. É preciso ampliar a forma de compreender a realidade
do mundo para além da perspectiva exclusivamente humana. Afinal,
como nos alerta Brian Swimme (1999, p. 18): “[...] verdades profundas
nos desafiam profundamente. Entendê-las exige uma mudança em nós
mesmos junto com um salto criativo da imaginação”. É certamente este
salto que carecemos em nossos processos de compreensão do mundo.
Nesse sentido, Swimme (1999, p. 78-79) propõe uma educação “eco-
zóica”, ou seja, “uma forma de educação que iniciaria nossas crianças
nos modos do universo [...] parte do processo de capacitação que per-
mitirá a eles, lenta e subconscientemente, pensar sobre si mesmos não
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
31
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

apenas como entidades políticas ou econômicas. Eles aprenderão que


são, primordialmente, eventos cosmológicos”. Uma experiência assim,
certamente, possui potencial suficiente para contribuir com o resgate da
noção de pertencimento do ser humano ao todo do Universo.
Numa tentativa de elucidar essa necessidade de superação da
preponderante visão antropocêntrica do sentido das coisas, podemos
destacar o pensamento de Hans Jonas (2004) quando afirma que a li-
berdade, por exemplo, não seria propriamente uma construção do pen-
samento humano, mas, na perspectiva de um monismo integral, uma
expressão própria da unidade psicofísica12 de matéria e espírito, origi-
nalmente manifestada como metabolismo, uma dimensão espiritual e,
inclusive, volitiva, inerente, imanente à matéria, o que lhe dá movimen-
to e dinamicidade. Assim explicita Jonas (2004, p. 13):
Espera-se que este conceito seja encontrado no terreno do espírito e da
vontade, mas não antes; e se em algum lugar ele for encontrado, o há de
ser na dimensão do agir e não na dimensão do receber. Porém, se desde o
início o ‘espírito’ estiver prefigurado no orgânico, também a liberdade há de
estar. E o que nós afirmamos é que o metabolismo, a camada básica de toda
existência orgânica, permite que a liberdade seja reconhecida – ou que ele é
efetivamente a primeira forma da liberdade.

Pode-se perceber, portanto, na perspectiva de Jonas, que a ativi-


dade espiritual, inerente à matéria, se manifesta como uma das caracte-
rísticas mais importantes dos seres, possibilitando, inclusive, o processo
evolutivo e o salto da matéria em forma de vida. Continua Jonas (2004,
p. 13): “quando entendido neste sentido fundamental, o conceito da
liberdade pode efetivamente servir-nos de fio de Ariadne13 para a inter-
pretação do que nós chamamos de ‘vida’”. Segundo o autor, temos no
conceito de liberdade um conceito-guia para a nossa tarefa de interpre-
tar a vida:
12 Cf. JONAS, Hans. O princípio vida: fundamentos para uma biologia filosófica. 2. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2004, páginas 7, 26, 28 e 32. Ainda nesse sentido, conferir JONAS, Hans. Matéria,
Espírito e Criação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p. 21: “Não obstante há que se buscar uma solução
monista para esse enigma (monismo materialista), já que a voz da subjetividade nos animais e nos
seres humanos emergiu dos mudos torvelinhos da matéria e a ela continua a se ligar. É a própria
substância do mundo que, ao tornar-se interior, ganha, com isso expressão. Sua mais impressionante
façanha não pode ser-lhe negada na descrição de seu ser”. Aqui fica bastante clara a noção que pode
ser denotada desse pensamento de Jonas como unidade psicofísica.
13 Ariadne foi uma personagem da mitologia grega, filha de Minos, rei de Creta, que, apaixonada por
Teseu, presenteou-lhe com um novelo de linha para ajudá-lo a livrar-se do labirinto do Minotauro,
construído por Dédalo. Figurativamente, o fio de Ariadne é entendido como método lógico para
resolução de problemas, cuja estratégia é retornar aos pontos problemáticos e rever a forma de reso-
lução utilizada a fim de eliminar controvérsias que ainda persistem.
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
32 jornada ecopedagógica necessária

[...] é um traço ontológico fundamental da vida em si; e também, como se


comprova, o princípio contínuo – ou pelo menos o resultado constante – do seu
avanço para graus mais elevados, onde a cada passo liberdade se constrói sobre
liberdade, liberdade superior sobre liberdade inferior, liberdade mais rica sobre
liberdade mais simples: em termos do conceito de liberdade o todo da evolução
pode ser interpretado de uma maneira convincente [...] e a tarefa da biologia
filosófica seria acompanhar o desenvolvimento deste germe de liberdade nos
graus ascendentes do desenvolvimento orgânico. (JONAS, 2004, p. 106)

Podemos vislumbrar aqui, portanto, uma noção de liberdade que


não é uma construção puramente humana, mas pode ser compreendida por
meio da investigação filosófico-científica e estudo da biologia, por exemplo,
como uma constatação e apropriação humanas. Nessa perspectiva, o senti-
do das coisas existe independentemente da concepção do ser humano. Na
verdade, é-lhe anterior, tendo em vista que cada coisa, cada ser possui seu
próprio fim e, dessa forma, seu próprio sentido de ser que independe da
vontade ou mesmo do reconhecimento do ser humano.
É, de fato, muita prepotência antropocêntrica pensar que tudo
depende da autentificação semântica humana para ter seu sentido, fim
e valor próprios validados. Quem deu um tal poder a uma das últimas
criações do universo, considerando, no “calendário cósmico”14, que o ser
humano surgiu na última hora e meia, do último dia, do último mês,
do último ano da existência do universo? O que lhe confere tamanha
presunção? O ser humano, com sua prepotência, sobretudo na sua forma
de poder tecnológico, tem-se tornado a pior das ameaças, como constata
Hans Jonas (2006, p. 230-231).
Ainda nessa perspectiva, é contundente a afirmação de Jonas
(2010, p. 65):

O que vemos abarca o testemunho da vida e do espírito – testemunhas contra


a doutrina de uma natureza alheia a valores e fins. O que ouvimos é o chama-
do do bem que se testemunhou, seu intrínseco apelo à existência. Nosso poder
ver e ouvir nos torna destinatários de seu mandamento de respeito e, assim,
sujeitos a um dever para com ele.

Aqui, Jonas, além de afirmar uma superação dessa ideologia do es-


vaziamento valorativo da natureza, explicita a responsabilidade e o dever
de respeito do ser humano diante da natureza, da vida como tal, tendo em
vista que valores e fins são essencialmente fatos da existência pura e simples
dos seres.
14 Conceito desenvolvido e proposto por Carl Sagan em Os Dragões do Éden, p. 19-24.
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
33
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

Mario Novello (2023, p. 165) destaca que a cosmologia con-


temporânea explicita que o Universo está em transformação permanen-
te “não somente em suas configurações observáveis, mas também em
suas próprias leis”, dentre as quais, “talvez a mais fundamental seja a so-
lidariedade entre as partes”. Aqui se apresenta a noção intrigante de so-
lidariedade cósmica, segundo Novello (2023, p. 166), “como extensão
de coerência, compatibilidade entre suas partes e [...] uma necessidade
imprescindível do universo”, uma bem-sucedida união entre “o micro e
o macrocosmo, entre a Física das partículas elementares e o estudo das
propriedades do universo, entre o local e o global, finalmente unifica-
dos”, ou seja, conforme Novello (2023, p. 162), a solidariedade cósmica
é o que permite a emergência e a permanência do universo na sua forma
dinâmica de se constituir no espaço-tempo, “a partir da instabilidade
do vazio”, por meio de uma “geometria controlada por uma dinâmica
associada à gravitação, a fonte primordial, descrita pela Teoria da Rela-
tividade Geral”. Assim, conclui o autor:
Quando isso não acontece, quando a solidariedade não se instala, o Uni-
verso mergulha no não ser, no vazio. E um novo ciclo ocorre a partir desse
vazio, e assim repetidamente, até que, aleatoriamente, a solidariedade possa
controlar as instabilidades tanto localmente quanto globalmente. E assim
forma um Cosmos solidário. (NOVELLO, 2023, p. 162)

Resta claro que precisamos aprender do Universo esse princípio


fundamental, a solidariedade cósmica, que nos possibilitará compreen-
der que no cosmos tudo está, de alguma forma, interligado. Tudo de-
pende de tudo. Há uma relação de codependência como já nos indica a
teoria e a física quânticas.
Podemos concluir, portanto, que a investigação interdisciplinar é
uma ferramenta importante nos processos educativos. É necessário criar
contextos de desenvolvimento de conhecimentos de ordem cosmológica
que nos possibilitem uma compreensão geral do universo, sua origem
e seu funcionamento; de ordem biológica capaz de nos dar uma visão
adequada acerca do desenvolvimento do processo evolutivo a partir da
matéria que, mobilizada pelo metabolismo, conduz ao salto da vida como
organismo vivo com todos os atributos que lhe são inerentes, o que Jonas
(2004, p. 106) chama de “grandiosa escapada da vida”15; requer também
o desenvolvimento de conhecimentos de ordem filosófica capazes de nos
15 Cf. nota 14 contida na página 106 da obra O Princípio Vida: fundamentos para uma biologia
filosófica.
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
34 jornada ecopedagógica necessária

ajudar a desenvolver uma perspectiva crítico-reflexiva com potencialidade


para questionar visões de mundo cristalizadas, hegemônicas, excludentes
de outras formas de compreensão do mundo e de saberes populares que
carregam em seu bojo maneiras de ver, agir e se relacionar com a natureza,
com o mundo, muito mais saudáveis, cuja tônica é a relação harmoniosa,
integradora, respeitosa e promotora de mais vida.
Nesse sentido, diante da pergunta fundamental sobre como de-
senvolver processos de educação capazes de levar a pessoa ao conhecimen-
to da natureza (cosmos) e a compreender-se como natureza (cosmos), ou
seja, como educar para isso, podemos vislumbrar o seguinte: apropriação
de uma racionalidade ambiental, propondo-a como fundamento racional
para o desenvolvimento de um saber de ordem ambiental, com potencial
para integrar saberes diversos, superar preconceitos culturais, epistemoló-
gicos e sociais; utilização de uma ecopedagogia como metodologia mais
adequada capaz de articular conhecimentos ecológicos teóricos e práticos,
criando condições para os indivíduos efetivamente vivenciarem experiên-
cias diretas com a natureza, com o cosmos, possibilitando o resgate de
uma relação de integração e pertencimento ao universo, ou seja, propor-
cionando experiências cosmológicas como, por exemplo, observação do
universo, do céu, das estrelas, da luz, dos astros de modo geral, das espé-
cies de vida (fauna e flora), procurando fazer com que as pessoas sintam
e compreendam que a sua história está diretamente ligada à história do
universo; proporcionar uma educação “ecozóica” como uma iniciação à
história do universo e à vida no universo capaz de proporcionar a cada
um a consciência de ser um evento cosmológico; exercício da responsa-
bilidade em relação a espaços ecológicos concretos, ações de proteção,
recuperação, restauração, reflorestamento etc. Enfim, só ama quem co-
nhece; só conhece quem experimenta; quem experimenta aprende a amar
e quem ama, cuida, porque se sente parte do que conhece e ama.

3. Ecopedagogia: ensinando a aprender o cosmos


A sociedade contemporânea enfrenta uma crise ambiental sem
precedentes, resultante da exploração desenfreada dos recursos naturais
e da degradação do meio ambiente. Impõe-se, diante desse cenário críti-
co, a construção de uma nova racionalidade que considere o mundo na
sua integralidade, a partir das suas relações e interações, e não de forma
fragmentada.
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
35
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

O racionalismo moderno, em nome do progresso, promoveu


o desequilíbrio dos ecossistemas e a ampliação das desigualdades so-
ciais. Contudo, a emergência do novo paradigma cosmológico, como
consequência da Teoria da Relatividade Geral e da Mecânica Quânti-
ca, nos fornece o alicerce para o desenvolvimento de “novas formas de
compreensão, interpretação e expressão do universo” (GUTIÉRREZ;
PRADO, 2013, p. 31) que transcendam a lógica racionalista vigente.
Essas novas formas de significar o universo põem em xeque a concep-
ção linear do mundo, derivada da ciência mecânica. A física contem-
porânea propõe o cosmos como uma rede de relações intrinsecamente
dinâmicas. Dessa forma, a humanidade, como parte do cosmos, deve
se entender como integrante dessa rede que conecta todos os seres do
universo. Para tanto, faz-se necessária uma revalorização da consciência
das relações entre o ser humano e a natureza (SWIMME, 1999).
A visão antropocêntrica desconsidera os vínculos entre o ambien-
te e o ser humano, vendo-o como fonte de todo valor, alienado da natu-
reza. A ecologia profunda (NAESS, 1995), ao contrário, não separa o ser
humano do seu meio, constituindo uma rede interdependente em que
o sucesso do sistema como um todo depende do sucesso de cada parte.
A reconciliação entre os seres humanos e entre os seres humanos
com a natureza está vinculada a atitudes concretas que busquem solu-
ções que estão ao nosso alcance e envolvem a vida cotidiana. Portanto,
para criação e promoção dessa nova racionalidade, é indispensável re-
pensar os atuais modelos educacionais, buscando uma abordagem que
incorpore o novo paradigma científico e a ecologia profunda. Assim, a
Ecopedagogia apresenta-se como resposta a esse imperativo ao promo-
ver uma pedagogia que extrapola o modelo cartesiano e abraça uma vi-
são holística e sustentável do mundo (GUTIÉRREZ; PRADO, 2013).
Ressalta-se que o paradigma cartesiano, nascido no século XVII
com o filósofo René Descartes, enraizou-se profundamente na educa-
ção ocidental. Esse modelo fragmenta o conhecimento em disciplinas
isoladas, desconectadas da realidade e da interconexão entre os elemen-
tos do mundo e do cosmos. Dessa maneira, o ensino tradicional tende a
criar indivíduos que enxergam a natureza de maneira utilitarista, como
recurso a ser explorado, desconsiderando as complexas relações e inter-
dependências (DUARTE; PEREIRA, 2023).
A Ecopedagogia, portanto, pretende superar esse modelo, colo-
cando a relação harmoniosa entre seres humanos e natureza no centro
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
36 jornada ecopedagógica necessária

da prática educacional. Ela promove um processo de ensino-aprendiza-


gem que considera as dimensões ecológicas, éticas, sociais e espirituais,
conectando os estudantes com a realidade ecológica e cultural do plane-
ta, a partir da vida cotidiana.
O conceito de Ecopedagogia foi formulado inicialmente por
Francisco Gutiérrez no início da década de 1990, no contexto da Confe-
rência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
(ECO-92), realizada no Rio de Janeiro. Sua sistematização deu-se pe-
las obras de Francisco Gutiérrez e Cruz Prado (2013), Moacir Gadotti
(2000) e Leonardo Boff (1999; 2004)16, que se tornaram referências para
o estudo da Ecopedagogia na América Latina e no mundo.
A Ecopedagogia, quando do seu surgimento, na visão de
Dickmann (2022), era uma crítica ao pensamento moderno hegemôni-
co, que vinha na esteira da Educação Popular e de identidade latino-a-
mericana, que dialogava com autores de diversos lugares do mundo, da
Física, da Química, da complexidade, do marxismo, da Teoria Crítica
da Educação, com caminhos bem definidos.
Com o movimento da História foi possível avançar para outras
ecopedagogias, no plural, e suas transformações são perceptíveis a níveis
internacional e nacional, ao construir novas abordagens da Ecopedago-
gia. Verifica-se a existência de uma nova abordagem a partir do conceito
de desenvolvimento, por meio das produções dos norte-americanos Ri-
chard Kahn (2010)17 e Greg William Misiaszek (2020)18 e do australia-
no Phillip Payne (2017)19.
O segundo movimento da Ecopedagogia, do ponto de vista de
Dickmann (2022), estaria ligado a temas do cotidiano contemporâneo
que merecem nossa atenção pautados em três pilares: o primeiro é a luta
contra o patriarcado, criado para justificar socialmente uma suprema-
cia, que legitima a superioridade de uns em detrimento de outros, gera-
dor de todas as formas de violência que legitima inclusive a usurpação
dos bens naturais e a destruição da natureza.

16 BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999;
BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
17 KAHN, Richard. Critical pedagogy, ecoliteracy and planetary crisis: the ecopedagogy movement. New
York: Peter Lang, 2010.
18 MISIASZEK, Greg William. Ecopedagogy: critical environmental teaching for planetary justice and
global sustainable development. New York: Bloomsbury, 2020.
19 PAYNE, Phillip. Ecopedagogy and radical pedagogy: post-critical transgressions in environmental
and geography education. The Journal of Environmental Education, 2017.
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
37
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

O segundo pilar é a superação do modo de pensar moderno,


cartesiano, em que há a predominância de uma racionalidade que di-
vide os campos do conhecimento no sentido de compreender e anali-
sar o mundo, sendo preciso estabelecer outras dimensões humanas na
construção de saídas para a produção de conhecimento como a emoção,
intuição e a alegria.
O terceiro pilar é a luta contra a hegemonia capitalista geradora
da pobreza humana e acumulação desmedida de riquezas, considerada
como um dos maiores desastres socioambientais, ao incentivar o fetiche
da mercadoria como propulsor do consumo, pois além de gerar produ-
ção em massa gera também poluição em massa ao fazer o uso desorde-
nado dos recursos naturais, causando a destruição do planeta.
Esse processo de reinvenção da Ecopedagogia, segundo o autor,
precisa redimensionar a semântica da cidadania planetária com foco no
cuidado com todas as formas de vida e vivência, para orientar o cuidado
como categoria fundamental e orientadora da práxis dos educadores,
como ser natural e sujeito social.
Isso demonstra que a Ecopedagogia é um conceito em cons-
tante construção. E mais do que um conceito ou Teoria da Educação,
ela deve ser pensada como um movimento socioambiental. Esse mo-
vimento político e educativo tem como projeto transformar as atuais
relações humanas, sociais e ambientais, pois a eclosão de sociedades
sustentáveis depende da formação de uma consciência ecológica (GA-
DOTTI, 2000). Logo, é uma pedagogia orientada para a aprendizagem
do sentido das coisas a partir do cotidiano, ou seja, mudanças globais
não acontecerão sem atitudes locais. Inspirada nas lições de Paulo Freire
(1979), essa pedagogia encara a Educação enquanto práxis política, no
sentido de que a teoria deve abastecer uma prática social efetiva.
Os questionamentos que surgem são: como alcançar essa cons-
cientização ecológica? Como superar o paradigma que guiou nosso pen-
sar e agir até agora? Gutiérrez e Prado (2013) sustentam que a auto-orga-
nização dos grupos e a criação de espaços de livre expressão proporcionam
um dinâmico confronto de ideias e experiências que geram, por meio de
um processo dialético de reflexão e expressão, a possibilidade de consen-
sos e dissensos, sendo assim uma importante ferramenta para formação
do senso crítico tanto na sala de aula quanto nas comunidades.
Para Gadotti (2000), a ecoeducação visa uma educação susten-
tável, preocupada com relações saudáveis e sustentáveis com o ambiente
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
38 jornada ecopedagógica necessária

e vai além, no sentido mais profundo do que nós fazemos com a nossa
existência e qual lugar nos corresponde dentro do conjunto harmonioso
do cosmos.
Gutiérrez e Prado (2013) afirmam que educamos na medida em
que abrimos espaços de confiança como a atitude básica de relação, de
aceitação mútua, de harmonia comigo mesmo, de autorrealização pela
própria aceitação e pela aceitação do outro, de construção criativa pela
ruptura de aparências, pelo preenchimento dos vazios existenciais que
permita encontrar sentido a cada instante da nossa existência.
Sublinha-se que o outro não se refere apenas ao humano, mas
à natureza como um todo. A ideia da natureza como “outro” é um
conceito crucial na visão contemporânea que pretende redefinir nos-
sa relação com o ambiente natural. Tradicionalmente, a natureza tem
sido tratada como recurso, meio, ou objeto passivo a ser explorado e
utilizado para satisfazer as necessidades humanas. No entanto, deve-se
reconhecê-la como um sujeito em si mesma, dotada de valor intrínseco
e merecedora de respeito e consideração.
Essa mudança de perspectiva abre caminho para uma coexistên-
cia mais harmoniosa e equitativa com todas as formas de vida, reconhe-
cendo a interconexão e interdependência de todos os seres vivos e dos
ecossistemas que habitam. Logo, considerar a natureza como “outro”
implica uma mudança de paradigma, passando de uma visão antropo-
cêntrica dominante para uma perspectiva holística e ecológica em que o
meio ambiente é valorizado por si mesmo, e não apenas pelos benefícios
que podem proporcionar às sociedades.
Os espaços de construção de saberes promovidos pela Ecopeda-
gogia buscam desenvolver temáticas ao desenvolvimento sustentável,
relacionados às capacidades de promover a vida a partir da cotidianida-
de, com profundo respeito pela sabedoria da natureza, sincronizando
o nosso agir com as exigências de viver dos outros, respeitando a vida
em todas as suas formas, de agir eticamente, pois ao agirmos teremos a
preocupação das consequências de nossas ações sobre os outros.
A Ecopedagogia, conforme nos ensina Gadotti (2001), implica
em uma reorientação dos currículos no intuito de influenciar a estrutu-
ra e o funcionamento dos sistemas de ensino. Ela não é uma pedagogia
escolar, porque não se dirige apenas aos educadores, mas a todos os
habitantes da terra. A Ecopedagogia não está preocupada apenas com
a preservação da natureza, ela propõe um novo modelo de civilização
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
39
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

sustentável que implica em mudanças nas estruturas econômicas, so-


ciais e culturais, mudando as relações humanas, sociais e ambientais que
temos hodiernamente. O referido autor traz como exemplos concretos
da Ecopedagogia o trabalho realizado por muitas Organizações Não
Governamentais para que a Carta da Terra não seja apenas proclamada,
mas vivida pelos habitantes do planeta e construída coletivamente antes
de ser proclamada.
No Brasil, como ilustração dessa prática, destaca-se o Progra-
ma Educação para a Cidadania Planetária (PECP), desenvolvido pelo
Instituto Paulo Freire, que reconhece a Terra como um organismo vivo
do qual os seres humanos são parte e que a sobrevivência do planeta
depende de um processo educacional permanente voltado à formação
de uma comunidade global, com consciência de pertencimento e in-
terdependência, capaz de reconhecer o que é melhor em termos indivi-
duais (pessoais) e coletivos (públicos) e de zelar pela sustentabilidade do
ambiente em que vive.
A concretização da Ecopedagogia requer uma mudança estrutu-
ral da Educação, privilegiando a transdisciplinaridade, proporcionan-
do vivências práticas e éticas. Desse modo, a Ecopedagogia revela-se
como uma ferramenta capaz de mobilizar toda a sociedade para en-
frentar os desafios ambientais e contribuir para a sustentabilidade. Ao
integrar saberes, valores e ação, as escolas podem estimular as novas
gerações a serem agentes de transformação positiva no planeta Terra.
Tudo isso exige também uma mudança e o desenvolvimento de uma
nova racionalidade.

4. Racionalidade ambiental: o primeiro passo para a


substituição da visão antropocêntrica

No decorrer da história os indivíduos desenvolveram conheci-


mentos específicos que possibilitaram a manutenção da existência ante
a força da natureza. Acreditavam que a natureza era um deus ou era do-
minada por ele ou eles e, por isso, deveria ser respeitada. Com o passar
do tempo e o aperfeiçoamento das técnicas, as crenças no sobrenatural
foram sendo substituídas pelo saber científico e o meio ambiente passou
de dominador a dominado. O desenvolvimento da técnica inicialmente
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
40 jornada ecopedagógica necessária

pensada para dirimir as dificuldades, trazendo conforto e segurança,


transformou-se no principal ameaçador dos modos de vida existentes.
O desencadear das revoluções industriais, em especial no século
XX, intensificou a oposição entre natureza e sociedade. O “fantasma
do desenvolvimento”, expressão cunhada por Alberto Acosta (2019, p.
43), foi internalizada pelos indivíduos que passaram a perseguir os re-
cursos naturais, trabalhar, viver e desenvolver. Nesse processo, a natu-
reza passou a ser intensivamente subjugada e explorada, transformada
em estereótipo e bem a serviço dos humanos. Se diante das ameaças
da natureza os indivíduos aprenderam a construir mecanismos de de-
fesa, contra os riscos provenientes do desenvolvimento encontram-se
indefesos.
Ulrich Beck (2011, p. 23) preceitua que “a produção de rique-
za é acompanhada sistematicamente pela produção de riscos”. Beck
(2011) sustenta que a sociedade moderna é caracterizada pelo embate
entre a distribuição de riquezas, dominada por poucos, e a distribuição
dos riscos, suportada por toda a humanidade. Escancara-se o fracasso da
racionalidade científico-tecnológica, desenvolvida pelo sistema econô-
mico vigente, ante os riscos e ameaças crescentes na sociedade moderna.
Esse fracasso não advém das disciplinas ou ciências isoladas. Desenvol-
ve-se “sistematicamente na abordagem institucional-metodológica das
ciências em relação aos riscos” (BECK, 2011, p. 71).
O doutrinador Enrique Leff (2015) argumenta que a civilização
está em crise diretamente vinculada às formas de construção do co-
nhecimento apropriadas pelo homem contemporâneo, fundamentadas
em teóricos da racionalidade econômico-instrumental. Para o autor, “a
ciência e a tecnologia se converteram na maior força produtiva e destru-
tiva da humanidade” (LEFF, 2011, p. 312).
Parece contraditória a percepção de que a civilização do conhe-
cimento é, ao mesmo tempo, a sociedade da alienação generalizada, em
que os sujeitos se encontram afastados dos processos e das decisões que
determinam suas condições de existência. No mundo da “supercienti-
ficação e hipertecnologia” (LEFF, 2011, p. 312), predomina a incerte-
za. Os riscos e o descontrole aumentam proporcionalmente aos efeitos
provenientes do domínio da natureza. Nesse contexto de crise, caracte-
rizada por uma relação do homem com o meio natural, em que a na-
tureza é capitalizada, cresce a necessidade de refletir sobre as formas de
racionalidades e alternativas possíveis para frear a degradação ambiental
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
41
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

e humana. Como um dos pilares para a construção de uma ecopedago-


gia, a construção de uma nova forma de racionalidade se faz necessária.
Leff parte da premissa de que a compreensão das causas que
fizeram a sociedade acreditar que o sucesso do sistema capitalista é fun-
damental para tentar compreender a promoção da “coisificação, ob-
jetificação e homogeneização, promovidos por uma racionalidade do-
minante, fundada em incertezas e alienação, arrastados por processos
insustentáveis e incontroláveis de produção” (2010, p. 92).
Para os autores mencionados o processo de produção de conhe-
cimento é homogeneizado e cria uma única verdade, o que é, neces-
sariamente, excludente, pois nega raízes históricas e culturais e outras
visões epistemológicas. Constata-se esta afirmativa na dificuldade social
em visualizar a percepção de natureza como membro familiar como fa-
zem os povos originários. Nesse sentido, Ailton Krenak, no livro Ideias
para Adiar o Fim do Mundo, relata uma interessante experiência:
Li uma história de um pesquisador europeu do começo do século XX que
estava nos Estados Unidos e chegou a um território dos Hopi. Ele tinha pe-
dido que alguém daquela aldeia facilitasse o encontro dele com uma anciã
que ele queria entrevistar. Quando foi encontrá-la, ela estava parada perto
de uma rocha. O pesquisador ficou esperando, até que falou: ‘Ela não vai
conversar comigo, não?’. Ao que seu facilitador respondeu: ‘Ela está con-
versando com a irmã dela’. ‘Mas é uma pedra’. E o camarada disse: ‘Qual é
o problema?’. (KRENAK, 2019, p. 10)

Na percepção capitalista de existência, é inconcebível pensar


que fazemos parte de um só grupo que integra o indivíduo e a nature-
za, bem como a ideia de possuir uma extensão de terras, com diversas
potencialidades econômicas, sem explorá-las. A ideia utilitarista da na-
tureza empobrece a produção de conhecimento. A racionalidade desen-
volvida pelo sistema econômico vigente desconhece as particularidades
e saberes existentes nos grupos, haja vista que utilizam de ideologias
reducionistas. Sobre a uniformização do conhecimento, discorre Leff:
O objetivo unificador e reducionista do logocentrismo da ciência moderna
surge do desejo de encontrar um único princípio organizador da matéria,
como se experimentará uma singular repugnância ao pensar a diferença, a
descrever as separações e suas dispersões, a dissociar a forma reafirmante do
idêntico. Esses sistemas desconhecem a especificidade conceitual de cada
ciência, de onde é possível pensar sua integração com outros campos do
conhecimento, sua articulação com outros processos materiais e sua hibri-
dação com outros saberes. (LEFF, 2011, p. 316)
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
42 jornada ecopedagógica necessária

Nesse diapasão, cientes de uma racionalidade capitalista predomi-


nante, que cria riscos constantes à sociedade e desestrutura a complexida-
de ambiental, a alternativa pode ser vislumbrada na criação de uma nova
forma de racionalidade. Em contraposição à vigente, com o objetivo de
desenvolver a interdisciplinaridade de modo a orientar a transformação
de processos econômicos, políticos, tecnológicos e educacionais, surge
uma racionalidade social e produtiva alternativa, a racionalidade ambien-
tal. Para Leff (2015, p. 142), “a desconstrução da racionalidade capitalista
requer a construção de uma outra racionalidade social”.
Torna-se necessário refletir sobre uma racionalidade pautada em
princípios estratégicos que orientarão a realização de uma bioeconomia
que respeita os potenciais da biodiversidade, reconstrói modos de vida e
se posta frente aos constrangimentos que a institucionalização do mer-
cado e a razão tecnológica impõem.
A racionalidade ambiental é projetada mediante a articulação
de quatro esferas: a racionalidade subjetiva, a racionalidade teórica, a
racionalidade instrumental e a racionalidade cultural. A racionalida-
de subjetiva se mostra como um método para incrementar nos indiví-
duos valores e objetivos que absorvam conceitos como sustentabilidade,
equidade social, diversidade, democracia.
Para a construção de uma racionalidade ambiental, deve-se
pensar na construção de um conhecimento técnico que sistematize a
racionalidade substantiva e a associe com as condições materiais de exis-
tência, como a cultura, a tecnologia, a política e a economia. O proje-
to de racionalidade não pode ser construído dissociado da realidade já
existente, caso contrário estaria fadada ao fracasso.
A racionalidade instrumental proposta por Leff (2015), por sua
vez, visa a busca por meios de efetivação da racionalidade ambiental.
Isto é, como integrar as ideias substantivas, sistematizadas pela racio-
nalidade teórica, no campo prático, de modo a ser possível a mudança
real. É orientada por uma racionalidade que garanta a eficiência social,
em contraponto com a racionalidade que visa a eficiência produtiva,
como a implantada no sistema capitalista.
Por fim, em uma sociedade plural, que teima em existir ante a
homogeneização, a diversificação dos significados que orientam a so-
ciedade e dão identidade e integridade a cada grupo cultural tomam
um papel de destaque. Em decorrência dessa realidade, a racionalidade
cultural é fundamental na construção de um Estado multiétnico.
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
43
Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

Observa-se que a construção de uma racionalidade ambiental


exige uma movimentação das ideologias, das instituições políticas, fun-
ções governamentais, normas jurídicas, valores culturais, entre outros.
Emerge da “integração de diversos especialistas nas áreas do conheci-
mento garantindo uma integração interdisciplinar do conhecimento
para um desenvolvimento realmente sustentável” (LEFF, 2010, p. 92).
Para ele,
A interdisciplinaridade é uma chamada para a complexidade, a restabelecer
as interdependências e inter-relações entre processos de diferentes ordens
de materialidade e racionalidade, a internalizar as externalidades (condicio-
namentos, determinações) dos processos excluídos dos núcleos de raciona-
lidade que organizam os objetos de conhecimento das ciências (de certos
processos ônticos e objetivos). (LEFF, 2011, p. 319)

Conclui-se, portanto, que a proposta da racionalidade ambien-


tal visa uma forma de restabelecimento do equilíbrio entre sujeitos e
natureza e a produção de conhecimento, servindo como paradigma
de sociedade. Posta-se frente à sociedade capitalista para produzir um
novo mundo ecologicamente equilibrado. É nessa proposta de ruptura
que se reconhece o poder das diversas formas de conhecimento, que a
“interdisciplinaridade se abre para a reconstrução do saber, na via da
reconstituição das identidades e o diálogo com outros saberes” (LEFF,
2011, p. 332).
A grandiosidade da alternativa de transição proposta faz com
que sua efetivação não seja fácil. Mas, na perspectiva de Leff (2014),
os primeiros passos para a efetivação da nova racionalidade devem ter
suas bases firmadas na participação popular e organizada na tomada
de decisão. Segundo Leff (2014, p. 457) se faz necessária uma “reapro-
priação social da natureza”, com interferência e a participação direta da
sociedade civil e organizada na tomada de decisão.
As rodas de debates, a interdisciplinaridade do conhecimento,
a promoção de formas sustentáveis de lidar com a natureza, a recons-
trução das sociedades e reconhecimento das formas de existência e de
existir respeitando os limites, ciclos e capacidades de resposta da natu-
reza, a legitimação das lutas sociais em defesa do meio ambiente, entre
outras, são mecanismos factíveis para o início da efetivação do projeto
de racionalidade ambiental.
A consolidação e ampliação dos conceitos de Direitos Humanos
e Direitos da Natureza também são pontos de partida para a construção
Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da cosmologia ao paradigma ecológico, uma
44 jornada ecopedagógica necessária

democrática e efetiva participação cidadã e comunitária. A alternativa


para a sociedade de risco pode ser desenvolvida coletivamente, por meio
da chamada à consciência daqueles que arcam com o ônus das decisões
centralizadas nas mãos do poder econômico. Outro aspecto crucial é a
busca pelo alargamento do conceito de dignidade e sua aplicação à na-
tureza e a todas as suas formas de seres, tendo em vista que isso poderá
efetivamente conduzir a ações e comportamentos fundados no profun-
do respeito e, por isso, com grande potencial de promoção, proteção,
preservação e manutenção das condições vitais do e no planeta.

5. Considerações finais
Fomos conduzidos por uma jornada intrigante por meio da cos-
mologia, constatando-se nossa insignificância diante do vasto cosmo
e, simultaneamente, instigando a reflexão sobre nossa relação com a
natureza, nosso lugar e nossa função nela. Pudemos perceber o quão
importante é a cosmologia na compreensão da existência e evolução do
universo, considerando os vários modelos cosmológicos que têm mol-
dado nossa visão do mundo.
Exploramos a Ecopedagogia como um caminho para transfor-
mar a relação entre o ser humano e a natureza, baseado em um novo
paradigma cosmológico, no qual o ser humano não está separado do
meio ambiente, mas é parte intrínseca dele. Portanto, na busca de so-
luções para os desafios que a natureza enfrenta, é imperativo buscar
uma relação de respeito com a natureza, particularmente por meio da
ecologia profunda, integral.
A racionalidade ambiental oferece uma alternativa que pode ree-
quilibrar a relação entre os seres humanos e a natureza, servindo como
um paradigma para uma sociedade mais sustentável, embora não seja
uma tarefa fácil implementar essa transição. É essencial que a educação
ecológica, a participação popular e organizada sejam as bases para to-
madas de decisões nesse processo, considerando-se os diversos saberes
tradicionais em diálogo como as ciências. Assim, mecanismos como
debates, interdisciplinaridade do conhecimento, promoção da susten-
tabilidade, reconstrução das sociedades e o reconhecimento do valor
intrínseco de todas as formas de seres existentes são vitais para efetivar
o projeto de racionalidade ambiental.
Adelaide Pereira Reis, Clarissa Carneiro Desmots, Edmilson de Jesus Ferreira, Juliana de Andrade,
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Marcos Alberto Ferreira e Paulo Vitor Mendes de Oliveira

Portanto, encerrando este capítulo, convidamos o leitor a refletir


sobre a necessidade de reconhecer a interdependência e complexidade
das relações cósmicas, visando superar a visão antropocêntrica e pura-
mente técnico-instrumental e afirmando uma racionalidade ambiental
como crucial para a manutenção e promoção da vida em todas as suas
formas. Essa transformação preservará nosso planeta e também assegu-
rará a sobrevivência de todas as espécies. Este processo será contínuo e
essencial para o futuro de nossa civilização.
Nesse sentido, como possíveis respostas à questão-problema,
apontamos o seguinte: a apropriação de uma racionalidade ambiental,
propondo-a como fundamento racional para o desenvolvimento de
um saber de ordem ambiental, com potencial para integrar saberes
diversos, superar preconceitos culturais, epistemológicos e sociais; a
utilização de uma Ecopedagogia como metodologia capaz de articu-
lar conhecimentos ecológicos teóricos e práticos e proporcionar ex-
periências diretas com a natureza, com o cosmos, possibilitando o
resgate de uma relação de integração e pertencimento ao universo,
procurando fazer com que as pessoas sintam e compreendam que a
sua história está diretamente ligada à história do universo; uma edu-
cação “ecozóica” como uma iniciação à história do universo e à vida
no universo capaz de proporcionar a cada um a consciência de ser um
evento cosmológico e, por fim, o exercício da responsabilidade em re-
lação a espaços ecológicos concretos, ações de proteção, recuperação,
restauração, reflorestamento.

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CAPÍTULO 2 – ECONOMIA CIRCULAR: UM


MODELO ECONÔMICO PARA A PROTEÇÃO
DOS DIREITOS DA NATUREZA

Caio Cabral Azevedo1


Hebert Leonardo Lehner2
Kênia Aparecida Ramos Silva3
Maria Eduarda Milagres Fonseca4

1. Considerações iniciais
A contemporaneidade atravessa um período de crises ambien-
tais intensas com repercussões globais. Esse cenário é ilustrado pelo
crescente nível de degradação ambiental, que resulta em alterações pro-
fundas nos ciclos ecológicos, além de causar impactos diversos em toda
a biosfera.
Nesse contexto, torna-se crucial não apenas reconhecer a exis-
tência dessas crises que assolam a modernidade, mas também apresentar
alternativas. É imperativo que, dentro das ciências sociais, em especial
a Economia e o Direito, sejam explorados novos paradigmas capazes
de elucidar tais fenômenos, ao mesmo tempo em que se propõe solu-
ções viáveis. Deste modo, o presente estudo, parte de uma compreensão
acerca dos Direitos da Natureza para, através de uma intersecção com
a Economia, explorar novas alternativas para contornar as várias crises
da modernidade.
O estudo, de natureza descritivo-exploratória, almeja, simulta-
neamente, investigar a problemática apresentada e compreender como
determinado fenômeno social, econômico e jurídico se apresenta, por
meio da coleta de dados pautados no exame de arcabouço bibliográfico
e documental, com a adoção de importantes pesquisadores, em espe-
1 Lattes: http://lattes.cnpq.br/6245312154640357.
2 Lattes: http://lattes.cnpq.br/9559932633344098.
3 Lattes: http://lattes.cnpq.br/8688030165174788.
4 Lattes: http://lattes.cnpq.br/7677611470871462.
49
50 Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a proteção dos direitos da natureza

cial Acosta (2022), Leff (2006), Boff (2012), Melo (2020), Hans Jonas
(2006), Coase (1988), Weetman (2019). Quanto à análise de dados,
utilizou-se a técnica qualitativa.
O artigo se estrutura abordando inicialmente, de forma abran-
gente, os Direitos da Natureza e a sua intersecção com a Economia. Em
seguida, o texto investiga a viabilidade do reconhecimento da natureza
como sujeito de Direito no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, o
texto investiga a importância da Economia Circular na busca pela pro-
moção dos Direitos da Natureza e de uma Nova Economia.

2. Os direitos da natureza como pressupostos para uma nova


economia
A construção conceitual dos direitos da natureza perpassa a
compreensão de algumas premissas e pressupostos fundamentais, res-
ponsáveis por desafiar os paradigmas sob os quais se sustentam as rela-
ções jurídicas, sociais e econômicas da atualidade. Através desses ques-
tionamentos, os direitos da natureza se posicionam como instrumento
de inovação e transformação da realidade.
O primeiro componente conceitual implica na ideia de que a
natureza deve ser reconhecida como um sujeito intrínseco de direitos.
O reconhecimento da natureza não deve se limitar ao de um objeto pas-
sivo e inerte, mas deve alcançar o de um sujeito dotado de valor intrín-
seco e dignidade própria, passível de respeito e proteção. Isso implica
a superação da visão antropocêntrica que coloca o ser humano como o
centro das relações jurídicas, considerando a natureza como um mero
recurso a ser explorado.
O segundo componente conceitual resgata as chamadas crises
da modernidade (crise ambiental, crise identitária e crise de conheci-
mento), um conjunto de crises interconectadas e inter-relacionadas,
cuja ausência de soluções tem gerado grandes preocupações sociais. Tais
crises perpassam a degradação ambiental e crise ecológica, pela perda do
vínculo entre o homem e a natureza e, finalmente, pela insuficiência da
lógica tradicional para lidar com as questões ambientais e sociais.
É nesse sentido que Martínez e Acosta (2017) vislumbram a
degradação ambiental e a crise ecológica como resultadas direto do mo-
delo de desenvolvimento baseado na exploração ilimitada dos recursos
Caio Cabral Azevedo, Hebert Leonardo Lehner, Kênia Aparecida Ramos Silva
51
e Maria Eduarda Milagres Fonseca

naturais e na busca incessante pelo crescimento econômico, o que exige


uma mudança profunda nesse modelo, que leve em conta os limites
ecológicos do planeta e promova a justiça socioambiental e a sustenta-
bilidade, fomentando uma relação de respeito mútuo e equilíbrio har-
mônico entre o ser humano e a natureza.
O diálogo entre a crise ambiental e as demais crises (identitária
e de conhecimento) é investigado por vários autores como Hans Jonas
(2006) e Leff (2006), que observam como o distanciamento do homem
e a natureza contribuiu para a “desnaturalização” desta e, consequen-
temente, para uma percepção objetificada da natureza. A partir dessa
relação desequilibrada, é compreensível a desordem nos ecossistemas, o
desgaste ambiental, os limites e contradições do próprio conhecimento
moderno.
Considerando o exposto, é viável avançar para a terceira pre-
missa que integra os direitos da natureza, a saber, a sua complementa-
riedade com os direitos humanos. Como sublinha Acosta (2022), os
direitos humanos devem igualmente ser interpretados em uma perspec-
tiva ecológica, demandando a formulação de uma concepção ecológica,
abrangente e interdisciplinar destes, sem a qual sua efetivação se torna-
ria impraticável.
O presente artigo, não obstante a diversidade de formas de co-
nhecimento, tem como objetivo inicial estabelecer conexões entre os
direitos da natureza e a economia. Para tanto, após a compreensão dos
três preceitos primordiais que, em conjunto, definem seu escopo, pro-
cederemos à exploração do conceito de Economia e sua influência nos
direitos da natureza.
Não é de hoje que o conceito de Economia tem sido desafiado.
O conceito tomou novo rumo após as inovações propostas por Ronald
Coase (1988), que compreendia a Economia da época como muito ape-
gada a um único problema (escolha humana) e que, portanto, deveria
ser capaz de incorporar novos objetos compreendidos em diversas rea-
lidades sociais, cujo pensamento não se restringisse à máxima utilitária.
Os avanços de Coase propiciaram a inclusão do meio ambiente
como objeto da Economia. Porém, em que pese inovadora, a sua no-
ção ainda apresentava limites, como, por exemplo, a assunção de que
a Economia estaria impossibilitada de compreender a irracionalidade
e os fenômenos de ordem física, química e biológica, ainda que esses
tivessem grande relevância socioeconômica.
52 Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a proteção dos direitos da natureza

Nesse sentido, economistas atuais, como Melo (2020), reconhe-


cem, ainda que em meio à grande diversidade do pensamento econômi-
co na atualidade, o predomínio de um único discurso economicista-tec-
nologista, principalmente quando direcionado às questões ambientais,
traçando paralelo com Jonas (2006) e a figura do homo faber, ou seja, o
homem produtor, o homem cuja finalidade última da vida tornou-se a
produção.
É nesse discurso economicista-tecnologista que estão compreendi-
das as premissas para se encarar a responsabilidade humana em relação à
natureza e à própria essência do ser humano. Isto posto, Melo (2020) reco-
nhece a necessidade de perseguir uma transformação da racionalidade da
modernidade ou, de maneira mais coesa, buscar refletir o meio ambiente
a partir de novos métodos, de novas lentes e por meio de novos saberes.
Dessa forma, economistas como Rahel Jaeggi (2018), ao tam-
bém identificar as crises da modernidade, passam a entender a economia
como uma prática social conectada com outras práticas que, juntas, for-
mam um modo de vida. Nesse sentido, Jaeggi argumenta que a econo-
mia não deveria se limitar ao campo da produção material e do interesse
racional, mas deveria ser compreendida como um conjunto de práticas
socioeconômicas.
O pensamento de Jaeggi (2018) se relaciona diretamente com a
Análise Econômica do Direito (AED), que considera a Economia como
uma parte integrante das interações sociais e legais. A partir de Cooter e
Uler (2014) e Zylbersztajn e Sztajn (2005), a AED encara a Economia
como um sistema de incentivos e restrições passível de moldar o com-
portamento legal dos agentes, reconhecendo-a como um componente
essencial na formação do sistema jurídico e das decisões legais.
Sob essa perspectiva, o Direito se estabelece, à luz da Economia,
como uma influente ferramenta de orientação comportamental. Parale-
lamente, a Economia demonstra uma crescente capacidade de reavaliar
sua estrutura principiológica, o que possibilita, por exemplo, sua intera-
ção e adaptação a partir do reconhecimento das premissas consagradas
pelos direitos da natureza. Esse processo reflete um dinâmica de evolução
e ajuste mútuo entre o Direito e a Economia, com implicações profundas
na conformação das práticas e instituições sociais.
O princípio do desenvolvimento sustentável, por exemplo, ao ser
inserido em um contexto de reconhecimento dos “direitos da natureza”,
se distancia de seu conceito tradicional ao propor uma abordagem mais
Caio Cabral Azevedo, Hebert Leonardo Lehner, Kênia Aparecida Ramos Silva
53
e Maria Eduarda Milagres Fonseca

radical e transformadora quanto à proteção do meio ambiente. O paradig-


ma convencional de desenvolvimento sustentável, concebido de maneira
antropocêntrica, busca a reconciliação do crescimento econômico com a
preservação ambiental sem questionar a lógica de exploração dos recursos
naturais.
Deste modo, com a inclusão dos direitos da natureza, torna-se evi-
dente a necessidade de uma mudança de paradigma em relação ao modelo
tradicional, dada a substancial alteração na dinâmica entre o ser humano
e a natureza. Nesse novo cenário, o desenvolvimento sustentável indica
a adoção de uma abordagem sistêmica e integrada, que leva em conside-
ração as interconexões e interdependências entre os sistemas ecológicos,
sociais e econômicos, o que suplanta a visão fragmentada e setorial pre-
dominante na maioria das políticas públicas atuais, consolidando uma
perspectiva holística e transdisciplinar.
Diante dessa mútua influência, exemplificada a partir da transfor-
mação provocada pelo conceito econômico de desenvolvimento sustentável,
é possível concluir que o reconhecimento dos direitos da natureza poderia
cooperar para o direcionamento de comportamentos sociais mais conscien-
tes com o valor intrínseco do meio ambiente, impactando, significativa-
mente, na forma como o homem interage e valora a natureza, bem como
servindo como uma espécie de meta ou atributo para se alcançar o pleno
desenvolvimento sustentável e enfrentar as múltiplas crises da modernidade.
Além da consideração da transformação econômica, é imperativo
também examinar a viabilidade de incorporar essas mudanças ao ordena-
mento jurídico nacional vigente. A efetivação das transformações econômi-
cas propostas pelos direitos da natureza demanda não apenas uma reconfi-
guração nos modelos econômicos, mas também uma adaptação e abertura
do arcabouço legal para acomodar e proteger os novos princípios e prerro-
gativas inerentes a essa visão mais abrangente e holística do ambiente e dos
recursos naturais. Essa dualidade entre a mudança econômica e a sua corro-
boração pelo sistema jurídico é essencial para garantir uma transição eficaz
em direção a uma ordem socioeconômica mais equilibrada e sustentável.

3. Pressupostos filosóficos da nova economia: um novo modo


de pensar
A ideia de uma nova Economia conta com alterações nos concei-
tos de desenvolvimento e sustentabilidade e com a implantação de novas
54 Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a proteção dos direitos da natureza

técnicas de extração, fabricação e comercialização de produtos, dentre


elas a utilização de uma economia circular, a economia verde e diversas
outras práticas sustentáveis. Contudo, seriam essas mudanças suficien-
tes para a configuração do conceito de uma Nova Economia?
Para se constituir uma Nova Economia não basta uma mudança
apenas em aspectos práticos, mas também é necessária uma alteração no
modo de pensar da sociedade, é imprescindível mudar a forma como
o ser humano percebe sua relação com a natureza para que assim as
técnicas práticas sejam adotadas. Portanto, um dos pressupostos filosó-
ficos da Nova Economia seria o reconhecimento da natureza como um
sujeito de direitos.
Ao explorar a ideia da natureza como um sujeito de direitos
é preciso entender primeiramente o que seria um sujeito de direitos.
Logo, sujeito de direitos é aquele que possui personalidade jurídica e
esta foi definida pelo jurista Clovis Bevilaqua como “a aptidão, reco-
nhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair
obrigações”, ou seja, caso a natureza seja reconhecida como um sujeito
dotado de personalidade jurídica, ela teria direitos inerentes à sua exis-
tência e não mais apenas atrelados à qualidade de vida humana, como
acontece atualmente. Afinal, o art. 225 da Constituição Federal prevê
que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-
do, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
O Direito, enquanto ciência jurídica, acompanha a evolução da
sociedade e deve se adequar aos valores e pensamentos da comunidade a
qual ele coordena. Não fosse por isso, o Direito não teria evoluído quan-
to às questões de direitos humanos, que há um século não eram sequer
comentadas, assim como não teria evoluído em relação a diversas outras
questões que eram normais a seu tempo, mas que hoje seriam conside-
radas absurdas. Diante desse contexto, é perceptível uma evolução do
pensamento da sociedade quanto à sua relação com o meio ambiente e
a inevitável necessidade de protegê-lo diante da destruição causada pelo
desenvolvimento predatório, uma vez que nos últimos 50 (cinquenta)
anos foram realizadas diversas conferências em âmbito internacional e
assinadas dezenas de tratados sob o viés de proteção da natureza.
Se há claramente uma evolução no pensamento da sociedade em
relação ao meio ambiente, também deve haver essa evolução no Direito
Caio Cabral Azevedo, Hebert Leonardo Lehner, Kênia Aparecida Ramos Silva
55
e Maria Eduarda Milagres Fonseca

a fim de que ele não fique antiquado e vá de encontro ao que a socie-


dade pensa. No Brasil, já foram publicadas diversas leis com o intuito
de proteger a natureza, sendo uma de suas pioneiras, a Lei nº 6.938/81,
que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, e veio antes
mesmo da atual Constituição. Depois disso, diversas normas sobre o
meio ambiente foram surgindo ao longo das décadas até a formação da
vasta legislação ambiental brasileira que temos hoje. Contudo, todas as
leis têm como objetivo proteger a natureza a fim de que o ser humano
tenha uma qualidade de vida adequada e o planeta Terra permaneça
em condições saudáveis para as próximas gerações. Porém, será que essa
proteção somente baseada na existência do ser humano é suficiente?
O conceito de uma Nova Economia vai além das relações mera-
mente comerciais e busca de fato ressignificar a relação do ser humano
com o planeta, propondo, além de novas práticas econômicas, um novo
pensar. Neste novo pensar, não basta proteger a natureza em detrimen-
to do homem, mas protegê-la por si mesma, como seu único e último
fim. O que pode ser entendido como algo inimaginável para alguns, já
é realidade em certos países sul-americanos, como no Equador, Bolívia
e Colômbia.
A Constituição do Equador, em seu Capítulo 7, prevê de for-
ma expressa que a natureza tem direitos por si mesma e que estes de-
vem ser assegurados e resguardados pelo Estado, conforme se observa
a seguir:
Artigo 71: A Natureza, ou Pacha Mama, onde a vida se reproduz e ocorre, tem
direito ao respeito integral pela sua existência e pela manutenção e regenera-
ção dos seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos.
Artigo 72: A natureza tem o direito de ser restaurada. Essa restauração estará
isenta da obrigação do Estado e das pessoas físicas ou jurídicas de indenizar
as pessoas e comunidades que dependem dos sistemas naturais afetados.
(EQUADOR, 2008)

No ordenamento jurídico equatoriano, todas as pessoas e comu-


nidades podem apelar às autoridades públicas para fazer valer os direitos
da natureza e observar os princípios estabelecidos na sua Constituição.
Além disso, o Estado deve incentivar as pessoas físicas e jurídicas e as
comunidades a proteger a natureza e promover o respeito a todos os
elementos que compõem um ecossistema.
Mais adiante, observa-se também que a Constituição Plurina-
cional da Bolívia valoriza sempre a Pachamama. Embora a Bolívia não
56 Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a proteção dos direitos da natureza

tenha previsto expressamente os direitos da Mãe Terra na Carta Magna


de 2008, ela o fez por meio da Lei nº 071 de 21 de dezembro de 2010,
em seu art. 1º: “Artículo 1. La presente Ley tiene por objeto reconocer
los derechos de la Madre Tierra, así como las obligaciones y deberes del
Estado Plurinacional y de la sociedad para garantizar el respeto de estos
derechos” (BOLÍVIA, 2010).
Ademais, em 2016 a Corte Constitucional Colombiana emitiu
decisão, por meio da sentença T-622-2016, em que há reconhecimen-
to de subjetividade ativa ao rio Atrato, conforme pode ser observado
pelo trecho extraído diretamente da referida sentença: “DERECHO
AL AGUA COMO FUENTE HIDRICA – Se reconoce al río Atrato,
su cuenca y afluentes como una entidad sujeto de derechos a la protec-
ción, conservación, mantenimiento y restauración a cargo del Estado y
las comunidades étnicas” (COLÔMBIA, 2016).
Como é perceptível, há uma evolução do pensamento contem-
porâneo em relação à natureza, que foi destacada principalmente no
constitucionalismo latino-americano. Ele engloba uma onda de novas
tendências constitucionais na América Latina que visam valorizar a plu-
ralidade de culturas e povos e colocar a natureza como coexistente ao
ser humano e não como objeto a ser explorado. Desse modo, está claro
o que seria o reconhecimento da natureza como um sujeito de direitos e
como isso está sendo feito na prática em outros países. Porém, a dúvida
que talvez ainda persista é o porquê de ser necessário esse reconheci-
mento e como isso ajudaria a preservar o meio ambiente.
Trata-se de uma alteração no campo simbólico e filosófico e não
diretamente no campo prático. Ao dar personalidade jurídica ao meio
ambiente, a economia não mudará repentinamente e não serão imedia-
tamente aplicadas técnicas mais sustentáveis. Contudo, será uma alte-
ração no modo de pensar das pessoas, que terá efeitos, principalmen-
te, a longo prazo, sendo a educação fundamental nesse processo. Se as
pessoas começarem a entender a natureza como digna de proteção por
si mesma e com direitos inerentes a ela, a economia pouco a pouco se
adaptará a essa nova relação. As próximas gerações enxergarão a nature-
za como algo a ser protegido e a utilização de técnicas sustentáveis como
a economia circular e economia verde serão cada vez mais comuns.
Da mesma forma que houve uma mudança no modo de pensar
da sociedade em relação à escravidão, que no século XVI era algo co-
mum e aceito na sociedade e hoje é considerado absurdo e escandaloso,
Caio Cabral Azevedo, Hebert Leonardo Lehner, Kênia Aparecida Ramos Silva
57
e Maria Eduarda Milagres Fonseca

o modo de pensar da sociedade em relação à natureza também mudará


com o passar das décadas. Isso já está claro devido às diversas iniciativas
internacionais de proteção à natureza e punição a países e empresas que
não contribuem para a sustentabilidade. Se alguns acharem que essa re-
lação harmoniosa com o meio ambiente é extremamente utópica, basta
pensar que há menos de um século não se falava em direitos humanos e
mais de 9 milhões de judeus foram mortos no Holocausto que – pasme
–, não infringia as leis da Alemanha naquela época, tudo foi feito dentro
da legalidade. Já hoje, algumas décadas depois, tal fato é inimaginável e
toda e qualquer lei e ato de um Estado deve estar em conformidade com
os direitos humanos, estando sujeito até mesmo a sanções internacionais.
Portanto, a ideia de uma Nova Economia, é mais do que im-
plementar novas práticas de fabricação e comércio na sociedade, mas
também mudar o olhar das pessoas em relação a esse tema. Afinal, as
técnicas de desenvolvimento sustentável só serão aderidas totalmente
quando a sociedade mudar sua forma de pensar sobre a natureza e ti-
rá-la do plano extrativista para o plano da coexistência. É mudando a
mentalidade das novas gerações e colocando o meio ambiente como
um sujeito de direitos inerentes a ele, que será possível de fato aderir às
práticas sustentáveis, combater o desenvolvimento predatório existente
atualmente e alcançar a famigerada Nova Economia.

3.1 Viabilidade do reconhecimento da natureza como um sujeito


de direitos no ordenamento jurídico brasileiro
Ao analisar o reconhecimento da natureza como sujeito de direi-
tos no campo material, fica evidente a sua importância e a forma como
ela impactaria o modo de pensar das futuras gerações, almejando, as-
sim, resultados a longo prazo. No entanto, é imprescindível analisar esse
tema em relação aos seus aspectos processuais e sob uma ótica prática.
Seria possível reconhecer a natureza como um sujeito de direitos dentro
do atual ordenamento jurídico brasileiro?
Embora a Constituição brasileira seja reconhecida internacio-
nalmente pelo seu protecionismo ao meio ambiente e valorização da
natureza, é notório que ela ainda o faz na intenção de proporcionar ao
ser humano uma boa qualidade de vida, como foi visto no tópico ante-
rior, não havendo nenhuma disposição que aborde a natureza como um
sujeito de direitos. Contudo, tampouco há proibição, tendo em vista
58 Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a proteção dos direitos da natureza

que as únicas disposições imodificáveis da Constituição são aquelas ti-


das como cláusulas pétreas, dispostas no art. 60, §4º, sendo elas: a for-
ma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a
separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Sendo assim,
não há impeditivo constitucional para o reconhecimento da natureza
como um sujeito de direitos.
Portanto, deve-se ultrapassar a esfera constitucional e analisar as
leis infraconstitucionais que tratam do assunto. O Código de Processo
Civil (CPC) conceitua as partes do processo – autor e réu – como as
pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, que tenham interesse e legitimi-
dade para a ação, ou seja, elas devem cumprir essas suas condições da
ação para possuírem o Direito de Ação. O art. 17 do CPC dispõe que
“Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade” e o art.
18 do CPC aponta que “Ninguém poderá pleitear direito alheio em
nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”.
Assim, ao observar que a natureza por si mesma possui interesse e legi-
timidade em defender seus direitos de vida, equilíbrio e restauração e
que esses direitos são propriamente dela, e não alheios, ela seria sim um
possível sujeito de direitos no ordenamento jurídico, sendo possível um
projeto de lei que busque uma alteração legal nesse sentido.
Atualmente, há instituições que defendem os direitos difusos ou
coletivos, como o Ministério Público ou a Defensoria Pública, e uma de
suas funções é defender os direitos da natureza. Contudo, cabe ressaltar
que esses direitos são defendidos em prol unicamente do ser humano,
de modo que só será defendido se afetar a população e se for de interesse
da instituição pública fazê-lo. Já com a criação de um comitê que repre-
sente unicamente a natureza como um sujeito de direitos e pleiteie por
eles, esses direitos serão protegidos com mais afinco, segurança e ardor,
o que garantiria um enfoque maior às pautas que envolvam o meio am-
biente de forma que assegure melhor os seus interesses.
Desse modo, torna-se possível o reconhecimento da natureza
como um sujeito de direitos dentro do ordenamento jurídico brasileiro
e que tal ato vá muito além de uma mudança meramente processual
e formal no Processo brasileiro. Esse reconhecimento significaria, na
verdade, uma grande alteração no modo de pensar das pessoas desta
e das futuras gerações e uma nova forma de enxergar a natureza. Afi-
nal, ao transformar a mentalidade dos seres humanos no que tange ao
seu relacionamento com a natureza, será possível colocar em prática as
Caio Cabral Azevedo, Hebert Leonardo Lehner, Kênia Aparecida Ramos Silva
59
e Maria Eduarda Milagres Fonseca

propostas econômicas que visam proporcionar mais sustentabilidade à


economia mundial, tal qual a economia circular, que será desenvolvida
a seguir.

4. Economia circular como forma de efetivação dos direitos


da natureza
A necessidade de repensar e reformular os princípios da econo-
mia contemporânea em face dos desafios ambientais globais é cada vez
mais evidente. A ideia de uma “Nova Economia” que respeita e defende
os direitos da natureza, emerge como uma solução necessária para um
futuro sustentável (VACCARO et al., 2012).
Boff (2012) destaca a urgência do estado crítico de nosso pla-
neta e convoca os seres humanos a agirem com cooperação e solida-
riedade, adotando um “paradigma do cuidado e da responsabilidade
coletiva” (BOFF, 2012, p. 73) para garantir a existência humana e pre-
servar a Terra. Nessa nova abordagem, a sustentabilidade abraça dimen-
sões sociais, individuais e ambientais, promovendo uma visão coletiva
e compartilhada.
A economia circular, embora recente em destaque, remonta à dé-
cada de 1970, quando o modelo econômico linear tradicional mostrou
seus danos ao meio ambiente (CORSI; KOVALESKI; PAGANI, 2018).
A economia circular se baseia em reduzir o desperdício e a poluição, man-
ter produtos em uso e regenerar sistemas naturais (WEETMAN, 2018).
Nesse cenário, Weetman (2018) ressalta a importância de esta-
belecer critérios de sucesso e de medir o progresso de forma mais abran-
gente, o que inclui a incorporação da circularidade nos produtos e nos
processos empresariais. Envolvendo a definição de metas e a avaliação
do desempenho que não se limite apenas a indicadores financeiros.
Um pilar fundamental dessa Nova Economia é a transição para
um modelo de economia circular, focado na reutilização e recicla-
gem de recursos (WEETMAN, 2018). A implementação de práticas
como reciclagem e reutilização de materiais reduz a pressão sobre os
recursos naturais, estimula inovação e novas indústrias. Além disso,
a Nova Economia enfatiza a importância da sustentabilidade social e
ambiental, respeitando limites ecológicos e o bem-estar das comuni-
dades locais.
60 Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a proteção dos direitos da natureza

Diante dessa conjuntura, a economia circular surge como um


modelo que propõe uma abordagem sistêmica e integrada para maximi-
zar a utilização de recursos e minimizar a geração de resíduos. A econo-
mia circular busca estabelecer ciclos produtivos nos quais os materiais
são extraídos, utilizados, reutilizados e reintegrados aos ciclos, promo-
vendo, assim, uma perspectiva ecossistêmica na sua gestão.
A transição para a economia circular reduz o impacto ambien-
tal, estimula o desenvolvimento de novas indústrias e promove uma
cultura de consumo mais consciente e sustentável. A integração de prin-
cípios circulares no desenvolvimento de produtos em arranjos produti-
vos locais contribui para práticas industriais sustentáveis (OLIVEIRA;
FRANÇA; RANGEL, 2019).
Nesse sentido, a economia circular pode ser uma resposta aos
desafios do século XXI, mas exige uma mudança cultural e compor-
tamental, tanto por parte dos consumidores quanto das empresas. A
complexidade dos sistemas de produção e distribuição existentes tam-
bém é um desafio para sua implementação. A colaboração e inovação
são fundamentais para promover essa abordagem.
Desta forma, investimentos em energias renováveis, tecnologias
de baixo carbono e práticas agrícolas sustentáveis não apenas reduzem
as emissões prejudiciais, mas também impulsionam o crescimento eco-
nômico e a criação de empregos. A promoção de uma economia ba-
seada em tecnologia verde não apenas beneficia o meio ambiente, mas
também fortalece a competitividade das nações no cenário global.
No contexto da Nova Economia, que reconhece a natureza
como capital natural, propõe-se a valorização e a proteção dos recursos
naturais como ativos essenciais não apenas para o bem-estar humano,
mas também para a preservação da natureza como um todo. A imple-
mentação de políticas públicas e regulamentações que reconheçam e
internalizem os custos ambientais é fundamental não somente para ga-
rantir a conservação dos recursos naturais para as gerações futuras, mas
também para manter a integridade ecológica do planeta.
Incentivos fiscais para práticas sustentáveis e regulamentações
mais rigorosas para indústrias poluentes são passos necessários para as-
segurar a viabilidade da Nova Economia, ao mesmo tempo em que
contribuem para a proteção do meio ambiente em sua totalidade.
Nesse contexto, a interação entre a legislação ambiental e os
princípios da economia circular assume uma importância fundamental.
Caio Cabral Azevedo, Hebert Leonardo Lehner, Kênia Aparecida Ramos Silva
61
e Maria Eduarda Milagres Fonseca

Embora o Brasil tenha uma base legal sólida em questões ambientais,


com marcos regulatórios robustos, como a Política Nacional do Meio
Ambiente (BRASIL, 1981) e o Código Florestal (BRASIL, 2012), o
país ainda enfrenta desafios significativos na preservação ambiental e na
gestão de recursos.
A promulgação da Lei nº 12.305/2010, que estabeleceu a Polí-
tica Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e a subsequente regulamen-
tação pelo Decreto nº 10.936/2022 representam avanços marcantes no
compromisso do Brasil com a gestão ambiental responsável. Essas me-
didas buscam abordar a complexa questão dos resíduos sólidos e alinhar
o país aos princípios da economia circular, que promovem a redução do
desperdício e a eficiente gestão de recursos.
A Lei nº 12.305/2010, ao estabelecer diretrizes para a gestão
integrada e o gerenciamento adequado dos resíduos sólidos, demons-
tra um compromisso explícito do Estado brasileiro em lidar com os
desafios ambientais associados ao descarte inadequado de resíduos. No
entanto, a eficácia plena da legislação depende da adoção de abordagens
que promovam a redução, a reutilização e a reciclagem de resíduos,
princípios centrais da economia circular.
O Decreto nº 10.936/2022, que regulamenta a PNRS, oferece
diretrizes detalhadas para a implementação de planos de gestão de re-
síduos sólidos, incentivando a criação de sistemas de logística reversa
(BRASIL, 2022) e a promoção da responsabilidade compartilhada en-
tre os setores público e privado. Ao enfatizar a necessidade de ações que
promovam a economia circular, o Decreto estabelece as bases para uma
abordagem mais abrangente e holística da gestão de resíduos, alinhan-
do-se com os princípios da sustentabilidade descritos por Boff.
No entanto, é importante destacar que a incorporação explícita
dos princípios da economia circular nesses instrumentos legais ainda
é limitada, o que resulta em uma lacuna significativa na promoção de
práticas econômicas sustentáveis. A legislação ambiental brasileira re-
quer uma revisão para incorporar de maneira explícita os princípios da
economia circular, visando impulsionar práticas econômicas mais sus-
tentáveis. Essa revisão envolve a elaboração de políticas que não apenas
incentivem ativamente a adoção de práticas de produção e consumo
sustentáveis, mas também a implementação de programas abrangentes
de conscientização pública e educação ambiental.
62 Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a proteção dos direitos da natureza

A economia circular, como uma abordagem da “nova economia”


mais sustentável e resiliente, é fundamentada em três princípios-chave,
de acordo com Weetman (2018). Esses princípios incluem a eliminação
do desperdício e da poluição, a manutenção de produtos e materiais
em uso e a regeneração dos sistemas naturais. Ela se propõe a forjar um
novo paradigma de produção e consumo, cujo cerne está na minimi-
zação do desperdício e da poluição, bem como na prolongação da vida
útil dos recursos, em paralelo à regeneração dos sistemas naturais.
Nesse contexto, a promoção da economia colaborativa emerge
como um fator importante, incentivando a cooperação entre empresas,
governos e sociedade civil, com o intuito de conceber soluções mais
eficazes e sustentáveis. Essa abordagem pressupõe a partilha de recursos
e bens, reduzindo substancialmente a necessidade de produção e con-
sumo excessivos, ao passo que fortalece os laços entre diferentes atores,
consolidando uma visão de interdependência e respeito pela capacidade
regenerativa da natureza.
As organizações estão reavaliando seus modelos de negócio e
incorporando estratégias mais sustentáveis para se adaptarem à econo-
mia circular. Essa transformação é impulsionada por fatores internos e
externos, incluindo o papel da internet e das redes sociais, que dissemi-
nam informações e conectam pessoas com ideias afins (WEETMAN,
2018). Campanhas organizadas por organizações não governamentais
(ONGs) e grupos de consumidores também despertam o interesse e a
conscientização do público em relação a questões ambientais e éticas.
No setor de alimentos, por exemplo, empresas estão encontran-
do maneiras de gerar receita a partir de subprodutos da produção, como
no caso do café, em que a utilização de resíduos como cascas e bagaços
pode gerar novos produtos, como biocombustíveis e fertilizantes, redu-
zindo o desperdício e beneficiando os produtores (WEETMAN, 2018).
A economia circular não se limita a empresas individuais, mas
também representa uma oportunidade para colaboração e inovação em
toda a cadeia de suprimentos, envolvendo empresas globais e startups de
diferentes setores (WEETMAN, 2018).
Dessa maneira, a economia circular assume um papel de ex-
trema importância na construção de um sistema econômico mais jus-
to e sustentável, ao reconhecer a necessidade de proporcionar tempo
para que a natureza se regenere, em um ciclo contínuo de reconstrução,
afastando-se da concepção de que os recursos naturais são inesgotáveis.
Caio Cabral Azevedo, Hebert Leonardo Lehner, Kênia Aparecida Ramos Silva
63
e Maria Eduarda Milagres Fonseca

Valorizar a relevância intrínseca dos ecossistemas, rios, montanhas e ou-


tros elementos naturais é essencial para garantir sua proteção e permitir
que eles evoluam de forma independente, sem interferência humana.
A economia circular, baseada na reutilização, reciclagem e re-
dução do desperdício, é vital para proteger a natureza. Reduzindo a
exploração de recursos e a poluição, ela preserva ecossistemas frágeis
e o equilíbrio ecológico. Além disso, otimiza a gestão de recursos, mi-
nimizando os impactos da atividade humana na biodiversidade e nos
serviços ecossistêmicos.
Assim, essa abordagem desempenha um papel central na promo-
ção da sustentabilidade e na defesa do meio ambiente, alinhando-se com
a busca de uma Nova Economia que respeita os direitos da natureza.
Diante dos desafios ambientais atuais, a economia circular é uma resposta
sólida, embora exija transformações culturais e regulatórias. Ela aponta
para um futuro mais sustentável e equitativo, no qual a harmonia com a
natureza é prioridade.

5. Considerações finais

Ao considerar o exposto neste artigo, é inegável que a economia


circular emerge como uma trajetória para a Nova Economia, oferecen-
do uma promissora solução para a preservação dos direitos da natureza
e a construção de um mundo mais sustentável e equitativo. A ênfase
na redução do desperdício, na mitigação da poluição e na regeneração
dos ecossistemas aponta para um caminho viável de enfrentamento dos
desafios atuais nas esferas ambiental e social.
A transição para uma economia circular representa um desafio
complexo, exigindo transformações profundas nos âmbitos cultural, re-
gulatório, individual e institucional. É essencial que a sociedade repense
sua relação com os recursos naturais, enquanto os governos e as empre-
sas desempenham um papel fundamental na facilitação dessa transição.
As políticas públicas e os incentivos devem ser revistos e reconfigurados
para apoiar práticas circulares, e as empresas devem adotar modelos de
negócios sustentáveis que priorizem a minimização de resíduos e a pre-
servação dos recursos naturais. A sociedade também deve pressionar os
governos e as empresas para que adotem a economia circular.
64 Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a proteção dos direitos da natureza

Além disso, é importante reconhecer que os direitos da natureza


são inerentes a ela e devem ser protegidos por si mesmos, e não pela
única finalidade de garantir uma boa qualidade de vida ao ser humano.
Desse modo, a natureza deve ser reconhecida como um sujeito de di-
reitos no ordenamento jurídico brasileiro, assim como vem sendo feito
por outros países latino-americanos na onda do novo constituciona-
lismo. Portanto, a conservação ambiental deve ser encarada como um
imperativo moral e ético, visando assegurar um futuro mais sustentável
para todos, seres humanos e não humanos.
Em última análise, a economia circular proporciona uma pers-
pectiva otimista e factível de como podemos reverter o curso linear in-
sustentável que temos seguido e pavimentar o caminho em direção à
emergente Nova Economia. No entanto, a realização dessa visão requer
um esforço coletivo que envolva governos, empresas e a sociedade civil.
Somente por meio da colaboração e do comprometimento de todos os
setores da sociedade será possível edificar um futuro mais harmonioso
com a natureza, garantindo os direitos da natureza para as próximas ge-
rações. Neste contexto, a Economia Circular emerge como um recurso
de inestimável relevância, a ser incorporado como parte essencial dessa
jornada em direção a um mundo mais equitativo, sustentável e justo.

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CAPÍTULO 3 – A QUESTÃO AMBIENTAL SOB


A PERSPECTIVA DECOLONIAL: QUESTÕES
DE GÊNERO E RAÇA E CONTRIBUIÇÕES DO
ANTIRRACISMO E DO ECOFEMINISMO

Larissa Lauane Rodrigues Vieira1


Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto2

1. Considerações iniciais
A destruição da natureza na sociedade capitalista e a invisibili-
zação e subordinação de pessoas racializadas e mulheres nas sociedades
racistas e patriarcais encontram raízes comuns, provém de uma cultura
que coloca uma parede entre os seres humanos e o resto dos seres vivos.
Esses grupos, assim como natureza e os animais, são objetificados, e es-
tão sujeitos ao controle de sua reprodução. Os seres não humanos, que
não se encaixam no estereótipo eurocêntrico de humanidade, e o meio
ambiente são tratados como objetos à disposição do ser humano e do
seu sistema para gerar lucro e benefícios próprios.
Há um vínculo entre a introdução da instrumentalização da na-
tureza e a introdução do conceito moderno de gênero e raça, que tem
como resultado a desumanização constitutiva da colonialidade do ser
(LUGONES, 2014). A partir de uma perspectiva interseccional, pode-
mos compreender esses diversos sistemas de opressão. Os não humanos
e a natureza estão sob o mesmo guarda-chuva da opressão do sistema
racista e patriarcal. É necessário protegê-los e dar-lhes voz como forma
de proteger as mulheres, assim como pessoas racializadas e outros gru-
pos subalternizados, das consequências dos danos ambientais.
O fenômeno da colonialidade atravessa e controla todas as es-
feras da vida e, de forma abertamente violenta, nega a humanidade
1 Lattes: http://lattes.cnpq.br/3644406714639533.
2 Lattes: http://lattes.cnpq.br/2539322540829653.
67
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial: questões de gênero e raça e contribuições do
68 antirracismo e do ecofeminismo

de seres humanos por meio da diferenciação entre raças, ficção intro-


duzida pela modernidade/colonialidade, e pela imposição de padrões
dicotômicos de gênero. A transformação civilizatória é um processo
de desumanização que interfere na concepção que as pessoas têm de si
mesmas, de sua identidade, organização social, ecológica e cosmológi-
ca, seguindo um raciocínio de constituição dialógica com a coloniali-
dade do poder (LUGONES, 2014). Essa imposição se materializa na
intersecção de raça, classe, gênero e sexualidade, como um pilar que
mantém o poder do capitalismo eurocêntrico e global, perpetuando a
opressão de grupos subalternizados pela combinação desses elementos
identitários.
No que diz respeito ao viés racial, essencial evidenciar que a
colonização e o pensamento eurocêntrico atuaram para com a manu-
tenção dos negros à margem da sociedade, colaborando para a constru-
ção de uma sociedade opressora. Antropocentrismo e etnocentrismo
são conceitos que também foram utilizados em desfavor dos negros,
colocando-os em grupos extremamente marginalizados e mantendo os
humanos considerados como padrões no centro de quaisquer decisões
importantes política e socialmente, isto é, homens brancos e ricos.
O privilégio mantido em relação ao padrão estabelecido, prin-
cipalmente pelas sociedades europeias, fez com que todo o resto fosse
desconsiderado e desvalorizado, ou seja, mulheres e negros. Ainda, o
meio ambiente foi colocado em uma posição ainda mais subalterna,
tendo em vista que a exploração desmedida de florestas e áreas naturais
é paralela à exploração de negros e indígenas ocorrida durante vários
séculos.
Sendo assim, mencionada supressão dos direitos dos pretos, que
nem mesmo como pessoas eram consideradas, reflete também na ques-
tão ambiental. Grupos mais atuais como os quilombolas e sociedades
antigas como as que ocupavam diferentes locais do continente africa-
no, tinham uma relação muito mais próxima com a natureza do que
os colonizadores, sendo que a devastação do meio ambiente pode ser
diretamente associada, em alguns casos, à destruição de vários grupos.
Dessa forma, neste capítulo, tem-se como objetivo ampliar o es-
copo da discussão sobre a crise ambiental, trazendo à tona perspectivas
muitas vezes subestimadas, mas que são fundamentais: o ecofeminismo
decolonial e o antirracismo. Buscamos ir além das narrativas tradicio-
nais e explorar como esses recortes essenciais desempenham um papel
Larissa Lauane Rodrigues Vieira e Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto 69

fundamental na configuração de novos paradigmas para lidar com os


desafios ambientais que enfrentamos atualmente.
Tal enfoque se justifica na compreensão de que a crise ambien-
tal não é apenas um problema concernente ao meio ambiente, mas tam-
bém uma questão intrinsecamente ligada à justiça social e ambiental,
ao combate ao racismo estrutural e à desconstrução do patriarcado. É
urgente promover uma abordagem mais inclusiva e interseccional para
enfrentar a crise, reconhecendo que a ignorância ou negligência desses
fatores apenas aprofundará os problemas existentes e que soluções que
não tenham esse recorte em mente serão inócuas.
Sob uma perspectiva atual, deve-se ressaltar o conceito de racis-
mo ambiental, sendo esta uma maneira de delinear a forma com que as
pessoas negras são mais atingidas pelos danos ambientais causados por
anos de colonização e exploração desmedida. O que foi afirmado ocorre
em decorrência do fato de que, devido a um processo historicamente
longo de manutenção de estruturas opressoras, negros tiveram que se
manter em locais e situações que estão mais suscetíveis às consequências
do desequilíbrio ambiental, criando mais um obstáculo para os grupos
pretos.
Além disso, com a colonização do gênero, o papel da mulher
colonizada foi restringido ao âmbito privado, às responsabilidades fami-
liares e domésticas, exercendo um trabalho de reprodução social, o cui-
dado, trabalho que sustenta a vida humana, essencial para manutenção
da produção capitalista. Em razão disso, são as mulheres, dentre outros
grupos subalternizados, que mais sofrem com os problemas ambientais,
sendo mais vulneráveis aos desastres naturais e também as mais atuantes
no processo de recuperação. Em especial, a injustiça ambiental afeta so-
bremodo a mulher negra, que se encontra na intersecção de mais de um
tipo de subordinação para além do sexismo, o racismo. Desse modo,
sem perder de vista a teoria da interseccionalidade, é necessário verificar
a identidade produzida pelo racismo e patriarcado, e adicionalmente
também a exploração de classe, que são questões estruturais que se in-
tercombinam e geram diferentes formas de exclusão, de maneira que ao
pensar no feminismo também é necessário fazê-lo de forma antirracista,
já que é impossível dissociar os movimentos.
Assim sendo, utilizar-se-á as contribuições do feminismo deco-
lonial para endereçar a esfera de gênero da colonialidade. Em direção
oposta ao feminismo hegemônico eurocêntrico, que universaliza a ex-
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial: questões de gênero e raça e contribuições do
70 antirracismo e do ecofeminismo

periência da dominação patriarcal na pele da mulher branca, o feminis-


mo decolonial radicaliza a epistemologia da teoria decolonial, a com-
plementa na análise da imposição colonial do gênero. Não é possível
pensar em decolonialidade sem agregar a crítica da opressão de gênero
racializada, colonial e capitalista, visando uma transformação social. So-
mado a isso, o ecofeminismo estabelece um paralelo entre a exploração
indiscriminada da natureza e a subordinação significativa que as mulhe-
res enfrentaram ao longo da história, trazem um olhar diferenciado às
especificidades das violações sofridas por elas em decorrência de danos
ambientais e oferecem contribuições para novos marcos civilizatórios
para um futuro possível.
É crucial trazer à tona essas vozes e perspectivas para construir
um entendimento mais completo e eficaz das questões ambientais em
nossa busca por soluções sustentáveis e equitativas. Para isso, necessário
é o estudo de produções e autores que tratam não somente da perspec-
tiva ambiental, mas também que se dedicam a buscar explicações acerca
do colonialismo, racismo estrutural e suas consequências, demonstran-
do exemplos de racismo ambiental e buscando alternativas viáveis para
o enfrentamento da problemática.

2. Ecofeminismo e feminismo decolonial


O marco do antropoceno nos mostra como o homem vem sina-
lizando sua presença na Terra. Porém, em um contexto de degradação
da natureza como nunca visto antes na história, em que mais desastres
acontecem como consequência direta ou indireta da ação do homem
sobre a natureza, tal período catastrófico, segundo Holzinger (2023),
poderia ser taticamente melhor denominado como capitaloceno, já que
não é toda vivência humana que é danosa ao meio ambiente, mas sim
aquelas ligadas a um modo de produção degradante e explorador. Para
Sólon (2017), o momento histórico que se vivencia é de uma crise sistê-
mica, que abarca crises ambiental, econômica, geopolítica, institucional
e civilizatória, como parte de um todo interrelacionado e interdepen-
dente. Essa crise resulta da incessante busca por lucros do sistema ca-
pitalista, às custas do planeta e da humanidade, levando à extinção de
espécies, perda de diversidade biológica e degradação do ser humano
(SOLON, 2017).
Larissa Lauane Rodrigues Vieira e Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto 71

Embora compartilhemos do mesmo ecossistema, nem todos en-


frentam os mesmos impactos. Marcadores sociais de vulnerabilidade,
tais como raça, classe e gênero, também criam vulnerabilidades am-
bientais. Nesse contexto, mulheres e pessoas racializadas são dos grupos
mais afetados pela crise ambiental, especialmente diante de situações
socioeconômicas precárias. De acordo com um estudo do Instituto Po-
lis, que investigou as injustiças socioambientais em três municípios bra-
sileiros, são as mulheres negras e de baixa renda que sofrem o impacto
mais significativo das tragédias ambientais.
A investigação identificou que, na cidade de São Paulo, 55%
da população residente em áreas com risco de deslizamento é negra,
em contraste com a proporção de 37% de pessoas negras residentes na
capital (INSTITUTO POLIS, 2022). Por sua vez, mulheres provedoras
monoparentais que ganham até um salário mínimo representam 8,4%
da população paulista, mas nas áreas com risco geológico alcançam o
percentual de 12,6% (INSTITUTO POLIS, 2022). O mesmo ocorre
com o risco de inundação. Em Recife, a média de residências chefiadas
por mulheres com renda de até um salário mínimo é de 22,1% nas áreas
de risco, em contraste com a média recifense de 19,7% (INSTITUTO
POLIS, 2022).
A relação entre gênero e o meio ambiente também foi destacada
na COP26, em que foi evidenciado que 80% dos deslocados por mu-
danças climáticas e desastres são mulheres e meninas (ONU, 2021). De
forma semelhante, em relatório sobre a perspectiva das mulheres atin-
gidas pelo rompimento da Barragem de Fundão na cidade de Mariana/
MG, a FGV (2022) identificou impactos nos âmbitos das relações eco-
nômicas e sociais, de violência, saúde e nas perspectivas de futuro dessas
mulheres que, apesar de não serem exclusivamente sentidos por elas, as
afetam de maneira particular em virtude dos papéis sociais impostos
historicamente.
Diante disso, faz-se importante analisar a crise ambiental que se
vivencia sob um recorte de gênero, para que se desenvolva estratégias
mais eficazes e equitativas no enfrentamento das injustiças ambientais e
a promoção de um futuro sustentável, igualitário e, diante do iminente
colapso ambiental, possível. Isso não apenas pela forma desproporcio-
nal pela qual esse grupo é afetado, mas porque para se questionar um
problema sistêmico que interconecta economia, as relações sociais, cul-
tura e as relações de poder estabelecidas pelo capitalismo eurocentrado,
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial: questões de gênero e raça e contribuições do
72 antirracismo e do ecofeminismo

não é possível fazê-lo sem uma resposta sistêmica que desafie o patriar-
cado e busque superar as limitações coloniais.
Portanto, neste primeiro momento, objetiva-se proceder a essa
análise à luz da crítica feminista decolonial e do ecofeminismo, cujas
reflexões sobre o passado e o presente servem como um instrumen-
to crucial para traçar novos paradigmas de futuro. Contudo, não há a
pretensão de trazer essa visão como a única interpretação possível para
um problema que é complexo e sistêmico, mas, sim, pontuar mais uma
abordagem, que se unirá a tantas outras descritas neste livro, cada uma
com suas fortalezas e limitações, que se complementam para desenvol-
ver soluções sistêmicas.
O ecofeminismo parte do reconhecimento das conexões in-
trínsecas entre os seres humanos e a natureza (BELTRÁN, 2017). O
autor enfatiza a ideia de que somos seres interdependentes e ecode-
pendentes, destacando a necessidade de cuidado mútuo para garantir
a sobrevivência de todos (BELTRÁN, 2017). Essa abordagem visa
promover transformações sociais que abranjam a integralidade das
relações humanas e com a natureza (BELTRÁN, 2017) e mais, há a
convicção de que a natureza não humana é, também, um problema
feminista (WARREN, 1997).
A proposta transformadora do ecofeminismo tem suas raízes na
ênfase dada às bases materiais do cuidado e da sustentabilidade da vida
e na denúncia do sistema de dominação capitalista e patriarcal (BEL-
TRÁN, 2017). Nos países fora do eixo de desenvolvimento do Norte
Global, em famílias chefiadas por mulheres, elas são as principais res-
ponsáveis por gerir o capital ambiental que as rodeia e são as mais afe-
tadas pelo esgotamento de recursos naturais (ONU, 2021; WARREN,
1997). Desse modo, é necessário que a teoria ecofeminista enfrente se-
riamente os problemas da colonização na análise da opressão, porque
“com a colonização começa a dominação das mulheres e a dominação
da natureza” (SMITH, 1997, p. 22).
O fenômeno da colonialidade, por sua vez, permeia e controla
todos os aspectos da existência humana e, de maneira explicitamente
violenta, nega a humanidade de indivíduos ao estabelecer distinções
raciais, uma concepção introduzida pela modernidade/colonialidade, e
ao impor padrões dicotômicos de gênero. Até então o relacionamento
entre as sociedades pré-intrusão e a natureza era de convivência har-
Larissa Lauane Rodrigues Vieira e Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto 73

mônica, muito diferente da relação introduzida pela colonização e o


capitalismo.
Além disso, a missão civilizatória moderna afetou a forma como
as pessoas colonizadas se percebem, a sua organização social, as relações
cosmológicas e ecológicas e todo o tecido de sua compreensão de reali-
dade (LUGONES, 2014). Essa imposição é evidente na interseção de
raça, classe, gênero e sexualidade, atuando como um pilar que sustenta
o poder do capitalismo eurocêntrico global, perpetuando a opressão de
grupos subalternizados pela convergência desses elementos identitários.
Diante dessa mutação histórica da estrutura de gênero, ao mes-
mo tempo em que o sujeito masculino (e branco) se torna modelo do
humano e sujeito paradigmático de enunciação da esfera pública, ou
melhor, de tudo o que é dotado de política, interesse geral e valor uni-
versal, o espaço das mulheres, relacionado à esfera doméstica, é esvazia-
do de sua natureza política e dos vínculos de que gozava na vida comu-
nal e se transforma em margem e resto da política (SEGATO, 2016).
O espaço doméstico adquire, assim, os predicados de íntimo e privado,
que antes não possuía, e a mulher colonizada se vê limitada às respon-
sabilidades familiares e domésticas, desempenhando um trabalho de
reprodução social, o qual abarca o cuidado, uma tarefa fundamental
para a sustentação da vida humana e essencial para a manutenção da
produção capitalista. Daí surge a significância histórica e causal das ma-
neiras que a destruição ambiental afeta desproporcionalmente mulheres
e crianças (WARREN, 1997). O confinamento da mulher às funções
domésticas de cuidado e ao trabalho de reprodução social, ou seja, à
manutenção da vida, se relaciona intimamente com as consequências
negativas da gestão ambiental destrutiva, como falta de recursos e catás-
trofes ambientais.
Nesse sentido, a crítica ecofeminista, numa leitura conjunta
com o feminismo decolonial, problematiza e complexifica pré-con-
cepções identitárias e relacionais entre a natureza humana e a natu-
reza não humana e busca novas formas de mediação dos problemas
contemporâneos a fim de um futuro possível (FGV, 2022). O gênero,
como categoria criada/problematizada por um processo colonizador,
fazendo parte de uma lógica de poder e opressão, é necessariamente
atravessado por outras matrizes de opressão que se reconfiguram de
forma que só podem ser compreendidos em sua multidimensionali-
dade (BAIRROS, 2021).
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial: questões de gênero e raça e contribuições do
74 antirracismo e do ecofeminismo

Assim, levando em conta a teoria da interseccionalidade, a


mulher negra é afetada sobremaneira pela injustiça ambiental, encon-
trando-se na intersecção de mais de uma forma de subordinação, não
apenas enfrentando sexismo, mas também racismo. Portanto, é crucial
reconhecer a identidade forjada pelo racismo, patriarcado e exploração
de classe, questões estruturais que se entrelaçam, resultando em diver-
sas formas de exclusão. Assim, ao abordar o feminismo, é imperativo
fazê-lo de maneira antirracista, uma vez que é impossível separar os
movimentos que combatem essas interseções.
Essa análise ecofeminista, decolonial e antirracista deve ser in-
corporada como um instrumento na busca de políticas públicas e me-
didas que desafiem a atual crise sistêmica. O debate deve ser levado à
institucionalidade, em medidas legislativas, políticas públicas e à parti-
cipação política, como alguns autores consideram já estar acontecendo.
Segundo Reis e Lemgruber (2020), a Lei nº 23.291/2019, ao
anunciar a necessidade de dar voz às mulheres que terão suas vidas im-
pactadas por empreendimentos minerários, em sede de audiência pública
para o licenciamento ambiental de barragens, possui um cunho ecofemi-
nista. De fato, o reconhecimento da necessidade de oitiva desse grupo es-
pecífico evidencia como ele tem especial relevância na questão ambiental,
diante do acentuamento de suas vulnerabilidades ambientais.
Todavia, trata-se, também, de uma medida limitada que apenas
regula uma situação ao invés de verdadeiramente desafiar as condições
sociais que a estabelecem. Essa crítica não significa que tal medida não
seja desejada e que ela não é uma importante conquista no campo eco-
feminista, apenas significa que não podemos parar por aí. Há uma série
de outras contribuições que advêm do recorte de gênero ecofeminista
decolonial, tais como a luta por práticas equilibradas de produção de
alimento, por moradias urbanas sustentáveis e seguras, pelo bem viver,
pela valorização do trabalho doméstico de cuidado e reprodução social
e por alternativas econômicas feministas, guiadas na sustentabilidade
da vida e justiça ambiental em detrimento do lucro e do capital (FGV,
2022; BELTRÁN, 2017).
Diante disso e sem pretensão de esgotar as alternativas que po-
dem ser abordadas a partir do viés ecofeminista decolonial, fica evidente
como o recorte de gênero tem papel central para o direcionamento a
novos marcos civilizatórios. Da mesma forma ocorre com o recorte de
raça, haja vista que sem contribuições a partir de seu referencial, nenhu-
Larissa Lauane Rodrigues Vieira e Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto 75

ma medida para conter a atual crise ambiental será efetiva, conforme


será identificado no próximo tópico.

3. O negro e a questão ambiental


Historicamente, negros estiveram à margem da sociedade, ha-
vendo um caráter não somente de inferiorização, mas também de ex-
clusão e negação de existências, sendo que, mesmo após a abolição da
escravatura em seu sentido legislativo (1888), políticas até mesmo cons-
titucionais atuaram para a manutenção da população negra em uma
condição de subcidadania. Movimentos vistos como emancipadores, tal
como a Proclamação da República (1889), não possuíam características
tão disruptivas, sendo a exclusão racial uma constante mesmo após o
estabelecimento do Brasil República (SANTOS, 2022).
Considerada como o principal mecanismo que atuou para com
a continuidade de uma estrutura racista, a Constituição de 1891 em seu
artigo 69 determinava de forma relativamente ampla, desconsiderando
a perspectiva feminina, quem deveria ser considerado como cidadão
brasileiro (SANTOS, 2022). No entanto, em relação a quem deveria ser
cidadão eleitor, capaz de escolher seus representantes políticos, haviam
restrições ligadas ao analfabetismo e à pessoa em situação de rua, o que
afetava, em muito, a participação política da população negra (SAN-
TOS, 2022).
Veja bem: proporcionalmente o maior grupo de pessoas anal-
fabetas e em situação de rua ainda hoje no Brasil é de negros, pois,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio divulgada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao ano
de 2022, a taxa de analfabetismo na faixa etária de 60 anos ou mais foi
de 9,3% em relação às pessoas brancas e 23,3% entre as pessoas pretas
(IBGE, 2023). Ou seja, a porcentagem de pessoas analfabetas pretas é
mais que o dobro de brancos, tratando-se de uma pesquisa recente e na
qual ainda pode ser observada a desigualdade existente.
À época da Constituição supracitada, isto é, 1891, essa dinâmi-
ca de que havia uma maior concentração de pessoas negras analfabetas
e/ou em situação de rua era ainda maior, em razão de que, com a Abo-
lição da Escravatura em 1888, não houve políticas de real integração
do negro à sociedade. Ao contrário, o que ocorreu foi a implementação
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial: questões de gênero e raça e contribuições do
76 antirracismo e do ecofeminismo

de políticas e legislações que criminalizavam situações e práticas mui-


to relacionadas à população negra, como a proibição da capoeira e da
vadiagem.
Acerca das temáticas mencionadas, o antigo Código Penal de-
terminava, sobre os vadios que “todos que não exercessem profissão,
não tivessem meios de subsistência ou manifestassem ofensa contra
a moral e os bons costumes seriam presos por um período de quinze
a trinta dias” (SANTOS, 2022, p. 194), enquanto no artigo 402 do
Código havia menção expressa à proibição da capoeiragem. As duas
proibições mencionadas servem para ilustrar a manutenção de estrutu-
ras opressoras baseadas na cor, mesmo após a Abolição da Escravatura
(1888), demonstrando que outros instrumentos foram utilizados em
prol da manutenção do status quo, isto é, de uma estrutura organizada
em função da desigualdade e da hierarquização fundada na cor.
Observando-se a determinação existente quanto à vadiagem,
mesmo que não literalmente voltada para a população negra, vê-se que
a mesma se encaixa nas determinações contidas no artigo, devido a já
mencionada não inserção dos negros na sociedade em um contexto
pós-abolicionista. A questão a ser considerada não se refere somente à
“abolição legislativa”, mas também à construção social conjunta de po-
líticas em prol do negro ser visto e tratado como um cidadão brasileiro,
um sujeito de direitos, algo que só começou a ser conquistado muitas
décadas após 1888.
A capoeira era uma das várias manifestações culturais ligadas
aos povos provenientes de África, sendo ainda mais evidente observar
que as criminalizações realizadas possuíam caráter e objetivos específi-
cos, gerando uma desvalorização dos saberes negros, incluídos aqueles
relacionados à natureza. Durante o período escravocrata brasileiro já
houve um apagamento bem significativo em relação às origens africa-
nas dos negros escravizados, sendo o Império mais um modelo de ges-
tão governamental centrado em um olhar eurocêntrico, colonialista e
unidimensional.
Quando é analisada a questão escravocrata, há um entendimen-
to muito ligado à exploração física do negro, seja em trabalhos extre-
mamente penosos e torturantes, seja por meio de abusos e violências
de cunho sexual. No entanto, a opressão do negro durante o período
colonial vai além, atingindo as mais diversas esferas da vida do então
escravo, como linguagem, cultura e religiosidade, já que o apagamento
Larissa Lauane Rodrigues Vieira e Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto 77

de possíveis coletividades era uma das medidas impostas pelos escravo-


cratas a fim de proporcionar uma desunião entre os negros, restando
para a natureza um local ainda mais subalterno.
Sobre o assunto, Kabengele Munanga ressalta que existem di-
ferentes fatores no que tange à “construção de uma identidade ou de
uma personalidade coletiva”, sendo que dois deles se referem ao caráter
histórico e linguístico (MUNANGA, 2020, p. 12). O primeiro está
em muito relacionado com a consciência histórica de um povo e com
a capacidade de haver uma continuidade, uma ancestralidade existente
entre pessoas de um mesmo território, de uma mesma origem, sendo
um fator extremamente importante no que diz respeito à conexão exis-
tente entre diferentes gerações e afastar os negros dessa memória coleti-
va prejudicou a própria noção identitária (MUNANGA, 2020, p. 12).
Territorialmente já havia um distanciamento dos escravos em
relação às suas origens, mas o rompimento e repressão da memória co-
letiva, seja em relação a tribos ou grupos religiosos, acarreta uma facili-
tação do afastamento dentro dos próprios grupos de escravos, havendo
uma tentativa de separação entre negros e quaisquer possibilidades de
identificação antes existentes em seus grupos originários. O segundo
fator apontado pelo autor está relacionado à linguagem, já que houve
uma tentativa de repressão das línguas de matriz africana, dificultando
a comunicação entre os escravos (MUNANGA, 2020, p. 13).
Nesse sentido, essencial ressaltar a forma com que a sistemática
do epistemicídio tem sido utilizada em desfavor dos negros e da própria
temática ambiental, pois negar conhecimentos produzidos por grupos
negros ao longo da história, desvalidando sua trajetória, é uma forma
de dominação racial e ambiental, fazendo com que a natureza e pessoas
pretas nem como sujeitos de direitos fossem considerados (CARNEI-
RO, 2023). Sendo assim, a desqualificação de saberes negros e indíge-
nas, a partir de uma hierarquização eurocêntrica, colaborou ainda mais
para com um olhar totalmente distanciado da questão ambiental
Isto ocorre porque, ao negar o conhecimento produzido por co-
munidades que viam a terra de modo diferenciado, o colonialismo fez
com que a própria noção de natureza perpassasse o etnocentrismo e
antropocentrismo, sendo que, em nenhum momento, houve a consi-
deração do meio ambiente como o sujeito central. O epistemicídio de
saberes tradicionais, e uma compreensão de que mencionados saberes
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial: questões de gênero e raça e contribuições do
78 antirracismo e do ecofeminismo

não eram civilizados, acabou por inserir a questão ambiental somente


como mais um dos objetos a serem utilizados pelo capitalismo.
Em vista da opressão ocorrida por meio de diferentes frentes, co-
munidades de resistência como os quilombos não representam somente
a proteção de linguagens, religiões e culturas de origens africanas, mas
também uma relação única com outro sujeito de direitos que, ao longo
de todo esse processo, não foi considerado, isto é, o meio ambiente.
No que concerne à temática, Abdias do Nascimento apresenta, dentre
vários outros princípios/propósitos do quilombismo:
O quilombismo essencialmente é um defensor da existência humana e,
como tal, ele se coloca contra a poluição ecológica e favorece todas as for-
mas de melhoramento ambiental que possam assegurar uma vida saudável
para as crianças, as mulheres e os homens, os animais, as criaturas do mar,
as plantas, as selvas, as pedras e todas as manifestações da natureza. (NAS-
CIMENTO, 2002, p. 372)

A linguagem utilizada é extremamente interessante, em vista de


que, para as comunidades quilombolas há uma compreensão diferen-
te acerca da terra e do meio ambiente, ocorrendo, ainda, como pode
ser observado acima, a diferenciação entre vários tipos de “sujeitos” de
direitos que compõem a natureza. A relação com a terra possui um
caráter muito mais coletivo do que o olhar capitalista promove, ha-
vendo uma inserção da natureza como algo que possui direitos a serem
observados, não somente sendo vista como um produto à disposição da
humanidade.
Tal como apresentado na obra de Acosta, observada a seguir, o
quilombismo não é um movimento político que objetiva a soberania de
um conhecimento em relação aos outros, mas, sim, um modelo de so-
ciedade que rompe com a predominância de apenas um grupo social.
Mencionado fato pode ser observado ao ler os princípios ressaltados pelo
autor, como a integração de mulheres em instituições governamentais de
forma equitativa e a valorização das artes e da educação (NASCIMEN-
TO, 2002). O quilombismo aproxima frentes que, desde o colonialismo,
estiveram próximas uma da outra, ou seja, a exploração ambiental e a in-
feriorização do negro, em vista de que a escravidão no Brasil foi mantida
com base no trabalho forçado predominantemente agrícola.
Assim como foi demonstrado que a opressão do negro conti-
nuou mesmo após a Abolição da Escravatura (1888), ressalta-se que
também houve a manutenção da exploração do meio ambiente, consi-
Larissa Lauane Rodrigues Vieira e Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto 79

derando ainda o fato de que no período pós-colonial havia uma dupla


ausência, inexistindo políticas de inserção do negro na sociedade e legis-
lações protecionistas em relação ao meio ambiente, proteções mínimas
estas que surgiriam somente vários anos depois do Brasil Império. Se
a questão racial e de gênero perpassa por várias intersecções, o meio
ambiente, relacionado a elas, localiza-se em um local ainda mais su-
balternizado ao longo da história, sempre sendo sacrificado em prol do
chamado progresso.
Apesar da existência de comunidades de resistência negra e pre-
servação ambiental, como os quilombos e, em certa medida, as próprias
favelas (NASCIMENTO, 2021), persistem diferentes formas de racis-
mo, dentre elas as ligadas à estrutura e instituições da sociedade brasi-
leira. A discriminação institucional é entendida como um “tratamento
desfavorável que tem origem na operação de instituições públicas ou
privadas. Essa manifestação ocorre quando seus agentes tratam indi-
víduos ou grupos a partir dos estereótipos negativos que circulam no
plano cultural” (MOREIRA, 2020, p. 457).
Instituições ligadas à gestão do governo são utilizadas em prol
da manutenção de controle e submissão em relação a determinados gru-
pos, não podendo esse tipo de discriminação ser creditado a uma deter-
minada pessoa, uma vez que essa forma de preconceito nem mesmo é
direcionada a indivíduos específicos, apresentando um caráter coletivo
e difícil de ser observado e particularizado (MOREIRA, 2020, p. 457).
Enquanto isso, o racismo ou discriminação estrutural pode ser
entendido como uma das consequências do aspecto institucional, em
vista de que o tratamento diferenciado ocorrido por meio das institui-
ções privadas e públicas relacionadas com as sociedades faz com que
grupos minoritários não tenham acesso a determinados recursos, ocor-
rendo a permanência das classes dominantes em espaços decisórios e de
poder (MOREIRA, 2020, p. 466-467).
Em consonância com o que foi apresentado, cabe destacar que
a existência das discriminações institucionais e estruturais agem em
conjunto com o que é entendido atualmente como racismo ambien-
tal, uma manifestação do racismo presente na sociedade por meio do
prejuízo desmedido no que se refere ao impacto ambiental em relação
à população vulnerabilizada (HERCULANO, 2006). É de fácil com-
preensão que, em decorrência de séculos de exploração ambiental, as
consequências recaiam sobre os grupos mais marginalizados, dentre
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial: questões de gênero e raça e contribuições do
80 antirracismo e do ecofeminismo

eles os negros, que tiveram que ocupar locais precários dentro da es-
trutura urbana.
Como visto anteriormente, o racismo se manifesta de diferentes
formas, sendo que a continuação de uma sistemática organizacional em
que o negro é excluído e criminalizado não diz respeito somente aos
corpos negros, mas também aos locais que estes corpos ocupam. Al-
berto Acosta afirma que a hierarquização de raças e a segregação “é um
problema de caráter ambiental, pois não se respeitam os ecossistemas e
territórios onde habitam povos e nacionalidades indígenas ou comuni-
dades negras” (ACOSTA, 2016, p. 146).
Nesse sentido, pode ser observado que a exploração ambiental e
a opressão do negro caminham juntas desde o período colonial, apenas
mudando de forma ao longo dos anos e tomando diferentes proporções
e consequências.
Como proposta de intervenção em relação a um sistema que,
em si mesmo, se retroalimenta no que se refere à hierarquização de
seres, Acosta sugere “a plurinacionalidade como exercício de democra-
cia inclusiva” (ACOSTA, 2016, p. 147). Isto é, a possibilidade de que
sejam levados em consideração diferentes saberes e diferentes olhares,
principalmente da perspectiva ambiental, podem tornar possíveis diálo-
gos que vão ampliar a proteção não somente de grupos marginalizados,
mas do próprio meio ambiente.
O conhecimento a que se refere não é somente os contidos em
quilombos, favelas e em outros grupos de predominância negra, mas
também aqueles pertencentes a outros grupos originários, tradicionais
e marginalizados. A plurinacionalidade se sustenta no diálogo entre di-
ferentes grupos e na possibilidade de que os mais diversos olhares sejam
considerados em prol do debate ambiental.
Como mencionado no decorrer do tópico, há uma relação entre
a inferiorização do negro e a precarização do próprio meio ambiente,
sendo perdida, no percurso colonial e pós-colonial, uma série de conhe-
cimentos ligados à natureza. No entanto, ainda há a possibilidade de
colaborações entre diferentes grupos e experiências, a fim de garantir
uma melhor coabitação entre humanos e natureza.
A decolonialidade, conjuntamente com o projeto plurinacional
e multicultural, atua nessa frente de romper com pensamentos eurocen-
trados e considerar produções e saberes contidos em países ex-colônias e
por povos que nestes lugares viviam ou ainda vivem. A ideia não é des-
Larissa Lauane Rodrigues Vieira e Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto 81

truir tudo o que foi construído durante toda a modernidade, mas, sim,
utilizar aquilo que for positivo para a proteção ambiental, observando
as contribuições de outros grupos sociais acerca da temática.
Ao considerar, portanto, as perspectivas de raça e gênero e os
impactos gerados em relação a mulheres e pessoas pretas, prioriza-se
uma maior participação dessas pessoas em decisões envolvendo questões
ambientais, já que são as mais prejudicadas por catástrofes e consequên-
cias da exploração desmedida proporcionada pelo colonialismo. Nessa
toada, o antirracismo ambiental e o ecofeminismo devem ser abordados
de maneira conjunta, representando diferentes olhares que atualmente
não são considerados na tomada de decisões.

4. Considerações finais
Ao longo deste capítulo, explorou-se o ecofeminismo decolonial
e o antirracismo ambiental como perspectivas cruciais para a compreen-
são e enfrentamento da crise ambiental que se inter-relaciona com as
crises econômica, institucional, geopolítica e civilizatória de uma pers-
pectiva sistêmica. Demonstrou-se como esses recortes são essenciais
para a formação de novos paradigmas que abordem não apenas os de-
safios ambientais, mas também questões de justiça social, igualdade de
gênero, antirracismo e decolonialidade.
Como apontado, existem dados que demonstram a vulnerabili-
dade de mulheres e pessoas pretas no que diz respeito a crises climáticas
e catástrofes ambientais, evidenciando que o feminismo e a luta racial
devem englobar, inclusive, pessoas interseccionalmente mais suscetíveis
a sofrerem os impactos referentes à questão ambiental. O ecofeminis-
mo possui relevância exatamente por possuir um olhar voltado para a
questão de gênero que não é amplamente considerado da perspectiva
ambiental.
Conjuntamente a isso, uma construção e enfrentamento do cha-
mado racismo ambiental evidencia um processo de invisibilização desde
o início da escravidão do negro e que ainda gera consequências para a
população preta em detrimento da realidade que ainda enfrentam por
estarem instalados em locais precários. Em ambos os casos, um olhar
decolonial é necessário para que diversos olhares sejam considerados
em relação ao aspecto ambiental, incluindo os daqueles que são mais
Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial: questões de gênero e raça e contribuições do
82 antirracismo e do ecofeminismo

afetados. A recuperação de conhecimentos perdidos durante o período


colonial e pós-abolicionista, assim como a legitimação de debates eco-
feministas colabora para com um olhar ligeiramente mais amplo, o que
pode, de fato, contribuir com medidas que sejam mais eficazes.
Não se pretendeu apresentar essas visões como as únicas respos-
tas, mas, sim, como parte integrante de um sistema amplo de medi-
das, das quais muitas são descritas neste livro, como formas de pensar
em soluções possíveis para um novo relacionamento com o meio em
que vivemos, em prol de um futuro possível. Assim, faz-se necessário
compreender como a perspectiva racial e de gênero estão inter-relacio-
nadas com a problemática ambiental. É imperativo que se incorpore
essas perspectivas em nossos esforços para buscar soluções sustentáveis e
equitativas. Ao fazê-lo, a sociedade estará mais bem preparada para en-
frentar a crise ambiental de maneira abrangente e construir um futuro
mais justo e igualitário para todos.

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DOI: https://doi.org/10.29327/5392371.1-7

CAPÍTULO 4 – NO ROMPER DA MINERAÇÃO,


PANORAMA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
DO MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA
FRENTE AOS DIREITOS DA NATUREZA

Meirilane Gonçalves Coelho1


Renata Cristina Araújo2
Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira3

1. Considerações iniciais
Ante o atual contexto de crise ambiental e desastres decorren-
tes da atividade de mineração, o presente artigo se propôs a analisar
como a cidade de Santa Bárbara, integrante do quadrilátero ferrífero
no estado de Minas Gerais, vem lidando com a questão da preservação
da natureza, em especial do rio que leva o seu nome. A cidade de San-
ta Bárbara possui estreita relação com a atividade mineradora e, assim
como diversas cidades do Brasil, vive a “minério dependência” e o medo
da “lama-invisível”, expressão cunhada, principalmente, pela possibili-
dade do rompimento da barragem de Córrego do Sítio, pertencente à
mineradora AngloGold Ashanti e da barragem Sul Superior, situada na
cidade de Barão de Cocais, pertencente à mineradora Vale S.A.
É inescapável o fato de que a ameaça de um rompimento causa
danos psicológicos e sociais, bem como gera impactos negativos no sen-
timento de pertencimento e vivências nas comunidades próximas. No
que se refere à cidade de Santa Bárbara, a expectativa de rompimento
faz com que as experiências da população junto ao rio Santa Bárbara, já
afetado pelas ações humanas e, em especial, pela atividade mineradora,
1 E-mail: [email protected].
2 Lattes: http://lattes.cnpq.br/4299068320679771.
3 Lattes: http://lattes.cnpq.br/0768932367847653.
85
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
86 frente aos direitos da natureza

sejam apagadas. Isso porque o rompimento das barragens mencionadas


afetará o rio, causando danos de difícil reparação.
É nesse contexto que a busca por alternativas possíveis para a pre-
servação da memória, patrimônio e natureza se fazem urgentes e neces-
sárias. Alberto Acosta (2016), ao se debruçar sobre a realidade predatória
e consumista, propõe pensar em uma mudança da civilização partindo
do entendimento de que a natureza possui direitos. Busca propagar o
entendimento de que os seres humanos são parte da natureza e não seu
dominador/proprietário. Por meio dessa compreensão, seria possível pon-
derar quais atividades humanas devem ser priorizadas com a finalidade de
preservar a existência humana e de todas as outras formas de vida.
Para efetivar esse pensamento que pode ser visto, a princípio,
como utópico, deve-se compreender como as comunidades mineradoras
vivenciam e experienciam a atividade mineradora. Aráoz (2020), em seus
estudos sobre a mineração na América, constata que a ideia de desenvol-
vimento econômico é estritamente vinculada à exploração da natureza,
assim como a degradação é vista como efeito colateral suportável.
Cientes dessa realidade, o problema que o trabalho pretende
enfrentar consiste em saber se a legislação da cidade de Santa Bárbara
possui dispositivos que protejam o rio Santa Bárbara da atividade mi-
neradora, partindo de um entendimento sobre seus significados para
a comunidade e para a preservação ambiental. Por meio de pesquisa
bibliográfica e legislativo-exploratória sobre o vínculo entre a cidade e
a atividade mineradora, o sentimento de pertencimento das comunida-
des ligadas ao rio Santa Bárbara, e o Plano Diretor vigente, é objetivo
deste estudo averiguar se as prioridades da legislação estão em conso-
nância com a história e subjetividade da população.
Acredita-se que, embora a legislação tenha se empenhado na
defesa do meio ambiente contra a atividade mineradora, a sua com-
preensão sobre o tema ainda é embrionária, assim como a efetividade
dos seus dispositivos.

2. A cidade de Santa Bárbara: conexão com a história, a


mineração e o rio Santa Bárbara
A cidade de Santa Bárbara, localizada no Estado de Minas Gerais
possui extensão territorial de 684,505km², 30.466 habitantes e Índice
Meirilane Gonçalves Coelho, Renata Cristina Araújo e Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 87

de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal de 0,707, conforme


dados apresentados no último censo atualizado do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 (IBGE, 2022). Ela é cercada
pela cadeia montanhosa da serra do Caraça e seu cenário composto por
belezas naturais, incluindo cachoeiras (BOHRER, 2022).
O local é dotado de uma fauna e flora muito ricas, de modo que
a vegetação predominante no município é a Mata Atlântica e o cerrado,
sendo a Mata Atlântica extremamente importante para a regulação do
clima e do abastecimento de água já que aproximadamente 80% da
produção econômica nacional é gerada nessa região (AMBIPAR, 2021).
Em lugares onde predomina esse tipo de vegetação é muito comum que
exista muita água de rios e nascentes, responsáveis por abastecer as pe-
quenas e grandes cidades, bem como por manter um ecossistema am-
bientalmente equilibrado (MEIRELES; BENEDICTO; SILVA, 2022).
Localizada no Circuito do Ouro de Minas Gerais, Santa Bár-
bara emergiu praticamente junto à mineração, pois o que se tem do-
cumentado é que o surgimento do município remonta ao período de
exploração do ouro em Minas Gerais no século XVIII. (PREFEITURA
MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA, 2021). Naquela época, diver-
sos espaços estavam sendo intensamente explorados em razão das ricas
minas auríferas (de ouro). Resultante desta exploração, o bandeirante
Antônio Silva Bueno optou por desbravar ainda mais a região, che-
gando às margens do rio de Santa Bárbara, onde acabou por, de fato,
encontrar minas mais ricas, atraindo povoadores e dando começo à for-
mação do arraial (IBGE, 2022).
Inicialmente, o lugar era conhecido como Santo Antônio do
Rio Abaixo, e posteriormente chamaram-no de Santa Bárbara, nome
do rio que banha a cidade (PREFEITURA MUNICIPAL DE SAN-
TA BÁRBARA, 2021). A localidade foi elevada à condição de cidade
com a denominação de Santa Bárbara pela Lei Provincial n° 881, de
06.06.1858 (PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA,
2021). Atualmente, Santa Bárbara, que faz parte da região do Médio
Piracicaba, conta com quatro distritos: Florália, Barra Feliz, Brumal e
Conceição do Rio Acima. Além destes, a cidade ainda abriga diversos
subdistritos e comunidades rurais: Sumidouro, Santana do Morro, Ga-
lego, Vigário da Vara, Cruz dos Peixotos, André do Mato Dentro, Barro
Branco, Cachoeira de Florália, Mutuca e Costa Lacerda (CÂMARA
MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA, 2018).
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
88 frente aos direitos da natureza

De acordo com os dados sobre a história, divulgados no site da


Prefeitura Municipal de Santa Bárbara, após um período de superexplo-
ração aurífera, nos primeiros anos do século XIX, a atividade de mine-
ração passou a quase não mais existir, motivo que levou a população a
uma busca por fontes alternativas de sobrevivência, como as culturas de
subsistência e a criação de gado. Mas apesar disso, o desejo pela minera-
ção nunca cessou, de forma que, em 1861, houve iniciativas para reati-
var a exploração no distrito de Florália (PREFEITURA MUNICIPAL
DE SANTA BÁRBARA, 2021).
Ainda em 1960, o universo econômico da cidade continuava
em processo de modificações após um período de retração na ativida-
de minerária, que foi registrado pelo naturalista francês Auguste Sain-
t-Hilaire e pelo botânico austríaco João Emanuel Pohl. Neste período,
comerciantes atacadistas de diferentes lugares ali se estabeleceram, ge-
rando condições para projetos siderúrgicos nas localidades próximas,
reativando a exploração do minério de ferro e a produção de carvão
vegetal. Pohl reforçava a ideia de que a solução diante do período de
decadência foi viver da criação do gado e da cultura dos frutos do cam-
po (PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA, 2021),
demonstrando que os santa-barbarenses sempre buscaram caminhos
alternativos para se reinventar diante dos imbróglios causados pela mi-
neração, com explorações de seu espaço natural que sempre esteve pre-
sente na sua história.
Como uma das principais atividades econômicas da região, a
mineração vem se sustentando ao longo de todos esses anos na cidade
de Santa Bárbara (IBRAM, 2008), sendo que em 1987 foi implemen-
tada ali a Mina Córrego do Sítio, atualmente denominada AngloGold
Ashanti Córrego do Sítio Mineração S.A. que pertence ao grupo An-
gloGold Ashanti, especializado na exploração de minério de ouro. Há
registros que a exploração de ouro na mina de Córrego do Sítio II teve
início na década de 1960, com a descoberta de um veio aurífero na
Fazenda São Bento (SETE, 2018, p.4).
Entretanto, em 2022 houve um sério risco de rompimento na
mina da AngloGold Ashanti em razão das erosões profundas e progressi-
vas em pilha estéril usada para o descarte de rejeitos da atividade, situação
bem parecida com o que o ocorreu no fatídico evento de Brumadinho/
MG (PARREIRAS, 2022). Desde então, a população vive o receio de
um novo desastre nos moldes de Mariana e Brumadinho, ocasionando o
Meirilane Gonçalves Coelho, Renata Cristina Araújo e Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 89

medo da “lama-invisível”, expressão cunhada no contexto da expectativa


do possível rompimento de barragens (LAURINO, 2021).
Mas apesar de – felizmente – não ter havido o rompimento, ain-
da assim é mister repensar o exercício exploratório dessas empresas, pois
esse risco não causou o pior dos estragos que seria o total rompimento,
mas houve uma erosão de menor proporção, mas que lançou rejeitos
de mineração aos cursos d’água pertencentes à bacia do Rio Doce, cau-
sando forte insegurança aos residentes locais. Segundo o Movimento
pela Soberania Popular na Mineração (MAM), além da negativa de
prestação de informações às comunidades, a empresa também tomou
providências sem a comunicação adequada, reduzindo diálogos com a
população acerca do que estava acontecendo e do que poderia acontecer
no local. Ademais, o comprometimento das águas, que de fato ocorreu,
foi relatado dois anos antes, no Estudo de Impacto Ambiental, elabora-
do pela empresa Sete Soluções e Tecnologia Ambiental em setembro de
2018 (DOTTA, 2022).
Além desse caso, a cidade também sofre com os riscos de rompi-
mento da barragem Sul Superior, situada na cidade de Barão de Cocais,
pertencente à empresa Vale S.A. A mencionada mineradora no ano de
2019, mesmo ano do desastre ocorrido em Brumadinho, acionou o
alerta de rompimento, evacuando diversas comunidades em suas proxi-
midades. O rompimento dessa estrutura afetaria diversas cidades, entre
elas Santa Bárbara (LAMA, 2019).
Logo, a cidade assume um plano de fundo de um constante cli-
ma de ansiedade e de possível prejuízo à qualidade de vida das pessoas
no local, havendo relatos de que nos últimos anos foram acionados qua-
tro vezes os alarmes de risco de rompimento da barragem Córrego do
Sítio, pertencente à AngloGold, onde estão cerca de 3 mil moradores
na área de autossalvamento (DOTTA, 2022). Atualmente, o cenário é
de que tais pessoas vivem em constantes riscos de alertas há 7 anos pelas
atividades ali inseridas, de modo que para a empresa não há risco imi-
nente de rompimento e que a segurança e a estabilidade da barragem
devem sempre ser confirmadas após a apresentação de estudos e análise
da auditoria externa especializada. Nesse contexto, o Movimento de
Atingidos por Mineração em Santa Bárbara traduziu relatos sobre o
sentimento na população: “o qual é de muito medo e pânico, ocorren-
do às vezes em que algumas famílias, sobretudo em épocas de chuva, já
dormem vestidas para caso aconteça algo” (MARIZ, 2022).
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
90 frente aos direitos da natureza

Ainda que a atividade de mineração tenha o maior enfoque na


relação com a economia e a vida local, não se pode negar os diversos
impactos que a mesma vem causando. Portanto, é importante que se fo-
mente na cidade outras atividades econômicas, visto que Santa Bárbara
também se destaca pela produção de mel e derivados, pela produção de
celulose, bem como pelas atividades de agropecuária e turismo, princi-
palmente, o ecoturismo (BOHRER, 2022).
Não se pode deixar de atentar que a atividade de mineração vem
sendo exercida, por muitas vezes, de forma predatória, sem os devidos
cuidados que se propõe em um licenciamento ambiental adequado e
quando há a presença de barragens de rejeito, como ocorre em Santa
Bárbara, além dos impactos que podem afetar seus ecossistemas, em es-
pecial a qualidade de seus rios, também se soma os riscos à vida humana
e a constante sensação de insegurança vivida pelos moradores locais.

3. Impactos da atividade mineradora: rio Santa Bárbara e o


sentimento de pertencimento
A mineração, como pontuado no tópico anterior, é uma das
principais atividades econômicas da cidade de Santa Bárbara. Contudo,
o seu exercício, por vezes predatório, esconde fatores de suma impor-
tância para o desenvolvimento do sentimento de pertencimento, como
os rituais das comunidades, as identidades emocionais, sociais e cultu-
rais estabelecidas com o meio ambiente, os laços com a terra natal e os
vínculos familiares. Em especial, nos últimos anos, os santa-barbarenses
convivem com o medo do rompimento de duas barragens que poderão
causar danos significativos à paisagem natural, perda de habitats, des-
locamento da população de suas casas e comunidades e a consequente
perda do sentimento de pertencimento.
Sobre “pertencer”, sabemos que é uma palavra de diversos signi-
ficados e presente na história humana. A construção de um espaço de
pertencimento é um processo histórico, complexo e pessoal que pode
variar de pessoa para pessoa. É a maneira pela qual o indivíduo ou gru-
po de pessoas se identifica e se sente parte de um determinado ambien-
te, comunidade, organização, cultura, entre outros. Isso envolve a per-
cepção de que um indivíduo ou grupo compartilha valores, objetivos,
interesses ou características comuns com o ambiente ou grupo. Essa
identificação pode ser influenciada por fatores como cultura, história,
Meirilane Gonçalves Coelho, Renata Cristina Araújo e Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 91

interesses pessoais, identidade e, em certos casos, por uma tragédia co-


mum ou a sua iminência. Em síntese, “o espaço contém relações sociais”
(LEFEBVRE, 2006, p. 50).
O filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre (2006), ao se de-
bruçar sobre a produção do espaço, discorreu que os espaços são cons-
truídos, experienciados pelos indivíduos e dimensionados pelas relações
entre espaços. Em sua teoria relatou a existência de espaços “percebidos”,
“concebidos” e “vividos”. Esses espaços estão interligados e influenciam-se
mutuamente, devendo ser consideradas todas as suas dimensões ao plane-
jar e organizar o espaço urbano e social para uma total compreensão do
seu significado.
O primeiro possui um aspecto subjetivo, na medida em que são
as formas que as pessoas experienciam através de suas percepções e sen-
tidos. Os “concebidos” são os espaços planejados, projetados, produzi-
dos através da materialização de ideias e visões específicas. Por fim, os
espaços “vividos” são aqueles vivenciados e apropriados pelas pessoas no
dia a dia. Refletem a vida cotidiana, as atividades sociais, as interações
humanas e as dinâmicas culturais que ocorrem nesses locais. Por meio
dessa compreensão é que é possível pensar em espaços de pertencimento
e como os fatores sociais podem influenciar nesse sentimento.
Nos contextos que abrangem a atividade mineradora, criou-se
uma vinculação de dependência entre a mineração e a sociedade local. En-
volvidos e, de certa forma, identificados com o ambiente em que vivem,
o desenvolvimento da atividade mineradora induz ao pensamento da ne-
cessidade dessa atividade como essencial para o desenvolvimento regional.
Ademais, é vista como característica das cidades que possuem mineração.
Horácio Machado Aráoz (2020), ao estudar sobre os impactos
da mineração na América, discorre que existe uma cultura de depen-
dência que domina as expressões e as capacidades criativas dos povos e
a transforma em mercadoria. A ideia de desenvolvimento econômico é
vinculada à exploração da natureza e a degradação é vista como efeito
colateral suportável.
Economicamente, a dialética da dependência se manifesta como construção
de hospitais e escolas simultaneamente à deterioração das condições de saú-
de e dos níveis de educação da população; é construção de moradias e perda
de habitats; é aumento do consumo e queda da produção. Uma economia de
saberes locais e de produção interna básica que se transforma em uma eco-
nomia importadora e de serviços, empobrecimento estrutural, esvaziamento
territorial. (ARÁOZ, 2020, p. 29)
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
92 frente aos direitos da natureza

A dependência incrustada nas cidades mineradoras é um proces-


so histórico, contudo seu poder vinculativo se transforma e se reforça.
Esse fato se deve ao ritmo e ao volume cada vez maiores dos fluxos de
minerais extraídos e as consequências ambientais de difícil reparação.
A dependência econômica, o medo do desemprego, a conquista de um
novo emprego, os investimentos na cidade, são alguns dos impulsiona-
dores da perpetuidade desse vínculo. Nessa toada, é normatizada a vio-
lação da natureza. Entende-se como um marco triste, porém aceitável
para a sociedade, o rompimento das barragens de Brumadinho e Ma-
riana, e a iminência de rompimento das barragens de Barão de Cocais e
Santa Bárbara. A indenização é a solução, afastando-se os aspectos que
o dinheiro não tem condição de pagar.
A ausência de obstáculos legais e olhares atentos, fez, por exem-
plo, com que o rio Santa Bárbara, integrante da bacia do Rio Doce,
sofresse lesões geradas por ocupações desordenadas, assoreamento e car-
reamento de resíduos da atividade de mineração. Acresce-se o perigo do
rompimento de duas barragens, uma pertencente à Vale S.A. e outra
à AngloGold Ashanti, que afetariam diretamente o rio Santa Bárbara.
Observa-se um conflito entre duas paisagens que formam as cidades
mineradoras, a mineradora e o rio, sendo este subjugado e ameaçado
por aquela.
O rio Santa Bárbara está localizado no estado de Minas Gerais.
Possui origem na união dos rios Conceição e São João e deságua no rio
Piracicaba. A sub-bacia do rio Santa Bárbara compreende os municí-
pios de Catas Altas, Itabira, São Gonçalo do Rio Abaixo, João Mon-
levade, Bom Jesus do Amparo, Barão de Cocais, Bela Vista de Minas
e Santa Bárbara. Possui uma área de 1.590,73km² e pertence à bacia
hidrográfica do rio Piracicaba e, por consequência, à bacia do Rio Doce
(ALVES, 2013).
O rio também é responsável por abastecer o reservatório de água
da Hidrelétrica do Peti, que fornece energia para a região. Construída
em São Gonçalo do Rio Abaixo, Minas Gerais, a hidrelétrica iniciou
sua operação em 1946 aos cuidados de uma mineradora inglesa que
operava na região. Posteriormente, em 1973, passou a ser operada pela
CEMIG (CEMIG, 2023). A represa também é utilizada para práticas
esportivas e de pesca, bem como preserva espécies de peixes. A lagoa
está inserida em uma importante unidade ambiental com 606 hectares
de Mata Atlântica e cerrado. Em 2019, com a iminência do rompi-
Meirilane Gonçalves Coelho, Renata Cristina Araújo e Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 93

mento da barragem situada em Barão de Cocais, a Aneel informou que


houve a redução no nível de água para suportar uma eventual ruptura e
conter os rejeitos (DEFATO ON-LINE, 2019).
Importante pontuar que o rio Santa Bárbara, como já mencio-
nado, é integrante da bacia do Rio Doce. Essa bacia já foi afetada pelos
maiores desastres ambientais de Minas Gerais, o rompimento da barra-
gem de Bento Rodrigues e do Córrego do Feijão. Carlos Walter Porto
Gonçalves, ao rememorar os desastres mencionados, assevera que:
O Rio Doce já estava meio morto quando a barragem rompeu. Na verdade,
esse foi o mar de lama que faltava – com todas as implicações, inclusive
morais, que a expressão ‘mar de lama’ comporta. Depois, a catástrofe de
Brumadinho foi mais um evento da mesma senha que, no período colonial,
designava como ‘brasileiro’ não aquele que nascia por aqui, mas aquele que
explorava o pau-brasil e voltava rico a Portugal. O adjetivo pátrio ‘brasileiro’
se impôs, e não nos reconhecemos como brasilenses ou brasilianos, ainda
que o dicionário assim reconheça quem nasce no Brasil. Sobreveio o ‘brasi-
leiro’, ou seja, aquele que vive de explorar o Brasil, assim como o madeireiro
vive de explorar a madeira e o mineiro, de explorar minério. Assim, mais
que adjetivo pátrio, ‘brasileiro’ é uma caracterização substantiva das nossas
oligarquias. (GONÇALVES, 2020, p. 9)

O rio Santa Bárbara tem um significado para a população das


cidades que têm o privilégio de acolhê-lo, pois além do fator energético,
possui também memórias de gerações que o utilizavam para banhar-se.
Em alguns trechos, devido à poluição, não é mais possível entrar em
suas águas. Nesses mesmos trechos, a transparência das suas águas deu
lugar ao escurecimento e aparência de lama.
Essa realidade e a iminência de novos desastres ambientais que
atingiram o rio Santa Bárbara afeta e afetará não só o meio ambiente,
mas também as relações das comunidades locais, mediante a desestru-
turação da sua importância espiritual, emocional, cultural e até mesmo
econômica. O espaço “percebido” pela comunidade é reformulado pela
ausência de significado da nova imagem, desvinculada das experiências
pretéritas de lugar de acolhimento, emoções e memórias. Do mesmo
modo, ocorre com a percepção da vivência, a vida cotidiana, as ativida-
des sociais e interações que envolvem o rio, perde-se. Perde-se a identi-
ficação com o espaço de pertencimento.
Lefebvre acredita que os espaços se tornaram produtos, cuja ma-
téria-prima é a natureza: “são produtos de uma atividade que implica o
econômico, a técnica, mas vai bem além: produtos políticos, espaços es-
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
94 frente aos direitos da natureza

tratégicos” (LEFEBVRE, 2006, p.127). Quando o espaço vira produto,


exclui-se a possibilidade de fatores ecológicos, paisagísticos, históricos,
emocionais se sobressaírem sem que para isso seja demonstrado o seu
valor econômico.
Carlos Drummond de Andrade, escritor nascido em Itabira,
Minas Gerais, denunciou em 1983 essa realidade por meio dos versos
do poema Lira Itabirana:

I
O Rio? É doce
A vale? Amarga
Ai, antes fosse
Mais leve a carga

II
Entre estatais
E multinacionais
Quantos ais!

III
A dívida interna
A dívida externa
A dívida eterna

IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro? (VILA DE UTOPIA, 2020)
Nesse diapasão, falar em mineração é, portanto, um vivenciar
de apagamentos de espaços de pertencimento, histórias, relações e o
reviver da promessa de uma nova era de desenvolvimento econômico
e, mais recente, de um desenvolvimento sustentável. “Uma sociedade é
um espaço e uma arquitetura de conceitos, formas e de leis, cuja verda-
de abstrata se impõe à realidade dos sentidos, dos corpos, dos quereres
e desejos” (LEFEBVRE, 2006, p. 198). O que o poeta já retratava no
final do século passado persiste nos tempos atuais e se reinventa com os
desastres ambientais. Para Aráoz (2020, p. 23) “a história econômica da
região parece representar tragicamente o mito de Sísifo, ‘condenada’ a
Meirilane Gonçalves Coelho, Renata Cristina Araújo e Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 95

reproduzir ciclicamente uma política do absurdo”. Os desastres viven-


ciados nos últimos anos não é algo natural, uma fatalidade geográfica, é
a consequência de práticas reiteradas de desrespeito ao ser humano em
sua integralidade (ARÁOZ, 2020).
Frisa-se que não se descarta a importância da atividade minera-
dora para o desenvolvimento social. Por meio dela podemos vivenciar a
inovação da tecnologia e resguardo da vida humana. O que se contesta é
a forma de dominação atrelada a ela e as consequências da irresponsabi-
lidade social e ambiental que afetam o aspecto material e psicológico da
existência humana. Em outras palavras, é a ausência de limites efetivos
que controlem o poder devastador da atividade mineradora e resguar-
dem o meio ambiente.
Com tais pontuações, torna-se necessário averiguar se o Poder
Público da cidade de Santa Bárbara possui a percepção da importân-
cia dos fatores de pertencimento construídos pela sociedade local, para
além da atividade mineradora, e se as políticas públicas existentes na
cidade visam resguardá-los. Especialmente, se as políticas públicas se
esforçaram na construção de mecanismos de proteção do rio que leva o
nome da cidade em sua integralidade, isto é, seu aspecto natural, cultu-
ral, histórico e social.

4. Políticas públicas como instrumento de proteção dos rios:


os reflexos da mineração sobre as políticas municipais de
Santa Bárbara, Minas Gerais
A construção de uma cidade, embora intrinsecamente ligada à
atividade econômica desenvolvida, depende de outros aspectos, entre
eles o ambiental, as relações sociais e a criação de significados. Tópicos
por vezes distanciados do discurso político e alimentados pelo ideal de
desenvolvimento econômico negacionista, a vida cotidiana da popula-
ção e os direitos atrelados à natureza ficam incompreendidos.
É nesse cenário que o autor Alberto Acosta (2016) desenvolve
seu livro “O Bem Viver” com a intenção de imaginar outros mundos
possíveis, em que se repense a sustentabilidade em função da capacida-
de de uso e resiliência da natureza. Em sua obra, o autor coloca em voga
a importância da compreensão do que venha a ser Direitos Humanos e
Direitos da Natureza como formas de libertação da natureza da “con-
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
96 frente aos direitos da natureza

dição de mero objeto de propriedade dos seres humanos” (ACOSTA,


2016, p. 123).
Reconhecer que a natureza é sujeito de direitos possibilita mu-
danças possíveis na política e gestão ambiental. Isso porque o valor dos
seres humanos e da natureza são equiparados e os esforços são condu-
zidos para uma preservação de forma ampla. É necessária a substitui-
ção da visão antropocêntrica pela biocêntrica. Nesse diapasão, Eduardo
Gudynas discorre sobre a temática do biocentrismo com seus avanços e
retrocessos, as tentativas de concernir os direitos da natureza às políticas
ambientais, assim, “implementar e assentar essas mudanças levará um
tempo, pois todas elas implicam transformações culturais substanciais”
(GUDYNAS, 2019, p. 251).
Neste contexto, o município de Santa Bárbara, Minas Gerais
possui exacerbado vínculo com a atividade de mineração e há de se
considerar também as suas ocupações antrópicas, sejam as relacio-
nadas com o povoamento, sejam as relacionadas com o processo de
exploração mineral, uma vez que ambas são motivo de preocupação
quanto à preservação dos recursos hídricos. Outro aspecto que merece
cuidado é a constatação de que há lançamento de efluentes e de resí-
duos oriundos, respectivamente, dos centros urbanos e da atividade
de mineração (PIRH, 2010, p. 88). Esses fatores reforçam a impor-
tância de se entender e tentar buscar tratativas que minimizem impac-
tos que, por sua vez, acabam por influenciar a qualidade das águas e a
alteração da paisagem natural.
Não diferente do que ocorre nas diversas regiões de interesse
minerário, no município de Santa Bárbara, mais especificamente no rio
Santa Bárbara, além dos impactos gerados por ocupações, em sua maior
parte desordenadas, nas margens do rio há também uma deterioração
oriunda do assoreamento e da elevação de sua coloração e turbidez,
resultantes de carreamento de resíduos da atividade de mineração para
o leito do rio (IGAM, 2010).
Pensando neste cenário que caracteriza a mineração, os impac-
tos ao rio Santa Bárbara e as perdas na história das comunidades, o
presente estudo, através de pesquisa de políticas públicas vigentes, em
especial as políticas do município, propôs-se a verificar se há dispositi-
vos nas políticas públicas municipais que cuidem da preservação do rio
Santa Bárbara e das memórias das comunidades ligadas a ele.
Meirilane Gonçalves Coelho, Renata Cristina Araújo e Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 97

Em um trabalho realizado por Mastrodi e Ifanger (2019), foi


discutida uma contextualização do conceito da expressão políticas pú-
blicas, sendo entendimento destes autores que as políticas públicas têm
função de materializar os objetivos do Estado, já que estes devem ser
buscados por meio de ações estatais contínuas e ininterruptas, com-
preendidas em sentido mais direto por uma visão funcionalista, de-
monstrando que é preciso compreender se essa estrutura (pública, pri-
vada ou mista) funciona visando suscitar o interesse público acima dos
interesses privados.
É importante ressaltar que políticas públicas também podem ser
uma forma de criar valores para com o meio ambiente; quando uma
localidade possui políticas públicas relacionadas à criação do senso de
meio ambiente, melhorando a imagem e a visibilidade local, promoven-
do a valorização da qualidade de vida, isto reflete no sentido de melho-
rar as relações interpessoais da população e de suas visões de valores para
com o ambiente (RIBEIRO; CAVASSAN, 2013, p. 14).
No âmbito das políticas públicas ambientais cita-se a Política
Nacional de Meio Ambiente (PNMA) que passou a vigorar no Brasil
através da Lei nº 6.938/1981 em 31 de agosto de 1981, cujo “objetivo
é a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental pro-
pícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da
dignidade da vida humana” (artigo 2º) (BRASIL, 1981). A lei define o
meio ambiente como o “conjunto de condições, leis, influências e inte-
rações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas” (artigo 3º, I) (BRASIL, 1981).
Entre os princípios presentes na PNMA, podemos dar destaque
ao inciso II do artigo 2º, “racionalização do uso do solo, do subsolo,
da água e do ar” (BRASIL, 1981). Entretanto, ao que se percebe, as
atividades de mineração seguem um ordenamento contrário, refletido
pelos impactos tanto de ocupação da paisagem quanto de deterioração
dos rios do seu entorno, facilmente exemplificado nos recentes rom-
pimentos de barragens de mineração ocorridos em Minas Gerais que
assolaram o meio ambiente e comunidades.
A Constituição Federal de 1988, preocupada com a preserva-
ção do Meio Ambiente, destinou um capítulo a esse tema. Estipula no
parágrafo 2º do artigo 225 que, “aquele que explorar recursos mine-
rais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
98 frente aos direitos da natureza

com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na for-


ma da lei” (BRASIL, 1988). Esse preceito é de suma importância no
contexto, o que também demonstra a importância da aplicabilidade
destas políticas públicas, pois muito já se observa nas leituras citadas
que o rio Santa Bárbara vem sofrendo as pressões do impacto da mi-
neração e perdendo seu papel antes recreativo para se tornar uma zona
de insegurança.
A Lei nº 12.651/2012, conhecida como Novo Código Flores-
tal, apesar de importante instrumento quanto às normas gerais sobre a
proteção da vegetação e a delimitação das áreas de Preservação Perma-
nente e das áreas de Reserva Legal, quando bem executada auxilia no
planejamento urbano e na instalação das atividades industriais frente a
limitações que geram uma maior proteção ao entorno e consequente-
mente aos próprios rios.
Não deixando de atentar que o artigo 3º, inciso VIII, alínea b
do Novo Código Florestal insere a mineração como atividade de “uti-
lidade pública” reduzindo, assim, os impedimentos para instalações de
atividades do ramo da mineração. Não desconsiderando seu valor so-
cioeconômico, é importante haver discussões para que a atividade de
mineração coadune a proteção dos recursos naturais e os costumes da
comunidade local.
Em consulta à legislação do município de Santa Bárbara, atra-
vés de acesso ao site oficial da Prefeitura Municipal de Santa Bárbara,
constatou-se que a Lei Orgânica, o Plano Diretor (Lei nº 1.982/2020)
e a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Lei nº 1.981/2020), retratam, em
alguns de seus dispositivos, tópicos do meio ambiente, recursos hídri-
cos, ocupações e mineração.
A Lei Orgânica do Município de Santa Bárbara, promulgada
em 07 de outubro de 2019, estabelece as normas básicas no que tange
à capacidade de organização do município, com destaque para as com-
petências de promoção à educação, cultura, desporto, meio ambiente,
ciência e tecnologia, além de garantir, defender e preservar o meio am-
biente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações
(SANTA BÁRBARA, 2019).
Numa abordagem mais recente, levando em consideração a pre-
sença de barragens de rejeito de mineração no território municipal, a
Lei Complementar nº 1.981/2020 que dispõe sobre o parcelamento,
o uso e a ocupação do solo urbano do município de Santa Bárbara,
Meirilane Gonçalves Coelho, Renata Cristina Araújo e Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 99

promulgada em 18/09/2020, é um importante instrumento de planeja-


mento urbano, a qual denomina as áreas como zona de vulnerabilidade
ambiental, destaque nos artigos 10, 11 e 68:
Art. 10 – O zoneamento da sede municipal compreende as seguintes zonas,
conforme estabelecido no Plano Diretor e no Anexo I:
[...]
IX. Zona de Vulnerabilidade Ambiental (ZVA) – se sobrepõe às demais
zonas e corresponde às áreas atingidas pela possibilidade de rompimento
de barragens de rejeito minerário no município (Anglogold Ashanti) e en-
torno (Vale), onde o monitoramento deverá ser permanente, de forma a
minimizar impactos, sobrepondo-se também a fundos de vale e Áreas de
Preservação Permanente (APP); [...].

Art. 11 – Nos distritos e localidades, o zoneamento compreenderá,


basicamente:
[...]
II. Zona de Preservação Ambiental (ZPA) – margens de cursos d’água, áreas
com cobertura vegetal significativa [...]; [...].

Art. 68 – Não será permitido o parcelamento do solo em glebas:


I. que se insiram em zonas que apresentem qualquer restrição em conformi-
dade com o Plano Diretor e com esta Lei, inclusive a Zona de Vulnerabili-
dade Ambiental (ZVA); [...]. (SANTA BÁRBARA, 2020)

No âmbito municipal, o Plano Diretor do município de San-


ta Bárbara, Lei Complementar nº 1.982/2020, promulgada em
18/09/2020, é um instrumento básico da política de desenvolvimento
municipal sob os aspectos físico, ambiental, tecnológico, social e econô-
mico, promovendo o direito à cidade sustentável, demonstrando tam-
bém comprometimento em acompanhar os acordos de conferências
globais, empenhando-se em atender a Nova Agenda Urbana (art. 7º, do
Plano Diretor), mas pouco é citado sobre os compromissos assumidos e
como será a sua implementação.
Relativo às políticas públicas municipais citadas, é possível fa-
zer uma correlação com as previsões da Constituição Federal de 1988,
percebendo a sua conformidade ao artigo 225, que dispõe: “Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso co-
mum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988). Demonstra um com-
promisso com a proteção, preservação e qualidade de vida, sendo de
grande relevância a prática dessas políticas.
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
100 frente aos direitos da natureza

É possível notar também que tais políticas municipais citam in-


teresses locais quando delimita uma zona de vulnerabilidade ambiental
(ZVA) para áreas de risco e que possam ser atingidas no caso do rom-
pimento de barragens de grandes mineradoras instaladas no município
ou em seu entorno. Vale destacar, porém, que esta política foi instituída
posteriormente às instalações das empresas, sendo um marco somente
para as novas ocupações, não citando o que ocorre com aquelas que já
se encontram instaladas nessa zona, pensando que há boa parcela da
população que vive e cria seus laços e histórias nas proximidades do rio
Santa Bárbara.
Relacionando as políticas públicas, os aspectos de proteção do
rio Santa Bárbara e a história da comunidade local, como citado por
Pinto, Gonzáles Botija e Rios, ainda se vê “políticas públicas e governos
atuando em forte dissociação com os direitos humanos e da natureza”
(PINTO, GONZÁLES BOTIJA; RIOS, 2023, p. 15) com ações que
vão ao contrário do que seria o cuidado para com a natureza e a vida
humana, prevalecendo os interesses econômicos. Os citados autores
também apontam uma possível crise dos projetos políticos tradicionais
de sociedade e como estes desafios sociais, políticos e ambientais da
atualidade global emergem para uma nova dinâmica (PINTO, GON-
ZÁLES BOTIJA; RIOS, 2023, p. 2).
Diante de todos esses apontamentos, é importante ressaltar que
as políticas públicas precisam levar em consideração a maior proteção dos
bens naturais, os anseios das comunidades concernentes, principalmente
os mais afetados, assim como seus direitos a um ambiente sustentável e
que lhes permita uma relação de harmonia com os bens da natureza.

5. Considerações finais
Por meio da análise que este trabalho se propôs a debruçar,
constatou-se que a mineração tem grande ligação com o sentimento de
pertencimento da cidade de Santa Bárbara, estando intrinsecamente re-
lacionada à sua criação. Esse fato, por vezes, esconde outros aspectos de
suma importância para a população, como é o caso da proteção do rio
Santa Bárbara. Esse apagamento dos aspectos culturais, sociais, históri-
cos e do meio ambiente refletem na compreensão do Poder Público mu-
nicipal no momento da construção legislativa. Isso porque a mineração
Meirilane Gonçalves Coelho, Renata Cristina Araújo e Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira 101

é seguramente a atividade de maior importância e, embora se reconheça


os perigos advindos dela, o medo da sua paralisação na região faz com
que seja tímida a busca de alternativas e rigor legislativo.
Dessa forma, pensar e valorizar formas alternativas de investimen-
to na economia desassociada dos grandes empreendimentos que rondam
a região, é pensar em uma maior proteção da natureza e do rio. Para tanto,
a construção de ferramentas legislativas é fundamental para iniciar o pro-
cesso de afastamento dos meios predatórios de mineração, bem como de
estímulo à construção de outras vias possíveis de sobrevivência da popu-
lação. Cientes da importância da ferramenta, no caso em estudo, consta-
tou-se que apesar de Santa Bárbara possuir políticas públicas municipais
como o Plano Diretor, que, em regra, dispõem sobre o uso e a ocupação
do solo em cidades com mais de 20 mil habitantes, com especial interesse
turístico e com a influência de empreendimentos (BRASIL, 2001), elas
ainda são bem primárias e incompletas. É necessário que haja um esforço
conjunto para aprimorar essas políticas e torná-las mais efetivas.
Sabe-se que a mineração é uma atividade que pode trazer be-
nefícios econômicos para a cidade, mas é preciso ter em mente que ela
também pode causar impactos negativos ao meio ambiente e à saúde
das pessoas, assim como ficou constatado ao longo deste trabalho.
Cita-se como exemplo a já presente inutilização de trechos do
rio que leva o nome da cidade, o medo generalizado que paira na po-
pulação que muitas vezes tem que se preparar acaso ocorra algum outro
rompimento, promovendo baixa qualidade de vida e o apagamento de
memórias da comunidade que vive em Santa Bárbara. Por isso, em pri-
mazia ao ambiente natural e às vidas humanas e não humanas que ali
existem, é fundamental que sejam adotadas medidas para minimizar
esses impactos e garantir a sustentabilidade da própria atividade mine-
radora, a qual se demonstra predatória.
Nesse contexto, verificou-se que, embora faça menção à prote-
ção do meio ambiente, em especial em relação aos danos causados e que
poderão vir a ocorrer em razão da atividade mineradora, a legislação mu-
nicipal não possui dispositivos efetivos à proteção do rio Santa Bárbara.
Conclui-se que esse déficit advém do afastamento das comunidades locais
dos debates públicos, o que dificulta a criação de políticas públicas capa-
zes de lidar com as atividades mineradoras no território santa-barbarense.
Nesse diapasão, é necessária a criação de mecanismos de prote-
ção da natureza e do rio Santa Bárbara, sendo fundamental a adoção de
Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas públicas do município de Santa Bárbara
102 frente aos direitos da natureza

medidas para minimizar esses impactos e corrigir os que já foram feitos,


como a revitalização do rio. A criação de áreas de preservação ambien-
tal, monitoramento constante da qualidade da água e do ar, entre outras
medidas, também pode ser uma prioridade para o Poder Público.

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CAPÍTULO 5 – DIREITOS DA NATUREZA E SEUS


DEFENSORES E DEFENSORAS DOS DIREITOS
HUMANOS AMEAÇADOS POR DEFENDEREM OS
POVOS E SEUS TERRITÓRIOS NA AMAZÔNIA

José Boeing1
Jane Portella Salgado2

1. Considerações iniciais
O presente trabalho inicialmente visa relacionar os direitos hu-
manos e a dignidade da pessoa humana. A dignidade está positivada na
Constituição Federal (CF/88), porém o intuito é ir além e dizer que os
direitos humanos e os direitos da natureza encontram-se intimamente
interligados. Isso significa que o ser humano não pode estar separado da
natureza, assim como ambos – direitos humanos e da natureza – devem
ser respeitados e garantidos no mesmo patamar.
A inclusão dos direitos da natureza aos direitos humanos seria
uma forma de redirecionar o crescimento econômico e o progresso de
forma positiva. A degradação ambiental é um problema grave que colo-
ca em risco a vida do planeta e assim toda a vida humana. Dessa forma,
uma conexão maior entre os direitos da natureza e humanos é apontar
para o crescimento e desenvolvimento socioambiental.
Além disso, a presente pesquisa aprofunda a questão ambiental
quando trata da interdependência e da interligação entre os direitos
humanos, mas também na questão da solidariedade entre os povos e
em defesa do seu território, do seu habitat na casa comum para o Bem
Viver. Por meio dessa associação, o trabalho aponta para um caminho
de rompimento da visão antropocêntrica na perspectiva do reconheci-
mento da natureza como sujeito de direitos.

1 Lattes: http://lattes.cnpq.br/0021940658373367.
2 Lattes: http://lattes.cnpq.br/3732277480681354.
107
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
108 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

No segundo momento, o trabalho aponta para o grande proble-


ma atual das alterações climáticas e suas consequências. Este problema
é demonstrado através de estudos de entidades e cientistas pelo IPCC
– Intergovernmental Panel on Climate Change. O Conselho Mundial
de Igrejas Cristãs assume compromisso com a Amazônia na defesa e pre-
servação do território e dos seres humanos com a finalidade de impedir
sua destruição, causando a pobreza social.
A pesquisa caminha no sentido de demonstrar como o Brasil ainda
está permanentemente violando os direitos individuais, sociais/coletivos e
ambientais dos povos indígenas, afrodescendentes e trabalhadores e traba-
lhadoras na Amazônia e no Brasil. A partir dessa perspectiva, o trabalho
segue o foco de proteção aos direitos humanos alinhado com a ONU, ini-
ciado em 1948 através da solidariedade e fraternidade das pessoas e povos.
Enfoque este que é necessário na discussão dos defensores de direi-
tos humanos que se dá a partir da ação concreta e cotidiana pela efetivação
dos direitos, estabelecendo uma correlação imediata entre a luta desses
defensores e a repressão contra os mesmos, buscando inibir a sua atuação.
Esta problemática segue sendo tratada no estudo como alerta à impor-
tância do trabalho destas pessoas e da sua efetiva proteção. No cenário
nacional, os defensores e as comunidades vivem toda sorte de violações,
havendo a necessidade de uma política pública para sua defesa e proteção.
Política esta que fortaleceria a democracia e os direitos humanos.
Com a finalidade de demonstrar a gravidade das violações ao
trabalho e aos próprios defensores a pesquisa relata os assassinatos ocor-
ridos na Amazônia e como o fato tem repercussão mundial. Na seara
da busca para a efetivação da luta e dos resultados obtidos em favor dos
direitos da natureza a pesquisa traz como exemplo o caso do igarapé
Canacupá e do lago Macupixi no município de Alenquer, Pará.
A pesquisa realizada utiliza a metodologia de acompanhamento,
capacitação e defesa dos defensores com o fortalecimento da rede de
proteção popular. O marco teórico utilizado foi a decisão da ONU que
exige do Brasil ter o Programa de Proteção dos Defensores como direitos
humanos, o Plano Nacional dos Direitos Humanos e elaboração de leis
reconhecendo a natureza como sujeito de direitos.

2. Integração entre direitos humanos e direitos da natureza


Para os seres humanos não pode haver coisa mais valiosa do que
o respeito aos direitos da dignidade da pessoa humana. Pessoa que, por
José Boeing e Jane Portella Salgado 109

suas características naturais é dotada de inteligência, consciência e von-


tade, por ser mais do que uma simples porção de matéria, tem uma
dignidade que a coloca acima de todas as coisas da natureza, embora
não esteja desconectada do meio ambiente, pois faz parte do todo. Mes-
mo as teorias chamadas materialistas, que não querem aceitar a espiri-
tualidade da pessoa humana, sempre foram forçadas a reconhecer que
existe em todos os seres humanos uma parte não material. Existe uma
dignidade inerente à condição humana e a preservação dessa dignida-
de faz parte dos direitos humanos. O crescimento econômico e o pro-
gresso material de um povo têm valor negativo se forem conseguidos à
custa do desrespeito aos direitos humanos. Observando o caminhar da
história, podemos aprofundar a temática na compreensão do compor-
tamento do ser humano diante deste modelo de exclusão mundial da
dignidade da pessoa humana, da violação do direito à natureza. Segun-
do João Batista Moreira Pinto e Eron Geraldo de Souza, a integração
do direito ao meio ambiente como parte dos direitos humanos, retrata
bem a consciência do problema da degradação ambiental para a vida
das pessoas e do planeta. Eles afirmam que,
A abertura do campo dos direitos humanos para novas realidades, para no-
vos direitos, evidencia a sua potencialidade para a conexão com as transfor-
mações da sociedade. Neste sentido, o reconhecimento inicial da questão
ambiental por setores da sociedade, em primeiro momento até a afirmação
do meio ambiente, mesmo como “desenvolvimento sustentável”, como
parte dos direitos humanos, temos um processo que atualiza a amplitude e
potencialidade do campo dos direitos humanos, no qual todas as questões
centrais à vida das pessoas e do planeta podem ser incluídas e reconhecidas
como tais, desde a sociedade assim o compreenda e reconheça, apesar das
divisões. (PINTO; SOUZA, 2015, p. 21)

O desafio da humanidade é caminhar para o reconhecimento


da natureza como sujeito de direitos, pois a visão antropocêntrica uti-
litária está superada. Isso significa dizer que os humanos não podem
mais submeter os bens da natureza a uma exploração ilimitada. É o que
prelecionam José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala ao
desconstruir a visão antropocêntrica. Para eles,
[...] a ideia do passado, enraizada entre nós, de que o homem domina e
submete a Natureza à exploração ilimitada, perdeu seu fundamento [...].
A tendência atual é evoluir-se em um panorama menos antropocêntrico,
em que a proteção da Natureza, pelos valores que representa em si mesma,
mereça um substancial incremento [...]. Hoje a defesa do meio ambiente
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
110 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

está relacionada a um interesse intergeracional e com necessidade de um de-


senvolvimento sustentável, destinado a preservar os recursos naturais para
as gerações futuras, fazendo com que a proteção antropocêntrica do passado
perca fôlego, pois está em jogo não apenas o interesse da geração atual.
(LEITE; AYALA, 2001, p. 67)

Os primeiros argumentos em favor da Natureza como sujeito de


direito vêm desde 1972. Depois disso, aumenta o debate e a busca por
respostas a mudanças climáticas diante do aumento da devastação com
o capitalismo exploratório. Por isso, os povos indígenas, comunidades
tradicionais, movimentos sociais e ambientais na América Latina am-
pliaram os conhecimentos e exigiram garantir na Constituição a natu-
reza como sujeito de direito. O Fórum Mudanças Climáticas e Justiça
Socioambiental publica seu manifesto dizendo que
O reconhecimento dos direitos da natureza já está presente em algumas
legislações, como a Constituição do Equador de 2008 e a Lei da Mãe Terra
da Bolívia de 2012, em que a natureza é assumida como Mãe Terra, e as
alterações da Lei Orgânica do Município de Bonito, em Pernambuco, de
2018. O objetivo das entidades é estimular mobilizações sociopolíticas em
favor dessa mudança em todo o país. (FÓRUM MUDANÇAS CLIMÁTI-
CAS E JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL , 2020, [s.p.])

A Constituição do Equador em 2008, em seu artigo 71, afirmou


que “toda pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade poderá exigir à
autoridade pública o cumprimento dos Direitos da Natureza”. No Bra-
sil, a defesa dos Direitos da Natureza foi apresentada pela primeira vez
ao Judiciário em 2011, na Ação Civil Pública interposta pelo Ministério
Público Federal com pedido de paralisação das obras da hidrelétrica de
Belo Monte, no Rio Xingu, argumentou que “[...] é necessário impor li-
mitações ecológicas à ação humana. Faz-se isso através da compreensão de
que a Natureza possui valor intrínseco, não apenas instrumental. Passa-se
da doutrina antropocêntrica utilitária para o antropocentrismo alargado
ou moderado. Trata-se da conciliação entre os Direitos Humanos e os Di-
reitos da Natureza” (PONTES JÚNIOR; BARROS, 2016, p. 438-439).
No sistema de proteção à vida não há que se falar em hierarquia.
O homem é tão importante quanto a natureza. Ele – o homem – não
pode se sentir superior em relação aos seres que existem no meio natural
ao seu redor. “É necessário que haja um sentimento de pertença por
parte do ser humano, como uma peça de toda biosfera, e como tal deve
se colocar. O respeito mútuo entre os seres humanos deve se estender
José Boeing e Jane Portella Salgado 111

para abranger o respeito aos seres vivos em geral, ou seja, o respeito a


todos habitantes do mesmo espaço” (PONTES JÚNIOR; BARROS,
2016, p. 441). Essa compreensão de conexão de todos os seres é tam-
bém defendida por Ivo Poletto no Fórum Mudanças Climáticas e Jus-
tiça Socioambiental,
[...] para nós é importante reconhecer a Terra como um organismo vivo, e
ainda mais, como Mãe de todos os berços de vida, os biomas. A nossa Carta
também dá uma grande atenção à importância da vida da Amazônia, tanto
da floresta e biodiversidade como de seus povos. E faz isso porque sem a
umidade que a Amazônia reproduz grande parte de nosso continente pode
virar deserto. (POLETTO, 2020, [s.p.])

A questão ambiental e a natureza como sujeito de direito torna


mais evidente a interdependência e a interligação entre os direitos hu-
manos na questão da solidariedade entre os povos e em defesa de seus
territórios com seu habitat natural no cuidado da Casa Comum para o
Bem Viver.

3. A questão ambiental e a defesa dos direitos humanos


A cada ano que passa novas tragédias ambientais atingem milha-
res de pessoas no mundo. Além de secas severas, no Brasil a situação segue
o que vem se tornando padrão: as intensas chuvas provocam inunda-
ções, alagamentos, deslizamentos e muitas vidas se perdem. Pesquisadores
apontam que isso é consequência das mudanças climáticas cobrando os
efeitos da devastação da natureza. Há nesse sentido, uma inter-relação
íntima entre as injustiças sociais e as injustiças ambientais, pois os mo-
delos atuais de produção e de consumo são as principais causas da de-
gradação ambiental. Segundo pesquisas, aproximadamente um bilhão de
pessoas adoece e dois milhões acabam por morrer devido ao consumo de
água poluída. E as indústrias continuam a produzir dois bilhões e meio
de toneladas de resíduos tóxicos por ano. E aumenta a concentração da
terra nas mãos de poucos, deixando milhões de trabalhadores sem-terra.
Escraviza-se a terra e explora-se a natureza desordenadamente. Mas os
povos indígenas resistem e gritam em defesa da mãe terra, como Djiniyini
Goudarra que afirma: “[...] a Terra é a minha mãe. Tal como uma mãe
humana, ela dá-nos proteção, prazer e toma conta das nossas necessida-
des econômicas, sociais e religiosas. Nós temos relações humanas com
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
112 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

a terra: de mãe, de irmã, de filho. Quando nos tiram a terra ou quando


a destroem, nós sentimo-nos feridos, porque nós pertencemos à terra e
fazemos parte dela” (GOUDARRA apud BOEING, 2021, p. 97-117).
O problema do desequilíbrio ambiental e do aquecimento glo-
bal surge exatamente da forma como o ser humano vem utilizando a
terra, desde a Revolução Industrial e a ganância do neoliberalismo. Por
isso, a questão da sustentabilidade vai se tornando o tema principal,
diante das questões mundiais de mudanças climáticas. Estes estudos
vêm sendo feitos, entre outras entidades e cientistas, pelo IPCC – In-
tergovernmental Panel on Climate Change.3
O Conselho Mundial de Igrejas Cristãs, em suas diretrizes
atuais, assume um compromisso com a Amazônia, quando afirma:
É nosso dever defender, prevenir, convencer, enfim, esgotar todos os re-
cursos que, devida ou indevidamente, redundem na defesa, na segurança,
na preservação desse imenso território e dos seres humanos que o habitam
e que são patrimônio da humanidade, e não patrimônio dos países cujos
territórios pretensamente dizem lhes pertencer. A Amazônia impõe a toda a
sociedade brasileira o grande desafio de evitar que tenha o mesmo destino
de outras regiões tropicais, especialmente no que diz respeito à destruição
florestal e à pobreza social. Outro desafio é garantir para os filhos e filhas da
floresta amazônica o respeito à ‘dignidade da pessoa humana’, como consta
no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. (CONSELHO MUN-
DIAL DE IGREJAS CRISTÃS, 2005, [s.p.])

A Amazônia impõe a toda sociedade brasileira um grande desa-


fio no sentido de evitar que ela tenha o mesmo destino de outras regiões
tropicais, especialmente quanto à destruição florestal e pobreza social.
Faz-se necessário rever os conceitos de desenvolvimento sustentável,
pois caso se pense a partir do crescimento econômico pode-se chegar à
escassez dos recursos e destruição da vida, principalmente dos pobres da
terra, chegando a destruir o próprio planeta. Daí a convicção da líder
indígena Sônia Guajajara citada no livro do Felício Pontes sobre os Po-
vos da Floresta. afirmando que “nós não negociamos direitos territoriais
porque a terra, para nós, representa a nossa vida. A terra é mãe, e mãe
não se vende, não se negocia. Mãe se cuida, mãe se defende, mãe se pro-
tege” (PONTES JÚNIOR, 2017, p. 36). Por isso, deve-se ter a sensatez
para eliminar os excessos de produção e consumo e buscar a equidade
no uso dos bens da natureza como sujeito de direitos. Nesse mesmo

3 IPCC – INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (Painel Intergoverna-


mental sobre Mudanças Climáticas). Disponível em: www.ipcc.ch. Acesso em: 18 out. 2022.
José Boeing e Jane Portella Salgado 113

sentido, o povo indígena Munduruku reunido em assembleia em Jaca-


reacanga, Pará em 2016, contra a construção da Usina Hidrelétrica de
São Luiz do Tapajós, em documento afirmou que: “Esse é o território
Karosakaybu,onde sempre vivemos. Somos a naturreza, os peixes, a mãe
dos peixes, a mangueira, o açaizeiro, a caça, o beija-flor, o macaco e
todo sos seres do rios e da floresta” (PONTES JÚNIOR, 2017, p. 114).
Segundo José Afonso da Silva, é necessário ter uma postura de
abertura ao projeto da defesa dos direitos humanos e ao meio ambiente.
Ele afirma:
O problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do
momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas
a qualidade da vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano
[...] O que é importante é que se tenha consciência de que o direito à vida,
como matriz de todos os direitos fundamentais do homem, é que há de
orientar todas as formas de atuação no campo de tutela do meio ambiente.
(SILVA, 2000, p. 28)

Na Amazônia, a colonização sempre predominou pela impo-


sição da força do capital e do Estado, através da exploração das maté-
rias-primas, tais como minério, madeira, da grilagem de terras públicas
para pecuária e expansão da monocultura da soja4. Esta nova fronteira
agrícola da soja vem se expandindo desde o Sul do país e Mato Grosso.
Agora, com os portos em Santarém do Pará com a Cargill e outras em-
presas em Miritituba, escoando a soja que vem do corredor pela Rodo-
via BR163 – Cuiabá-Santarém5.

4. Programa de Proteção aos Defensores de Direitos


Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH)
No ano de 1948 a Organização das Nações Unidas – ONU,
aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz no arti-
go 1º que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade
e direito”6. Além disso, segundo a Declaração, todos devem agir, em

4 Ver sobre o tema da soja na Amazônia, documento na FASE e CPT, a Palestra proferida por Sérgio
Scillesinger: O Grão que cresceu demais. Seminário com entidades do Baixo Amazonas. Santarém
2005. Ver também DVD do Greenpeace: o grão que cresceu demais. Disponível em: www.youtube.
com. Acesso em: 14 nov. 2014.
5 Sobre o assunto ver: Revista das Humanidades Ambiental. Disponível em: https://www.amazonia
latitude.com/2019/03/12/projeto-de-porto-da-embraps-ameaca-meio-ambiente-e-povos-tradicio
nais-do-lago-do-maica/. Acesso em: 21 out. 2023.
6 Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 1°. Santarém: Diocese de Santarém, 2003, p. 2.
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
114 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

relação uns aos outros, “com espírito de fraternidade”. A pessoa cons-


ciente do que é e do que os outros são, a pessoa que usa sua inteligência
para receber a realidade, sabe que não teria nascido e sobrevivido sem
o amparo e a ajuda de muitos. E todos, mesmo os adultos saudáveis e
muitos ricos, podem facilmente perceber que não podem dispensar a
ajuda constante de muitas pessoas para conseguirem satisfazer suas ne-
cessidades básicas. Existe, portanto, uma solidariedade natural, que de-
corre da fragilidade da pessoa humana e que deve ser completada com
o sentimento da solidariedade, através da força construtiva da justiça.
O debate acerca das violações dos direitos humanos compreen-
de as dimensões de reparação, proteção e promoção dos Direitos Hu-
manos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – DHESCA. Em
2009, o PAD – Processo de Articulação e Diálogo publicou o estudo de
caso PAD Brasil com o título: “O impacto dos grandes projetos e a vio-
lação dos DHESCA”7. Este relatório mostra como o Brasil ainda está
permanentemente violando os direitos individuais, sociais/coletivos e
ambientais dos povos indígenas, afrodescendentes e trabalhadores e tra-
balhadoras na Amazônia e no Brasil. Isso implica o marco necessário na
discussão dos defensores de direitos humanos que se dá a partir da ação
concreta e cotidiana pela efetivação dos direitos, estabelecendo uma
correlação imediata entre a luta destes defensores e a repressão contra
os mesmos, buscando inibir a sua atuação (SAUER, 2005, p. 51-66).
A ONU, em 1998, na celebração dos 50 anos da Declaração dos
Direitos Humanos, deu atenção aos defensores de direitos humanos,
através da aprovação do Programa de Proteção dos Defensores dos Di-
reitos Humanos. A Declaração deste programa afirma que “são defen-
sores de direitos humanos todos os homens, mulheres ou entidades que
atuam promovendo e/ou denunciando as violações contra os direitos
humanos”. Não se trata de alguns indivíduos isolados, mas de todos os
que se colocam na defesa dos direitos humanos, incluindo-se também
trabalhadores, lideranças sindicais e religiosas.
O Brasil, com o Movimento Nacional dos Direitos Humanos,
se fortalece pós- ditadura militar e no bojo da elaboração da Carta Mag-
na de 1988. Esta é reforçada com a Conferência de Viena em 1993 e
a primeira Conferência de Direitos Humanos no Brasil em 1996. Essa
luta resultou na criação do PNDH I – Programa Nacional dos Direitos
7 Ver sobre DHESCA os estudos de caso PAD Brasil (Processo de Articulação e Diálogo). Publicação
do PAD. O impacto dos grandes projetos e a violação dos DHESCA. Rio de Janeiro, 2009. Dispo-
nível em: www.dhescbrasil.org.br/.
José Boeing e Jane Portella Salgado 115

Humanos pelo Decreto presidencial nº 1.904, em 1996. O processo de


elaboração de um Programa Nacional foi se consolidando a ponto de se
chegar ao PNDH II e à criação do novo Decreto presidencial nº 4.229,
em 2002.
A partir disso foi criado em 2004, o Programa de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), vinculado ao Ministério
da Justiça, como uma política instituída como compromisso do Estado
brasileiro de proteger aquelas e aqueles que lutam pela efetivação dos
direitos humanos no Brasil. Ele está vinculado à Secretaria Especial de
Direitos Humanos da Presidência da República e tem como objetivo a
adoção e articulação de medidas que possibilitem garantir a proteção
de pessoas que estejam em situação de risco ou ameaça em decorrência
de sua atuação na promoção ou defesa dos direitos humanos. Segundo
João Batista Moreira Pinto e Maria Emília Silva,
[...] os defensores de direitos humanos são sobretudo reconhecidos por suas
ações e contextos de trabalho. O defensor de direitos humanos pode in-
tervir em defesa de qualquer direito (ou direitos) humanos, em favor de
pessoas singulares ou grupos, buscando promover e proteger os direitos ci-
vis e políticos, assim como a promoção, proteção e realização dos direitos
econômicos, sociais, culturais e ambientais. (2016, p. 81-98)

Diante da inclusão da proteção do meio ambiente como ele-


mento de proteção aos direitos humanos, deve-se ressaltar que, quando
da construção da proposta de um direito ao meio ambiente, inclusive
como um direito humano fundamental a trajetória dos direitos huma-
nos já estava bem avançada para um reconhecimento global, sobretudo
em termos de formalização institucional e internacional. Por isso, desde
o ano de 2009, a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público,
Centro Popular de Formação da Juventude – Vida e Juventude, atra-
vés de convênio junto ao Ministério de Direitos Humanos, executa o
PPDDH. A Equipe Federal do PPDDH tem sua competência, acom-
panha e articula ações e medidas de proteção, de prevenção e de resolução
de conflitos. A equipe federal tem as dinâmicas relacionadas às situações
de conflito apresentadas pelos defensores e defensoras de direitos hu-
manos acompanhados. Assim, realizam-se os encaminhamentos e arti-
culações necessárias para promover a visibilidade, a proteção e a continui-
dade da luta na defesa dos Direitos Humanos no Brasil. Dessa forma,
conforme as prerrogativas prefixadas nos Decretos nº 6.044/2007 e nº
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
116 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

9.937/2019,8 destaca-se dentre as diretrizes do PPDDH, a visibilidade


da luta das lideranças acompanhadas, por meio da atuação em rede, o
que implica a corresponsabilização da sociedade civil e do Estado na pro-
moção e defesa dos direitos humanos no país. Numa correlação entre
direitos humanos, direito ao meio ambiente e dignidade de vida, João
Batista Moreira Pinto e Maria Emília Silva afirmam que:
Os direitos humanos e direito ao meio ambiente têm como objetivo a pre-
servação da qualidade de vida dos seres humanos, a violação de um repre-
senta a violação do outro, precisamente em virtude da inserção de um no
outro. Assimilando esta interligação entre os direitos humanos e o meio
ambiente, urge tecer uma análise do papel dos defensores de direitos hu-
manos e da forma como os mesmos têm se comportado frente aos impasses
vividos. (2016, p. 81-98)

Esse é o grande propósito dos defensores dos direitos humanos


que também defendem a natureza como sujeito de direitos e por esse
motivo são ameaçados, porque sua luta é a luta da coletividade. Isto é,
a proteção dos territórios, dos direitos sociais e ambientais. No cenário
nacional, os defensores e as comunidades vivem toda sorte de violações,
havendo a necessidade de uma política pública que considere os defen-
sores de direitos humanos indispensáveis ao fortalecimento da demo-
cracia e que atue diretamente para lhes garantir segurança e liberdade, a
fim de que possam continuar suas ações políticas.
Para tanto, urge vencer os desafios impostos pelos grupos con-
trários aos direitos humanos e avançar na transformação do programa
em uma verdadeira política pública de estado, com institucionalidade,
estrutura e orçamento adequado, com marco legal e, acima de tudo,
com compromisso político entre todos os atores envolvidos. Assim, lu-
ta-se para a implementação do PPDDH em todos os estados da fede-
ração (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDA-
DANIA, [s.p.]). O PPDDH deve ser como uma política de Articulação
à Proteção que, por meio do acionamento à rede de instituições res-
ponsáveis, busca assegurar a integridade das lideranças acompanhadas
e suas comunidades, e promover a continuidade da luta pelos direitos
humanos no território nacional. Mas as investidas ainda que limitadas
são importantes na defesa dos grupos sociais vulneráveis, como traba-
lhadores rurais sem-terra, quilombolas, indígenas, povos das comuni-

8 Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DEC&numero=9937&ano=2019


&ato=2c5gXUU9keZpWT808. Acesso em: 22 out. 2023.
José Boeing e Jane Portella Salgado 117

dades tradicionais e ambientalistas, o que aponta ainda para alguns dos


desafios da efetivação dos direitos humanos no Brasil.
Observam-se significativas violações dos direitos humanos nes-
ses últimos anos com a política de desmonte das instituições e órgãos
governamentais que têm como princípio garantir esses direitos. Soma-
do a isso, há a criminalização dos movimentos sociais, sindicais, am-
bientais e lideranças que defendem a vida dos povos e seus territórios. É
importante reconhecer que muito se fez, mas é necessário avançar mais
nas estratégias da ação de autoproteção dos defensores e defensoras dos
direitos humanos. Antonio Neto, pesquisador da ONG Justiça Global
e da Plataforma Dhesca Brasil, afirma que o Brasil está numa situação
das mais preocupantes, pois é o país que mais assassina defensores am-
bientalistas. Ele faz a seguinte análise:
A omissão histórica na proteção das pessoas e coletividades defensoras am-
bientais hoje se aprofunda numa postura ativa de perseguição e criminaliza-
ção por parte do atual governo brasileiro, que vem retirando direitos e garan-
tias socioambientais, consagrados na Constituição Federal de 1988 por meio
do sucateamento e da militarização de instituições públicas de defesa do meio
ambiente e dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, da alteração
e extinção de normas ambientais e conselhos participativos, da omissão na
fiscalização e no combate a ilegalidades e crimes e do caráter racista explícito
nos discursos e práticas estatais. (DHESCA BRASIL, 2021, [s.p.])

A partir de todos esses dados e fatos concretos e diários, princi-


palmente na Amazônia, é que, em 2019, surgiu por iniciativa das enti-
dades da Igreja católica e da sociedade civil organizada a Campanha “A
Vida por um Fio” visando a autoproteção das comunidades e lideranças
ameaçadas. São 22 entidades que formam a Rede Popular de proteção
aos defensores e defensoras dos direitos humanos. Não pretende subs-
tituir o PPDDH, mas ao contrário, apoiar para que funcione em todo
território nacional. Segundo as orientações do Guia Metodológico da
Campanha são três os seus objetivos:
Promover e fortalecer mecanismos não violentos de defesa e autoproteção de
comunidades e pessoas ameaçadas e/ou criminalizadas por estarem afirmando
o direito à vida e aos territórios, e os direitos da Mãe-Terra. Denunciar em
nível nacional e internacional a difusão da cultura do ódio, as ameaças e a im-
punidade em contextos de conflitos socioambientais, bem como as recentes
políticas de desmonte dos direitos adquiridos pelos povos e comunidades e
de retrocessos em Direitos Humanos. Defender e promover eficazes políticas
públicas de proteção às comunidades e lideranças ameaçadas por promove-
rem lutas em defesa dos Direitos Humanos, dos territórios tradicionais e pe-
los direitos da Mãe-Terra. (A VIDA POR UM FIO, 2020, p. 15-17)
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
118 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

Para alcançar esses objetivos é preciso cobrar ações do governo


que está retrocedendo nas políticas públicas e desmontando as estruturas
de defesa dos direitos individuais e coletivos. Faz-se necessário denunciar
a conivência dos poderes públicos com as ameaças e as agressões a lide-
ranças e comunidades, bem como o incentivo explícito de representantes
do governo à violência como forma de “resolver” os conflitos. Esses gritos
já se organizaram e se transformaram em denúncias formais, apresentadas
às instituições de defesa dos direitos em nível nacional e internacional. A
Campanha “A Vida por um Fio” pode consolidar também essas ações e
multiplicá-las, contando também com a rede internacional das igrejas e
organizações de inspiração cristã que têm o compromisso de fortalecer a
rede popular de proteção, atuando juntamente com o PPDDH, exigindo
que o Estado cumpra seu papel de protetor dos defensores com políticas
públicas. Daí a necessidade de maior divulgação dos mecanismos de aces-
so às políticas de proteção, a divulgação de seus resultados, a sua defesa e
a busca de espaços, principalmente junto ao Legislativo nos vários níveis
para seu aprimoramento. É a este esforço que a presente Campanha se
dedica (A VIDA POR UM FIO, 2020, p. 19).
Há também outros esforços no mesmo sentido de defesa da vida
e dos defensores. Trata-se do Projeto “Defendendo Vidas” e do Projeto
“Sementes de Proteção” que atuam nos estados capacitando e fortale-
cendo a rede de proteção. O material produzido pela equipe reforça a
ideia de acompanhar e preparar as lideranças para enfrentamento com
o Estado e suas instituições. Por outro lado, visa mobilizar as entidades
da sociedade civil e os próprios defensores a se protegerem diante da
criminalização, ameaças e perseguições. Por isso, proteção popular de
defensores e defensoras de direitos humanos é uma construção histórica
que pretende expressar um modo próprio de fazer a proteção como
prática das organizações e movimentos sociais populares. Expressa uma
proposta político-pedagógica em construção e que aqui se apresenta
como esboço para o debate dialógico. Uma das orientações é o
[...] enfrentamento das variáveis que geram a necessidade de proteção exige o
mapeamento daqueles que são os perpetradores das violações, os vitimários.
Eles são cada vez mais diversificados: além de agentes do Estado, fundamen-
talistas religiosos e de outros tipos, agentes políticos ultraconservadores, agen-
tes de interesses privados empresariais e o crime organizado (miliciano ou
não), entre outros. Identificar os autores do risco e da ameaça é fundamental
para que se possa buscar responsabilização. (PROJETO SEMENTES DE
PROTEÇÃO, PROJETO DEFENDENDO VIDAS, 2022, p. 13)
José Boeing e Jane Portella Salgado 119

A proteção popular de defensores e defensoras de direitos huma-


nos é uma ação prática e historicamente cultivada nas organizações e mo-
vimentos populares de direitos humanos, que vão fazendo sua construção
em cada situação, contexto, temporalidade e territorialidade, formando
“comunidades protetoras”, “comunidades de proteção” (PROJETO SE-
MENTES DE PROTEÇÃO, PROJETO DEFENDENDO VIDAS,
2022, p. 16). Essas expressões são usadas pelos indígenas para nomear os
guardiões da floresta ou guardiões ambientais. A proteção popular de de-
fensores e defensoras de direitos humanos é obra de sujeitos(as) históricos
que a realizam em suas práticas cotidianas de luta por direitos humanos.
A relatora especial da ONU sobre a situação dos defensores dos
direitos humanos Mary Lawlor, no dia 16 de março de 2023, pediu aos
países para que reconhecessem publicamente os grandes sucessos alcan-
çados pelos defensores dos direitos humanos em todo o mundo. No seu
relatório incluiu recomendações práticas aos países, baseadas em con-
sultas com defensores de direitos humanos, ONGs, especialistas acadê-
micos e funcionários do governo, sobre como melhor apoiar o trabalho
dos defensores e promover suas conquistas (LAWLOR, 2023, [s.p.]).
Por isso, MDHC formaliza composição do GTT Sales Pimenta com 40
representantes paritários entre sociedade e governo. Este Grupo de Tra-
balho Técnico é um compromisso do Ministério dos Direitos Humanos
e da Cidadania e visa garantir a segurança e integridade de defensores
de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas (MINISTÉRIO
DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA, 2023, [s.p.]).
O grande desafio posto aos defensores de direitos humanos é a
presente criminalização, decorrente desse modelo de desenvolvimento
em que as causas das violações não são enfrentadas estruturalmente.
Urge superar as desigualdades da ordem econômica, política e social
com uma política e planejamento na defesa dos Direitos Fundamentais,
garantindo a efetivação dos direitos humanos e reconhecendo a nature-
za como sujeito de direitos.

5. Defensores e defensoras dos direitos humanos e direitos da


natureza são assassinados na Amazônia
Um dos principais problemas, juntamente com a questão am-
biental na Região Amazônica, é a grilagem de terras, especialmente por
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
120 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

meio da falsificação de documentos que buscam privatizar as terras


públicas. Diante dessa realidade, nos diferentes estados dessa região,
realizam-se cursos, encontros, debates, com o intuito de conscientizar
a população, especialmente os trabalhadores rurais, para ampliar a resis-
tência e defesa dos direitos humanos.
A luta pela preservação da Amazônia transformou-se em uma
questão mundial porque sua destruição poderá impactar todo o plane-
ta, isto porque o desequilíbrio ambiental poderá provocar uma tragédia
sem precedentes na história humana. A necessidade de garantir a vida
em todos os sentidos tem impulsionado o surgimento de movimentos
sociais e eclesiais em defesa da Amazônia. São movimentos que buscam
oferecer resistência e propor alternativas aos ataques sistêmicos do po-
der político e econômico ao ecossistema e à população amazônica. Esses
problemas exigem uma luta constante no sentido de promover a justiça,
paz e integridade da criação, como o Papa Francisco chama na Encíclica
Laudato Si de Ecologia Integral (FRANCISCO, 2015, [s.p.]).
Nesse sentido, o Papa Francisco já havia denunciado, em 2014,
a violação aos direitos humanos. Para ele fica claro a opção da Igreja de
estar a serviço dos pobres e de suas organizações, pois o problema da
fome, falta de terra, teto e trabalho para os pobres causam dor e injus-
tiça. E há necessidade de ter paz e defesa da ecologia. Essa manifestação
do seu pensamento em defesa dos direitos dos trabalhadores e da ecolo-
gia fica clara no seu pronunciamento, quando afirma:
Todo trabalhador, esteja ou não no sistema formal do trabalho assalariado,
tem direito a uma remuneração digna, à segurança social e a uma cobertura
de aposentadoria. Aqui há papeleiros, recicladores, vendedores ambulantes,
costureiros, artesãos, pescadores, camponeses, construtores, mineiros, ope-
rários de empresas recuperadas, todos os tipos de cooperativados e trabalha-
dores de ofícios populares que estão excluídos dos direitos trabalhistas, aos
quais é negada a possibilidade de se sindicalizar, que não têm uma renda
adequada e estável. Hoje, quero falar de Paz e da Ecologia. É lógico: não
pode haver terra, não pode haver teto, não pode haver trabalho se não te-
mos paz e se destruímos o planeta. São temas tão importantes que os Povos
e suas organizações de base não podem deixar de debater. Não podem dei-
xar só nas mãos dos dirigentes políticos. Todos os povos da terra, todos os
homens e mulheres de boa vontade têm que levantar a voz em defesa desses
dois dons preciosos: a paz e a natureza. A irmã mãe Terra, como chamava
São Francisco de Assis. (FRANCISCO, 2014, [s.p.])

A luta e resistência dos povos amazônicos em defesa de seus


territórios e a defesa da natureza como sujeito de direito sempre exis-
José Boeing e Jane Portella Salgado 121

tiu. E cada vez mais intensifica as lutas e fortalecimento da rede de


proteção dos defensores e defensoras dos direitos humanos, através
dos movimentos populares, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
extrativistas e migrantes. Assim, poderemos associar este tema da de-
fesa da dignidade humana e respeito à natureza com essas inúmeras
organizações. Por isso, na Amazônia, os povos da floresta reivindicam
o direito da floresta em pé com sua forma de extrativismo. De acordo
com a professora Germana Moraes e do grupo de pesquisa Direito da
Natureza: “são paradigmas que priorizam a vida, tanto a nossa quanto
a vida em sentido mais amplo, considerando-se que a comunidade do
planeta envolve humanos e outros seres, todos dependentes uns dos
outros” (apud ALENCAR, 2018, [s.p.]). Para ela a natureza tem uma
“consciência” própria, fundada na experiência coletiva e acrescenta que:
“Dois fatores podem dar conteúdo a essa consciência: comunidade, no
sentido de que a vida só existe em grupo; e simbiose ou reciprocidade,
essenciais para a sustentação da vida” (apud ALENCAR, 2018, [s.p.]).
Sendo assim, a natureza como ser vivo vai ganhando força pelo fato dos
povos originários terem essa conexão e também como diz o Papa Fran-
cisco na Encíclica Laudato Si: “tudo está interligado”.
Essa concepção dos povos ancestrais fez com que os defensores
dos direitos humanos e direitos da natureza se tornassem referência ao
longo da história na luta e resistência na defesa da vida. Por isso, desde
a década de 1970 a política do regime militar estimulou a ocupação
da Amazônia por pessoas de outros estados para incentivar a minera-
ção e desmatamento para favorecer a pecuária. No Acre, por exemplo,
os seringueiros, que dependiam da floresta com as seringueiras em pé,
começaram a ter mais conflitos por causa do desmatamento da flores-
ta para a criação de gado. Em 1976, com a liderança do presidente
do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Pinheiro,
os seringueiros inventaram os “empates” que consistiam em abraçar
as árvores para evitar as derrubadas dos seringais. De acordo com
o Memorial Chico Mendes, eles reuniam suas famílias, iam para as
áreas ameaçadas de desmatamento, desmontavam os acampamentos
dos peões e paravam as motosserras. Com o aumento das tensões por
causa desses movimentos, Pinheiro foi assassinado em 1980, dentro
da sede do Sindicato. Quem continuou essa luta no Acre pela pre-
servação da Amazônia foi Chico Mendes (1944-1988). Nascido no
Acre, ele passou a infância e a juventude cortando seringa, atividade
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
122 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

que aprendeu com o pai. Mas como o pai não sabia ler nem escrever,
foi na escola que ele descobriu que o pai era explorado na venda da
seringa no comércio. A partir dessa constatação, Chico Mendes co-
meçou a defender a luta coletiva dos trabalhadores dos seringais. Em
1987 obteve a criação da primeira Unidade de Conservação, também
chamada de Reservas Extrativistas9.
A proposta de criação das Reservas Extrativistas e o desenvolvi-
mento sustentável na Amazônia nasceu como forma de resistência dos
seringueiros do Acre ao processo de expansão capitalista naquele estado,
tendo como pano de fundo a intrínseca e injusta estrutura fundiária ali
predominante. Do confronto entre a chegada da colonização capitalista
e o modo tradicional dos povos viverem na floresta, surgiu o movi-
mento do “empate”, que significa impedir, empatar uma atividade, no
caso, o desmatamento. Mas nesta luta em defesa dos direitos humanos e
direitos da natureza muitos foram assassinados como é o caso de Chico
Mendes no dia 22 de dezembro de 1988 em Xapuri, no Acre depois que
tinha feito a denúncia na ONU sobre as violações dos direitos humanos
e direito da natureza10.
Outra grande líder e ambientalista foi a Irmã Dorothy Stang
em Anapu, no Pará. Irmã Dorothy por mais de 30 anos viveu na região
da Transamazônica e dedicou quase metade de sua vida para dar voz
às comunidades rurais, defendendo o direito à terra e lutando por um
modelo de desenvolvimento sem destruição da floresta. Ela foi brutal-
mente assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005. Sua luta foi em defesa
dos pobres migrantes nordestinos que ocuparam as terras públicas na
Transamazônica no município de Anapu. Ela replicava em suas pales-
tras uma frase que carregava consigo: “o fim da floresta é o fim de nossa
vida”. Também pode-se registrar atitudes da Irmã Dorothy quando já
estava ameaçada pelos fazendeiros. Muitos sugeriram que ela fosse em-
bora de Anapu. Mas ela dizia que não ia fugir, pois os pobres agriculto-
res tinham o direito sagrado de viver na terra e eles não tinham quem
os defendesse caso ela fosse embora. Essa é a consciência e coragem de
todos os defensores ameaçados diante das injustiças e impunidades na
Amazônia.
9 Ver sobre as Reservas Extrativistas e o desenvolvimento sustentável na Amazônia o livro de AN-
DERSON, Anthony et al. O destino da floresta: reservas extrativistas e o desenvolvimento sustentável
na Amazônia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
10 Ver sobre os mártires e suas histórias em: THOMAS, Jennifer Ann. Inspiração: conheça ambienta-
listas que fizeram história. Guia do Estudante, 20/10/2021. Disponível em: https://guiadoestudante.
abril.com.br/dossie-verde/inspiracao-conheca-ambientalistas-que-fizeram-historia/.
José Boeing e Jane Portella Salgado 123

Assim, entre tantos documentos exigindo justiça e luta contra a


impunidade, transcreve-se uma parte do documento enviado ao Minis-
tério do Meio Ambiente e Desenvolvimento, pelas entidades tais como
o GTA – Grupo de Trabalho Amazônico e coordenação do FBOMS
– Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, assinado por Adil-
son Vieira e outros:
Do ponto de vista ambiental o assassinato da Irmã Dorothy poderia ser
classificado como um impacto secundário da colonização espontânea asso-
ciado ao desmatamento total e agricultura de corte e queima, a exploração
ilegal de madeira, a grilagem e invasão de terras, a violência e morte no
campo, a omissão e a inoperância do Estado. Na verdade, são problemas
históricos de origem socioeconômicos que se arrastam desde os primórdios
da humanidade.11

Diante disso, vamos pegar como exemplo, a necessidade de pro-


teção de vida dos defensores e defensoras dos direitos humanos da Ama-
zônia brasileira. O Pará apresenta o maior índice de assassinatos ligados
às disputas de terra. Entre 1985 a 2001, quase 40%, das 1237 mortes
de trabalhadores rurais no Brasil aconteceram no Pará. É ainda o estado
campeão de desmatamento ilegal, exploração de madeira, grilagem de
terras, trabalho escravo e palco de escandalosas denúncias de abuso aos
direitos humanos12. No entanto, existe uma resistência cotidiana dos
povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas e agricultores
familiares contra as injustiças, desigualdades e violência.
Um conflito atual e que merece análise é o caso do Marco Tem-
poral que trouxe ao debate com a sociedade, o reconhecimento ou ne-
gação do direito ao território dos povos indígenas. O STF, depois de um
longo processo de análise, por fim decidiu contra a tese de reconhecer
o território dos povos indígenas somente a partir da Constituição de
1988. Mas o Congresso Nacional elaborou e aprovou a PL 2903/2023
que cria Lei para garantir o Marco Temporal, mas o presidente Lula
tem o poder de vetar essa lei. Do ponto de vista do território e da na-
tureza como sujeito de direito reabre-se o debate para poder avançar na

11 Ver documento que Adilson Vieira enviou ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Disponível em:
www.portalverdeonline.com.br/oalrinasloDiniao/irmadorotv.htm Documento ao Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. FBOMS.
12 Relatório do Greenpeace. “Pará: Estado de Conflito”, lançado em outubro de 2003, disponível em:
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://greenpeace.org.br/amazonia/pdf/
para_estadodeconflito.pdf. Ver também. Sérgio Sauer. Violação dos Direitos Humanos na Amazô-
nia: conflito e violência na fronteira paraense. Goiânia: CPT – Comissão Pastoral da Terra: Confli-
tos no Campo. Brasil. Goiânia: CPT, 2005
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
124 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

compreensão dos direitos que são inalienáveis. Segundo Melillo Dinis


do Nascimento, assessor da REPAM Brasil em seu artigo “Democracia,
indígena e Marco Temporal” ele afirma que
É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das Terras Indíge-
nas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da abso-
luta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarca-
ção, devendo ser ouvida em todo caso a comunidade indígena, buscando-se
se necessário a autocomposição entre os respectivos entes federativos para
a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo
sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a
proporcional compensação às comunidades indígenas, Artigo 16.4 da Con-
venção 169 da OIT. (NASCIMENTO, 2023, [s.p.])

Os povos indígenas, quilombolas, agroextrativistas e demais


grupos étnicos lutam na construção de projetos baseados no uso cole-
tivo do território, na prática da partilha, na sustentabilidade socioam-
biental e na organização comunitária. Mas para garantir direitos huma-
nos e direitos da natureza precisam lutar contra o modelo capitalista e
individualista da propriedade privada. Daí os defensores e defensoras
de direitos humanos são ameaçados, perseguidos e muitos são assassina-
dos. Nesse sentido, eles não defendem uma causa pessoal, mas coletiva
e apontam para os processos de resistência e defesa dos territórios e
da natureza como sujeito de direito. Por isso, o PPDDH precisa fazer
não só a proteção individual, mas a proteção popular comunitária. Por
exemplo, reconhecer e apoiar as experiências já existentes dos guardiões
da floresta ou guardiões do Bem Viver lutam pelos direitos sociais, eco-
nômicos, culturais e religiosos e ambientais da população amazônica. E
podemos destacar muitas experiências positivas nesses anos de resistên-
cias. O caso mais recente foi em 2022: o assassinato do Bruno Pereira e
Don Philip no município de Atalaia do Norte, Amazonas13.

6. A natureza como sujeito de direito: caso do igarapé


Canacupá e do lago Macupixi
Esses dois casos são um exemplo concreto de crime contra
os direitos humanos e direito da natureza. Trata-se da violação dos
13 Ver em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2022/06/15/bruno-pereira-e-dom-phillips-a-
cronologia-do-caso-desde-o-inicio-da-viagem.ghtml. Acesso em: 21 out. 2023.
José Boeing e Jane Portella Salgado 125

direitos dos pescadores no igarapé Canacupá e no lago Macupixi,


município de Alenquer, Pará. A Empresa Polpa da Amazônia com o
projeto de plantio de açaí violou o direito natural dos moradores das
comunidades no entorno do igarapé Canacupá. A empresa plantou
600 hectares de açaí e necessitava de muita água por ser uma plan-
ta de clima tropical. No entanto, a instalação do projeto solicitou à
SEMA municipal a autorização de realizar uma barragem no igarapé
de Canacupá, represando as águas do lago Macupixi. Esta autorização
concedida pela autoridade afetou diretamente os pescadores e a vida
das comunidades no entorno do lago e dos igarapés vizinhos. Isso fere
no conceito dos povos amazônicos o direito de conviver com todas
as espécies da fauna e flora e entre si. Pode-se constatar isso no tes-
temunho do líder indígena Munduruku no alto rio Tapajós, em que
querem construir uma barragem no rio, destruindo o lugar sagrado
e dos seres encantados, segundo sua cultura. Ele disse: “Uma certeza
nós temos, os peixes, as caças e as plantas medicinais que servem para
a nossa sobrevivência ficarão mais escassas. Muitos lugares sagrados
desaparecerão, é o caso da cachoeira Sete Quedas, de que tanto fa-
lamos e o Governo nunca deu importância” (PONTES JUNIOR,
2017, p. 56). Os indígenas, ribeirinhos e pescadores nunca ficaram
pacíficos diante da ameaça à sobrevivência física, cultural e ambiental.
Por isso, no caso de Alenquer, no igarapé Canacupá com a barragem
montada, a balsa flutuante com motor para captação de água do lago
e a destruição das APPs fez os comunitários, através de suas entida-
des representativas, agirem solicitando a intervenção do Ministério
Público e da SEMA estadual, IBAMA e poder público Municipal de
Alenquer (BOEING, 2021, p. 60-82).
Esta situação causou uma polêmica na cidade, nos órgãos pú-
blicos e nas entidades. No dia 26 de outubro de 2011, as entidades,
representantes dos trabalhadores e pescadores, encaminham denúncia
ao INCRA, IBAMA, MPE, SEMA municipal e estadual e questiona o
gerente da empresa Sr. Cristiano Vaccaro, sobre o acontecido. O mesmo
diz que não estava sabendo sobre o aterro. No entanto, os documentos
apresentaram os argumentos do impasse e conflitos ao crime ambiental,
ressaltando que:
[...] o inquérito civil n. que se desenvolve nesse promotoria em desfavor
da empresa POLPAS DO BAIXO AMAZONAS INDÚSTRIA E CO-
MÉRCIO Ltda. (GRPO VACCARO – POLPA DA AMAZÔNIA), com
objetivo de apurar denúncia de degradação ao meio ambiente e construção
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
126 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

irregular de barragem e considerando, em especial, a RECOMENDAÇÃO


N. 005/2011-MP/1º PJA, em que RECOMENDA a atualização do Plano
de Controle Ambiental do empreendimento sob reponsabilidade da em-
presa polpas do Baixo Amazonas, elencando objetivamente as seguintes
exigências: (1) controle de resíduos decorrentes do uso de herbicidas; (2)
proteção dos peixes; (3) monitoramento do controle das águas; (4) proteção
da migração dos peixes no entorno do barramento; (5) estabelecimento de
estratégias de comunicação social do projeto com a comunidade direta-
mente afetada visando a informação e o detalhamento de todas as fases do
empreendimento; (6) discussão de outras alternativas de aproveitamento de
águas para irrigação no período de estiagem. Demonstrando a vantagem do
barramento em detrimento de outras alternativas. (STTR – ALENQUER,
2011 apud BOEING, 2021, p. 71).

O método utilizado para solucionar os danos causados ao meio


ambiente e aos pescadores pela empresa foi a denúncia formal na justi-
ça. Mas a solução veio através da justiça restaurativa com práticas res-
taurativas. Entendendo que a justiça restaurativa tem como objetivo
primeiro o cuidado com a vítima que pode ser uma pessoa, grupos
comunitários ou o próprio meio ambiente. Foram utilizados todos os
meios de diálogo e argumentos em defesa dos direitos humanos dos
comunitários e o direito da natureza como sujeito. E nessa luta, após 3
longos anos de discussão em audiências públicas e tentativa de concilia-
ção, chegou-se, por fim, ao consenso. O acordo entre as partes em prol
dos comunitários e do meio ambiente determinou:
A retirada total da barragem e dos entulhos, pedras e terra no local da bar-
ragem. Também a empresa se compromete a fazer um estudo de encontrar
uma alternativa de retirada do motor e balsa flutuante, pois mesmo sem
a barragem a captação de água permanente, prejudicará o lago e os peixes
no período dos 6 meses de estiagem que vai de julho a dezembro de cada
ano. Também o compromisso da empresa de recuperar a APP ao longo
do lago e igarapé afetados. Quanto ao futuro da região e preservação do
meio ambiente será criado o comitê da bacia do Lago do Macupixi para
atuar permanentemente em defesa das águas e do meio ambiente. (STTR
– ALENQUER, 2012 apud BOEING, 2021, p. 74)

Diante dessa situação, chega-se à constatação de que a sociedade


está cansada de violência e danos ambientais. Vale ressaltar que nesse
caso houve denúncia contra líderes comunitários dos pescadores, dire-
ção do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, lideranças
da Igreja Católica, acusando os padres e leigos de tumulto e desobe-
diência civil. Agora chegou a hora dos causadores repararem os danos
ambientais, garantindo a paz para as comunidades
José Boeing e Jane Portella Salgado 127

7. Proteger os rios como sujeitos de direito no cuidado da


Casa Comum
A cada ano que se passa novas tragédias ambientais atingem mi-
lhares de pessoas no mundo. Além de secas severas, no Brasil a situação
segue o que vem se tornando padrão: as intensas chuvas provocam inun-
dações, alagamentos, deslizamentos e muitas vidas se perdem. Por isso, o
direito da natureza vai ganhando força diante da crise ambiental global14.
Considero a água um bem finito e a gente percebe que devido a ação humana,
a cada dia que passa a quantidade e a qualidade da água diminui. Precisamos
rever os conceitos legislativos em relação a este assunto. A água precisa ser vis-
ta juridicamente como sujeito de direito, pois apesar de, no Brasil, ser prote-
gida por lei, ainda não é considerada como sujeito de direito. Com os recentes
avanços que temos visto pelo mundo nesse sentido, acredito que podemos
defender essa bandeira levando a discussão para o Congresso e para o Executi-
vo, porque precisamos mudar o olhar da sociedade para entender que quando
a água for tratada como sujeito de direito estaremos de fato protegendo o rio
São Francisco e as águas do nosso Brasil. (CAVALCANTI, 2023, [s.p.])

O professor, doutor em direito ambiental e brigadista florestal,


Humberto Gomes Macedo diz que deve haver uma interferência de
todos, diante da poluição e mudanças climáticas, elaborando leis de
proteção das águas e rios como sujeitos de direito. Ele afirma:
O rio Doce não teve a ação continuada porque as leis brasileiras impedem
que o rio seja sujeito de direito. No entanto, há discussões pertinentes nesse
sentido, o que facilita a ação, e essa discussão traria a vitória de todo pensa-
mento ecológico. Vale pontuar que os recentes acidentes, chuva, incêndios,
efeitos das mudanças climáticas, já nos mostram que é urgente que os rios
e outros seres da natureza sejam sujeitos de direito, afinal o direito não
pode contemplar apenas o ser humano, que deve ser o meio e não o fim.
(CAVALCANTI, 2023, [s.p.])

Em um artigo no site “Um só planeta”, Vanessa Oliveira comen-


ta a criação do rio Laje/RO como sujeito de direito. Situado no coração
do Parque Estadual Guajará Mirim, em Rondônia, região de nascentes
ameaçada por crescentes invasões de grileiros, desmatamento, avanço
de monoculturas e projeto de hidrelétricas, um rio faz história no Brasil.
Destaca a autora:
A nova legislação considera que o curso d’água tem direitos inerentes à sua
existência, que devem ser reconhecidos para garantir sua preservação e de

14 Disponível em: https://umsoplaneta.globo.com/biodiversidade/noticia/2023/06/28/direitos-da-


natureza-movimento-ganha-forca-no-brasil-e-no-mundo-diante-da-crise-ambiental-global.ghtml.
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
128 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

todos os seres que com ele interagem ou dele dependem. Segundo a decisão,
o rio tem o direito de ‘manter seu fluxo natural’, ‘nutrir’ e ‘ser nutrido’, ‘exis-
tir com suas condições físico-químicas adequadas ao seu equilíbrio ecológi-
co’ e se relacionar com seres humanos em ‘suas práticas espirituais’, de lazer,
da pesca artesanal, agroecológica e cultural. (OLIVEIRA, 2023, [s.p.])

Aprovada pela Câmara Municipal e celebrada por moradores,


a proposta veio do vereador Francisco Oro Waram (PSB), liderança de
uma das três dezenas de aldeias da região e somam mais de 4 mil indí-
genas, sendo os Oro Wari a maior etnia. Para o vereador “com a lei, a
ideia é criar um comitê de ‘guardiões do rio’, composto por integrantes
das comunidades indígenas, pescadores e pesquisadores da Universida-
de Federal de Rondônia, que deverá ser consultado frente a qualquer
projeto que possam impactar o rio” (OLIVEIRA, 2023, [s.p.]).
Os defensores e defensoras estão denunciando as violações dos
territórios e destruição da natureza causando mudanças climáticas. É ne-
cessário fortalecer os comitês de bacias com a proteção dos rios e águas.
Por isso, foi criado os Guardiões do Bem Viver pela organização que reúne
jovens do PAE Lago Grande em Santarém, Pará em defesa das comunida-
des e lideranças ameaçadas pela invasão da mineradora e agronegócio da
soja no PAE Lago Grande. Cuidar do rio Arapiuns como sujeito de Di-
reitos, pois na margem direita do rio estão as 76 Comunidades da Reserva
extrativista Tapajós/Arapiuns, coordenada pela Tapajoara. E na margem
esquerda estão as 155 Comunidades do PAE – Projeto de Assentamento
Agroextrativista Lago Grande, coordenada pela FEAGLE.
O Projeto de tornar o rio Arapiuns como sujeito de direito vem
sendo construído com as lideranças sindicais, ambientais, lideranças re-
ligiosas da Região Pastoral 8 da Arquidiocese de Santarém, através da PJ
– Pastoral da Juventude e demais organizações socioambientais. A pro-
posta de elaboração do Projeto de Lei do rio Arapiuns como sujeito de
direitos foi uma resolução da II Romaria do Bem Viver em outubro de
2023 em São Francisco, rio Arapiuns. Seguiremos os passos de articula-
ção e elaboração da proposta para apresentar na Câmara de Vereadores
de Santarém e na Assembleia Legislativa do Pará.

8. Considerações finais
Este estudo apontou para o conceito de meio ambiente que vai
além de conceitos ecológicos. O meio ambiente é onde o indivíduo está
José Boeing e Jane Portella Salgado 129

inserido, é um direito humano. Direito este que deve estar ao lado dos
direitos da natureza. Ponto de vista este defendido pelos povos originá-
rios e seus defensores. Os direitos da natureza, como demonstrou o tra-
balho, já estão positivados na Constituição do Equador e deve também
ser garantido na Constituição brasileira (CF/88). Outra questão levan-
tada pelo trabalho é que os defensores dos direitos da natureza precisam
e devem ter suas vidas protegidas por meio de políticas públicas. So-
mente com políticas públicas que lhes garanta proteção o seu trabalho
poderá deixar de ser criminalizado como muitas vezes também ocorre.
No entanto, essa política pública deve ser feita não como decreto que é
frágil, mas, sim, em forma de lei.
O estudo destacou que políticas públicas que tratem com se-
riedade o trabalho árduo que vem sendo realizado pelos defensores e
povos originários garantirá uma real democracia e vai muito além deste
aspecto porque garantiria a dignidade da pessoa humana. Dignidade
essa refletida no direito dos povos a lutarem pela conservação da natu-
reza e que com isto garantirá a continuidade da vida não só em uma
região, mas de todo o planeta. Falar em continuidade de vida é falar
também nas gerações futuras que estão ameaçadas quando é ameaçada
a natureza.
Desta forma, a pesquisa vai além da garantia de vida do ser hu-
mano, mas de todos os seres na garantia de sobrevivência de rios, ár-
vores, natureza de forma geral. Garantia de vida planetária que será
resguardada se conseguirmos chegar a um desenvolvimento sustentável
equilibrado. Equilíbrio este demonstrado aqui no equilíbrio entre direi-
tos humanos e direitos da natureza.
Na sociedade atual, vista como sociedade de Estado Social e De-
mocrático do Direito, os direitos humanos e sociais são essenciais para
a garantia do bem-estar físico das pessoas. Existe uma discussão inter-
nacional acerca da melhora de condições para a comunidade global que
é fator determinante para se chegar ao patamar dos direitos e garantias
entendidos atualmente como essenciais à humanidade. Logo, porque
não garantir justiça e direito a vida para aqueles que vivem para lutar
pela garantia de direitos da natureza como o fazem os defensores da
natureza?
O presente trabalho demonstrou casos práticos na justiça, po-
rém estes conseguiram resultados que podem ser aumentados se real-
mente o trabalho feito dia a dia pelos defensores da natureza e pelos
Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras dos direitos humanos ameaçados por
130 defenderem os povos e seus territórios na Amazônia

povos originários seja garantido na legislação do país. Legislação que


inclusive já foi requerida por órgãos internacionais para que seja posi-
tivada e garantida a quem tem necessidade urgente, como é o caso dos
defensores e defensoras.

Referências

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CAPÍTULO 6 – SABERES TRADICIONAIS, SAÚDE


E SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE DAS
PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES

Adriana Silva Lúcio1


Alair Silva Nogueira Alves2
Juliana Froede Peixoto Meira3

1. Considerações iniciais
O Brasil é um país privilegiado em termos de biodiversida-
de, pois conta com uma variedade de biomas, como Amazônia, Mata
Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal. Esses biomas consti-
tuem um ambiente riquíssimo em se tratando de recursos naturais. “A
Amazônia, por exemplo, possui a maior diversidade de reserva biológica
do planeta, com indicações de que abriga, ao menos, metade de todas as
espécies vivas do planeta” (IBGE, 2023). Tamanha biodiversidade é um
dos fatores que contribuem para que o Brasil se destaque como um dos
países pioneiros na utilização da medicina tradicional popular.
A utilização da medicina tradicional popular no Brasil já data de
séculos, quando os povos originários se utilizavam das plantas medicinais
para tratar vários tipos de enfermidades. Eles detinham um conhecimen-
to extraordinário sobre a utilização dessas plantas e possuíam um sistema
de saúde próprio, estabelecendo uma relação harmoniosa e de muito res-
peito à natureza, pois sabiam que dependiam dela para sobreviver.
Os povos originários, indígenas ou não, têm uma relação dife-
renciada com a natureza, eles a resguardam e a preservam porque en-
tendem que os recursos naturais não podem ser explorados como se
fossem infinitos, como ocorre na sociedade capitalista moderna. Eles
1 Lattes: http://lattes.cnpq.br/8002686215025348.
2 Lattes: http://lattes.cnpq.br/5738083057094322.
3 E-mail: [email protected].
135
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma análise das práticas integrativas e
136 complementares

têm a consciência de que devem preservar o meio ambiente para o uso


imediato e futuro. Sendo assim, torna-se mister o reconhecimento dos
saberes ancestrais dos povos originários, para preservação e sustentabi-
lidade do planeta.
As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICs)
têm conquistado um lugar de destaque na saúde pública brasileira,
representando uma mudança significativa na abordagem terapêutica.
Essas práticas buscam a prevenção de agravos à saúde, a promoção e a
recuperação da saúde, colocando ênfase na escuta acolhedora, na cons-
trução de laços terapêuticos e na conexão entre o ser humano, o meio
ambiente e a sociedade. Além disso, é fundamental considerar que as
PICs representam uma valorização dos saberes tradicionais, contrapon-
do-se ao saber colonial que por muito tempo subjugou outras formas de
cuidados de saúde presentes.
O objetivo deste estudo é analisar a importância das Práticas
Integrativas e Complementares em Saúde (PICs) na promoção da saú-
de, prevenção de doenças, valorização dos conhecimentos tradicionais
e sustentabilidade. Além disso, busca-se identificar os principais desa-
fios para a sua efetiva incorporação na Rede de Atenção à Saúde. Isso
envolve discutir a valorização das plantas medicinais e da fitoterapia,
destacando seu papel na cultura brasileira, no tratamento de diversas
condições de saúde e na preservação da biodiversidade. Também será
abordada a questão da destruição da vida no planeta e enfatiza-se a im-
portância da adoção de uma racionalidade ambiental para a promoção
da saúde e o bem-estar da população, destacando a sustentabilidade das
práticas terapêuticas.
Para alcançar o objetivo proposto, este trabalho utilizou-se do
método dedutivo e da pesquisa bibliográfica, com aporte em modelos
teóricos e fundamentos normativos.
Nesse sentido, na primeira seção é analisada a importância das
práticas integrativas e complementares em saúde (PICs) através de uma
abordagem holística. Na segunda seção discute-se as políticas públicas
brasileiras no âmbito das plantas medicinais e da fitoterapia. Na terceira
seção é feita uma reflexão sobre o etnoconhecimento sobre práticas in-
tegrativas e plantas medicinais sob a ótica da ecopedagogia e as políticas
públicas de difusão dos conhecimentos da medicina popular. Por fim,
apresentam-se as conclusões do artigo.
Adriana Silva Lúcio, Alair Silva Nogueira Alves e Juliana Froede Peixoto Meira 137

2. Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICs):


uma abordagem holística
As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICs), de
acordo com o Ministério da Saúde (2023), são abordagens terapêuticas
que visam à prevenção de agravos à saúde, à promoção e à recuperação
da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, na construção de laços tera-
pêuticos e na conexão entre o ser humano, o meio ambiente e a socieda-
de. Essas práticas integram o conjunto de abordagens reconhecidas pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) como Medicinas Tradicionais,
Complementares e Integrativas (MTCI).
Essas condutas terapêuticas desempenham um papel abrangente
no SUS e podem ser incorporadas em todos os níveis da Rede de Atenção
à Saúde, com foco especial na Atenção Primária, onde têm grande poten-
cial de atuação. A ideia central dessa abordagem é promover uma visão
ampliada do processo saúde e doença e o cuidado integral do ser humano,
com destaque para o autocuidado. As indicações para essas práticas são
fundamentadas na consideração do indivíduo como um todo, levando
em conta seus aspectos físicos, emocionais, mentais e sociais.
As PICs representam uma rica herança da sabedoria ancestral
que permeou a história da humanidade. Com raízes profundas em di-
ferentes culturas e sistemas tradicionais de medicina, essas abordagens
terapêuticas se desenvolveram ao longo dos séculos, desempenhando
um papel crucial na promoção da saúde e no tratamento de doenças.
Tais práticas merecem ser reconhecidas e valorizadas.
O Brasil tem uma longa tradição no uso de plantas medicinais,
datando de séculos, quando os povos indígenas já utilizavam plantas em
práticas terapêuticas. Guimarães et al. (2020) evidencia a prevalência do
saber/poder colonial em face das variadas formas de cuidados de saú-
de presentes na sociedade brasileira. Essas práticas, embora enraizadas
na cultura local e frequentemente benéficas, permaneceram por muito
tempo invisíveis e não receberam o reconhecimento devido daqueles
responsáveis pela formulação e implementação de políticas públicas. As
práticas integrativas foram oficialmente reconhecidas no país apenas em
2006, com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complemen-
tares (PNPIC).
Os sistemas e recursos terapêuticos contemplados na PNPIC,
instituída por meio da Portaria GM/MS nº 971, de 3 de maio de 2006,
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma análise das práticas integrativas e
138 complementares

incluíram a medicina tradicional chinesa/acupuntura, a homeopatia, o


uso de plantas medicinais e a fitoterapia, além de medicina antroposó-
fica e o termalismo social/crenoterapia.
Nos anos de 2017 e 2018, a política foi ampliada em 24 novas
práticas com a publicação das portarias GM nº 849/2017 e GM nº
702/2018: arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, medita-
ção, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexotera-
pia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa, yoga, aromate-
rapia, apiterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia,
geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia
de florais.
Dentre as práticas mencionadas, o uso de plantas medicinais
e a fitoterapia, serão mais detalhadas neste estudo. Essas abordagens
terapêuticas estão profundamente enraizadas na cultura e na história
do país, fazendo parte da medicina tradicional brasileira há séculos.
As demais práticas, como a medicina tradicional chinesa/acupuntura,
homeopatia, medicina antroposófica e termalismo social/crenoterapia,
têm origens em outras partes do mundo, mas também foram incorpo-
radas ao sistema de saúde brasileiro devido ao seu reconhecido valor
terapêutico.
As plantas medicinais, segundo a Secretaria Estadual de Saúde
de Minas Gerais (2023), contemplam espécies vegetais, cultivadas ou
não, administradas por qualquer via ou forma, que exercem ação tera-
pêutica e devem ser utilizadas de forma racional, pela possibilidade de
apresentar interações, efeitos adversos, contraindicações. As plantas me-
dicinais podem ser usadas na forma de chás, infusões, tinturas, xaropes,
pomadas, entre outras formas.
A fitoterapia, conforme definida na PNPIC (2006), consiste no
uso de plantas medicinais em várias formas farmacêuticas, sem a utili-
zação de substâncias ativas isoladas, mesmo que de origem vegetal. Essa
prática terapêutica tem raízes ancestrais, remontando aos primórdios da
medicina e sendo baseada na transmissão de conhecimentos ao longo
das gerações. No decorrer dos séculos, produtos de origem vegetal têm
servido como alicerce para o tratamento de uma variedade de doenças.
Plantas medicinais e fitoterapia utilizam princípios ativos de di-
ferentes partes das plantas, como folhas, flores, raízes, cascas e sementes,
que têm efeitos farmacológicos em diversos sistemas e órgãos. A camo-
mila, por exemplo, tem princípios ativos que induzem relaxamento e
Adriana Silva Lúcio, Alair Silva Nogueira Alves e Juliana Froede Peixoto Meira 139

sonolência, agindo no sistema nervoso central (SECRETARIA ESTA-


DUAL DE SAÚDE DE MINAS GERAIS, 2023).
Plantas medicinais e fitoterapia oferecem uma variedade de be-
nefícios à saúde, incluindo a prevenção e tratamento de doenças como
infecções, inflamações, problemas digestivos, respiratórios, circulató-
rios, hormonais, entre outros. Além disso, elas podem reduzir sintomas
de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, colesterol elevado,
artrite e hepatite B e C. Essas terapias também fortalecem o sistema
imunológico, promovem o bem-estar físico e emocional, aliviam sinto-
mas relacionados à saúde feminina, complementam tratamentos médi-
cos convencionais e sobretudo, valorizam o conhecimento tradicional e
popular sobre as plantas.
Desde a Declaração de Alma-Ata em 1978, a OMS enfatiza a
importância de valorizar o uso de plantas medicinais na saúde pública,
considerando que 80% da população global recorre a essas plantas ou
suas preparações para cuidados primários de saúde. Além disso, é notá-
vel a contribuição dos países em desenvolvimento nesse contexto, uma
vez que abrigam 67% das espécies vegetais existentes no mundo (MS,
2023).
O Brasil tem um vasto potencial para o desenvolvimento da
fitoterapia, devido à sua rica diversidade de plantas, diversidade social,
utilização de plantas medicinais com base no conhecimento tradicional
e capacidade tecnológica para validar cientificamente esses saberes. Isso
abre oportunidades significativas para a promoção da saúde e a pesquisa
nesse campo.
O interesse crescente, tanto por parte da população quanto
das instituições, em fortalecer a fitoterapia no Sistema Único de Saú-
de (SUS) tem gerado um movimento que remonta à década de 1980.
Nesse período, diversos documentos e regulamentações destacaram a
introdução de plantas medicinais e fitoterápicos na atenção básica de
saúde, incluindo a Resolução Ciplan nº 8/88, o Relatório da 10ª Con-
ferência Nacional de Saúde (1996), a Portaria nº 3916/98, o Relatório
do Seminário Nacional de Plantas Medicinais, Fitoterápicos e Assistên-
cia Farmacêutica (2003), o Relatório da 12ª Conferência Nacional de
Saúde (2003), a Resolução nº 338/04 do Conselho Nacional de Saúde,
e o Decreto Presidencial de 2005.
Essas diretrizes apontam para a integração das práticas de plan-
tas medicinais e fitoterápicos no SUS, enfatizando o respeito aos co-
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma análise das práticas integrativas e
140 complementares

nhecimentos tradicionais, a validação científica e o estímulo à produção


nacional dessas terapêuticas.
É imperativo compreender que as PICs não são meramente uma
coleção de terapias alternativas. Apesar de se constituírem de modos di-
versos podem reconhecer-se mutuamente. Elas representam uma visão
mais holística da saúde, enxergando o indivíduo como um ser comple-
to, compreendendo aspectos físicos, emocionais e espirituais. A abor-
dagem interdisciplinar, baseada na integração dessas terapias, é crucial
para promover o bem-estar.
A crítica comum às PICs frequentemente baseia-se em concep-
ções errôneas ou estigmatizadas pelos saberes coloniais. É fundamental
ressaltar que a integração das PICs ao SUS é respaldada por sólidas evi-
dências científicas, uma vez que muitas delas têm demonstrado eficácia
na promoção da saúde e no tratamento de diversas condições. Além
disso, ao adotar essa abordagem, o SUS se alinha à crescente demanda
por tratamentos menos invasivos e mais humanizados.
No contexto das Práticas Integrativas e Complementares em
Saúde (PICs), a valorização das plantas medicinais e da fitoterapia de-
sempenha um papel significativo. Essas práticas tradicionais e comple-
mentares possuem raízes profundas na cultura brasileira e oferecem um
caminho promissor para a promoção da saúde e o tratamento de diver-
sas condições. Na próxima seção, serão exploradas as políticas públicas
brasileiras no âmbito das plantas medicinais e da fitoterapia, destacando
o reconhecimento oficial dessas terapêuticas e as medidas adotadas para
integrá-las de forma eficaz ao sistema de saúde do país. Essa análise for-
necerá uma visão abrangente das ações governamentais que respaldam
o uso e o desenvolvimento dessas práticas, consolidando a importân-
cia das plantas medicinais e da fitoterapia no cenário da saúde pública
brasileira.

3. As políticas públicas brasileiras no âmbito das plantas


medicinais e da fitoterapia
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve a
preocupação de instituir o Estado, para além de terceiros, como pes-
soas físicas e jurídicas, a necessidade de promover a saúde para todos os
brasileiros, conforme o disposto no art. 196. Assim, foi determinado o
Adriana Silva Lúcio, Alair Silva Nogueira Alves e Juliana Froede Peixoto Meira 141

acesso universal dos cidadãos às ações promovidas pela União, Estados,


Distrito Federal e Municípios que cuidam sobre a matéria de saúde.
Desse modo, essas ações significam, em grande parte, políticas
públicas. Nesse sentido, conforme Borges e Sales (2018) destacam, as
referidas políticas são entendidas como uma série de condutas adotadas
pelo Estado a fim de garantir os direitos da sociedade, principalmente
a respeito daqueles previstos em lei. Ante tal conceituação, as políticas
públicas quanto à matéria de saúde em solo nacional seguem três dire-
trizes principais, sendo elas a descentralização, o atendimento integral
e, por fim, a participação da comunidade, segundo o art. 198 e incisos
da própria Constituição atual. Registra-se, que, ainda de acordo com o
art. 198, essas diretrizes são promovidas por um sistema único.
A referida promoção, portanto, ensejou a criação do Sistema
Único de Saúde, conhecido como SUS, pela Lei nº 8.080/90. Des-
sa forma, o SUS, como sistema instituído para atender o disposto na
própria Constituição, possui como um de seus princípios a universali-
zação da saúde para todos os brasileiros. À vista disso, o Brasil iniciou
uma nova era em matéria de saúde pública, uma vez que estabeleceu
um programa em que deve atender toda a população brasileira, sem
distinção alguma e de forma gratuita. Entretanto, garantir de forma
plena o acesso a tratamentos médicos para toda população em um país
com grande extensão – o que inclui as dificuldades que cada região traz
e que possui diversas pessoas em situação de hipossuficiência –, não é
uma tarefa fácil.
Diante de tal premissa, destaca-se a importância da medicina
tradicional e dos fitoterápicos na saúde pública. A primeira, conforme
já destacado anteriormente neste trabalho, se configura para Castro e
Figueiredo (2019) como, dentre outras práticas, o uso das plantas me-
dicinais pelos povos indígenas brasileiros para o tratamento de doen-
ças, sendo um elemento importante para a configuração da relação de
pertencimento e harmonia com a natureza. Já a segunda caracteriza-se
como remédios derivados das plantas medicinais, mas que passaram por
um laboratório farmacêutico, ou seja, não são utilizados in natura.
Dessa maneira, a utilização desses medicamentos na saúde ini-
ciou-se com as discussões internacionais. O primeiro marco nesse sen-
tido foi a Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde,
realizada em Alma-Ata (Cazaquistão), em 1978. A referida Conferência
se preocupou em determinar a difusão dos cuidados da saúde dentro
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma análise das práticas integrativas e
142 complementares

da realidade de cada país, baseado no primeiro contato dos indivíduos


com o sistema nacional de saúde, que deve ser levado o mais próximo
possível dos lugares em que a população se situa. Assim, definiu como
cuidados primários à saúde a participação da comunidade, como os
praticantes da medicina tradicional. Logo, propuseram que até o ano
2000 a população mundial atingisse a saúde plena, para que houvesse
uma vida economicamente produtiva.
Ante o referido documento, ainda na década de 1970, a Or-
ganização Mundial de Saúde (OMS) criou o Programa Medicina Tra-
dicional, para incentivar os Estados Membros a utilizarem essas prá-
ticas de cuidado. Já nos anos 2000, a mesma Organização publicou a
“Estratégia da OMS sobre Medicina Tradicional 2002-2005”, em que
explica a importância da medicina tradicional para os países em desen-
volvimento, uma vez que, muitas vezes, ela é a única fonte acessível de
tratamento, pois é advinda de conhecimento secular.
Anos mais tarde, a OMS publicou também, em continuidade à
estratégia sobre medicina tradicional, o documento “Estratégia da OMS
sobre Medicina Tradicional 2014-2023”. Dessa forma, a Organização
Mundial da Saúde (2014) cuidou de definir diretrizes atualizadas para
a implementação de tal medicina nos países, baseado em três pontos,
sendo eles formulação de políticas nacionais, fortalecimento por meio
da segurança, qualidade e eficácia mediante regulamentação e fomento
da saúde por meio da integração dos serviços de medicina tradicional.
Diante dessas diretrizes, o Brasil iniciou a caminhada de aplica-
ção das plantas medicinais na saúde, de forma regulamentada, após a
criação do SUS. Entretanto, anteriormente, em 1986, com a 8ª Confe-
rência Nacional de Saúde, em seu relatório final, já havia disposto sobre
a possibilidade de o usuário escolher a forma terapêutica de tratamento
que preferiria com a introdução das práticas integrativas no país.
Em um salto para o século XXI, por meio da Portaria nº
971/2006, o Ministério da Saúde brasileiro aprovou a Política Nacional
de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único
de Saúde. Essa política foi possível devido ao respaldo internacional
que a OMS providenciou, ao considerar a medicina tradicional como
forma de tratamento de doenças, pela então estratégia entre os anos de
2002 a 2005.
Nesse sentido, para além do Brasil seguir uma diretriz inter-
nacional, esse deu um importante passo em institucionalizar não só a
Adriana Silva Lúcio, Alair Silva Nogueira Alves e Juliana Froede Peixoto Meira 143

homeopatia e a fitoterapia, mas também as plantas medicinais, sendo


elas um necessário elo entre uma cultura milenar, a indígena, com a na-
tureza. Ora, com uma indústria alopática extremamente forte, em que
se há a produção em massa de medicamentos, a utilização das plantas
medicinais é uma alternativa ao sistema vigente na indústria farmacêu-
tica, reflexo do sistema capitalista.
Insta salientar que o SUS, ao implementar uma política pública
voltado às Práticas Integrativas e Complementares, por óbvio, não le-
vou somente em consideração que elas aproximam o ser humano com a
natureza. Tal política pública também vem com o objetivo de conseguir
abarcar o máximo de brasileiros, para que, assim, possam se beneficiar
da saúde pública.
Conforme infere-se de parte do texto extraído da Portaria nº
971/2006 “O Brasil possui grande potencial para o desenvolvimento
dessa terapêutica, como a maior diversidade vegetal do mundo [...]”
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Portanto, tal política também fo-
menta a indústria farmacêutica nacional, a partir da produção de fitote-
rápicos de plantas conhecidas no país.
Na sequência, no mesmo ano, foi aprovada também a Política
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, por meio do Decreto
nº 5.813. Desse modo, essa política foi fomentada devido à PNPIC,
pois a diretriz que se encontra nela é de implantar ações que busquem o
fortalecimento das Práticas Integrativas e Complementares.
É interessante salientar o quão importante foi a instituição da Po-
lítica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, já que fomenta,
em que pese demais objetivos, o contato da população brasileira com o
conhecimento indígena de respeitar a natureza e utilizá-la sem maiores
danos para cuidar da saúde. Entende-se, portanto, como verdadeira apro-
ximação do modo de vida daqueles que foram os primeiros habitantes do
país e que, de fato, respeitam o meio ambiente em que vivem, a ponto de
observá-lo e extrair somente o necessário para a sobrevivência.
Tal premissa é confirmada a partir da leitura do Decreto que a
instituiu, uma vez que procura apoiar a organização e o reconhecimento
dos conhecimentos tradicionais e populares, considerando os diferentes
sistemas de conhecimento. Além disso, traz o fomento à agricultura
familiar para a produção das plantas medicinais, ponto importante, já
que esse tipo de agricultura utiliza o mínimo ou nada de agrotóxicos no
cultivo de plantas.
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma análise das práticas integrativas e
144 complementares

Nesse ínterim, ante a referida Política, o SUS oferta doze medi-


camentos fitoterápicos à população, eles estão inseridos na Relação Na-
cional de Medicamentos Essenciais (Rename), dentre eles encontra-se
a hortelã e a babosa4. Ademais, destaca-se outra ação fomentada pela
Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, a denominada
Farmácia Viva, que se iniciou no Nordeste e por meio da Portaria nº
888/2010 foi implementada no SUS, que tem como intuito fornecer
medicamentos fitoterápicos, estudar as plantas medicinais e disponibi-
lizá-las aos usuários do Sistema Único de Saúde.
Por fim, ante as ações governamentais a fim de disponibilizar
ao maior número de pessoas o uso dos medicamentos provindos das
plantas medicinais e sabendo de onde tal conhecimento é gerado, se
faz necessário apontar também a Política Nacional de Atenção à Saúde
dos Povos Indígenas (PNASPI) promovida pelo Ministério da Saúde.
Tal política foi regulamentada pelo Decreto nº 3.156/99 e contou com
a escuta e participação dos indígenas para a formulação dela, uma vez
que, dentre as várias diretrizes propostas para a sua implementação se
perfaz na articulação dos sistemas tradicionais de saúde utilizados por
eles, ou seja, o conhecimento secular sobre a natureza.
Após a digressão do que é promovido por meio do SUS quanto
ao uso das plantas medicinais e fitoterápicos, observa-se a adesão de
diversos Municípios e Estados em relação a ela. Assim, verifica-se que
as políticas públicas no âmbito do uso das plantas medicinais são pro-
pulsoras para que essa prática seja cada vez mais integrada na sociedade,
sendo que tal prática de cuidado carrega consigo uma história intima-
mente ligada ao modo de vida dos povos indígenas e sua relação com o
meio ambiente em seu entorno.
Nesse sentido, a próxima seção cuidará de desvendar como po-
derá ser realizada a “virada de chave”, uma forma de repensar a relação
que as pessoas têm com a natureza, pautada atualmente em seu uso
indiscriminado, para uma consciência maior de que ela é finita e que
não serve apenas para satisfazer a ânsia humana de consumo, conside-
rando o uso dessas plantas medicinais como uma forma de despertar tal
mudança de consciência.

4 Informações sobre a Rename e os fitoterápicos que ela abrange podem ser encontradas no site do Mi-
nistério da Saúde, disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sectics/daf/pnpmf/
plantas-medicinais-e-fitoterapicos-no-sus#:~:text=O%20SUS%20oferta%20%C3%A0%20popu
la%C3%A7%C3%A3o,do%20uso%20racional%20dos%20medicamentos. Acesso em: 14 out.
2023.
Adriana Silva Lúcio, Alair Silva Nogueira Alves e Juliana Froede Peixoto Meira 145

4. Etnoconhecimento sobre práticas integrativas e plantas


medicinais sob a ótica da ecopedagogia e as políticas
públicas de difusão dos conhecimentos da medicina
popular
Quando os colonizadores europeus chegaram ao Brasil encon-
traram os povos nativos com um sistema de saúde próprio e organizado.
Os índios utilizavam as plantas medicinais para o tratamento e a cura
de várias doenças. Eles praticavam o cultivo de plantas e ervas sempre
com muito respeito à natureza e mantinham uma relação de pertenci-
mento e dependência muito intensa com o meio ambiente. Esses povos
tinham o conhecimento de como cultivar essas plantas e ervas e sabiam
exatamente como funcionava o ciclo da natureza, qual a melhor época
para o plantio e para a colheita, bem como a forma de utilização dessas
plantas para cada tipo de enfermidade.
Esse convívio harmonioso com a natureza é evidenciado pela
forma com que as populações nativas convivem com o meio ambiente,
pois estabelecem uma relação de conhecimento e interação com este
meio, consideram-se pertencentes a seu território, estabelecendo uma
relação de moradia com o seu espaço de vivência, não acumulando bens
materiais e trabalhando a partir da cooperação entre eles. São pessoas
que se identificam com sua cultura preservando seus costumes e rituais.
Todas essas características levam a evidenciar a importância de valorizar
o conhecimento tradicional dos povos originários para a manutenção
da biodiversidade.
Nesse viés, torna-se necessário que a humanidade em geral, tam-
bém consiga se enxergar como parte do meio em que vive, ou seja, preci-
sa estar aberta a novas formas de compreensão do mundo que rompam
o paradigma científico imposto pela sociedade moderna, que deixou de
fora os saberes tradicionais, menosprezando o conhecimento dos povos
antigos considerando esses saberes como empecilhos e obstáculos para
o crescimento econômico.
Enrique Leff (2012), destaca que durante muito tempo o ho-
mem explorou os recursos naturais como se fossem infinitos, entendeu
a natureza como sua propriedade. Tudo isso, para sustentar um modo
de vida capitalista que é alimentado por racionalidades econômicas e
instrumentais de caráter extremamente consumista onde o que importa
é a acumulação de capital e de bens materiais. Ainda de acordo com o
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma análise das práticas integrativas e
146 complementares

autor, essas racionalidades devem ser desconstruídas para darem espaço


a uma racionalidade ambiental, que tem como premissas, a sustentabi-
lidade, a justiça e a equidade social.
Sendo assim, faz-se mister a construção de um saber ambiental
para solucionar a crise do conhecimento que gera a crise ambiental da
atualidade. De acordo com Leff (2012), esse saber ambiental é capaz de
romper com o projeto positivista ligado ao modo de vida capitalista e
neoliberal da sociedade atual. Esse saber ambiental pode ser construído
a partir de uma nova pedagogia que valorize os saberes tradicionais, os
conhecimentos dos antepassados e o conhecimento holístico vindo dos
mais diversos indivíduos e que seja capaz de romper com o cientificis-
mo moderno, em que somente o conhecimento técnico é valorizado.
Partindo desses pressupostos, Gutiérrez e Prado (2013), em
sua obra “Ecopedagogia e Cidadania Planetária”, defendem uma nova
consciência, que seja capaz de restabelecer as relações do homem com a
natureza de forma a recuperar os equilíbrios que foram perdidos a partir
da exploração desenfreada da natureza para alimentar uma cultura de
produção e de consumo. Para os autores, é essencial essa revalorização
do conhecimento dos nossos antepassados para que voltemos a ter uma
relação de respeito com a natureza, com os indivíduos, grupos, povos,
etnias e todas as nações.
Neste sentido, uma educação ambiental voltada para a valori-
zação do saber ambiental é a chave para que tenhamos uma sociedade
mais igualitária, e que as pessoas sejam mais humanas em suas relações
com os outros e com a natureza. Gutiérrez e Prado (2013), defendem
a importância de todos estarem educados ecologicamente, pois uma
alfabetização ambiental inovadora, capaz de romper com as barreiras do
conhecimento técnico-científico, dando lugar a práticas que interligam
todas as disciplinas através da transdisciplinaridade pode ter o poder de
incutir nos estudantes, desde a infância, a noção de pertencimento à
natureza. Para que isso seja possível, a participação de educadores refle-
xivos e dispostos a sair da zona de conforto é fundamental.
A obra de Gutierrez e Prado evidencia o termo “Planetarieda-
de”, que é explicado pela morada comum que é o Planeta Terra, que
abriga todos os seres vivos, e onde todos coabitam: comunidades, po-
vos, nações. E que partindo desses pressupostos todos devem viver em
harmonia. Todavia, essa convivência harmoniosa só existirá se houver
respeito mútuo entre os habitantes dessa Terra Mãe. Para que isso ocor-
Adriana Silva Lúcio, Alair Silva Nogueira Alves e Juliana Froede Peixoto Meira 147

ra, é preciso que haja uma mudança de mentalidade, na qual as pessoas


valorizem as trocas de experiências, a proteção do meio ambiente e o
amor ao próximo.
A questão da destruição da vida no Planeta é muito evidenciada
na obra de Gutierrez e Prado, que destacam o uso desordenado dos re-
cursos naturais, que irá beneficiar uma parcela pequena da população,
tendo a outra parcela que se contentar com o mínimo necessário para
sobreviver. Muitas vezes, essas maiorias são as pessoas que não têm aces-
so a uma moradia digna, a rede de esgoto, água potável, ficando à mercê
de doenças infecciosas e tendo a saúde muitas vezes comprometida.
Os autores também chamam a atenção para o modo com que os
indivíduos têm tratado a natureza. Para eles, o ser humano tem utiliza-
do os recursos naturais de forma indiscriminada para atender às deman-
das capitalistas que mantêm um consumo desenfreado e a acumulação
de bens e destaca que se não recuperarmos a relação harmoniosa com a
Mãe Terra, a humanidade pode sucumbir.
Para a mitigação dos problemas ambientais, retomamos à cons-
trução do saber ambiental descrito por Enrique Leff, que destaca que
esse é um saber que valoriza todos os saberes, assim como o uso de plan-
tas medicinais pelas populações indígenas, que estabelecem uma relação
de respeito e dependência com o meio em que vivem, pois sabiamente
compreendem que a preservação da natureza garantirá um meio am-
biente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
O entendimento de que o uso de plantas medicinais pode curar
vários tipos de enfermidades e até salvar vidas, evidencia a construção
de uma nova racionalidade ambiental pautada no saber ambiental que
valoriza os saberes tradicionais que foram por muito tempo subjugados.
Hoje, sabe-se o quanto é importante a compreensão destas técnicas mi-
lenares utilizadas pelos povos indígenas para a fabricação de fármacos
muito utilizados na homeopatia e nas medicações fitoterápicas.
As práticas, saberes e conhecimentos tradicionais passam por um
processo de institucionalização desde a Constituição Federal de 1988
que democratiza a saúde no país “[...] sistematizando princípios e pro-
posições políticas que posteriormente seriam as bases do atual sistema
de saúde pública do país” (CASTRO; FIGUEIREDO, 2019, p. 61).
Muitos movimentos realizaram lutas pela universalização da
saúde básica no Brasil, principalmente para as populações mais vulnerá-
veis que não dispunham de condições para arcar com os custos de saúde
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma análise das práticas integrativas e
148 complementares

de hospitais particulares. Esses movimentos também reivindicavam, de


acordo com Castro e Figueiredo (2019), a inserção de práticas integrati-
vas e tradicionais populares no sistema de saúde pública.
Mesmo antes da Constituição de 1988, o interesse pela medicina
tradicional popular e regional já era evidenciado por meio da criação
de programas como o “Programa de Medicina Tradicional” no final dos
anos 1970 através da Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Orga-
nização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Desde então, o incentivo à
utilização da Medicina Tradicional e de terapias complementares foram
incentivadas por órgãos governamentais e a partir daí surgem estudos
científicos para entender melhor o mecanismo de ação das plantas medi-
cinais no organismo humano.
O interesse por essa modalidade de saúde foi reforçado em 2002
pelo documento “Estratégias da OMS sobre Medicina Tradicional 2002-
2005” que reafirmou o desenvolvimento de políticas observando os re-
quisitos de segurança, eficácia, qualidade, uso racional e acesso a tais
práticas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).
O Brasil pode ser considerado um dos pioneiros na utilização da
Medicina Tradicional Popular através do uso dessas práticas ainda nos
anos 1980 principalmente graças à implementação do Sistema Único de
Saúde.
A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares da
Saúde (PNPICS) foi criada no Brasil pela Portaria nº 971 de 3 de maio
de 2006 (BRASIL, 2006). “Essa política inseriu na Rede de Atenção à
Saúde do SUS, nos seus mais de nove mil estabelecimentos que possuem
as Práticas Integrativas e Complementares (PICS), abordagens de cuida-
do integral à população por meio de sistemas complexos que envolvem
recursos terapêuticos” (CASTRO; FIGUEIREDO, 2019, p. 62).
Em 2014, foi lançado um documento intitulado “Estratégia da
OMS sobre Medicina Tradicional”. Este documento traça estratégias e
diretrizes para o uso da prática até o ano de 2023, e foi importante por-
que reafirmou o interesse das autoridades sanitárias em formular políti-
cas de saúde pública que privilegiem as práticas integrativas e a medicina
tradicional popular e regional.
O Brasil é um país privilegiado em termos de biodiversidade, di-
versidade étnica e cultural e por essa razão torna-se imprescindível que
as autoridades sanitárias do país incentivem o uso de plantas medici-
nais através das práticas integrativas e da medicina popular valorizando
Adriana Silva Lúcio, Alair Silva Nogueira Alves e Juliana Froede Peixoto Meira 149

os saberes herdados dos povos tradicionais, indígenas e não indígenas


aproveitando a grande variedade dessas plantas encontradas ao longo
dos biomas do país.
Para garantir a utilização de plantas medicinais e medicamentos
fitoterápicos de forma segura, foi instituída no Brasil, através do Minis-
tério da Saúde, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápi-
cos (PNPMF), por meio do Decreto nº 5813 de 22 de junho de 2006.
A PNPMF tem vários objetivos, dentre os quais: a promoção de
pesquisas na área de plantas medicinais e fitoterápicos, ampliação das
opções terapêuticas para os usuários, promoção do desenvolvimento
sustentável, bem como da preservação da biodiversidade do Brasil, que
é o país de maior biodiversidade do planeta. Dessa forma, a PNPMF
tem importância relevante dentro da Política Nacional de Práticas Inte-
grativas e Complementares da Saúde.
Valorizar as práticas integrativas do uso de plantas medicinais
através da medicina popular e regional e instituir políticas públicas que
garantam a institucionalização dessas práticas faz-se necessário à me-
dida que essas ações fazem emergir os saberes dos povos tradicionais,
trazendo de volta conhecimentos até então subjugados que estavam de
fora da ciência instrumental e do conhecimento técnico.

5. Considerações finais
A partir do exposto neste estudo, observa-se que as plantas me-
dicinais se diferenciam dos remédios fitoterápicos. Entretanto, ambos
possuem uma ligação, são alternativas à alopatia e, além de tal caracte-
rística, possuem o condão de aproximar os usuários do modo de vida
praticado pelos indígenas e pela população tradicional.
O uso das plantas medicinais como forma de tratamento para
algumas doenças é fruto de uma característica secular realizada pelos
indígenas brasileiros e que muito foi apagada pelos colonizadores que
chegaram ao Brasil. Nesse sentido, ainda assim o conhecimento dos
efeitos delas continuou sendo repassado e, ao final do século XX, com a
promulgação da Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de
Saúde, o seu uso começou a ser institucionalizado.
Ante tal contexto, as políticas públicas como a Política Nacional
de Práticas Integrativas e Complementares e a Política Nacional de Plantas
Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma análise das práticas integrativas e
150 complementares

Medicinais e Fitoterápicos foram criadas no ano de 2006. Tais políticas,


pautadas em discussões internacionais sobre a implementação de práticas
alternativas aos medicamentos alopáticos com o intuito, principalmente,
de ajudar a difundir a universalização da saúde em solo nacional e pelo
fato da rica biodiversidade brasileira, que dispõe de diversas espécies de
plantas que se caracterizam como medicinais, aproximaram mais ainda
os cidadãos brasileiros da harmonia com a natureza, mesmo, sem muitas
vezes a população conscientemente notar tal aproximação.
Nesse viés, utiliza-se o pensamento de Leff (2012) que encon-
tra na racionalidade ambiental uma alternativa ao paradigma científico
positivista atual, sendo ele pautado na ausência dos saberes tradicio-
nais, uma vez considerados empecilhos e obstáculos para o crescimento
econômico. Assim, a racionalidade ambiental se perfaz em três pilares,
quais sejam: na sustentabilidade, na justiça e na equidade social.
Desse modo, para atingi-la, é necessária a construção de um
saber ambiental para solucionar a crise do conhecimento que gera a
crise ambiental da atualidade. Dessa forma, utiliza-se a Ecopedagogia,
voltada para uma educação ambiental que valoriza os conhecimentos
indígenas e tradicionais, pois é a chave para que a sociedade conviva em
harmonia com o meio ambiente em que vive.
Nessa toada, a utilização de políticas públicas que fomentem o
uso de terapias alternativas e das plantas medicinais são de suma impor-
tância para a concretização do saber ambiental na população brasileira,
pois essas políticas, em seu âmago, pretendem concretizar os direitos
conferidos a ela, por meio, inclusive, da informação do que são as plan-
tas medicinais, seus efeitos e seus atributos. Portanto, são propulsoras
para que a população olhe a natureza como uma extensão do próprio
homem e não à parte dele e instaurem uma mudança no saber utilizado,
configurando o saber ambiental.

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sobre medicina tradicional 2002-2005. Genebra, 2002. Dispo-
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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Estrategia de la OMS sobre
medicina tradicional 2014-2023. Genebra, 2014. Disponível em:
https://www.who.int/es/publications/i/item/9789241506096.
Acesso em: 14 out. 2013.
SOBRE OS AUTORES

Capítulo 1 – Educação ecozóica e racionalidade ambiental: da


cosmologia ao paradigma ecológico, uma jornada ecopedagógica
necessária
Adelaide Pereira Reis
Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela
Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogada e Analista Educacio-
nal. Graduada em Direito pela Universidade para o Desenvolvimento
do Estado e da Região do Pantanal – Uniderp (2006). Especialista
em Direito Tributário pela Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Região do Pantanal – Uniderp – Anhanguera (2008). Es-
pecialista em Direito Processual Civil – Convênio da Escola Superior
da Advocacia – ESA/MS com a Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP. Advogada e Analista Educacional na SEE/MG.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5887507566505469. E-mail: adelaide.
[email protected].
Clarissa Carneiro Desmots
Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na
Escola Superior Dom Helder Câmara. Graduada em Direito pela
Universidade Vale do Rio Doce. Pós-Graduada em Direito Público
pelo Centro Universitário Newton Paiva. Pós-Graduada em Direito
Constitucional pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais. Especia-
lista em Liderança e Gestão Pública pela Fundação João Pinheiro.
Foi Assessora de Juiz por 18 anos. Atualmente exerce o cargo de
Gerente de Secretaria da 6ª Vara Cível da Comarca de Contagem
– Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/8330404521870571. E-mail: [email protected].
Edmilson de Jesus Ferreira
Doutorando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável,
Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Es-
155
156 Sobre os autores

cola Superior Dom Helder Câmara (08/2013). Bacharel em Direito


pela Escola Superior Dom Helder Câmara (01/2010). Bacharel em Fi-
losofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Minas Gerais
– FAJE (01/2001). Advogado, Professor de Introdução ao Pensamen-
to Filosófico, Filosofia do Direito, Hermenêutica Jurídica, Filosofia e
Ética. Coordenador de Ensino a Distância – EAD da Escola Superior
Dom Helder Câmara. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6303-
297X. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7073263103868600.
Juliana de Andrade
Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável
na Escola Superior Dom Helder Câmara. Graduada em Ciências
Biológicas pela Universidade de Itaúna (2008). Graduada em Pe-
dagogia pelo Instituto de Educação e Tecnologia (2015). Pós-Gra-
duada na modalidade lato sensu em Biotecnologia e Terapia Celu-
lar Baseada em Células Tronco aplicada à Saúde pela Faculdade de
Ciências Médicas de Minas Gerais (2010), e em Ensino Religioso
pela Unisaber (2013). Atualmente é professora da Escola Estadual
Victor Gonçalves de Souza em Itaúna – MG. Lattes: http://lattes.
cnpq.br/6984448323038877.
Marcos Alberto Ferreira
Mestrando em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Hel-
der Câmara. Pós-Graduado, com especialização em Direito Civil,
pela PUC Minas-BH, e em Terapia das Constelações Familiares pela
Unyleya-DF. Bacharel em Matemática pela Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Poços de Caldas, e em Direito pela Faculdade
da Fundação de Ensino Octávio Bastos, de São João da Boa Vista
– SP. Palestrante e professor em diversas áreas de desenvolvimento
humano, habilitado em terapia de hipnose condicionativa e conste-
lações familiares, organizacionais e jurídicas. Foi radialista, advogado
e, em 1996, entrou para a Magistratura do Estado de Minas Gerais.
Atualmente é titular da Sexta Vara Cível da Comarca de Contagem.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2511986997422030.
Paulo Vitor Mendes de Oliveira
Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável
pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Graduado
em Geografia pela União Pioneira de Integração Social. Professor
pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. ORCID:
Sobre os autores 157

https://orcid.org/0000-0002-0818-5658. Lattes: http://lattes.cnpq.


br/7439153080255727. E-mail: paulo.mendes.oliveira@educacao.
mg.gov.br.

Capítulo 2 – Economia circular: um modelo econômico para a


proteção dos direitos da natureza
Caio Cabral Azevedo
Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara –
ESDHC (2018-2022). Graduado em Gestão Financeira pelo Centro
Universitário Internacional – UNINTER (2020-2021). Graduan-
do em Ciências Econômicas pela Universidade Cândido Men-
des – UCAM (2023-atual). Especialista em Direito Internacional
Aplicado (2022-2022) pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI.
Especialista em Direito Internacional pelo Centro de Estudos em
Direito e Negócios – CEDIN (2022-2023). Pós-Graduando em Di-
reito Internacional Privado e Contencioso Estratégico pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas (2023-atual).
Pesquisador na área de Direito Internacional Público e Privado. Pes-
quisador no Grupo de Pesquisa Direitos da Natureza, Racionalidade
Ambiental e Educação Ecológica do Programa de Pós-Graduação
em Direito (PPGD) da Escola Superior Dom Helder Câmara – ES-
DHC (2022-atual).
Hebert Leonardo Lehner
Técnico em agropecuária pela UFV. Técnico em informática pela
UFV. Licenciado em Ciências Biológicas pela Fapam. Licenciado
em Pedagogia pela UNIFRAN. Graduando em Agronomia pela
UNEC. Aperfeiçoado em RESABER pelo IFES. Aperfeiçoado em
VERTICALIZA pelo IFSP. Especialista em Educação de Jovens e
Adultos pelo CEFET-MG. Especialista em Educação Profissional
pelo IFES. Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela PUC
Minas. Doutorando em Direito Ambiental pela ESDHC. Técnico
em Assuntos Educacionais na UFV. Professor PEB 3I na SEE-MG.
Kênia Aparecida Ramos Silva
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Mi-
nas Gerais – UEMG (2006-2010). Especialista (MBA) em Educa-
ção Ambiental Gestão e Projetos pela Faculdade UNA (2010-2011).
158 Sobre os autores

Especialista em Ecologia com Ênfase nos Estudos da Flora pela Fa-


culdade UNA (2012-2013). Mestranda em Direito Ambiental e De-
senvolvimento Sustentável (2022-2024). Pesquisadora no Grupo de
Pesquisa Direitos da Natureza, Racionalidade Ambiental e Educação
Ecológica do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da
Escola Superior Dom Helder Câmara – ESDHC (2022-atual).
Maria Eduarda Milagres Fonseca
Graduanda em Direito, na modalidade integral, pela Escola Supe-
rior Dom Helder Câmara (2020-atual). Pesquisadora no Grupo de
Pesquisa da Pós-Graduação da Escola Superior Dom Helder Câmara
Direitos da Natureza – Os direitos da natureza e a educação ecológica
global (2022 e 2023).

Capítulo 3 – A questão ambiental sob a perspectiva decolonial:


questões de gênero e raça e contribuições do antirracismo e do
ecofeminismo
Larissa Lauane Rodrigues Vieira
Graduada em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
Mestranda em Direito Internacional Privado, Direito Comparado e
Estudos Culturais e Jusfilosóficos pela UFMG. Já atuou como pes-
quisadora em Grupos de Estudos e de Pesquisa voltados para Di-
reitos Humanos. Atualmente, atua como estagiária de docência na
matéria de Direito Internacional Privado na UFMG como bolsista
da CAPES. Interessa-se pelas áreas de Direito Internacional e Estu-
dos Étnico-Raciais.
Luiza Aarestrup Rocha Ferreira Pinto
Graduada em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
Mestranda em Direito e Ciências Juridico-Internacionais pela Facul-
dade de Direito da Universidade de Lisboa. Interessa-se pelas áreas
de Direito Internacional, Direitos Humanos e Feminismos.
Sobre os autores 159

Capítulo 4 – No romper da mineração, panorama das políticas


públicas do município de Santa Bárbara frente aos direitos da
natureza
Meirilane Gonçalves Coelho
Doutoranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentá-
vel pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Mestre
em Biotecnologia e Bioempreendedorismo de Plantas Aromáticas
e Medicinais pela Universidade do Minho (Portugal). Graduada
em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). Professora na Secretaria Estadual de Educação MG. Fiscal
Sênior na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Congonhas/
MG. E-mail: [email protected].
Renata Cristina Araújo
Bacharela em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
Pós-Graduada em Direito Processual Civil pelo Complexo de Ensi-
no Renato Saraiva (CERS). Integrante do Grupo de Pesquisa: Direi-
tos da Natureza, Racionalidade Ambiental e Educação Ecológica, da
Pós-Graduação da Escola Superior Dom Helder Câmara, como alu-
na egressa. Atualmente ocupa o cargo de Assistente da 3ª Vara Cível
da Comarca de Contagem. Ocupou o cargo de Assistente Judiciária
da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Rafaela Carvalho Coutinho de Oliveira
Graduada em Direito, na modalidade integral pela Escola Superior
Dom Helder Câmara (ESDHC). Medalhista de Ouro pela Acade-
mia Brasileira de Direito Civil. Pesquisadora.

Capítulo 5 – Direitos da natureza e seus defensores e defensoras


dos direitos humanos ameaçados por defenderem os povos e seus
territórios na Amazônia
José Boeing
Doutor em Direito pela Universidade Mar del Plata, Argentina em
2019. Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentá-
vel da Escola Superior Dom Helder Câmara – ESDHC em 2015.
Pós-Graduado em Ciências da Religião pelo IESPES/PA. Bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP. Graduado em Filosofia pela PUCPR.
Graduado em Direito pela FIT/PA. Advogado e Religioso dos Mis-
160 Sobre os autores

sionários do Verbo Divino. Exerce seus ministérios pastoral e social


desde 1991 na Amazônia Brasileira.
Jane Portella Salgado
Graduada em Farmácia – Análises clínicas pela UFMG. Graduada
em Letras Licenciatura plena em Língua Inglesa UFMG. Graduada
em Direito pela Faculdade Pitágoras/MG. Pós-Graduada em Micro-
biologia pela PUC Minas. Pós-Graduada em Prática Penal Avançada
pela Damásio Educacional /Spots. Graduação em Psicologia Cri-
minal, Criminologia, Direito Penal pelo Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas FMU/SP. Mestranda em Direito
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom
Helder Câmara. Professora de ensino básico de Inglês na SEE/MG.

Capítulo 6 – Saberes tradicionais, saúde e sustentabilidade: uma


análise das práticas integrativas e complementares
Adriana Silva Lúcio
Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na
Escola Superior Dom Helder Câmara. Graduada em Enfermagem
pela Faculdade Alfa (2012). Graduada em Ciências Biológicas pela
Universidade Estadual de Montes Claros (2013). Graduada em Pe-
dagogia pelo Instituto Superior de Educação Verde Norte (2018).
Atualmente é professora da Escola Estadual Joel Mares.
Alair Silva Nogueira Alves
Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável
na Escola Superior Dom Helder Câmara. Pesquisadora do PPGD
Direitos da Natureza da mesma Instituição. Professora da Educa-
ção Básica e Especialista da Educação Básica do Estado de Minas
Gerais. Especialização em Planejamento, Implementação e Gestão
da Educação a Distância pela Universidade Federal Fluminense –
UFF. Especialista em Inspeção Escolar pela Faculdade de Educação
e Tecnologia da Região Missioneira (FETREMES). Especialista em
Educação Especial, Inclusiva e Políticas de Inclusão pela Faculdade
de Tecnologia e Ciências do Alto Paranaíba – FATAP.
Sobre os autores 161

Juliana Froede Peixoto Meira


Graduanda em Direito na Escola Superior Dom Helder Câmara.
Pesquisadora do Grupo de Pós-Graduação em Direitos da Natureza,
Racionalidade Ambiental e Educação Ecológica.
CASA LEIRIA
Rua do Parque, 470
São Leopoldo-RS Brasil
[email protected]
Em comemoração ao primeiro ano de existência, o Grupo
de Pesquisa Direitos da Natureza e Educação Ecológica com-
partilha neste livro uma síntese dos estudos realizados pelos seus
três grupos de trabalho a partir da pesquisa sobre as condições
para o reconhecimento e a visibilidade dos direitos da natureza no
contexto das ciências sociojurídicas e suas implicações práticas na
vida da humanidade e da própria natureza.
Visando levar a cabo os estudos, o grupo priorizou três
premissas básicas. A primeira é de que a ciência moderna carece
de um novo olhar sobre o suporte teórico acerca da relação hu-
manidade e natureza que seja capaz de proteger nosso planeta, a
Casa Comum. A segunda é de que é possível pensar em uma nova
economia que possa fortalecer os direitos da natureza e da huma-
nidade e, nesse sentido, deram-se os primeiros passos nos estudos
sobre o tema. A terceira e última premissa é a de que somente
as lutas concretas por reconhecimento de direitos são capazes de
vencer a tarefa de repensar os rumos da ciência moderna em di-
reção ao reconhecimento de que condição para sair da catástrofe
ambiental está, em primeiro lugar, no reconhecimento da neces-
sidade de mudança de rumos e, em segundo lugar, assumir que
essa mudança está conectada ao fortalecimento da harmonia entre
humanidade e natureza.

Mariza Rios
Coordenadora do Grupo de Pesquisa
Direitos da Natureza e Educação Ecológica

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