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CORPUS THOMISTICUM AQUINATE


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Textum Taurini 1953 editum Texto Taurino editado em 1953


ac automato translatum a Roberto e transferido automaticamente por
Busa SJ in taenias magneticas Roberto Busa SJ em fitas magnéticas
denuo recognovit Enrique Alarcón e de novo revisto e ordenado por Enri-
atque instruxit. que Alarcón.

SANCTI THOMAE DE AQUINO. SANTO TOMÁS DE AQUINO.

QUAESTIONES DISPUTATAE DE VIRTU- QUESTÕES DISPUTADAS SOBRE AS


TIBUS. VIRTUDES.

QUAESTIO 1 QUESTÃO 1

PROOEMIUM PROÊMIO

Et primo enim quaeritur, utrum virtu- E primeiro, se pergunta se as virtudes


tes sint habitus. são hábitos.
Secundo utrum definitio virtutis quam Segundo, se a definição da virtude es-
Augustinus ponit, sit conveniens. tabelecida por Agostinho é convenien-
te.
Tertio utrum potentia animae possit Terceiro, se pergunta se a potência da
esse virtutis subiectum. alma pode ser sujeito da virtude.
Quarto utrum irascibilis et concupisci- Quarto, se pergunta se o irascível e o
bilis possint esse subiectum virtutis. concupiscível podem ser sujeito da
virtude.
Quinto utrum voluntas sit subiectum Quinto, se pergunta se a vontade é o
virtutis. sujeito da virtude.
Sexto utrum in intellectu practico sit Sexto, se pergunta se a virtude está no
virtus sicut in subiecto. intelecto prático como no sujeito.
Septimo utrum in intellectu speculati- Sétimo, se pergunta se há virtude no
vo sit virtus. intelecto especulativo.
Octavo utrum virtutes insint nobis a Oitavo, se pergunta se as virtudes es-
natura. tão por natureza em nós.
Nono utrum virtutes acquirantur ex Nono, se pergunta se as virtudes são
actibus. adquiridas pelos atos.
Decimo utrum sint aliquae virtutes Décimo, se pergunta se há algumas
homini ex infusione. virtudes por infusão no homem.
Undecimo utrum virtus infusa augea- Décimo primeiro, se pergunta se a vir-
tur. tude infusa aumenta.
Duodecimo de distinctione virtutum. Décimo segundo, se pergunta sobre a
distinção das virtudes.
Decimotertio utrum virtus sit in medi- Décimo terceiro, se pergunta se a vir-
o. tude é um meio [termo]

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ARTICULUS 1 ARTIGO 1

ET PRIMO QUAERITUR UTRUM VIRTU- E PRIMEIRO SE PERGUNTA SE AS VIR-


TES SINT HABITUS TUDES SÃO HÁBITOS1

Et videtur quod non, sed magis actus. E parece que não, mas antes que são
atos.

1. Augustinus enim dicit in Lib. 1. Com efeito, diz Agostinho no livro


Retract., quod bonus usus liberi das Retratações2, que o bom uso do
arbitrii est virtus. Sed usus liberi arbi- livre arbítrio é virtude. Ora, o uso do
trii est actus. Ergo virtus est actus. livre arbítrio é um ato. Logo, a virtude
é um ato.
2. Praeterea, praemium non debetur 2. Além do mais, o prêmio não se deve
alicui nisi ratione actus. Debetur a alguém senão por razão do ato. No
autem omni habenti virtutem; quia entanto, deve-se [um prêmio] a todo
quicumque in caritate decedit, ad possuidor da virtude, porque qualquer
beatitudinem perveniet. Ergo virtus est um que morre na caridade alcançará a
meritum. Meritum autem est actus. beatitude. Logo, a virtude é um mérito.
Ergo virtus est actus. No entanto, o mérito é um ato. Logo, a
virtude é um ato.
3. Praeterea, quanto aliquid est in 3. Além do mais, quanto mais algo é
nobis Deo similius, tanto est melius. semelhante a Deus em nós, tanto é
Sed maxime Deo similamur secundum melhor. Ora, nos assemelhamos ma-
quod sumus in actu, quia est actus ximamente a Deus enquanto estamos
purus. Ergo actus est optimum eorum em ato, porque [Ele] é ato puro. Logo,
quae sunt in nobis. Sed virtutes sunt o ato é o ótimo daquilo que há em nós.
maxima bona quae sunt in nobis, ut Ora, as virtudes são os bens máximos
Augustinus dicit in libro de libero que há em nós, como diz Agostinho no
arbitrio. Ergo virtutes sunt actus. livro O livre Arbítrio3. Logo, as virtu-
des são atos.
4. Praeterea, perfectio viae respondet 4. Além do mais, a perfeição da vida
perfectioni patriae. Sed perfectio corresponde à perfeição da pátria [ce-
patriae est actus, scilicet felicitas, quae leste]. Ora, a perfeição da pátria [celes-
in actu consistit, secundum te] é ato, a saber, a felicidade, que con-
philosophum. Ergo et perfectio viae, siste em um ato, segundo o Filósofo.
scilicet virtus, actus est. Logo, também a perfeição da vida, a
saber, a virtude, é um ato.
5. Praeterea, contraria sunt quae in 5. Além do mais, os contrários são o
eodem genere ponuntur, et mutuo se que são postos no mesmo gênero e,
expellunt. Sed actus peccati expellit mutuamente, se opõem. Ora, a ação do
virtutem ratione oppositionis quam pecado se opõe à virtude pela razão de
habet ad ipsam. Ergo virtus est in ge- oposição que tem com ela mesma. Lo-
nere actus. go, a virtude está no gênero do ato.

1 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 55, a. 1; II Sent., D. 27, a. 1; III, D. 23. q.1, a.3 , q.a 1,3; II Ethic.,
lect. 5.
2 AGOSTINHO, Retractationes, I, 9, 6.
3 AGOSTINHO, De libero arbitrio, II, 19, 50.

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6. Praeterea, philosophus dicit in I 6. Além do mais, diz o Filósofo no li-


caeli et mundi, quod virtus est vro I Sobre o céu e o mundo4, que a
ultimum de potentia: ultimum virtude é o último em relação à potên-
potentiae est actus. Ergo virtus est cia; o último da potência é o ato. Logo,
actus. a virtude é um ato.
7. Praeterea, pars rationalis est nobili- 7. Além do mais, a parte racional é
or et perfectior quam pars sensitiva. mais nobre e mais perfeita do que a
Sed vis sensitiva habet suam operatio- parte sensitiva. Ora, a capacidade sen-
nem nullo habitu vel qualitate median- sitiva tem a sua operação sem a ação
te. Ergo nec in parte intellectiva opor- mediadora de algum hábito ou quali-
tet ponere habitus, quibus medianti- dade. Logo, nem na parte intelectiva é
bus pars intellectiva perfectam opera- necessário colocar hábitos, mediante
tionem habeat. os quais a parte intelectiva tenha uma
operação perfeita.
8. Praeterea, philosophus dicit in VII 8. Além do mais, diz o Filósofo no li-
Physic., quod virtus est dispositio vro VII da Física5, que a virtude é uma
perfecti ad optimum. Optimum autem disposição perfeita para o ótimo. No
est actus; dispositio autem est eiusdem entanto, o ótimo é um ato; e a disposi-
generis cum eo ad quod disponit. Ergo ção é do mesmo gênero daquilo para o
virtus est actus. qual se dispõe. Logo, a virtude é um
ato.
9. Praeterea, Augustinus dicit in Lib. 9. Além do mais, Agostinho diz no li-
de moribus Ecclesiae, quod virtus est vro Sobre os costumes da Igreja6, que
ordo amoris: ordo autem, ut ipse dicit a virtude é a ordem do amor: porém a
in XIX de Civit. Dei, est parium dispa- ordem, como o mesmo diz no livro
riumque sua cuique tribuens loca dis- XIX da Cidade de Deus7, é a disposição
positio. Virtus ergo est dispositio: non que assinala no seu lugar as coisas i-
ergo habitus. guais e desiguais. Logo, a virtude é
uma disposição: portanto, não é um
hábito.
10. Praeterea, habitus est qualitas de 10. Além do mais, o hábito é uma qua-
difficili mobilis. Sed virtus est facile lidade de difícil mobilidade. Ora, a vir-
mobilis, quia per unum actum peccati tude é de fácil mobilidade, porque se
mortalis amittitur. Ergo virtus non est perde por um ato de pecado mortal.
habitus. Logo, a virtude não é um hábito.
11. Praeterea, si habitibus aliquibus 11. Além do mais, se temos necessida-
indigemus, qui sint virtutes, aut indi- de de que alguns hábitos sejam virtu-
gemus ad operationes naturales, aut des, necessitamos ou para as opera-
meritorias, quae sunt quasi supernatu- ções naturais, ou para as meritórias,
rales. Non autem ad naturales: quia si que são como que sobrenaturais. No
quaelibet natura, etiam sensibilis et entanto, não [os necessitamos] para as
insensibilis, potest suam operationem [operações] naturais: porque se qual-
perficere absque habitu, multo fortius quer natureza, tanto a sensível quanto
hoc poterit rationalis natura. Similiter a insensível, pode realizar a sua opera-

4 ARISTÓTELES, De caelo, I, l1, 281a 14-15.


5 ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 246 a 11.
6 AGOSTINHO, De moribus Ecclesiae, 15.
7 AGOSTINHO, De civitate Dei, XIX, 13.

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nec ad operationes meritorias, quia ção sem o hábito, com muito maior
has Deus in nobis operatur: Philipp. II, razão poderá isso a natureza racional.
13. Qui operatur in nobis velle et Do mesmo modo, tampouco [os neces-
perficere, pro bona voluntate. Ergo sitamos] para as operações meritórias,
nullo modo virtutes sunt habitus. porque Deus as opera em nós: Fl 2, 13:
[pois é Deus] quem opera em vós o
querer e o operar, segundo a sua von-
tade. Logo, de nenhum modo as virtu-
des são hábitos.
12. Praeterea, omne agens secundum 12. Além do mais, todo agente [que
formam, semper agit secundum exi- atua] de acordo com uma forma, sem-
gentiam illius formae, sicut calidum pre age segundo a exigência daquela
agit semper calefaciendo. Si ergo in forma, como o quente sempre age es-
mente sit aliqua habitualis forma quae quentando. Logo, se há na mente al-
virtus dicatur, oportebit quod habens guma forma habitual que seja chama-
virtutem, secundum virtutem opere- da virtude, será necessário que quem
tur; quod est falsum: quia sic quilibet possua a virtude aja segundo ela; o que
habens virtutem esset confirmatus. é falso: porque, assim, qualquer um
Ergo virtutes non sunt habitus. que possuísse a virtude estaria confir-
mado nela. Logo, as virtudes não são
hábitos.
13. Praeterea, habitus ad hoc insunt 13. Além do mais, os hábitos estão nas
potentiis, ut tribuant eis facilitatem potências para isto: para atribuir a fa-
operandi. Sed ad actus virtutum non cilidade de operar. Ora, parece que não
indigemus aliquo facilitatem faciente, necessitamos dos atos das virtudes
ut videtur. Consistunt enim para fazer algo mais facilmente. Com
principaliter in electione et voluntate: efeito, [os atos] são constituídos prin-
nihil autem est facilius eo quod est in cipalmente na eleição e na vontade:
voluntate constitutum. Ergo virtutes mas nada é mais fácil do que aquilo
non sunt habitus. que está constituído na vontade. Logo,
as virtudes não são hábitos.
14. Praeterea, effectus non potest esse 14. Além do mais, o efeito não pode
nobilior quam sua causa. Sed si virtus ser mais nobre do que a sua causa. O-
est habitus, erit causa actus, qui est ra, se a virtude é um hábito, será causa
habitu nobilior. Ergo non videtur con- do ato, que é mais nobre do que o há-
veniens quod virtus sit habitus. bito. Logo, não parece conveniente que
a virtude seja um hábito.
15. Praeterea, medium et extrema sunt 15. Além do mais, o meio e os extre-
unius generis. Sed virtus moralis est mos são de um mesmo gênero. Ora, a
medium inter passiones; passiones virtude moral é o meio [termo] entre
autem sunt de genere actuum. Ergo, et as paixões; no entanto, as paixões es-
cetera. tão nos gêneros dos atos. Logo, etc.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

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1. Virtus, secundum Augustinum, est 1. Segundo Agostinho8, a virtude é


bona qualitas mentis. Non autem uma boa qualidade da mente. No en-
potest esse in aliqua specie nisi in tanto, não pode estar em alguma espé-
prima, quae est habitus. Ergo virtus est cie [de qualidade] senão na primeira,
habitus. que é a do hábito. Logo, a virtude é um
hábito.
2. Praeterea, philosophus dicit in II 2. Além do mais, o Filósofo diz no li-
Ethic., quod virtus est habitus vro II da Ética9, que a virtude é um
electivus in mente consistens. hábito eletivo que permanece na men-
te.
3. Praeterea, virtutes sunt in 3. Além do mais, há virtudes nos que
dormientibus; quia non amittuntur dormem; porque [estas] não se per-
nisi per peccatum mortale. Non sunt dem senão pelo pecado mortal. No en-
autem in eis actus virtutum, quia non tanto, não há neles atos de virtude,
habent usum liberi arbitrii. Ergo virtu- porque não têm o uso do livre arbítrio.
tes non sunt actus. Logo, as virtudes não são atos.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum, quod virtus, Respondo dizendo que a virtude, con-


secundum sui nominis rationem, po- forme o sentido do seu nome, designa
tentiae complementum designat; unde o complemento da potência; por isso
et vis dicitur, secundum quod res ali- que também se chama força, enquanto
qua per potestatem completam quam que alguma coisa pelo poder completo
habet, potest sequi suum impetum vel que tem pode seguir o seu ímpeto ou
motum. Virtus enim, secundum suum movimento. Com efeito, a virtude, con-
nomen, potestatis perfectionem de- forme o seu nome, designa a perfeição
monstrat; unde philosophus dicit in I do poder [operativo]; por isso diz o
caeli et mundi, quod virtus est ulti- Filósofo no livro I do Sobre o céu e o
mum in re de potentia. Quia vero po- mundo10, que a virtude é o último na
tentia ad actum dicitur, complemen- realidade da potência. Mas porque a
tum potentiae attenditur penes hoc potência se diz ordenada ao ato, o
quod completam operationem suscipit. complemento da potência se considera
Quia vero operatio est finis operantis, enquanto relativo ao que realiza a ope-
cum omnis res, secundum philoso- ração perfeita. E, porque a operação é
phum in I caeli et mundi, sit propter o fim do que opera, pois toda coisa
suam operationem, sicut propter fi- existe, segundo o Filósofo no livro I do
nem proximum; unumquodque est Sobre o céu e o mundo11, por causa da
bonum, secundum quod habet comple- sua operação, como o seu fim próximo;
tum ordinem ad suum finem. Inde est cada coisa é boa, na medida em que se
quod virtus bonum facit habentem, et completamente para o seu fim. É por
opus eius reddit bonum, ut dicitur in II isso que a virtude torna bom o que a
Ethic.; et per hunc etiam modum patet possui, e torna boa a sua obra, como

8 AGOSTINHO, Sententiarum, II, 18.


9 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6 1106 b 36.
10 ARISTÓTELES, De caelo, I, 11, 281 a 14 e 15.
11 ARISTÓTELES, De caelo, II, 3, 286 a 7 e ss.

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quod est dispositio perfecti ad foi dito no livro II da Ética12 e, deste


optimum, ut dicitur in VII Metaph. Et modo, também é evidente que [a vir-
haec omnia conveniunt virtuti cuius- tude] é a disposição do perfeito para o
cumque rei. Nam virtus equi est quae ótimo, como se diz no livro VII da Me-
facit ipsum bonum, et opus ipsius; si- tafísica13. E tudo isso convém à virtude
militer virtus lapidis, vel hominis, vel de qualquer coisa. Pois a virtude do
cuiuscumque alterius. Secundum au- cavalo é o que o faz bom e boa a sua
tem diversam conditionem potentia- obra; de um modo semelhante à virtu-
rum, diversus est modus complexionis de da pedra, ou do homem, ou de
ipsius. Est enim aliqua potentia tan- qualquer outra coisa. No entanto, as-
tum agens; aliqua tantum acta vel mo- sim como é diversa condição das po-
ta; alia vero agens et acta. Potentia tências, diverso é o modo da sua com-
igitur quae est tantum agens, non indi- pleição. Com efeito, há uma potência
get, ad hoc quod sit principium actus, só do agente, uma outra só atuada ou
aliquo inducto; unde virtus talis poten- movida; outra, de fato, agente e atua-
tiae nihil est aliud quam ipsa potentia. da. Por conseguinte, a potência que é
Talis autem potentia est divina, intel- só agente, não necessita de algo que a
lectus agens, et potentiae naturales; conduza para que seja princípio do ato
unde harum potentiarum virtutes non [perfeito], por isso a virtude de tal po-
sunt aliqui habitus, sed ipsae potentiae tência não é algo diferente da mesma
in seipsis completae. Illae vero poten- potência. No entanto, tais potências
tiae sunt tantum actae quae non agunt são a divina, o intelecto agente e as
nisi ab aliis motae; nec est in eis agere potências naturais; por isso, as virtu-
vel non agere, sed secundum impetum des destas potências não são certos
virtutis moventis agunt; et tales sunt hábitos, mas as próprias potências em
vires sensitivae secundum se conside- si mesmas completas. Por outro lado,
ratae; unde in III Ethic. dicitur, quod não são atuadas aquelas potências que
sensus nullius actus est principium: et não atuam senão movidas por outros;
hae potentiae perficiuntur ad suos ac- nem é possível nelas o atuar ou o não
tus per aliquid superinductum; quod atuar, mas atuam segundo o ímpeto do
tamen non inest eis sicut aliqua forma poder do que move; e tais são as capa-
manens in subiecto, sed solum per cidades sensitivas consideradas em si
modum passionis, sicut species in pu- mesmas; por isso se diz no livro III da
pilla. Unde nec harum potentiarum Ética14, que o sentido não é o princípio
virtutes sunt habitus, sed magis ipsae de nenhum ato: e estas potências se
potentiae, secundum quod sunt actu aperfeiçoam em relação aos seus atos
passae a suis activis. Potentiae vero por algo acrescentado; que, no entan-
illae sunt agentes et actae quae ita mo- to, não inere nelas como certa forma
ventur a suis activis, quod tamen per que permanece no sujeito, mas somen-
eas non determinantur ad unum; sed te pelo modo da paixão, como as espé-

12 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 5, 1106 a 14-15.


13 Tudo indica, segundo aquilo a que o próprio Tomás irá se referir mais adiante, que se trata da
obra Physica e não da Metaphysica. Muito provavelmente trata-se de um erro de copista. Veja
em: ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 246 a 11; 246 b 3. E 247 a 3.
14 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, III, 6, 1139 a 19-20.
15 AVERRÓIS, In Aristotelis De Anima libros, III, 18 b 26.
16 AGOSTINHO, De bono coniugali, 21, 25.
17 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, III, 8, 1117 a 23; V, 14, 1137 a 4.
18 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 3, 1104 b 4.

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in eis est agere, sicut vires aliquo modo cies [impressas] na pupila. Por isso as
rationales; et hae potentiae complen- virtudes destas potências não são hábi-
tur ad agendum per aliquid superin- tos, mas antes as mesmas potências,
ductum, quod non est in eis per mo- segundo o que são afetadas pela atuali-
dum passionis tantum, sed per modum zação de seus [princípios] ativos. Con-
formae quiescentis, et manentis in su- tudo, as agentes e atuadas são aquelas
biecto; ita tamen quod per eas non de potências movidas de tal maneira pe-
necessitate potentia ad unum cogatur; los seus [princípios] ativos que, no en-
quia sic potentia non esset domina sui tanto, não são determinadas por elas
actus. Harum potentiarum virtutes mesmas a uma só coisa; mas o atuar
non sunt ipsae potentiae; neque pas- está nelas, assim como de algum modo
siones, sicut est in sensitivis potentiis; as capacidades racionais. Estas potên-
neque qualitates de necessitate agen- cias são aperfeiçoadas para atuar por
tes, sicut sunt qualitates rerum natura- algo acrescentado, que não está nelas
lium; sed sunt habitus, secundum quos só por um modo da paixão, mas pelo
potest quis agere cum voluerit ut dicit modo da forma que repousa e perma-
Commentator in III de anima. Et Au- nece no sujeito. Contudo, [são afeta-
gustinus in Lib. de bono coniugali di- das] de tal forma por essas [determi-
cit, quod habitus est quo quis agit, cum nações] que a potência não necessari-
tempus affuerit. Sic ergo patet quod amente é forçada a uma só coisa, por-
virtutes sunt habitus. Et qualiter habi- que assim a potência não seria senhora
tus distent a secunda et tertia specie do seu ato. As virtudes destas potên-
qualitatis, qualiter autem a quarta dif- cias não são as potências mesmas;
ferant, in promptu est: nam figura non nem as paixões, como ocorre nas po-
dicit ordinem ad actum quantum in se tências sensitivas; nem qualidades ne-
est. Ex his etiam potest patere quod cessariamente agentes, como são as
habitus virtutum ad tria indigemus. qualidades das coisas naturais; mas
Primo ut sit uniformitas in sua opera- são hábitos, segundo o que alguém
tione; ea enim quae ex sola operatione pode agir enquanto quer, como diz o
dependent, facile immutantur, nisi Comentador no livro III Sobre a Al-
secundum aliquam inclinationem ha- ma15. E diz Agostinho no livro Do bem
bitualem fuerint stabilita. Secundo ut conjugal16, que o hábito é o que al-
operatio perfecta in promptu habeatur. guém age, quando chega a ocasião.
Nisi enim potentia rationalis per habi- Portanto, desta forma é evidente que
tum aliquo modo inclinetur ad unum, as virtudes são hábitos. E está claro de
oportebit semper, cum necesse fuerit que maneira os hábitos se diferenciam
operari, praecedere inquisitionem de da segunda e da terceira espécie de
operatione; sicut patet de eo qui vult qualidade e, no entanto, de que modo
considerare nondum habens scientiae se diferenciam da quarta: pois a figura
habitum, et qui vult secundum virtu- não implica ordem ao ato enquanto ao
tem agere habitu virtutis carens. Unde que é em si. A partir disso também
philosophus dicit in V Ethic., quod pode ser evidente que necessitamos
repentina sunt ab habitu. Tertio ut de- dos hábitos das virtudes por três moti-
lectabiliter perfecta operatio complea- vos: Primeiro, para que haja uniformi-
tur. Quod quidem fit per habitum; qui dade em sua operação; pois aquilo que
cum sit per modum cuiusdam naturae, só depende da operação se altera fa-
operationem sibi propriam quasi natu- cilmente, a não ser que se torne estável
ralem reddit, et per consequens delec- por alguma inclinação habitual. Se-

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tabilem. Nam convenientia est delecta- gundo, para que a operação perfeita se
tionis causa; unde philosophus, in II realize facilmente. Com efeito, a não
Ethic., ponit signum habitus, delecta- ser que por algum modo a potência
tionem in opere existentem. racional se incline a uma só coisa, será
necessário, quando for preciso agir,
que preceda [à obra] um exame da o-
peração; como é evidente no caso da-
quele que quer refletir sem possuir
ainda o hábito da ciência, e quem quer
agir segundo a vontade, carecendo do
hábito da virtude. Por isso diz o Filóso-
fo no livro V da Ética17, que [os atos] se
tornam repentinos pelo hábito. Tercei-
ro, para que a operação perfeita seja
completada com deleite, o que certa-
mente se faz por hábito; o que, en-
quanto ocorre pelo modo de certa na-
tureza, faz a sua operação própria co-
mo natural e, por conseguinte, deleitá-
vel. Pois a conveniência é causa do de-
leite; por isso o Filósofo, no livro II da
Ética18, põe como sinal do hábito a
deleitação na realização do agir.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS19

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que da mesma


sicut potestas, ita et virtus accipitur forma que o poder, assim também a
dupliciter. Uno modo materialiter, virtude se considera de duas maneiras.
prout dicimus, id quod possumus, esse De um modo, materialmente, enquan-
nostram potentiam; et sic Augustinus to dissemos que o que podemos é a
bonum usum liberi arbitrii dicit esse nossa potência; e, assim, Agostinho diz
virtutem. Alio modo essentialiter; et que o bom uso do livre arbítrio é a vir-
sic neque potentia neque virtus est tude. De outro modo, essencialmente;
actus. e, assim, nem a potência, nem a virtu-
de são atos.
2. Ad secundum dicendum, quod 2. Respondo dizendo que o merecer se
mereri dupliciter accipitur. Uno modo considera de duas maneiras. De um
proprie; et sic nihil aliud est quam fa- modo, propriamente; e assim não é
cere aliquam actionem unde aliquis outra coisa que realizar alguma ação
sibi iuste acquirat mercedem. Alio mo- porque alguém obteve para si a re-
do improprie; et sic quaelibet conditio compensa. De outro modo, impropri-
quae facit hominem aliquo modo dig- amente; e assim qualquer condição
num, meritum dicitur; ut si dicamus, que faça o homem de algum modo

19Na edição reproduzida por Enrique Alarcón (Taurini) não há esta divisão que ora propomos:
Responsiones ad argumenta. Do mesmo modo, quando necessário, inserimos Responsiones ad
sed contra, com este intuito de orientar o leitor quanto à dinâmica da argumentação e exposição
do Aquinate.

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quod species Priami meruit imperium, digno se denomina mérito; como se


quia digna imperio fuit. Praemium disséssemos que a linhagem de Príamo
ergo cum merito debeatur, debetur mereceu o império, porque foi digna
quodammodo et qualitati habituali, do império. Logo, como o prêmio se
per quam aliquis redditur idoneus ad deve ao mérito, também se deve de
praemium: et sic debetur parvulis bap- algum modo à qualidade habitual, por
tizatis. Et iterum debetur merito que alguém se torna apto para o prê-
actuali; et sic non debetur virtuti, sed mio: e desta forma se deve às crianças
actui virtutis. Et tamen etiam parvulis batizadas. E de outro modo, se deve ao
quodammodo redditur ratione meriti mérito atual; e assim não se deve à
actualis, in quantum ex merito Christi virtude, mas ao ato da virtude. No en-
sacramentum efficaciam habet, quo tanto, [o prêmio] também é concedido,
regenerantur ad vitam. de algum modo, às crianças por razão
do mérito atual, enquanto tem eficácia
o sacramento porque somos regenera-
dos para a vida [eterna] através dos
méritos de Cristo.
3. Ad tertium dicendum, quod 3. Respondo dizendo que Agostinho
Augustinus dicit, virtutes esse maxima afirma que as virtudes são os bens má-
bona, non simpliciter, sed in genere; ximos, não absolutamente, mas dentro
sicut et ignis dicitur subtilissimum de um gênero; como também se diz
corporum. Unde non sequitur quod que o fogo é o mais sublime dos cor-
nihil sit in nobis ipsis virtutibus pos. Por isso não se segue que haja em
melius; sed quod sint de numero nós nada melhor do que as próprias
eorum quae sunt maxima bona virtudes; mas que pertencem ao núme-
secundum genus suum. ro daquelas coisas que são bens máxi-
mos conforme o seu gênero.
4. Ad quartum dicendum, quod sicut 4. Respondo dizendo que assim como
in vita est perfectio habitualis quae est na vida há uma perfeição habitual que
virtus, et perfectio actualis quae est é a virtude, e uma perfeição atual que é
virtutis actus; ita etiam in ipsa patria o ato da virtude; assim também na
felicitas est perfectio actualis, mesma pátria [celeste] a felicidade é a
procedens ex aliquo habitu perfeição atual, que procede a partir de
consummato. Unde etiam philosophus um hábito consumado. Por isso tam-
in I Ethic. dicit, quod felicitas est bém o Filósofo, no livro I da Ética20,
operatio secundum virtutem diz que a felicidade é a operação con-
perfectam. forme a virtude perfeita.
5. Ad quintum dicendum, quod actus 5. Respondo dizendo que o ato vicioso
vitiosus directe tollit actum virtutis per exclui diretamente o ato da virtude por
modum contrarietatis; ipsum vero um modo de contrariedade; mas exclui
virtutis habitum tollit per accidens, in o mesmo hábito da virtude por aciden-
quantum separatur a causa virtutis te, enquanto é separado da causa da
infusae, scilicet a Deo. Unde Is., LIX, virtude infusa, isto é, de Deus. Por isso
2: peccata vestra diviserunt inter vos [se diz em] Is 59, 2: São vossos peca-
et Deum vestrum. Et propter hoc dos que colocaram uma barreira en-
virtutes acquisitae, per unum actum tre vós e vosso Deus. E por causa dis-

20 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, I, 8, 1098 b 31; 13, 1102 a 5.

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vitiosum non tolluntur. so, as virtudes adquiridas não se per-


dem por um só ato vicioso.
6. Ad sextum dicendum, quod illa 6. Respondo dizendo que aquela defi-
definitio philosophi potest dupliciter nição do Filósofo pode ser entendida
intelligi. Uno modo materialiter, ut per de duas maneiras. De um modo, mate-
virtutem intelligamus id in quod virtus rialmente, quando por virtude enten-
potest, quod est ultimum inter ea in demos o que a virtude pode, que é o
quae potentia potest; sicut virtus eius último em relação ao que pode a po-
qui potest ferre centum libras, est in eo tência, como a virtude daquilo que po-
in quantum potest ferre centum libras de carregar cem libras está naquele
non in quantum ferre potest sexaginta. enquanto pode carregar cem libras,
Alio modo potest intelligi essentialiter; não enquanto pode carregar sessenta.
et sic virtus dicitur ultimum potentiae, De outro modo, pode ser entendida
quia designat potentiae essencialmente; e assim a virtude se
complementum; sive id per quod diz o último da potência, porque de-
potentia completur, sit aliud a signa o complemento da potência; seja
potentia, sive non. aquilo pelo qual a potência se comple-
ta, seja algo diferente da potência ou
não.
7. Ad septimum dicendum, quod non 7. Respondo dizendo que não é seme-
est similis ratio de potentiis sensitivis lhante a noção das potências sensitivas
et rationabilibus, ut dictum est. e das racionais, como foi dito.
8. Ad octavum dicendum, quod 8. Respondo dizendo que a disposição
dispositio ad aliquid dicitur id per para algo se diz pelo que algo se move
quod aliquid movetur in illud até aquilo para alcançá-lo. No entanto,
consequendum. Motus autem habet o movimento, às vezes, tem o término
quandoque terminum in eodem gene- no mesmo gênero, como o movimento
re, sicut motus alterationis est quali- da alteração é uma qualidade; por isso
tas; unde dispositio ad hunc terminum a disposição para este término sempre
semper est eiusdem generis cum ter- é do mesmo gênero que o término.
mino. Quandoque vero habet termi- Mas outras vezes, tem o término de
num alterius generis, sicut alterationis outro gênero, assim como o término de
terminus est forma substantialis; et sic uma alteração é a forma substancial; e
dispositio non est semper eiusdem ge- assim a disposição não é sempre do
neris cum eo ad quod disponit; sicut mesmo gênero que aquele para o qual
calor est dispositio ad formam subs- se dispõe como, por exemplo, o calor é
tantialem ignis. a disposição para a forma substancial
do fogo.
9. Ad nonum dicendum, quod 9. Respondo dizendo que a disposição
dispositio dicitur tribus modis. Uno se diz de três modos. Um modo, pelo
modo per quam materia disponitur ad que a matéria se dispõe para a recep-
formae receptionem, sicut calor est ção da forma, como o calor é a disposi-
dispositio ad formam ignis. Alio modo ção para a forma do fogo. De outro
per quam aliquod agens disponitur ad modo, pelo qual algum agente se dis-
agendum, sicut velocitas est dispositio põe para a ação, como a velocidade é a
ad cursum. Tertio modo dispositio di- disposição para o percurso. O terceiro
citur ipsa ordinatio aliquorum ad invi- modo se chama disposição à própria
cem; et hoc modo dispositio ab Augus- ordenação de alguns reciprocamente;

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tino sumitur. Dispositio vero contra e, deste modo, a disposição é assumida


habitum dividitur primo modo; ipsa por Agostinho. Porém, a disposição se
vero virtus, dispositio est secundo mo- distingue em relação ao hábito do pri-
do. meiro modo; mas a virtude é ela mes-
ma uma disposição, conforme o modo.
10. Ad decimum dicendum, quod 10. Respondo dizendo que nenhuma
nulla res est adeo stabilis, quae non coisa é de tal modo estável, que não
statim ex se deficiat, sua causa cesse imediatamente por si, se a sua
deficiente. Unde non est mirum, si causa cesse. Por isso, não é admirável
deficiente coniunctione ad Deum per que pelo pecado mortal cesse a comu-
peccatum mortale, deficiat virtus nhão com Deus, cesse a virtude infusa.
infusa. Nec hoc repugnat suae immo- Nem isto se opõe à sua imobilidade,
bilitati, quae intelligi non potest nisi que não pode ser compreendida senão
sua causa manente. mantendo a sua causa.
11. Ad undecimum dicendum, quod ad 11. Respondo dizendo que necessita-
utrasque operationes habitu mos do hábito para ambas as opera-
indigemus; ad naturales quidem tribus ções; para as naturais, certamente, por
rationibus superius positis; ad três razões estabelecidas acima; no
meritorias autem insuper, ut naturalis entanto, também para as meritórias,
potentia elevetur ad id quod est supra para que a potência natural se eleve a
naturam ex habitu infuso. Nec hoc partir do hábito infuso para o que está
removetur ex hoc quod Deus in nobis sobre a natureza. Tampouco isto se
operatur; quia ita agit in nobis, quod et exclui pelo fato de que Deus aja em
nos agimus; unde habitu indigemus, nós; porque age em nós de tal maneira
quo sufficienter agere possimus. que também nós ajamos; por isso que
necessitamos do hábito, para que pos-
samos agir completamente.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que toda forma
omnis forma recipitur in suo supposito é recebida em seu suposto conforme o
secundum modum recipientis. Propri- modo de quem recebe. No entanto, a
etas autem rationalis potentiae est ut propriedade da potência racional é
in opposita possit, et ut sit domina sui para que possa [realizar] os opostos, e
actus. Unde nunquam per formam ha- para que seja senhora do seu ato. Por
bitualem receptam cogitur potentia isso, nunca a potência racional será
rationalis ad similiter agendum; sed forçada pela forma habitual recebida a
potest agere vel non agere. atuar do mesmo modo; sem que possa
atuar ou não atuar.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que aquilo que
quod illa quae in sola electione depende só da eleição é fácil que se
consistunt facile est quod faça de qualquer modo; mas que se
qualitercumque fiant; sed quod debito faça do modo devido, a saber, rápido,
modo fiant, scilicet expedite, firmiter, firme e com deleite, isso não é fácil;
et delectabiliter, hoc non est facile; por isso necessitamos dos hábitos das
unde ad hoc habitibus virtutum virtudes.
indigemus.
14. Ad decimumquartum dicendum, 14. Respondo dizendo que todos os
quod omnes motus animalium vel movimentos dos animais ou dos ho-
hominum, qui de novo incipiunt, sunt mens, que começam novamente, pro-

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ab aliquo movente moto, et dependent cedem de algum movente movido e


ab aliquo priori actu existente; et sic depende de algo anterior existente em
habitus de se actum non elicit, nisi ab ato; e assim o hábito não realiza o ato
aliquo agente excitatus. por si mesmo, senão excitado por al-
gum agente.
15. Ad decimumquintum dicendum, 15. Respondo dizendo que a virtude é
quod virtus est medium inter o meio entre as paixões, não como al-
passiones, non quasi aliqua passio guma paixão intermediária; mas uma
media; sed actio, quae in passionibus ação, que constitui o meio nas paixões.
medium constituit.

ARTICULUS 2 ARTIGO 2

SECUNDO QUAERITUR UTRUM DEFI- SEGUNDO, SE A DEFINIÇÃO DE VIRTU-


NITIO VIRTUTIS QUAM AUGUSTINUS DE ESTABELECIDA POR AGOSTINHO É
PONIT SIT CONVENIENS, SCILICET: CONVENIENTE, A SABER: A VIRTUDE É
VIRTUS EST BONA QUALITAS MENTIS, UMA BOA QUALIDADE DA MENTE, PELA
QUA RECTE VIVITUR, QUA NEMO MALE QUAL SE VIVE COM RETIDÃO, EM QUE
UTITUR, QUAM DEUS IN NOBIS SINE NADA SE FAZ MAU USO, E QUE DEUS
NOBIS OPERATUR. AGE EM NÓS SEM NÓS21 22

Et videtur quod sit inconveniens. E parece que é inconveniente.

1. Virtus enim est bonitas quaedam. Si 1. Com efeito, a virtude é certa bonda-
ergo ipsa est bona: aut ergo sua boni- de. Logo, se ela mesma é boa: ou, por-
tate, aut alia. Si alia, procedetur in in- tanto, [é] por sua bondade, ou por ou-
finitum: si seipsa, ergo virtus est boni- tra. Se por outra, se procede até o infi-
tas prima quia sola bonitas prima est nito: se por ela mesma, logo a virtude é
bona per seipsam. a bondade primeira porque só a bon-
dade primeira é boa por si mesma.
2. Praeterea, illud quod est commune 2. Além do mais, aquilo que é comum
omni enti, non debet poni in definitio- a todo ente não deve ser posto na defi-
ne alicuius. Sed bonum, quod converti- nição de alguma coisa. Ora, o bem, que
tur cum ente, est commune omni enti. se converte com o ente, é comum a
Ergo non debet poni in definitione vir- todo ente. Logo, não deve ser posto na
tutis. definição da virtude.
3. Praeterea, sicut bonum est in mora- 3. Além de mais, assim como o bem
libus, ita et in naturalibus. Sed bonum está nas coisas morais, assim também
et malum in naturalibus non diversifi- [está] nas naturais. Ora, o bem e o mal
cant speciem. Ergo nec in definitione não diversificam a espécie nas coisas
virtutis debet poni bona, quasi diffe- naturais. Logo, nem na definição da
rentia specifica ipsius virtutis. virtude deve ser posta “boa”, como a
diferença específica da própria virtude.
4. Praeterea, differentia non includitur 4. Além do mais, a diferença não se
in ratione generis. Sed bonum inclui na noção do gênero. Ora, o bem

21 Apud PEDRO LOMBARDO, Liber Sententiarum, 2 d. 27, 1.


22 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 55, a. 4; II Sent., D. 27, a. 2.

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includitur in ratione qualitatis, sicut et se inclui na noção da qualidade, como


ens. Ergo non debet addi in definitione também o ente. Logo, não se deve adi-
virtutis, ut dicatur: virtus est bona cionar à definição da virtude, quando
qualitas mentis et cetera. se diz: a virtude é uma boa qualidade
da mente etc.
5. Praeterea, malum et bonum sunt 5. Além do mais, o mal e o bem são
opposita. Sed malum non constituit opostos. Ora, o mal não constitui al-
aliquam speciem, cum sit privatio. guma espécie, posto que é uma priva-
Ergo nec bonum; ergo non debet poni ção. Logo, nem o bem [também o
in definitione virtutis tamquam constitui]; portanto, não se deve pôr
differentia constitutiva. na definição da virtude a diferença
constitutiva.
6. Praeterea, malum et bonum sunt 6. Além do mais, o bem é mais amplo
opposita. Sed malum non constituit do que a qualidade. Logo, pelo bem
aliquam speciem, cum sit privatio. não se difere uma qualidade da outra;
Ergo nec bonum; ergo non debet poni portanto não se deve pôr o bem na de-
in definitione virtutis tamquam finição da virtude, como diferença da
differentia constitutiva. qualidade ou da virtude.
7. Praeterea, ex duobus actibus nihil 7. Além do mais, a partir de dois atos
fit. Sed bonum importat actum quem- nada se faz. Ora, o bem implica certo
dam, et qualitas similiter. Ergo male ato e, do mesmo modo, a qualidade.
dicitur, quod virtus sit bona qualitas. Logo, se diz mal que a virtude seja uma
boa qualidade.
8. Praeterea, quod praedicatur in 8. Além do mais, o que se predica em
abstracto, non praedicatur in concreto; abstrato, não se predica em concreto;
sicut albedo est color, non tamen como o branco é uma cor, porém não
colorata. Sed bonitas praedicatur de algo colorido. Ora, a bondade se predi-
virtute in abstracto. Ergo non ca da virtude em abstrato. Logo, não se
praedicatur in concreto; ergo non bene predica em concreto; portanto, não se
dicitur: virtus est bona qualitas. diz bem: a virtude é uma boa qualida-
de.
9. Praeterea, nulla differentia 9. Além do mais, nenhuma diferença
praedicatur in abstracto de specie se predica em abstrato em relação à
unde dicit Avicenna, quod homo non espécie, por isso diz Avicena23 que o
est rationalitas, sed rationale. Sed homem não é a racionalidade, mas
virtus est bonitas. Ergo bonitas non est racional. Ora, a virtude é a bondade.
differentia virtutis; ergo non bene dici- Logo, a bondade não se diferencia da
tur: virtus est bona qualitas. virtude; portanto não se diz bem: a
virtude é uma boa qualidade.
10. Praeterea, malum moris idem est 10. Além do mais, o mal moral é o
quod vitium. Ergo bonum moris idem mesmo que o vício. Logo, o bem moral
est quod virtus; ergo bonum non debet é o mesmo que a virtude; portanto não
poni in definitione virtutis, quia sic se deve pôr o bem na definição de vir-
idem definiret seipsum. tude, porque assim se definiria a mes-
ma coisa por si mesma.
11. Praeterea, mens ad intellectum 11. Além do mais, a mente pertence ao

23 AVICENA, Metaphysica, V, 6, 233 1.

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pertinet. Sed virtus magis respicit af- intelecto. Ora, a virtude se refere mais
fectum. Ergo male dicitur, quod virtus ao afeto. Logo, se diz mal que a virtude
sit bona qualitas mentis. seja uma boa qualidade da mente.
12. Praeterea, secundum Augustinum, 12. Além do mais, segundo Agosti-
mens nominat superiorem partem a- nho24, a mente designa a parte superi-
nimae. Sed aliquae virtutes sunt in or da alma. Ora, há algumas virtudes
inferioribus potentiis. Ergo male poni- nas potências inferiores. Logo, se afir-
tur in definitione virtutis bona quali- ma mal na definição de virtude: boa
tas mentis. qualidade da mente.
13. Praeterea, subiectum virtutis no- 13. Além do mais, o sujeito da virtude
minat potentiam, non essentiam. Sed designa a potência [da alma], não a
mens videtur nominare essentiam a- [sua] essência. Ora, a mente parece
nimae; quia dicit Augustinus, quod in designar a essência da alma; porque
mente est intelligentia, memoria et Agostinho25 diz que na mente há a in-
voluntas. Ergo non debet poni mens in teligência, a memória e a vontade. Lo-
definitione virtutis. go, não se deve pôr a mente na defini-
ção da virtude.
14. Praeterea, illud quod est proprium 14. Além do mais, aquilo que é próprio
speciei, non debet poni in definitione da espécie, não se deve pôr na defini-
generis. Sed rectitudo est proprium ção do gênero. Ora, a retidão é própria
iustitiae. Ergo non debet poni da justiça. Logo, não se deve pôr a re-
rectitudo in definitione virtutis, ut tidão na definição da virtude, quando
dicatur bona qualitas mentis, qua se diz boa qualidade da mente, pela
recte vivitur. qual se vive com retidão.
15. Praeterea, vivere viventibus est 15. Além do mais, para os viventes,
esse. Sed virtus non perficit ad esse, viver é ser. Ora, a virtude não aperfei-
sed ad opera. Ergo male dicitur, qua çoa o ser, mas as obras; Logo, se diz
recte vivitur. mal, pelo qual se vive com retidão.
16. Praeterea, quicumque superbit de 16. Além do mais, qualquer um que se
aliqua re, male utitur ea. Sed de virtu- ensoberbeça de alguma coisa, faz mau
tibus aliquis superbit. Ergo virtutibus uso dela. Ora, há quem se ensoberbeça
aliquis male utitur. pelas virtudes [que possui]. Logo, há
quem faz mau uso das virtudes.
17. Praeterea, Augustinus in libro de 17. Além do mais, Agostinho, no livro
Lib. Arbit. dicit, quod solum maximis O livre Arbítrio26, diz que só os máxi-
bonis nullus male utitur. Sed virtus mos bens em nada se usam mal. Ora, a
non est de maximis bonis; quia virtude não está entre os máximos
maxima bona sunt quae propter se bens; porque os bens máximos são
appetuntur; quod non convenit apetecidos por causa de si mesmos; o
virtutibus, cum propter aliud que não convém às virtudes, pois são
appetantur, quia propter felicitatem. apetecidas em função de outra coisa,
Ergo male ponitur qua nullus male por causa da felicidade. Logo, se afir-
utitur. ma mal que de nenhum mau se faz
uso.
18. Praeterea, ab eodem aliquid gene- 18. Além do mais, é em razão de si

24 AGOSTINHO, De Trinitate, XII, 3; 4; 12.


25 AGOSTINHO, De Trinitate, XII, 3, 3.
26 AGOSTINHO, De libero arbitrio, II, 18, 48 e 50.

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ratur et nutritur et augetur. Sed virtus mesmo que algo é gerado, conservado
per actus nostros nutritur et augetur; e aumentado. Ora, a virtude se conser-
quia diminutio cupiditatis est augmen- va e cresce por nossos atos; porque a
tum caritatis. Ergo per actus nostros diminuição da concupiscência é o au-
virtus generatur; ergo male ponitur in mento da caridade. Logo, a virtude é
definitione, quam Deus in nobis sine gerada pelos nossos atos; portanto, se
nobis operatur. afirma mal na definição: que Deus age
em nós sem nós.
19. Praeterea, removens prohibens 19. Além do mais, o que remove um
ponitur movens et causa. Sed liberum impedimento é considerado como o
arbitrium est quodammodo removens movente e a causa. Ora, o livre arbítrio
prohibens virtutis. Ergo est quodam- é de algum modo o que remove o im-
modo causa; ergo non bene ponitur, pedimento da virtude. Logo, é de al-
quod sine nobis Deus virtutem opere- gum modo causa; portanto, não se a-
tur. firma bem que Deus opera em nós a
virtude sem nós.
20. Praeterea, Augustinus dicit: qui 20. Além do mais, diz Agostinho27:
creavit te sine te, non iustificabit te quem te criou sem ti, não te salvará
sine te. Ergo et cetera. sem ti. Logo, etc.

21. Praeterea, ista definitio convenit 21. Além do mais, parece que essa de-
gratiae, ut videtur. Sed virtus et gratia finição convém à graça. Ora, a virtude
non sunt unum et idem. Ergo non bene e a graça não são a mesma coisa. Logo,
definitur per hanc definitionem virtus. a virtude não se define bem através
desta definição.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum, quod ista Respondo dizendo que esta definição


definitio complectitur definitionem complementa a definição da virtude,
virtutis, etiam si ultima particula ainda que se omita a última parte; e é
omittatur; et convenit omni virtuti apropriada para toda a virtude huma-
humanae. Sicut enim dictum est, na. Com efeito, assim como foi dito, a
virtus perficit potentiam in virtude aperfeiçoa a potência em com-
comparatione ad actum perfectum; paração ao ato perfeito, mas o ato per-
actus autem perfectus est finis feito é o fim da potência ou do que o-
potentiae vel operantis; unde virtus pera; por isso a virtude torna boa a
facit et potentiam bonam et potência e também quem a opera, co-
operantem, ut prius dictum est. Et mo foi dito antes. E por causa disso na
ideo in definitione virtutis aliquid definição de virtude é posto algo que
ponitur quod pertinet ad perfectionem corresponda à perfeição do ato e algo
actus, et aliquid quod pertinet ad que corresponda à perfeição da potên-
perfectionem potentiae vel operantis. cia, ou do que opera. No entanto, para
Ad perfectionem autem actus duo a perfeição do ato se requerem duas
requiruntur. Requiritur autem quod coisas. Pois se requer que o ato seja
actus sit rectus, et quod habitus non reto e que o hábito não possa ser prin-

27 AGOSTINHO, In Joannis Evangelium, LXXII, 2.

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possit esse principium contrarii actus. cípio do ato contrário. Com efeito, a-
Illud enim quod est principium boni et quilo que é princípio do ato bom e mau
mali actus, non potest esse, quantum não pode ser em si mesmo princípio
est de se, principium perfectum boni perfeito do ato bom; porque o hábito é
actus; quia habitus est perfectio poten- a perfeição da potência. Logo, é neces-
tiae. Oportet ergo quod ita sit principi- sário que [o hábito bom] seja princípio
um actus boni, quod nullo modo mali; do ato bom e, de nenhum modo, o seja
propter quod philosophus dicit in VI do [ato] mau; é por causa disso que o
Ethic., quod opinio, quae potest esse Filósofo diz no livro VI da Ética28, que
vera et falsa, non est virtus; sed scien- não há opinião acerca da virtude, pois
tia, quae non est nisi de vero. Primum [a opinião] pode ser verdadeira e falsa;
designatur in hoc quod dicitur, qua mas há ciência, que não é senão do
recte vivitur: secundum, in hoc quod verdadeiro. O primeiro se indica ao
dicitur, qua nemo male utitur. Ad hoc dizer pela qual se vive com retidão: o
vero quod virtus facit subiectum segundo, ao dizer, da virtude ninguém
bonum, tria sunt ibi consideranda. faz mau uso. Contudo, para que a vir-
Subiectum ipsum: et hoc determinatur tude torne bom o sujeito, três coisas
cum dicitur mentis; quia virtus devem ser consideradas. O próprio
humana non potest esse nisi in eo sujeito: e isto se determina quando se
quod est hominis in quantum est diz da mente; porque a virtude huma-
homo. Perfectio vero intellectus na não pode ser senão o que é do ho-
designatur in hoc quod dicitur bona; mem enquanto é homem. De fato, a
quia bonum dicitur secundum perfeição do intelecto se designa nisto
ordinem ad finem. Modus autem que se diz boa; porque o bem se diz
inhaerendi designatur in hoc quod segundo a ordem ao fim. No entanto, o
dicitur qualitas; quia virtus non inest modo de inerência se indica naquilo
per modum passionis, sed per modum que se diz qualidade, porque a virtude
habitus; ut supra dictum est. Haec au- não inere por um modo de paixão, mas
tem omnia conveniunt tam virtuti mo- pelo modo do hábito; como foi dito
rali quam intellectuali, quam theologi- acima. No entanto, todas estas consi-
cae, quam acquisitae, quam infusae. derações convêm tanto à virtude moral
Hoc vero quod Augustinus addit quam quanto à intelectual, tanto à teológica
in nobis sine nobis Deus operatur, quanto à adquirida e à infusa. Porém,
convenit solum virtuti infusae. o que acrescenta Agostinho, que Deus
age em nós sem nós, corresponde ape-
nas à virtude infusa.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que assim como


accidentia sicut non dicuntur entia os acidentes não se dizem entes por-
quia subsistant, sed quia aliquid eis que subsistem, mas porque algo é por
est; ita virtus non dicitur bona quod eles, assim também a virtude não se
ipsa sit bona, sed qua aliquid est diz boa por ela mesma ser boa, mas
bonum. Unde non oportet quod virtus porque algo é bom por ela. Por isso
sit bona alia bonitate, quasi informetur não é necessário que a virtude seja bo-

28 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VI, 3, 1139 b 15.

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alia bonitate. a, por outra bondade, como se fosse


informada por outra bondade.
2. Ad secundum dicendum, quod 2. Respondo dizendo que não é o bem
bonum quod convertitur cum ente, que se converte com o ente e que se
non ponitur hic in definitione virtutis; enuncia aqui na definição da virtude;
sed bonum quod determinatur ad mas o bem que se determina para o ato
actum moralem. moral.
3. Ad tertium dicendum, quod actio- 3. Respondo dizendo que as ações se
nes diversificantur secundum formam diversificam segundo a forma do agen-
agentis, ut calefacere et infrigidare. te, como o esquentar e o esfriar. No
Bonum autem et malum sunt quasi entanto, o bem e o mal são certa forma
forma et obiectum voluntatis; quia e objeto da vontade; porque o agente
semper agens imprimit formam suam sempre imprime a sua forma no paci-
in patientem, et movens in motum. Et ente e o que move no movido. E, por
ideo actus morales, quorum principi- causa disso, os atos morais, cujo prin-
um est voluntas, diversificantur specie cípio é a vontade se diversificam pela
secundum bonum et malum. Principi- espécie segundo o bem e o mal. Con-
um autem naturalium operationum tudo, o princípio das ações naturais
non est finis, sed forma; et ideo non não é o fim, mas a forma; e por isso as
diversificantur in naturalibus species espécies naturais não se diversificam
secundum bonum et malum; sed in segundo o bem e o mal; mas sim nas
moralibus sic. ações morais.
4. Ad quartum dicendum, quod 4. Respondo dizendo que a bondade
bonitas moralis non includitur in moral não se inclui na compreensão da
intellectu qualitatis; et ideo ratio non qualidade; e por essa razão não con-
est ad propositum. vém o argumento.
5. Ad quintum dicendum, quod 5. Respondo dizendo que o mal não
malum non constituit speciem ratione constitui uma espécie por razão da pri-
privationis, sed ratione eius quod vação, mas por razão daquilo que está
privationi substernitur, quia non sujeito à privação, porque não é com-
compatitur secum rationem boni; et ex patível com a noção de bem; e a partir
hoc habet quod constituit speciem. disso, tem o que constitui a espécie.
6. Ad sextum dicendum, quod obiectio 6. Respondo dizendo que aquela obje-
illa procedit de bono naturae, non de ção procede em relação ao bem natu-
bono moris, quod ponitur in ral, não em relação ao bem moral, que
definitione virtutis. se enuncia na definição da virtude.
7. Ad septimum dicendum, quod boni- 7. Respondo dizendo que a bondade
tas non importat aliam bonitatem qu- não implica outra bondade senão a
am ipsam virtutem, ut ex dictis patet. mesma da virtude, como é evidente
Ipsa enim virtus per essentiam suam pelo que foi dito. Com efeito, a virtude
est qualitas; unde manifestum est mesma é uma qualidade por sua es-
quod bona et qualitas non dicunt di- sência; por isso é manifesto que boa e
versos actus, sed unum. qualidade não se dizem atos diversos,
mas um só.
8. Ad octavum dicendum, quod istud 8. Respondo dizendo que isso falha
fallit in transcendentibus, quae em relação aos transcendentais que
circumeunt omne ens. Nam essentia são coextensivos a todo ente. Pois a
est ens, et bonitas bona, et unitas una, essência é ente e a bondade boa e a

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non autem sic potest dici albedo alba. unidade una sem, contudo, se poder
Cuius ratio est, quia quidquid cadit in dizer do mesmo modo a brancura e o
intellectu, oportet quod cadat sub branco. A razão disto é porque tudo o
ratione entis, et per consequens sub que cai compreendido no intelecto, é
ratione boni et unius; unde essentia et necessário que esteja sob a razão de
bonitas et unitas non possunt intelligi, ente e, por conseguinte, sob a razão de
nisi intelligantur sub ratione boni et bem e de uno; por isso que a essência,
unius et entis. Propter hoc potest dici a bondade e a unidade não podem ser
bonitas bona, et unitas una. compreendidas senão sob a razão de
bem, de uno e de ente. Por causa disso
é possível dizer bondade boa e unidade
uma29.
9. Ad nonum30 dicendum quod 9. Respondo dizendo que a diferença,
differentia, sicut et genus, praedicatur como também o gênero, se predica
essentialiter de specie, et non essencialmente da espécie e não por
denominative; et ideo si species sit derivação; e por causa disso, se a espé-
quid subsistens et compositum, non cie é algo subsistente e composto, não
praedicatur de ea differentia in se predica dela em abstrato, mas em
abstracto, sed in concreto. Nam in concreto. Pois nas substâncias com-
substantiis compositis nomina postas se diz propriamente que os no-
concreta, quae compositum mes concretos que significam o com-
significant, proprie in praedicamento posto estão em uma categoria, como as
esse dicuntur, sicut species vel genera, espécies e os gêneros, como o homem
ut homo vel animal; et ideo oportet, si ou o animal; e por isso é necessário
differentia debeat de tali specie que se a diferença deva predicar essen-
essentialiter praedicari, quod cialmente de tal espécie, que se signifi-
significetur in concreto, quia aliter non que em concreto, porque de outro mo-
diceret totum esse speciei. Sed si do não se expressaria totalmente o ser
species sit forma simplex (sicut da espécie. Mas se a espécie é uma
accidentia, in quibus nomina forma simples (como os acidentes, nos
concretive dicta non ponuntur in quais os nomes ditos de modo concre-
praedicamento sicut species vel to não se encontram em uma categori-
genera, ut album et nigrum, nisi per a, como as espécies ou os gêneros, co-
reductionem; sed solum secundum mo o branco e o negro, a não ser por
quod in abstracto significantur, ut redução; mas só segundo o que se sig-
albedo, musica, iustitia et nifica em abstrato, como a brancura, a
universaliter, virtus) praedicatur de ea música, a justiça e, universalmente, a
tam genus quam differentia in virtude), tanto o gênero como a dife-
abstracto; unde sicut virtus est rença se predicam dela em abstrato;

29 O que está compreendido na resposta à nona objeção até o final deste artigo consiste em uma
adição do venerável professor da Sagrada Teologia, Padre Frei Vicente de Castro-Novo, da Or-
dem dos Pregadores. Quem foi? Teólogo dominicano, vigário-geral da Congregação lombarda e
em seguida vigário-geral da Ordem. Nasceu em Castelnuovo em 1435 e morreu em Altomonte
em 1506. Por que acrescentou tais soluções? Em 9 de dezembro de 1503, em Veneza, Castro-
Novo publica, com a ajuda do nobre Boneto Locatello e do presbítero Ottaviano Scoto, uma lei-
tura revisada e aumentada das Questões Disputadas de Santo Tomás, respondendo a alguns
argumentos que Tomás não havia respondido, a partir da leitura e comparação com dois exem-
plares da obra então encontrados na Alemanha.
30 Desunt responsiones ad argumenta IX-XXI, quas complevit Vincentius de Castronovo.

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essentialiter qualitas, ita essentialiter por isso, como a virtude é essencial-


bonitas rationis seu moralis. mente qualidade, assim também [é]
essencialmente bondade de razão ou
moral.
10. Ad decimum dicendum, quod bo- 10. Respondo dizendo que o bem mo-
num moris dicitur de actu bono, et ral se diz do ato bom, do hábito e do
habitu et obiecto bono bonitate moris. objeto bom pela bondade moral. De
Similiter et malum moris dicitur de um modo semelhante, também o mal
actu malo quod est peccatum, et de moral se diz do ato mau que é o peca-
habitu malo quod est vitium. Unde do, e do hábito mau que é o vício. Por
virtus est quae bonum facit habentem, isso a virtude é o que faz bom quem a
et opus eius reddit bonum bonitate possui, e torna boa a sua obra, pela
moris: similiter vitium est quod ma- bondade moral; de um modo seme-
lum facit habentem, et opus eius reddit lhante, o vício é o que torna mau quem
malum malitia moris. Non est ergo o possui e torna má a sua obra, pela
malum moris idem quod vitium; cum malícia moral. Logo, o mal moral não é
vitium dicat habitum, malum vero mo- o mesmo que o vício; enquanto o vício
ris dicatur de habitu et de actu et de se diz do hábito, o mal moral, de fato,
obiecto. Et pari ratione bonum moris se diz do hábito, do ato e do objeto. E
non est idem quod virtus, cum bonum por razão similar, o bem moral não é o
moris etiam dicatur de actu. Nam in mesmo que a virtude, pois o bem mo-
ipsa virtute tria possumus considerare. ral também se diz do ato. Com efeito,
Primum est id quod essentia virtutis na própria virtude podemos considerar
directe importat; et sic virtus importat três coisas. Primeiro, é o que a essên-
quamdam dispositionem qua aliquid cia da virtude diretamente implica; e
bene et convenienter disponitur se- assim a virtude implica certa disposi-
cundum modum suae naturae. Unde ção pela qual algo se dispõe bem e
philosophus dicit in VII Phys., quod convenientemente, segundo o modo da
virtus est dispositio perfecti ad opti- sua natureza. Por isso diz o Filósofo no
mum: dico autem perfecti quod est livro VII da Física31, que a virtude é
dispositum secundum naturam. Et uma disposição do perfeito para o
hoc modo virtuti opponitur vitium, ótimo: e digo do perfeito aquilo que
quod importat dispositionem qua ali- está disposto segundo a sua natureza.
quid disponitur contra id quod conve- E, deste modo, a virtude se opõe ao
nit naturae; unde Augustinus dicit in vício, que implica uma disposição pela
III de Lib. Arb.: quod perfectioni natu- qual algo se dispõe contra aquilo que
rae deesse prospexeris, id voca viti- convém à natureza; por isso diz Agos-
um; quia vitium uniuscuiusque rei tinho no livro III de O livre Arbítrio32:
esse videtur ex eo quod non sit dispo- o que se percebe que falta à perfeição
sita secundum quod convenit suae da natureza, se chama vício; porque o
naturae. Secundum est id quod eius vício de qualquer coisa parece que
essentiam consequitur, quod ipsa vir- consiste no que não está disposto, se-
tus ex consequenti importat; et sic vir- gundo o que convém à sua natureza.
tus importat quamdam bonitatem, Segundo, é o mesmo que se segue da
quae bonum facit habentem. Nam bo- sua essência, o que a mesma virtude

31 ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 246 a 11, 246 b 3, 247 a. 3.


32 AGOSTINHO, De libero arbitrio, III, 14, 41.

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nitas uniuscuiusque rei consistit in hoc implica como efeito; e assim a virtude
quod convenienter se habet secundum implica certa bondade que faz bom
modum debitum suae naturae; quod quem a possui. Pois a bondade de
facit virtus, ut dictum est; et sic virtuti qualquer coisa consiste nisto: em que
opponitur malitia. Tertium est id ad tenha convenientemente disposta con-
quod virtus ordinatur, videlicet actus forme o modo devido da sua natureza;
bonus. Nam virtus ordinatur ad actum o que faz a virtude, como foi dito; e
bonum, qui est actus debitus, et assim a virtude se opõe à malícia. Ter-
ordinatus secundum rationem. Unde ceiro, é aquilo ao qual a virtude se or-
virtus est perfectio potentiae in ordine dena, quer dizer, o ato bom. Pois a vir-
ad actum, et non solum bonum facit tude se ordena ao ato bom, que é o ato
habentem, sed et opus eius reddit devido e ordenado, segundo a razão.
bonum. Et hoc modo virtuti opponitur Por isso a virtude é a perfeição da po-
peccatum, quod proprie nominat tência ordenada ao ato e não apenas
actum inordinatum. Ex quibus patet torna bom aquele que a possui, mas
quod habitus vitiosus et malitia et também torna boa a sua obra. E deste
peccatum possunt dici malum moris; modo a virtude se opõe ao pecado, o
et sic etiam omnis virtus est quoddam qual designa propriamente um ato de-
bonum moris, et non e converso. sordenado. A partir disso é evidente
que o hábito vicioso, a malícia e o pe-
cado podem ser denominados males
morais; e assim também toda virtude é
certo bem moral e não o inverso con-
trário.
11. Ad undecimum dicendum, quod 11. Respondo dizendo que a mente se
mens hic accipitur secundum quod considera aqui conforme o que implica
importat potentias rationales; unde as potências racionais; por isso com-
comprehendit sub se intellectum et preende sob si o intelecto e o afeto.
affectum. Voluntas enim est potentia Com efeito, a vontade é a potência ra-
rationalis per essentiam. Virtutes cional por essência. No entanto, as vir-
autem possunt esse non solum in tudes não só podem estar no afeto,
affectu, sed etiam in intellectu. mas também no intelecto. Com efeito,
Virtutes enim intellectuales faciunt as virtudes intelectuais fazem a facul-
facultatem bene operandi, licet non dade operar bem, ainda que não confi-
faciant bonum usum talis facultatis. ram o bom uso de tal faculdade. De
Virtutes vero morales et aliae virtutes fato, as virtudes morais e as outras
simpliciter, quae respiciunt affectum virtudes em sentido absoluto, que se
cum facultate bene operandi, faciunt referem ao afeto como a faculdade de
etiam usum bonum, in quantum operar bem, conferem também o bom
faciunt ut quis recte et bene tali uso [do princípio operativo], enquanto
facultate utatur: sicut iustitia facit non fazem que alguém use retamente e
solum quod homo sit promptus ad bem tal faculdade: como a justiça não
iusta operandum, sed etiam facit ut só faz que o homem esteja pronto para
iuste operetur; grammatica autem facit operar coisas justas, mas também faça
facultatem recte et congrue loquendi: que aja justamente; contudo, a gramá-
non tamen facit ut homo semper tica confere a faculdade de falar reta e
congrue loquatur, quia potest coerentemente: no entanto, [ela] não
grammaticus barbarizare, aut faz que um homem sempre fale coe-

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soloecismum facere. Ex quibus patet rentemente, porque o gramático pode


quod virtus respicit tam potentiam falar com barbarismos, ou cometer
appetitivam quam intellectivam, quae solecismos33. A partir do que foi dito, é
sub mente continentur. evidente que a virtude se refere tanto à
potência apetitiva quanto à intelectiva,
às quais estão compreendidas sob a
mente.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que a mente
mens nominat illud genus potentiae designa aquele gênero de potência que
quae est principium illorum actuum é o princípio daqueles atos dos quais o
quorum homo est dominus, qui homem é senhor, os que propriamente
proprie dicuntur humani. Huiusmodi se chamam humanos. Mas, deste mo-
autem potentiae sunt ratio seu volun- do, as potências são a razão ou a von-
tas, quae sunt principium primum tade, que são o primeiro princípio que
movens et imperans actum cuius homo move e impera o ato do qual o homem
est dominus; et dicuntur rationales per é senhor; e se diz racional pela essên-
essentiam. Irascibilis autem et concu- cia. No entanto, o irascível e o concu-
piscibilis, in quantum participant rati- piscível, enquanto participam da ra-
onem, sunt principium humani actus zão, são princípios do ato humano co-
tamquam movens motum. Moventur mo o que move o movido. Com efeito,
enim ab appetitu superiori, in quan- [o irascível e o concupiscível] são mo-
tum ei obediunt; et hoc modo secun- vidos pelo apetite superior, enquanto o
dum quod participant rationem, et obedecem; e deste modo, conforme
sunt aptae natae rationi obedire, pos- participam da razão e são aptos por
sunt esse subiectum virtutis humanae. natureza para obedecer à razão, podem
Ex quo patet quod ratio et voluntas ser sujeito da virtude humana. A partir
sunt primum principium actus humani disto, é evidente que a razão e a vonta-
tamquam movens et imperans; appeti- de são o primeiro princípio do ato hu-
tus autem sensitivus est principium mano como o que move e impera; en-
secundum, tamquam movens motum; quanto que o apetite sensitivo é o se-
et huiusmodi potentiae, quae impor- gundo princípio, como um movimento
tantur per mentem, possunt esse subi- que move; e deste modo, as potências,
ectum virtutis. Item mens importat que são compreendidas pela mente,
potentiam rationalem per essentiam, podem ser sujeito da virtude. Assim, a
vel per participationem. Irascibilis au- mente implica a potência racional por
tem et concupiscibilis sunt potentiae essência, ou por participação. No en-
rationales per participationem; et ob tanto, o irascível e o concupiscível são
hoc possunt esse subiectum virtutis, in potências racionais por participação; e,
quantum participant mentem. por isso, podem ser sujeito da virtude,
enquanto participam da mente.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que a mente se
quod mens dicit id quod est diz daquilo que é mais elevado na ca-
altissimum in virtute animae. Unde, pacidade da alma. Por isso, como a
cum secundum id quod est altissimum imagem divina se diz em nós conforme
in nobis, divina imago in nobis ao que em nós é mais elevado; é neces-
inveniatur; oportet dicere, quod imago sário dizer que a imagem [divina] não

33 Erro gramatical.

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non pertinet ad animam secundum pertence à alma segundo a essência,


essentiam, sed solum secundum mas só segundo a mente, enquanto
mentem, prout nominat altissimam indica sua mais elevada capacidade34.
potentiam eius. Et sic prout in ea est E assim, enquanto na mente [se diz] a
imago, nominat mens potentiam imagem [divina], designa a potência
animae, et non essentiam; unde da alma e não a essência; por isso a
comprehendit mens illas potentias mente compreende aquelas potências
quae in suis actibus a materia et a que em seus atos se apartam da maté-
conditionibus materiae recedunt. In ria e das condições da matéria. No en-
mente autem sunt intelligentia, tanto, na mente estão a inteligência, a
voluntas et memoria, non sicut vontade e a memória, não como os a-
accidentia in subiecto, sed sicut partes cidentes no sujeito, mas como as par-
in toto. tes no todo.
14. Ad decimumquartum dicendum, 14. Respondo dizendo que a retidão se
quod duplex est rectitudo. Quia quae- dá de duas formas. Porque uma é es-
dam est specialis, quae constituitur pecial, que só se constitui em relação
solum circa res exteriores, quae in u- às coisas exteriores, que convém ao
sum hominis veniunt, quae sunt pro- uso do homem, que são matéria pró-
pria materia iustitiae; et talis rectitudo pria da justiça; e tal retidão é própria
est propria iustitiae, nec ponitur in da justiça, e não é posta na definição
definitione virtutis. Quaedam vero est da virtude. Contudo, há uma forma de
rectitudo generalis, quae importat or- retidão geral, que implica ordem ao
dinem ad finem debitum, et ad legem devido fim e à lei divina, que é regra da
divinam, quae est regula voluntatis vontade humana; e tal [retidão] é co-
humanae; et talis est communis omni mum a toda virtude e se enuncia na
virtuti, et in definitione virtutis poni- definição da virtude.
tur.
15. Ad decimumquintum dicendum, 15. Respondo dizendo que viver se
quod vivere dupliciter sumitur. Uno entende de dois modos. Um modo,
modo pro esse viventis, et sic pertinet como o ser dos viventes e, assim, per-
ad essentiam animae, quae est tence à essência da alma, que é o prin-
viventibus essendi principium; unde cípio do ser para os viventes; por isso o
philosophus in II de anima dicit, quod Filósofo diz no livro II Sobre a Alma35,
vivere viventibus est esse; unde hoc que viver é o ser dos viventes; a partir
modo sumptum non ponitur in disso não se enuncia na definição de
definitione virtutis. Alio modo capitur virtude entendida deste modo. Um
pro operatione viventis, secundum outro modo, se concebe com relação à
quod intelligere et sentire est quoddam operação do vivente, segundo é certo
vivere; unde operatio quae est homini viver o entender e o sentir; por isso a
maxime delectabilis, et circa quam operação que é maximamente deleitá-
praecipue versatur, dicitur vita ipsius; vel para o homem, e particularmente o
unde philosophus, in I Metaph., dicit, concerne, se designa a vida do mesmo;
quod hominum genus arte et por isso o Filósofo, no livro I da Meta-
rationibus vivit, id est operatur, et hoc física36 diz que o gênero dos homens
modo vivere ponitur in definitione vive da arte e da razão, isto é, a opera-

34 AGOSTINHO, De libero arbitrio, II, 15, 39.


35 ARISTÓTELES, De anima, II, 4, 415 b 13-14.
36 ARISTÓTELES, Metaphysica, I, 1, 980 b 27-28.

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virtutis, quia virtute homo recte vivit, ção, e desta forma o viver se enuncia
in quantum per eam ipse recte na definição da virtude, porque pela
operatur. virtude o homem vive com retidão,
enquanto por ela ele atua com retidão.
16. Ad decimumsextum dicendum, 16. Respondo dizendo que o mau uso
quod male uti virtute, potest intelligi da virtude pode ser entendido de dois
dupliciter. Uno modo sicut obiecto; et modos: Um modo, como objeto; e as-
sic aliquis potest male uti virtute, puta, sim alguém pode fazer mau uso da vir-
cum male sentit de virtute, vel cum tude, por exemplo, quando tem uma
odit eam, vel superbit de ea. Alio modo má percepção da virtude, quando o-
tamquam principio elicitivo mali usus, deia ou se ensoberbece por causa dela.
ita quod sit malus actus elicitus a Outro modo, como princípio que pro-
virtute et hoc modo nullus potest male voca o mau uso, de tal maneira que
uti virtute. Est enim virtus habitus seja mau o ato resultante da virtude e,
semper inclinans ad bonum, quia deste modo, ninguém pode fazer mau
omnis virtus facit facultatem bene uso da virtude. Com efeito, a virtude é
operandi; et quaedam ulterius cum o hábito que sempre se inclina ao bem,
facultate bene operandi faciunt etiam porque toda a virtude confere a facul-
usum bonum, in quantum faciunt ut dade de agir bem; e, além disso, algu-
quis recte facultate utatur; cuiusmodi mas [virtudes], juntamente com a fa-
sunt virtutes quae respiciunt culdade de operar bem, também fazem
potentiam appetitivam; sicut iustitia o bom uso [do princípio operativo],
non solum facit quod homo sit enquanto fazem com que alguém use
promptae voluntatis ad iusta retamente a faculdade; e desta forma,
operandum, sed etiam facit ut iuste são as virtudes que se referem à potên-
operetur. cia apetitiva; como a justiça, que não
só faz que o homem tenha pronta von-
tade para realizar coisas justas, mas
também que aja por uma obra com
justiça.
17. Ad decimumseptimum dicendum, 17. Respondo dizendo que os máximos
quod solum maxima bona sunt quibus bens são os únicos dos quais nada se
nullus male utitur tamquam obiectis, faz mau uso como objetos, pois tais
cum talia sint propter se appetibilia, et [bens] são apetecíveis por causa de si e
a nullo possint odiri. Virtutibus autem, não podem ser odiados por nada. No
quae non sunt maxima bona, potest entanto, em relação às virtudes, que
quis male uti tamquam obiecto, ut não são bens máximos, alguém pode
supra dictum est; sed non potest eis fazer um mau uso enquanto objeto,
male uti tamquam principio elicitivo. como foi dito acima; mas não pode
Non autem oportet quod illud quo quis fazer um mau uso delas enquanto um
non potest male uti tamquam princípio de eleição. No entanto, não é
principio elicitivo mali usus, sit necessário que aquilo do qual alguém
maximum bonum. Potest etiam dici, não possa usar mal enquanto princípio
secundum Augustinum ibidem, quod de eleição de mal uso seja um bem
virtus inter maxima bona computatur, máximo. Com efeito, conforme tam-
in quantum per eam homo ad bém diz Agostinho no mesmo lugar37,

37 AGOSTINHO, De libero arbitrio, II, 19, 50.

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summum bonum ordinatur, quod est a virtude se conta entre os bens máxi-
Deus; et propter hoc nullus virtute mos, enquanto por ela o homem se
male utitur. ordena ao sumo bem, que é Deus; e
por causa disso, ninguém usa mal a
virtude.
18. Ad decimumoctavum dicendum, 18. Respondo dizendo que assim como
quod sicut virtutes acquisitae augentur as virtudes adquiridas aumentam e se
et nutriuntur ex actibus per quos conservam pelos atos pelos quais são
causantur; ita virtutes infusae causadas; assim as virtudes infusas
augentur per actionem Dei, a quo aumentam pela ação de Deus, por
causantur. Actus autem nostri compa- Quem são causadas. No entanto, os
rantur ad augmentum caritatis et vir- nossos atos se relacionam com o au-
tutum infusarum ut disponentes; sicut mento da caridade e das virtudes infu-
ad caritatem a principio obtinendam sas como uma disposição; assim como
homo faciens quod in se est, praeparat para obter a caridade inicial, o homem
et disponit se ut a Deo recipiat carita- que faz o que está em si mesmo, se
tem: ulterius autem actus nostri pos- prepara e se dispõe para receber a ca-
sunt esse meritorii respectu augmenti ridade de Deus: mas, além disso, os
caritatis, quia praesupponunt carita- nossos atos podem ser meritórios em
tem, quae est principium merendi. Sed relação ao aumento da caridade, por-
nullus potest mereri quod principio que pressupõem a caridade, que é o
obtineat caritatem, quia meritum sine princípio do mérito. Ora, ninguém po-
caritate esse non potest. Ex quibus pa- de merecer o que obtém inicialmente
tet quod caritas et aliae virtutes infu- pela caridade, porque sem a caridade
sae non augentur active ex actibus, sed não pode haver mérito. A partir disso,
tantum dispositive et meritorie; active é evidente que a caridade e as outras
autem augentur per actionem Dei, qui virtudes infusas não são aumentas ati-
caritatem, quam prius infudit, perficit vamente pelos nossos atos, mas apenas
et conservat. ordenada e meritoriamente; enquanto
que aumentam ativamente pela ação
de Deus, Quem aperfeiçoa e conserva a
caridade que primeiro infundiu.
19. Ad decimumnonum dicendum est, 19. Respondo dizendo que o que im-
quod prohibens virtutem est pede a virtude é o pecado. No entanto,
peccatum. Liberum autem arbitrium o livre arbítrio sem a ação de Deus não
sine actione Dei non est per se é por si mesmo suficiente para remo-
sufficiens ad removendum peccatum: ver o pecado: porque só Deus é Quem
quia solus Deus est qui effective delet efetivamente tira as iniquidades e re-
iniquitates, et dimittit peccata. Quam- move os pecados. [É] o Espírito Santo
cumque etiam dispositionem vel prae- Quem move a mente do homem em
parationem seu conatum liberi arbitrii um grau maior ou menor, conforme a
praecedentem caritatem, praevenit Sua vontade, se antecipa a qualquer
spiritus sanctus movens mentem ho- disposição, ou preparação, ou o esfor-
minis vel plus vel minus secundum ço do livre arbítrio que precede a cari-
suam voluntatem. Remissio enim dade [inicial]. Com efeito, não há re-
peccati non fit sine gratia; unde ad missão do pecado sem a graça; por isso
Rom., III, 24: iustificati gratis per [se diz] em Rm 3, 24: [que] são justifi-
gratiam ipsius. cados gratuitamente por sua graça.

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20. Ad vicesimum dicendum est, quod 20. Respondo dizendo que a virtude
virtus infusa causatur in nobis a Deo infusa é causada por Deus em nós sem
sine nobis agentibus, non tamen sine nós como agentes, não, porém, sem o
nobis consentientibus; et sic Deus non nosso consentimento; e assim Deus
iustificat nos sine nobis não nos justifica sem o nosso consen-
consentientibus; quia per motum liberi timento; porque pelo movimento do
arbitrii, dum iustificamur, Dei iustitiae livre arbítrio, quando somos justifica-
consentimus. Ille tamen motus non est dos, consentimos à justiça de Deus. No
causa gratiae formaliter iustificantis, entanto, aquele movimento não é for-
sed eius effectus unde tota operatio malmente causa da graça justificante,
pertinet ad gratiam et ad Deum, qui mas o seu efeito, por isso toda a opera-
iustificando effective infundit gratiam. ção pertence à graça e a Deus, Quem
Illa vero quae per nos aguntur, ao justificar efetivamente infunde a
quorum nos sumus causa, ipse Deus graça. Na verdade, aquelas coisas que
causat in nobis non sine nobis são feitas por nós, das quais nós somos
agentibus: ipse enim operatur in omni causa, Deus mesmo as causa em nós
voluntate et in omni natura. não sem nós como agentes: pois o
mesmo opera em toda a vontade e em
toda a natureza.
21. Ad vicesimumprimum dicendum, 21. Respondo dizendo que a definição
quod definitio virtutis bene intellecta de virtude [de Agostinho] devidamente
non convenit gratiae. Nam gratia ad entendida não convém à graça. Pois a
primam speciem qualitatis reducitur; graça se reduz à primeira espécie de
nec tamen est habitus sicut virtus, quia qualidade, mas não é hábito como a
non immediate ordinatur ad virtude, porque não se ordena imedia-
operationem; sed est velut habitudo tamente à operação; mas é como um
quae dat quoddam esse spirituale et hábito a que se concede certo ser espi-
divinum ipsi animae, et ritual e divino à alma mesma e se pres-
praesupponitur virtutibus infusis sicut supõe nas virtudes infusas como o
earum principium et radix, et se habet princípio e raiz e se relaciona com a
ad essentiam animae sicut sanitas ad essência da alma como a saúde com o
corpus. Et ideo dicit Chrysostomus, corpo. E, por isso, diz Crisóstomo38que
quod gratia est sanitas mentis, nec a graça é a saúde da mente, e não se
computatur inter scientias, nec inter conta entre as ciências, nem entre as
virtutes, nec inter alias qualitates quas virtudes, nem entre outras qualidades
philosophi enumeraverunt, quia non que os filósofos enumeraram, porque
cognoverunt nisi illa accidentia animae não conheceram senão aqueles aciden-
quae ordinantur ad actus naturae tes da alma que se ordenam aos atos
humanae proportionatos. Virtus ergo proporcionados à natureza humana.
essentialiter est habitus; gratia vero Logo, a virtude essencialmente é hábi-
non est habitus, sed est quaedam su- to, porém a graça não é hábito, mas é
pernaturalis participatio divinae natu- certa participação sobrenatural da na-
rae, secundum quam divinae efficimur tureza divina, segundo a qual nos fa-
consortes naturae, ut dicitur I Petr., II, zemos consortes da natureza divina,
secundum cuius acceptionem dicimur como se diz em 1Pd 2: pela recepção da
regenerari in filios Dei. Unde sicut lu- qual nos dizemos regenerados como

38 JOÃO CRISÓSTOMO, In Epistolam ad Ephesius Commentarius, Homilia XXIV – PG 62, 167.

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men naturale rationis est radix et prin- filhos de Deus. Por isso, assim como a
cipium virtutis acquisitae; ita ipsum luz natural da razão é a raiz e o princí-
lumen gratiae, quod est participatio pio da virtude adquirida; assim a
divinae naturae in ipsa essentia ani- mesma luz da graça, que é participação
mae per modum cuiusdam habilitatis da natureza divina na própria essência
existens, est principium et radix virtu- da alma, por um modo de certa apti-
tis infusae. Item virtus est bona quali- dão, é o princípio e a raiz da virtude
tas quae bonum facit habentem: haec infusa. Do mesmo modo, a virtude é
enim bonitas quam virtus confert ha- uma boa qualidade que torna bom
benti, est bonitas perfectionis in com- quem a possui: pois esta bondade que
paratione ad operationem, cuius est a virtude confere ao que a possui é a
immediatum principium. Sed bonitas bondade da perfeição em relação à o-
quam gratia confert animae, est boni- peração da qual é o princípio imediato.
tas perfectionis in comparatione non Ora, a bondade que a graça confere à
ad operationem immediate, sed ad alma é a bondade da perfeição, não em
quoddam spirituale et divinum esse, relação imediata com a operação, mas
secundum quod quodammodo gratiam com certo ser espiritual e divino, se-
habentes deiformes constituuntur; gundo o qual os que possuem a graça
propter quod, sicut filii, Deo grati di- são elevados, de certa forma, ao modo
cuntur. Unde bonum positum in defi- de ser de Deus; por isso que, como fi-
nitione virtutis dicitur secundum con- lhos [de Deus], se dizem gratos a Deus.
venientiam ad aliquam naturam prae- Por causa disso o “bom” posto na defi-
existentem, essentialem vel participa- nição [de Agostinho] se diz segundo a
tam. Tale autem bonum non attribui- conformidade a alguma natureza pree-
tur gratiae nisi sicut radici et principio xistente, essencial ou participada. No
talis bonitatis in homine. Mens etiam entanto, tal bem não se atribui à graça
iam in definitione virtutis posita dicit senão como à raiz e ao princípio de tal
potentiam animae, quae est subiectum bondade no homem. Também a mente
virtutis; potentia autem in definitione já enunciada na definição da virtude
gratiae importat essentiam animae, denota a potência da alma, que é o su-
quae est ipsius gratiae subiectum. Item jeito da virtude; mas a potência na de-
vivere positum in definitione virtutis finição da graça implica a essência da
importat operationem, cuius ipsa vir- alma, a qual é o sujeito da própria gra-
tus est immediatum principium; vivere ça. Do mesmo modo, o viver posto na
autem secundum quod attribuitur gra- definição da virtude implica a opera-
tiae, importat quoddam esse divinum, ção da qual a própria virtude é o prin-
cuius est immediatum principium; et cípio imediato; mas enquanto o viver
non dicit operationem, ad quam non se atribui à graça, implica certo ser
ordinatur nisi mediante virtute. Item, divino do qual é princípio imediato; e
virtus dicitur dispositio perfecti ad op- não designa uma operação, a qual não
timum, in quantum perficit potentiam se ordena senão mediante a virtude.
in ordine ad operationem, per quam Assim, a virtude se diz uma disposição
res suum finem consequitur. Sic autem do perfeito para o ótimo, enquanto
gratia non est dispositio perfecti ad aperfeiçoa a potência em ordem à ope-
optimum: tum quia non primo perficit ração, pela qual uma coisa alcança o
potentiam, sed essentiam; tum quia seu fim. No entanto, a graça não é uma
non respicit operationem sicut effec- disposição do perfeito para o ótimo
tum proximum; sed potius esse quod- dessa maneira: porque não aperfeiçoa,

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dam divinum. Ex quibus patet quod em primeiro lugar, a potência, mas a


definitio virtutis, gratiae non convenit. essência; porque não se ordena à ope-
Et sic est finis additionis ut supra. ração como o efeito próximo, mas an-
tes a certo ser divino. Por isso, é evi-
dente que a definição da virtude não
convém à graça.

ARTICULUS 3 ARTIGO 3

TERTIO QUAERITUR UTRUM POTENTIA TERCEIRO, SE PERGUNTA SE A POTÊN-


ANIMAE POSSIT ESSE VIRTUTIS SUBI- CIA DA ALMA PODE SER SUJEITO DA
ECTUM. VIRTUDE. 39

Et videtur quod non. E parece que não.

1. Quia secundum Augustinum, virtus 1. Porque, segundo Agostinho40, a vir-


est qua recte vivitur. Vivere autem non tude é aquilo pelo qual se vive com
est secundum potentiam animae sed retidão. No entanto, o viver não é con-
secundum essentiam. Ergo potentia forme a potência da alma, mas a sua
animae non est virtutis subiectum. essência. Logo, a potência da alma não
é o sujeito da virtude.
2. Praeterea, nobilius est esse gratiae 2. Além do mais, o ser da graça é mais
quam naturae. Esse autem naturae est nobre do que o ser da natureza. No
per essentiam animae, quae est nobili- entanto, o ser da natureza é pela es-
or suis potentiis, utpote earum princi- sência da alma, que é mais nobre do
pium. Ergo esse gratiae, quod est per que a sua potência, na medida em que
virtutes, non est per potentias: et sic é princípio dela. Logo, o ser da graça
potentia non est virtutis subiectum. que é pela virtude, não é pelas potên-
cias; e assim a potência não é o sujeito
da virtude.
3. Praeterea, accidens subiectum esse 3. Além do mais, o acidente não pode
non potest. Sed potentia animae est de ser sujeito. Ora, a potência da alma
genere accidentium; potentia enim et pertence ao gênero dos acidentes; pois
impotentia naturalis pertinent ad se- a potência e a impotência natural per-
cundam speciem qualitatis. Ergo po- tencem à segunda espécie da qualida-
tentia animae non potest esse virtutis de. Logo, a potência da alma não pode
subiectum. ser sujeito da virtude.
4. Praeterea, si aliqua potentia animae 4. Além do mais, se alguma potência
est virtutis subiectum, et quaelibet; da alma é sujeito da virtude, também
cum quaelibet potentia animae vitiis [é] qualquer outra, pois qualquer po-
impugnetur, contra quae virtutes tência da alma é afetada pelos vícios,
ordinantur, sed non quaelibet potentia contra os quais as virtudes se orde-
animae potest esse virtutis subiectum, nam, mas qualquer potência da alma
ut post patebit. Ergo virtutis subiec- não pode ser sujeito da virtude, como
tum potentia esse non potest. mostrar-se-á depois. Logo, o sujeito da

39 Outros lugares: III Sent., D. 38, q. 2, a. 4, q. a 2; De Verit., D. 33, q. 2, a. 4. q. a 1.


40 AGOSTINHO, De libero arbitrio, II, 18 e 19.

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virtude não pode ser a potência.


6. Praeterea, anima subiectum est po- 6. Além do mais, a alma é o sujeito da
tentiae. Si ergo potentia subiectum est potência. Logo, se a potência [da alma]
alterius accidentis, pari ratione illud é o sujeito de outro acidente, pela
accidens erit subiectum alterius acci- mesma razão aquele acidente será su-
dentis; et ita ibitur in infinitum; quod jeito de outro acidente; e assim se se-
est inconveniens. Non ergo potentia guiria ao infinito; o que é inconvenien-
animae est subiectum virtutis. te. Logo, a potência da alma não é su-
jeito da virtude.
7. Praeterea, in Lib. I Poster. dicitur 7. Além do mais, no livro I dos Analíti-
quod qualitatis non est qualitas. Sed cos Posteriores41, se diz que não há
potentia animae quaedam qualitas est qualidade de qualidade. Ora, a potên-
in secunda specie qualitatis; virtus cia da alma é certa qualidade na se-
autem in prima specie qualitatis est. gunda espécie de qualidade; mas a vir-
Ergo potentia animae non potest esse tude está na primeira espécie da quali-
subiectum virtutis. dade. Logo, a potência da alma não
pode ser sujeito da virtude.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Cuius est actio, eius est principium 1. De quem é a ação é o princípio da


actionis. Sed actiones virtutum sunt ação. Ora, as ações das virtudes são
potentiarum animae. Ergo et ipsae vir- das potências da alma. Logo, também
tutes. as próprias virtudes.
2. Praeterea, philosophus dicit in I 2. Além do mais, o Filósofo diz no li-
Ethic., quod virtutes intelligibiles sunt vro I da Ética42 que as virtudes intelec-
rationales per essentiam, virtutes tuais são racionais por essência, en-
autem morales sunt rationales per quanto as virtudes morais são racio-
participationem. Sed rationale per es- nais por participação. Ora, racionais
sentiam et per participationem nomi- por essência e por participação desig-
nat quasdam animae potentias. Ergo nam certas potências da alma. Logo, as
potentiae animae sunt subiecta virtu- potências da alma são sujeitos das vir-
tum. tudes.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum, quod Respondo dizendo que o sujeito se re-


subiectum tripliciter comparatur ad laciona com o acidente de três modos.
accidens. Uno modo sicut praebens ei Um modo, como o que se dá por sus-
sustentamentum; nam accidens per se tentação; pois o acidente por si não
non subsistit, fulcitur vero per subsiste, mas é sustentado por um su-
subiectum. Alio modo sicut potentia ad jeito. Outro modo, como a potência ao
actum; nam subiectum accidenti subii- ato; pois o sujeito é subjacente ao aci-
citur, sicut quaedam potentia activi; dente, como certa potência do que atu-
unde et accidens forma dicitur. Tertio a; por isso que o acidente também se

41 ARISTÓTELES, Analytica Posteriora, I, 22, 83 a 36.


42 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, I, 13, 1103 a 4.

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modo sicut causa ad effectum; nam denomina forma. Terceiro modo, como
principia subiecta sunt principia per se a causa ao efeito; pois os princípios do
accidentis. Quantum igitur ad primum, sujeito são princípios do acidente por
unum accidens alterius subiectum esse si. Por conseguinte, enquanto ao pri-
non potest. Nam, cum nullum accidens meiro, um acidente não pode ser sujei-
per se subsistat, non potest alteri sus- to de outro. Pois, já que nenhum aci-
tentamentum praebere: nisi fortasse dente subsiste por si, não pode dar
dicatur, quod in quantum est a subiec- sustentação ao outro: a não ser que
to sustentatum, aliud accidens susten- talvez se diga que, enquanto é susten-
tat. Sed quantum ad alia duo, unum tado pelo sujeito, [um acidente] sus-
accidens se habet ad aliud per modum tente outro acidente. Ora, enquanto
subiecti: nam unum accidens est in aos outros dois modos, um acidente se
potentia ad alterum, sicut diaphanum relaciona com outro pelo modo do su-
ad lucem, et superficies ad colorem. jeito: pois um acidente está em potên-
Unum etiam accidens potest esse cau- cia em relação ao outro, como o diáfa-
sa alterius, ut humor saporis; et per no em relação à luz, e a superfície à
hunc modum dicitur unum accidens cor. Além disso, um acidente pode ser
alterius accidentis esse subiectum. causa de outro, como a umidade do
Non quod unum accidens possit alteri sabor; e por este modo se diz que um
accidenti sustentamentum praebere; acidente é sujeito de outro acidente.
sed quia subiectum est receptivum u- Não porque um acidente possa dar
nius accidentis altero mediante. Et per [por si] sustentação a outro acidente;
hunc modum dicitur potentia animae mas porque o sujeito é receptivo de um
esse habitus subiectum. Nam habitus acidente mediante outro. E por este
ad potentiam animae comparatur ut modo se diz que a potência da alma é o
actus ad potentiam; cum potentia sit sujeito do hábito. Com efeito, o hábito
indeterminata quantum est de se, et se relaciona com a potência da alma
per habitum determinetur ad hoc vel como o ato com a potência; pois a po-
illud. Ex principiis etiam potentiarum tência é indeterminada, enquanto o
habitus acquisiti causantur. Sic ergo que é por si, e se determina por hábito
dicendum est, potentias esse virtutum em relação a isto ou aquilo. Além dis-
subiecta; quia virtus animae inest, po- so, os hábitos adquiridos são causados
tentia mediante. pelos princípios das potências [da al-
ma]. Logo, assim se compreende que
as potências [da alma] são sujeitos das
virtudes: porque a virtude inere à alma
mediante a potência.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que o viver do


vivere in definitione virtutis positum enunciado na definição [de Agostinho]
ad actionem pertinet, ut supra dictum de virtude pertence à ação, como foi
est. dito acima.
2. Ad secundum dicendum, quod esse 2. Respondo dizendo que o ser espiri-
spirituale non per virtutes est, sed per tual não se dá pela virtude, mas pela
gratiam. Nam gratia est principium graça. Pois a graça é o princípio do ser
spiritualiter essendi, virtus vero espiritualmente, mas a virtude [é o

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spiritualiter operandi. princípio] do agir espiritualmente.


3. Ad tertium dicendum, quod 3. Respondo dizendo que a potência
potentia non est per se subiectum, sed [da alma] não é por si sujeito, mas en-
in quantum est per animam quanto é sustentada pela alma.
sustentata.
4. Ad quartum dicendum, quod nunc 4. Respondo dizendo que aqui cha-
loquimur de virtutibus humanis; et mamos de virtudes humanas; e, por
ideo illae potentiae quae nullo modo isso, aquelas potências que de nenhum
possunt esse humanae, ad quas nullo modo podem ser humanas, aquelas as
modo se extendit imperium rationis, quais de nenhum modo se estende o
sicut sunt vires animae vegetabilis, império da razão, como as capacidades
non possunt esse subiecta virtutum. da alma vegetativa, não podem ser su-
Omnis autem impugnatio quae ex his jeitos das virtudes. No entanto, toda
viribus provenit, fit mediante appetitu impugnação que provém destas capa-
sensitivo, ad quem pertingit imperium cidades, se realiza mediante o apetite
rationis, ut possit dici humanus, et sensitivo, o qual pertence ao império
virtutis humanae subiectum. da razão, para que possa chamar-se
humano e sujeito da virtude humana.
5. Ad quintum dicendum, quod inter 5. Respondo dizendo que entre as po-
potentias animae non sunt activae nisi tências da alma não são as ativas senão
intellectus agens, et vires animae o intelecto agente e as capacidades da
vegetabilis, quae non sunt aliquorum alma vegetativa, que não são sujeitos
habituum subiecta. Aliae autem poten- de alguns hábitos. No entanto, outras
tiae animae sunt passivae: principia potências da alma são passivas: porém
tamen actionum animae existentes [são] princípios das ações que existem
secundum quod sunt motae a suis ac- na alma, enquanto que são movidas
tivis. pelos seus [princípios] ativos.
6. Ad sextum dicendum, quod non 6. Respondo dizendo que não é neces-
oportet in infinitum abire, quia sário estender-se ao infinito, porque se
pervenietur ad aliquod accidens quod chegará a algum acidente que não está
non est in potentia respectu alterius na potência de outro acidente.
accidentis.
7. Ad septimum dicendum, quod 7. Respondo dizendo que não se diz
qualitatis non dicitur esse qualitas, ita que o ser da qualidade não é qualida-
quod per se sit qualitas qualitatis de, de tal modo que a qualidade seja
subiectum; quod in proposito non sujeito de [outra] qualidade; o que não
accidit, ut supra dictum est. [está] no argumento, como foi dito
acima.

ARTICULUS 4 ARTIGO 4

QUARTO QUAERITUR UTRUM IRASCI- QUARTO, SE PERGUNTA SE O IRASCÍ-


BILIS ET CONCUPISCIBILIS POSSINT VEL E O CONCUPISCÍVEL PODEM SER
ESSE SUBIECTUM VIRTUTIS. SUJEITOS DA VIRTUDE.43

43 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 56, aa. 4, 5 ad 1; III Sent., D. 38, q. 2, a. 4, q. 2; De Verit., q. 24,
a. 4, ad 9.

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Et videtur quod non. E parece que não.

1. Quia contraria nata sunt fieri circa 1. De fato, os contrários por natureza
idem. Virtuti autem contrarium est estão em relação ao mesmo. No entan-
peccatum mortale, quod non potest to, o contrário à virtude é o pecado
esse in sensualitate, cuius partes sunt mortal, que não pode estar na sensua-
irascibilis et concupiscibilis. Ergo iras- lidade, cujas partes são o irascível e o
cibilis et concupiscibilis subiectum concupiscível. Logo, o irascível e o
virtutis esse non possunt. concupiscível não podem ser sujeitos
da virtude.
2. Praeterea, eiusdem potentiae sunt 2. Além do mais, os hábitos e os atos
habitus et actus. Sed principalis actus são da mesma potência. Ora, o ato
virtutis est electio, secundum principal da virtude é a eleição, segun-
philosophum in Lib. Ethic., quae non do o Filósofo no livro da Ética44, que
potest esse actus irascibilis et concu- não pode ser ato do irascível e do con-
piscibilis. Ergo nec habitus virtutum cupiscível. Logo, nem os hábitos das
possunt esse in irascibili et concupis- virtudes podem estar no irascível e no
cibili. concupiscível.
3. Praeterea, nullum corruptibile est 3. Além do mais, nada corruptível é
subiectum perpetui; unde Augustinus sujeito do perpétuo; por isso Agosti-
probat animam esse perpetuam, quia nho prova que a alma é imortal, por-
est subiectum veritatis, quae est perpe- que é sujeito da verdade, que é perpé-
tua. Sed irascibilis et concupiscibilis, tua. Ora, o irascível e concupiscível,
sicut et ceterae potentiae sensitivae, como as outras potências sensitivas,
non remanent post corpus, ut quibus- não permanecem depois [da corrup-
dam videtur; virtutes autem manent. ção] do corpo, como parece a alguns;
Nam iustitia est perpetua et immorta- no entanto as virtudes permanecem.
lis, ut dicitur Sapient. I, v. 15; quod Pois a justiça é perpétua e imortal,
pari ratione de omnibus dici potest. como se diz em Sb 1, 15; que pela
Ergo irascibilis et concupiscibilis virtu- mesma razão se pode dizer em relação
tum subiectum esse non possunt. a todas [as virtudes]. Logo, o irascível
e o concupiscível não podem ser sujei-
tos das virtudes.
4. Praeterea, irascibilis et concupisci- 4. Além do mais, o irascível e o concu-
bilis habent organum corporale. Si er- piscível têm um órgão corporal. Logo,
go virtutes sunt in irascibili et concu- se as virtudes estão no irascível e no
piscibili, sunt in organo corporali. Ergo concupiscível, estão em um órgão cor-
possunt apprehendi per imaginatio- poral. Logo, podem ser apreendidas
nem vel phantasiam; et sic non sunt pela imaginação ou fantasia; e assim
sola mente perceptibiles; ut Augusti- não são só perceptíveis pela mente;
nus dicit de iustitia, quod est rectitudo como diz Agostinho sobre a justiça,
sola mente perceptibilis. que é uma retidão só perceptível pela
mente.
5. Sed dicendum, quod irascibilis et 5. Ora, mas se diz que o irascível e o
concupiscibilis possunt esse subiectum concupiscível podem ser sujeitos da
virtutis, in quantum participant ali- virtude, enquanto participam de algu-

44 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VI, 2, 1139 a 22-23.

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qualiter, ratione.- Sed contra, irascibi- ma maneira pela razão. Mas ao contrá-
lis et concupiscibilis dicuntur ratione rio, se diz que o irascível e o concupis-
participare, in quantum a ratione or- cível participam da razão, enquanto
dinantur. Sed ordo rationis non potest são ordenados pela razão. Ora, a or-
virtuti sustentamentum praebere, cum dem da razão não pode dar sustenta-
non sit quid subsistens. Ergo nec in ção à virtude, por não ser algo subsis-
quantum ratione participant, possunt tente. Logo, nem enquanto o irascível e
irascibilis et concupiscibilis esse virtu- o concupiscível participam da razão
tis subiectum. podem ser sujeito da virtude.
6. Praeterea, sicuti irascibilis et 6. Além do mais, assim como o irascí-
concupiscibilis, quae pertinent ad vel e o concupiscível, que pertencem
sensibilem appetitum, subserviunt ao apetite sensitivo, obedecem à razão;
rationi; ita et potentiae apprehensivae assim também as potências de apreen-
et sensitivae. Sed in nulla são e de sensação. Ora, em nenhuma
apprehensiva potentiarum das [potências] de apreensão entre as
sensitivarum potest esse virtus. Ergo [que pertencem] às potências sensiti-
nec in irascibili et concupiscibili. vas pode haver virtude. Logo, nem no
irascível e no concupiscível.
7. Praeterea, si ordo rationis 7. Além do mais, se a ordem da razão
participari potest in irascibili et pode participar no irascível e no con-
concupiscibili, poterit minui rebellio cupiscível, poderá diminuir a rebelião
sensualitatis, quae has duas vires pela razão da sensualidade, que com-
continet ad rationem. Sed rebellio preende estas duas capacidades. Ora, a
praedicta non est infinita, cum dita rebelião não é infinita, porque a
sensualitas sit virtus finita, et virtutis sensualidade é uma capacidade finita,
finitae non possit esse actio infinita. e de uma capacidade finita não pode
Ergo poterit totaliter tolli praedicta haver um ação infinita. Logo, a dita
rebellio; omne enim finitum rebelião poderá ser totalmente supri-
consumitur multoties ablato quodam, mida; pois todo finito muitas vezes se
ut patet per philosophum in I Physic.; reduz ao tirar algo, como mostra o Fi-
et sic sensualitas in hac vita possit lósofo no livro I da Física45; e assim a
totaliter curari. Quod est impossibile. sensualidade poderia ser totalmente
curada nesta vida. O que é impossível.
8. Sed dicendum, quod Deus, qui 8. Mas se diz que Deus, Quem infunde
virtutem infundit, posset totaliter a virtude, poderia retirar totalmente a
praedictam rebellionem auferre; sed ex dita rebelião; mas é por nossa parte
parte nostra est quod non totaliter que não deixa totalmente suprimida.
auferatur.- Sed contra, homo est id Mas ao contrário, o homem é o que é
quod est in quantum est rationalis; enquanto é racional; por causa disso se
cum ex hoc speciem sortiatur. Quanto determina a espécie. Por conseguinte,
igitur id quod est in homine, magis na medida em que o que há no homem
rationi subiicitur; tanto magis mais se submete à razão; tanto mais
competit humanae naturae. Maxime lhe compete à natureza humana. No
autem subiicerentur inferiores vires entanto, as capacidades inferiores da
animae rationi si praedicta rebellio alma se submeteriam maximamente à
totaliter tolleretur. Ergo hoc esset razão se a dita rebelião fosse totalmen-

45 ARISTÓTELES, Physica, I, 4, 187 b 35.

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competens maxime humanae naturae; te suprimida. Logo, isso seria maxi-


et ita ex parte nostra non est mamente o que mais convém à nature-
impedimentum quin praedicta rebellio za humana; e assim não há impedi-
totaliter tollatur. mento de nossa parte para que a dita
rebelião seja totalmente suprimida.
9. Praeterea, ad rationem virtutis non 9. Além do mais, por razão da virtude
sufficit quod peccatum vitetur. não é suficiente que se evite o pecado.
Perfectio enim iustitiae in hoc consistit Com efeito, a perfeição da justiça con-
quod in Psal. XXXIII, v. 15, dicitur: siste nisto que se diz no Sl 33, 15: evita
declina a malo, et fac bonum. Sed ad o mal e pratica o bem. Ora, é próprio
irascibilem pertinet detestari malum, do irascível se opor ao mal, como se
ut dicitur in Lib. de spiritu et anima. diz no livro Do espírito e da alma. Lo-
Ergo in irascibili ad minus non potest go, ao menos no irascível não pode
esse virtus. haver virtude.
10. Praeterea, in eodem libro dicitur, 10. Além do mais, no mesmo livro se
quod in ratione est desiderium diz que na razão está o desejo das vir-
virtutum, in irascibili odium vitiorum. tudes, no irascível o ódio aos vícios.
Sed in eodem est desiderium virtutis et Ora, no mesmo está o desejo da virtu-
virtus, cum quaelibet res suam de e a virtude, pois cada coisa deseja a
perfectionem desideret. Ergo omnis sua perfeição. Logo, toda a virtude está
virtus est in ratione, et non in irascibili na razão, e não no irascível e no con-
et concupiscibili. cupiscível.
11. Praeterea, in nulla potentia potest 11. Além do mais, em nenhuma potên-
esse habitus quae agitur tantum et non cia que é só atuada e não atua pode
agit; eo quod habitus est id quo quis haver hábito, porque o hábito é aquilo
agit cum voluerit, ut dicit pelo qual alguém age quando quer,
Commentator in III de anima. Sed como diz o Comentador no livro III
irascibilis et concupiscibilis non agunt, Sobre a Alma46. Ora, o irascível e o
sed aguntur: quia ut dicitur in III concupiscível não atuam, senão que
Ethic., sensus nullius actus dominus são atuados: porque, como se diz no
est. Ergo non potest esse habitus livro III da Ética47, o sentido não é do-
virtutis in irascibili et concupiscibili. no de nenhum ato. Logo, não pode
haver hábito da virtude no irascível e
no concupiscível.
12. Praeterea, proprium subiectum 12. Além do mais, o sujeito próprio é
parificatur propriae passioni. Virtus proporcionado à [sua] própria paixão.
autem parificatur rationi, non autem No entanto, a virtude é proporcionada
irascibili et concupiscibili, quae sunt à razão, mas não ao irascível e ao con-
nobis et brutis communes. Virtus ergo cupiscível, que são comuns a nós e aos
est in hominibus tantum, sicut et ratio; brutos. Logo, a virtude está somente
ergo omnis virtus est in ratione, non nos homens, assim como também a
autem in irascibili et concupiscibili. razão; portanto, toda a virtude está na
razão, mas não no irascível e no con-
cupiscível.
13. Praeterea, Rom. VII, dicit Glossa: 13. Além do mais, em Rm 7, diz a Glo-

46 AVERRÓIS, In Aristotelis De anima libros, III, 18 b 26.


47 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1139 a 2.

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bona est lex, quae dum concupiscenti- sa: boa é a lei que quando proíbe a
am prohibet, omne malum prohibet. concupiscência, proíbe todo o mal.
Omnia ergo vitia ad concupiscibilem Logo, todos os vícios pertencem à con-
pertinent, cuius est concupiscentia. cupiscível, da qual a concupiscência é
Sed in eodem, sunt virtutes et vitia. própria. Ora, no mesmo estão as virtu-
Ergo virtutes non sunt in irascibili, sed des e os vícios. Logo, as virtudes não
in concupiscibili ad minus. estão no irascível, mas ao menos [es-
tão] no concupiscível.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Est quod philosophus, dicit de 1. É o que o Filósofo diz sobre a tem-


temperantia et fortitudine, quod sunt perança e a fortaleza, que estão nas
irrationabilium partium. Partes autem partes irracionais [da alma]48. No en-
irrationabiles, id est sensibilis appeti- tanto, as partes irracionais [da alma],
tus, sunt irascibilis et concupiscibilis, isto é, o apetite sensível, são o irascível
ut habetur in III de anima. Ergo in i- e o concupiscível, como se afirma no
rascibili et concupiscibili possunt esse livro III Sobre a Alma49. Logo, no iras-
virtutes. cível e no concupiscível pode haver
virtudes.
2. Praeterea, peccatum veniale est 2. Além do mais, o pecado venial é
dispositio ad mortale. Perfectio autem uma disposição para o [pecado] mor-
et dispositio sunt in eodem. Cum igitur tal. No entanto, a perfeição e a disposi-
veniale peccatum sit in irascibili et ção estão no mesmo. Por consequên-
concupiscibili (prius enim motus est cia, como o pecado venial está no iras-
actus sensualitatis, ut ponitur in cível e no concupiscível (pois o primei-
Glossa ad Rom. VIII); ergo et mortale ro movimento é o ato da sensualidade,
peccatum ibi esse poterit; et sic etiam como foi dito na glosa ao Rm 7); logo
virtus, quae est peccato mortali con- também o pecado mortal poderá estar
traria. lá; e assim também a virtude, que é
contrária ao pecado mortal.
3. Praeterea, medium et extrema sunt 3. Além do mais, o meio e os extremos
in eodem. Sed virtus aliqua est medi- são em relação ao mesmo. Ora, alguma
um inter contrarias passiones; sicut virtude é meio entre as paixões contrá-
fortitudo inter timorem et audaciam, rias; como a fortaleza entre o temor e a
et temperantia inter superfluum et audácia, e a temperança entre o supér-
diminutum in concupiscentiis. Cum fluo e a deficiência nas concupiscên-
igitur huiusmodi passiones sint in i- cias. Por consequência, como as pai-
rascibili et concupiscibili, videtur eti- xões deste modo estão no irascível e no
am quod in eisdem sit virtus. concupiscível, parece que os mesmos
também estão na virtude.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum, quod circa Respondo dizendo que em relação a

48 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 9, 1117 b 23-24.


49 ARISTÓTELES, De anima, III, 9, 432 b 6-7.

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quaestionem istam partim ab omnibus essa questão todas [as posições] são
convenitur, et partim opiniones sibi convenientes, e em parte as opiniões se
invicem repugnant. Ab omnibus enim opõem entre si. Com efeito, é aceito
conceditur aliquas virtutes in irascibili por todos que há algumas virtudes no
et concupiscibili esse, sicut temperan- irascível e no concupiscível, como a
tiam in concupiscibili et fortitudinem temperança no concupiscível e a forta-
in irascibili; sed in hoc est differentia. leza no irascível; mas nisto está a dife-
Quidam enim distinguunt duplicem rença. Pois, alguns distinguem em du-
irascibilem et concupiscibilem esse; in as partes o irascível e o concupiscível:
superiori parte animae, et iterum in na parte superior da alma, e, por outro
inferiori. Dicunt enim, quod irascibilis lado, na inferior. Com efeito, dizem
et concupiscibilis quae sunt in superio- que o irascível e o concupiscível, que
ri parte animae, cum ad naturam rati- estão na parte superior da alma, en-
onalem pertineant, possunt esse subi- quanto pertencem à natureza racional,
ectum virtutis; non tamen illae quae podem ser sujeito da virtude; no en-
sunt in inferiori parte ad naturam sen- tanto, aqueles que estão na parte infe-
sualem et brutalem pertinentes. Sed rior pertencem à natureza sensitiva e
hoc quidem in alia quaestione discus- do bruto. Ora, certamente isto foi dis-
sum est; utrum scilicet in superiori cutido em outra questão, a saber, se na
parte animae possint distingui duae parte superior da alma podem se dis-
vires, quarum una sit irascibilis et alia tinguir duas capacidades, das quais
concupiscibilis, proprie loquendo. Sed, uma seja irascível e uma outra concu-
quidquid de hoc dicatur, nihilominus piscível, propriamente falando. Ora,
in irascibili et concupiscibili quae sunt [seja] qualquer coisa que se diga sobre
in inferiori appetitu, secundum philo- isto, enquanto no irascível e no concu-
sophum in III Ethic., oportet ponere piscível que estão no apetite inferior,
esse aliquas virtutes, ut etiam alii di- segundo o Filósofo no livro III da Éti-
cunt: quod quidem sic patet. Cum e- ca50, é necessário afirmar que há al-
nim virtus, ut supra dictum est, nomi- gumas virtudes, como também outros
net quoddam potentiae complemen- dizem: o que certamente é evidente
tum, potentia autem ad actum respici- desta forma. Com efeito, enquanto a
at; oportet humanam virtutem in illa virtude, como foi dito acima, designa
potentia ponere quae est principium um certo complemento da potência, e
actus humani. Actus autem humanus a potência se ordena ao ato; é necessá-
dicitur qui non quocumque modo in rio estabelecer que a virtude humana
homine vel per hominem exercetur; naquela potência é princípio do ato
cum in quibusdam etiam plantae, bru- humano. No entanto, se diz que o ato
ta et homines conveniant; sed qui ho- humano não é exercido de qualquer
minis proprius est. Inter cetera vero modo no homem ou pelo homem; por-
hoc habet homo proprium in suo actu, que também certos [atos] convêm às
quod sui actus est dominus. Quilibet plantas, aos brutos e aos homens; em-
igitur actus cuius homo dominus est, bora seja próprio do homem. De fato,
est proprie actus humanus; non autem entre os demais [viventes] o homem
illi quorum homo non est dominus, tem isto de próprio em seu ato: que é
licet in homine fiant, ut digerere, et senhor dos seus atos. Por consequên-

50 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, III, 9, 1117 b 23-24.


51 ARISTÓTELES, Política, I, 5, 1254 b 4; 1254 b 32; 7, 1255 b 16 .

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augeri, et alia huiusmodi. In eo igitur cia, qualquer ato, do qual o homem é


quod est principium talis actus cuius senhor, é propriamente um ato huma-
homo dominus est, potest poni virtus no; não, porém, aqueles dos quais o
humana. Sciendum tamen est, quod homem não é senhor, ainda que se rea-
huiusmodi actus contingit esse triplex lizem no homem, como o digerir, o
principium. Unum sicut primum mo- crescer, e outros semelhantes. Portan-
vens et imperans, per hoc quod homo to, no que é princípio de tal ato, do
sui actus sit dominus; et hoc est ratio qual o homem é senhor, é possível es-
vel voluntas. Aliud est movens motum, tabelecer a virtude humana. Contudo,
sicut appetitus sensibilis, qui etiam deve-se saber que há três princípios
movetur ab appetitu superiori in quan- para esta forma de atos. Um, como [o
tum ei obedit, et tunc iterum movet princípio] primeiro do que move e im-
membra exteriora per sui imperium. pera, por isso que o homem é senhor
Tertium autem est quod est motum dos seus atos; e esta é a razão ou a
tantum, scilicet membrum exterius. vontade. Outro, é o [princípio] que
Cum autem utrumque, scilicet mem- move movido, como o apetite sensível,
brum exterius et appetitus inferior a que também é movido pelo apetite su-
superiori parte animae moveantur; perior enquanto o obedece e então
tamen aliter, et aliter. Nam membrum também move os membros exteriores
exterius ad nutum obedit superiori pelo seu império. O terceiro, porém, é
imperanti absque ulla repugnantia se- [o princípio] que é só movido, isto é, o
cundum naturae ordinem, nisi sit im- membro exterior. No entanto, ainda
pedimentum aliquod; ut patet in manu que ambos, isto é, o membro exterior e
et pede. Appetitus autem inferior ha- o apetite inferior, sejam movidos pela
bet propriam inclinationem ex natura parte superior da alma; todavia, [são]
sua, unde non obedit superiori appeti- de uma e outra maneira. Pois o mem-
tui ad nutum, sed interdum repugnat; bro exterior obedece cegamente o
unde Aristoteles dicit in politica sua, [princípio] superior que impera sem
quod anima dominatur corpori dispo- nenhuma oposição conforme a ordem
tico principatu, sicut dominus servo, da sua natureza, a não ser que haja
qui non habet facultatem resistendi in algum impedimento; como se mostra
aliquo imperio domini; ratio vero do- na mão e no pé. No entanto, o apetite
minatur inferioribus animae partibus inferior tem uma inclinação própria
regali et politico principatu, id est sicut por causa da sua natureza, pois não
reges et principes civitatum dominan- obedece ao apetite superior cegamen-
tur liberis, qui habent ius et facultatem te, mas, às vezes, se opõe; por isso diz
repugnandi quantum ad aliqua prae- Aristóteles na sua Política51 que a alma
cepta regis vel principis. In membro domina o corpo com poder despótico,
igitur exteriori non est necessarium como o senhor ao servo, quem não tem
aliquid perfectivum actus humani, nisi a faculdade de resistir a nenhuma or-
naturalis eius dispositio, per quam na- dem do senhor; enquanto que a razão
tum est moveri a ratione; sed in appe- domina as partes inferiores da alma
titu inferiori, qui rationi repugnare com poder real e político, isto é, como
potest, est necessarium aliquid quo os reis e os príncipes das cidades go-
operationem quam ratio imperat, abs- vernam os [cidadãos] livres, que têm o
que repugnantia prosequatur. Si enim direito e a faculdade de opor-se a al-
immediatum operationis principium guns preceitos do rei ou do príncipe.
sit imperfectum, oportet operationem Por consequência, no membro exterior

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esse imperfectam, quantacumque per- não é necessário algo perfectivo do ato


fectio adsit superiori principio. Et ideo, humano, senão a sua disposição natu-
si appetitus inferior non esset in per- ral, pelo qual é por natureza movido
fecta dispositione ad sequendum im- pela razão; mas no apetite inferior, que
perium rationis, operatio, quae est ap- pode opor-se à razão, é necessário [que
petitus inferioris, sicut proximi princi- haja] algo pelo qual a operação que a
pii, non esset in bonitate perfecta; es- razão determina siga sem oposição.
set enim cum quadam repugnantia Com efeito, se o princípio imediato da
sensibilis appetitus; ex quo quaedam operação é imperfeito, é necessário
tristitia consequeretur appetitui inferi- que a operação seja imperfeita, por
ori per quamdam violentiam a superi- maior que seja a perfeição do princípio
ori moto; sicut accidit in eo qui habet superior. E deste modo, se o apetite
fortes concupiscentias, quas tamen inferior não estivesse na perfeita dis-
non sequitur, ratione prohibente. posição para seguir o império da razão,
Quando igitur oportet operationem a operação, que é o apetite inferior,
hominis esse circa ea quae sunt obiecta como do princípio próximo, não seria
sensibilis appetitus, requiritur ad boni- perfeita na bondade; pois haveria co-
tatem operationis quod sit in appetitu mo certa oposição do apetite sensível;
sensibili aliqua dispositio, vel perfecti- pelo qual uma certa tristeza acompa-
o, per quam appetitus praedictus de nharia o apetite inferior movido por
facili obediat rationi; et hanc virtutem meio de certa violência pelo [apetite]
vocamus. Quando igitur aliqua virtus superior; como ocorre em quem tem
est circa illa quae proprie ad vim iras- fortes concupiscências, as quais, po-
cibilem pertinent, sicut fortitudo circa rém, não se seguem pela razão que a
timores et audacias, magnanimitas proíbe. Portanto, quando é necessário
circa ardua sperata, mansuetudo circa que a operação do homem seja em re-
iras: talis virtus dicitur esse etiam in lação às coisas que são objeto do apeti-
irascibili sicut in subiecto. Quando au- te sensitivo, se requer para a bondade
tem est circa ea quae sunt proprie con- da operação que haja no apetite sensi-
cupiscibilis, dicitur esse in concupisci- tivo alguma disposição, ou perfeição,
bili sicut in subiecto; sicut castitas, pela qual o dito apetite obedeça com
quae est circa delectationes venereas, facilidade à razão; e a esta [disposição]
et sobrietas et abstinentia, quae sunt chamamos virtude. Por consequência,
circa delectationes in cibis et potibus. quando há alguma virtude em relação
àquelas coisas que pertencem propri-
amente à capacidade irascível, como a
fortaleza acerca dos temores e das au-
dácias, a magnanimidade acerca das
coisas árduas que se espera [alcançar],
a mansidão acerca das iras: se afirma
que tal virtude está também no irascí-
vel como no sujeito. No entanto, quan-
do há [alguma virtude] em relação à-
quelas coisas que são propriamente do
concupiscível, se diz ser no concupiscí-
vel como no sujeito; como a castidade
que é acerca dos deleites sexuais, e a
sobriedade e a abstinência, que são

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acerca dos deleites relativos às comi-


das e bebidas.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que a virtude e o


virtus et peccatum mortale dupliciter pecado mortal podem ser considerados
considerari possunt; scilicet secundum de dois modos; a saber, segundo o ato
actum et secundum habitum. Sicut e segundo o hábito. No entanto, assim
autem actio concupiscibilis et como a ação do concupiscível e do i-
irascibilis si secundum se rascível, se considerada em si mesma,
consideratur, non est peccatum não é pecado mortal, porém concorre
mortale, concurrit tamen in actu ao ato do pecado mortal, quando pela
peccati mortalis, quando ratione razão que move ou consente tende ao
movente vel consentiente tendit in contrário da lei divina; assim também
contrarium legis divinae; ita actus os seus atos, se são considerados em si
eorumdem, si per se accipiantur, non mesmos, não podem ser atos da virtu-
possunt esse actus virtutis, sed solum de, mas apenas quando concorrem
quando concurrunt ad consequendum para seguir o império da razão. E as-
imperium rationis. Et sic actus peccati sim o ato do pecado mortal e da virtu-
mortalis et virtutis pertinet aliquo mo- de pertencem de algum modo ao iras-
do ad irascibilem et concupiscibilem; cível e ao concupiscível; por isso que
unde et habitus utriusque in irascibili também os hábitos de ambos podem
et concupiscibili esse possunt. Hoc estar no irascível e no concupiscível.
tamen in re est, quod sicut actus virtu- Contudo, na realidade, ocorre que as-
tis consistit in hoc quod irascibilis et sim como o ato da virtude consiste no
concupiscibilis sequuntur rationem, ita que o irascível e o concupiscível se-
actus peccati consistit in hoc quod ra- guem à razão, assim o ato do pecado
tio trahitur ad sequendum inclinatio- consiste no que a razão é levada a se-
nem irascibilis et concupiscibilis. Unde guir a inclinação do irascível e do con-
et peccatum consuevit frequentius ra- cupiscível. Por isso que, frequente-
tioni attribui tamquam proximae cau- mente, também se acostumou atribuir
sae; et eadem ratione virtus irascibilis o pecado à razão como a sua causa
et concupiscibilis. próxima; e, pelo mesmo motivo, [atri-
buir à razão] a virtude do irascível e do
concupiscível.
2. Ad secundum dicendum, quod, 2. Respondo dizendo que assim como
sicut iam dictum est, actus virtutis non já foi dito, o ato da virtude não pode
potest esse irascibilis vel ser apenas do irascível ou do concupis-
concupiscibilis tantum, sine ratione. Id cível sem [a participação da] razão.
tamen quod est in actu virtutis, Contudo, o principal no ato da virtude,
principalius est rationis, scilicet a saber, a eleição, pertence ao racional,
electio; sicut et in qualibet operatione como também em qualquer operação é
principalior est agentis actio quam mais importante a ação do agente que
passio patientis. Ratio enim imperat a paixão do que padece. Com efeito, a
irascibili et concupiscibili. Non ergo razão impera o irascível e o concupis-
pro tanto dicitur esse virtus in irascibi- cível. Logo, não se diz que a virtude
li vel concupiscibili, quasi per eas totus esteja no irascível ou no concupiscível,

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actus virtutis vel principalior pars ex- como se por estas [potências] se com-
pleatur; sed in quantum, per virtutis pletasse inteiramente o ato da virtude
habitum, ultimum complementum ou sua parte principal; mas enquanto,
bonitatis actui virtutis confertur: in pelo hábito da virtude, se confere o
hoc scilicet quod irascibilis et concu- último complemento da bondade do
piscibilis absque difficultate sequantur ato da virtude: a saber, que o irascível
ordinem rationis. e o concupiscível sigam sem dificulda-
de a ordem da razão.
3. Ad tertium dicendum, quod 3. Respondo dizendo que suposto que
supposito quod irascibilis et o irascível e o concupiscível não per-
concupiscibilis non remaneant actu in maneçam no ato na alma separada,
anima separata, manent tamen in ea permanece, porém, nela como em sua
sicut in radice: nam essentia animae raiz; pois a essência da alma é a raiz
est radix potentiarum. Et similiter das potências. E de um modo seme-
virtutes quae ascribuntur irascibili et lhante, as virtudes que se atribuem ao
concupiscibili, manent in ratione sicut irascível e ao concupiscível permane-
in radice. Nam ratio est radix omnium cem na razão como em sua raiz. Pois a
virtutum, ut postea ostendetur. razão é a raiz de todas as virtudes, co-
mo depois se mostrará.
4. Ad quartum dicendum, quod in 4. Respondo dizendo que nas formas
formis invenitur quidam gradus. Sunt se encontram certos graus. Com efeito,
enim quaedam formae et virtutes tota- algumas formas e virtudes são total-
liter ad materiam depressae, quarum mente dependentes da matéria, da
omnis actio materialis est; ut patet in qual todo ato é material; como se mos-
formis elementaribus. Intellectus vero tra nas formas elementares. Contudo,
est totaliter a materia liber; unde et o intelecto é totalmente livre da maté-
eius operatio est absque corporis ria; por isso também a sua operação se
communione. Irascibilis autem et con- realiza sem uma comunhão com o cor-
cupiscibilis medio modo se habent. po. No entanto, o irascível e o concu-
Quod enim organo corporali utantur, piscível estão na parte mediana. Com
ostendit corporalis transmutatio, quae efeito, por usarem do órgão corporal,
earum actibus adiungitur; quod iterum evidencia a mutação corporal, que a-
sint aliquo modo a materia elevatae, companha os seus atos; porque, às ve-
ostenditur per hoc quod per imperium zes, de algum modo são elevados aci-
moventur et quod obediunt rationi. Et ma da matéria, o que manifesta que
sic in eis est virtus, id est in quantum são movidos pelo império [racional] e
elevatae sunt a materia, et rationi que obedecem à razão. E assim neles
obediunt. há virtude, isto é, enquanto estão aci-
ma da matéria e obedecem à razão.
5. Ad quintum dicendum, quod licet 5. Respondo dizendo que ainda que a
ordo rationis quo irascibilis et ordem da razão, da qual o irascível e o
concupiscibilis participant, non sit concupiscível participam, não seja algo
aliquid subsistens, nec per se possit subsistente, nem possa ser sujeito por
esse subiectum; potest tamen esse si; contudo pode ser a razão pela qual
ratio quare aliquid sit subiectum. algo seja sujeito.
6. Ad sextum dicendum, quod virtutes 6. Respondo dizendo que as capacida-
sensitivae cognitivae sunt naturaliter des sensitivas cognoscitivas são natu-
praeviae rationi, cum ab eis ratio ralmente prévias à razão [em exercício

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accipiat; appetitivae autem sequuntur dos seus atos], pois a razão as recebe
naturaliter ordinem rationis cum através delas; no entanto as [potên-
naturaliter appetitus inferior superiori cias] apetitivas [sensitivas] seguem
obediat; et ideo non est simile. naturalmente a ordem da razão, pois
por natureza o apetite inferior obedece
ao superior; e por isso não há seme-
lhança.
7. Ad septimum dicendum, quod tota 7. Respondo dizendo que toda rebelião
rebellio irascibilis et concupiscibilis ad do irascível e do concupiscível relativa
rationem tolli non potest per virtutem; à razão não pode ser eliminada pela
cum ex ipsa sui natura irascibilis et virtude; porque por sua própria natu-
concupiscibilis in id quod est bonum reza o irascível e o concupiscível [ten-
secundum sensum, quandoque rationi dem] ao que é bom segundo o sentido,
repugnet; licet hoc possit fieri divina e, às vezes, se opõe à razão; ainda que
virtute, quae potens est etiam naturas isto pudesse realizar-se pela virtude
immutare. Nihilominus tamen per divina, a qual tem também o poder de
virtutem minuitur illa rebellio, in mudar as naturezas. Contudo aquela
quantum praedictae vires assuefiunt ut rebelião diminui através da virtude,
rationi subdantur; ut sic ex extrinseco enquanto as ditas faculdades se habi-
habeant id quod ad virtutem pertinet, tuam a submeter-se à razão; de tal
scilicet ex dominio rationis super eas; modo que tem aquilo que pertence à
ex seipsis autem retineant aliquid de virtude por algo extrínseco, a saber, a
motibus propriis, qui quandoque sunt partir do domínio da razão sobre as
contrarii rationi. mesmas; no entanto conservam de si
mesmas algo dos movimentos próprios
que algumas vezes são contrários à
razão.
8. Ad octavum dicendum, quod licet 8. Respondo dizendo que ainda que,
quandoque in homine principium sit às vezes, no homem o principal seja o
quod est rationis; tamen ad que pertença à razão; no entanto para
integritatem humanae naturae a integridade da natureza humana não
requiritur non solum ratio, sed apenas é requerida a razão, mas as ca-
inferiores animae vires, et ipsum pacidades inferiores da alma e o pró-
corpus. Et ideo ex conditione humanae prio corpo. E por isso, pela condição
naturae sibi relictae provenit ut in da natureza humana deixada a ela
inferioribus animae viribus aliquid sit mesma, provém que nas capacidades
rationi rebellans, dum inferiores vires inferiores da alma haja algo que se re-
animae proprios motus habent. Secus bele à razão, enquanto que as faculda-
autem est in statu innocentiae et des inferiores da alma têm os seus mo-
gloriae, cum ex coniunctione ad Deum vimentos próprios. No entanto, ocorre
ratio sortitur vim totaliter sub se de forma diferente no estado de ino-
inferiores vires continendi. cência e de glória, porque pela união
com Deus, a razão obtém a força para
totalmente conter sob si as capacida-
des inferiores.
9. Ad nonum dicendum, quod 9. Respondo dizendo que detestar o
detestari malum, secundum quod ad mal, enquanto se diz que pertence ao
irascibilem pertinere dicitur, non irascível, não só implica apartar-se do

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solum importat declinationem a malo, mal, mas um certo movimento do iras-


sed quemdam motum irascibilis ad cível para destruir o mal; como ocorre
mali destructionem; sicut accidit illi a quem não só evita o mal, mas tam-
qui non solum malum refugit, sed ad bém se move por [uma atitude] de de-
mala extirpanda per vindictam fesa para extirpar os males. No entan-
movetur. Hoc autem est aliquod to, isto é fazer algum bem. E ainda que
bonum facere. Licet autem sic malum detestar o mal desta maneira pertença
detestari, ad irascibilem et ao irascível e ao concupiscível, no en-
concupiscibilem pertineat, non tamen tanto não só é este o ato; pois também
solum habet actum hunc; nam et pertence ao irascível o esforçar-se para
insurgere ad arduum bonum alcançar um bem árduo, e no irascível
consequendum ad irascibilem pertinet; não apenas a paixão, a ira e a audácia,
in qua non solum est passio irae et mas também a esperança.
audaciae, sed etiam spei.
10. Ad decimum dicendum, quod illa 10. Respondo dizendo que aquelas
verba sunt accipienda per quamdam palavras devem ser entendidas por
adaptationem, et non per
meio de certa adaptação, e não em um
proprietatem. Nam in qualibet
sentido próprio. Pois em qualquer po-
potentia animae est desiderium boni tência da alma há um desejo do bem
proprii; unde et irascibilis appetit próprio; por isso ao irascível apetece a
victoriam, sicut et concupiscibilis vitória, como também à concupiscên-
delectationem. Sed quia
cia a deleitação. Ora, porque o concu-
concupiscibilis fertur in id quod est piscível é levado até o que é bom para
bonum toti animali simpliciter sive todo o animal simplesmente ou de um
absolute; ideo omne desiderium boni modo absoluto; por isso todo o desejo
appropriatur sibi. de bem é apropriado.
11. Ad undecimum dicendum, quod 11. Respondo dizendo que ainda que o
licet irascibilis et concupiscibilis irascível e o concupiscível considera-
secundum se consideratae agantur, et dos em si mesmos sejam movidos e
non agant: tamen in homine não movam: no entanto no homem,
secundum quod participant aliqualiter segundo o que participam de algum
rationem, etiam quodam modo agunt; modo da razão, também de alguma
non tamen totaliter aguntur. Unde maneira movem; não, contudo, total-
etiam in politicis dicit philosophus, mente movidos. Por isso também diz o
quod dominium rationis super has Filósofo na Política52, que o domínio
vires est politicum; quia huiusmodi da razão sobre essas capacidades é po-
vires aliquid habent de proprio motu, lítico; porque de algum modo as capa-
ubi non totaliter obediunt rationi. cidades retém algo de seu próprio mo-
Dominium autem animae ad corpus vimento, quando não obedecem total-
non est regale, sed dispoticum; quia mente à razão. No entanto, o domínio
membra corporis ad nutum obediunt da alma em relação ao corpo não é real
animae quantum ad motum. senão despótico, porque os membros
do corpo obedecem cegamente à alma
conforme o movimento.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que ainda que
licet istae vires sint in brutis, non estas capacidades estejam nos brutos,

52 ARISTÓTELES, Politica, I, 5, 1254 b 4.

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tamen in eis participant aliquid contudo neles não participam de algo


rationis; et ideo virtutes morales da razão; e por isso não podem ter as
habere non possunt. virtudes morais.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que todos os
quod omnia mala ad concupiscentiam males pertencem à concupiscência,
pertinent, sicut ad primam radicem, et como à sua primeira raiz e não como a
non sicut ad proximum principium. seu princípio próximo. Pois todas as
Nam omnes passiones ex irascibili et paixões são oriundas do irascível e do
concupiscibili oriuntur, ut ostensum concupiscível, como se mostrou ao tra-
est, cum de passionibus animae agere- tar das paixões da alma. Mas a perver-
tur. Perversitas vero rationis et volun- sidade da razão e da vontade, muitas
tatis ut plurimum ex passionibus acci- vezes, ocorre pelas paixões. Ou se pode
dit. Vel potest dici quod per concupis- dizer que por concupiscência [o Após-
centiam intelligit non solum id quod tolo] entende não apenas o que é pró-
est proprium vis concupiscibilis, sed prio da potência concupiscível, mas o
quod est commune toti appetitivae que é comum a toda potência apetiti-
potentiae; in cuius unaquaque particu- va; de tal modo que em qualquer parte
la invenitur alicuius concupiscentia, [da potência apetitiva] se dá na concu-
circa quam contingit esse peccatum. piscência em relação a algo acerca do
Nec aliter peccari potest nisi aliquid qual pode ser pecado. Pois, de nenhu-
concupiscendo vel appetendo. ma outra maneira se pode pecar senão
desejando ou apetecendo algo.

ARTICULUS 5 ARTIGO 5

QUINTO QUAERITUR UTRUM VOLUN- QUINTO, SE PERGUNTA SE A VONTADE


TAS SIT SUBIECTUM VIRTUTIS. É O SUJEITO DA VIRTUDE.53

Et videtur quod sic. E parece que sim.

1. Maior enim perfectio requiritur in 1. Com efeito, se requer maior perfei-


imperante ad hoc quod recte imperet, ção no que impera, para que impere
quam in exequente ad hoc quod recte retamente, do que naquele que execu-
exequatur; quia ex imperante procedit ta, para que execute retamente; porque
ordinatio exequentis. Sed ad actum do que impera procede a ordenação do
virtutis se habet voluntas sicut impe- que executa. Ora, a vontade se relacio-
rans, irascibilis autem et concupiscibi-na com o ato da virtude como o que
lis sicut obedientes et exequentes. Cum impera, mas o irascível e o concupiscí-
igitur in irascibili et concupiscibili sit
vel como os que obedecem e executam.
virtus sicut in subiecto, videtur quod Portanto, como no irascível e no con-
multo fortius debeat esse in voluntate. cupiscível está a virtude como no sujei-
to, parece que com mais razão deve
estar na vontade.
2. Sed diceretur, quod naturalis 2. Mas se diz que a natural inclinação
inclinatio voluntatis ad bonum sufficit da vontade ao bem é suficiente para a

53Outros lugares: S. Th., I-II, q. 56 a. 6; III Sent., D. 23, q. 1, a. 4, q. a 1; D. 27, q. 2, a. 3, ad 5; De


Verit., q. 24, a 4, ad 9; De Virtut., q. 1, a. 12, ad 10; q. 2, a. 2.

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ad eius rectitudinem. Nam finem retidão. Pois naturalmente desejamos


naturaliter desideramus; unde non o fim; por isso não se requer que seja
requiritur quod rectificetur per retificada por um hábito da virtude
habitum virtutis superadditum.- Sed dita acima. – Mas ao contrário, [o de-
contra, voluntas non solum est finis sejo da] vontade não é só do último
ultimi, sed etiam finium aliorum. Sed fim, mas também de outros fins. Ora,
circa appetitum aliorum finium em relação ao apetite de outros fins, a
contingit voluntatem et recte et non vontade não só pode comportar-se re-
recte se habere. Nam boni praestituunt tamente, mas também de um modo
sibi bonos fines, mali vero malos, ut incorreto. Com efeito, os que são bons
dicitur in III Ethic.: qualis se determinam para os bons fins; mas
unusquisque est, talis finis videtur ei. os maus, para os maus [fins], como se
Ergo requiritur ad rectitudinem volun- diz no livro III da Ética54: conforme
tatis, quod sit in ea aliquis habitus vir- cada um é, tal lhe parece o fim. Logo,
tutis ipsam perficiens. para a retidão da vontade se quer que
haja nela algum hábito da virtude que
a aperfeiçoe.
3. Praeterea, etiam inest animae 3. Além do mais, também na alma
cognoscitivae aliqua cognitio naturalis, cognoscitiva há algum conhecimento
quae est primorum principiorum; et natural que é o dos primeiros princí-
tamen respectu huius cognitionis est pios; e, no entanto, em relação a este
aliqua virtus intellectualis in nobis, conhecimento [natural] há alguma
scilicet intellectus, qui est habitus virtude intelectual em nós, a saber, o
principiorum. Ergo et in voluntate de- intelecto, que é o hábito dos princípios.
bet esse aliqua virtus respectu eius ad Logo, também na vontade deve haver
quod naturaliter inclinatur. alguma virtude relacionada àquele co-
nhecimento ao qual se inclina natu-
ralmente.
4. Praeterea, sicut circa passiones est 4. Além do mais, assim como acerca
aliqua virtus moralis, ut temperantia et das paixões há alguma virtude moral,
fortitudo; ita etiam est aliqua virtus como a temperança e a fortaleza; as-
circa operationes, ut iustitia. Operari sim também há alguma virtude acerca
autem sine passione est voluntatis, das operações, como a justiça. No en-
sicut operari ex passione est irascibilis tanto, operar sem as paixões é próprio
et concupiscibilis. Ergo sicut aliqua da vontade, como operar pela paixão é
virtus moralis est in irascibili et con- próprio do irascível e do concupiscível.
cupiscibili, ita aliqua est in voluntate. Logo, assim como há alguma virtude
moral no irascível e no concupiscível,
assim há alguma [virtude] na vontade.
5. Praeterea, philosophus in IV Ethic. 5. Além do mais, diz o Filósofo no livro
dicit, quod amor sive amicitia est ex IV da Ética55, que o amor ou a amizade
passione. Amicitia autem est ex se dão a partir da paixão. No entanto, a
electione. Dilectio autem quae est sine amizade se dá por eleição56. Contudo,
passione, est actus voluntatis. Cum o amor que se dá sem a paixão é um
igitur amicitia sit vel virtus, vel non ato da vontade. Por consequência, co-

54 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, III, 5, 1114 b 1.


55 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VIII, 3, 1156 b 2.
56 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VIII, 5, 1157 b 28-29.

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sine virtute, ut dicitur in VIII Ethic.; mo a amizade é uma virtude ou não se


videtur quod virtus sit in voluntate dá na virtude, como se diz no livro VIII
sicut in subiecto. da Ética57; parece que a virtude está na
vontade como no sujeito.
6. Praeterea, caritas est potissima in- 6. Além do mais, a caridade é a princi-
ter virtutes, ut probat apostolus, I ad pal entre as virtudes, como prova o
Cor. XIII. Sed caritatis subiectum esse apóstolo em 1Cor 13. Ora, o sujeito da
non potest nisi voluntas; non enim est caridade não pode ser senão a vonta-
eius subiectum concupiscibilis inferior, de; com efeito, o seu sujeito não é a
quae solum ad bona sensibilia se ex- [parte] concupiscível inferior, que só
tendit. Ergo voluntas est subiectum se estende aos bens sensíveis. Logo, a
virtutis. vontade é o sujeito da virtude.
7. Praeterea, secundum Augustinum, 7. Além do mais, segundo Agostinho,
per voluntatem immediatius Deo coni- pela vontade nos unimos mais imedia-
ungimur. Sed id quod coniungit nos tamente a Deus. Ora, o que nos une a
Deo, est virtus. Ergo videtur quod vir- Deus é a virtude. Logo, parece que a
tus sit in voluntate sicut in subiecto. virtude está na vontade como no sujei-
to.
8. Praeterea, felicitas, secundum Hu- 8. Além do mais, segundo Hugo de
gonem de s. Victore, in voluntate est. São Vítor58, a felicidade está na vonta-
Virtutes autem sunt dispositiones qua- de. No entanto, as virtudes são certas
edam ad felicitatem. Cum igitur disposições para a felicidade. Portanto,
dispositio et perfectio sint in eodem, como a disposição e a perfeição estão
videtur quod virtus sit in voluntate no mesmo sujeito, parece que a virtude
sicut in subiecto. está na vontade como no sujeito.
9. Praeterea, secundum Augustinum, 9. Além do mais, segundo Agostinho59,
voluntas est qua peccatur et recte vivi- é pela vontade que se peca e se vive
tur. Rectitudo autem vitae pertinet ad retamente. No entanto, a retidão da
virtutem; unde Augustinus dicit, quod vida pertence à virtude; por isso diz
virtus est bona qualitas mentis, qua Agostinho60 que a virtude é uma boa
recte vivitur. Ergo virtus est in volun- qualidade da mente, pela qual se vive
tate. com retidão. Logo, a virtude está na
vontade.
10. Praeterea, contraria nata sunt fieri 10. Além do mais, os contrários são
circa idem. Virtuti autem peccatum por natureza em relação ao mesmo. No
contrariatur. Cum igitur omne pecca- entanto, o pecado é contrário à virtu-
tum sit in voluntate, ut Augustinus de. Por consequência, como todo pe-
dicit, videtur quod virtus sit in eadem. cado está na vontade, como diz Agos-
tinho, parece que a virtude está na
mesma [potência].
11. Praeterea, virtus humana in illa 11. Além do mais, a virtude humana
parte animae debet esse quae est pro- deve estar naquela parte da alma que é
pria hominis. Sed voluntas est propria própria do homem. Ora, a vontade é
hominis, sicut et ratio; utpote magis própria do homem, como também a

57 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VIII, 1, 1155 a 1-2.


58 HUGO DE SÃO VÍTOR, De Sacramentis, PL 176, 617 B-618 A.
59 AGOSTINHO, Retractationes, I, 9, 2
60 AGOSTINHO, Contra Lulianum, VI, 6.

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propinqua rationi quam irascibilis et razão; enquanto que [é] mais próxima
concupiscibilis. Cum igitur irascibilis à razão que o irascível e o concupiscí-
et concupiscibilis sint subiecta virtu- vel. Portanto, como o irascível e o con-
tum, videtur quod multo fortius volun- cupiscível são objetos das virtudes,
tas. parece que com maior razão é a vonta-
de.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Omnis virtus aut est intellectualis, 1. Toda virtude ou é intelectual ou mo-


aut moralis, ut patet per philosophum ral, como mostra o Filósofo no fim do
in fine I Ethic. Virtus autem moralis livro I da Ética61. No entanto, a virtude
est sicut in subiecto in eo quod est moral não está no sujeito naquilo que é
rationale non per essentiam, sed per racional por essência, mas por partici-
participationem; virtus vero pação; contudo, a virtude intelectual
intellectualis habet pro subiecto id tem pelo sujeito o que é racional por
quod est rationale per essentiam. Cum essência. Por consequência, como a
igitur voluntas in neutra parte possit vontade não poderia estar situada em
computari; quia nec est cognoscitiva nenhuma das partes; porque nem é
potentia, quod pertinet ad rationalem potência cognoscitiva, que pertence ao
per essentiam; neque pertinet ad racional por essência; nem pertence à
irrationalem animae partem quae parte irracional da alma, que pertence
pertinet ad rationalem per ao racional por participação; parece
participationem; videtur quod que de nenhum modo a vontade pode-
voluntas nullo modo subiectum ria ser sujeito da virtude.
virtutis esse possit.
2. Praeterea, ad eumdem actum non 2. Além do mais, ao mesmo ato não
debent ordinari plures virtutes. Hoc devem orientar-se muitas virtudes. No
autem sequeretur, si voluntas virtutis entanto, se segue que se a vontade fos-
esset subiectum; quia ostensum est, se sujeito da virtude; porque se mos-
quod in irascibili et concupiscibili sunt trou que há algumas no irascível e no
aliquae virtutes; et cum ad actus concupiscível; e como a vontade se
illarum virtutum se habeat relaciona de algum modo com os atos
quodammodo voluntas, oporteret daquelas virtudes, seria necessário que
quod ad eosdem actus essent aliquae para os mesmos atos houvesse algu-
virtutes in voluntate. Ergo non est di- mas virtudes na vontade. Logo, não se
cendum, quod voluntas sit subiectum deve dizer que a vontade seja o sujeito
virtutis. da virtude.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum, quod per habi- Respondo dizendo que, por hábito da
tum virtutis potentia quae ei subiici- virtude, a potência que está sujeita re-
tur, respectu sui actus complementum cebe o complemento do seu ato. Por
acquirit. Unde ad id ad quod potentia isso, para que alguma potência se in-
aliqua se extendit ex ipsa ratione cline a partir da mesma natureza da

61 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, I, 13, 1103 a 3-4.

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potentiae, non est necessarius habitus potência, não é necessário o hábito da


virtutis. Virtus autem ordinat virtude. No entanto, a virtude ordena
potentias ad bonum; ipsa enim est as potências ao bem; pois é ela mesma
quae bonum facit habentem, et opus que faz bom quem a possui, e torna
eius bonum reddit. Voluntas autem boa a obra. No entanto, o que a virtude
hoc quod virtus facit circa alias faz em relação às outras potências pos-
potentias, habet ex ipsa ratione suae sui a vontade por sua mesma natureza
potentiae: nam eius obiectum est como potência: pois o seu objeto é o
bonum. Unde tendere in bonum hoc bem. Por isso tende ao bem se se rela-
modo se habet ad voluntatem sicut ciona de tal modo com a vontade como
tendere in delectabile ad tender ao deleitável com o concupiscí-
concupiscibilem, et sicut ordinari ad vel, e como estar ordenado ao som
sonum se habet ad auditum. Unde com o ouvido. Por causa disso, a von-
voluntas non indiget aliquo habitu tade não necessita de nenhum hábito
virtutis inclinante ipsam ad bonum da virtude que se incline a ela mesma
quod est sibi proportionatum, quia in até o bem que é proporcionado, por-
hoc ex ipsa ratione potentiae tendit; que a ele tende por sua mesma nature-
sed ad bonum quod transcendit za como potência; mas necessita do
proportionem potentiae, indiget hábito da virtude em relação ao bem
habitu virtutis. Cum autem que transcende a proporção da potên-
uniuscuiusque appetitus tendat in cia. No entanto, como cada apetite
proprium bonum appetentis; tende ao bem próprio do que apetece;
dupliciter aliquod bonum potest algum bem pode exceder de dois mo-
excedere voluntatis proportionem. dos a proporção da vontade. Um mo-
Uno modo ratione speciei; alio modo do, em razão da espécie; de outro mo-
ratione individui. Ratione quidem do, em razão do indivíduo. De fato, em
speciei, ut voluntas elevetur ad aliquod razão da espécie, como a vontade se
bonum quod excedit limites humani eleva até algum bem que excede os
boni: et dico humanum id quod ex limites do bem humano; e chamo hu-
viribus naturae homo potest. Sed su- mano o que o homem pode pelas capa-
pra humanum bonum est bonum divi- cidades da natureza. Mas sobre o bem
num, id quod voluntatem hominis ca- humano está o bem divino, até o qual a
ritas elevat, et similiter spes. Ratione caridade eleva a vontade do homem, e
autem individui, hoc modo quod ali- do mesmo modo a esperança. No en-
quis quaerat id quod est alterius bo- tanto, é da natureza do indivíduo que
num, licet voluntas extra limites boni alguém busque, de tal modo, aquilo
humani non feratur; et sic voluntatem que é um bem do outro, ainda que a
perficit iustitia, et omnes virtutes in vontade não seja levada fora dos limi-
aliud tendentes, ut liberalitas, et alia tes; e assim a justiça e todas as virtu-
huiusmodi. Nam iustitia est alterius des que se inclinam até o outro, como
bonum, ut philosophus dicit in V a liberalidade, e outras semelhantes.
Ethic. Sic ergo duae virtutes sunt in Pois a justiça é o bem do outro, como
voluntate sicut in subiecto; scilicet diz o Filósofo no livro V da Ética62.
caritas et iustitia. Cuius signum est, Logo, assim há duas virtudes na von-
quod istae virtutes quamvis ad tade como no sujeito; isto é, a caridade

62 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, V, 1, 1130 a 4.


63 ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 245 b 2; 246 a 10; 247 a 5.

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appetitivam pertineant, tamen non e a justiça. Cujo sinal é que, ainda que
circa passiones consistunt, sicut essas virtudes pertençam à [parte] a-
temperantia et fortitudo: unde patet petitiva, porém, não se referem às pai-
quod non sunt in sensibili appetitu, in xões, como a temperança e a fortaleza:
quo sunt passiones, sed in appetitu por isso é evidente que não estão no
rationali, qui est voluntas, in quo apetite sensível, onde estão as paixões,
passiones non sunt. Nam omnis passio mas no apetite racional, que é a vonta-
est in parte animae sensitiva, ut de, na qual não estão as paixões. Com
probatur in VII Physic. Illae autem efeito, toda paixão está na parte sensi-
virtutes quae circa passiones consis- tiva da alma, como se prova no livro
tunt, sicut fortitudo circa timores et VII da Física63. No entanto, é necessá-
audacias, et temperantia circa concu- rio que, por essa mesma razão, estejam
piscentias, oportet eadem ratione esse no apetite sensitivo aquelas virtudes
in appetitu sensitivo. Nec oportet quod que se referem às paixões, como a for-
ratione istarum passionum sit aliqua taleza em relação aos temores e às au-
virtus in voluntate quia bonum in istis dácias, a temperança em relação às
passionibus est quod est secundum concupiscências. Não é necessário que
rationem. Et ad hoc naturaliter se ha- por razão dessas paixões haja alguma
bet voluntas ex ratione ipsius potenti- virtude na vontade, porque o bem nes-
ae, cum sit proprium obiectum volun- sas paixões é o que é conforme a razão.
tatis. E a vontade se relaciona por natureza
com isso pela natureza da sua própria
potência, porque é o objeto próprio da
vontade.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod ad 1. Respondo dizendo que para a von-


imperandum sufficit voluntati tade é suficiente o juízo da razão para
iudicium rationis; nam voluntas imperar; pois a vontade apetece por
appetit naturaliter quod est bonum natureza o que é bom segundo a razão,
secundum rationem, sicut assim como o concupiscível [apetece
concupiscibilis quod est delectabile por natureza] o que é deleitável segun-
secundum sensum. do o sentido.
2. Ad secundum dicendum, quod 2. Respondo dizendo que a inclinação
inclinatio naturalis voluntatis non natural da vontade não está só até o
solum est in ultimum finem, sed in id fim último, mas até aquele bem que é
bonum quod sibi a ratione apresentado pela razão. Pois o bem
demonstratur. Nam bonum inteligido é o objeto da vontade, ao
intellectum est obiectum voluntatis, ad qual a vontade se ordena naturalmen-
quod naturaliter ordinatur voluntas, te, como qualquer potência ao seu ob-
sicut et quaelibet potentia in suum jeto, de tal modo que este seja o bem
obiectum, dummodo hoc sit proprium próprio, como foi dito acima. No en-
bonum, ut supra dictum est. Tamen tanto, alguém peca em relação a isto,
circa hoc aliquis peccat, in quantum enquanto o juízo da razão é interferido
iudicium rationis intercipitur passione. pela paixão.
3. Ad tertium dicendum, quod cognitio 3. Respondo dizendo que o conheci-
fit per aliquam speciem; nec ad mento se realiza através de alguma

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cognoscendum potentia intellectus espécie; e que para conhecer não é su-


sufficit per seipsam, nisi species a ficiente a potência do intelecto por si
sensibilibus accipiat. Et ideo oportet in mesma, a não ser que receba as espé-
his etiam quae naturaliter cies dos objetos sensíveis. E por isso
cognoscimus, esse quemdam habitum, também é necessário que no que co-
qui etiam quodammodo principium a nhecemos por natureza haja algum
sensibus sumit, ut dicitur in fine hábito, o que de certo modo também
Poster. Sed voluntas ad volendum non tem o seu princípio nos sentidos, como
indiget aliqua specie; unde non est se diz nos Analíticos Posteriores64.
simile. Ora, a vontade não necessita de ne-
nhuma espécie para querer; por isso
não há semelhança.
4. Ad quartum dicendum, quod circa 4. Respondo dizendo que as virtudes
passiones virtutes sunt in appetitu relacionadas às paixões estão no apeti-
inferiori; nec ad huiusmodi requiritur te inferior, e que para as virtudes deste
alia virtus in appetitu superiori, gênero não se requer o apetite superior
ratione iam dicta. de outra virtude, pela razão já exposta.
5. Ad quintum dicendum, quod amici- 5. Respondo dizendo que a amizade
tia proprie non est virtus, sed conse- propriamente não é uma virtude, mas
quens virtutem. Nam ex hoc ipso quod o que se segue à virtude. Pois a partir
aliquis est virtuosus, sequitur quod do fato mesmo de que alguém é virtuo-
diligat sibi similes. Secus autem est de so, se segue que ama os semelhantes
caritate, quae est quaedam amicitia ad por si. Mas, por outro lado, se dá em
Deum, elevans hominem in id quod relação à caridade, a qual é uma certa
metam naturae excedit; unde caritas in amizade com Deus, que eleva o ho-
voluntate est, ut diximus. mem ao que excede o limite da sua
natureza; por isso a caridade está na
vontade, como dissemos.
6. e 7. Et per hoc patet responsio ad 6. e 7. E por isso é evidente a resposta,
sextum et septimum; nam virtus pois a virtude que une a vontade com
coniungens voluntatem Deo est Deus é a caridade.
caritas.
8. Ad octavum dicendum, quod ad 8. Respondo dizendo que para a felici-
felicitatem quaedam praeexiguntur dade se exigem previamente certas
sicut dispositiones, sicuti actus coisas como disposições, assim como
virtutum moralium, per quos os atos das virtudes morais pelos quais
removentur impedimenta felicitatis; são removidos os obstáculos da felici-
scilicet inquietudo mentis a dade, isto é, a inquietude da mente
passionibus, et ab exterioribus pelas paixões, e as perturbações exte-
perturbationibus. Aliquis autem actus riores. No entanto, há certo ato da vir-
est virtutis qui est essentialiter ipsa tude que, quando é completo, é essen-
felicitas quando est completus; scilicet cialmente a própria felicidade; a saber,
actus rationis vel intellectus. Nam feli- o ato da razão ou do intelecto. Pois a
citas contemplativa nihil aliud est qu- felicidade contemplativa não é outra
am perfecta contemplatio summae coisa que a contemplação perfeita da
veritatis; felicitas autem activa est ac- suma verdade; enquanto que a felici-

64 ARISTÓTELES, Analytica Posteriora, II, 19, 100 a 10.

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tus prudentiae, quo homo et se et alios dade ativa é o ato da prudência, pelo
gubernat. Aliquid autem est in qual o homem se governa a si e aos
felicitate sicut perfectivum felicitatis; outros. Contudo, na felicidade há algo
scilicet delectatio, quae perficit de certo modo perfectivo da felicidade;
felicitatem, sicut decor iuventutem, ut isto é, a deleitação, que aperfeiçoa a
dicitur in X Ethic.: et hoc pertinet ad felicidade, como a beleza à juventude,
voluntatem; et in ordine ad hoc perficit como se diz no livro X da Ética65: e
voluntatem caritas, si loquamur de isso pertence à vontade; e a caridade
felicitate caelesti, quae sanctis aperfeiçoa a vontade em relação a isso
repromittitur. Si autem loquamur de mesmo, se falamos da felicidade celes-
felicitate contemplativa, de qua philo- te, a qual é prometida aos santos. No
sophi tractaverunt, ad huiusmodi de- entanto, se falamos da felicidade con-
lectationem voluntas naturali deside- templativa, da qual trataram os filóso-
rio ordinatur. Et sic patet quod non fos, a vontade se ordena a deleitação,
oportet omnes virtutes esse in desta forma, pelo desejo natural. E
voluntate. assim é evidente que não é necessário
que todas as virtudes estejam na von-
tade.
9. Ad nonum dicendum, quod 9. Respondo dizendo que pela vontade
voluntate recte vivitur et peccatur sicut se vive com retidão e se peca, como por
imperante omnes actus virtutum et aquilo que impera todos os atos das
vitiorum; non autem sicut eliciente; virtudes e dos vícios; mas não como
unde non oportet quod voluntas sit pelo que produz; por isso não é neces-
proximum subiectum cuiuslibet sário que a vontade seja o sujeito pró-
virtutis. ximo de qualquer virtude.
10. Ad decimum dicendum, quod 10. Respondo dizendo que todo peca-
peccatum omne est in voluntate sicut do está na vontade como em sua causa,
in causa, in quantum omne peccatum enquanto todo pecado se realiza por
fit ex consensu voluntatis; non tamen consentimento da vontade; no entanto,
oportet quod omne peccatum sit in é necessário que todo pecado esteja na
voluntate sicut in subiecto; sed sicut vontade como no sujeito; mas como a
gula et luxuria sunt in concupiscibili, gula e a luxúria estão no concupiscível,
ita et superbia in irascibili. assim também a soberba no irascível.
11. Ad undecimum dicendum, quod ex 11. Respondo dizendo que pela proxi-
propinquitate voluntatis ad rationem midade da vontade com a razão ocorre
contingit quod voluntas secundum que, segundo a sua mesma natureza
ipsam rationem potentiae consonet como potência, a vontade é conforme a
rationi; et ideo non indiget ad hoc razão; e por isso não necessita para
habitu virtutis super inducto, sicut isso de um hábito da virtude acrescen-
inferiores potentiae, scilicet irascibilis tado, como [o necessitam] as potências
et concupiscibilis. inferiores, isto é, o irascível e o concu-
piscível.

RESPONSIONES AD SED CONTRA RESPOSTAS AOS CONTRÁRIOS

1. Ad primum vero eorum quae in 1. Alega-se em sentido contrário di-

65 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, X, 4, 1174 b 32.

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contrarium obiiciuntur, dicendum, zendo que a caridade e a esperança,


quod caritas et spes, quae sunt in que estão na vontade, não são compre-
voluntate, non continentur sub ista endidas sob essa divisão do Filósofo;
philosophi divisione; sunt enim aliud pois são outro gênero de virtudes, e se
genus virtutum, et dicuntur virtutes chamam virtudes teologais. Contudo, a
theologicae. Iustitia vero inter morales justiça é compreendida entre as virtu-
continetur; voluntas enim sicut et alii des morais; pois a vontade, como tam-
appetitus, ratione participat, in bém os outros apetites, participa da
quantum dirigitur a ratione. Licet razão, enquanto se dirige à razão. Com
enim voluntas ad eamdem naturam efeito, ainda que a vontade pertença à
intellectivae partis pertineat, non mesma natureza da parte intelectiva,
tamen ad ipsam potentiam rationis. porém, não pertence à própria potên-
cia da razão.
2. Ad secundum dicendum, quod 2. Respondo dizendo que em relação
respectu illorum ad quae habetur àqueles [atos] com os quais se relacio-
virtus in irascibili et concupiscibili, na a virtude no irascível e no concupis-
non oportet esse virtutem in voluntate, cível, não é necessário que haja virtude
ratione prius dicta. na vontade, pela razão já dita.

ARTICULUS 6 ARTIGO 6

SEXTO QUAERITUR UTRUM IN SEXTO, SE PERGUNTA SE A VIRTUDE


INTELLECTU PRACTICO SIT VIRTUS ESTÁ NO INTELECTO PRÁTICO COMO
SICUT IN SUBIECTO. NO SUJEITO.66

Et videtur quod non. E parece que não.

1. Quia secundum philosophum in II 1. De fato, segundo o Filósofo no livro


Ethic., scire, parum vel nihil prodest II da Ética67, não é proveitoso à virtu-
ad virtutem. Loquitur autem ibi de de saber pouco ou nada. No entanto,
scientia practica; quod patet ex hoc ali, se fala sobre a ciência prática; o
quod subiungit, quod multi non qual se evidencia pelo que assinala,
operantur ea quorum habent que muitos não agem nas coisas de que
scientiam; scientia enim ordinata ad têm ciência; pois a ciência ordenada ao
opus est practici intellectus. Ergo agir é do intelecto prático. Logo, o in-
practicus intellectus non poterit esse telecto prático não poderá ser o sujeito
subiectum virtutis. da virtude.
2. Praeterea, sine virtute non potest 2. Além do mais, nada pode agir reta-
aliquis recte agere. Sed sine mente sem a virtude. Ora, alguém po-
perfectione practici intellectus potest de agir retamente sem a perfeição do
aliquis recte agere, eo quod potest intelecto prático, porque pode ser ins-
instrui ab alio de agendis. Ergo truído por outro sobre o que deve agir.
perfectio practici intellectus non est Logo, a perfeição do intelecto prático
virtus. não é a virtude.
3. Praeterea, tanto aliquid magis pec- 3. Além do mais, quanto mais alguém

66 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 56, a. 3.


67 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 2, 1103 b 27-29.

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cat, quanto magis recedit a virtute. Sed peca, mais se afasta da virtude. Ora, o
recessus a perfectione practici intellec- distanciar da perfeição do intelecto
tus diminuit peccatum; ignorantia e- prático diminui o pecado; pois a igno-
nim excusat vel a tanto, vel a toto. Er- rância escusa ou uma parte ou o todo.
go perfectio practici intellectus non Logo, a perfeição do intelecto prático
potest esse virtus. não pode ser a virtude.
4. Praeterea, virtus secundum Tulli- 4. Além do mais, segundo Túlio68, a
um, agit in modum naturae. Sed mo- virtude age no modo da natureza. Ora,
dus agendi naturae opponitur contra o modo do agir da natureza se opõe ao
modum agendi rationis, sive practici modo do agir da razão, ou do intelecto
intellectus; quod patet in II Physic., prático; o que se mostra no livro II da
ubi dividitur agens a natura contra Física69, onde se distingue o agente
agens a proposito. Ergo videtur quod natural do agente [que age] por um
in practico intellectu non sit virtus. propósito. Logo, parece que no intelec-
to prático não há virtude.
5. Praeterea, bonum et verum 5. Além do mais, o bem e a verdade se
formaliter differunt secundum diferenciam formalmente segundo ra-
proprias rationes. Sed differentia zões próprias. Ora, a diferença formal
formalis obiectorum diversificat dos objetos diversifica os hábitos. Por-
habitus. Cum igitur virtutis obiectum tanto, como o objeto da virtude é o
sit bonum, practici autem intellectus bem, e a perfeição do intelecto prático
perfectio sit verum, tamen ordinatum é a verdade, mas ordenada à operação;
ad opus; videtur quod perfectio parece que a perfeição do intelecto
practici intellectus non sit virtus. prático não é a virtude.
6. Praeterea, virtus, secundum 6. Além do mais, segundo o Filósofo
philosophum in II Ethic., est habitus no livro II da Ética70, a virtude é um
voluntarius. Sed habitus intellectus hábito voluntário. Ora, os hábitos do
practici differunt ab habitibus intelecto prático diferem dos hábitos
voluntatis vel appetitivae partis. Ergo da vontade ou da parte apetitiva. Logo,
habitus qui sunt in intellectu practico, os hábitos que estão no intelecto práti-
non sunt virtutes; et sic intellectus co não são virtudes; e assim o intelecto
practicus non potest esse subiectum prático não pode ser o sujeito da virtu-
virtutis. de.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Est quod prudentia ponitur una 1. É que a prudência se anuncia como


quatuor virtutum principalium; et ta- uma das quatro virtudes principais; e,
men eius subiectum est practicus intel- contudo, o seu sujeito é o intelecto
lectus. Ergo intellectus practicus potest prático. Logo, o intelecto prático pode
esse subiectum virtutis. ser sujeito da virtude.
2. Praeterea, virtus humana est cuius 2. Além do mais, a virtude humana é
subiectum est potentia humana. Sed aquela cujo sujeito é uma potência
potentia humana magis est intellectus humana. Ora, o intelecto prático é
practicus quam irascibilis et concupis- mais [propriamente] potência humana

68 MARCO TÚLIO CÍCERO, De Inventione Rhetorica, II, 53, 159.


69 ARISTÓTELES, Physica, II, 1, 193 a 32.
70 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 b 35.

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cibilis; sicut quod est per essentiam do que o irascível e o concupiscível;


tale, magis est eo quod est per partici- assim como o que é tal por essência é
pationem. Ergo intellectus practicus mais do que o que é por participação.
potest esse subiectum virtutis huma- Logo, o intelecto prático pode ser su-
nae. jeito da virtude humana.
3. Praeterea, propter quod 3. Além do mais, aquilo pelo que é ca-
unumquodque, et illud magis. Sed in da coisa é algo superior [ao efeito pro-
parte affectiva est virtus propter duzido]. Ora, na parte afetiva há a vir-
rationem; quia ad hoc quod obediat tude por causa da razão; porque para
rationi vis affectiva, in ea ponitur que a potência afetiva obedeça à razão,
virtus. Ergo multo fortius in ratione se põe nela [o hábito da] virtude. Logo,
practica debet esse virtus. por maior força de razão, deve haver
virtude na razão prática.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum, quod inter Respondo dizendo que entre as virtu-


virtutes naturales et rationales haec des naturais e racionais se assinala
differentia assignatur; quod naturalis esta diferença: que a virtude natural
virtus est determinata ad unum, virtus está determinada a algo uno, enquanto
autem rationalis ad multa se habet. que a virtude racional se relaciona com
Oportet autem ut appetitus animalis muitos. No entanto, é necessário que o
vel rationalis inclinetur in suum apetite animal ou racional se incline a
appetibile ex aliqua apprehensione seu objeto apetecível a partir de algu-
praeexistente; inclinatio enim in finem ma apreensão pré-existente; pois a
absque praeexistente cognitione ad inclinação ao fim sem conhecimento
appetitum pertinet naturalem, sicut prévio pertence ao apetite natural, co-
grave inclinatur ad medium. Sed quia mo o pesado se inclina ao centro. Ora,
aliquod bonum apprehensum oportet porque é necessário que o objeto do
esse obiectum appetitus animalis et apetite animal e do racional seja algum
rationalis; ubi ergo istud bonum bem apreendido, portanto, onde este
uniformiter se habet, potest esse bem se encontre de uma maneira uni-
inclinatio naturalis in appetitu, et forme, pode haver uma inclinação na-
iudicium naturale in vi cognitiva, sicut tural no apetite e um juízo natural na
accidit in brutis. Cum enim sint capacidade cognoscitiva, como ocorre
paucarum operationum propter nos brutos. Com efeito, como são pou-
debilitatem principii activi quod ad cas as operações por causa da escassa
pauca se extendit; est in omnibus potência de seu princípio ativo que se
unius speciei bonum uniformiter se estende a poucas coisas, em todos os
habens. Unde per appetitum [animais] de uma mesma espécie há
naturalem inclinationem habent in id, um bem ao qual se dispõem de um
et per vim cognitivam naturale modo uniforme. E a partir deste juízo
iudicium habent de illo proprio bono natural e do apetite natural provém
uniformiter se habente. Et ex hoc que toda andorinha faça o ninho da
naturali iudicio et naturali appetitu mesma maneira, e que toda aranha
provenit quod omnis hirundo faça a teia do mesmo modo; e assim se
uniformiter facit nidum, et quod considera todos os demais brutos.
omnis aranea uniformiter facit telam; Contudo, o homem é de muitas e di-

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et sic est in omnibus aliis brutis versas operações; e isso por causa da
considerare. Homo autem est multa- nobreza do seu princípio ativo, a saber,
rum operationum et diversarum; et a alma, cuja capacidade se estende de
hoc propter nobilitatem sui principii certo modo ao infinito. E por isso não
activi, scilicet animae, cuius virtus ad seria suficiente para o homem o apeti-
infinita quodammodo se extendit. Et te natural do bem, nem o juízo natural
ideo non sufficeret homini naturalis para agir retamente, a não ser que se
appetitus boni, nec naturale iudicium determine e se aperfeiçoe mais am-
ad recte agendum, nisi amplius plamente. De fato, pelo apetite natural
determinetur et perficiatur. Per o homem se inclina a apetecer o pró-
naturalem siquidem appetitum homo prio bem; mas como este se diversifica
inclinatur ad appetendum proprium de muitas maneiras, e o bem do ho-
bonum; sed cum hoc multipliciter mem consiste em muitas coisas; não
varietur, et in multis bonum hominis pode se inserir no homem o apetite
consistat; non potuit homini inesse natural deste bem determinado, se-
naturalis appetitus huius boni gundo todas as condições que se re-
determinati, secundum conditiones querem para que seja o seu bem; por-
omnes quae requiruntur ad hoc quod que este varia de muitas maneiras con-
sit ei bonum; cum hoc multipliciter forme as diversas condições das pesso-
varietur secundum diversas as, dos tempos, dos lugares e de outras
conditiones personarum et temporum coisas semelhantes. E pela mesma ra-
et locorum, et huiusmodi. Et eadem zão [tampouco pode haver no homem
ratione naturale iudicium; quod est algum] juízo natural; que seja unifor-
uniforme, et ad huiusmodi bonum me, e insuficiente para procurar tal
quaerendum non sufficit; unde [classe de] bem; por isso no homem foi
oportuit in homine per rationem, cuius necessário encontrar e julgar o próprio
est inter diversa conferre, invenire et bem, determinado conforme todas as
diiudicare proprium bonum, condições, enquanto ser buscado aqui
secundum omnes conditiones e agora, através da razão pela qual lhe
determinatum, prout est nunc et hic é próprio discernir entre coisas diver-
quaerendum. Et ad hoc faciendum sas. E para realizar isto, sem um hábito
ratio absque habitu perficiente hoc que a aperfeiçoe, a razão [prática] se
modo se habet sicut et in speculativo encontra do mesmo modo como a ra-
se habet ratio absque habitu scientiae zão no [domínio] especulativo, sem o
ad diiudicandum de aliqua conclusione hábito de alguma ciência; o que certa-
alicuius scientiae; quod quidem non mente não pode realizar senão imper-
potest nisi imperfecte et cum feitamente e com dificuldade. Portan-
difficultate agere. Sicut igitur oportet to, assim como é necessário que a ra-
rationem speculativam habitu zão especulativa seja aperfeiçoada pelo
scientiae perfici ad hoc quod recte hábito da ciência para julgar retamen-
diiudicet de scibilibus ad scientiam te acerca do cognoscível relativo a al-
aliquam pertinentibus; ita oportet guma ciência; assim é necessário que a
quod ratio practica perficiatur aliquo razão prática seja aperfeiçoada por
habitu ad hoc quod recte diiudicet de algum hábito para que julgue retamen-
bono humano secundum singula te acerca do bem humano, segundo a
agenda. Et haec virtus dicitur singularidade do agir. E esta virtude se
prudentia, cuius subiectum est ratio chama prudência cujo sujeito é a razão
practica; et est perfectiva omnium prática; e é perfectiva de todas as vir-

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virtutum moralium quae sunt in parte tudes morais que estão na parte apeti-
appetitiva, quarum unaquaeque facit tiva, cada uma das quais realiza a in-
inclinationem appetitus in aliquod clinação do apetite em algum gênero
genus humani boni: sicut iustitia facit do bem humano: como a justiça causa
inclinationem in bonum quod est a inclinação ao bem que é a igualdade
aequalitas pertinentium ad relativa à comunicação [dos homens]
communicationem vitae; temperantia na vida; a temperança ao bem que é o
in bonum quod est refrenari a conter-se nas concupiscências e assim
concupiscentiis; et sic de singulis acerca da singularidade das virtudes.
virtutibus. Unumquodque autem No entanto, acontece que cada uma
horum contingit multipliciter fieri, et dessas coisas se faz de muitas manei-
non eodem modo in omnibus; unde ad ras, e não do mesmo modo em todos
hoc quod rectus modus statuatur, [os homens]; por isso, para que se es-
requiritur iudicii prudentia. Et ita ab tabeleça o modo reto, se requer a pru-
ipsa est rectitudo et complementum dência do juízo. E dessa forma, pelo
bonitatis in omnibus aliis virtutibus; mesmo [motivo] se dá a retidão e a
unde philosophus dicit quod medium consumação da bondade em todas as
in virtute morali determinatur outras virtudes; por isso diz o Filósofo
secundum rationem rectam. Et quia ex que na virtude moral o meio se deter-
hac rectitudine et bonitatis mina conforme a reta razão. E porque
complemento omnes habitus appetitivi a partir desta retidão e consumação,
virtutis rationem sortiuntur, inde est todos os hábitos apetitivos adquirem a
quod prudentia est causa omnium índole da virtude, então a prudência é
virtutum appetitivae partis, quae a causa de todas as virtudes da parte
dicuntur morales in quantum sunt apetitiva, as quais se dizem morais
virtutes; et propterea dicit Gregorius in enquanto são virtudes; e por causa
XXII Moral., quod ceterae virtutes, disso diz Gregório no livro XXII da
nisi ea quae appetunt, prudenter Moral71 que as demais virtudes, a não
agant, virtutes esse nequaquam ser que aquilo a que apeteçam o façam
possunt. prudentemente, não podem ser virtu-
des de nenhum modo.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que ali o Filósofo


philosophus ibi loquitur de scientia fala da ciência prática; mas a prudên-
practica; sed prudentia plus importat cia implica mais do que a ciência práti-
quam scientia practica: nam ad ca: pois a ciência prática pertence ao
scientiam practicam pertinet juízo universal do agir; tal como a for-
universale iudicium de agendis; sicut nicação é um mal, que não se deve fur-
fornicationem esse malam, furtum non tar, e outras coisas semelhantes. De
esse faciendum, et huiusmodi. Qua fato, existindo a ciência [prática], pode
quidem scientia existente, in ocorrer que no ato particular o juízo da
particulari actu contingit iudicium razão seja desvirtuado e que [a razão]
rationis intercipi, ut non recte não julgue retamente; e por causa dis-
diiudicet; et propter hoc dicitur parum so que se diz que saber pouco [ou na-

71 GREGÓRIO, Moralia, XXII, 1 PL 76, 212 C e D.

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valere ad virtutem, quia ea existente da] não é proveitoso à virtude, porque


contingit hominem contra virtutem este saber particular, que existe, pode
peccare. Sed ad prudentiam pertinet levar o homem a pecar contra a virtu-
recte iudicare de singulis agibilibus, de. Mas é pertinente à prudência julgar
prout sint nunc agenda: quod quidem com retidão cada uma das operações,
iudicium corrumpitur per quodlibet enquanto deva ser realizada de imedia-
peccatum. Et ideo prudentia manente, to: pois certo juízo se corrompe por
homo non peccat; unde ipsa non pa- qualquer pecado. E por causa disso se
rum sed multum confert ad virtutem; a prudência permanece, o homem não
immo ipsam virtutem causat, ut dic- peca; por isso que a própria [prudên-
tum est. cia] não tem pouca senão muita im-
portância para a virtude; mas ainda,
causa a virtude mesma, como foi dito.
2. Ad secundum dicendum, quod 2. Respondo dizendo que o homem
homo ab alio potest accipere consilium pode receber o conselho em relação ao
in universali de agendis; sed quod universal do agir; mas que o juízo se
iudicium recte servet in ipso actu mantenha reto no mesmo ato contra
contra omnes passiones, hoc solum ex todas as paixões, isso só pode provir da
rectitudine prudentiae provenit; et retidão da prudência; e sem isso não
sine hoc virtus esse non potest. pode haver virtude.
3. Ad tertium dicendum, quod 3. Respondo dizendo que a ignorância
ignorantia quae opponitur prudentiae, que se opõe à prudência é a ignorância
est ignorantia electionis, secundum da eleição, conforme a qual todo [ho-
quam omnis malus est ignorans; quae mem] mau é ignorante; que provém do
provenit ex eo quod iudicium rationis fato de que o juízo da razão é intercep-
intercipitur per appetitus tado pela inclinação do apetite: e [a
inclinationem: et hoc non excusat dita ignorância] não escusa o pecado,
peccatum, sed constituit. Sed ignoran- mas o constitui. Ora, a ignorância que
tia quae opponitur scientiae practicae, se opõe à ciência prática escusa ou di-
excusat vel diminuit peccatum. minui o pecado.
4. Ad quartum dicendum, quod 4. Respondo dizendo que a afirmação
verbum Tullii intelligitur quantum ad de Túlio se entende em relação à incli-
inclinationem appetitus tendentis in nação do apetite que tende a algum
aliquod bonum commune, sicut in bem comum, como agir valentemente,
fortiter agere, vel aliquid huiusmodi. ou algo semelhante. Ora, a não ser que
Sed nisi rationis iudicio dirigeretur, seja dirigida pelo juízo da razão, tal
talis inclinatio frequenter duceretur in inclinação frequentemente conduz ao
praecipitium; et tanto magis, quanto abismo; e tanto mais, quanto [mais]
esset vehementior; sicut ponit for veemente; como o exemplo do ce-
philosophus exemplum de caeco, in VI go, que o Filósofo põe no livro VI da
Ethic., qui tanto magis laeditur ad Ética72 que tanto mais se fere ao ir em
parietem impingens, quanto fortius direção à parede, quanto mais forte-
currit. mente corre.
5. Ad quintum dicendum, quod 5. Respondo dizendo que o bem e a
bonum et verum sunt obiecta duarum verdade são objetos de duas partes da
partium animae, scilicet intellectivae alma, a saber, da intelectiva e da apeti-

72 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VI, 13, 1144 b 10.

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et appetitivae: quae quidem duo hoc tiva: estas duas [partes da alma] se
modo se habent, quod utraque ad relacionam certamente de tal modo
actum alterius operatur; sicut voluntas que ambas operam para o ato da outra;
vult intellectum intelligere, et como a vontade quer que o intelecto
intellectus intelligit voluntatem velle. entenda, e o intelecto entende o que a
Et ideo haec duo, bonum et verum, se vontade quer. E por isso estes dois ob-
invicem includunt: nam bonum est jetos, o bem e a verdade, se incluem
quoddam verum, in quantum est ab reciprocamente: pois o bem é certa
intellectu apprehensum; prout scilicet verdade, enquanto é apreendido pelo
intellectus intelligit voluntatem velle intelecto; a saber, enquanto que o inte-
bonum, vel etiam in quantum intelligit lecto entende que a vontade quer o
aliquid esse bonum; similiter etiam et bem, ou também enquanto entende
ipsum verum est quoddam bonum algo que é bom. E, além disso, de mo-
intellectus, quod etiam sub voluntate do semelhante, a própria verdade é um
cadit, in quantum homo vult certo bem do intelecto, o que também
intelligere verum. Nihilominus tamen fica [compreendido] sob a vontade,
verum intellectus practici est bonum, enquanto, o homem queira entender a
quod et finis operationis: bonum enim verdade. Mas, por outro lado, a verda-
non movet appetitum, nisi in quantum de do intelecto prático é o bem, o qual
est apprehensum. Ideo nihil prohibet [é] também o fim da operação; pois o
in intellectu practico esse virtutem. bem não move o apetite, senão en-
quanto é apreendido. Por isso nada
impede que haja virtude no intelecto
prático.
6. Ad sextum dicendum, quod 6. Respondo dizendo que o Filósofo,
philosophus in II Ethic., definit no livro II da Ética73, define a virtude
virtutem moralem: de virtute enim moral; pois sobre a virtude intelectual
intellectuali determinat in VI Ethic. expõe no livro VI da Ética74. No entan-
Virtus autem quae est in intellectu to, a virtude que está no intelecto prá-
practico, non est moralis, sed tico, não é a moral, mas a intelectual:
intellectualis: nam etiam prudentiam pois também o Filósofo coloca a pru-
inter virtutes intellectuales dência entre as virtudes intelectuais, o
philosophus ponit, ut patet in II Ethic. que se mostra no livro II da Ética75.

ARTICULUS 7 ARTIGO 7

SEPTIMO QUAERITUR UTRUM IN SÉTIMO, SE PERGUNTA SE HÁ VIRTU-


INTELLECTU SPECULATIVO SIT DE NO INTELECTO
VIRTUS. ESPECULATIVO.76

Et videtur quod non. E parece que não.

1. Virtus enim omnis ordinatur ad 1. Com efeito, toda virtude se ordena


actum: virtus enim est quae opus ao ato; pois a virtude é o que torna boa

73 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 b 35.


74 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VI, 1, 1139 a 1.
75 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, 1140 b 20-21.
76 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 56, a. 3; III Sent., D. 23, q. 1, a. 4, q. a 1.

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bonum reddit. Intellectus autem a obra. No entanto, o intelecto especu-


speculativus non ordinatur ad actum: lativo não se ordena ao ato: porque
nihil enim dicit de imitando vel nada se diz do que se deve imitar ou
fugiendo, ut patet in III de anima. Er- evitar, como é evidente no livro III So-
go in intellectu speculativo non potest bre a alma77. Logo, no intelecto espe-
esse virtus. culativo não pode haver virtude.
2. Praeterea, virtus est quae bonum 2. Além do mais, a virtude é o que faz
facit habentem, ut dicitur in II Ethic. bom quem a possui, como se diz no
Sed habitus intellectus speculativi non livro II da Ética78. Ora, os hábitos do
faciunt bonum habentem; non enim intelecto especulativo não fazem bom
dicitur propter hoc bonus homo, quia quem os possui; pois não se diz que
habet scientiam. Ergo habitus qui sunt um homem [é] bom porque tem ciên-
in intellectu speculativo, non sunt vir- cia. Logo, os hábitos que estão no inte-
tutes. lecto especulativo não são as virtudes.
3. Praeterea, intellectus speculativus 3. Além do mais, o intelecto especula-
praecipue perficitur habitu scientiae. tivo se aperfeiçoa principalmente pelo
Scientia autem non est virtus; quod ex hábito da ciência. No entanto, a ciência
hoc patet, quia contra virtutes não é uma virtude; o que é evidente
dividitur: dicitur enim in prima specie por isto, porque se distingue das virtu-
qualitatis esse habitus et dispositio; et des: pois se afirma que na primeira
habitus dicitur scientiae et virtutis. espécie de qualidade há o hábito e a
Ergo in intellectu speculativo non est disposição; e o hábito se diz da ciência
virtus. e da virtude. Logo, no intelecto especu-
lativo não há virtude.
4. Praeterea, omnis virtus ordinatur 4. Além do mais, toda virtude se orde-
ad aliquid, quia ad felicitatem quae est na para algo, porque [se ordena] à feli-
finis virtutis. Sed intellectus cidade que é o fim da virtude. Ora, o
speculativus non ordinatur ad aliquid: intelecto especulativo não se ordena a
non enim scientiae speculativae algo; com efeito, as ciências especula-
propter utilitatem quaeruntur, sed tivas não são buscadas por causa da
propter seipsas, ut dicitur in I Metaph. utilidade, mas por elas mesmas, como
Ergo in intellectu speculativo non se diz no livro I da Metafísica79. Logo,
potest esse virtus. no intelecto especulativo não pode ha-
ver virtude.
5. Praeterea, actus virtutis est merito- 5. Além do mais, o ato da virtude é
rius. Sed intelligere non sufficit ad me- meritório. Ora, entender não é sufici-
ritum; immo scienti bonum, et non ente para o mérito; ou melhor, aquele
facienti peccatum est illi, ut dicit Iaco- que sabe fazer o bem e não o faz in-
bus, IV, 17. Ergo in intellectu specula- corre em pecado, como se diz em Tg 4,
tivo non est virtus. 17. Logo, no intelecto especulativo não
há virtude.

Sed contra Ao contrário

1. Fides est in intellectu speculativo, 1. A fé está no intelecto especulativo,

77 ARISTÓTELES, De Anima, III, 7, 431 b 10.


78 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 a 14-15.
79 ARISTÓTELES, Metaphysica, I, 2, 982 a 30.

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cum sit eius obiectum veritas prima. pois o seu sujeito é a verdade primeira.
Sed fides est virtus. Ergo intellectus Ora, a fé é uma virtude. Logo, o inte-
speculativus potest esse subiectum lecto especulativo pode ser sujeito da
virtutis. virtude.
2. Praeterea, verum et bonum sunt 2. Além do mais, o verdadeiro e o bom
aeque nobilia. Nam se invicem circu- são igualmente nobres. Com efeito, se
meunt; nam verum est quoddam bo- implicam reciprocamente; pois a ver-
num, et bonum est quoddam verum: et dade é certo bem, e o bem é certa ver-
utrumque commune omni enti. Si igi- dade: e ambos [são] comuns a todo
tur in voluntate, cuius obiectum est ente. Por consequência, se na vontade,
bonum, potest esse virtus; ergo et in cujo objeto é o bem, pode haver virtu-
intellectu speculativo, cuius obiectum de; logo, também no intelecto especu-
est verum, poterit esse virtus. lativo cujo objeto é a verdade, poderá
haver virtude.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum quod virtus in Respondo dizendo que a virtude relati-


unaquaque re dicitur per respectum ad va a cada coisa se diz em relação ao
bonum; eo quod uniuscuiusque virtus bem; porque a virtude de cada coisa é,
est, ut philosophus dicit, quae bonum como afirma o Filósofo, o que faz bom
facit habentem, et opus eius bonum quem a possui, e torna boa a sua obra;
reddit; sicut virtus equi quae facit como a virtude do cavalo faz com que o
equum esse bonum, et bene ire, et cavalo seja bom, e que ande bem, que
bene ferre sessorem, quod est opus leve bem o cavaleiro, o que é obra do
equi. Ex hoc quidem igitur aliquis ha- cavalo. Portanto, a partir disto, um
bitus habebit rationem virtutis, quia hábito certamente terá a natureza da
ordinatur ad bonum. Hoc autem con- virtude, porque se ordena ao bem. No
tingit dupliciter: uno modo formaliter, entanto, isso ocorre de dois modos:
alio modo materialiter. Formaliter um modo, formalmente, de outro mo-
quidem, quando aliquis habitus ordi- do, materialmente. Formalmente, de
natur ad bonum sub ratione boni; ma- fato, quando um hábito se ordena ao
terialiter vero, quando ordinatur ad id bem sob a razão de bem; porém, mate-
quod est bonum, non tamen sub ratio- rialmente, quando se ordena ao que é
ne boni. Bonum autem sub ratione bem, mas não sob a razão de bem.
boni est obiectum solius appetitivae Contudo, o bem sob a razão de bem só
partis; nam bonum est quod omnia é objeto da parte apetitiva [da alma],
appetunt. Illi igitur habitus qui vel pois o bem é o que todos apetecem.
sunt in parte appetitiva, vel a parte Por consequência, aqueles hábitos que
appetitiva dependent, ordinantur for- estão na parte sensitiva, ou dependem
maliter ad bonum; unde potissime ha- da parte apetitiva, se ordenam for-
bent rationem virtutis. Illi vero habitus malmente ao bem; por isso possuem
qui nec sunt in appetitiva parte, nec ab de um modo proeminente a natureza
eadem dependent, possunt quidem da virtude. Porém, aqueles hábitos que
ordinari materialiter in id quod est nem estão na parte apetitiva, nem de-
bonum, non tamen formaliter sub ra- pendem da mesma, podem certamente
tione boni; unde et possunt aliquo ordenar-se materialmente àquilo que é
modo dici virtutes, non tamen ita pro- o bem, mas não formalmente sob a

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prie sicut primi habitus. Sciendum est razão de bem; pelo qual também po-
autem, quod intellectus tam speculati- dem ser chamados de algum modo de
vus quam practicus potest perfici du- virtudes, mas não de uma maneira
pliciter aliquo habitu. Uno modo abso- própria como os hábitos primeiros. No
lute et secundum se, prout praecedit entanto, deve-se saber que tanto o in-
voluntatem, quasi eam movens; alio telecto especulativo quanto o prático
modo prout sequitur voluntatem, qua- podem ser aperfeiçoados por algum
si ad imperium actum suum eliciens: hábito de dois modos. Um modo, [o
quia, ut dictum est, istae duae potenti- intelecto é aperfeiçoado] absolutamen-
ae, scilicet intellectus et voluntas, se te e segundo o mesmo, enquanto pre-
invicem circumeunt. Illi igitur habitus cede a vontade, como que a movendo;
qui sunt in intellectu practico vel spe- de outro modo, enquanto se segue à
culativo, primo modo, possunt dici vontade, como produzindo o seu ato
aliquo modo virtutes, licet non ita se- pelo o império [da vontade]; porque,
cundum perfectam rationem; et hoc como foi dito, estas duas potências, a
modo intellectus scientia et sapientia, saber, o intelecto e a vontade, se impli-
sunt in intellectu speculativo, ars vero cam reciprocamente. Portanto, aqueles
in intellectu practico. Dicitur enim ali- hábitos que estão no intelecto prático
quis intelligens vel sciens secundum ou especulativo, no primeiro modo,
quod eius intellectus perfectus est ad podem chamar-se de algum modo vir-
cognoscendum verum; quod quidem tudes, ainda que, desta forma, não se-
est bonum intellectus. Et licet istud gundo a razão perfeita da virtude; e
verum possit esse volitum, prout homo deste modo, a ciência e a sabedoria
vult intelligere verum; non tamen estão no intelecto especulativo, en-
quantum ad hoc perficiuntur habitus quanto que a arte está no intelecto prá-
praedicti. Non enim ex hoc quod homo tico. Com efeito, se diz que alguém é
habet scientiam, efficitur volens consi- inteligente ou sábio enquanto que o
derare verum, sed solummodo potens; seu intelecto está perfeito para conhe-
unde et ipsa veri consideratio non est cer o verdadeiro; o qual certamente é o
scientia in quantum est volita, sed se- bem do intelecto. E ainda que esse
cundum quod directe tendit in obiec- verdadeiro possa ser querido, na me-
tum. Et similiter est de arte respectu dida em que o homem queira entender
intellectus practici; unde ars non perfi- o verdadeiro; mas não enquanto os
cit hominem ex hoc quod bene velit ditos hábitos são aperfeiçoados. Com
operari secundum artem, sed solum- efeito, não [é] porque o homem tem a
modo ad hoc quod sciat et possit. Ha- ciência que se faz capaz de querer con-
bitus vero qui sunt in intellectu specu- siderar o verdadeiro, mas que apenas o
lativo vel practico secundum quod in- pode; por isso também a própria con-
tellectus sequitur voluntatem, habent sideração do verdadeiro não é ciência
verius rationem virtutis; in quantum enquanto é querida, mas enquanto que
per eos homo efficitur non solum po- diretamente tende ao objeto. E de mo-
tens vel sciens recte agere, sed volens. do semelhante ocorre com a arte em
Quod quidem ostenditur in fide et relação ao intelecto prático; por isso
prudentia, sed diversimode. Fides e- que a arte não aperfeiçoa o homem
nim perficit intellectum speculativum, porque o torna capaz de querer agir
secundum quod imperatur ei a volun- bem conforme a arte, mas só para que
tate; quod ex actu patet: homo enim ad conheça e possa. De fato, os hábitos
ea quae sunt supra rationem huma- que estão no intelecto especulativo ou

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nam, non assentit per intellectum nisi prático, conforme o que o intelecto
quia vult; sicut Augustinus dicit, quod segue a vontade, têm mais verdadei-
credere non potest homo nisi volens. ramente a razão da virtude; enquanto
Ita et similiter erit fides in intellectu que por eles o homem não só chega a
speculativo, secundum quod subiacet ser o que pode agir retamente, mas o
imperio voluntatis; sicut temperantia que quer. Certamente, [é] o que é ma-
est in concupiscibili secundum quod nifesto na fé e na prudência, mas de
subiacet imperio rationis. Unde volun- modos diversos. Com efeito, a fé aper-
tas imperat intellectui, credendo, non feiçoa o intelecto especulativo, con-
solum quantum ad actum exequen- forme o que é imperado pela vontade,
dum, sed quantum ad determinatio- o que é evidente por causa do ato: pois
nem obiecti: quia ex imperio voluntatis em relação ao que está sobre a razão
in determinatum creditum intellectus humana, o homem não assente por
assentit; sicut et in determinatum me- meio do intelecto a não ser porque
dium a ratione, concupiscibilis, per queira; como diz Agostinho80, que o
temperantiam tendit. Prudentia vero homem não pode crer a não ser que
est in intellectu sive ratione practica, queira. Assim também, de um modo
ut dictum est: non quidem ita quod ex semelhante, estará a fé no intelecto
voluntate determinetur obiectum pru- especulativo, enquanto que está sujeita
dentiae, sed solum finis; obiectum au- ao império da vontade; como a tempe-
tem ipsa perquirit: praesupposito enim rança está no concupiscível conforme
a voluntate fine boni, prudentia per- está sujeita ao império da razão. Por
quirit vias per quas hoc bonum et per- isso a vontade dirige o intelecto ao
ficiatur et conservetur. Sic igitur patet crer, não apenas enquanto à execução
quod habitus in intellectu existentes do ato, mas enquanto à determinação
diversimode se habent ad voluntatem. do objeto: porque pelo império da von-
Nam quidam in nullo a voluntate tade o intelecto assente a uma crença
dependent, nisi quantum ad eorum determinada; como também o concu-
usum; et hoc quidem per accidens, piscível tende ao meio determinado
cum huiusmodi usus habituum aliter a pela razão, através da temperança.
voluntate dependeat, et aliter ab Contudo, a prudência está no intelecto
habitibus praedictis, sicut sunt scientia ou na razão prática, como foi dito: não
et sapientia et ars. Non enim per hos certamente de tal modo que pela von-
habitus homo ad hoc perficitur, ut tade se determine o objeto da prudên-
homo eis bene velit uti; sed solum ut cia, mas só o fim, pois ela mesma exa-
ad hoc sit potens. Aliquis vero habitus mina o objeto: pois, pressuposto o fim
intellectus dependet a voluntate sicut a pela vontade do bem, a prudência e-
qua accipit principium suum: nam xamina as vias pelas quais este bem
finis in operativis principium est; et sic tanto é aperfeiçoado quanto é conser-
se habet prudentia. Aliquis vero vado. Portanto, é evidente que os hábi-
habitus etiam determinationem obiecti tos que estão no intelecto se relacio-
a voluntate accipit, sicut est in fide. Et nam com a vontade de um modo di-
licet omnes quoquo modo possint dici verso. Com efeito, alguns não depen-
virtutes; tamen perfectius et magis dem em nada da vontade, a não ser
proprie hi duo ultimi habent rationem enquanto pelos seus usos; e isso cer-
virtutis; licet ex hoc non sequatur quod tamente por acidente, pois que o uso

80 AGOSTINHO, In Joannis Evangelium, XXVI, 2.

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sint nobiliores habitus aut dos hábitos depende de algum modo


perfectiores. da vontade e, de outro, dos ditos hábi-
tos, como são a ciência, a sabedoria e a
arte. Com efeito, o homem não é aper-
feiçoado por estes hábitos para que
queira usar bem deles; mas apenas
para que possa realizá-lo. De fato, cer-
to hábito do intelecto depende da von-
tade como do que recebe o seu princí-
pio: pois o fim é o princípio nas opera-
ções; e assim se comporta a prudência.
Certo hábito também recebe realmente
a determinação do objeto por meio da
vontade, como é na fé. E ainda que
todos [estes hábitos] possam chamar-
se de algum modo virtude; contudo
estes últimos têm mais perfeita e pro-
priamente uma razão de virtude; ainda
que disto não se siga que sejam hábitos
mais nobres ou perfeitos.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que o hábito do


habitus intellectus speculativi
intelecto especulativo se ordena ao ato
ordinatur ad actum proprium, quem próprio, que é a consideração do ver-
perfectum reddit, qui est veri dadeiro, que o torna perfeito: mas não
consideratio: non autem ordinatur se ordena ao seu fim a algum ato exte-
sicut in finem in aliquem exteriorem rior, mas que tem o fim em seu próprio
actum, sed finem habet in suo actu ato. No entanto, o intelecto prático se
proprio. Intellectus autem practicus ordena a um ato exterior como ao fim:
ordinatur sicut in finem in alium pois a consideração sobre o agir não é
exteriorem actum: non enim
própria do intelecto prático senão por
consideratio de agendis vel faciendis causa do agir ou do fazer. E assim o
pertinet ad intellectum practicum nisihábito do intelecto especulativo faz o
propter agere vel facere. Et sic habitus
seu ato bom de um modo mais nobre
intellectus speculativi reddit actum do que o hábito do intelecto prático:
suum nobiliori modo bonum quam porque aquele, [o intelecto especulati-
habitus intellectus practici: quia ille ut
vo], [se ordena a seu ato] como ao fim,
finem, hic ut ad finem; licet habitus e este, [o intelecto prático], como a
intellectus practici, ex eo quod ordinat
algo [que se ordena] ao fim; ainda que
ad bonum sub ratione boni, prout o hábito do intelecto prático se ordene
praesupponitur voluntati, magis
ao bem sob a razão de bem, enquanto
proprie habeat rationem virtutis. que esteja pressuposta a vontade, tem
mais propriamente a razão da virtude.
2. Ad secundum dicendum, quod 2. Respondo dizendo que um homem
homo non dicitur bonus simpliciter ex não se diz bom absolutamente porque
eo quod est in parte bonus, sed ex eo é em parte bom, mas porque é intei-

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quod secundum totum est bonus: quod ramente bom: o que certamente tem
quidem contingit per bonitatem lugar pela bondade da vontade. Com
voluntatis. Nam voluntas imperat acti- efeito, a vontade dirige os atos de to-
bus omnium potentiarum humana- das as potências humanas. O qual pro-
rum. Quod provenit ex hoc quod quili- vém que qualquer ato é o bem de sua
bet actus est bonum suae potentiae; potência; por isso só se diz que um
unde solus ille dicitur esse bonus ho- homem é bom em absoluto, aquele que
mo simpliciter qui habet bonam volun- tem boa vontade. No entanto, não é
tatem. Ille autem qui habet bonitatem pressuposta a boa vontade, aquele que
secundum aliquam potentiam, non possui a bondade conforme alguma
praesupposita bona voluntate, dicitur potência, se diz bom conforme o que
bonus secundum quod habet bonum tem boa visão ou audição, ou o que vê
visum et auditum, aut est bene videns ou ouve bem. E assim é evidente por-
et audiens. Et sic patet, quod ex eo que um homem que tem a ciência não
quod homo habet scientiam, non dici- é chamado de bom em absoluto, mas
tur bonus simpliciter, sed bonus se- bom conforme o intelecto, ou que en-
cundum intellectum, vel bene intelli- tende bem; e de modo semelhante a-
gens; et similiter est de arte, et de aliis cerca da arte e dos outros hábitos se-
huiusmodi habitibus. melhantes.
3. Ad tertium dicendum, quod scientia 3. Respondo dizendo que a ciência se
dividitur contra moralem virtutem, et distingue da virtude moral e, contudo,
tamen ipsa est virtus intellectualis; vel ela mesma é a virtude intelectual; ou
etiam dividitur contra virtutem também, se distingue em relação à vir-
propriissime dictam: sic enim ipsa non tude propriamente dita: pois assim ela
est virtus, ut supra dictum est. mesma não é virtude, como foi dito
acima.
4. Ad quartum dicendum, quod 4. Respondo dizendo que o intelecto
intellectus speculativus non ordinatur especulativo não se ordena a algo exte-
ad aliquid extra se; ordinatur autem ad rior a si; mas se ordena ao próprio ato
proprium actum sicut ad finem. como ao seu fim. No entanto, a felici-
Felicitas autem ultima, scilicet dade última, a saber, a contemplativa,
contemplativa, in eius actu consistit. é a que consiste em seu ato. Por isso os
Unde actus speculativi intellectus sunt atos do intelecto especulativo são mais
propinquiores felicitati ultimae per próximos da felicidade última pelo
modum similitudinis, quam habitus modo da semelhança, do que os hábi-
practici intellectus; licet habitus tos do intelecto prático; ainda que os
intellectus practici fortasse sint hábitos do intelecto prático estejam
propinquiores per modum ainda mais próximos por modo de
praeparationis, vel per modum meriti. preparação, ou por modo de mérito.
5. Ad quintum dicendum, quod per 5. Respondo dizendo que pelo ato da
actum scientiae, aut alicuius talis ciência ou de algum hábito semelhan-
habitus, potest homo mereri, te, o homem pode [ser digno] de méri-
secundum quod imperatur a voluntate, to, enquanto que [esse ato] é imperado
sine qua nullum est meritum. Tamen pela vontade, sem a qual não há ne-
scientia non ad hoc perficit intellectum nhum mérito. No entanto, a ciência
ut dictum est. Non enim ex eo quod não aperfeiçoa o intelecto para isso,
homo habet scientiam, efficitur bene como foi dito. Com efeito, porque um
volens considerare, sed solummodo homem tem ciência, não se faz capaz

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bene potens; et ideo mala voluntas non de querer considerar bem [uma ques-
opponitur scientiae vel arti, sicut tão], mas só de poder fazê-lo bem; e
prudentiae, vel fidei, aut temperantiae. por causa disso a má vontade não se
Et inde est quod philosophus dicit, opõe à ciência ou à arte, como a pru-
quod ille qui peccat voluntarius in dência, a fé ou a temperança. E por
agibilibus, est minus prudens; licet e isso que o Filósofo afirma que aquele
contrario sit in scientia et arte. Nam que peca voluntariamente no nas ações
grammaticus qui involuntarie soloeci- é menos prudente; ainda que ocorra o
zat, apparet esse minus sciens gram- contrário na ciência e na arte. Pois o
maticam. gramático que involuntariamente co-
mete solecismos, se mostra como me-
nos conhecedor da gramática.

ARTICULUS 8 ARTIGO 8

OCTAVO QUAERITUR UTRUM VIRTU- OITAVO, SE PERGUNTA SE AS VIRTU-


TES INSINT NOBIS A NATURA. DES ESTÃO EM NÓS POR NATUREZA.81

Et videtur quod sic. E parece que sim.

1. Dicit enim Damascenus, III Lib.: 1. Com efeito, diz Damasceno no livro
naturales sunt virtutes, et naturaliter III A Ortodoxia da Fé82: as virtudes
et aequaliter insunt nobis. são naturais, e também existem em
nós igualmente por natureza.
2. Praeterea, Matth., IV, 23, dicit Glos- 2. Além do mais, sobre Mt 4, 23, diz a
sa: docet naturales iustitias: scilicet Glosa: ensina os preceitos naturais: a
castitatem, iustitiam, humilitatem, saber, a castidade, a justiça, a humil-
quales naturaliter habet homo. dade, os quais o homem possui por
natureza.
3. Praeterea, Rom. II, 14, dicitur quod 3. Além do mais, em Rm 2, 14, se diz
homines non habentes legem, que os homens que não possuem lei,
naturaliter ea quae legis sunt, faciunt. fazem naturalmente aquilo que é da
Sed lex praecipit actum virtutis. Ergo lei. Ora, a lei prescreve o ato da virtu-
actum virtutis naturaliter homo facit; de. Logo, o homem realiza natural-
et ita videtur quod virtus sit a natura. mente o ato da virtude, e dessa manei-
ra parece que a virtude é por natureza.
4. Praeterea, Antonius dicit in 4. Além do mais, diz Antão83 no ser-
sermone ad monachos: si naturam mão aos monges: se a vontade mudas-
voluntas mutaverit, perversitas est. se a natureza, haveria perversidade.
Conditio servetur, et virtus est. Et in Conservada a [sua] condição, há a
eodem sermone dicitur, quod sufficit virtude. E no mesmo sermão se diz
homini naturalis ornatus. Hoc autem que é suficiente ao homem o seu orna-
non esset, si virtutes non essent natu- to natural. No entanto, isso não acon-
rales. Ergo virtutes sunt naturales. teceria se as virtudes não fossem natu-

81 Outros lugares: Sent., D. 17, q. 2, a. 1; II. D. 39, q. 2, a. 1; III, D. 33. q. 1, a. 2, q. a 1; De Verit.,


q. 1, a. 1; II Ethic., 1. 1.
82 JOÃO DAMASCENO, Orthodoxia Fidei, III, PG 94, 1046, 229 A.
83 ANTÃO, Alto Egito, 251-356.

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rais.
Logo, as virtudes são naturais.
5. Praeterea, Tullius dicit, quod 5. Além do mais, diz Túlio84, que a
celsitudo animi est nobis a natura. Sed grandeza da alma está em nós por na-
hoc videtur ad magnanimitatem tureza. Ora, isto parece ser próprio na
pertinere. Ergo magnanimitas inest magnanimidade. Logo, a magnanimi-
nobis a natura; et eadem ratione aliae dade está em nós por natureza; e pela
virtutes. mesma razão as outras virtudes.
6. Praeterea, ad faciendum opus 6. Além do mais, para fazer a obra da
virtutis non requiritur nisi posse virtude não se requer senão poder fa-
bonum, et velle, et nosse. Sed notio zer o bem, ou querê-lo ou conhecê-lo.
boni inest nobis a natura, ut dicit Ora, a noção de bem está em nós por
Augustinus in II de libero arbitrio. Vel- natureza, como diz Agostinho no livro
le etiam bonum inest homini a natura, II de O livre Arbítrio85. Assim, querer
ut idem dicit super Genes. ad litteram. o bem está no homem por natureza,
Posse etiam bonum inest homini natu- como o mesmo diz em seu Comentário
raliter, cum voluntas sit domina sui literal do Gênesis. Também, o poder
actus. Ergo ad opus virtutis sufficit de fazer o bem está no homem por na-
natura. Virtus igitur est homini natu- tureza, pois a vontade é senhora do seu
ralis, quantum ad sui inchoationem. ato. Logo para a obra da virtude é sufi-
ciente a natureza. Portanto, a virtude é
natural ao homem, quanto a sua inco-
ação86.
7. Sed diceretur, quod virtus est 7. Mas se diz que a virtude é natural ao
homini naturalis quantum ad sui homem quanto a sua incoação, mas a
inchoationem, sed perfectio virtutis perfeição da virtude não é pela nature-
non est a natura.- Sed contra est quod za. – Mas contra isso, é o que diz Da-
Damascenus dicit in III Lib.: manentes masceno no livro III [de A ortodoxia
in eo quod secundum naturam, in da Fé]87: permanecendo no que [é]
virtute sumus; declinantes autem ab conforme a natureza, dizemos que
eo quod est secundum naturam, ex está na virtude: mas apartando-se do
virtute, ad id quod est praeter que é conforme a natureza, a partir
naturam devenimus et in malitia da virtude, ao que é contrário à natu-
sumus. Ex quo patet, quod secundum reza, o chamamos de malícia. Por is-
naturam inest a malitia declinare. Sed so, é evidente que é próprio da nature-
hoc est perfectae virtutis. Ergo et za apartar-se da malícia. Ora, isso é
perfectio virtutis est a natura. próprio da virtude perfeita. Logo, tam-
bém a perfeição da virtude é por natu-
reza.
8. Praeterea, virtus, cum sit forma, est 8. Além do mais, como a virtude é
quoddam simplex, et partibus carens. uma forma, é algo simples e carente de

84 MARCO TÚLIO CÍCERO, De Inventione Rhetorica, II, 53, 159; Tusculanae Disputationes, III, 1,
2; De Republica, I, 26, 41.
85 AGOSTINHO, De libero arbitrio, II, 6.
86 A palavra ‘incoação’ tem a sua origem na palavra latina ‘inchoatio’ e significa ‘ação de come-

çar’, ‘começo’. [SANTOS SARAIVA, F.R. dos, Dicionário Latino-Português. 11 Ed. Rio de Janeiro:
Livraria Garnier, 2000, verbete ‘inchoatio’, p.590].
87 JOÃO DAMASCENO, Orthodoxia Fidei, III, PG 94, 1046, 229 A.

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Si igitur secundum aliquid sui est a partes. Portanto, se enquanto algo por
natura videtur quod totaliter sit a na- si é por natureza, parece que é total-
tura. mente por natureza.
9. Praeterea, homo dignior est et 9. Além do mais, o homem é mais dig-
perfectior aliis creaturis irrationalibus. no e mais perfeito do que as outras
Sed aliae creaturae sufficienter habent criaturas irracionais. Ora, as outras
a natura ea quae pertinent ad suam criaturas têm suficientemente por na-
perfectionem. Cum igitur virtutes sint tureza as coisas que pertencem à sua
quaedam perfectiones hominis, vide- perfeição. Portanto, como as virtudes
tur quod insint homini a natura. são certas perfeições do homem, pare-
ce que estão no homem por natureza.
10. Sed diceretur, quod hoc non potest 10. Mas se diz que isso [que se argu-
esse, quia perfectio hominis consistit menta na razão precedente] não pode
in multis et diversis; natura autem ser, porque a perfeição do homem con-
ordinatur ad unum. Sed contra est, siste em muitos e diversos [bens]; e a
quod virtutis inclinatio est etiam ad natureza se ordena ao uno. Ora, pelo
unum, sicut et naturae: dicit enim contrário, também a inclinação da vir-
Tullius, quod virtus est habitus in tude está para o uno, como também a
modum naturae, rationi consentaneus. da natureza: pois diz Túlio88 que a vir-
Ergo nihil prohibet virtutes inesse ho- tude é um hábito por um modo da na-
mini a natura. tureza conforme a razão. Logo, nada
impede que as virtudes estejam no
homem pela natureza.
11. Praeterea, virtus in medio consistit. 11. Além do mais, a virtude consiste no
Medium autem est unum meio [termo]. No entanto, o meio é
determinatum. Ergo nihil prohibet algo determinado. Logo, nada impede
inclinationem naturae esse ad id quod que a inclinação da natureza seja aqui-
est virtutis. lo que está na virtude.
12. Praeterea, peccatum est privatio 12. Além do mais, o pecado é uma pri-
modi, speciei et ordinis. Sed peccatum vação do modo, da espécie e da ordem.
est privatio virtutis. Ergo virtus Ora, o pecado é uma privação da vir-
consistit in modo, specie et ordine. Sed tude. Logo, a virtude consiste no mo-
modus, species et ordo sunt homini do, na espécie e na ordem. Ora, o mo-
naturalia. Ergo virtus est homini natu- do, a espécie e a ordem são naturais ao
ralis. homem. Portanto, a virtude é natural
ao homem.
13. Praeterea, pars appetitiva in anima 13. Além do mais, a parte apetitiva na
sequitur partem cognitivam. Sed in alma se segue à parte cognoscitiva.
parte cognitiva est aliquis habitus Ora, na parte cognoscitiva há certo
naturalis, scilicet intellectus hábito natural, a saber, o intelecto dos
principiorum. Ergo et in parte princípios. Logo, também na parte a-
appetitiva et affectiva, quae est petitiva e afetiva, que é o sujeito da
subiectum virtutis, est aliquis habitus virtude, há algum hábito natural; e,
naturalis; et ita videtur quod aliqua desta maneira, parece que alguma vir-
virtus sit naturalis. tude é natural.
14. Praeterea, naturale est cuius 14. Além do mais, é natural aquilo cu-

88 MARCO TÚLIO CÍCERO, De Inventione Rhetorica, II, 53, 159.

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principium est intra; sicut ferri sursum jo princípio é interior; como é natural
est naturale igni, quia principium ao fogo o ser levado acima, porque o
huius motus est in eo quod movetur. princípio deste movimento se dá no
Sed principium virtutis est in homine. que é movido. Ora, o princípio da vir-
Ergo virtus est homini naturalis. tude está no homem. Logo, a virtude é
natural ao homem.
15. Praeterea, cuius est semen natura- 15. Além do mais, aquilo cuja semente
le, ipsum quoque est naturale. Sed se- é natural, é também natural. Ora, a
men virtutis est naturale; dicit enim semente da virtude é natural; pois diz
quaedam Glossa, Hebr., I, quod voluit a Glosa sobre Hb 1, que Deus quis se-
Deus inseminare omni animae initia mear em toda alma os princípios da
sapientiae et intellectus. Ergo videtur sabedoria e do intelecto. Logo, parece
quod virtutes sint naturales. que as virtudes são naturais.
16. Praeterea, contraria sunt eiusdem 16. Além do mais, os contrários são do
generis. Sed virtuti contrariatur mali- mesmo gênero. Ora, a malícia é o con-
tia. Malitia autem est naturalis; dicitur trário da virtude. No entanto, a malícia
enim Sap., XII, v. 10: erat enim natu- é natural; pois se diz em Sb 12, 10: e-
ralis malitia eius; et Ephes., II, 3, dici- ram de má origem; e em Ef 2,3 se diz:
tur: eramus natura filii irae. Ergo vi- éramos, por natureza, filhos da ira.
detur quod virtus sit naturalis. Logo, parece que a virtude é natural.
17. Praeterea, naturale est quod vires 17. Além do mais, é natural que as ca-
inferiores rationi subdantur; dicit pacidades inferiores estejam subordi-
enim philosophus in III de anima, nadas à razão; pois diz o Filósofo no
quod appetitus superioris, qui est livro III Sobre a alma89 que o apetite
rationis, movet inferiorem, qui est [da parte] superior, que é da razão,
partis sensitivae; sicut sphaera move o inferior, que pertence à parte
superior movet inferiorem sphaeram. sensitiva; assim como a esfera superior
Virtus autem moralis in hoc consistit move a esfera inferior. No entanto, a
quod inferiores vires rationi virtude moral consiste nisso: que as
subdantur. Ergo huiusmodi virtutes capacidades inferiores estejam sujeitas
sunt naturales. à razão. Logo, as virtudes desse tipo
são naturais.
18. Praeterea, ad hoc quod aliquis 18. Além do mais, para que algum
motus sit naturalis, sufficit naturalis movimento seja natural, é suficiente a
aptitudo interioris principii passivi. Sic aptidão natural do princípio passivo
enim generatio simplicium corporum interior. Com efeito, assim a geração
dicitur naturalis, et etiam motus dos corpos se denomina natural e
caelestium corporum; nam principium também o movimento dos corpos ce-
activum caelestium corporum non est lestes; pois o princípio ativo dos cor-
natura, sed intellectus; principium pos celestes não é a natureza, mas o
etiam generationis simplicium intelecto; e o princípio da geração dos
corporum est extrinsecus. Sed ad vir- corpos simples é extrínseco. Ora, há
tutem inest homini aptitudo naturalis; uma aptidão natural no homem em
dicit enim philosophus in II Ethicor.: relação à virtude; como diz o Filósofo
innatis quidem nobis a natura susci- no livro II da Ética90: certamente so-

89 ARISTÓTELES, De Anima, III, 12, 434 b 14.


90 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 1, 1103 a 24-26.

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pere, perfectis autem ab assuetudine. mos aptos por natureza para receber
Ergo videtur quod virtus est naturalis. [as virtudes], mas sua perfeição [se
dá] pelos costumes. Logo, parece que a
virtude é natural.
19. Praeterea, illud quod inest homini 19. Além do mais, aquilo que está no
a nativitate, est naturale. Sed homem por nascimento é natural. Ora,
secundum philosophum in VI Ethic., segundo o Filósofo no livro VI da Éti-
quidam confestim a nativitate videntur ca91, há alguns que rapidamente desde
esse fortes et temperati, et secundum o nascimento parecem ser fortes e
alias virtutes dispositi; et Iob, XXXI, temperados, e dispostos conforme ou-
18: ab infantia crevit mecum tras virtudes; e em Jó 31, 18: desde
miseratio, et de utero egressa est minha infância Deus criou-me como
mecum. Ergo virtutes sunt homini na- um pai, e desde o seio de minha mãe
turales. guiou-me. Logo, as virtudes são natu-
rais ao homem.
20. Praeterea, natura non deficit in 20. Além do mais, a natureza não é
necessariis. Sed virtutes sunt homini deficiente no necessário. Ora, as virtu-
necessariae ad finem ad quem natura- des são necessárias ao homem para o
liter ordinatur, scilicet ad felicitatem, fim a que naturalmente se ordena, isto
quae est actus virtutis perfectae. Ergo é, a felicidade, que é o ato da virtude
virtutes habet homo a natura. perfeita. Logo, o homem possui as vir-
tudes por natureza.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Naturalia per peccatum non 1. As coisas naturais não se perdem


amittuntur; unde Dionysius dicit, quod pelo pecado, por isso diz Dionísio92
data naturalia in Daemonibus que as coisas dadas por natureza per-
permanent. Sed virtutes per peccatum manecem nos demônios. Logo, não são
amittuntur. Ergo non sunt naturales. naturais.
2. Praeterea, ea quae insunt naturali- 2. Além do mais, aquilo que é [em nós]
ter, et ea quae sunt a natura, neque por natureza e o que procede da natu-
assuescimus neque dissuescimus. Sed reza nem nos habituamos, nem nos
ea quae sunt virtutis, possumus assu- desabituamos. Ora, o que pertence à
escere et dissuescere. Ergo virtutes virtude, podemos nos habituar ou nos
non sunt naturales. desabituar. Logo, as virtudes não são
naturais.
3. Praeterea, ea quae insunt 3. Além do mais, o que é por natureza
naturaliter, communiter insunt é de um modo comum a todos. Ora, as
omnibus. Sed virtutes non insunt virtudes não estão em todos de um
communiter omnibus, cum quibusdam mesmo modo, pois em alguns há vícios
insint vitia contraria virtutibus. contrários à virtude.
4. Praeterea, naturalibus neque me- 4. Além do mais, pelas coisas naturais
remur neque demeremur, quia sunt in não somos meritórios nem demeritó-
nobis. Sed virtutibus meremur, sicut et rios, porque [elas] estão em nós. Ora,

91 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VI, 13, 1144 b 5 e 6.


92 PSEUDO-DIONÍSIO, De Divinis Nominibus, 4, PG 3, 726 B e C.

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vitiis demeremur. Ergo virtutes et vitia pelas virtudes somos meritórios, como
non sunt naturalia. também desmerecemos pelos vícios.
Logo, as virtudes e os vícios não são
naturais.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum, quod secun- Respondo dizendo que segundo o mo-


dum quod diversificati sunt aliqui circa do como alguns se distinguem [em
productionem formarum naturalium, suas opiniões] sobre a produção das
ita diversificati sunt circa adeptionem formas naturais, assim se distinguem
scientiarum et virtutum. Fuerunt enim em relação à aquisição das ciências e
aliqui qui posuerunt formas praeexis- das virtudes. Com efeito, alguns afir-
tere in materia secundum actum, la- maram que as formas pré-existem na
tenter autem; et quod per agens natu- matéria segundo o ato; mas de um
rale reducuntur de occulto in manifes- modo latente; e que por obra de um
tum. Et haec fuit opinio Anaxagorae agente natural são reduzidas do oculto
qui posuit omnia esse in omnibus, ut ao manifesto. E esta foi a opinião de
ex omnibus omnia generari possent. Anaxágoras93, que afirmou que todas
Alii autem dixerunt, formas esse totali- as coisas estão em todas, para que to-
ter ab extrinseco, vel participatione das as coisas pudessem ser geradas a
idearum, ut posuit Plato, vel intelligen- partir do todo. No entanto, outros dis-
tia agente, ut posuit Avicenna; et quod seram que as formas têm realidade por
agentia naturalia disponunt solummo- obra de algo totalmente extrínseco, ou
do materiam ad formam. Tertia est via por participação das idéias, como a-
Aristotelis media, quae ponit, quod firmou Platão94, ou pela inteligência
formae praeexistunt in potentia mate- agente, como afirmou Avicena; e que
riae, sed reducuntur in actum per a- os agentes naturais dispõem apenas a
gens exterius naturale. Similiter etiam matéria para [a recepção da] forma.
et circa scientias et virtutes aliqui dixe- Em terceiro, está a via intermediária
runt, quod scientiae et virtutes insunt de Aristóteles95, que afirma que as
nobis a natura, et quod per studium formas pré-existem na potência da
solummodo tolluntur impedimenta matéria, mas são reduzidas ao ato por
scientiae et virtutis: et hoc videtur Pla- obra de um agente exterior natural. E
to posuisse; qui posuit scientias et vir- também de um modo semelhante em
tutes causari in nobis per participatio- relação às ciências e às virtudes, alguns
nem formarum separatarum; sed ani- disseram que as ciências e as virtudes
ma impediebatur ab earum usu per estão em nós por natureza, e que so-
unionem ad corpus; quod impedimen- mente através do estudo são removi-
tum tolli oportebat per studium scien- dos os impedimentos relativos à ciên-
tiarum, et exercitium virtutum. Alii cia e à virtude: e parece que isto afir-
vero dixerunt, quod scientiae et virtu- mou Platão; que sustentou que as ci-
tes sunt in nobis ex influxu intelligen- ências e as virtudes são causadas em
tiae agentis, ad cuius influentiam reci- nós por participação das formas sepa-
piendam homo disponitur per studium radas; mas [também diz] que a alma

93 I Phys., comm. 32.


94 I Metaph., comm. 6.
95 ARISTÓTELES, De generatione Animal, II, 3; 18 e19.

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et exercitium. Tertia est opinio media, estava impedida de fazer uso das ditas
quod scientiae et virtutes secundum [ciências e virtudes] devido à união
aptitudinem insunt nobis a natura; sed com o corpo; impedimento que era
earum perfectio non est nobis a natu- necessário remover por meio do estu-
ra. Et haec opinio melior est, quia sicut do das ciências, e do exercício das vir-
circa formas naturales nihil derogat tudes. Contudo, outros disseram que
virtus naturalium agentium; ita circa as ciências e as virtudes estão em nós
adeptionem scientiae et virtutis studio por influxo do intelecto agente, para
et exercitio suam efficaciam conservat. receber a influência para a qual o ho-
Sciendum tamen est, quod aptitudo mem se dispõe pelo estudo e pelo e-
perfectionis et formae in aliquo subiec- xercício. Terceiro, está a opinião in-
to potest esse dupliciter. Uno modo termediária, de que as ciências e as
secundum potentiam passivam tan- virtudes estão em nós por natureza
tum; sicut in materia aeris est aptitudo conforme a sua aptidão; mas a sua per-
ad formam ignis. Alio modo secundum feição não se dá em nós por natureza.
potentiam passivam et activam simul: E esta é a melhor opinião, porque as-
sicut in corpore sanabili est aptitudo sim como em relação às formas natu-
ad sanitatem, quia corpus est suscepti- rais, nada remove a virtude dos agen-
vum sanitatis. Et hoc modo in homine tes naturais; assim, em relação à aqui-
est aptitudo naturalis ad virtutem; par- sição da ciência e da virtude, pelo es-
tim quidem secundum naturam speci- tudo e o exercício se conserva a sua
ei, prout aptitudo ad virtutem est eficácia. No entanto, deve-se saber que
communis omnibus hominibus, et par- a aptidão para a perfeição e para uma
tim secundum naturam individui, se- forma em algum sujeito pode se dar de
cundum quod quidam prae aliis sunt dois modos. Um modo, segundo uma
apti ad virtutem. Ad cuius evidentiam só potência passiva; como na matéria
sciendum est, quod in homine triplex do ar há a aptidão para a forma do fo-
potest esse subiectum virtutis, sicut ex go. Outro modo, segundo a potência
superioribus patet; scilicet intellectus, passiva e ativa simultaneamente: como
voluntas et appetitus inferior, qui in no corpo saudável há a aptidão para a
concupiscibilem et irascibilem dividi- saúde, porque o corpo é suscetível de
tur. In unoquoque autem est conside- saúde. E desse modo, no homem há
rare aliquo modo et susceptibilitatem uma aptidão natural para a virtude;
virtutis et principium activum virtutis. em parte, certamente, segundo a natu-
Manifestum est enim quod in parte reza da espécie, enquanto a aptidão
intellectiva est intellectus possibilis, para a virtude é comum a todos os
qui est in potentia ad omnia intelligibi- homens e em parte, segundo a nature-
lia, in quorum cognitione consistit in- za do indivíduo, enquanto que alguns
tellectualis virtus; et intellectus agens, são mais aptos para a virtude do que
cuius lumine intelligibilia fiunt actu; outros. Por essa evidência, deve-se sa-
quorum quaedam statim a principio ber que o sujeito da virtude no homem
naturaliter homini innotescunt absque pode ser três, como se mostra no ex-
studio et inquisitione: et huiusmodi posto acima: a saber, o intelecto, a
sunt principia prima, non solum in vontade e o apetite inferior, que se di-
speculativis, ut: omne totum est maius vide em concupiscível e em irascível.
sua parte, et similia; sed etiam in ope- No entanto, em cada um deve-se con-

96 ARISTÓTELES, Physica, II, 1, 192 b 8.

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rativis, ut: malum esse fugiendum, et siderar, de algum modo, a capacidade


huiusmodi. Haec autem naturaliter receptiva da virtude e o princípio ativo
nota, sunt principia totius cognitionis da virtude. Com efeito, é evidente que
sequentis, quae per studium acquiri- na parte intelectiva está o intelecto
tur; sive sit practica, sive sit speculati- possível, o qual está em potência em
va. Similiter autem circa voluntatem relação a todas as coisas inteligíveis, e
manifestum est quod est aliquod prin- o conhecimento dela consiste na virtu-
cipium activum naturale. Nam volun- de intelectual, e no intelecto agente,
tas naturaliter inclinatur in ultimum por cuja luz se atualizam os objetos
finem. Finis autem in operativis habet inteligíveis; alguns dos quais, imedia-
rationem principii naturalis. Ergo in- tamente, desde o início, se fazem natu-
clinatio voluntatis est quoddam prin- ralmente conhecidos ao homem sem o
cipium activum respectu omnis dispo- estudo e a indagação: e deste modo são
sitionis, quae per exercitium in parte os primeiros princípios, não só no
affectiva acquiritur. Manifestum au- [domínio] especulativo, como: “o todo
tem est quod ipsa voluntas, in quan- é maior que a sua parte”, e outros se-
tum est potentia ad utrumlibet se ha- melhantes; mas também no [domínio]
bens, in his quae sunt ad finem, est operativo, como “o mal deve ser evita-
susceptiva habitualis inclinationis in do”, e outros de modo semelhante. No
haec vel in illa. Irascibilis autem et entanto, estes [princípios que são] na-
concupiscibilis naturaliter sunt obau- turalmente conhecidos, são princípios
dibiles rationi: unde naturaliter sunt de todo conhecimento posterior, seja
susceptivae virtutis, quae in eis perfici- prático, seja especulativo, que é adqui-
tur, secundum quod disponuntur ad rido através do estudo. Porém, do
bonum rationis sequendum. Et omnes mesmo modo fica claro com relação à
praedictae inchoationes virtutum con- vontade, a saber, que há algum princí-
sequuntur naturam speciei humanae pio ativo natural [em relação à vonta-
unde et omnibus sunt communes. Est de]. Com efeito, a vontade se inclina
autem aliqua inchoatio virtutis, quae naturalmente ao fim último. Contudo,
consequitur naturam individui, secun- o fim no operável tem razão de princí-
dum quod aliquis homo ex naturali pio natural. Logo, a inclinação da von-
complexione vel caelesti impressione tade é certo princípio ativo em relação
inclinatur ad actum alicuius virtutis. Et à toda disposição, a qual é adquirida
haec quidem inclinatio est quaedam através do exercício na parte afetiva.
virtutis inchoatio; non tamen est virtus No entanto, é evidente que a própria
perfecta; quia ad virtutem perfectam vontade, enquanto é potência que se
requiritur moderatio rationis: unde et relaciona com um e com outro [apeti-
in definitione virtutis ponitur, quod est te], em relação às coisas relativas ao
electiva medii secundum rationem rec- fim, tem uma capacidade receptiva da
tam. Si enim aliquis absque rationis inclinação habitual a estas ou àquelas.
discretione inclinationem huiusmodi No entanto, o irascível e o concupiscí-
sequeretur, frequenter peccaret. Et vel são, por natureza, obedientes à ra-
sicut haec virtutis inchoatio absque zão: por isso naturalmente são suscetí-
rationis opere, perfectae virtutis ratio- veis à virtude, e se aperfeiçoam nela,
nem non habet, ita nec aliqua praemis- segundo que são dispostos a seguir o
sarum. Nam ex universalibus principi- bem da razão. E todas as incoações das
is in specialia pervenitur per inquisiti- virtudes que foram ditas acompanha-
onem rationis. Rationis etiam officio ram a natureza da espécie humana,

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ex appetitu ultimi finis homo deduci- por isso também são comuns a todos
tur in ea quae sunt convenientia illi [os seres humanos]. Contudo, há certa
fini. Ipsa etiam ratio imperando irasci- incoação da virtude que acompanha a
bilem et concupiscibilem facit sibi esse natureza do indivíduo, enquanto que
subiectas. Unde manifestum est quod algum homem por compleição natural
ad consummationem virtutis ou por impressão celeste se inclina ao
requiritur opus rationis; sive virtus sit ato de alguma virtude. E, de fato, esta
in intellectu, sive sit in voluntate, sive inclinação é certa incoação da virtude;
in irascibili et concupiscibili. Haec não é, porém, a virtude perfeita; por-
tamen est consummatio: quod ad que para a virtude perfeita se requer a
virtutem inferioris partis ordinatur regulação da razão: e também, por
inchoatio virtutis quae est in superiori; causa disso, se afirma na definição da
sicut ad virtutem quae est in voluntate, virtude que é a eleição do meio [virtu-
aptus redditur homo et per oso] segundo a reta razão. Com efeito,
inchoationem virtutis quae est in se alguém segue uma inclinação desta
voluntate, et per eam quae est in classe sem o discernimento da razão,
intellectu. Ad virtutem vero quae est in frequetemente peca. E assim, esta in-
irascibili et concupiscibili, per coação da virtude não tem a razão da
inchoationem virtutis quae est in eis, virtude perfeita sem a obra da razão,
et per eam quae est in superioribus; como tampouco nenhuma das men-
sed non e converso. Unde etiam mani- cionadas antes. Com efeito, dos princí-
festum est, quod ratio, quae est supe- pios universais se chega aos particula-
rior, operatur ad completionem omnis res através da indagação da razão.
virtutis. Dividitur autem principium Também mediante a razão o homem é
operativum quod est ratio, contra conduzido a partir do apetite último do
principium operativum quod est natu- fim até estas coisas que são convenien-
ra, ut patet in II Phys.; eo quod ratio- tes para [o alcance] daquele fim. Além
nalis potestas est ad opposita, natura disso, a própria razão imperando no
autem ordinatur ad unum. Unde mani- irascível e no concupiscível faz que
festum est quod perfectio virtutis non [estas partes da alma] estejam sujeitas
est a natura, sed a ratione. a si. Por isso, é evidente que para a
perfeição da virtude se requer a obra
da razão; seja que a virtude esteja no
intelecto, seja na vontade, ou no iras-
cível ou no concupiscível. No entanto,
a consumação [da virtude] é esta: a
incoação da virtude que está na [parte]
superior [da alma] se ordena à virtude
da parte inferior, assim como o ho-
mem se torna apto para a virtude que
está na vontade não só através da in-
coação da virtude que está na vontade,
mas também pela qual está no intelec-
to. Contudo, para a virtude que está no
irascível e no concupiscível, [o homem
se dispõe] por incoação da virtude que
há nele, e pela qual está nas [partes]
superiores, mas não o inverso. Por is-

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so, também é evidente que a razão, que


é [uma potência] superior, age para a
consumação de toda a virtude. Porém,
o princípio operativo, que é a razão, se
distingue do princípio operativo que é
a natureza, como se mostra no livro II
da Física96: porque a potência racional
é em relação aos opostos, mas a natu-
reza se ordena a algo uno. Por isso é
evidente que a perfeição da virtude
não é por natureza, mas pela razão.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que as virtudes


virtutes dicuntur naturales quantum se denominam naturais com relação às
ad naturales inchoationes virtutum incoações naturais das virtudes que
quae insunt homini, non quantum ad estão no homem e não quanto às suas
earum perfectionem. perfeições.
2. 3. 4. e 5. Et similiter dicendum ad 2. 3. 4. e 5. E de forma semelhante se
secundum, tertium, quartum et quin- diz para o segundo, o terceiro, o quarto
tum. e o quinto argumentos.
6. Ad sextum dicendum, quod posse 6. Respondo dizendo que o poder fa-
bonum simpliciter inest nobis a zer simplesmente está em nós por na-
natura, eo quod potentiae sunt tureza, porque as potências são natu-
naturales; velle autem et scire est rais; porém querer e saber estão em
nobis aliquo modo a natura, scilicet nós de algum modo por natureza, se-
secundum quamdam inchoationem in gundo certa incoação universal. Ora,
universali. Sed hoc non sufficit ad isso não é suficiente para a virtude.
virtutem. Requiritur autem ad bonam Pois para a operação boa que é o efeito
operationem, quae est effectus virtutis, da virtude se requer que o homem al-
quod homo prompte et infallibiliter ut cance o bem prontamente e sem falhas
in pluribus bonum attingat; quod non na maioria dos casos; o qual não pode
potest aliquis facere sine habitu realizar-se sem o hábito da virtude:
virtutis: sicut etiam manifestum est assim também é evidente que alguém
quod aliquis in universali scit opus sabe fazer uma obra de um modo ge-
artis facere, ut puta argumentari, vel ral, como por exemplo de que maneira
secare, aut aliquid huiusmodi facere; argumentar, ou cortar, ou fazer algo
sed ad hoc quod prompte et sine errore semelhante; mas para que haja pron-
faciat, requiritur quod habeat artem; et tamente e sem erro, se requer que te-
similiter est in virtute. nha [o hábito da] arte; e de modo se-
melhante ocorre com a virtude.
7. Ad septimum dicendum, quod ex 7. Respondo dizendo que o homem
natura habet homo aliqualiter quod tem de algum modo por natureza o
declinet malitiam; sed ad hoc quod hoc que o afasta da malícia; mas para que
prompte faciat et infallibiliter, aja prontamente e sem falhas, se re-
requiritur habitus virtutis. quer o hábito da virtude.
8. Ad octavum dicendum, quod virtus 8. Respondo dizendo que não se diz

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non dicitur partim a natura esse, eo que a virtude em parte é por natureza,
quod aliqua pars eius sit a natura et enquanto se tem alguma parte dela por
aliqua non, sed quia secundum natureza e outra não, mas, de algum
aliquem modum essendi imperfectum modo, diz-se que é por natureza quan-
est a natura; scilicet secundum to ao que se é imperfeito e se obtém,
potentiam et aptitudinem. segundo a potência e a aptidão.
9. Ad nonum dicendum, quod Deus 9. Respondo dizendo que Deus é por si
est per se perfectus in bonitate; unde mesmo perfeito em bondade; por isso
nullo indiget ad bonitatem não necessita de nada para alcançar a
consequendam. Substantiae autem bondade. No entanto, as substâncias
superiores et ei propinquae, paucis superiores e próximas a Ele, necessi-
indigent ad consequendam tam de poucas coisas para obter d’Ele
perfectionem bonitatis ab ipso. Homo mesmo a perfeição da bondade. Con-
autem, qui est magis remotus, pluribus tudo, o homem, que está mais distante,
indiget ad assecutionem perfectae necessita de mais coisas para a conse-
bonitatis, quia est capax beatitudinis. cução da perfeita bondade, porque é
Quae autem creaturae non sunt capaz da beatitude. No entanto, as cri-
capaces beatitudinis, paucioribus aturas que não são capazes da beatitu-
indigent quam homo. Unde homo est de, necessitam de menos coisas do que
dignior eis licet pluribus indigeat; sicut o homem. Por causa disso, o homem é
ille qui potest consequi perfectam sa- mais digno do que elas, ainda que ne-
nitatem multis exercitiis, est melius cessite de mais coisas; assim como a-
dispositus quam ille qui non potest quele que pode alcançar a saúde per-
consequi nisi parvam, sed per modica feita com muitos exercícios está me-
exercitia. lhor disposto do que aquele que não
pode alcançar senão pouca, mas por
pouco exercícios.
10. Ad decimum dicendum, quod ad 10. Respondo dizendo que em relação
ea quae sunt unius virtutis, posset esse a estas coisas que são próprias de uma
inclinatio naturalis. Sed ad ea quae só virtude, poderia haver uma inclina-
sunt omnium virtutum, non posset ção natural. Mas, em relação às que
esse inclinatio a natura; quia dispositio são de todas as virtudes, não poderia
naturalis quae inclinat ad unam haver uma inclinação pela natureza;
virtutem, inclinat ad contrarium porque a disposição natural que incli-
alterius virtutis: puta, qui est na a uma só virtude, inclina ao contrá-
dispositus secundum naturam ad rio de outra virtude: por exemplo, o
fortitudinem, quae est in prosequendo que está disposto segundo a [sua] na-
ardua, est minus dispositus ad tureza para a fortaleza, que é para al-
mansuetudinem, quae consistit in cançar coisas árduas, está menos dis-
refrenando passiones irascibilis. Unde posto à mansidão, que consiste em
videmus quod animalia quae refrear as paixões do irascível. Por isso
naturaliter inclinantur ad actum vemos que os animais que natural-
alicuius virtutis, inclinantur ad vitium mente se inclinam ao ato de alguma
contrarium alteri virtuti; sicut leo, qui virtude, se inclinam ao vício contrário
naturaliter est audax est etiam a outra virtude; como o leão, que natu-
naturaliter crudelis. Et haec quidem ralmente é audaz, também é natural-
naturalis inclinatio ad hanc vel illam mente cruel. E, certamente, esta incli-
virtutem sufficit aliis animalibus, quae nação natural em relação a esta ou a

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non possunt consequi perfectum bo- aquela virtude é suficiente para outros
num secundum virtutem, sed conse- animais, que não podem alcançar o
quuntur qualecumque determinatum bem perfeito conforme a virtude, mas
bonum. Homines autem nati sunt per- alcançar qualquer bem determinado.
venire ad perfectum bonum secundum No entanto, os homens são, por natu-
virtutem; et ideo oportet quod habeant reza, aptos para alcançar o bem perfei-
inclinationem ad omnes actus virtu- to conforme a virtude; e, por causa
tum: quod cum non possit esse a natu- disso, é necessário que seja segundo a
ra, oportet quod sit secundum ratio- razão na qual existem as sementes de
nem, in qua existunt semina omnium todas as virtudes.
virtutum.
11. Ad undecimum dicendum, quod 11. Respondo dizendo que o meio da
medium virtutis non est determinatum virtude não está determinado confor-
secundum naturam, sicut est me a natureza, como está determinado
determinatum medium mundi in quod o meio do mundo para onde tende as
tendunt gravia; sed oportet quod coisas pesadas; mas é necessário que o
medium virtutis determinetur meio da virtude esteja determinado
secundum rationem rectam, ut dicitur segundo a reta razão, como se diz no
in II Ethic. Quia quod est mediocre livro II da Ética97, porque o que é me-
uni, est parum vel multum alteri. díocre para o um é pouco ou muito
para outro.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que o modo, a
modus, species et ordo constituunt espécie e a ordem constituem qualquer
quodlibet bonum, ut dicit Augustinus bem, como diz Agostinho no livro Da
in Lib. de natura boni. Unde modus, natureza do bem98. Por isso, o modo, a
species et ordo, in quibus consistit espécie e a ordem, nos quais consiste o
bonum naturae, naturaliter adsunt bem da natureza, estão naturalmente
homini, nec per peccatum privantur; no homem, e não são retirados pelo
sed peccatum dicitur esse privatio pecado; mas se diz que o pecado é a
modi, speciei et ordinis, secundum privação do modo, da espécie e da or-
quod in his consistit bonum virtutis. dem, segundo o que neles consiste o
bem da virtude.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que a vontade
quod voluntas non exit in actum suum não passa a seu ato através de algumas
per aliquas species ipsam informantes, espécies que a informam, como no ca-
sicut intellectus possibilis; et ideo non so do intelecto possível; e por causa
requiritur aliquis naturalis habitus in disso não se requer nenhum hábito
voluntate ad naturale desiderium; et natural na vontade para o desejo natu-
praecipue cum ex habitu naturali ral; e, principalmente, como a vontade
intellectus moveatur voluntas, in é movida pelo hábito natural do inte-
quantum bonum intellectum est lecto, enquanto o bem entendido é o
obiectum voluntatis. objeto da vontade.
14. Ad decimumquartum dicendum, 14. Respondo dizendo que ainda que o
quod licet principium virtutis sit intra princípio da virtude seja interior ao
hominem, scilicet ratio; tamen hoc homem, a saber, a razão; contudo, este

97 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1107 a 1.


98 AGOSTINHO, De natura boni, 4.

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principium non agit per modum princípio não age por um modo natu-
naturae; et ideo quod ab ea est, non ral; e por isso que o que se realiza por
dicitur naturale. obra da razão não se denomina natu-
ral.
15. Et similiter dicendum est ad 15. E de forma semelhante se diz para
decimumquintum. o décimo quinto argumento.
16. Ad decimumsextum dicendum, 16. Respondo dizendo que a malícia
quod malitia eorum erat naturalis, in deles era natural, como enquanto esta-
quantum erat in consuetudinem re- va reduzida ao costume, na medida em
ducta, prout consuetudo est altera na- que o costume é uma outra natureza.
tura. Nos autem eramus natura filii No entanto, nós éramos filhos da ira
irae propter peccatum originale, quod por causa do pecado original, que é o
est peccatum naturae. pecado da natureza.
17. Ad decimumseptimum dicendum, 17. Respondo dizendo que é natural
quod naturale est quod vires inferiores que as capacidades inferiores sejam
sint subiicibiles rationi, non tamen suscetíveis à razão; mas não que este-
quod sint secundum habitum subiec- jam sujeitas segundo o hábito.
tae.
18. Ad decimumoctavum dicendum, 18. Respondo dizendo que se afirma
quod motus dicitur esse naturalis que o movimento é natural por causa
propter aptitudinem naturalem da aptidão natural no móvel, quando o
mobilis, quando movens movet ad que move, move algo uno de maneira
unum determinate per modum determinada pelo modo da natureza;
naturae; sicut generans in elementis, como o princípio gerador nos elemen-
et motor corporum caelestium. Sic tos, e o motor dos corpos celestes. No
autem non est in proposito; unde ratio entanto, não está proposto deste mo-
non sequitur. do; por isso não se segue o argumento.
19. Ad decimumnonum dicendum, 19. Respondo dizendo que aquela in-
quod illa inclinatio naturalis ad clinação natural à virtude, segundo a
virtutem, secundum quam quidam qual alguns imediatamente desde o
mox a nativitate sunt fortes et momento do nascimento são fortes e
temperati, non sufficit ad perfectam temperados, não é suficiente para a
virtutem, ut dictum est. virtude perfeita, como foi dito.
20. Ad vicesimum dicendum, quod 20. Respondo dizendo que a natureza
natura non deficit homini in não é deficiente para o homem nas
necessariis; licet enim non det omnia coisas necessárias; pois, ainda que não
quae sunt ei necessaria, tamen dat ei proporcione todas as coisas que lhe
unde possit omnia necessaria são necessárias, lhe confere, porém,
acquirere secundum rationem, et quae [aquilo] a partir do qual pode adquirir,
ei deserviunt. em conformidade com a razão, todas
as coisas necessárias e que estão a seu
serviço.

ARTICULUS 9 ARTIGO 9

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NONO QUAERITUR UTRUM VIRTUTES NONO, SE PERGUNTA SE AS VIRTUDES


ACQUIRANTUR EX ACTIBUS. SÃO ADQUIRIDAS PELOS ATOS.99

Et videtur quod non. E parece que não.

1. Dicit enim Augustinus, quod virtus 1. Com efeito, diz Agostinho100 que a
est bona qualitas mentis, qua recte virtude é uma boa qualidade da mente
vivitur, qua nullus male utitur, quam pela qual se vive com retidão, em que
Deus in nobis sine nobis operatur. Sed nada se faz mau uso, e que Deus age
illud quod fit ex actibus nostris, non em nós sem nós. Ora, aquilo que é feito
operatur Deus in nobis. Ergo virtus pelos nossos atos não o opera Deus em
non causatur ex actibus nostris. nós. Logo, a virtude não é causada pe-
los nossos atos.
2. Praeterea, Augustinus dicit: 2. Além do mais, diz Agostinho: a vida
omnium infidelium vita peccatum est, de todos os infiéis é pecado, e nada é
et nihil est bonum sine summo bono, bom sem o Sumo Bem; quando falta o
ubi deest cognitio veritatis, falsa est conhecimento da verdade, a virtude é
virtus etiam in optimis moribus. Ex falsa mesmo entre os ótimos costu-
quo habetur quod virtus non potest mes. Do qual se segue que não pode
esse sine fide. Fides autem non est ex haver virtude sem a fé. No entanto, a fé
operibus nostris, sed ex gratia, ut patet não é por nossas obras, mas pela graça
Ephes. cap. II, 8: gratia estis salvati como se mostra em Ef 2,8: Porque é
per fidem, et non ex vobis: nec quis gratuitamente que fostes salvos medi-
glorietur; Dei enim donum est. Ergo ante a fé. Isto não provém de vossos
virtus non potest causari ex actibus méritos, mas é puro dom de Deus. Lo-
nostris. go, a virtude não pode ser causada por
nossos atos.
3. Praeterea, Bernardus dicit, quod 3. Além do mais, diz Bernardo que o
incassum quis ad virtutem laborat, nisi homem trabalha em vão para alcançar
a domino eam sperandam putet. Quod a virtude a não ser que creia que há de
autem speratur obtinendum a Deo, esperá-la de Deus. No entanto, o que
non causatur ex actibus nostris. Virtus se espera obter de Deus não é causado
ergo non causatur ex actibus nostris. pelos nossos atos. Logo, a virtude não
é causada por nossos atos.
4. Praeterea, continentia est minus 4. Além do mais, a continência é infe-
virtute, ut patet per philosophum in rior à virtude, como é manifesto pelo
VII Ethic. Sed continentia non est in Filósofo no livro VII da Ética84101. O-
nobis nisi ex divino munere; dicitur ra, a continência não está em nós se-
enim Sapient. cap. VIII, 21: scio quod não pelo dom divino; pois se diz em Sb
non possum esse continens, nisi Deus 8, 21: ao me dar conta de que somente
det. Ergo nec virtutes possumus acqui- a ganharia, se Deus ma concedesse.
rere ex nostris actibus, sed solum ex Logo, não podemos adquirir as virtu-
dono Dei. des por nossos atos, a não ser por dom
de Deus.

99 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 51, a. 2; q. 63, a. 2; II Sent., D. 44, q. 1, a. 1, ad 6; III. D. 33, q. 1,
a. 2, q.a 2; II Ethic., 1. 1.
100 AGOSTINHO, Contra Lulianum, VI, 6.
101 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VII, 1, 1145 a 15 4; 1145 b 8; 9, 1151 b 32.

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5. Praeterea, Augustinus dicit, quod 5. Além do mais, diz Agostinho que o


homo non potest vitare peccatum sine homem não pode evitar o pecado sem
gratia. Sed per virtutem vitatur a graça. Ora, através da virtude se evita
peccatum; non enim potest esse homo o pecado; pois o homem não pode ser
simul vitiosus et virtuosus. Ergo virtus vicioso e virtuoso ao mesmo tempo.
non potest esse sine gratia; non ergo Logo, a virtude não pode existir sem a
potest acquiri ex actibus. graça; portanto não pode ser adquirida
pelos atos.
6. Praeterea, per virtutem pervenitur 6. Além do mais, pela virtude se chega
ad felicitatem. Nam felicitas virtutis est à felicidade. Com efeito, a felici dade é
praemium, ut philosophus dicit in I o prêmio da virtude, como diz o Filóso-
Ethic. Si ergo ex actibus nostris acqui- fo no livro I da Ética102. Logo, se por
ratur virtus, ex actibus nostris possu- nossos atos se adquire a virtude, por
mus pervenire ad vitam aeternam, nossos atos podemos chegar à vida
quae est hominis ultima felicitas, sine eterna, que é a felicidade última do
gratia; quod est contra apostolum, homem, sem a graça; o que se opõe [ao
Rom. VI, 23: gratia Dei vita aeterna. que diz] o Apóstolo em Rm 6, 23: a
graça de Deus é a vida eterna.
7. Praeterea, virtus computatur inter 7. Além do mais, segundo Agostinho
maxima bona, secundum Augustinum, no livro O livre Arbítrio103, a virtude se
Lib. de libero arbitrio, quia virtute nul- encontra entre os bens máximos, por-
lus male utitur. Sed maxima bona sunt que em nada faz mau uso da virtude.
a Deo, secundum illud Iacob. I, 17: Ora, os bens máximos provêm de
omne datum optimum et omne donum Deus, segundo se diz em Tg 1, 17: todo
perfectum de sursum est, descendens dom precioso e toda dádiva perfeita
a patre luminum. Ergo videtur quod vêm do alto e desce do Pai das luzes.
virtus non sit in nobis nisi ex dono Dei. Logo, parece que a virtude não está em
nós senão por dom de Deus.
8. Praeterea, sicut Augustinus dicit in 8. Além do mais, assim como diz A-
Lib. de libero arbitrio, nihil potest gostinho no livro O livre Arbítrio104,
formare seipsum. Sed virtus est nada pode formar a si mesmo. Ora, a
quaedam forma animae. Ergo homo virtude é certa forma da alma. Logo, o
non potest in se per suos actus causare homem não pode causar a virtude nele
virtutem. mesmo através dos seus atos.
9. Praeterea, sicut intellectus a 9. Além do mais, assim como o inte-
principio est in potentia essentiali ad lecto a princípio está em potência es-
scientiam, ita vis affectiva ad virtutem. sencial em relação à ciência, assim
Sed intellectus in potentia essentiali [também] a capacidade afetiva em re-
existens, ad hoc ut reducatur in actum lação à virtude. Ora, o intelecto, que
scientiae, indiget motore extrinseco, existe essencialmente em potência,
scilicet doctore ad hoc quod scientiam para ser reduzido em ato de ciência,
acquirat in actu. Ergo similiter ad hoc necessita de um motor extrínseco, a
quod homo virtutem acquirat, indiget saber, de um doutor, para adquirir a
aliquo agente exteriori, et non ciência em ato. Logo, de modo seme-
sufficiunt ad hoc actus proprii. lhante, para que o homem adquira a

102 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, I, 9, 1099 b 14-16.


103 AGOSTINHO, De Libero arbitrio, II, 18, 48-50; 19, 50.
104 AGOSTINHO, De Libero arbítrio, II, 19, 52 e 53.

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virtude, necessita de algum agente ex-


terior, e não são suficientes para ele os
atos próprios.
10. Praeterea, acquisitio fit per 10. Além do mais, a aquisição se faz
receptionem. Actio autem non fit per por recepção. No entanto, a ação não
receptionem, sed magis per se faz por recepção, porém mais pela
emissionem vel exitum actionis ab emissão ou pela realização da ação por
agente. Ergo per hoc quod aliquid obra do agente. Logo, não é adquirida
agimus, non acquiritur virtus in nobis. a virtude em nós pelo fato de que fize-
mos algo.
11. Praeterea, si per actum nostrum 11. Além do mais, se a virtude é adqui-
virtus in nobis acquiritur; aut rida por nós mediante o nosso ato; ou
acquiritur per unum, aut per plures. é adquirida por um, ou por muitos [a-
Non per unum; quia ex uno non tos]. Não [é] por um; porque não é su-
efficitur aliquis studiosus, ut dicitur II ficiente um ato para se tornar estudio-
Ethic.; similiter etiam nec ex multis; so, como se diz no livro II da Ética105;
quia multi actus, cum non sint simul, de modo semelhante, também não a
non possunt simul aliquem effectum partir de muitos; porque muitos atos,
inducere. Ergo videtur quod nullo mo- como não são simultâneos, não podem
do virtus in nobis causetur ex actibus provocar simultaneamente algum efei-
nostris. to. Logo, parece que de nenhum modo
a virtude é causada em nós por nossos
atos.
12. Praeterea, Avicenna dicit, quod 12. Além do mais, diz Avicena que a
virtus est potentia essentialiter rebus virtude é a potência atribuída essenci-
attributa ad suas peragendas almente às coisas para que as suas o-
operationes. Sed id quod essentialiter perações sejam realizadas de modo
attribuitur rei, non causatur ex actu acabado. Ora, o que se atribui essenci-
eius. Ergo virtus non causatur ex actu almente a uma coisa não é causado
habentis virtutem. pelo seu ato. Logo, a virtude não é cau-
sada pelo ato do que possui a virtude.
13. Praeterea, si virtus causatur ex ac- 13. Além do mais, se a virtude é cau-
tibus nostris: aut ex actibus virtuosis, sada pelos nossos atos: ou [se dá] por
aut ex actibus vitiosis. Non ex vitiosis atos virtuosos, ou por atos viciosos.
quia illi magis destruunt virtutem; si- Não [pode ser] pelos viciosos, porque,
militer nec ex virtuosis, quia illi prae- antes, estes destroem a virtude; de
supponunt virtutem. Ergo nullo modo modo semelhante, nem pelos virtuo-
causatur ex actibus nostris virtus in sos, porque estes pressupõem a virtu-
nobis. de. Logo, de nenhum modo a virtude é
causada em nós por nossos atos.
14. Sed dicendum, quod virtus 14. Mas se diz que a virtude é causada
causatur ex actibus virtuosis por atos virtuosos imperfeitos. - Mas,
imperfectis.- Sed contra nihil agit ultra ao contrário, nada age além da sua
suam speciem. Si ergo actus praece- espécie. Logo, se os atos que precedem
dentes virtutem sunt imperfecti, vide- a virtude são imperfeitos, parece que
tur quod non possunt causare virtutem não podem causar a virtude perfeita.

105 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 1, 1103 a 15-17; 4, 1105 a 20.

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perfectam.
15. Praeterea, virtus est ultimum 15. Além do mais, a virtude é o último
potentiae, ut dicitur in I caeli et da potência, como se diz no livro I Do
mundi. Sed potentia est naturalis. Ergo céu e do mundo106. Ora, a potência é
virtus est naturalis, et non ex operibus natural. Logo, a virtude é natural e não
acquisita. adquirida por obras.
16. Praeterea, ut dicitur in II Ethic., 16. Além do mais, como se diz no livro
virtus est quae bonum reddit II da Ética107, a virtude é o que faz bom
habentem. Sed homo est bonus secun- aquele que a possui. Ora, o homem é
dum suam naturam. Ergo virtus homi- bom conforme a sua natureza. Logo, a
nis est ei a natura, et non ex actibus virtude pertence ao homem por natu-
acquisita. reza, e não [é] adquirida pelos atos.
17. Praeterea, ex frequentia actus na- 17. Além do mais, pela frequência do
turalis non acquiritur novus habitus. ato natural não se adquire um novo
hábito.
18. Praeterea, omnia habent esse a sua 18. Além do mais, todas as coisas têm
forma. Sed gratia est forma virtutum: o ser pela sua forma. Ora, a graça é a
nam sine gratia virtutes dicuntur esse forma das virtudes: pois se diz que sem
informes. Ergo virtutes sunt a gratia, a graça as virtudes são informes. Logo,
et non ab actibus. as virtudes são pela graça e não pelos
atos [do homem].
19. Praeterea, secundum apostolum, II 19. Além do mais, segundo o Apóstolo
Cor. XII, 9, virtus in infirmitate perfi- em 2Cor 12, 9, é na fraqueza que a
citur. Sed infirmitas magis est passio força manifesta todo o seu poder. Ora,
quam actio. Ergo virtus magis causatur a debilidade é mais paixão do que a-
ex passione quam ex actibus. ção. Logo, a virtude é causada antes
mais pela paixão do que pelos atos.
20. Praeterea, cum virtus sit qualitas, 20. Além do mais, como a virtude é
mutatio quae est secundum virtutem, qualidade, parece que a mutação que é
videtur esse alteratio: nam alteratio est conforme a virtude é uma alteração:
motus in qualitate. Sed alteratio passio pois a alteração é o movimento na qua-
tantum est in parte animae sensitivae, lidade. Ora, a alteração só é paixão na
ut patet per philosophum in VII parte da alma sensitiva, como mostra o
Physic. Si ergo virtus acquiritur ex ac- Filósofo no livro VII da Física108. Logo,
tibus nostris per quamdam passionem se a virtude é adquirida pelos nossos
et alterationem; sequetur quod virtus atos por meio de alguma paixão e alte-
sit in parte sensitiva: quod est contra ração; segue-se que a virtude está na
Augustinum, qui dicit, quod est bona parte sensitiva: o que é contra Agosti-
qualitas mentis. nho, que diz que é uma boa qualidade
da mente.
21. Praeterea, per virtutem habet ali- 21. Além do mais, por meio da virtude
quis rectam electionem de fine, ut dici- alguém tem uma reta eleição do fim,
tur X Ethicorum. Sed habere rectam como se diz no livro X da Ética109. Ora,

106 ARISTÓTELES, De caelo, I, 11, 281 a 14-15.


107 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 a 14-15.
108 ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 245 b 3.
109 Parece que isso ocorre no livro VI da Ética e não no X. Veja: Aristóteles, Ethica Nicomachea,

VI, 13, 1145 a 2.

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electionem de fine, non videtur esse in ter uma reta eleição do fim não parece
potestate nostra: quia qualis unus- estar no nosso poder: porque tal como
quisque est, talis finis ei videtur, ut cada um é, tal lhe parece o fim, como
dicitur III Ethic. Hoc autem contingit se diz no livro III da Ética110. No en-
nobis ex naturali complexione, vel ex tanto, isso não ocorre por compleição
impressione corporis caelestis. Ergo natural, ou por impressão do corpo
non est in potestate nostra acquirere celeste. Logo, não está em nosso poder
virtutes: non ergo causantur ex actibus adquirir as virtudes: portanto, não são
nostris. causadas por nossos atos.
22. Praeterea, ea quae sunt naturalia, 22. Além do mais, em relação àquelas
neque assuescimus neque dissuesci- coisas que são naturais, não nos habi-
mus. Sed quibusdam hominibus tuamos nem nos desabituamos. Ora,
insunt naturales inclinationes ad em alguns homens há inclinações na-
aliqua vitia, sicut et ad virtutes. Ergo turais em relação a alguns vícios, como
huiusmodi inclinationes non possunt também em relação às virtudes. Logo,
tolli per assuetudinem actuum. Eis estas formas de inclinações não podem
autem manentibus non possunt in ser removidas por meio do costume
nobis esse virtutes. Ergo virtutes non dos atos. No entanto, se elas permane-
possunt in nobis acquiri per actus. cem, não pode haver virtudes em nós.
Logo, as virtudes não podem ser ad-
quiridas por nós pelos atos.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Dionysius dicit, quod bonum est 1. Dionísio111 diz que o bem é mais po-
virtuosius quam malum. Sed ex malis deroso do que o mal. Ora, os hábitos
actibus causantur in nobis habitus vi- dos vícios são causados em nós por
tiorum. Ergo ex bonis actibus causan- atos maus. Logo, os hábitos das virtu-
tur in nobis habitus virtutum. des são causados em nós por atos
bons.
2. Praeterea, secundum philosophum 2. Além do mais, segundo o Filósofo
in II Ethic., operationes sunt causae no livro II da Ética112, as operações são
eius quod est nos studiosos esse. Hoc as causas daquilo a que nos dedica-
autem est per virtutem. Ergo virtus mos. No entanto, [nós nos dedicamos]
causatur in nobis ex actibus. pela virtude. Logo, a virtude é causada
em nós pelos atos.
3. Praeterea, ex contrariis sunt genera- 3. Além do mais, há as gerações e cor-
tiones et corruptiones. Sed virtus cor- rupções a partir dos contrários. Ora, a
rumpitur ex malis actibus. Ergo ex bo- virtude se corrompe pelos atos maus.
nis actibus generatur. Logo, é gerada por atos bons.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum quod cum vir- Respondo dizendo que como a virtude
tus sit ultimum potentiae, ad quod é o último da potência, e que qualquer

110 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, III, 5, 1114 a 34.


111 PSEUDO-DIONÍSIO, De divinis Nominibus, 4, PG 3, 718, 364 C-719, 365, 718 C.
112 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 1, 1103 a 31.

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quaelibet potentia se extendit ut faciat potência se estende para realizar a o-


operationem, quod est operationem peração, isto é, uma operação que seja
esse bonam; manifestum est quod vir- boa; é evidente que a virtude de cada
tus uniuscuiusque rei est per quam coisa é aquela pela qual se produz uma
operationem bonam producit. Quia operação boa. Mas, porque toda coisa é
vero omnis res est propter suam ope- por causa da sua operação; pois qual-
rationem; unumquodque autem bo- quer coisa é boa segundo o que tem de
num est secundum quod bene se habet bem em relação ao seu fim; é necessá-
ad suum finem; oportet quod per vir- rio que pela própria virtude cada coisa
tutem propriam unaquaeque res sit seja boa, ou opere bem. No entanto, o
bona, et bene operetur. Bonum autem bem próprio de uma coisa é diferente
proprium uniuscuiusque rei est aliud do que é próprio à outra coisa: com
ab eo quod est proprium alterius: di- efeito, de diversos perfectíveis há per-
versorum enim perfectibilium sunt feições diversas; e por isso o bem do
diversae perfectiones; unde et bonum homem é algo diferente do bem do
hominis est aliud a bono equi et a bono cavalo e do bem da pedra. Também em
lapidis. Ipsius etiam hominis secun- relação ao mesmo homem, conforme
dum diversas sui considerationes acci- diversas considerações do mesmo, o
pitur diversimode bonum. Non enim seu bem se entende de diversas manei-
idem est bonum hominis in quantum ras. Com efeito, não é o mesmo o bem
est homo, et in quantum est civis. Nam do homem enquanto é homem e en-
bonum hominis in quantum est homo, quanto é cidadão. Porque o bem do
est ut ratio sit perfecta in cognitione homem enquanto é homem consiste
veritatis, et inferiores appetitus regu- que a razão seja perfeita no conheci-
lentur secundum regulam rationis: mento da verdade, e que os apetites
nam homo habet quod sit homo per inferiores sejam regulados conforme a
hoc quod sit rationalis. Bonum autem regra da razão: pois o homem é ho-
hominis in quantum est civis, est ut mem porque é racional. No entanto, o
ordinetur secundum civitatem bem do homem enquanto é cidadão
quantum ad omnes: et propter hoc consiste em que se ordene conforme a
philosophus dicit, III Politic., quod cidade em relação a todos [os outros
non est eadem virtus hominis in homens]: e por causa disso diz o Filó-
quantum est bonus et hominis in sofo no livro III da Política113, que não
quantum est bonus civis. Homo autem é a mesma virtude do homem enquan-
non solum est civis terrenae civitatis, to é bom, e [a virtude] do homem en-
sed est particeps civitatis caelestis quanto é bom cidadão. No entanto, o
Ierusalem, cuius rector est dominus, et homem não só é cidadão da comuni-
cives Angeli et sancti omnes, sive dade terrena, mas também partícipe
regnent in gloria et quiescant in patria, da cidade celeste, Jerusalém, cujo so-
sive adhuc peregrinentur in terris, berano é o Senhor, e cidadãos os anjos
secundum illud apostoli, Ephes. II, 19: e todos os santos, seja os que reinam
estis cives sanctorum, et domestici na glória e descansam na pátria, seja
Dei, et cetera. Ad hoc autem quod os que peregrinam na terra, segundo o
homo huius civitatis sit particeps, non que diz o Apóstolo em Ef 2, 19: sois
sufficit sua natura, sed ad hoc elevatur concidadãos dos santos e membros da

113 ARISTÓTELES, Politica, III, 4, 1276 b 16; 1276 b 30.


114 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 b 35; VI, 13, 1144 b 8.
115 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 b 35.

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per gratiam Dei. Nam manifestum est família de Deus, etc. Contudo, para
quod virtutes illae quae sunt hominis que o homem seja partícipe desta ci-
in quantum est huius civitatis dade não é suficiente a sua natureza,
particeps, non possunt ab eo acquiri mas que seja elevado pela graça de
per sua naturalia; unde non causantur Deus. Pois é evidente que aquelas vir-
ab actibus nostris, sed ex divino tudes que são próprias do homem en-
munere nobis infunduntur. Virtutes quanto é partícipe desta cidade, não
autem quae sunt hominis in eo quod podem ser adquiridas por ele mediante
est homo, vel in eo quod est terrenae as suas capacidades naturais; por isso
civitatis particeps, non excedunt não são causadas por nossos atos, mas
facultatem humanae naturae; unde eas são infundidas em nós por um dom
per sua naturalia homo potest divino. No entanto, as virtudes que são
acquirere, ex actibus propriis: quod sic próprias do homem enquanto é ho-
patet. Dum enim aliquis habet natura- mem, ou enquanto é partícipe da cida-
lem aptitudinem ad perfectionem ali- de terrena, não excedem a faculdade
quam; si haec aptitudo sit secundum da natureza humana; por isso, o ho-
principium passivum tantum, potest mem pode adquiri-las por suas capaci-
eam acquirere; sed non ex actu propri- dades naturais, a partir dos próprios
o, sed ex actione alicuius exterioris atos: o que é evidente desta maneira.
naturalis agentis; sicut aer recipit lu- Com efeito, enquanto alguém tem uma
men a sole. Si vero habeat aptitudinem aptidão natural para alguma perfeição,
naturalem ad perfectionem aliquam se esta aptidão é conforme a um prin-
secundum activum principium et pas- cípio só passivo, pode adquiri-la; po-
sivum simul; tunc per actum proprium rém não a partir do próprio ato, mas
potest ad illam pervenire; sicut corpus pela ação de algum agente natural ex-
hominis infirmi habet naturalem apti- terior; como no caso do ar que recebe a
tudinem ad sanitatem. Et quia subiec- luz do Sol. De fato, se [alguém] tem
tum est naturaliter receptivum sanita- uma aptidão natural para alguma per-
tis, propter virtutem naturalem acti- feição conforme a um princípio ativo e
vam quae inest ad sanandum, ideo passivo simultaneamente; então pode
absque actione exterioris agentis in- alcançá-la mediante o próprio ato;
firmus interdum sanatur. Ostensum como no corpo do homem enfermo há
est autem in praecedenti quaestione, uma aptidão natural para a saúde. E
quod aptitudo naturalis ad virtutem porque o sujeito é naturalmente recep-
quam habet homo, est secundum prin- tivo da saúde, por causa da virtude
cipia activa et passiva; quod quidem ex natural ativa que há nele para se curar,
ipso ordine potentiarum apparet. Nam por isso sem a ação do agente exterior,
in parte intellectiva est principium o enfermo, algumas vezes, se cura. No
quasi passivum intellectus possibilis, entanto, foi mostrado na questão pre-
qui reducitur in suam perfectionem cedente, que a aptidão natural para a
per intellectum agentem. Intellectus virtude que o homem possui, é con-
autem in actu movet voluntatem: nam forme os princípios ativos e passivos; o
bonum intellectus est finis qui movet que certamente se adverte a partir da
appetitum; voluntas autem mota a ra- própria ordem das potências. Com e-
tione, nata est movere appetitum sen- feito, na parte intelectiva, o intelecto
sitivum, scilicet irascibilem et concu- possível é um princípio de certo modo
piscibilem, quae natae sunt obedire passivo, que se reduz à sua perfeição
rationi. Unde etiam manifestum est, pelo intelecto agente. Contudo, o inte-

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quod quaelibet virtus faciens operatio- lecto em ato move a vontade: pois o
nem hominis bonam, habet proprium bem do intelecto é o fim que move o
actum in homine, qui sui actione po- apetite; e a vontade movida pela razão
test ipsam reducere in actum; sive sit é naturalmente apta para mover o ape-
in intellectu, sive in voluntate, sive in tite sensitivo, a saber, o irascível e o
irascibili et concupiscibili. concupiscível, que são naturalmente
Diversimode tamen reducitur in actum aptos a obedecer à razão. Por isso,
virtus quae est in parte intellectiva, et também é manifesto que qualquer vir-
quae est in parte appetitiva. Nam actio tude que torna boa a operação do ho-
intellectus, et cuiuslibet cognoscitivae mem tem o próprio ato no homem,
virtutis, est secundum quod aliqualiter que pode reduzi-la a ato por sua ação;
assimilatur cognoscibili; unde virtus seja no intelecto, seja na vontade, seja
intellectualis fit in parte intellectiva, no irascível e no concupiscível. No en-
secundum quod per intellectum tanto, de diversos modos se reduz a ato
agentem fiunt species intellectae in a virtude que está na parte intelectiva e
ipsa vel actu vel habitu. Actio autem a que está na parte apetitiva. Pois o ato
virtutis appetitivae consistit in quadam do intelecto, e de qualquer capacidade
inclinatione ad appetibile; unde ad hoc cognoscitiva, consiste em que de al-
quod fiat virtus in parte appetitiva, guma maneira se assimile o cognoscí-
oportet quod detur ei inclinatio ad vel; por isso a virtude intelectual se dá
aliquid determinatum. Sciendum est na parte intelectiva, conforme o que
autem, quod inclinatio rerum natura- pelo intelecto agente das espécies se
lium consequitur formam; et ideo est torna inteligível atual ou habitualmen-
ad unum, secundum exigentiam for- te na dita parte [intelectiva]. No entan-
mae: qua remanente, talis inclinatio to, a ação da virtude apetitiva consiste
tolli non potest, nec contraria induci. em certa inclinação ao apetecível; por
Et propter hoc, res naturales neque causa disso, para que haja a virtude na
assuescunt aliquid neque dissuescunt; parte apetitiva, é necessário que se lhe
quantumcumque enim lapis sursum confira uma inclinação para algo de-
feratur nunquam hoc assuescet, sed terminado. No entanto, deve-se saber
semper inclinatur ad motum deorsum. que a inclinação das coisas naturais
Sed ea quae sunt ad utrumlibet, non segue a forma e por isso é em relação a
habent aliquam formam ex qua decli- uma só coisa, conforme a exigência da
nent ad unum determinate; sed a pro- forma: permanecendo esta, tal inclina-
prio movente determinantur ad aliquid ção não pode ser removida, nem ser
unum; et hoc ipso quod determinantur conduzida a objetos contrários [daque-
ad ipsum, quodammodo disponuntur le aos quais se inclina]. E por isso, as
in idem; et cum multoties inclinantur, coisas naturais nem se habituam nem
determinantur ad idem a proprio mo- se desabituam a algo; com efeito, por
vente, et firmatur in eis inclinatio de- mais que a pedra seja levada até acima
terminata in illud, ita quod ista dispo- nunca se habituará a isso, mas sempre
sitio superinducta, est quasi quaedam se inclinará para baixo. Ora, as coisas
forma per modum naturae tendens in são em relação a um ou outro, não
unum. Et propter hoc dicitur, quod possuem alguma forma pela qual se
consuetudo est altera natura. Quia inclinam de um modo determinado a
igitur vis appetitiva se habet ad uma só coisa; mas pelo próprio mo-
utrumlibet; non tendit in unum nisi vente são determinados a uma só coi-
secundum quod a ratione sa; e porque são determinadas ao

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determinatur in illud. Cum igitur ratio mesmo, de algum modo se dispõe ao


multoties inclinet virtutem mesmo objeto; como também se incli-
appetitivam in aliquid unum, fit nam muitas vezes, se determinam ao
quaedam dispositio firmata in vi mesmo objeto pelo próprio movente, e
appetitiva, per quam inclinatur in se afirma nelas uma inclinação deter-
unum quod consuevit; et ista minada até aquele objeto, de tal ma-
dispositio sic firmata est habitus neira que essa disposição acrescentada
virtutis. Unde, si recte consideretur, é como certa forma por um modo da
virtus appetitivae partis nihil est aliud natureza, que tende a uma só coisa. E
quam quaedam dispositio, sive forma, por causa disso se diz que o costume é
sigillata et impressa in vi appetitiva a uma segunda natureza. Portanto, por-
ratione. Et propter hoc, que a faculdade apetitiva se relaciona
quantumcumque sit fortis dispositio in com um e com outro, não tende a uma
vi appetitiva ad aliquid, non potest só coisa a não ser conforme seja de-
habere rationem virtutis, nisi sit ibi id terminada para aquela razão. Por con-
quod est rationis. Unde et in sequência, ao inclinar a razão à capa-
definitione virtutis ponitur ratio: dicit cidade apetitiva, muitas vezes, até uma
enim philosophus, II Ethicorum, quod só coisa, chega a ter certa disposição
virtus est habitus electivus in mente firmada na força apetitiva, pelo que se
consistens determinata specie, prout inclina a uma só coisa à qual se habi-
sapiens determinabit. tuou; e esta disposição assim firmada é
o hábito da virtude. Por isso, se se con-
sidera de modo reto, que a virtude da
parte apetitiva não é outra coisa além
de certa disposição ou forma gravada e
impressa no poder apetitivo pela ra-
zão114. E por causa disso, por mais for-
te que seja a disposição na força apeti-
tiva em relação a algo, não pode ter
razão de virtude a não ser que haja ali
aquilo que é da razão. Por isso, tam-
bém na definição de virtude se men-
ciona a razão: pois diz o Filósofo no
livro II da Ética115 que a virtude é um
hábito eletivo determinado pela mente
em certa espécie que o [homem] pru-
dente determinará.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que Agostinho se


Augustinus loquitur de virtutibus se- refere às virtudes segundo o que se
cundum quod ordinantur ad aeternam ordena à beatitude eterna.
beatitudinem.
2. 3. e 4. Et sic dicendum ad secun- 2. 3. e 4. E assim se diz para o segun-
dum, tertium et quartum. do, o terceiro e o quarto argumentos.
5. Ad quintum dicendum, quod virtus 5. Respondo dizendo que a virtude
acquisita facit declinare a peccato non adquirida nem sempre afasta do peca-

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semper, sed ut in pluribus: quia et ea do, mas em muitos casos: porque tam-
quae naturaliter accidunt, ut in bém aquelas coisas que sucedem natu-
pluribus eveniunt. Nec propter hoc ralmente ocorrem em muitos dos ca-
sequitur, quod simul aliquis sit sos. Por causa disso não se segue que
virtuosus et vitiosus; quia unus actus alguém seja virtuoso ou vicioso simul-
potentiae neque habitum vitii neque taneamente, porque um ato da potên-
habitum virtutis acquisitae tollit; et cia não remove o hábito do vício nem o
non potest per virtutem acquisitam hábito da virtude adquirida; e não é
declinare ab omni peccato. Non enim possível remover todo o pecado pela
per eas vitatur peccatum infidelitatis; virtude adquirida. Com efeito, pelas
et alia peccata quae virtutibus infusis virtudes adquiridas não se evita o pe-
opponuntur. cado da infidelidade; nem outros pe-
cados que se opõem às virtudes infu-
sas.
6. Ad sextum dicendum, quod per 6. Respondo dizendo que através das
virtutes acquisitas non pervenitur ad virtudes adquiridas não se chega à feli-
felicitatem caelestem, sed ad cidade celeste, mas a certa felicidade
quamdam felicitatem quam homo que o homem é naturalmente apto a
natus est acquirere per propria adquirir pelas próprias capacidades
naturalia in hac vita secundum actum naturais nesta vida segundo o ato da
perfectae virtutis, de qua Aristoteles virtude perfeita, da qual Aristóteles
tractat in X Metaph. trata no livro X da Metafísica116.
7. Ad septimum dicendum, quod 7. Respondo dizendo que a virtude
virtus acquisita non est maximum adquirida não é um bem máximo em
bonum simpliciter, sed maximum in absoluto, mas máximo no gênero dos
genere humanorum bonorum; virtus bens humanos; no entanto, a virtude
autem infusa est maximum bonum infusa é um bem máximo em absoluto,
simpliciter, in quantum per eam homo enquanto que por ela o homem se or-
ad summum bonum ordinatur, quod dena ao Sumo Bem, que é Deus.
est Deus.
8. Ad octavum dicendum, quod idem 8. Respondo dizendo que uma mesma
secundum idem non potest seipsum coisa segundo ela mesma não pode
formare. Sed quando in aliquo uno est
formar a si própria. Ora, quando em
aliquod principium activum et aliud algo uno há algum princípio ativo e
passivum, seipsum formare potest se-outro passivo, pode formar-se a si
cundum partes: ita scilicet quod unamesmo conforme as suas partes: a sa-
pars eius sit formans, et alia formata;
ber, de tal modo que uma parte sua
sicut aliquid movet seipsum, ita quod
seja a que forma, e outra a formada;
una pars eius est movens, et alia mota,
assim como algo se move a si mesmo,
ut dicitur VIII Phys. Sic autem est in
de modo tal que uma parte sua é a que
generatione virtutis ut ostensum est.
move e outra a movida, como se diz no
livro VIII da Física117. E desse modo
ocorre na geração da virtude, como se
mostrou.
9. Ad nonum dicendum, quod sicut in 9. Respondo dizendo que assim como

116 ARISTÓTELES, Metaphysica, X, 8, 1050 b 1.


117 ARISTÓTELES, Physica, VIII, 4, 255 a 14-15.

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intellectu scientia acquiritur non a ciência é adquirida no intelecto não


solum per inventionem, sed etiam per só por invenção, mas também pela
doctrinam, quae est ab alio; ita etiam doutrina, que provém do outro, assim
in acquisitione virtutis homo iuvatur também na aquisição da virtude, o
per correctionem et disciplinam, quae homem é ajudado pela correção e dis-
est ab alio; qua aliquis tanto minus ciplina, que provém de outro; e [é a-
indiget, quanto de se est magis quilo] do qual alguém tanto menos
dispositus ad virtutem; sicut et aliquis necessita enquanto que por si está
quanto perspicacioris est ingenii, tanto mais disposto à virtude; assim como
minus indiget exteriori doctrina. também alguém é mais perspicaz por
natureza, tanto menos necessita da
doutrina exterior.
10. Ad decimum dicendum, quod ad 10. Respondo dizendo que para [a rea-
actionem hominis concurrunt virtutes lização da] ação do homem concorrem
activae et passivae; et licet a virtutibus, as virtudes ativas e passivas; e ainda
in quantum activae, fiat emissio, et in que pelas virtudes, enquanto ativas,
eis nihil recipiatur; tamen passivis in haja emissão e nada se receba nelas;
quantum passivae, competit acquirere no entanto, às [virtudes] passivas, en-
aliquid per receptionem. Unde in quanto passivas, lhes compete adquirir
potentia quae est tantum activa, ut in algo por recepção. Por isso, na potên-
intellectu agente, non acquiritur cia que é só ativa, como no intelecto
aliquis habitus per actionem. agente, não se adquire nenhum hábito
pela ação.
11. Ad undecimum dicendum, quod 11. Respondo dizendo que quanto
quanto actio agentis est efficacior, mais eficaz é a ação do agente, tanto
tanto velocius inducit formam. Et ideo mais rapidamente produz a forma. E,
videmus in intellectualibus, quod per por isso, vemos, nas coisas intelectu-
unam demonstrationem, quae est ais, que a ciência é causada em nós,
efficax, causatur in nobis scientia; por uma demonstração que é eficaz;
opinio autem, licet sit minor scientia, mas a opinião, ainda que seja inferior à
non causatur in nobis per unum ciência, não é causada em nós por a-
syllogismum dialecticum; sed penas um silogismo dialético; porém
requiruntur plures propter eorum se requerem muitos [atos] por causa
debilitatem. Unde et in agibilibus, quia da sua debilidade. E por isso [ocorre o
operationes animae non sunt efficaces mesmo] nas coisas operáveis, porque
sicut in demonstrationibus, propter as operações da alma não são eficazes
hoc quod agibilia sunt contingentia et como nas demonstrações, pelo fato de
probabilia, ideo unus actus non sufficit que a matéria operável é contingente e
ad causandum virtutem, sed provável e, por isso, apenas um ato
requiruntur plures. Et licet illi plures não é suficiente para causar a virtude,
non sint simul, tamen habitum virtutis mas se requerem muitos. E ainda que
causare possunt: quia primus actus estes muitos [atos] não sejam simultâ-
facit aliquam dispositionem, et neos, podem, porém, causar o hábito
secundus actus inveniens materiam da virtude: porque o primeiro ato gera
dispositam adhuc eam magis disponit, alguma disposição, e o segundo ato
et tertius adhuc amplius; et sic ultimus leva a matéria disposta a se dispor a-
actus agens in virtute omnium inda mais, e o terceiro ainda mais; e
praecedentium complet generationem assim o último ato que opera segundo

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virtutis, sicut accidit de multis guttis a força de todos os precedentes com-


cavantibus lapidem. pleta a geração da virtude, como suce-
de quando de muitas gotas se perfura a
pedra.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que Avicena se
Avicenna intendit definire virtutem propõe definir a virtude natural, a qual
naturalem, quae sequitur formam segue a forma que é o princípio essen-
quae est principium essentiale; unde cial; por isso que aquela definição não
illa definitio non est ad propositum. está na questão.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que a virtude é
quod virtus generatur ex actibus gerada pelos atos de algum modo vir-
quodammodo virtuosis et tuosos e de algum modo não virtuosos.
quodammodo non virtuosis. Actus Com efeito, os atos que pertencem à
enim praecedentes virtutem, sunt virtude são certamente virtuosos quan-
quidem virtuosi quantum ad id quod to ao que se opera, isto é, enquanto o
agitur, in quantum scilicet homo agit homem realiza ações fortes e justas;
fortia et iusta; non autem quantum ad mas não conforme o modo de agir:
modum agendi: quia ante habitum porque antes do hábito adquirido da
virtutis acquisitum non agit homo virtude, o homem não realiza as obras
opera virtutis eo modo quo virtuosus da virtude do mesmo modo que o faz o
agit, scilicet prompte absque virtuoso, isto é, com prontidão e sem
dubitatione et delectabiliter absque dúvidas, com deleite e sem dificuldade.
difficultate.
14. Ad decimumquartum dicendum, 14. Respondo dizendo que a razão é
quod ratio est nobilior virtute generata mais nobre do que a virtude gerada na
in parte appetitiva, cum talis virtutis parte apetitiva, pois tal virtude não é
non sit nisi quaedam participatio senão certa participação da razão. Por-
rationis. Actus igitur qui virtutem tanto, o ato que precede a virtude pode
praecedit, potest causare virtutem, in causar a virtude, enquanto é pela ra-
quantum est a ratione, a qua habet id zão, pela qual tem o mesmo que há da
quod perfectionis in ea est. Imperfectio perfeição nela. Com efeito, a sua im-
enim eius est in potentia appetitiva, in perfeição se encontra na potência ape-
qua nondum est causatus habitus, per titiva, na qual ainda não foi causado o
quem homo delectabiliter et expedite hábito pelo qual o homem segue o que
id quod est ex imperio rationis é determinado pela razão deleitável e
consequatur. prontamente.
15. Ad decimumquintum dicendum, 15. Respondo dizendo que se diz que a
quod virtus dicitur esse ultimum virtude é o último da potência, não
potentiae, non quia semper sit aliquid porque sempre seja algo da essência da
de essentia potentiae; sed quia inclinat potência; mas porque se inclina a aqui-
ad id quod ultimo potentia potest. lo máximo que a potência pode [reali-
zar].
16. Ad decimumsextum dicendum, 16. Respondo dizendo que conforme a
quod homo secundum naturam suam sua natureza, o homem é bom em cer-
est bonus secundum quid, non autem to sentido, mas não em absoluto. No
simpliciter. Ad hoc autem quod aliquid entanto, para que algo seja bom em
sit bonum simpliciter, requiritur quod absoluto, se requer que seja totalmente
sit totaliter perfectum; sicut ad hoc perfeito; assim como para que algo

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quod aliquid sit pulchrum simpliciter seja belo em absoluto se requer que em
requiritur quod in nulla parte sit nenhuma parte haja alguma deformi-
aliqua deformitas vel turpitudo. Sim- dade ou fealdade. No entanto, é cha-
pliciter autem et totaliter bonus dicitur mado em absoluto e totalmente bom
aliquis ex hoc quod habet voluntatem porque tem boa vontade, porque pela
bonam, quia per voluntatem homo vontade o homem faz uso de todas as
utitur omnibus aliis potentiis. Et ideo outras potências. E por causa disso a
bona voluntas facit hominem bonum boa vontade torna o homem bom em
simpliciter; et propter hoc virtus appe- absoluto; e por isso a virtude da parte
titivae partis secundum quam voluntas apetitiva, segundo a qual a vontade se
fit bona, est quae simpliciter bonum torna boa, é a que faz absolutamente
facit habentem. bom o que a possui.
17. Ad decimumseptimum dicendum, 17. Respondo dizendo que os atos que
quod actus qui sunt ante virtutem, são prévios à virtude podem certamen-
possunt quidem dici naturales, te ser chamados naturais, enquanto
secundum quod a naturali ratione procedem da razão natural, segundo
procedunt, prout naturale dividitur que o natural se distingue do adquiri-
contra acquisitum; non autem possunt do; mas não podem ser chamados na-
naturales dici, prout naturale dividitur turais, enquanto que o natural se dis-
contra id quod est ex ratione. Sic au- tingue do que procede da razão. No
tem dicitur quod naturalia non dissu- entanto, se afirma que com as coisas
escimus neque assuescimus, secun- naturais não nos desabituamos nem
dum quod natura contra rationem di- nos habituamos, conforme a natureza
viditur. se distingue da razão.
18. Ad decimumoctavum dicendum, 18. Respondo dizendo que se afirma
quod gratia dicitur esse forma virtutis que a graça é uma forma da virtude
infusae; non tamen ita quod ei det esse infusa; não, contudo, no sentido que
specificum; sed in quantum per eam lhe confere o ser específico; mas en-
informatur aliqualiter actus eius. Unde quanto que de alguma maneira o seu
non oportet quod virtus politica sit per ato é informado por ela. Por isso não é
infusionem gratiae. necessário que a virtude política seja
por infusão da graça.
19. Ad decimumnonum dicendum, 19. Respondo dizendo que a virtude se
quod virtus perficitur in infirmitate, aperfeiçoa na debilidade, não porque a
non quia infirmitas causat virtutem, debilidade cause a virtude, mas porque
sed quia dat occasionem alicui virtuti, dá ocasião para certa virtude, isto é,
scilicet humilitati. Est etiam materia para a humildade. Além disso, [a debi-
alicuius virtutis, scilicet patientiae, et lidade] é matéria de certa virtude, a
etiam caritatis, in quantum aliquis in- saber, a paciência, e também da cari-
firmitati proximi subvenit. Et naturali- dade enquanto alguém socorre a debi-
ter est signum virtutis, quia tanto ani- lidade do próximo. E é naturalmente
ma virtuosior demonstratur, quanto um sinal [da posse] da virtude, porque
infirmius corpus ad actum virtutis mo- a alma se manifesta mais virtuosa en-
vet. quanto move o ato da virtude em um
corpo mais débil.
20. Ad vicesimum dicendum, quod 20. Respondo dizendo que propria-
proprie loquendo non dicitur aliquid mente falando não se diz que algo se
alterari secundum quod adipiscitur altera segundo atinge a própria perfei-

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propriam perfectionem. Unde, cum ção. Por isso, como a virtude é a per-
virtus sit propria perfectio hominis, feição própria do homem, não se diz
non dicitur homo alterari secundum que o homem se altera conforme ad-
quod acquirit virtutem; nisi forte per quire a virtude; a não ser talvez por
accidens secundum quod immutatio acidente, enquanto que a mutação da
sensibilis partis animae in qua sunt parte sensível da alma na qual estão as
animae passiones, pertinet ad virtu- paixões da alma pertence à virtude.
tem.
21. Ad vicesimumprimum dicendum, 21. Respondo dizendo que o homem
quod homo potest dici qualis vel pode designar-se de um modo
secundum qualitatem quae est in parte conforme a sua qualidade que está na
intellectiva: et sic non dicitur qualis ex parte intelectiva: e deste modo não se
naturali complexione corporis, neque designa como tal pela compleição na-
ex impressione corporis caelestis, cum tural do corpo, nem pela impressão de
pars intellectiva sit absoluta ab omni um corpo celeste, como a parte intelec-
corpore; vel potest dici homo qualis tiva é independente em relação a todo
secundum dispositionem quae est in o corpo; ou pode designar-se tal, de
parte sensitiva: quae quidem potest outro modo, conforme a disposição
esse ex naturali complexione corporis, que está na parte sensitiva, a qual, cer-
vel ex impressione corporis caelestis. tamente, pode dar-se pela compleição
Tamen quia haec pars naturaliter do corpo, ou pela impressão de um
obedit rationi, ideo potest per corpo celeste. No entanto, porque esta
assuetudinem diminui, vel totaliter parte [da alma] naturalmente obedece
tolli. à razão, pode por ela ser atenuada [em
suas tendências] por obra do costume,
ou totalmente removida.
22. Et per hoc patet responsio ad 22. E por isso é evidente a resposta ao
vicesimumsecundum; nam secundum vigésimo segundo argumento; pois
hanc dispositionem quae est in parte conforme esta disposição que está na
sensitiva, dicuntur aliqui habere parte sensitiva, se afirma que alguém
naturalem inclinationem ad vitium vel tem uma inclinação natural ao vício ou
virtutem et cetera. à virtude etc.

ARTICULUS 10 ARTIGO 10

DECIMO QUAERITUR UTRUM SINT A- DÉCIMO, SE PERGUNTA SE HÁ ALGU-


LIQUAE VIRTUTES HOMINI EX INFUSI- MAS VIRTUDES POR INFUSÃO NO HO-
ONE. MEM. 118

Et videtur quod non. E parece que não.

1. Quia in VII Physic. dicitur: unum- 1. Porque no livro VII da Física119 se


quodque perfectum est quando attin- diz: cada coisa é perfeita quando al-
git propriam virtutem. Propria autem cança a sua própria virtude. No en-
virtus uniuscuiusque est eius naturalis tanto, a virtude de cada coisa é a sua

118 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 51, a. 4; q. 63, a. 3, III Sent., D. 33, q. 1, a. 2, q.a 3.
119 ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 246 a 13.

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perfectio. Ergo ad perfectionem homi- perfeição natural. Logo, para a perfei-


nis sufficit sibi virtus connaturalis. ção do homem é suficiente a virtude
Haec autem est quae per principia na- que lhe é conatural. Contudo, esta é a
turalia causari potest. Non igitur re- que pode ser causada pelos princípios
quiritur ad perfectionem hominis quod naturais. Portanto, para a perfeição do
habeat aliquam virtutem ex infusione. homem não se requer que possua al-
guma virtude por infusão.
2. Sed dicebatur, quod oportet 2. Mas dir-se-ia que é necessário que o
hominem perfici per virtutem non homem seja aperfeiçoado pela virtude
solum in ordine ad connaturalem não só em ordem ao fim conatural,
finem, sed etiam in ordine ad mas também em ordem ao sobrenatu-
supernaturalem, qui est beatitudo ral, que é a beatitude da vida eterna, à
vitae aeternae, ad quam ordinatur qual o homem se ordena pelas virtudes
homo per virtutes infusas.- Sed contra, infusas. – Mas, ao contrário, a nature-
natura non deficit in necessariis. Sed za não é deficiente no necessário. Ora,
illud quo indiget homo ad aquilo que o homem necessita para a
consecutionem ultimi finis, est sibi consecução do último fim, lhe é neces-
necessarium. Ergo hoc potest habere sário. Logo, pode tê-lo pelos princípios
per principia naturalia; non ergo indi- naturais; portanto não necessita para
get ad hoc infusione virtutis. isso a infusão da virtude.
3. Praeterea, semen agit in virtute eius 3. Além do mais, a semente age em
a quo emittitur. Aliter enim semen virtude daquilo pelo qual é gerada.
animalis cum sit imperfectum, non Com efeito, de outro modo a semente
posset sua actione perducere ad do animal, como é imperfeita, não po-
speciem perfectam. Sed semina deria conduzir por sua ação a uma es-
virtutum sunt nobis immissa a Deo; ut pécie perfeita. Ora, as sementes das
enim dicitur in Glossa, Deus virtudes foram semeadas por Deus em
inseminavit omni animae initia nós; com efeito, como se diz na Glosa
intellectus et sapientiae. Ergo [sobre Hb 1,3]: Deus semeou em toda
huiusmodi semina agunt in virtute alma os princípios do intelecto e da
Dei. Cum igitur ex huiusmodi sabedoria. Logo, tais sementes agem
seminibus causetur virtus acquisita, em virtude de Deus. Portanto, como a
videtur quod virtus acquisita possit partir de tais sementes é causada a
ducere ad fruitionem Dei, in qua virtude adquirida, parece que a virtude
consistit beatitudo vitae aeternae. adquirida poderia conduzir ao gozo de
Deus, em que consiste a beatitude da
vida eterna.
4. Praeterea, virtus ordinat hominem 4. Além do mais, a virtude ordena o
ad beatitudinem vitae aeternae, in homem à beatitude da vida eterna,
quantum est actus meritorius. Sed enquanto o [seu] ato é meritório. Ora,
actus virtutis acquisitae potest esse o ato da virtude adquirida pode ser
meritorius vitae aeternae, si sit gratia meritório para a vida eterna, se for
informatus. Ergo ad beatitudinem vi- informado pela graça. Logo, não é ne-
tae aeternae non est necessarium ha- cessário possuir as virtudes infusas
bere virtutes infusas. para a beatitude da vida eterna.
5. Praeterea, radix merendi caritas est. 5. Além do mais, a raiz do mérito é a
Si igitur necessarium esset habere vir- caridade. Portanto, se fosse necessário
tutes infusas ad merendum vitam ae- possuir as virtudes infusas para mere-

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ternam, videtur quod sola caritas suffi- cer a vida eterna, parece que apenas
ceret; et ita non oportet habere aliquas seria suficiente a caridade; e assim não
alias virtutes infusas. seria necessário ter algumas outras
virtudes infusas.
6. Praeterea, virtutes morales 6. Além do mais, as virtudes morais
necessariae sunt ad hoc quod são necessárias para que as capacida-
inferiores vires rationi subdantur. Sed des inferiores estejam sujeitas à razão.
per virtutes acquisitas sufficienter Ora, estão suficientemente sujeitas à
rationi subduntur. Non ergo razão mediante as virtudes adquiridas.
necessarium est quod sint aliquae Logo, não é necessário que haja algu-
virtutes infusae morales ad hoc quod mas virtudes morais infusas para que a
ratio ordinetur ad aliquem specialem razão se ordene a algum fim especial;
finem; sed sufficit quod ratio hominis mas basta que a razão do homem se
in illum supernaturalem finem dirija àquele fim sobrenatural. No en-
dirigatur. Hoc autem sufficienter fit tanto, isso se realiza suficientemente
per fidem. Ergo non oportet habere pela fé. Logo, não é necessário que ha-
aliquas alias virtutes infusas. ja algumas outras virtudes infusas.
7. Praeterea, id quod fit virtute divina, 7. Além do mais, o que se faz pela vir-
non differt specie ab eo quod fit tude divina, não difere em espécie do
operatione naturae. Eadem enim spe- que se faz pela operação da natureza.
cie est sanitas quam aliquis miraculose Com efeito, é da mesma espécie a saú-
recuperat, et quam natura operatur. Si de que alguém recupera milagrosa-
igitur sit aliqua virtus infusa, quae a mente e a que é obra da natureza. Por-
Deo esset in nobis, et aliqua acquisita tanto, se houvesse alguma virtude in-
per actus nostros, non propter hoc fusa, que estivesse em nós por Deus, e
specie differrent; puta, si sit temperan- alguma [virtude] adquirida através de
tia acquisita, et temperantia infusa. nossos atos, por causa Dele não dife-
Duae autem formae quae sunt unius rem na espécie; por exemplo, se hou-
speciei, non possunt simul esse in eo- ver [em nós] a temperança adquirida e
dem subiecto. Ergo non potest esse a temperança infusa. No entanto, duas
quod ille qui habet temperantiam ac- formas que são de uma mesma espécie
quisitam, habeat temperantiam infu- não podem estar simultaneamente no
sam. mesmo sujeito. Logo, não pode ser que
aquele que possua a temperança [me-
diante os seus atos] tenha a temperan-
ça infundida por Deus.
8. Praeterea, species virtutis ex actibus 8. Além do mais, a espécie da virtude é
cognoscitur. Sed sunt idem specie conhecida a partir dos atos. Ora, os
actus temperantiae infusae et atos da temperança infusa e da adqui-
acquisitae. Ergo et virtutes specie rida [mediante os nossos atos] são da
eaedem. Probatio mediae. mesma espécie. Logo, também [são]
Quaecumque conveniunt in materia et virtudes da mesma espécie. Prova da
forma, sunt unius speciei. Sed actus [premissa] média: todas as coisas que
temperantiae infusae et acquisitae convêm na matéria e na forma são de
conveniunt in materia: uterque enim uma mesma espécie. Ora, os atos da
est circa delectabilia tactus; temperança infusa e adquirida [medi-
conveniunt etiam in forma, quia ante os nossos atos] convêm na maté-
uterque in medietate consistit. Ergo ria: com efeito, uma e outra se referem

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actus temperantiae infusae et actus às coisas deleitáveis ao tato; além dis-


temperantiae acquisitae sunt eiusdem so, convêm na forma, porque uma e
speciei. outra consistem numa [parte] inter-
mediária. Logo, os atos da temperança
infusa e os atos da temperança adqui-
rida [mediante os nossos atos] são da
mesma espécie.
9. Sed dicendum, quod differunt 9. Mas se diz que [os atos] diferem na
specie, eo quod ordinantur ad alium et espécie, porque [uns] se ordenam a um
ad alium finem: ex fine enim sumuntur fim e [outros] a outro fim: pois em ma-
species in moralibus. Sed contra, se- téria moral as espécies se determinam
cundum id aliqua possunt specie dif- pelo fim. Mas, ao contrário, segundo
ferre a quo sumitur species rei. Sed isso algumas coisas podem diferir na
species in moralibus non sumitur a espécie conforme aquilo de que se to-
fine ultimo, sed a fine proximo: aliter ma a espécie da coisa. Ora, em matéria
enim omnes virtutes essent unius moral a espécie não se toma do fim
speciei, cum omnes ad beatitudinem último, mas do fim próximo; pois, de
ordinentur sicut ad ultimum finem. outra maneira, todas as virtudes seri-
Ergo ex ordine ad ultimum finem non am de uma só espécie, como todas [as
possunt dici in moralibus aliqua esse virtudes] se ordenam à beatitude como
eiusdem speciei, vel specie differre; et ao fim último. Logo, não se pode dizer
ita temperantia infusa non differt que na matéria moral certas coisas se-
specie a temperantia acquisita, ex hoc jam de uma mesma espécie ou que
quod ordinat hominem in diferem segundo ela, por causa do úl-
beatitudinem altiorem. timo fim. E, assim, a temperança infu-
sa não difere na espécie da temperança
adquirida [mediante os nossos atos],
porque ordena o homem a uma beati-
tude mais alta.
10. Praeterea, nullus habitus moralis 10. Além do mais, nenhum hábito mo-
consequitur speciem ex hoc quod ab ral obtém a espécie porque é movido
aliquo habitu movetur. Contingit enim por algum hábito. Com efeito, ocorre
unum habitum moralem moveri vel que um hábito moral é movido ou im-
imperari a diversis secundum speciem; perado por [hábitos] diversos segundo
sicut habitus intemperantiae movetur a espécie; como o hábito da inconti-
ab habitu avaritiae, cum quis moecha- nência é movido pelo hábito da avare-
tur ut furetur; ab habitu autem crude- za, quando alguém fornica para rou-
litatis, cum quis moechatur ut occidat. bar; e pelo hábito da crueldade, quan-
Et e converso diversi habitus secun- do alguém comete um adultério para
dum speciem ab eodem habitu impe- matar. E, pelo contrário, hábitos diver-
rantur; puta cum unus moechatur ut sos segundo a espécie são dirigidos
furetur, alter vero occidit ut furetur. pelo mesmo hábito; por exemplo,
Sed temperantia vel fortitudo, aut ali- quando alguém comete um adultério
qua aliarum virtutum moralium non para roubar, mas outro mata para rou-
habet actum ordinatum ad beatitudi- bar. Ora, a temperança, a fortaleza, ou
nem vitae aeternae, nisi in quantum alguma das outras virtudes morais,
imperatur a virtute quae ultimum fi- não tem o seu ato ordenado à beatitu-
nem habet pro obiecto. Ergo ex hoc de da vida eterna, a não ser enquanto

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non consequitur speciem; et ita per [este] é imperado pela virtude que tem
hoc virtus infusa moralis non differt por objeto o fim último. Logo, por este
specie a virtute acquisita per hoc quod [último] não obtém a espécie; e dessa
ordinatur ad finem vitae aeternae. maneira a virtude moral infundida
[por Deus] não difere na espécie da
virtude adquirida [pelos nossos hábi-
tos] porque se ordena ao fim da vida
eterna.
11. Praeterea, virtus infusa est in 11. Além do mais, a virtude está na
mente sicut in subiecto: dicit enim mente como no sujeito; pois diz Agos-
Augustinus, quod virtus est bona tinho que a virtude é uma boa qualida-
qualitas mentis, quam Deus in nobis de da mente, que Deus age em nós sem
sine nobis operatur. Sed virtutes nós. Ora, as virtudes morais não estão
morales non sunt in mente sicut in na mente como no sujeito: pois a tem-
subiecto: nam temperantia et fortitudo perança e a fortaleza são [virtudes] das
sunt irrationabilium partium, ut partes irracionais [da alma], como diz
philosophus dicit III Ethic. Ergo virtu- o Filósofo no livro III da Ética120. Lo-
tes morales non sunt infusae. go, não há virtudes morais infusas.
12. Praeterea, contraria sunt unius 12. Além do mais, os contrários são de
rationis. Sed vitium quod est contrari- uma mesma natureza. Ora, o vício, que
um virtuti, nunquam infunditur, sed é contrário à virtude, nunca é infundi-
solum ex actibus nostris causatur. Er- do, mas somente causado pelos nossos
go nec virtutes infunduntur, sed solum atos. Logo, as virtudes não são infun-
ex actibus nostris causantur. didas, mas apenas são causadas pelos
nossos atos.
13. Praeterea, homo ante 13. Além do mais, antes da aquisição
acquisitionem virtutis est in potentia da virtude o homem está em potência
ad virtutes. Sed potentia et actus sunt em relação às virtudes. Ora, a potência
unius generis: omne enim genus e o ato são de um mesmo gênero: com
dividitur per potentiam et actum, ut efeito, todo gênero se divide em função
patet in III Physic. Cum ergo potentia da potência e do ato, como se mostra
ad virtutem non sit ex infusione, vide- no livro III da Física121. Logo, como a
tur quod nec virtus ex infusione sit. potência em relação à virtude não é
infundida, parece que a virtude não é
infundida.
14. Praeterea, si virtutes infunduntur, 14. Além do mais, se as virtudes são
oportet quod simul infunduntur. Cum infundidas, é necessário que sejam
gratia autem infunditur homini qui in infundidas simultaneamente. No en-
peccato fuit, in actu; tunc non tanto, como a graça é infundida em ato
infunduntur sibi habitus virtutum no homem que esteve em pecado, en-
moralium: adhuc enim post tão não lhe são infundidos os hábitos
contritionem patitur passionum das virtudes morais: com efeito, ainda
molestias; quod non est virtuosi, sed depois da contrição padece as inquie-
forte continentis: differt enim tudes das paixões; o que não é próprio
continens a temperato per hoc quod do virtuoso, mas talvez do continente:

120 ARISTÓTELES, Ethica nicomachea, III, 10, 1117 b 23.


121 ARISTÓTELES, Physica, III, 1, 201 a 9.

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continens patitur quidem, sed non pois o continente difere do temperado


deducitur; temperatus autem non porque o continente certamente sofre,
patitur, ut dicitur in VII Ethic. Ergo mas não se deixa levar [por elas]; mas
videtur quod virtutes non sint nobis ex o temperado não sofre, como se diz no
infusione gratiae. livro VII da Ética122. Logo, parece que
as virtudes não estão em nós por infu-
são da graça.
15. Praeterea, dicit philosophus II 15. Além do mais, diz o Filósofo no
Ethic., quod signum generati habitus livro II da Ética123, que é necessário
oportet accipere fientem in operatione tomar como sinal de um hábito gerado
delectationem. Sed post contritionem o ter deleitação na operação. Ora, de-
non statim delectabiliter aliquis pois da contrição nada age imediata-
operatur ea quae sunt virtutum mente com deleite, o que pertence às
moralium. Ergo nondum habet habi- virtudes morais. Logo, ainda não tem o
tum virtutum; non ergo virtutes mora- hábito das virtudes; portanto, as virtu-
les causantur in nobis ex infusione gra- des morais não são causadas em nós
tiae. por infusão da graça.
16. Praeterea, ponamus quod in aliquo 16. Além do mais, suponhamos que
ex multis actibus malis causatus sit em alguém certo hábito vicioso seja
aliquis habitus vitiosus: manifestum causado por muitos atos maus: é mani-
est quod in uno actu contritionis festo que por um só ato de contrição
dimittuntur sibi peccata et infunditur lhe são perdoados o seus pecados e lhe
gratia. Per unum autem actum non é infundida a graça. No entanto, por
destruitur habitus acquisitus, sicut nec um ato [mau] não se perde o hábito
per unum generatur. Cum igitur cum adquirido, como tampouco se gera por
gratia simul infundantur virtutes um [só] ato. Portanto, posto que, junto
morales, sequitur quod habitus virtutis com a graça, são infundidas simulta-
moralis simul sit cum habitu vitii neamente as virtudes morais, se segue
oppositi; quod est impossibile. que o hábito da virtude moral se dá
simultaneamente com o hábito do ví-
cio oposto; o que é impossível.
17. Praeterea, ex eodem generatur 17. Além do mais, pelo mesmo, a vir-
virtus et corrumpitur, ut dicitur III tude se gera e também se corrompe,
Ethic. Si igitur virtus non causetur in como se diz no livro III da Ética124.
nobis ex actibus nostris, videtur sequi Portanto, se a virtude não é causada
quod neque ex actibus nostris em nós pelos nossos atos, parece se-
corrumpatur; et ita sequitur quod guir-se que não se corrompe por nos-
aliquis peccando mortaliter non sos atos; e assim se segue que alguém
amittat virtutem: quod est pecando mortalmente não perde a vir-
inconveniens. tude: o que é inconveniente.
18. Praeterea, idem videtur esse mos 18. Além do mais, parece que moral e
et consuetudo. Ergo et eadem est vir- costume são o mesmo. Logo, também
tus moralis et consuetudinalis. Sed a virtude moral é o mesmo que a dos
virtus consuetudinalis dicitur ex con- costumes. Ora, a virtude se denomina
suetudine; causatur enim ex frequenti dos costumes por ser através dos cos-

122 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VII, 9, 1151 b 33.


123 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 3, 1104 b 5.
124 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 3, 1104 b 5.

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bene agere. Ergo omnis virtus moralis tumes; com efeito, é causada pelo fre-
causatur ex actibus, et non ex infusio- quente agir bem. Logo, toda a virtude
ne gratiae. moral é causada pelos atos, e não por
infusão da graça.
19. Praeterea, si aliquae virtutes sunt 19. Além do mais, se algumas virtudes
infusae, oportet quod earum actus sint são infusas, é necessário que os seus
efficaciores quam actus hominis non atos sejam mais eficazes do que os atos
habentis virtutes. Sed ex huiusmodi do homem que não tinha a virtude.
actibus causatur aliquis habitus Ora, por tais atos é causado certo hábi-
virtutis in nobis. Ergo et ex actibus to da virtude em nós. Logo, também
virtutum infusarum, si aliquae sunt pelos atos das virtudes infusas, se al-
tales. Sed sicut dicitur II Ethic., quales gumas são tais. Ora, como se diz no
sunt habitus, tales actus reddunt; et livro II da Ética125, quais são os hábi-
quales sunt actus, tales habitus cau- tos, tais [são] os atos que produzem; e
sant. Habitus igitur causati ex actibus quais são os atos, tais são causados
virtutum infusarum, sunt eiusdem pelos hábitos. Por consequência, os
speciei cum virtutibus infusis. Sequitur hábitos causados pelos atos das virtu-
igitur quod duae formae eiusdem spe- des infusas são da mesma espécie que
ciei sunt simul in eodem subiecto. Hoc as virtudes infusas. Portanto, se segue
est autem impossibile. Ergo impossibi- que as duas formas da mesma espécie
le videtur quod sint in nobis aliquae estão simultaneamente no mesmo su-
virtutes infusae. jeito. No entanto, isso é impossível.
Logo, parece impossível que haja em
nós algumas virtudes infusas.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Lucae, XXIV, 49, dicitur: sedete hic 1. Em Lc 24, 49 se diz: permanecei na


in civitate donec induamini virtute ex cidade, até serdes revestidos da força
alto. do alto.
2. Praeterea, Sap., VIII, 7, de divina 2. Além do mais, em Sb 8, 7, se diz
sapientia dicitur, quod sobrietatem et acerca da sabedoria divina que ensina
iustitiam docet, et cetera. Docet autem a sobriedade e a justiça etc. No entan-
spiritus sapientiae virtutem, eam cau- to, o espírito ensina a virtude da sabe-
sando. Ergo videtur quod virtutes mo- doria causando-a. Logo, parece que há
rales sint nobis infusae a Deo. virtudes que estão em nós infundidas
por Deus.
3. Praeterea, actus virtutum quaru- 3. Além do mais, os atos de virtudes de
mlibet debent esse meritorii, ad hoc qualquer natureza devem ser meritó-
quod per eas in beatitudinem duca- rios para que sejamos conduzidos por
mur. Sed meritum non potest esse nisi eles até a beatitude. Ora, não pode ha-
ex gratia. Ergo videtur quod virtutes ver mérito senão a partir da graça. Lo-
causantur in nobis ex infusione gratia- go, parece que as virtudes são causa-
e. das em nós por infusão da graça.

RESPONDEO RESPONDO

125 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 1, 1103 b 14; 21.

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Respondeo. Dicendum, quod praeter Respondo dizendo que além das virtu-
virtutes acquisitas ex actibus nostris, des adquiridas pelos nossos atos, as-
sicut iam dictum est, oportet ponere sim como já foi dita, são necessárias
alias virtutes in homine a Deo infusas. [entre as virtudes que há] no homem
Cuius ratio hinc accipi potest, quod outras virtudes infundidas por Deus. E
virtus, ut dicit philosophus, est quae a razão de ser pode tomar-se do se-
bonum facit habentem, et opus eius guinte: a virtude, como diz o Filósofo,
bonum reddit. Secundum igitur quod é o que torna bom aquele que a possui,
bonum diversificatur in homine, e torna boa a sua obra. Portanto, en-
oportet etiam quod et virtus quanto que o bem se diversifica no
diversificetur; sicut patet quod aliud homem, também é necessário que se
est bonum hominis in quantum et diversifique na virtude; assim como se
homo, et aliud in quantum civis. Et mostra que um é o bem do homem
manifestum est quod aliquae operatio- enquanto é homem, e outro enquanto
nes possent esse convenientes homini é cidadão. E é manifesto que algumas
in quantum est homo, quae non essent operações poderiam ser convenientes
convenientes ei secundum quod est ao homem enquanto é homem, o que
civis. Et propter hoc philosophus dicit não lhe seriam convenientes ao ho-
in III Politic., quod alia est virtus quae mem enquanto é cidadão. E por causa
facit hominem bonum, et alia quae disso diz o Filósofo no livro III da Polí-
facit civem bonum. Considerandum est tica126, que uma é a virtude que faz o
autem, quod est duplex hominis bo- homem bom e outra a que o faz bom
num; unum quidem quod est propor- cidadão. No entanto, deve-se conside-
tionatum suae naturae; aliud autem rar que há um duplo bem do homem;
quod suae naturae facultatem excedit. um, certamente, o que é proporciona-
Cuius ratio est, quia oportet quod pas- do à sua natureza; e outro, o que exce-
sivum consequatur perfectiones ab de à capacidade de sua natureza. E a
agente diversimode secundum diversi- razão disso se encontra em que é ne-
tatem virtutis agentis; unde videmus cessário que [o princípio] passivo ad-
quod perfectiones et formae quae cau- quira as perfeições do agente de modo
santur ex actione naturalis agentis, diverso conforme a diversidade da vir-
non excedunt naturalem facultatem tude do agente; por isso, vemos que as
recipientis: potentiae enim passivae perfeições e as formas que são causa-
naturali proportionatur virtus activa das pela ação de um agente natural
naturalis. Sed perfectiones et formae não excedem a capacidade natural do
quae proveniunt ab agente supernatu- que as recebe: com efeito, a virtude
rali infinitae virtutis, quod Deus est, ativa natural é proporcionada à potên-
excedunt facultatem naturae recipien- cia passiva natural. Ora, as perfeições e
tis. Unde anima rationalis, quae im- as formas que provêm do agente so-
mediate a Deo causatur, excedit capa- brenatural da virtude infinita, que é
citatem suae materiae, ita quod mate- Deus, excedem a capacidade da natu-
ria corporalis non totaliter potest reza do que as recebe. Por isso, a alma
comprehendere et includere ipsam; racional, que é causada imediatamente
sed remanet aliqua virtus eius et ope- por Deus, excede a capacidade da sua
ratio in qua non communicat materia matéria, de tal maneira que a matéria

126 ARISTÓTELES, Politica, III, 2, 1276 b 16; 1276 b 30.

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corporalis; quod non contingit de ali- corporal não pode abarcá-la e incluí-la
qua aliarum formarum quae causantur totalmente; e [a alma] conserva além
ab agentibus naturalibus. Sicut autem alguma virtude própria e a operação
homo suam primam perfectionem, na qual não se comunica com a maté-
scilicet animam, acquirit ex actione ria corporal; o que não sucede a pro-
Dei; ita et ultimam suam perfectio- pósito de nenhuma das outras formas
nem, quae est perfecta hominis felici- que são causadas pelos agentes natu-
tas, immediate habet a Deo, et in ipso rais. No entanto, assim como o homem
quiescit: quod quidem ex hoc patet adquire a sua primeira perfeição, a
quod naturale hominis desiderium in saber, a alma, pela ação de Deus; as-
ullo alio quietari potest, nisi in solo sim também a sua última perfeição,
Deo. Innatum est enim homini ut ex que é a felicidade perfeita do homem, a
causatis desiderio quodam moveatur tem imediatamente por Deus, e n’Ele
ad inquirendum causas; nec quiescit mesmo descansa: o que certamente é
istud desiderium quousque perventum evidente porque o desejo natural do
fuerit ad primam causam, quae Deus homem não pode inquietar-se em ne-
est. Oportet igitur quod, sicut prima nhum outro, senão apenas em Deus.
perfectio hominis, quae est anima rati- Com efeito, é natural ao homem o que
onalis, excedit facultatem materiae a partir das coisas que procedem de
corporalis; ita ultima perfectio ad qu- uma causa seja movido por certo dese-
am homo potest pervenire, quae est jo para inquirir as causas; e que não
beatitudo vitae aeternae, excedat facul- descanse esse desejo até que seja ele-
tatem totius humanae naturae. Et quia vado à primeira causa, que é Deus.
unumquodque ordinatur ad finem per Portanto, é necessário que assim como
operationem aliquam; et ea quae sunt a primeira perfeição do homem, que é
ad finem, oportet esse aliqualiter fini a alma racional, exceda a capacidade
proportionata; necessarium est esse da matéria corporal; assim também a
aliquas hominis perfectiones quibus perfeição última a que o homem pode
ordinetur ad finem supernaturalem, chegar, que é a beatitude da vida eter-
quae excedant facultatem principio- na, exceda a capacidade de toda a na-
rum naturalium hominis. Hoc autem tureza humana. E porque cada um se
esse non posset, nisi supra principia ordena ao fim por alguma operação é
naturalia aliqua supernaturalia opera- necessário que as coisas que são em
tionum principia homini infundantur a relação ao fim sejam de algum modo
Deo. Naturalia autem operationum proporcionadas ao fim, é necessário
principia sunt essentia animae, et po- que haja algumas perfeições do ho-
tentiae eius, scilicet intellectus et vo- mem por via das quais se ordena ao
luntas, quae sunt principia operatio- fim sobrenatural e que estas excedam
num hominis, in quantum huiusmodi; a capacidade dos princípios naturais
nec hoc esse posset, nisi intellectus do homem. No entanto, isto não pode-
haberet cognitionem principiorum per ria dar-se a não ser que sejam infundi-
quae in aliis dirigeretur, et nisi volun- dos por Deus no homem alguns prin-
tas haberet naturalem inclinationem cípios sobrenaturais das operações,
ad bonum naturae sibi proportiona- além dos princípios naturais. Contudo,
tum; sicut in praecedenti quaestione os princípios naturais das operações
dictum est. Infunditur igitur divinitus são a essência da alma e as suas potên-
homini ad peragendas actiones ordina- cias, a saber, o intelecto e a vontade,
tas in finem vitae aeternae primo qui- que são os princípios das operações do

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dem gratia, per quam habet anima homem enquanto tal; e isso não pode-
quoddam spirituale esse, et deinde ria ser se o intelecto não estabelecesse
fides, spes et caritas; ut per fidem in- o conhecimento dos princípios pelos
tellectus illuminetur de aliquibus su- quais fosse conduzido em outras [ope-
pernaturalibus cognoscendis, quae se rações], e a não ser que a vontade ti-
habent in isto ordine sicut principia vesse uma inclinação natural ao bem
naturaliter cognita in ordine connatu- que é proporcionado à sua natureza;
ralium operationum; per spem autem como foi dito em uma questão prece-
et caritatem acquirit voluntas quam- dente. Portanto, para realizar acaba-
dam inclinationem in illud bonum su- damente as ações ordenadas ao fim da
pernaturale ad quod voluntas humana vida eterna é infundida por parte de
per naturalem inclinationem non suf- Deus no homem, certamente em pri-
ficienter ordinatur. Et sicut praeter meiro lugar, a graça, pela qual a alma
ista principia naturalia requiruntur tem certo ser espiritual, e logo a fé, a
habitus virtutum ad perfectionem ho- esperança e a caridade; para que pela
minis secundum modum sibi connatu- fé o intelecto seja iluminado pelo co-
ralem, ut supra dictum est; ita ex divi- nhecimento de certas verdades sobre-
na influentia consequitur homo, prae- naturais, que estão nesta ordem como
ter praemissa supernaturalia principia, os princípios naturalmente conhecidos
aliquas virtutes infusas, quibus perfici- no domínio das operações conaturais;
tur ad operationes ordinandas in fi- pela esperança e a caridade a vontade
nem vitae aeternae. adquire uma certa inclinação até aque-
le bem sobrenatural ao qual a vontade
humana não se ordena de modo ade-
quado mediante a inclinação natural. E
assim, além desses princípios naturais,
se requer os hábitos das virtudes em
relação à perfeição do homem confor-
me o modo de ser que lhe é conatural,
como foi dito acima, [e se requer tam-
bém], além dos princípios sobrenatu-
rais, que o homem adquira algumas
virtudes infusas pelas quais é aperfei-
çoado para que as suas operações se-
jam ordenadas conforme o fim da vida
eterna.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que conforme a


sicut secundum primam perfectionem primeira perfeição o homem é perfeito
homo est perfectus dupliciter; uno de dois modos; um modo, segundo as
modo secundum nutritivam et sensiti- [partes] vegetativa e sensitiva, a qual a
vam, quae quidem perfectio non exce- perfeição não excede certamente a ca-
dit capacitatem materiae corporalis; pacidade da matéria corporal; e de ou-
alio modo secundum partem intellecti- tro modo segundo a parte intelectiva, a
vam, quae naturalem et corporalem que excede a natural e a corporal: e
excedit: et secundum hanc simpliciter segundo esta o homem é perfeito em

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est homo perfectus, primo autem mo- absoluto, mas do primeiro modo [o] é
do secundum quid; ita et quantum ad de forma relativa; assim também
perfectionem finis, dupliciter homo quanto à perfeição do fim o homem
potest esse perfectus: uno modo se- pode ser perfeito de dois modos: de
cundum capacitatem suae naturae, alio um modo, segundo a capacidade da
modo secundum quamdam supernatu- sua natureza, de outro modo segundo
ralem perfectionem: et sic dicitur ho- certa perfeição sobrenatural: e deste
mo perfectus esse simpliciter; primo [segundo] modo se diz que o homem é
autem modo secundum quid. Unde perfeito em absoluto, mas do primeiro
duplex competit virtus homini; una modo de forma relativa. Por isso, com-
quae respondet primae perfectioni, pete ao homem uma dupla virtude:
quae non est completa virtus; alia quae uma, que corresponde à primeira per-
respondet suae perfectioni ultimae: et feição, a qual não é a virtude completa;
haec est vera et perfecta hominis vir- outra, que corresponde à sua perfeição
tus. última, e esta é a verdadeira e perfeita
virtude do homem.
2. Ad secundum dicendum, quod na- 2. Respondo dizendo que a natureza
tura providit homini in necessariis se- proveu o homem das coisas necessá-
cundum suam virtutem; unde respectu rias conforme a sua virtude: por isso
eorum quae facultatem naturae non em relação às coisas que não excedem
excedunt, habet homo a natura non à capacidade da natureza, o homem
solum principia receptiva, sed etiam tem na natureza não só os princípios
principia activa. Respectu autem eo- receptivos, mas também os princípios
rum quae facultatem naturae exce- ativos. No entanto, em relação às coi-
dunt, habet homo a natura aptitudi- sas que excedem à capacidade da natu-
nem ad recipiendum. reza, o homem tem a aptidão para ser
receptivo.
3. Ad tertium dicendum, quod semen 3. Respondo dizendo que a semente
hominis agit secundum totam virtutem do homem age conforme toda a virtu-
hominis. Semina autem virtutum ani- de do homem. No entanto, as semen-
mae humanae naturaliter indita non tes das virtudes da alma humana que
agunt secundum totam virtutem Dei; estão naturalmente introduzidas não
unde non sequitur quod ex eis possit agem conforme toda a virtude de
causari quidquid potest causare Deus. Deus; por isso que não se segue que
por elas pode ser causado tudo o que
Deus pode causar.
4. Ad quartum dicendum, quod cum 4. Respondo dizendo que, como não
nullum meritum sit sine caritate, actus há mérito sem a caridade, o ato da vir-
virtutis acquisitae, non potest esse tude adquirida não pode ser meritório
meritorius sine caritate. Cum caritate sem a caridade. No entanto, com a ca-
autem simul infunduntur aliae ridade são infundidas simultaneamen-
virtutes; unde actus virtutis acquisitae te as outras virtudes; por isso que o ato
non potest esse meritorius nisi da virtude adquirida não pode ser me-
mediante virtute infusa. Nam virtus ritório senão mediante a virtude infu-
ordinata in finem inferiorem non facit sa. Com efeito, a virtude ordenada a
actus ordinatum ad finem superiorem, um fim inferior não torna o ato orde-
nisi mediante virtute superiori; sicut nado ao fim superior, mas mediante a
fortitudo, quae est virtus hominis qua virtude superior; assim como a fortale-

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homo, non ordinat actum suum ad za, que é a virtude do homem enquan-
bonum politicum, nisi mediante to homem, não ordena o seu ato ao
fortitudine quae est virtus hominis in bem político, senão mediante a fortale-
quantum est civis. za que é a virtude do homem enquanto
é cidadão.
5. Ad quintum dicendum, quod 5. Respondo dizendo que quando al-
quando aliqua actio procedit ex guma ação procede de muitos agentes
pluribus agentibus ad invicem reciprocamente ordenados, a sua per-
ordinatis, eius perfectio et bonitas feição e bondade pode ser impedida
impediri potest per impedimentum pelo obstáculo de um só dos agentes,
unius agentium, etiam si aliud fuerit inclusive se o outro fosse perfeito: com
perfectum: quantumcumque enim efeito, ainda que o artista seja perfeito,
artifex sit perfectus, non faciet não haverá a operação perfeita se o
operationem perfectam, si instrumento for defeituoso. No entan-
instrumentum fuerit defectivum. In to, nas operações do homem, as quais
operationibus autem hominis quas é necessário que se tornem boas medi-
oportet bonas fieri per virtutem, hoc ante a virtude, deve-se considerar que
considerandum est: quod actio superi- a ação da potência superior não de-
oris potentiae non dependet ab inferi- pende da potência inferior; mas a ação
ori potentia; sed actio inferioris de- da inferior depende da superior. E por
pendet a superiori. Et ideo ad hoc causa disso que para que os atos das
quod actus inferiorum virium sint per- forças inferiores sejam perfeitos, isto é,
fecti, scilicet irascibilis et concupiscibi- os do irascível e concupiscível, não só
lis, requiritur quod non solum intellec- se requer que o intelecto esteja orde-
tus sit ordinatus in finem ultimum per nado ao fim último através da fé e da
fidem, et voluntas per caritatem; sed vontade mediante a caridade; mas
etiam quod inferiores vires, scilicet também que as forças inferiores, isto é,
irascibilis et concupiscibilis, habeant o irascível e o concupiscível tenham as
proprias operationes, ad hoc quod ea- próprias operações para que os seus
rum actus sint boni, et ordinabiles in atos sejam bons e ordenáveis ao fim
finem ultimum. último.
6. Unde etiam patet solutio ad sextum. 6. Por isso também é evidente a solu-
ção para o sexto argumento.
7. Ad septimum dicendum, quod 7. Respondo dizendo que toda forma
omnem formam quam operatur que é produzida pela natureza Deus
natura, potest etiam eamdem specie também pode produzir por si mesmo,
Deus operari per seipsum sine sem o concurso da obra da natureza, a
operatione naturae: et secundum hoc, mesma realidade que produz a nature-
sanitas quae a Deo miraculose za: e por isso, a saúde que se obtém
perficitur, est eiusdem speciei cum milagrosamente por Deus é da mesma
sanitate quam facit natura. Unde non espécie que a saúde que causa a natu-
sequitur quod omnem formam quam reza. Por isso não se segue que toda
Deus potest facere, possit etiam natura forma que Deus possa causar possa
perficere; unde non oportet quod vir- também produzir a natureza; por cau-
tus infusa, quae est immediate a Deo, sa disso, não é necessário que a virtude
sit eiusdem speciei cum virtute acqui- infusa, que é imediatamente [causada]
sita. por Deus, seja da mesma espécie que a
virtude adquirida.

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8. Ad octavum dicendum, quod 8. Respondo dizendo que a temperan-


temperantia infusa et acquisita ça infusa e a adquirida convergem na
conveniunt in materia, utraque enim matéria, pois ambas são relativas às
est circa delectabilia tactus; sed non coisas deleitáveis ao tato; mas não
conveniunt in forma effectus vel actus: convergem na forma do efeito ou do
licet enim utraque quaerat medium, ato: pois ainda que uma e outra bus-
tamen alia ratione requirit medium quem o meio, no entanto a temperança
temperantia infusa quam temperantia infusa busca o meio de um modo dis-
acquisita. Nam temperantia infusa ex- tinto do que a temperança adquirida
quirit medium secundum rationes le- [mediante os nossos atos]. Porque a
gis divinae, quae accipiuntur ex ordine temperança infusa busca o meio se-
ad ultimum finem; temperantia autem gundo as razões da lei divina, que se
acquisita accipit medium secundum tomam da ordenação ao último fim;
inferiores rationes, in ordine ad bo- mas a temperança adquirida toma o
num praesentis vitae. meio conforme as razões inferiores, em
ordem ao bem da vida presente.
9. Ad nonum dicendum, quod ultimus 9. Respondo dizendo que o último fim
finis non dat speciem in moralibus nisi não estabelece a espécie nas coisas
quatenus in fine proximo est debita morais, a não ser enquanto no fim
proportio ad ultimum finem; oportet próximo há uma proporção devida ao
enim ea quae sunt ad finem, esse último fim; pois é necessário que o que
proportionata fini. Et hoc etiam boni- está para o fim esteja proporcionado
tas consilii requirit, ut quis convenienti ao fim. E também a bondade do conse-
medio finem sortiatur, ut patet per lho requer isto, que alguém eleja o fim
philosophum VI Metaph. por um meio conveniente, como mos-
tra o Filósofo no livro VI da Metafísi-
ca127.
10. Ad decimum dicendum, quod 10. Respondo dizendo que o ato de
actus alicuius habitus, prout imperatur algum hábito, enquanto é dirigido por
ab illo habitu, accipit quidem speciem aquele hábito, recebe certamente a
moralem, formaliter loquendo, de ipso espécie moral, formalmente falando,
actu; unde cum quis fornicatur ut do mesmo ato; por isso, quando al-
furetur, actus iste licet materialiter sit guém fornica para roubar, ainda que
intemperantiae, tamen formaliter est esse ato seja materialmente da intem-
avaritiae. Sed licet actus perança, no entanto é formalmente de
intemperantiae accipiat aliqualiter avareza. Ora, ainda que o ato da in-
speciem, prout imperatur ab avaritia; temperança receba de alguma maneira
non tamen ex hoc intemperantia a espécie enquanto que é dirigido pela
speciem accipit secundum quod actus avareza; no entanto a intemperança
est ab avaritia imperatus. Ex hoc ergo não recebe a espécie porque o seu ato é
quod actus temperantiae vel fortitudi- dirigido pela avareza. Portanto, por
nis imperantur a caritate ordinante eos isso que os atos da temperança ou da
in ultimum finem; ipsi quidem actus fortaleza são dirigidos pela caridade
formaliter speciem sortiuntur: nam que os ordena ao último fim; os pró-
formaliter loquendo fiunt actus carita- prios atos, de fato, obtêm formalmente
tis; non tamen ex hoc sequeretur quod a espécie; pois formalmente falando,

127 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, III, 3 1112 b 11.

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temperantia vel fortitudo speciem sor- são atos da caridade. Por consequên-
tiantur. Non igitur temperantia et for- cia, não se seguiria disso que a tempe-
titudo infusae differunt specie ab ac- rança ou a fortaleza infusas não dife-
quisitis ex hoc quod imperantur a cari- rem especificamente das adquiridas
tate earum actus; sed ex hoc quod ea- porque os seus atos são imperados pe-
rum actus secundum eam rationem la caridade; mas porque os seus atos
sunt in medio constituti, prout ordina- constituem um meio conforme aquela
biles ad ultimum finem qui est caritatis proporção segundo a qual são ordena-
obiectum. dos ao último fim que é o objeto da
caridade.
11. Ad undecimum dicendum, quod 11. Repondo dizendo que a temperan-
temperantia infusa est in irascibili, ça infusa está no irascível, mas o iras-
irascibilis autem et concupiscibilis sic cível e o concupiscível são designados
accipiunt nomen rationis vel [potências] da razão ou racionais, en-
rationalis, in quantum participant quanto participam de algum modo da
aliqualiter ratione, in quantum razão, na medida em que a obedecem.
obediunt ei. Illa ergo secundum eum- Logo, aquelas [potências, isto é, o iras-
dem modum accipiunt nomen mentis, cível e o concupiscível] se designam
prout obediunt menti; ut verum sit como [potências] da mente da mesma
quod Augustinus dicit, quod virtus in- maneira, enquanto obedecem à mente;
fusa est bona qualitas mentis. como é verdadeiro o que diz Agosti-
nho, que a virtude infusa é uma boa
qualidade da mente.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que o vício tem
vitium hominis est per hoc quod ad lugar no homem porque se reduz ao
inferiora reducitur; sed virtus eius est inferior; mas a sua virtude porque se
per hoc quod in superiora elevatur; et eleva ao superior; e por isso o vício não
ideo vitium non potest esse ex pode ser infundido, mas apenas a vir-
infusione, sed solum virtus. tude.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que quando
quod quando aliquod passivum natum algo passivo é naturalmente apto para
est consequi diversas perfectiones a alcançar diversas perfeições dos diver-
diversis agentibus ordinatis, secundum sos agentes ordenados conforme a di-
differentiam et ordinem potentiarum ferença e a ordem das potências ativas
activarum in agentibus, est differentia nos agentes, há a diferença e a ordem
et ordo potentiarum passivarum in das potências passivas no passivo,
passivo; quia potentiae passivae res- porque a potência ativa corresponde à
pondet potentia activa: sicut patet potência passiva: assim se mostra que
quod aqua vel terra habet aliquam po- a água ou a terra têm alguma potência
tentiam secundum quam nata est mo- enquanto são naturalmente aptas a
veri ab igne; et aliam secundum quam serem movidas pelo fogo; e outra, en-
nata est moveri a corpore caelesti; et quanto é naturalmente apta a ser mo-
ulterius aliam secundum quam nata vida pelo corpo celeste; e finalmente
est moveri a Deo. Sicut enim ex aqua outra, enquanto é naturalmente apta
vel terra potest aliquid fieri virtute para ser movida por Deus. Com efeito,
corporis caelestis, quod non potest assim como pela virtude do corpo ce-
fieri virtute ignis; ita ex eis potest ali- leste pode haver algo a partir da água
quid fieri virtute supernaturalis agen- ou da terra que não pode realizar-se

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tis quod non potest fieri virtute alicu- pela virtude do fogo; assim também
ius naturalis agentis; et secundum hoc pela virtude do agente sobrenatural
dicimus, quod in tota creatura est qua- pode haver algo a partir deles que não
edam obedientialis potentia, prout tota pode realizar-se pela virtude do agente
creatura obedit Deo ad suscipiendum natural; e segundo isso dizemos que
in se quidquid Deus voluerit. Sic igitur em toda criatura há certa potência da
et in anima est aliquid in potentia, obediência, uma vez que toda criatura
quod natum est reduci in actum ab obedece a Deus para receber em si tu-
agente connaturali; et hoc modo sunt do o que Deus queria. Portanto, dessa
in potentia in ipsa virtutes acquisitae. maneira também há algo na potência
Alio modo aliquid est in potentia in da alma que é naturalmente apto para
anima quod non est natum educi in ser reduzido a ato por um agente cona-
actum nisi per virtutem divinam; et sic tural; e desse modo as virtude adquiri-
sunt in potentia in anima virtutes das [mediante os nossos atos] estão na
infusae. potência na mesma [alma]. De outro
modo, há algo na potência da alma que
não é naturalmente apto para ser re-
duzido a ato a não ser pela virtude di-
vina; e dessa maneira as virtudes infu-
sas estão em potência na alma.
14. Ad decimumquartum dicendum, 14. Respondo dizendo que as paixões
quod passiones ad malum inclinantes que se inclinam para o mal não são
non totaliter tolluntur neque per totalmente suprimidas nem pela virtu-
virtutem acquisitam neque per de adquirida [mediante os nossos a-
virtutem infusam, nisi forte tos], nem pela virtude infusa, a não ser
miraculose; quia semper remanet talvez milagrosamente; porque sempre
colluctatio carnis contra spiritum, permanece o combate da carne contra
etiam post moralem virtutem; de qua o espírito, mesmo depois da virtude
dicit apostolus, Gal., V, 17, quod caro moral; conforme diz o Apóstolo em Gl
concupiscit adversus spiritum, 5, 17 que a carne tem aspirações con-
spiritus autem adversus carnem. Sed trárias ao espírito e o espírito contrá-
tam per virtutem acquisitam quam rias à carne. Ora, tais paixões são re-
infusam huiusmodi passiones modifi- guladas tanto pela virtude adquirida
cantur, ut ab his homo non effrenate [mediante os nossos atos] como pela
moveatur. Sed quantum ad aliquid infusa, para que o homem não seja
praevalet in hoc virtus acquisita, et movido por elas desenfreadamente.
quantum ad aliquid virtus infusa. Vir- Mas algo prevalece seja quanto à vir-
tus enim acquisita praevalet quantum tude adquirida, seja quanto à virtude
ad hoc quod talis impugnatio minus infusa. Com efeito, a virtude adquirida
sentitur. Et hoc habet ex causa sua: prevalece quanto a isto: que tal oposi-
quia per frequentes actus quibus homo ção [das paixões] é menos sentida. E
est assuefactus ad virtutem, homo iam por isso se dá [no homem] em razão
dissuevit talibus passionibus obedire, dela: porque mediante os atos frequen-
cum consuevit eis resistere; ex quo tes pelos quais o homem é habituado à
sequitur quod minus earum molestias virtude, [o mesmo] homem já se desa-
sentiat. Sed praevalet virtus infusa bituou a obedecer a tais paixões, pois
quantum ad hoc quod facit quod hu- se habitou a resisti-las; do que se segue
iusmodi passiones etsi sentiantur, nul- que sente menos as suas moléstias.

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lo tamen modo dominentur. Virtus Ora, a virtude infusa prevalece quanto


enim infusa facit quod nullo modo o- a isto: faz que, apesar de tais paixões
bediatur concupiscentiis peccati; et se sentirem, contudo, não são domi-
facit hoc infallibiliter ipsa manente. nantes de modo algum. Com efeito, a
Sed virtus acquisita deficit in hoc, licet virtude infusa faz que de nenhum mo-
in paucioribus, sicut et aliae do se obedeça às concupiscências do
inclinationes naturales deficiunt in pecado; e provoca isso de um modo
minori parte; unde apostolus, Rom., infalível enquanto que ela mesma
VII, 5: cum essemus in carne, permanece. Ora, a virtude adquirida
passiones peccatorum quae per legem [mediante os atos] é deficiente nisso,
erant, operabantur in membris ainda que em poucos casos, como
nostris, ut fructificarent morti; nunc também outras inclinações naturais
autem soluti sumus a lege mortis in são deficientes na menor parte. Por
qua detinebamur, ita ut serviamus in isso diz o Apóstolo, em Rm 7, 5[s]:
novitate spiritus, et non in vetustate quando estávamos na carne, as pai-
litterae. xões pecaminosas que através da lei
operavam em nossos membros pro-
duziram frutos de morte. Agora, po-
rém, estamos livres da Lei, tendo
morrido para o que nos mantinha ca-
tivos, e assim podermos servir em no-
vidade de espírito e não na caducida-
de da letra.
15. Ad decimumquintum dicendum, 15. Respondo dizendo que porque a
quod quia a principio virtus infusa non virtude infusa nem sempre suprime
semper ita tollit sensum passionum desde o início o sentir das paixões da
sicut virtus acquisita, propter hoc a mesma maneira que a virtude adquiri-
principio non ita delectabiliter da, por isso, não atua com deleite des-
operatur. Non tamen hoc est contra de o início. Contudo, isso não se opõe à
rationem virtutis, quia quandoque ad razão da virtude, porque, às vezes, é
virtutem sufficit sine tristitia operari; suficiente agir sem tristeza para que
nec requiritur quod delectabiliter [haja] a virtude; nem se requer que aja
operetur propter molestias quae com deleite por causa das moléstias
sentiuntur; sicut philosophus dicit III que são sentidas; como diz o Filósofo
Ethic., quod forti sufficit sine tristitia no livro III da Ética128, que ao forte é
operari. suficiente agir sem tristeza.
16. Ad decimumsextum dicendum, 16. Respondo dizendo que ainda que
quod licet per actum unum simplicem por um só ato isolado não se perca o
non corrumpatur habitus acquisitus, hábito adquirido, contudo, por obra da
tamen actus contritionis habet quod graça, o ato de contrição tem aquilo
corrumpat habitum vitii generatum ex que destrói o hábito vicioso gerado;
virtute gratiae; unde in eo qui habuit por isso naquele que tem o hábito da
habitum intemperantiae, cum intemperança, quando o perde, não
conteritur, non remanet cum virtute permanece [nele] o hábito da intempe-
temperantiae infusa habitus rança, enquanto hábito e junto com a
intemperantiae in ratione habitus, sed virtude infusa da temperança, mas ao

128 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, III, 9, 1117 b 6.

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in via corruptionis, quasi dispositio modo de certa disposição na ordem da


quaedam. Dispositio autem non con- corrupção [do hábito]. No entanto, a
trariatur habitui perfecto. disposição não é contrária ao hábito
perfeito.
17. Ad decimumseptimum dicendum, 17. Respondo dizendo que ainda que a
quod licet virtus infusa non causetur virtude infusa não seja causada pelos
ex actibus, tamen actus possunt ad atos, no entanto, os atos podem dispor
eam disponere; unde non est em relação a ela; por isso não é incon-
inconveniens quod per actus veniente que se corrompa pelos atos;
corrumpatur; quia per indispositionem porque pela indisposição da matéria se
materiae tollitur forma, sicut propter suprime a forma, como por causa da
indispositionem corporis anima indisposição do corpo se separa a al-
separatur. ma.
18. Ad decimumoctavum dicendum, 18. Respondo dizendo que a virtude
quod virtus moralis non dicitur a more moral não toma o nome do [termo]
secundum quod mos non significat moral, enquanto que moral significa o
consuetudinem appetitivae virtutis; costume da capacidade apetitiva; pois,
secundum hoc enim virtutes infusae conforme isso, as virtudes infusas po-
possent dici morales, licet non deriam denominar-se morais, ainda
causentur ex consuetudine. que não fossem causadas pelo costu-
me.
19. Ad decimumnonum dicendum, 19. Respondo dizendo que os atos da
quod actus virtutis infusae non virtude infusa não causam algum hábi-
causant aliquem habitum, sed per eos to, mas por eles se aumenta o hábito
augetur habitus praeexistens: quia nec pré-existente: porque nem pelos atos
ex actibus virtutis acquisitae aliquis da virtude adquirida se gera um novo
habitus generatur; alias hábito; do contrário os hábitos se mul-
multiplicarentur habitus in infinitum. tiplicariam ao infinito.

ARTICULUS 11 ARTIGO 11

UNDECIMO QUAERITUR UTRUM VIR- DÉCIMO PRIMEIRO, SE PERGUNTA SE


TUS INFUSA AUGEATUR. A VIRTUDE INFUSA AUMENTA.129

Et videtur quod non. E parece que não.

1. Nihil enim augetur nisi quantum. 1. Com efeito, nada aumenta senão o
Virtus autem non est quantitas, sed quantitativo. No entanto, a virtude não
qualitas. Ergo non augetur. é quantidade, mas qualidade. Logo,
não aumenta.
2. Praeterea, virtus est forma acciden- 2. Além do mais, a virtude é uma for-
talis. Sed forma est simplicissima et ma acidental. Ora, a forma é simplís-
invariabili essentia consistens. Ergo sima e consiste em uma essência inva-
virtus non variatur secundum suam riável. Logo, a virtude não varia se-
essentiam; ergo nec secundum essen- gundo a sua essência; portanto, não

129 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 52, a. 1; q. 66, a. 1; q. 92, a. 1, ad. 1; II-II q. 24, a. 4.

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tiam augetur. aumenta segundo a essência.


3. Praeterea, quod augetur movetur. 3. Além do mais, o que aumenta é mo-
Quod igitur secundum essentiam au- vido. Portanto, o que aumenta segun-
getur, secundum essentiam movetur. do a essência é movido segundo a es-
Sed quod mutatur secundum suam sência. Ora, o que se muda segundo a
essentiam, corrumpitur vel generatur. sua essência, se corrompe ou se gera.
Sed generatio et corruptio sunt muta- Ora, a geração e a corrupção são muta-
tiones in substantia. Ergo caritas non ções na substância. Logo, a caridade
augetur per essentiam, nisi cum cor- não aumenta pela essência, a não ser
rumpitur vel generatur. quando se corrompe ou se gera.
4. Praeterea, essentialia non augentur 4. Além do mais, as coisas essenciais
nec minuuntur. Manifestum est autem não aumentam nem diminuem. No
quod essentia virtutis est essentialis. entanto, é evidente que a essência da
Ergo virtus secundum essentiam non virtude é [algo] essencial. Logo, a vir-
augetur. tude não aumenta segundo a essência.
5. Praeterea, contraria nata sunt fieri 5. Além do mais, os contrários natu-
circa idem. Augmentum autem et di- ralmente são em relação ao mesmo.
minutio sunt contraria. Ergo nata sunt No entanto, o aumento e a diminuição
fieri circa idem. Virtus autem infusa são contrários. Logo, são naturalmente
non diminuitur: quia neque diminui- em relação ao mesmo. Contudo, a vir-
tur per actum virtutis, quia per eum tude infusa não diminui: porque nem
magis roboratur; neque per actum diminui pelo ato da virtude, porque
peccati venialis, quia sic multa peccata por ele se consolida mais, nem pelo ato
venialia tollerent totaliter caritatem et do pecado venial, pois assim muitos
alias virtutes infusas, quod est impos- pecados veniais fariam perder total-
sibile; sic enim multa venialia aequi- mente a caridade e as demais virtudes
pollerent uni peccato mortali; neque infusas, o que é impossível; com efeito,
etiam minuitur per peccatum mortale: assim muitos [pecados] veniais seriam
quia mortale peccatum tollit caritatem equivalentes a um só pecado mortal;
et alias virtutes infusas. Ergo virtus nem também diminui pelo pecado
infusa non augetur. mortal: porque o pecado mortal faz
perder a caridade e as demais virtudes
infusas. Logo, a virtude infusa não
aumenta.
6. Praeterea, simile simili augetur, ut 6. Além do mais, o semelhante au-
dicitur in II de anima. Si ergo virtus menta pelo semelhante, como se diz no
infusa augetur, oportet quod augeatur livro II Sobre a Alma130. Logo, se a
per additionem virtutis. Sed hoc non virtude infusa aumenta, é necessário
potest esse, quia virtus simplex est. que aumente por adição da virtude.
Simplex autem simplici additum non Ora, isso não pode ser, porque a virtu-
facit maius; sicut punctum additum de é simples. No entanto, o simples
puncto non facit lineam maiorem. acrescenta ao simples sem fazê-lo mai-
Ergo virtus infusa augeri non potest. or; como o ponto acrescenta ao ponto
sem fazê-lo maior. Logo, a virtude in-
fusa não pode aumentar.

130 ARISTÓTELES, De Anima, II, 4, 416 a 30.

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7. Praeterea, I de generatione dicitur, 7. Além do mais, no livro I Sobre a


quod augmentum est praeexistentis geração131, se diz que o aumento é
magnitudinis additamentum. Si ergo uma adição à magnitude pré-existente.
virtus augetur, oportet quod aliquid Logo, se a virtude aumenta, é necessá-
sibi addatur; et sic erit magis rio que aumente por adição da virtude;
composita, et magis recedens a divina e assim será [uma realidade] mais
similitudine, et per consequens minus composta, e mais distante da seme-
bona; quod est inconveniens. Relinqui- lhança divina e, por consequência, boa
tur ergo quod virtus non augetur. em menor grau; o que é inconveniente.
Logo, se segue que a virtude infusa não
aumenta.
8. Praeterea, omne quod augetur, mo- 8. Além do mais, tudo o que aumenta
vetur; omne quod movetur, est corpus; é movido; tudo o que é movido é cor-
virtus non est corpus. Ergo non auge- po; a virtude não é corpo. Logo, não
tur. aumenta.
9. Praeterea, cuius causa est invariabi- 9. Além do mais, aquilo cuja causa é
lis, et ipsum est invariabile. Sed causa invariável é também invariável ele
virtutis infusae, quae est Deus, invari- mesmo. Ora, a causa da virtude infusa,
abilis est. Ergo virtus infusa est invari- que é Deus, é invariável. Logo, a virtu-
abilis; ergo non recipit magis et minus; de infusa é invariável; portanto não é
et ita non augetur. receptiva de mais e de menos; e, dessa
maneira, não aumenta.
10. Praeterea, virtus est in genere 10. Além do mais, a virtude está no
habitus, sicut et scientia. Si ergo virtus gênero do hábito, como também a ci-
augetur, oportet quod augeatur sicut et ência. Logo, se a virtude aumenta é
scientia augetur. Scientia autem necessário que aumente como também
augetur per multiplicationem aumenta a ciência. No entanto, a ciên-
obiectorum, prout scilicet ad plura se cia aumenta por multiplicação dos ob-
extendit. Sic autem non augetur virtus, jetos [conhecidos], a saber, enquanto
ut patet in caritate: quia minima cari- se estende a muito mais [objetos].
tas se extendit ad omnia diligenda se- Contudo, a virtude não aumenta desse
cundum caritatem. Ergo virtus nullo modo, como se mostra no caso da ca-
modo augetur. ridade: porque um mínimo de carida-
de se estende a tudo o que deve ser
amado conforme a caridade. Logo, de
nenhum modo aumenta a virtude.
11. Praeterea, si virtus augetur, oportet 11. Além do mais, se a virtude aumen-
quod ad aliquam speciem motus, eius ta, é necessário que o seu aumento seja
augmentum reducatur. Sed non potest reduzido à alguma espécie de movi-
reduci nisi ad alterationem, quae est mento. Ora, não pode ser reduzido
motus in qualitate. Alteratio autem, senão a alteração, que é o movimento
secundum philosophum, VII Physic., na qualidade. No entanto, segundo o
non est in anima nisi secundum Filósofo, no livro VII da Física132, a
partem sensitivam: in qua non est alteração não está na alma a não ser
caritas, neque plures aliarum virtutum segundo a parte sensitiva: na qual não

131 ARISTÓTELES, De Generatione, I, 5, 320 b 30.


132 ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 246 b 3.

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infusarum. Ergo non omnis virtus in- está a caridade, nem muitas outras
fusa augetur. virtudes infusas. Logo, nem toda vir-
tude infusa aumenta.
12. Praeterea, si virtus infusa augetur, 12. Além do mais, se a virtude infusa
oportet quod augeatur a Deo, qui eam aumenta, é necessário que aumente
causat. Si autem Deus eam auget, por Deus, Quem a causa. No entanto,
oportet quod hoc fiat per alium eius se Deus a aumenta, é necessário que
influxum. Sed novus influxus non isso seja realizado mediante outro in-
potest esse, nisi sit nova virtus infusa. fluxo seu. Ora, o novo influxo não pode
Ergo virtus infusa non potest augeri existir a não ser que haja uma nova
nisi per additionem novae virtutis. Sic virtude infusa. Logo, a virtude infusa
autem non potest augeri, ut supra os- não pode aumentar senão por adição
tensum est. Ergo virtus infusa nullo de uma nova virtude. Contudo, não
modo augetur. pode aumentar desse modo, como se
mostrou acima. Logo, a virtude infusa
não aumenta de modo algum.
13. Praeterea, habitus maxime 13. Além do mais, os hábitos aumen-
augentur ex actibus. Cum igitur virtus tam principalmente pelos atos. Portan-
sit habitus; si augetur, maxime augetur to, como a virtude é um hábito, se au-
per suum actum. Sed hoc non potest menta, aumenta principalmente pelo
esse, ut videtur; cum actus egrediatur seu ato. Ora, isto não pode ser, pelo
ab habitu. Nihil autem augetur per hoc que parece; porque o ato procede do
quod aliquid ab eo egreditur, sed per hábito. No entanto, nada aumenta
hoc quod aliquid in eo recipitur. Ergo porque algo procede dele, mas porque
virtus nullo modo augetur. é recebido nele. Logo, a virtude não
aumenta de modo algum.
14. Praeterea, omnes actus virtutis 14. Além do mais, todos os atos da
unius sunt rationis. Si igitur aliqua virtude são da mesma natureza. Por-
virtus per suum actum augetur, tanto, se alguma virtude aumenta pelo
oportet quod per quemlibet actum seu ato, é necessário que aumente me-
augeatur; quod videtur esse falsum ex diante qualquer ato; o que parece ser
experimento: non enim experimur falso pela experiência: pois não expe-
quod virtus in quolibet actu crescat. rimentamos que a virtude cresça em
relação a qualquer ato.
15. Praeterea, illud cuius ratio in 15. Além do mais, aquilo cuja natureza
superlativo consistit, non potest consiste em algo superlativo não pode
augeri: optimo enim non est aliquid aumentar: pois não há nada melhor do
melius, nec albissimo est aliquid que o ótimo, nem mais branco do que
albius. Sed ratio virtutis in o branquíssimo. Ora, a natureza da
superlatione consistit: est enim virtus virtude consiste em algo superlativo;
ultimum potentiae. Ergo virtus non pois a virtude é o último da potência.
potest augeri. Logo, a virtude não pode aumentar.
16. Praeterea, omne illud cuius ratio 16. Além do mais, tudo aquilo cuja
consistit in aliquo indivisibili, caret natureza consiste em algo indivisível
intensione et remissione; sicut forma carece de intensificação e de diminui-
substantialis, et numerus, et figura. ção: como a forma substancial, o nú-
Sed ratio virtutis consistit in quodam mero e a figura. Ora, a natureza da vir-
indivisibili: est enim in medietate con- tude consiste em algo indivisível; com

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sistens. Ergo virtus non intenditur ne- efeito, consiste em um meio [termo]133.
que remittitur. Logo, a virtude não se intensifica nem
diminui.
17. Praeterea, nullum infinitum potest 17. Além do mais, nada infinito pode
augeri; quia infinito non est aliquid aumentar; porque não há algo maior
magis. Sed virtus infusa est infinita, do que o infinito. Ora, a virtude infusa
quia per eam meretur homo infinitum é infinita, porque por ela o homem
bonum, scilicet Deum. Ergo virtus in- merece o Bem infinito, isto é, Deus.
fusa augeri non potest. Logo, a virtude infusa não pode au-
mentar.
18. Praeterea, nulla res procedit ultra 18. Além do mais, nenhuma coisa a-
suam perfectionem, quia perfectio est vança além da sua perfeição, porque a
terminus rei. Sed virtus est perfectio perfeição é o término da coisa. Ora, a
habentis eam; dicitur enim VII Physic., virtude é a perfeição do que se possui;
quod virtus est dispositio perfecti ad pois se diz, no livro VII da Física134,
optimum. Ergo virtus non augetur. que a virtude é uma disposição do per-
feito para o ótimo. Logo, a virtude não
aumenta.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Est quod dicitur I Petr., II, v. 2: sicut


1. É o que se diz em 1Pd 2, 2: desejai,
modo geniti infantes, rationabiles et como crianças recém nascidas, o leite
sine dolo, lac concupiscite, ut in eo não adulterado da palavra, a fim de
crescatis in salutem. Non autem que por ele cresçais para a salvação.
crescit aliquis in salutem nisi per No entanto, nada cresce para [alcan-
augmentum virtutis, per quam homo çar] a salvação a não ser pelo aumento
in salutem ordinatur. Ergo virtus da virtude, pelo que o homem se orde-
augetur. na à salvação. Logo, a virtude aumen-
ta.
2. Praeterea, Augustinus dicit, quod 2. Além do mais, diz Agostinho135 que
caritas augetur, ut aucta mereatur et a caridade aumenta para que, aumen-
perfici. tada, mereça também ser aperfeiçoa-
da.

RESPONDEO RESPONDO

133 Diz-se ‘meio’ enquanto significa ‘meio termo’ entre o excesso e a deficiência; portanto, se
refere ao meio termo qualitativo e não quantitativo, embora no caso da virtude da justiça se
possa falar de ‘meio termo’, indicando o meio termo qualitativo da razão, quanto ao quantitati-
vo dos bens. Por isso, “este meio consiste na proporção ou na mensuração das coisas e das pai-
xões relativas ao homem”: Tomás de Aquino, De Virt a13 ad17. Diz-se ‘meio’ enquanto significa
‘meio termo’ entre o excesso e a deficiência; portanto, se refere ao meio termo qualitativo e não
quantitativo, embora no caso da virtude da justiça se possa falar de ‘meio termo’, indicando o
meio termo qualitativo da razão, quanto ao quantitativo
dos bens. Por isso, “este meio consiste na proporção ou na mensuração das coisas e das paixões
relativas ao homem”: TOMÁS DE AQUINO, De Virt a13 ad17.
134 ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 246 a 11 e ss.; 246 b 3 e ss.; 247 a 3.
135 AGOSTINHO, In Joannis Evangelium, LXXIV, 1.

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Respondeo. Dicendum, quod multis Respondo dizendo que o erro em rela-


error accidit circa formas ex hoc quod ção às formas se dá em muitos [auto-
de eis iudicant sicut de substantiis iu- res] porque julgam acerca delas como
dicatur. Quod quidem ex hoc continge- se julga em relação às substâncias. O
re videtur, quod formae per modum que certamente ocorre porque as for-
substantiarum signantur in abstracto, mas são significadas em abstrato pelo
ut albedo, vel virtus, aut aliquid hu- modo das substâncias, como a brancu-
iusmodi; unde aliqui modum loquendi ra, ou a virtude ou algo semelhante;
sequentes, sic de eis iudicant ac si es- por isso resulta que alguns, seguindo o
sent substantiae. Et ex hinc processit modo de falar, as julguem dessa ma-
error tam eorum qui posuerunt latita- neira, como se fossem substâncias. E
tionem formarum, quam eorum qui daqui procedeu o erro tanto de quem
posuerunt formas esse a creatione. afirmou o estado latente das formas,
Aestimaverunt enim quod formis como também o de quem sustentou
competeret fieri sicut competit que as formas existem por criação.
substantiis; et ideo non invenientes ex Com efeito, [estes] opinaram que às
quo formae generentur, posuerunt eas formas lhes corresponderia chegar a
vel creari, vel praeexistere in materia; ser do modo como corresponde às
non attendentes, quod sicut esse non substâncias; e, por isso, não falando
est formae, sed subiecti per formam, [aquilo] a partir do qual as formas são
ita nec fieri, quod terminatur ad esse, geradas, afirmaram que elas, ou são
est formae, sed subiecti. Sicut enim criadas, ou preexistem na matéria;
forma ens dicitur, non quia ipsa sit, si sem considerar que assim como o ser
proprie loquamur, sed quia aliquid ea não é dito só da forma senão também
est; ita et forma fieri dicitur, non quia do sujeito mediante a forma, assim
ipsa fiat, sed quia ea aliquid fit: dum algo não chega ao ser [só pela forma],
scilicet subiectum reducitur de pois o que se determina para o ser não
potentia in actum. Sic autem et circa é só a forma, mas o sujeito. Com efeito,
augmentum qualitatum accidit; de quo assim como a forma se diz ente, não
aliqui locuti sunt ac si qualitates et porque ela mesma seja, se propria-
formae substantiae essent. Substantia mente falamos, mas porque algo é por
autem augeri dicitur, in quantum ipsa ela; assim também se afirma que a
est subiectum motus quo pervenitur de forma chega a ser, não porque ela
minori quantitate in maiorem, qui mo- mesma chegue a ser, mas porque por
tus augmenti dicitur. Et quia augmen- ela algo chega a ser, isto é, que o sujei-
tum substantiae fit per additionem to seja reduzido da potência ao ato. No
substantiae ad substantiam; quidam entanto, assim também ocorre em re-
aestimaverunt, quod hoc modo caritas, lação ao aumento das qualidades; a-
sive quaelibet virtus infusa, augeatur cerca das quais alguns falaram como se
per additionem caritatis ad caritatem, as qualidades e as formas fossem subs-
vel virtutis ad virtutem, aut albedinis tâncias. Contudo, se diz que a substân-
ad albedinem: quod omnino stare non cia aumenta enquanto ela mesma é o
potest. Nam non potest intelligi sujeito do movimento pelo qual uma
additio unius ad alterum nisi quantidade menor se estende a uma
praeintellecta dualitate. Dualitas maior, o que é chamado movimento de
autem in formis unius speciei non aumento. E porque o aumento da
potest intelligi nisi per alietatem substância tem lugar por adição da
subiecti. Formae enim unius speciei substância à substância; alguns opina-

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non diversificantur numero nisi per ram que, desse modo, a caridade ou
subiectum. Si igitur qualitas additur qualquer outra virtude infusa aumenta
qualitati, oportet alterum duorum pela adição da caridade pela caridade,
esse: vel quod subiectum addatur ou da virtude pela virtude, ou da bran-
subiecto, ut puta quod unum album cura pela brancura; o que não pode ser
addatur alteri albo; aut quod aliquid in em absoluto. Com efeito, a adição de
subiecto fiat album, quod prius non um pelo outro não pode compreender-
fuit album, ut quidam posuerunt circa se a não ser que se pressuponha uma
qualitates corporeas; quod etiam dualidade. No entanto, a dualidade nas
improbat philosophus in IV formas de uma mesma espécie não
physicorum. Cum enim aliquid fit pode compreender-se senão pela di-
magis curvum, non curvatur aliquid versidade do sujeito. Pois as formas de
quod prius curvum non fuit, sed totum uma mesma espécie não se distinguem
fit magis curvum. Circa qualitates au- em número senão mediante o sujeito.
tem spirituales, quarum subiectum est Portanto, se a qualidade se acrescenta
anima, vel pars animae impossibile est à qualidade, é necessário que ocorra
etiam hoc fingere. Unde quidam alii uma destas duas coisas: ou que o sujei-
dixerunt caritatem, et alias virtutes to se acrescente ao sujeito, como, por
infusas, non augeri essentialiter; sed exemplo, que algo branco se acrescen-
quod dicuntur augeri, vel in quantum te a outra coisa branca, ou que no su-
radicantur fortius in subiecto, vel in jeito se faça branco algo que antes não
quantum ferventius vel intensius ope- era branco, como alguns afirmaram
rantur. Sed hoc quidem dictum aliqu- em relação às qualidade corporais; o
am rationem haberet, si caritas esset que também rejeitou o Filósofo no li-
quaedam substantia habens per se esse vro IV da Física136. Com efeito, ao fa-
absque substantia; unde et Magister zer-se algo mais curvo não se curva
sententiarum, aestimans caritatem algo que antes não fora curvo, mas tu-
esse aliquam substantiam, scilicet ip- do se faz mais curvo. No entanto, em
sum spiritum sanctum, non irrationa- relação às qualidades espirituais, cujo
biliter hunc modum augmenti posuisse sujeito é a alma, ou parte da alma,
videtur. Sed alii, aestimantes caritatem também é impossível que isso ocorra.
esse qualitatem quamdam, penitus Por isso, alguns outros disseram que a
irrationabiliter sunt locuti. Nihil enim caridade e as outras virtudes infusas
est aliud qualitatem aliquam augeri, não aumentam essencialmente; mas se
quam subiectum magis participare diz que aumentam, ou enquanto se
qualitatem; non enim est aliquod esse arraigam com mais força no objeto, ou
qualitatis nisi quod habet in subiecto. enquanto agem mais férvido ou inten-
Ex hoc autem ipso quod subiectum samente. Ora, certamente esta posição
magis participat qualitatem, vehemen- teria alguma razoabilidade, se a cari-
tius operatur; quia unumquodque agit dade fosse certa substância que tivesse
in quantum est actu; unde quod magis o ser por si sem um sujeito que a sus-
est reductum in actum, perfectius agit. tente; por isso, também o Mestre das
Ponere igitur quod aliqua qualitas non Sentenças118137, que também conside-
augeatur secundum essentiam, sed ra que a caridade é certa substância, a
augeatur secundum radicationem in saber, o próprio Espírito Santo, não
subiecto, vel secundum intensionem parece haver sustentado irracional-

136 ARISTÓTELES, Physica, IV, 9, 217 a 34; 217 b 10.

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actus, est ponere contradictoria esse mente este modo de aumento. Ora, os
simul. Et ideo considerandum restat outros, os que consideram que a cari-
quomodo aliquae qualitates et formae dade é certa qualidade, falaram de um
augeri dicuntur; et quae sunt quae au- modo absolutamente irracional. Com
geri possunt. Sciendum est ergo, quod efeito, que alguma qualidade aumente
cum nomina sint signa intellectuum, não significa outra coisa senão que o
ut dicitur I Periher.; sicut ex magis sujeito participa mais da qualidade;
notis cognoscimus minus nota, ita eti- pois não é próprio da qualidade o ter
am ex magis notis minus nota nomi- outro ser senão o que tem no sujeito.
namus. Et inde est quod, quia motus No entanto, porque o sujeito participa
localis est notior inter omnes motus, mais da qualidade, age mais intensa-
ex contrarietate secundum locum deri- mente; porque toda coisa age enquan-
vatur nomen distantiae ad omnia con- to está em ato; por isso, se está mais
traria inter quae potest esse aliquis reduzido ao ato, age mais perfeitamen-
motus; ut dicit philosophus X Metaph. te. Portanto, afirmar que alguma qua-
Et similiter, quia motus substantiae lidade não aumenta segundo a sua es-
secundum quantitatem est sensibilior sência, mas que aumenta segundo a
quam motus secundum alterationem; radicação no sujeito, ou conforme a
inde est quod nomina convenientia intensidade do ato, é afirmar que as
motui secundum quantitatem derivan- coisas contraditórias são simultanea-
tur ad alterationem. Et inde est quod, mente. E por isso deve-se considerar
sicut corpus quod movetur ad quanti- de que modo se afirma que podem
tatem perfectam dicitur augeri, et ipsa aumentar certas qualidades e formas, e
quantitas perfecta dicitur magna res- quais são as que podem aumentar.
pectu imperfectae; ita illud quod mo- Portanto, deve-se saber por que os
vetur de qualitate imperfecta ad per- nomes são sinais do inteligido, como
fectam, dicitur augeri secundum quali- se diz no livro I Sobre a interpreta-
tatem; et ipsa qualitas perfecta dicitur ção138; assim como a partir das coisas
magna respectu imperfectae. Et quia mais conhecidas chegamos ao conhe-
perfectio uniuscuiusque rei est eius cimento das que são menos, assim
bonitas; ideo Augustinus dicit, quod in também a partir do mais conhecido
his quae non magna mole sunt, idem denominamos o menos. E por isso,
est esse maius quod melius. Moveri devido ao movimento local ser o mais
autem de forma imperfecta ad perfec- conhecido dentre todos os movimen-
tam, nihil est aliud quam subiectum tos, da contrariedade segundo o lugar
magis reduci in actum: nam forma ac- se deriva o nome da distância para to-
tus est; unde subiectum magis percipe- das as coisas contrárias dentre as que
re formam, nihil aliud est quam ipsum pode haver algum movimento; como
reduci magis in actum illius formae. Et diz o Filósofo no livro X da Metafísi-
sicut ab agente reducitur aliquid de ca139. E, de modo semelhante, porque
pura potentia in actum formae; ita eti- o movimento da substância conforme

137 PEDRO LOMBARDO, Líber Sententiarum 1 d17, 2.


138 ARISTÓTELES, Perihermeneias, I, 1, 16 a 3-4.
139 ARISTÓTELES, Metaphysica, X, 5, 10, 1018 a 26.
140 AGOSTINHO, De Trinitate, VI, 8.
141 Antiga unidade de medida de comprimento equivalente a três palmos, ou seja, 66cm; cúbito.

(Aurélio - o Dicionário da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 3 ed. 2004)


142 ARISTÓTELES, Metaphysica, VIII, 3, 1043 b 33.

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am per actionem agentis reducitur de a quantidade é mais perceptível sensi-


actu imperfecto in actum perfectum. velmente do que o movimento con-
Sed hoc non contingit in omnibus for- forme a alteração; então os nomes que
mis, propter duo. Primo quidem ex convêm ao movimento conforme a al-
ipsa ratione formae; eo scilicet quod id teração são derivados do movimento
quod perficit rationem formae, est ali- segundo a quantidade. E é por isso
quid indivisibile, puta numerus. Nam que, assim como o corpo que é movido
unitas addita constituit speciem: unde à quantidade perfeita se diz que au-
binarius aut trinarius non dicitur se- menta, e a mesma quantidade perfeita
cundum magis et minus; et per conse- se diz grande em relação à imperfeita.
quens non invenitur magis et minus Assim aquilo que se move da qualida-
neque in quantitatibus quae denomi- de imperfeita à perfeita se diz que au-
nantur a numeris, puta bicubitum vel menta segundo a qualidade; e a mes-
tricubitum, neque in figuris, puta tri- ma qualidade perfeita se diz grande em
angulare et quadratum; et in proporti- relação à imperfeita. E porque a per-
onibus, puta duplum et triplum. Alio feição de cada coisa é a sua bondade;
modo ex comparatione formae ad su- por isso diz Agostinho140 que nessas
biectum; quia inhaeret ei modo indivi- coisas que não se constituem uma
sibili. Et propter hoc forma substantia- magnitude quantitativa, o ser maior é
lis non recipit intensionem vel remis- o mesmo que [o ser] melhor. No en-
sionem, quia dat esse substantiale, tanto, mover-se de uma forma imper-
quod est uno modo: ubi enim est aliud feita a uma perfeita não é outra coisa
esse substantiale, est alia res; et prop- que o sujeito mais reduzido ao ato:
ter hoc philosophus, VIII Metaphys., pois a forma é ato; por isso, o sujeito
assimilat definitiones numeris. Et inde que recebe mais intensamente uma
est etiam quod nihil quod substantiali- forma não consiste em outra coisa do
ter de altero praedicatur, etiam si sit in que nele mesmo ser mais reduzido ao
genere accidentis, praedicatur secun- ato daquela forma. E, assim como al-
dum magis et minus; non enim dicitur guma coisa é reduzida da pura potên-
albedo magis et minus color. Et prop- cia ao ato da forma pela ação de um
ter hoc etiam qualitates in abstracto agente; assim também é reduzida de
signatae, quia signantur per modum um ato imperfeito ao ato perfeito pela
substantiae, nec intenduntur nec re- ação de um agente. Mas isso não ocor-
mittuntur; non enim dicitur albedo re em todas as formas por dois moti-
magis et minus, sed album. Neutra vos. Primeiro, certamente, pela pró-
autem istarum causarum est in caritate pria natureza da forma; isto é, porque
et in aliis virtutibus infusis, quare non aquilo que aperfeiçoa a natureza da
intendantur et remittantur; quia neque forma é algo indivisível, como, por e-
earum ratio in indivisibili consistit, xemplo, o número. Com efeito, a adi-
sicut ratio numeri; neque dant esse ção da unidade constitui a espécie: por
substantiale subiecto, sicut formae isso, o [número] binário ou ternário
substantiales; et ideo intenduntur et não se denomina segundo o mais e o
remittuntur, in quantum subiectum menos; e, por consequência, não há
reducitur magis in actum ipsarum per mais e menos nas quantidades que são
actionem agentis causantis eas. Unde designadas pelos números, por exem-
sicut virtutes acquisitae augentur ex plo, dois côvados141 ou três côvados,
actibus per quos causantur, ita virtutes nem nas figuras, por exemplo, na tri-
infusae augentur per actionem Dei, a angular e no quadrangular; inclusive

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quo causantur. Actus autem nostri nas proporções, por exemplo, o dobro
comparantur ad augmentum caritatis e o triplo. De outro modo, pela relação
et virtutum infusarum, ut disponentes, da forma com o sujeito; porque inere a
sicut ad caritatem a principio obtinen- ele de modo indivisível. E por causa
dam; homo enim faciens quod in se disso, a forma substancial não admite
est, praeparat se, ut a Deo recipiat ca- intensificação ou diminuição, porque
ritatem. Ulterius autem actus nostri dá o ser substancial, que é de um só
possunt esse meritorii respectu aug- modo: com efeito, onde há outro ser
menti caritatis; quia praesupponunt substancial há outra coisa; e por causa
caritatem, quae est principium meren- disso o Filósofo, no livro VIII da Meta-
di. Sed nullus potest mereri, quin a física142, compara as definições aos
principio obtineat caritatem; quia me- números. E também por isso, nada que
ritum sine caritate esse non potest. Sic se predique substancialmente de ou-
igitur caritatem augeri per intensio- tro, inclusive se está no gênero do aci-
nem dicimus. dente, se predica segundo o mais e o
menos; pois a brancura não se diz mais
ou menos cor. E por isso as qualidades
também se designam em abstrato,
porque são designadas pelo modo da
substância, nem se intensificam nem
diminuem; com efeito, a brancura não
se diz mais ou menos, mas branco.
Contudo, nem uma nem outra dessas
causas se dá na caridade e nas demais
virtudes infusas, como para que não se
intensifiquem nem diminuam; porque
nem a natureza destas [virtudes] con-
siste em algo indivisível, como na na-
tureza do número; nem dão o ser subs-
tancial ao sujeito, como as formas
substanciais; e por causa disso se in-
tensificam e diminuem, enquanto o
sujeito é mais reduzido ao ato das
mesmas pela ação do agente que as
causa. Por isso, assim como as virtudes
adquiridas aumentam mediante os
atos pelos quais são causadas, assim as
virtude infusas aumentam pela ação de
Deus, por Quem são causadas. No en-
tanto, os nossos atos se relacionam
com o aumento da caridade e das vir-
tudes infusas como disponentes, assim
como para obter a caridade inicial;
pois o homem que faz o que está em
seu poder se prepara para receber a
caridade de Deus. Contudo, além dis-
so, os nossos atos podem ser meritó-
rios em relação ao aumento da carida-

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de; porque pressupõem a caridade que


é o princípio do merecer. Ora, nada
pode merecer a não ser que primeiro
obtenha a caridade, porque não pode
haver mérito sem a caridade. Portanto,
assim, dizemos que a caridade aumen-
ta por intensidade.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que assim como


sicut in caritate et aliis qualitatibus em relação à caridade e a outras quali-
dicitur augmentum per similitudinem, dades se faz uso do [termo] aumento
ita et quantitas, ut ex dictis, in corp. por semelhança, assim também [do
art., patet. termo] quantidade, como se mostra a
partir do que foi dito no corpo do arti-
go.
2. Ad secundum dicendum, quod 2. Respondo dizendo que a forma é
forma est invariabilis, quia non est invariável, porque não é o sujeito da
variationis subiectum; potest tamen variação; mas pode dizer variável en-
dici variabilis, prout subiectum quanto o sujeito que varia de acordo
secundum eam variatum, plus et com ela participa mais ou menos dela.
minus eam participat.
3. Ad tertium dicendum, quod motus3. Respondo dizendo que o movimen-
alicuius rei potest intelligi secundum
to de alguma coisa segundo a essência
essentiam dupliciter. Uno modo quan-
pode ser entendido de dois modos. Um
tum ad id quod est proprium, esse sci-
modo, enquanto ao que é próprio, isto
licet essentialis, vel non esse; et sic
é, o ser essencialmente, ou o não ser; e
motus secundum essentiam non est assim o movimento segundo a essência
nisi motus secundum esse et non esse,
não é senão um movimento segundo o
qui est generatio et corruptio. Alio
ser e o não ser, que é a geração e a cor-
modo, potest intelligi motus secundum
rupção. Outro modo, pode ser enten-
essentiam, si sit motus secundum dido como o movimento segundo a
quodcumque adhaerens essentiae; si-
essência, se é o movimento segundo
cut dicimus corpus essentialiter move-
qualquer coisa vinculada à essência;
ri quando movetur secundum locum, assim como dizemos que um corpo se
quia de loco ad locum eius subiectum
move essencialmente quando se move
transfertur; sicut etiam et aliqua quali-
segundo o lugar, porque o seu sujeito é
tas dicitur suo modo moveri essentiali-
trasladado de lugar a lugar; e assim
ter, prout variatur secundum perfec-
também se afirma que alguma quali-
tum et imperfectum, vel magis subiec-
dade se move essencialmente a seu
tum secundum eam ut ex dictis, in modo, enquanto que varia segundo o
corp. art., patet. perfeito e o imperfeito, ou antes o su-
jeito conforme a ela, como se mostra
no que foi dito no corpo do artigo.
4. Ad quartum dicendum, quod id 4. Respondo dizendo que o que se
quod praedicatur essentialiter de predica essencialmente da caridade
caritate, non praedicatur de ea não se predica dela segundo o mais e o

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secundum magis et minus: non enim menos: com efeito, não se diz mais ou
dicitur magis vel minus virtus; sed menos virtude; porém se diz que uma
maior caritas dicitur magis virtus maior caridade [é] mais virtude, em
propter modum significandi, quia razão do modo de significar, porque é
significatur ut substantia. Sed quia significado como uma substância. Ora,
ipsa non praedicatur essentialiter de porque ela mesma não se predica es-
suo subiecto, subiectum secundum sencialmente do seu sujeito, o sujeito
eam recipit magis et minus: ut dicatur conforme a ela recebe [a denomina-
subiectum habens magis caritatis vel ção] mais e menos: como se diz que o
minus; et quod est habens magis cari- sujeito possui mais ou menos carida-
tatem est magis virtuosum. de; e aquele que tem mais caridade é
mais virtuoso.
5. Ad quintum dicendum, quod caritas 5. Respondo dizendo que a caridade
non diminuitur, quia non habet não diminui, porque não tem causa de
causam diminutionis, ut Ambrosius diminuição, como prova Ambrósio; no
probat; habet autem causam entanto, tem a causa do aumento, a
augmenti, scilicet Deum. saber, Deus.

6. Ad sextum dicendum, quod 6. Respondo dizendo que o aumento


augmentum quod fit per additionem, que se realiza por adição é o aumento
est augmentum substantiae quantae. da substância quantitativa. No entan-
Sic autem caritas non augetur, ut to, a caridade não se aumenta como se
dictum est in corp. art. diz no corpo do artigo.
7. Et per hoc patet solutio ad 7. E por isso é evidente a solução para
septimum. o sétimo argumento.
8. Ad octavum dicendum, quod caritas 8. Respondo dizendo que a caridade se
dicitur augeri vel moveri, non quia ipsa diz que aumenta ou é movida, não
sit subiectum motus, sed quia eius porque ela mesma seja sujeito do mo-
subiectum secundum ipsam movetur vimento, mas porque o seu sujeito é
et augetur. movido ou aumenta conforme a cari-
dade mesma.
9. Ad nonum dicendum, quod licet 9. Respondo dizendo que ainda que
Deus sit invariabilis, tamen absque sua Deus seja invariável, contudo, pode
variatione variat res; non enim est mudar as coisas sem a sua [própria]
necessarium ut omne movens variação; com efeito, não é necessário
moveatur, ut probatur in Lib. Physic. que tudo o que move seja movido, co-
Et hoc praecipue Deo competit, quia mo se prova no livro da Física143. E isto
non agit per necessitatem naturae, sed convém principalmente a Deus, por-
per voluntatem. que não age por necessidade da natu-
reza senão pela Vontade.
10. Ad decimum dicendum, quod 10. Respondo dizendo que há uma
omnibus qualitatibus et formis est razão comum da magnitude para todas
communis ratio magnitudinis quae as qualidades e formas, o que já foi
dicta est, scilicet perfectio earum in dito, isto é, a sua perfeição no sujeito.
subiecto. Aliquae tamen qualitates, No entanto, algumas qualidades, além
praeter istam magnitudinem seu quan- dessa magnitude ou quantidade que

143 ARISTÓTELES, Physica, VIII, 5, 256 a 4.

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titatem quae competit eis per se, ha- lhes corresponde por si mesmas, tem
bent aliam magnitudinem vel quanti- outra magnitude ou quantidade que
tatem quae competit eis per accidens; lhe corresponde por acidente; e isso
et hoc dupliciter. Uno modo ratione por dois modos. Um modo, pela razão
subiecti; sicut albedo dicitur quanta do sujeito; assim como quando se diz
per accidens, quia subiectum eius est da brancura quantitativamente por
quantum; unde augmentato subiecto, acidente, porque o seu sujeito é quan-
augmentatur albedo per accidens. Sed titativo; por isso, aumentado o sujeito,
secundum hoc augmentum, non dici- aumenta a brancura por acidente. Ora,
tur aliquid magis album, sed maior segundo este aumento, não se diz que
albedo, sicut et dicitur aliquid maius algo [é] mais branco, mas que [é] mai-
album: non enim aliter praedicantur or a brancura, assim como quando
ea quae pertinent ad hoc augmentum, também se afirma que algo [é] de mai-
de albedine, et de subiecto ratione cu- or brancura: com efeito, não se predica
ius albedo per accidens augeri dicitur. de outro modo o que pertence a este
Sed hic modus quantitatis et augmenti aumento em relação à brancura e ao
non competit qualitatibus animae, sujeito em razão do qual se afirma que
scilicet scientiis et virtutibus. Alio mo- a brancura aumenta por acidente. Ora,
do quantitas et augmentum attribuitur este modo [de predicação do termo]
alicui qualitati per accidens, ex parte quantidade e do [termo] aumento não
obiecti in quod agit: et haec dicitur corresponde às qualidades da alma,
quantitas virtutis; quae magis dicitur isto é, às ciências e às virtudes. De ou-
propter quantitatem obiecti vel conti- tro modo, [os termos] quantidade e
nentiam; sicut dicitur magnae virtutis aumento são atribuídos a alguma qua-
qui magnum pondus potest ferre, vel lidade por acidente: por parte do obje-
qualitercumque potest magnam rem to em relação ao qual age: e este [mo-
facere, sive magnitudine dimensiva, do de atribuição do termo quantidade]
sive magnitudine perfectionis, vel se- se denomina quantidade da virtude; a
cundum quantitatem discretam; sicut qual se diz [que é] maior por causa da
dicitur aliquis magnae virtutis qui po- quantidade do objeto ou de sua capa-
test multa facere. Et hoc modo quanti- cidade de conter; assim como se diz
tas per accidens potest attribui qualita- que alguém tem grande virtude quem
tibus animae, scilicet scientiis et virtu- pode levar um grande peso ou quem
tibus. Sed tamen hoc interest inter sci- pode fazer de qualquer modo uma
entiam et virtutem: quia de ratione grande coisa, seja com magnitude di-
scientiae non est quod se extendat in mensional, seja com magnitude de
actum respectu omnium obiectorum: perfeição, ou segundo a quantidade
non enim est necesse quod sciens om- discreta; assim como se diz que tem
nia scibilia cognoscat. Sed de ratione uma grande virtude quem pode fazer
virtutis est quod in omnibus virtuose muitas coisas. E desse modo, a quanti-
se agat. Unde scientia potest augeri vel dade pode ser atribuída por acidente
secundum numerum obiectorum, vel às qualidades da alma, a saber, às ci-
secundum intensionem eius in subiec- ências e às virtudes. No entanto, há
to; virtus autem uno modo tantum. uma diferença entre a ciência e a vir-
Sed considerandum est, quod eiusdem tude: porque não é próprio da natureza
rationis est quod aliqua qualitas in ali- da ciência o que se estende em ato re-
quid magnum possit, et quod ipsa sit lativo a todos os objetos; pois não é
magna, sicut ex supradictis patet; unde necessário que o que sabe conheça to-

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etiam magnitudo perfectionis potest do o cognoscível. Ora, é próprio da


dici magnitudo virtutis. natureza da virtude que em todos se
opere virtuosamente. Por isso, a ciên-
cia pode aumentar, ou segundo o nú-
mero dos objetos, ou segundo a sua
intensidade no sujeito; a virtude, con-
tudo, de um só modo. Mas se deve
considerar que pela mesma razão uma
qualidade tem a capacidade em relação
a algo grande e que ela mesma seja
grande, assim como é evidente a partir
do que foi dito acima; por isso também
a magnitude da perfeição pode ser de-
nominada como a magnitude da virtu-
de.
11. Ad undecimum dicendum, quod 11. Respondo dizendo que o movimen-
motus augmenti caritatis reducitur ad to do aumento da caridade se reduz à
alterationem, non secundum quod alteração, não enquanto que a altera-
alteratio est inter contraria, prout est ção se dê entre contrários, na medida
tantum in sensibilibus, et in sensibili em que se dá nas coisas sensíveis e na
parte animae; sed prout alteratio et parte sensível da alma; mas enquanto
passio dicitur secundum receptionem que a alteração e a paixão se dizem
et perfectionem; sicut sentire et segundo a recepção e a perfeição; co-
intelligere est quoddam pati et alterari. mo sentir e entender são certo padecer
Et sic distinguit philosophus e ser alterado. E assim o Filósofo dis-
alterationem et passionem in II de tingue a alteração e a paixão no livro II
anima. Sobre a alma144.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que Deus não
Deus auget caritatem, non novam cari- aumenta a caridade infundindo uma
tatem infundendo, sed eam quae prae- nova caridade, mas aperfeiçoando a
existebat, perficiendo. que já existia.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que assim como
quod sicut actus egrediens ab agente o ato que procede do agente pode cau-
potest causare virtutem acquisitam sar a virtude adquirida [mediante os
propter impressionem virtutum nossos atos] por causa da impressão
activarum in passivis, ut supra dictum das virtudes ativas nas passivas, como
est; ita et potest eam augere. foi dito acima; assim também pode
aumentá-la.
14. Ad decimumquartum dicendum, 14. Respondo dizendo que a caridade e
quod caritas et aliae virtutes infusae as outras virtudes infusas não aumen-
non augentur active ex actibus, sed tam ativamente a partir dos [próprios]
tantum dispositive et meritorie, ut atos, mas apenas dispositiva e merito-
dictum est. Nec tamen oportet quod riamente, como foi dito. No entanto,
quilibet actus perfectus correspondeat não é necessário que qualquer ato per-
quantitati virtutis: non enim oportet feito [segundo a virtude] corresponda
quod habens caritatem, semper opere- a uma magnitude [determinada] da

144 ARISTÓTELES, De Anima, II, 5, 417 b 6.

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tur secundum totum posse caritatis; virtude; pois não é necessário que o
usus enim habituum subiacet volunta- que possua a caridade aja sempre se-
ti. gundo todo o poder da caridade; com
efeito, o uso dos hábitos subjaz à von-
tade.
15. Ad decimumquintum dicendum, 15. Respondo dizendo que a natureza
quod ratio virtutis non consistit in da virtude não consiste em algo super-
superlatione quantum ad se, sed lativo em relação a si mesma, mas em
quantum ad suum obiectum: quia per relação ao seu objeto: porque pela vir-
virtutem ordinatur homo ad ultimum tude o homem se ordena ao último da
potentiae, quod est bene operari; unde potência, que é o agir bem; por isso diz
philosophus dicit, VII Phys., quod o Filósofo no livro VII da Física145, que
virtus est dispositio perfecti ad a virtude é uma disposição do perfeito
optimum. Tamen ad hoc optimum ali- para o ótimo. Contudo, em relação ao
quis potest esse magis, vel minus dis- ótimo alguém pode estar mais ou me-
positus; et secundum hoc, virtus reci- nos disposto; e conforme isso, a virtu-
pit magis vel minus. Vel dicendum, de é receptiva de mais ou de menos.
quod ultimum non dicitur simpliciter, Ou não se diz que [a virtude é algo]
sed ultimum specie; sicut ignis est spe- último em absoluto, mas [algo] último
cie subtilissimum corporum, et homo em relação à espécie; como o fogo é o
dignissima creaturarum; et tamen u- mais sutil na espécie dos corpos e o
nus homo est dignior altero. homem a mais digna das criaturas; e,
no entanto, um homem é mais digno
que outro.
16. Ad decimumsextum dicendum, 16. Respondo dizendo que a natureza
quod ratio virtutis non consistit in da virtude não consiste em algo indivi-
indivisibili secundum se, sed ratione sível em si mesmo, mas em razão do
sui subiecti, in quantum quaerit seu sujeito, enquanto busca o meio
medium: ad quod quaerendum potest [virtuoso]: para procurar o que alguém
aliquis diversimode se habere, vel pode ter disposto de diversos modos,
peius vel melius. Et tamen ipsum seja pior ou melhor. No entanto, o
medium non est omnino indivisibile; próprio meio [virtuoso] não é absolu-
habet enim aliquam latitudinem: tamente indivisível; pois tem certa
sufficit enim ad virtutem quod amplitude; já que para a virtude é sufi-
appropinquet ad medium, ut dicitur II ciente que se aproxime do meio, como
Ethic.; et propter hoc unus actus altero se diz no livro II da Ética146; e por cau-
virtuosior dicitur. sa disso se afirma que um ato [é] mais
virtuoso que outro.
17. Ad decimumseptimum dicendum, 17. Respondo dizendo que a virtude da
quod virtus caritatis est infinita ex caridade é infinita por parte de Deus,
parte Dei, vel finis; sed ad illum ou do fim; mas em relação a aquele
infinitum caritas finite disponit; unde infinito a caridade é disposta de uma
potest magis vel minus esse. maneira finita; por isso pode ser maior
ou menor.
18. Ad decimumoctavum dicendum, 18. Respondo dizendo que nem todo o

145 ARISTÓTELES, Physica, VII, 3, 246 b 2.


146 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 a 35.

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quod non omne perfectum est perfeito é perfeitíssimo, mas apenas


perfectissimum, sed solum illud quod aquilo que está no último [grau] da
est in ultimo actualitatis; et ideo nihil atualidade; e por isso nada impede que
prohibet, quod est perfectum o que é perfeito conforme a virtude se
secundum virtutem, adhuc magis aperfeiçoe ainda mais.
perfici.

ARTICULUS 12 ARTIGO 12

DUODECIMO QUAERITUR UTRUM VIR- DÉCIMO SEGUNDO, SE PERGUNTA SE


TUTES INTER SE DISTINGUANTUR. AS VIRTUDES SE DISTINGUEM ENTRE
QUAERITUR DE DISTINCTIONE VIRTU- SI. PERGUNTA-SE SOBRE A DISTINÇÃO
TUM. DAS VIRTUDES.147

Et videtur quod non recte virtutes dis- E parece que as virtudes não se distin-
tinguantur. guem corretamente.

1. Moralia enim recipiunt speciem ex 1. Com efeito, as coisas morais rece-


fine. Si igitur virtutes distinguantur bem a espécie do fim. Portanto, se as
secundum speciem, oportet quod hoc virtudes se distinguem segundo a es-
sit ex parte finis. Sed non ex parte finis pécie, é necessário que isto seja em
proximi: quia sic essent infinitae razão do fim. Ora, não em razão do fim
virtutes secundum speciem. Ergo ex próximo, porque deste modo haveria
parte finis ultimi. Sed finis ultimus infinitas virtudes segundo a espécie.
virtutum est unus tantum, scilicet Logo, em razão do fim último. Ora, o
Deus, sive felicitas. Ergo est una tan- fim último das virtudes é só um, a sa-
tum virtus. ber, Deus ou a felicidade. Logo, há
uma só virtude.
2. Praeterea, ad unum finem 2. Além do mais, a um fim se chega
pervenitur una operatione. Una autem por uma só operação. No entanto, só
operatio est ex una forma. Ergo ad uma operação é por uma só forma.
unum finem ordinatur homo per unam Logo, o homem se ordena a um fim
formam. Finis autem hominis est u- por uma só forma. Contudo, o fim do
nus: scilicet felicitas. Ergo et virtus, homem é um só: a saber, a felicidade.
quae est forma per quam homo ordi- Logo, também a virtude, que é a forma
natur ad felicitatem, est una tantum. pela qual o homem se ordena à felici-
dade, é uma só.
3. Praeterea, formae et accidentia re- 3. Além do mais, as formas e os aci-
cipiunt numerum secundum materiam dentes se distinguem numericamente
vel subiectum. Subiectum autem virtu- conforme recebem a matéria ou o su-
tis est anima, vel potentia animae. Er- jeito. No entanto, o sujeito da virtude é
go videtur quod virtus sit una tantum, a alma ou a potência da alma. Logo,
quia anima est una; vel saltem quod parece que a virtude é uma só, porque
virtutes non excedant numerum po- a alma é uma só; ou ao menos [parece]
tentiarum animae. que as virtudes não excedem o número

147Outros lugares: S. Th., I-II, q. 62, a. 2; III Sent., D. 23, q. 1, a. 4, q. a 3, ad 4; De Verit., q. 14, a.
3, ad 9.

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das potências da alma.


4. Praeterea, habitus distinguuntur 4. Além do mais, os hábitos se distin-
per obiecta, sicut et potentiae. Cum guem pelos objetos, como também as
ergo virtutes sint quidam habitus: potências. Logo, como as virtudes são
videtur quod eadem sit ratio certos hábitos: parece que a razão da
distinctionis virtutum et potentiarum distinção das virtudes e das potências
animae; et sic, virtutes non excedunt da alma é a mesma; e assim as virtudes
numerum potentiarum animae. não excedem o número das potências
da alma.
5. Sed dicendum, quod habitus 5. Mas se diz que os hábitos se distin-
distinguuntur per actus, et non per guem pelos atos, e não pelas potências.
potentias.- Sed contra, principiata - Mas, ao contrário, o que procede de
distinguuntur secundum principia, et princípios se distingue conforme os
non e converso; quia ab eodem res princípios, e não o inverso; porque as
habent esse et unitatem. Sed habitus coisas têm o ser na unidade por si
sunt principia actuum. Ergo magis dis- mesma. Ora, os hábitos são princípios
tinguuntur actus penes habitus quam e dos atos. Logo, os atos se distinguem
converso. mais em razão dos hábitos do que o
inverso.
6. Praeterea, virtus necessaria est ad 6. Além do mais, a virtude é necessária
hoc quod homo inclinetur ad id quod para que o homem se incline ao que é
est virtutis per modum naturae: est próprio da virtude pelo modo da natu-
enim virtus, ut Tullius dicit, habitus in reza: com efeito, a virtude é, como dis-
modum naturae rationi consentaneus. se Túlio, um hábito no modo da natu-
Ad id igitur ad quod ipsa potentia reza, conforme a razão. Portanto, o
naturaliter inclinatur, non indiget homem não necessita da virtude em
homo virtute. Sed voluntas hominis relação àquilo até o que a potência
naturaliter inclinatur ad ultimum fi- mesma se inclina naturalmente. Ora, a
nem. Ergo circa ultimum finem non vontade do homem se inclina natural-
est necessarius homini aliquis habitus mente ao fim último. Logo, não é ne-
virtutis; propter quod nec philosophi cessário ao homem nenhum hábito da
posuerunt aliquas virtutes quarum virtude em relação ao fim último; por
obiectum esset felicitas. Nec ergo nos isso, que os filósofos não sustentaram
debemus ponere aliquas virtutes theo- que existem algumas virtudes cujo ob-
logicas, cuius obiectum sit Deus, qui jeto seja a felicidade. Logo, nem nós
est ultimus finis. devemos afirmar a existência de algu-
mas virtudes teológicas, cujo objeto
seja Deus, Quem é o fim último.
7. Praeterea, virtus est dispositio 7. Além do mais, a virtude é uma dis-
perfecti ad optimum. Sed fides et spes posição do perfeito para o ótimo. Ora,
imperfectionem quamdam important; a fé e a esperança implicam certa im-
quia fides est de non visis, spes de non perfeição; porque a fé é relativa ao que
habitis, propter quod, cum venerit não se vê, e a esperança ao que não se
quod perfectum est, evacuabitur quod tem, por causa disso, quando vier a
ex parte est, ut dicitur I Cor. XIII, v. perfeição, o que é limitado desapare-
10. Ergo fides et spes non debent poni cerá, como se diz em 1Cor 13, 10. Logo,
virtutes. a fé e a esperança não devem incluir-se
entre as virtudes.

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8. Praeterea, ad Deum non potest 8. Além do mais, nada pode ordenar-


aliquis ordinari nisi per intellectum et se a Deus a não ser pelo intelecto e o
affectum. Sed fides sufficienter ordinat afeto. Ora, a fé ordena suficientemente
intellectum hominis in Deum, caritas o intelecto do homem até Deus, e a
autem affectum. Ergo praeter fidem et caridade o afeto. Logo, além da fé e da
caritatem non debet poni spes virtus caridade não se deve considerar a es-
theologica. perança como uma virtude teologal.
9. Praeterea, id quod est generale 9. Além do mais, o que é comum a to-
omni virtuti, non debet poni specialis da a virtude não se deve considerar
virtus. Sed caritas videtur esse como uma virtude especial. Ora, pare-
communis omnibus virtutibus; quia ut ce que a caridade é comum a todas as
dicit Augustinus in Lib. de moribus virtudes; porque como diz Agostinho
Ecclesiae, nihil aliud est virtus quam no livro Dos costumes da Igreja148, a
ordo amoris: ipsa etiam caritas dicitur virtude não é outra coisa que a ordem
esse forma omnium virtutum. Ergo do amor: e inclusive a mesma caridade
non debet poni una specialis virtus se designa como a forma de todas as
inter theologicas. virtudes. Logo, não se deve considerar
como uma virtude especial entre as
[virtudes] teologais.
10. Praeterea, in Deo non solum con- 10. Além do mais, em Deus não só se
sideratur veritas quam respicit fides, considera a Verdade [divina] à qual se
vel sublimitas quam respicit spes, vel ordena à fé, a Grandeza [divina] à qual
bonitas quam respicit caritas; sed sunt se ordena à esperança, ou a Bondade
plura alia quae Deo attribuuntur: ut [divina] à qual se ordena à caridade;
sapientia, potentia et huiusmodi. Ergo mas que há muitas outras [perfeições]
videtur quod sit vel una tantum virtus que se atribuem a Deus: como a Sabe-
theologica, quia omnia illa unum sunt doria, o Poder e outras semelhantes.
in Deo; vel quod sint tot virtutes theo- Logo, parece que ou só há uma virtude
logicae, quot sunt quae attribuuntur teologal, porque todas aquelas [perfei-
Deo. ções] são uma só em Deus; ou que há
tantas virtudes teologais quantas são
as [perfeições] que se atribuem a Deus.
11. Praeterea, virtus theologica est 11. Além do mais, a virtude teologal é
cuius actus immediate ordinatur in aquilo cujo ato imediatamente se or-
Deum. Sed plura alia sunt talia: sicut dena a Deus. Ora, [há] muitas outras
sapientia quae contemplatur Deum, que são tais: como a sabedoria que se
timor qui reveretur ipsum, religio quae contempla em Deus, o temor pelo qual
colit eum. Ergo non sunt tantum tres [Ele] mesmo é reverenciado, a religião
virtutes theologicae. pela qual se Lhe venera. Logo, as vir-
tudes teologais não são só três.
12. Praeterea, finis est ratio eorum 12. Além do mais, o fim é a razão de
quae sunt ad finem. Habitis igitur ser do que é para o fim. Portanto, pos-
virtutibus theologicis, quibus homo suindo as virtudes teologais pelas
recte ordinatur ad Deum, videtur quais o homem se ordena retamente a
superfluum ponere alias virtutes. Deus, parece supérfluo afirmar [a exis-
tência] de outras virtudes.

148 AGOSTINHO, De moribus Ecclesiae, I, 15, 25.

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13. Praeterea, virtus ordinatur ad 13. Além do mais, a virtude se ordena


bonum: est enim virtus quae bonum para o bem: pois a virtude é o que faz
facit habentem, et opus eius bonum bom aquele que a possui, e torna boa a
reddit. Sed bonum est tantum in sua obra. Ora, o bem está só na vonta-
voluntate et in appetitiva parte; et sic de e na parte apetitiva; e desta manei-
videtur quod non sint aliquae virtutes ra parece que não há quaisquer virtu-
intellectuales. des intelectuais.
14. Praeterea, prudentia est quaedam 14. Além do mais, a prudência é certa
virtus intellectualis. Ipsa autem poni- virtude intelectual. No entanto, ela
tur inter morales. Ergo videtur quod mesma se encontra entre [as virtudes]
morales virtutes non distinguantur ab morais. Logo, parece que as virtudes
intellectualibus. morais não se distinguem das intelec-
tuais.
15. Praeterea, scientia moralis non 15. Além do mais, a ciência moral não
tractat nisi moralia. Tractat autem sci- trata senão das coisas morais. No en-
entia moralis de virtutibus intellectua- tanto, a ciência moral trata das virtu-
libus. Ergo virtutes intellectuales sunt des intelectuais. Logo, as virtudes inte-
morales. lectuais são morais.
16. Praeterea, id quod ponitur in 16. Além do mais, o que se inclui na
definitione alicuius, non distinguitur definição de algo não se distingue des-
ab eo. Sed prudentia ponitur in te. Ora, a prudência se inclui na defini-
definitione virtutis moralis: est enim ção da virtude moral: pois a virtude
virtus moralis, habitus electivus in moral é o hábito de eleição que consis-
medietate consistens determinata te no meio [termo] determinado se-
secundum rectam rationem, ut dicitur gundo a reta razão, como se diz no li-
II Ethic.: ratio enim agibilium est vro II da Ética149: com efeito, a pru-
prudentia, ut dicitur VI Ethic. Ergo dência é a razão do agir, como se diz
morales virtutes non distinguuntur a no livro VI da Ética150. Logo, as virtu-
prudentia. des morais não se distinguem da pru-
dência.
17. Praeterea, sicut prudentia pertinet 17. Além do mais, assim como a pru-
ad cognitionem practicam, ita et ars. dência se refere ao conhecimento prá-
Sed praeter artem non sunt aliqui tico, assim também a arte. Ora, além
habitus in appetitiva parte ordinati ad da arte não há outros hábitos na parte
operandum artificialia. Ergo pari apetitiva ordenados a agir nas coisas
ratione nec praeter prudentiam sunt artificiais. Logo, por uma razão seme-
aliqui habitus virtuosi in appetitu ad lhante, nem há hábitos virtuosos no
operandum agibilia; et ita videtur apetite para agir no operável além da
quod non sint aliquae virtutes morales prudência; e assim parece que não há
distinctae a prudentia. virtudes morais distintas da prudência.
18. Sed dicendum, quod ideo arti non 18. Mas se diz que por isso [, o que se
respondet aliqua virtus in appetitu, toma do argumento precedente,] não
quia appetitus est singularium, ars corresponde à arte alguma virtude no
autem universalium.- Sed contra, Aris- apetite, porque o apetite é das coisas
toteles dicit II Ethic., quod ira semper singulares, mas a arte das universais. -

149 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 b 35.


150 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VI, 5, 1140 b 20-21.

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est circa singularia: sed odium est eti- Mas, ao contrário, diz Aristóteles no
am universalium; habemus enim odio livro II da Ética151, que a ira sempre é
omne latronum genus. Odium autem relativa às coisas singulares: porém o
ad appetitum pertinet. Ergo appetitus ódio também versa sobre as coisas u-
est respectu universalium. niversais; com efeito, temos ódio con-
tra todas as classes de ladrões. No en-
tanto, o ódio pertence ao apetite. Logo,
o apetite é relativo às coisas universais.
19. Praeterea, unaquaeque potentia 19. Além do mais, cada potência tem
naturaliter tendit in suum obiectum. naturalmente o seu objeto. No entanto,
Obiectum autem appetitus est bonum o objeto do apetite é o bem apreendi-
apprehensum. Ergo appetitus do. Logo, o apetite tem naturalmente o
naturaliter tendit in bonum ex quo est bem a partir do que é apreendido. Ora,
apprehensum. Sed ad a prudência nos aperfeiçoa suficiente-
apprehendendum bonum sufficienter mente para apreender o bem. Logo,
nos perficit prudentia. Ergo praeter não é necessário que tenhamos alguma
prudentiam non est necessarium nos outra virtude moral no apetite além da
habere aliquam virtutem aliam prudência, pois em relação a ele [isto
moralem in appetitu, cum ad hoc é, em relação ao bem da parte apetiti-
sufficiat inclinatio naturalis. va] é suficiente a inclinação natural.
20. Praeterea, ad virtutem sufficit 20. Além do mais, o conhecimento e a
cognitio et operatio. Sed utrumque operação são suficientes para a virtu-
horum habetur per prudentiam. Ergo de. Ora, ambos são obtidos pela pru-
praeter prudentiam non oportet pone- dência. Logo, além da prudência não é
re alias virtutes morales. necessário afirmar a existência de ou-
tras virtudes morais.
21. Praeterea, sicut appetitivi habitus 21. Além do mais, assim como os hábi-
distinguuntur penes obiecta, ita et tos apetitivos se distinguem em relação
habitus cognoscitivi. Sed de omnibus aos objetos, assim também os hábitos
moralibus est unus habitus cognoscitivos. Ora, em relação a todos
cognoscitivus, vel scientia moralis os objetos morais há um só hábito
circa omnia moralia, vel etiam cognoscitivo, ou a ciência moral em
prudentia. Ergo et una tantum est in relação a todas as coisas morais, ou
appetitu virtus moralis. também a prudência. Logo, também
há uma só virtude moral no apetite.
22. Praeterea, ea quae conveniunt in 22. Além do mais, as coisas que con-
forma, et differunt solum in materia, vêm na forma e diferem só na matéria
sunt unum specie. Sed omnes virtutes são de uma mesma espécie. Ora, todas
morales conveniunt secundum id quod as virtudes morais convêm segundo o
est formale in eis, quia in omnibus est que é formal nelas, porque em todas
medium acceptum secundum há um meio [termo] determinado con-
rationem rectam; non autem differunt forme a reta razão; no entanto, não
nisi penes materias. Ergo non differunt diferem a não ser em relação às maté-
specie, sed numero tantum. rias. Logo, não diferem na espécie a
não ser numericamente.
23. Praeterea, ea quae differunt 23. Além do mais, as coisas que dife-

151 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 9, 1109 b 14; Aristóteles, Retorica, II, 4, 1382 a 3.

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specie, non denominantur ad invicem. rem por sua espécie não se designam
Sed virtutes morales denominant se ad umas pelas outras. Ora, as virtudes
invicem: quia, ut Augustinus dicit, morais se designam umas pelas outras:
oportet quod iustitia sit fortis et porque, como diz Agostinho152, é ne-
temperata, et temperantia iusta et cessário que a justiça seja forte e tem-
fortis, et sic de aliis. Ergo virtutes non perada, e a temperança justa e forte, e
distinguuntur ad invicem. assim nas outras [virtudes]. Logo, as
virtudes não se distinguem entre si.
24. Praeterea, virtutes theologicae et 24. Além do mais, as virtudes teolo-
cardinales, sunt principaliores quam gais e as cardeais são mais importantes
morales. Sed virtutes intellectuales do que as morais. Ora, as virtudes inte-
non dicuntur cardinales, neque theo- lectuais não se denominam cardeais,
logicae. Ergo nec morales debent dici nem as teologais. Logo, nem as virtu-
cardinales, quasi principales. des morais devem chamar-se cardeais
como [se fossem as virtudes] princi-
pais.
25. Praeterea, tres ponuntur animae 25. Além do mais, há três partes da
partes; scilicet rationalis, irascibilis et alma; isto é, a racional, a irascível e a
concupiscibilis. Ergo si sunt aliquae concupiscível. Logo, se há certas virtu-
virtutes principales, videtur quod sint des principais, parece que são só três.
tres tantum.
26. Praeterea, aliae virtutes videntur 26. Além do mais, outras virtudes pa-
istis principaliores; sicut est magna- recem mais importantes do que estas;
nimitas, quae operatur magnum in assim como ocorre com a magnanimi-
omnibus virtutibus, ut dicitur IV E- dade, que opera o grande em todas as
thic.; et humilitas, quae est custos vir- virtudes, como se diz no livro IV da
tutum; mansuetudo etiam videtur esse Ética153; e a humildade, que é a guar-
principalior quam fortitudo, cum sit diã das virtudes; e, também, a mansi-
circa iram, a qua denominatur irascibi- dão parece ser de maior importância
lis; liberalitas et magnificentia, quae do que a fortaleza, como está em rela-
dant de suo, videntur esse principalio- ção à ira, a partir da qual se denomina
res quam iustitia quae reddit alteri de- irascível; a liberalidade e a magnifi-
bitum. Ergo istae non sunt virtutes cência, pelas quais alguém se dá a si
cardinales, sed magis aliae. mesmo, parecem ser mais importantes
do que a justiça, pela qual se restitui o
devido. Logo, estas não são as virtudes
cardeais, mas antes as outras.
27. Praeterea, pars non distinguitur a 27. Além do mais, a parte não se dis-
suo toto. Sed aliae virtutes ponuntur a tingue do seu todo. Ora, outras virtu-
Tullio, partes istarum quatuor: scilicet des são mencionadas por Túlio154, co-
prudentiae, iustitiae, fortitudinis, et mo partes destas quatro: a saber, da
temperantiae. Ergo saltem aliae virtu- prudência, da justiça, da fortaleza e da
tes morales non distinguuntur ab istis; temperança. Logo, ao menos as outras
et sic videntur virtutes non recte dis- virtudes morais não se distinguem
tingui. dessas; e assim parece que as virtudes

152 AGOSTINHO, De Trinitate, VI, 4, 6.


153 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, IV, 3, 1123 b 30-31.
154 MARCO TÚLIO CÍCERO, De Inventione Rhetorica, II, 53, 154; 54, 163.

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se distinguem retamente.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Est quod I Cor. XIII, 13, dicitur: 1. É o que se diz em 1Cor 13, 13: agora,
nunc autem manent fides, spes, portanto, permanecem fé, esperança,
caritas, tria haec; et Sap. VIII, 7: caridade, estas três coisas; e em Sb
sobrietatem et prudentiam docet, et 8,7: ensina a temperança e a prudên-
iustitiam, et virtutem. cia, a justiça e a fortaleza.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum quod Respondo dizendo que cada coisa se


unumquodque diversificatur distingue segundo a espécie conforme
secundum speciem secundum id quod o que é formal nela mesma. No entan-
est formale in ipso. Formale autem in to, o formal em cada coisa é aquilo que
unoquoque est id quod est completa a sua definição. Com efeito, a
completivum definitionis eius. Ultima última diferença constitui a espécie:
enim differentia constituit speciem: por isso que, por ela, o definido se dis-
unde per eam differt definitum tingue segundo a espécie dos outros; e
secundum speciem ab aliis; et si ipsa se a diferença mesma é formalmente
sit multiplicabilis formaliter secundum múltipla conforme as diversas razões
diversas rationes, definitum in species formais, o definido se distingue em
diversas dividitur secundum ipsius diversas espécies conforme a sua
diversitatem. Illud autem quod est mesma diversidade. No entanto, aquilo
completivum et ultimum formale in que completa e constitui o elemento
definitione virtutis, est bonum: nam formal último na definição da virtude é
virtus universaliter accepta sic o bem: pois a virtude considerada uni-
definitur: virtus est, quae bonum facit versalmente se define assim: a virtude
habentem, et opus eius bonum reddit: é o que faz bom aquele que a possui e
ut patet in Lib. Ethic. Unde et virtus torna boa a sua obra: como se mostra
hominis, de qua loquimur, oportet no livro da Ética155. Por isso, também é
quod diversificetur secundum speci- necessário que se distinga segundo a
em, secundum quod bonum ratione espécie a virtude do homem, da qual
diversificatur. Cum autem homo sit falamos, enquanto se distingue o bem
homo in quantum rationalis est; opor- segundo [as diversas] razões formais.
tet hominis bonum esse eius quod est Contudo, como o homem é homem
aliqualiter rationale. Rationalis autem enquanto é racional; é necessário que
pars, sive intellectiva, comprehendit et o bem do homem pertença àquilo que
cognitivam et appetitivam. Pertinet é de algum modo racional. No entanto,
autem ad rationalem partem non so- a parte racional, ou a intelectiva, com-
lum appetitus, qui est in ipsa parte preende a [parte] cognoscitiva e a ape-
rationali, consequens apprehensionem titiva. Contudo, a parte racional não só
intellectus, qui dicitur voluntas: sed pertence ao apetite que está na própria
etiam appetitus qui est in parte sensi- parte racional, o que segue a apreen-
tiva hominis, et dividitur per irascibi- são do intelecto e o que se designa por

155 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 5, 1106 a 14-15.

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lem et concupiscibilem. Nam etiam hic vontade: mas também o apetite que
appetitus in homine sequitur está na parte sensitiva do homem, e se
apprehensionem rationis, in quantum divide no irascível e no concupiscível.
imperio rationis obedit; unde et Com efeito, também este apetite segue
participare dicitur aliqualiter no homem a apreensão da razão, en-
rationem. Bonum igitur hominis est et quanto obedece ao império da razão;
bonum cognitivae et bonum appetiti- por isso, também se afirma que parti-
vae partis. Non autem secundum eam- cipa de algum modo da razão. Portan-
dem rationem utrique parti bonum to, o bem do homem não só é o bem da
attribuitur. Nam bonum appetitivae [parte] cognoscitiva, mas também o
parti attribuitur formaliter, ipsum e- bem da parta apetitiva. No entanto, o
nim bonum est appetitivae partis obi- bem não é atribuído a uma e outra par-
ectum: sed intellectivae parti attribui- te segundo a mesma consideração.
tur bonum non formaliter, sed materi- Com efeito, o bem é atribuído à parte
aliter tantum. Nam cognoscere verum, apetitiva formalmente; pois o mesmo
est quoddam bonum cognitivae partis; bem é o objeto da parte apetitiva: mas
licet sub ratione boni non comparetur o bem não é atribuído à parte intelecti-
ad cognitivam, sed magis ad appetiti- va formalmente, mas só materialmen-
vam: nam ipsa cognitio veri est quod- te. Com efeito, conhecer o verdadeiro é
dam appetibile. Oportet igitur alterius um certo bem da parte cognoscitiva,
rationis esse virtutem quae perficit ainda que não se relacione com a [par-
partem cognoscitivam ad cognoscen- te] cognoscitiva sob a razão de bem,
dum verum, et quae perficit rationem porém mais propriamente com a apeti-
appetitivam ad apprehendendum bo- tiva: pois o conhecimento mesmo do
num; et propter hoc philosophus in verdadeiro é algo apetecível. Portanto,
Lib. Ethic., distinguit virtutes intellec- é necessário que seja de uma natureza
tuales a moralibus: et intellectuales distinta a virtude que aperfeiçoa a par-
dicuntur quae perficiunt partem intel- te cognoscitiva para conhecer o verda-
lectualem ad cognoscendum verum, deiro, e a que aperfeiçoa a parte apeti-
morales autem quae perficiunt partem tiva para apreender o bem; e por causa
appetitivam ad appetendum bonum. disso o Filósofo, no livro da Ética156,
Et quia bonum magis congrue compe- distingue as virtudes intelectuais das
tit parti appetitivae quam intellectivae, morais e como as intelectuais se desig-
propter hoc, nomen virtutis conveni- nam as que aperfeiçoam a parte inte-
entius et magis proprie competit virtu- lectual para conhecer o verdadeiro;
tibus appetitivae partis quam virtuti- como morais, contudo, as que aperfei-
bus intellectivae; licet virtutes intellec- çoam a parte apetitiva para desejar o
tivae sint nobiliores perfectiones quam bem. E porque o bem convém mais
virtutes morales, ut probatur VI Ethic. apropriadamente à parte apetitiva do
Cognitio autem veri non est respectu que à intelectiva, por causa disso, o
omnium unius rationis. Alia enim rati- nome da virtude corresponde mais
one cognoscitur verum necessarium, et conveniente e propriamente às virtu-
verum contingens: et iterum verum des da parte apetitiva que às virtudes
necessarium alia ratione cognoscitur si da [parte] intelectiva; ainda que as

156 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, I, 13, 1103 a 15.


157 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VI, 3, 1139 b 20; 7, 1141 a 16; 12, 1144 a 1; 13, 1144 b 30. E
1145 a 6.
158 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, VI, 3, 1139 b 17-18.

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sit per se notum, sicut intellectu cog- virtudes intelectivas sejam perfeições
noscuntur prima principia; alia ratione mais nobres do que as virtudes morais,
si fiat notum ex alio, sicut fiunt notae como se prova no livro VI da Ética157.
conclusiones per scientiam vel sapien- No entanto, o conhecimento do verda-
tiam circa altissima: in quibus etiam deiro não é da mesma razão em rela-
est alia ratio cognoscendi, eo quod ex ção a todas as coisas. Com efeito, o
hac homo dirigitur in aliis cognoscen- verdadeiro necessário e o verdadeiro
dis. Et similiter circa contingentia ope- contingente são conhecidos de um
rabilia non est eadem ratio cognoscen- modo distinto e, às vezes, o verdadeiro
di ea quae sunt in nobis, quae dicuntur necessário é conhecido de certa manei-
agibilia, ut sunt operationes nostrae, ra, se é admitido como verdadeiro ao
circa quas frequenter contingit errare, ponto de ser conhecido, como os pri-
propter aliquam passionem; quarum meiros princípios conhecidos pelo in-
est prudentia: et ea quae sunt extra telecto, e de outro modo, se é conheci-
nos a nobis factibilia, in quibus dirigit do a partir de outro, como são conhe-
ars aliqua; quorum rectam aestimatio- cidas as conclusões pela ciência, ou
nem passiones animae non corrum- pela sabedoria em relação às coisas
punt. Et ideo philosophus ponit VI mais elevadas: nas quais também há
Ethic., virtutes intellectuales, scilicet um outro modo de conhecer, porque
sapientiam, et scientiam et por este o homem é conduzido a co-
intellectum, prudentiam et artem. Si- nhecer outras coisas. E de modo seme-
militer etiam bonum appetitivae partis lhante em relação às realidades con-
non secundum eamdem rationem se tingentes, não é da mesma natureza o
habet in omnibus rebus humanis. Hu- conhecimento das que estão em nós,
iusmodi autem bonum in tripartita que são denominadas operáveis, como
materia quaeritur; scilicet in passioni- são as nossas operações nas quais o-
bus irascibilis et in passionibus concu- corre errar frequentemente por causa
piscibilis, et in operationibus nostris de alguma paixão; sobre as quais versa
quae sunt circa res exteriores quae ve- a prudência: e aquelas coisas que são
niunt in usum nostrum, sicut est emp- exteriores a nós e feitas por nós, em
tio et venditio, locatio et conductio, et relação as quais nos dirige alguma ar-
huiusmodi alia. Bonum enim hominis te, cuja reta estima não é corrompida
in passionibus est, ut sic homo in eis se pelas paixões da alma. E por isso e-
habeat, quod per earum impetum a nuncia o Filósofo, no livro VI da Éti-
rationis iudicio non declinet; unde si ca158, como virtudes intelectuais: a sa-
aliquae passiones sunt quae bonum ber, a sabedoria, a ciência, o intelecto,
rationis natae sint impedire per mo- a prudência e a arte. Além disso, de
dum incitationis ad agendum vel pro- modo semelhante, o bem da parte ape-
sequendum, bonum virtutis praecipue titiva não se dá segundo a mesma for-
consistit in quadam refrenatione et ma em todas as coisas humanas. No
retractione; sicut patet de temperantia, entanto, este modo de bem é buscado
quae refrenat et compescit concupis- em três classes de matéria; a saber, nas
centias. Si autem passio nata sit prae- paixões do irascível, nas paixões do
cipue bonum rationis impedire in re- concupiscível, e em nossas operações
trahendo, sicut timor, bonum virtutis relativas às coisas exteriores que con-
circa huiusmodi passionem erit in sus- cernem ao nosso uso, como se dá na
tinendo; quod facit fortitudo. Circa res compra, na venda, no salário, no ar-
vero exteriores bonum rationis consis- rendamento, e outras coisas semelhan-

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tit in hoc quod debitam proportionem tes. Com efeito, o bem do homem nas
suscipiant, secundum quod pertinent paixões é de tal maneira que ao se re-
ad communicationem humanae vitae; lacionar com elas não declina do juízo
et ex hoc imponitur nomen iustitiae, da razão pelo seu ímpeto; por isso, se
cuius est dirigere, et aequalitatem in há algumas paixões que são natural-
huiusmodi invenire. Sed consideran- mente inclinadas a impedir [a realiza-
dum est, quod tam bonum intellectivae ção] do bem da razão incitando a agir
partis quam appetitivae est duplex: ou a ir em busca [de algo contrário], o
scilicet bonum quod est ultimus finis, bem da virtude consiste principalmen-
et bonum quod est propter finem; nec te em certo refrear e retrair; assim co-
est eadem ratio utriusque. Et ideo pra- mo se mostra na temperança, que re-
eter omnes virtutes praedictas, secun- freia e reprime as concupiscências. No
dum quas homo bonum consequitur in entanto, se a paixão principalmente é
his quae sunt ad finem, oportet esse por natureza inclinada a impedir o
alias virtutes secundum quas homo bem da razão retraindo [dele], como
bene se habet circa ultimum finem, qui no caso do temor, o bem da virtude em
Deus est; unde et theologicae dicuntur, relação a esse modo de paixão estará
quia Deum habent non solum pro fine, no resistir; o que faz a fortaleza.
sed etiam pro obiecto. Ad hoc autem Contudo, em relação às coisas exterio-
quod moveamur recte in finem, opor- res, o bem da razão consiste em que
tet finem esse et cognitum et desidera- recebam a proporção devida, conforme
tum. Desiderium autem finis duo exi- se referem à comunicação da vida hu-
git: scilicet fiduciam de fine obtinendo, mana; e por isso se assinala o nome da
quia nullus sapiens movetur ad id justiça, da qual é próprio regular e en-
quod consequi non potest; et amorem contrar a igualdade nessas classes de
finis, quia non desideratur nisi ama- coisas. Mas se deve considerar que
tum. Et ideo virtutes theologicae sunt tanto o bem da parte intelectiva como
tres: scilicet fides, qua Deum cognos- da parte apetitiva é duplo: a saber, o
cimus; spes, qua ipsum nos obtenturos bem que é o fim último, e o bem que é
esse speramus; et caritas, qua eum em razão do fim; [pois] a natureza de
diligimus. Sic ergo patet quod sunt tria ambos não é a mesma. E por isso, além
genera virtutum: theologicae, intellec- de todas as virtudes mencionadas,
tuales et morales et quodlibet genus conforme as quais o homem alcança o
sub se plures species habet. bem nestas coisas que são relativas ao
fim, é necessário que haja outras vir-
tudes conforme as quais o homem se
disponha retamente em relação ao úl-
timo fim, que é Deus; por isso são de-
nominadas teologais, porque não só
tem a Deus por fim, mas também por
objeto. No entanto, para que nos mo-
vamos retamente até o fim, é necessá-
rio que o fim seja conhecido e também
desejado. Contudo, o desejo do fim
exige duas coisas: a saber, a confiança
de obter o fim, porque nenhum ho-
mem prudente se move ao que não
pode conseguir, e o amor do fim por-

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que [o fim] não se deseja a não ser que


seja amado. E por isso, as virtudes teo-
logais são três: a saber, a fé, pela qual
conhecemos a Deus, a esperança, pela
qual esperamos possuí-Lo; e a carida-
de, pela qual O amamos. Logo, dessa
maneira, é evidente que há três gêne-
ros de virtudes: as teologais, as intelec-
tuais e as morais, e que qualquer des-
tes gêneros contém sob si muitas espé-
cies.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Portanto, respondo dizendo que as


moralia recipiunt speciem a finibus coisas morais recebem a espécie dos
proximis; qui tamen non sunt infiniti, fins próximos, os que, porém, não são
si in eis sola differentia formalis infinitos, se se considera neles só a
consideretur: nam finis proximus diferença formal: pois o fim próximo
uniuscuiusque virtutis est bonum quod de cada virtude é o bem que ela mesma
ipsa operatur, quod differt ratione, ut opera, o que difere na sua natureza,
ostensum est in corp. art. como se mostrou no corpo do artigo.
2. Ad secundum dicendum, quod ratio 2. Respondo dizendo que aquela ar-
illa procedit in his quae agunt per gumentação procede nas coisas que
necessitatem naturae, quia ea agem por necessidade da natureza,
consequuntur finem una actione et porque estas alcançam o fim por uma
una forma: homo autem ideo habet só ação e por uma só forma: mas o
rationem, quia per plura et diversa homem possui a razão porque é neces-
oportet quod ad finem suum sário que alcance o seu fim de muitos e
perveniat; unde sunt ei necessariae diversos [modos]; por isso são neces-
plures virtutes. sárias muitas virtudes.
3. Ad tertium dicendum, quod 3. Respondo dizendo que os acidentes
accidentia non multiplicantur in uno não se multiplicam em um sujeito uni-
secundum numerum, sed tantum camente conforme o número, mas se-
secundum speciem; unde non oportet gundo a espécie; por isso não é neces-
unitatem vel multitudinem in sário que a unidade ou a multiplicida-
virtutibus considerari secundum de nas virtudes, se considerada segun-
subiectum, quod est anima, vel do o sujeito, que é a alma ou a sua po-
potentiae eius, nisi quatenus tência, a não ser enquanto a diversida-
diversitatem potentiarum consequitur de das potências seja conforme a di-
diversa ratio boni, secundum quam versa razão de bem, segundo a que se
distinguuntur virtutes, ut dictum est. distinguem as virtudes, como foi dito.
4. Ad quartum dicendum, quod non 4. Respondo dizendo que não é con-
secundum eamdem rationem est forme a mesma razão pela qual algo é
aliquid obiectum potentiae et habitus. objeto da potência e do hábito. Pois a
Nam potentia est secundum quam potência é aquela conforme a qual po-
simpliciter possumus aliquid, puta i- demos algo em absoluto, por exemplo
rasci vel confidere; habitus autem est irar ou confiar; no entanto, o hábito é

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secundum quem aliquid possumus aquilo conforme o que podemos [reali-


bene vel male, ut dicitur in Ethic. Et zar] algo bem ou mal, como se afirma
ideo ubi est alia ratio boni, est alia ra- na Ética159. E por isso onde há outra
tio obiecti quantum ad habitum, sed razão de bem há uma razão quanto ao
non quantum ad potentiam; propter hábito, mas não quanto à potência; por
quod contingit in una potentia multos causa disso ocorre de que em uma po-
habitus esse. tência haja muitos hábitos.
5. Ad quintum dicendum, quod nihil 5. Respondo dizendo que nada impede
prohibet aliquid esse causam que algo seja causa efetiva de outro, o
effectivam alterius, quod tamen est qual, no entanto, é causa final daquele;
causa finalis illius; sicut medicina est como a medicina é a causa efetiva da
causa effectiva sanitatis, quae est finis saúde, que é o fim da medicina, como
medicinae, ut philosophus dicit I diz o Filósofo no livro I da Ética160.
Ethic. Habitus igitur sunt causae Portanto, os hábitos são causas efeti-
effectivae actuum; sed actus sunt fines vas dos atos; mas os atos são fins dos
habituum; et ideo habitus formaliter hábitos; e por isso os hábitos se distin-
secundum actus distinguuntur. guem formalmente segundo os atos.
6. Ad sextum dicendum, quod 6. Respondo dizendo que em relação
respectu finis qui est naturae humanae ao fim que é proporcionado à natureza
proportionatus, sufficit homini ad humana, a inclinação natural é sufici-
bene se habendum naturalis inclinatio; ente ao homem para que esteja bem
et ideo philosophi posuerunt aliquas disposto; e por isso os filósofos estabe-
virtutes, quarum obiectum esset leceram algumas virtudes cujo objeto
felicitas, de qua ipsi tractabant. Sed fosse a felicidade, da qual eles mesmo
finis in quo beatitudinem speramus, trataram. Ora, o fim no qual espera-
Deus, est naturae nostrae excedens mos a beatitude, Deus, é o que excede
proportionem; et ideo supra naturalem a capacidade da nossa natureza; e, por
inclinationem necessariae sunt nobis isso, por sobre a inclinação da nature-
virtutes, quibus in finem ultimum za nos são necessárias as virtudes pe-
elevemur. las quais sejamos elevados ao último
fim.
7. Ad septimum dicendum, quod 7. Respondo dizendo que chegar a
attingere ad Deum qualitercumque et Deus de algum modo e imperfeitamen-
imperfecte, maioris perfectionis est te, é de maior perfeição do que alcan-
quam perfecte alia attingere; unde çar perfeitamente as outras coisas; por
philosophus dicit de proprietatibus isso diz o Filósofo no Sobre a proprie-
animalium, et in II de Cael. et Mund.: dade dos animais161 e no Sobre o céu e
quod de sublimioribus rebus o mundo162: o que percebemos das
percipimus, est dignius, quam quod de coisas mais elevadas é mais digno do
aliis rebus multum cognoscimus. Et que muito do que conhecemos das ou-
ideo nihil prohibet et fidem et spem tras coisas. E por isso nada impede
esse virtutes, quamvis per eas que não só a fé, mas também a espe-
imperfecte attingamus ad Deum. rança sejam virtudes, ainda que por

159 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 5, 1105 b 25-26.


160 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, I, 7, 1097 a 19.
161 ARISTÓTELES, De proprietatibus animalium, I, 5, 644 b 33-34.
162 ARISTÓTELES, De caelo, II, 5, 287 b 29 ; De Virt a12 ad7; ARISTÓTELES, De caelo, II, 291 b

24-28.

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elas alcancemos imperfeitamente a


Deus.
8. Ad octavum dicendum, quod 8. Respondo dizendo que o afeto a
affectus in Deum ordinatur et per Deus não só se ordena pela esperança
spem in quantum confidit de Deo, et enquanto que [por ela] se confia em
per caritatem in quantum diligit Deus, mas também pela caridade en-
ipsum. quanto que [por ela] se o ama.
9. Ad nonum dicendum, quod amor 9. Respondo dizendo que o amor é o
est principium et radix omnium princípio e a raiz de todos os afetos:
affectuum: non enim gaudemus de com efeito, não gozamos da presença
praesentia boni nisi in quantum est do bem senão enquanto é amado; e do
amatum; et similiter patet in omnibus mesmo modo é evidente em todos ou
aliis affectionibus. Sic igitur omnis vir- outros afetos. Portanto, dessa maneira,
tus quae est ordinativa alicuius passio- toda virtude que é princípio de ordem
nis, est etiam ordinativa amoris. Nec de alguma paixão, é também princípio
etiam sequitur quod caritas, quae est de ordem do amor. E também não se
amor, non sit virtus specialis; sed o- segue que a caridade, que é o amor,
portet quod sit principium quodam- não seja uma virtude especial; mas é
modo omnium virtutum, in quantum necessário que de algum modo seja
omnes movet ad suum finem. princípio de todas as virtudes, enquan-
to as move, todas elas, a seu fim.
10. Ad decimum dicendum, quod non 10. Respondo dizendo que não é ne-
oportet secundum omnia attributa cessário que as virtudes teologais se
divina accipi virtutes theologicas, sed estabeleçam segundo todos os atribu-
solum secundum illa secundum quae tos divinos, senão só segundo aqueles
appetitum nostrum movet ut finis; et em relação aos quais [o atributo divi-
secundum hoc sunt tres virtutes no] move o nosso apetite [a tender a
theologicae, ut dictum est art. 10 huius ele] como fim; e conforme isto, há três
quaestionis. virtudes teologais, como foi dito no
artigo décimo desta questão.
11. Ad undecimum dicendum, quod 11. Respondo dizendo que a religião
religio habet Deum pro fine, non tem a Deus por fim, mas não por obje-
autem pro obiecto, sed ea quae offert to, mas [tem por objeto] aquelas coisas
colendo ipsum; et ideo non est virtus que oferece para venerá-lo; e por isso
theologica. Similiter etiam sapientia, não é uma virtude teologal. De modo
qua nunc contemplamur Deum, non semelhante também a sabedoria, pela
immediate respicit ipsum Deum, sed qual agora contemplamos a Deus, não
effectus ex quibus ipsum in praesenti considera imediatamente o próprio
contemplamur. Timor etiam respicit Deus, porém os seus efeitos pelos
pro obiecto aliquid aliud quam Deum; quais contemplamos Ele mesmo na
vel poenas vel propriam parvitatem, ex [vida] presente. Também o temor tem
cuius consideratione homo Deo reve- por objeto algo distinto de Deus; ou
renter se subiicit. seja, as penas ou a própria pequenez,
por cuja consideração o homem se
submete reverentemente a Deus.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que assim como
sicut in speculativis sunt principia et no especulativo há princípios e conclu-
conclusiones: ita et in operativis sunt sões: assim também no operativo há

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fines et ea quae sunt ad finem. Sicut fins e o que é em razão do fim. Portan-
igitur ad perfectam cognitionem et to, assim como para o conhecimento
expeditam non sufficit quod homo perfeito e expedito não é suficiente que
bene se habeat circa principia per o homem esteja bem disposto em rela-
intellectum, sed ulterius requiritur ção aos [primeiros] princípios pelo
scientia ad conclusiones; ita in intelecto, mas que, além disso, se re-
operativis praeter virtutes theologicas, queira a ciência para as conclusões;
quibus bene nos habemus ad ultimum assim no operativo, além das virtudes
finem, sunt necessariae virtutes aliae, teologais,mediante as quais nos faze-
quibus bene ordinemur ad ea quae mos bem dispostos ao último fim, nos
sunt ad finem. são necessárias outras virtudes, pelas
quais nos fazemos bem ordenados em
relação ao que é em razão do fim.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que ainda que o
quod licet bonum, in quantum bem, enquanto tal, seja objeto de uma
huiusmodi, sit obiectum appetitivae virtude apetitiva e não de uma intelec-
virtutis et non intellectivae; tamen id tiva; no entanto, aquele que é o bem
quod est bonum, potest inveniri etiam pode estar na [parte] intelectiva. Com
in intellectiva. Nam cognoscere verum, efeito, conhecer o verdadeiro é certo
quoddam bonum est; et sic habitus bem; e assim, o hábito que aperfeiçoa
perficiens intellectum ad verum cog- o intelecto para conhecer o verdadeiro
noscendum, habet virtutis rationem. tem natureza de virtude.

14. Ad decimumquartum dicendum, 14. Respondo dizendo que a prudência


quod prudentia secundum essentiam segundo a sua essência, é [uma virtu-
suam intellectualis est, sed habet ma- de] intelectual, mas tem uma matéria
teriam moralem; et ideo quandoque moral; e por isso, às vezes, se enumera
cum moralibus numeratur, quodam- junto com as [virtudes] morais, como
modo media existens inter intellectua- sendo de algum modo intermediária
les et morales. entre as [virtudes] intelectuais e as
morais.
15. Ad decimumquintum dicendum, 15. Respondo dizendo que ainda que
quod virtutes intellectuales licet as virtudes intelectuais se distingam
distinguantur a moralibus, pertinent das morais, no entanto, pertencem à
tamen ad scientiam moralem in ciência moral enquanto os seus atos
quantum actus earum voluntati estão sujeitos à vontade: com efeito,
subduntur: utimur enim scientia cum usamos a ciência quando queremos e
volumus, et aliis virtutibus também as outras virtudes intelectu-
intellectualibus. Ex hoc autem aliquid ais. E por isso uma coisa se designa
morale dicitur, quod se habet aliquo moral porque se relaciona de algum
modo ad voluntatem. modo com a vontade.
16. Ad decimumsextum dicendum, 16. Respondo dizendo que a reta razão
quod ratio recta prudentiae non da prudência não se põe na definição
ponitur in definitione virtutis moralis, da virtude moral como algo existente
quasi aliquid de essentia eius existens; em sua essência; mas como a causa de
sed sicut causa quodammodo effectiva algum modo produtiva da mesma ou
ipsius, vel per participationem. Nam por participação. Com efeito, a virtude
virtus moralis nihil aliud est quam par- moral não é outra coisa do que certa

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ticipatio quaedam rationis rectae in participação da reta razão na parte


parte appetitiva, ut in superioribus apetitiva, como foi dito acima.
dictum est.
17. Ad decimumseptimum dicendum, 17. Respondo dizendo que a matéria
quod materia artis sunt exteriora da arte são as coisas exteriores factí-
factibilia; materia autem prudentiae veis; no entanto, a matéria da prudên-
sunt agibilia in nobis existentia. Sicut cia são as coisas operáveis que existem
igitur ars requirit rectitudinem em nós. Portanto, assim como a arte
quamdam in rebus exterioribus, quae requer certa retidão nas coisas exterio-
ars disponit secundum aliquam res, as que a arte dispõe conforme al-
formam; ita prudentia requirit rectam guma forma, assim também a prudên-
dispositionem in passionibus et cia requer a reta disposição em nossas
affectionibus nostris; et propter hoc paixões e afeições; e por causa disso a
prudentia requirit aliquos habitus prudência requer alguns hábitos mo-
morales in parte appetitiva, non autem rais na parte apetitiva, mas não a arte.
ars.
18. Ad decimumoctavum concedimus. 18. Concedemos [o argumento]. Com
Appetitus enim intellectivae partis, qui efeito, o apetite da parte intelectiva,
est voluntas, potest esse universalis que é a vontade, pode ser do bem uni-
boni, quod per intellectum versal que é apreendido pelo intelecto;
apprehenditur; non autem appetitus porém não o apetite que está na parte
qui est in parte sensitiva, quia nec sensitiva, porque o sentido não apre-
sensus universale apprehendit. ende o universal.
19. Ad decimumnonum dicendum, 19. Respondo dizendo que ainda que o
quod licet appetitus naturaliter apetite se mova naturalmente ao bem
moveatur in bonum apprehensum; ad apreendido; no entanto para que se
hoc tamen quod faciliter inclinetur in incline com facilidade até este bem,
hoc bonum, quod ratio consequitur per que a razão alcança mediante a pru-
prudentiam perfectam, requiritur in dência perfeita, se requer algum hábito
parte appetitiva aliquis habitus da virtude na parte apetitiva; e princi-
virtutis; et praecipue vera ratio palmente [necessita] da razão veraz
deliberans et demonstrans aliquod que delibera e mostra algum bem, a
bonum, in cuius contrarium appetitus cujo contrário o apetite naturalmente é
natus est ferri absolute; sicut conduzido em absoluto; assim como o
concupiscibilis nata est moveri in concupiscível move naturalmente o
delectabile sensus, et irascibilis in sentido ao deleitável, e o irascível à
vindictam, quae tamen interdum ratio vingança, a qual, porém, em certas
prohibet per suam deliberationem. ocasiões, a razão impede pela sua deli-
Similiter etiam voluntas, ea quae in beração. De modo semelhante também
usum hominis veniunt, nata est a vontade é inclinada a apetecer para si
appetere sibi ad necessitatem vitae, as coisas que convêm ao uso do ho-
sed ratio deliberans aliquando mem em relação às necessidades da
praecipit alteri communicanda. Et ideo vida, mas a razão, deliberando, pres-
in parte appetitiva necessarium est creve às vezes que sejam comunicadas
ponere habitus virtutum ad hoc quod ao outro. E por isso é necessário inclu-
faciliter obediat rationi. ir hábitos de virtudes na parte apetiti-
va para que [esta] obedeça com facili-
dade à razão.

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20. Ad vicesimum dicendum est, quod 20. Respondo dizendo que o conheci-
cognitio ad prudentiam immediate mento pertence imediatamente à pru-
pertinet; sed operatio pertinet ad eam dência, mas a operação pertence a ela
mediante appetitiva virtute; et ideo mediante a virtude apetitiva; e por isso
debent in appetitiva etiam virtute esse também na virtude apetitiva deve ha-
aliqui habitus, qui dicuntur virtutes ver alguns hábitos, que são chamados
morales. de virtudes morais.
21. Ad vicesimumprimum dicendum, 21. Respondo dizendo que em todas as
quod in omnibus moralibus est una coisas morais há só uma razão de ver-
ratio veri: in omnibus enim moralibus dade: com efeito, em todas as coisas
est verum contingens agibile; non morais há algo verdadeiro, operável e
tamen in eis est una ratio boni, quod contingente; no entanto, não há nelas
est obiectum virtutis. Et ideo respectu uma só razão de bem, a qual constitui
omnium moralium est unus habitus o objeto da virtude. E por isso em rela-
cognoscitivus, sed non una virtus ção a toda a moral há um só hábito
moralis. cognoscitivo, mas não uma só virtude
moral.
22. Ad vicesimumsecundum 22. Respondo dizendo que o meio se
dicendum, quod medium in diversis encontra de diversos modos nas maté-
materiis diversimode invenitur; et ideo rias diversas; e por isso a diversidade
diversitas materiae in virtutibus da matéria nas virtudes morais causa a
moralibus causat diversitatem diversidade formal conforme a qual as
formalem secundum quam virtutes virtudes morais diferem especifica-
morales specie differunt. mente.
23. Ad vicesimumtertium dicendum, 23. Respondo dizendo que algumas
quod quaedam virtutes morales virtudes morais especiais, e relativas a
speciales, et circa materiam specialem uma matéria especial existente, tomam
existentes, appropriant sibi illud quod para si aquilo que é comum a toda a
est commune omni virtuti, et ab eo virtude e se denominam por isso [co-
denominantur: propterea quod illud mum], porque aquilo que é comum a
quod est omnibus commune in aliqua todas [as virtudes] em alguma matéria
speciali materia, praecipue especial tem especial dificuldade e mé-
difficultatem et laudem habet. rito. Com efeito, é manifesto que para
Manifestum est enim quod ad qualquer virtude se requeira que o seu
quamlibet virtutem requiritur quod ato seja regulado conforme as circuns-
actus eius sit modificatus secundum tâncias devidas, pelas quais se consti-
debitas circumstantias, quibus in tuem em um meio, e que [o dito ato]
medio constituitur, et quod sit directus seja dirigido em ordem ao fim, em re-
in ordine ad finem, vel ad quodcumque lação a qualquer outro objeto exterior
aliud exterius; et iterum quod habeat e que, por sua vez, possua firmeza.
firmitatem. Immobiliter enim operari Pois operar de um modo imóvel é uma
est una de conditionibus virtutis, ut das condições da virtude, como é evi-
patet III Ethic.; persistere autem dente no livro III da Ética163; no entan-
firmiter praecipue habet difficultatem to, perseverar com firmeza tem especi-
et laudem in periculis mortis, et ideo al dificuldade e mérito nos perigos da
virtus quae est circa hanc materiam, morte, e por isso a virtude relativa a

163 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 4, 1105 a 30.

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nomen sibi fortitudinis vindicat. esta matéria reclama para si o nome de


Continere autem, specialiter habet fortaleza. No entanto, resistir ao tato
difficultatem et laudem in no deleitável tem uma especial dificul-
delectabilibus tactus; unde virtus quae dade e mérito; por isso, que a virtude
est circa hanc materiam, temperantia relativa a esta matéria é denominada
nominatur. In usu autem rerum temperança. Contudo, em relação ao
exteriorum praecipue requiritur et uso das coisas exteriores, a retidão tem
laudatur rectitudo, quia in huiusmodi uma especial dificuldade e mérito,
bonis homines sibi communicant; et porque em tais bens os homens se co-
ideo hoc est bonum virtutis in eis, quia municam entre si; e, por isso, [a reti-
quantum ad ea homo directe dão] é o bem da virtude na relação
secundum aequalitatem quamdam se com tais bens, porque em relação aos
habet ad alios; et ab hoc denominatur ditos bens o homem se relaciona com
iustitia. Quandoque ergo homines de os outros diretamente segundo certa
virtutibus loquentes, utuntur nomine igualdade; e por isso [a virtude] se de-
fortitudinis et temperantiae et nomina justiça. Portanto, às vezes, fa-
iustitiae, non secundum quod sunt lando sobre as virtudes, os homens
virtutes speciales in determinata não usam o nome de fortaleza, de tem-
materia, sed secundum conditiones perança e de justiça, enquanto que são
generales a quibus denominantur. Et virtudes especiais em determinada
per hoc dicitur quod temperantia matéria, mas conforme as condições
debet esse fortis, id est firmitatem gerais pelas quais se as designa. E por
habere; et fortitudo debet esse isso, se diz que a temperança deve ser
temperata, id est modum servare, et forte, isto é, que possua firmeza; e que
eadem ratio est in aliis. De prudentia a fortaleza deva ser temperada,isto é,
vero manifestum est quod que conserve a medida, e pela mesma
quodammodo est generalis, in razão [isso] ocorre com as outras [vir-
quantum habet pro materia omnia tudes]. No entanto, é manifesto que a
moralia, et in quantum omnes virtutes prudência é de algum modo uma [vir-
morales quodammodo eam tude] geral, enquanto tem por matéria
participant, ut ostensum est in isto art. todas as coisas morais, e enquanto to-
ad 16 arg., et hac ratione dicitur quod das as virtudes morais de algum modo
omnis virtus moralis debet esse participam dela, como se mostrou nes-
prudens. te artigo no décimo sexto argumento, e
por essa razão se diz que toda a virtude
moral deve ser prudente.
24. Ad vicesimumquartum dicendum, 24. Respondo dizendo que alguma
quod virtus aliqua dicitur cardinalis, virtude se diz cardeal, como principal,
quasi principalis, quia super eam aliae porque sobre ela se apoiam as outras
virtutes firmantur sicut ostium in virtudes como a porta sobre o suporte.
cardine. Et quia ostium est per quod E porque a porta é aquilo pelo qual se
introitur in domum, ratio cardinalis entra em casa, a razão da virtude car-
virtutis non competit virtutibus deal não compete às virtudes teologais,
theologicis, quae sunt circa ultimum que são relativas ao último fim, a par-
finem, ex quo non est introitus vel tir do qual não há entrada ou movi-
motus ad aliquid interius. Convenit mento até o interior. Com efeito, con-
enim virtutibus theologicis quod super vêm às virtudes teologais que sobre
eas aliae virtutes firmentur, sicut supra elas se sustentem outras virtudes, as-

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aliquid immobile; et ideo fides dicitur sim como sobre algo imóvel; e por isso
fundamentum, I Corinth., III, 11: a fé se diz fundamento, em 1 Cor 3, 11:
fundamentum enim aliud nemo potest quanto ao fundamento, ninguém pode
ponere praeter id quod positum est; colocar outro diverso do que foi posto;
spes ancora, Heb. VI, 19: sicut anima a esperança é âncora, [como se diz] em
ancoram etc.; caritas radix, Ephes. III, Hb 6, 19: qual âncora da alma etc.; a
17: in caritate radicati et fundati. caridade é raiz, [como se diz] em Ef 3,
Similiter etiam intellectuales non 17: sejais arraigados e fundados no
dicuntur cardinales, quia perficiunt in amor. De um modo semelhante, tam-
vita contemplativa quaedam earum, bém as [virtudes] intelectuais não são
scilicet sapientia, scientia, et ditas cardeais, porque algumas delas
intellectus: vita autem contemplativa aperfeiçoam na vida contemplativa, a
est finis, unde non habet rationem saber, a sabedoria, a ciência e o inte-
ostii. Sed vita activa, in qua lecto: mas a vida contemplativa é o
perficiuntur morales, est ut ostium ad fim, por isso não tem a razão de porta.
contemplativam. Ars autem non habet Ora, a vida ativa, na qual as [virtudes]
virtutes sibi cohaerentes, ut cardinalis morais aperfeiçoam, é como uma porta
dici possit. Sed prudentia, quae dirigit para a [vida] contemplativa. No entan-
in vita activa, inter cardinales virtutes to, a arte não tem virtudes anexas a si,
computatur. para que possa chamar-se de cardeal.
Ora, a prudência, que dirige na vida
ativa, se encontra entre as virtudes
cardeais.
25. Ad vicesimumquintum dicendum, 25. Respondo dizendo que na parte
quod in parte rationali sunt duae racional há duas potências, a saber, a
virtutes, scilicet appetitiva, quae apetitiva, que se denomina vontade; e
vocatur voluntas; et apprehensiva, a apreensiva, que se denomina razão.
quae vocatur ratio. Unde in parte Por isso, na parte racional há duas vir-
rationali sunt duae virtutes cardinales: tudes cardeais: a prudência em relação
prudentia quantum ad rationem, à razão, a justiça em relação à vontade.
iustitia quantum ad voluntatem. In Na parte concupiscível, porém, a tem-
concupiscibili autem temperantia; sed perança; mas, na irascível, a fortaleza.
in irascibili fortitudo.
26. Ad vicesimumsextum dicendum, 26. Respondo dizendo que é necessá-
quod in unaquaque materia oportet rio que em cada matéria haja uma vir-
esse cardinalem virtutem circa id quod tude cardeal relativa ao que é mais im-
est principalius in materia illa. Virtutes portante naquela matéria. No entanto,
autem quae sunt circa alia quae perti- as virtudes que são relativas às outras
nent ad illam materiam, dicuntur se- coisas que pertencem àquela matéria,
cundariae vel adiectae. Sicut in passio- se denominam secundárias ou anexas.
nibus concupiscibilis, principaliores Como nas paixões do concupiscível
sunt concupiscentiae et delectationes referentes ao tato, as mais importantes
quae sunt secundum tactum, circa qu- são as concupiscências e as deleita-
as est temperantia; et ideo in materia ções, sobre as quais versa a temperan-
ista temperantia ponitur cardinalis; ça; e por isso, a temperança se diz car-
eutrapelia vero, quae est circa delecta- deal nessa matéria; mas a eutrapélia164

164 Jocosidade inofensiva, delicada; maneira chistosa de zombar.

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tiones quae sunt in ludis, potest poni que é relativa às deleitações, que se
secundaria vel adiuncta. Similiter inter dão na diversão, e pode denominar-se
passiones irascibilis, praecipuum est secundária ou anexa. De modo seme-
quod pertinet ad timores et audacias lhante, dentre as paixões do irascível, o
circa pericula mortis, circa quae est mais importante é a que pertence aos
fortitudo: unde fortitudo ponitur vir- temores e às audácias em relação aos
tus cardinalis in irascibili; non mansu- perigos de morte, sobre as quais versa
etudo, quae est circa iras, licet ab ira a fortaleza: por isso a fortaleza se diz
denominetur, irascibilis propter hoc uma virtude cardeal no irascível; não a
quod est ultima inter passiones irasci- mansidão que é relativa à ira, ainda
bilis; nec etiam magnanimitas et hu- que [o irascível] se denomine [como
militas, quae quodammodo se habent tal] pela ira, devido a que [a ira] é a
ad spem vel fiduciam alicuius magni: última entre as paixões do irascível;
non enim ita movent hominem ira et nem também a magnanimidade e a
spes, sicut timor mortis. In actionibus humildade, que de algum modo se re-
autem quae sunt respectu exteriorum lacionam com a esperança ou com a
quae veniunt in usum vitae, primum et confiança de algo grande: pois a ira e a
praecipuum est quod unicuique quod esperança movem o homem com uma
suum est, reddatur: quod facit iustitia. intensidade tal como o temor da mor-
Hoc enim subtracto, neque liberalitas te. No entanto, nas ações que são rela-
neque magnificentia locum habet, et tivas às coisas exteriores que convêm
ideo iustitia est cardinalis virtus, et ao uso da vida, o primeiro e principal é
aliae sunt adiunctae. In actibus etiam que se restitua a cada um o seu: o que
rationis praecipuum est praecipere, faz a justiça. Com efeito, suprimida,
sive eligere, quod facit prudentia: ad não cabem nem à liberdade nem à
hoc enim ordinatur et consultiva, in magnificência, e por isso a justiça é
quo dirigit eubulia, et iudicium de con- uma virtude cardeal, e as outras são
siliatis, in quo dirigit synesis. Unde anexas. Além disso, nos atos da razão,
prudentia est cardinalis, aliae vero vir- o principal é imperar ou escolher, o
tutes sunt adiunctae. que faz a prudência: pois a isso se or-
dena tanto o que se aconselha, en-
quanto dirige o bom conselho165, como
um juízo do conselho, o qual é dirigido
pela inteligência166. Por isso, a prudên-
cia é cardeal, mas as outras virtudes
são anexas.
27. Ad vicesimumseptimum 27. Respondo dizendo que outras vir-
dicendum, quod aliae virtutes tudes anexas ou secundárias são de-
adiunctae vel secundariae ponuntur signadas partes das cardeais, não co-
partes cardinalium, non integrales vel mo [partes] integrais ou subjetivas,
subiectivae, cum habeant materiam pois tem uma matéria determinada e
determinatam et actum proprium; sed um ato próprio; mas como partes po-
quasi partes potentiales, in quantum tenciais, enquanto participam particu-
particulariter participant, et larmente e com deficiência do meio
deficienter medium quod principaliter que principalmente e com mais perfei-

165 Significado para a palavra latina ‘eubulia’.


166 Significado para a palavra latina ‘synesis’.

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et perfectius convenit virtuti cardinali. ção corresponde à virtude cardeal.

ARTICULUS 13 ARTIGO 13

DECIMOTERTIO QUAERITUR UTRUM DÉCIMO TERCEIRO, SE PERGUNTA SE A


VIRTUS SIT IN MEDIO. VIRTUDE É UM MEIO [TERMO].167

Et videtur quod non. E parece que não.

1. Quia, ut dicitur in I de caelo, virtus 1. Porque, como se diz no livro I, no


est ultimum potentiae. Sed ultimum Sobre o céu e o mundo168, a virtude é o
non est medium, sed magis extremum. último da potência. Ora, o último não
Ergo virtus non est in medio, sed in está no meio, mas no extremo. Logo, a
extremo. virtude não está no meio, mas no ex-
tremo.
2. Praeterea, virtus habet rationem 2. Além do mais, a virtude tem uma
boni; est enim bona qualitas, ut Au- natureza de bem; com efeito, é uma
gustinus dicit. Bonum autem habet boa qualidade, como diz Agostinho. No
rationem finis, quod est ultimum, et entanto, o bem tem uma razão de fim,
ita extremum. Ergo magis virtus est in que é [algo] último, e desse modo [al-
extremo quam in medio. go] extremo. Logo, a virtude está mais
no extremo do que no meio.
3. Praeterea, bonum est contrarium 3. Além do mais, o bem é contrário ao
malo, inter quae nullum est medium, mal, e entre os quais não há [algo] mé-
quod neque bonum neque malum est, dio que não seja nem o bem nem o
ut dicitur in postpraedicamentis. Ergo mal, como se diz na última parte das
bonum habet rationem extremi; et sic Categorias169. Logo, o bem tem razão
virtus, quae bonum facit habentem, et de extremo; e desse modo a virtude
opus eius bonum reddit, ut dicitur in II que faz bom quem a possui, e torna
Ethic., non est in medio sed in boa a sua obra, como se diz no livro II
extremo. da Ética170, não está no meio mas em
um extremo.
4. Praeterea virtus est bonum rationis; 4. Além do mais, a virtude é o bem da
hoc enim est virtuosum quod secun- razão; com efeito, o virtuoso é o que é
dum rationem est. Ratio autem in conforme a razão. No entanto, no ho-
homine non se habet ut medium, sed mem não se considera a razão como
ut supremum. Ergo ratio medii non [algo] intermediário senão [algo] su-
competit virtuti. premo. Logo, a razão de meio não
compete à virtude.
5. Praeterea, omnis virtus, aut est 5. Além do mais, toda virtude ou é teo-
theologica, aut intellectualis, aut logal, intelectual, ou moral, como se
moralis, ut ex superioribus patet. Sed mostra acima. Mas a virtude teologal
virtus theologica non est in medio; não está no meio; porque Bernardo171

167 Outros lugares: S. Th., I-II, q. 64, a. 1, 2, 3, 4; III Sent., D. 33, q. 1, a. 3, q.a 1; II Ethic., 1. 6, 7.
168 ARISTÓTELES, De caelo, I, 11, 281 a 14-15.
169 ARISTÓTELES, Praedicamenta, 10, 11 b 21.
170 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 5, 1106 a 14-15.
171 SÃO BERNARDO, De diligendo Deo, I, PL 182, 975 B, 984 A e B.

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quia Bernardus dicit quod modus diz que a medida da caridade é não ter
caritatis est non habere modum. medida. No entanto, a caridade é [a
Caritas autem praecipua est inter alias virtude] principal dentre as outras vir-
virtutes theologicas, et radix earum. tudes teologais, e a raiz delas. Além
Similiter etiam nec intellectualibus disso, de um modo semelhante, parece
virtutibus videtur competere ratio me- que nem às virtudes intelectuais com-
dii: quia medium est inter contraria; pete a razão de meio: porque o meio
res autem, prout sunt in intellectu non está entre os contrários; mas enquanto
sunt contrariae, nec intellectus cor- que as coisas estão no intelecto não são
rumpitur ex excellenti intelligibili, ut contrárias, e nem o intelecto se cor-
dicitur in III de anima. Similiter etiam rompe por [haver inteligido] um objeto
nec virtutes morales videntur esse in eminentemente inteligível, como se diz
medio: quia quaedam virtutes consis- no livro III Sobre a alma172. Igualmen-
tunt in maximo: sicut fortitudo est cir- te, também parece que as virtudes mo-
ca maxima pericula, quae sunt pericula rais não estão no meio: porque algu-
mortis; et magnanimitas circa mag- mas virtudes consistem em [algo] má-
num in honoribus; et magnificentia ximo: assim como a fortaleza, que é
circa magnum in sumptibus; et pietas relativa aos máximos perigos, que são
circa maximam reverentiam quae de- os perigos da morte; e a magnanimi-
betur parentibus, quibus nihil aequiva- dade que é relativa às grandes honras;
lens reddere possumus; et simile est de e a magnificência que é relativa aos
religione, quae circa magnum est in grandes dispêndios; e a piedade, rela-
cultu divino, cui non possumus suffici- tiva ao respeito máximo que se deve
enter servire. Ergo virtus non est in aos pais, aos quais nada equivalente [à
medio. vida que nos deram] podemos devol-
ver; e de modo semelhante se dá com a
religião, que é relativa à grandeza no
culto a Deus, a Quem não podemos
servir de um modo suficiente. Logo, a
virtude não está no meio [termo].
6. Praeterea, si perfectio virtutis 6. Além do mais, se a perfeição da vir-
consistit in medio, oportet quod tude consiste em um meio, é necessá-
perfectiores virtutes magis in medio rio que as virtudes mais perfeitas con-
consistant. Sed virginitas et paupertas sistam em um meio. Ora, a virgindade
sunt perfectiores virtutes, quia cadunt e a pobreza são as virtudes mais perfei-
sub consilio, quod non est nisi de tas, porque estão submetidas ao conse-
meliori bono. Ergo virginitas et pau- lho, que não é senão sobre o melhor
pertas essent in medio: quod videtur bem. Logo, parece que é falso que a
esse falsum; quia virginitas in materia virgindade e a pobreza estejam em um
venereorum abstinet ab omni venereo, bem; porque na matéria relativa às
et ita tenet extremum; et similiter in questões venéreas a virgindade se abs-
possessionibus paupertas, quia renun- tém de todo o venéreo, e assim se or-
tiat omnibus. Non ergo videtur quod dena a [algo] extremo; e de modo se-
ratio virtutis sit consistere in medio. melhante [ocorre] com a pobreza
quanto às posses, porque renuncia a
todas. Logo, não parece que a natureza

172 ARISTÓTELES, De Anima, III, 4; 429 b 3.

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da virtude seja consistir em um meio


[termo].
7. Praeterea, Boetius in arithmetica 7. Além do mais, na Aritmética173, Bo-
assignat triplex medium: scilicet écio assinala três meios: a saber, o a-
arithmeticum, ut 6 inter 4 et 8, quia ritmético, como o 6 entre o 4 e o 8,
secundum aequalem quantitatem porque a mesma quantidade dista de
distat ab utroque; et medium ambos; o meio geométrico, como o 6
geometricum, sicut 6 inter 9 et 4, quia entre o 9 e o 4, porque segundo a
secundum eamdem proportionem, mesma proporção, a saber, a sesquial-
scilicet sesquialteram, ab utroque tera174 dista de ambos os extremos,
extremo distat, licet non secundum ainda que não segundo a mesma quan-
eamdem quantitatem; et medium tidade; e o meio harmônico ou musi-
harmonicum, sive musicum, sicut 3 est cal, como o 3 é o meio entre o 6 e o 2,
medium inter 6 et 2, quia quae porque esta proporção é de um extre-
proportio est unius extremi ad mo em relação ao outro, isto é, 6 em
alterum, scilicet 6 ad 2, eadem est relação ao 2, é a mesma proporção do
proportio 3 (quod est differentia inter 3 (que é a diferença entre 6 e 3) em
6 et 3) ad 1, quod est differentia inter 2 relação ao 1, que é a diferença entre o 2
et 3. Nullum autem istorum mediorum e o 3. No entanto, nenhum desses mei-
salvatur in virtute; quia non oportet os se dá na virtude; porque não é ne-
quod medium virtutis aequaliter se cessário que o meio virtuoso se rela-
habeat ad extremum neque secundum cione com o extremo do mesmo modo,
quantitatem, neque secundum propor- nem segundo a quantidade, nem se-
tionem et terminorum et differentia- gundo a proporção não só dos termos
rum. Ergo virtus non est in medio. mas também das diferenças. Logo, a
virtude não está no meio.
8. Sed dicendum, quod virtus consistit 8. Mas se diz que a virtude consiste
in medio rationis, et non in medio rei, em um meio de razão, e não em um
de quo dicit Boetius.- Sed contra, meio da coisa, como diz Boécio. - Mas,
virtus, secundum Augustinum, ao contrário, segundo Agostinho175, a
computatur inter maxima bona, virtude se conta entre os bens máxi-
quibus nullus male utitur. Si ergo mos dos quais não se faz mau uso. Lo-
bonum virtutis est in medio, oportet go, se o bem da virtude está no meio, é
quod medium virtutis maxime habeat necessário que o meio da virtude tenha
rationem medii. Sed medium rei maximamente a razão de meio. Ora, o
perfectius habet rationem medii quam meio da coisa tem mais perfeitamente
medium rationis. Ergo medium virtu- a razão de meio do que o meio da ra-
tis magis est medium rei quam medi- zão. Logo, o meio da virtude é mais o
um rationis. bem médio da coisa do que o meio da
razão.
9. Praeterea, virtus moralis est circa 9. Além do mais, a virtude moral é
passiones et operationes animae, quae relativa às paixões e às operações da
sunt indivisibiles. In indivisibili autem alma, que são indivisíveis. No entanto,
non est accipere medium et extrema. no indivisível não é possível considerar
Ergo virtus non consistit in medio. o meio e os extremos. Logo, a virtude

173 BOÉCIO, Arithmetica, II, PL 63, 1147 C, D; 1150 B, C; 1153 D.


174 Cada uma de duas quantidades das quais uma contém a outra uma vez e meia.
175 AGOSTINHO, De libero arbitrio, II, 19, 50.

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não consiste no meio.


10. Praeterea, philosophus dicit in Lib. 10. Além do mais, o Filósofo diz, no
topicorum, quod in voluptatibus livro dos Tópicos176, que em relação
melius est facere quam fecisse, vel fieri aos prazeres é melhor estar realizando
quam factum esse. Sed virtus aliqua [coisas prazerosas] do que havê-las
est circa voluptates, scilicet feito, ou estar fazendo [algo no presen-
temperantia. Ergo, cum virtus semper te] do que havê-los feito [no passado].
quaerat quod melius est; semper Ora, há alguma virtude relativa aos
temperantia quaeret voluptates fieri, prazeres, a saber, a temperança. Logo,
quod est tenere extremum, et non como a virtude sempre busca o que é
medium. Non ergo virtus moralis melhor; a temperança sempre buscará
consistit in medio. que haja coisas prazerosas, o que é o
extremo e não o meio. Logo, a virtude
moral não consiste em um meio.
11. Praeterea, ubi est invenire magis et 11. Além do mais, onde é possível falar
minus, ibi est invenire medium. Sed in mais e menos, é onde é possível falar
vitiis est invenire magis et minus; est um meio. Ora, nos vícios é possível
enim aliquis magis vel minus falar mais e menos; pois alguém é mais
luxuriosus vel gulosus. Ergo in gula et ou menos luxurioso ou guloso. Logo, é
luxuria, et in aliis vitiis, est invenire possível falar sobre o meio na gula e na
medium. Si ergo ratio virtutis est esse luxúria, e nos outros vícios. Logo, se a
in medio, videtur quod in vitiis sit natureza da virtude está no meio, pa-
invenire virtutem. rece que nos vícios há a virtude.
12. Praeterea, si virtus consistit in 12. Além do mais, se a virtude consiste
medio, non nisi in medio duorum em um meio, não é senão em um meio
vitiorum. Hoc autem non convenit entre dois vícios. No entanto, não con-
omni virtuti morali; iustitia enim non vém a toda virtude moral; pois a justi-
est inter duo vitia, sed habet unum ça não está entre dois vícios, mas tem
tantum vitium oppositum: accipere um só vício oposto: com efeito, isto é o
enim plus quam suum est, hoc vicioso: que alguém receba mais do
vitiosum est; sed quod auferatur alicui que é o seu; mas que tirar de alguém o
de eo quod suum est, absque suo vitio que é seu, é sim o seu vício. Logo, a
est. Ergo ratio virtutis moralis non est natureza da virtude moral não consiste
ut in medio consistat. em um meio.
13. Praeterea, medium aequaliter dis- 13. Além do mais, o meio dista do
tat ab extremis. Sed virtus non mesmo modo dos extremos. Ora, a
aequaliter distat ab extremis. Fortis virtude não dista igualmente dos ex-
enim propinquior est audaci quam ti- tremos. Com efeito, o forte está mais
mido, et liberalis prodigo quam tenaci; próximo da audácia do que o tímido, e
et similiter patet in aliis. Ergo virtus o liberal é mais pródigo do que o ava-
moralis non consistit in medio. ro, e de modo semelhante é evidente
nos outros [casos]. Logo a virtude mo-
ral não consiste em um meio.
14. Praeterea, de extremo in extre- 14. Além do mais, não se transita de
mum non transitur nisi per medium. um extremo ao outro senão pelo meio.
Si ergo virtus sit in medio, non erit de Logo, se a virtude está no meio, não

176 ARISTÓTELES, Topica, VI, 8; 146 b 17.

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uno vitio opposito in aliud transitus haverá trânsito de um vício oposto ao


nisi per virtutem; quod patet esse fal- outro senão pela virtude; o que é evi-
sum. dentemente falso.
15. Praeterea, medium et extrema sunt 15. Além do mais, o meio e os extre-
in eodem genere. Sed fortitudo et mos são do mesmo gênero. Ora, a for-
timiditas et audacia non sunt in eodem taleza, a timidez e a audácia não são do
genere: nam fortitudo est in genere mesmo gênero: pois a fortaleza é do
virtutis; timiditas et audacia in genere gênero da virtude; a timidez e a audá-
vitii. Ergo fortitudo non est medium cia do gênero do vício. Logo, a fortale-
inter ea. Et similiter potest obiici de za não está em um meio entre estes. E
aliis virtutibus. de modo semelhante pode argumen-
tar-se em relação às outras virtudes.
16. Praeterea, in quantitatibus sicut 16. Além do mais, nas coisas quantita-
extrema sunt indivisibilia, ita et tivas, assim como os extremos são in-
medium; nam punctum est et medium divisíveis, assim também [o é] o meio;
et terminus lineae. Si ergo virtus pois o ponto não só é meio, mas tam-
consistit in medio, consistit in bém o término da linha. Logo, se a vir-
indivisibili. Et hoc etiam videtur per tude consiste em um meio, consiste em
hoc quod philosophus dicit in II Ethic., [algo] indivisível. E isto também pare-
quod difficile est esse virtuosum; sicut ce pelo que diz o Filósofo no livro II da
difficile est attingere signum, vel Ética177, que é difícil ser virtuoso; co-
invenire centrum in circulo. Si ergo mo é difícil alcançar o alvo no centro
virtus in indivisibili consistit, videtur do círculo. Logo, se a virtude consiste
quod virtus non augeatur et minuatur; em [algo] indivisível, parece que a vir-
quod est manifeste falsum. tude não aumenta nem diminui; o que
é manifestamente falso.
17. Praeterea, in indivisibili non est 17. Além do mais, no indivisível não
aliqua diversitas. Si ergo virtus sit in há diversidade alguma. Logo, se a vir-
medio sicut in quodam indivisibili, tude está em um meio como em algo
videtur quod in virtute non sit aliqua indivisível, parece que na virtude não
diversitas, ita quod id quod est há diversidade alguma, de tal maneira
virtuosum uni, sit virtuosum alteri; que aquilo que é virtuoso para um é [o
quod est manifeste falsum: nam mesmo] que o que é virtuoso para ou-
aliquis laudatur in uno, qui vituperatur tro; o que é manifestamente falso, pois
in altero. alguém é louvado em relação a algo
que é repreensível em outro.
18. Praeterea, quidquid vel ad modi- 18. Além do mais, tudo o que se dis-
cum elongatur ab indivisibili, puta a tancia, mesmo em uma pequena pro-
centro, est extra indivisibile, et extra porção do indivisível, por exemplo, do
centrum. Si igitur virtus sit in medio centro, está fora do indivisível e fora
sicut in quodam indivisibili, videtur do centro. Portanto, se a virtude está
quod quodcumque vel ad modicum no meio como em algo indivisível, pa-
declinet ab eo quod est rectum fieri, sit rece que tudo o que em uma pequena
extra virtutem; et sic rarissime homo proporção se aparta do que deve reali-
operatur secundum virtutem. Non er- zar-se retamente está fora da virtude; e
go virtus est in medio. assim muito raramente o homem age

177 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6 1106 b 26.

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conforme a virtude. Logo, a virtude


não está no meio.

SED CONTRA AO CONTRÁRIO

1. Est quod omnis virtus vel est 1. É que toda a virtude ou é moral, ou
moralis, vel intellectualis, vel intelectual, ou teologal. No entanto, a
theologica. Virtus autem moralis est in virtude moral está em um meio; pois
medio; nam virtus moralis, secundum segundo o Filósofo, no livro VII da Éti-
philosophum in VII Ethic., est habitus ca178, a virtude moral é o hábito eletivo
electivus in medietate consistens. que consiste em um meio termo. Tam-
Virtus etiam intellectualis videtur esse bém a virtude intelectual parece estar
in medio, propter id quod apostolus em um meio [termo], pelo que diz o
dicit, Rom., XII, 3: non plus sapere Apóstolo, em Rm 12, 3: não tenha de si
quam oportet sapere, sed sapere ad mesmo um conceito mais elevado do
sobrietatem. Similiter etiam virtus que convém, mas uma justa medida.
theologica videtur esse in medio; nam De um modo semelhante também a
fides incedit media inter duas virtude teologal parece estar no meio
haereses, ut dicit Boetius in Lib. de [termo]; com efeito, a fé avança em
duabus naturis; spes etiam est media meio de duas heresias, como diz Boé-
inter praesumptionem et cio no livro Sobre as duas nature-
desperationem. Ergo omnis virtus est zas179; também a esperança está no
in medio. meio da presunção e do desespero.
Logo, toda virtude está no meio.

RESPONDEO RESPONDO

Respondeo. Dicendum, quod virtutes Respondo dizendo que as virtudes mo-


morales et intellectuales sunt in rais e intelectuais estão no meio, ainda
medio, licet aliter et aliter; virtutes que umas de um modo e outras de ou-
autem theologicae non sunt in medio, tro; no entanto, as virtudes teologais
nisi forte per accidens. Ad cuius não consistem em um meio a não ser
evidentiam sciendum est, quod talvez por acidente. Para que seja mais
cuiuslibet habentis regulam et evidente, deve-se saber que o bem de
mensuram bonum consistit in hoc qualquer um que possua regra e medi-
quod est adaequari suae regulae vel da consiste nisto: adequar-se à sua
mensurae; unde dicimus illud bonum regra ou medida; por isso denomina-
esse quod neque plus neque minus mos bom àquilo que não tem mais
habet quam debet habere. nem menos do que se deve ter. No en-
Considerandum autem est quod tanto, deve-se considerar que a maté-
materia virtutum moralium sunt ria das virtudes morais são as paixões
passiones et operationes humanae, e as operações humanas, como as coi-
sicut factibilia sunt materia artis. Sicut sas factíveis são matérias da arte. Por
igitur bonum in his quae fiunt per consequência, assim como o bem nes-
artem, consistit in hoc quod artificiata tas coisas se realiza mediante a arte,

178 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 b 35.


179 BOÉCIO, De duabus Naturis, 7, PL 64, 1352 B e C.

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accipiant mensuram secundum quod consistindo em que os artefatos rece-


exigit ars, quae est regula bam a medida segundo o que exige a
artificiatorum; ita bonum in arte, que é a regra dos artefatos; assim,
passionibus et operationibus humanis o bem nas paixões e nas operações
est quod attingatur modus rationis, qui humanas é o que se alcança pelo modo
est mensura et regula omnium da razão, que é a medida e a regra de
passionum et operationum todas as paixões e as operações huma-
humanarum. Nam cum homo sit homo nas. Com efeito, como o homem é ho-
per hoc quod rationem habet, oportet mem porque possui a razão, é necessá-
quod bonum hominis sit secundum rio que o bem do homem seja confor-
rationem esse. Quod autem in me a razão. No entanto, quando nas
passionibus et operationibus humanis paixões e nas operações humanas algo
aliquis excedat modum rationis vel excede a medida da razão ou é defici-
deficiat ab eo, hoc est malum. Cum ente em relação a ela, isto é um mal.
igitur bonum hominis sit virtus Portanto, como o bem do homem é a
humana, consequens est quod virtus virtude, se segue que a virtude moral
moralis consistat in medio inter consiste em um meio entre a supera-
superabundantiam et defectum; ut bundância e o defeito; de tal maneira
superabundantia et defectus et que a superabundância, o defeito e o
medium accipiantur secundum meio são considerados segundo a regra
respectum ad regulam rationis. racional. Contudo, dentre as virtudes
Virtutum autem intellectualium, quae intelectuais, que estão na própria ra-
sunt in ipsa ratione, quaedam sunt zão, algumas são práticas, como a pru-
practicae, ut prudentia et ars; dência e a arte; outras especulativas,
quaedam speculativae, ut sapientia, como a sabedoria, a ciência e o intelec-
scientia et intellectus. Et practicarum to. E certamente as paixões e as opera-
quidem virtutum materia sunt passio- ções humanas ou as mesmas coisas
nes et operationes humanae, vel ipsa artificiais são a matéria das virtudes
artificialia; materia autem virtutum práticas; mas as coisas necessárias são
speculativarum sunt res ipsae necessa- a matéria das virtudes especulativas.
riae. Aliter autem se habet ratio ad u- No entanto, a razão se relaciona de um
traque. Nam ad ea circa quae ratio o- modo diverso com ambas. Pois a razão
peratur, se habet ratio ut regula et se relaciona como uma regra e medida
mensura, sicut iam dictum est; ad ea em relação a essas coisas que opera,
vero quae speculatur, se habet ratio como já foi dito; mas a razão se rela-
sicut mensuratum et regulatum ad re- ciona como o mensurado e o medido
gulam et mensuram: bonum enim in- em relação à regra e à medida relativa
tellectus nostri est verum, quod qui- a estas coisas que são especuladas.
dem sequitur intellectus noster quan- Com efeito, o bem do nosso intelecto é
do adaequatur rei. Sicut igitur virtutes a verdade, o qual certamente o nosso
morales consistunt in medio determi- intelecto alcança ao adequar-se à coisa.
nato per rationem; ita ad prudentiam, Portanto, assim como as virtudes mo-
quae est virtus intellectualis practica rais consistem em um meio determi-
circa moralia, pertinet idem medium nado pela razão; assim também a pru-
in quantum ponit ipsum circa actiones dência, que é a virtude intelectiva prá-

180 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1106 b 35.


181 ARISTÓTELES, Perihermeneias, II, 14, 24 b 1; Perihermeneias, I, 16 a 10-11.

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et passiones. Et hoc patet per tica relativa às coisas morais, pertence


definitionem virtutis moralis, quae, ut ao mesmo meio [virtuoso] enquanto o
in II Ethic. dicitur, est habitus estabelece em relação às ações e pai-
electivus, in medietate consistens, ut xões [humanas]. E isso é evidente pela
sapiens determinabit. Idem ergo est definição da virtude moral, que, como
medium prudentiae et virtutis moralis; se diz no livro II da Ética180, é um há-
sed prudentiae est sicut imprimentis, bito eletivo, o qual consiste em um
virtutis moralis sicut impressi; sicut meio [termo], que o sábio determina-
eadem est rectitudo artis ut rá. Logo, o meio [virtuoso] da prudên-
rectificantis, et artificiati ut rectificati. cia e da virtude moral é o mesmo; mas
In virtutibus autem intellectualibus é da prudência como do que o impri-
speculativis medium erit ipsum verum, me, da virtude moral como do impres-
quod consideratur in eo secundum so; assim como é a mesma a retidão da
quod attingit suam mensuram. Quod arte como a do que retifica e a do arte-
quidem non est medium inter aliquam fato como a do retificado. No entanto,
contrarietatem quae sit ex parte rei: nas virtudes intelectuais especulativas
contraria enim inter quae accipitur o meio [virtuoso] será a própria verda-
medium virtutis, non sunt ex parte de, considerado como tal enquanto
mensurae, sed ex parte mensurati, se- que alcança a sua medida. Pois, certa-
cundum quod excedit vel deficit a mente, não é um meio entre certa con-
mensura; sicut patet ex hoc quod dic- trariedade que se dá por parte da coi-
tum est de virtutibus moralibus. Opor- sa: com efeito, as coisas contrárias en-
tet igitur contraria inter quae est hoc tre as quais se considera o meio da vir-
medium virtutum intellectualium, ac- tude não são por parte da medida, mas
cipere ex parte ipsius intellectus. por parte do mensurado, enquanto que
Contraria autem intellectus sunt excede ou é deficiente em relação à
opposita secundum affirmationem et medida; assim como é evidente a par-
negationem, ut patet in II Periher. tir do que foi dito em relação às virtu-
Inter affirmationes ergo et negationes des morais. Portanto, é necessário
oppositas accipitur medium virtutum considerar os contrários dentre os que
intellectualium speculativarum, quod estão neste meio das virtudes intelec-
est verum: ut puta, quia verum est cum tuais, por parte do intelecto mesmo.
dicitur esse quod est, et non esse quod No entanto, os contrários do intelecto
non est; falsum autem secundum são opostos segundo a afirmação e a
excessum erit, ut dicitur esse quod non negação, como é evidente no livro II
est; secundum defectum vero, cum Sobre a interpretação181. Logo, o meio
dicitur non esse quod est. Si igitur in das virtudes intelectuais especulativas,
intellectu non esset aliqua propria que é a verdade, se considera entre as
contrarietas praeter contrarietatem afirmações e as negações opostas. As-
rerum, non esset accipere in virtutibus sim, por exemplo, porque é verdadeiro
intellectualibus medium et extrema. quando se diz que [algo] é o que é, e
Manifestum est autem, quod in não é o que não é; mas [algo] será falso
voluntate non est accipere aliquam segundo o excesso, quando se diz que é
contrarietatem propriam, sed solum o que não é; porém, segundo o defeito,
secundum ordinem ad res volitas quando se diz que não é o que é. Por-
contrarias: quia intellectus cognoscit tanto, se no intelecto não houvesse
aliquid secundum quod est in ipso; alguma contrariedade própria fora da
voluntas autem movetur ad rem contrariedade das coisas, não haveria

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secundum quod in se est. Unde si de se considerar nas virtudes intelec-


aliqua virtus sit in voluntate secundum tuais o meio e os extremos. No entan-
comparationem ad eius mensuram et to, é manifesto que na vontade não há
regulam, talis virtus non consistet in de considerar alguma contrariedade
medio: non enim est accipere extrema própria, mas apenas segundo a ordem
ex parte mensurae, sed ex parte das coisas apetecidas contrárias; por-
mensurati tantum, prout excedit vel que o intelecto conhece algo segundo o
diminuitur a mensura. Virtutes autem que está nele mesmo, mas a vontade é
theologicae ordinantur ad suam mate- movida à coisa segundo o que é em si.
riam vel obiectum, quod est Deus, me- Por isso, se há alguma virtude na von-
diante voluntate. Et quod de caritate et tade conforme a relação com a sua
spe manifestum est, hoc circa fidem medida e regra, tal virtude não consis-
similiter dicitur. Nam licet fides sit in te em um meio: com efeito, não se con-
intellectu, est tamen in eo secundum sideram os extremos por parte da me-
quod imperatur a voluntate: nullus dida, mas apenas por parte do mensu-
enim credit nisi volens. Unde, cum rado, segundo o que exceda ou dimi-
Deus sit regula et mensura voluntatis nua em relação à medida. No entanto,
humanae, manifestum est quod as virtudes teologais se ordenam à sua
virtutes theologicae non sunt in medio, matéria ou ao objeto, que é Deus, me-
per se loquendo; etsi contingat diante a vontade. E o que é manifesto
quandoque aliquam earum esse in sobre a caridade e a esperança, se diz
medio per accidens, ut postea de modo semelhante em relação à fé.
exponetur. Com efeito, ainda que a fé esteja no
intelecto, contudo, está nele enquanto
que este é dirigido pela vontade; pois
nada crê a não ser que queira. Por isso,
como Deus é a regra e medida da von-
tade humana, é manifesto que, propri-
amente falando, as virtudes teologais
não estão em um meio; ainda que, às
vezes, ocorra que alguma delas esteja
em um meio por acidente, como de-
pois será exposto.

RESPONSIONES AD ARGUMENTA RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS

1. Ad primum ergo dicendum, quod 1. Respondo dizendo que o último da


ultimum potentiae dicitur in quod potência se diz em relação ao último ao
ultimo potentia extenditur, et hoc est qual a potência se estende, e isso é o
difficillimum: quia difficillimum est mais difícil: porque o mais difícil é en-
invenire medium, facile autem est contrar o meio, e fácil é apartar-se de-
divertere ab eo. Et ex hoc ipso virtus le. E por isso mesmo a virtude é o úl-
est ultimum potentiae, quod est in timo da potência, porque está no meio.
medio.
2. Ad secundum dicendum, quod 2. Respondo dizendo que o bem tem
bonum habet rationem ultimi per razão de último por comparação ao
comparationem ad motum appetitus, movimento do apetite, mas não por
non autem per comparationem ad comparação à matéria na qual algum

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materiam in qua aliquod bonum bem se constitui; pois é necessário que


constituitur; quod oportet esse in esteja em um meio da matéria, para
medio materiae, ut neque excedat, que nem exceda a devida regra e me-
neque excedatur a debita regula et dida, nem seja excedido por ela.
mensura.
3. Ad tertium dicendum, quod virtus 3. Respondo dizendo que a forma, que
quantum ad formam quam a sua obtém por sua medida a virtude, tem
mensura sortitur, habet rationem razão de extremo; e assim se opõe ao
extremi; et sic opponitur malo ut mal como o formado ao informe, e o
formatum informi, et commensuratum comensurado ao incomensurado. Ora,
incommensurato. Sed secundum ma- conforme a matéria na qual se impri-
teriam in qua talis mensura imprimi- me tal medida, assim a virtude está em
tur, sic virtus est in medio. um meio [termo].
4. Ad quartum dicendum, quod ratio 4. Respondo dizendo que aquela razão
illa accipit supremum et medium, considera o supremo e o meio, con-
secundum ordinem potentiarum forme a ordem das potências da alma,
animae, non secundum materiam in não conforme a matéria na qual se es-
qua ponitur modus virtutis quasi tabelece a medida da virtude como
medium quoddam. certo modo.
5. Ad quintum dicendum, quod in 5. Respondo dizendo que não há meio
virtutibus theologicis non est medium [termo] nas virtudes teologais, como
ut dictum est: sed in virtutibus foi dito, mas há nas virtudes intelectu-
intellectualibus est medium non inter ais, não entre a contrariedade da afir-
contrarietatem rerum, prout sunt in mação e da negação, como foi dito. No
intellectu, sed inter contrarietatem entanto, ocorre que é comum a todas
affirmationis et negationis, ut dictum as virtudes morais que estejam em um
est. In virtutibus autem moralibus meio [termo]. E por isso mesmo, por-
omnibus commune invenitur quod que algumas se estendem ao máximo,
sunt in medio. Et hoc ipsum quod cabe a elas a razão de meio [termo],
quaedam attingunt ad maximum, enquanto se estendem ao máximo con-
pertinet in eis ad rationem medii, in forme a medida da razão; assim como
quantum maximum attingunt o valente enfrenta os máximos perigos
secundum regulam rationis; sicut conforme a razão, isto é, quando deve,
fortis attingit maxima pericula como deve e por causa do que deve.
secundum rationem, scilicet quando Contudo, não se considera o supérfluo
debet, ut debet, et propter quod debet. e a deficiência segundo a quantidade
Superfluum autem et diminutum acci- da coisa, mas em relação à medida da
pitur non secundum quantitatem rei, razão; por exemplo, resultaria supér-
sed per comparationem ad regulam fluo se quando não deve, ou por causa
rationis; ut puta superfluum esset, si do que não deve, [alguém] se lançasse
quando non debet, vel propter quod a [graves] perigos; e [seria] deficiente
non debet, periculis se ingereret; di- se não o fizesse quando e como deves-
minutum autem si se non ingereret se.
quando et qualiter deberet.
6. Ad sextum dicendum, quod 6. Respondo dizendo que a virgindade
virginitas et paupertas licet sint in e a pobreza estão em um extremo da
extremo rei, sunt tamen in medio coisa, mas estão no meio da razão:
rationis: quia virgo abstinet a venereis porque o virgem se abstém de todos os

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omnibus propter quod debet et os prazeres sexuais por causa do que


secundum quod debet; quia propter deve e conforme o que deve, pois o
Deum, et delectabiliter. Si autem [faz] por Deus e com deleite. No entan-
abstineret propter quod non deberet, to, se se abstivesse por causa do que
utpote quia esset ei odiosum não deve, como, por exemplo, porque
secundum se vel filios generare, vel lhe resulta inteiramente aborrecível
mulierem habere, esset vitium gerar os filhos, ou ter uma mulher,
insensibilitatis. Sed abstinere omnino seria um vício de insensibilidade. Ora,
a venereis propter debitum finem, est abster-se totalmente dos prazeres se-
virtuosum: quia etiam qui abstinent ab xuais pelo fim devido, é virtuoso, por-
huiusmodi, ut se exercitiis bellicis dent que também aquele que se abstêm des-
ad utilitatem reipublicae, secundum ta classe de coisas, quando [, por e-
politicam virtutem laudantur. xemplo,] se entregam aos exercícios
bélicos para proveito da república, são
louvados conforme a virtude política.
7. Ad septimum dicendum, quod 7. Respondo dizendo que aqueles mei-
media illa quae Boetius ponit, sunt os dos quais fala Boécio são os meios
media rei; et ideo non conveniunt da coisa; e por isso não correspondem
medio virtutis, quod est secundum ao meio da virtude, o qual é segundo a
rationem; nisi forte in iustitia, in qua razão; a não ser talvez que [se conside-
est simul medium rei et medium rem esses meios da coisa] em relação à
rationis, cui competit medium rationis justiça na qual há simultaneamente o
arithmeticum in commutationibus, et meio da coisa e o meio da razão, a qual
medium geometricum in compete o meio da razão aritmética
distributionibus, ut patet in V nas comutações, e o meio geométrico
Ethicorum. nas distribuições, como é evidente no
livro V da Ética182.
8. Ad octavum dicendum, quod 8. Respondo dizendo que o meio não
medium competit virtuti non in convém à virtude enquanto meio, mas
quantum medium, sed in quantum enquanto meio da razão: porque a vir-
medium rationis: quia virtus est tude é o bem do homem, que é segun-
bonum hominis, quod est secundum do o ser da razão. Por isso não é neces-
rationem esse. Unde non oportet quod sário que aquilo que tem maior razão
id quod plus habet de ratione medii, de meio seja mais pertinente à virtude,
magis pertineat ad virtutem, sed quod mas aquilo que é meio da razão.
est medium rationis.
9. Ad nonum dicendum, quod 9. Respondo dizendo que as paixões e
passiones et operationes animae sunt as operações da alma são indivisíveis
indivisibiles per se sed divisibiles per por si, mas divisíveis por acidente, en-
accidens, in quantum est in eis quanto é possível encontrar nelas mais
invenire magis et minus secundum e menos segundo as diversas circuns-
diversas circumstantias; et sic virtus in tâncias; e dessa maneira, a virtude tem
eis medium tenet. nelas um meio [termo].
10. Ad decimum dicendum, quod in 10. Respondo dizendo que em relação
voluptatibus est melius fieri quam aos prazeres é melhor estar fazendo
factum esse, ut per melius non [algo prazeroso] do que havê-lo feito,

182 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, V, 7, 1131 b 28.

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intelligatur operatio boni honesti, de tal modo que, por melhor, não se
quod pertinet ad virtutem, sed boni entenda a operação do bem honesto,
delectabilis, quod pertinet ad que pertence à virtude, mas a do bem
voluptatem: voluptas enim est in fieri. deleitável que pertence ao prazer: Com
Quorum autem esse est in fieri, efeito, o prazer se encontra no fazer
quando facta sunt, non sunt; unde [algo prazeroso]. No entanto, aquelas
bonum voluptatis magis consistit in coisas cujo ser consiste em seu fazer-
fieri quam in factum esse. se, uma vez que foram feitas, já não
são; por isso que o bem do prazer con-
siste mais em fazer [algo prazeroso] do
que em havê-lo feito.
11. Ad undecimum dicendum, quod 11. Respondo dizendo que não é qual-
non quodcumque medium competit quer meio [termo] que corresponde à
virtuti, sed medium rationis: quod virtude, mas o meio [termo] da razão:
quidem medium non contingit e, certamente, não ocorre que o dito
invenire in vitiis, quia secundum meio se encontre nos vícios, porque
propriam rationem non oportet quod conforme a natureza mesma [do vício]
in vitiis sit virtus. não é razoável que nos vícios haja a
virtude.
12. Ad duodecimum dicendum, quod 12. Respondo dizendo que a justiça
iustitia non attingit medium in rebus não alcança o meio [termo] nas coisas
exterioribus, in quibus homo plus sibi exteriores, nas quais o homem toma de
accipit ex inordinatione voluntatis; mais para si por desordem da vontade;
unde vitiosum est. Sed quod de suis por isso que é vicioso. Ora, que algo de
rebus aliquid ab eo auferatur, hoc próprio lhe seja tirado, está fora do
praeter bonitatem eius est; unde alcance de sua bondade; por isso, não
inordinationem vitiosam in ipso non implica desordem viciosa nele mesmo.
importat. Sed passiones animae, circa Ora, estão em nós as paixões da alma,
quas sunt aliae virtutes, in nobis sunt; acerca das quais há as outras virtudes;
unde et earum superfluitas et por isso, também o supérfluo e a defi-
diminutio in vitium homini cedit. Et ciência fazem o homem ceder ao vício.
ideo aliae virtutes morales sunt inter E por isso, há outras virtudes morais
duo vitia; non autem iustitia, quae entre dois vícios; mas não a justiça,
tamen medium in propria materia que, todavia, tem o meio [termo] na
tenet, quod per se pertinet ad própria matéria, que por si correspon-
virtutem. de à virtude.
13. Ad decimumtertium dicendum, 13. Respondo dizendo que o meio
quod medium virtutis est medium [termo] da virtude é o meio [termo] da
rationis, et non medium rei; et ideo razão e não o meio [termo] da coisa; e
non oportet quod aequaliter distet ab por isso não é necessário que diste i-
utroque extremo, sed secundum quod gualmente de ambos os extremos, mas
ratio habet. Unde in quibus bonum conforme o que a razão estabelece. Por
rationis praecipue consistit in isso, uma vez que o bem da razão con-
refrenando passionem, virtus siste principalmente em refrear a pai-
propinquior est diminuto quam xão, a virtude está mais próxima da
superfluo; sicut patet in temperantia et deficiência do que do excesso, como é
mansuetudine. In quibus autem evidente na temperança e na mansi-
bonum est inducere ad id quod passio dão. Contudo, uma vez que o bem [da

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impellit, virtus similior est superfluo, virtude] é conduzir ao que a paixão


ut patet in fortitudine. impele, a virtude é semelhante ao ex-
cesso, como se mostra na fortaleza.
14. Ad decimumquartum dicendum, 14. Respondo dizendo que assim como
quod sicut dicit philosophus in V diz o Filósofo no livro V da Física183, o
Physic., medium est in quod continue meio é aquilo até o qual se move pri-
mutans primum mutat, in quod mutat meiro o que está em um movimento
ultimo; unde solum in motu continuo contínuo, antes de que se mova até o
requiritur quod de extremo ad término [do movimento]; por isso, só
extremum non transeatur nisi per se requer que o movimento contínuo
medium. Motus autem qui est de vitio não passe de um extremo ao outro se-
in vitium, non est motus continuus, não pelo meio [termo]. No entanto, o
sicut nec motus voluntatis aut movimento que é do vício ao vício não
intellectus, secundum quod fertur in é um movimento contínuo, como tam-
diversa; unde non oportet quod de pouco o movimento da vontade ou do
vitio in vitium transeatur per virtutem. intelecto, conforme é levado até as coi-
sas diversas; por isso, não é necessário
que se passe do vício ao vício através
da virtude.
15. Ad decimumquintum dicendum, 15. Respondo dizendo que ainda que a
quod virtus etsi sit medium quantum virtude esteja em um meio [termo]
ad materiam in qua invenit medium; quanto à matéria na qual se encontra o
tamen secundum formam suam, prout meio [termo]; no entanto, conforme a
collocatur in genere boni, est sua forma, enquanto está situada no
extremum, ut philosophus dicit in II gênero de bem, é extremo, como diz o
Ethicor. Filósofo no livro II da Ética184.
16. Ad decimumsextum dicendum, 16. Respondo dizendo que ainda que o
quod licet medium in quo consistit meio [termo] no qual consiste a virtu-
virtus, sit quodammodo indivisibile, de seja de algum modo indivisível, no
tamen virtus intendi et remitti potest, entanto a virtude pode intensificar-se e
secundum quod homo magis vel minus diminuir, segundo que o homem esteja
disponitur ad attingendum mais ou menos disposto para alcançar
indivisibile; sicut et arcus minus vel o indivisível; assim como também o
magis extenditur ad percutiendum arco se estende menos ou mais para
signum indivisibile. alcançar o alvo indivisível.
17. Ad decimumseptimum dicendum, 17. Respondo dizendo que o meio da
quod medium virtutis non est medium virtude não é o meio da coisa, mas da
rei, sed rationis, ut dictum est. Et hoc razão, como foi dito. E certamente este
quidem medium consistit in meio consiste na proporção ou na
proportione sive mensuratione rerum mensuração das coisas e das paixões
et passionum ad hominem. Quae qui- relativas ao homem. De fato, que a
dem commensuratio diversificatur se- proporção é diferente segundo os di-
cundum diversos homines: quia ali- versos homens; porque algo que é mui-
quid est multum uni quod est parum to para um, é pouco para outro. E por
alteri. Et ideo non eodem modo sumi- isto, o virtuoso não se considera do

183 ARISTÓTELES, Physica, V, 3; 226 b 24.


184 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 6, 1107 a 5-6.

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tur virtuosum in omnibus hominibus. mesmo modo em todos os homens.


18. Ad decimumoctavum dicendum, 18. Respondo dizendo que como o
quod cum medium virtutis sit medium meio da virtude é um meio da razão, a
rationis, accipienda est indivisibilitas indivisibilidade deste meio deve ser
huius medii secundum rationem. Ac- considerada conforme a razão. No en-
cipitur autem indivisibile secundum tanto, se considera indivisível confor-
rationem quod imperceptibilem dis- me a razão o que tem uma distância
tantiam habet, et quod errorem facere imperceptível, e o que não pode come-
non potest; sicut totum corpus terrae ter erro; assim como o corpo da terra
accipitur loco puncti indivisibilis per como tudo se considera um ponto in-
comparationem ad totum caelum. Et divisível em relação a todo o céu. E por
ideo medium virtutis aliquam latitudi- isso, o meio da virtude tem alguma
nem habet. latitude185.

RESPONSIO AD SED CONTRA RESPOSTA AO CONTRÁRIO

Quod vero in contrarium obiicitur, De fato, em relação ao que se alega


concedendum et quantum ad virtutem contra, se há de conceder [o que se
moralem et intellectualem, sed non afirma] quanto à virtude moral e à in-
quantum ad theologicam. Accidit enim telectual, mas não quanto à teologal.
fidei quod sit in medio duarum Com efeito, é acidental à fé que esteja
haeresum, at non est per se in no meio entre duas heresias; ao con-
quantum est virtus. Et sic dicendum trário, não é [um meio] por si enquan-
est de spe, quod est inter duo extrema, to virtude. E assim deve-se dizer sobre
non secundum quod comparatur ad a esperança, que está entre dois ex-
suum obiectum, sed secundum tremos, não enquanto se relaciona com
dispositionem subiecti ad sperandum o seu objeto, mas conforme a disposi-
superna. ção do sujeito para esperar as coisas
superiores.

185 ARISTÓTELES, Ethica Nicomachea, II, 5, 1106 b 1; 26.

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