Pedro Sumula Vinculante
Pedro Sumula Vinculante
Pedro Sumula Vinculante
MEDIDAS PARALELAS
1. Introdução
Depois de anos e anos de intensos debates nos âmbitos jurídico e político acerca da sua implantação
surgiu no cenário nacional, em 2004, a súmula vinculante, introduzida em nosso ordenamento através da
Emenda Constitucional n. 45.
Estamos, sem dúvida, diante de tema polêmico. Apesar de nos parecer que soluções radicais, fruto de
“paixões”, nesse terreno não seriam apropriadas, o fato é que a grande maioria dos autores se posiciona
cetegoricamente ou contra ou a favor da adoção desse sistema.1 E há muito diverge a doutrina processual pátria
quanto às suas vantagens e desvantagens. No entanto, não entraremos aqui nessa discussão.
O fato é que a súmula vinculante veio integrar o nosso sistema. É uma realidade inquestionável. Por
isso, iremos nos ater única e exclusivamente à questão da efetividade desse polêmico instituto, para que dele se
possa extrair o máximo de benefícios para a sociedade brasileira, sob pena de frustração geral de seus
defensores. Eis o objeto deste despretensioso ensaio: a (in)efetividade da súmula vinculante.
O movimento por acesso à justiça tem representado, nos últimos tempos, talvez a mais importante
expressão de uma radical transformação do pensamento jurídico e das reformas normativas e institucionais em
um número crescente de países. Na visão de Mauro Cappelletti, trata-se da “principal resposta à crise do direito
e da justiça em nossa época”.2
No Brasil o acesso à justiça deixou de ser tema teórico para encontrar reflexo no texto constitucional e
para representar um contínuo esforço de toda a comunidade jurídica nacional, no sentido de alargar a porta da
justiça a todos, principalmente aos excluídos.3
Na Constituição Federal de 1988 constam dispositivos que garantem o acesso à justiça. Não obstante,
persistem problemas na aplicabilidade dessas regras, além de enormes desafios para que se supere o risco de que
1
Cf. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de
ação rescisória. São Paulo: RT, 2001. p. 308. Luiz Flávio Gomes, a propósito, elaborou extensa lista composta dos
autores que são favoráveis e os que são desfavoráveis ao instituto em estudo (GOMES, Luiz Flávio. “Súmulas
vinculantes e independência judicial”. Justitia, v. 177, p. 124, nota de rodapé 10).
2
CAPPELLETTI, Mauro. “O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época”. Revista de Processo, v. 61, p. 144.
3
Cf. NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. 2. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 19.
1
os dispositivos constitucionais vinculados ao acesso à justiça se tornem letra morta. Por isso, todos e quaisquer
esforços para aparelhar técnica e financeiramente o ordenamento jurídico merecem atenção especial.
A idéia de acesso à justiça, entretanto, não mais se limita ao mero acesso aos tribunais. Na lição de
Kazuo Watanabe, “não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de
viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”,4 no sentido de viabilizar o acesso a uma determinada ordem de
valores fundamentais para o homem.
Ampliando essa ótica, e trazendo novas luzes, Calmon de Passos afirma ser necessário conceber o
processo como instrumento de realização efetiva dos direitos individuais e coletivos, sendo então, em última
análise, um instrumento político de participação social.5 Dentro desse contexto, Mauro Cappelletti e Bryant
Garth introduzem e apresentam ao mundo suas “Ondas Renovatórias do Direito Processual”,6 que vêm sendo
estudadas como a base do moderno direito processual, não mais cegamente vinculado a regras formais, e sim
comprometido com as novas necessidades sociais, e atento às modificações em todos os ramos da vida humana.
No Brasil, as três chamadas ondas renovatórias do acesso à justiça, consubstanciadas em movimentos
de ruptura com o conformismo do processo civil tradicional, fizeram-se sentir de maneira extraordinariamente
significativa na última década. Nesse sentido, há no país atualmente movimentos importantes nos vários planos
de governo e envolvendo os três poderes, que se dão por meios de reformas, programas e comissões ocupadas
com a reforma do Poder Judiciário, com a reforma do Código de Processo Civil e com a ampliação dos canais
de acesso à justiça estatal e não-estatal.
O vertiginoso crescimento da demanda social por uma prestação jurisdicional célere, efetiva, capaz de
significar, a um só tempo, fator de desestímulo e de conforto àqueles que procuram seus direitos no aparelho
estatal, sustenta Teresa Arruda Alvim Wambier, “tem dado origem a muitas e aprofundadas reflexões, sobre os
mais variados temas, todos, evidentemente, vinculados à idéia-base de eficiência e efetividade da prestação do
serviço jurisdicional do Estado”,7 entre eles, a súmula vinculante.
Nesse sentido, incumbe ao ordenamento processual atender, do modo mais completo e eficiente
possível, ao pleito daquele que exerceu o seu direito à jurisdição, bem como daquele que resistiu, apresentando
defesa. E nesse ponto, o da celeridade, o sistema vem demonstrando algumas falhas. A propósito, um dos
maiores empecilhos ao acesso à ordem jurídica justa é, sem sombra de dúvida, a demora da entrega da prestação
jurisdicional.
A demora na solução do conflito traz à tona a questão da efetividade do processo, que representa a
4
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel; e WATANABE, Kazuo (coord.) Participação e processo. São Paulo: RT, p. 128-135, 1988. p. 128.
5
Cf. CALMON DE PASSOS, J. J. Democracia, participação e processo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel; e WATANABE, Kazuo (coord.) Participação e processo. São Paulo: RT, p. 83-97, 1988. p. 95.
6
Segundo os autores: “O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas,
pelo menos nos países do mundo Ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos
em seqüência cronológica. Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira ‘onda’ desse movimento
novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica
para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais
recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente ‘enfoque de acesso à justiça’ porque inclui os posicionamentos
anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de
modo mais articulado e compreensivo” (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 31).
7
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. “A reforma do Judiciário e o processo civil”. RT Informa, v. 29, p. 13.
2
maior preocupação da doutrina processual na atualidade. Mas o que se quer dizer quando se fala num processo
efetivo? Responde Barbosa Moreira: “será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente da realização
do direito material”.8 É necessário, portanto, que a tutela jurisdicional venha produzir resultados concretos, que
seu resultado seja útil no que concerne ao mundo real, sob pena de se colocar em risco a legitimação e a
reputação do Poder Judiciário perante a sociedade.9
Nas palavras de José Roberto dos Santos Bedaque, “a eficácia do sistema processual será medida em
função de sua utilidade para o ordenamento jurídico material e para a pacificação social. Não interessa, portanto,
uma ciência processual conceitualmente perfeita, mas que não consiga atingir os resultados a que se propõe”. 10
E o tempo é, sem dúvida alguma, o grande inimigo, o grande entrave daqueles que buscam a reparação ou
proteção de seus direitos.
Não é por outro motivo que tramitam na Câmara de Deputados e Senado Federal nada menos que 23
propostas com o objetivo de acelerar a Justiça, reunidos no acordo chamado “Pacto de Estado por um Judiciário
Mais Rápido e Republicano”, assinado em 2004 por representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário.
A palavra de ordem, pode-se dizer, é efetividade da tutela jurisdicional e a súmula vinculante, em
meio a esse novo panorama, não deve se omitir de ganhar papel de destaque no cenário que busca a consecução
desse objetivo. Daí a importância do tema da (in)efetividade da súmula vinculante e dos aspectos processuais a
ele relacionados.
Salvo melhor juízo, todas as alterações introduzidas no sistema processual brasileiro nos últimos
tempos tiveram como meta dar efetividade ao processo. E foi esse também o intuito da Emenda Constitucional
n. 45.
Dentro dessa recentíssima emenda, são vários os instrumentos colocados à disposição dos
jurisdicionados, no intuito de ampliar cada vez mais o almejado acesso à ordem jurídica justa, entre eles, a
súmula vinculante que, se não foi a maior inovação inserida no ordenamento jurídico após o advento da
Constituição Federal de 1988, com certeza foi a que mais gerou polêmica na doutrina.
Como se sabe, a aplicação não uniforme do direito objetivo pelos tribunais cria insegurança e leva
incerteza aos negócios jurídicos, razão pela qual sempre se procurou, na regulamentação do sistema recursal,
estabelecer especificamente, através de via incidental ou de recurso, a uniformização de jurisprudência. Daí o
8
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Por um processo socialmente efetivo”. Revista de Processo, v. 105, p. 181.
9
Essa questão é destacada com propriedade pelos mestres Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier: “É
hoje inafastável a conclusão no sentido de que o direito de acesso à justiça, erigido à dignidade de garantia
constitucional, quer dizer bem mais do que a possibilidade de se obterem provimentos ‘formais’, isto é, decisões judiciais
dotadas apenas potencialmente da aptidão de operar transformações no mundo real. Quando se fala em direito de acesso
à justiça, o que se quer dizer é direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional, ou seja, o direito à obtenção de
provimentos que sejam realmente capazes de promover, nos planos jurídico e empírico, as alterações requeridas pelas
partes e garantidas pelo sistema” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. “Anotações
sobre a efetividade do processo”, Revista dos Tribunais, v. 816, p. 66).
10
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 17.
3
surgimento da súmula em 1963 no STF.
O vocábulo súmula vem do latim summula. Significa sumário ou resumo. É uma ementa que revela a
orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos, ou seja, é os resultado final da formação de uma
construção jurisprudencial, na medida em que representa a unificação da jurisprudência. Consiste, conforme art.
102 do Regimento Interno do STF, na “jurisprudência assentada pelo Tribunal”.
A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das
quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica (CF, 103-A, § 1º).
A súmula vinculante foi inspirada no sistema da common law, mais especificamente no direito norte-
americano, em que impera o princípio do stare decisis (“mantenha-se a decisão”), consubstanciado na
vinculação à regra dos precedentes. Consiste este princípio no prestígio que os julgadores emprestam às
decisões anteriores, para destas tornarem um princípio, que norteará o julgamento do caso concreto.11
O efeito vinculante da súmula, criticado por muitos doutrinadores de escol, a nosso ver, pode ser visto
como uma conseqüência do respeito à estrutura hierárquica do Poder Judiciário, e não de limitação à liberdade
de convencimento dos juízes de primeiro e segundo graus. Afinal, em última análise, a função do Supremo
Tribunal Federal é, precipuamente, ser o fiel guardião da Constituição Federal. O Supremo é a máxima instância
de superposição em relação a todos os órgãos de jurisdição.
Não há como negar, por outro lado, que a súmula vinculante mostra-se em sintonia com essa
tendência contemporânea à gradativa priorização da jurisdição de tipo coletivo, na medida em que o enunciado
vinculante possibilita e agiliza o julgamento de blocos de demanda, coalizados pela semelhança do thema
decidendum.12 E, se um dos escopos da jurisdição é a pacificação social, a súmula vinculante apresenta-se como
interessante instrumento na busca desse objetivo.
Assim, prevê o caput do art. 103-A da Constituição Federal que “o Supremo Tribunal Federal poderá,
de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre
matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante
em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
Enfim, caberá aos operadores do direito extrair do instituto que ora ingressa em nosso ordenamento a
maior efetividade possível.
Em tempos de movimento por acesso à ordem jurídica justa e busca pela efetividade do processo,
duas preocupações nos sobressaem quanto à eventual (in)efetividade da súmula vinculante. A primeira diz
respeito à tradição inserida em nossa cultura em prol da desobediência, sejam de regras, sejam de decisões
judiciais. A segunda refere-se ao fato de que a súmula vinculante não impede as partes de recorrerem e de
11
Cf. CARVALHO, Ivan Lira de. “Decisões vinculantes”. Revista dos Tribunais, v. 745, p. 52.
12
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2. ed. São Paulo: RT, 2001. p.
345-346.
4
buscarem as instâncias superiores, direito dos jurisdicionados, diga-se de passagem. Esses dois fatores, ao
atuarem conjuntamente, têm o condão, a nosso ver, de tornarem a súmula vinculante sobremaneira inefetiva.
A vinculação da Administração Pública à súmula prevista no art. 103-A da Constituição Federal, em
tese, é algo que prescinde da utilização da via judicial pelos titulares do direito declarado. Quando se diz que a
súmula vincula o Poder Público não significa apenas que o procurador ou advogado da entidade estatal está
proibido de apresentar defesa e/ou recorrer quando houver súmula vinculante, mas também que todos os agentes
públicos têm o dever de agir em conformidade com o disposto no enunciado, devendo o administrador público,
por exemplo, determinar o cumprimento da decisão sumulada para todas os titulares do direito declarado, ainda
que não tenham proposto qualquer ação judicial ou efetuado qualquer pedido administrativo.
A súmula deveria ser instrumento susceptível de influenciar o comportamento dos cidadãos em
matéria de índole jurídica (através do conselho de advogados) e de condicionar a interposição de recursos pela
previsibilidade da solução final que será adotada.
Fosse assim, a efetividade da súmula beiraria a perfeição. Entretanto, no Brasil, infelizmente,
vivemos, há muito, a cultura da desobediência às regras e do descumprimento das ordens e decisões judiciais,
este muito mais pela Administração Pública e aquela mormente pelos particulares.
Não é por outro motivo que a doutrina processual, não só a brasileira, vem dedicando enorme espaço
na sua produção científica ao estudo de meios de coerção que possam dar eficácia às ordens judiciais. Vêm
ganhando espaço estudos acerca de meios sub-rogatórios para o cumprimento de obrigações, aplicação de
multas e até mesmo sobre a prisão por descumprimento de decisões judiciais.
Não são sequer necessárias muitas estatísticas para confirmar que o maior alimentador dos acervos
judiciários de casos pendentes e repetitivos é o próprio Estado (em seus diversos níveis federativos).13 É o
Estado descumprindo escancaradamente uma ordem do próprio Estado. Pode-se dizer que o Poder Público
instituiu em nosso país a mora judicialmente legalizada, pois o sistema, em última análise, presta um desserviço
à sociedade e um ótimo serviço aos devedores.
Interessante seria se as pessoas não fossem obrigadas a buscar seus direitos, via processo judiciais de
conteúdo idênticos a outros milhares, mas, ao contrário, a própria Administração Pública cumprisse na íntegra a
decisão estabelecida pelas súmulas vinculantes.
O fito do dispositivo constitucional é exatamente que os consumidores da justiça que ainda não
buscaram as vias judiciais não necessitem fazê-lo, mediante processos judiciais de conteúdo idêntico aos que
foram propostos, vitoriosos e que ensejaram a edição de súmula, mas, ao contrário, que a Administração Pública
decida e aja de acordo com o que restou estabelecido como jurídico pela súmula vinculante.
Contudo, a implantação do novel instituto, por si só, não tem força suficiente para mudar essa triste
prática da desobediência enraizada entre nós há muito tempo. Ainda mais porque não há previsão de sanção
alguma ao agente público que descumprir os enunciados sumulados. Ressalta-se que estava previsto na PEC
96/92 que o descumprimento de súmula com efeito vinculante configuraria crime de responsabilidade para o
13
Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. “Decisões vinculantes”. Revista de Processo, v. 100, p. 168.
5
agente político e acarretaria a perda do cargo para o agente da administração.14 No entanto, o texto não foi
convertido em texto legal, abrindo margem, mais uma vez, para que seja mantida a famigerada prática do
descumprimento de ordens judiciais.
Nada impede que a Administração Pública, portanto, apesar da vinculação, não se conformando com
os enunciados, mantenha a prática da interposição de recursos meramente dilatórios destinados a retardar a
execução de direitos já inquestionáveis.
Por outro vértice, seria ingenuidade pensar que os juízes de primeiro e segundo graus seguirão a risca
os preceitos sumulados. Isso seria desprezar a inteligência e capacidade de argumentação de nossa magistratura
e de nossa advocacia.
Prevendo exatamente essa situação, a Emenda Constitucional n. 45 determina que “do ato
administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá
reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a
decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme
o caso” (CF, art. 103-A, § 3º).
Como se vê, caberá reclamação endereçada diretamente ao STF das decisões que contrariarem os
enunciados sumulados, numa espécie de recurso per saltum.15 Parece-nos, entretanto, que ao instituir a
reclamação, o legislador corre o risco de ter “criado” instituto que venha a abarrotar o Supremo Tribunal
Federal, colocando em cheque a efetividade da súmula vinculante.
A implementação da súmula vinculante, por si só, como já dito alhures, não tem o poder necessário
para atingir os fins a que se propõe e que há tempos vêm comprometendo a qualidade a presteza na distribuição
da justiça em nosso país.
Faz-se imperativo não esquecermos a interdependência dos institutos do processo e do direito. “Nada
é sozinho”, muito bem ressaltou outrora Calmon de Passos.16 É sob essa perspectiva – o de sua dependência em
relação a outras medidas –, que nos situaremos em relação à efetividade da súmula vinculante.
Daí a ousadia de listarmos algumas medidas que, a nosso ver, podem, de alguma forma, auxiliar na
14
Dispunha o § 4° do art. 98 da Constituição Federal, previsto na PEC 96/92: “O reiterado descumprimento de súmula com
efeito vinculante, ou a desobediência às decisões de que tratam o parágrafo anterior e o § 2°, do art. 106, configura crime
de responsabilidade para o agente político e acarretará a perda do cargo para o agente da administração, sem prejuízo de
outras sanções”.
15
Tratando do especificamente do recurso per saltum, sustenta Carreira Alvim que “com isso, elimina-se, no mínimo, uma
apelação, um recurso especial, um recurso extraordinário, e, eventualmente, dois agravos de instrumento; e, em
conseqüência, toda uma carga de trabalho que pesa sobre os desembargadores (ou juízes), presidente e vice-presidente
dos tribunais de origem, ministros do STJ, e ministros do STF, para que se alcance um objetivo que parece muito
simples: manter a sentença como está, ou seja, de conformidade com a orientação dominante do STF. Na verdade –
prossegue o jurista –, o recurso ‘per saltum’ não é uma especial modalidade de recurso, diverso dos tantos que povoam o
universo jurídico-processual, senão uma especial modalidade de processamento de um recurso, que faz com que este
recurso – a apelação, o agravo -, saltem um grau de jurisdição, que seria um obstáculo ao atingimento do seu objetivo, de
buscar o apoio da jurisprudência dominante no tribunal superior” (CARREIRA ALVIM, José Eduardo. “Recurso ‘per
saltum’ – sugestão para a justiça do terceiro milênio”. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v. 71, p. 191-
199).
16
CALMON DE PASSOS, J. J. “Súmula vinculante”. Revista de Directo Processual Civil, v. 6, p. 625.
6
efetividade do novo instituto, sendo que todas buscam única e exclusivamente atender aos interesses dos
jurisdicionados nas lides em face da Administração Pública e não excluir-lhes direitos. É sob esse enfoque que
apresentamos as seguintes sugestões:
A implantação da súmula vinculante em nosso sistema pode ser considerada um avanço. Não
obstante, entendemos que a redação aprovada foi demasiadamente tímida, ficando muito aquém de alcançar os
efeitos realmente desejados no plano da aceleração e efetividade do processo. Referimo-nos, principalmente, à
atribuição de eficácia erga omnes às decisões sumuladas, que chegou a constar em algumas propostas, mas não
foi acolhida pela Emenda Constitucional n. 45.
Veja que o legislador optou em dar um tratamento diferenciado para as decisões de mérito proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratória de
constitucionalidade, as quais “produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante” (CF, art. 102, § 2°), ao passo
que as decisões sumuladas, apesar do efeito vinculante, produzirão efeitos apenas inter partes (CF, art, 103-A).
Reside aqui, talvez, a maior frustração da proposta em termos de efetividade do instituto, o qual teve
sua função, pode-se dizer, completamente esvaziada. Se o intuito da reforma era sobremaneira desafogar o
Poder Judiciário e imprimir uma maior segurança jurídica aos cidadãos, ao assim proceder o legislador perdeu
grande oportunidade (quiçá, a única) de avançar muito em relação à efetividade da súmula vinculante, pois
definitivamente não é razoável que milhares (ou milhões) de particulares movimentem todo o pesado aparelho
judiciário, de norte a sul do Brasil, abarrotando aí sim os tribunais estaduais e federais, e pior, muitas vezes
alcançando os tribunais superiores, apenas para obter uma sentença, via processo de conhecimento, cujo direito
tutelado já havia sido concedido anteriormente via súmula.
Tivesse a súmula eficácia erga omnes, assim como na ADC, a ADIn e na ACP, essa enorme demanda
certamente seria evitada. Seria só liquidar e executar. Melhor ainda se nem execução fosse necessário e a
questão fosse resolvida no âmbito administrativo. Mas isso dependeria do réu, com o qual definitivamente não
se pode contar. Exemplo recente é o da remuneração da poupança (embora não tenha havido súmula), em que
milhares (ou milhões?) de poupadores foram efetivamente obrigados pela Caixa Econômica Federal a procurar
as vias judiciais, a fim de terem suas cadernetas de poupança corretamente corrigidas pelos planos econômicos.
É impossível sustentar que processos da mesma natureza devam prosseguir congestionando o Poder
Judiciário, percorrendo suas diversas instâncias, com a interposição abusiva dos recursos colocados à disposição
das partes pela legislação processual.
No entanto, para a consecução desse objetivo, dogmas do processo civil clássico, como o da eficácia
exclusivamente inter partes dos provimentos jurisdicionais e da coisa julgada restrita aos litigantes, devem ser
superados. Afinal, estas premissas individualistas não dizem mais respeitos ao atual estágio em que se encontra
o direito processual civil.
Nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso, “o efeito expansivo da coisa julgada, próprio das
situações enquadradas na jurisdição coletiva, insere-se num contexto específico, distinto do sistema processual
7
básico, no qual impera a regra geral, pela qual res iudicata aliis nec prodest nec nocet (CPC, art. 472)”.17
Como sustenta Sergio Bermudes, “o processo judicial não pode continuar existindo, subjugado por
uma concepção individualista, apenas para a solução de conflitos específicos”.18 É nesse contexto que ganha
força a eficácia erga omnes da súmula vinculante, proposta esta ligada aos preceitos das class actions.
Essa potencialização da eficácia da súmula, que permite estendê-la ao demais casos subsumidos em
seu enunciado não significa qualquer desvirtuamento da atividade judiciária. Ao contrário, parece vir ao
encontro da notória tendência para o trato processual em modo coletivo, onde se potencializa a eficácia do
julgado, projetado erga omnes ou ao menos ultra partes.19
De outra parte, para evitar qualquer tipo de fraude por parte dos órgãos estatais ou pressão política
seria razoável que as decisões que denegassem direitos do cidadão perante o Estado não fossem objeto de
súmula com efeito erga omnes, pois neste caso, existiriam grandes prejuízos para aqueles particulares que
sequer fizeram parte da formação do contraditório e da coisa julgada, o que não ocorre, por exemplo, quando a
Administração Pública é condenada, pois ela integra a demanda, podendo se defender. Pensar o contrário seria
admitir a violação dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do acesso à justiça.
Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira observa que os particulares “não podem sofrer os efeitos da
reiteração de julgados, a impedi-los de buscar a solução justa para os casos que submetem ao juízo”,20 Enfim, a
súmula não pode impedir o direito de ação, sob pena de afronta ao princípio constitucional da inafastabilidade
do controle jurisdicional, expresso no art. 5º, XXXV, da Magna Carta.
5.2 Hipótese de antecipação de tutela por abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório
8
autor que demanda contra ela é obrigado a suportar, além da conta, o tempo de demora do processo”. 21
Definitivamente, a nosso ver, o sistema processual não suporta mais que o tempo do processo seja um ônus
somente do autor.
Eis aí uma engenhosa técnica tendente a fazer com que a duração do processo não labore contra a
parte à qual assiste o bom direito,22 técnica esta apta a dar a efetividade aos enunciados sumulados, em caso de
descumprimento da Administração Pública.
A súmula 253 do STJ pode ser considerada o primeiro passo para valorar não só a súmula, mas
também a jurisprudência dominante quanto ao destino do reexame necessário, in verbis: “O art. 557 do CPC,
que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário”.
A regra trazida pela Lei 10.352/2001 consolidou essa tendência, ao introduzir o § 3° do art. 475, o
qual determina que não se aplica o reexame necessário “quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do
plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente”.
Veja que o dispositivo, seguindo a linha do art. 557, vai além das súmulas, ao criar óbice à remessa
necessária com fundamento na jurisprudência oriunda do Plenário do STF, ainda que não sumulada. A nosso
ver, nada mais lógico!
Esse dispositivo, acentua Cândido Rangel Dinamarco, “está coerente com a escalada de valorização
da jurisprudência a que assiste a ordem jurídico-processual brasileira a partir de quando, em 1963, o Supremo
Tribunal Federal implementou seu sistema de súmulas”.23
Parece-nos que deve vir declarado na própria sentença que aquela decisão específica, em função de
seu conteúdo ter sido objeto de súmula vinculante, não será objeto de reexame necessário, a fim de que os autos
não sejam remetidos ao respectivo tribunal. Afinal, não teria sentido levar a efeito a remessa obrigatória apenas
para lhe negar provimento singularmente na corte. Se o reexame é condição de eficácia da sentença, esta
produzirá efeitos com o fim do prazo para a interposição do recurso voluntário. Pensar o contrário seria esvaziar
o comando do § 3° do art. 475 do Código de Processo Civil.
Para que se mantenha coerência com o sistema adotado pelo Código de Processo Civil quanto ao
reexame necessário e à força da jurisprudência e com o próprio sistema de súmula vinculante, a apelação
interposta contra sentença cuja tese tenha sido objeto de enunciado do STF não deverá ser recebida no efeito
suspensivo, mas tão-somente no devolutivo, permitindo, assim, a execução do julgado.
Parece-nos que seria razoável inserir um inciso VIII entre as exceções do art. 520 do CPC quanto à
21
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 272.
22
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2. ed. São Paulo: RT, 2001. p.
363.
23
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 134.
9
regra do efeito suspensivo da apelação. Pensar o contrário significa colocar em risco a efetividade da súmula.
Daí a importância dos efeitos da apelação. Fosse esta recebida apenas no efeito devolutivo, o intuito
protelatório da Administração Pública em retardar a entrega da prestação jurisdicional seria prejudicado, diante
da inversão do ônus do tempo processual na própria sentença. Aliás, muitos dos problemas que envolvem a falta
de efetividade do processo poderiam ser resolvidos com alteração da regra do efeito suspensivo da apelação.
Infelizmente, não foi esse o caminho trilhado pelo legislador reformista brasileiro.
No entanto, talvez, essa tenha sido uma das maiores inovações da reforma introduzida no códice de
procedura civile italiano em 1990, qual seja, a execução provisória das sentenças de primeiro grau. Giuseppe
Tarzia, comentando a novidade, bem afirma: “Querendo colocar no centro do processo de cognição o juízo de
primeiro grau e atribuir a este a máxima eficácia possível, a reforma inverteu uma regra, decorrente de uma
antiga tradição (art. 282 e art. 337 CPC): a regra pela qual a sentença de primeiro grau não era provisoriamente
executiva, ressalvado que a provisória execução fosse concedida pelo juiz na presença de particulares
pressupostos, pertinentes ao fundamento da demanda, ou a natureza do direito ostentado, ou ao perigo na
demora. Agora, ao contrário, ‘a sentença de primeiro grau é provisoriamente executivas entre as partes’”.24
Sustenta Cássio Scarpinella Bueno, por outro lado, que por força do efeito suspensivo da apelação
“reduz-se a nada o valor dos pronunciamentos de primeiro grau, fazendo com que o julgador respectivo nada
mais seja que um mero instrutor do processo”.25 A referida crítica, ao qual merece nossos aplausos, seria pelo
menos parcialmente mitigada fosse a sentença recebida apenas no efeito devolutivo, permitindo-se a execução
provisória da decisão.
Em síntese, por tudo que foi dito em relação à antecipação da tutela por abuso do direito de defesa e
manifesto intuito protelatório, e aqui muito mais ante a existência de cognição exauriente, deve o recurso de
apelação interposto contra a decisão cujo mérito foi sumulado ser desprovido de efeito suspensivo.
Não é preciso fazer muito esforço para se verificar a imensa importância que a jurisprudência assumiu
a partir da edição das leis que reformaram o nosso sistema de recursos. Além de ampliar os poderes do relator, a
Lei 9.756/1998, por exemplo, também ratificou a crescente tendência de valorização aos precedentes
jurisprudenciais.
Nessa escalada, o novo sistema recursal generalizou em diversos dispositivos o manejo do binômio
súmula-jurisprudência dominante. Antes, o poder do relator restringia-se ao campo da contrariedade com a
jurisprudência sumulada. Hoje, ainda que não sumulada, a jurisprudência reiterada dos tribunais é fator que
também o autoriza decidir monocraticamente.26
Essa inovação esvaziou, na época, em certo ponto, o intenso debate sobre a reforma constitucional
24
TARZIA, Giuseppe. “O novo processo civil de cognição na Itália”. Revista de Processo, v. 79, p. 61.
25
BUENO, Cassio Scarpinella. Execução provisória e antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 20.
26
Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. O relator, a jurisprudência e os recursos. In: NERY JUNIOR, Nelson e ARRUDA
ALVIM WAMBIER, Teresa (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98.
São Paulo: RT, p. 127-144, 1999. p. 131.
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destinada a atribuir eficácia vinculante às súmulas provenientes dos tribunais superiores. Barbosa Moreira fez
uma análise muito interessante sobre esse fenômeno, ao verificar que “sem precisão de emenda, a vinculação,
para fins práticos, em boa medida vai-se insinuando, pé ante pé, sorrateiramente, como quem não quer nada, e
não apenas em benefício de teses ‘sumuladas’, senão até das simplesmente bafejadas pela preferência da maioria
dos acórdãos.
Emenda constitucional, para estabelecer que as Súmulas, sob certas condições, passarão a vincular os
outros órgãos judiciais? Ora, mas se já vamos além, e ao custo – muito mais baixo – de meras leis ordinárias
(será que somente na acepção técnica da palavra?). O mingau está sendo comido pelas beiradas, e é duvidoso
que a projetadas emenda constitucional ainda encontre no prato o bastante para satisfazer seu apetite...”.27
Parece-nos, na verdade, que o legislador infraconstitucional, haja vista as últimas reformas legislativas
em torno do sistema recursal, estava preparando o terreno para a chegada da súmula vinculante, ao deixar o
colegiado de um tribunal restrito às questões em que se possa criar o Direito. Destarte, as questões repetitivas,
onde já exista posição reiterada e consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, bem como do Superior Tribunal
de Justiça, ainda mais se sumulada a matéria, não necessitam mais passar pelo crivo dos órgãos fracionários da
corte encarregada de apreciar a pretensão recursal.
Seja como for, uma coisa é inegável: a jurisprudência nunca teve tanta força normativa quanto no
estágio em que se encontra atualmente. Se antes o relator podia apenas negar seguimento a recurso, hoje o
relator pode provê-lo monocraticamente.
É importante salientar, no entanto, que o provimento imediato do recurso pelo relator, expresso no §
1°-A do art. 557 do CPC, limita-se aos casos em que a decisão impugnada seja contrária à súmula ou à
jurisprudência dominante do STF ou do STJ, ou seja, os precedentes do próprio tribunal não ensejam o
provimento do recurso, apenas autorizam o seu desprovimento.
Nem o fato de o tribunal local ter editado súmula sobre determinada matéria dá ao relator poderes de
até mesmo desprover o recurso, se o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ainda não pacificou seu
posicionamento sobre o assunto. Afinal, não tem o menor sentido o relator, no tribunal de segundo grau, utilizar
poderes monocráticos para ajustar uma decisão conforme a jurisprudência nele dominante, mas desconforme
com a dominante nos tribunais superiores.28
Nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier, “está absolutamente equivocada a posição que vem sendo
adotada por setores minoritários da jurisprudência, no sentido de se negar seguimento a recurso que confronte
com a posição do Tribunal local ou, pior ainda, de órgão fracionário do tribunal local! Se prevalecer este
entendimento, visível e evidentemente equivocado, haverá quebra de ordem constitucional, justamente em razão
27
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos civis. In: NERY JUNIOR,
Nelson e ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo
com a Lei 9.756/98. v. 2. São Paulo: RT, p. 320-329, 1999. p. 329.
28
Cf. CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Novo agravo. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 131. No mesmo
diapasão, a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça: “A expressão ‘jurisprudência dominante do respectivo
tribunal’ somente pode servir de base para negar seguimento a recurso quando o entendimento adotado estiver de
acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, sob pena de negar às
partes o direito constitucional de acesso às vias extraordinárias”. E do corpo do acórdão: “Dessarte, quando a pretensão
do autor encontra amparo no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal, não pode o relator negar
seguimento ao recurso com base no artigo 557, do CPC” (STJ, 2ª Turma, REsp 193.189/CE, rel. Min. Franciulli Netto,
DJU 21/08/2000).
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da usurpação de competência do Superior Tribunal de Justiça. Nem se diga que o texto da lei confere poderes
aos Tribunais locais. Ao prever que possa o relator negar seguimento a recurso que confronte com a
jurisprudência dominante do respectivo tribunal, a lei somente pode ter querido referir-se à hipótese de existir
jurisprudência local que não colida com aquilo que também no Superior Tribunal de Justiça se entendido como
tal”.29
Enfim, muito antes da implantação da súmula vinculante, o legislador reformista do CPC, introduziu
avançado dispositivo que, apesar de cumprir sua função de acelerar o trâmite dos recursos nos tribunais, não
impede que a parte vencida interponha agravo interno e venha a alcançar as instâncias de superposição, via
recursos excepcionais ou agravo de instrumento.
O Código de Processo Civil reputa litigante de má-fé aquele que interpuser recurso manifestamente
protelatório (CPC, art. 17, VII), prevendo condenação ao pagamento de multa não excedente a 1% sobre o valor
da causa (art. 18). Além disso, paralelamente, nos arts. 538 (embargos de declaração) e 557, § 2° (agravo
interno) estabelece multas de até 10% sobre o valor da causa, condicionando a interposição de qualquer outro
recurso ao depósito do respectivo valor.
Os referidos dispositivos receberam duras críticas por parte significativa da doutrina brasileira. Sergio
Bermudes, ao atualizar a obra de Pontes de Miranda, referindo-se à multa prevista para o agravo interno
considerado protelatório, afirma que num momento de infelicidade, o legislador, tentando reprimir a postulação
protelatória, cominou ao agravante, nos casos de inadmissibilidade ou falta de fundamento manifestos, uma
multa que pode atingir alturas vertiginosas. E finaliza, ao argumento de que “a sanção do § 2º é inconstitucional
porque ofende o princípio da proporcionalidade, inerente ao due process, garantido no inciso LVI do art. 5º da
Constituição, como obsta ao exercício de recurso instituído, contrariando na particular, o inciso LV do art. 5º.
Tanto é inconstitucional a sanção quanto condicionamento do recurso ao depósito do respectivo valor,
especialmente quando se quer discutir esse valor”.30
Com o devido respeito ao nobre processualista, não nos parece esse o melhor entendimento. A multa
trata-se de medida inibitória, cujo escopo é evitar a interposição de recursos com cunho manifestamente
protelatório, devendo ser mais utilizada pelos juízes como forma de coibir práticas dilatórias.
Como é cediço, para a segurança jurídica, é salutar que os cidadãos e as instituições saibam de
antemão o desfecho de determinadas ações judiciais. Eis um dos objetivos da adoção do sistema de súmulas
vinculantes. No entanto, a Administração Pública e as grandes corporações (seguradoras, etc.), mesmo sabendo
de sua derrota ao final da demanda, trabalham com a demora na entrega da prestação jurisdicional, que vai ao
encontro de seus interesses, pois, em última análise, a dilação processual premia tal prática como fonte de
vantagens econômicas. Em outras palavras, litigar no âmbito judicial ainda é vantajoso para o réu que não tem
29
WAMBIER, Luiz Rodrigues. “Uma proposta em torno do conceito de jurisprudência dominante”. Revista de Processo, v.
100, p. 84.
30
PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. tomo VIII. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.
230.
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razão, aquele que apresenta defesa e interpõe todos os recursos possíveis tão-somente para postergar o trânsito
em julgado do feito, sendo que não raramente possui corpo jurídico próprio para realizar tal tarefa.
Talvez a aplicação incisiva de altas multas desestimule a interposição de recursos cujo desprovimento
seja perfeitamente previsível. Para tanto, em nosso entender, não há motivo plausível para se manter relação
entre o valor da causa e o valor da multa, devendo tal quantia ser fixada pelo juiz única e exclusivamente
baseada no juízo de eqüidade, como ocorre, por exemplo, com os danos morais. Afinal, o valor dado à causa
muitas vezes não traduz perfeitamente o objeto litigioso, sendo prática entre os advogados darem baixos valores
à causa em razão das custas judiciais, o que poderá tornar ao longo do processo a aplicação da multa numa
medida inócua.
E mais: a multa, a nosso ver, pode vir perfeitamente prevista na sentença que seguir enunciado de
súmula vinculante, condicionada à interposição de recurso de apelação, como forma de desestimular a sua
interposição. No caso de sentença contra a Administração Pública (com base em súmula), portanto, além de vir
expressamente declarado que a ela não se aplica o reexame necessário, deve vir fixado desde então o valor da
multa no caso de interposição de recurso voluntário.
A partir do momento que for desvantajoso litigar, diante da certeza da derrota (súmula vinculante), do
ônus de sucumbência e da aplicação de pesadas multas por litigância de má-fé, certamente esse quadro há de
mudar porque custará muito caro para os que assim o fazem continuar agindo dessa forma.
Outro ponto a ser observado diz respeito às matérias passíveis de serem objeto de súmula vinculante.
É imprescindível que se tenha noção daquilo que pode ser sumulado. Teresa Arruda Alvim Wambier entende
que nem tudo pode ser objeto de súmula, mas tão-somente teses jurídicas, ou seja, “é necessário que se trate de
questão direito”.31
Por outro lado, como afirma Marco Antonio de Barros, “a súmula vinculante, por sua gênese, jamais
poderá ser aplicada ao chamado caso privado puro, pois é de sua essência o caráter genérico e reiterativo das
relações jurídicas postas em confronto, já que ela deve funcionar como eficiente antídoto à coletivização dos
31
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. “Súmula vinculante: desastre ou solução?”. Revista de Processo, v. 98, p. 302.
13
conflitos”.32
As súmulas vinculantes, assim, poderão ser muito úteis, principalmente para os casos referentes a
matérias administrativas, tributárias e previdenciárias, onde o Poder Público tenha sucumbido frente aos
interesses particulares, ou ainda, nos casos de interesses difusos e/ou coletivos.
Como demonstrado ao longo deste ensaio, a legislação processual brasileira já proporciona vários
meios de efetividade da tutela jurisdicional e que podem ser perfeitamente aplicados na consecução de melhores
resultados na aplicação da súmula vinculante. No entanto, os profissionais da área jurídica necessitam estar
preparados para utilizarem os meios postos à disposição de forma correta, para que estes não se tornem apenas
meros adornos, servindo para embelezar o direito processual civil, mas sem qualquer utilidade prática.
Definitivamente não é por falta de instrumentos processuais que continua tão insatisfatória o prazo da
entrega da prestação jurisdicional.33
6. Conclusão
Assim como todos os outros, o sistema das súmulas vinculantes também apresenta defeitos. Se, de um
lado, há a necessidade de alguns ajustes na legislação processual para imprimir efetividade ao novo instituto, de
outro, basta que saibamos utilizar os instrumentos que há muito estão à nossa disposição. Na realidade, nenhum
sistema processual, por mais bem elaborado que seja em suas disposições, tornar-se-á cem por cento efetivo se
não contar com advogados e juízes empenhados em fazê-lo funcionar nesse caminho.
Não vamos cair na ingênua ilusão de supor que só com leis se resolva tudo. Afinal, é mister que se
formule a norma e, depois, que se aplique. Já dizia Piero Calamandrei que o problema da reforma das leis é,
antes de tudo, um problema de homens, no sentido de que a estes cabe dar vida à nova lei. Noutras palavras, tal
tarefa depende especialmente da inteligência e da boa vontade de “duas categorias de pessoas, os magistrados e
os defensores, que deverão ser, não só os custódios, senão os animadores, e, quase poderíamos dizer, os
criadores do novo processo civil”.34
Com uma coisa temos que concordar com o mestre italiano: a norma jurídica não tem em si o poder
de transfigurar a realidade. Há a necessidade de sua interpretação pelos operadores do direito, e é aí que reside o
problema. O natural comodismo do homem faz com que ele seja refratário a modificações que vão obrigá-lo a
novos estudos e adaptações. Daí a resistência de parcela da doutrina em assimilar as recentes reformas
legislativas reformadoras do processo civil brasileiro.
32
BARROS, Marco Antonio. “Anotações sobre o efeito vinculante”. Revista dos Tribunais, v. 735, p. 106.
33
Nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier, “em temas como celeridade e efetividade, o Código de Processo Civil dispõe
de mecanismos extremamente úteis a que se alcancem os dois objetivos (processo célere e efetivo)”. E finaliza: “Basta
aos operadores deles se servir com mais operosidade, competência e vontade” (WAMBIER, Luiz Rodrigues. “A
audiência preliminar como fator de otimização do processo. O saneamento ‘compartilhado’ e a probabilidade de redução
da atividade recursal das partes”. Revista de Processo, v. 118, p. 142).
34
CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. v. 1. Trad. Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbiery.
Campinas: Bookseller, 1999. p. 333.
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Os tempos atuais, por isso mesmo, exigem de quem faz do processo o seu ofício, um esforço de
sensibilidade, de criatividade e, quem sabe, de ousadia, para perceber as mudanças e darmos a elas, pela via da
hermenêutica, sua exata dimensão. São novos tempos, é indiscutível.
Enfim, essas foram nossas primeiras impressões acerca da (in)efetividade da súmula vinculante, onde
analisamos os aspectos que nos pareceram mais sedutores. Certamente, há muito mais a ser dito, pois se trata de
assunto ao mesmo tempo apaixonante e complexo. Não obstante, esperamos que o estudo tenha, de alguma
forma, contribuído para a discussão do tema.
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