Art I Go 20 Claudia Sergio Less A
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RESUMO
Na região de Abreu e Lima, situado dentro das antigas extensões da sesmaria
Jaguaribe, do séc. XVI-XVII, estão alguns dos principais sítios de ocupação
colonial de Pernambuco. O Engenho Jaguaribe, escavado no âmbito do Projeto
Jaguaribe, durante as escavações de 2015 a 2019, apresentou estruturas
arquitetônicas compatíveis com a casa grande, uma engenhoca possivelmente
vinculada ao processamento da cana de açúcar, construção sacra de cantaria em
calcário e uma casa com alicerces de pedra. Dentro da área dos alicerces foram
localizadas deposições funerárias e ossos esparsos de mais de uma dezena de
indivíduos que constituem objeto deste relatório. Os esqueletos humanos, de
adultos e crianças, encontravam-se entre 20cm e 120cm de profundidade, em solo
areno-argiloso e alterações tafonômicas por fitoturbação e intensa manipulação de
ossos para novas inumações. Junto dos ossos foram localizadas contas de colar,
escapulário e pulseira de metal. Os crânios apresentam características indicadoras
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Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
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Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
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ABSTRACT
In the region of Abreu e Lima, located within the old lands of the Jaguaribe sesmaria,
from the 16th-17th centuries, are some of the main places of colonial occupation of
Pernambuco. The Jaguaribe Engenho, excavated under the Jaguaribe Project, during the
2015 -2019 excavations, featuring architectural structures compatible with the large
house, a contraption linked to the processing of sugar cane, sacred construction of
limestone masonry and a house with stone foundations. Within the foundation area, burial
depositions and sparse bones were required from more than a dozen selected as desired in
this report. The human skeletons, of adults and children, were between 20cm and 120cm 15
deep, in sandy-clay soil and taphonomic changes for phytoturbation and intense
manipulation of bones for new inhumations. Along with the bones were necklace beads, a
scapular and a metal bracelet. The skulls have characteristics indicative of African
biogeographic ancestry, corroborated by the presence of an ethnically modified anterior
tooth. This article is focused on presenting the preliminary results of the excavation of
these funerary depositions.
Keywords: Engenho Jaguaribe, funerary depositions, African diaspora, archaeological
excavation
Pode ter pertencido à Igreja e nesse caso, trata-se de uma concessão. Note-se, ainda, que,
como os africanos escravizados – e nessa condição – eram avaliados como peça ou peças,
não faziam parte da sociedade humana e das prerrogativas a ela relacionadas, na vida e na
morte. Os cemitérios de escravos são, nessa mesma linha, locais de descarte de peças,
cuja concessão dependia da vontade exclusiva dos senhores de engenho, seus
administradores e de membros da Igreja católica no período colonial. Eventualmente
enterravam-se escravos em igrejas gerenciadas por irmandades específicas ou em
cemitérios públicos, legalmente fundados. Os indivíduos inumados em Jaguaribe não
apresentavam túmulos ou estruturas aboveground para a identificação individual, como
cruzes e outros, já não mais existentes na superfície do sítio. Também, a área de
concentração das deposições funerárias estava situada nas proximidades das ruínas da
capela e junto de uma estrada de terra de uso público e dos moradores da região de Abreu
e Lima. Um muro de pedras, visível no perfil da estrada de terra, pode representar uma
das delimitações da área que continha o cemitério e que poderia incluir a capela. A
expansão da área cemiterial para a estrada não foi verificada até este momento.
Remanescentes humanos inumados em áreas de engenhos de cana de açúcar em 17
Pernambuco tem sido ignorados e escavações na perspectiva underground em cemitérios
dessa natureza são raras em Pernambuco.
Escavações arqueológicas foram empreendidas na área da Sesmaria Jaguaribe tendo sido
recuperado um esqueleto em piso da igreja de São Bento, antiga fazenda dos beneditinos
de Olinda. Entretanto, a área cemiterial em estudo não está dentro de uma igreja ou
capela, especificamente, mas poderia fazer parte de um complexo que incluiria,
intramuros, um local de inumação possivelmente utilizado por africanos, escravizados ou
libertos. Os remanescentes apresentados neste relatório provêm de um espaço reservado a
inumações sucessivas e muito próximas umas das outras, com sinais de misturas de ossos
de esqueletos de pessoas inumadas em períodos diferentes. Isso ocorre por causa do reuso
de covas e a demanda por sucessivas inumações ao longo do tempo. Foram recuperadas
informações sobre o contexto arqueológico das deposições funerárias e remanescentes
esparsos recuperados.
Os métodos e técnicas de campo obedeceram as prerrogativas definidas no Projeto de
escavação do Engenho Jaguaribe. No caso dos sepultamentos humanos foi empregado um
“stick man” (SUTHERLAND, 2007; TULLER et al, 2008) ou modelo para mapear
pontos de registro a partir de uma estação total. No esquema empregado foram incluídos
todos os pontos planialtimétricos nas seguintes regiões do esqueleto: no crânio (na
glabela, mento ou centro da circunferência dos ossos cranianos); no forame magno; no
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LABIFOR.
Figura 1: Registro com estação total dos pontos das coordenadas planialtimétricas
definidas preliminarmente: ponto 9.RPEL sendo tomado no esqueleto do sepultamento
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remanescentes do esqueleto 1.
Pertence a indivíduo masculino, adulto, conforme análise preliminar dos caracteres
macroscópicos. Os ossos encontram-se extremamente friáveis e foram retirados em
blocos. Encontram-se em processo de secagem e escavação no LABIFOR - UFPE.
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A
B
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Sepultamento 2, esqueleto 1
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Sepultamento 3, esqueleto 1
O sepultamento 3 caracteriza-se como uma deposição funerária simples, com uma cova
contendo um único indivíduo (Figuras 8, 9 e 10). O esqueleto encontrava-se a cerca de
130cm de profundidade, entre as quadrículas 10Dc/10Cb e 10Ca/10Dd, a cerca de 30cm
do esqueleto1 da criança do sepultamento 2, em decúbito dorsal, com membros inferiores
estendidos, pés paralelos e próximos entre si; membros superiores fletidos, com braços
cruzados sobre o tórax. O corpo apresentava eixo crânio-pelve orientado a NW-SE
(noroeste – sudeste). Fragmentos de neurocrânios de adultos encontravam-se junto e
sobre o crânio deste indivíduo, deslocados de outra inumação mais antiga durante a sua
inumação.
Trata-se de esqueleto de jovem, com menos de 23 anos, conforme as caractrísticas
dentárias e de desenvolvimento ósseo (Brothwell, 1981). O sexo, possivelmente
masculino, ainda deverá ser estimado por características do crânio e da pelve. Os ossos
ainda apresentam linhas epifisiais e centros secundários de ossificação não fusionados.
Sua estatura em vida será calculada pelos dados da estação total, medidas em campo e
comparação com o resultado da aplicação de equações de regressão para cálculo de
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Neste esqueleto foram mensurados in situ o rádio direito (24cm de comprimento máximo)
e a ulna direita (30cm de comprimento máximo). A adoção de medidas em campo
(osteométricas de ossos e estatura do esqueleto) é uma prática recorrente e é importante
para a recuperação de dados que não poderiam ser mantidos após a exumação científica
dos remanescentes (por quebras decorrentes do estado de decomposição óssea, partes
pulvurulentas ou já extremamente degradadas em campo e que não poderiam ser
recuperadas mesmo com processos de consolidação).
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Sepultamento 4 , esqueletos 1 e 2
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Conforme a análise dos dados contextuais, trata-se de duas deposições funerárias simples,
consecutivas, de pessoas depositadas em posições corporais similares (decúbito lateral
direito, com membros inferiores fletidos ou semi-fletidos. A deposição mais antiga,
inferiormente situada, apresenta claros sinais de perturbação por ação exumatória -
deslocamento de ossos sobre o novo cadáver - para a inumação do corpo que passou a
ocupar grande parte da cova inicial. O segundo esqueleto (1), que está sobre o primeiro,
também sofreu desarticulação de ossos, como o fêmur esquerdo, fora do seu contexto de
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Fonte: LABIFOR, 2018
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A presença de materiais construtivos, como tijolos, argamassa e telhas foi registrada sob
os ossos dispersos do esqueleto 2 (Figura 15, áreas com círculos).
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Sepultamento 5, esqueleto 1
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Sepultamento 6, esqueleto 1
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Sepultamento 7, esqueleto 1
Este sepultamento constitui uma deposição simples (ou primária), contendo um único
indivíduo (esqueleto 1). Estava localizado no Quadrante B, nas Quadrículas 10 C-B
(10CA /10CA-Qb/ 9CA-QB/ 10C B/ 1 Ac/ 10Cb- QB), em profundidade entre 43cm e
58cm. Apresenta contexto de deposição similar ao do Sepultamento 4, com perturbações 48
por ações exumatórias que resultaram na deposição de ossos do esqueleto 1 do
sepultamento 8 sobre o esqueleto 1 do sepultamento 7. Na Figura 20 podem ser
observadas as relações de proximidade entre o esqueleto 1 do sepultamento 8 e o
esqueleto 1 do sepultamento 7.
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Fonte: LABIFOR, 2018
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No crânio, retirado em bloco, foi observada uma depressão óssea que ocasionou várias
quebras (ou fratura cominutiva perimortem) na fossa temporal direita. Esse aspecto ainda
deve ser analisado nos fragmentos ósseos (sinais de quebra perimortem ou quebras post
mortem). O artefato de ferro (Figura 23) está em análise e deve ser comparado com outro
similar que foi encontrado em um sepultamento da Igreja Nosso Senhor do Bomfim, de
Marechal Deodoro, Alagoas. Trata-se de estudo de caso específico de adorno férreo (idé),
com viés de temática de religião africana. O discente Jamesson dos Santos Ferreira vem
desenvolvendo estudos sobre bioarqueologia da diáspora (FERREIRA, 2018), devendo
incluir este caso.
As análises preliminares do perfil bioantropológico indicaram tratar-se de esqueleto de
adulto, provável sexo masculino, de ancestralidade biogeográfica possivelmente africana.
Sepultamento 8
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Trata-se de uma deposição funerária simples perturbada por processos exumatórios e
inumatórios subsequentes à esqueletização do cadáver. Localizava-se nas Quadrículas
1CA / 10C-B / 10 CD, entre 35 cm a 45 cm de profundidade em relação à superficie atual
do terreno (Figura 24).
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intersecção (Figura 26), com desconexão de ossos e sua mistura aos novos esqueletos
foram observadas em todos os casos em Jaguaribe. Isso pode estar relacionado a uma área
funerária diminuta para a quantidade de mortos ao longo do tempo e o uso regular da
mesma área para as inumações consecutivas. Não foram localizadas inumações
simultâneas.
O esqueleto está em processo de conservação curativa no LABIFOR e LEA para
possibilitar análises adequadas do perfil bioantropológico. A priori, as características
morfológicas para dimorfismo sexual indicam sexo biológico feminino, adulto. Não
foram observados in situ traços de doenças, traumas ou anomalias.
Sepultamento 9
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Sepultamento 10
Sepultamento 11
O sepultamento 11, uma deposição funerária simples muito perturbada, com mistura de
ossos de pelo menos um ou dois indivíduos, retirados para a inumação do corpo do
sepultamento 10 e realocados no lado esquerdo do esqueleto do sepultamento 10. A
concentração de ossos estava situada na Quadrícula 10D-D, a uma profundidade de
aproximadamente 120cm.
Na Figura 29 pode-se observar a disposição do conjunto ósseo.
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Possivelmente, enquanto uma primeira hipótese, este conjunto ósseo resultou do processo
de abertura de uma cova (do sepultamento 10) para inumação que acarretou a exumação
fortuita de todo o esqueleto de adulto que estava na primeira cova.
As características gerais de desenvolvimento do esqueleto e de caracteres dimórficos
indicam, a priori, ossos de um adulto possivelmente masculino. Demais análises e coletas
de amostras de laboratório implicam no desenvolvimento de ações de conservação
curativa e higienização investigativa no LABIFOR.
Sepultamento 12
O sepultamento 12 caracteriza-se como uma deposição simples, perturbada parcialmente
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na região das tíbias, fíbulas e ossos dos pés, que foram misturados na parte inferior da
cova do sepultamento 10. Na Figura 28, junto do crânio do esqueleto 1 do sepultamento
10, observam-se os terços distais dos fêmures deste esqueleto, na parte inferior esquerda
da fotografia.
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B
Fonte: LABIFOR, 2018
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C
Fonte: LABIFOR, 2018
contendo ossos ainda articulados dos esqueletos dos sepultamentos 1, 2 e 3, assim como
de ossos e crânios esparsos. Devido à presença expressiva de áreas com fraturas recentes,
ocasionadas pela ação das raízes, umidade e perda da resistência dos ossos, deverão ser
empregados consolidantes e adesivos nessas regiões ósseas para possibilitar a
reconstituição e análise de alguns ossos e crânios. As Figuras 30 e 31 apresentam etapas
de limpeza investigativa e higienização superficial de um crânio esparso associado ao
esqueleto 1 do sepultamento 1. A Figura 32 ilustra a técnica de limpeza a seco empregada
no crânio do esqueleto infantil do sepultamento 2. Note-se que nem sempre a
higienização investigativa desmonta o bloco. Dependendo do estado de decomposição e
fragilidade do material, este é mantido sem o desmonte e reintegração dos fragmentos.
O uso de consolidantes e de adesivos no caso de Jaguaribe, foi aplicado em dois
momentos: a) no bloco com ossos em conexão, quando foi identificada extrema
fragilização dos vestígios e necessidade de preservação de determinadas regiões ósseas
(por quebras recentes, esfoliamento, pulverização, esmagamentos, delaminação, entre
outros de natureza ambiental) para fins de análise dos elementos do perfil 65
bioantropológico; b) fora do bloco, em áreas muito fragilizadas por pulverização ao
menor contato com o suporte ou recipiente de acondicionamento, também com fins
específicos de análise de elementos do perfil bioantropológico. Ossos como costelas,
vértebras, em conexão anatômica, foram retirados dos blocos gradativamente, com etapas
de decapagem fina (com uso de instrumentos de dureza inferior a dos ossos, semi-úmida
ou a seco) e retirada sucessiva, com registro dos ossos e suas relações de conexão
anatômica.
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Fonte: LABIFOR, 2018
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Fonte: LABIFOR, 2018
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Fonte: LABIFOR, 2018
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Figura 42: Incisivo central com sinal de limagem. Este dente foi recuperado em
peneira, durante a escavação. Foi reconstituído a partir de 3 fragmentos. Este tipo de limagem
de caráter étnico aparece em remanescentes dentários da Ilha de Santa Helena, na costa da
África
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Um Incisivo central com sinal de limagem, esparso, foi reconstituído a partir de 3 fragmentos
(Figura 42). Este dente foi recuperado em peneira, durante a escavação. O tipo de limagem de
caráter étnico aparece em remanescentes dentários da Ilha de Santa Helena, na costa da África.
Figura 43: Detalhe do dente da Figura 42: A, coroa em norma bucal/labial com
limagem; B, coroa em norma lingual. Observe-se a fragmentação e ausência de uma das
extremidades formadas após a limagem
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B
Fonte: LABIFOR, 2018
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Na Figura 43-B, a porção ausente da coroa pode ter sido perdida antemortem, por fratura
dentária ou post mortem, por quebras durante sua desarticulação da maxila e dispersão. A
câmara pulpar encontrava-se exposta em decorrência de um processo de limagem muito
intenso, possivelmente associado a uma imperícia durante o processo por perda de
referenciais técnicos de natureza étnica.
Assim como o incisivo central com limagem, uma conta perfurada (Figura 44), de
material de cor escura, também pode indicar filiação com determinada entidade/orixá de
origem africana (Omolú)ou porção de terço católico ou outro adorno.
Figura 44: Conta encontrada esparsa no contexto das inumações, peneira. Como
esta, foi encontrada outra, mantida em bloco
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TRIAGEM E RECONSTITUIÇÃO
Os ossos dos indivíduos inumados e os dos demais esparsos foram triados conforme a sua
origem (número do sepultamento), por região do esqueleto (esqueleto axial e
apendicular), por osso, região do osso e por acidente anatômico presente; por grupo de
idade (adulto, não adulto), por coloração e processo de degradação, por qualquer tipo de
alteração contínua (doença, lesão traumática ou anomalia genética).
O processo de reconstituição restringe-se as áreas recentemente quebradas/danificadas e
deverá ser efetuado com uso de consolidante (PVA nutro a 10%) e adesivo (PVA neutro a
70%). Áreas com assinaturas tafonômicas antigas não foram reconstituídas pois
funcionam como indicadores de eventuais traumas perimortem (patologias ambientais).
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O emprego de adesivos deverá ser adotado somente em áreas onde se verificou a presença 80
de quebra recente e após a coleta de amostras e subamostras. Nessas regiões, a serem
delimitadas nas fichas de registros de laboratório, deverá ser aplicado um consolidante a
base de PVA neutro a 15%. Posteriormente, após a secagem, será aplicado PVA neutro
puro como adesivo. Em alguns casos, torna-se recomendável a consolidação de
superfícies ósseas importantes que estavam em processo de degradação severa, com PVA,
solúvel em água.
Nesta categoria de vestígios estão todos os ossos e dentes que estão fora de conexão 81
anatômica, em situação de dispersão, por processos naturais ou antrópicos. No cemitério
em processo de escavação, foram localizados fragmentos de ossos humanos esparsos.
Entre as quadrículas 10Ca e 10Dd foram localizados fragmentos de ossos longos e de
crânio; entre as quadrículas 10Cb e 10Dc foram localizados fragmentos de neurocrânios,
costelas e dentes. Assim, todo o material, uma vez inserido na matriz de solo foi
mapeado. Poucos fragmentos de dimensões menores que 2cm foram coletados em
peneira, com a referência somente da quadrícula. Nesse caso estavam os três fragmentos
do dente limado que foi reconstituído e que possui um traço indicador de identidade
étnica muito específico. Em sua maioria, os ossos esparsos estão associados as inumações
mais preservadas, que apresentavam esqueletos completos. Ossos que aparentemente
estavam esparsos mas que denotavam continuidade para dentro da matriz de solo não
foram escavados ou coletados, tendo sido mantidos in situ. A identificação dos ossos e
dentes esparsos deverá ampliar o número de indivíduos inumados neste cemitério.
O mapeamento desses fragmentos está em processo, considerando que foram plotados
com estação total e que a planta geral deverá contar com dados de croquis e da própria
estação. Todos os dados estão em processamento. A reconstrução das deposições
funerárias junto com os ossos esparsos oferece uma nova perspectiva para a compreensão
do processo de formação, uso e abandono do “cemitério” do Engenho Jaguaribe.
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ESTIMATIVA DA IDADE
geralmente muito ruim, não possibilitaram a análise da sínfise púbica e das faces
auriculares para a diagnose etária. Nos ossos longos, serão observados a presença e
desenvolvimento dos núcleos secundários de ossificação. Inicialmente, os esqueletos dos
sepultamentos 2 e 3 pertencem a indivíduos não adultos. A idade aproximada pelo
desgaste dentário nos primeiros molares (2+ a 3-), considerando que os segundos molares
estão ausentes, segundo Brothwell (1981), é de cerca de 17 a 25 anos. Entretanto, no
Engenho Jaguaribe estão presentes indivíduos menores que 17 anos e maiores que 25
anos.
Foram considerados para a estimativa da idade biológica os caracteres de
desenvolvimento e envelhecimento ósseo e desenvolvimento dentário, conjuntamente.
Após a limpeza investigativa dos ossos de todos os indivíduos, serão buscadas novas
áreas para a estimativa da idade (superfície da sínfise púbica, superfície auricular do ílio,
suturas cranianas), associadas a imaginologia (observação de linhas de crescimento ósseo
e microanálise de esmalte dentário e mensuração comparada de coroas em
desenvolvimento). 83
ESTIMATIVA DA ESTATURA
84
A estimativa da estatura, além da obtida no esqueleto em campo pela metida direta do
comrimento do esqueleto (bregma-calcâneo) e de ossos longos, demanda o uso de tabelas
adaptadas de Bass (2005), Brothwell (1981) e Byers (2005). Como poucos ossos
apresentaram condições de mensuração do comprimento máximo, devem ser mensurados
aqueles passíveis de reconstituição para esse fim. Devem incluir ossos longos dos
membros superiores e inferiores, pelo menos.
Ossos dos membros inferiores como fêmur e tíbia apresentam resultados mais
aproximados à estatura em vida. Entretanto, isso depende do estado de preservação desses
ossos e da técnica reconstitutiva adotada.
O cálculo final da estatura individual deverá levar em consideração a medida do
comprimento total do esqueleto em conexão anatômica no contexto arqueológico e os
resultados de aplicação de fórmulas para os ossos longos dos membros superiores e
inferiores (para populações africanas, preliminarmente)
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CARACTERÍSTICAS DENTÁRIAS
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Figura 46: Imagem radiográfica (detalhe) do terço distal de ulna (etiqueta 2356)
com calo ósseo obliterando uma pseudoartrose.
ALTERAÇÕES TAFONÔMICAS
A preservação óssea pode ser examinada de acordo com três índices de preservação,
segundo Manifold (2013). Para a identificação do estado de preservação dos ossos dos
esqueletos recuperados do Engenho Jaguaribe, será considerado o uso do índice de
preservação anatômica (IPA), do índice de preservação qualitativa do osso (IPQ) e do
índice de representação óssea (IRO).
O primeiro índice representa a relação entre os graus de preservação, isto é, o percentual
de osso preservado para cada unidade óssea do esqueleto em relação ao número total de
ossos do esqueleto. Os ossos podem ser classificados individualmente conforme a tabela
91
de Bello et al, (2006). Nesse caso, são estabelecidas classes de preservação em % de osso
preservado (Bello et al, 2006):
Classe 1: 0% ou osso não preservado ou ausente;
Classe 2: 1% - 25% ou 1/4 do osso preservado;
Classe 3: 25% a 50% ou 1/2 do osso preservada;
Classe 4: 50% a 75% ou 3/4 do osso preservados;
Classe 5: 75% a 100% entre 3/4 e 4/4 do osso preservados;
Classe 6: 100% de preservação.
O segundo índice expressa o estado de preservação das superfícies corticais e é dado pela
relação entre as superfícies corticais hígidas e as danificadas de cada osso.
O índice de representação óssea, estabelecido por Dodson e Wexlar (1979), mede a
frequência de cada osso e tipo ósseo da amostra. É dado pela razão entre o número total
de ossos removidos durante a escavação e o número teórico de ossos que anatomicamente
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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