eRxaPS-Dissertação-pós-defesa - Érica Reis
eRxaPS-Dissertação-pós-defesa - Érica Reis
eRxaPS-Dissertação-pós-defesa - Érica Reis
NITERÓI
2018
2
NITERÓI
2018
3
Aprovada em:_____/_____/_____.
______________________________________________________________________
Professora Doutora NILZA BARROZO DIAS – Orientadora
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________________________________
Professora Doutora VIOLETA VIRGINIA RODRIGUES
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________________________________________
Professor Doutor MONCLAR GUIMARÃES LOPES
Universidade Federal Fluminense
______________________________________________________________________
Professor Doutor Ivo da Costa do Rosário
Universidade Federal Fluminense - Suplente
______________________________________________________________________
Professora Doutora Márcia Machado Vieira
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Suplente
NITERÓI
2018
4
5
(Antoine de Saint-Exupéry)
6
AGRADECIMENTOS
Eu gostaria de agradecer, em primeiro lugar, ao grande mestre, Deus, por sempre ter me
presenteado com muita força de vontade durante essa caminhada na Universidade
Federal Fluminense (UFF).
Agradecer, em segundo lugar, aos meus professores da UFF, pois, com eles, tive a
oportunidade de conhecer mais acerca dos estudos de linguagem, pelos quais estou
imensamente apaixonada.
Agradecer, em particular, à minha querida orientadora, Nilza Barrozo Dias, que desde o
início está me orientando da melhor forma possível nesta pesquisa; pela sua paciência e
generosidade em estar sempre disposta a sanar todas as minhas dúvidas e,
principalmente, por ter abraçado a causa de orientar uma pesquisa a respeito de uma
expressão a qual ela desconhecia, por se tratar de algo específico da região Norte.
Aos membros de minha banca de qualificação, Professor Ivo do Rosário (UFF) e Profª
Violeta Rodrigues (UFRJ), por terem contribuído grandiosamente para o bom
andamento da pesquisa e, claro, à minha banca de defesa, que contou com a
permanência da Profª Violeta Rodrigues e do aceite do Professor Monclar Lopes.
Gostaria de agradecer neste momento a toda a minha família, em especial, a minha tia
Rosilene Reis, a meu tio Roque Reis (os quais exercem há muito tempo papeis de mãe e
pai em minha vida) e a minha prima Rosângela Santos (exerce papel de irmã mais
velha) pelo grande carinho e dedicação recebidos mesmo de longe e por não medirem
esforços para que eu viesse ao Rio de Janeiro em busca do mestrado. Tenho certeza que
sem eles eu não conseguiria chegar na metade de minha caminhada.
Agradecer aos anjos paraenses: Camila Brito, Carol Soares, Marcelo Pontes, Arthur
Bandeira, Emerson Menezes, Ana Beatriz, Michelli do Rosário, Andressa Pires, Lu
Rodrigues (paraense de coração), Thiago Braz (também tem um pé no Pará), Elviene
Maia, Elvinho (mais que um amigo) e, em particular, à Maria Casseb, Robson Rua e
Erica Lima, (pois foram também companheiros de mestrado) que sempre me cercavam
de muito amor e amizade verdadeira em todos os momentos, principalmente, os mais
difíceis.
7
RESUMO
A dissertação em questão traz uma análise sobre os usos funcionais do “mas quando”
falado em determinadas regiões do estado do Pará. Esta construção é utilizada em
contextos de falas coloquiais e, principalmente, em diálogos. No decorrer da pesquisa,
por meio da análise de dados, destacamos três usos de “mas quando”: USO 1 [mas]
[quando], USO 2 [mas [quando]] e USO 3 [mas quando]. No USO 1 encontramos a
ocorrência que podemos chamar de uso original, comum ou basilar aos falantes da
língua portuguesa no Brasil em que o “mas” apresenta sua função de conjunção
adversativa prototípica juntamente com o “quando” que possui valor de conjunção
temporal também prototípica. Entretanto, passamos a observar outros usos diversos do
uso comum e a eles chamamos de USO 2 e 3. No USO 2, há o destaque para um
significado ambíguo ou híbrido e, no USO 3, há a expressão paraense com significado
negativo ou opositivo, não comum na língua portuguesa para falantes fora do estado do
Pará. Deve-se ressaltar que foram encontradas 56 ocorrências de “mas quando”
envolvendo os 3 (três) usos e que, numa análise quantitativa, temos: 23,21% de dados
do USO 1; 12,50% de dados do USO 2 e 64,29% de dados do USO 3. Os corpora
escolhidos para este trabalho são compostos por: i) sentenças extraídas de narrativas
orais amazônicas do acervo do Projeto de Pesquisa e Extensão, o IFNOPAP (O
Imaginário nas Formas de Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense); (ii)
Áudios em que informantes da ilha de Breves, localizada no Arquipélago do Marajó, ao
extremo Norte do estado do Pará, narravam histórias ditas fantásticas do imaginário
daquele lugar (Plataforma Brasil, número 5243); (iii) Recortes de conversas dos
aplicativos de Mensagens Instantâneas (MIs) WhatsApp e Messenger; e (iv) postagens
feitas na rede social Facebook. Estamos diante de um estudo funcionalista que versa
analisar a polissemia linguística da construção “mas quando” no falar paraense. O uso
3, o mais frequente, apresenta o sentido negativo e opositivo ao tornar-se um chunking
sequencial, segundo Bybee (2010). Nossa hipótese se encaminha para demonstrar que a
conjunção “mas” apresenta a carga opositiva e adversativa, o que se aproxima muito do
aspecto negativo da expressão, juntamente com a conjunção temporal “quando”, que
também pode apresentar valor negativo, segundo Neves (2011), apesar de continuar
demarcando um tempo que não é mais determinado. Logo, as duas construções se
fundem pelo que Bybee (2010) denomina de similaridade, por apresentarem categorias
com significados similares, em uma única construção, formando um agrupamento
imutável, uma nova construção, com novo significado (chunking). Em suma, temos
supostamente uma negação marcada principalmente pelo “mas”, dentro de um tempo
indeterminado, marcado pelo “quando”.
ABSTRACT
The dissertation in question brings an analysis about the functional uses of the "mas
quando" spoken in certain regions of the state of Pará. This construction is used in
contexts of colloquial speeches and mainly in dialogues. In the course of the research,
through data analysis, we highlight three uses of "mas quando": USE 1 [mas] [quando],
USE 2 [mas [quando]] and USE 3 [mas quando]. In USE 1 we find the occurrence that
we can call original, common or basilar use to the Portuguese speakers in Brazil in
which the "mas" presents its function of prototypical adversative conjunction together
with the "quando" that has a value of temporal conjunction also prototypical . However,
we begin to observe other diverse uses of common usage and we call them USE 2 and
3. In USE 2, there is the emphasis for an ambiguous or hybrid meaning and, in USE 3,
there is the paraense expression with negative or non-opposing meaning common in the
Portuguese language for speakers outside the state of Pará. It should be noted that 56
occurrences of "but when" involving the 3 (three) uses were found and that, in a
quantitative analysis, we have: 23.21% 1; 12.50% of USE 2 data and 64.29% of USE 3
data. The corpora chosen for this work are composed of: (i) sentences extracted from
Amazonian oral narratives from the collection of the Research and Extension Project,
IFNOPAP (The Imaginary in the Forms of Popular Oral Narratives of the Amazon
Paraense); (ii) Audios in which informants from the island of Breves, located in the
Marajó Archipelago, to the extreme north of the state of Pará, told fantastic stories of
the imaginary of that place (Plataforma Brasil, number 5243); (iii) Fragments of talks in
Messenger and WhatsApp; and iv) posts made on the social network Facebook. We are
facing a functionalist study that examines the linguistic polysemy of the construction
"but when" in the Paraense language. Usage 3, the most frequent, presents the negative
and opposing sense when it becomes a sequential chunking, according to Bybee (2010).
Our hypothesis goes to show that the conjunction "mas" presents the opposing and
adversative load, which is very close to the negative aspect of the expression, together
with the temporal conjunction "when", which can also present negative value, according
to Neves (2011 ) despite continuing to mark a time that is no longer determined.
Therefore, the two constructions are fused by what Bybee (2010) calls similarity,
because they present categories with similar meanings, in a single construction forming
an unchanging new construction, with new meaning (chunking). In short, we are
supposed to have a negation marked mainly by the "mas" within an indefinite time
marked by "quando."
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12
5 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 71
ANEXOS ....................................................................................................................... 74
12
INTRODUÇÃO
A motivação para esta escolha foi o meu grande interesse pelas diversas formas
de expressões paraenses peculiares, tanto da capital do Pará, Belém, quanto das regiões
ribeirinhas e periféricas deste estado. A priori, a expressão “mas quando” era apenas
nomeada como “expressão paraense” por meu desconhecimento de que, em outros
estados da região Norte do Brasil, também se conhecia o uso de tal expressão, como no
Amazonas e no Amapá. No entanto, ao iniciar esta pesquisa, participei de conversas
informais com moradores desses estados com o intuito de saber se a expressão “mas
quando” seria usada com o sentido similar ao do falar paraense e, por obtermos a
resposta positiva, a expressão ganhou, então, o nome de “expressão amazônica”.
Entretanto, para a presente pesquisa, nós utilizaremos apenas dados do falar paraense,
por isso a chamaremos de “expressão paraense” no decorrer do texto.
Os corpora escolhidos para este trabalho são compostos por: (i) sentenças
extraídas de narrativas orais amazônicas do acervo do Projeto de pesquisa e extensão
chamado IFNOPAP (O Imaginário nas Formas de Narrativas Orais Populares da
Amazônia Paraense); (ii) áudios nos quais eu gravei informantes da Ilha de Breves,
localizada no Arquipélago do Marajó, ao extremo Norte do estado do Pará, que
13
narravam histórias ditas fantásticas do imaginário daquele lugar, como parte dos dados
do falar paraense (Pesquisa inscrita no Plataforma Brasil, número 5243); (iii) recortes de
conversas dos aplicativos de Mensagens Instantâneas (MIs) WhatsApp e Messenger via
print screen1. Devemos levar em consideração que essas conversas eram entre mim,
meus amigos e meus familiares, todos paraenses, sendo que as ocorrências de “mas
quando” que aparecem nas imagens printadas2, em nenhum momento, foram proferidas
por mim, fato que pode ser comprovado de imediato nos dados que já se encontram
nesta parte introdutória do trabalho, pois, de acordo com a disposição das falas dos
envolvidos na conversa, minha fala sempre aparecerá do lado direito do leitor; e (iv)
postagens (relatos curtos) feitas no site facebook, coletadas via print novamente.
1
O Print screen é uma tecla comum nos teclados de computador. No Windows, quando a tecla é
pressionada, captura em forma de imagem tudo o que está presente na tela. Para esta pesquisa estamos
trabalhando com prints do smartphone. (Fonte: Google)
2
São as imagens capturadas da tela do smartphone.
14
3
Ao se falar de “mudança”, compreendemos o estudo diacrônico, para Trougott (2010) pode-se falar de
gramaticalidade num cline sincrônico.
15
corpora para que fique mais claro os 3 (três) usos da forma “mas quando” feitos pelo
falantes paraenses. Vejamos os três exemplos a seguir:
Fonte: WhatsApp 01
Os dados acima nos demonstram os três USOS de “mas quando”. O USO 1 nos
traz a forma mais comum ou até mesmo prototípica em que as conjunções “mas” e
“quando” aparecem ainda como duas construções distintas e não agrupadas, segundo
16
Bybee (2010), pois na última “fala” da conversa temos claramente duas orações em que
as formas [mas] e [quando] aparecem juntas por questão de escolha do falante,
exercendo suas funções prototípicas de acordo com as gramáticas brasileiras estudadas
para esta pesquisa. Logo, temos a forma “mas” desempenhando o papel de conjunção
conectora e adversativa em relação ao enunciado que a antecedia e, além disso, uma
oração adverbial temporal/condicional iniciada pela conjunção “quando” e conectada à
oração núcleo – me fala. A sentença em sua ordem direta seria: “Infelizmente não dá /
mas me fala quando vc estiver no Rio”. Vale ressaltar a presença das formas não e mas
em todo o entorno puramente linguístico (o que adiante chamaremos de cotexto) “da
conversa”.
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
vocábulos gramaticais “que servem para relacionar duas orações ou dois termos
semelhantes da mesma oração”. Vejamos:
Mas = [masconjunção]
Algumas quebras de expectativa parecem mais óbvias que outras, neste caso o
exemplo (f) em relação ao exemplo (g):
Além desses exemplos que realçam a adversidade entre ideias, o autor também
nos mostra que a conjunção em questão pode não contrapor a afirmação dita na oração
anterior e, sim, oferecer um argumento a mais para acentuar a primeira oração. Vejamos
(p.306):
(h) “A polícia não tem pistas dos ladrões, mas as falhas na segurança do museu
são evidentes.” [O Globo, 14/2/2007].
Agora vejamos os exemplos em que o autor nos traz o mas expressando função
de focalizador de uma circunstância em (i):
(i) Entre, mas sem fazer barulho. (Diferente de “Entre sem fazer barulho”)
Nos exemplos acima ficam claras as funções que magis > mais possuía, e
devemos ressaltar que na forma gramaticalizada essa função ainda existe. Mas afinal,
como se deu a gramaticalização em magis > mais > mas?
O que Castilho (2012) nos apresenta nessa citação é justamente uma de nossas
hipóteses de viés sintático-semântico em relação à ocorrência da polissemia linguística
que apresenta a expressão “mas quando”, uma vez que ela pode apresentar a função
negativa em determinados contextos discursivos e textuais do falar paraense, como
ficou claro nos dados de USO 2 e 3 dispostos na parte introdutória deste trabalho. E
ainda, como bem frisa o autor, “expressões sincrônicas” foram originadas a partir dessa
gramaticalização, o que pode ser o caso da expressão em questão, uma vez que é
composta pelo “mas”.
(a) [se eu comer muito na hora do café...] eu não vou ter vontade de almoçar...
(Projeto NURC, DID\ RJ)
1. Causais;
2. Comparativas;
3. Concessivas;
4. Condicionais;
5. Conformativas;
6. Consecutivas;
7. Finais;
8. Temporais; e
9. Proporcionais.
Para esta pesquisa, nosso foco são as orações hipotáticas temporais com a
conjunção “quando”.
Quando = [quandoconjunção]
(b) com a possibilidade inclusive de comer peixe fresco, come [quando eu levo]
(Projeto NURC).
(c) [Quando você decidir perder os quilos em excesso, pelo menos no início do
projeto], não se proponha a mais nenhum grande objetivo na vida.
(d) [Enquanto os cinco anéis olímpicos foram criados em 1913], os agitos, que
são as três formas assimétricas que representam movimento, surgiram em 2003.
WhatsApp 07
Fonte: WhatsApp 02
É interessante ressaltar mais uma vez o uso recorrente de “mas” (Mas deixa eu
me organizar por aqui.) e não (Não vai dormir, criança) que aparecem quase sempre
bem próximos ou em falas antepostas e/ou pospostas em nossos dados, nos levando a
olhar para o entorno linguístico em que a expressão estudada aparece.
Nosso foco aqui é o elemento “quando”, não como advérbio relativo, mas sim
como conjunção temporal e pronomes interrogativos, uma vez que, respectivamente, um
está acrescentando/encaixando uma oração a outra e, o outro, ou seja, o pronome
interrogativo, serve de auxílio a uma pergunta, o autor destaca isso da seguinte forma
(p.328):
(e) Quando (=sempre que) chovia as aulas tinham que ser suspensas.
Por fim, o gramático nos coloca diante de um uso atípico em que a conjunção
“quando” aparece. O autor nos chama atenção para o caráter de contrariedade dos
fatos que é encontrado na sentença. Observemos o exemplo (g) trazido pela gramática:
(g) “Eu digo que muito veículo parece estar conduzindo passageiros apanhados
ao acaso, quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de
passageiros.” [MACHADO, 1957:211-212]
Uma análise similar pode ser feita também no seguinte exemplo “Eu fui, quando
nem era ainda para ir.” (=Eu fui, mas nem era ainda pra eu ir.) (exemplo da própria
autora). Temos, portanto, mais uma forma em que “quando” tem papel semântico de
contrariedade de ideia – devemos salientar que esse caráter de contrariedade é também
ressaltado pelo advérbio de negação nem - , o que se faz de alguma forma importante
para a pesquisa deste projeto, já que estamos tratando de uma expressão que é composta
também pela conjunção temporal quando e que a construção cristalizada no falar
paraense possui sentido opositivo ou negativo.
Sob ponto de vista semelhante, Castilho (2012) também trata do “quando” como
conjunção adverbial temporal, no que tange às orações subordinadas temporais, e ainda
o classifica como forma de expressão de “tempo anterior, simultâneo e posterior” em
relação ao tempo da oração núcleo. No que tange ao tempo simultâneo, temos a
conjunção “enquanto”, já em relação aos tempos anterior e posterior, temos a conjunção
“quando”.
Neves (2011), assim como Bechara (2009), nos afirma que a conjunção
“quando”, ao aparecer nas orações adverbiais temporais, também pode apresentar efeito
contrário à expectativa (valor semelhante às conjunções adversativas) empregada na
oração núcleo. A autora atribui ainda ao “quando” o sentido concessivo4, mas ressalta
que ele continua tendo também certo valor temporal e frisa que, para que isso aconteça,
algumas características específicas devam ocorrer nas construções ou sentenças
oracionais. São essas (Neves, 2011, p. 800):
4
Neves (2010) atesta a ocorrência da concessão, todavia sabemos que a discussão entre concessão e
adversidade é bem ampla e complexa entre os linguistas.
27
Isso se faz importante de ser ressaltado aqui pelo fato de que na expressão “mas
quando” o “quando”, segundo nossa hipótese, baseada na análise dos dados, não deixa
totalmente de apresentar seu caráter temporal, mas, por outro lado, agrupando-se ao
“mas”, para formar uma única construção, ele fica “contaminado” da função de
contraste e oposição que “mas” apresenta.
Podemos dizer que as gramáticas referidas nos subitens anteriores nos colocam o
elemento “quando” como a conjunção prototípica temporal das orações subordinadas
adverbiais, além de também ser um pronome interrogativo. Por fim, Bechara (2009) nos
chama atenção para o quando com caráter de contrariedade em contextos específicos.
Este tópico precisa se fazer presente em nossa pesquisa pelo fato de que antes
mesmo de darmos início a ela, eu – por ser paraense – já afirmava que a expressão “mas
quando” em nosso linguajar carregava função semântico-pragmática negativa e
opositiva. Foram feitas então as primeiras coletas de dados de conversas do aplicativo
(WhatsApp), nas quais confirmou-se a hipótese das funções negativa e opositiva da
expressão em questão. Entretanto, no decorrer da coleta feita por meio da gravação de
áudio dos informantes da Ilha de Breves-Marajó (PA), foram surgindo orações que se
assemelhavam ao que Perini (2010, p.123) chama de construções interrogativas.
Vejamos como o autor destaca isso:
30
Interrogativas
Primeiro é bom observar que uma oração interrogativa não é a mesma coisa que
uma pergunta. É verdade que orações interrogativas como
são geralmente usadas como uma pergunta (e, portanto, esperam resposta). Mas essa
correlação nem sempre funciona; primeiro é possível usar uma interrogativa para outras
coisas. Se eu digo
essa interrogativa pode perfeitamente ser entendida como uma ordem ou um pedido
para que a pessoa fique calada. E, depois uma frase afirmativa como
vai ser, o mais das vezes, tomada como um pedido de informação, ou seja, uma
pergunta.
Orações interrogativas e negativas, segundo Perini, (2010)
Quadro 01
Em relação às respostas, Perini (2010) também nos afirma que há respostas para
orações: a) “interrogativas fechadas” que é o equivalente a respostas curtas afirmativas
ou negativas (sim ou não, na maioria das vezes). Ilari & Basso in Ilari (2014) chamam
31
Para esta pesquisa nos interessa o que os autores ressaltam sobre as perguntas
ditas polares ou de classe fechada, pois em nossos dados observamos que há orações
interrogativas e perguntas que requerem apenas a resposta fechada em sim ou não,
entretanto, o que aparece é a expressão “mas quando” que carrega o valor negativo da
resposta (veremos de forma mais esclarecida no capítulo que tratará da análise dos
corpora).
Por outro lado, Perini (2010) também nos apresenta as orações negativas
chamadas por ele de “construções negativas”. Ele afirma que há outras formas
morfológicas de negar (nada, ninguém, nunca, nenhum...) e que cada forma possui sua
semântica própria.
Já Ilari & Basso in Ilari (2014, p. 314) destacam que “a tradição gramatical
identifica, há vários séculos, a palavra “não” como advérbio de negação por excelência”
e ainda ressaltam que é crença ainda acharmos que “(i) a palavra “não” é a mais usada
na língua para negar; e (ii) que negar é uma operação linguística que se faz sempre nas
mesmas condições e com os mesmos efeitos”.
Ilari& Basso in Ilari (2014, p. 316) ainda chamam a atenção para algo que pode
contribuir para a presente pesquisa ao falarem de expressões que possuem sentido
negativo no Português Brasileiro
Isso nos leva a entender que estas “expressões de polaridade negativa” precisam
ter função negativa e peso negativo, mas não necessariamente forma estrutural
(morfológica e sintática) negativa, bem como é o caso de “mas quando” em que possui
função e peso negativos, mas sua forma não. Vale aqui fazer a ressalva de que no Brasil
existem várias outras formas de negar por meio de expressões regionais ou cristalizadas
que, embora ainda não tenhamos o conhecimento de trabalhos ou pesquisas científicas
que abordem esse assunto que perpassa pelo vasto e heterogêneo território brasileiro,
sabemos que a todo momento nos deparamos (ouvimos e proferimos) com construções
que têm função negativa recorrentes em nossas falas.
É fato que este assunto sobre expressões de polaridade negativa renderia outro
trabalho de grande interesse entre os linguistas brasileiros, uma vez que a todo momento
nos deparamos com novas expressões de cunho negativo, mesmo sem nos darmos conta
do grau de negatividade contido nelas.
Ao final desta citação a autora nos apresenta a negação também como recurso
contra- argumentativo, conceito este que dialoga diretamente com a função da expressão
encontrada no falar paraense “mas quando”. (Constataremos isso nos corpora
analisados no capítulo destinado a isso.)
mas que, além dele, outros elementos adverbiais, ou não, possuem a funcionalidade de
negar - nunca, jamais, nem - no nível oracional. Vejamos o exemplo (b) e (c):
(b) Jamais comerei ovo cozido = Não comerei ovo cozido em tempo algum.
(c) Nunca vi esse rapaz na vida = Não vi esse rapaz na vida em tempo algum.
(d) “A patroa que dar umas voltinhas, nem quer saber de jogo.”
(e) “Mas, como eu era sujeito distinto, não telefonou nem procurou pessoalmente
Monticelli” (Neves 2011, p. 287).
Neste exemplo (e), o destaque da conjunção adversativa “mas” foi feito por mim
em razão de ela fazer parte da expressão a qual estamos estudando. Observemos, então,
que se trata de uma oração de sentido negativo marcada pelos advérbios não e nem em
que o “mas” carrega sua função de quebra de expectativa em relação à ideia anterior,
por mais que esta ideia não esteja explícita no cotexto. O “mas”, portanto, corrobora os
advérbios negativos para tornar a sentença toda negativa e opositiva.
O que temos, neste caso, são recursos que se apresentam com função de negar e
opor algo dentro de um contexto distinto, ideia que se assemelha à função de “mas
34
quando” no USO 3 e pode ser também identificado em uma das leituras do USO 2, o
qual chamamos de híbrido.
Façamos recordar neste momento sobre a teoria dos protótipos5 em que Bybee
(2010) nos fala sobre categorias. A autora nos mostra o levantamento de PÁSSARO, em
que há modelos exemplares como o pardal e o sabiá, inclusos na categoria dos membros
centrais; por outro lado, há os pinguins e as águias, que são membros marginais para
exemplificar um pássaro. A explicação para isso ocorrer recai nos aspectos cognitivos,
pois em nossa mente já foi formado o modelo de pássaros desde cedo, ou apontado
pelos pais, ou os vendo em gaiolas, ou na natureza nas mais restritas regiões
geográficas; por exemplo, pinguins ou águias não fazem parte de determinadas
localidades.
Isso é o que ocorre com a expressão “mas quando”, no USO 3, pois ela não se
encaixa como modelo prototípico de negar ou opor-se a algo nas outras regiões do
Brasil, entretanto, para os falantes paraenses, ela é bastante frequente, constituindo
64,29% dos dados analisados. A expressão pode aparecer juntamente com as outras
formas de negar mais comuns do Português do Brasil (não, nunca, jamais, de forma
alguma, etc.). Podemos afirmar, então, que, para os falantes paraenses, a expressão
“mas quando” é uma forma de negar, categorizada por esses falantes, cujo membro
prototípico é o adverbio não.
5
A teoria dos protótipos pode ser melhor compreendida na proposta de Taylor (1989) e Rosh (1973).
35
Defende que a língua apresenta funções que são externas ao sistema linguístico
entre si;
(...) Mais do que focar nos campos de interesse que antes deram um
passo adiante nessa reflexão, melhor será guardar o distanciamento
necessário para preservar a dimensão macroesférica. Só assim será
possível tomar consciência de que o processo de evolução do
pensamento linguístico foi ganhando uma abrangência e
complexidade nas reflexões: léxico -> morfologia -> sintaxe ->
pragmática. Não há dúvida de que o que mudou foi o espaço do olhar.
O recorte foi construindo novos objetos, deslocando os observadores
para entrecampos cada vez mais complexos de reflexão.
Sendo assim, podemos afirmar que Goldberg (1995) trabalha com a semântica
de frames, que segundo ela, está relacionada com a ideia de que o sentido central de
uma construção está relacionado a cenas comuns da experiência humana. Além disso, a
autora também nos afirma que os níveis gramaticais, partindo da morfologia até chegar
na sintaxe, recaem no conceito de construção. Ou seja, uma palavra pode ser uma
construção e uma frase ou oração podem ser construções. Dentro do que podemos
chamar de frases ou orações, temos as expressões de uma língua, em que os falantes
da mesma, em geral, as reconhecem como idiomáticas, ou apenas regionais, que é o
caso da expressão “mas quando”, portanto, de acordo com a autora, nossa expressão é
uma construção.
Além disso, Bybee (2016, p.76) também traz contribuições pertinentes no que
tange à gramática de construções ao dizer que
Isso significa dizer que, para a autora, as construções “têm posições que podem
ser preenchidas por uma variedade de palavras ou frases” (Bybee, 2016, p.25), e a
esses espaços a serem preenchidos é dado o nome de slots.
Essa representação por exemplar é, para a autora, o registro de detalhes da
experiência linguística de cada indivíduo em particular, composto por traços fonéticos,
itens lexicais e construções a partir dos sentidos e contextos de uso, assim como
propriedades do meio social, físico e linguístico.
Sobre essas experiências linguísticas citadas por Bybee (2016), Trougott &
Trousdale (2013, p.1) nos informam que
CONSTRUÇÃO
Por conseguinte, Croft (2001) e Croft & Cruse (2004) assumem que o contexto
pode ser considerado de forma correlacionada, ou seja, contexto de forma (Sintático,
Morfológico, Fonológico) e contexto de sentido (Semântico, Pragmático, Discurso).
Levando isso em consideração, pode-se afirmar que ambos os polos são responsáveis
pela descrição dos usos linguísticos da expressão.
Assim, distribuímos os dados coletados para esta pesquisa em três situações
diferentes que chamamos de USO1, USO 2 e USO 3, como já mencionamos e
explicamos logo na parte introdutória deste trabalho. Para esse estudo, portanto,
consideramos não só aspectos estruturais como também aspectos semântico-
pragmáticos. Por isso, vamos apontar aqui alguns fundamentos da Teoria Centrada no
Uso, direcionando certos conceitos que são pertinentes à compreensão da teoria e à
associação com a análise dos dados que foram coletados para esta pesquisa.
Bybee (2016) nos traz o conceito de construção ligado a processos cognitivos no
que diz respeito à linguagem, que são: categorização, chunking, memória enriquecida,
analogia e associação transmodal, no entanto, a autora trabalha no viés diacrônico. Para
este trabalho nos interessa falar de categorização, analogia e chunking, pois é por
meio desses processos que nos embasaremos para situarmos os 2 (dois) últimos usos de
“mas quando” no falar paraense, lembrando sempre que esta análise trabalha no viés
sincrônico.
1.4.1.1 Categorização
Bybee (2016, p.26) afirma que “Por categorização me refiro à similaridade ou
emparelhamento de identidade que ocorre quando palavras e sintagmas, bem como suas
partes componentes são reconhecidos e associados a representações estocadas”. Isso
41
1.4.1.2 Analogia
Bybee (2016, p. 99) afirma que
6
Diz respeito a tudo o que temos na nossa memória em relação a nossas experiências linguísticas, as
quais foram se armazenando de acordo com o passar do tempo.
7
Optamos em mais uma vez falar deste exemplo para melhor situar o leitor na teoria citada.
8
Nome dado por Bybee (2016) para se referir aos modelos de representações de algo. O pinguim é um
exemplar de pássaro, ou seja, um modelo.
9
Significa que alguns exemplares de pássaros possuem características mais comuns, de acordo com nossa
experiência cultural do que vem a ser um pássaro.
42
Podemos observar neste momento que, para conceituar a analogia, a autora fala
de “extensão de similaridade com usos antigos da construção”, ou seja, a analogia se faz
por similaridade entre características de um item, e isso significa que itens diferentes
podem apresentar funções semânticas similares; a partir disso, então, podem-se formar
novos usos para itens já existentes em nossa língua.
Isso justifica o uso de “mas quando” em forma de expressão negativa e opositiva
no falar paraense, pois o item “mas” e o item “quando”, apesar de serem itens de
diferentes funções e categorias na língua portuguesa, apresentam também algumas
funções linguísticas similares entre eles, podendo ser agrupados formando um novo
item que possui um novo significado, diferente dos já existentes. A esse agrupamento
Bybee (2010) dá o nome de Chunking.
1.4.1.3 Chunking
De acordo com Bybee (2016), a repetição de estruturas em uma dada sequência
não mutável recebe o nome de chunking, em que este, por sua vez, é constituído por
partes menores nomeadas de chunk. Vejamos então, segundo Bybee (2016, p. 65), que
Além disso, a categorização dos itens dados numa sequência precisa ser similar
em sua função de alguma forma. Isso nos faz voltar a explanar sobre o que Bechara
(2012) e Neves (2011) nos dizem a respeito da conjunção temporal “quando”. Vejamos
a seguir os exemplos (a) e (b) retirados respectivamente de Bechara (2012) e Neves
(2011), novamente:
(a) “Eu digo que muito veículo parece estar conduzindo passageiros apanhados
ao acaso, quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de
passageiros.” [MACHADO, 1957:211-212]
Temos, portanto, nos exemplos (a) e (b) acima, algo de grande importância a ser
ressaltado para a pesquisa, pois a expressão “mas quando” é composta pela conjunção
adversativa “mas” com valor de negação e valor de oposição e da conjunção temporal
“quando” que, além de apresentar sentido temporal, também pode aparecer com o
sentido contrário ou opositivo, como fora demonstrado no exemplo (a) e/ou com
função concessiva, demarcando o efeito “contrário à expectativa”, de acordo com o que
Neves (2010) nos diz, que ocorre no exemplo (b). Este fenômeno dialoga com a teoria
de Bybee (2010) ao defender que itens com propriedades estruturais semelhantes e de
categorias próximas se agrupam formando um chunking.
Bybee (2010) ainda frisa, como hipótese central da teoria, que os contextos em
que as construções aparecem impactam na representação cognitiva da linguagem, isso
significa que as estruturas, que utilizamos em uma interação verbal, são selecionadas de
acordo com a situação comunicativa para suprir a necessidade de interação entre os
falantes.
Assim, partindo desse pressuposto, o chunking “mas quando”, que expressa, ora
sentido negativo e ora sentido opositivo, em contextos do uso paraense, nasceu para
suprir a necessidade de negar com certa ênfase num tempo indeterminado, além de
também apresentar a função de oposição.
FENÔMENOS
GRAMATICALIZAÇÃO GRAMATICALIDADE
Gradualidade Gradiência
Mudança Polissemia
Por outro lado, de acordo com Traugott (2010), temos características que
permeiam a gramaticalidade em que é atestado um cline sincrônico ou cline de
gramaticalidade, que aponta a polissemia linguística de palavras ou expressões e que
pode ser estabelecido de acordo com diferentes graus de granularidade, normalmente
feito com referência aos graus de fusão ou abstratização das estruturas. Os graus de
fusão são atestados sincronicamente e podem ser vistos, por hipótese, como resultados
de mudanças diacrônicas. Isso significa que a polissemia encontrada sincronicamente na
expressão “mas quando” pode ser o resultado de uma mudança ocorrida ao longo do
tempo na região amazônica, entretanto, não temos como afirmar isso por não dispormos
de dados de outros séculos neste momento do trabalho.
46
Silva (2015, p. 29) nos traz uma observação também muito pertinente ao
perpassar pela Teoria de Traugott e Trousdale (2010) no que diz respeito à gradiência ao
falar que
Formas
Sentidos
Por outra perspectiva, Halliday (1989) apud Barbisan (1995) aponta um conceito
de contexto que se faz muito interessante a partir do momento em que ela salienta o
49
contexto social e cultural citado por Halliday e que estes atuam de modo fundamental
na linguagem, mais precisamente nas escolhas que fazemos ao construir um texto (seja
oral ou escrito, verbal e não-verbal). Barbisan (1995, p. 54) nos situa sobre a relação
entre contexto social e texto ao falar que
Temos, portanto, a ideia de que todos os textos que são construídos partem de
um contexto social e isso engloba contexto cultural, logo, as estruturas (fonológicas,
morfológicas, sintáticas) que selecionamos para compormos a todo momento nossos
textos, ou seja, o cotexto, depende do contexto de situação10, como bem demarca
Barbisan (1995), fundamentada nos pressupostos de Halliday. Barbisan (1995, p. 54)
ainda destaca que o texto pode ser estudado como processo e produto, no qual neste
último é visto como resultado do contexto, ou seja, o texto é também um “produto de
um contínuo processo de escolhas no significado, escolhas representadas nas redes que
constituem o sistema linguístico”.
Podemos dizer, então, por esse viés, que a utilização da expressão “mas quando”
em sua função negativa e opositiva, nos textos produzidos pelos falantes paraenses, faz
parte de um texto que é o produto social e cultural do linguajar daquela região,
podendo-se salientar ainda que contexto e cotexto são selecionados um pelo outro e
vice-versa, ou seja, a situação faz com que o falante use a expressão “mas quando”,
assim como a expressão seleciona situação em que será usada.
10
Barbisan (1995), de acordo com os conceitos de Halliday, diz que o contexto de situação é tudo o que
envolve a situação específica de construção dos textos, ou seja, o que está acontecendo no momento, as
relações interpessoais entre os participantes envolvidos e o modo pelo qual está sendo realizada a
linguagem.
50
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para esta pesquisa escolhemos por adotar textos que contêm sequências
narrativas e diálogos (sequência dialogal) em que só tivéssemos locutores e
interlocutores paraenses. Trata-se de um banco de dados com informantes bem variados
em relação à idade (18 – 72 anos), gênero (masculino e feminino) e escolaridade
(analfabeto – nível superior). Além disso, trata-se de pessoas nativas do estado do Pará
e/ou que já moram há mais de 20 anos no mesmo. Portanto, na composição total dos
corpora temos:
Para esta pesquisa escolhemos adotar três formatos de corpus, em que cada um
deles apresentou uma metodologia diferente de coleta, entretanto, os três formatos não
se distanciam quanto as suas características textuais.
Corpus de fala
Maria do Socorro Simões da Universidade Federal do Pará. Podemos ter acesso a essas
narrativas ainda em formato de áudio e/ou já transcritas, inclusive divulgadas em livros
de fácil acesso lançados pela Editora da UFPA.
Enquanto aluna da Universidade Federal do Pará, fiz parte deste projeto por três
(3) anos e, por se tratar de projeto que contém um vasto corpus unicamente oral e já
transcrito, no qual apenas indivíduos paraenses relataram suas narrativas fantásticas, o
escolhemos para fazer parte dos corpora deste trabalho, pois ele se encaixava no perfil
de relatos orais e espontâneos que estávamos procurando para a construção do banco de
dados. O projeto IFNOPAP dispõe de aproximadamente 6 mil narrativas orais, mas para
este momento de nossa pesquisa, tivemos acesso a 2 volumes do acervo do IFNOPAP,
intitulados “Santarém conta...”, contendo 58 narrativas e “Belém conta... ” contendo 60
narrativas, todas relativamente curtas, o que contemplam entre 1 e 2 páginas dos livros.
Sendo assim, a coleta destes dados ocorreu com a leitura das narrativas contidas
nos livros e o destaque para os trechos em que acontecia a ocorrência de “mas quando”,
sendo já em formato de expressão amazônica, ou não. Em seguida, partimos para a
análise dessas ocorrências.
Corpus digital
Em relação aos parâmetros citados acima, nosso corpus extraído via print ocorre
por duas formas sincrônicas (WhatsApp e Messenger), estabelecidas de um para um
(conversas ditas privadas) ou de um para vários (conversas ditas em grupo), e uma
forma assíncrona de um para vários (postagens no Facebook).
Além disso, sobre a forma como ocorrem os enunciados, a autora levanta uma
discussão no que tange à forma como as mensagens são passadas. É de conhecimento
geral que estamos diante do gênero escrito, no entanto, esta forma apresenta
semelhanças com a forma da fala informal. Este ponto ainda é muito investigado por
nossos pesquisadores, todavia, por estarmos diante de uma investigação muito nova, por
conta da evolução rápida e maciça dos meios de difundir a linguagem para estabelecer a
comunicação, não se pode afirmar neste momento que se trata de um gênero totalmente
escrito com suas características bem definidas, como a de qualquer outro gênero escrito.
Portanto, o que podemos acentuar aqui é que as MIs são escritas como se
tivessem sendo faladas face a face e, além disso, os enunciados ou as frases e orações,
são “ditas”, neste caso, enviadas, de forma não agrupadas, mas repartidas em pedaços
menores, como se fossem uma sentença oracional dividida por vírgulas, assim:
Oi, tio!
Tudo bem?
Queria saber se vens pra casa hoje.
Mamãe fará um jantar.
54
Oi tio
E aí tudo bem
Mamãe vai fazer uma janta boa hoje
Queria saber se o senhor vai aparecer
Fala e escrita
Embasando-nos nas ideias de Marcuschi (2008), podemos dizer que, quando as
pessoas escrevem algo, há um certo afastamento físico entre o texto e o autor, ou seja,
não é fácil descobrir o perfil de quem escreve apenas pela sua escrita, fato que não
ocorre de forma tão explícita no ato da fala, pois, ao ouvirmos outras pessoas falarem,
podemos identificar alguns elementos extralinguísticos individuais como: a possível
faixa etária, o possível nível de escolaridade, o sexo e as características ligadas à
prosódia.
11
Emoji: É de origem japonesa, composta pela junção dos elementos e (imagem) e moji (letra), e é
considerado um pictograma ou ideograma, ou seja, uma imagem que transmitem a ideia de uma
palavra ou frase completa. (Fonte: Google)
55
[mascontrajunção] [quandoadvérbio/conjunção]
(5)
Fonte: WhatsApp 03
Nesta imagem capturada via print do WhatsApp, a qual diz respeito ao exemplo
(5), temos o mas fazendo o papel de operador argumentativo entre os discursos ou os
turnos de “fala”, como nos demonstrou Castilho (2012); além disso, o “mas” também
apresenta valor contrajuntivo em relação à “fala” anterior, ou seja, juntando e
contrapondo-as.
Em (6), o qual foi retirado da transcrição dos áudios, temos o “mas” que
introduz um enunciando que se contrapõe ao enunciado da oração anterior e focaliza
para o leitor a ideia seguinte em relação à anterior e o “quando”, especificando em qual
momento as irmãs moravam naquele lugar. O curioso neste dado é que a informante
está falando do local “aqui em Breves” e do tempo “quando eram menores” na mesma
oração, entretanto, ela só faz o uso da conjunção temporal com função também de
focalização, pois auxilia o “mas” a dar mais visão na oração posposta em relação à
oração núcleo.
É interessante notar também que a falante dá uma pausa entre ”mas” e
“quando”, o que nos remete a atestar a ocorrência de duas construções distintas,
característica do USO 1.
(7) Um dia eu estava... eu fui caçar numa serra. Aí, quando eu vinha
baixando, era, mais ou menos meia noite. Estava claro, a lua
estava... bem claro na estrada. Aí quando eu cheguei em cima da
ponte. É, a ponte... ela era segura. Mas, quando eu pisei em
cima da ponte, que eu cheguei no meio da ponte... É, a ponte, ela
correu de canto a canto, como quem queria cair, a ponte12.
(Santarém Conta... p. 66)
13
O sinal de interrogação está entre parênteses justamente por não termos a certeza de que seja uma
pergunta.
59
uma sequência de informações, e, além disso, permanece ainda com seu valor
contrajuntivo.
Ainda sobre o fato de poder ser também uma oração interrogativa, podemos
destacar o pronome “que” o qual pode exercer função sintática de pronome
interrogativo. Este item em particular só ocorreu nos dados híbridos do corpus de fala
gravados exclusivamente para esta pesquisa, ou seja, nos dados da cidade de Breves-
PA. Entretanto, não podemos afirmar que é uma variante da região ou do contexto
situacional narrativo. O fato é que o que pode estar auxiliando para que tenhamos “mas
quando que?” na oração interrogativa, semelhante à forma “mas como que?”.
Fonte: WhatsApp 04
É interessante ressaltar que neste dado temos o acréscimo de “já” que, assim
como o “quando”, pode apresentar valor temporal (Ex.: Já está tarde para jantarmos.) e,
assim como o “mas”, também pode apresentar certo valor opositivo (Ex.: Eu gosto de
maçã, já Maria gosta de mamão.) Neste banco de dados, faz-se pouco recorrente o
acréscimo de “já” posposto à expressão “mas quando” tanto nos dados de fala, quanto
nos digitais, tendo, portanto, frequência relativamente baixa em nossos dados.
(10) V: Se alimpá o garapé15, ele fica bom. Porque nós tomava banho
aí, nós bibia água daí, nós lavava rôpa daí, agora não, não tens
condição. As coisa do hospital... e essa uma daqui... do pessoá
tudim, aí pronto...
E: agora não tem como?
V: Não
E: a senhora ia tomar banho agora?
V: Mas quaaaaaando, nem me fala... (Áudio 08)
Neste dado (10) o uso “mas quando” ocorre de forma isolada, aparecendo como
resposta à oração interrogativa que antecede a sua ocorrência. A justificativa para a
resposta negativa está no fato de que as coisas do hospital são jogadas agora no Igarapé
(= agora não, não tens condição. As coisa do hospital... e essa uma daqui... do pessoá
tudim, aí pronto...) e por isso ele se torna um rio sujo e poluído, inacessível para a
comunidade fazer o que antes faziam (= Porque nós tomava banho aí, nós bibia água
daí, nós lavava rôpa daí). Nós temos aí a ocorrência da expressão paraense em uma
única leitura, que neste caso está sendo o de negar a afirmação de que a informante V
nunca mais teria condições de tomar banho naquele rio do qual estavam falando.
14
Vale lembrar que o USO 3 apresenta mais variações em relação às análises.
15
A escrita padrão é Igarapé, que seria um braço longo de rio ou canal, geralmente apropriado para
banho da população da região amazônica.
62
Adiante, a minha primeira pergunta está contendo o advérbio “não”, por talvez
já estar implícito para mim o posicionamento de minha interlocutora, e obtenho a
resposta da informante V que é apenas um outro “não”.
Por fim, mais uma pergunta foi feita por mim, desta vez uma pergunta
direcionada unicamente ao posicionamento pessoal da informante V, e ela, mais uma
vez, se expressa de forma negativa e enfática, caracterizada também pelo advérbio
“nem”, colocado posteriormente à expressão. Ou seja, de maneira nenhuma, de
forma alguma, em tempo nenhum, ela tomaria mais banho naquele rio. Além disso, a
expressão “mas quando” também apresenta uma ideia de retomada à pergunta feita
anteriormente (=mas quando que eu iria tomar banho neste rio).
Desta forma, então, situamos o dado (10) no USO 3 por estarmos diante, mais
uma vez, de um chunking formado por “mas” e “quando” dando origem a uma única
construção de novo valor semântico e pragmático.
Em (11), temos mais uma vez, no que tange ao contexto, marcas linguísticas
negativas como: não, mentira e nunca, que aparecem após à expressão mas quando
63
como forma de intensificar o seu valor negativo e de auxiliar nas justificativas para a
resposta negativa. A informante L, ao ser questionada sobre se acredita naquele peixe
chamado Pirarara, responde com a expressão amazônica e dá a justificativa nos
informando que não há como existir um peixe daquele tamanho “que engole criança,
engole cachorro”, afirmando inclusive que a informação da existência deste peixe é
falsa.
Entretanto, estamos também diante de uma contra- expectativa uma vez que
inicialmente a informante L descreve o peixe que seria o ser mítico (= eles puxam sempre
peixe muito grande lá (...) Grande. Tipo tamanho dum...dum... Como é que chama aquele, Pacu
né?) e, além disso, espera-se que, por se tratar de narrativas orais tradicionais das pessoas
daquela região, esta informante acredite no mito que deve sempre ouvir de várias
pessoas há muito tempo, todavia, por ela nunca ter visto, ela não acredita de jeito
nenhum naquilo e dá a resposta negativa não esperada. Em razão disso, temos, portanto,
mais uma vez o USO 3 em nossos dados.
[mas quandoexpressão]
(12)
Fonte: WhatsApp 05
64
Devemos analisar neste momento mais uma vez o acréscimo de “já” que
auxilia a demarcar este tempo que parece ser infinito, como já vimos no exemplo
anterior, e que, além disso, também pode vir a auxiliar a função de oposição que a
expressão “mas quando” carrega consigo. O “já” vem passando pelo processo de
gramaticalização, podendo exercer outras funções diferente de sua função base, pois,
segundo Martellota (1996) apud Cezario & Alonso (2013, p. 27)
(a) A Cláudia? A Cláudia está com dezesseis... vai fazer dezesseis anos agora,
entendeu? Já tem namoradinho, coisa e tal, já dá umas aulinhas de... aqui em
casa, é... português, matemática, tudo que ela gosta não é?
65
A contraexpectativa recai sobre o fato de ela ser bem nova, porém já tem
namorado e já trabalha dando aulas em casa. Isso nos leva a refletir sobre o acréscimo
do item “já” feito de forma posposta à expressão “mas quando” que apresenta também
essa função de oposição, ou seja, podemos dizer que o advérbio “já” se agrupou à
construção “mas quando” por meio da similaridade de categorias de “mas” e de
“quando”, pelo processo de analogia, segundo Bybee (2016). Portanto, neste dado, a
expressão “mas quando” não apresenta outra função a não ser a de oposição e, por isso,
se enquadra no USO 3.
[mas quandoexpressão]
[mas quandoexpressão]
(14)
Fonte: WhatsApp 06
[mas quandoexpressão]
(15)
Fonte: WhatsApp 07
Para finalizar esta sessão, devo informar que, ao todo, foram coletados, por
mim, 56 dados no que tange aos dois formatos (corpus digital e corpus de fala).
Portanto, para a presente pesquisa temos:
39 ocorrências no corpus digital que foram subdivididos em:
a) 10 ocorrências do USO 1;
b) 01 ocorrência do USO 2;
c) 28 ocorrências do USO 3.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
a expressão em questão tem função negativa, como bem demonstra a análise de nossos
dados.
Por fim, posso dizer que essa pesquisa foi de enorme relevância para auxiliar no
meu entendimento sobre a formação e a funcionalidade de expressões paraenses, em
especial da expressão “mas quando”, pois, a partir desse trabalho, posso dar o devido
retorno à comunidade de minha região em relação ao uso de nossas expressões
particulares.
71
5 REFERÊNCIAS
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Ver., ampl. e atual. Conforme
o novo Acordo Ortográfico, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
BYBEE, J. L. Language usage and cognition. New York: Cambridge University press,
2010.
BYBEE, Joan L. Língua, uso e cognição: tradução Maria Angélica Furtado da Cunha;
revisão técnica Sebastião Carlos Leite Gonçalves. São Paulo: Cortez, 2016.
CROFT, W. Connecting frames and constructions: A case study of ‘eat’ and ‘feed’. In:
Constructions and Frames. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2009.
Áudio 02
E : mas tu acreditas nessas coisas?
D: Olha maninha...acreditar, eu acredito. Eu sinceramente não sei se eu teria...coragem
realmente de continuar vindo estudar aqui a noite.
E: entendi... mas por quê?
D: ma:na, mas qua:ndo que eu ia me meter na á:gua com cobra gra:nde, com bi:cho, no
escu:ro, num barco peque:no, de remo...tá doida, menina (?)
Áudio 03
B: A minha mãe ela disse que ela viu quando ela era adolescente, que ela ia pra casa ne
antigamente ela morava pra aí pra tipo Santa Cruz, lá pra são Pedro não sei o que... aí
ela.. ela disse que ela viu assim no caminho um homem todo de branco, sentado... aí eu
falei...aí eu falei pra ela que aonde já que a senhora viu alguma coisa, ne? Aí ela falô: vi
vi esse homem que ele tava...que ele tava...sentado aí ele me chamô. Hum... mas
quando que a pessoa vai, não?[risos]
R: Uma outra coisa também que aconteceu comigo, foi... foi... eu nunca ia em velório,
né.
E: [hum]
R: mas:: eu resolvi ir num velório de um pessoal lá de perto de casa, de um cara que
tinha morrido, aí pow, criança, né... Aí disq a minha mãe disse não pi:sa na porra da
pedra do cemitério, da entrada do cemitério. E eu não dei atenção pra isso, né.. aí pow
eu cheguei lá... fui no velório tranquilo mas eu pisei na pedra, entendeu? Eu pisei na
pedra e cara... nos outros dias já era pesadelo, pesadelo, pesadelo... cara... passei sete
dias de pesadelo e tipo assim, quando tinha velório, mas quando que eu ia no
cemitério, sabe? Tipo assim, eu ficava com medo de pisar de novo na pedra e ter
pesadelo de novo...
B: Uma vez ele ficou com tanta raiva dela que ele coloco... um um sutiã dela na casa do
cupim, aí dizem na macumba né que quando o cupim acaba de comer aquela roupa que
é da pessoa... a pessoa morre né... aí ela, ele colocô...
R: me dá um sutiã teu? (risos)
E: [tá doidé?] (risos)
B: Aí isso passou o tempo tempo, eles se separa:ram, aí a mamãe...
R: [Mas quando que dá não?]
quebrando uma uma parede lá pra pra...fazer uma reforma né? Encontrou a casa do
cupim, mas o sutiã dela não tava comido...
81
Áudio 04
M: Um aluno meu falô também, que eles batem na água (barulho da mão batendo em
algo sólido) com resto de comida assim e os boto vem na beira, eu não acreditei muito
né? Aí ele disse que era, que tinha, não sei o que...aí eu falei mas qua:ndo que o boto
vem na beira comer da tua mão Mesak? Não tem...Tem sim professora, se a senhora
quiser a senhora vai cedinho lá comigo, 6 horas...
L: Lá dá muito bicho porque eu sempre vejo o pessoal pescando eles puxam sempre
peixe muito grande lá.
E: Eita...Qual o tamanho desse peixe?
L: Grande. Tipo tamanho dum...dum... Como é que chama aquele, Pacu né? =
E: [hã]
L: = Aquele peixe maior
E: [ãham]
L: Né... Já vi desses, muita gente pescando lá e puxando já...
E: Como é o nome da do peixe? Pirarara?
L: Pirarara
E: Tu acreditas nisso?
L: na Pirara? Mas quando. Eu nunca vi, ((risos)) é muito grande, muito muito grande =
M: [que engole criança, engole cachorro]
L: = A Pirara que engole criança =
M: [mentira]
L: = Isso é mentira, nunca vi não. ((ruídos))
M: Porque me falaram, o biólogo me falou que esse peixe não é carnívoro.
Áudio 05
B: A Igreja é do lado da rua, a santa é no outro, ou seja, tudo na frente da cidade, né... aí
eles falam que tipo se derrubar a igreja matriz, a cobra ela vai destruir toda a cidade de
Breves, ela vai devastar tudo aqui...Mas:: tipo eu não acredito...eu por exemplo não
acredito, mas quando, não é comigo não esse...
E: E vocês acreditam nisso?
J: Não...é lenda.
M: Ela contou essa história que esse peixe comeu... essa criança. E aí... a gente...
quando ela... claro o Rodrigo era o era o mais bagunceiro de lá e ele era o que morava
82
lá, né... queria que a gente voltasse pra água depois... aí ela falou NÃO. Mas quando.
Não vou não vou de jeito nenhum [risos]. E aí a gente passô...isso foi já próximo da
gente vim embora. A gente veio tomar banho no rio, a gente tomava banho num
chuveirinho...
Áudio 06
J: Eu fico encucado que lá na rua de casa não foi só a... senhora que viu, até hoje ainda é
viva, ela anda né...com um negocinho, uma vassourinha. É, até hoje ela conta pá, pros
moleque assim, né...ela mora mais lá pra frente... mais lá pra frente de casa. Não, é sério
pow, porque minha tia viu, a outra vizinha que hoje não mora lá... lá perto de casa viu, o
meu colega viu, que hoje não mora também lá perto de casa, e...e...as minhas duas irmãs
também, aí...tipo ansim, passa a ser ansim, ser dúvida, né. Será que é verdade mesmo,
será que num é? Aí aí...fica a interrogação, né. Aí já passa a ser a verdade
porque...[ruídos] mais de uma pessoa... [ruídos] mais de uma pessoa falou, aí mas
quando que a pessoa ia falar algo, ansim, a mesma da outra né? Não poderia isso, claro.
Áudio 07
M2: Ah titia, não teve nada nessa casa que não fosse revirado. Tudo foi revirado. Tudo.
Pilhas de papel... Vamos revirar tudinho de novo. Não tia, não vai, não adianta. Eu vim
pra acha porque vocês procuraram mas não acharam, mas eu vou achá, aí jogaram uma
bolsa em cima da cama, aí eu peguei a bolsa...mas quaaaando titia, nessa bolsa aí o
pessoal da família todos já procuraram, TODOS...
Áudio 08
V: Se alimpá o garapé, ele fica bom. Porque nós tomava banho aí, nós bibia água daí,
nós lavava rôpa daí, agora não, não tens condição. As coisa do hospital... e essa uma
daqui... do pessoá tudim, aí pronto...
E: agora não tem como?
V: Não
E: a senhora ia tomar banho agora?
V: Mas quaaaaaando, nem me fala...
M: Eles ficam lá e tem gente mora nesses barcos na beira do rio... e o pessoal acha
que...acha que se jogar resto de comi:da, essas coisas...eles vão lá pra beira pra se
alimentar...né, tem muitas famílias que moram né...eu até duvidei um pouco assim,
como é que essas pessoas podem moram num barco? Depois eu pensei né... tem rede,
tem banheiro dentro...Égua mas quando que a pessoa vai conseguir sobreviver num
lugar desse frio, com muito vento, né? Mas depois que se enrola na rede... eu tenho um
aluno que mora dentro dum...dum barco desse com a família dele, né...não tem casa.
83
(...) Podia ter uma tábua no meio, podia ter uma parede,
mas, quando aquilo andava em mim, eu enxergava aquela
pessoa que vinha... (Santarém conta... p 68)