Atração Sem Limites

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o vento açoitava as suas faces e esvoaçava o seu ca-


belo. Cheirava a primavera. Jillian levantou o rosto, para
sentir o vento na cara. Por baixo dela, a égua, reluzente
e elegante, esforçava-se para atingir mais velocidade. en-
quanto o sol brilhasse no alto, ambas cavalgariam como
dois seres livres.
os cascos esmagavam a erva, curta e dura, e as flores
silvestres dispersas, às quais não prestou grande atenção.
Dirigiu-se para o caminho de terra castanha, ladeado
de salva, com a sua característica cor prateada.
Não havia árvores naquela vasta área, nem ela pro-
curava sombra. Galopou por um campo de trigo que
resplandecia ao sol, balançado apenas por uma brisa
leve.
mais à frente estendiam-se os campos de feno, acres
e acres de feno pronto para a primeira colheita. ouviu
e reconheceu o canto de uma cotovia. Contra o que
pudesse parecer, não era agricultora. se alguém se ti-
vesse referido a ela com esse termo, ter-se-ia rido ou
zangado, dependendo do seu humor.
semeavam cereais porque precisavam, tal como
plantavam os legumes. o facto de cultivar os alimentos
que consumiam tornava-a independente e, a seu ver,
nada era mais importante. Nos anos bons sobrava grão
suficiente para proporcionar alguns lucros suplemen-

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NORA ROBERTS

tares e com esses dólares extra podiam comprar mais


cabeças de gado. o gado era o mais importante.
era rancheira, como já tinham sido o seu avô e o
pai do seu avô.
os campos estendiam-se até onde conseguia ver as
suas terras. eram campos ricos e lavrados, acres e acres
de cereais que rebentavam rapidamente, e a seguir vi-
nham as planícies e os prados onde pastavam o gado e
os cavalos. Naquele dia, no entanto, não tinha de ve-
rificar o estado das cercas, nem contar cabeças de gado,
nem afundar-se nos livros de contabilidade sobre a se-
cretária de pele e madeira de carvalho do seu avô. Na-
quele dia queria liberdade.
Não fora criada nas vastas e agrestes planícies do
montana, não nascera sobre uma sela. era de Chicago
e o seu pai preferira a medicina ao rancho e o este ao
oeste. Não o culpava por isso, como fizera o seu avô.
era uma questão de gostos, cada um tinha direito a es-
colher a vida que queria levar. Fora por isso que ela
voltara para ali, para o lugar onde estavam as suas raízes,
há cinco anos atrás, depois de fazer vinte anos.
Parou a égua no alto da colina. Daquele ponto avis-
tavam-se, para além dos campos cultivados, os pastos
delimitados por cercas de vedação que mal se distin-
guiam àquela distância, o que criava a ilusão de um es-
paço aberto e ilimitado onde o gado podia andar à
vontade. Noutra época, certamente fora assim, pensou
enquanto afastava o cabelo para trás. se semicerrasse os
olhos, quase podia vê-lo, aberto e livre, tal como de-
veria ser quando os seus antepassados se tinham esta-
belecido ali. tinham chegado atraídos pela febre do
ouro, mas a terra agarrara-os. tal como a ela.
ouro, pensou, abanando a cabeça. Quem precisava
de ouro quando aquele espaço representava uma ri-

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queza incalculável? Preferia aquela extensão de terra,


com os seus vales e as suas montanhas. se a sua gente
tivesse seguido para o oeste, para as montanhas, os seus
tetravôs teriam morrido a trabalhar nos rios e nas mi-
nas. e mesmo que tivessem conseguido estabelecer-se
lá, e encontrar pepitas e extrair ouro em pó, jamais te-
riam descoberto alguma coisa que tivesse mais valor do
que o rancho. ela compreendera quão valiosa e bela
era a terra desde o primeiro momento.
tinha então dez anos e, em resposta ao convite, me-
lhor dizendo, às ordens do seu avô, corrigiu-se com um
sorriso, o seu irmão marc e ela tinham ido ao Utopia.
marc já estivera lá antes, claro. tinha dezasseis anos,
possuía as mesmas qualidades que o seu pai e também
não lhe interessava tornar-se rancheiro.
A sua primeira visão do rancho não a surpreendera,
apesar de não coincidir com o que a maioria das crian-
ças esperaria. A realidade não tinha nada a ver com a
imagem dos filmes do oeste. era imenso e, em certo
sentido, organizado. Pastos, estábulos, boxes... e o en-
canto da casa principal. mesmo aos dez anos, com um
único olhar, ela compreendera que não fora feita para
as ruas e as calçadas de Chicago. Aos dez anos sentira
o que era amor à primeira vista.
Com o seu avô, o amor não surgira à primeira vista.
era já um homem de idade, severo e obstinado. o ran-
cho e o gado tinham sido tudo na sua vida. Não fazia
a menor ideia do que fazer com aquela menina desen-
gonçada, a filha do seu filho. tinham andado um à
volta do outro, durante dias, até que ele cometera o
erro de deixar escapar uma observação cáustica sobre
o seu pai. Com um temperamento impetuoso, ela sal-
tara imediatamente em defesa dele e tinham acabado
aos gritos, ela ao rubro, mas sem deixar escapar uma

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lágrima, mesmo depois de o seu avô a ter ameaçado


com o cinto de couro.
No fim daquela visita, tinham-se afastado com uma
mistura de respeito mútuo e desagrado. Depois, no seu
aniversário, enviara-lhe um chapéu de cobói de pele
de búfalo feito à medida, e assim começara tudo...
É possível que tivessem chegado a gostar tanto um
do outro exatamente por terem demorado algum
tempo a desenvolver aquele afeto. Na sua adolescência,
durante as semanas esporádicas que passava com o seu
avô, este passara-lhe os seus conhecimentos, embora
apenas parecesse assumir o papel de professor. ensi-
nara-lhe a prever o tempo a partir do cheiro do ar e o
aspeto do céu; a ajudar no parto de um bezerro que
vinha de quartos traseiros; a verificar as cercas e a con-
duzir um novilho perdido até à manada. Chamava-lhe
Clay porque eram amigos. A primeira e única vez que
tentara mascar tabaco, em vez de lhe dar um sermão,
segurara-lhe a cabeça para a ajudar a aliviar as náuseas.
Quando a vista do seu avô se debilitara, ela encarre-
gara-se dos livros de contabilidade. Nunca tinham fa-
lado disso, tal como também nunca tinham conversado
sobre se a sua mudança para o rancho, no verão do seu
vigésimo aniversário, seria definitiva. Quando a doença
se agravara, ela fora assumindo gradualmente as respon-
sabilidades, embora sem trocar nenhuma palavra com o
seu avô a esse respeito para oficializar a nova situação.
Depois da sua morte, o rancho passara para ela. Não
precisara de ouvir o testamento para o saber. Clay sabia
que ela ficaria, que deixara o este. se ainda existiam al-
gumas lembranças da sua vida anterior, enterrá-las-ia...
sem dúvida, mais facilmente do que enterrara o seu
avô.
estava a ter pena de si mesma e aperceber-se disso

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impacientara-a. Clay vivera muitos anos e muito in-


tensamente, fazendo o que queria e sempre à sua ma-
neira. A doença fora-o consumindo e ter-lhe-ia trazido
dor e humilhação se tivesse continuado. se pudesse
vê-la naquele momento, a afligir-se com a sua perda,
não o suportaria, insultaria a sua atitude.
meu Deus, rapariga! o que fazes aqui a perder o
teu tempo? Não sabes que tens um rancho para gerir?
Junta alguns homens para irem verificar a cerca do
quarenta oeste, antes que tenhas as vacas a passear por
todo o montana.
sim, pensou com um meio sorriso. Diria algo do
género e teria implicado um pouco com ela antes de
partir a resmungar. ela, claro está, também teria impli-
cado com ele.
– eh, velho urso sarnento! – murmurou. – Vou
transformar o Utopia no melhor rancho do montana
só para te chatear – riu-se e levantou a cara para o céu.
– Vais ver!
Ao aperceber-se da sua mudança de humor, a égua
começou a mexer-se com impaciência e a abanar a ca-
beça.
– Calma, Dalila – inclinou-se para lhe dar algumas
palmadinhas no pescoço, – temos a tarde toda – com
um movimento ágil, fez o animal dar meia volta e este
avançou com passo ligeiro.
Não dispunha de muitas horas livres, pelo que as
considerava maravilhosas. Fazia o que fosse necessário
para poder dispor de momentos assim, o que fazia com
que os apreciasse mais. se no dia seguinte tivesse de
trabalhar dezoito horas para recuperar aquele mo-
mento, fá-lo-ia sem se queixar. Até daria uma vista de
olhos aos livros de contabilidade, pensou com um sus-
piro, embora houvesse aquele novilho doente que era

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preciso vigiar... e o maldito jipe que voltara a avariar


pela terceira vez naquele mês. e havia a cerca que de-
limitava o rancho, que delimitava a fronteira com os
murdock, pensou com uma careta.
A inimizade entre os Baron e os murdock remon-
tava aos princípios do século xx, quando Noah Baron,
o seu bisavô, chegara ao sudeste do montana. A sua in-
tenção era seguir para as montanhas em busca de ouro,
mas estabelecera-se naquele lugar. os murdock já es-
tavam ali, no seu rancho, rico e imenso. Para eles, os
Baron eram uns camponeses, intrusos condenados ao
fracasso ou a serem expulsos. Jillian rangeu os dentes
ao recordar as histórias que o seu avô lhe contara: cer-
cas cortadas, roubo de gado, colheitas arruinadas.
Apesar de tudo, os Baron tinham ficado, tinham so-
brevivido e triunfado. era verdade, não possuíam tan-
tas terras como os murdock nem tanto dinheiro, mas
sabiam tirar o melhor proveito do que tinham. se o
seu avô tivesse encontrado petróleo, como acontecera
aos murdock, pensou com um sorriso, também eles te-
riam podido permitir-se dedicar o rancho exclusiva-
mente ao gado de raça pura. Fora uma questão de
sorte, não de habilidade.
Disse para si que também não lhe importava o gado
de pura raça. Que ficassem com as suas medalhas nos
concursos e a vangloriar-se de melhorar a raça. ela
continuaria a criar as suas Hereford e a vendê-las ao
melhor preço no mercado. A carne dos Baron era de
primeira qualidade e toda a gente sabia.
Quando fora a última vez que os murdock tinham
verificado a cavalo a cerca do seu rancho, a suar ao sol
enquanto paravam para fazer uma pausa? Quando fora
a última vez que um deles engolira pó a conduzir a
manada? sabia de fonte segura que Paul J. murdock,

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que era da mesma geração que o seu avô, não se inco-


modava em verificar as cercas do rancho nem em con-
duzir o gado há mais de um ano.
Deixou escapar uma gargalhada escarnecedora. es-
ses só entendiam de números, dos seus livros de con-
tabilidade e de política. Quando ela tivesse feito tudo
a que se propunha, comparado com o Utopia, o Dou-
ble m pareceria um daqueles ranchos para turistas.
A ideia pô-la de melhor humor e a ruga que existia
entre os seus olhos desapareceu. Naquele dia não pen-
saria nos murdock, nem em que no dia seguinte teria
que se desdobrar a trabalhar desde antes do amanhecer.
Pensaria unicamente em quão maravilhosas eram aque-
las horas roubadas, no cheiro da primavera e no azul
intenso do céu, interminável.
Conhecia bem aquele caminho, discorria pelo ex-
tremo mais ocidental do rancho. Aquela zona era de-
masiado agreste para o arado e não era suficientemente
fértil para servir de pasto para o gado, de modo que a
tinham deixado de lado. era lá que ia sempre que pro-
curava alguma solidão. mais ninguém ia àquele lugar,
nem do seu próprio rancho nem do dos murdock, cu-
jas terras se estendiam paralelas às suas. Até a cerca, que
em tempos demarcara os limites, caíra há anos atrás e
ninguém se preocupara em arranjá-la. Ninguém se im-
portava com aquele bocadinho de terra inútil, exceto
ela, o que fazia com que ela se importasse ainda mais.
Havia algumas árvores, os álamos estavam a começar
a rebentar. Por cima do ruído dos cascos da égua, dis-
tinguiu o canto de uma carriça. Provavelmente, tam-
bém haveria coiotes e, sem dúvida alguma, cascavéis.
estava tão encantada que não se lembrou disso. trazia
uma arma, carregada e presa à parte de trás da sua sela.
A égua cheirou a água do lago e ela deixou-a mexer

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a cabeça. A ideia de se desfazer da roupa encharcada


de suor e dar um mergulho de cabeça atraía-a muitís-
simo. Nadar cinco minutos naquelas águas geladas e
transparentes seria tonificante, e Dalila poderia descan-
sar e beber antes de empreender o longo caminho de
volta. Ficou a contemplar a superfície reluzente da
água e alargou as rédeas, relaxou. o seu avô tê-la-ia
repreendido pela sua falta de atenção, mas ela já estava
a pensar no imenso privilégio de entrar nua naquelas
águas frescas e secar-se depois ao sol.
mas a égua cheirou mais alguma coisa. Bruscamente,
empinou-se de tal modo que a primeira coisa em que
ela pensou foi numa cascavel. enquanto tentava con-
trolar Dalila com uma mão, estendeu a outra para agar-
rar na arma, mas antes que se apercebesse, já estava a
voar. mal teve tempo de murmurar uma blasfémia an-
tes de aterrar com o rabo no lago. Nessa altura, já tinha
visto que aquela cascavel tinha pernas.
Conseguiu colocar-se de pé a balbuciar, furiosa, e
retirou o cabelo dos olhos para olhar iradamente para
aquele homem sentado sobre o seu cavalo. Dalila não
deixava de se mexer, nervosa, enquanto ele mantinha
quieto o garanhão resplandecente.
Não era preciso que desmontasse para ver que era
alto. Por debaixo do chapéu preto apareciam várias
madeixas de cabelo preto e ondulado, as quais escure-
ciam um rosto curtido de queixo proeminente. tinha
o nariz reto, elegante, e uma boca bem desenhada de
expressão solene. ela não se demorou a admirar o
modo como montava o garanhão, relaxadamente, com
um domínio que demonstrava confiança em si mesmo
e poder. o que viu foi que os seus olhos eram quase
tão escuros como o cabelo e que sorriam. ela semicer-
rou os seus.

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