IEC 1 - 2024 - Aula 18

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FLC0112 – Introdução aos Estudos Clássicos 1

Aula 18
O ciclo troiano 4: os retornos
[Mas antes: pequena retomada iconográfica da Odisseia]
Telêmaco partindo para
Pilos e Penélope ao tear
Skýphos de figuras
vermelhas, Atenas, c. 440
a.C., Museo Archeologico
Nazionale, Chiusi.

cf. MTDK, cat. 192


Odisseu e Nausícaa
Cântaro de figuras vermelhas, Ática, c. 440-430 a.C.,
British Museum.

cf. TMR, p. 118


Odisseu, Atena e Nausícaa;
meninas com roupas
Ânfora de figuras vermelhas, Atenas, c.
440 a.C., München, Staatliche
Antikensammlung und Glyptothek

cf. MTDK, cat. 165


Odisseu e seus companheiros cegam Polifemo
Crtera, Cumas, c. 680-670 a.C., Musei Capitolini,
Roma

cf. MTDK, cat. 170


Odisseu e seus companheiros cegam Polifemo
Ânfora de figuras negras, Sul da Itália, c. 520 a.C.,
British Museum.

cf. TMR, p. 112;


MTDK, cat. 171
Odisseu e seus companheiros cegam
Polifemo
Cana de figuras negras, Atenas, c. 500 a.C.,
Paris, Musée du Louvre.

cf. MTDK, cat. 172


Odisseu e seus companheiros
cegam Polifemo
Conjunto escultórico em
mármore, cópia romana (s. I
a.C.) de um original
helenístico, Museo
Archeologico Nazionale di
Sperlonga (encontrado em
1957 e bastante restaurado)
Fuga da caverna de Polifemo
Cratera de figuras negras, Atenas, c. 510 a. C.,
Badisches Landesmuseum Karlsruhe.

cf. MTDK, cat. 174


Fuga da caverna de Polifemo
Hydria de figuras negras, Atenas, s. V a.C. (início),
Mykonos, Archäologisches Museum.

cf. MTDK, cat. 175


Odisseu e Circe
Enócoa, c. 450 a.C., Paris, Musée du Louvre

cf. HLLS, cat. 125


Odisseu perseguindo Circe depois da metamorfose de
seus companheiros em porcos
Cratera de figuras vermelhas, c. 475-425 a.C., New York,
The Metropolitan Museum of Art

cf. HLLS, cat. 126


Odisseu e Circe
cf. MTDK, cat. 179 Cálice, Tebas (Beócia), último quarto do s. V a.C., Akademisches
Kunstmuseum – Antikensammlung der Universität Bonn
Odisseu e as sereias
cf. MTDK, cat. 183 Vaso de unção, Corinto, c. 590 a.C., Antikenmuseum
Basel und Sammlung Ludwig
Sereia
Alabastro de figuras negras, Corinto, s. VII a.C., Corinto,
Laon, Musée d’Art et d’Archéologie
cf. HLLS, cat. 99
Cila
Cratera de figuras negras, Beócia (Grécia), c. 480-
460 a.C., Paris, Musée du Louvre

cf. HLLS, cat. 114


Cila
Fragmento de jarro, Apúlia, c. 390-380 a.C.,
Antikenmuseum Basel und Sammlung Ludwig

cf. MTDK, cat. 189


Cila
Áskos, Apúlia, c. 300 a.C., Reiss-Engelhorn-Museen
Mannheim

cf. MTDK, cat. 188


Odisseu e Calipso
Hydria, Lucânia, c. 390-380 a.C., Museo
Archeologico Nazionale, Napoli
cf. MTDK, cat. 161
Argos reconhece Odisseu
Joia (cornalina), Roma. s. I d.C., Antikenmuseum
Basel und Sammlung Ludwig

cf. TMR, p. 118 cf. MTDK, cat. 196


Euricleia lava os pés de Odisseu e o reconhece
Skýphos de figuras vermelhas, Atenas, c. 440 a.C.,
cf. MTDK, cat. 192 Museo Archeologico Nazionale, Chiusi.
Odisseu retesa o arco contra os pretendentes Os pretendentes tentam se defender contra as setas
Taça (skyphos) de figuras vermelhas, Ática, c. 440 Outro lado do mesmo skyphos.
a.C., Antikensammlung, Berlin.

cf. TMR, p. 122 e 123


Massacre dos pretendentes
Cratera, Cápua (Campânia), c. 330 a.C., Paris,
Musée du Louvre.

cf. MTDK, cat. 198


Massacre dos pretendentes
Fragmento de jarro de figuras vermelhas, Apúlia,
420-410 a.C., Antikenmuseum Basel und
Sammlung Ludwig

cf. MTDK, cat. 197


Ulisses encontrando Penélope
Fragmento arquitetural, Milos Fragmento arquitetural, Milos
(Grécia), 450 a.C., Paris, Musée du (Grécia), 460-450 a.C., Paris, Musée
Louvre du Louvre

cf. HLLS, cat. 131 e 132


1. Os retornos
1.1. Os retornos na Odisseia

Cf., inter alia, 3.130-198 e 3.254-312 (Nestor); 4.351-586 (Menelau, incluindo relatos de Proteu); 9.39-
81 (Odisseu); 11.409-434 (Agamêmnon), além de: 4.81-94; 4.120-136; 4.219-232; 9. 39-81; 11.533-537
Os retornos na Odisseia 1: matéria do canto aédico
Odisseia, 1, 325-329; 336-355

Citaredo
Ânfora de figuras vermelhas, Ática, c. 490 a.C.,
Metropolitan Museum of Art, New York
325 τοῖσι δ᾽ ἀοιδὸς ἄειδε περικλυτός, οἱ δὲ σιωπῇ Cantava para eles o célebre aedo, e eles em silêncio
ἥατ᾽ ἀκούοντες: ὁ δ᾽ Ἀχαιῶν νόστον ἄειδε estavam sentados a ouvir. O regresso dos Aqueus ele cantava,
λυγρόν, ὃν ἐκ Τροίης ἐπετείλατο Παλλὰς Ἀθήνη. triste [regresso], que de Troia lhes infligira Palas Atena.
τοῦ δ᾽ ὑπερωιόθεν φρεσὶ σύνθετο θέσπιν ἀοιδὴν De seus altos aposentos no espírito percebeu o canto sortílego
κούρη Ἰκαρίοιο, περίφρων Πηνελόπεια: [...] a filha de Icário, a sensata Penélope. [...]

δακρύσασα δ᾽ ἔπειτα προσηύδα θεῖον ἀοιδόν: Chorando assim falou ao aedo divino:
‘Φήμιε, πολλὰ γὰρ ἄλλα βροτῶν θελκτήρια οἶδας, “Fêmio, sabes muitos outros encantamentos de homens,
ἔργ᾽ ἀνδρῶν τε θεῶν τε, τά τε κλείουσιν ἀοιδοί: façanhas de homens e deuses, como as celebram os aedos.
τῶν ἕν γέ σφιν ἄειδε παρήμενος, οἱ δὲ σιωπῇ Uma delas canta agora, aí sentado; e que em silêncio
340 οἶνον πινόντων: ταύτης δ᾽ ἀποπαύε᾽ ἀοιδῆς eles bebam o vinho. Mas cessa já esse canto tão triste,
λυγρῆς, ἥ τέ μοι αἰεὶ ἐνὶ στήθεσσι φίλον κῆρ que sempre no peito o coração me desgasta,
τείρει, ἐπεί με μάλιστα καθίκετο πένθος ἄλαστον. pois imensamente me atingiu uma dor inesquecível.
τοίην γὰρ κεφαλὴν ποθέω μεμνημένη αἰεί, Tal é a cabeça que desejo com saudade, sempre recordada,
ἀνδρός, τοῦ κλέος εὐρὺ καθ᾽ Ἑλλάδα καὶ μέσον Ἄργος.’ do homem cuja fama é vasta na Hélade e no meio de Argos.”
τὴν δ᾽ αὖ Τηλέμαχος πεπνυμένος ἀντίον ηὔδα: A ela respondeu por sua vez o prudente Telêmaco:
‘μῆτερ ἐμή, τί τ᾽ ἄρα φθονέεις ἐρίηρον ἀοιδὸν “Minha mãe, por que razão levas a mal que o fiel aedo
τέρπειν ὅππῃ οἱ νόος ὄρνυται; οὔ νύ τ᾽ ἀοιδοὶ nos deleite por onde a mente o incita? Não são os aedos
αἴτιοι, ἀλλά ποθι Ζεὺς αἴτιος, ὅς τε δίδωσιν os responsáveis, mas Zeus é responsável: ele que dá
ἀνδράσιν ἀλφηστῇσιν, ὅπως ἐθέλῃσιν, ἑκάστῳ. aos homens comedores de pão o que quer a cada um.
350 τούτῳ δ᾽ οὐ νέμεσις Δαναῶν κακὸν οἶτον ἀείδειν: Não é justo levarmos a mal que ele cante a desgraça dos Dânaos.
τὴν γὰρ ἀοιδὴν μᾶλλον ἐπικλείουσ᾽ ἄνθρωποι, Pois as pessoas apreciam de preferência aquela canção
ἥ τις ἀκουόντεσσι νεωτάτη ἀμφιπέληται. que, recentíssima, estiver no ar para os ouvintes.
σοί δ᾽ ἐπιτολμάτω κραδίη καὶ θυμὸς ἀκούειν: Que o teu espírito e o teu coração ousem ouvir.
οὐ γὰρ Ὀδυσσεὺς οἶος ἀπώλεσε νόστιμον ἦμαρ Não foi só Odisseu que perdeu o dia do regresso
355 ἐν Τροίῃ, πολλοὶ δὲ καὶ ἄλλοι φῶτες ὄλοντο. em Troia; também pereceram muitos outros homens.”

(trad. Frederico Lourenço)


Os retornos na
Odisseia 2: o mau
retorno
Odisseia, 4, 485-537

Odisseu e as sereias
Stamnos, Ática, c. 480-470 a.C.,
British Museum
485 ταῦτα μὲν οὕτω δὴ τελέω, γέρον, ὡς σὺ κελεύεις. “Tudo isto cumprirei, ó ancião, como tu ordenas.
ἀλλ᾽ ἄγε μοι τόδε εἰπὲ καὶ ἀτρεκέως κατάλεξον, Mas diz-me isto agora e fala com exatidão,
ἢ πάντες σὺν νηυσὶν ἀπήμονες ἦλθον Ἀχαιοί, se com suas naus regressaram incólumes todos os Aqueus,
οὓς Νέστωρ καὶ ἐγὼ λίπομεν Τροίηθεν ἰόντες, todos os que Nestor e eu deixamos, quando partimos de Troia.
ἦέ τις ὤλετ᾽ ὀλέθρῳ ἀδευκέι ἧς ἐπὶ νηὸς Ou houve alguém que tenha morrido na nau de morte cruel,
490 ἠὲ φίλων ἐν χερσίν, ἐπεὶ πόλεμον τολύπευσεν.’ ou nos braços de amigos, depois de ele ter atado os fios da guerra?”

ὣς ἐφάμην, ὁ δέ μ᾽ αὐτίκ᾽ ἀμειβόμενος προσέειπεν: Assim falei; e ele, respondendo, disse-me estas palavras:
Ἀτρεΐδη, τί με ταῦτα διείρεαι; οὐδέ τί σε χρὴ “Atrida, por que me interrogas sobre estas coisas?
ἴδμεναι, οὐδὲ δαῆναι ἐμὸν νόον: οὐδέ σέ φημι Não te compete compreender nem conhecer a minha mente.
δὴν ἄκλαυτον ἔσεσθαι, ἐπὴν ἐὺ πάντα πύθηαι. E digo que não ficará muito tempo sem chorar, quando tudo
495 πολλοὶ μὲν γὰρ τῶν γε δάμεν, πολλοὶ δὲ λίποντο: souberes; pois muitos deles morreram e muitos ficaram para trás.
ἀρχοὶ δ᾽ αὖ δύο μοῦνοι Ἀχαιῶν χαλκοχιτώνων Mas só dois soberanos dos Aqueus de brônzea armadura
ἐν νόστῳ ἀπόλοντο: μάχῃ δέ τε καὶ σὺ παρῆσθα. morreram no regresso; quanto à guerra, tu próprio estiveste lá.
εἷς δ᾽ ἔτι που ζωὸς κατερύκεται εὐρέι πόντῳ. Há outro que talvez ainda viva, embora retido no vasto mar.
Αἴας μὲν μετὰ νηυσὶ δάμη δολιχηρέτμοισι. Ájax encontrou a morte no meio das suas naus de longos remos.
500 Γυρῇσίν μιν πρῶτα Ποσειδάων ἐπέλασσεν Primeiro foi Posêidon que o atirou contra os grandes
πέτρῃσιν μεγάλῃσι καὶ ἐξεσάωσε θαλάσσης: rochedos de Giras, mas depois salvou-o do mar.
καί νύ κεν ἔκφυγε κῆρα καὶ ἐχθόμενός περ Ἀθήνῃ, E teria fugido da morte, embora detestado por Atena,
εἰ μὴ ὑπερφίαλον ἔπος ἔκβαλε καὶ μέγ᾽ ἀάσθη: se não tivesse cometido um ato insensato, proferindo
φῆ ῥ᾽ ἀέκητι θεῶν φυγέειν μέγα λαῖτμα θαλάσσης. uma palavra ufanosa: disse que era à revelia dos deuses
que escapara ao grande golfo do mar.
505 τοῦ δὲ Ποσειδάων μεγάλ᾽ ἔκλυεν αὐδήσαντος: Posêidon ouviu-o falar assim de modo tão ousado
αὐτίκ᾽ ἔπειτα τρίαιναν ἑλὼν χερσὶ στιβαρῇσιν e logo pegou no tridente com suas mãos poderosas:
ἤλασε Γυραίην πέτρην, ἀπὸ δ᾽ ἔσχισεν αὐτήν: bateu no rochedo de Giras, partindo-o a meio.
καὶ τὸ μὲν αὐτόθι μεῖνε, τὸ δὲ τρύφος ἔμπεσε πόντῳ, Uma parte permaneceu no seu lugar; mas a outra caiu no mar:
τῷ ῥ᾽ Αἴας τὸ πρῶτον ἐφεζόμενος μέγ᾽ ἀάσθη: aquela em que Ájax estava sentado quando se lhe obnubilou
510 τὸν δ᾽ ἐφόρει κατὰ πόντον ἀπείρονα κυμαίνοντα. o espírito: e foi levado para as profundezas ilimitadas do mar.
ὣς ὁ μὲν ἔνθ᾽ ἀπόλωλεν, ἐπεὶ πίεν ἁλμυρὸν ὕδωρ. Foi aí que morreu afogado, depois de ter bebido água salgada.
σὸς δέ που ἔκφυγε κῆρας ἀδελφεὸς ἠδ᾽ ὑπάλυξεν Quanto a teu irmão, fugiu ao destino, evitando-o
ἐν νηυσὶ γλαφυρῇσι: σάωσε δὲ πότνια Ἥρη. nas côncavas nas, pois salvou-o a excelsa deusa Hera.
ἀλλ᾽ ὅτε δὴ τάχ᾽ ἔμελλε Μαλειάων ὄρος αἰπὺ Mas quando estava prestes a se aproximar da elevação
515 ἵξεσθαι, τότε δή μιν ἀναρπάξασα θύελλα escarpada da Maleia, foi apanhado por uma tempestade
πόντον ἐπ᾽ ἰχθυόεντα φέρεν βαρέα στενάχοντα, que o levou, gemendo profundamente, sobre o mar piscoso
ἀγροῦ ἐπ᾽ ἐσχατιήν, ὅθι δώματα ναῖε Θυέστης até a extremidade do campo, onde anteriormente vivera
τὸ πρίν, ἀτὰρ τότ᾽ ἔναιε Θυεστιάδης Αἴγισθος. Tiestes, mas onde vivia agora Egisto, filho de Tiestes.
ἀλλ᾽ ὅτε δὴ καὶ κεῖθεν ἐφαίνετο νόστος ἀπήμων, Quando também daqui lhe foi outorgado um bom regresso
520 ἂψ δὲ θεοὶ οὖρον στρέψαν, καὶ οἴκαδ᾽ ἵκοντο, (mudaram de novo os deuses a direção do vento) e a casa
ἦ τοι ὁ μὲν χαίρων ἐπεβήσετο πατρίδος αἴης chegou, foi com alegria que Agamêmnon pisou a pátria:
καὶ κύνει ἁπτόμενος ἣν πατρίδα: πολλὰ δ᾽ ἀπ᾽ αὐτοῦ tocando na terra, beijou-a; e copiosamente lhe caíram
δάκρυα θερμὰ χέοντ᾽, ἐπεὶ ἀσπασίως ἴδε γαῖαν. lágrimas quentes dos olhos, porque vira, feliz, a sua terra.
τὸν δ᾽ ἄρ᾽ ἀπὸ σκοπιῆς εἶδε σκοπός, ὅν ῥα καθεῖσεν Vira-o porém da sua atalaia o vigia que ali postara
525 Αἴγισθος δολόμητις ἄγων, ὑπὸ δ᾽ ἔσχετο μισθὸν o ardiloso Egisto, tendo-lhe prometido uma recompensa
χρυσοῦ δοιὰ τάλαντα: φύλασσε δ᾽ ὅ γ᾽ εἰς ἐνιαυτόν, de dois talentos de ouro. Durante um ano ali vigiara com receio
μή ἑ λάθοι παριών, μνήσαιτο δὲ θούριδος ἀλκῆς. de que Agamêmnon passasse sem ser visto e fizesse alguma
βῆ δ᾽ ἴμεν ἀγγελέων πρὸς δώματα ποιμένι λαῶν. corajosa façanha. O vigia foi dar a notícia ao Pastor de Povos.
αὐτίκα δ᾽ Αἴγισθος δολίην ἐφράσσατο τέχνην: Imediatamente pensou Egisto numa artimanha traiçoeira.
530 κρινάμενος κατὰ δῆμον ἐείκοσι φῶτας ἀρίστους Escolhendo os vinte melhores homens dentre o povo,
εἷσε λόχον, ἑτέρωθι δ᾽ ἀνώγει δαῖτα πένεσθαι. fê-los armar uma emboscada; mas do outro lado preparou
αὐτὰρ ὁ βῆ καλέων Ἀγαμέμνονα, ποιμένα λαῶν um festim. Então saiu Egisto para receber Agamêmnon,
ἵπποισιν καὶ ὄχεσφιν, ἀεικέα μερμηρίζων. o Pastor de Povos, com carros e cavalos, planejando embora
τὸν δ᾽ οὐκ εἰδότ᾽ ὄλεθρον ἀνήγαγε καὶ κατέπεφνεν coisas vergonhosas. Trouxe-o para casa, insciente da desgraça;
535 δειπνίσσας, ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃ. e depois que Agamêmnon jantou, Egisto matou-o como a um boi.
οὐδέ τις Ἀτρεΐδεω ἑτάρων λίπεθ᾽ οἵ οἱ ἕποντο, Nenhum dos companheiros do Atrida foi poupado;
οὐδέ τις Αἰγίσθου, ἀλλ᾽ ἔκταθεν ἐν μεγάροισιν. nenhum de Egisto: todos foram chacinados no palácio.”

(trad. Frederico Lourenço)


Os retornos na Odisseia 3: a Oresteia
Odisseia, 11, 395-434; 3, 297-316

Assassinato de Clitemnestra
Ânfora, c. 350-320 a.C., J. Paul
Getty Museum
395 τὸν μὲν ἐγὼ δάκρυσα ἰδὼν ἐλέησά τε θυμῷ, Rompi a chorar assim que o vi e comoveu-se o meu coração.
καί μιν φωνήσας ἔπεα πτερόεντα προσηύδων: Falando, proferi palavras apetrechadas de asas:
‘Ἀτρεΐδη κύδιστε, ἄναξ ἀνδρῶν Ἀγάμεμνον, “Glorioso Atrida, Agamêmnon, Soberano dos Homens,
τίς νύ σε κὴρ ἐδάμασσε τανηλεγέος θανάτοιο; como te venceu o destino da morte de prolongada tristeza?
ἦε σέ γ᾽ ἐν νήεσσι Ποσειδάων ἐδάμασσεν Terá sido Poseidon que te venceu embarcado nas naus,
400 ὄρσας ἀργαλέων ἀνέμων ἀμέγαρτον ἀυτμήν; depois de ter incitado uma pródiga rajada de ventos cruéis?
ἦέ σ᾽ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ᾽ ἐπὶ χέρσου Terão sido homens hostis a fazer-te mal em terra firme,
βοῦς περιταμνόμενον ἠδ᾽ οἰῶν πώεα καλά, enquanto lhes dizimavas o gado e as ovelhas de bela lã,
ἠὲ περὶ πτόλιος μαχεούμενον ἠδὲ γυναικῶν;’ ou lhes fazias guerra para ficares com a cidade e as mulheres?”
ὣς ἐφάμην, ὁ δέ μ᾽ αὐτίκ᾽ ἀμειβόμενος προσέειπε: Assim falei; e ele tomando a palavra respondeu-me deste modo:
405 ‘διογενὲς Λαερτιάδη, πολυμήχαν᾽ Ὀδυσσεῦ, “Filho de Laertes, criado por Zeus, Odisseu de mil ardis,
οὔτ᾽ ἐμέ γ᾽ ἐν νήεσσι Ποσειδάων ἐδάμασσεν não foi embarcado nas naus que Posêidon me venceu,
ὄρσας ἀργαλέων ἀνέμων ἀμέγαρτον ἀυτμήν, depois de ter incitado uma pródiga rajada de ventos cruéis;
οὔτε μ᾽ ἀνάρσιοι ἄνδρες ἐδηλήσαντ᾽ ἐπὶ χέρσου, nem foram homens hostis a fazer-me mal em terra firme:
ἀλλά μοι Αἴγισθος τεύξας θάνατόν τε μόρον τε foi Egisto que, desencadeando a minha morte e o meu destino,
410 ἔκτα σὺν οὐλομένῃ ἀλόχῳ, οἶκόνδε καλέσσας, me matou com a ajuda da mulher detestável (depois de me convidar
δειπνίσσας, ὥς τίς τε κατέκτανε βοῦν ἐπὶ φάτνῃ. para sua casa, depois de me oferecer um banquete), como quem mata
ὣς θάνον οἰκτίστῳ θανάτῳ: περὶ δ᾽ ἄλλοι ἑταῖροι um boi na manjedoura; e assim morri uma morte lamentável
e à minha volta foram os companheiros chacinados
νωλεμέως κτείνοντο σύες ὣς ἀργιόδοντες, sem piedade, como se fossem porcos de brancos dentes,
οἵ ῥά τ᾽ ἐν ἀφνειοῦ ἀνδρὸς μέγα δυναμένοιο cuja matança tem lugar na casa de um homem rico e poderoso
415 ἢ γάμῳ ἢ ἐράνῳ ἢ εἰλαπίνῃ τεθαλυίῃ. por ocasião de uma festa nupcial, banquete ou alegre festim.
ἤδη μὲν πολέων φόνῳ ἀνδρῶν ἀντεβόλησας, Já assististe à chacina de muitos homens,
μουνὰξ κτεινομένων καὶ ἐνὶ κρατερῇ ὑσμίνῃ: quer tenham sido mortos em isolado ou na violenta refrega;
ἀλλά κε κεῖνα μάλιστα ἰδὼν ὀλοφύραο θυμῷ, mas no teu coração terias sentido compaixão ao ver aquilo,
ὡς ἀμφὶ κρητῆρα τραπέζας τε πληθούσας como jazíamos no palácio junto às taças e às mesas repletas,
420 κείμεθ᾽ ἐνὶ μεγάρῳ, δάπεδον δ᾽ ἅπαν αἵματι θῦεν. e todo o chão estava encharcado de sangue.
οἰκτροτάτην δ᾽ ἤκουσα ὄπα Πριάμοιο θυγατρός, Dos gritos o mais terrível foi o da filha de Príamo,
Κασσάνδρης, τὴν κτεῖνε Κλυταιμνήστρη δολόμητις Cassandra, morta pela ardilosa Clitemnestra,
ἀμφ᾽ ἐμοί, αὐτὰρ ἐγὼ ποτὶ γαίῃ χεῖρας ἀείρων enquanto se agarrava a mim; mas eu, no chão, erguendo os braços,
βάλλον ἀποθνήσκων περὶ φασγάνῳ: ἡ δὲ κυνῶπις deixei-os cair, moribundo, sobre a espada. A cadela
425 νοσφίσατ᾽, οὐδέ μοι ἔτλη ἰόντι περ εἰς Ἀίδαο afastou-se e, embora eu estivesse já a caminho do Hades,
χερσὶ κατ᾽ ὀφθαλμοὺς ἑλέειν σύν τε στόμ᾽ ἐρεῖσαι. ela não quis fechar-me as pálpebras nem a boca.
ὣς οὐκ αἰνότερον καὶ κύντερον ἄλλο γυναικός, Pois é certo que nada há de mais vergonhoso que uma mulher,
ἥ τις δὴ τοιαῦτα μετὰ φρεσὶν ἔργα βάληται: que lança ações como estas no espírito.
οἷον δὴ καὶ κείνη ἐμήσατο ἔργον ἀεικές, Tal foi o ato ímpio que aquela preparou,
430 κουριδίῳ τεύξασα πόσει φόνον. ἦ τοι ἔφην γε causando a morte de seu legítimo marido. Pois eu pensava
ἀσπάσιος παίδεσσιν ἰδὲ δμώεσσιν ἐμοῖσιν que regressava a casa, bem querido para os filhos
οἴκαδ᾽ ἐλεύσεσθαι: ἡ δ᾽ ἔξοχα λυγρὰ ἰδυῖα e para os meus escravos. Ela é que, pensando coisas terríveis,
οἷ τε κατ᾽ αἶσχος ἔχευε καὶ ἐσσομένῃσιν ὀπίσσω derramou vergonha sobre si própria e sobre as mulheres
θηλυτέρῃσι γυναιξί, καὶ ἥ κ᾽ ἐυεργὸς ἔῃσιν. vindouras – mesmo sobre aquela que praticar o bem.”

***********
αἱ μὲν ἄρ᾽ ἔνθ᾽ ἦλθον, σπουδῇ δ᾽ ἤλυξαν ὄλεθρον Aí chegaram algumas das naus e a custo os homens escaparam
ἄνδρες, ἀτὰρ νῆάς γε ποτὶ σπιλάδεσσιν ἔαξαν à morte; mas as ondas despedaçaram as naus contra as rochas.
κύματ᾽: ἀτὰρ τὰς πέντε νέας κυανοπρῳρείους Todavia as cinco naus de proas azuis, para o Egito
300 Αἰγύπτῳ ἐπέλασσε φέρων ἄνεμός τε καὶ ὕδωρ. o vento e as ondas as levaram.
ὣς ὁ μὲν ἔνθα πολὺν βίοτον καὶ χρυσὸν ἀγείρων Assim ele por aí vagueou com suas naus, reunindo
ἠλᾶτο ξὺν νηυσὶ κατ᾽ ἀλλοθρόους ἀνθρώπους: abundantes víveres e ouro, entre homens de estranhos modos.
τόφρα δὲ ταῦτ᾽ Αἴγισθος ἐμήσατο οἴκοθι λυγρά. Entretanto Egisto planejava em casa aquelas amarguras.
305 ἑπτάετες δ᾽ ἤνασσε πολυχρύσοιο Μυκήνης, Reinou sete anos em Micenas rica em ouro,
κτείνας Ἀτρεΐδην, δέδμητο δὲ λαὸς ὑπ᾽ αὐτῷ. depois que matou o filho de Atreu e subjugou o povo.
τῷ δέ οἱ ὀγδοάτῳ κακὸν ἤλυθε δῖος Ὀρέστης Mas no oitavo ano regressou de Atenas, como sua desgraça,
ἂψ ἀπ᾽ Ἀθηνάων, κατὰ δ᾽ ἔκτανε πατροφονῆα, o divino Orestes e matou o assassino de seu pai,
Αἴγισθον δολόμητιν, ὅ οἱ πατέρα κλυτὸν ἔκτα. o ardiloso Egisto, porque lhe matara o pai glorioso.
ἦ τοι ὁ τὸν κτείνας δαίνυ τάφον Ἀργείοισιν Depois de o matar, preparou para os Argivos um festim
310 μητρός τε στυγερῆς καὶ ἀνάλκιδος Αἰγίσθοιο: por ocasião do funeral da mãe odiada e do débil Egisto.
αὐτῆμαρ δέ οἱ ἦλθε βοὴν ἀγαθὸς Μενέλαος Nesse mesmo dia chegou Menelau, Excelente em Auxílio,
πολλὰ κτήματ᾽ ἄγων, ὅσα οἱ νέες ἄχθος ἄειραν. trazendo muitas riquezas: a carga que vinha nas suas naus.
καὶ σύ, φίλος, μὴ δηθὰ δόμων ἄπο τῆλ᾽ ἀλάλησο, Por isso tu, ó amigo, não te ausentes muito de tua casa,
κτήματά τε προλιπὼν ἄνδρας τ᾽ ἐν σοῖσι δόμοισιν deixando para trás bens e homens no teu palácio
315 οὕτω ὑπερφιάλους, μή τοι κατὰ πάντα φάγωσιν tão insolentes para que eles não devorem tudo o que é teu
κτήματα δασσάμενοι, σὺ δὲ τηϋσίην ὁδὸν ἔλθῃς. e dividam entre si os teus haveres: em vão teria sido esta viagem!”

(trad. Frederico Lourenço)


“Os heróis tratados de forma completa oferecem diversos comentários a respeito
da sorte de Odisseu e uma comparação com ela: Ájax insulta Posêidon e é morto
por ele, em oposição a Odisseu, que também ofendeu esse deus, mas pode contar
com a ajuda de Atena; Agamêmnon é morto por um rival que conseguiu seduzir
sua esposa, enquanto Penélope ainda resiste a seus pretendentes; Orestes mata o
assassino de seu pai, o que leva Telêmaco a se opor aos pretendentes e enfim a
matá-los; Menelau precisa sobrepujar um último obstáculo para encontrar o
caminho de casa, enquanto Odisseu ainda tem de escapar da ira de Posêidon.”

G. DANEK. Nostoi. In: M. FANTUZZI; C. TSAGALIS (ed.). The Greek Epic Cycle
and its Ancient Reception: a companion. Cambridge: Cambridge University Press,
2015, p. 355-379, aqui p. 357.
1.2. Os Retornos (dos Atridas)
Os Tantálidas

Dione
Dione

Níobe
“Do mesmo autor, acerca dos Retornos.

“1. Ligam-se a isso os Retornos, em cinco livros, por Ágias de Trezena, contendo o seguinte.

“2. Atena fomenta uma discórdia entre Agamêmnon e Menelau sobre a viagem de volta.
Agamêmnon permanece para aplacar a cólera de Atena, enquanto Diomedes e Nestor lançam-se ao
mar e voltam para casa a salvo.

“3. Menelau zarpa depois deles, mas alcança o Egito com cinco naus, depois do restante das naus
ser destruído em alto mar.”

(Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων


1. Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε. Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε.
2. Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίςτησι περὶ τοῦ ἔκπλου. Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς
Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος χόλον ἐπιμένει. Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰκείαν
διασῴζονται.
3. μεθ' οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται, τῶν λοιπῶν
διαφθαρεισῶν νεῶν ἐν τῷ πελάγει.)

(Crestomacia de Proclo, trad. José Leonardo Souza Buzelli)


“4. Os integrantes do círculo de Calcas, Leonteu e Polipetes viajam por terra até Cólogon e
sepultam Tirésias, que morreu ali.

“5. A imagem de Aquiles aparece quando zarpava o círculo de Agamêmnon, procurando impedi-
los e predizendo o que ocorrerá. A seguir é mostrada a tempestade junto às rochas Caférides e a
destruição do Ájax da Lócria.”

(4. οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν
ἐνταῦθα τελευτήσαντα θάπτουσι.
5. τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλλέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν
προλέγον τὰ συμβησόμενα. εἶθ' ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ
τοῦ Λοκροῦ.)

(Crestomacia de Proclo, trad. José Leonardo Souza Buzelli)


“6. Admoestado por Tétis, Neoptólemo faz a viagem por terra, alcança a Trácia e encontra Odisseu
em Maroneia. Ele completa o restante do caminho e sepulta Fênix, que morreu. Ele próprio chega
aos molossos e é reconhecido por Peleu.

“7. Depois há o assassínio de Agamêmnon por Egisto e Clitemnestra, a vingança de Orestes e


Pílades, e Menelau retorna ao lar.”

(6. Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖται τὴν πορείαν· καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην
Ὀδυσσέα καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ, καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα
θάπτει· αὐτὸς δὲ εἰς Μολος- σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ. 300
7. ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυταιμήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ' Ὀρέστου καὶ Πυλάδου
τιμωρία καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή.)

(Crestomacia de Proclo, trad. José Leonardo Souza Buzelli)


Assassinato de Agamêmnon por Egisto
Cratera de figuras vermelhas, Ática, c. 460 a.C.,
Museum of Fine Arts, Boston

cf. Od.1.35-43; 3.193ss; 4.195-200 e 512-537. 24.96ss


Assassinato de Egisto por Oreste
Cratera de figuras vermelhas, Lucânia, c. 399-375 a.C.,
Teece Museum of Classical Antiquities, New Zealand
1.2.1. A estrutura narrativa
“Agora podemos ler o enredo dos Nostoi como uma estrutura simétrica em cinco
partes, como os cinco atos de uma tragédia. As partes 1, 3 e 5 contêm a narrativa
principal, que se ocupa do destino dos Atridas: a parte 1 é enquadrada pela
discussão entre os dois irmãos e o fracassado retorno de Menelau; a parte 3
contém o retorno fatal de Agamêmnon; a parte 5 inclui a vingança de Orestes e o
retorno final de Menelau. As partes 2 e 4 oferecem interlúdios, cada um deles
ocupado por heróis que viajam a pé, não por navio, e que ocupam regiões nos
limites do mundo heróico. Os interlúdios se entrelaçam com a narrativa principal
de modo a evitar a impressão de uma enumeração catalógica de viagens
desconectadas [...].”

(G. DANEK. Nostoi. In: M. FANTUZZI; C. TSAGALIS (ed.). The Greek Epic
Cycle and its Ancient Reception: a companion. Cambridge: Cambridge University Press,
2015, p. 355-379, aqui p. 377).
1.2.2. A katábasis
Pausaniae Graeciae Descriptio, 10.28.7 Pausânias, Descrição da Grécia.

ἡ δὲ Ὁμήρου ποίησις ἐς Ὀδυσσέα καὶ ἡ Μινυάς τε A poesia de Homero sobre Odisseu, a chamada Miníada
καλουμένη καὶ οἱ Νόστοι—μνήμη γὰρ δὴ ἐν ταύταις e os Retornos – pois neles também já há menção à casa de
καὶ Ἅιδου καὶ τῶν ἐκεῖ δειμάτων ἐστὶν—ἴσασιν Hades e aos terrores nela – não conhecem nenhum
οὐδένα Εὐρύνομον δαίμονα. daímon Eurínomo.

(trad. José Leonardo Souza Buzelli)


Cf. Odisseia, 11, 582-592

Athenaei Naucratitae Deipnosophistae, 7.14 (281B) Ateneu de Náucratis, O Banquete dos Sábios

φιλήδονον δ᾽ οἱ ποιηταὶ καὶ τὸν ἀρχαῖόν φασι Os poetas dizem que o velho Tântalo também era
γενέσθαι Τάνταλον ὁ γοῦν τὴν τῶν Ἀτρειδῶν ποιήσας voluptuoso. De qualquer forma, o poeta do Regresso dos
κάθοδον ἀφικόμενον αὐτὸν λέγει πρὸς τοὺς θεοὺς καὶ Atridas diz que ele, chegando até os deuses e passando
συνδιατρίβοντα ἐξουσίας τυχεῖν παρὰ τοῦ Διὸς algum tempo com eles, obteve de Zeus a possibilidade
αἰτήσασθαι ὅτου ἐπιθυμεῖ, τὸν δὲ πρὸς τὰς de pedir o que desejasse. Insaciavelmente disposto aos
ἀπολαύσεις ἀπλήστως διακείμενον ὑπὲρ αὐτῶν τε prazeres, ele fez menção a eles e a uma vida no mesmo
τούτων μνείαν ποιήσασθαι καὶ τοῦ ζῆν τὸν αὐτὸν estilo da dos deuses. Zeus irritou-se com isso: realizou o
τρόπον τοῖς θεοῖς. ἐφ᾽ οἷς ἀγανακτήσαντα τὸν Δία τὴν desejo por causa de sua promessa, mas, para que ele não
μὲν εὐχὴν ἀποτελέσαι διὰ τὴν ὑπόσχεσιν, ὅπως δὲ desfrutasse nada que houvesse defronte dele e estivesse
μηδὲν ἀπολαύῃ τῶν παρακειμένων, ἀλλὰ διατελῇ permanentemente perturbado, pendurou uma pedra
ταραττόμενος, ὑπὲρ τῆς κεφαλῆς ἐξήρτησεν αὐτῷ acima da sua cabeça. Por causa dela, ele não pode obter
πέτρον, δι᾽ ὃν οὐ δύναται τῶν παρακειμένων τυχεῖν nenhum prazer do que está defronte dele.
οὐδενός.
(trad. José Leonardo Souza Buzelli)
Reconstrução imaginária da katábasis dos Nóstoi por M. L. West (“a flight of fancy”)

“Quando chegou o último ano e as estações vieram, os deuses estavam reunidos na casa de Zeus, e ele
falou a eles, pois sua mente estava em Egisto, que havia matado Agamêmnon e ainda reinava em Micenas
(Od.1.26-30). ‘Isso não é mais tolerável. Orestes agora está em idade de se vingar, mas ele permanece
ocioso em Atenas. Enquanto isso, Menelau vaga no Leste reunindo mais riquezas, sem saber que seu
irmão foi morto e que o assassino se assenhoreou da casa. Vamos, mandemos Atena a Atenas para
despertar Orestes à ação, e Hermes à Lívia para informar Menelau da situação e urgi-lo a retornar para
casa sem demora.’
“Então Atena voou do Olimpo e chegou a Maratona e à Atena de largas vias e foi até à casa bem
construída de Erecteu (7.80ss)
“Então Hermes amarrou suas sandálias ambrosíacas que o carregam por terra e por mar e tomou seu
bastão [5.44-48] e voou até a larga terra da Líbia e encontrou Menelau. Ele se apresentou na forma de
um jovem [10.278ss] e disse: ‘Saudações, Menelau; eu sou Hermes, e eu venho como mensageiro de
Zeus. Não mais te demores na Líbia, mas apressa-te para a Grécia, pois teu irmão Menelau, ao chegar
em casa de Troia foi morto por Egisto e pela infiel Clitemnestra. Desde então, ele reina em Micenas, e
ninguém fez nada a respeito.’ Então ele disse, mas Menelau estava tomado de tristeza e chorou
copiosamente. ‘Então deixe-me morrer agora,’ ele disse, pois eu não mais desejo viver [4.539ss]. Permita-
me descer à mansão do Hades, para abraçar meu irmão, com quem eu briguei em Troia, e eu nunca mais
o vi para me despedir.
“Hermes disse: ‘Menelau, não é teu destino morrer, pois és genro de Zeus, sendo casado com Helena.
Quando tua vida terrena chegar ao fim, os deuses te enviarão ao Elísio [4.561-9] .... No entanto, eu tenho o
poder de escoltar as pessoas ao Hades, e trazê-las novamente de volta, se eu quiser, como eu fiz com
Héracles [11.626]; Se esse for teu desejo, eu te levarei lá para ver o teu irmão.
“Então ele o tomou e o carregou pelos ares. Eles passaram pelo Oceano e pela Rocha Branca, os portões
do Sol e a terra dos Sonhos, e logo chegaram ao Campo de Asfódelos, onde habitam as almas dos mortos
[24.11-14]. Eles seguiram, e Menelau viu muitas mulheres famosas do passado... E então eles encontraram
Agamêmnon, rodeado por todos os homens mortos com ele na casa de Egisto [11.387-9 = 24.20-2].
Agamêmnon chorou ao ver Menelau e lhe perguntou: ‘Egisto te matou também? [3.249] Ou Posêidon se
sobrepujou a ti em teus navios com uma tempestade furiosa ou... [11.398-403]?’ ‘Nenhuma dessas coisas’,
respondeu Menelau, ‘mas Hermes me falou da tua morte, e eu o convenci a me trazer aqui para te ver, e eu
logo devo voltar à luz. Mas venha, vamos nos abraçar e chorar o quanto precisamos.
“E eles teriam continuado indefinidamente, se Hermes não tivesse dito: ‘Chega agora, precisamos voltar,
para que Perséfone não te mostre a cabeça da Górgona’ [11.634ss].’ Ele conduziu Menelau de volta através
do Hades, e ele viu homens poderosos do passado, como Héracles [11.601] e Teseu e Pirítoo [11.631]; e
pecadores como Tântalo. Então eles deixaram o Hades e rapidamente Hermes o carregou de volta para a
Líbia e para seus navios. ‘Agora, prepara-te e navega para casa com toda a velocidade. Pode ser que pegues
Egisto ainda vivo, ou talvez Orestes o tenha matado antes e chegues em tempo para o funeral [4.546ss].”

(M. L. WEST. The Epic Cycle: a commentary on the Lost Troy Epics. Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 281-
282)
1.2.3. A economia do poema
“É evidente que os Nostoi não eram uma mera sequência de histórias separadas, mas
estavam cuidadosamente estruturados de modo a integrar em uma concepção diversas
linhas de ação que ocorriam concomitantemente em diversos lugares.”

“Parece que os dois poemas [Odisseia e Retornos] estavam sendo desenvolvidos ao mesmo
tempo e em mútua interação (se não propriamente pelo mesmo poeta). O poeta da
Odisseia está profundamente envolvido na tradição dos Retornos e está ajudando a modelá-
la. Comentamos acima que os dois épicos tinham uma característica técnica notável em
comum, ambos sendo estruturados de modo a integrar em uma concepção diferentes
linhas de ação concomitantes em arenas distintas.”

(M. L. WEST. The Epic Cycle: a commentary on the Lost Troy Epics. Oxford: Oxford
University Press, 2013, p. 246 e 249.)
2. Telegonia
“Do mesmo autor, acerca da Telegonia.

“1. A seguir vem a Telegonia, em dois livros, por Eugâmon de Cirene, contendo o seguinte:

“2. Os pretendentes são apropriadamente sepultados pelos seus familiares. Odisseu sacrifica às
Ninfas e navega até Élis para inspecionar seu gado. Ele é recepcionado por Políxeno e recebe como
presente uma taça para misturar vinho, na qual está a história de Trofônio, Agamedes e Augias.
Depois ele navega de volta para Ítaca e executa os sacrifícios ordenados por Tirésias.”

(Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας


1. Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια· ἔπειτα Τηλεγονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου
περιέχοντα τάδε.
2. οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται. καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ
ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ
τὰ περὶ Τροφώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν. ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου
ῥηθείσας τελεῖ θυσίας.)

(Crestomacia de Proclo, trad. José Leonardo Souza Buzelli)


“3. A seguir, ele alcança a Tesprótia e casa-se com Calídice, a rainha dos tesprotos. Depois começa a
guerra entre os tesprotos comandados por Odisseu e os brigos. Ares põe o lado de Odisseu em
debandada e Atena se atraca em combate com ele (i.e. Ares), mas Apolo separa os dois. Depois da
morte de Calídice, Odisseu alcança Ítaca e seu filho Polipetes herda o reino.

“4. Enquanto isso, Telêgono, navegando à procura do pai, desembarca em Ítaca e devasta a ilha.
Odisseu marcha em socorro, mas é morto pelo filho, que não o reconhece. Telêgono descobre seu
erro e, junto com Telêmaco e Penélope, transporta o cadáver do pai até a sua mãe, que os torna
imortais, Telêgono casa-se com Penélope, e Telêmaco desposa Circe.”

(3. καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν. ἔπειτα
πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς Βρύγους, Ὀδυσσέως ἡγουμένου· ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ
τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται, καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίςταται· τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει. μετὰ δὲ
τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός, αὐτὸς δ' εἰς
Ἰθάκην ἀφικνεῖται.
4. κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον·
ἐκβοηθήσας δ’ Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ' ἄγνοιαν. Τηλέγονος δ' ἐπιγνοὺς τὴν
ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα μεθίστησιν·
ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ, καὶ συνοικεῖ τῇ μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος, Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος.)

(Crestomacia de Proclo, trad. José Leonardo Souza Buzelli)


2.1. A estrutura narrativa
“O épico está dividido em três partes narradas em dois livros: uma jornada a Élis e a aventura na
Tesprótia estavam apresentados no primeiro livro, ao passo que o retorno de Odisseu e sua morte
subsequente em Ítaca ocupam o segundo.”

(C. TSAGALIS. Telegony. In: M. FANTUZZI; C. TSAGALIS (ed.). The Greek Epic Cycle and its
Ancient Reception: a companion. Cambridge: Cambridge University Press, 2015, p. 380-401, aqui p.
399.)

“Eugâmnon reuniu dois enredos narrativos que não têm conexão um com o outro e não se
harmonizam muito bem. Uma era a história de como Odisseu viajou muito adiante em terra,
lutou uma guerra, casou-se com uma rainha e fundou um novo reino tesprótio. A outra era um
conto de como, quando ele reinava sobre seus súditos em Ítaca, um filho que ele havia tido além-
mar e nunca visto, Telêgono, veio em busca dele e, antes de poder haver um reconhecimento,
lutou com ele e o matou. Para combinar as duas histórias, Eugâmnon tinha de trazer Odisseu de
volta da Tesprótia para Ítaca em vez de o deixar para reinar sobre seu novo povo.”

(M. L. WEST. The Epic Cycle: a commentary on the Lost Troy Epics. Oxford: Oxford University
Press, 2013, p. 290.)
2.2. A écfrase
“ekphrasis, a descrição poética de uma obra de arte pictórica ou escultórica, [...] a
reprodução pelo meio das palavras de objets d’art perceptíveis pelos sentidos (ut
pictura poesis).”

(L. SPITZER. The ‘Ode on a Grecian Urn’, or content vs. metagrammar. Comparative
Literature, n. 7 (3), 1955, p. 203-225, aqui p. 206-207.)

“ekphrasis é a representação verbal da representação visual”

(J. A. W. HEFFERNAN. Museum of Words: the poetics of ekphrasis from Homer to


Ashbery. Chicago: The University of Chicago Press, 1993, p. 3.)
... κατὰ τὸν Σιμωνίδην ὁ λόγος τῶν πραγμάτων εἰκών ἐστιν. (“...de acordo com Simônides, o discurso é
a imagem das ações.”)
(Michael Psellus, Sobre a obra dos demônios, PG 122 821)

πλὴν ὁ Σιμωνίδης τὴν μὲν ζωγραφίαν ποίησιν σιωπῶσαν προσαγορεύει, τὴν δὲ ποίησιν ζωγραφίαν
λαλοῦσαν. ἃς γάρ οἱ ζωγράφοι πράξεις ὡς γιγνομένας δεικνύουσι, ταύτας οἱ λόγοι γεγενημένας διηγοῦνται
καὶ συγγράφουσιν. εἰ δ᾽ οἱ μὲν χρώμασι καὶ σχήμασιν, οἱ δ᾽ ὀνόμασι καὶ λέξεσι ταὐτὰ δηλοῦσιν, ὕλῃ καὶ
τρόποις μιμήσεως διαφέρουσι, τέλος δ᾽ ἀμφοτέροις ἓν ὑπόκειται, καὶ τῶν ἱστορικῶν κράτιστος ὁ τὴν
διήγησιν ὥσπερ γραφὴν πάθεσι καὶ προσώποις εἰδωλοποιήσας. (“No entanto, Simônides chama à pintura
uma ‘poesia silenciosa’, e à poesia, uma ‘pintura falante’. Com efeito, as ações que os pintores
representam como acontecendo, às mesmas os discursos narram e descrevem como já tendo
acontecido. E se uns as mostram por meio de cores e de figuras, os outros [o fazem] por meio de
palavras e frases, diferenciando-se pela matéria e pelos modos da mimese; porém, a ambas subjaz o
mesmo objetivo, e é considerado o melhor historiador aquele que forma uma imagem da narrativa com
emoções e personagens ao modo de uma pintura.”)
(Plut.De gloria Atheniensium.3)
“Ao seguir uma abordagem prototípica, é possível
contemplar formas híbridas: uma écfrase pode
conter elementos prototipicamente narrativos e
ao mesmo tempo elementos prototipicamente
descritivos. Essa parece ser a abordagem mais
frutífera para lidar com o problema da écfrase,
pois ela considera a natureza extraordinária da
écfrase – as écfrases são passagens que lidam com
objetos (prototipicamente associados com a
descrição) em que uma representação narrativa
(prototipicamente associadas com a narração) está
figurada.”

(N. KOOPMAN. Ancient Greek Ekphrasis: between


description and narration. Five linguistic and
narratological case studies. Leiden/Boston: Brill,
2018, p. 40.)
Um exemplo: o escudo hesiódico (122-334)

χερσί γε μὴν σάκος εἷλε παναίολον, οὐδέ τις αὐτὸ Nas mãos pegou o escudo furta-cor, nenhum
140 οὔτ᾽ ἔρρηξε βαλὼν οὔτ᾽ ἔθλασε, θαῦμα ἰδέσθαι. golpe o rompeu, nem partiu, prodígio de ver.
πᾶν μὲν γὰρ κύκλῳ τιτάνῳ λευκῷ τ᾽ ἐλέφαντι Todo ao redor com gesso e com alvo marfim
ἠλέκτρῳ θ᾽ ὑπολαμπὲς ἔην χρυσῷ τε φαεινῷ e com âmbar brilhava e com ouro rutilante
λαμπόμενον, κυάνου δὲ διὰ πτύχες ἠλήλαντο. rebrilhava e dobras de ciano o percorriam.
ἐν μέσσῳ δ᾽ ἀδάμαντος ἔην Φόβος οὔ τι φατειός, No meio era de aço Pavor não dizível
145 ἔμπαλιν ὄσσοισιν πυρὶ λαμπομένοισι δεδορκώς: a fitar atrás com olhos ígneos brilhantes,
τοῦ καὶ ὀδόντων μὲν πλῆτο στόμα λευκὰ θεόντων, sua boca era cheia de alvas fileiras de dentes
δεινῶν ἀπλήτων, ἐπὶ δὲ βλοσυροῖο μετώπου terríveis, inabordáveis, e sobre hirsuta fronte
δεινὴ Ἔρις πεπότητο κορύσσουσα κλόνον ἀνδρῶν, terrível Rixa pairava tumultuando homens.
σχετλίη, ἥ ῥα νόον τε καὶ ἐκ φρένας εἵλετο φωτῶν. Mísera, roubou o tino e o íntimo de varões
150 οἵτινες ἀντιβίην πόλεμον Διὸς υἷι φέροιεν. que levam violenta guerra ao filho de Zeus.
τῶν καὶ ψυχαὶ μὲν χθόνα δύμεναι Ἄιδος εἴσω Suas sombras mergulham na terra, no Hades,
κάκκιον, ὀστέα δέ σφι περὶ ῥινοῖο σαπείσης seus ossos, corrompida a pele ao redor,
Σειρίου ἀζαλέοιο μελαίνῃ πύθεται αἴῃ. ao ardor de Sírio, apodrecem na terra negra.
ἐν δὲ Προΐωξίς τε Παλίωξίς τε τέτυκτο, Aí Persecução e Contra-ataque figuravam.
155 ἐν δ᾽ Ὅμαδός τε Φόβος τ᾽ Ἀνδροκτασίη τε δεδήει, Aí Multidão, Massacre e Homicídio têm fulgor.
ἐν δ᾽ Ἔρις, ἐν δὲ Κυδοιμὸς ἐθύνεον, ἐν δ᾽ ὀλοὴ Κὴρ Aí Rixa e ali Tumulto correm, e a funesta Cisão
ἄλλον ζωὸν ἔχουσα νεούτατον, ἄλλον ἄουτον, pega um vivo recém-ferido, pega outro não ferido,
ἄλλον τεθνηῶτα κατὰ μόθον ἕλκε ποδοῖιν. e puxa pelos pés ainda outro, morto na peleja.
εἷμα δ᾽ ἔχ᾽ ἄμφ᾽ ὤμοισι δαφοινεὸν αἵματι φωτῶν, Traz nos ombros vestes fulvas de sangue viril,
160 δεινὸν δερκομένη καναχῇσί τε βεβρυχυῖα. a olhar terrível e a gritar com estridência.

ἐν δ᾽ ὀφίων κεφαλαὶ δεινῶν ἔσαν, οὔ τι φατειῶν, Aí havia cabeças de serpentes terríveis, não dizíveis,
δώδεκα, ταὶ φοβέεσκον ἐπὶ χθονὶ φῦλ᾽ ἀνθρώπων, doze, que apavoravam na terra tribos de homens
οἵ τινες ἀντιβίην πόλεμον Διὸς υἷι φέροιεν: que levam violenta guerra ao filho de Zeus.
τῶν καὶ ὀδόντων μὲν καναχὴ πέλεν, εὖτε μάχοιτο Dos dentes espalha-se o clangor, quando combate
165 Ἀμφιτρυωνιάδης, τὰ δ᾽ ἐδαίετο θαυματὰ ἔργα. o Anfitrionida, e brilham as admiráveis proezas,
στίγματα δ᾽ ὣς ἐπέφαντο ἰδεῖν δεινοῖσι δράκουσιν: laivos assim luzem naas serpentes terríveis de ver,
κυάνεοι κατὰ νῶτα, μελάνθησαν δὲ γένεια. sombrias no dorso, negras nas mandíbulas.
ἐν δὲ συῶν ἀγέλαι χλούνων: ἔσαν ἠδὲ λεόντων Aí havia um bando de javalis e um de leões
ἐς σφέας δερκομένων, κοτεόντων θ᾽ ἱεμένων τε. a entreolharem-se, rancorosos e impetuosos.
170 τῶν καὶ ὁμιληδὸν στίχες ἤισαν: οὐδέ νυ τώ γε Seus renques estavam reunidos, nenhum
οὐδέτεροι τρεέτην: φρῖσσόν γε μὲν αὐχένας ἄμφω. dos dois tremia, eriçavam pescoços ambos.
ἤδη γάρ σφιν ἔκειτο μέγας λῖς, ἀμφὶ δὲ κάπροι Já lhes jazia um grande leão e ao redor dois
δοιοί, ἀπουράμενοι ψυχάς, κατὰ δέ σφι κελαινὸν javalis despojados da vida, negro sangue
αἷμ᾽ ἀπελείβετ᾽ ἔραζ᾽: οἳ δ᾽ αὐχένας ἐξεριπόντες vertiam no chão; pendidos os pescoços,
175 κείατο τεθνηῶτες ὑπὸ βλοσυροῖσι λέουσιν. jaziam massacrados por hirsutos leões.
τοὶ δ᾽ ἔτι μᾶλλον ἐγειρέσθην κοτέοντε μάχεσθαι, Rancorosos, despertos ainda mais para lutar
ἀμφότεροι, χλοῦναί τε σύες χαροποί τε λέοντες. eram ambos, javalis e leões de olhos rútilos.
[...] [...]
θαῦμα ἰδεῖν καὶ Ζηνὶ βαρυκτύπῳ, οὗ διὰ βουλὰς [P]rodígio de ver até para Zeus tonitruo a cujo talante
Ἥφαιστος ποίησε σάκος μέγα τε στιβαρόν τε, Hefesto fabricou o escudo grande e grosso
320 ἀρσάμενος παλάμῃσι. τὸ μὲν Διὸς ἄλκιμος υἱὸς adequado às mãos. O valente filho de Zeus
πάλλεν ἐπικρατέως: ἐπὶ δ᾽ ἱππείου θόρε δίφρου, vibrou-o todo poderoso e saltou sobre o equino carro
εἴκελος ἀστεροπῇ πατρὸς Διὸς αἰγιόχοιο, semelhante ao relâmpago de Zeus pai egífero,
κοῦφα βιβάς: τῷ δ᾽ ἡνίοχος κρατερὸς Ἰόλαος a rápido passo. Seu cocheiro poderoso Iolau
δίφρου ἐπεμβεβαὼς ἰθύνετο καμπύλον ἅρμα. subiu no carro e dirigiu o recurvado veículo.
(trad. Jaa Torrano)
Alguns casos de écfrases gregas

Il.11.15-46 (Agamêmnon se arma para a batalha)


Il.18.478-608 (escudo de Aquiles)
Od.11.609-614 (cinturão de Héracles)
Hes.Sc.139-320 (escudo de Héracles)
Theoc.Id.1.27-60 (taça do cabreiro)
Mosch.Eur.37-62 (cesto de Europa)

O Escudo de Aquiles
Desenho de Angelo Monticelli, c. 1820.
Schol. Aristoph.Nub.508: Escólios a Aristófanes, Nuvens, 508:

Οὕτως ὁ Χάραξ ἐν τῷ «δʹ. Ἀγαμήδης ἄρχων Στυμφήλου Assim Hárax no livro quarto. Agamedes, senhor de Estínfalo na
τῆς Ἀρκαδίας ἐγάμει Ἐπικάστην, ἧς παῖς ἦν Τροφώνιος Arcádia, casou-se com Epicasta, cujo filho bastardo era
σκότιος. Οὗτοι τοὺς τότε πάντας ὑπερεβάλλοντο εὐτεχνίᾳ, Trofônio. Esses homens ultrapassaram a todos os demais de sua
τόν τε ἐν Δελφοῖς Ἀπόλλωνος ναὸν ἠργολάβησαν· ἐν época em habilidade técnica. Eles empreenderam, por contrato,
Ἤλιδι δὲ ταμιεῖον χρυσοῦν κατεσκεύασαν Αὐγείᾳ· ᾧ a construção do templo em Delfos e construíram o tesouro de
παραλείψαντες ἁρμὸν λίθινον, νυκτὸς εἰσιόντες ἔκλεπτον ouro para Augias em Élis. Depois de deixar aberta uma junta
τῶν χρημάτων ἅμα Κερκυόνι, ὃς ἦν γνήσιος Ἀγαμήδους feita de pedra, eles entravam à noite e começaram a roubar os
καὶ Ἐπικάστης υἱός. Ὡς δὲ ἠπόρει λίαν Αὐγείας, tesouros, <junto com Cércio, que era filho legítimo de
ἐπιδημήσαντα Δαίδαλον αὐτόσε κατὰ φυγὴν Μίνωος Agamedes e Epicasta. Como Augias estava perdido, ele
ἐλιτάνευσεν ἐξιχνεῦσαι τὸν φῶρα. Ὁ δὲ παγίδας ἔστησεν, implorou a Dédalo que viesse até ele após partir de Minos para
αἷς περιπεσὼν Ἀγαμήδης ἀναιρεῖται. Τροφώνιος δὲ τὴν localizar o ladrão. Ele então> montou armadilhas, em que
κεφαλὴν αὐτοῦ τεμὼν πρὸς τὸ μὴ γνωρισθῆναι, ἅμα Agamedes caiu e morreu. Trofônio cortou sua cabeça para não
Κερκυόνι φεύγει εἰς Ὀρχομενόν. Αὐγείου δὲ κατὰ κέλευσιν ser reconhecido e, junto com Cércio, fugiu para Orcomeno.
Δαιδάλου πρὸς τὴν τῶν αἱμάτων ἔκλυσιν (1. ἔκχυσιν Ald.) Enquanto Augias começou a persegui-los, de acordo com o
ἐπιδιώκοντος, καταφεύγουσιν ὁ μὲν Κερκυὼν εἰς Ἀθήνας, conselho de Dédalo quanto ao derramamento de sangue
ὡς Καλλίμαχος [fr. 143 Bentl.]· ὅς ἔφυγεν μὲν Ἀρκαδίην, (relativamente aos tesouros, Cércio encontrou refúgio em
ἡμῖν δὲ κακὸς παρενάσσατο γείτων· ὁ δὲ ἕτερος εἰς Atenas – Calímaco – e Trofônio filho de Ergino> em Labadeia,
Λεβάδειαν τῆς Βοιωτίας, οὗ κατωρυχὴν ποιησάμενος na Beócia. Nesse lugar, ele cavou uma caverna e fez dela sua
οἴκησιν διετέλει. Τελευτήσαντος δὲ αὐτοῦ μαντεῖον casa. Depois de sua morte, um oráculo que fala verdade
ἀτρεκὲς ἐφάνη αὐτόσε. Καὶ θύουσιν αὐτῷ ὡς θεῷ. apareceu a eles, e eles ofereceram sacrifícios a ele (Trofônio)
Παρέλιπε δὲ υἱὸν Ἄλκανδρον.» como a um deus, Ele deixou um filho, Alcandro.
“O épico deve ter se lançado em uma digressão nesse ponto, contendo uma extensa
écfrase com relação à história de Trofônio, Agamedes e Augias. [...] Mas qual era o ponto
dessa longa écfrase? Dado que (a) como Augias, Odisseu puniu os pretendentes que
estavam destruindo seu patrimônio e que (b) Augias viveu uma longa vida feliz honrado
por seu povo, e a oferenda da cratera por Políxeno a Odisseu teriam funcionado como
um gesto que expressava seu desejo de que seu hóspede também gozasse da mesma
sorte, vivendo, como Augias, em felicidade.”

(C. TSAGALIS. Telegony. In: M. FANTUZZI; C. TSAGALIS (ed.). The Greek Epic Cycle
and its Ancient Reception: a companion. Cambridge: Cambridge University Press, 2015, p.
380-401, aqui p. 380 e 387.)

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