Nayperovano, ARTIGO 2 2012 1

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Educação especial para crianças de zero a três anos:


um desafio possível1

OLIVEIRA, Cinthya Campos de 2


[email protected]
Universidade Federal do Espírito Santo-PPGE-UFES

OLIVEIRA, Ivone Martins de 3


[email protected]
Universidade Federal do Espírito Santo – PPGE-UFES

Resumo
Desde a instituição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, constamos,
progressivamente, o aumento do número de estudos que aprofundam a discussão sobre aspectos
diferenciados na área da educação infantil. Alguns desses estudos indicam a escassez de
pesquisas que problematizem a maneira como vem ocorrendo o atendimento às especificidades
de crianças de zero a três. Sendo assim, algumas questões emergem: como vem sendo instituído
a atendimento educacional especializado para as crianças de zero a três anos? De que forma as
unidades de educação infantil têm articulado, dentro da sua proposta pedagógica, o atendimento
educacional especializado? Quais conhecimentos os profissionais têm acerca das necessidades
de bebês e crianças pequenas com comprometimento no desenvolvimento? Que tipo de práticas
têm sido desenvolvidas de maneira a atender às necessidades dessas crianças? Diante dessas
questões, este trabalho tem como objetivo investigar a forma como vem sendo instituído o
atendimento educacional especializado para crianças de zero a três anos na Rede Municipal de
Vitória. Para isso, realiza um estudo de caso a respeito do atendimento educacional
especializado para crianças de zero a três anos na Rede Municipal de Ensino de Vitória. Os
procedimentos utilizados para coleta de dados são: entrevistas com profissionais da Secretaria
Municipal de Educação; grupos focais com pedagogos que atuam com crianças de zero a três
anos no município; entrevistas com profissionais de unidades de educação infantil do município
que tenham experiências de trabalho mais consolidadas com essas crianças. Análises parciais
dos dados coletados indicam a necessidade de se ampliar, em programas de formação de
professores, as discussões sobre aspectos relacionados ao desenvolvimento infantil e fatores que
interferem nesse desenvolvimento; sobre o papel do diagnóstico e as formas de intervenção
pedagógica apropriadas ao avanço no desenvolvimento das crianças que se constituem no

1
Cabe ressaltar que o presente trabalho tratará de apresentar as perspectivas e considerações iniciais da
pesquisa de mestrado intitulada “Educação Especial para crianças de zero a três anos na rede pública
municipal de Vitória, ES”, que está em fase de desenvolvimento pela aluna Cinthya Campos de Oliveira,
sob orientação da Profª Dra. Ivone Martins de Oliveira.
2
Mestranda em Educação ligada à linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas do
Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail:
[email protected]
3
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da UFES. E-mail:
[email protected]

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público alvo da educação especial. As análises indicam, ainda, a pertinência de se ampliar a


discussão em termos teóricos e conceituais no que tange ao atendimento educacional
especializado para as crianças de zero a três anos, problematizando a noção de intervenção
precoce e ampliando as discussões sobre as possibilidades de articulação entre educação,
sistema de saúde e assistência social.

Palavras-chave: Educação Especial. Bebês. Atendimento Educacional Especializado.

Introdução

Presenciamos atualmente um movimento de mudanças significativas no cenário


educacional brasileiro, no que tange à escolarização de crianças que apresentam
deficiência. Essas mudanças emergem a partir de um movimento social denominado
educação inclusiva impulsionado na década de noventa pelos documentos internacionais
e que vão influenciar as políticas educacionais por meio da legislação e diretrizes
nacionais da educação básica. O direito de todos os indivíduos à educação é ratificado
na Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), em Jontiem, Tailândia,
visando garantir a democratização da educação independente das diferenças.
A educação especial é marcada a partir da Conferência Mundial sobre
Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade, em 1994, na Espanha, que
culminou com a “Declaração de Salamanca”, a qual apresenta como princípio
fundamental para a escola inclusiva: “[...] todos os alunos aprenderem juntos, sempre
que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresente.”
(Unesco, 1994).
No cenário brasileiro, notamos que de forma progressiva e lenta, as políticas na
área de educação especial apresentam avanços. A Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 198, inciso III, aborda como dever do Estado a garantia de atendimento
educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino, recursos
humanos capacitados, materiais e equipamentos públicos adequados em escola próxima
à sua residência.

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A partir de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9394/96)


classificou a Educação Especial como uma modalidade de ensino a partir da educação
infantil, defendendo o atendimento educacional especializado (AEE) preferencialmente
na rede regular de ensino, propondo assim a adequação das escolas brasileiras para
atender satisfatoriamente a todas as crianças. Ao tratar a educação infantil, em seu
artigo 29, o texto da lei explicita o objetivo dessa etapa “[...] promover o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.”
(Brasil, 1996)
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 1998)
publicadas em 1998, são estabelecem os paradigmas educacionais para os programas de
cuidado e educação nas creches, para crianças de 0 a 3 anos, e nas pré-escolas, para
crianças de 4 a 6 anos, além de nortear as propostas curriculares e os projetos
pedagógicos.
A criação das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica, em 2001, instituiu a matrícula de todos na escola regular, cabendo a esta se
organizar em diversos âmbitos para o atendimento a eles nesse espaço.
Dando continuidade à política inclusiva, visando a criar as condições para a
inserção, permanência e sucesso escolar dos alunos que são o público alvo da educação
especial, nos anos de 2008 e 2009, o governo federal editou três documentos que
definiram com mais clareza e detalhes as diretrizes da política de educação especial: a
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, em 2008,
o Decreto N. 6.571, também em 2008, e a Resolução CNE/CEB Nº 4, de outubro de
2009. Esses documentos têm como foco o Atendimento Educacional Especializado
(AEE).
Conforme a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, o AEE tem como função: “[...] identificar, elaborar e organizar recursos
pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos
alunos, considerando suas necessidades específicas” (Brasil, 2012, p. 10). Esse tipo de

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atendimento deve ocorrer em horário alternado ao das aulas na classe regular e se


organizar de forma diferente, sendo suplementar e complementar ao trabalho educativo
realizado em sala de aula.
Nesse contexto, qual é a proposta do AEE para crianças de zero a três anos?
Segundo o documento, para essas crianças, “[...] o atendimento educacional
especializado se expressa por meio de serviços de estimulação precoce, que objetivam
otimizar o processo de desenvolvimento e aprendizagem em interface com os serviços
de saúde e assistência social” (Brasil, 2012, p. 10).
Diante desse cenário, muitas pesquisas vêm sendo realizadas, nos últimos anos,
no campo das Políticas de Educação Especial na perspectiva da Inclusão Escolar,
trazendo contribuições para o avanço na produção de conhecimentos no que se refere à
prática pedagógica voltada à criança com deficiência.
Kassar, Arruda e Benatti (2009) discutem a inclusão escolar enfocando
principalmente os alunos que necessitam do atendimento educacional especializado;
destacam que o caráter assistencialista assumido pela escola em função da necessidade
de barateamento na ampliação do atendimento educacional, determinada pela lógica do
mercado, acarreta um “atendimento universal precário”.
Vitta (2004) analisou as atividades propostas na rotina de dois berçários de
creches paulistas como recurso ao desenvolvimento da criança de zero a dezoito meses
e destacou que: os documentos oficiais não priorizam a educação das crianças dessa
faixa etária; o atendimento a essas crianças apresenta ainda um caráter assistencialista;
as profissionais que trabalham com essas crianças têm uma formação precária, que não
contempla as especificidades de seu desenvolvimento, nem as formas mais adequadas
de cuidado e de educação para essa faixa etária. Nesse contexto, a formação de
professores, a organização e a capacitação da equipe de profissionais da escola são
fatores que devem ser priorizados na discussão da inclusão na educação infantil.
Mendes (2006) investigou possibilidade de implementação de práticas
inclusivas em creches brasileiras. O estudo de caso desenvolvido em uma rede
municipal de uma cidade de médio porte que incluía quinze creches públicas e cinco

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conveniadas envolveu observações da rotina de atividades, entrevista com sete


profissionais de berçários de duas creches vinculadas à Secretaria Municipal de
Educação de Bauru e descrição e análise das práticas educacionais de educadores de
creches em relação aos alunos com necessidades educacionais especiais. Na análise dos
dados, a autora elenca alguns pontos fundamentais à inclusão de crianças em creches:
necessidade de ampliar a compreensão dos professores acerca da aplicação do princípio
de equiparação das oportunidades nas práticas inclusivas, conforme a Declaração de
Salamanca; adotar programas de Educação Infantil que articulem o cuidar e o educar;
proporcionar um ambiente inclusivo através da promoção da integração social da
criança com comprometimento com outras crianças e do favorecimento da participação
de todos nas atividades e rotina da sala de aula; prover a formação continuada
permanente dos profissionais envolvidos nos programas inclusivos e apoios
assistenciais e colaborativos às práticas necessárias; reconhecer a família como
envolvida na equipe de apoio à inclusão; romper com a cultura de desvalorização da
creche; implantação de estratégias para expansão dos apoios centrados na própria classe
comum. Os dados obtidos no estudo dessa autora permitiram concluir que no cotidiano
das creches investigadas acontecem práticas pedagógicas inclusivas e situações
problemáticas que impõem barreiras as interações entre pares e ao processo de
desenvolvimento e aprendizagem das crianças com necessidades educacionais especiais.
Além dos dados relatados, a autora evidencia que os profissionais investigados têm
dificuldades em oportunizar suporte para que essas interações aconteçam, a menos que
sejam treinados para isso.
Victor (2009) investiga a educação infantil para os alunos com necessidades
educacionais especiais, destacando o debate sobre a necessidade da formação de
professores na perspectiva da educação inclusiva para essa clientela nesse nível de
ensino. A autora aponta que a formação de professores e de outros profissionais da
educação não condiz com as demandas apresentadas em decorrência da inclusão de
alunos com necessidades educacionais na sala de aula regular, em particular, da
educação infantil. No intuito contribuir para a formação desses profissionais, a autora

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aponta a necessidade de investir em propostas teórico-metodológicas que promovam a


relação escola-universidade por meio de atividades mediadas por processos
colaborativos que os considerem dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva. Nesse
sentido, somos desafiados a lançar o desafio de se pensar um novo modelo de escola e,
consequentemente, de formação contínua docente, revertendo a atual situação de
fragmentação dos conhecimentos construídos na formação inicial, vivência profissional
e formação permanente pelos professores:

Pensar a formação desses profissionais considerando-os co-participantes das


investigações realizadas no contexto da escola, pensando junto as suas
problemáticas e procurando soluções com base nas experiências,
fundamentações teóricas e trabalhos científicos produzidos sobre o objeto de
análise do grupo, nos indicam, a nosso ver, um caminho para revertermos o
panorama ora apresentado. (Victor, 2009, p. 15).

Bolsanello (2012) observou visível progressão no desenvolvimento de crianças com


idades entre um e três anos, que frequentavam uma creche pública em tempo integral e
apresentavam defasagem no desenvolvimento. Conclui que defasagens do
desenvolvimento infantil podem ser prevenidas, identificadas, trabalhadas e superadas,
evitando futuras deficiências ou transtornos no desenvolvimento infantil. Assim, além
de sugerir a viabilidade do emprego de uma intervenção de caráter preventivo nas
creches públicas, na perspectiva da atenção precoce para o desenvolvimento infantil, a
autora destaca a necessidade de se desenvolver novas pesquisas que evidenciem formas
pertinentes e capazes de atender com qualidade as crianças que frequentam creches
públicas, na prevenção e promoção do seu desenvolvimento, oferecendo assim
orientações às políticas públicas, às ações institucionais e o trabalho dos profissionais
envolvidos na educação infantil, sobretudo os relacionados à faixa etária de zero a três
anos de idade.
Assim, diante da escassez de estudos que problematizem como vem ocorrendo o
atendimento educacional às especificidades das crianças de zero a três anos, algumas
questões emergem: como vem sendo instituído a atendimento educacional especializado
para as crianças de zero a três anos? De que forma as unidades de educação infantil têm

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articulado, dentro da sua proposta pedagógica, o atendimento educacional


especializado? Quais conhecimentos os profissionais têm acerca das necessidades de
bebês e crianças pequenas que apresentam indícios de ser público alvo da educação
especial? Que tipos de práticas têm sido desenvolvidas de maneira a atender às
necessidades dessas crianças?
Para abordar essas questões, inicialmente vamos enfocar os documentos oficiais
e textos na área da educação especial, produzidos e/ou divulgados pelo Ministério da
Educação, de forma a identificar as propostas de atendimento educacional especializado
para crianças de zero a três anos.

Conceito de estimulação precoce

Para que possamos avançar em nossas discussões, cabe informar que o termo
estimulação precoce empregado nesse trabalho deve ser entendido como:

conjunto de intervenções dirigido à população infantil de zero a seis anos, à


família e ao contexto, que tem por objetivo dar resposta mais rápida possível
às necessidades transitórias ou permanentes que apresentam crianças com
transtornos em seu desenvolvimento ou que possuem o risco de apresentá-
los. Estas intervenções, que devem considerar a globalidade da criança, tem
que ser planificadas por uma equipe de orientação interdisciplinar ou
transdisciplinar (Giat, 2000, citado por Hanzel, 2012, p. 23).

Atendimento Educacional Especializado e estimulação precoce

No Brasil, os primeiros programas de estimulação precoce surgiram nas décadas


de 1970/80 em escolas de educação especial e eram sistematizados de forma muito
diversificada. Na década de noventa, a regulamentação desse atendimento foi
regulamentado através da publicação das Diretrizes Educacionais sobre Estimulação
Precoce (BRASIL, 1995).

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O termo estimulação precoce é definido pelas Diretrizes Educacionais sobre


Estimulação Precoce como o “conjunto de atividades e recursos humanos ambientais
incentivadores que são destinados a proporcionar à criança, nos seus primeiros anos de
vida, experiências significativas para alcançar pleno desenvolvimento no seu processo
evolutivo.”. (Brasil, 1995, p. 11).
Nesse sentido, propõe uma modalidade de serviço integrando áreas de saúde,
educação e assistência social; destaca os processos de avaliação e intervenção como
princípios para o desenvolvimento dos programas; define locais de atendimento e
recursos no serviço; caracteriza a população a ser atendida; indica que o trabalho deve
ser realizado de forma integrada com a família; apresenta a estrutura curricular do
atendimento e aborda a estrutura organizativa da equipe multiprofissional (Brasil,
1995).
De acordo com essas diretrizes, o objetivo da intervenção precoce não é de
“transformar” em “normais” as crianças com necessidades especiais, mas prevenir,
detectar, minimizar, recuperar ou compensar as deficiências e seus efeitos (Brasil, 1995,
p.12).
A educação especial é definida pela Política Nacional de Educação Especial
(Brasil, 1994) como “um processo que visa promover o desenvolvimento das
potencialidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas típicas ou de altas
habilidades...”.
Ao tratar do atendimento educacional especializado, a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, aponta os programas
de estimulação precoce como forma de permitir avanços no desenvolvimento dos bebês
e crianças pequenas. Destaca também que esses programas devem ser desenvolvidos por
equipes multidisciplinares, na medida em que remetem à necessidade de articulação
entre educação, serviços de saúde e assistência social.
Entendendo a estimulação precoce como o primeiro programa de atendimento
inserido no âmbito da Educação Especial destinado a atender principalmente crianças de
alto risco ou com deficiências, na faixa etária de zero a três anos, Bolsanello (1998, p.

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11) preconiza que no Brasil, o “objetivo do atendimento em estimulação precoce tem


sido o de promover ações que visem prevenir, sanar ou minimizar os efeitos adversos do
processo evolutivo da criança portadora de deficiência, por meio dos processos de
intervenção e avaliação”, uma vez que esse atendimento se caracteriza por uma
abordagem centrada na criança, priorizando os fundamentos neurológicos e princípios
preventivos em detrimento dos fundamentos psicológicos.
Oliveira e Padilha (2011) enfocam a educação especial para crianças de zero a
três anos em documentos oficiais e se detêm no conceito de intervenção precoce.
Indicam que a maior parte dos estudos sobre o tema encontra-se na área da saúde,
assumindo um caráter clínico e terapêutico e ressaltam a necessidade de se aprofundar a
discussão sobre os fundamentos que orientam as propostas de intervenção precoce
dirigidas aos bebês e crianças pequenas no contexto da educação infantil.
Segundo Brandão e Reixa (2012, p. II)

A criação e implementação de medidas, programas ou serviços de IP


constitui tarefa complexa e abrangente, devendo implicar a articulação e
integração de múltiplos saberes de áreas científicas distintas como as ciências
da Saúde, as ciências da Educação, a Psicologia, a Sociologia e, talvez
mesmo, a Gestão, por parte de equipas multidisciplinares constituídas por
técnicos oriundos de vários domínios profissionais e detentores de formação
específica em IP. Os mesmos deverão atuar de forma coordenada, de acordo
com modelos que integram e transcendem as fronteiras específicas de cada
profissão, segundo os modelos de funcionamento transdisciplinares, em prol
do superior interesse da criança e da progressiva capacitação e
empoderamento da sua família.

Entretanto, alguns questionamentos surgem a respeito desses programas,


considerando tanto sua origem como as bases teóricas em que eles se assentam. Tanto
as pesquisas sobre o tema como as propostas de intervenção tomam como referência a
área da saúde, enfocando uma perspectiva clínica.
Bolsanello (2003) constatou que além de desenvolverem um trabalho de cunho
mecanicista, onde cada profissional realiza atividades específicas e de forma isolada, os
profissionais que atuam em estimulação precoce sentem-se despreparados no
desempenho profissional, tanto para atuar com a criança quanto com a família. Aponta

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ainda, que a escassez de literatura específica e os poucos cursos existentes


comprometem a formação, a especialização e a atualização destes profissionais. Propõe,
assim, entre outras medidas: a) a mobilização da universidade para participar ativamente
na melhoria deste atendimento, por meio da pesquisa, ensino e extensão; b) a
implantação de um modelo referencial de pesquisa e formação profissional em
estimulação precoce, tanto em ambiente presencial quanto em ambiente virtual,
composto de biblioteca digital/virtual e de banco de dados especializado; c) a criação de
cursos de formação presencial e à distância nesta área. Estas medidas buscariam
promover a constante formação e atualização técnico-pedagógica destes profissionais, a
fim de propiciar um atendimento de qualidade na estimulação precoce.
Visto o novo enfoque dos programas de estimulação precoce nas últimas
décadas, sobretudo nos Estados Unidos e países europeus, a estimulação precoce toma
uma nova denominação – atenção precoce (do espanhol atención temprana). Desta
maneira, a atenção precoce passa a ser considerada como um conjunto de serviços,
apoios e recursos que são necessários para responder tanto às necessidades transitórias
ou permanentes que apresentam crianças de risco ou com transtornos em seu
desenvolvimento, quanto às necessidades de suas famílias, sempre visando à promoção
do desenvolvimento infantil. (Bolsanello, 2012)
Concordamos com Bolsanello (2012) que atenção precoce e educação infantil
estão estreitamente vinculadas, já que ambas buscam fomentar o desenvolvimento
global da criança e que além da possibilidade de a presença de um transtorno e/ou
deficiência ser detectada por educadores ou professores de creche, os fatores pré, peri e
pós-natais possuem alta incidência junto às populações de baixa renda, envolvendo
assim crianças que estão nas creches públicas e justificando então o procedimento de
acompanhamento do desenvolvimento na primeira infância nesse espaço.
Nesse contexto, como pensar em práticas de atendimento educacional
especializado para crianças de zero a três anos a partir desses pressupostos? De que
maneira provocar um movimento de distanciamento de uma perspectiva clínica para
pensar uma proposta educativa de atendimento às necessidades de bebês e crianças

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pequenas em contextos coletivos? Essas são algumas das questões que perpassarão o
aprofundamento da discussão teórica na qual este estudo se baseia.

Objetivos

O objetivo geral deste trabalho é identificar concepções e práticas instituídas em


centros de educação infantil do município de Vitória em relação à educação especial
para crianças de 0 a 3 anos que apresentam indícios de ser público alvo da educação
especial.
Assim este objetivo desdobra-se em alguns objetivos específicos:
 Mapear dados estatísticos sobre o Atendimento Educacional
Especializado na educação infantil da Rede Municipal de Vitória/ES;
 Investigar a forma como as unidades de educação infantil têm
articulado, dentro da sua proposta pedagógica, o atendimento educacional
especializado;
 Identificar os conhecimentos que os profissionais têm acerca das
especificidades das crianças de zero a três anos que apresentam indícios de ser
público alvo da educação especial;
 Conhecer as práticas que têm sido desenvolvidas para atender às
necessidades educacionais dessas crianças.

Metodologia

Este trabalho segue uma perspectiva teórico-metodológica qualitativa (Lüdke &


André, 1986) e inspira-se no estudo de caso. O estudo está sendo desenvolvido na Rede
Municipal de Ensino de Vitória. Os procedimentos utilizados para coleta de dados são:
entrevistas com profissionais da Secretaria Municipal de Educação; grupos focais com

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pedagogos que atuam com crianças de zero a três anos no município; entrevistas com
profissionais de unidades de educação infantil do município que tenham experiências de
trabalho mais consolidadas com essas crianças.

O atendimento às crianças de zero a três anos que apresentam indícios de ser


público alvo da educação especial no município de Vitória

Dados do Censo Escolar 2012 indicam que estão regularmente matriculadas nos
centros municipais de educação infantil de Vitória/ES, 90 crianças com
comprometimento no desenvolvimento na faixa etária de zero a três anos, sendo que a
maior parte é diagnosticada como deficiência intelectual (29 crianças), deficiência física
(17) e autismo infantil (14).
Durante os meses de agosto e setembro de 2013, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas com uma fonoaudióloga e três gestores que atuam na Secretaria
Municipal de Educação de Vitória, ES (SEME), sendo um representante de cada uma
das seguintes áreas: Educação Especial; Educação Infantil; Gerência de Formação e
Desenvolvimento em Educação; um . Os dados das entrevistas estão em processo de
análise por meio de uma abordagem qualitativa, envolvendo assim dados descritivos
obtidos do contato da pesquisadora com a situação estudada, buscando-se enfatizar o
processo e com a intenção de retratar as perspectivas dos participantes. As entrevistas e
questionários não permitem dizer uma ou a verdade sobre as coisas e os fatos, mas
trazem informações fundamentais acerca do vivido e possibilita uma interpretação
(mesmo que provisória e parcial) do contexto pesquisado.
Um primeiro aspecto que se destaca nas falas dos profissionais relaciona-se às
graves deficiências na formação dos profissionais que lidam diretamente com as
crianças de zero a três anos que apresentam indícios de ser público alvo da educação
especial, principalmente no que se refere aos conhecimentos acerca do desenvolvimento
infantil. De acordo com falas dos profissionais, a Educação Especial no Município de
Vitória vive hoje o que Santos (2010) um “momento embrionário”, uma vez que a

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SEME tem investido em formações continuadas de pedagogas, professoras e assistentes


da educação infantil com vistas à superação das deficiências dos conhecimentos
construídos na formação inicial. Quando indagados acerca das especificidades do
atendimento educacional especializado para as crianças de zero a três anos que
apresentam indícios de ser público alvo da educação especial, embora todos reconheçam
a importância de conhecer o processo de inclusão escolar do referido público e suas
implicações, somente dois dos profissionais entrevistados demonstraram conhecimentos
referentes à temática. Em relação às experiências consolidadas acerca do atendimento
educacional a essas crianças, apenas um dos entrevistados soube relatar uma situação
vivida em um centro municipal de educação infantil de Vitória. No entanto, foi
informado que não existe ainda uma discussão voltada especificamente para as
especificidades das crianças de zero a três anos que apresentam indícios de ser público
alvo da educação especial.
Sobre a articulação do trabalho dos diferentes profissionais da educação
especial, todos responderam que, embora seja o trabalho colaborativo uma postura
recentemente adotada pelos profissionais da equipe educacional da SEME, sentem-se
preparados para um trabalho integrado e em equipe.
A análise dos dados coletados indicam a necessidade de se ampliar, em
programas de formação de professores, as discussões sobre aspectos relacionados ao
desenvolvimento infantil e fatores que interferem nesse desenvolvimento; sobre o papel
do diagnóstico e as formas de intervenção pedagógica apropriadas ao avanço no
desenvolvimento das crianças que se constituem no público alvo da educação especial; a
pertinência de se oferecer o AEE não somente à criança que apresenta indícios de ser
público alvo da educação especial, mas também às professoras regentes; ampliar a
discussão em termos teóricos e conceituais no que tange ao atendimento educacional
especializado para as crianças de zero a três anos, problematizando a noção de
intervenção precoce e ampliando as discussões sobre as possibilidades de articulação
entre educação, sistema de saúde e assistência social.

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Nossas reflexões acerca dos bebês, das crianças pequenas e da educação especial

Ao instituir a educação infantil como a primeira etapa da educação básica, a Lei


de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional nº 9394/96 garante às crianças de zero a
seis anos o direito à educação. Em seu artigo 58, capítulo V, ao especificar que o
atendimento à população infantil na faixa etária de zero a seis anos em creches e pré-
escolas, essa LDB 9394/96 afirma o princípio da inclusão. Assim, a partir da
promulgação desse dispositivo legal, as creches tornam-se parte do sistema de educação
básica.
Para além do simples direito à educação, a literatura científica sobre inclusão na
educação infantil aponta a primeira infância como a fase mais propícia para se começar
a conviver com as diversidades e romper barreiras sociais e a discriminação,
apresentando uma quantidade considerável de sugestões e recomendações sobre a
implementação de programas inclusivos neste nível de ensino. (Mendes, 2006; Victor,
2007; Oliveira & Padilha, 2010)
Nesse contexto, reconhecemos a intervenção precoce na Educação Infantil como
potencializadora do desenvolvimento infantil das crianças que já nascem com
deficiência ou que apresentam indícios de ser público alvo da educação especial. Assim,
destacamos a necessidade de investimento em estudos que problematizem a inclusão
escolar de crianças de 0 a 3 anos e apontem a possibilidade da implantação de projetos
de inclusão escolar na Educação Infantil propondo programas de intervenção precoce.
(Bolsanello, 1998, 2003, 2012; Mendes, 2006)

Referências

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concepções e modo de atuação dos profissionais em estimulação precoce. 1996. Tese

Pró-Discente: Caderno de Prod. Acad.-Cient. Prog. Pós-Grad. Educ., Vitória-ES, v. 18, n. 1,


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