eRxaPS-Dissertação-pós-defesa - Érica Reis

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

ÉRICA DO SOCORRO BARBOSA REIS

OS USOS DO “MAS QUANDO” PARAENSE

NITERÓI
2018
2

ÉRICA DO SOCORRO BARBOSA REIS

OS USOS DO “MAS QUANDO” PARAENSE

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação


em Estudos de Linguagem da Universidade Federal
Fluminense, com requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Teoria e Análise Linguística. Área
de concentração: Estudos de Linguagem.

Orientadora: Nilza Barrozo Dias

NITERÓI
2018
3

ÉRICA DO SOCORRO BARBOSA REIS

OS USOS DO “MAS QUANDO” PARAENSE

Dissertação de Mestrado submetida à Universidade


Federal Fluminense como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Aprovada em:_____/_____/_____.

______________________________________________________________________
Professora Doutora NILZA BARROZO DIAS – Orientadora
Universidade Federal Fluminense

_____________________________________________________________________
Professora Doutora VIOLETA VIRGINIA RODRIGUES
Universidade Federal do Rio de Janeiro

______________________________________________________________________
Professor Doutor MONCLAR GUIMARÃES LOPES
Universidade Federal Fluminense

______________________________________________________________________
Professor Doutor Ivo da Costa do Rosário
Universidade Federal Fluminense - Suplente

______________________________________________________________________
Professora Doutora Márcia Machado Vieira
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Suplente

NITERÓI

2018
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5

Pelas vezes que me faltaram forças e por todo amor que


eu tive durante essa jornada, dedico este trabalho à
minha família e amigos que, mesmo de longe, me tinham
sempre no coração.

Mas quando que eu iria conseguir sem eles...

“Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos


olhos”.

(Antoine de Saint-Exupéry)
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AGRADECIMENTOS

Eu gostaria de agradecer, em primeiro lugar, ao grande mestre, Deus, por sempre ter me
presenteado com muita força de vontade durante essa caminhada na Universidade
Federal Fluminense (UFF).

Agradecer, em segundo lugar, aos meus professores da UFF, pois, com eles, tive a
oportunidade de conhecer mais acerca dos estudos de linguagem, pelos quais estou
imensamente apaixonada.

Agradecer, em particular, à minha querida orientadora, Nilza Barrozo Dias, que desde o
início está me orientando da melhor forma possível nesta pesquisa; pela sua paciência e
generosidade em estar sempre disposta a sanar todas as minhas dúvidas e,
principalmente, por ter abraçado a causa de orientar uma pesquisa a respeito de uma
expressão a qual ela desconhecia, por se tratar de algo específico da região Norte.

Aos membros de minha banca de qualificação, Professor Ivo do Rosário (UFF) e Profª
Violeta Rodrigues (UFRJ), por terem contribuído grandiosamente para o bom
andamento da pesquisa e, claro, à minha banca de defesa, que contou com a
permanência da Profª Violeta Rodrigues e do aceite do Professor Monclar Lopes.

Gostaria de agradecer neste momento a toda a minha família, em especial, a minha tia
Rosilene Reis, a meu tio Roque Reis (os quais exercem há muito tempo papeis de mãe e
pai em minha vida) e a minha prima Rosângela Santos (exerce papel de irmã mais
velha) pelo grande carinho e dedicação recebidos mesmo de longe e por não medirem
esforços para que eu viesse ao Rio de Janeiro em busca do mestrado. Tenho certeza que
sem eles eu não conseguiria chegar na metade de minha caminhada.

Agradecer aos anjos paraenses: Camila Brito, Carol Soares, Marcelo Pontes, Arthur
Bandeira, Emerson Menezes, Ana Beatriz, Michelli do Rosário, Andressa Pires, Lu
Rodrigues (paraense de coração), Thiago Braz (também tem um pé no Pará), Elviene
Maia, Elvinho (mais que um amigo) e, em particular, à Maria Casseb, Robson Rua e
Erica Lima, (pois foram também companheiros de mestrado) que sempre me cercavam
de muito amor e amizade verdadeira em todos os momentos, principalmente, os mais
difíceis.
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RESUMO

A dissertação em questão traz uma análise sobre os usos funcionais do “mas quando”
falado em determinadas regiões do estado do Pará. Esta construção é utilizada em
contextos de falas coloquiais e, principalmente, em diálogos. No decorrer da pesquisa,
por meio da análise de dados, destacamos três usos de “mas quando”: USO 1 [mas]
[quando], USO 2 [mas [quando]] e USO 3 [mas quando]. No USO 1 encontramos a
ocorrência que podemos chamar de uso original, comum ou basilar aos falantes da
língua portuguesa no Brasil em que o “mas” apresenta sua função de conjunção
adversativa prototípica juntamente com o “quando” que possui valor de conjunção
temporal também prototípica. Entretanto, passamos a observar outros usos diversos do
uso comum e a eles chamamos de USO 2 e 3. No USO 2, há o destaque para um
significado ambíguo ou híbrido e, no USO 3, há a expressão paraense com significado
negativo ou opositivo, não comum na língua portuguesa para falantes fora do estado do
Pará. Deve-se ressaltar que foram encontradas 56 ocorrências de “mas quando”
envolvendo os 3 (três) usos e que, numa análise quantitativa, temos: 23,21% de dados
do USO 1; 12,50% de dados do USO 2 e 64,29% de dados do USO 3. Os corpora
escolhidos para este trabalho são compostos por: i) sentenças extraídas de narrativas
orais amazônicas do acervo do Projeto de Pesquisa e Extensão, o IFNOPAP (O
Imaginário nas Formas de Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense); (ii)
Áudios em que informantes da ilha de Breves, localizada no Arquipélago do Marajó, ao
extremo Norte do estado do Pará, narravam histórias ditas fantásticas do imaginário
daquele lugar (Plataforma Brasil, número 5243); (iii) Recortes de conversas dos
aplicativos de Mensagens Instantâneas (MIs) WhatsApp e Messenger; e (iv) postagens
feitas na rede social Facebook. Estamos diante de um estudo funcionalista que versa
analisar a polissemia linguística da construção “mas quando” no falar paraense. O uso
3, o mais frequente, apresenta o sentido negativo e opositivo ao tornar-se um chunking
sequencial, segundo Bybee (2010). Nossa hipótese se encaminha para demonstrar que a
conjunção “mas” apresenta a carga opositiva e adversativa, o que se aproxima muito do
aspecto negativo da expressão, juntamente com a conjunção temporal “quando”, que
também pode apresentar valor negativo, segundo Neves (2011), apesar de continuar
demarcando um tempo que não é mais determinado. Logo, as duas construções se
fundem pelo que Bybee (2010) denomina de similaridade, por apresentarem categorias
com significados similares, em uma única construção, formando um agrupamento
imutável, uma nova construção, com novo significado (chunking). Em suma, temos
supostamente uma negação marcada principalmente pelo “mas”, dentro de um tempo
indeterminado, marcado pelo “quando”.

Palavras-chave: Polissemia linguística; Construção (chunking); Estudo funcionalista.


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ABSTRACT

The dissertation in question brings an analysis about the functional uses of the "mas
quando" spoken in certain regions of the state of Pará. This construction is used in
contexts of colloquial speeches and mainly in dialogues. In the course of the research,
through data analysis, we highlight three uses of "mas quando": USE 1 [mas] [quando],
USE 2 [mas [quando]] and USE 3 [mas quando]. In USE 1 we find the occurrence that
we can call original, common or basilar use to the Portuguese speakers in Brazil in
which the "mas" presents its function of prototypical adversative conjunction together
with the "quando" that has a value of temporal conjunction also prototypical . However,
we begin to observe other diverse uses of common usage and we call them USE 2 and
3. In USE 2, there is the emphasis for an ambiguous or hybrid meaning and, in USE 3,
there is the paraense expression with negative or non-opposing meaning common in the
Portuguese language for speakers outside the state of Pará. It should be noted that 56
occurrences of "but when" involving the 3 (three) uses were found and that, in a
quantitative analysis, we have: 23.21% 1; 12.50% of USE 2 data and 64.29% of USE 3
data. The corpora chosen for this work are composed of: (i) sentences extracted from
Amazonian oral narratives from the collection of the Research and Extension Project,
IFNOPAP (The Imaginary in the Forms of Popular Oral Narratives of the Amazon
Paraense); (ii) Audios in which informants from the island of Breves, located in the
Marajó Archipelago, to the extreme north of the state of Pará, told fantastic stories of
the imaginary of that place (Plataforma Brasil, number 5243); (iii) Fragments of talks in
Messenger and WhatsApp; and iv) posts made on the social network Facebook. We are
facing a functionalist study that examines the linguistic polysemy of the construction
"but when" in the Paraense language. Usage 3, the most frequent, presents the negative
and opposing sense when it becomes a sequential chunking, according to Bybee (2010).
Our hypothesis goes to show that the conjunction "mas" presents the opposing and
adversative load, which is very close to the negative aspect of the expression, together
with the temporal conjunction "when", which can also present negative value, according
to Neves (2011 ) despite continuing to mark a time that is no longer determined.
Therefore, the two constructions are fused by what Bybee (2010) calls similarity,
because they present categories with similar meanings, in a single construction forming
an unchanging new construction, with new meaning (chunking). In short, we are
supposed to have a negation marked mainly by the "mas" within an indefinite time
marked by "quando."

Keywords: Language polysemy; Construction (chunking); Functionalist study.


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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: ORAÇÕES INTERROGATIVAS E NEGATIVAS ................................ 30

Quadro 2: CONSTRUÇÃO .......................................................................................... 40

Quadro 3: FENÔMENOS ............................................................................................ 45

Quadro 4: POLISSEMIA DE “MAS QUANDO”....................................................... 46


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12

1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .......................................................................... 17

1.1 Os estudos gramaticais ........................................................................................ 17

1.1.1 A proposta de conexão de orações ....................................................................... 17

1.1.1.1 As coordenadas: a conjunção “mas” e as relações sintático-semânticas .......... 17

1.1.1.2 As hipotáticas: a conjunção “quando” e as relações sintático-semânticas ....... 21

1.1.1.3 Relação entre “mas” e “quando” ....................................................................... 27

1.2 Orações interrogativas e negativas ...................................................................... 29

1.3 Os estudos funcionalistas clássicos e atuais ......................................................... 35

1.4 A pesquisa na Teoria Centrada no Uso ............................................................... 36

1.4.1 Gramática de construções ..................................................................................... 37

1.4.1.1 Categorização .................................................................................................... 40

1.4.1.2 Analogia ............................................................................................................. 41

1.4.1.3 Chunking ............................................................................................................ 42

1.4.2 Gramaticalização e Gramaticalidade .................................................................... 44

1.5 Contexto e cotexto .................................................................................................. 47

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................... 50


11

2.1 Os corpora escolhidos ............................................................................................ 50

2.1.1 Modalidade falada e digital .................................................................................. 50

3 ANÁLISE DOS CORPORA ..................................................................................... 56

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 69

5 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 71

ANEXOS ....................................................................................................................... 74
12

INTRODUÇÃO

A linguagem é apenas um dentre muitos outros sistemas de sentido que


constituem a cultura humana. Em termos de Brasil, a cultura humana é preenchida por
uma grande diversidade étnica, e devido a sua vasta extensão territorial, seu português
carrega uma grande heterogeneidade e variação. Na região amazônica, por exemplo, é
possível encontrar ocorrências de expressões como: égua, paid’égua, disque, mas
quando, etc., irreconhecíveis em outras regiões. Em razão disso, escolhemos para este
trabalho analisar os usos funcionais da expressão “mas quando” no falar amazônico,
tendo por base um estudo sincrônico da linguagem.

A nomenclatura “expressão” pode, a princípio, causar estranhamento por


estarmos diante de uma pesquisa que trata de construções da língua portuguesa,
entretanto, por entender que estamos falando de algo já cristalizado no falar paraense,
como se fosse uma “gíria regional”, optei por chamar de “expressão regional” ou
somente “expressão”, pois é assim que chamamos coloquialmente as palavras, ou
conjunto de palavras, que aparentemente são faladas por um determinado grupo de
pessoas de uma dada região, neste caso a amazônica.

A motivação para esta escolha foi o meu grande interesse pelas diversas formas
de expressões paraenses peculiares, tanto da capital do Pará, Belém, quanto das regiões
ribeirinhas e periféricas deste estado. A priori, a expressão “mas quando” era apenas
nomeada como “expressão paraense” por meu desconhecimento de que, em outros
estados da região Norte do Brasil, também se conhecia o uso de tal expressão, como no
Amazonas e no Amapá. No entanto, ao iniciar esta pesquisa, participei de conversas
informais com moradores desses estados com o intuito de saber se a expressão “mas
quando” seria usada com o sentido similar ao do falar paraense e, por obtermos a
resposta positiva, a expressão ganhou, então, o nome de “expressão amazônica”.
Entretanto, para a presente pesquisa, nós utilizaremos apenas dados do falar paraense,
por isso a chamaremos de “expressão paraense” no decorrer do texto.

Os corpora escolhidos para este trabalho são compostos por: (i) sentenças
extraídas de narrativas orais amazônicas do acervo do Projeto de pesquisa e extensão
chamado IFNOPAP (O Imaginário nas Formas de Narrativas Orais Populares da
Amazônia Paraense); (ii) áudios nos quais eu gravei informantes da Ilha de Breves,
localizada no Arquipélago do Marajó, ao extremo Norte do estado do Pará, que
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narravam histórias ditas fantásticas do imaginário daquele lugar, como parte dos dados
do falar paraense (Pesquisa inscrita no Plataforma Brasil, número 5243); (iii) recortes de
conversas dos aplicativos de Mensagens Instantâneas (MIs) WhatsApp e Messenger via
print screen1. Devemos levar em consideração que essas conversas eram entre mim,
meus amigos e meus familiares, todos paraenses, sendo que as ocorrências de “mas
quando” que aparecem nas imagens printadas2, em nenhum momento, foram proferidas
por mim, fato que pode ser comprovado de imediato nos dados que já se encontram
nesta parte introdutória do trabalho, pois, de acordo com a disposição das falas dos
envolvidos na conversa, minha fala sempre aparecerá do lado direito do leitor; e (iv)
postagens (relatos curtos) feitas no site facebook, coletadas via print novamente.

A escolha dos corpora partiu do princípio de que precisaríamos de diálogos bem


atuais e de assuntos bem variados apenas entre paraenses, por isso a escolha de dados
que circulam nos meios digitais atuais. Além disso, escolhemos também as narrativas
orais populares da região amazônica, pois o ato de contar histórias ditas fantásticas do
imaginário popular da região ainda é muito presente entre as famílias que ali residem,
tanto da capital, quanto das outras regiões menos urbanizadas do estado, uma vez que já
existe um acervo digital do Projeto IFNOPAP, contendo aproximadamente 6.000 (seis
mil) narrativas orais coletadas e transcritas no decorrer dos últimos 20 anos (fonte de
minha inspiração para a coleta de novas narrativas, logo, novos dados).

Por fim, queríamos gravações atuais, tanto para fazermos um trabalho de


comparação, mesmo que sincronicamente, quanto para que posteriormente pudéssemos
trabalhar também com o acréscimo do estudo prosódico para pesquisas relacionadas ao
Doutorado, tanto da expressão em questão, quanto de outros fenômenos linguísticos que
possivelmente constaria nos dados.

Em relação aos objetivos deste trabalho, o principal deles é identificar a possível


motivação das ocorrências de 3 (três) usos funcionais de “mas” e “quando”, USO 1,
USO 2 e USO 3, uma vez que as conjunções agrupadas ([mas quando]) formam a
expressão no uso 3, que, teoricamente, de acordo com o que Bybee (2010), denomina-se
construção por ser o pareamento entre forma e sentido e pelo fato de não identificamos

1
O Print screen é uma tecla comum nos teclados de computador. No Windows, quando a tecla é
pressionada, captura em forma de imagem tudo o que está presente na tela. Para esta pesquisa estamos
trabalhando com prints do smartphone. (Fonte: Google)
2
São as imagens capturadas da tela do smartphone.
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mais a ocorrência da conjunção adversativa “mas” em sua função prototípica, nem da


conjunção temporal “quando”, também exercendo sua função prototípica (ambos em
seus sentidos mais usuais, de acordo com a sintaxe e com a semântica) já a partir do
USO 2, identificado nos dados.

Além do objetivo principal, podemos fazer o destaque de outros objetivos


secundários que permeiam esta pesquisa, como: (i) ressaltar que há usos polissêmicos
atestados numa pesquisa de base sincrônica, tendo em vista que a construção sofreu
mudança de forma e sentido no USO 33; (ii) observar que, no USO 2 destacado em
nossos dados, temos uma espécie de hibridismo em relação à semântica da construção
“mas quando” já em forma de expressão paraense, pois há duas maneiras de interpretar
seu sentido, sendo a primeira na expressão já colocada aqui e que adere sentido, ora
negativo ora opositivo, e a segunda, na forma de elemento conector que ajuda a
construir uma possível oração interrogativa (maneiras estas que veremos com clareza na
sessão de análise dos dados que compõe este trabalho); (iii) atestar que no USO 3 a
expressão é um caso de uma nova e única construção que aparece diferente em forma e
sentido em relação ao USO 1 (uso dito comum ou convencional ao demais falantes das
outras regiões do Brasil), pois são inseparáveis e não podem ser colocados em outra
ordem, o que nos leva a ter a ideia de chunking, segundo os pressupostos de Bybee
(2010).

Mas, afinal, qual a razão linguística dentro do campo estrutural, funcional e


cognitivo para que a conjunção adversativa [mas] e a conjunção temporal [quando]
formassem e virassem a expressão [mas quando], já analisada apenas como uma nova e
única construção no USO 3, que no linguajar paraense tem denotação negativa e
opositiva em uma abordagem sincrônica da linguagem? Esta é a pergunta chave de
nosso trabalho e é a ela que tentaremos responder, percorrendo o caminho linguístico
que vai do que é menos abstrato até o que é mais abstrato, com base no funcional que
está presente nas relações interpessoais de comunicação.

Antes de adentrarmos ao capítulo seguinte, que fala sobre os pressupostos


teóricos para tal pesquisa, veremos os seguintes dados que foram retirados de nossos

3
Ao se falar de “mudança”, compreendemos o estudo diacrônico, para Trougott (2010) pode-se falar de
gramaticalidade num cline sincrônico.
15

corpora para que fique mais claro os 3 (três) usos da forma “mas quando” feitos pelo
falantes paraenses. Vejamos os três exemplos a seguir:

(1) USO 1 [mas] [quando] (2) USO 2 [mas [quando]]

B: A minha mãe ela disse que ela viu quando


ela era adolescente, que ela ia pra casa né?
antigamente ela morava pra aí pra tipo Santa
Cruz, lá pra são Pedro não sei o que... aí ela..
ela disse que ela viu assim no caminho um
homem todo de branco, sentado... aí eu falei...aí
eu falei pra ela que aonde já que a senhora viu
alguma coisa, ne? Aí ela falô: vi vi esse homem
que ele tava...que ele tava...sentado aí ele me
chamô. Hum... mas quando que a pessoa vai,
não(?)[risos]

Fonte: Messenger 01 Fonte: Áudio 03

(3) USO 3 [mas quando]

Fonte: WhatsApp 01

Os dados acima nos demonstram os três USOS de “mas quando”. O USO 1 nos
traz a forma mais comum ou até mesmo prototípica em que as conjunções “mas” e
“quando” aparecem ainda como duas construções distintas e não agrupadas, segundo
16

Bybee (2010), pois na última “fala” da conversa temos claramente duas orações em que
as formas [mas] e [quando] aparecem juntas por questão de escolha do falante,
exercendo suas funções prototípicas de acordo com as gramáticas brasileiras estudadas
para esta pesquisa. Logo, temos a forma “mas” desempenhando o papel de conjunção
conectora e adversativa em relação ao enunciado que a antecedia e, além disso, uma
oração adverbial temporal/condicional iniciada pela conjunção “quando” e conectada à
oração núcleo – me fala. A sentença em sua ordem direta seria: “Infelizmente não dá /
mas me fala quando vc estiver no Rio”. Vale ressaltar a presença das formas não e mas
em todo o entorno puramente linguístico (o que adiante chamaremos de cotexto) “da
conversa”.

Já o dado referente ao USO 2 nos traz a construção “mas quando”, simbolizada


desta forma [mas [quando]], que chamaremos de híbrida, na última sentença do
exemplo. Estamos diante da expressão paraense “mas quando”. Nesta construção, B
discorre sobre as características míticas do falar paraense que se encontram antepostas à
expressão “mas quando” e que indicam que a pessoa interpelada não irá de forma
alguma ao encontro de quem a chama. Contudo, a construção permite mais uma leitura
que seria o valor de oração interrogativa; o falante fazendo o possível questionamento
sobre em qual período de tempo a pessoa vai, até a figura mítica do homem citado na
narrativa transcrita (por isso decidimos colocar na transcrição o ponto de interrogação
entre parênteses).

Por fim, no USO 3, temos a expressão cristalizada e isolada exercendo a função


de negação enfática em relação à pergunta feita anteriormente. Negação esta que é
seguida de uma justificativa e que pode funcionar tendo as formas “de jeito nenhum”,
“não tenho como” ou até mesmo “claro que não”, substituindo a expressão “mas
quando” sem perda semântica aparente (=“Já almoçou?rs / não tenho como. Tô indo
pra Bragança”). Vale ressaltar que a resposta em forma de negação é entendida pelo
leitor/ouvinte porque este já inferiu que a viagem para Bragança está ocorrendo naquele
exato momento de transporte rodoviário, logo, não há, de fato, como alguém ter
almoçado dentro de um ônibus em viagem.
17

1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo vamos expor as considerações acerca da base teórica que


fundamentará nossos argumentos em relação ao estudo da polissemia linguística
sincrônica que encontramos na expressão “mas quando”. Tendo por base algumas
gramáticas escritas no Brasil e os estudos da Linguística de base funcionalista,
recorreremos, então, a alguns conceitos para a sustentação das ideias formuladoras
dessa pesquisa.

1.1 Os estudos gramaticais

Para esta pesquisa, foram selecionadas 04 (quatro) gramáticas da Língua


Portuguesa escritas no Brasil: Moderna Gramática Portuguesa (Bechara, 2009);
Gramática Houaiss da Língua Portuguesa (Azeredo, 2008), Gramática de usos do
português (Neves, 2011) e Nova Gramática do Português Brasileiro (Castilho, 2012).
Vejamos o que elas nos dizem.

1.1.1 A proposta de conexão de orações

Para darmos início ao estudo funcional de “mas” e “quando”, devemos antes


apresentar o que alguns gramáticos e pesquisadores da área de conexão de orações
falam sobre as orações coordenadas, por estarmos diante do estudo com o “mas”, “que
marca relação de desigualdade entre os segmentos coordenados” (Neves, 2011. p. 755)
e sobre as orações hipotáticas por termos a ocorrência de “quando”, apresentando
função de conjunção temporal.

1.1.1.1 As coordenadas: a conjunção “mas” e as relações sintático-semânticas

As propostas de algumas gramáticas brasileiras, Bechara (1992), Cunha e Cintra


(1985), Kury (2002), Luft (2002) e Rocha Lima (1998), são citadas por Rodrigues
(2010), que nos diz que as orações coordenadas, quanto à sua ligação, podem ser
conectivas ou sindéticas e justapostas ou assindéticas. As adversativas se enquadram no
conjunto das coordenadas sindéticas, por apresentaram entre elas um conector. A
conjunção “mas” seria então o principal (mais usual) conector das orações adversativas.
Cunha (1990, p. 532) apud Rodrigues (2010, p. 28) define as conjunções como sendo
18

vocábulos gramaticais “que servem para relacionar duas orações ou dois termos
semelhantes da mesma oração”. Vejamos:

Mas = [masconjunção]

Segundo Bechara (2009), as conjunções adversativas “enlaçam unidades,


apontando uma oposição entre elas. As adversativas por excelência são mas, porém,
senão” (p.321), ou seja, a conjunção causa contraposição do conteúdo da oração dita
anteriormente. O autor ainda ressalta que, diferentemente das orações alternativas e
aditivas, nas orações adversativas, só há duas unidades oracionais em destaque.

(a) “Acabou-se o tempo das ressurreições, mas continua o das insurreições.”


(p.321)

(b) “João veio visitar o primo, mas não o encontrou.” (p.478)

Nos exemplos (a) e (b) as orações introduzidas por “mas” se contrapõem à


oração anterior.

Azeredo (2008) ratifica que a conjunção “mas” é a prototípica adversativa; além


disso, nos apresenta formas de contraste/adversidade que podem existir entre as orações
ligadas pelo “mas”. Vejamos a seguir os exemplos de Azeredo (2008, p.305):

Simples oposição de dois conteúdos:

(c) A secretária dele é antipática, mas competente.

Na quebra de uma expectativa criada pela primeira proposição:

(d) O lutador era magrinho, mas derrubava todos os seus adversários.

O mas realçando para o leitor a ideia seguinte em relação à anterior:

(e) Ela é antipática, mas competente.

Algumas quebras de expectativa parecem mais óbvias que outras, neste caso o
exemplo (f) em relação ao exemplo (g):

(f) A bola bateu no espinho, mas não estourou.

(g) Meu vizinho tem três filhos, mas nenhum é médico.


19

Além desses exemplos que realçam a adversidade entre ideias, o autor também
nos mostra que a conjunção em questão pode não contrapor a afirmação dita na oração
anterior e, sim, oferecer um argumento a mais para acentuar a primeira oração. Vejamos
(p.306):

(h) “A polícia não tem pistas dos ladrões, mas as falhas na segurança do museu
são evidentes.” [O Globo, 14/2/2007].

Agora vejamos os exemplos em que o autor nos traz o mas expressando função
de focalizador de uma circunstância em (i):

(i) Entre, mas sem fazer barulho. (Diferente de “Entre sem fazer barulho”)

Em relação ao que diz Castilho (2012), além das propriedades sintáticas e


semânticas, são apresentadas também as propriedades discursivas, situadas em
determinados contextos, inclusive de fala real. Este fato se faz interessante neste
momento, justamente por estarmos lidando com esse tipo de contexto nos dados
referentes à pesquisa.

O autor também faz referência à gramaticalização dessa conjunção adversativa, a


qual no latim tinha a forma “magis” e se apresentava como advérbio possuidor da
função que estabelecia “comparações de quantidade e de qualidade, identificando-se
ainda valores secundários de inclusão de indivíduos num conjunto.” (p.351). Vejamos,
então, os exemplos de Castilho (2012, p.351):

(j) Precisamos de mais linguistas.

(k) Ele tem mais livros do que seu vizinho.

(l) Ele falou mais alto do que seu colega.

Nos exemplos acima ficam claras as funções que magis > mais possuía, e
devemos ressaltar que na forma gramaticalizada essa função ainda existe. Mas afinal,
como se deu a gramaticalização em magis > mais > mas?

Castilho (2012, p.351) afirma que

O valor adversativo desenvolveu-se por metonímia, visto que em


muitas de sua ocorrências mas aparece precedido de não, sendo que a
negação das expectativas é o valor básico dessa conjunção. [...] O
valor inclusivo do mais o predispôs a atuar no sistema discursivo,
20

como uma espécie de conectivo interacional e textual. Esse mesmo


valor, após transformações metonímicas, preparou-o para atuar no
sistema da gramática, como uma conjunção de contrajunção. Discurso
e gramática, portanto, exploram propriedades léxico-semânticas de
mais, dando origem a um conjunto de expressões sincrônicas que
poderíamos dispor num eixo que iria de /inclusão/ para /contrajunção/.
Quero sublinhar que será ilusório supor que haja uma grande nitidez
separando um do outro. [grifo nosso]

O que Castilho (2012) nos apresenta nessa citação é justamente uma de nossas
hipóteses de viés sintático-semântico em relação à ocorrência da polissemia linguística
que apresenta a expressão “mas quando”, uma vez que ela pode apresentar a função
negativa em determinados contextos discursivos e textuais do falar paraense, como
ficou claro nos dados de USO 2 e 3 dispostos na parte introdutória deste trabalho. E
ainda, como bem frisa o autor, “expressões sincrônicas” foram originadas a partir dessa
gramaticalização, o que pode ser o caso da expressão em questão, uma vez que é
composta pelo “mas”.

O autor ainda trata das questões discursivas e semântico-sintáticas de “mas” e


ressalta que na interação conversacional o “mas” pode ocorrer no intuito de organizar
construções de turno, o mais recorrente seria o “mas” aparecendo no início de um turno
de fala, além disso, sob aspectos sintático-semânticos, Castilho (2012) cita três
mudanças ocorridas no trajeto da conjunção: magis > mais > mas, em que a terceira
mudança trata de ressaltar o ganho da função contrajuntiva.

Em síntese, as gramáticas citadas acima nos dão uma visão linguística do


elemento “mas”, no que abrange a morfologia, a sintaxe, a semântica e o discurso. Elas
têm o objetivo de nos mostrar como o “mas” atua nas sentenças, tendo em vista que
uma de suas principais funções é a de quebra de expectativa em relação ao que foi
esperado, com base no que foi posto anteriormente. O contraste, a contrajunção, a
oposição, a adversidade, e até mesmo a negação, são constituintes basilares e
principais desta conjunção, que no latim tinha função de adicionar, quantificar e
qualificar outros elementos, se gramaticalizou e, pelo processo metonímico, ainda
carrega a função de adicionar, conectando uma sentença/oração a outra, mas desta vez
de forma opositiva.
21

1.1.1.2 As hipotáticas: a conjunção “quando” e as relações sintático-semânticas

O estudo de orações de uma língua é posto, de forma tradicional, na dicotomia


coordenação x subordinação, contudo, na visão funcionalista as orações adverbiais não
ficam no grupo das subordinadas por não serem selecionadas pelo verbo da oração
principal, mas por se juntarem a ela, realçando a informação expressa pela oração
principal. A essas orações, os funcionalistas dão o nome de orações hipotáticas
adverbiais (Decat, 2000) Vejamos o exemplo (a):

(a) [se eu comer muito na hora do café...] eu não vou ter vontade de almoçar...
(Projeto NURC, DID\ RJ)

No exemplo acima, a oração núcleo é realçada, emoldurada pela informação


“comer muito na hora do café”. Na visão tradicional, a classificação “subordinada
adverbial” está baseada no pressuposto de que as subordinadas adverbiais equivalem a
um adjunto de sua oração ou sentença núcleo, junto com as substantivas, que equivalem
a um substantivo, e as adjetivas, que equivalem a um adjetivo. Mas, se observarmos
atentamente a oração em (a), verificamos que a oração sublinhada é usada pelo falante
para realçar a informação contida na oração núcleo - eu não vou ter vontade de almoçar.
Esta possui todos os seus constituintes selecionados pelo núcleo verbal, estando,
portanto, completa sintaticamente.

No âmbito da Gramática Tradicional, as chamadas orações subordinadas


adverbiais podem apresentar-se como desenvolvidas quando são iniciadas por
conjunção e apresentam a oração núcleo nos tempos verbais dos modos indicativo e
subjuntivo; e como reduzidas, quando apresentam seus verbos em uma das formas de
infinitivo, gerúndio e particípio. Segundo Kury (1993) apud Rodrigues (2010), as
subordinadas adverbiais podem apresentar-se justapostas, o que não é consenso na
tradição gramatical.

Alguns estudiosos começaram a se preocupar em descrever a relação entre as


orações no nível do discurso, e não apenas no nível sentencial, como se tem feito ao
longo dos anos. Por isso, optaram por substituir o termo “subordinação” por parâmetros
que servissem mais para descrever a relação entre orações, a “hipotaxe”.

Assim, autores como Thompson e Haimann (1988), de acordo com Decat


(2000), postulam que há uma diferenciação entre orações que: (i) integram outra oração
22

como seu constituinte (as orações-complemento, que são, na tradição gramatical, as


subordinadas substantivas e as adjetivas restritivas); e (ii) aquelas orações que não se
prestam a este tipo de integração (as orações adverbiais, as adjetivas explicativas e todos
os tipos de orações na forma de particípio). Os autores usam o termo “subordinação” só
para o primeiro tipo. Há evidências de que não existe um fenômeno único de
subordinação, mas que há tipos diferentes de interdependências entre as orações num
texto ou discurso.

De acordo com Rodrigues (2010), a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB)


considera 09 (nove) tipos de orações adverbiais dentro das subordinadas. São elas:

1. Causais;

2. Comparativas;

3. Concessivas;

4. Condicionais;

5. Conformativas;

6. Consecutivas;

7. Finais;

8. Temporais; e

9. Proporcionais.

Para esta pesquisa, nosso foco são as orações hipotáticas temporais com a
conjunção “quando”.

Quando = [quandoconjunção]

As orações temporais indicam o tempo da realização do fato expresso na oração


núcleo, de acordo com Bechara (2010). Segundo Neves, Braga, Dall’Aglio-Hattner
(2008) apud Decat (2000), o discurso oral do português apresenta sentenças hipotáticas
de tempo, quer antepostas, quer pospostas, quase exclusivamente introduzidas pela
conjunção “quando” e raramente por “enquanto”. Você poderá marcar o tempo numa
estreita relação com as conjunções ou locuções conjuntivas. Temos, então, os tempos
23

anterior, posterior, frequentativo, concomitante e tempo limite, como bem é ressaltado


por Bechara (2008). Vejamos os exemplos abaixo, que representam os tempos anterior,
exemplo (b), posterior, exemplo (c), e concomitante, exemplo (d), também extraídos do
Projeto NURC, de acordo com Decat (2000) e Dias (2017-1), respectivamente:

(b) com a possibilidade inclusive de comer peixe fresco, come [quando eu levo]
(Projeto NURC).

A oração hipotática adverbial “quando eu levo” denota tempo, com leitura de


recorrência da ação de levar, além de também percebermos uma leitura hipotática
adverbial condicional nesta oração. Podemos considerar as duas análises de tempo e
condição como plausíveis, sendo uma mais plausível do que outra, dependendo do
contexto. Assim, alguém come peixe sempre que der e se der.

(c) [Quando você decidir perder os quilos em excesso, pelo menos no início do
projeto], não se proponha a mais nenhum grande objetivo na vida.

A oração hipotática adverbial temporal “Quando você decidir perder os quilos


em excesso, pelo menos no início do projeto”, representa o tópico sobre o qual vai se
falar, que é a decisão de perder quilos com uma determinada dieta, além disso, ressalta o
valor de tempo bem demarcado. Em seguida, ocorre a oração núcleo, que é representada
por um aconselhamento do falante para que o ouvinte se concentre no objetivo
proposto, descartando quaisquer outros objetivos.

(d) [Enquanto os cinco anéis olímpicos foram criados em 1913], os agitos, que
são as três formas assimétricas que representam movimento, surgiram em 2003.

A oração hipotática temporal “Enquanto os cinco anéis olímpicos foram criados


em 1913”, iniciada por “enquanto” indica um tempo que é concomitante ao tempo da
oração principal - os agitos só surgiram em 2003. Em outras palavras, o surgimento do
agito ocorre ao mesmo tempo em que os cinco anéis olímpicos já tinham sido criados e
continuavam a existir.

Relacionando essas explicações com nossa pesquisa, podemos ressaltar que a


ideia de tempo, colocada pelos pressupostos funcionalistas, que abarcam as orações
hipotáticas, não é descartada em sua totalidade, entretanto, a categoria de tempo
24

marcado que cerca a conjunção “quando” na expressão “mas quando” é perdida e há a


concentração apenas de um tempo infinito e não marcado.

“A expressão ‘mas quando’, tendo sentido negativo na fala do paraense, me


parece uma negação, justificada pelo ‘mas’, num certo tempo infinito, justificado pelo
‘quando’” (Neves, comunicação pessoal, 2016-2).

Vejamos, então, o exemplo (4) abaixo extraído do corpus do WhatsApp, o qual


se enquadra no USO 3 em relação à análise desta pesquisa, ressaltando novamente que
minhas “falas” se encontram apenas do lado direito do leitor:

(4) USO 3 [mas quando]

WhatsApp 07

Fonte: WhatsApp 02

No dado acima, eu informo que já cheguei de algum lugar e que vou me


organizar; em seguida destaco que meu interlocutor não poderá dormir, pois iremos
conversar sobre algo, isso pode ser atestado no início do diálogo “quando tu chegar a
gente conversa”. No entanto, após minha fala sobre não dormir, meu interlocutor diz
“mas quando”, querendo que eu decodifique que ele não dormirá de forma alguma
naquele momento e em seguida apresenta a justificativa em relação ao motivo de não
poder dormir, explícito na oração “To montando uma aula”. Além disso, ocorre a
contrajunção inferencial no momento em que meu interlocutor responde de forma
opositiva, utilizando o “mas quando”, ao inferir que o meu pensamento é o de que ele
irá dormir, por isso, peço para que ele não durma. Portanto, o dado acima se encaixa no
25

USO 3 de nossas análises, como já fora mencionado anteriormente, ou seja, trata-se da


expressão cristalizada com valor opositivo.

É interessante ressaltar mais uma vez o uso recorrente de “mas” (Mas deixa eu
me organizar por aqui.) e não (Não vai dormir, criança) que aparecem quase sempre
bem próximos ou em falas antepostas e/ou pospostas em nossos dados, nos levando a
olhar para o entorno linguístico em que a expressão estudada aparece.

Em relação às gramáticas brasileiras, Bechara (2009, p.293) nos diz que há


“advérbios de base nominal e pronominal (...) o advérbio pela sua origem e significação
se prende aos nomes e aos pronomes, havendo, por isso, advérbios nominais e
pronominais”. O autor em seguida categoriza os advérbios pronominais e, dentre eles,
destaca os relativos, os quais são: onde (em que), quando (em que), como (por que); e
os interrogativos, os quais são mesmos relativos acrescidos do ponto de interrogação
(p.293).

Nosso foco aqui é o elemento “quando”, não como advérbio relativo, mas sim
como conjunção temporal e pronomes interrogativos, uma vez que, respectivamente, um
está acrescentando/encaixando uma oração a outra e, o outro, ou seja, o pronome
interrogativo, serve de auxílio a uma pergunta, o autor destaca isso da seguinte forma
(p.328):

10) TEMPORAIS: quando iniciam oração que exprime o tempo da


realização do fato expresso na oração principal.
a)Para o tempo posterior (de modo indeterminado): depois de,
quando:
Ex.: Quando disse isso, ninguém acreditou.

Bechara (2009) também nos afirma que a conjunção temporal em questão


apresenta variedade de valores de acordo com o seu contexto de uso, valores esses que
podem ser especificados por outras conjunções, demarcando tempo presente ou tempo
passado, como é possível notar nos exemplos (e) e (f) abaixo (p.331):

(e) Quando (=sempre que) chovia as aulas tinham que ser suspensas.

(f) Só saímos do cinema quando (=depois que) o temporal passou.


26

Por fim, o gramático nos coloca diante de um uso atípico em que a conjunção
“quando” aparece. O autor nos chama atenção para o caráter de contrariedade dos
fatos que é encontrado na sentença. Observemos o exemplo (g) trazido pela gramática:

(g) “Eu digo que muito veículo parece estar conduzindo passageiros apanhados
ao acaso, quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de
passageiros.” [MACHADO, 1957:211-212]

Uma análise similar pode ser feita também no seguinte exemplo “Eu fui, quando
nem era ainda para ir.” (=Eu fui, mas nem era ainda pra eu ir.) (exemplo da própria
autora). Temos, portanto, mais uma forma em que “quando” tem papel semântico de
contrariedade de ideia – devemos salientar que esse caráter de contrariedade é também
ressaltado pelo advérbio de negação nem - , o que se faz de alguma forma importante
para a pesquisa deste projeto, já que estamos tratando de uma expressão que é composta
também pela conjunção temporal quando e que a construção cristalizada no falar
paraense possui sentido opositivo ou negativo.

Sob ponto de vista semelhante, Castilho (2012) também trata do “quando” como
conjunção adverbial temporal, no que tange às orações subordinadas temporais, e ainda
o classifica como forma de expressão de “tempo anterior, simultâneo e posterior” em
relação ao tempo da oração núcleo. No que tange ao tempo simultâneo, temos a
conjunção “enquanto”, já em relação aos tempos anterior e posterior, temos a conjunção
“quando”.

Neves (2011), assim como Bechara (2009), nos afirma que a conjunção
“quando”, ao aparecer nas orações adverbiais temporais, também pode apresentar efeito
contrário à expectativa (valor semelhante às conjunções adversativas) empregada na
oração núcleo. A autora atribui ainda ao “quando” o sentido concessivo4, mas ressalta
que ele continua tendo também certo valor temporal e frisa que, para que isso aconteça,
algumas características específicas devam ocorrer nas construções ou sentenças
oracionais. São essas (Neves, 2011, p. 800):

Na oração principal e na temporal ocorre, caracteristicamente,


o presente, ou o futuro de pretérito;

4
Neves (2010) atesta a ocorrência da concessão, todavia sabemos que a discussão entre concessão e
adversidade é bem ampla e complexa entre os linguistas.
27

O estado de coisas da oração temporal e o da principal são


simultâneos;

Tem relevância a factualidade contida na oração adverbial


(condição preenchida), mas esse fato está em contraste com o que se
apresenta na oração principal, e envolve estranhamento, com efeito de
“contrário à expectativa”.

Vejamos o exemplo (h) destacado por Neves (2011, p. 800):

(h) Essa mulher procura um trabalho QUANDO centenas de outros


abandonam seus trabalhos. (CCI)

No exemplo acima podemos observar o que a autora chama de efeito “contrário


à expectativa” sobre a oração núcleo exercida pela conjunção temporal “quando”, uma
vez que se alguém procura trabalho, esse alguém está certo de que precisa trabalhar e
que esse ato lhe trará benefícios, mas, por outro lado, centenas de pessoas estão
abandonando seus trabalhos, o que significa que trabalhar já não traz tantos benefícios
como o esperado. Observa-se também que o estado de coisas da oração núcleo acontece
simultaneamente ao da oração temporal.

Isso se faz importante de ser ressaltado aqui pelo fato de que na expressão “mas
quando” o “quando”, segundo nossa hipótese, baseada na análise dos dados, não deixa
totalmente de apresentar seu caráter temporal, mas, por outro lado, agrupando-se ao
“mas”, para formar uma única construção, ele fica “contaminado” da função de
contraste e oposição que “mas” apresenta.

Podemos dizer que as gramáticas referidas nos subitens anteriores nos colocam o
elemento “quando” como a conjunção prototípica temporal das orações subordinadas
adverbiais, além de também ser um pronome interrogativo. Por fim, Bechara (2009) nos
chama atenção para o quando com caráter de contrariedade em contextos específicos.

1.1.1.3 Relação entre “mas” e “quando”

Em resumo, abaixo encontram-se as maneiras de como as gramáticas citadas


listam os elementos “mas” e “quando” e na sequência, as funções de “mas quando” no
falar paraense:
28

[MASconjunção] = Conjunção adversativa prototípica com função de causar:

Contraposição de conteúdo entre orações e


enunciados;

Quebra de expectativa, oposição e contraste;


Valores
sintático- Negação;
semânticos
Focalização e realce para destacar uma
informação.

[MASmarcador discursivo] = com funções de demarcar:

Valores Interação conversacional;


semântico-
discursivos Organização de turno.

[QUANDOconjunção] = conjunção adverbial temporal com função de indicar:

Tempo pontual (anterior, posterior e


Valores concomitante);
morfossintáticos
Outras conjunções temporais (sempre que, depois
que) indicando tempo presente ou tempo passado.

Realce para emoldurar toda a informação da


oração principal;
Valores
Contrariedade dos fatos envolvidos na sentença
semânticos
oracional;

Efeito contrário à expectativa.


29

[MAS QUANDOexpressão]: expressão paraense com função de apresentar:

Valores Negação e Oposição em tempo não marcado e


semântico-
infinito.
discursivos

Nota-se que há características em comum entre os dois elementos que compõem


a expressão em estudo, apesar de que a principal função de “mas” não é a principal
função de “quando”, entretanto, “quando” pode vir a exercer a função prototípica de
“mas” em determinados contextos de uso, e é de fundamental importância ressaltarmos
que duas dessas características são primordiais para nossa pesquisa por se tratar de
funções específicas da expressão “mas quando” no discurso do paraense, a de negação
e a de oposição. No subitem mais adiante, que tratará de situar a pesquisa na Teoria
Centrada no Uso, falaremos mais sobre esse ponto em comum que não se trata de
coincidência.

1.2 Orações interrogativas e negativas

Este tópico precisa se fazer presente em nossa pesquisa pelo fato de que antes
mesmo de darmos início a ela, eu – por ser paraense – já afirmava que a expressão “mas
quando” em nosso linguajar carregava função semântico-pragmática negativa e
opositiva. Foram feitas então as primeiras coletas de dados de conversas do aplicativo
(WhatsApp), nas quais confirmou-se a hipótese das funções negativa e opositiva da
expressão em questão. Entretanto, no decorrer da coleta feita por meio da gravação de
áudio dos informantes da Ilha de Breves-Marajó (PA), foram surgindo orações que se
assemelhavam ao que Perini (2010, p.123) chama de construções interrogativas.
Vejamos como o autor destaca isso:
30

ORAÇÕES INTERROGATIVAS E NEGATIVAS

Interrogativas

Primeiro é bom observar que uma oração interrogativa não é a mesma coisa que
uma pergunta. É verdade que orações interrogativas como

[1] Você já guardou as camisas na gaveta?

são geralmente usadas como uma pergunta (e, portanto, esperam resposta). Mas essa
correlação nem sempre funciona; primeiro é possível usar uma interrogativa para outras
coisas. Se eu digo

[2] Você não consegue ficar calado não?,

essa interrogativa pode perfeitamente ser entendida como uma ordem ou um pedido
para que a pessoa fique calada. E, depois uma frase afirmativa como

[3] Eu esqueci seu nome.

vai ser, o mais das vezes, tomada como um pedido de informação, ou seja, uma
pergunta.
Orações interrogativas e negativas, segundo Perini, (2010)
Quadro 01

A descrição acima nos leva a entender que as orações interrogativas são


diferentes de perguntas, e no exemplo [3] até a estrutura sofre modificação, já que não é
mais uma oração que termina com o ponto de interrogação, o que prototipicamente ou
gramaticalmente caracteriza uma oração interrogativa em sua forma. Perini (2010,
p.124) ainda nos afirma “que uma oração interrogativa é um tipo de construção
gramatical, não um enunciado com função ilocutória de pergunta.” Ou seja, de fato não
é uma pergunta, mas isso não significa dizer que, após o falante proferir esse tipo de
oração, ele não esteja aguardando uma resposta, seja ela verbal – como encontramos no
exemplo [2]-, ou comportamental – como encontramos no exemplo [3].

Em relação às respostas, Perini (2010) também nos afirma que há respostas para
orações: a) “interrogativas fechadas” que é o equivalente a respostas curtas afirmativas
ou negativas (sim ou não, na maioria das vezes). Ilari & Basso in Ilari (2014) chamam
31

esse mesmo tipo de oração de “perguntas polares”, em que as respostas se situam ou no


polo negativo, ou no polo afirmativo, ou, como bem destacam os autores, “cobrando do
interlocutor quanto a seu valor de verdade”; e b) “interrogativas abertas” em que as
respostas não são de teor afirmativo ou negativo. Podemos visualizar nos exemplos
abaixo:

a) - Já tomou café? b) - Onde encontro este mercado?

- Já. (equivalente a sim) - Em frente à praça.·.

Para esta pesquisa nos interessa o que os autores ressaltam sobre as perguntas
ditas polares ou de classe fechada, pois em nossos dados observamos que há orações
interrogativas e perguntas que requerem apenas a resposta fechada em sim ou não,
entretanto, o que aparece é a expressão “mas quando” que carrega o valor negativo da
resposta (veremos de forma mais esclarecida no capítulo que tratará da análise dos
corpora).

Por outro lado, Perini (2010) também nos apresenta as orações negativas
chamadas por ele de “construções negativas”. Ele afirma que há outras formas
morfológicas de negar (nada, ninguém, nunca, nenhum...) e que cada forma possui sua
semântica própria.

Já Ilari & Basso in Ilari (2014, p. 314) destacam que “a tradição gramatical
identifica, há vários séculos, a palavra “não” como advérbio de negação por excelência”
e ainda ressaltam que é crença ainda acharmos que “(i) a palavra “não” é a mais usada
na língua para negar; e (ii) que negar é uma operação linguística que se faz sempre nas
mesmas condições e com os mesmos efeitos”.

Ilari& Basso in Ilari (2014, p. 316) ainda chamam a atenção para algo que pode
contribuir para a presente pesquisa ao falarem de expressões que possuem sentido
negativo no Português Brasileiro

Há em Português um certo número de palavras e expressões que se


usam em um número limitado de contextos, um dos quais é
32

precisamente o das sentenças negativas. Essas expressões são


conhecidas como “expressões de polaridade negativa” e o estudo de
seu sentido e das condições em que ocorrem constitui um capítulo à
parte da sintaxe do português.

Isso nos leva a entender que estas “expressões de polaridade negativa” precisam
ter função negativa e peso negativo, mas não necessariamente forma estrutural
(morfológica e sintática) negativa, bem como é o caso de “mas quando” em que possui
função e peso negativos, mas sua forma não. Vale aqui fazer a ressalva de que no Brasil
existem várias outras formas de negar por meio de expressões regionais ou cristalizadas
que, embora ainda não tenhamos o conhecimento de trabalhos ou pesquisas científicas
que abordem esse assunto que perpassa pelo vasto e heterogêneo território brasileiro,
sabemos que a todo momento nos deparamos (ouvimos e proferimos) com construções
que têm função negativa recorrentes em nossas falas.

É fato que este assunto sobre expressões de polaridade negativa renderia outro
trabalho de grande interesse entre os linguistas brasileiros, uma vez que a todo momento
nos deparamos com novas expressões de cunho negativo, mesmo sem nos darmos conta
do grau de negatividade contido nelas.

No decorrer desta pesquisa, por estarmos explanando uma expressão de


polaridade negativa de uma dada região, outras expressões foram descobertas por meio
de conversas informais com diversas pessoas e também por apresentações da mesma em
seminários acadêmicos e científicos da área de Linguística. Como por exemplo, a forma
“aooooonde” (nesta mesma entonação) no estado da Bahia também é usado com sentido
negativo; já no Rio de Janeiro, conseguimos fazer esta mesma categorização para a
expressão “é rUim hein” (com a tonicidade na semivogal U), pois os falantes utilizam
esta forma também para negar ou se opor a algo, dentre outras várias expressões que
foram surgindo de acordo com a necessidade do falante em querer negar algo em
diversas situações comunicativas.

Neves (2011, p.285) também trata da questão da negação ao afirmar que

A negação é uma operação atuante no nível sintático-semântico (no


interior do enunciado), bem como no nível pragmático. É um
processo formador de sentido, agindo como instrumento de interação
33

dotado de intencionalidade. A negação é, além disso, um recurso


argumentativo (ou contra- argumentativo).

Ao final desta citação a autora nos apresenta a negação também como recurso
contra- argumentativo, conceito este que dialoga diretamente com a função da expressão
encontrada no falar paraense “mas quando”. (Constataremos isso nos corpora
analisados no capítulo destinado a isso.)

A autora também assevera que o processo de negação se faz em torno do


elemento “não”, que tem a função de negar uma afirmação, conforme o exemplo (a):

(a) Não quero comer ≠ Quero comer

mas que, além dele, outros elementos adverbiais, ou não, possuem a funcionalidade de
negar - nunca, jamais, nem - no nível oracional. Vejamos o exemplo (b) e (c):

(b) Jamais comerei ovo cozido = Não comerei ovo cozido em tempo algum.

(c) Nunca vi esse rapaz na vida = Não vi esse rapaz na vida em tempo algum.

Em (d) a autora coloca o “nem” tanto em função adverbial

(d) “A patroa que dar umas voltinhas, nem quer saber de jogo.”

quanto em função de conjunção coordenativa, conforme (e):

(e) “Mas, como eu era sujeito distinto, não telefonou nem procurou pessoalmente
Monticelli” (Neves 2011, p. 287).

Neste exemplo (e), o destaque da conjunção adversativa “mas” foi feito por mim
em razão de ela fazer parte da expressão a qual estamos estudando. Observemos, então,
que se trata de uma oração de sentido negativo marcada pelos advérbios não e nem em
que o “mas” carrega sua função de quebra de expectativa em relação à ideia anterior,
por mais que esta ideia não esteja explícita no cotexto. O “mas”, portanto, corrobora os
advérbios negativos para tornar a sentença toda negativa e opositiva.

O que temos, neste caso, são recursos que se apresentam com função de negar e
opor algo dentro de um contexto distinto, ideia que se assemelha à função de “mas
34

quando” no USO 3 e pode ser também identificado em uma das leituras do USO 2, o
qual chamamos de híbrido.

Neste momento, é relevante citarmos novamente o trabalho de Bybee (2010) no


que diz respeito à categorização das construções de uma língua (léxico, frases, orações,
expressões idiomáticas, etc.), pois estamos falando em formas que possuem a função de
negar algo dentro de uma língua. Bybee (2010) ressalta que as categorias dependem de
nossa experiência enquanto indivíduo social de um dado grupo ou região e que elas
exibem efeitos prototípicos divididos em dois grupos distintos: membros centrais e
membros marginais, em que os primeiros são construções mais conhecidas para
determinar uma categoria, e os segundos são construções menos conhecidas.

Façamos recordar neste momento sobre a teoria dos protótipos5 em que Bybee
(2010) nos fala sobre categorias. A autora nos mostra o levantamento de PÁSSARO, em
que há modelos exemplares como o pardal e o sabiá, inclusos na categoria dos membros
centrais; por outro lado, há os pinguins e as águias, que são membros marginais para
exemplificar um pássaro. A explicação para isso ocorrer recai nos aspectos cognitivos,
pois em nossa mente já foi formado o modelo de pássaros desde cedo, ou apontado
pelos pais, ou os vendo em gaiolas, ou na natureza nas mais restritas regiões
geográficas; por exemplo, pinguins ou águias não fazem parte de determinadas
localidades.

Isso é o que ocorre com a expressão “mas quando”, no USO 3, pois ela não se
encaixa como modelo prototípico de negar ou opor-se a algo nas outras regiões do
Brasil, entretanto, para os falantes paraenses, ela é bastante frequente, constituindo
64,29% dos dados analisados. A expressão pode aparecer juntamente com as outras
formas de negar mais comuns do Português do Brasil (não, nunca, jamais, de forma
alguma, etc.). Podemos afirmar, então, que, para os falantes paraenses, a expressão
“mas quando” é uma forma de negar, categorizada por esses falantes, cujo membro
prototípico é o adverbio não.

1.3 Os estudos funcionalistas clássicos e atuais

Neste subitem apresentaremos alguns estudos sobre a Teoria Centrada no Uso, a


qual tem por base os estudos funcionalistas e detalharemos os motivos pelos quais nossa

5
A teoria dos protótipos pode ser melhor compreendida na proposta de Taylor (1989) e Rosh (1973).
35

pesquisa é fundamentada nestes parâmetros teóricos. Pesquisadores como Givón,


Hopper, Thompson, Bybee, Traugott, entre outros nomes da Linguística Funcional, de
base Norte-Americana, dialogam com contribuições da Linguística Cognitiva sob a
perspectiva de Goldberg, Croft, entre outros.

Ressaltamos também que, além dos nomes citados acima, há alguns


pesquisadores brasileiros como Lima-Hernandes, Martelotta, Oliveira, Furtado da
Cunha, Dias, Rosário, Silva, Rodrigues, Decat, entre outros, que também se fazem
presente no arcabouço teórico deste projeto, pois desenvolvem pesquisas atuais que têm
por base teórica os preceitos da Linguística Funcional e/ou da Linguística Cognitiva.

Vejamos algumas características da Linguística Funcional de viés clássico e


Norte-Americano (Hopper, Thompson, Givon) baseada em Furtado da Cunha in
Martelotta et al (2015):

Estuda a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos


comunicativos em que elas são usadas;

Tem a linguagem como instrumento de interação social;

Hipotetiza que os contextos de uso motivam as diferentes estruturas sintáticas;

Defende que a língua apresenta funções que são externas ao sistema linguístico
entre si;

Afirma que as funções externas influenciam na organização interna do sistema


linguístico;

Frisa que as regras da gramática são modificadas pelo uso.

Podemos observar, de acordo com as características acima, que os estudos


funcionalistas se preocupam com a função da estrutura gramatical, dita com o objetivo
de estabelecer a comunicação e atender a funções cognitivas.

Logo, esta pesquisa se situa nos pressupostos funcionalistas e de acordo com


Silva (2015, p.21).

A Linguística Funcionalista propõe a análise da linguagem em seu


contexto efetivo de uso, ou seja, concebe-a como um instrumento
36

utilizado pelos interlocutores, com a finalidade de interação social


(TRAUGOTT e DASHER, 2005). Sendo assim, a língua não é vista
como uma unidade em si mesma, ao contrário, ela serve aos interesses
dos indivíduos em suas práticas interacionais cotidianas. A proposta é
que discurso e gramática sejam estudados simultaneamente, uma vez
que ambos interagem e se influenciam, de forma que um não pode ser
explicado sem referência ao outro. Nesse sentido, é importante
ressaltarmos que a investigação linguística está voltada para a situação
comunicativa, espaço contextual em que podem ser detectadas as
motivações para os atos de fala. Prioriza-se a análise da estrutura
como elemento que serve a funções cognitivas e comunicativas.

Portanto, conceitos de contexto, situação comunicativa, uso, entre outros, se


fazem presentes de forma significativa neste trabalho em que estudamos dados digitais
(Facebook, WhatsApp e Messenger) e fala na forma dialógica, abordando uma
expressão muito usual na região amazônica, mais precisamente no estado do Pará, o que
nos remete à frequência, no contexto daquela localidade.

1.4 A pesquisa na Teoria Centrada no Uso

Nosso projeto utiliza as contribuições da Teoria Centrada no Uso, com


pressupostos teóricos do texto de Bybee (2010), por trabalharmos com dados de fala
concebidos pela: 1) tipologia narrativa com discursos direto e indireto; 2) recortes dos
aplicativos de mensagens instantâneas (WhatsApp e Messenger), marcados por uma
sequência dialogal e postagens públicas em uma rede social (Facebook); e 3) narrativas
orais transcritas contendo também discursos direto e indireto.
Esse banco de dados será analisado de acordo com 3 (três) usos das construções
[mas] e [quando], que aparecem exatamente nesta sequência e com frequência nos 3
(três) usos abordados no que tange o falar paraense, pois vale frisar que Bybee (2016, p.
64) afirma que “A força das relações sequenciais é determinada pela frequência com
que duas palavras aparecem juntas”. Observando o processo que ocasionou a polissemia
linguística sincrônica da expressão “mas quando”, numa análise de padrões de uso
diferenciados da construção (CROFT 2001 e TRAUGOTT 2008), verifica-se a mudança
e correspondência entre forma e sentido (BYBEE 2014 e GOLDBERG 1995) e, neste
caso, analisa-se uma sequência básica da língua portuguesa no Brasil e mais
especificamente do falar paraense.
A Teoria Centrada no Uso faz parte do campo mais recente dos estudos
funcionalistas que antes priorizavam estudar apenas itens linguísticos independentes em
37

um continuum léxico-gramática. Silva (2015, p.20) ainda contribui dizendo que


“Atualmente, as pesquisas linguísticas funcionalistas estão voltadas para as construções
que instanciam os itens antes isoladamente estudados”. Estes itens são estudados em
contextos bem específicos em que, além da referência estrutural, a pragmática também
aparece de forma acentuada para os estudos linguísticos (Lima-Hernandes, 2015, p.15):

(...) Mais do que focar nos campos de interesse que antes deram um
passo adiante nessa reflexão, melhor será guardar o distanciamento
necessário para preservar a dimensão macroesférica. Só assim será
possível tomar consciência de que o processo de evolução do
pensamento linguístico foi ganhando uma abrangência e
complexidade nas reflexões: léxico -> morfologia -> sintaxe ->
pragmática. Não há dúvida de que o que mudou foi o espaço do olhar.
O recorte foi construindo novos objetos, deslocando os observadores
para entrecampos cada vez mais complexos de reflexão.

Podemos dizer, então, que a teoria funcionalista clássica, a qual estabelece


conceitos da iconicidade, transitividade, marcação, planos discursivos, informatividade
e gramaticalização, agora congrega contribuições dos estudos “derivados de processos
cognitivos de domínio geral, já que eles operam em múltiplos casos do uso da língua”
(Bybee, 2016, p.26).

1.4.1 Gramática de construções


Em relação ao estudo da Gramática de Construções, podemos pôr em destaque
os trabalhos de Goldberg (1995, 2006), Croft (2001, 2009), Croft & Cruse (2004),
Bybee (2003, 2010), Traugott e Trousdale (2013) em que esses estudos ressaltam que as
construções são a base de toda e qualquer língua, entretanto, o conceito do termo
“construção” tem passado por diversos ajustes de acordo com cada pesquisa, como por
exemplo, Goldberg (1995) que trabalha com a estrutura argumental dos verbos e nos
traz o clássico conceito de pareamento entre forma e função.
Com isso, Goldberg (1995 apud Silva 2015, p 32.) ressalta que

As construções correspondam a tipos de sentenças básicas,


codificando, como sentido central, eventos que são reconhecidos pela
experiência humana. Nessa perspectiva, a codificação do sentido
construcional está relacionada a eventos ou cenas estruturados,
38

reconhecidos por serem básicos e recorrentes. Assim, os significados


das construções geralmente são reservados na memória em função da
automação de seu uso. A autora relaciona o sentido da construção a
um frame de fundo enriquecido com o conhecimento do mundo social.

Sendo assim, podemos afirmar que Goldberg (1995) trabalha com a semântica
de frames, que segundo ela, está relacionada com a ideia de que o sentido central de
uma construção está relacionado a cenas comuns da experiência humana. Além disso, a
autora também nos afirma que os níveis gramaticais, partindo da morfologia até chegar
na sintaxe, recaem no conceito de construção. Ou seja, uma palavra pode ser uma
construção e uma frase ou oração podem ser construções. Dentro do que podemos
chamar de frases ou orações, temos as expressões de uma língua, em que os falantes
da mesma, em geral, as reconhecem como idiomáticas, ou apenas regionais, que é o
caso da expressão “mas quando”, portanto, de acordo com a autora, nossa expressão é
uma construção.
Além disso, Bybee (2016, p.76) também traz contribuições pertinentes no que
tange à gramática de construções ao dizer que

Construções são pareamentos de forma com significado (em que


significado também inclui pragmática), frequentemente tendo
posições esquemáticas que variam em uma quantidade de itens
lexicais. [...] O termo [construção] geralmente se aplica a uma
estrutura morfossintaticamente complexa que é parcialmente
esquemática.

Isso significa dizer que, para a autora, as construções “têm posições que podem
ser preenchidas por uma variedade de palavras ou frases” (Bybee, 2016, p.25), e a
esses espaços a serem preenchidos é dado o nome de slots.
Essa representação por exemplar é, para a autora, o registro de detalhes da
experiência linguística de cada indivíduo em particular, composto por traços fonéticos,
itens lexicais e construções a partir dos sentidos e contextos de uso, assim como
propriedades do meio social, físico e linguístico.
Sobre essas experiências linguísticas citadas por Bybee (2016), Trougott &
Trousdale (2013, p.1) nos informam que

Construções são convencionais quando são compartilhadas por um


grupo de falantes. Elas são simbólicas quando são sinais, associações
39

tipicamente arbitrárias de forma e significado. E são unidades quando


algum aspecto é tão idiossincrático (GOLDBERG, 1995) ou tão
frequente (GOLDBERG, 2006) que se torna entrincheirado como um
par forma-significado na mente dos usuários da língua.

Podemos concluir, então, que as experiências linguísticas também podem ser


disseminadas em contextos regionais, ou seja, que certas construções – o que neste
trabalho optei por chamar de “expressão” de acordo com a variação dialetal paraense -
precisam ser compartilhadas por falantes de uma mesma região para que possa haver a
decodificação da mensagem passada por meio das construções ditas.
Ainda sobre a abordagem da gramática de construções, Rosário (2015, p.41)
apresenta algumas características pertinentes a Traugott (2008) e a Goldberg &
Jackendoff (2004):

forma e significado são pareados como iguais;


a gramática é concebida de forma holística, ou seja, nenhum
nível é central;
a gramática é baseada no uso, isto é, está baseada nas
experiências e vivências dos falantes;
construções individuais são independentes, mas relacionadas
em um sistema hierárquico com vários níveis de esquematicidade que
podem interseccionar;
existe um cline de fenômenos gramaticais, desde o totalmente
geral ao totalmente idiossincrático.

Partindo do pressuposto de que novas construções gramaticais surgem em uma


determinada língua para suprir novas necessidades de interação, como foi dito
anteriormente, a expressão “mas quando” está sendo estudada na atual pesquisa em usos
sincrônicos nos quais podemos destacar 3 (três) contendo significados diferentes, que
vão de um uso dito mais comum (USO 1) até o uso menos comum para os falantes da
Língua Portuguesa (USO 3).
Vejamos agora o esquema abaixo proposto por Croft (2001) e Croft & Cruse
(2004) em relação à construção:
40

CONSTRUÇÃO

Elo de correspondência simbólica


FORMA SENTIDO
Sintática Semântica
Morfológica Pragmática
Fonológica Discursivo-
Funcional
Construção para Croft (2001) e Croft & Cruse (2004) Quadro 2

Por conseguinte, Croft (2001) e Croft & Cruse (2004) assumem que o contexto
pode ser considerado de forma correlacionada, ou seja, contexto de forma (Sintático,
Morfológico, Fonológico) e contexto de sentido (Semântico, Pragmático, Discurso).
Levando isso em consideração, pode-se afirmar que ambos os polos são responsáveis
pela descrição dos usos linguísticos da expressão.
Assim, distribuímos os dados coletados para esta pesquisa em três situações
diferentes que chamamos de USO1, USO 2 e USO 3, como já mencionamos e
explicamos logo na parte introdutória deste trabalho. Para esse estudo, portanto,
consideramos não só aspectos estruturais como também aspectos semântico-
pragmáticos. Por isso, vamos apontar aqui alguns fundamentos da Teoria Centrada no
Uso, direcionando certos conceitos que são pertinentes à compreensão da teoria e à
associação com a análise dos dados que foram coletados para esta pesquisa.
Bybee (2016) nos traz o conceito de construção ligado a processos cognitivos no
que diz respeito à linguagem, que são: categorização, chunking, memória enriquecida,
analogia e associação transmodal, no entanto, a autora trabalha no viés diacrônico. Para
este trabalho nos interessa falar de categorização, analogia e chunking, pois é por
meio desses processos que nos embasaremos para situarmos os 2 (dois) últimos usos de
“mas quando” no falar paraense, lembrando sempre que esta análise trabalha no viés
sincrônico.

1.4.1.1 Categorização
Bybee (2016, p.26) afirma que “Por categorização me refiro à similaridade ou
emparelhamento de identidade que ocorre quando palavras e sintagmas, bem como suas
partes componentes são reconhecidos e associados a representações estocadas”. Isso
41

significa que temos a capacidade de categorizar as palavras ou sintagmas de acordo com


o que há de estocagem6 em nossa mente, e é a partir dessa capacidade de categorização
que podemos distinguir o que vem a ser similar ou não, em relação aos sentidos e
funções de palavras que constituem o léxico de uma determinada língua.
A autora nos mostra o exemplo da palavra PÁSSARO7. Ela nos afirma que,
apesar de ser uma palavra de fácil conhecimento de seu significado para os falantes de
uma dada língua, alguns exemplares8 de pássaros são mais prototípicos9 do que outros;
isso pode ocorrer devido às características consideradas mais comuns dentre os pássaros
que conhecemos e convivemos (cor, canto, voo...).
Logo, por exemplo, a oração “o sabiá é um pássaro” soa com mais frequência e
aceitabilidade, em relação à oração “o pinguim é um pássaro”, para os falantes do
Português Brasileiro; isso ocorre pelo fato de que no Brasil é mais comum termos o
pássaro sabiá e vermos nele as características de pássaros que conhecemos (aquelas que
estão estocadas em nossa memória) do que termos o pássaro pinguim, por se tratar de
uma espécie incomum em nossa região.
No caso da expressão “mas quando”, temos a capacidade de categorizar
sintaticamente, semanticamente e pragmaticamente as conjunções “mas” e “quando”,
pois elas são comuns e de alta frequência em nossas orações. A partir dessa
categorização, podemos ver o que há de similaridade entre elas e entender por qual
motivo elas podem se tornar uma única construção para os falantes paraenses que
pretendem expressar função negativa e opositiva em seu discurso.

1.4.1.2 Analogia
Bybee (2016, p. 99) afirma que

Analogia se refere ao processo pelo qual o usuário passa a usar um


novo item numa construção. Dada a especificidade das construções e
o modo como elas são formadas por meio da experiência com a
língua, a probabilidade e aceitabilidade de um novo item são
gradientes e se baseiam na extensão de similaridade com usos
antigos da construção. (Grifo nosso)

6
Diz respeito a tudo o que temos na nossa memória em relação a nossas experiências linguísticas, as
quais foram se armazenando de acordo com o passar do tempo.
7
Optamos em mais uma vez falar deste exemplo para melhor situar o leitor na teoria citada.
8
Nome dado por Bybee (2016) para se referir aos modelos de representações de algo. O pinguim é um
exemplar de pássaro, ou seja, um modelo.
9
Significa que alguns exemplares de pássaros possuem características mais comuns, de acordo com nossa
experiência cultural do que vem a ser um pássaro.
42

Podemos observar neste momento que, para conceituar a analogia, a autora fala
de “extensão de similaridade com usos antigos da construção”, ou seja, a analogia se faz
por similaridade entre características de um item, e isso significa que itens diferentes
podem apresentar funções semânticas similares; a partir disso, então, podem-se formar
novos usos para itens já existentes em nossa língua.
Isso justifica o uso de “mas quando” em forma de expressão negativa e opositiva
no falar paraense, pois o item “mas” e o item “quando”, apesar de serem itens de
diferentes funções e categorias na língua portuguesa, apresentam também algumas
funções linguísticas similares entre eles, podendo ser agrupados formando um novo
item que possui um novo significado, diferente dos já existentes. A esse agrupamento
Bybee (2010) dá o nome de Chunking.

1.4.1.3 Chunking
De acordo com Bybee (2016), a repetição de estruturas em uma dada sequência
não mutável recebe o nome de chunking, em que este, por sua vez, é constituído por
partes menores nomeadas de chunk. Vejamos então, segundo Bybee (2016, p. 65), que

A principal experiência que aciona o chunking é a repetição. Se dois


ou mais chunks menores ocorrem juntos com certa frequência, um
chunk maior contendo os menores se forma. É uma propriedade tanto
da produção quanto da percepção e contribui significativamente para a
fluência e a desenvoltura nas duas modalidades. Quanto mais a
sequência puder ser acessada junta, tanto mais fluente a execução, e a
compreensão ocorrerá mais facilmente. [...] Chunking é o processo por
trás da formação e do uso de sequências de palavras formulaicas ou
pré-fabricadas. [...] e também é o mecanismo primário que leva a
formação de construções e de estrutura de constituinte.

Portanto, podemos dizer que a construção “mas quando”, em forma de expressão


paraense, vista com mais clareza e sem ambiguidade de interpretação no USO 3, é um
chunking, uma vez que nos dados podemos atestar determinada sequência, frequência
ou repetição. A expressão é compreendida tanto para quem fala, quanto para quem ouve
num dado contexto, neste caso, o contexto mais forte seria o indicado pelo regionalismo
43

cultural, ou seja, falantes da mesma região compreendem facilmente o sentido da


expressão “mas quando” com significado negativo e opositivo.

Além disso, a categorização dos itens dados numa sequência precisa ser similar
em sua função de alguma forma. Isso nos faz voltar a explanar sobre o que Bechara
(2012) e Neves (2011) nos dizem a respeito da conjunção temporal “quando”. Vejamos
a seguir os exemplos (a) e (b) retirados respectivamente de Bechara (2012) e Neves
(2011), novamente:

(a) “Eu digo que muito veículo parece estar conduzindo passageiros apanhados
ao acaso, quando na verdade estão levando verdadeiras combinações de
passageiros.” [MACHADO, 1957:211-212]

(b) Essa mulher procura um trabalho quando centenas de outros abandonam


seus trabalhos. (CCI)

Temos, portanto, nos exemplos (a) e (b) acima, algo de grande importância a ser
ressaltado para a pesquisa, pois a expressão “mas quando” é composta pela conjunção
adversativa “mas” com valor de negação e valor de oposição e da conjunção temporal
“quando” que, além de apresentar sentido temporal, também pode aparecer com o
sentido contrário ou opositivo, como fora demonstrado no exemplo (a) e/ou com
função concessiva, demarcando o efeito “contrário à expectativa”, de acordo com o que
Neves (2010) nos diz, que ocorre no exemplo (b). Este fenômeno dialoga com a teoria
de Bybee (2010) ao defender que itens com propriedades estruturais semelhantes e de
categorias próximas se agrupam formando um chunking.

Estamos diante do processo analógico, pois, de acordo com Bybee (2010), a


similaridade de funções é atestada pela categorização de itens que cada falante faz em
sua mente, que se encontra repleta de experiências linguísticas, a chamada memória
enriquecida. Essas experiências linguísticas são compostas desde os traços fonéticos ao
contexto social e físico e é, a partir do processo analógico, que se dá o processo
metafórico de itens lexicais, o que nos leva a realizar a reanálise desses itens. Logo, a
expressão “mas quando”, que em termos linguísticos é chamada de uma nova
construção, está sendo reanalisada e reconfigurada por uma nova funcionalidade.
44

Deve-se ressaltar que um chunking (agrupamento) trata-se de unidades


colocadas em sequências que aparecem juntas e se combinam para formar as
construções de uma língua, logo [mas] e [quando] juntos, em uma sequência fixa e,
nesta ordem se agrupam e formam um chunking de valor semântico negativo e opositivo
na fala do paraense. Veremos com mais clareza no USO 3 no tópico que tange a análise
dos dados.

Bybee (2010) ainda frisa, como hipótese central da teoria, que os contextos em
que as construções aparecem impactam na representação cognitiva da linguagem, isso
significa que as estruturas, que utilizamos em uma interação verbal, são selecionadas de
acordo com a situação comunicativa para suprir a necessidade de interação entre os
falantes.
Assim, partindo desse pressuposto, o chunking “mas quando”, que expressa, ora
sentido negativo e ora sentido opositivo, em contextos do uso paraense, nasceu para
suprir a necessidade de negar com certa ênfase num tempo indeterminado, além de
também apresentar a função de oposição.

1.4.2 Gramaticalidade e Gramaticalização


Não podemos deixar de situar nossa pesquisa no que a Teoria Centrada no Uso
chama de gramaticalidade sob os preceitos de Traugott (2010), que, assim como a
gramaticalização, advém do processo de mudança linguística, entretanto o fenômeno da
gramaticalidade perpassa pelo estudo sincrônico das formas, já a gramaticalização, pelo
estudo diacrônico das mesmas.

É certo que esses dois fenômenos se complementam em sua teoria e análise,


todavia, para nossa pesquisa não abordaremos a gramaticalização por não fazermos uso
de dados diacrônicos e por não ser o foco no momento.

Sendo assim, os conceitos de gramaticalização e gramaticalidade se


correlacionam e ajudam um na explicação do outro, conforme o seguinte esquema:
45

FENÔMENOS

GRAMATICALIZAÇÃO GRAMATICALIDADE

Cline diacrônico Cline sincrônico

- gramatical > + gramatical Construção polissêmica

Gradualidade Gradiência

Mudança Polissemia

Fenômenos segundo Traugott (2010) Quadro 3

O quadro 3 nos apresenta a correlação entre os dois fenômenos e as diferenças


de processo de análise feita em cada um. De um lado, a gramaticalização precisa do
estudo diacrônico para ser atestado o cline diacrônico; a teoria constata que os itens
gramaticalizados saem do [–gramatical] para o [+gramatical], ou sofre perda categorial,
passando do léxico para a gramática. Trata-se de um fenômeno que pode ser
identificado num processo gradativo de mudança, direcionando para o trajeto “A >B >
C...”.

Por outro lado, de acordo com Traugott (2010), temos características que
permeiam a gramaticalidade em que é atestado um cline sincrônico ou cline de
gramaticalidade, que aponta a polissemia linguística de palavras ou expressões e que
pode ser estabelecido de acordo com diferentes graus de granularidade, normalmente
feito com referência aos graus de fusão ou abstratização das estruturas. Os graus de
fusão são atestados sincronicamente e podem ser vistos, por hipótese, como resultados
de mudanças diacrônicas. Isso significa que a polissemia encontrada sincronicamente na
expressão “mas quando” pode ser o resultado de uma mudança ocorrida ao longo do
tempo na região amazônica, entretanto, não temos como afirmar isso por não dispormos
de dados de outros séculos neste momento do trabalho.
46

Silva (2015, p. 29) nos traz uma observação também muito pertinente ao
perpassar pela Teoria de Traugott e Trousdale (2010) no que diz respeito à gradiência ao
falar que

A gradiência está relacionada ao fato de alguns membros de uma


categoria serem “melhores” que outros, conforme postula a teoria
de protótipos, bem como, ao fato de as fronteiras entre as categorias
serem indistintas e vagas. Para Traugott e Trousdale (2010), a noção
de gradiência precisa ser discutida em termos de polissemia ou
coexistência de modelos de uso. Os autores destacam, ainda, que a
gradiência pode envolver, conforme Aarts (2007), uma única categoria
ou conjunto de propriedades (gradiência subsectiva – intracategorial),
ou duas ou mais categorias ou conjunto de propriedades (gradiência
intersubsectiva – intercategorial), que podem convergir para um cline
de gramaticalidade. (Grifo nosso)

Portanto, por intermédio da categorização postulada por Bybee (2010), podemos


inferir que o falante paraense optou em usar a expressão “mas quando” com função de
negação e oposição em suas variadas situações conversacionais, por achar que esta
também é uma “melhor” forma, ou mais enfática, para negar e opor-se, juntamente
com o advérbio não, dentre as outras bem usuais em nossa língua (jamais, nunca, de
forma alguma, de jeito nenhum), no que diz respeito ao português falado no Brasil de
uma forma geral.
Observemos o quadro abaixo que nos situa em relação aos usos polissêmicos de
“mas quando”:

POLISSEMIA DE “MAS QUANDO”

Formas

[mas] [quando] > [mas [quando]] > [mas quando]

Sentidos

[masadversativo] [quandotemporal] >[mas quandooposição/negação]

Polissemia de “mas quando” Quadro 4


47

Esses contextos polissêmicos encontrados no falar paraense saíram do polo mais


“concreto” para o mais “abstrato”. As características da conjunção adversativa “mas” e
da conjunção temporal “quando” mostram que há polissemia em seus significados e
funções e que elas acarretam “perdas” e “ganhos” sintáticos, semânticos e pragmáticos,
proporcionando uma reanálise de sentido. No linguajar paraense, o chunking “mas
quando” tornou-se negação e oposição em alguns contextos específicos, bem como
possíveis partes que constituem as orações interrogativas híbridas, ou não híbridas, em
outros. Veremos esta parte com mais afinco no tópico que trata da análise dos dados
coletados.

1.5 Contexto e cotexto

Ao se falar em contexto sob os aspectos dessa teoria, precisamos destacar que


este termo não possui um conceito fechado e único, tornando-se, assim, dificultoso falar
dele sob esta perspectiva, bem como ratifica Oliveira (2015, p. 22) ao afirmar que

[...] O contexto é tratado como entidade vaga, genérica de contornos


pouco ou nada definidos e, por isso mesmo, sua abordagem, tanto do
ponto de vista teórico quanto do metodológico, torna-se tarefa de
difícil e complexa execução. Tal dificuldade coloca-se, hoje, como
verdadeiro desafio aos funcionalistas, uma vez que, ao assumir
efetivamente as relações contextuais como motivadora dos fenômenos
linguísticos, é preciso dar conta dessa dimensão com maior rigor e
precisão [...].

Logo, se as relações contextuais são as principais motivadoras de fenômenos


linguísticos e contexto é visto como algo mais amplo do que apenas o entorno
linguístico, devemos ressaltar aqui a presença de um contexto regional marcante e muito
relevante, pois falantes de outras regiões teriam dificuldades de entender o sentido da
nova construção formada, oriunda do hibridismo do USO 2 e a formação do chunking
vista no USO 3.
Para enfatizar essa informação, Traugott e Dasher (2005) nos dizem que os
falantes/escritores têm, à sua disposição, metáforas, metonímias e elementos, marcados
pela (inter) subjetividade, que funcionam como micro-dynamics of semantic innovation.
48

A inferência sugerida é um tipo de sentido derivado de combinações semânticas


oriundas do contexto pragmático-discursivo específico, via processos metafóricos e
metonímicos. Na articulação desse sentido mais abstrato, o falante/escritor procura
“sugerir” ou convidar seu interlocutor a partilhar novos sentidos na expressão de
crenças, valores, grau de comprometimento, entre outras noções abstratas e pessoais.

Portanto, o falante paraense, ao mencionar a expressão “mas quando” com


significado negativo ou opositivo, infere pelo contexto regional (isso significa que os
interlocutores precisariam necessariamente ser da mesma região ou ter permanecido lá
por algum tempo), que seu ouvinte/leitor possa decodificar a mensagem de acordo com
o esperado, mesmo se tratando de um novo sentido.

Embora o conceito de contexto gere uma discussão significante entre os


linguistas, adotamos, para este trabalho, situar contexto também de acordo com o que
Trougott e Trausdale (2013) defendem ao dizerem que o contexto é composto pela
parte extraestrutural que recai sobre a semântica, a inferência pragmática, etc., nas
modalidades escrita e falada, e, algumas vezes, contextos sociolinguísticos e discursivos
mais amplos. Podemos, então, destacar que pelo ‘contexto’ podemos entender o
cotexto, que vem a ser o ambiente apenas linguístico, o qual inclui a parte estrutural
composta pela sintaxe, morfologia, fonologia. Sendo assim, devemos ressaltar que,
tanto o contexto quanto o cotexto, devem ser levados em consideração pela importância
de seus papeis no momento da análise de uma construção linguística.

Ainda sobre contexto e cotexto, Koch (2002) afirma que as concepções de


contexto variam consideravelmente não só no tempo, como de um autor para outro.
Narlinowski (1923) citou os termos contexto de situação e contexto de cultura. Firth
(1957) deu grande ênfase ao contexto social. Para a autora, as palavras e as sentenças
não fazem sentido em si mesmas, fora de seus contextos. Hymes (1964), com base no
contexto de situação, propõe uma matriz de traços etnográficos que permitiriam
caracterizá-lo. A análise do contexto pode recobrir: cenário, entorno sociocultural, a
própria linguagem como contexto, conhecimentos prévios, um modo de práxis
interativamente constituído: evento focal e contexto estão numa relação de figura-
fundo. (Dias, comunicação pessoal, 2017-1).

Por outra perspectiva, Halliday (1989) apud Barbisan (1995) aponta um conceito
de contexto que se faz muito interessante a partir do momento em que ela salienta o
49

contexto social e cultural citado por Halliday e que estes atuam de modo fundamental
na linguagem, mais precisamente nas escolhas que fazemos ao construir um texto (seja
oral ou escrito, verbal e não-verbal). Barbisan (1995, p. 54) nos situa sobre a relação
entre contexto social e texto ao falar que

Com termo social, Halliday designa primeiramente um sistema social,


uma cultura, em segundo lugar, numa interpretação mais específica,
social indica relações entre linguagem e estrutura social como um
aspecto do sistema social. A perspectiva adotada por Halliday para
estudar a linguagem é relacionada com esse aspecto particular da
experiência humana que é a estrutura social. O modo de entender a
linguagem reside no estudo do texto. Texto é linguagem funcional,
quer dizer, linguagem que desempenha um papel em um contexto. Há
um texto e há um outro texto que o acompanha, o contexto, que vai
além do que é dito e escrito, e inclui o não-verbal, o quadro total o
qual o texto se desenvolve e onde deve ser interpretado. Um texto é
feito de sentidos, é uma unidade semântica.

Temos, portanto, a ideia de que todos os textos que são construídos partem de
um contexto social e isso engloba contexto cultural, logo, as estruturas (fonológicas,
morfológicas, sintáticas) que selecionamos para compormos a todo momento nossos
textos, ou seja, o cotexto, depende do contexto de situação10, como bem demarca
Barbisan (1995), fundamentada nos pressupostos de Halliday. Barbisan (1995, p. 54)
ainda destaca que o texto pode ser estudado como processo e produto, no qual neste
último é visto como resultado do contexto, ou seja, o texto é também um “produto de
um contínuo processo de escolhas no significado, escolhas representadas nas redes que
constituem o sistema linguístico”.

Podemos dizer, então, por esse viés, que a utilização da expressão “mas quando”
em sua função negativa e opositiva, nos textos produzidos pelos falantes paraenses, faz
parte de um texto que é o produto social e cultural do linguajar daquela região,
podendo-se salientar ainda que contexto e cotexto são selecionados um pelo outro e
vice-versa, ou seja, a situação faz com que o falante use a expressão “mas quando”,
assim como a expressão seleciona situação em que será usada.

10
Barbisan (1995), de acordo com os conceitos de Halliday, diz que o contexto de situação é tudo o que
envolve a situação específica de construção dos textos, ou seja, o que está acontecendo no momento, as
relações interpessoais entre os participantes envolvidos e o modo pelo qual está sendo realizada a
linguagem.
50

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para esta pesquisa escolhemos por adotar textos que contêm sequências
narrativas e diálogos (sequência dialogal) em que só tivéssemos locutores e
interlocutores paraenses. Trata-se de um banco de dados com informantes bem variados
em relação à idade (18 – 72 anos), gênero (masculino e feminino) e escolaridade
(analfabeto – nível superior). Além disso, trata-se de pessoas nativas do estado do Pará
e/ou que já moram há mais de 20 anos no mesmo. Portanto, na composição total dos
corpora temos:

2 volumes do acervo do IFNOPAP intitulados: “Santarém conta...”


contendo 58 narrativas curtas com e “Belém conta... contendo 60
narrativas com total de 3 ocorrências;

7 áudios somando exatamente 152 min gravados e com a ocorrência de


13 vezes dita a expressão mas quando;

42 imagens printadas de conversas no WhatsApp e Messenger e


postagens públicas do Facebook.

2.1 Os corpora escolhidos

Para esta pesquisa escolhemos adotar três formatos de corpus, em que cada um
deles apresentou uma metodologia diferente de coleta, entretanto, os três formatos não
se distanciam quanto as suas características textuais.

2.1.1 Modalidade falada e digital

Corpus de fala

Existe um projeto de pesquisa na Universidade Federal do Pará (UFPA) que


trabalha há mais de 20 anos coletando narrativas orais, por meio de entrevistas em
formato de áudio, pelos municípios da Amazônia paraense. O projeto atende pelo nome
de IFNOPAP (Imaginário nas formas narrativas orais populares da Amazônia Paraense)
e é, desde o seu surgimento até os dias de hoje, coordenado pela professora e doutora
51

Maria do Socorro Simões da Universidade Federal do Pará. Podemos ter acesso a essas
narrativas ainda em formato de áudio e/ou já transcritas, inclusive divulgadas em livros
de fácil acesso lançados pela Editora da UFPA.

Enquanto aluna da Universidade Federal do Pará, fiz parte deste projeto por três
(3) anos e, por se tratar de projeto que contém um vasto corpus unicamente oral e já
transcrito, no qual apenas indivíduos paraenses relataram suas narrativas fantásticas, o
escolhemos para fazer parte dos corpora deste trabalho, pois ele se encaixava no perfil
de relatos orais e espontâneos que estávamos procurando para a construção do banco de
dados. O projeto IFNOPAP dispõe de aproximadamente 6 mil narrativas orais, mas para
este momento de nossa pesquisa, tivemos acesso a 2 volumes do acervo do IFNOPAP,
intitulados “Santarém conta...”, contendo 58 narrativas e “Belém conta... ” contendo 60
narrativas, todas relativamente curtas, o que contemplam entre 1 e 2 páginas dos livros.

Sendo assim, a coleta destes dados ocorreu com a leitura das narrativas contidas
nos livros e o destaque para os trechos em que acontecia a ocorrência de “mas quando”,
sendo já em formato de expressão amazônica, ou não. Em seguida, partimos para a
análise dessas ocorrências.

Em relação ao corpus de fala, temos informantes ditos marajoaras, nascidos na


Ilha do Marajó, localizada no Norte do estado do Pará e constituída por 16 municípios,
dentre eles está o município de Breves, localizado no Sudeste da Ilha, a 12h de barco da
capital do Pará, Belém, e também a 12h de barco do estado do Amapá. A escolha do
município se deu por se tratar de uma localidade relativamente afastada da capital, mas
de ligação próxima com o estado do Amapá, uma vez que está em nossos objetivos
mostrar que a expressão “mas quando” pode não ocorrer somente na capital ou no
estado do Pará.

A coleta de dados ocorreu da seguinte forma: entre duplas ou grupos de pessoas,


eu, no papel de entrevistadora, pedi aos informantes para que contassem histórias ditas
míticas ou fantásticas relacionadas à cidade de Breves. Na medida em que essas pessoas
iam narrando as histórias, eu as interpelava com algumas perguntas e observações
pertinentes ao assunto, com o intuito de gerar certa dinamicidade na conversação, ou
seja, na narração; além disso, tentei fazer com que a atividade fosse semelhante a uma
roda de conversa em que há pessoas contando histórias, que podem ser tidas como
relatos pessoais ou relatos indiretos. O ato de interpelar foi proposital por sabermos que
52

a expressão “mas quando” apareceria com mais frequência em trocas de turnos


conversacionais.

Com o auxílio de um aparelho celular, todas as “rodas de conversa” foram


gravadas em formato de áudio e salvas em dispositivos móveis (pen drive e lep top) e
arquivos digitais compartilhados em rede (google drive) para que posteriormente fosse
feita a transcrição grafêmica e a análise dos dados apenas do contexto (entorno
linguístico) em que contivesse a ocorrência de “mas quando”. Após o final de cada
gravação, os participantes da mesma assinaram o termo de livre esclarecimento que nos
autorizava a utilizar o material coletado. O projeto de pesquisa “O português falado na
região amazônica brasileira” está cadastrado no site Plataforma Brasil, sob o número
5243.

Corpus digital

Por outro lado, em relação ao corpus via print do aplicativo de mensagens


instantâneas WhatsApp, chat do site Facebook e postagens neste mesmo site, a coleta de
dados se deu da seguinte forma: Eu, ao conversar com meus amigos e parentes que
residem ou residiram no estado Pará, por meio do WhatsApp, printava os trechos de
conversas em que a expressão “mas quando” ocorria e as salvava, em formato de
imagem, nos dispositivos móveis e digitais disponíveis, criando assim um banco de
dados de imagens de conversas printadas que posteriormente seriam analisadas.
Devemos ressaltar que decidi por fazer desta forma porque eu não residia mais em
Belém, e por termos hoje o artifício de nos comunicarmos por meios de comunicação
ágeis e dinâmicos interligados via internet.

O que também deve ser levado em consideração é a forma de como se


estabeleceu a comunicação nos meios digitais conectados à internet, pois estamos diante
de uma forma relativamente nova de coletar dados de “fala/escrita”, pois as Mensagens
Instantâneas (MIs) ocorrem basicamente por conta dos gêneros textuais digitais que
encontramos atualmente em nosso cenário comunicativo.

Baron in Shepherd & Saliés (2013, p.125) apresentam algumas características ou


parâmetros desse tipo de conversa em relação aos seus enunciados afirmando que
53

Quanto à estrutura, a comunicação mediada por computador (CMC)


pode ser definida por dois parâmetros básicos. O primeiro é o
sincronismo. Na CMC sincrônica, a transmissão é essencialmente
instantânea. Presume-se que os interlocutores estejam fisicamente
presentes para ler e responder às mensagens, o que não acontece na
CMC assíncrona. O segundo parâmetro é se a comunicação é de um
para um, ou seja, entre duas pessoas ou de muitos para muitos, isto é,
se as mensagens vêm de inúmeros participantes e são enviadas a
inúmeros interlocutores em potencial.

Em relação aos parâmetros citados acima, nosso corpus extraído via print ocorre
por duas formas sincrônicas (WhatsApp e Messenger), estabelecidas de um para um
(conversas ditas privadas) ou de um para vários (conversas ditas em grupo), e uma
forma assíncrona de um para vários (postagens no Facebook).

Além disso, sobre a forma como ocorrem os enunciados, a autora levanta uma
discussão no que tange à forma como as mensagens são passadas. É de conhecimento
geral que estamos diante do gênero escrito, no entanto, esta forma apresenta
semelhanças com a forma da fala informal. Este ponto ainda é muito investigado por
nossos pesquisadores, todavia, por estarmos diante de uma investigação muito nova, por
conta da evolução rápida e maciça dos meios de difundir a linguagem para estabelecer a
comunicação, não se pode afirmar neste momento que se trata de um gênero totalmente
escrito com suas características bem definidas, como a de qualquer outro gênero escrito.

Portanto, o que podemos acentuar aqui é que as MIs são escritas como se
tivessem sendo faladas face a face e, além disso, os enunciados ou as frases e orações,
são “ditas”, neste caso, enviadas, de forma não agrupadas, mas repartidas em pedaços
menores, como se fossem uma sentença oracional dividida por vírgulas, assim:

Oi, tio!
Tudo bem?
Queria saber se vens pra casa hoje.
Mamãe fará um jantar.
54

Entretanto, por uma “convenção social” de quem utiliza os Aplicativos de MIs


para se comunicar de forma rápida e eficaz, de modo semelhante à fala, se desprende do
que diz respeita à gramática da escrita formal (pontuação, ortografia, formalidade, etc.)
e dá ênfase apenas para a mensagem passada num tom oral, assim:

Oi tio
E aí tudo bem
Mamãe vai fazer uma janta boa hoje
Queria saber se o senhor vai aparecer

Fala e escrita
Embasando-nos nas ideias de Marcuschi (2008), podemos dizer que, quando as
pessoas escrevem algo, há um certo afastamento físico entre o texto e o autor, ou seja,
não é fácil descobrir o perfil de quem escreve apenas pela sua escrita, fato que não
ocorre de forma tão explícita no ato da fala, pois, ao ouvirmos outras pessoas falarem,
podemos identificar alguns elementos extralinguísticos individuais como: a possível
faixa etária, o possível nível de escolaridade, o sexo e as características ligadas à
prosódia.

O textos do WhatsApp e do Facebook são feitos de forma escrita, todavia eles


têm o intuito de retratar, de forma quase que fiel, a fala individual de cada um e
conseguem, de fato, nos repassar algumas características fortes da fala de uma maneira
mais clara em relação a outros textos feitos na modalidade escrita. Características como
as já citadas anteriormente e outras como: gestos, sentimentos, sensações, entonações,
etc., pois esses meios digitais, em que as mensagens instantâneas constituem a sua
forma de comunicação, possuem recursos que foram criados exatamente com esta
intenção, os chamados emojis11. Estes recursos também auxiliam a repassar as
particularidades e individualidades dos interlocutores, pois esse recurso é muito
utilizado para acrescentar emoções à escrita.

11
Emoji: É de origem japonesa, composta pela junção dos elementos e (imagem) e moji (letra), e é
considerado um pictograma ou ideograma, ou seja, uma imagem que transmitem a ideia de uma
palavra ou frase completa. (Fonte: Google)
55

Portanto, estamos diante de duas maneiras de representação da língua que


possuem suas características próprias, mas que, no contexto dos meios de comunicação
digital em que as MIs prevalecem, essas características se fundem no mais alto grau,
pois a forma de escrita que encontramos nestas mensagens está permeada de outras
formas simbólicas não alfabéticas e que não deixam de fazer parte do texto escrito
naquele contexto específico.
56

3 ANÁLISE DOS CORPORA

De acordo com a análise feita, destacou-se 03 (três) usos de “mas quando”, os


quais nomeamos de USO 1, USO 2 e USO 3, como já havia sido destacado no decorrer
deste trabalho. Os dados de maior produtividade foram os relacionados ao USO 3, o
qual recai sobre a formação do chunking, portanto, em nossa análise, teremos mais
subtipos do USO 3 do que dos USOS 1 e 2.

USO 1 – USO TRADICIONAL OU COMUM

[mascontrajunção] [quandoadvérbio/conjunção]
(5)

Fonte: WhatsApp 03

Nesta imagem capturada via print do WhatsApp, a qual diz respeito ao exemplo
(5), temos o mas fazendo o papel de operador argumentativo entre os discursos ou os
turnos de “fala”, como nos demonstrou Castilho (2012); além disso, o “mas” também
apresenta valor contrajuntivo em relação à “fala” anterior, ou seja, juntando e
contrapondo-as.

Devemos salientar também que estamos diante de uma oração adverbial


temporal, conectada pelo quando, à oração núcleo. A oração interrogativa em sua ordem
direta seria: “Mas não deixa essa cópia já lá quando faz a inscrição?”. Nela podemos
ver de modo mais claro o quando se comportando como tempo pontual.
57

(6) D: é:: eu estava com a Michelli esperando o horário do almoço daí


ela começou a contar a história da irmã dela que...quando eram
menores elas moravam aqui em Breves mas...quando a parte da
estrada ainda não era construída alí na primeira rua, na rua da
igreja... que ela me contou que tinha tipo um braço de rio
passando pelo meio do igarapezinho... que jogava água daqui pra
lá. (Áudio 01)

Em (6), o qual foi retirado da transcrição dos áudios, temos o “mas” que
introduz um enunciando que se contrapõe ao enunciado da oração anterior e focaliza
para o leitor a ideia seguinte em relação à anterior e o “quando”, especificando em qual
momento as irmãs moravam naquele lugar. O curioso neste dado é que a informante
está falando do local “aqui em Breves” e do tempo “quando eram menores” na mesma
oração, entretanto, ela só faz o uso da conjunção temporal com função também de
focalização, pois auxilia o “mas” a dar mais visão na oração posposta em relação à
oração núcleo.
É interessante notar também que a falante dá uma pausa entre ”mas” e
“quando”, o que nos remete a atestar a ocorrência de duas construções distintas,
característica do USO 1.

(7) Um dia eu estava... eu fui caçar numa serra. Aí, quando eu vinha
baixando, era, mais ou menos meia noite. Estava claro, a lua
estava... bem claro na estrada. Aí quando eu cheguei em cima da
ponte. É, a ponte... ela era segura. Mas, quando eu pisei em
cima da ponte, que eu cheguei no meio da ponte... É, a ponte, ela
correu de canto a canto, como quem queria cair, a ponte12.
(Santarém Conta... p. 66)

Em (7), exemplo extraído do Livro “Santarém conta...”, podemos observar que


há três vezes a ocorrência de “quando” apresentando a função de conjunção temporal e,
dentre elas, a ocorrência de “mas quando” em que o “mas” também aparece cumprindo
sua função de quebra de expectativa, pois uma vez que “a ponte era segura” não se
esperava que ela caísse. Fica fácil perceber a ocorrência de “mas” e “quando”
apresentando, até mesmo, uma outra possibilidade de leitura com o possível
deslocamento de “quando” em relação à sua posição, podendo ser lido também desta
forma “Mas eu pisei em cima da ponte e quando eu cheguei em cima da ponte, ela
12
É importante destacar a forma de transcrição não- técnica apresentada no exemplo (7) e afirmar que é
desta maneira que se encontram as transcrições nos livros do acervo do Projeto IFNOPAP.
58

correu de um canto a outro”, ou seja, neste dado “mas” e “quando” retomam a


informação antiga pontuando-a. Portanto, o exemplo (7) faz parte do que denominamos
de USO 1.

USO 2= USO HÍBRIDO


a) Hibrido. Semelhante ao “mas como?”
[mas [quandoexpressão/ora.interrog]]

(8) E : mas tu acreditas nessas coisas?


D: Olha maninha...acreditar, eu acredito. Eu sinceramente não sei
se eu teria...coragem realmente de continuar vindo estudar aqui a
noite.
E: entendi... mas por quê?
D: ma:na, mas qua:ndo que eu ia me meter na á:gua com cobra
gra:nde, com bi:cho, no escu:ro, num barco peque:no, de remo...tá
doida, menina(?)13 (Áudio 02)

Neste dado (8) temos o [mas [quandoexpressão/oração interrogativa] ] com valor


semântico semelhante à interrogativa “mas como?” que, inicialmente, expressa modo.
Sempre aparece em orações que se assemelham ao formato de orações interrogativas,
que não são perguntas propriamente ditas, mas requerem uma resposta, como bem
ressalta Perini (2010) e Ilari & Basso in Ilari (2014). Mas essas orações não são
caracterizadas como perguntas diretas polares ou não polares, daí vem a razão para
caracterizarmos o USO 2 sendo híbrido, pois pode ter: 1) valor semântico de negação
(eu jamais iria me meter na água com cobra grande...) e 2) valor de oração interrogativa
(Mas em qual momento eu iria me meter na água com cobra grande...).

É interessante observarmos que neste dado (8) as ocorrências do “mas” sozinho


iniciam um turno interrogativo, dando certa organização entre as falas, e,
principalmente, apresentam a função contrajuntiva, ou seja, une orações, contrapondo-
as, pois antes do primeiro “mas” existe a possibilidade clara de que algo relacionado ao
mítico da região foi dito por D, por isso eu faço a pergunta (= mas tu acreditas nessas
coisas?), e em seguida ocorre o segundo “mas”, que se assemelha a um operador
argumentativo , com base em Castilho (2012), já que introduz uma pergunta marcando

13
O sinal de interrogação está entre parênteses justamente por não termos a certeza de que seja uma
pergunta.
59

uma sequência de informações, e, além disso, permanece ainda com seu valor
contrajuntivo.

Ainda sobre o fato de poder ser também uma oração interrogativa, podemos
destacar o pronome “que” o qual pode exercer função sintática de pronome
interrogativo. Este item em particular só ocorreu nos dados híbridos do corpus de fala
gravados exclusivamente para esta pesquisa, ou seja, nos dados da cidade de Breves-
PA. Entretanto, não podemos afirmar que é uma variante da região ou do contexto
situacional narrativo. O fato é que o que pode estar auxiliando para que tenhamos “mas
quando que?” na oração interrogativa, semelhante à forma “mas como que?”.

Outra observação pertinente a se fazer é a ocorrência do advérbio negativo


prototípico “não” que integra o cotexto antecedendo a expressão foco de nosso trabalho.
Este advérbio se manifesta com a função de negar toda a sentença oracional a qual
pertence, demonstrada na fala da informante D (= Eu sinceramente não sei se eu teria...
coragem realmente de continuar vindo estudar aqui a noite), por conta de todo o
contexto mítico e cultural daquele lugar.

b) Híbrido. Com acréscimo do “já”

[mas [quandoexpressão/ora.interrog]] semelhante ao “mas quando?”


(9)

Fonte: WhatsApp 04

No dado (9), temos a ocorrência do primeiro “quando” demarcando claramente


o tempo que ocorrerá a vacinação (nesta conversa estamos falando sobre a vacinação de
60

cães e gatos), sendo uma conjunção temporal. Já na segunda ocorrência de “quando”, o


temos posposto ao “mas” numa sequência, que numa primeira leitura já está
exercendo a função de expressão paraense, pois a informante se opõe a levar o animal
para vacinar, ou seja, diz que não levará o animal para vacinar de forma alguma, uma
vez que a informante já teria dito acima que era eu quem ia vacinar o animal quando eu
chegasse. Por outro lado, numa segunda leitura, torna-se híbrido ao olharmos para o
contexto que se direciona para o tempo de vacinação, podendo ser interpretado até como
uma pergunta retórica, uma vez que já foi dito qual era o dia da vacinação, portanto,
enquadra-se no USO 2 por apresentar essas duas leituras.

É interessante ressaltar que neste dado temos o acréscimo de “já” que, assim
como o “quando”, pode apresentar valor temporal (Ex.: Já está tarde para jantarmos.) e,
assim como o “mas”, também pode apresentar certo valor opositivo (Ex.: Eu gosto de
maçã, já Maria gosta de mamão.) Neste banco de dados, faz-se pouco recorrente o
acréscimo de “já” posposto à expressão “mas quando” tanto nos dados de fala, quanto
nos digitais, tendo, portanto, frequência relativamente baixa em nossos dados.

Neste dado, então, já temos a leitura da expressão “mas quando” em formato de


chunking, ou seja, de duas construções que por apresentaram categorias similares
foram agrupadas se tornando uma única construção, que apresenta a função de
oposição a um pedido – de levar o animal de estimação que temos para vacinar – que é
entendido pelo meu interlocutor, e aparece de forma inferencial por meio da afirmação
“hj é dia de vacinação ei”. Vale observar que a expressão em questão é a reafirmação
de que meu interlocutor não irá levar o animal para vacinar, pois a primeira forma de
negar aparece de forma implícita e está presente na oração “quando tu chegar tu
vacina”.

Desta forma, ainda sobre o acréscimo de “já” à expressão, também podemos


verificar que não foi um acréscimo feito de forma aleatória, uma vez que perpassa pelo
processo cognitivo de domínio geral de categorização, pois o advérbio de tempo “já”
apresenta características morfossintáticas e semânticas similares, tanto no que se refere
ao “mas” quanto ao “quando”, para formar mais um possível chunking, que talvez possa
vir a ser uma variante da expressão “mas quando”. Veremos com mais detalhes sobre o
“já” na análise do dado (8) mais adiante, pois ele mais uma vez aparece em nossas
ocorrências.
61

Uma observação pertinente a fazer seria a de que não foram encontradas


ocorrências de dados híbridos ou ambíguos nas narrativas contidas nos livros analisados
do Projeto IFNOPAP.

USO 3 = USO DA EXPRESSÃO (CHUNKING)14


a) Isolado. Em forma de resposta negativa com justificativa
[mas quandoexpressão]

(10) V: Se alimpá o garapé15, ele fica bom. Porque nós tomava banho
aí, nós bibia água daí, nós lavava rôpa daí, agora não, não tens
condição. As coisa do hospital... e essa uma daqui... do pessoá
tudim, aí pronto...
E: agora não tem como?
V: Não
E: a senhora ia tomar banho agora?
V: Mas quaaaaaando, nem me fala... (Áudio 08)

Neste dado (10) o uso “mas quando” ocorre de forma isolada, aparecendo como
resposta à oração interrogativa que antecede a sua ocorrência. A justificativa para a
resposta negativa está no fato de que as coisas do hospital são jogadas agora no Igarapé
(= agora não, não tens condição. As coisa do hospital... e essa uma daqui... do pessoá
tudim, aí pronto...) e por isso ele se torna um rio sujo e poluído, inacessível para a
comunidade fazer o que antes faziam (= Porque nós tomava banho aí, nós bibia água
daí, nós lavava rôpa daí). Nós temos aí a ocorrência da expressão paraense em uma
única leitura, que neste caso está sendo o de negar a afirmação de que a informante V
nunca mais teria condições de tomar banho naquele rio do qual estavam falando.

Nossas pistas linguísticas apresentam-se de forma clara. A informante falava do


rio e dos benefícios que ele dava à comunidade, em seguida ela contrapõe a ideia de que
o rio é limpo por meio da frase “agora não” e continua a transformar suas orações em
orações negativas, justificando por que não se pode mais tomar banho naquele rio.

14
Vale lembrar que o USO 3 apresenta mais variações em relação às análises.
15
A escrita padrão é Igarapé, que seria um braço longo de rio ou canal, geralmente apropriado para
banho da população da região amazônica.
62

Adiante, a minha primeira pergunta está contendo o advérbio “não”, por talvez
já estar implícito para mim o posicionamento de minha interlocutora, e obtenho a
resposta da informante V que é apenas um outro “não”.

Por fim, mais uma pergunta foi feita por mim, desta vez uma pergunta
direcionada unicamente ao posicionamento pessoal da informante V, e ela, mais uma
vez, se expressa de forma negativa e enfática, caracterizada também pelo advérbio
“nem”, colocado posteriormente à expressão. Ou seja, de maneira nenhuma, de
forma alguma, em tempo nenhum, ela tomaria mais banho naquele rio. Além disso, a
expressão “mas quando” também apresenta uma ideia de retomada à pergunta feita
anteriormente (=mas quando que eu iria tomar banho neste rio).

Desta forma, então, situamos o dado (10) no USO 3 por estarmos diante, mais
uma vez, de um chunking formado por “mas” e “quando” dando origem a uma única
construção de novo valor semântico e pragmático.

b) Isolado. Resposta negativa com justificativa e contra- expectativa


[mas quandoexpressão]

(11) L: Lá dá muito bicho porque eu sempre vejo o pessoal pescando


eles puxam sempre peixe muito grande lá.
E: Eita...Qual o tamanho desse peixe?
L: Grande. Tipo tamanho dum...dum... Como é que chama aquele,
Pacu né? =
E: [hã]
L: = Aquele peixe maior
E: [ãham]
L: Né... Já vi desses, muita gente pescando lá e puxando já...
E: Como é o nome da do peixe? Pirarara?
L: Pirarara
E: Tu acreditas nisso?
L: na Pirara? Mas quando. Eu nunca vi, ((risos)) é muito grande,
muito muito grande =
M: [que engole criança, engole cachorro]
L: = A Pirara que engole criança =
M: [mentira]

L: = Isso é mentira, nunca vi não. ((ruídos))


M: Porque me falaram, o biólogo me falou que esse peixe não é
carnívoro. (Áudio 04)

Em (11), temos mais uma vez, no que tange ao contexto, marcas linguísticas
negativas como: não, mentira e nunca, que aparecem após à expressão mas quando
63

como forma de intensificar o seu valor negativo e de auxiliar nas justificativas para a
resposta negativa. A informante L, ao ser questionada sobre se acredita naquele peixe
chamado Pirarara, responde com a expressão amazônica e dá a justificativa nos
informando que não há como existir um peixe daquele tamanho “que engole criança,
engole cachorro”, afirmando inclusive que a informação da existência deste peixe é
falsa.

Entretanto, estamos também diante de uma contra- expectativa uma vez que
inicialmente a informante L descreve o peixe que seria o ser mítico (= eles puxam sempre
peixe muito grande lá (...) Grande. Tipo tamanho dum...dum... Como é que chama aquele, Pacu
né?) e, além disso, espera-se que, por se tratar de narrativas orais tradicionais das pessoas
daquela região, esta informante acredite no mito que deve sempre ouvir de várias
pessoas há muito tempo, todavia, por ela nunca ter visto, ela não acredita de jeito
nenhum naquilo e dá a resposta negativa não esperada. Em razão disso, temos, portanto,
mais uma vez o USO 3 em nossos dados.

c) Isolado. Opositivo. Com o acréscimo de “já”

[mas quandoexpressão]

(12)

Fonte: WhatsApp 05
64

No dado (12) acima, podemos observar a ocorrência de “mas” exercendo sua


função adversativa prototípica por duas vezes: “tbm, mas tem que correr atrás do leite
das crianças” e “Só meu filhote, mas é de coração”, além disso, no meio dessas
ocorrências há a expressão “mas quando” a qual o “mas” não traz mais de forma isolada
a sua função sintática de conectivo discursivo e de conjunção adversativa, como nos
demais, exercendo, juntamente com o “quando”, a função de contrapor a afirmação
dita na sentença oracional anterior em que eu afirmo que meu interlocutor “tava com
filho espalhado por aí”. Porém, para se opor à minha afirmação, meu interlocutor me
responde com a expressão paraense, querendo me dizer que ele “não tem filhos por aí”,
porém ressalta que tem apenas um filho, mas que este é somente de coração,
justificando dessa forma a sua resposta opositiva à minha afirmação.

Devemos analisar neste momento mais uma vez o acréscimo de “já” que
auxilia a demarcar este tempo que parece ser infinito, como já vimos no exemplo
anterior, e que, além disso, também pode vir a auxiliar a função de oposição que a
expressão “mas quando” carrega consigo. O “já” vem passando pelo processo de
gramaticalização, podendo exercer outras funções diferente de sua função base, pois,
segundo Martellota (1996) apud Cezario & Alonso (2013, p. 27)

[...] o mecanismo de mudança mais importante que envolve


operadores argumentativos é a chamada pressão de informatividade,
em que, determinados contextos, implicaturas conversacionais são
convencionalizadas, dando origem a um novo sentido, ou nova
função, a um elemento da língua. Esse mecanismo estaria, por
exemplo, na base de já com a função de marcador de contra-
expectativa para já comparativo.

No exemplo abaixo retirado de Martellota, (1996, p. 201) fica claro


constatarmos que o “já” além de carregar consigo valor temporal, apresenta função de
marcador de contraexpectativa, vejamos no exemplo abaixo:

(a) A Cláudia? A Cláudia está com dezesseis... vai fazer dezesseis anos agora,
entendeu? Já tem namoradinho, coisa e tal, já dá umas aulinhas de... aqui em
casa, é... português, matemática, tudo que ela gosta não é?
65

A contraexpectativa recai sobre o fato de ela ser bem nova, porém já tem
namorado e já trabalha dando aulas em casa. Isso nos leva a refletir sobre o acréscimo
do item “já” feito de forma posposta à expressão “mas quando” que apresenta também
essa função de oposição, ou seja, podemos dizer que o advérbio “já” se agrupou à
construção “mas quando” por meio da similaridade de categorias de “mas” e de
“quando”, pelo processo de analogia, segundo Bybee (2016). Portanto, neste dado, a
expressão “mas quando” não apresenta outra função a não ser a de oposição e, por isso,
se enquadra no USO 3.

d) Isolado. Opositivo. Sem justificativa

[mas quandoexpressão]

(13) Em Manaus, tinha uma caveira que, de vez em quando...


Passavam lá nela, assim... Dizem que era um corredor, parece no
hospital, não sei o quê. Aquela caveira em pé. Ela dizia assim:
- Caveira, o que foi que te matou?
Dizem que ela botava a língua pra fora. Foi a língua que matou
ela. Dizem que aquela linguona pra fora, da caveira...
Eu dizia:
- Mas quando, Dona Maria!
- É certo, Dona...
A Dona Maria do seu Joaquim, mãe do Ari, contava essas piadas
e muitas coisas que a gente vê... (Santarém conta... p. 18)

Em (13), o qual foi extraído também do livro de narrativas orais “Santarém


conta...”, nos apresenta um primeiro “quando” com sua função de tempo marcado
dentro de um lugar chamado Manaus “de vez em quando”.

O segundo “quando” ocorre no chunking “mas quando” com função opositiva,


discordando da afirmação indireta, marcada pelo “dizem”, anteposta à expressão.
Podemos perceber que a expressão está posta de forma isolada, não nos dando margem
para outras interpretações a não ser a da discordância, pois a interlocutora de Dona
Maria não acredita de “forma alguma” ou de “jeito nenhum” que aquela caveira teria
morrido daquele jeito, ou até mesmo na história toda, se opondo, então, a tudo o que
fora dito anteriormente. Entretanto, Dona Maria volta a afirmar que a história é verídica,
encerrando o diálogo com “É certo, Dona...”.
66

O acréscimo de um vocativo é considerado comum entre os dados, neste caso o


“Dona Maria” não aparece da mesma forma e função de “já” e de “que”, visto nos
demais dados analisados anteriormente, por exemplo. A ocorrência de uma vírgula
separando o vocativo da expressão nos deixa claro que há uma separação entre eles,
logo, “mas quando” aparece de forma isolada. Por esse motivo, situamos o dado (13) no
USO 3.

e) Isolado. Opositivo. Com justificativa

[mas quandoexpressão]

(14)

Fonte: WhatsApp 06

Neste dado (14) temos a presença da expressão “mas quando” cumprindo a


função de contrariar ou opor o que foi de fato dito anteriormente, sem precisarmos
fazer inferências e precedido de uma justificativa (= já esteve mais frio). É interessante
ressaltar que este dado não apresenta marcas linguísticas gramaticais que negam as
orações ditas, apenas a expressão, seguida de sua justificativa, ou seja, o informante
quis dizer que: “De jeito nenhum, em tempo algum, nunca que esse foi o dia mais frio,
pois já esteve mais frio e ainda haverá dias mais frios”. Temos neste momento mais um
contexto em que o chunking “mas quando” se manifesta de forma clara, e, por essa
razão, se enquadra no USO 3.
67

f) Isolado. Negativo. Sem justificativa

[mas quandoexpressão]

(15)

Fonte: WhatsApp 07

No dado acima temos a ocorrência da expressão “mas quando” sem


justificativa, ocorrendo em resposta a uma pergunta (= Vc trouxe o açaí?). Nota-se que
novamente não há a presença de outros elementos linguísticos que caracterizam uma
negação, apenas a expressão. Isso nos mostra que ela pode exercer claramente a função
de negar algo sem o auxílio de outras formas com funções negativas, como já fora
atestado também no exemplo anterior a este, ou seja, o chunking “mas quando” aparece
com suas características bem determinadas.

Para finalizar esta sessão, devo informar que, ao todo, foram coletados, por
mim, 56 dados no que tange aos dois formatos (corpus digital e corpus de fala).
Portanto, para a presente pesquisa temos:
39 ocorrências no corpus digital que foram subdivididos em:
a) 10 ocorrências do USO 1;
b) 01 ocorrência do USO 2;
c) 28 ocorrências do USO 3.

17 ocorrências no corpus de fala que foram subdivididos em:


a) 03 ocorrências do USO 1;
b) 06 ocorrências do USO 2;
c) 08 ocorrências do USO 3.
68

Logo, temos, numa análise quantitativa:


a) 13 ocorrências do USO 1 = 23,21%
b) 07 ocorrências do USO 2 = 12,50%
c) 36 ocorrências do USO 3 = 64,29 %

Portanto, é coerente afirmar que o USO 3 é o mais recorrente e aparece com


maior frequência em nosso banco de dados exclusivamente paraense.
69

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentamos neste trabalho os usos funcionais de “mas” e “quando” na fala do


paraense por meio de dados coletados em situações de fala/escrita real. Encontramos, na
análise dos dados, 3 (três) formas de uso desses elementos, nas quais a primeira forma
se dá no uso dito comum entre falantes da Língua Portuguesa no Brasil, o que
nomeamos de USO 1. Neste uso “mas” e “quando” aparecem juntos, entretanto, o
quando possui a característica da mutabilidade em relação à sua posição, pois as
conjunções podem aparecer longe uma da outra, mas continuam apresentando suas
funções sintáticas. O “mas” introduz orações coordenadas, já o “quando”, hipotáticas
adverbiais temporais.

Na segunda forma, a qual nomeamos de USO 2, “mas” e “quando” aparecem


nos dados nos dando mais de uma possibilidade de interpretação, podendo, ora
funcionar como expressão paraense com carga negativa e opositiva, ora sendo parte de
uma oração interrogativa semelhante à funcionalidade de “mas como?”, por isso,
dizemos que esse USO 2 é híbrido em sua análise.

Temos, portanto, a expressão cristalizada e marcada na fala do paraense em que


“mas” e “quando” aparecem juntos e inseparáveis quanto a sua sequência. Neste USO 3
temos apenas a expressão funcionando com função negativa e opositiva em relação ao
que foi dito anteriormente. Nos dados, ela aparece de forma isolada e sem a ocorrência
do pronome “que” posposto à expressão, fato que ocorre com muita frequência nos
dados híbridos do USO 2, o que talvez possa também ajudar a dar o caráter de oração
interrogativa nestes usos. No entanto, nesta forma isolada podemos destacar a
ocorrência do advérbio “já” posposto à expressão, podendo ter a função de enfatizar o
caráter opositivo de “mas quando”.

Além disso, gostaríamos de ressaltar que utilizamos os estudos funcionalistas da


Teoria Centrada no Uso, mais precisamente nos embasando no que Bybee (2010) nos
traz em relação aos processos cognitivos de domínios gerais. Destacamos então
categorização, analogia e chunking. A partir disso, atestamos que há a polissemia
linguística sincrônica da sequência “mas quando” para os falantes paraenses. Sendo que
no USO 3 a expressão em questão coocorre com outras formas negativas já conhecidas
em nossos estudos linguísticos e gramaticais da Língua Portuguesa no Brasil e que essas
formas também contribuem para termos o entendimento semântico e pragmático de que
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a expressão em questão tem função negativa, como bem demonstra a análise de nossos
dados.

Esperamos que nossa pesquisa contribua para os estudos relacionados à


linguagem da região amazônica. Pretendemos, também, aprofundar em pesquisas
futuras, a importância da análise prosódica da expressão “mas quando”, para
possivelmente sanar a dúvida da hibridez atestada nos dados referentes ao USO 2 desta
pesquisa, bem como viabilizar o estudo diacrônico da expressão.

Por fim, posso dizer que essa pesquisa foi de enorme relevância para auxiliar no
meu entendimento sobre a formação e a funcionalidade de expressões paraenses, em
especial da expressão “mas quando”, pois, a partir desse trabalho, posso dar o devido
retorno à comunidade de minha região em relação ao uso de nossas expressões
particulares.
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74

ANEXO 01 – Prints do WhatsApp, Facebook e Messenger


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ANEXO 02 - Transcrição dos dados de áudio contendo “MAS QUANDO”


Áudio 01
D: é:: eu estava com a Michelli esperando o horário do almoço daí ela começou a contar
a história da irmã dela que...quando eram menores elas moravam aqui em Breves
mas...quando a parte da estrada ainda não era construída alí na primeira rua, na rua da
igreja.

Áudio 02
E : mas tu acreditas nessas coisas?
D: Olha maninha...acreditar, eu acredito. Eu sinceramente não sei se eu teria...coragem
realmente de continuar vindo estudar aqui a noite.
E: entendi... mas por quê?
D: ma:na, mas qua:ndo que eu ia me meter na á:gua com cobra gra:nde, com bi:cho, no
escu:ro, num barco peque:no, de remo...tá doida, menina (?)

Áudio 03
B: A minha mãe ela disse que ela viu quando ela era adolescente, que ela ia pra casa ne
antigamente ela morava pra aí pra tipo Santa Cruz, lá pra são Pedro não sei o que... aí
ela.. ela disse que ela viu assim no caminho um homem todo de branco, sentado... aí eu
falei...aí eu falei pra ela que aonde já que a senhora viu alguma coisa, ne? Aí ela falô: vi
vi esse homem que ele tava...que ele tava...sentado aí ele me chamô. Hum... mas
quando que a pessoa vai, não?[risos]

R: Uma outra coisa também que aconteceu comigo, foi... foi... eu nunca ia em velório,
né.
E: [hum]
R: mas:: eu resolvi ir num velório de um pessoal lá de perto de casa, de um cara que
tinha morrido, aí pow, criança, né... Aí disq a minha mãe disse não pi:sa na porra da
pedra do cemitério, da entrada do cemitério. E eu não dei atenção pra isso, né.. aí pow
eu cheguei lá... fui no velório tranquilo mas eu pisei na pedra, entendeu? Eu pisei na
pedra e cara... nos outros dias já era pesadelo, pesadelo, pesadelo... cara... passei sete
dias de pesadelo e tipo assim, quando tinha velório, mas quando que eu ia no
cemitério, sabe? Tipo assim, eu ficava com medo de pisar de novo na pedra e ter
pesadelo de novo...

B: Uma vez ele ficou com tanta raiva dela que ele coloco... um um sutiã dela na casa do
cupim, aí dizem na macumba né que quando o cupim acaba de comer aquela roupa que
é da pessoa... a pessoa morre né... aí ela, ele colocô...
R: me dá um sutiã teu? (risos)
E: [tá doidé?] (risos)
B: Aí isso passou o tempo tempo, eles se separa:ram, aí a mamãe...
R: [Mas quando que dá não?]
quebrando uma uma parede lá pra pra...fazer uma reforma né? Encontrou a casa do
cupim, mas o sutiã dela não tava comido...
81

Áudio 04
M: Um aluno meu falô também, que eles batem na água (barulho da mão batendo em
algo sólido) com resto de comida assim e os boto vem na beira, eu não acreditei muito
né? Aí ele disse que era, que tinha, não sei o que...aí eu falei mas qua:ndo que o boto
vem na beira comer da tua mão Mesak? Não tem...Tem sim professora, se a senhora
quiser a senhora vai cedinho lá comigo, 6 horas...

M: onde é esse paredão?


L: É pra lá... é... no jardim tropical.
M: mas o que é? É da empresa que tem lá? ((ruído))
L: Não... é tipo um ligar que eles usam pra tomar banho, eles...é...colocaram um monte
de tábua aí vai descendo... chamam paredão porque vai descendo tipo uma rampa no
fundo.
M: Ahhh..Não foi lá que a menina caiu e bateu a cabeça né?
L: Huuum... Mas... Mas quando não foi lá não. Foi em outro...outro trapiche que fica
mais longe de lá, porque lá são vários né que tem...

L: Lá dá muito bicho porque eu sempre vejo o pessoal pescando eles puxam sempre
peixe muito grande lá.
E: Eita...Qual o tamanho desse peixe?
L: Grande. Tipo tamanho dum...dum... Como é que chama aquele, Pacu né? =
E: [hã]
L: = Aquele peixe maior
E: [ãham]
L: Né... Já vi desses, muita gente pescando lá e puxando já...
E: Como é o nome da do peixe? Pirarara?
L: Pirarara
E: Tu acreditas nisso?
L: na Pirara? Mas quando. Eu nunca vi, ((risos)) é muito grande, muito muito grande =
M: [que engole criança, engole cachorro]
L: = A Pirara que engole criança =
M: [mentira]
L: = Isso é mentira, nunca vi não. ((ruídos))
M: Porque me falaram, o biólogo me falou que esse peixe não é carnívoro.

Áudio 05
B: A Igreja é do lado da rua, a santa é no outro, ou seja, tudo na frente da cidade, né... aí
eles falam que tipo se derrubar a igreja matriz, a cobra ela vai destruir toda a cidade de
Breves, ela vai devastar tudo aqui...Mas:: tipo eu não acredito...eu por exemplo não
acredito, mas quando, não é comigo não esse...
E: E vocês acreditam nisso?
J: Não...é lenda.

M: Ela contou essa história que esse peixe comeu... essa criança. E aí... a gente...
quando ela... claro o Rodrigo era o era o mais bagunceiro de lá e ele era o que morava
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lá, né... queria que a gente voltasse pra água depois... aí ela falou NÃO. Mas quando.
Não vou não vou de jeito nenhum [risos]. E aí a gente passô...isso foi já próximo da
gente vim embora. A gente veio tomar banho no rio, a gente tomava banho num
chuveirinho...

Áudio 06
J: Eu fico encucado que lá na rua de casa não foi só a... senhora que viu, até hoje ainda é
viva, ela anda né...com um negocinho, uma vassourinha. É, até hoje ela conta pá, pros
moleque assim, né...ela mora mais lá pra frente... mais lá pra frente de casa. Não, é sério
pow, porque minha tia viu, a outra vizinha que hoje não mora lá... lá perto de casa viu, o
meu colega viu, que hoje não mora também lá perto de casa, e...e...as minhas duas irmãs
também, aí...tipo ansim, passa a ser ansim, ser dúvida, né. Será que é verdade mesmo,
será que num é? Aí aí...fica a interrogação, né. Aí já passa a ser a verdade
porque...[ruídos] mais de uma pessoa... [ruídos] mais de uma pessoa falou, aí mas
quando que a pessoa ia falar algo, ansim, a mesma da outra né? Não poderia isso, claro.

Áudio 07
M2: Ah titia, não teve nada nessa casa que não fosse revirado. Tudo foi revirado. Tudo.
Pilhas de papel... Vamos revirar tudinho de novo. Não tia, não vai, não adianta. Eu vim
pra acha porque vocês procuraram mas não acharam, mas eu vou achá, aí jogaram uma
bolsa em cima da cama, aí eu peguei a bolsa...mas quaaaando titia, nessa bolsa aí o
pessoal da família todos já procuraram, TODOS...

Áudio 08
V: Se alimpá o garapé, ele fica bom. Porque nós tomava banho aí, nós bibia água daí,
nós lavava rôpa daí, agora não, não tens condição. As coisa do hospital... e essa uma
daqui... do pessoá tudim, aí pronto...
E: agora não tem como?
V: Não
E: a senhora ia tomar banho agora?
V: Mas quaaaaaando, nem me fala...

M: Eles ficam lá e tem gente mora nesses barcos na beira do rio... e o pessoal acha
que...acha que se jogar resto de comi:da, essas coisas...eles vão lá pra beira pra se
alimentar...né, tem muitas famílias que moram né...eu até duvidei um pouco assim,
como é que essas pessoas podem moram num barco? Depois eu pensei né... tem rede,
tem banheiro dentro...Égua mas quando que a pessoa vai conseguir sobreviver num
lugar desse frio, com muito vento, né? Mas depois que se enrola na rede... eu tenho um
aluno que mora dentro dum...dum barco desse com a família dele, né...não tem casa.
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ANEXO 03 – Transcrições dos livros do Projeto IFNOPAP

Um dia eu estava... eu fui caçar numa serra. Aí, quando eu


vinha baixando, era, mais ou menos meia noite. Estava
claro, a lua estava... bem claro na estrada. Aí quando eu
cheguei em cima da ponte. É, a ponte... ela era segura.
Mas, quando eu pisei em cima da ponte, que eu cheguei no
meio da ponte... É, a ponte, ela correu de canto a canto,
como quem queria cair, a ponte. (Santarém Conta... p. 66)

Em Manaus, tinha uma caveira que, de vez em quando...


Passavam lá nela, assim... Dizem que era um corredor,
parece no
hospital, não sei o quê. Aquela caveira em pé. Ela dizia
assim:
- Caveira, o que foi que te matou?
Dizem que ela botava a língua pra fora. Foi a língua que
matou ela. Dizem que aquela linguona pra fora, da caveira...
Eu dizia:
- Mas quando, Dona Maria!
- É certo, Dona...
A Dona Maria do seu Joaquim, mãe do Ari, contava essas
piadas e muitas coisas que a gente vê...
(Santarém conta... p. 18)

(...) Podia ter uma tábua no meio, podia ter uma parede,
mas, quando aquilo andava em mim, eu enxergava aquela
pessoa que vinha... (Santarém conta... p 68)

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