Voce Ama, Mas..., Por Ivan Angelo
Voce Ama, Mas..., Por Ivan Angelo
Voce Ama, Mas..., Por Ivan Angelo
Não é o tempo inteiro que você ama quem você ama. Há intervalos, pausas, preguiças. Às
vezes você passa um tempo sem amar quem você ama. Mas basta um perigo, uma
doença, um assédio para você despertar para o seu amor, como de uma cochilada.
Nada a ver com desinteresse. Às vezes quem você ama faz alguma coisa que não é legal,
que mexe com você, como uma palavra num tom errado, mas é coisa pequena, não vale a
pena cobrar. Fica aquela preguiça, corpo mole. Beija, mas não é aquele beijo.
Outras vezes você acha que o seu amor falhou com você. Ou porque se esqueceu do seu
aniversário, ou porque não ligou o dia inteiro, ou porque ligou o dia inteiro, ou porque
passa tempo demais na internet, ou com fones nos ouvidos, desligado de você. Então
você se permite um tempo para descansar um pouco do seu amor. Acha que está dando
mais do que recebendo, e com isso tem deixado de fazer coisas, suas coisas. Aproveita o
tempo para responder a e-mails acumulados, enviar fotos que ficou devendo, lavar o
carro, copiar a chave perdida, levar o cão para um banho e tosa, pagar uma visita, levar
aquele sapato para o conserto, talvez pedalar no parque. É gostoso esse tempo em que
você não ama quem você ama, é quase como um fim de semana prolongado, sem viajar.
Tem horas em que você não se lembra de que está amando quem você ama, com tanta
coisa para fazer disputando espaço na sua cabeça: trabalho, vestibular, currículo,
entrevista, negócio, mãe, prestação vencida, filho, escola, compromissos, trânsito – e se
distrai. Nessas horas você não está amando quem você ama. Não são falhas, são
intervalos.
Chega um dia em que você precisa receber mais atenção de quem você ama, está carente,
hipersensível, e não recebe. Em resposta, você dá uma recuada. Ou tem dia em que você
está muito a fim e não coincide, e aí você recolhe a mão curiosa. Ou quer carinho e a mão
não chega. Você vai para dentro da sua concha e deixa de amar quem você ama por um
tempo variável de minutos a dias.
Pode acontecer uma vacilada. Não é que você não esteja mais amando quem você ama, é
só um vacilo. Por exemplo, encontra casualmente uma paquera dos tempos de faculdade,
ou uma paixão do colégio, aquela coisa que não chegou a ser, e alonga a conversa, fica
testando se a outra parte desencanou total como você ou se guardou alguma coisa, é mais
vaidade do que curiosidade, você fica tentando captar algum sinal, nem sabe se teria
coragem, e nada acontece, e se despedem, e você passa uns dias com aquela imagem
voltando... – e nos momentos dessa inquietação nostálgica você não está se lembrando de
que ama mesmo é quem você ama.
Chuva, quando se está só, também deixa a gente precisando. Em caso de viagem, chega a
doer, e você percebe que é saudade de abraço, da coisa física que é o abraço, impessoal
de tão abraço. Nesse momento animal você nem está amando quem você ama, aquela
coisa é só você, solidão.
É exaustivo manter a corda do amor esticada o tempo todo, e você descansa o braço para
relaxar. Não é desamor, é uma pausa para beber água – mas já pensou se aquela bandida
ou aquele bandido passa numa hora frágil dessas? São coisas que acontecem ao longo de
um amor, e o momento passa sem bandidos, que apenas riscam a paisagem e somem
como pássaros.
Quando você dorme, você não ama. É o melhor descanso. E quando sonha, então? Pode
até permitir carícias de fantasmas, mas não é você que está ali, é tudo uma fantasia da
qual quem ama retorna sem culpa.
Não é sempre que você ama quem você ama, mas, quando se dá conta, já passou uma
vida inteira amando quem você ama.