Uma Família Supresa para o CEO

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Uma Família Surpresa para o CEO

Thalatta Guerra
Direitos autorais © 2022 Thalatta Guerra

Todos os direitos reservados

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.

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transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou
outro, sem a permissão expressa por escrito da editora.

ISBN-13: 9781234567890
ISBN-10 1477123456

Design da capa por: Firulas LTDA


Número de controle da Biblioteca do Congresso: 2018675309
Índice
Página do título
Direitos autorais
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
EPÍLOGO
Livros deste autor
CAPÍTULO 1

SAMUEL

Quando cheguei ao escritório naquela manhã, não poderia estar


mais orgulhoso de mim por conseguir manter a postura de CEO sério
que as pessoas estavam acostumadas. Claro que eu estava exausto
depois de virar a noite, mas definitivamente havia valido a pena, Então
deixa te
especialmente quando eu me lembrava do belo par de pernas da moça contar
que havia me acompanhado. uma
coisa!kk
— Bom dia, senhor Vidal — um funcionário passou e me
cumprimentou.
— Bom dia — outra pessoa falou, e eu já não sabia mais o nome
de todos que trabalhavam para mim.
— Samuel! — Joel, meu advogado, não parecia exatamente feliz
ao me ver. — Onde infernos você se enfiou ontem? Sumir no meio de
um jantar de negócios... Fique sabendo que você está devendo um bom
pedido de desculpas para o pessoal de ontem, viu?!
Eu revirei os olhos e continuei andando para minha sala.
— E desculpas pelo que mesmo?
— Por ter sumido do nada?! Sem sequer se despedir das pessoas.
Então... Se receber mensagens perguntando como está, só diga que foi
algo que comeu ou sei lá. E assine isso — Joel disse me entregando
uma pasta. — Ao menos consegui fechar o negócio de ontem.
— Viu só? Eu sabia que não precisava de mim lá. Eu sou o
cérebro por trás das operações, e você é quem faz a parte de socializar.
E por um momento eu até achei que Joel fosse me socar, mas ele
se conteve. E não por eu ser o chefe ali, já que os anos de amizade já
tinham dado a oportunidade de muitas brigas entre nós, mas porque ele
sabia que eu estava certo.
Se eu tivesse perdido tempo da minha vida indo a toda reunião
social que me inventam, definitivamente não teria construído um
verdadeiro império na área de tecnologia. Eu havia me matado de
trabalhar para colocar a VidalTec como uma das maiores empresas da
área de sistema de informação do país, então o mínimo que merecia
era ter minhas noites de folga e diversão.
Isso não era pedir muito, era?!
E devo dizer que não era difícil conseguir companhia para
aqueles momentos. As manhãs dedicadas a exercícios e a praticar boxe
me davam um excelente físico, combinando bem com meus um metro
e oitenta e cinco. E por mais que eu gostasse de ficar bem à vontade
em casa, ao menos em público eu fazia questão de estar sempre bem
vestido.
— Sinceramente, eu não sei como aturo você — Joel ainda
resmungou.
— Fácil, sou seu melhor amigo desde a escola e pago seu salário.
Agora, se não se importa, eu devo ter um monte de coisas para fazer e
ainda preciso de um café bem forte.
— Desisto de você, viu...
E com isso Joel finalmente saiu e eu pude ir para minha sala em
paz. Eu sei que ele podia até reclamar de mim, mas éramos melhores
amigos e provavelmente ele era a única pessoa que eu confiava no
mundo. Ele e minha secretária Teresa, pois era muito difícil não
confiar em uma senhora que fazia os melhores bolos do mundo e
sempre me trazia um.
De qualquer forma, aquele seria mesmo um dia bastante cheio,
como de costume, e parecia que só um café não seria o suficiente para
me manter desperto. Eu até tentava me concentrar nos contratos que
precisava assinar, mas isso era difícil quando várias outras demandas
iam chegando.
— Senhor Samuel, o advogado do seu irmão de novo... — Teresa
disse aparecendo na minha sala.
— Diga que não estou.
E então Teresa saiu.
— Tem mais esses documentos para você olhar — Joel disse
entrou na sala colocando umas vinte páginas na minha frente.
— Depois eu vejo isso.
E Joel foi cuidar de outras coisas.
— Senhor Samuel, por favor... A senhorita Garcia está lidando
de novo. É sobre sua sobrinha.
— Eu nunca nem vi essa menina na vida!
Minha cabeça estava estourando e meu celular começou a tocar e
atendi por instinto, para ver se assim Teresa me deixava em paz.
— Samuel Vidal? Oi, sei que não nos conhecemos, mas é muito
importante falar com o senhor sobre a Clarice, sua sobrinha. Ela
precisa...
E naquela hora Joel entrou na sala de novo.
— Você ainda não resolveu as coisas do inventário do seu irmão?
— falei irritado.
Eu ia surtar!
— Você é meu advogado, Joel! Resolva você! — eu
praticamente gritei e joguei meu celular para ele. — Resolva tudo. Fale
com essa mulher aí e dê o dinheiro que precisar, ou seja, lá o que ela
quer. Eu não quero ouvir mais falar do meu irmão agora, ok?! Apenas
resolvam como preferirem e me deixem em paz!
E eu não era do tipo que saia gritando por aí, mas caralho! Até
morto o meu irmão ficava querendo atrapalhar minha vida?! Era tão
difícil assim poder esquecer que ele tinha existido um dia?
Pelo menos depois daquilo, Teresa puxou Joel para sair da minha
sala, enquanto dizia algo sobre eu estar sofrendo pelo luto ou sei lá o
que. E eu até pensei em corrigi-la, mas não valeria à pena.
Para pessoas como Teresa que tinham uma família grande e feliz,
era bastante difícil entender como minhas relações familiares eram
todas terríveis. Teresa tinha filhos e até um neto e vivia falando
orgulhosa de todos eles e de como reunia mais de dez pessoas para um
simples almoço de domingo.
O meu conceito de "almoço de domingo" era pedir um monte de
sushi pelo delivery que acabava sobrando e virando jantar depois.
E de todas as pessoas que eu queria distância, a principal delas
era meu irmão mais velho, Diego. Eu o odiava. Não fazia o menor
sentido sofrer pela morte de alguém que havia traído minha confiança
e sido um escroto comigo! Então eu preferia nem sequer pensar na
morte dele. Porque pior ainda seria a auto traição de chorar por alguém
como ele.
Respirei fundo para me acalmar.
Concentrar-me no trabalho parecia uma ótima forma de me
distrair agora. Porque era isso, o seu trabalho não iria te trair, seus
méritos não podiam ser tomados. E para alguém que havia vindo de
uma família conturbada e falida, ter virado um milionário antes dos
trinta sem dúvida era um grande mérito. Então, já com trinta e um
anos, meu principal objetivo era chegar ao meu primeiro bilhão.
E eu sabia que isso só seria feito com base em muito esforço.
Então providenciei mais uma xícara forte de café e me voltei a todos
aqueles contratos e outras tantas coisas que tinha para fazer.
Felizmente consegui passar o resto do dia sem que ninguém me
incomodasse, e a noite eu estava exausto, porém satisfeito. Até olhei o
celular, vendo mensagem de algumas moças me chamando para sair,
mas isso teria que ficar para outro dia. Agora eu só conseguia pensar
em dormir.
Meu apartamento provavelmente era a prova cabal do meu estilo
de vida. Eu havia comprado uma cobertura e reformado-a para que
ficasse com o aspecto mais amplo e moderno possível. Claro que isso
incluiu transformar os três quartos do lugar em uma mega suíte com
uma grande janela de vista panorâmica. Eu não era nenhum gênio da
decoração, mas gostava de tudo do meu jeito, então um bom trabalho
com o arquiteto certo e o imóvel havia virado meu refugio e paraíso
particular.
Do meu apartamento, eu tinha uma vista realmente bonita da
cidade, com todos seus prédios e luzes. A vida em uma metrópole me
agradava. Havia todas aquelas pessoas ao redor, mas eu preferia
mesmo ficar ali sozinho, observando de longe.
E sozinho, eu me esforçava para não pensar na recente morte do
meu irmão. Eu não iria pensar nele e muito menos iria chorar por isso.
Eu tinha certeza que aquele nó em minha garganta era por conta do
sono. Eu só precisava descansar e meus olhos iriam parar de
lacrimejar.
CAPÍTULO 2

Laura

Quando cheguei ao aeroporto, me senti orgulhosa de mim mesma


por não ter desmoronado até ali. Claro que não tinha muito como
disfarçar os olhos inchados de choro, e as olheiras de noites mal
dormidas, mas eu estava de pé e inteira! E isso enquanto carregava
uma criança de quase dois anos e um monte de malas.
Mas eu estava mesmo aliviada e até um pouco feliz, pois depois
de dias terríveis, eu finalmente tinha os documentos necessários para
poder viajar com Clarice. Foram dias e dias para aquilo tudo começar a
se resolver. Então... Eu sei que não devia me importar, mas eu fiquei
realmente revoltada quando o funcionário do aeroporto não conferiu os
documentos de Clarice direito e só assumiu que ela era minha filha,
nos deixando passar.
Ok, a menina podia ser bem parecida comigo — ou com minha
irmã mais velha, no caso — mas isso não era motivo para o desleixo!
E se eu fosse uma sequestradora? Ou uma tia maligna tentando dar um
golpe na pobre sobrinha órfã para tomar a herança dela?! Essas coisas
acontecem, sabe...
— Uma semana para ter a merda da autorização em mãos para
isso! — eu resmunguei para Clarice. — Mas aposto que se não tivesse
os documentos, aí sim esses bocós iriam querer conferir tudo!
Clarice apenas riu, sem entender nada do que estava
acontecendo. Realmente a inocência de uma criança era mesmo uma
benção... Clarice havia passado por uma das piores coisas do mundo e
nem sequer tinha consciência disso. Claro que havia momentos em que
ela chorava chamando pelo pai e pela mãe, mas eu a acalmava e dizia
que iria ficar tudo bem. Então... Talvez nesse ponto ela já desconfiasse
que eles não iriam mais voltar e começava a aceitar isso.
Eu que ainda não conseguia aceitar que nunca mais veria Alice.
Minha irmã sempre havia sido minha melhor amiga, era a melhor
pessoa que eu conhecia e quem eu mais amava. Definitivamente era
muito difícil aceitar que um acidente de carro havia tirado-a de mim.
Um estúpido motorista bêbado na estrada e agora minha vida e a de
Clarice estavam uma bagunça!
E era justamente por isso que estávamos ali. Eu havia
atravessado metade do país para proteger minha sobrinha e sabia que
ainda teria muito trabalho pela frente, tudo dependendo
exclusivamente de um homem que nunca tínhamos visto na vida.
E quando chegamos à área de desembarque, vi um homem
segurando uma plaquinha com meu nome e fui até ele. Mas devo dizer
que ele não era bem o que eu esperava. Era baixo e com o cabelo
cacheado, loiro, nada parecido com o irmão.
— Samuel? Oi. Eu sou Laura, e essa é a Clarice. Diz oi para o
seu tio, amor.
— Ah, não desculpe. Eu não sou o Samuel — o cara riu meio
sem graça. — Eu sou Joel, o advogado dele que ficou em contato com
você e... Vem. Deixa eu te ajudar.
E Joel até tentou pegar Clarice no colo, mas minha sobrinha se
agarrou a mim, escondendo o rosto contra o meu pescoço. Ela
realmente não andava gostando muito de ir com estranhos nos últimos
dias, mas acho que isso era compreensível pela situação dela... Então
Joel pegou a bolsa grande que eu carregava, a mala e a mochila.
— Nossa, como você estava carregando tudo isso?! Tem uns mil
quilos aqui.
Eu apenas dei de ombros. Acho que eu certo ponto eu só tinha
me acostumado a carregar muito mais peso do que deveria...
— Bom, de qualquer forma vou levar vocês para casa agora. Vão
poder descansar, se organizar. Foi uma viagem longa, então devem
estar precisando dormir um pouco.
— Bem, a Clari dormiu a viagem toda na verdade. Felizmente
ela é uma criança super boazinha. Só... Anda meio retraída
ultimamente, sabe? Ela já está percebendo um pouco as coisas.
— Eu sinto muito mesmo — Joel disse enquanto íamos para o
carro e de lá para nosso destino. — Eu conhecia o Diego há anos e
fiquei bem triste com a notícia.
— Pelo visto mais triste que o irmão dele. Esse Samuel nem se
deu ao trabalho de vir nos buscar. Nem sequer apareceu no enterro do
próprio irmão.
Aquilo era algo que eu realmente não conseguia entender! Ok, o
Diego até havia me contato que ele e o irmão haviam tido uma briga
feia no passado e por isso não se falavam, mas caramba! O cara não foi
nem no casamento e nem no enterro do único irmão. Que tipo de
pessoa sem coração agia dessa forma?
— Imagino que você esteja pensando o pior do Samuel a esse
ponto, mas... Dê uma chance a ele, ok?! Ele passou por situações bem
ruins também e é do tipo lobo solitário. E... Digamos que o Ed não foi
exatamente o melhor irmão do mundo. Muitas mágoas no passado,
mas... Agora tem a Clarice! E eu realmente acho que a presença dela
vai fazer muito bem para o Samuel, sabe? Ele anda precisando ter um
pouco de "família" na vida dele.
— Ah, então ele não é casado?
— O Samuel?! Casado?!
E o tanto que Joel riu daquilo me fez pensar que eu deveria ser
uma ótima piadista. Eu não estava mesmo entendendo aquilo, mas Joel
também não explicou, só foi parando a risada aos poucos. E nessa hora
chegamos finalmente ao destino. E devo dizer... Eu sabia que o Samuel
tinha empresas e sei lá o que, mas acho que só comecei a tomar
dimensão daquilo quando chegamos ao prédio onde ele morava.
A entrada do lugar era chique parecendo um hotel. Tinha até
mesmo um porteiro de terno, que nos recebeu e Joel foi nos apresentar.
— Essas são as senhoritas Laura Garcia e Clarice. Elas vão ficar
uns dias aqui. Já foi enviada a autorização de circulação delas.
— Claro, senhor. Já a recebi, inclusive — o porteiro disse num
tom distinto, muito educado, e nos entregou um envelope. — Aqui tem
o cartão de acesso ao prédio da senhorita. Seja muito bem vinda.
Eu apenas murmurei um "obrigada" enquanto íamos para o
elevador na mesma hora que uma moradora do prédio, que não
conseguiu evitar me olhar de cima a baixo, com ligeira cara de nojo.
Foi então que me olhei no espelho do elevador e me senti
terrivelmente inadequada naquele lugar.
Quer dizer... Eu era só uma designer freelancer que mal ganhava
o suficiente para se manter. Estava com uma calça jeans velha de loja
de departamento, uma camiseta suja de papinha de bebê e o cabelo
num estado lastimável de que não via uma hidratação há séculos.
Enquanto isso, aquela mulher parecia ter saído do filme O Diabo
Veste Prada. Tipo no auge da protagonista, quando ela está toda linda
em Paris. O cabelo perfeitamente alinhado, salto alto e roupas que
pareciam ter sido feitas sob medida, de tão bem que estavam nela.
— Joel... Há quanto tempo — a moça forçou um sorriso.
— Diana, oi. Deixe eu te apresentar. Essas são Laura e Clarice.
Vão ficar por aqui com o Samuel. Estão de mudança.
— Ah...
E sabe aqueles momentos que pouca coisa já diz muito?! Aquele
"Ah" dela com toque de desprezo já foi o suficiente para me irritar. Ok,
eu podia não ser a Anne Hathaway, mas um pouco mais de educação,
por favor!
E quando finalmente chegamos ao último andar, ela desceu
também.
— Bem, se precisarem de qualquer coisa, estou do outro lado do
corredor — e com isso ela saiu, com os sapatos fazendo um clac, clac,
clac irritante.
— Todas as pessoas nesse prédio são esnobes assim ou ela
apenas não foi com minha cara?
E mais uma vez Joel riu.
— Ela deve estar só em um dia ruim. A Diana é legal.
Eu pensei em dizer que discordava e que a opinião dele deveria
estar apenas baseada no fato de que a tal Diana era bonitona, mas
acabei deixando qualquer comentário de lado quando entramos no
apartamento. Eu só consegui dizer uma coisa:
— Uau...
E talvez eu até devesse ter imaginado algo assim levando em
conta a entrada do prédio, mas aquele era mesmo um apartamento
chique, digno de um filme. A sala era enorme, com tudo bem aberto e
uma dessas cozinhas integradas. Tudo ali parecia ser caro e estava
perfeitamente arrumado.
— Bem, eu vou deixar as coisas de vocês no quarto. Talvez
alguns ajustes precisem ser feitos, mas acho que o Samuel não vai se
importar que vocês fiquem com o quarto dele.
Eu coloquei Clarice sentada no sofá e peguei o bichinho de
pelúcia dela na bolsa, para distraí-la.
— E por que o quarto dele? Vai dizer que um apartamento desse
tamanho só tem um quarto?!
— Bem... Originalmente eram três, mas foi reformado e agora só
tem um. Digamos que o Samuel sempre deixou bem claro o quanto
gosta da vida de solteiro, sabe? Vai ser uma surpresa e tanto para ele
encontrar vocês aqui.
Surpresa?!
Como assim surpresa?!
Aquilo me deixou realmente preocupada agora. Era verdade que
nenhuma vez eu tinha conseguido ter uma conversa direta com Samuel
Vidal, mas não era como se eu pretendesse ir para a casa de um
estranho sem nem comunicar a ele! Foi Joel que tinha intermediado
tudo. Eu achava que ele tinha deixado tudo resolvido direito. Mas...
Olhando para ele agora, ele parecia muito com alguém que tinha
aprontado uma grande confusão.
E de propósito.
CAPÍTULO 3

Samuel

Os últimos dias foram mais exaustivos para mim do que queria


pensar a respeito. Acho que inconscientemente eu estava me
afundando cada vez mais no trabalho, e quando não havia trabalho
para me manter ocupado até tarde da noite, eu pegava meu celular e
tratava de arranjar uma companhia que me distraísse de qualquer
pensamento indesejado.
Só que o problema de ficar tentando não pensar em uma coisa, é
que inevitavelmente você acaba pensando alguma hora. Mesmo
ignorando ao máximo tudo que Joel e Teresa vinham falar a respeito da
minha sobrinha — uma guria que eu não tinha ideia de como era ou
quantos anos tinha — sempre acabava voltando a aquele assunto.
Sei que em algum ponto Joel veio me dizer que precisaria de
dinheiro para resolver sei lá o que sobre a menina e a tia dela, e eu
simplesmente dei carta branca para ele fazer o que achasse necessário
para resolver aquilo tudo.
Eu só queria minha paz de volta, não importava o quanto tivesse
que pagar para isso.
Como não falava com meu irmão há anos, eu não tinha ideia de
como estava a vida financeira dele antes. Diego era arquiteto e mesmo
antes de nossa grande briga, não nos metiamos nos negócios um do
outro. Ok, eu sei que meu irmão sempre tinha sido do tipo inteligente e
bom em lidar com pessoas, mas sei lá se ele tinha deixado algum
dinheiro para a filha ou só um monte de dívidas e problemas.
Ele não seria o primeiro pai ruim a só deixar problemas para os
descendentes em nossa família...
E quanto a esposa dele... Acho que só vi foto dela uma vez,
quando recebi o convite do casamento deles. Alice era bonita, pelo que
me lembrava, loira, com o cabelo meio curto, na altura do ombro. Mas
devo dizer que até receber a notícia do acidente que eles sofreram, eu
nem sequer lembrava o nome dela.
Não tinha porque me importar com a morte de uma mulher que
eu nem conhecia, mas ficava imaginando se ela era uma pessoa escrota
como meu irmão havia sido, ou se era só uma pobre coitada que tinha
caído nas garras do cara errado.
Mas eu não queria mesmo pensar neles! E nem naquela criança
que haviam deixado.
Acho que Teresa tinha mencionado algo sobre a menina estar no
carro na hora do acidente, mas ter sobrevivido por milagre. Ainda sim
devia ter sido assustador para ela.
— Chega, vou para casa! — falei para mim mesmo.
Se o trabalho não estava servindo para me distrair, eu iria para
casa, tomaria um banho e sairia para algum canto, arranjaria uma
mulher com um bom par de pernas e iria esquecer aquela história. Eu
já tinha dito para Joel cuidar de tudo mesmo. E do jeito que ele era
todo sentimental, sabia que iria fazer um bom trabalho e garantir que
tudo ficasse bem para minha sobrinha desconhecida.
Eu com certeza podia confiar no meu amigo. Ele não faria
merda...
Ao menos era o que eu pensava.
Só que... No momento em que cheguei em casa ouvi o barulho de
algo caindo vindo do meu quarto e fui para lá. Para então ver malas ali.
MALAS!
E o som do chuveiro ligado, com a porta aberta... Só uma pessoa
tinha a chave da minha casa, além de mim.
— Joel, o que...
E eu devo dizer... Eu não tinha interesse nenhum em ver o meu
melhor amigo tomando banho, então a cena que vi diante de mim eu
não sabia classificar como sendo muito melhor ou muito pior...
Porque tinha uma mulher no meu chuveiro!
Uma mulher que eu nunca tinha visto na vida, mas que em
breves segundos de espanto, eu ainda consegui reparar nos cabelos
loiros compridos e... Em certas partes do corpo a mais. Mas isso foi
por poucos segundos mesmo, porque logo em seguida ela gritou. E
muito.
— O que... — eu não sabia o que dizer. Virei-me de costas e saí
rápido do banheiro. — O que raios você está fazendo aqui?! E quem é
você?
— Você não sabe bater antes de entrar? — ela gritou, parecendo
mesmo brava.
A pessoa invadia minha casa e ficava brava comigo!
— A porta estava aberta para começar! E como você entrou
aqui? Isso é coisa do Joel?
Ela não respondeu a princípio, mas notei que tinha desligado o
chuveiro. Enquanto isso eu já estava com o celular na mão, pensando
se chamava a polícia ou não. Se aquilo era uma brincadeira, não tinha
a menor graça.
Só que... Tudo começou a fazer terrivelmente sentindo quando
entrou no quarto uma... Uma miniatura de gente! Uma coisinha
pequena e loira que não devia ter meio metro. E no momento em que
ela olhou para mim, aqueles olhos azuis me pareceram terrivelmente
familiares. E pelo visto ela me achou familiar também...
— PAPAI!
A garotinha veio correndo para mim e se agarrou à minha perna.
E então eu tive certeza de quem ela era.
— Papai! Colo!
— Clarice, não!
E a moça loira saiu finalmente do banheiro, usando o MEU
roupão e pegou a criança no colo. Nesse ponto a menina estava se
debatendo e insistindo em me chamar de pai.
Aquilo só podia ser um pesadelo... E quando meu celular tocou,
vi que era Joel. Atendi.
— Samuel, onde você está? — ele parecia desesperado. E era
bom que estivesse mesmo.
— Em casa...
Joel ficou em silêncio por um momento.
— Eu... Estou voltando para aí agora, ok?! Não surta. Só me
espera. Em meia hora chego aí.
Desliguei o celular e tornei a olhar para aquela estranha que
tentava acalmar o bebê, falando que não era o papai, que era o titio e
explicar algo como se uma criança daquele tamanho fosse entender.
Quer dizer, eu nem sabia que uma criança daquele tamanho já
conseguia falar. Ela parecia tão pequena...
Só que para minha surpresa, Clarice — se não me engano, esse
era o nome da menina — se acalmou e me olhou atentamente. Eu não
disse nada a princípio, apenas cruzei os braços. Eu sei que era bastante
parecido com meu irmão, mas não eram gêmeos nem nada assim,
então era mesmo um exagero essa confusão da menina.
Ela estava sentindo tanta falta do pai assim ao ponto de nos
confundir?!
— Quer papai — Clarice disse se voltando para a tia.
— Oh, meu amor... — a loira a abraçou com força. — O papai
não está mais aqui com a gente. Mas não se preocupe. O titio está aqui
e ele vai cuidar de você.
— Eu vou o que?!
Definitivamente aquilo só podia ser um pesadelo.
CAPÍTULO 4

Laura

Aí em um momento eu penso que as coisas finalmente vão ficar


bem, mas tudo vira um pesadelo! De novo!
Eu juro que estava tentando manter a calma, mas não estava
sendo fácil, viu.
— Eu vou o que?!
Samuel parecia completamente chocado e com raiva enquanto
olhava para Clarice e para mim. Joel tinha me explicado muito
brevemente sobre ele, mas não era mesmo esse o tipo de reação que eu
esperava de alguém que tinha acabado de conhecer a sobrinha de um
ano e meio.
Ele não tinha mesmo nada a ver com o Diego! Quer dizer...
Fisicamente eles eram super parecidos. Ele parecia ser um pouco mais
alto e mais forte, mas tinham os mesmo olhos azuis e o cabelo escuro
bem arrumado. Muita coisa em comum fisicamente, só que Diego era
um cara super gentil e legal que se importava com a família.
— Eu vou perguntar só mais uma vez... Que merda vocês estão
fazendo na minha casa?
— Não xingue na frente da menina!
— "Merda" não é palavrão. É só... Quer saber, não importa. Essa
é minha casa e eu falo como eu quiser. Não era para vocês estarem
aqui. Eu disse que mandava dinheiro, que assinava o que fosse preciso,
mas eu não quero essa... Essa proximidade!
E ele parecia tão irritado com a situação, que eu não sabia se
ficava irritada com ele ou com medo das coisas darem muito errado.
— Como assim não quer proximidade?! Você é tio dela! E o tutor
legal da Clarice. O Joel não te explicou a situação?
E pela cara de chocado que ele fez quando eu disse "tutor legal",
pelo visto não. Eu tinha documentos com assinatura daquele cara,
tinha recebido dinheiro e estava na casa dele. Como assim ele não
sabia de nada?! Ele era um empresário, certo? E que tipo de pessoa
assinava as coisas sem ler? Ele era algum idiota que saia confiando em
todo mundo, era isso?
— Olha só... — ele respirou fundo. — Não vamos discutir. O
Joel está vindo aqui, vamos resolver isso e... Você poderia, por favor,
por uma roupa? Não saia pegando minhas coisas! E nem deixe uma
criança pequena sozinha solta na minha casa!
E só então eu me lembrei que estava usando o roupão de Samuel.
E que antes disso ele tinha me visto pelada no banho! Porque eu não
queria que ele tivesse chegado em casa e me encontrado num estado
lastimável, mas definitivamente não queria que ele tivesse me visto
pelada! Claro que eu fiquei morrendo de vergonha.
— Eu não tive muita escolha, ok?! Sobre o roupão. E a Clari
estava dormindo quando fui tomar banho. Eu não sou irresponsável
com minha sobrinha. Sempre cuidei muito bem dela.
— É, então por que infernos não é você a tutora legal dela?!
Nossa, acho que nunca quis tanto socar alguém na vida. Só que
eu ainda estava com Clarice no colo, então nem sequer podia xingar
aquele cretino. Mas acima de tudo, eu me lembrei que ainda precisava
da colaboração daquele homem, então respirei fundo para controlar a
raiva. Era importante que eu me desse bem com ele. Tinha muita coisa
em jogo.
— Olha, por que você não vai esperar na sala enquanto eu me
troco, em?! O Joel disse que iria falar com você e te explicar tudo.
Então só... Me dá cinco minutos, ok?!
E sem dizer nada, Samuel saiu do quarto, batendo a porta. E eu
fiquei com tanta raiva de Joel por ter nos metido naquela situação...
Esperava que o plano dele fosse bom mesmo.
Mas por hora eu precisava esperar. Então deixei Clarice naquela
cama enorme e fui procurar algo para vestir em minha mala. Minhas
roupas não eram lá das melhores, mas achei um vestido azul longo e
de tecido leve que me pareceu adequado. Ainda levei um instante
penteando o cabelo, enquanto resistia à tentação de me jogar naquela
cama e tirar um cochilo.
Sério, eu nem sequer sabia que existiam camas tão grandes
assim. Deviam caber facilmente umas cinco pessoas ali. Tudo naquele
quarto era enorme na verdade. A cama, o guarda-roupa, a janela...
Também tinha uma parte que parecia funcionar como escritório, com
uma escrivaninha preta e umas prateleiras com uns poucos livros e
objetos de decoração. Reparei que não tinha sequer uma foto por ali.
Definitivamente bem diferente do Diego, que saia espalhando
fotos da Alice e da Clarice por todos os cantos que podia.
— Titia...
Clarice me olhou parecendo preocupada e só então me toquei
que já estava chorando de novo. Ótimo, eu estava no meu limite e
ainda teria que lidar com uma conversa super difícil com um cara que
tinha acabado de conhecer e que aparentemente odiava minha presença
ali.
— A titia está bem, meu anjo. Mas que tal um abraço, em?!
E Clarice prontamente veio para meu colo e me abraçou pelo
pescoço e beijou meu rosto. Ela era realmente uma criança super
carinhosa, e eu não sei mesmo o que seria de mim se tivesse perdido-a
também no acidente. Por mais que ainda estivesse mal pela morte de
Alice, pelo menos tinha Clarice a quem podia me agarrar —
literalmente — para me motivar a ter forças e seguir em frente.
— Te amo, viu? E a titia promete que vai dar tudo certo.
Ninguém vai tirar você de mim. Agora... Cadê seu brinquedo? Você já
está espalhando tudo por aí, dona Clarice?! — eu disse num tom
brincalhão e Clarice riu.
Era maravilhoso ver como ela ia se desenvolvendo cada vez mais
e compreendendo as coisas que eu falava com ela. Com menos de dois
anos, ela já tinha um bom vocabulário e começava a ensaiar umas
frases. Ela ainda caia vez ou outra quando estava andando sozinha, ou
melhor... correndo. Porque parece que a criança primeiro aprende a
correr para só depois andar direito.
De qualquer forma, eu já tinha dado banho em Clarice e ela
estava perfeitamente arrumadinha com um conjunto amarelo com
desenhos de girassol. O cabelo dela havia crescido até rápido, para o
tamanho dela e eu mal via a hora de conseguir fazer mil penteados
nela.
Clarice era mesmo a criança mais adorável do mundo, então
esperava que isso fosse o suficiente para derreter o coração do tio dela
e conquistá-la. Só que... Um solteirão em um apartamento desses de
um quarto só, não parecia mesmo ter planos de ter uma criança em sua
vida.
Só que agora ele não tinha muita escolha. Nós estávamos ali, e
não iríamos embora tão fácil.
CAPÍTULO 5

Samuel

Quando sai do quarto, minha vontade era de matar o Joel por ter
arrumado aquela confusão para mim! Eu estava a dias tentando não
pensar na merda do meu irmão e da família dele, e quando chegava em
casa... Tinha essa bomba me esperando!
Eu sei que tinha concordado em ajudar fosse lá com o que a
minha sobrinha precisasse, afinal, eu não era um monstro. A garotinha
não tinha culpa dos meus problemas do passado com o pai dela. Mas
ter essa consciência não queria dizer que eu aceitava recebê-la na
minha casa. Ainda mais junto da tia dela.
Se fosse para uma loira gata daquelas estar na minha casa, com
certeza não seria para ficar morando ali e cuidando de uma criança.
Mesmo com toda a situação conturbada, claro que eu tinha reparado
nela... Eu nem lembrava qual era o nome dela, mas dificilmente iria
esquecer a cena dela no banho...
Só que não era o momento para isso. E me lembrei disso no
momento em que sentei no sofá e algo embaixo de mim fez barulho.
A droga de um coelho de pelúcia.
Viu! Era por isso que eu não as queria no meu apartamento. Mal
tinham chegado e já estavam tomando meu quarto e espalhando
brinquedos por aí. E definitivamente ali não era um lugar nem
apropriado para crianças. Tinha mesinhas de centro com jarros de
vidro em cima e várias outras coisas quebráveis! Definitivamente eu
não queria saber de dedinhos sujos chegando perto da minha coleção
de vinis!
Sem dúvida precisava resolver aquela situação o quanto antes.
Ver outro lugar para mandá-las, nem que fosse um hotel ou sei lá o
que. Estava tentando pensar nisso quando... Vi a loira saindo do
quarto, e não vou negar que fiquei meio abalado. Ela era realmente
muito bonita!
Mas acabei voltando a mim quando reparei na coisinha pequena
que andava ao lado dela, segurando no vestido.
— "Cueio"!
Clarice viu o bichinho de pelúcia na minha mão e veio correndo
até mim para pegá-lo. Por um momento eu até fiquei com medo que
ela caísse, já que era tão pequena, mas ela conseguiu andar até mim e
abraçou o coelho de pelúcia como se não o visse há séculos. Ela ainda
falou mais alguma coisa que eu não entendi, só que no momento que
ela estendeu os braços para mim, eu acabei dando um passo para trás,
recuando.
— Como você pode ser tão insensível com sua sobrinha? — a
loira reclamou.
— Não sou insensível. Eu só... Não sei lidar com crianças, ok?!
Eu posso acabar deixando cair e quebrando, sei lá. E por que ela fica
fazendo essa cara de choro?!
Definitivamente eu não queria ficar criando proximidade com
aquela criança, ainda mais porque... Quanto mais eu olhava para ela,
mas ela me lembrava do meu irmão. Claro que numa versão em
miniatura e fofinha, mas ainda sim ela se parecia bastante com Diego.
Os mesmos olhos e nariz. Imagino que outras coisas, tipo o cabelo
loirinho, ela tivesse puxado da mãe, mas eu só conseguia pensar no
imbecil do meu irmão quando olhava para ela.
— Crianças não são tão frágeis assim. Fora que a Clarice já tem
um ano e meio. Ela já é bem independente — a loira falou e pegou a
menina no colo, antes que ela começasse a chorar. — E eu sei que isso
pode não fazer sentido para você, ou ser agradável, mas você é a cara
do Diego. Imagine isso na cabecinha de uma criança que perdeu os
pais há alguns dias.
Bem, definitivamente pensar sobre isso não era agradável, mas
olhei mais uma vez para o rostinho triste de Clarice. Era difícil mesmo
ignorar aquilo... Como eu havia dito, ela não tinha culpa do pai
babaca. Então acabei me rendendo um pouquinho, e peguei-a no colo.
Seria só um instante, para ela se acalmar. Só que na mesma hora, a
menina largou o bichinho de pelúcia para me abraçar e ficou com o
rosto escondido contra o meu pescoço. Eu podia sentir as mãozinhas
pequenas agarradas à minha camisa, como se nunca mais fosse soltar.
Cara... Eu estava mesmo ferrado.
Ainda mais porque, naquele momento, foi a loira que começou a
fazer cara de choro!
— Você... — eu não sabia bem o que dizer. Ela era grandinha
demais para eu dar colo, não é?! E eu nem sequer conseguia lembrar o
maldito nome!
— Desculpe, eu estou bem — ela disse, mas claramente não
estava bem.
Eu apenas observei enquanto ela foi sentar no sofá, e enfiou as
mãos no rosto. Não conseguia saber se ela estava chorando, mas os
ombros dela tremiam.
— Eu só... Estou cansada. Foram dias péssimos. Você não tem
ideia.
A verdade é que eu não queria ter ideia! Não queria estar
envolvido em nada daquilo. Mas acabei indo até ela e sentando ao seu
lado.
E onde infernos estava Joel que não tinha chegado ainda?!
— Eu imagino. Suponho que você e sua irmã se davam bem, não
é? Aí ela morre e te deixa com esse problema para lidar — falei
indicando a bebê.
— A Clarice não é um problema!
— A situação! Eu quis dizer a situação. Você tinha sua vida, seu
trabalho, e aí de repente tudo bagunça pela morte de alguém e um bebê
surge do nada na sua vida. Definitivamente um problema que ninguém
quer lidar.
A loira me olhou com mais raiva ainda.
— Você realmente não está nada feliz com essa situação, não é?
Tudo o que eu queria nesse momento era poder cuidar da Clarice por
conta própria, mas aí está você tendo a chance e simplesmente odiando
isso, antes mesmo de conhecer a sua sobrinha!
— Então por que raios você não fica com ela?
E eu até tentei passar a criança para a loira, mas a menininha não
desgrudou de mim!
— O problema é dinheiro?
— Não! Quer dizer... Também. Mas... Olha, é complicado. Tem
muita coisa acontecendo, ok?! Obviamente o seu irmão não teria
deixado a guarda da Clarice para você se tivesse tido uma opção
melhor. Eu sei que vocês não se falavam há anos.
— Cinco anos, para ser exato.
E aos poucos a expressão dela foi mudando, como se estivesse...
Triste?! Ou pior. Com pena de mim!
— Deve ter sido bem difícil, não é? Ter pedido ao seu irmão sem
fazer as pazes com ele. Imagino como se sinta.
— Sinceramente, moça, você está fazendo suposições demais.
Porque eu quis parar de falar com o Diego. Por mim, eu nunca mais
ficaria sabendo nada sobre ele. Então não comece a pensar coisas e me
olhar com essa cara de pena. Eu só aceitei ajudar vocês porque não ia
deixar uma criança largada em sei lá que situação. Mas por mim, tudo
isso seria resolvido pelo meu advogado e eu nem veria a cara de vocês.
E felizmente bem naquele momento, a porcaria do meu
advogado chegou. Como ainda estava com a chave da minha casa, Joel
foi entrando direto, como de costume, e pela cara de nervoso dele, ele
já devia imaginar que eu estava realmente bravo.
— Samuel... Vejo que já conheceu a Laura — ele disse, e então
eu finalmente descobri o nome dela. Laura!
— Pois é. Aparentemente alguém se esqueceu de me passar um
monte de informações.
— Bom, mas pelo menos parece que vocês estão se entendendo,
não é? A Clarice parece ter gostado mesmo de você.
Claro, ainda tinha o fato de que a menina se recusava a sair do
meu colo.
— Joel... — toda minha irritação inicial estava voltando.
— Vamos conversar, ok?! Aí explico tudo.
Joel se apressou em ir sentar no sofá de frente para Clarice e para
mim. E apesar de meio nervoso, ele parecia bastante satisfeito também.
Eu conhecia aquele cretino há anos. Não sabia o que era, mas com
certeza tinha mil coisas mirabolantes se passando pela cabeça dele. E
aí eu começava a pensar se tinha escolhido a pessoa errada para
confiar. De novo!
— Bom, primeiro, eu te passei um monte de coisas referente à
situação da Clarice e da guarda dela e você simplesmente não queria
parar para escutar direito. Eu te dei os papéis e você assinou tudo.
Inclusive você já tinha assinado um ano atrás uns documentos que o
Diego tinha assinado, referente às coisas que sua mãe deixou para
vocês.
— Joel, eram milhões de páginas! Você acha mesmo que eu ia
parar para ler tudo aquilo?! Por isso disse para você cuidar disso para
mim!
— Você é imbecil?! Por acaso assina qualquer coisa que eu te
entregue?
— Claro! Você é meu advogado e meu melhor amigo. Se eu não
confiar em você, vou confiar em quem?
E mais uma vez Joel fez aquela cara de quem queria muito me
socar, mas talvez, de alguma forma, ele tenha se sentido lisonjeado
também. Ele sabia que eu não costumava confiar em qualquer um.
Claro que agora eu estava um pouco arrependido disso.
— Então... — Laura se intrometeu na conversa — Você nem
sequer sabia que seria o tutor legal da Clarice caso algo acontecesse
com os pais dela?
— Claro que não! Tinha a merda do inventário da nossa família
sendo resolvido. Eu só vi que tinha uma partilha de patrimônios, e o
Diego ia passar as coisas para mim, tipo a casa onde crescemos.
— É, mediante ao acordo de você aceitar cuidar da Clarice caso
necessário. A casa era meio que uma garantia, sabe? De cobrir
possíveis custos com a menina.
Definitivamente o imóvel mais caro que eu já tinha visto! Não
tinha valido mesmo a pena, até porque era uma casa antiga que eu nem
chegava perto. Estava fechada há anos.
— Ok, entendi. Fiz merda, mas como resolvemos isso agora? Por
que raios a Laura não pode ficar com a menina? E por que elas não
foram para um hotel ou sei lá o que?
E olhei de Joel para Laura, esperando uma explicação, mas ela
apenas pareceu se encolher, constrangida.
— Eu bem que queria, mas... Primeiro que não teria condições de
cuidar financeiramente dela, e tem uns... Problemas de família. Umas
coisas complicadas, mas devo conseguir resolver daqui a dois anos.
— Dois anos?! E você espera que eu cuide da Clarice esse tempo
todo?
Aquilo só podia ser mesmo um pesadelo. Um pesadelo de
bochechas rosa e cachinhos loiros, que agora já estava dormindo no
meu colo.
CAPÍTULO 6

Laura

Pelo visto Samuel não estava mesmo compreendendo a dimensão


do problema. Talvez porque pessoas ricas estavam acostumadas a
simplesmente pagarem para que tudo fosse resolvido para elas, sem
que precisassem se estressar com nada.
Só que tinha uma criança envolvida naquela situação!
Eu realmente adoraria poder ir embora dali com minha sobrinha,
só que não tinha como. E para piorar... Parecia que ela estava
simplesmente adorando ficar agarrada ao tio. Clarice nunca tinha visto
o Samuel antes, mas do nada havia decidido que não queria mais
desgrudar. Ela até mesmo tinha dormido no colo dele ali, no meio de
toda aquela discussão.
Era verdade que Clarice, assim como eu, devia estar exausta da
viagem, mas levando em conta como ela andava afetada pela morte
dos pais, não esperava mesmo esse tipo de coisa.
— Eu sei que é muito tempo e, acredite em mim, eu não quero
ficar longe da Clarice. Eu a vi nascer! Acompanhei toda a gravidez da
minha irmã e estive sempre por perto.
— Então por que você não cuida dela? Se for o caso, vendemos a
casa e dou o dinheiro para você. Vai ser mais que o suficiente para
cuidar dela por anos, se os pais não tiveram condições de deixar uma
poupança para ela nem nada do tipo.
Eu acabei rindo. Samuel não tinha mesmo ideia...
— Ah, mas eles deixaram. A Clari herdou um apartamento
enorme, entre outras coisas. Só que... — eu respirei fundo. Realmente
não queria entrar em detalhes com aquele cara. Ele era estúpido, estava
de má vontade e claramente não queria nos ajudar. Ele faria apenas o
mínimo necessário!
Como poderia confiar em alguém assim?!
— Samuel, então... — Joel se intrometeu — A Laura já tem vinte
e três anos, mas... Ela tem alguns impedimentos legais para ficar com a
sobrinha.
— Você é procurada pela polícia?!
— Que?! Não! — eu acabei gritando! — Você é idiota ou o que?
— Samuel, você não está ajudando — Joel disse. —
Basicamente quando os pais da Laura e da Alice morreram, elas
ficaram sob a tutela dos tios dela. Mas... Aparentemente eles moveram
uma ação de interdição anos atrás.
— Interdição?! — Samuel pareceu meio perdido.
Ótimo. A história que eu não queria lidar.
— A revisão disso saí daqui a dois anos. A Alice já tinha entrado
com um recurso pouco antes de morrer, para remover a interdição da
irmã, ou para pelo menos assumir a situação, mas infelizmente não
teve como andar com o processo há tempo...
E agora Samuel olhava para mim incrédulo. Sim, eu. A própria
Britney Spears, interditada e sem poder assumir a própria vida por
conta dos meus tios cretinos. A última coisa que eu queria era que a
Clarice caísse em um problema parecido com o meu, então estava
mesmo disposta a me esforçar por aquilo.
— Então... Esses seus tios não podem cuidar da Clarice?
— Caralho, não! — eu gritei.
— Ei, não xingue na frente da menina! E vai acordar ela! — e
por incrível que pareça, foi Samuel que falou aquilo.
Aquele cara era mesmo inacreditável... Como ele podia ser tão
babaca uma hora, e ainda sim estar ali com Clarice perfeitamente
aninhada no colo, ninando ela?!
— Olha só, o motivo para eu ter corrido para cá com a Alice é
que justamente não quero que meus tios coloquem as mãos nela e na
herança dela, ok?! Eles são o pior tipo de gente! Já infernizaram minha
vida e a da minha irmã. Não quero que eles façam o mesmo com
minha sobrinha.
— Então... Como você tem trauma de tios babacas achou que era
uma boa ideia trazer a menina justamente para o cara que odeia o pai
dela e não tem experiência nenhuma com crianças?
Certo, com ele falando daquele modo... Eu sei que poderia
parecer mesmo uma péssima opção também. Não que tivéssemos
muitas opções naquele momento.
— Acredite você ou não, o Diego confiava em você para isso.
Ele amava você e sentia sua falta, ok?! Não que eu fosse a amiga
confidente dele na vida, mas várias vezes ele falava do "irmãozinho
gênio talentoso" e de como você era um cara legal. Então... Você pode
não ser exatamente o que o Diego descrevia, mas se você for metade
disso, já é a melhor opção que a Clarice tem!
Acho que de alguma forma as minhas palavras finalmente
afetaram Samuel, pois ele ficou em silêncio por uns instantes,
parecendo reflexivo. Depois ele respirou fundo e, com cuidado, me
entregou Clarice.
— Eu... Preciso pensar, ok?! — e então ele saiu, indo para o
quarto e fechando a porta.
Naquele momento, Joel respirou fundo.
— Bem, acho que isso está indo até melhor do que eu esperava.
— Melhor do que você esperava?! — minha vontade era de
gritar e bater naquele cara, mas não dava para fazer isso com um bebê
dormindo no meu colo. — Que tipo de ideia maluca foi essa? Não sei
você, mas eu não costumo aparecer na casa dos outros sem avisar.
Ainda mais para deixar um bebê!
— Eu sei, eu sei. Desculpa por essa parte, ok?! — Joel disse e
assumiu um ar mais sério. — Imagino que você está irritada com toda
essa situação e comigo também, mas veja só... O Samuel tem esse ódio
antigo do irmão e uma série de traumas com a família. Eu já disse que
ele precisava fazer terapia, sabe?! Mas além de tudo, ele precisa
renovar a ideia que tem de "família". Pode ser um método meio
drástico, mas achei mesmo que seria bom para ele ter a Clarice por
perto. Esse tempo todo, e ele nem sequer admitiu que está mal pela
morte do Diego, mas é bem fácil olhar para ele e perceber que ele está
sim.
Eu olhei na direção da porta do quarto, imaginando como ele
estava agora. Para mim era difícil dizer se ele estava triste, com raiva,
um misto dos dois... Desde que eu cheguei ali, Samuel estava sempre
com cara de bravo, então era difícil imaginar um cara daqueles
chorando. Só que eu amava muito a minha irmã, então também não
conseguia imaginar a possibilidade dele não se importar nem um
pouco com a morte do Diego, mesmo que eles não se falassem mais.
— Ok, entendi o ponto, mas você acha mesmo que ele vai nos
deixar ficar aqui? Ele teve uma briga idiota com o irmão e não falou
mais com ele. Difícil acreditar que ele vai se importar com a gente.
— Briga idiota?! — Joel pareceu chocado. — Olha, eu não sei de
onde você vem, mas eu não chamaria de "briga idiota" o que rolou
entre eles.
E olhei para Joel intrigada. Diego havia mencionado algumas
coisas dos problemas da família deles, mas nunca deu grandes
detalhes.
— Bem, o Diego sempre disse que era algo idiota, que um dia o
Samuel iria superar.
— O Samuel era mesmo apaixonado pela noiva dele, sabe?!
Você não tem ideia de como ele ficou mal quando pegou ela na cama
com o irmão. Esse foi o último relacionamento sério que ele teve.
Depois disso, nunca mais confiou em mulher nenhuma.
Certo, definitivamente eu não esperava por essa. E agora
entendia melhor o quanto isso complicava as coisas.
CAPÍTULO 7

Samuel
Apesar de todo o ódio que eu sentia de Diego, não tinha mais
como negar a mim mesmo que eu havia sim ficado mal com a morte
do meu irmão.
Tendo uma família ruim e desestruturada, por muitos anos Diego
havia sido minha base, minha referência. Mesmo não sendo muito
mais velho que eu, ele também era o mais próximo de um "pai
presente" que eu tinha, já que o nosso parecia muito mais interessado
em se meter em problemas e sair pegando mulheres por aí.
Eu ainda lembrava bem das tantas vezes em que era uma criança
e escutava meus pais brigando, quebrando coisas pela casa de
madrugada... Então Diego vinha para o meu quarto e dizia que tudo
ficaria bem. Ele me emprestava seus fones de ouvido e ficava ao meu
lado até o amanhecer.
Não sei como alguém assim podia ter me traído, tomado de mim
a única mulher que eu já amei. E isso para abandoná-la também pouco
depois, até onde eu sabia.
Todas aquelas coisas eram difíceis demais de superar.
Mas a única coisa que realmente importava, era que agora tinha
uma criancinha na minha casa, e aparentemente não seria tão simples
assim me livrar dela.
E eu queria me livrar dela?!
Bem, inicialmente sim, mas... Respirei fundo. Várias decisões
precisavam ser tomadas e pelo visto eu teria que cuidar de tudo
pessoalmente, antes que Joel me arranjasse outra família surpresa,
junto com um gato e um cachorro na próxima. Então depois de um
tempo, eu saí do quarto, e Joel ainda estava conversando com Laura, e
Clarice continuava dormindo.
— Ok, vamos resolver isso logo — eu disse, chamando a atenção
dos dois.
— Eu não vou abandonar minha sobrinha — eu disse e Laura
pareceu sorrir, mas eu continuei — mas isso não quer dizer que quero
vocês diretamente na minha vida. Mesmo com esse problema de
interdição ou sei lá o que, você pode ficar aqui com ela?
Laura pareceu pensar um pouco, olhou para Joel.
— Bem, acho que sim. Meu problema principal são bens e coisas
que precisam de algum tipo de autorização judicial. Eu estou tentando
resolver isso há séculos.
— Eu posso dar uma olhada no seu caso. Se você quiser, claro —
Joel disse.
Mais uma vez ela pareceu pensar. Nós estamos oferecendo ajuda
e ela estava super receosa! E isso depois de ter atravessado metade do
país e se metido na casa de um estranho. Eu não conseguia mesmo
entender o raciocínio daquela mulher.
— Certo. Eu vou organizar os documentos e informações que
tenho comigo e te mando, ok? — ela finalmente disse
— Então, ok — eu precisava ser prático. — O próximo passo é
encontrar um lugar para você e a Clarice ficarem, porque sem
condições de ficarem aqui. Não sei se reparou, mas esse apartamento
não é exatamente o lugar mais recomendável para crianças. E eu não
vou abrir mão do meu quarto.
— Sempre territorialista... — Joel resmungou, mas se calou
quando olhei feio para ele.
— Amanhã alugamos um apartamento para vocês e vocês
passam a viver lá até essa bagunça ser resolvida. Eu cubro todas as
despesas. Se quiser, por conta do seu emprego, eu te contrato como
babá de tempo integral da Clarice, assino carteira, qualquer coisa. Só
que nem ferrando você vai largar ela aqui e sumir no mundo,
entendeu?
Eu falei tudo aquilo bastante sério e querendo deixar claro que
não aceitaria discussões ou grandes negociações. E eu até achei que a
Laura iria brigar, reclamar de sei lá o que, mas... Em vez disso, ela
veio até mim e me abraçou com um braço só, enquanto o outro ainda
estava segurando a bebê.
— Obrigada, Samuel! Muito obrigada mesmo! Eu imagino que
seja mesmo difícil para você tudo isso, mas não vai se arrepender, ok?
A Clari e eu sempre vamos ser gratas a você.
E eu até coloquei a mão no ombro de Laura para afastá-la, e foi
quando percebi que Joel estava tirando um monte de fotos daquela
cena.
— Para registrar o momento! — ele disse. — A Clari vai adorar
ver essas fotos quando for grandinha. O dia em que a nova família dela
se formou.
— Não somos uma família! — eu me apressei em dizer. — Eu só
estou cumprindo minhas obrigações de tio e tutor legal.
— Certo, entendi — Joel disse, mas o idiota não conseguia parar
de sorrir. — De qualquer forma, hoje é quarta-feira, então vocês vão
ter todo o fim de semana para se conhecerem e na segunda-feira
começamos a procurar o apartamento para as meninas.
E Joel levantou-se, pronto para ir embora.
— Na segunda?! — eu finalmente parei para pensar nos prazos
daquilo. — É tão difícil assim arrumar um lugar em dois ou três dias?
E os corretores não trabalham no fim de semana?
— Eles até trabalham, mas eu não. Sem contar que precisa de
uns dias para separar os imóveis para visitarmos. Então, a não ser que
vocês resolvam isso por conta própria... A gente organiza tudo na
segunda.
E depois daquilo, Joel simplesmente foi embora! Ele era mesmo
um grande idiota! Até porque sabia que eu iria detestar ter que ligar
para um monte de corretores e ficar procurando imóveis no meu fim de
semana.
— Bom, já está tarde, então eu posso preparar o jantar — Laura
disse. — Só vou botar a Clarice no quarto.
— No "meu" quarto?! Eu disse que não abriria mão do meu
quarto.
— Mas eu não disse para abrir mão do quarto. Samuel, eu vi o
tamanho daquela cama. Eu durmo no sofá sem problema, mas não dá
para deixar sua sobrinha de dezoito meses dormindo em um.
— E como raios eu vou passar a noite com uma criança? E se ela
acordar de noite? Fazer xixi na cama, sei lá!
E Laura me olhou como se meus questionamentos fossem
ridículos e passou direto por mim, indo para o quarto e deixando a
bebê lá. E então eu comecei a me arrepender de ter concordado com
aquilo. Até porque... Não foi daquele jeito que eu disse que as coisas
seriam. Eu queria o mínimo de mudanças possíveis na minha rotina e
agora tinha uma pessoa estranha revirando minha despensa e a
geladeira, atrás de sei lá o que.
— Você não come?! Não tem nada direito aqui. Um alho ou
cebola! Como você prepara suas refeições assim?
— Eu não reparo. Eu simplesmente peço por delivery e pronto
— eu disse e entreguei para ela o meu celular, já com o aplicativo
aberto para pedir comida.
— Ainda bem que eu trouxe as coisas de fazer a mamadeira da
Clari... — Laura resmungou, mas pegou meu celular e começou a
mexer ali e logo reclamou. — É ridículo o que cobram por um
yakisoba aqui. Eu sei fazer e não gasto nem metade disso no mercado.
— Eu prefiro pagar a ter o trabalho, então, por favor, só escolha
qualquer coisa aí logo!
E mais uma vez Laura fez uma careta para mim, para então
voltar a mexer no celular. Como raios uma mulher tão bonita podia ser
tão irritante com coisas pequenas?! Ela era oito anos mais nova que eu,
e apesar das olheiras que imagino que tenham sido provocadas pelos
últimos dias, ela parecia ter a pele bonita, e o cabelo loiro comprido
chamava mesmo atenção. Aquele vestido dela não era decotado, mas
eu não podia deixar de reparar no volume dos seios ali.
Oh, isso era péssimo!
Quer dizer, se eu teria que ficar lidando com Laura por pelo
menos dois anos, enquanto a situação de Clarice dependesse de mim,
obviamente eu não poderia me envolver com ela. Isso estava fora de
questão. Por isso proibi a mim mesmo de pensar nela daquela forma.
Seria fácil, não é?! Fui dormir tentando fixar isso na minha
cabeça, mas... Quando acordei no dia seguinte, e fui para a cozinha,
senti certas partes do meu corpo reagirem bem rápido com a cena que
vi.
Ainda era cedo, então Laura estava dormindo no sofá,
tranquilamente. O problema é que ela tinha dormido de camisola, e o
tecido havia subido para a cintura dela, como toda boa camisola fazia...
E como o lençol tinha ido parar no chão, devo dizer que era uma vista
e tanto ali.
Só que a função de Laura na minha vida era apenas cuidar de
Clarice! Eu não iria me deixar levar. E com isso em mente, peguei o
lençol do chão e a cobri, deixando o ambiente mais "seguro". E talvez
ela estivesse com frio, porque se ajeitou melhor no sofá, se agarrando
ao lençol e murmurando algo.
— Alice...
Foi então que reparei que, mesmo sendo de manhã cedo, o rosto
de Laura tinha típicas marcas de choro.
E mais uma vez, eu não queria me importar com ela, mas... Antes
que me desse conta, estava ajoelhado ao lado do sofá afagando seu
cabelo.
Talvez ela estivesse se sentindo tão sozinha quanto eu, e sabendo
o quão ruim era isso, se tornava mesmo difícil de ignorar. Mas respirei
fundo e logo me afastei. Precisava ir para o trabalho e inventar a
melhor desculpa para só sair de lá bem tarde.
CAPÍTULO 8

Laura

A verdade era que eu não sabia bem o que esperar de Samuel


Vidal quando fiz as malas para ir para a casa dele, mas definitivamente
não era "aquilo"!
Uma hora ele era terrivelmente chato e implicante e não queria
que eu mexesse em nada da cozinha e ficava enlouquecido com
Clarice correndo de um lado para o outro — coisa mais normal para
crianças da idade dela — só que logo depois ele estava com a menina
no colo cantando para ela dormir!
Imagino que ele até estivesse nos evitando e quase não parava
em casa. Durante a semana ele saia de casa bem cedo para trabalhar e
chegava tarde, então na maior parte do tempo em que ele estava em
casa, Clarice estava dormindo, mesmo que ela resistisse ao sono o
máximo possível para ficar agarrada ao tio.
Até acho que Samuel não tinha mesmo jeito com crianças, só que
Clarice era o tipo de criança que não dava muito espaço para as
pessoas não gostarem dela. Primeiro porque ela era a coisa mais fofa
do mundo. Ela não era do tipo que chorava por qualquer coisa, era bem
risonha na verdade e estava sempre fazendo carinhas bonitinhas e
pedindo por atenção.
E quando o sábado finalmente chegou, Clarice aproveitou que o
tio estava em casa e ficou o tempo todo atrás dele, chamando para
brincar e oferecendo o coelhinho de pelúcia para ele.
— Ela não tem outro brinquedo além desse? — Samuel disse
enquanto analisava o coelho. — Esse bicho já foi branco um dia?
Eu acabei rindo.
— Acredite em mim, qualquer outro brinquedo é inútil perto do
"cueio". Na última vez que a Alice colocou o bichinho para lavar, a
Clari não deu um segundo de paz, querendo ele de volta logo. O
pediatra disse que isso se chama objeto de transição. Algo que a
criança se apega muito e não desgruda por um tempo, mas é normal. A
maioria das crianças tem um.
Samuel fez uma careta para o coelhinho, enquanto via Clarice
arrastá-lo de um canto para o outro, enquanto brincava.
— Quando eu era criança, eu cismei com uma boneca da Alice e
a queria para mim. Alice acabou cedendo a boneca e eu ficava com ela
para cima e para baixo. Em todas as minhas fotos da fase de dois a três
anos, eu estava com a bendita boneca — eu disse, me sentindo
nostálgica ao pensar naquilo. — E você? Não se lembra de ter tido
algo assim quando era pequeno?
— Como se meus pais fossem deixar... — Samuel disse e saiu do
sofá, indo até a cozinha. E eu não sabia se ele só queria pegar água ou
se não queria me encarar enquanto lembrava-se daquelas coisas. —
Minha mãe estava sempre ocupada trabalhando e meu pai achava que
tudo era frescura de criança. Nenhum deles era muito paciente e
estavam sempre brigando comigo e meu irmão. Não eram do tipo com
grande vocação para a paternidade.
Bem, isso explicava porque o Diego nunca falava muito dos pais
também.
— Eu sinto muito. Soube que sua mãe morreu também. E...
Ainda tem contato com seu pai?
— Só quando ele aparece no escritório para pedir dinheiro. Então
como pode imaginar, eu não sou muito fã do conceito de família.
Quando Samuel voltou da cozinha, ele ainda parecia sério, mas
com um olhar meio distante, como se ainda estivesse se lembrando de
coisas ruins. E talvez aquela tenha sido a primeira vez que eu
realmente reparei nele, para além do fato dele ser super parecido com o
irmão.
Eu sabia que Samuel tinha trinta e um anos e que tinha a própria
empresa na área de informática, então ele era do tipo inteligente. Só
que... Era muito bonito também. Ele tinha o rosto quadrado, e com o
queixo muito bonito. O cabelo escuro combinava muito bem com ele,
e destacava ainda mais os olhos azuis. Era como se tudo no rosto
daquele homem tivesse sido perfeitamente desenhado.
E... Bem... Não apenas o rosto. O corpo também. Nos três
primeiros dias eu basicamente tinha visto-o de terno, mas agora ele
estava com uma camisa branca simples e uma calça confortável de
moletom, então não tinha como não reparar naquele peitoral forte,
especialmente quando ele respirava fundo enquanto pensava em algo.
E os braços dele... Dava a impressão de que ele poderia me carregar
com a mesma facilidade que carregava a Clarice!
O Diego até tinha sido bonito, mas caramba! O Samuel
conseguia ser ainda mais bonito que o irmão.
E isso era algo que eu estava tentando lidar naquela situação
bizarra que tinha me metido, enquanto pensava que não podia ficar
tendo aquele tipo de pensamentos sobre o tio da minha sobrinha.
Provavelmente Samuel estava me vendo apenas como um grande
alerta de problema. E provavelmente eu só estava me sentindo carente
demais depois dos dias conturbados e... Bem, não era como se eu fosse
a pessoa mais experiente do mundo quando o assunto eram homens.
Eu sempre tive problemas demais para ter conseguido focar em
relacionamentos. Os poucos caras que me envolvi, eram sempre
babacas imaturos, e acabavam sumindo facilmente da minha vida ao
primeiro sinal de problema — meus tios tinham certa participação
nessa parte, sobre complicar meus relacionamentos — ou quando
qualquer outra mulher estava mais disposta a transar que eu.
Um bando de idiotas! E... Mesmo que eu não esperasse ter minha
primeira vez com o grande amor da minha vida, também não era como
se eu fosse transar com qualquer um, certo?! Mesmo que isso tivesse
me levado ao trágico ponto de ser virgem já aos vinte três anos de
idade!
Quer dizer... Tinham amigas minhas que já eram mães!
Sei que cada um tem seu tempo, mas às vezes isso me deixava
frustrada. Especialmente... Quando surgia um "Samuel Vidal" na
minha frente, que parecia bonito demais até quando fazia algo simples,
como beber água enquanto observava minha sobrinha.
Só que talvez eu tenha ficado encarando ele por tempo demais,
pois Samuel me olhou de volta, com um sorriso meio de lado, e eu
cheguei a ficar constrangida com o modo que ele me olhou de cima a
baixo.
— Eu vou sair essa noite — Samuel disse de repente, indo na
direção do quarto. — Só devo voltar amanhã de manhã, então... Você e
a Clarice podem ficar com o quarto hoje. Só não mexam em nada meu,
entendeu?!
— Você fala como se estivéssemos transformando sua casa em
uma zona! — eu fui atrás.
— E estão.
E quando ele apontou para Clarice tirando as almofadas do sofá
para por no chão, eu não soube bem o que argumentar. Ainda mais
com aquele homem enorme tão perto de mim. Não que eu fosse
exatamente baixinha, mas com um metro e sessenta, ele tinha uma bela
vantagem. Eu precisava erguer a cabeça para encará-lo, e... Tão de
perto assim, via como seus olhos azuis pareciam sérios, meio irritados,
mas... Tinha algo a mais.
— Eu... Arrumo depois. Daqui uns dias, nós vamos embora.
— Estou mesmo contando com isso. Porque, definitivamente,
isso não faz parte do meu plano de vida.
— Não sabe lidar com mulheres na sua vida, então?
Eu tentei parecer firme, mas o jeito que Samuel riu. Não era um
riso de graça, ele parecia mais... Incrédulo. Olhou-me diretamente nos
olhos, e até se inclinou um pouco na minha direção.
— Se tem uma coisa que eu sei fazer, é lidar com mulheres,
Laura — a voz dele soou mais baixa. — Mulheres. Não bebês. E por
mais bonita que você seja, definitivamente não é uma opção.
E então senti a mão de Samuel deslizando pelo meu rosto. Algo
leve, sutil, mas que me fez arrepiar. Então me dei conta do sutil
perfume que ele emanava naquela hora.
— Então se não se importa... Eu vou me arrumar. Só tentem não
destruir meu apartamento enquanto eu estiver fora, ok?!
Eu nem sequer consegui reagir. Apenas observei enquanto
Samuel entrava no quarto e fechava a porta. E talvez eu devesse estar
brava com ele, pelo jeito irritante, mas primeiro eu precisava fazer meu
coração parar de bater tão rápido!
Uma ótima opção para aquilo era ir trabalhar!
Nos últimos dias eu andava negligenciando muito meus
trabalhos, por isso tinha muita coisa acumulada, e só seria paga depois
de entregar os materiais de design, então precisava resolver logo isso.
Coloquei o notebook e todas as minhas coisas de trabalho na mesa de
jantar, mantendo um olho no trabalho e outro em Clarice. Isso serviu
para eu nem ficar reparando "muito" na hora em que Samuel saiu do
quarto todo arrumado e com um perfume ainda melhor e saiu para sei
lá o que. Eu só precisava me distrair...
Só que quando abri minha caixa de e-mail para enviar material
para um cliente, vi um e-mail ali que já fez meu coração praticamente
parar de bater, de tão nervosa que fiquei. Queria poder simplesmente
excluir aquilo e ignorar, mas ainda sim abri.
"Laura,
Não fique achando que pode sumir assim com a menina. Já
vimos que você bloqueou nossos números no celular, então esperamos
que ao menos responda esse e-mail logo ou seremos obrigados a
chamar a polícia.
Você não quer isso, quer?
Somos sua família e estamos preocupados com você.
Atenciosamente
Afonso e Magda"
E por um momento, eu achei que fosse ter uma crise de
ansiedade ali. Mas respirei fundo várias vezes, fechei o notebook e fui
atrás de Clarice, a abraçando com força.
Afonso e Magda, meus tios.
Eles haviam feito da minha vida e da de Alice um inferno, tudo
por conta de dinheiro. Não ia mesmo deixar que fizessem o mesmo
com a Clarice.
CAPÍTULO 9

SAMUEL

Eu podia não ter as melhores habilidades sociais a longo prazo,


mas sem dúvida me saia muito bem naquelas noites de festa. Lidar
com pessoas podia ser complicado e ilógico, mas ali as regras eram
claras. Era tudo apenas diversão, sem responsabilidades ou
compromisso. Eu podia ter a melhor noite de sexo com uma mulher e
nem sequer me lembrar do nome dela no dia seguinte.
Definitivamente o tipo de ambiente perfeito para mim.
Só que... Enquanto estava ali, ficava pensando em como estaria a
situação na minha casa. Laura parecia estar bastante cansada e Clarice
parecia ter uma bateria que não esgotava nunca! Ela super combinava
com a imagem do coelhinho movido à pilha. Parecia que os únicos
momentos em que ela se acalmava mais, era quando eu aceitava pegá-
la no colo.
Clarice já havia entendido que eu não era o pai dela, mas mesmo
me chamando de "titio", ela não desgrudava um instante. Até mesmo
na hora de dormir ela ficou segurando meu dedo, como se para garantir
que eu não sumisse dali.
Então... Se eu passasse a noite fora, ela iria conseguir dormir
bem?
Eu não queria ficar me preocupando com aquilo durante meu
raro momento de lazer, mas de repente parecia que tudo ao meu redor
havia perdido a graça. Já tinha uma mulher praticamente sentada no
meu colo, e eu nem sequer conseguia prestar atenção no que ela dizia.
— Desculpe, mas eu preciso ir — eu disse afastando-a de mim.
— Por quê?! Está tão bom aqui — ela ainda tentou me segurar.
— Vai dizer que recebeu mensagem da esposa mandando voltar?
Eu revirei os olhos, sem paciência para aquilo. Mesmo me
sentindo meio ofendido, não ia discutir pelo fato dela achar que eu era
um idiota qualquer que saia traindo a família assim. Até porque, eu
nem mesmo tinha uma família, para começar. Eu só... Devia estar
cansado e estressado.
Voltei para casa e já estava indo tomar um banho quando entrei
no meu quarto e vi Laura dormindo em minha cama, abraçada a
Clarice. Bem, eu deveria ficar aliviado por ver que a bebê havia
dormido bem mesmo sem eu estar por perto, mas... Acho que fiquei
um pouquinho decepcionado com isso.
A outra coisa que me ocorreu é que Laura precisava mesmo ou
aprender a se cobrir ou dormir de calças! Porque eu podia ter um ótimo
autocontrole, mas era realmente difícil não ficar olhando para as
pernas dela a mostra assim. E a pele dela parecia tão macia...
Controle-se, Samuel! — eu disse para mim mesmo e fui para o
banheiro. Agora sim eu precisava de um banho. E um banho frio por
sinal...
Felizmente meu sofá era realmente confortável, então não foi um
grande problema dormir na sala. Acordei no dia seguinte sentindo um
cheiro de café fresco e coisas a mais e... Devo dizer que isso não era
nada desagradável.
Claro que normalmente eu dormia até tarde no domingo, mas
meu estômago parecia demandar atenção naquela hora, então, ainda
sonolento, fui para a cozinha, encontrando Laura ali, ainda de
camisola, cozinhando.
— Isso está com cheiro bom... — eu disse praticamente me
encostando a ela, para ver o que era.
— Nã-Não é nada demais... — a voz dela pareceu falhar um
instante. — Só... Um... Omelete mais caprichada. Café e...
— E...?
Foi então que reparei. Eu havia dormido usando só a calça de
moletom, sem camisa e de fato havia chegado bastante perto de Laura
para ver o que ela estava cozinhando e parte do corpo dela já tocava o
meu. Olhei bem para o rosto dela, reparando em como estava
vermelha.
Oh... Aquilo pareceu mais interessante que a comida.
— O que foi, Laura? Vai deixar os ovos queimarem assim.
Estendi o braço, passando por trás da cintura dela e desligando o
fogo. Só que quando Laura me encarou, parecia mais que eu havia
acendido algo dentro dela.
— Você não tem muita noção de espaço pessoal, não é? — ela
disse, mas não fez qualquer menção de se afastar. Ao contrário. Virou-
se, ficando de frente para mim. — E pelo visto também não sente frio
para dormir assim.
— Bem, é você que não se cobre direito e fica com as pernas de
fora, então...
E eu esperava mesmo que Laura se afastasse, mas em vez disso,
ela sustentou meu olhar por mais um instante, até que notei os olhos
dela se fixando em meus lábios.
E ela estava tão perto...
Meio passo à frente e eu pude sentir os seios dela contra meu
corpo. Seu corpo era quente, em contraste com a camisola de seda
suave e fria. Apenas um movimento e eu poderia tomá-la para mim.
Podia envolver seu corpo em meus braços e tomar seus lábios. Podia
fazer aquela camisola inconveniente ir parar no chão e fazer um uso
maravilhoso do balcão da cozinha.
Eu já podia imaginar todas as coisas pervertidas que queria fazer
com ela ali, quando...
— Titio! Cueio!
A voz chorosa de Clarice chamou nossa atenção e na mesma
hora Laura deu um pulo para trás, indo para longe de mim.
Que sina dos infernos!
Ou talvez isso fosse o universo intercedendo para eu não fazer
besteira.
— O que foi, meu anjo? Cadê seu coelhinho? — Laura disse se
abaixando ao lado da sobrinha.
— Cueio sumiu!
— Bem, ele deve ter se enfiado em algum buraco para ter um
instante de paz e descanso — eu disse e Laura me olhou feio. — O que
é?! É um brinquedo! Ele não sumiu realmente.
E Clarice me olhou com aqueles grandes olhos azuis cheios de
lágrimas e eu vi que estava mesmo perdido.
— Tá, ok... O titio acha o cueio para você — eu disse e peguei
Clarice no colo, indo caçar o bicho de pelúcia com ela.
E achar o coelho não foi algo difícil. Ele havia ficado embolado
entre os lençóis da cama. Só que depois de pegar o brinquedo, Clarice
resolveu que queria brincar de "toca de cueio", se enfiando entre os
lençóis também e querendo que eu a seguisse. Era algo tão bobo, mas
ela parecia super se divertir, rolando de rir na cama e fingindo sumir
também. E antes que me desse conta... Eu estava rindo também.
Não sei explicar. Só que era algo meio contagiante. Clarice
ficava tentando imitar um coelho e pulando na cama, para depois se
jogar ali. Ela tinha um jeito muito bonitinho de mexer o nariz, e até a
forma meio embolada que ela falava era fofinha.
— E os coelhinhos aí não vão tomar café da manhã, não? Titia
fez omelete e bolo — Laura disse aparecendo na porta do quarto.
Clarice saiu correndo — como sempre — e eu fui atrás dela,
levando o coelho de pelúcia, que quase ia sendo esquecido. Sentamos
para comer e só então parei para pensar no quanto aquela cena era
incomum para mim. Uma mesa posta com café da manhã, comida feita
na hora, pessoas ao meu redor...
De repente eu começava a lembrar como era ter uma família.
CAPÍTULO 10

Laura

Se antes eu pensava que minha convivência com Samuel fosse


ficar mais fácil, eu estava muito enganada... Ainda mais porque, as
coisas estavam ficando "difíceis" de um jeito que eu não esperava.
Porque eu até conseguia lidar com o territorialismo de Samuel
em relação ao apartamento. E eu também compreendia que nem todo
mundo estava acostumado a lidar com uma criança pequena, mas... O
que eu não conseguia, era lidar com certas "coisas" que sentia quando
estava perto dele.
Uma observação óbvia era que Samuel era muito bonito. Só que
ele não era só bonito. Ele ainda era alto e conseguia ser charmoso
mesmo com calça de moletom. Ou melhor, dizendo... Ele era
especialmente charmoso usando só uma calça de moletom, e andando
sem camisa pela casa. Ele podia estar só sentado no sofá, com o
notebook no colo lendo algo, e ainda sim parecer o cara mais atraente
do mundo.
Então eu preferia nem comentar como era vê-lo de manhã cedo,
chegando da academia, meio suado e com os cabelos escuros
bagunçados. Isso para depois tomar um banho e ressurgir de terno, na
mais perfeita imagem do CEO de sucesso que era.
— Titio! Passear! — Clarice, que já estava acordada de manhã
cedo naquela segunda, foi correndo para Samuel.
— Agora não, coelhinha. Titio vai trabalhar. Depois você e sua
tia vão passear juntas, viu?!
— Você não vai com a gente? — eu perguntei, mesmo já
sabendo a resposta. — Eu imagino que você tenha muita coisa para
fazer, mas... Eu nem conheço a cidade. Sei lá. E no fim das contas é
você que vai pagar pelo aluguel mesmo.
E ok, aquilo podia ser só uma desculpa para Samuel nos
acompanhar, ele já tinha dito antes que não iria se envolver mais
naquilo, mas... Por um instante, olhando bem para ele, me pareceu
muito que ele estava pensando no assunto, cogitando a possibilidade
de ir. Só que no fim das contas ele respirou fundo e meneou a cabeça.
— Eu tenho reunião com o time de desenvolvedores o dia todo
hoje, realmente não dá.
Eu me senti um pouquinho decepcionada com aquilo.
— Mas o Joel vai ir com vocês, então não se preocupe.
Eu não estava exatamente "preocupada", mas também não
saberia explicar. Só que as coisas andavam sendo bastante complicadas
nos últimos dias — ou nos últimos anos até — e Clarice ficava tão
feliz perto de Samuel que, apesar do mal estar inicial, eu começava a
gostar mais da companhia dele também.
Depois de cinco dias ali, finalmente estávamos parando de
discutir. Sei que isso tinha a ver com o fato de que ele estava tratando
Clarice melhor e até mesmo sendo atencioso com ela, mas eu também
estava aprendendo sobre ele. Não só as manias e implicâncias, mas
como ele parecia ser sempre firme e decidido, como ele era dedicado
ao trabalho e responsável.
Não tinha como negar que eu estava gostando cada vez mais da
companhia dele…
Mas naquele dia foi apenas Joel que nos acompanhou mesmo. E
não que eu esteja me desfazendo dele. Ele era bastante prestativo, nos
buscou em casa e acompanhou na visita aos apartamentos. O corretor
havia separado quatro lugares para visitarmos, mas devo dizer que
eram todos péssimos.
Tipo... Qual era a parte do "apartamento para uma criança
pequena" que aquele cara não tinha entendido? Se os lugares já eram
mobiliados, o mínimo que se esperava era um quarto de criança, ou
que não tivesse uma varanda sem tela, com risco de a criança cair dali!
Esperar que fosse em um local perto de parquinho já parecia ser
esperar demais...
Claro que ainda tinha o fato de que eu nunca havia saído para
procurar um apartamento assim, então Joel acabava se preocupando
com coisas que eu nem tinha pensado, tipo ver se todas as torneiras
funcionam ou conferir a documentação.
Era muita coisa!
— Como pode ser tão difícil assim achar um apartamento? E o
preço daqueles lugares?! Uma fortuna por um lugar minúsculo! —
reclamei quando estava no carro com Joel e Clarice, voltando para o
apartamento de Samuel.
Joel apenas deu risada.
— Em uma cidade grande, esse acaba sendo o padrão. Há pouco
tempo que me mudei com minha noiva, então ainda lembro bem do
quão difícil foi achar nossa casa.
— Você tem uma noiva?
Aquilo realmente me pegou de surpresa e ele riu de novo.
— O que?! Só porque eu não sou bonitão como o Samuel acha
que eu não teria alguém?
— Não foi isso que eu quis dizer! Eu só... — como explicar a
ele?! — Você e o Samuel são melhores amigos, não é? Então achei que
você seria mais como ele, tipo solteirão convicto.
— Pode parecer difícil de acreditar, mas foi ele que me
incentivou a pedir Thais em casamento.
Eu olhei com descrença para ele. No pouco tempo convivendo
com Samuel, já deu para ver que ele parecia ter horror a ideia de
compromisso sério. Imagine falar para o melhor amigo casar!
— a Thais e eu já namorávamos há alguns anos e a família dela
ia mudar de cidade. Ela não tinha decidido se iria com eles ou não, e
eu fiquei morrendo de medo disso, sabe?! Um relacionamento a
distância seria difícil e eu realmente não queria ficar longe dela. Eu
tinha certeza que ela era a pessoa certa para mim, mas estava com
medo.
— E justo o Samuel disse para você pedi-la em casamento?
— Incrível, não é? Ele disse que se eu a amava mesmo, iria me
arrepender a vida toda por tê-la deixado ir.
— Nossa, depois que você contou sobre a noiva que traiu ele
com o irmão, achei que ele nem acreditasse mais em amor e coisa do
tipo.
E Joel pareceu pensativo por um momento.
— Acho que... Não é questão dele não acreditar. Acho que é
mais uma questão de ter medo. Os pais dele nunca foram um grande
exemplo, aí a mulher que ele mais amou o traiu com o irmão dele.
Acho que ele sempre teve certa dificuldade para confiar nas pessoas,
se aproximar realmente delas, sabe? Por isso eu queria que a Clarice
viesse para cá. Que ele a conhecesse.
Naquele ponto, Clarice estava dormindo tranquilamente no meu
colo, ainda agarrada a seu coelhinho de pelúcia. E do jeito que eu
super amava minha sobrinha, claro que entendia o efeito que ela podia
causar nas pessoas. Eu sabia que Samuel não nos queria ali, ao menos
não no início, mas talvez Clarice tivesse sido mesmo uma ótima
surpresa na vida dele.
Era estranho como a vida tomava esses rumos... Obviamente
nada no mundo iria compensar a morte de Alice e Diego, mas Clarice
ter vindo conhecer o tio e ficar com ele parecia mesmo uma coisa boa
para Samuel.
Eu ainda estava refletindo sobre isso quando Joel nos deixou no
prédio, e quando cheguei junto ao elevador, acabei me deparando com
a vizinha do outro dia. Diana. E devo dizer... Agora ela não parecia lá
muito elegante. Estava com uma cara de exausta, o cabelo meio
bagunçado e carregando um jaleco branco. E claro que notei quando
ela me olhou de cima a baixo, e depois focou em Clarice.
— Boa tarde — eu até tentei, mas acho que meu tom não soou o
mais educado do mundo.
— Boa tarde — ela disse sem olhar para mim, encarando a porta
fechada do elevador.
Aquele clima já parecia esquisito e eu só queria chegar em casa e
descansar, mas inesperadamente Diana tornou a falar.
— Você... Vocês duas estão morando com o Samuel, certo? Eu
não sabia que ele tinha uma filha.
— Hã?! Que?! — eu quase ri. Ela não sabia ser muito sútil, mas
agora eu entendia porque ela não parecia ir com minha cara. — Não é
o que você está pensando. A Clarice é sobrinha do Samuel. Eles são
meio parecidos, eu sei. Mas não se preocupe, logo vamos nos mudar.
Diana acabou parecendo meio constrangida e finalmente parou
de me olhar com cara feia. O elevador finalmente chegou e entramos.
— Não, não é isso. Eu não queria me intrometer, só... — ela
passou a mão pelo cabelo, tentando ajustá-lo. — O Samuel não é
exatamente do tipo paterno, sabe? E eu já vi o apartamento dele. Só
tem um quarto e ele nunca gosta de gente de fora lá.
— Ele é mega territorialista, não é?! Tipo um lobo solitário ou
sei lá o que.
Aí Diana e eu acabamos rindo. Ela já não parecia tão antipática
assim...
— Você vai precisar mesmo de muita paciência lidando com ele,
viu. Eu só acabei desistindo. Então você não tem com o que se
preocupar comigo.
Eu ia corrigir Diana, sobre não ser o que ela estava pensando,
mas o elevador chegou ao nosso andar bem na hora. Samuel e eu não
éramos um casal, então eu nem teria mesmo com o que me preocupar
sobre ciúmes ou sei lá o que. Até porque não tinha a menor chance de
Samuel olhar duas vezes para mim. Ele até podia ter se apegado a
Clarice, mas definitivamente me queria longe.
— De qualquer forma, se precisar de qualquer coisa, é só falar.
Eu sou pediatra então volta e meia tem alguém batendo na minha porta
por conta de uma febre ou crise alérgica.
Bom, isso definitivamente explicava o jaleco e a cara de
cansada.
De qualquer forma, agradeci quando Diana me entregou um
cartão de visita com o número dela, e fui para o apartamento. Eu
estava exausta e tudo que queria era dormir um pouco, mas ainda tinha
muito trabalho para fazer dos meus freelancers e era bom aproveitar
enquanto Clarice estava dormindo.
Eu realmente esperava que o dia seguinte fosse melhor, que
finalmente acharam um bom apartamento, mas levando em conta
minha sorte na vida, já imaginava que aquela seria uma longa jornada.
CAPÍTULO 11

Samuel

Céus! O quão difícil podia ser encontrar um maldito apartamento


em uma cidade enorme?! E isso porque eu nem sequer havia colocado
qualquer restrição quanto ao valor do aluguel do imóvel, mas ainda
sim Laura parecia ser a pessoa mais exigente do mundo e
simplesmente não escolhia logo um lugar!
Então já era sexta-feira e eu estava saindo de uma reunião e
vendo mensagens de Joel dizendo que havia sido mais um dia
fracassado para eles e que talvez fosse melhor mudar o corretor.
Desse jeito eu não teria minha vida de volta tão cedo...
Ia continuar com meu apartamento bagunçado e tendo que lidar
com coisas que não estavam mesmo nos meus planos! Mas... Ok... Não
era que lidar com Clarice fosse exatamente algo ruim. Era cansativo,
mas eu acabava mesmo dando risada das brincadeiras dela e já tinha
me acostumado a tê-la dormindo comigo, segurando meu dedo.
Claro que eu ainda não sabia como reagir quando ela começava a
chorar dizendo que queria os pais, mas nesses momentos Laura
acabava assumindo a situação a consolando. Se bem que na maioria
das vezes as duas acabavam chorando juntas e isso era um pouco
difícil de ver. Só que eu nunca sabia o que dizer nessas horas. Sentia
um aperto no peito, mas não havia nada que eu pudesse fazer.
Eu sabia que estava mesmo me esforçando por aquelas duas,
mais do que imaginei que um dia pudesse fazer, mas às vezes eu
olhava para Laura e reparava em como ela parecia cansada e sempre
tendo que lidar com muita coisa. Durante aquela semana, ela tinha
decidido que cuidaria do apartamento, como agradecimento por ficar
ali, e ainda passava o dia todo cuidando de Clarice e procurando o
apartamento. E isso por si só já devia ser bastante cansativo, e ainda
sim, sempre que eu chegava em casa a noite, ela estava trabalhando.
Por mais que eu tenha achado-a irritante no início — e às vezes
voltava a achar isso — agora não conseguia deixar de pensar no
quanto ela era forte também.
Em uma semana eu aprendi muito sobre Laura, e também ficava
curioso sobre mais coisas... Como a tal história da interdição, que ela
se recusava a me contar.
Só que enquanto eu estava pensando sobre aquelas coisas em
minha sala, acabei ouvindo vozes familiares do lado de fora e não
demorou muito para a porta ali ser aberta e meu escritório ser invadido
por uma miniatura de gente.
— Titio!
— O que vocês estão fazendo aqui? — eu fiquei bem surpreso.
Laura entrou na sala logo depois de Clarice. Ela estava usando
um vestido florido comprido e com o cabelo preso em uma trança. Ela
sempre conseguia ficar muito bonita mesmo com roupas simples.
— O Joel tinha que vir pegar umas coisas urgentes aqui no
escritório e a Clarice estava com saudades do tio favorito dela, já que
você sempre fica trabalhando até tarde.
Naquele ponto Clarice já tinha subido para o meu colo e parecia
animada em contar alguma história, que eu só conseguia entender
metade das palavras.
— Senhor Samuel, por que não disse que elas viriam hoje? Eu
teria trazido um bolo! — Teresa disse parecendo realmente preocupada
com isso. — Eu queria tanto conhecer a pequena Clarice! Fiquei
falando a semana toda para o Joel trazer vocês aqui.
E não demorou nada para Teresa vir pegar Clarice do meu colo,
já fazendo graça para a menina. Ela realmente adorava crianças.
— E você é a Laura, não é?! Eu sinto muito mesmo pela sua
irmã, querida. Tudo deve estar tão tumultuado para você...
— A senhora nem imagina — Laura disse forçando um sorriso e
ajeitou uma mecha do cabelo atrás da orelha. — Mas nós não vamos
demorar aqui, não queremos atrapalhar.
— Bem, eu tenho...
— Não atrapalham! — Teresa me interrompeu. — Não tem mais
nada hoje na agenda do Samuel e eu vivo dizendo que ele trabalha
demais, mesmo. Agora, por que não senta um pouco? Eu vou trazer
um cafezinho para vocês.
E com isso Teresa saiu da sala, carregando Clarice, que pareceu
muito à vontade com ela. E depois daquilo, Laura praticamente jogou-
se na cadeira à minha frente.
— Nossa, como pode ser encontrar um maldito apartamento em
uma cidade tão grande assim? Eu morava em uma cidade meio
pequena e tudo era mais simples para essas coisas.
— Talvez se você for menos exigente... Você por acaso morava
em um castelo antes?!
Laura riu de um jeito meio amargo quando eu disse aquilo.
— Bem longe disso. Não era um lugar legal, o lugar todo devia
ter metade do tamanho do seu quarto.
Aquilo me surpreendeu, até porque ela não falava muito de si
mesma.
— E por que você não foi morar com sua irmã então? Vocês se
davam bem, não?
Ela deu de ombros e ficou olhando pela janela, parecendo se
distrair com a vista.
— A Alice demorou muito para conseguir ter a própria vida e ser
feliz. Eu não queria bancar a irmã chata indo morar com recém
casados. E pelo menos eu tinha meu próprio lugar, o que já era melhor
que morar com meus tios. Claro que a Alice ficava falando que não
tinha problema eu ficar com ela e o Diego, mas eu só... Não queria
complicar as coisas. E você sabe como eu sou bagunceira, não é?
E mesmo que Laura estivesse sorrindo naquele momento, eu
pude notar o quanto ela estava triste ao lembrar-se daquelas coisas.
— Às vezes lidar com bagunça não é tão ruim assim — eu me vi
dizendo e agora foi Laura que pareceu surpresa. — Quer dizer... Se a
Alice se importasse mesmo com você, ela iria preferir sua bagunça a
ficar preocupada, sem saber que você estava bem.
— Eu sei disso. Só que desde a morte da nossa mãe, Ângela,
basicamente foi a Alice que cuidou de mim. Nós passamos por tantas
coisas ruins, então não seria justo que...
E eu queria saber sobre aquela história. Eu realmente queria
entender o que havia acontecido com Laura e a irmã, mas... Antes que
ela pudesse continuar, ouvimos duas batidas na porta e logo depois
Joel entrou ali.
— Oi, espero não estar interrompendo.
E pelo jeito sério que olhei para ele, espero que ele tenha
entendido que sim, estava interrompendo!
— De qualquer forma, achei o que queria... — e ele colocou uma
pasta em cima da mesa. — Os documentos da casa da sua mãe,
Samuel. Tem a planta da casa e tudo mais aí.
Eu olhei para aquilo, sem entender aonde ele queria chegar.
— Eu ainda não decidi sobre a venda da casa — falei.
— Então, Samuel, a ideia é justamente não vender! Você só não
me entendeu ainda — ele disse parecendo animado e abriu a pasta,
mostrando a planta da casa e umas fotos de tempos atrás. — Eu tinha
uma ótima ideia! Já que não estamos conseguindo achar uma casa para
a Laura e a Clarice... Elas podem ficar aqui!
— Aqui?! — eu realmente não tinha pensado nessa
possibilidade.
— Pensa comigo. É uma casa ampla, tem três quartos e um deles
pode ficar como escritório. Tem um quintal ótimo para criança e fica
em um ótimo bairro. Tem um parque por perto, escolinhas e tudo mais
que uma família pode precisar.
E Laura começou a olhar aquelas coisas, começando a ficar
interessada.
— É uma casa bem bonita mesmo.
— É, mas essas fotos são de anos atrás — eu os lembrei. — A
casa está fechada há tempo e com certeza precisa de manutenção.
— Mas podemos ir lá dar uma olhada agora mesmo, se for o
caso. Tem a chave aqui.
E eu ia dizer que aquilo não valia à pena, mas Laura já parecia
animada com a ideia, então antes que pudesse argumentar, já
estávamos pegando Clarice e indo para minha antiga casa. Um lugar
que eu não tinha lá muitas boas lembranças...
Talvez muitas pessoas adorassem a ideia de voltar a casa onde
cresceram, mas eu não tinha nostalgia disso. Meus bons momentos ali
foram poucos, e não sei se Diego iria querer a filha dele crescendo
naquele lugar.
— Nossa, é mesmo grande! — Laura disse animada assim que
paramos em frente à casa.
Só que parecia que ela estava ignorando como a fachada da casa
precisava de uma pintura, para dizer o mínimo. Tinha umas plantas já
passando por cima do muro, e quando finalmente entramos, a parte de
dentro não estava em condições muito melhores.
O jardim estava com grama super alta e uma bagunça. A casa
não parecia ter problemas de infiltração a princípio, mas
definitivamente estava mega sujo. Depois que minha mãe faleceu, os
móveis tinham sido cobertos com panos e boa parte deles parecia até
bem conservada, mas os eletrodomésticos não tinham mais salvação.
Definitivamente um lugar terrível.
— Adorei! — Laura disse.
— Que?!
— É! Ok que o lugar precisa de uns dias de trabalho para ficar
habitável, mas é uma ótima casa, Samuel. Definitivamente casas são
melhores que apartamentos.
— Casas?! Então esse era o ponto? Se você queria uma casa em
vez de um apartamento, devia ter falado antes e não ficar recusando
tudo!
Aquilo era mesmo inacreditável.
— Ah, calma, Samuel — Joel disse rindo. — Os apartamentos
que vimos não eram mesmo bons, tudo super caro também. Mas essa
casa é bem legal. Nós tivemos bons momentos aqui, apesar de tudo.
Eu não sei se concordava com aquilo, mas parecia que minha
opinião não importava mais ali. Laura já estava fazendo planos de
como organizar a casa e resolveu tirar fotos e filmar tudo.
Só que... Enquanto ela fazia aquilo, volta e meia parava para
ficar apertando o botão de recusar ligação. Alguém parecia estar sendo
bem insistente em falar com ela, e a expressão dela já estava ficando
séria e tensa.
— Laura? Está tudo bem? — perguntei me aproximando.
— Que? Claro — e ela notou que eu estava olhando para o
celular dela. — É só um cliente chato. Nada demais.
E ela tentou forçar um sorriso e soar natural, mas uma semana já
havia sido o suficiente para eu perceber quando ela estava mentindo.
Mas eu não iria desistir.
Parecia que Laura e Clarice finalmente teriam um lugar para
morarem e isso seria algo bom para mim, não?! Elas não iriam mais
ficar na minha casa.
Então... Por que eu não estava feliz com isso?
CAPÍTULO 12

Laura

Eu ainda não acreditava que Samuel havia nos feito perder tempo
procurando por apartamentos enquanto tinha uma casa incrível,
literalmente, pegando poeira e abandonada!
Não sei se era por eu ter crescido em uma casa parecida com
aquela, mas o lugar realmente parecia ótimo, apesar do mal estado de
conservação. Mas não tinha nada que não pudesse ser arrumado ali em
poucos dias. Isso se conseguíssemos reativar a luz e por internet
rápido, claro.
De qualquer forma, ficou mesmo acertado a mudança para lá.
Então no sábado pela manhã deixamos Clarice com Teresa, que tinha
se voluntariado para cuidar dela, e fomos olhar a casa com mais calma.
E foi só quando chegamos lá é que percebi que era a primeira vez que
realmente ficava sozinha com Samuel...
— Você realmente tem certeza que quer ficar aqui? — Samuel
ainda parecia insatisfeito com aquela ideia. — Dá para procurarmos
uma casa para alugar também, embora eu ache que apartamentos são
melhores.
— Como você implica com isso! — eu disse e fui abrindo as
janelas da casa, para o ar circular.
Pela manhã, o lugar parecia ainda melhor, com toda aquela luz
natural. Dava para ver agora que era bem ventilado e tinha vários
detalhes bonitos na casa, desde as luminárias aos detalhes de gesso do
teto.
— Sua mãe deve ter cuidado muito bem da casa. Os móveis
todos combinam. Ainda bem que não estragaram — eu disse enquanto
analisava uma estante na sala.
Acabei vendo que ali tinha um porta-retrato antigo, com uma
foto de duas crianças, que facilmente percebi que eram Diego e
Samuel. Eles estavam abraçados e sorrindo, parecendo que se davam
muito bem. Só que pouco depois Samuel veio até mim e tirou a foto de
minhas mãos.
— Definitivamente ela gostava mais dessa casa do que dos
próprios filhos. Então nem Diego e nem eu nunca tivemos muito
apreço por esse lugar.
Samuel disse aquilo com certo amargor, mas ficou olhando para
a foto, parecendo meio triste também. Volta e meia parecia que ele se
perdia em meio a pensamentos, sentimentos e lembranças antigas. No
início eu achava difícil entendê-lo, mas agora acho que começava a ter
uma ideia. Então coloquei minha mão sobre a dele, chamando sua
atenção.
— Então talvez essa seja a oportunidade de dar uma história
melhor para essa casa, não acha? Vocês passaram anos aqui, e mesmo
que não tenha sido exatamente um bom período, parece que ainda tem
uma ou outra lembrança boa.
E Samuel me encarou por uns segundos, sem dizer nada, para
então dar uma discreta risada.
— Você realmente quer bagunçar tudo, não é? Minha vida,
minhas ideias e até minhas lembranças... É realmente difícil lidar com
você, sabia?
— Bagunçar tudo é um dos meus muitos talentos.
E dessa vez Samuel riu de verdade. Era uma risada bonita, em
um tom grave, e finalmente parecia que ele estava relaxando um
pouco.
— É, talvez você tenha razão — ele acabou dizendo. — No
fundo eu sei que nem todas as coisas aqui foram ruins. Tipo... Meu
relacionamento com meu irmão. Não que eu vá perdoá-lo pelas coisas
que aconteceram, mas... Existiu um Diego antes disso. Que foi mesmo
um bom irmão mais velho. E de certo modo, os bons momentos com
ele foram justamente nessa casa. Então faz um pouco de sentido a
Clarice viver aqui.
E eu fiquei mesmo surpresa com aquilo. Por mais que aquela
fosse minha argumentação, não esperava conseguir convencer Samuel
disso, ainda mais tão rápido. Era até estranho ver que ele estava
mesmo me escutando, levando em conta que antes ele parecia me odiar
e me querer longe dali.
E como ele já parecia mais maleável ali, acabei convencendo ele
a olhar os armários e revirar as coisas antigas da mãe dele. Parecia que
nada ali tinha sido tocado desde o falecimento dela, dois anos atrás.
Então ele ficou bem surpreso de ver que ainda tinham muitas coisas da
época em que ele era criança, desde fotografias, alguns brinquedos que
ele nem se lembrava mais e até umas roupinhas já muito antigas de
bebê, que pareciam ter sido guardadas com bastante cuidado.
De certa forma, acho que essas coisas acabaram mexendo com
Samuel mais do que ele queria admitir. Fomos direto para casa, já que
estávamos bem sujos da poeira da casa, e durante todo o percurso ele
ficou quieto.
Eu não consegui nem comentar o fato de que ele havia levado
para casa a fotografia em que estava junto com Diego.
— Já avisei a Teresa que daqui a pouco vamos passar para buscar
a Clarice. Ela disse que está tudo bem por lá — Samuel disse quando
chegamos em casa, em um tom bastante casual. — Aí buscamos a
Clari e almoçamos em um restaurante.
Eu apenas concordei e fomos nos aprontar. Claro que não perdi a
chance de falar em como era inconveniente apenas um banheiro em
um apartamento daquele tamanho, mas Samuel apenas riu e não
reclamou de minhas reclamações. As coisas estavam mesmo melhores
entre nós, e também... Estávamos ficando mais íntimos depois de
tudo.
Eu estava no banheiro penteando o cabelo, com a porta aberta,
quando ele entrou ali para pegar o perfume que havia esquecido. E era
impossível não pensar em como, mesmo sem o perfume, ele já tinha
um cheiro maravilhoso. Fui olhar para ele pelo espelho, e então vi que
ele estava me olhando também.
— Acho que... Vai ser estranho quando vocês forem embora —
ele disse de repente.
— É? — eu deixei o pente de lado e me virei para Samuel.
Aqueles olhos azuis tão intensos... Eu sentia um frio na barriga
toda vez que o encarava.
— Eu não esperava por isso, mas acho que acabei me
acostumando rápido com vocês aqui.
— Bem... Minha irmã costumava dizer que é fácil se acostumar
com as coisas boas.
E eu até tentei soar confiante quando disse isso, mas minha voz
saiu meio baixa, tremida... Era difícil parecer firme quando Samuel
Vidal estava tão perto de mim daquele jeito. Ele chegou um pouco
mais perto e eu precisei prender a respiração por um instante, tentando
manter a calma.
— Eu costumava gostar de como as coisas eram antes — ele
disse em um tom baixo.
— E agora?
Samuel apoiou uma das mãos na pia atrás de mim e nesse ponto
parecia mais uma questão de eu ter esquecido como se respirava.
— Quando vocês chegaram... Parecia um pesadelo. Mas agora...
E ele estava tão perto, com o corpo praticamente encostado ao
meu. Ele parecia estar testando minha reação, ver o que eu faria, mas
eu estava paralisada diante daquele homem. Eu só ficava desejando
que ele me agarrasse ali mesmo, ao mesmo tempo em que morria de
medo disso acontecer e ter que lidar com as consequências depois!
— Você tem mesmo bagunçado tudo, Laura. Minha vida, meus
pensamentos, meus desejos...
E a sensação era de estar sendo devorada pelo olhar de alguém.
Um desejo tão palpável que me causava arrepios. E não tinha como
negar o óbvio: eu o desejava também.
— Samuel...
Ele pareceu hesitar por um segundo, como se tentasse se agarrar
a qualquer vestígio de sanidade e responsabilidade naquele momento,
mas eu mesma já havia desistido disso. Eu só conseguia manter meus
olhos presos aos dele, mantendo a respiração presa.
Foi então que Samuel juntou os lábios aos meus, num beijo
intenso. Fui imprensada entre a pia e o corpo forte de Samuel e
finalmente pude me deixar levar pelas coisas que sentia. Passei os
braços em torno do pescoço dele e deixei que sua língua invadisse
minha boca enquanto suas mãos já passeavam pelo meu corpo.
Como um homem podia acender um fogo tão intenso em mim
com apenas um beijo?! Ou talvez falar "apenas um beijo" fosse errado,
porque aquele parecia ser, sem dúvida, o melhor beijo da minha vida.
Samuel era um sedutor experiente e agora parecia estar usando tudo
aquilo contra mim. Minhas pernas já estavam bambas quando Samuel
me suspendeu, me colocando sentada na bancada da pia. Acabei
passando as pernas em torno dele, o puxando para perto.
E como eu estava de vestido, claro que o tecido acabou subindo...
— Como pode ser tão gostosa assim e esperar que eu me
controle? — ele sussurrou junto ao meu ouvido.
— Eu... Nunca pedi isso... Que se controlasse.
Notei o sorriso cínico dele na hora.
— Laura... Nós devíamos manter certo limite, sabe — Samuel
disse isso, mas foi enquanto deslizava a alça do meu vestido para
baixo. — Eu nunca fui do tipo "bom moço", um cara de família...
Meu coração já estava desesperado na hora. Como Samuel
esperava que eu mantivesse o controle quando ele me provocava
daquele jeito?! Samuel desceu meu vestido até a cintura, expondo
meus seios, e quando voltamos a nos beijar, ele me tocou ali, com suas
mãos grandes e firmes, e acabei arfando por entre o beijo.
Eu nunca havia me sentido tão envolvida por alguém, desejando
tanto ser tocada e possuída por um homem. E claro que eu queria tocá-
lo também. Queria arrancar as roupas do Samuel e sentir o corpo dele
completamente junto ao meu.
Só que antes que eu pudesse por meu plano em prática, o celular
de Samuel começou a tocar.
— Ignore — ele disse e foi descendo seus beijos pelo meu
pescoço.
— E se for importante? — eu ainda tentei ser racional.
— Mais importante que isso?
As mãos de Samuel apertaram minhas coxas e eu queria poder
esquecer de todo o resto do mundo naquele momento. Só que quando o
celular dele parou de tocar, aí foi o meu que começou.
— Deve ser a Teresa... A Clarice...
Samuel resmungou em frustração, mas se afastou. E eu nem
saberia explicar também o quanto me senti frustrada naquela hora, mas
subi meu vestido e corri para atender a ligação. Aparentemente Clarice
havia tido um pesadelo e estava chorando muito, chamando pelo pai e
pela mãe. Eu ainda falei com minha sobrinha pelo telefone, tentando
acalmá-la, mas precisávamos mesmo ir buscá-la logo.
Samuel também parecia estar fazendo certo esforço para se
acalmar e voltar à racionalidade, mas por fim se aprontou logo para
irmos buscar Clarice.
— Então ser pai é tipo isso? Ter momentos assim interrompidos
para cuidar da criança?
Eu acabei rindo ao escutar aquilo.
— Bem vindo à paternidade, Samuel. Você está mesmo cada vez
mais parecido com um pai.
E pela cara de chocado que Samuel fez naquele momento,
entendi como aquele comentário o surpreendeu. Provavelmente ele não
tinha se visto daquela forma até então, mas era inegável como ao longo
daqueles dias, ele estava se comportando cada vez mais como se fosse
pai de Clarice.
E eu não podia negar que achava isso maravilhoso.
CAPÍTULO 13

SAMUEL

Céus! Era realmente difícil me concentrar em fazer qualquer


coisa mínima, como me organizar para sair de casa quando ainda
estava excitado pela situação do banheiro com Laura.
Parecia que eu ainda podia sentir sua pele macia e quente sob
meus dedos, ainda podia sentir seus beijos... E o pior era vê-la andando
ao meu lado e não poder simplesmente empurrá-la contra a parede
mais próxima e continuar o que fazíamos antes.
E pelo jeito que ela estava meio vermelha e evitando me olhar,
podia imaginar que ela se sentia da mesma forma.
Só que nenhum de nós voltou a falar daquilo. Fomos o caminho
todo em silêncio, até chegarmos à casa de Tereza. Às vezes eu olhava
de soslaio para ela, notando-a se remexer no banco do carro, morder o
lábio inferior para então me olhar disfarçadamente. E naquele breve
instante em que nossos olhos se encontravam, eu podia ter certeza de
uma coisa: eu estava ferrado!
Não estava mesmo em meus planos me envolver por uma
mulher, ainda mais uma em que estivéssemos numa situação complexa
como dividir os cuidados de um bebê. Só que... A essa altura parecia
mesmo inevitável.
Talvez falar que eu estava "envolvido" por Laura fosse um pouco
de eufemismo. Mas não sei se eu estava pronto para admitir aquilo.
E quando chegamos à casa de Teresa, Clarice prontamente veio
correndo para mim e eu a peguei no colo, vendo que ela estava mesmo
com os olhos um pouco inchados de chorar. Só mesmo Clarice para
mudar o foco dos meus pensamentos assim.
— O que foi que houve, Coelhinha? Estava chorando?
— Saudade... — ela disse se agarrando a minha camisa e
deitando a cabeça no meu ombro.
E pelo visto não tinha como negar também como eu havia me
apegado a aquela menininha rápido. Eu sabia que Teresa cuidava
muito bem dela, até por ter bastante experiência com crianças, só que
eu estava até mesmo me sentindo mal por ter deixado-a ali, mesmo que
fosse apenas por uma manhã.
— Ah, bom que eu que trocou suas fraldas e você só fica com
saudades do titio, não é? — Laura disse se fazendo de emburrada e
fazendo cócegas em Clarice, que começou a rir.
— Ei, toda criança tem suas preferências, ok?! E você já passa
mais tempo com ela mesmo. Então é normal ela querer ficar comigo
agora.
— Meu deus... Eu acho que estou até alucinando — Teresa disse
colocando as mãos na cintura. — Sério. Quem diria que o meu
chefinho, Samuel Vidal um dia estaria assim, com um bebê no colo,
parecendo até um pai!
Era a segunda vez em um prazo muito curto que eu escutava algo
assim. Eu nunca nem sequer havia me imaginado sendo pai, e eu era
"tio" da Clarice, não "pai". Achei melhor apenas não fazer nenhum
comentário sobre aquilo, e acho que Laura acabou percebendo um
pouco do meu incômodo.
— Então... Acho melhor irmos, não é? Vamos almoçar no
shopping e precisamos ver umas coisas para a casa. Aquilo vai dar um
belo trabalho para arrumar.
— Poderia ter sido mais prático ir para um lugar novo, mas
alguém cismou com a casa, não é? — eu provoquei Laura e ela só
revirou os olhos e pegou as coisas de Clarice para sairmos.
E devo dizer que... Embora eu não quisesse ficar pensando
naquela coisa de "pai", isso acabava se tornando meio inevitável.
Principalmente quando percebia o modo como as pessoas na rua
olhavam para nós três juntos, parecendo o retrato da perfeita família
feliz. E o pior é que eu nem sei se poderia contestar aquilo, porque
agora Laura e eu éramos a única família que Clarice tinha. E... Apesar
de minhas reclamações iniciais, eu estava mesmo ficando feliz com
elas por perto.
Realmente nunca havia imaginado que poderia me divertir só de
ver uma criança correndo de um lado para o outro, ou que me
importaria em escolher roupinhas e brinquedos. Só que ali estava eu...
O CEO de uma grande empresa de tecnologia fingindo falar com um
coelhinho de pelúcia para fazer um bebê rir.
Nisso, acabamos ficando horas na rua, comprando coisas para a
casa e encomendando outras que seriam entregues depois. E quando já
estávamos para ir embora, reparei em Laura olhando um vestido longo
na vitrine de uma loja.
— Ele ficaria bem em você — eu comentei quase que
casualmente.
— Ah, definitivamente não — ela riu. — Uma roupa com tantos
dígitos no preço, definitivamente não me cai bem.
Então eu olhei para a plaquinha do preço.
— O que você acha, Clari? O vestido não é bonito?
— Vestido de "pincesa"! — aquele provavelmente era o melhor
elogio que Clarice conseguia pensar.
— Viu só?!
E com isso segurei Laura pela mão e a levei para dentro da loja,
enquanto ela falava qualquer coisa, tentando desistir. Logo uma
vendedora veio nos cumprimentar e eu pedi para vermos o tal vestido.
— Moça, não precisa. Eu nem gostei do vestido tanto assim.
— Ela gostou sim. E se tiver outros parecidos, desses longos
meio leves.
Os olhos da vendedora pareceram brilhar, provavelmente
animada com a ideia da comissão.
— A senhora devia experimentar. Certeza que seu marido vai
adorar vê-la nesse vestido.
E eu quase ri da expressão de susto que Laura fez ao ouvir
aquilo. Ao menos isso serviu para ela parar de resistir e só seguiu a
vendedora, pegando alguns vestidos para provar, além dos da vitrine, e
eu fui sentar em um sofá que tinha na loja, com Clarice no colo.
E devo dizer... Qualquer que fosse o preço daqueles vestidos,
super valia a pena pelo espetáculo de ter Laura praticamente
desfilando para mim, mostrando os vestidos. Não que eu estivesse
ligando muito para as roupas em si, mas alguns dos vestidos tinham
um belo decote, outro tinha as costas nuas de um jeito bem sexy e
outro tinha duas fendas nas laterais que deixavam as pernas dela meio
à mostra quando andava.
— Vamos levar — eu disse pegando a carteira, depois que Laura
provou o último. — Todos.
— Samuel!
— "Tá" linda! — Clarice opinou a meu favor.
Laura ainda tentou argumentar, mas para a felicidade da
vendedora, eu apenas ignorei e comprei os vestidos.
— Você não precisava fazer isso.
— Não, mas queria — disse enquanto íamos para o carro. —
Sem contar que essa acabou sendo a parte mais divertida da sessão de
compras. Só não foi a melhor do dia...
E pelo jeito que Laura ficou vermelha, ela entendeu bem o que
eu quis dizer.
— E de qualquer forma, é bom você ter um vestido bonito assim
para quando sairmos para jantar.
— Sair para jantar? — ela pareceu surpresa.
— Sim. Não é assim que os encontros funcionam?
Acho que eu estava ficando especialista em deixar Laura
surpresa e aquilo era até mesmo divertido. Ela parecia mesmo não
saber como reagir a essas minhas investidas, e se antes eu não sabia
bem o que pensar sobre aquilo tudo... Bem, agora eu havia decidido
apenas não pensar muito a respeito. Eu sabia o que queria e me
esforçaria para conseguir.
◆◆◆

Depois de jantarmos na rua, voltamos para casa e claro que


Clarice já chegou lá dormindo. Laura foi acomodá-la na cama e eu
precisei dar duas viagens ao carro para pegar todas as coisas que
havíamos comprado naquele dia. Quando voltei com as últimas coisas,
vi Laura já com uma toalha na mão.
— Eu estava indo tomar banho, mas se quiser ir primeiro... —
ela disse apontando a porta do banheiro. — Ou juntos...
A última parte foi dita tão baixa que eu quase não escutei. Olhei
meio incrédulo para Laura, reparando em como ela parecia
constrangida, mas também ansiosa. Acabei me aproximando mais, até
que nossos corpos estivessem quase encostados um no outro.
— Laura... Você não deveria brincar com essas coisas, sabe? — e
levei a mão ao rosto dela, em uma carícia.
— E quem disse que eu estou brincando?
Finalmente Laura me encarou, e daquela vez ela parecia
determinada, mesmo que um pouco nervosa. E ela era tão bonita...
Depois de todos aqueles dias, eu já havia reparado em todos os traços
do rosto de Laura, em como seus lábios eram convidativos e
tentadores. E agora eu já não precisava resistir a eles.
Passei um braço em torno da cintura de Laura e a beijei mais
uma vez, como estava ansioso para fazer a horas! E ela me abraçou
pelo pescoço, ficando na ponta dos pés e correspondeu ao beijo. E era
muito bom notar ali que eu não era o único a estar com todo aquele
desejo reprimido.
Foi Laura que tomou a iniciativa de tirar minha camisa, e logo as
mãos dela estavam em meu cinto, mas se atrapalhando um pouco ali.
— Com pressa? — eu me contive para não rir, mas estava
achando aquilo adorável.
— Eu só... Acho que perdi muito tempo na minha vida. Sem
aproveitar as coisas.
— Eu posso te ajudar a compensar então, se for esse o caso — eu
disse e fui beijando suavemente o pescoço dela, aproveitando para
descer a alça do vestido.
Laura pareceu suspirar e ficar entregue aos meus toques. Daquele
jeito o banho iria acabar ficando para depois. Só que com a Clarice
dormindo no quarto, só nos restava ir para a sala. E mais do que nunca
eu me arrependi de só ter um quarto naquele apartamento.
— Nós podemos...
— Ir para a sala — Laura completou, olhando na direção da
cama.
Depois daquilo peguei Laura no colo, com certa facilidade até, e
a carreguei até o sofá, que já estava aberto, na forma de cama, como
tinha estado nos últimos dias. Sentei ali, deixando-a de frente em meu
colo. Daquele jeito eu podia sentir bem o corpo dela contra a minha
ereção e isso só aumentava minha ansiedade, mas também dava espaço
para ela se afastar caso quisesse, já que ela ainda parecia um pouco
nervosa. Se bem que... Boa parte desse nervosismo sumia quando ela
me beijava. E era mesmo difícil manter qualquer tipo de autocontrole
quando Laura passava a mão pelo meu corpo e praticamente rebolava
em seu colo, me provocando.
— Para quem disse que não aproveitou bem a vida, você é muito
boa provocando.
Laura acabou rindo.
— Ou talvez você que seja um pervertido que não sabe se
controlar — e ela sussurrou em meu ouvido. — Mas tudo bem. Não
precisa se controlar.
Aquela mulher estava brincando com fogo, não era possível!
Mas quem era eu para negar aquele tipo de pedido?! Então, sem me
conter mais, tratei de arrancar o vestido de Laura e largá-lo no chão. O
fato dela estar sem sutiã era ótimo e eu podia finalmente ver seus seios
e também tocá-los.
— Como você pode ser tão gostosa?! — eu a deitei no sofá-cama
e tirei sua calcinha. — E como eu pude me controlar por tanto
tempo?!
Laura abriu as pernas, como se me convidasse e eu não tive mais
condição nenhuma de continuar vestido, pois meu pau estava tão duro
que realmente incomodava dentro da roupa. Despi-me completamente
e só então fui dar atenção a aquele belo par de pernas que desejava
tocar a dias. Beijei e mordi suas coxas, notando ela estremecer. E eu
queria mais daquilo, queria ver cada reação de prazer de Laura. Fui
subindo os beijos, indo para o meio de suas pernas, até encontrar sua
entrada já úmida e quente pelo desejo.
Olhando para ela, notava o desejo e a ansiedade em seus olhos e
isso me motivava ainda mais a continuar. Então me concentrei em sua
zona de prazer, lambendo e chupando ali, já ouvindo gemidos e
palavras desconexas de Laura, especialmente quando passei a usar os
dedos também, a penetrando.
Eu a levei à beira de seu limite, mas parei antes que ela gozasse,
e me senti particularmente satisfeito quando ela pareceu gemer em
frustração.
— Samuel...
— Realmente muito ansiosa — eu disse voltando a beijar sua
pele, agora na virilha e indo para a barriga. — Não foi você que disse
que queria aproveitar? Não vamos acabar tão rápido então. Temos
tempo.
E eu até queria provocá-la mais, mas Laura me puxou e me
beijou intenso. As mãos dela iam para meu cabelo bagunçando-o e
agarrando-o para depois descer pelas minhas costas, arranhando e
causando arrepios.
— Eu quero você, Samuel — ela disse arfando. — Agora!
E com isso Laura passou as pernas em torno de minha cintura,
não me dando muita chance para fugir dali. Não que eu quisesse fugir,
claro... Muito pelo contrário. A verdade é que já não aguentava mais
de excitação também. E ainda sim, quando a penetrei, fui devagar,
querendo aproveitar ao máximo daquele corpo quente me envolvendo.
Ouvi Laura gemer mais e se agarrar com mais força a mim, quando já
estava completamente dentro dela.
A sensação era perfeita.
Busquei pelos lábios de Laura mais uma vez, beijando-a e logo
fui me movendo, num ritmo cadenciado, mas devagar. Ela ainda
parecia um pouco tensa, mas relaxou à medida que eu a tocava, que
descobria mais como ela gostava de fazer sexo. Logo Laura estava
rebolando contra o meu pau, acelerando o ritmo.
Não tinha mesmo como me controlar.
Eu a agarrei pela cintura, intensificando o nosso ritmo,
arrancando mais de seus gemidos de prazer. Agora Laura parecia
completamente entregue, chamando meu nome e com os olhos
transbordando de desejo.
— Caralho, Laura... Tão quente dentro de você. Tão gostosa... —
eu mais gemi do que falei, junto a sua orelha.
E se Laura estava perdida em seu prazer, eu não estava muito
diferente disso. Não me lembrava de algum dia já ter sentido tanto
prazer com uma mulher, de ter sentido tanto desejo. E eu também
nunca quis tanto satisfazer alguém.
Provavelmente porque eu me importava mesmo com ela.
No meio de uma foda incrível, eu olhava para o rosto daquela
mulher e pensava em como a queria. E não só naquela noite, como em
muitas outras. Não queria que nenhum outro homem visse sua
expressão de prazer e sentisse seu corpo.
E quando Laura chegou ao orgasmo, eu acabei gozando também,
junto com ela.
Meu coração batia muito rápido na hora e eu sabia que isso não
era apenas por conta do sexo. Deitei no sofá e puxei Laura para ficar
sobre meu peito, abraçando-a enquanto ainda nos recuperamos da
sensação do orgasmo.
Eu notei bem quando ela olhou para mim e sorriu satisfeita. E eu
sorri de volta.
Eu havia mesmo me apaixonado por aquela mulher.
CAPÍTULO 14

Laura

Eu havia transado com Samuel Vidal! E não só "transado". Havia


sido a minha primeira vez ainda por cima. Sei que tinha um monte de
coisas para pensar e me preocupar a respeito disso, mas olhando para
ele agora, eu só conseguia sorrir feliz. Porque havia sido perfeito,
sabe?!
O dia todo havia sido perfeito. E pensando bem, desde que eu
havia ido para a casa dele, as coisas vinham melhorando
consideravelmente e tudo graças a ele. Então... Parecia mesmo difícil
não me apaixonar por Samuel daquele jeito.
Ele ainda me beijou lentamente, de um jeito carinhoso e eu o
abracei pelo pescoço, querendo que aquele momento durasse para
sempre.
— Tudo bem? — ele perguntou com os lábios ainda próximos
aos meus, em um misto de carinho e preocupação que chegava a fazer
meu coração bater mais rápido.
É realmente impossível não me apaixonar por ele.
— Sim, só... Mais que nunca precisamos de um banho.
Urgentemente!
Samuel deu risada, levantou-se do sofá e estendeu a mão para me
ajudar a levantar também. Só que assim que eu levantei, vi a expressão
assustada que ele fez. Fiquei sem entender nada, até olhar na mesma
direção que ele.
Levando em conta que o sofá-cama era branco, ficava bastante
evidente a mancha de sangue ali.
— Laura...
— Não se preocupe, eu limpo isso depois.
— Não é esse o ponto!
Eu não sabia bem o que dizer.
— Você é virgem?! — ele pareceu mesmo chocado.
— O termo correto agora é "era", levando em conta o que
aconteceu.
E dito isso, comecei a ir para o banheiro. Já estava ficando
envergonhada demais para continuar parada ali encarando o sofá sujo.
E claro que Samuel veio atrás de mim.
— E por que raios você não me contou isso antes? Quer dizer...
Foi sua primeira vez.
Eu parei junto à porta do quarto e respirei fundo. Ter aquela
conversa enquanto estávamos pelados ainda era estranho, até porque
era difícil não me distrair com o corpo perfeito de Samuel
completamente exposto na minha frente.
— Olha, eu não queria fazer um grande alarde sobre isso, ok?
Ser virgem aos vinte e três anos não foi bem uma escolha, foi mais...
Uma consequência da vida. Não é como se eu estivesse esperando o
grande amor da minha vida. Só que eu também confio em você,
então...
E Samuel pareceu ainda mais surpreso me encarando e quase me
perguntei se tinha sangue no meu rosto também ou sei lá o que.
— Você... Confia em mim?
Era essa a questão?!
— Samuel... Claro que eu confio em você. Como poderia não
confiar? — me aproximei dele, o encarando. — Sei que foi uma
completa loucura minha vir com a Clarice para cá, sendo que nem
mesmo te conhecia na época, mas no fim das contas foi mesmo a
melhor coisa que eu poderia ter feito. Acabei tendo sorte em te
encontrar, Samuel. Então eu diria que a questão do sexo em si foi o de
menos.
Samuel pareceu refletir um pouco e por fim me abraçou. E eu me
sentia completamente acolhida e protegida estando assim em seus
braços. Apoiei a cabeça no ombro dele, sentindo o lento deslizar de
suas mãos em minhas costas.
— Acho que no fim das contas, eu que acabei tendo sorte com
vocês vindo para cá.
Agora eu que fiquei surpresa com a fala dele.
— Mesmo com toda a bagunça que fazemos?
Samuel riu e me beijou.
— Eu vou acabar sentindo falta da bagunça quando vocês se
mudarem.
— Nós sempre podemos vir visitar, não é? Eu sei que você não
vai aguentar ficar longe da Clarice mesmo. Ou de mim.
O jeito que Samuel ria agora era tão bonito e espontâneo. Nos
primeiros dias em que o conheci, jamais o imaginaria daquele jeito.
Antes ele parecia só um cara mal humorado e ficava bravo com
qualquer coisa, mas agora havia mudado completamente. Ele havia
passado mesmo a ser atencioso e divertido e eu adorava aquilo.
E devo dizer que as mudanças dele nos dias que se seguiram
foram maiores ainda.
Mesmo não sabendo dizer exatamente o que estava acontecendo
entre Samuel e eu, devo dizer que era maravilhoso. Aproveitávamos
qualquer oportunidade para nos beijarmos. E também... Para fazer
coisas a mais.
Eu ainda tinha muita coisa para fazer, entre cuidar da restauração
da casa, fazer meus trabalhos freelance e dar atenção a Clarice. Mas
Samuel também fazia o possível para ajudar, fosse saindo mais cedo
do trabalho com frequência e providenciando tudo que fosse preciso
para arrumarmos a casa. Foi realmente uma semana intensa, mas
ótima. Era como se todos os meus problemas tivessem desaparecido.
Mas obviamente ainda existiam muitos problemas esperando
para me atormentar. E eu tive plena consciência disso no sábado de
manhã. Era para ter sido algo simples. Eu só queria ir à padaria
comprar coisas para o café da manhã, mas o meu cartão não passou,
deu como invalido.
Voltei para o apartamento correndo, já sendo tomada por um mau
pressentimento. Liguei para o banco e ouvi as piores notícias possíveis
ali. Agora eu só queria chorar. Eu estava irritada e desesperada de
novo.
— Laura? Aconteceu alguma coisa? — Samuel saiu do quarto,
ainda sonolento e usando só a calça do pijama, como de costume.
Eu não sabia o que dizer. Não queria ter que explicar aquilo para
ele. Foi então que para minha sorte — ou azar — a campainha tocou.
Samuel até fez menção de ignorar, mas eu indiquei para ele atender. Eu
nem sequer olhei para a porta, mas pude escutar a voz de Diana dali.
— Samuel, está tudo bem com a Laura? — ela perguntou. — Ela
deixou isso para trás na padaria. Eu até a chameiela na hora, mas ela
não me escutou. Então...
Samuel pareceu pegar as sacolas com ela, e eu podia
praticamente sentir ele me olhando. Ótimo, agora eu teria que explicar
coisas para a vizinha também.
— Está tudo bem. E obrigado. Depois falo para ela passar lá e te
dar um oi.
E com isso Samuel fechou a porta. Normalmente eu até diria que
isso não era um modo muito educado de tratar alguém que tinha
acabado de fazer um favor, além de ter pagado minhas compras, só que
eu não estava muito em condições de dizer nada.
Samuel deixou as compras em cima da mesa e veio sentar ao
meu lado no sofá. Ele respirou fundo e segurou em uma das minhas
mãos.
— Será que dessa vez você vai me explicar o que está
acontecendo?
— Eu não...
— Não foi você que disse que confiava em mim? — ele disse e
segurou minha mão firmemente, entrelaçando os dedos.
Aquilo era mesmo golpe baixo. Acabei me encostando mais a
Samuel, pensando em por onde começar a explicar minha trágica
história.
— Eu confio, Samuel. É só que é tanta coisa... E você já me
ajudou tanto que não queria jogar mais problemas em cima de você.
— Agora é um pouco tarde para isso. Até porque eu quero poder
te ajudar, Laura. Parece que você está sempre levando o mundo nas
costas, fazendo mil coisas ao mesmo tempo. E provavelmente eu nem
posso resolver todos os seus problemas, mas quero ao menos poder
dividir o peso disso tudo com você.
— Samuel...
E ele segurou meu rosto com as duas mãos, para que eu o
encarasse.
— Antes eu não queria mesmo ninguém em minha vida, Laura.
Mas já que você fez com que eu me apaixonasse por você, então me
deixe fazer parte da sua vida também.
Pude sentir lágrimas se acumulando em meus olhos naquela
hora. Se antes eu estava mal, agora eu sentia uma estranha e enorme
felicidade tomando conta de mim. Eu tinha a certeza de que não estava
mais sozinha. Eu tinha Samuel, e podia mesmo confiar nele.
Eu podia mesmo amar aquele homem.
CAPÍTULO 15

SAMUEL

Ainda levou um instante para que Laura conseguisse se organizar


para me contar sua história, e devo dizer que não era mesmo algo que
eu esperasse. Quer dizer... Eu sabia que ela tinha problemas, mas até
então não tinha ideia da dimensão deles.
— Então... Hoje de manhã quando fui à padaria, descobri que
meu cartão tinha sido bloqueado. Liguei para o banco e descobri que
toda a minha conta foi bloqueada, na verdade. E pelos meus tios. Em
tese eles nem sabiam da existência dessa conta, mas eles descobriram
de alguma forma e bloquearam meu acesso.
— E como raios eles puderam fazer isso? Quer dizer... Você é
adulta!
— Lembra que eu falei que eu tinha sido interditada por eles?
Legalmente eles administram todo meu dinheiro e meus bens. Tudo o
que minha mãe me deixou. Eles deram um jeito de tomar tudo o que
era dela e depois resolveram tomar tudo que é meu também.
Certo, eu fiquei bastante confuso com aquilo. Eu não era
advogado e meus conhecimentos de lei eram básicos, então não tinha
mesmo ideia do que aquilo tudo significava.
— Para começar, a Alice e eu somos meio-irmãs na verdade. A
mãe dela faleceu quando ela era bebê ainda, o pai dela se casou de
novo e só então eu nasci. Minha mãe sempre cuidou bem dela, a
considerava como filha mesmo. Só que legalmente, eu era a única
herdeira, por isso que quando perdemos nossos pais, meus tios nunca
se importaram com a Alice, mas queriam me controlar. Para garantir
que ficariam com tudo.
Era muita informação para processar, e eu podia imaginar o quão
difícil era para a Laura falar sobre aquilo.
— Seus pais morreram em um acidente? Tipo... Os da Clari? —
perguntei e ela fez que não.
— Não exatamente. Meu pai faleceu em um acidente de
helicóptero, e isso deixou minha mãe arrasada. Ela ficou muito mal e...
— Laura fez uma pausa e respirou fundo. — Ela passou a tomar um
monte de remédios controlados e não estava sendo exatamente
racional. Foi aí que meus tios viram a chance de assumirem o controle
dos bens dela. Eles pegaram praticamente tudo com a desculpa de que
estavam administrando e cuidando de nós. Eles vieram morar na nossa
casa, que era enorme, mas agiam como se nós praticamente não
existíssemos ali. Só que depois de um tempo minha mãe começou a
melhorar, a querer assumir o controle da própria vida. Alice e eu
chegamos a achar que tudo ficaria bem, sabe?
E a expressão de Laura foi tão triste naquele momento, que eu a
abracei com força. Já estava arrependido de ter pedido que ela contasse
aquelas coisas, mas ao mesmo tempo eu queria que ela realmente
confiasse em mim e compartilhasse aquelas coisas. Eu queria estar ao
lado dela e cuidar dela!
— E o que aconteceu?
— Uma noite houve uma discussão. Minha mãe disse que íamos
embora, que iríamos mudar de cidade e seguir em frente, mas no dia
seguinte nós a encontramos morta. O laudo médico foi de suicídio por
overdose de remédios.
Eu fiquei completamente chocado. Aquilo não parecia fazer o
menor sentido. Como alguém se recuperando poderia tirar a própria
vida assim?! E deixando as duas filhas para trás, ainda por cima! A
não ser que...
— Laura... Você não acha que... — eu não completei a frase.
— Sinceramente, eu não duvido de nada. Afonso pode ter sido
irmão da minha mãe, mas ele sempre invejou as coisas que ela
construiu com o próprio trabalho, e a esposa dele, Magda, era o pior
tipo de pessoa que já vi. Só que Alice e eu não tínhamos provas, e o
histórico de depressão da minha mãe não ajudava. Na época eu tinha
quatorze anos e a Alice tinha dezesseis. Então nossa ideia era que
quando ela fizesse dezoito anos, ela iria poder ser minha responsável
legal e com isso nossos problemas estariam resolvidos.
— Mas levando em conta como as coisas estão hoje, suponho
que isso não deu certo, não é?
— Eu sei que isso pode parecer completamente surreal, coisa de
filme, mas eles realmente armaram contra mim. Na frente dos outros,
eles se faziam de tios preocupados, diziam que éramos adolescentes
problemáticas, inventavam mil histórias. E logo que Alice completou
dezoito anos, eles deram um jeito de me drogar. Eu quase morri, na
verdade, fui levada para um hospital e eles colocaram a culpa na minha
irmã. Alice quase foi presa e eles só a deixaram em paz quando
concordei em ficar com eles e deixar que eles fossem meus tutores
legais em vez dela.
— Laura, isso tudo é um absurdo! Como as coisas puderam
chegar nesse nível? Não havia ninguém que pudesse ajudar vocês?
Ela deu de ombros.
— Ninguém dá muita atenção ao que adolescentes dizem, ainda
mais se tiver um tio advogado convencendo todo mundo que elas têm
um "histórico difícil". Nós não tínhamos outros parentes próximos, ou
pelo menos ninguém que estivesse disposto a comprar essa briga e nos
defender. Éramos nós duas contra o mundo, entende? Não tínhamos
ninguém em quem pudéssemos confiar.
Senti meu peito apertar naquela hora. Laura havia passado por
coisas muito mais difíceis do que eu poderia ter imaginado. Desde que
a conheci, eu a via sendo forte e determinada, lidando com o luto
sozinho e seguindo em frente. Eu não tinha dúvidas da força dela, mas
agora tudo o que eu queria era abraçá-la e protegê-la de tudo.
Eu havia acabado ficando sozinho, sem minha família, mas eu já
era adulto, sabia me virar bem! Nunca houve ninguém tentando me
sabotar daquela forma. Para mim parecia uma completa insanidade que
duas jovens ficassem à mercê de pessoas tão ruins. Só que o mundo
está cheio de pessoas ruins, e infelizmente nem todo mundo tem o
apoio que precisa. E era isso que eu queria ser para Laura: todo o apoio
do mundo que ela precisasse para ficar bem.
— Mas agora você sabe que tem a mim, não é? Você não está
sozinha, Laura. Você realmente pode confiar em mim.
E o modo como os olhos de Laura encheram de lágrimas naquela
hora me deram a certeza de que minhas palavras haviam tido um
grande efeito sobre ela. E mesmo em meio às lágrimas, ela sorriu para
mim e eu tive a certeza de que seria capaz de fazer qualquer coisa por
ela.
Eu estava mesmo apaixonado por aquela mulher. Eu a amava.
CAPÍTULO 16

LAURA

Sei que eu estava me sentindo perdida e sem esperanças no início


daquela manhã, mas bastou Samuel ao meu lado para que de repente
tudo parecesse melhor. Seus carinhos e beijos me fizeram esquecer dos
problemas. Estar em seus braços me dava a certeza de que eu nunca
mais ficaria sozinha.
E não era errado isso, não é? Querer que alguém cuidasse de
mim e me ajudasse. Eu já havia passado por tantas coisas sozinha, já
havia suportado tantos problemas... Era como se finalmente a vida me
recompensasse com o melhor dos presentes naquele momento.
— Depois vamos falar com o Joel e resolver essas questões dos
seus tios, mas você não tem mais que se preocupar com isso, ok? Você
está segura comigo. Você e a Clarice.
Eu só consegui pensar em beijar Samuel em resposta a aquilo.
E claro que não ficamos só nos beijos. Era realmente difícil
controlar todo o desejo que sentia por ele quando tinha suas mãos em
meu corpo me provocando. Não demorou muito para que nossas
roupas fossem parar no chão e, mais uma vez, estávamos fazendo amor
ali.
Devo dizer que mesmo que eu não tivesse experiências
anteriores, tinha uma boa noção de como Samuel era incrível na cama.
Ele não só era atencioso, como sempre fazia questão de me levar ao
limite do prazer. Eu precisava me esforçar para não gemer muito alto.
E no fim estávamos os dois entregues, nos braços um do outro,
completamente satisfeitos.
E claro que havia muito mais coisas que me faziam ficar feliz ali.
Mesmo que tudo tivesse começado um caos, agora já tínhamos uma
rotina, coisas típicas de uma família de verdade. E obviamente Clarice
acabava sendo o centro de tudo aquilo.
Era incrível observar o desenvolvimento dela e notar que a cada
dia ela aprendia uma palavra nova ou um novo jeito de se expressar. E
depois que Teresa havia dado um livro de contos para ela, a nova
paixão da minha sobrinha eram as histórias de princesas, e Samuel
adorava ficar lendo para ela.
— Tio Sam parece o príncipe! — Clarice disse apontando para a
ilustração do livro. — E Titia é princesa!
— Ah, sua tia parece mesmo uma princesa — Samuel disse
sorrindo para mim. — E você, coelhinha? Quer ser quem na história?
Clarice pareceu pensar um pouco.
— Eu sou o neném! Neném do príncipe e da princesa!
Aquilo realmente me pegou de surpresa. Olhei de Clarice para
Samuel e ele também não parecia saber bem o que dizer. No livrinho
tinha apenas uma ilustração de bebê no final, que era do príncipe e da
princesa com o filho, na parte do "e viveram felizes para sempre".
— Claro que você é nosso neném, Clari — Samuel disse
abraçando Clarice.
E de fato ela era. Eu tinha visto a Clarice nascer e crescer, eu
tinha cuidado dela e me dedicado integralmente nos últimos tempos.
Eu a amava mesmo como se fosse meu neném, minha filha. E vendo o
jeito que Samuel brincava com ela agora, eu podia ter certeza de que
ele se sentia da mesma maneira.
Eu sentia meu peito se agitar só de pensar em nós três como uma
família. Samuel já havia dito várias vezes antes que não queria uma
família, que não queria ter filhos. Mas a cada dia eu o viaele mudando
tanto por nós...
— Acho que devíamos comprar mais livrinhos para a Clari. É
bom para as crianças ficarem lendo assim com elas — Samuel
comentou casualmente, me tirando dos meus pensamentos.
— Parece que você já está virando um especialista em bebês,
em! O Samuel do passado ficaria assustado te vendo assim hoje.
E Samuel riu.
— Talvez o Samuel do passado estivesse equivocado em muitas
coisas. Ele queria que vocês fossem embora, por exemplo. O Samuel
do presente já está sofrendo só de pensar em ficar longe de vocês.
Eu acabei sorrindo e sentei mais perto dele do sofá.
— Bem, eu diria que não precisamos ir embora, mas eu acho a
ideia de uma casa mais legal que um apartamento, sabe?! Então não
seria uma má ideia se você viesse com a gente. A casa é sua mesmo...
Por um instante Samuel pareceu meio surpreso com aquilo. Não
sei se porque ele não havia pensado naquela possibilidade ou se era
porque ele tinha achado minha ideia absurda. Quer dizer... Nós
estávamos juntos há pouquíssimo tempo. Nem tinha tanto tempo assim
que nos conhecíamos também. Claro que tinha o fato de que já
estávamos morando juntos... E tínhamos um bebê! Nada havia
acontecido de modo tradicional entre nós, então... Não me parecia tão
estranho assim ele se mudar com a gente.
— Ia ser ruim para a Clarice dormir sem eu estar junto para ler
para ela, não é? E também... Alguém precisa estar por perto para
cuidar de você e da sua bagunça.
Aquilo era um sim?!
Eu fiquei tão feliz na hora que acabei pulando em cima de
Samuel e o beijando na hora! Nós íamos continuar morando juntos e
isso me parecia a melhor notícia do mundo. E eu só o soltei quando
ouvi o risinho de Clarice.
— Titio e Titia tão namorando! Igual um papai e uma mamãe.
Era normal ficar constrangida por conta do que uma criança de
menos de dois anos falava?!
Só que mais uma vez Samuel riu com naturalidade.
— É, Clari. Um papai, uma mamãe e um bebê! — ele disse
apontando para cada um de nós.
E aquilo pareceu deixar Clarice super feliz. Ela correu para nos
abraçar também, parecendo entender que éramos mesmo uma família
completa.
CAPÍTULO 17

Samuel

Eu estava mesmo descobrindo um novo tipo de felicidade que


nunca tinha imaginado: a de construir uma boa família.
Eu já havia feito muitas coisas na vida, já tinha criado uma mega
empresa de sucesso, havia ganhado muito dinheiro, viajado pelo
mundo e conquistado o respeito e admiração de várias pessoas. Só que
nada daquilo me deixava tão feliz quando voltar para casa e encontrar
Clarice e Laura ali me esperando.
Então podia parecer um pouco de loucura, mas eu havia mesmo
decidido me mudar para minha antiga casa com elas.
Assim que tudo estava pronto ali, fizemos as malas e nos
mudamos. Então agora Clarice tinha um lindo quartinho que era a cara
dela, um dos quartos foi transformado em escritório, e claro que Laura
e eu ficávamos juntos na suíte. E na nossa primeira noite ali, Laura
quis dar um jantar para comemorar e convidamos Tereza, Joel e até
mesmo minha antiga vizinha, Diana. De alguma forma Laura e ela
tinham ficado amigas, o que eu achava muito conveniente para
qualquer possível futuro problema de saúde de Clarice.
— Ora, ora... Quem diria que você acabaria se casando primeiro
do que eu — Joel disse quando chegou lá, nos cumprimentando.
— Calma, não é um casamento ainda. Só estamos morando
juntos.
— "Ainda" — ele ressaltou rindo. — Mas sério, achei que depois
da Helena, você...
— Joel! Realmente precisa falar disso? — eu o interrompi. Não
queria mesmo falar naquele assunto, ainda mais com Laura por perto.
— Eu meio que nunca contei sobre isso para a Laura direito. Ou sobre
qualquer mulher do meu passado.
— Hnnn... — Joel fez uma cara de culpado, enquanto dava um
grande gole em seu vinho.
— Joel...?
— Não, nada. Eu não vou contar mais nada para a Laura.
— "Mais nada"?! — e eu olhei de Joel para Laura que
conversava com Diana em um canto. — O que raios você andou
falando para ela? O que raios ela está pensando de mim agora?!
E Joel acabou rindo.
— Ei, calma. Eu não saí dando detalhes do seu passado sórdido
com mil mulheres por aí. Eu acho que te ajudei, na verdade — ele
falou isso com certo orgulho até. — Parece que a Laura gostava
bastante do seu irmão e tinha uma boa imagem dele. Aí ela não
entendia porque vocês tinham parado de se falar. Então... Eu acabei
contando para ela sobre a sua ex. Eventualmente ela acabou fazendo
algumas perguntas depois, quando saímos para ver umas coisas. Acho
que ela ficou curiosa, sei lá.
Eu respirei fundo. Imagino que aquele tipo de curiosidade fosse
normal. Mas se Laura tivesse um ex-noivo, não acho que iria querer
saber nada do cara. Na verdade acho que ficava bastante aliviado em
pensar que não tinha nenhum homem significativo no passado dela.
Podia ser um pensamento possessivo e egoísta, mas acho que era assim
mesmo que me sentia em relação a ela. Eu a queria por completo,
queria que fosse sempre minha. E de certo modo isso também me fazia
ver como havia perdido tempo da minha vida com mulheres
irrelevantes. Mas nada disso importava agora.
Aquela nova vida com Laura e Clarice era mesmo um recomeço
para mim, um recomeço realmente feliz.
Mas claro que ainda tinha algumas coisas sérias a lidarmos.
— Então, alguma novidade no caso da Laura?
E Joel não pareceu muito animado quando eu toquei naquele
assunto.
— Rapaz... O caso não é exatamente fácil. E todo o processo foi
movido em outra cidade e se tem uma coisa que eu detesto em cidades
pequenas é a facilidade em se manipular as coisas.
— Como assim?
— Eu entrei com o pedido de revisão do caso da Laura, mas
parece que nada andou ainda. Tentei contato com o médico que fez os
laudos alegando que ela era viciada em drogas e tal e nada. Fui
pesquisar sobre ele e parece que o registro dele como médico foi
cassado recentemente por fraudes e mais um monte de coisas. Mas ele
parece que está numa boa, curtindo a vida.
— Você foi mesmo investigar a vida do cara?
— Claro! Ninguém manda postar tudo no instagram — Joel
disse enquanto pegava o celular para mostrar o perfil do tal médico. —
E aí só precisei olhar um pouco para achar fotos dele com esse casal de
amigos aqui. Afonso e Magda. Os tios de Laura.
E não que por um momento eu tenha duvidado da versão de
Laura daquela história toda, mas parecia cada vez mais claro o tipo de
armação que os tios dela haviam feito. Se eles ainda tivessem a fortuna
que a mãe de Laura havia deixado para ela, não seria difícil pagar um
médico conhecido para dar um laudo falso.
— E aí tem a segunda coisa que descobri, mas não chega a ser
exatamente um problema para a gente. Ao menos não por hora.
— O que?
— Parece que logo depois que a Alice e o Diego morreram, os
tios da Laura entraram com um pedido de custódia da Clarice. Isso no
mesmo dia do enterro. Esses dois não perdem o mesmo tempo. Mas
para a sorte da Clari, a guarda dela tinha sido automaticamente passada
para você.
E bem naquele momento, tendo escutado seu nome, Clarice veio
correndo até mim, pedindo atenção. Eu ainda queria conversar com
Joel e entender melhor aquela situação, mas deixaria isso para outro
momento. Talvez fosse mesmo melhor aproveitar a noite, afinal,
tínhamos mesmo que comemorar.
Eu havia dito para Joel que aquilo não era um casamento, até
porque parte de mim ainda tinha certa resistência à ideia de
"casamento", mas levando em conta a minha nova rotina... Eu não
poderia estar mais feliz com aquela vida em família.
Talvez logo chegasse a hora de pedir a Laura em casamento
oficialmente.
CAPÍTULO 18

LAURA

O processo de restaurar e decorar uma casa era algo bom e até


divertido, mas a sensação de estar construindo um lar era infinitamente
melhor. E eu realmente não lembro qual havia sido a última vez que eu
havia sentido aquilo, de acordar e estar feliz de estar "no meu lugar",
com as pessoas que amo e me sentindo segura.
E tudo graças a Samuel.
Quando perdi minha irmã, eu havia mesmo pensado que nunca
mais sentiria que tinha uma família, e nem sequer conseguia me
imaginar sendo feliz, mas agora eu estava constantemente sorrindo e
animada com a vida!
E claro que Clarice estava voltando a ficar feliz também. Acho
que algumas pessoas podem subestimar como crianças pequenas são
perceptivas, mas elas são. E Clarice sempre havia sido tão esperta e
carinhosa... No início ela chorava bastante dizendo que queria os pais,
mas agora ela estava aceitando melhor a situação, embora ainda falasse
que sentia falta deles. E é claro que eu não queria que ela se
esquecesse deles, por isso tive uma ideia.
— Acho que precisamos por umas fotos da Alice e do Diego pela
casa — falei com Samuel depois que tínhamos colocado Clarice para
dormir no quarto dela.
— Oi?!
— É! Eu tenho algumas fotos deles no celular e podemos
imprimir. Na antiga casa da Alice tem algumas fotos de família, mas
não sei se seria uma boa voltar para a cidade ainda, para buscar.
Também tinha umas fotos antigas do Diego aqui que quero organizar
bonitinho e dar de presente para ela, quando ela tiver mais velha. Acho
que é uma boa homenagem também.
— Como se o Diego merecesse homenagens... — era impossível
não notar o tom de rancor na voz do Samuel sempre que ele falava do
irmão.
Eu respirei fundo e sentei ao lado de Samuel na cama.
— Samuel, eu sei que você tinha seus problemas com o seu
irmão, mas isso é pela Clarice. E por mim também. Depois de tudo o
que aconteceu, você podia deixar esse rancor de lado um pouco.
— Olha, se você quiser colocar as fotos dele por aí, tudo bem.
Entendo que isso seja importante para a Clari, mas não é como se eu
pudesse simplesmente esquecer todas as coisas que aconteceram e agir
como se o Diego tivesse sido o melhor irmão do mundo.
— Até onde eu sei, ele era um bom irmão, sim, até ficar com a
sua noiva. E pelo visto ela era mais importante que qualquer coisa para
você, não é...
E naquele momento notei como a expressão de Samuel mudou e
ele quase riu.
— O que foi?
— Então essa é sua questão? — ele disse e chegou mais perto de
mim. — Você está com ciúmes da minha ex-noiva?
Eu fiquei perplexa quando ouvi aquilo. Claro que esse não era o
meu ponto! A coisa mais importante ali era a Clarice e os problemas
não resolvidos entre Samuel e o irmão. Se eu ficava incomodada com
o fato dele ter tido uma noiva antes? Bem... Um pouco. Ou "um pouco
demais" quando eu pensava que ele havia mesmo rompido relações
com o irmão por conta daquela mulher. Duvidava mesmo que eu fosse
tão importante assim na vida dele... Nós nem sequer havíamos definido
direito o que estava acontecendo entre nós. Ele nem sequer havia dito
se me amava ou não...
Bem, era verdade que eu também não havia dito ainda que o
amava, ao menos não com "palavras", mas eu também não conseguia
encontrar o momento ideal.
— Samuel, você está mudando de assunto! Eu não ligo para a
sua ex-noiva. O meu ponto é o Diego! Você nem ao menos percebe o
quanto toda essa mágoa faz mal a você mesmo! O Diego sempre
falava do quanto gostava de você e sentia sua falta, e você nem sequer
foi se despedir dele no enterro!
— Eu perdi o voo — ele disse de repente, me surpreendendo.
— O que?
— Eu perdi o voo para o enterro — ele disse em um tom
simplório, mas sério. — Aparentemente é proibido viajar de avião
bêbado e eu não tinha ideia disso. Então... Eu tinha bebido um monte
logo que soube da morte do meu irmão. Eu cheguei a comprar as
passagens e ir para o aeroporto com o Joel, mas não me deixaram
embarcar no estado em que estava. O que faz muito sentido, porque eu
acabei passando muito mal logo depois e tiveram que me levar para o
hospital. Então... Ainda foi minha culpa, eu não estive lá, mas por um
instante idiota eu pensei mesmo em ir me despedir do meu irmão.
Mesmo ainda morrendo de raiva dele.
E das mil coisas que vieram à minha mente ao mesmo tempo, a
primeira que se fixou ali foi raiva de Joel por ele não ter me falado
aquilo antes! Ele estava sempre tagarelando e falando de mil coisas e
não tinha me contado algo tão importante assim. Mas, mais uma vez,
aquilo não deveria ser o foco.
Eu via claramente nos olhos de Samuel que aquela história era
verdade. E via o quanto tudo aquilo o machucava também. Era como
as tantas coisas do passado que o feriam e ainda sim ele tentava
esconder ou agir como se não fosse nada demais. Só que eu não queria
isso... Não queria que ele ficasse negligenciando o que sentia e
tentando parecer forte quando tinham coisas que o afetavam assim.
Então eu o abracei.
Antes de falar qualquer coisa, passei os braços em torno do
pescoço de Samuel e o trouxe para mais perto de mim. Ficamos uns
instantes em silêncio assim até eu sentir ele relaxar um pouco mais nos
meus braços.
— Isso tudo já passou, Laura. Não importa mais.
— Claro que importa! Tudo o que você sente importa para mim,
Samuel. Sei que não tem como voltarmos no tempo e arrumar as
coisas, mas você pode me contar como realmente se sente. E se você
quiser, ainda pode se despedir do seu irmão. Eu vou com você.
E por mais alguns segundos, Samuel ficou em silêncio, mas
ainda em meus braços. Em certo ponto ele me abraçou com mais força
e então me beijou com carinho.
— Você realmente adora se meter na minha vida e ficar
bagunçando tudo, não é?
— Já disse que é meu talento especial. Mas eu posso te ajudar a
arrumar tudo também.
Samuel sorriu sutilmente enquanto me olhava nos olhos. Algo
tão singelo, mas que fazia meu coração bater mais rápido.
— Tudo bem — ele disse. — Ainda temos coisas a resolver por
aqui, mas... Depois pensamos nisso. De visitar o túmulo do Diego e
tal. Não é como se a Helena ainda importasse na minha vida, ainda
mais agora que tenho você.
E dessa vez eu acabei sorrindo. Iria dar um tempo e então
começaria a planejar a viagem para que Samuel pudesse finalmente se
despedir do irmão. E naquele momento também fiz uma nota mental
para perguntar a Joel sobre aquela Helena. Se ela havia bagunçado
tanto a vida do Samuel, talvez pudesse ajudar a resolver também.
CAPÍTULO 19

SAMUEL

Eu havia me acostumado a minha nova rotina com Laura e


Clarice muito mais rápido do que havia imaginado. Se antes havia
resistido a tê-las na minha vida, agora eu não conseguia mais me
imaginar sem elas. Tanto que quando dei por mim, já estava colocando
uma foto de nós três juntos na mesa do meu escritório.
— Pelo visto a coisa está mesmo séria, em?! — Joel disse
quando entrou na minha sala e viu aquilo.
— Acho que nem dá para negar, levando em conta que estamos
morando juntos. Eu acabei ficando casado e com filhos antes de você.
Quem diria... — eu acabei rindo ao pensar nisso.
Claro que "filhos" ainda era uma ideia que eu estava me
adaptando. Mas começava a imaginar se algum dia Clarice deixaria de
me chamar de "titio" para chamar de "papai".
— Mas calma que já, já eu te alcanço. Inclusive... — Joel
colocou uma caixa na minha frente. — Seu convite especial de
padrinho.
E a princípio eu não entendi direito até desfazer a fita azul
marinho que enfeitava a caixa e ver seu conteúdo. Duas coisas
importantes nisso é que um) obviamente eu sabia que seria o padrinho
do casamento do Joel! Éramos melhores amigos há séculos. Só que
dois) eu não entendia nada dessas coisas de casamento, tradições e sei
lá o que, mas acabei ficando um pouquinho emocionado quando vi a
carta ali perguntando se eu aceitava ser padrinho daquela união, junto
com uma gravata e uma garrafa de whisky de presente.
— Uau... — eu não sabia bem como responder.
— Bom, eu tenho outra caixa aqui para a Clarice. Nem na minha
família e nem da Thaís tem crianças pequenas, então achamos que
seria muito fofo a Clarice como daminha de honra levando as alianças.
O casamento só vai ser daqui a seis meses, então dá tempo de vocês se
organizarem para isso. Se vocês aceitarem, claro.
— "Se"?! É claro que aceitamos! — eu disse e tratei de abraçar o
meu melhor amigo.
Claro que depois daquilo tive que ficar ouvindo ele falar dos
preparativos do casamento por um bom tempo e... Isso me fazia
pensar. Será que Laura gostaria de algo assim? De um casamento
formal, entrar de branco na igreja. Sem dúvida ela seria a noiva mais
bonita do mundo...
◆◆◆

E aquele poderia ter sido mais um dia normal e tranquilo de


minha nova vida, se não fosse por uma visita que recebi no final da
tarde. Normalmente eu apenas ignoraria alguém que aparece no meu
escritório sem hora marcada ou convite, mas daquela vez se tratava de
Afonso e Magda Müller, os tios de Laura.
Claro que eu sabia que isso não podia ser coisa boa, então
chamei Joel para minha sala e só então autorizei a entrada daqueles
dois.
E devo dizer que mesmo não sendo a pessoa mais sociável do
mundo, eu conseguia ler bem as pessoas.
Era fácil dizer quando alguém vinha perfeitamente ensaiado e
com tudo pronto para executar um plano. E aquele casal tinha tido até
o cuidado de combinar as roupas que estavam usando. Magda, que
tinha uns 50 anos, estava com um vestido simples e reto azul marinho,
da mesma cor do terno do marido, Afonso, que parecia ser uns dez
anos mais velho que ela. Eles não estavam vestidos para uma conversa
amigável, e sim como quem vinha tratar de negócios.
Porque Laura e Clarice eram exatamente isso para eles. Um
negócio, um investimento muito lucrativo de longo prazo.
— Senhor Vidal, é um prazer conhecê-lo. Mesmo que a situação
seja um tanto quanto delicada — Afonso disse me cumprimentando.
— Eu realmente não estava esperando essa visita, mas
aproveitando que meu advogado está aqui, podemos resolver o que
quer que seja — falei tentando manter o tom mais sério e educado
possível, levando em conta o nojo que eu já sentia daquele homem.
E Afonso pareceu surpreso por um instante, vendo que não era o
único que estava preparado para aquela conversa, mas ainda sim ele
manteve a pose.
— Muito bem, imagino mesmo que o senhor seja o tipo de
homem ocupado, que não tem tempo a perder — ele disse já se
sentando, mesmo que eu não os tivesse convidado a fazer isso. — Sei
que o senhor tem ajudado nos últimos tempos a minha sobrinha que
fugiu de casa e que levou com ela a pequena Clarice. Uma situação
lastimável que imagino que tenha lhe causado diversos contratempos
também.
E Magda, pegou uma pasta em sua bolsa, colocando na mesa.
— O senhor não tem ideia de como essa situação nos preocupou
— Magda já mantinha um tom de voz mais emotivo, quase triste. —
Prometemos a Ângela, minha irmã, que sempre cuidaríamos de suas
filhas, mas a Laura tem sido realmente um caso difícil. Com todo o
histórico dela de vício em drogas e roubo.
— Vício em drogas? — Joel pareceu legitimamente surpreso.
— Sim, pode parecer difícil de acreditar que uma moça tão
jovem e bonita esteja acabando com a própria vida assim, mas como
pode ver pelos exames dela que trouxemos, é um problema já antigo
— Magda abriu a pasta, mostrando uma série de papéis ali. —
Suspeitamos até que tenha algo de genético nisso, já que a mãe dela
também era... Bem... Doente, sabe?
— Eu não tinha ideia disso — eu falei bastante sério, enquanto ia
olhando todos aqueles exames e documentos variados.
Devo dizer que era realmente impressionante a quantidade de
"provas" que aqueles dois tinham providenciado contra Laura. Tinha
desde exames de sangue atestando o uso dos mais diversos tipos de
drogas até laudos de psiquiatras recomendando intervenção e
tratamento contra vício. Fiquei imaginando o quanto aquilo tudo havia
custado.
Laura já havia dito que os tios tinham bastante dinheiro —
dinheiro dela, na verdade, que eles controlavam — e eram muito
influentes na pequena cidade em que moravam. Essas duas coisas
podiam ser terrivelmente perigosas juntas.
— Como pode ver, tivemos reais motivos para ficarmos
preocupados quando a Laura sumiu com o bebê da irmã — Afonso
falou bem sério. — A Alice era muito mais ajuizada que a irmã,
sempre disse que queria que fôssemos como avôs para a Clarice, já que
ela era como uma filha para nós.
— Com certeza ela sabia que não podia contar com a irmã, caso
algo acontecesse com ela e o Diego — Magda completou.
— Imagino então que seja por isso que o Diego deixou a guarda
da Clarice para mim, não é? Ele sabia que eu cuidaria muito bem da
minha sobrinha — eu juntei os papéis de volta na pasta e entreguei
para Joel.
Nesse ponto Magda e Afonso se entreolharam, provavelmente
pensando em como seguir com aquele plano escroto deles. E eu estava
mesmo dividido entre mandá-los a merda ou ver até que ponto eles
iriam mentir.
— Confesso que isso nos deixou muito surpresos — Afonso
disse. — Já que você e seu irmão não se falavam há anos. Até onde me
lembro, o senhor não esteve nem no casamento dele e nem no enterro.
— Não? — agora eu que me fiz de surpreso. — Mas até onde
sei, vocês dois nem sequer foram convidados para o casamento. Ou
acham mesmo que meu irmão e eu ficamos todo esse tempo sem nos
falarmos? Porque, veja bem, eu posso ser um homem muito ocupado,
mas não é como se fosse abandonar minha família e deixá-la
desamparada.
Afonso se remexeu na cadeira e olhou para a esposa mais
seriamente.
— Imagino, mas... A Laura não é da sua família. Ela é um perigo
para si mesma e sem dúvida um perigo para a Clarice. Imagino o que
um juiz iria achar do senhor deixar uma criança pequena exposta a
uma pessoa perigosa e foragida.
— Foragida? — agora Joel riu. — Veja bem, senhor, acha
mesmo que não verifiquei todo o histórico da Laura? Que não vi se ela
tinha antecedentes? Se está querendo chegar ao ponto em que vocês a
interditaram, isso se refere aos bens dela. Não é como se ela tivesse
qualquer restrição de ir e vir ou como se fosse procurada por algum
crime. Mesmo que ela fosse dada como desaparecida, isso é muito
diferente de ser foragida. O senhor é advogado, não é? Deveria saber
disso.
— Ora, seu... — Afonso finalmente pareceu perder um pouco da
compostura.
— De qualquer modo — eu o interrompi — a Laura parece
perfeitamente bem e lúcida em todo esse tempo que esteve aqui.
Inclusive já solicitamos a revisão da custódia dela. O senhor ainda não
recebeu a notificação?
E por um momento, achei que a Magda fosse desmaiar de
nervoso.
— O senhor... Não sabe o que está fazendo! — ela disse alterada.
— Está sendo enganado por uma viciada sem juízo. E colocando sua
sobrinha em risco.
— Isso é o que o juiz vai decidir. Mas um juiz daqui da capital,
claro. Não da sua cidadezinha — Joel abriu um enorme sorriso,
sentindo-se vitorioso com a expressão de consternação do casal.
— Bom... Já que é assim que o senhor prefere lidar com a
situação. Nos vemos no tribunal.
E com isso Afonso segurou a esposa pelo braço e saiu com ela
dali.
E naquele momento, eu até respirei aliviado, mesmo sabendo que
aquele não era o fim do problema. Provavelmente era o início de algo
pior. Eu podia sentir um mau pressentimento naquele momento, até
pensei em ignorar por um momento, mas acabei pegando meu celular e
mandando mensagem para Laura, para contar o que havia acontecido.
Só que ela não me respondeu.
Aquilo podia não ser nada demais, mas também podia ser tudo.
Tentei ligar para ela, uma, duas, três vezes e nada dela atender.
Não era possível que Afonso e Magda tivessem feito algo contra
ela tão rápido assim! Eu não sabia a resposta, mas não podia ficar ali
esperando. Então deixei todo o meu trabalho de lado e fui correndo
para casa.
Eu precisava mesmo estar ao lado das pessoas que amava.
Só que, para meu desespero, elas também não estavam em casa.
Não que fosse incomum Laura sair para fazer qualquer coisa na
rua, fosse passear com Clarice ou até ir ver algum cliente, agora que
ela estava conseguindo mais trabalhos como designer, mas já eram
quase vinte horas e não tinha sinal dela ou de Clarice ali. Eu tentei
ligar para o celular dela e o escutei tocando do jardim. Ela nunca saía
sem o celular…
Um mau pressentimento me invadiu naquele momento e eu não
sabia bem o que fazer.
Mandei mensagem para Joel e para Tereza, mas eles também não
tinham a menor ideia de onde elas estariam. Talvez fosse um pouco
precipitado ir à polícia logo de cara, então peguei o carro e fui procurar
por elas.
Eu sabia de alguns lugares próximos que Laura costumava levar
Clarice para passear ou fazer compras, mas também não tive sorte com
aquilo. Como última esperança, fui até o meu apartamento, já que
Laura tinha a chave dali, mas o porteiro disse que elas não estiveram
por ali.
Eu já estava indo até a delegacia mais próxima quando recebi
uma ligação.
Era do hospital.
CAPÍTULO 20

Laura

Se você já cuidou por muito tempo de uma criança pequena deve


saber como basta um pequeno deslize, um segundo de desatenção e
uma grande merda pode acontecer. É o tipo de coisa que ninguém está
imune que aconteça e em teoria eu sabia disso, mas naquele momento
eu estava me sentindo à pior pessoa do mundo por ter deixado algo
ruim acontecer com o bebê que eu tanto amo!
Quando nos mudamos para a antiga casa de Samuel, fizemos
uma grande reforma e eu quis cuidar dos detalhes, fazer o máximo
possível por mim mesma e isso incluía cuidar do jardim. Aquilo
também me pareceu uma grande oportunidade de deixar Clarice ter
mais contato com a terra e plantas. Ela adorava ficar colhendo flores
ou folhas bonitinhas, então meu plano era que fizéssemos uma horta
juntas.
Só que enquanto estávamos começando a preparar a terra para
pôr as sementes, o carteiro chamou para entregar uma encomenda. O
portão estava há poucos metros de distância, então não vi problema em
ir até lá pegar a encomenda e assinar o recibo. Não deve ter tirado os
olhos de Clarice nem por um momento, mas foi aí que escutei o choro
dela.
— Clari, o que foi, meu amor? — eu voltei correndo até lá.
E então ela me mostrou o pé com um machucado pequeno.
— O bichinho... — ela disse apontando.
Então eu vi o escorpião ali perto, ainda correndo para se
esconder em uma toca.
Por um segundo, eu me senti paralisada pelo pânico, mas eu não
podia ficar sem fazer nada! Um escorpião comum não causava grande
mal para um adulto, mas Clarice era uma criança muito novinha ainda,
praticamente um bebê.
— Clari, vai ficar tudo bem. A titia vai cuidar de você.
E eu não tinha muita ideia do que fazer na verdade, mas eu sabia
quem poderia me ajudar. Felizmente tinha o telefone de Diana, nossa
antiga vizinha que era pediatra e liguei para ela, contando o que tinha
acontecido.
— Laura, isso é muito sério. Traz ela agora mesmo para o
hospital. Não temos tempo a perder, entendeu? Você conseguiu
prender o escorpião? Matar ele, sei lá? Ver de que tipo era.
— Ele fugiu. Mas era desses comuns, meio amarelos.
— Certo. Eu vou providenciar o soro e tudo mais. Venham logo.
E eu corri para pegar minha bolsa e enfiar os documentos de
Clarice ali. Felizmente um dos carros de Samuel estava ali, então eu
mesma fui dirigindo para o hospital, para não perder tempo. E claro
que no caminho eu fui ficando desesperada vendo que Clarice parecia
estar se sentindo mal. Ela continuou chorando, e eu precisei parar o
carro para ajudá-la no momento em que ela vomitou.
— "Tá dodói" — Clarice disse ainda chorando, indicando o pé.
Eu queria chorar naquele momento. Mas continuei dizendo que
ficaria tudo bem e acelerei para o hospital, mesmo que isso fosse me
render umas multas depois... Quando cheguei ali, Diana já estava me
esperando na entrada junto com um enfermeiro para cuidarem de
Clarice.
Claro que o tempo todo eu fiquei por perto, segurando a mão de
Clari. Como ela havia se sujado, trouxeram uma dessas camisolas de
hospital para ela, e eu comecei a pensar que não tinha nem pegado
uma malinha para ela com coisas básicas e o coelhinho de pelúcia dela.
Eu não havia tido tempo de organizar nada.
E vendo como o quadro de Clarice foi piorando rapidamente,
entendi que não tinha mesmo como ter parado para organizar nada.
Diana estava tentando trabalhar rápido, mas Clarice estava muito
agitada, chorando e começava a ter febre. Não foi nada fácil furar o
bracinho dela para pôr o acesso ao soro. Só depois de um tempinho,
com a medicação para dor, que ela acabou dormindo.
— Ela vai ficar bem, não é? — perguntei a Diana, mas a
expressão dela não foi muito animadora.
— Você a trouxe rápido para cá, Laura, e isso é ótimo, ajuda
muito. Só que... Picada de escorpião em uma criança de dois anos é
muito sério. Vamos cuidar muito bem da Clari, mas provavelmente ela
vai precisar ficar internada, ok?
Eu precisei respirar fundo para não chorar. Eu podia suportar
tudo de ruim que acontecesse comigo, mas não queria que nenhum mal
atingisse Clarice. Eu tinha prometido que cuidaria dela, que a manteria
segura e tinha falhado nisso.
— Entendi. Eu vou ficar com a Clari, então.
E Diana ia dizer mais alguma coisa, mas logo uma enfermeira
veio chamá-la para atender outro paciente da emergência. Só então as
lágrimas começaram a descer pelo meu rosto. Sentei na cadeira ao lado
do leito de Clarice e fiquei segurando a mão dela, rezando para que ela
ficasse bem.
Foi então que ouvi a vozinha dela.
— Mamãe...
— Clari, mamãe não está mais aqui, meu anjo. Nós...
— Não, você é mamãe — ela disse segurando minha mão com
mais força. — Não chora, mamãe.
E como eu poderia não chorar depois daquilo?! Sentei na cama e
trouxe Clarice para meu colo, a abraçando com força. Fiquei um tempo
assim com ela, dizendo o quanto a amava e que iria cuidar melhor
dela.
Eu era a mãe de Clarice.
Claro que nunca iria substituir o que minha irmã Alice foi,
sempre iria falar dela para Clari e fazer com que ela se lembrasse da
mãe dela. Mas eu também iria amá-la, protegê-la e vê-la crescer. Eu
iria me esforçar todos os dias para cuidar dela e ser a melhor mãe do
mundo para o meu anjinho.
E fiquei um bom tempo assim com Clarice, até que Diana voltou.
— Então, como estamos? — Diana perguntou.
— Ela ainda está com febre e meio molinha.
— Com fome... — Clarice disse e só então eu me dei conta que
já era noite.
— Isso é um bom sinal. Vou pedir para trazer o jantar para vocês
dois. E você já falou com o Samuel, Laura? Para ele trazer roupa para
vocês passarem a noite aqui?
— O Samuel! Eu nem avisei a ele, meu deus. E... Acho que
esqueci o celular em casa. Fiquei tão desesperada que nem me toquei.
— Tudo bem, isso é normal. E eu tenho o numero dele, acho.
Não sei se ainda é o mesmo — ela disse me passando o próprio celular.
E por um momento eu devo ter feito um cara meio infeliz porque
Diana acabou rindo de mim.
— O que? Está com ciúme justo de mim com seu namorado?
Não se preocupe que nunca aconteceu e nem aconteceria nada entre a
gente — ela disse rindo.
— Bem, eu sei lá... Sempre pareceu ter um clima estranho entre
vocês. Ao menos desde que eu cheguei.
— Então o Samuel não te contou? Quem eu sou? — ela pareceu
surpresa e eu disse que não. — Eu sou irmã da Helena, a ex-noiva
dele. Eu que o apresentei a minha irmã, anos atrás.
Ok, definitivamente eu não esperava por isso.
— Desculpa mesmo se causei algum mal entendido com isso. Só
que depois da Helena o Samuel passou a trocar de mulher mais do que
trocava de camisa, sabe? E cada tipinho... Só que não era como se eu
tivesse o direito de julgar ou falar qualquer coisa depois do que minha
irmã fez.
— Vendo por esse lado... O Samuel nunca perdoou o irmão pelo
que aconteceu.
— Eu imagino, mas isso é algo que a Helena precisa conversar
com ele e explicar o que houve, sabe? Assumir a culpa.
E parecia que a cada fala de Diana, eu ficava com mais dúvidas
ainda sobre aquela história toda. Mas não era o momento para focar
nisso. Liguei para Samuel e expliquei o que aconteceu. Por um
momento eu achei que ele fosse ficar bravo por eu ter sumido assim,
mas no fim ele estava... Aliviado?! Preocupado também, mas
principalmente aliviado de ter nos encontrado.
CAPÍTULO 21

SAMUEL

Ouvir a voz de Laura ao telefone me trouxe um alívio muito


maior do que esperava. Claro que saber que Clarice estava no hospital
internada era algo muito preocupante, mas agora pelo menos eu sabia
onde elas estavam! Eu podia ir até elas, podia abraçá-las e não soltar
mais, para ter certeza de que não iria perdê-las nunca.
Céus...
Eu que sempre havia sido tão independente e que gostava da
minha própria solidão, agora não conseguia mais me imaginar sem
aquelas duas. Clarice e Laura eram mesmo minha família e o que eu
tinha de mais precioso no mundo.
E por mais que eu quisesse ficar no hospital com Clarice
também, só era permitido um acompanhante, então preparei uma
mochila com as coisas que Laura pediu e fui para o hospital.
Clarice estava internada na ala pediátrica, sem uma clara
previsão de alta, mas só dela não precisar ficar na UTI já me deixava
aliviado. Entrei no quarto e a vi dormindo no colo de Laura, que estava
cantarolando uma música para ele.
— Samuel! — Laura sorriu assim que me viu, mas eu notei que
seus olhos estavam vermelhos, com claros sinais de choro.
— Desculpa a demora. Como vocês estão? — eu perguntei me
abaixando ao lado dela e a beijei. Fiz um carinho no rosto de Clarice e
notei como ela estava quente.
— A febre da Clari não quer ceder. A Diana disse que o quadro
dela está estável e não está correndo risco. Eu me distraí só por um
minuto e... Não tinha ideia de que tinha escorpiões pela casa. Isso
poderia ter sido fatal, Samuel.
Laura pareceu que ia começar a chorar de novo, então a abracei
para tranquilizá-la.
— Mas está tudo bem agora. Não foi sua culpa nem nada assim,
Laura. Não tem como manter uma criança completamente segura o
tempo todo. Mas você agiu rápido e graças a isso a Clari vai ficar
bem.
Ela respirou fundo e assentiu.
— Então depois podemos mandar dedetizar a casa toda. Chamar
um desses controles de praga e aí você e a Clari vão poder continuar
cuidando do jardim.
— Eu acho incrível como você consegue ser racional e manter a
calma, sabia? Eu já estava achando que você ficaria bravo comigo, até
por ter ficado esse tempo todo sem dar notícias.
Eu acabei rindo.
— Isso porque você não viu como eu estava desesperado por não
ter conseguido achar vocês. Eu estava indo na delegacia quando recebi
sua ligação.
— Na delegacia?! — aí Laura pareceu bastante surpresa. —
Foram só algumas horas sem dar notícias.
Como Laura ainda estava abalada pelo incidente do escorpião, eu
não queria deixá-la ainda mais nervosa falando sobre a bizarra visita
de seus tios. Agora eu sabia que elas estavam em segurança, então
cuidaria do resto depois.
— É fácil ser racional com coisas práticas do dia a dia, mas não
tanto quando envolve as pessoas que eu amo.
— Ama?
E Laura pareceu tão surpresa, que só então me dei conta que não
havia dito aquilo antes. Bem, aquele não era exatamente um
sentimento que eu estava acostumado a ter, mas nos últimos tempos
aquilo havia se tornado completamente parte de mim. O amor que eu
sentia por Laura e Clarice era enorme e verdadeiro. E acho que foi
naquele dia que eu me dei conta realmente de como eu tinha medo de
perdê-las.
— Vai dizer que nunca percebeu isso, Laura? O quanto eu amo
você?
Eu sorri para Laura e até achei que ela fosse dizer alguma coisa,
mas antes disso, sem se levantar ou soltar Clarice, ela passou um braço
em torno do meu pescoço e me puxou para um beijo. Por um momento
eu quase me desequilibrei, mas me apoiei no braço da cadeira onde ela
estava sentada.
— Eu também te amo, Samuel. Muito mesmo!
Naquele momento, Clarice acabou acordando. Senti a mãozinha
dela segurando no meu braço e ela sorriu quando me viu.
— Papai chegou!
Papai?! Aquilo era realmente novo. Eu olhei para Laura, e ela
apenas sorriu e deu de ombros.
— Ela estava com saudades.
E Clarice estendeu os braços para mim e a peguei no colo,
tomando cuidado com a mangueira do soro.
— Papai, oh! — Clarice mostrou o pé com curativo. — O bicho
mordeu!
— Clari...
Eu deveria dizer que era "tio" e não "pai" dela? Talvez fosse o
certo a se fazer, mas como olhar para aquela princesinha e negar aquilo
a ela? Até porque... Eu queria ser o pai dela. Queria que fossemos uma
família completa e perfeita. Queria que Clarice se sentisse segura
comigo, queria estar presente em todos os momentos de sua vida e que
ela me amasse mesmo como a um pai, pois eu realmente a amava
como se fosse minha filha.
— Eu posso dar um beijinho para ajudar a sarar o dodói. Aí já, já
você vai poder ir para casa, viu?
Clarice riu e levantou mais o pé para eu beijar.
— Mamãe deu beijinho também. E tia Didi.
— Didi?
— Diana — Laura disse. — Ela ficou aqui boa parte do tempo,
mas teve que ir cuidar de outros pacientes. Nós ficamos conversando
um pouco também...
E pelo tom de voz de Laura, eu nem queria saber sobre o que
tinham sido aquelas conversas, então tratei de mudar de assunto
perguntando sobre o estado de Clarice, que remédios ela precisaria
tomar e quando podíamos ir para casa.
Claro que por mim eu ficaria com elas no hospital, mas só era
permitido um acompanhante. Nós estávamos ultrapassando até mesmo
o horário de visita, mas fiquei ali até Clarice voltar a dormir e então a
coloquei na cama.
— Amanhã de manhã eu venho para cá de novo — eu disse,
ajeitando Clari na cama e a cobrindo bem. — Depois, se você quiser,
podemos revezar para você poder ir dormir melhor em casa.
— Mas e seu trabalho? Isso não iria te atrapalhar?
— Como se eu fosse me preocupar com o trabalho quando a
Clarice está internada, não é?! — eu disse e Laura sorriu sutilmente.
— Nossa filha...
E Laura me abraçou, deixando a cabeça apoiada em meu ombro.
Sem dúvida ela estava cansada, mas agora ela parecia um pouco feliz
também e mais relaxada. Aproveitei para afagar o cabelo dela,
querendo lhe transmitir confiança.
— Acho que isso era meio inevitável, não é? Acho até que tinha
tempo que ela queria nos chamar de papai e mamãe.
— Sim... Como somos tios, não podemos adotá-la legalmente,
mas... Acho que o mais importante é como nos sentimos com tudo
isso. Como a Clarice se sente. E se ela me aceita como pai, eu não
poderia estar mais feliz com isso.
Laura ergueu o rosto para me encarar, e eu pude compreender
bem como ela se sentia naquele momento. Mesmo em meio ao caos,
nossas vidas estavam se alinhando.
— Você foi a melhor coisa que podia ter me acontecido, sabia?
— Estou me esforçando para isso. Para cuidar de vocês duas. Ser
um bom pai e... Quem sabe um bom marido.
Laura pareceu surpresa, mas acabou sorrindo.
— Você já é, Samuel. O melhor do mundo!
E com aquilo eu podia me esquecer de todos os problemas do
mundo. Tudo o que queria era ser feliz ao lado da minha família. Só
que infelizmente nem sempre a vida era como queríamos e eu mal
sabia que os problemas iriam piorar...
CAPÍTULO 22

LAURA

Passar a noite no hospital era algo realmente cansativo, mas nem


por isso eu queria ir para casa. Naquele momento, cuidar de Clarice
era minha prioridade absoluta e eu nem mesmo conseguia pregar os
olhos, preocupada com ela. Toda vez que meu bebê se mexia na cama
ou murmurava qualquer coisa, eu acordava assustada, para ver se ela
estava bem, se precisava chamar a enfermeira ou qualquer coisa assim.
E como resultado disso, no dia seguinte Clarice estava melhor,
mas eu estava completamente exausta. E quando Samuel veio no fim
da tarde para nos ver, ele pareceu bem preocupado. E dessa vez era
comigo, e não com Clarice.
— Laura, você conseguiu dormir meia hora que seja? — ele
segurou meu rosto com as duas mãos, reparando em minhas olheiras.
— Você ao menos comeu?
— Claro que comi. Um pouco, mas comi... — eu disse
ligeiramente envergonhada.
Samuel respirou fundo.
— Eu fico no hospital essa noite e você vai para casa — ele
disse, e não foi bem em tom de sugestão.
— Você está exagerando. Não é como se fosse a primeira vez
que fico sem dormir cuidando da Clarice ou fazendo qualquer outra
coisa.
— Eu imagino, mas isso seria se você não tivesse ninguém mais
para te ajudar nessa situação — ele falou enquanto ia pegando o
coelhinho de pelúcia de Clarice da mochila e mais algumas peças de
roupa.
Inclusive, ele parecia já ter se preparado para passar a noite ali!
— Samuel, eu não acho que vá conseguir descansar mesmo se
for para casa. Eu vou ficar preocupada o tempo todo.
— E você acha que eu não fico preocupado? — agora ele ficou
bem sério. — Laura, eu cancelei tudo que tinha para fazer no trabalho
nos próximos dias justamente para cuidar de vocês duas. Não apenas
da Clarice, mas de você também. Acha que eu conseguiria ficar em
paz sem fazer nada, sem me preocupar com minha família?
Por um lado, eu até queria argumentar e insistir para passar mais
uma noite no hospital, mas por outro lado... Não tinha como não me
abalar ao ver Samuel daquele jeito, parecendo tão preocupado e
dedicado a nós. Eu ainda me surpreendia com o quanto ele havia
mudado desde que nos conhecemos. Aquele homem meio egoísta que
vivia para o trabalho parecia ter se transformado em outra pessoa.
Agora ele agia como o melhor pai do mundo, como um verdadeiro
protetor em quem eu poderia confiar sem receio algum.
— Eu realmente amo você, sabia? — acabei falando.
E agora Samuel sorriu da forma mais encantadora possível. E eu
apenas me deixei levar quando ele me puxou para seus braços e me
beijou demoradamente. Ele me abraçava com tanta firmeza que eu
sentia que podia me apoiar completamente nele, em mais de uma
forma na verdade. Era como se ele juntasse todos os pedacinhos de
mim e me tornasse inteira de novo.
— Eu também amo você, Laura — ele sussurrou, afagando meu
cabelo. — Então... Nada de discussão. Pegue um uber, vá para casa e
descanse. Amanhã cedo você volta para cá e acho que a Clari já deve
ter alta a tarde, então nós três iremos para casa, está bem?
— Sim, senhor... Vou obedecer direitinho — eu falei, mesmo que
ainda não me sentisse bem com a ideia de ir embora dali.
Clarice estava dormindo, então nem pude me despedir dela
direito, mas senti um aperto no peito naquele momento. Enrolei ao
máximo para sair e ainda fiz o Samuel prometer que me ligaria se
tivesse qualquer alteração no quadro da Clarice.
Claro que meu plano era ligar para ele assim que chegasse em
casa, mas as coisas não saíram como eu pensei.
Assim que sai do Uber, ouvi a voz de um homem chamando.
— Laura Garcia?
— Sim?
E na hora que me virei, me assustei ao ver que eram dois homens
vestidos de branco. Enfermeiros. Na mesma hora desbloqueei o celular
para ligar para Samuel.
— Está tudo bem, senhorita — um deles disse se aproximando
lentamente. — Vamos levá-la para um lugar seguro, está bem?
E Samuel não estava atendendo.
— Eu vou gritar! Eu vou chamar a polícia! — eu ameacei.
E então tudo aconteceu rápido demais.
Na hora em que ouvi a voz de Samuel no telefone, os dois
homens vieram na minha direção e me agarraram. Eu tentei me soltar,
me debati e comecei a gritar, mas logo um deles puxou uma injeção e
aplicou em mim.
— É para seu bem, moça. Seu tio está muito preocupado com
você.
E eu fiquei ainda mais brava e indignada, pois aquele homem
ainda mantinha um tom de voz gentil, como se estivesse mesmo
fazendo uma coisa boa. Ele não devia ter ideia da verdade. E eu até
falaria, mas logo fui me sentindo muito mole e era difícil manter os
olhos abertos.
Mas a última coisa que tive consciência foi de um daqueles
homens me pegando no colo enquanto o outro pegou meu celular.
— Está tudo bem, senhor. Somos de uma clínica de recuperação
e ela é uma paciente. A família dela está cuidando de tudo.
— Samuel... — eu queria gritar, mas minha voz saiu fraca.
E então eu desmaiei completamente.
CAPÍTULO 23

SAMUEL

Como as coisas podiam ter piorado tão terrivelmente em questão


de instantes?! Quando insisti para Laura ir para casa, não podia
imaginar que algo assim pudesse acontecer.
Eu ainda tentei ser racional e falar com o tal enfermeiro que
pegou o celular dela, mas o cara não pareceu querer me dar ouvidos.
Apenas disse que ela seria levada para uma clínica de reabilitação
chamada Casa de Salvação e que aquilo "não era um sequestro e sim
um resgate", que a Laura havia fugido da família e os tios tinham
autorização para aquilo.
E claro que eu queria sair correndo para ir resgatá-la, mas Clarice
acabou acordando chorando e eu não podia só largá-la ali no hospital.
Fiquei desesperado ligando para Diana, mas ela estava de folga
naquela noite e precisaria de um momento para chegar ao hospital.
— Clari, o papai vai precisar sair e você vai ficar com a tia
Diana, está bem? — eu tentei sorrir e parecer calmo, mas Clarice se
agarrou mais a mim.
— Não, papai. Leva eu. Chama a mamãe — ela disse com
vozinha de choro.
— E se eu for ir buscar a mamãe para você? — eu resolvi mudar
de estratégia.
Ver a Clarice assustada daquele jeito me partiu o coração e
situação só parecia complicar assim. Eu liguei para Joel para ver o que
poderíamos fazer e acabei ligando até para a Tereza, pois sabia que ela
conseguiria acalmar a Clarice e cuidaria muito bem dela.
E acho que aquela foi a hora mais longa da minha vida, enquanto
esperava Tereza e Diana chegarem ali para ficarem com Clarice e
então fui me encontrar com Joel.
— Olha... A notícia ruim, é que de fato os tios da Laura tem
certo direito de fazer isso. Quer dizer... Não dessa forma, claro. Mas
eles são os responsáveis legais dela, e podem pedir uma intervenção
caso ela represente perigo para si mesma ou para outros. Então até
podemos acionar a polícia, mas vai ser um processo mais longo.
— Mas isso não é verdade! Eles armaram contra ela! Como
conseguiram isso?
— E aí que vem a boa notícia! Quer dizer... Não que algo seja
realmente bom nessa situação, mas eu procurei sobre essa tal clínica
Casa da Salvação e ela não é exatamente um lugar respeitável, por
assim dizer. Teoricamente é um projeto social, mas recebe doações
bem suspeitas, provavelmente de lavagem de dinheiro. E o dono do
lugar é um doido político que se diz pastor e quase um messias que
tem métodos pouco recomendados para lidar com pessoas com algum
tipo de transtorno ou vício.
— A Laura está em um lugar desses e essa é a boa notícia? — eu
me exasperei.
Joel precisava muito rever os conceitos dele de "boa noticia".
— Mas é justamente isso! Os tios dela não tem a mesma
influência aqui que tem no interior, então recorreram a pessoas de mais
baixo nível possível. Devem ter pagado uma boa grana para fazer com
que fossem atrás da Laura e a levassem sem nenhum tipo de prova ou
averiguação de que ela está sob o efeito de drogas.
— Eu juro que não entendo aonde você quer chegar!
— Samuel, pelo amor de Deus! Os tios dela estão desesperados.
Isso foi uma atitude desesperada da parte deles. Ter colocado a Laura
em um lugar desses só serve como prova contra eles e as más
intenções que tem. Podemos denunciar a clínica e com isso atingir os
tios dela também. Certeza que tem um monte de podres nesse lugar.
E agora as coisas começaram a fazer mais sentido para mim.
— Mas só denunciar isso formalmente iria levar tempo, não é?
Não quero a Laura presa nesse lugar.
E então Joel me olhou preocupado.
— Você não está pensando em fazer nada... Drástico, não é? Ou
ilegal?
E eu queria dizer para Joel que não tinha porque se preocupar
com minhas ações, mas aquelas pessoas estavam mexendo com a
mulher que eu amava! Então... Era realmente bom saber que eu tinha
um bom advogado trabalhando para mim, caso algo desse errado.
◆◆◆

E ter uma grande empresa de tecnologia tinha mesmo suas


vantagens. Provavelmente meus funcionários não ficaram felizes em
ser chamados para um "trabalho extra" completamente fora do horário
e função deles, mas expliquei rapidamente a situação.
Uma clínica conhecida — mesmo que mal falada — com certeza
precisava de um sistema de gestão e levou cerca de duas horas para
descobrir quem tinha sido o responsável pela instalação daquele
sistema e então consegui uma ajudinha dele — nada que uma boa
conversa e um bom pagamento não resolvessem.
E daquilo ali, podíamos conseguir todo tipo de informação útil
sobre aquele lugar.
Como ameaça e chantagem não era bem algo que Joel aprovava,
ele preferiu usar métodos mais tradicionais como ir a policia. Ele já
havia aberto o pedido de revisão da interdição de Laura, mas nada iria
ser resolvido nesse sentido no meio da noite.
E tudo aquilo estava demorando muito mais do que eu gostaria
na verdade.
Algumas horas até eu ter informações e provas o suficiente.
E quando peguei o telefone e liguei para Afonso, o tio de Laura,
já eram três da manhã.
— Alô? Quem é? — ele disse claramente sonolento.
— Senhor Afonso, espero que esteja pronto para encarar as
consequências das coisas que fez às suas sobrinhas.
— Quem é? — Agora ele parecia tenso.
— O senhor foi até o meu escritório, achando que conseguiria
algo de mim e vai ter. Então pode cancelar as passagens que comprou
para amanhã e se prepare para explicar porque pagou uma fortuna para
uma clínica irregular internar sua sobrinha e drogá-la. Tudo isso para
continuar desviando o dinheiro dela para suas contas...
— Você não sabe do que está falando. Não tem provas de nada!
— ele gritou.
Eu acabei rindo.
— Acho que o senhor devia ter pesquisado mais sobre mim antes
de se meter com a minha família. Se você tem uma empresa de
segurança digital, tem que saber quebrar também todo tipo de
segurança. Ou como acha que consegui seu telefone, e-mail, dados
bancários? Inclusive... A sua esposa sabe que você tem um filho fora
do casamento?
E de certa forma, aquela última parte pareceu afetá-lo mais que
todo o resto.
— O que você quer? — dessa vez ele falou sussurrando,
provavelmente para não acordar a esposa. — Que eu te entregue a
Laura? Eu posso suspender a questão da interdição dela, sumir com os
laudos de uso de drogas. Devolvo o acesso ao dinheiro da mãe dela.
— Isso seria um bom começo. Admitir a culpa pela morte da
Ângela seria um bom passo também.
— Aquilo foi um acidente! — ele se exasperou. — Ela estava
sempre se entupindo de remédios. Eu só aumentei a dose! Ela acabaria
se matando de qualquer forma. Era uma imbecil.
E ainda bem que eu não estava perto dele naquele momento, ou
sem dúvida acabaria agredindo aquele homem.
— Ela amava as filhas e jamais a abandonaria. Mas vamos ver
como o senhor vai se virar na justiça, quando tudo isso vier à tona.
E então eu desliguei a ligação e encerrei a gravação da conversa.
Agora só precisava ligar para o tal dono da clínica e garantir que
tiraria a Laura dali sem problemas. Nada que algumas ameaças sobre
divulgação de dados de internações irregulares e transações ilegais não
resolvesse. Aquela clínica era um poço de corrupção e maus tratos a
pacientes e estava mesmo na hora de acabar.
CAPÍTULO 24

LAURA

As coisas estavam mesmo bem confusas para mim.


Eu havia sido dopada e enfiada em um lugar estranho. Tinha
flashes de memória de estar presa a uma maca, de ter algo injetado no
braço e ouvir pessoas falando que eu deveria ficar dopada até ser
transferida de cidade.
E eu nem mesmo tive tempo de ficar em pânico, pois tornei a
ficar inconsciente.
Só que... Quando acordei novamente, eu estava no banco de trás
de um carro e Samuel estava ao meu lado, me abraçando, enquanto
Joel dirigia.
— Samuel... — minha voz soou baixa e meio rouca e eu ainda
me sentia fraca.
— Está tudo bem agora, meu amor. Eu vou cuidar de você.
E então eu fiquei inconsciente mais uma vez, mas ao menos
agora eu sabia que estava segura.
◆◆◆

Acordar e me ver em uma cama de hospital me trouxe de novo a


sensação de pânico. E se minha última lembrança fosse apenas um
sonho? E se eu ainda estivesse na tal clínica para onde meus tios
haviam me mandado.
Mas dessa vez eu não estava presa na cama. E quando olhei para
o lado, vi Samuel dormindo sentado na cadeira ao meu lado. Ele
parecia exausto, com o cabelo desalinhado e ainda usando a roupa do
dia anterior.
E ele parecia tão lindo assim...
Meu salvador.
Eu não tinha ideia do que ele havia feito para me tirar daquele
lugar, mas me sentia imensamente grata por tê-lo na minha vida.
Durante anos, eu não tive ninguém com quem pudesse contar além da
minha irmã, e quando a perdi, achei que ficaria sozinha no mundo,
achei que nunca mais teria um momento de paz ou felicidade, mas
agora... Eu me sentia a pessoa mais sortuda do mundo por tê-lo na
minha vida.
Clarice e eu tivemos muita sorte.
Só que ao pensar na minha sobrinha, minha prioridade mudou
completamente.
— Samuel... — eu acabei acordando-o. — Onde está a Clari?
Quem ficou com ela?
E Samuel foi despertando aos poucos, esfregando os olhos.
— Como você está?
— Estou bem. E a Clarice?
Samuel sorriu e veio sentar-se na cama, ao meu lado.
— Tereza está cuidando dela, está tudo bem. Diana disse que
logo mais ela terá alta — Samuel falou e me beijou. — Nós três vamos
para casa e eu vou cuidar de vocês duas, ok? Você precisa descansar
depois de tudo o que houve.
E só então eu voltei a me preocupar com o que havia acontecido
comigo. Eu ainda me sentia um pouco estranha, com o corpo pesado e
dor de cabeça, mas não me lembrava de quase nada. E então Samuel
foi me contar um resumo das últimas horas e da loucura que havia
sido.
— Você hackeou o meu tio e a clínica que eu estava?! Samuel...
Quantos crimes você cometeu nisso? — eu não podia deixar de me
preocupar com isso. Fora que ele havia envolvido outras pessoas na
história, para ajudá-lo.
— Isso não é relevante agora. O que eu fiz foi expor dois
criminosos e o Joel está cuidando para que eles respondam pelas coisas
que fizeram. Logo aquela clínica vai ser fechada, e os pacientes vão
ser encaminhados para clínicas dignas ou liberados até. O seu tio que
deve ser um caso mais complexo. Logo quando fomos te buscar pela
manhã, Joel disse que verificou que o mesmo médico que fez o
atestado de óbito da sua mãe, foi o mesmo que fez os seus laudos
fraudados. O cara estava recebendo dinheiro do seu tio todo esse
tempo e parece que já tem alguns processos e acusações contra ele.
Joel acha que ele pode entregar o seu tio para aliviar a própria pena.
Eu não soube bem como reagir a tudo. Por um lado, eu estava
muito aliviada que finalmente iria me livrar da ameaça dos meus tios,
mas também não conseguia parar de pensar na minha mãe, minha irmã
e em tudo que sofremos por causa daqueles dois. Aquele era o tipo de
ferida que levava tempo para cicatrizar
Mas ao mesmo tempo eu sabia que seria um erro focar minha
vida nisso quando agora tinha algo bom acontecendo. Eu podia mesmo
seguir em frente, sem ficar com medo da perseguição dos meus tios.
Clarice estava segura e nós tínhamos Samuel, e eu sabia que ele não
deixaria nada nos fazer mal.
— Obrigada — eu falei e ele pareceu ficar um pouco surpreso.
— Por... Tudo. Por ter me resgatado, por ter cuidado de mim e da
Clarice. Eu realmente não sei o que seria de nós se não fosse por você.
Samuel sorriu e segurou minha mão para então beijá-la.
— Eu que não sei o que seria da minha vida se não fosse por
vocês duas, Laura. Provavelmente eu acordaria um dia sozinho e triste,
vendo quanto tempo desperdicei. Mas agora... Eu tenho uma família
para cuidar.
E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa em resposta,
ouvimos batidas na porta e logo em seguida Diana entrou ali trazendo
uma prancheta.
— Desculpa interromper os pombinhos, mas vim trazer os
exames da Laura.
— Mas você não é pediatra? — Samuel questionou enquanto
pegava os papéis que Diana estendeu para ele.
— Sim, mas quando vi os exames quis trazer pessoalmente —
ela falou com ar enigmático e aí eu comecei a ficar preocupada.
— O que houve? Tem alguma coisa errada comigo?
E quando olhei para Samuel, ele parecia completamente em
estado de choque, o que me deixou ainda mais nervosa.
— Diana, é sério! Fala-me o que houve. É grave?
E então ela riu.
— Não é nada grave, Laura. Não se preocupe. Você e seu bebê
estão ótimos. Inclusive, parabéns pelo novo filho.
Novo filho?
E naquele momento, eu achei que fosse desmaiar.
Eu estava grávida do Samuel!
CAPÍTULO 25

SAMUEL

Desde a primeira vez que vi Laura invadindo minha casa, soube


que ela iria virar minha vida de cabeça para baixo. Ela era a
manifestação do caos para mim.
Bagunçou minha casa, bagunçou minha rotina e quando eu
menos esperava... Fez com que eu me sentisse o homem mais feliz do
mundo.
Claro que muitas pessoas não ficaram muito contentes em
arranjar uma família de surpresa, sem o menor planejamento para
aquilo, mas eu havia mudado tanto naqueles poucos meses. E tudo
graças a Laura e a Clarice.
Então, quando Diana falou que eu seria pai, eu tive um instante
de choque, mas para em seguida correr para abraçar Laura e dizer o
quanto eu a amava. De repente eu me sentia eufórico, e todos os
problemas do dia anterior já pareciam estar distantes.
Nós iríamos ter um bebê.
— Samuel... Eu... Eu não...
Laura parecia nervosa, mas antes que ela dissesse qualquer coisa,
eu segurei seu rosto com as duas mãos e a beijei.
— Está tudo bem, meu amor. Vai ficar tudo bem — e me voltei
para Diana. — Está mesmo tudo bem, não é? Ela não precisa passar
por exames, ultrassom e tal? Ainda mais depois de tudo o que
aconteceu ontem.
Diana acabou rindo.
— Podem ficar tranquilos. Nós vamos sim fazer alguns exames,
mas a princípio parece estar tudo bem. Provavelmente esse ainda é o
primeiro mês de gestação, indo para o segundo, mas vamos descobrir
em breve, ok? Podemos ver isso antes de te liberarmos, Laura.
E Laura apenas assentiu, como se ainda estivesse processando a
notícia. E quando Diana nos deixou a sós, eu me sentei o lado de Laura
e fiquei segurando a sua mão.
— Laura, está sentindo alguma coisa? Está preocupada?
Ela pareceu pensar por um instante.
— Eu... Não sei o que dizer, na verdade. As coisas na minha vida
sempre foram um tanto quanto desastrosas e nos últimos meses tudo
virou uma montanha russa, Samuel. Eu perdi minha irmã, precisei
fugir com a Clarice e... Encontrei você. Eu achei que tudo estaria
perdido na minha vida, mas aí você apareceu e me resgatou. E... Eu
não planejava mesmo ter um bebê. Não agora. Eu nem sei se você
queria ter filhos e eu fico preocupada com isso, nós estamos juntos há
pouco tempo e eu sei que deveria estar mais preocupada com tudo isso,
mas no fim das contas, acho que eu estou... Feliz.
Eu segurei a mão de Laura com mais firmeza naquele momento e
não pude deixar de sorrir.
— Você é realmente a mulher mais incrível que eu conheço,
Laura. E... Acho que há seis meses eu acharia uma completa loucura
ter filhos, mas agora... Sabendo que encontrei a mulher perfeita para
mim, e já tendo a Clarice como nossa filha, eu realmente não poderia
estar mais feliz com essa notícia. Então tudo bem para você, Laura?
Ser a mãe dos meus filhos?
E ela respondeu a aquilo me abraçando com força.
Nós faríamos aquilo juntos.
Teríamos uma família.
◆◆◆

Depois que Laura e eu conversamos um pouco, fomos


providenciar para que ela fizesse todos os exames. E como Diana
disse, parecia estar tudo bem com o nosso bebê. Ele ainda era muito
pequeno, não tendo completado dois meses de gestação ainda, e por
isso Laura precisava ficar de repouso e se cuidar bem. O médico que
nos atendeu ainda passou outros exames para fazermos ao longo dos
dias, e eu pedi que ele receitasse todas as coisas possíveis para que
aquela gravidez seguisse bem.
Um nutricionista, exercícios, qualquer coisa para garantir que
Laura e o bebê estariam saudáveis.
E depois de deixar Laura dormindo no quarto dela, eu estava
indo para a ala pediátrica para ver Clarice. Ela já ia receber alta e
iríamos para casa no fim de tarde, o que me deixava bastante aliviado.
Mas... Como parecia que eu não conseguia ter muito tempo de paz na
minha vida, acabei encontrando alguém que não gostaria.
— Samuel, oi. Será que podemos conversar? — Helena
perguntou num tom receoso.
E definitivamente eu não tinha nada para conversar com aquela
mulher. Apenas dei as costas a ela e pretendia seguir por outro
caminho, mas ela correu até mim e me segurou pelo braço.
— Samuel, por favor! Eu sei que você tem todos os motivos do
mundo para me odiar, mas ao menos me deixe falar. Eu fiquei sabendo
do seu bebê. Que você vai ser pai.
Naquele momento eu fiquei com raiva de Diana. Ela não tinha
nada que contar essas coisas para a maldita irmã dela.
— Isso não é da sua conta, Helena. Ou vai querer estragar isso
também?
— Não! É justamente o contrário — ela estava com os olhos
cheios de lágrimas e eu tentava não me comover com aquilo. — Eu
quero pedir desculpas pelo que fiz. Por ter estragado sua relação com o
Diego.
— Eu realmente não quero...
— Ele não teve culpa de nada — ela me interrompeu. — Fui eu.
Eu armei aquilo.
E eu cheguei a abrir a boca, mas simplesmente não sabia o que
dizer. Então ela continuou.
— A verdade é que eu era sim apaixonada pelo seu irmão e não
sabia mais o que fazer. Você era sempre o namorado perfeito, e quando
me pediu em casamento, eu não tive como dizer não. Só que eu não
sabia como resolver tudo, então acabei fazendo merda.
— O que... Você fez?
Naquele ponto, eu nem sabia dizer se o que sentia era raiva, nojo,
mágoa ou tristeza.
— Eu que chamei o Diego para minha casa. Disse que queria
fazer uma surpresa para você com as coisas do casamento, e aí ficamos
bebendo. Eu planejava seduzir o seu irmão. Sei o quanto isso foi
terrível da minha parte, mas... Eu não esperava mesmo que você fosse
chegar e ver aquilo. Eu sabia que você estava com a chave do meu
apartamento, mas...
— O QUE VOCÊ FEZ, HELENA?! — eu acabei gritando. —
Você...
E no fim, acho que a tristeza me venceu. A raiva que eu sentia
dela já não importava mais diante da tristeza de pensar que minha
relação com meu irmão havia sido destruída daquela forma, por
alguém tão vil e infiel. Alguém que nem mesmo tinha tido coragem de
contar a verdade antes.
— Me desculpe.
Não tive condições de continuar perto daquela mulher depois
disso. Dei as costas para ela, ignorando suas lágrimas enquanto sentia
minha própria visão ficar turva. Nem mesmo sei como cheguei a ala
pediátrica, mas quando vi Clarice sentada na cama, brincando com seu
coelhinho de pelúcia, não consegui mais me conter. Fui até ela e a
abracei com força.
— Papai? — Clarice pareceu preocupada. — Papai tá chorando?
— Está tudo bem, minha princesa. Papai só estava com saudade
de você.
E eu não me importei quando Tereza saiu do quarto. Continuei
ali abraçado a Clarice, e quando eu olhava para seu rostinho, agora
sentia um aperto no peito diferente ao pensar no meu irmão.
Diego...
Eu podia não ter como voltar no tempo e consertar as coisas
entre nós, mas eu podia cuidar da filha dele como se fosse minha. Eu
podia amar e proteger a Clarice como sei que ele faria e essa seria
minha forma de me redimir com ele.
Quando ouvi a porta do quarto abrindo de novo, foi com Laura
entrando ali. Ela parecia preocupada, mas mantinha um sorriso gentil.
— Mamãe! — Clarice ficou muito feliz ao vê-la e logo correu
para abraçá-la. — Saudade!
— Eu também estava com saudades, meu anjo. Vim dizer que já
podemos ir para casa, você, o papai e eu.
— Eu estava indo arrumá-la — eu disse enquanto secava minhas
lágrimas.
Sabia que não tinha muito como disfarçar naquela situação.
— Tudo bem, meu amor. Eu encontrei com a Diana. Ela me
contou o que houve. Foi ela que chamou a irmã aqui e pediu que a
Helena contasse a verdade. Ela queria ajudar.
Acabei assentindo. Apesar da mágoa, eu entendia agora o que
Diana fez e iria agradecê-la depois. Mas por hora não queria ficar
pensando naquilo. Precisaria de um pouco mais de tempo para digerir
e também... Tinha outras coisas boas para focar.
— Inclusive, Clari, a mamãe disse que nós três iríamos para casa,
mas ela falou errado, sabia?
— Mamãe errou? — Clarice pareceu confusa.
Eu dei risada e mostrei quatro dedos para ela.
— Pois é. Quem vai voltar para casa é você, eu, a mamãe e... Seu
novo irmãozinho, Clari. Você vai ser irmã mais velha. Vamos ter um
bebê!
E Clarice pareceu ficar ainda mais confusa por um instante,
olhando de Laura para mim, mas logo depois ela gritou de alegria,
dizendo que iria amar o irmãozinho também. Provavelmente ela nem
estava entendendo direito o que estava acontecendo, mas eu sabia que
ela seria uma ótima irmã.
Afinal, éramos uma ótima família.
EPÍLOGO

LAURA

Incrível como em pouco mais de um ano toda uma vida podia


mudar. Ou muitas vidas, no caso.
Eu havia perdido minha família para então ganhar outra. Eu
havia passado por momentos difíceis, sofrido e pensado que estaria
sozinha, mas então encontrei o homem mais perfeito que poderia
existir e o tive como meu protetor, como meu amado. E como pai dos
meus filhos.
Clarice sempre seria minha filha mais velha, minha princesa. E a
cada dia eu ficava imensamente feliz em vê-la crescer e se
desenvolver. Com dois anos e meio ela já estava indo para a escolinha
e estava cada vez mais esperta.
Naquele tempo, Samuel e eu sempre fizemos questão que Clarice
se lembrasse de Alice e Diego e soubesse que eles eram seus pais, mas
também sempre fomos os pais dela, e amávamos quando ela nos
chamava assim. Ela tinha dois papais e duas mamães, como sempre
falava. E agora tinha um pequeno irmãozinho também.
O nosso pequeno Diego. Porque, quando soubemos que íamos ter
mesmo um menino, não havia como escolher outro nome para o bebê.
Uma merecida homenagem ao irmão mais velho de Samuel, que foi a
pessoa que nos uniu.
E aquela era a perfeita formação da nossa família, vivendo na
mesma casa onde Samuel e o irmão cresceram.
— Laura, já arrumei as crianças. Você está pronta? — Samuel
veio me chamar e bem naquele momento terminei minha maquiagem.
— Sim, só falta pegar a bolsa com as coisas do Diego. Espero
que o Joel não fique bravo por não demorarmos muito no casamento.
— Está tudo bem, meu amor, eu expliquei para ele. O Diego
ainda é muito novinho para ficar muito tempo fora de casa, mas tendo
o papai como padrinho do casamento e a irmã como dama de honra...
— Eu sei, eu sei. Não podemos deixar de ir — eu disse e beijei
Samuel para então ir pegar as coisas e as crianças.
Aquele finalmente era o dia do casamento do Joel e claro que
estávamos super felizes com ele. Além de ser o melhor amigo do
Samuel, Joel havia se tornado um amigo muito especial para mim
também, principalmente depois de toda a ajuda que ele nos deu para
me ajudar com os problemas jurídicos criados pelos meus tios.
Joel não apenas havia conseguido me livrar de toda a questão da
interdição e custodia, como também tinha ajudado a reunir provas
contra Afonso e Magda. Então, depois de tantos anos sendo
atormentada por eles, agora eu podia respirar aliviada sabendo que eles
estavam presos e iriam pagar por todas as coisas que fizeram.
Claro que aquilo não tinha sido exatamente rápido, mas depois
que o médico contratado pelo meu tio confessou todos os crimes e
jogou a culpa em cima dele, foi difícil se livrar as acusações, até
mesmo a de assassinato.
Eu estava mesmo livre deles. E o melhor, meu coração estava
livre e leve finalmente. Eu podia aproveitar cada momento com minha
família, como aquela noite especial. Pudemos comemorar, dançar e
brincar com nossos filhos. Ficamos na festa de casamento, até pouco
depois de Diego dormir e quando voltamos para casa, sempre tínhamos
aquela rotina maravilhosa de cuidar de nosso bebês e aproveitar cada
instante com eles.
Eu realmente achava que não podia ser mais feliz.
Isso até ver Clarice, ainda com seu vestido de dama de honra,
correr na minha direção com uma caixinha de veludo na mão.
— Mamãe! Papai mandou dar o presente — ela disse com um
enorme sorriso no rosto.
E logo atrás de Clarice, estava Samuel com nosso filho no colo.
— Samuel...
— Eu queria ter te dado isso muito tempo atrás, na verdade, mas
não achava o momento certo — ele disse se aproximando.
E eu peguei Clarice no colo também, e só quando ele estava ao
meu lado, que abri a caixinha, onde dentro havia alianças.
— Laura Garcia, você aceita se casar comigo?
E claro que não era nenhuma surpresa eu dizer sim a aquele
pedido.
Afinal, Samuel era o amor da minha vida, e aquela era a nossa
familia, começando mais um capítulo.
Livros deste autor
O Amor Inesperado do CEO Viúvo
ELIAS GARCIA havia perdido a mulher que amava em um trágico
acidente e resumiu sua vida ao trabalho e a filha pequena, seu maior
tesouro. O CEO poderoso, determinado a expandir seus negócios com a
construção de um grande Resort em um local paradisíaco. Mas a morte de
seu irmão, além de dor, traz um grande problema: uma grande herança de
negócios deixado para uma jovem que ele desconhecia, mas que dizia ser
viúva de seu irmão.

MARISA ALVES, uma jovem professora virgem, que aceitou uma proposta
arriscada: um casamento arranjado com um empreiteiro rico para seguir
com os planos dele de proteger a pequena cidade onde vive. Mas ela não
imaginava o quão difícil seria lidar com a família de seu falecido “marido”.
Mas em meio a todas as brigas e disputa pelo direito a herança, Marisa não
esperava acabar se encantando por uma linda bebezinha de dois anos, e
muito menos esperava acabar se apaixonando pelo pai dela: o irmão de seu
falecido marido.

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Meu Chefe É Uma Fera - A Bela Virgem do


CEO
Ele podia ser terrível como uma fera, mas ela era uma bela determinada. E
talvez a única capaz de mudar o coração de seu chefe.

Mathias Castillo não era apenas um CEO implacável, o jovem bilionário era
um mulherengo sem salvação, acostumado a ter todas as mulheres que
queria. Escondendo uma grande mágoa do passado, ele comandava a
empresa da família com punhos de ferro, até ver sua vida ser revirada pela
sua nova funcionária. Uma bela jovem que não pensou duas vezes antes de
lhe dar um tapa na cara!

Eliza Diaz havia focado sua vida nos estudos e no trabalho. Mesmo
solitária, a jovem era determinada e sabia onde queria chegar. Mas ao
começar em seu novo emprego, não estava preparada para o maior desafio:
conviver com um chefe problemático, mas terrivelmente sedutor.

Agora entre brigas e uma forte atração, Eliza e Mathias vão se encarar e
descobrir até onde aqueles novos sentimentos vão.

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