Revista Advocacia 25.01.23

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advocacia hj.

Leg a l i d ad e e
ADVOCACIA HJ. / N. 001 / JUN. 2019

Liber dad e s ão as
tábua s da vocação
d o ad vogad o
RUI BARBOSA
EDITORIAL

Caro Colega,
Você está recebendo a
Revista Advocacia Hoje
Caro Colega,
Você está recebendo a Primeira Edição da Revista do
Conselho Federal da OAB. Um serviço da OAB para levar
informação, por meio de publicações trimestrais, aos
seus milhares de filiados em todo Brasil.
Direito Constitucional, Direito do Trabalho, Direito Civil,
Direito Penal, Processo, entre outros ramos do Direito.
Grandes nomes da nossa advocacia e da sociedade
brasileira contribuirão, sempre com textos atuais e
de interesse prático sobre temas que convivemos
diariamente.
Além daqueles relacionados a matérias específicas,
haverá a nota de um advogado que ocupa um cargo
relevante, demonstrando como a profissão sobressai
em diversos setores. Nesta primeira edição, Marcelo
Barbosa, atual Presidente da CVM, dividirá conosco
de que forma sua experiência de advogado o ajuda a
cumprir sua função.
Em outro tópico, um grande magistrado falará do
papel da advocacia e seus desafios na atualidade. Nesta
edição, o Ministro Luís Roberto Barroso nos deu um belo
testemunho.
Como não vivemos isolados, haverá, finalmente, uma
seção na qual um profissional fora da área jurídica, de
destaque na sociedade brasileira, cuidará dos advogados.
Desta vez, o jornalista e membro da Academia Brasileira
de Letras Merval Pereira assumiu a missão.
Os temas se encontram expostos no índice abaixo.
Para acessá-los, basta clicar. Boa leitura.
Por fim, cada edição será marcada pela homenagem
a um grande advogado. Para começar, vamos prestigiar
Rui.
Rui Barbosa (1849-1923) é justificadamente o patrono
da advocacia brasileira. Natural de Salvador, iniciou seus
estudos na Faculdade de Pernambuco, terminando no
Largo de São Francisco, em São Paulo.
Sua estreia na tribuna se deu para defender um escravo
contra seu senhor, engajando-se à causa abolicionista, o
tema social mais relevante de sua época.
Advogado eloquente, culto e estudioso, Rui também
se notabilizou na política, com fundamental atuação no
início da República. Partiu dele, por exemplo, a ordem
de queimar todos os registros de escravos, a fim de
apagar esse passado nefasto da história (o seu objetivo
não era esconder a verdade, porém proteger a honra e
a liberdade de muitos que viviam nessa condição).
Rui Barbosa participou diretamente de todos os
eventos que marcaram o seu tempo: a Constituição
brasileira de 1891, a elaboração do Código Civil, a

fundação da Academia Brasileira de Letras, a construção de
uma ordem jurídica internacional (ele foi o representante
do Brasil na Convenção de Haia de 1907), a campanha
civilista (movimento que buscava garantir o poder nas
mãos civis – e não de militares), entre tantos outros.
Em 1920, convidado, na condição de paraninfo, à
formatura de uma turma da Faculdade de Direito de São
Paulo, Rui Barbosa elabora a “Oração aos Moços”, texto no
qual oferece reflexões sobre o papel do advogado. Devido
à sua saúde já debilitada, Rui não consegue comparecer
ao evento, mas seu discurso é lido e aclamado.
Uma das principais lições desse texto é a de que
cabe ao advogado trabalhar: inteirar-se, desenvolver-se,
apurar-se. Rui, advogado consagrado, registra a
necessidade de estudo contínuo e da reflexão: “Vulgar
é o ler, raro o refletir”, disse ele. Rui Barbosa concita os
jovens advogados a seguir, com seus atos, uma estrita
fidelidade aos princípios virtuosos, com rigor, constância
e coragem. Ao fim de seu discurso, pontifica Rui, em uma
joia da deontologia jurídica, justificando sua posição de PERSONALIDADE DA CAPA

ícone da advocacia no Brasil:


Legalidade e liberdade são as tábuas da
vocação do advogado. Nelas se encerra, para
ele, a síntese de todos os mandamentos. Não
desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe
faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o
conselho. Não transfugir da legalidade para a
violência, nem trocar a ordem pela anarquia.
Não antepor os poderosos aos desvalidos,
nem recusar patrocínio a estes contra
aqueles. Não servir sem independência à
justiça, nem quebrar da verdade ante o
poder. Não colaborar em perseguições ou
atentados, nem pleitear pela iniquidade ou
imoralidade. Não se subtrair à defesa das
causas impopulares, nem à das perigosas,
quando justas. Onde for apurável um grão,
que seja, de verdadeiro direito, não regatear
ao atribulado o consolo do amparo judicial.
Não proceder, nas consultas, senão com a
imparcialidade real do juiz nas sentenças.
Não fazer da banca balcão, ou da ciência
mercatura. Não ser baixo com os grandes, RUI BARBOSA
nem arrogante com os miseráveis. Servir
aos opulentos com altivez e aos indigentes
com caridade. Amar a pátria, estremecer o
próximo, guardar fé em Deus, na verdade e
no bem.”

Deixou um legado para a história do país, construído


pelo exemplo de homem que lutou pela liberdade. Um
advogado.

José Roberto de Castro Neves


Presidente Executivo da OAB Editora


ADVOCAC IA H J. | N. 0 01 | J U N. 2 0 19

05 Advocacia Hoje
Felipe Santa Cruz
06 DIREI TO CONSTI TUC I O N AL
Apontamentos sobre a Repercussão Geral no STF
Marcus Vinicius Furtado Coelho
12 DIREI TO ADMI NI STRAT I VO
O Direito Administrativo e o desafio do “interesse público”
Marçal Justen Filho
18 DIREI TO DO TRABALHO
O acesso à Justiça do Trabalho
João Baptista Louzada Câmara
22 DIREI TO C I VI L
A prescrição da pretensão derivada do inadimplemento contratual
Judith Martins-Costa
27 DIREI TO PENAL
Panorama do Direito Penal Ambiental: do crime à responsabilidade
Ademar Rigueira

31 DIREI TO PROC ESSUAL


A definição dos Honorários Advocatícios de Sucumbência pelo STJ
José Rogério Cruz e Tucci

38 DIREI TO TRI BUTÁRI O


ISS das Sociedades Uniprofissionais: a eterna e incansável luta da
Advocacia
Luiz Gustavo Bichara, Mattheus Reis e Montenegro

42 DIREI TO COMERC I AL/S OC I E TÁR I O


A Limitação de Responsabilidade e a MP da Liberdade
Marcelo Trindade

51 A RBI TRAG EM E MEDI AÇÃO


O progresso da Arbitragem
Selma Ferreira Lemes

57 DIREI TO EM EXPANSÃO
A Lei da inovação (Lei 10.973/2004) e as patentes originadas do
Brasil - um caso de boas intenções não realizadas
Gabriel Leonardos

63 DIREI TO, LI TERATURA E F I LO S O F I A


Justiça e vingança
Tércio Sampaio Ferraz Júnior

68 U M ADVOG ADO NA
CVM
Marcelo Barbosa

70 NÓS, OS ADVOG ADOS, P O R E LE S , O S J U Í Z E S


De um ex-advogado para os advogados
Luís Roberto Barroso

75 O S OLHOS DOS OUTROS


O papel do Advogado
Merval Pereira
78 INDICAÇÃO
Literatura


V O L TA R PA R A O Í N D I C E
MENSAGEM DO PRESIDENTE

Advocacia hoje

Ciente de sua indispensabilidade à Justiça


(art.133, da CF/88), cada advogado e advogada é “
um agente importante na construção democrática A advocacia
do País. A advocacia constitui serviço público e constitui
função social ao atuar na defesa dos direitos do
cidadão. O pleno desempenho desse mister é do
serviço público
interesse de toda a sociedade, por isso a lei nos e função social
assegura um amplo conjunto de garantias para ao atuar na defesa
nos salvaguardar de arbítrios e autoritarismos.
dos direitos do
O início da nossa Gestão na Ordem dos Advogados
do Brasil coincide com um dramático capítulo da cidadão
história brasileira. Em meio aos contextos de crise,
a sociedade aposta mais do que nunca em nosso ”
dever institucional, em nossa missão pública de Felipe Santa Cruz
pacificação social e de defesa da sociedade civil. Presidente Nacional da OAB
A advocacia brasileira tem sido cada vez mais
demandada para resolver questões de grande complexidade, sejam
elas de natureza social, ética, cultural, econômica ou política. Devemos,
portanto, desenvolver novas maneiras de capacitar advogados para
enfrentar os desafios do século XXI. O cumprimento dessas metas exigirá
uma permanente parceria entre acadêmicos, profissionais e associações
profissionais.
Diante disso, esta Revista apresenta artigos que refletem, de forma
crítica, sobre as mais diversas questões que impactam o cotidiano do
exercício da nossa profissão. Ao reunir grandes juristas brasileiros, esta
publicação é mais uma iniciativa que reafirma o compromisso da Ordem
dos Advogados do Brasil com a defesa da livre atuação da advocacia e,
consequentemente, com o aperfeiçoamento do Estado Democrático de
Direito, cumprindo as finalidades institucionais elencadas no art. 44 da
Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB).

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V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO CO N S TI TUCI O NAL

Apontamentos sobre a Repercussão


Geral no STF
Marcus Vinicius Furtado Coêlho

O caráter analítico da Constituição brasileira e a judicialização da


política daí decorrente têm provocado uma hipertrofia do Poder
Judiciário que, em última análise, desemboca no Supremo Tribunal
Federal. Calcula-se que somente no ano de 2017 cerca de 100 mil
novos processos foram protocolados no STF. A dificuldade em se
administrar o alto volume de feitos, acumulando as funções de Corte
Constitucional com as de instância revisora, levou à necessidade
de se desenvolver mecanismos capazes de racionalizar e dar vazão
de forma célere e uniforme a essas demandas que assoberbam a
Suprema Corte do país.
O instituto da repercussão geral insere-se exatamente nesse
contexto, originando-se na Emenda Constitucional 45/2004, que
instituiu a chamada reforma do Poder Judiciário. O Relatório Final
da Comissão Mista de Reforma do Poder Judiciário assentou que a
repercussão geral servirá para “restaurar o caráter paradigmático das


a repercussão geral servirá para
‘restaurar o caráter paradigmático
das decisões do STF, à medida que
possibilitará que essa Corte examine
apenas as grandes questões do país
discutidas no Poder Judiciário’


” 6
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decisões do STF, à medida que possibilitará que essa Corte examine


apenas as grandes questões do país discutidas no Poder Judiciário”.
Instituída com a promessa de filtrar as demandas que chegam à
apreciação do STF, seja em termos quantitativos como em termos da
relevância da questão constitucional debatida, a repercussão geral
passou a ser requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários,
conforme previsão do art. 102, §3º da Constituição.
Com o fim de regulamentar a EC 45, o Código de Processo Civil foi
alterado estabelecendo que, para reconhecer a repercussão geral, o
STF deverá considerar a existência de questões relevantes do ponto
de vista econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os
interesses subjetivos da causa. Por meio de emenda ao Regimento
Interno do STF, foi instituído o plenário virtual para possibilitar o
cumprimento da exigência legal sem sobrecarregar o plenário físico,
uma vez que o sistema possibilita o exame prévio da existência ou
não de repercussão geral sem necessidade da sessão presencial. A
medida permitiu que os ministros apreciassem a existência ou não
de repercussão geral em determinado recurso de forma remota,
mesmo estando fora de seus gabinetes, conferindo maior celeridade
aos processos.
Nota-se que a inserção do instituto no ordenamento jurídico faz
parte de um movimento de objetivação do controle concreto de
constitucionalidade. Entendimentos jurisprudenciais e alterações
legislativas têm sinalizado para a existência de uma tendência de
se introduzir elementos do processo objetivo no controle concreto,
aproximando-o do controle abstrato. Daí a o uso da expressão
“objetivação” do controle concreto em referência ao uso de
elementos do processo objetivo em processos nos quais as questões
constitucionais são discutidas em um contexto subjetivo, regido por
regras processuais comuns. Assim, o que antes eram características
próprias do controle abstrato agora também podem ser observadas
no controle concreto.
A exigência de que as questões constitucionais transcendam o caso
concreto, ultrapassando os interesses subjetivos das partes implica
na alteração do alcance e dos efeitos das decisões do STF. Não há

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previsão expressa na Constituição ou na lei quanto à existência de


efeitos vinculantes erga omnes das decisões proferidas em sede
de recurso extraordinário em que reconhecida a repercussão geral
e, a rigor, a inconstitucionalidade pronunciada no controle difuso
somente surtirá efeito erga omnes a partir da suspensão dos efeitos
da norma atingida por Resolução do Senado Federal (art. 52, X da
CF).
No entanto, na prática, embora seja possível que o tribunal de
origem mantenha o acórdão em dissonância com o afirmado pelo
STF, não há dúvidas de que, provocado, o Supremo irá reformar
prontamente decisão contrária a entendimento firmado em tema
de repercussão geral.
A exigência de repercussão geral nos recursos extraordinários
também está inserida num contexto global de aproximação entre
os sistemas da Civil Law e da Common Law, no caso do Brasil,
representado pelo estabelecimento de um sistema de precedentes,
especialmente após o advento do novo Código de Processo Civil
de 2015. E, por fim, é parte de um movimento, ainda polêmico e
distante de consensos, no sentido de se transformar o STF numa
legítima Corte Constitucional, retirando do Tribunal a competência
de instância revisora de casos concretos.
Passados mais de dez anos da implementação da repercussão
geral no ordenamento brasileiro, o que se avalia, entretanto, é que
as mudanças provocadas pelo instituto ainda estão aquém das
muitas expectativas criadas. A promessa de celeridade e redução
significativa dos processos remetidos à apreciação do STF não se
concretizou, mesmo com as elevadas estatísticas de processos
julgados anualmente pela Corte.
Em uma década de aplicação da repercussão geral, os números dão
conta que: (i) 974 questões foram afetadas ao regime de repercussão
geral; (ii) em 317 temas ela foi negada, significando que recursos
versando aquelas matérias não mais serão apreciados pelo STF; (iii)
das 657 questões remanescentes, 359 haviam sido julgadas; (iv) 298
ainda estavam pendentes; e (v) a média de julgamento ao longo do
período foi de aproximadamente 34 temas com repercussão geral
por ano (359 em dez anos e meio).

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Ocorre que, se por um lado é positivo o reconhecimento da existência


de repercussão geral acerca de determinado tema, no sentido de
que a Corte unificará o entendimento sobre a matéria assegurando
a segurança jurídica, por outro, enquanto o mérito não é apreciado,
a afetação do tema tem resultado no sobrestamento de milhares de
processos nas instâncias inferiores, que ficam aguardando a decisão
do Tribunal para serem solucionados.
Com cerca de 39 mil ações em tramitação no Supremo, as sessões
de julgamento não têm logrado absorver todas as discussões
com repercussão geral reconhecida. Levantamento realizado pelo
Conselho Nacional de Justiça revela que nos últimos seis anos,
mais do que dobrou o número de ações paralisadas no Judiciário
aguardando o desfecho no Supremo do julgamento de temas
afetados por repercussão geral. Segundo dados do STF, em fevereiro
de 2019 havia 425 mil processos sobrestados, aguardando decisão
final em temas de repercussão geral.
A facilidade do diagnóstico, todavia, contrasta com a complexidade
e variedade de soluções oferecidas ao “gargalo do Judiciário”. O
ministro Luís Roberto Barroso defende que o Supremo não reconheça
mais temas de repercussão geral do que é capaz de julgar no
período de um ano e que, enquanto houver temas pendentes de
julgamento, o STF deve limitar o reconhecimento da repercussão
geral a 40 recursos por ano.
O ministro também já reconheceu, em artigos publicados, que há,
nos gabinetes do STF, o que chamou de “filtro oculto de relevância”.
Assim, nas suas palavras, “em lugar de explicitar que o caso e a
questão não tiveram a relevância reconhecida, pratica-se a antiga e
tradicional jurisprudência defensiva que se materializa em um de três
clichês para negar seguimento a recurso extraordinário: a) a matéria
é infraconstitucional; b) a solução do problema envolve matéria de
fato ou revolvimento de provas; e c) a questão constitucional não foi
adequadamente prequestionada”. A consequência disso seria ainda
mais recursos contra essas decisões, sendo a solução apresentada,
que a existência ou não de repercussão geral fosse o primeiro exame
a ser feito pelo relator, antes dos demais critérios de admissibilidade1.

1BARROSO, Luís Roberto; REGO, Frederico Montedonio. Como salvar o sistema de repercussão
geral: transparência, eficiência e realismo na escolha do que o Supremo Tribunal Federal vai
julgar. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 7, n. 3, dez.2017, p. 695-713.
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Ocorre que o equilíbrio entre celeridade processual e justiça no


caso concreto, num cenário em que impera a cultura da litigiosidade,
tem sido um malabarismo quase sobre-humano. A perspectiva de
ampliação dos julgamentos via plenário virtual, em razão do volume
das causas, pode desumanizar e robotizar a prestação jurisdicional,
além de tornar cada vez mais reduzidas as possibilidades de
sustentação oral pelos advogados e, como consequência, as chances
de convencimento, reflexão e mudança de entendimento por parte
dos julgadores. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição
pode ver-se reduzida, em nome da celeridade, a julgamentos
monocráticos e a posicionamentos individuais dos onze ministros
manifestados virtualmente, sem o debate presencial e a construção
de decisões efetivamente colegiadas, que engendrem, ainda que
parcialmente, um consenso da Corte quanto à determinada matéria.
De outro lado, a apreciação, pelo Supremo, da repercussão geral
como requisito primeiro da análise de admissibilidade, força a
Corte a eleger os casos sobre os quais se manifestará, de acordo
com a sua concepção de relevância econômica, política, social ou
jurídica. A abertura e a indeterminação desses conceitos atraem o
risco de tornar as manifestações do Supremo deveras suscetíveis às
pressões das maiorias políticas de ocasião, da opinião pública e das
contingências econômicas, em detrimento do seu consagrado papel
contramajoritário, de defesa dos direitos fundamentais, em respeito
ao pacto original de Ulisses com seus marujos, que o permitiu não
ser tragado pelo canto das sereias e resistir às tentações conjunturais.
Abre-se o risco de se ampliar os subjetivismos e as preconcepções
também no controle difuso, já, em certa medida, presentes no
controle abstrato pela prática do ativismo judicial.
Finalmente, ainda que se reconheçam os méritos da repercussão
geral e da tentativa de reservar ao STF as questões constitucionais
de alta relevância nacional, a questão que fica é: quem irá apreciar
as violações constitucionais nos casos concretos, nas demandas
individuais? É sabido que na primeira e segunda instâncias, as
alegações de violação constitucional beiram à argumentação retórica,
figurando como um reforço secundário, na maioria das vezes tido por

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irrelevante, ante à violação ao Código de Processo Civil, ao Código


de Defesa do Consumidor ou ao Código Tributário – e nem se diga
quanto às Convenções Internacionais.
Se o Supremo vai abrir mão dessa competência – ou já abriu, em
grande medida, após a instituição da exigência de repercussão geral
– é urgente que as violações constitucionais sejam efetivamente
apreciadas e possam figurar como fundamento válido e suficiente para
as decisões judiciais nas instâncias ordinárias, o que, definitivamente,
não acontece hoje. Não é razoável que a norma fundamental, que
orienta todo o ordenamento jurídico seja, nos casos concretos e
individuais, relegada a um papel secundário, havendo uma lacuna
em sua apreciação ao longo de toda a tramitação processual, uma
vez que, não sendo o caso de repercussão geral, também não será
apreciada pelo STF.
Não se trata, como se vê, de uma equação fácil. Se pudesse arriscar
uma luz, um farol, apostaria na importância dos métodos adequados
de solução de controvérsia, na redução da cultura da litigiosidade e
da judicialização da vida e na busca pela solução efetiva dos conflitos
em sociedade de forma menos heterônoma, com menos Estado-juiz
e mais cidadão autônomo. O sistema de justiça do futuro é aquele
em que os sujeitos participam da construção da solução de seus
conflitos. São artífices da decisão. Assim, não seria necessário remediar
as pilhas infindáveis de processos que abarrotam as secretarias do
Poder Judiciário.

Marcus Vinicius Furtado Coelho é advogado e professor,


Doutor em Direito pela Universidad de Salamanca, Presidente
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil nos anos de 2013 a
2016, Presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais
do Conselho Federal da OAB nos anos de 2016 a 2019.

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V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO A D M I N I S TR AT IVO

O Direito Administrativo e o desafio do


“interesse público”
Marçal Justen Filho

Todo advogado que atua no direito administrativo se depara,


com frequência, com a figura do interesse público. É comum
os doutrinadores e a jurisprudência invocarem a supremacia do
interesse público como critério de validade dos atos administrativos.
Diante disso, surgem muitas perguntas, tais como:

o que é “interesse público”?

a quem cabe determinar o que é


“interesse público”?

o “interesse público” sempre se sobrepõe


sobre os interesses privados?

Essas são questões difíceis na teoria e muito mais difíceis na prática,


especialmente, porque determinam o resultado de controvérsias
e litígios. A relevância do tema exige respostas que propiciem um
mínimo de certeza.

O que é “interesse público”?

A expressão “interesse público” não possui um conteúdo preciso e


determinado. Não existe algo que seja reconhecível como “interesse
público” em termos abstratos e teóricos. “Interesse público” indica
situações, necessidades, valores, bens, direitos que apresentam uma
importância que ultrapassa a dimensão individual. Sob um ângulo,

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interesse público é sinônimo de interesse coletivo. Assim, por exemplo,


podemos dizer que o abastecimento de água apresenta interesse
público. Afinal, todos os seres vivos necessitam de água.
Mas não é correto afirmar que o “interesse público” seja sinônimo
de interesse de todos. Se fosse, bastaria um interesse divergente
para não existir o interesse público. Em muitos casos, interesse
público é o interesse da maioria. Por exemplo, é correto afirmar que
existe interesse público em fixar as tarifas de água no menor valor
possível. Mas esse é o interesse dos consumidores, que são aqueles
que pagam pela água fornecida. O interesse do fornecedor de água
– usualmente, um concessionário privado – não consiste em que a
tarifa de água seja a menor possível.
Em outros casos, o interesse da maioria não é o interesse público.
Há situações em que o interesse público relaciona-se a minorias. Por
exemplo, existe interesse público em proteger as minorias raciais,
religiosas, sexuais etc.
Esses exemplos demonstram que a expressão “interesse público” é
utilizada em diferentes situações, para indicar coisas muito distintas.
Significa que “interesse público” não é uma situação única, uniforme
e padronizada.
Não implica que possamos usar “interesse público” de modo
arbitrário. Ninguém concordaria, por exemplo, que o interesse público
autorizaria estabelecer como feriado nacional o dia de fundação
do time de futebol mais popular do país. Todos reconhecem que a
preferência futebolística é uma questão privada, não pública.
Ou seja, o interesse público se refere a situações, valores, bens e
direitos que são protegidos em virtude de apresentarem importância
diferenciada. Indica valores reputados como essenciais, relevantes,
que ultrapassam a dimensão individual e egoística da existência.
Quando o direito protege o interesse público, não está protegendo
a maioria em detrimento da minoria da população. O direito tutela
os valores essenciais e fundamentais. Na maior parte dos casos, isso
significa proteger a maioria da população, porque esses valores

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fundamentais se relacionam à existência coletiva. No entanto, há


muitos casos em que a minoria é protegida, porque muitos valores
essenciais referem-se ao ser humano, considerado como indivíduo.
Indo avante, existem muitos valores diferentes protegidos pelo
direito. Não é correto imaginar um “interesse público” único. Não
existe “o” interesse público, mas há “interesses públicos”, no plural.
Por exemplo, é muito importante construir rodovias, que facilitam
o deslocamento de bens e pessoas, permitem a integração
nacional e promovem o desenvolvimento econômico. Mas também
é fundamental proteger o meio ambiente e preservar sítios
arqueológicos. Por isso, a construção de rodovias deve observar
limites. Esses valores são igualmente relevantes e protegidos.
Em síntese, pode-se dizer que “interesse público consiste no
conjunto de valores fundamentais, compartilhados pela sociedade
e protegidos pelo direito, que são relevantes para a existência da
sociedade e para a proteção dos indivíduos”.

A quem cabe determinar


o que é “interesse público”?


A determinação do interesse público cabe ao
direito. Mas a determinação concreta daquilo
que é de interesse público ao povo, por meio Todo poder
de seus representantes, nos termos do art. 1º, emana do povo,
parágrafo único da CF/88. As regras jurídicas que o exerce
estabelecem procedimentos e formalidades por meio de
para o reconhecimento formal da existência representantes
do interesse público e atribuem, como regra, às eleitos ou
autoridades estatais a competência para isso. diretamente, nos
Portanto, a lei (entendida em sentido amplo, termos dessa
para abranger inclusive a Constituição) e o Constituição
ato administrativo são o instrumento para a
identificação do interesse público. Isso não

art. 1º, parágrafo único da CF/88.

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significa existir um poder arbitrário. Num Estado Democrático


de Direito, todas as competências estatais são instituídas e
limitadas, mesmo quando existir uma margem de autonomia
(discricionariedade) para a autoridade estatal.
Por isso, a afirmação pela autoridade estatal da existência de
interesse público não é suficiente para legitimar um ato administrativo
concreto. Nenhuma competência legitima um ato administrativo
destituído de motivação ou cujo conteúdo for incompatível com
o direito. É indispensável que a autoridade administrativa detalhe
a situação, indique os valores envolvidos, com observância de um
procedimento administrativo.
Se a decisão administrativa apenas invocar a expressão “interesse
público” e não contiver motivação concreta e satisfatória, o juiz
não disporá de condições de cumprir o art. 489, § 1º, do CPC, que
determina o seguinte:

“Não se considera fundamentada qualquer


decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à
paráfrase de ato normativo, sem explicar sua
relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos
indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso; ...”.

Essa regra se aplica também para o ato administrativo, porque


é vedado ao juiz se substituir ao administrador (para identificar a
presença do interesse público). Se o ato administrativo não foi
motivado adequadamente, será impossível que a sentença supere
esses defeitos.
Há ainda outra imposição legal. O art. 20 do Dec.-lei 4.657/1942
(com a redação da Lei 13.655/2018) estabelece que:

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“Art. 20. Nas esferas administrativa,


controladora e judicial, não se decidirá com
base em valores jurídicos abstratos sem
que sejam consideradas as consequências
práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará


a necessidade e a adequação da medida
imposta ou da invalidação de ato, contrato,
ajuste, processo ou norma administrativa,
inclusive em face das possíveis alternativas.”

É inválida a decisão de qualquer autoridade estatal que se


limitar a invocar o “interesse público”, sem demonstrar a presença
de valores cuja proteção se faz necessária ou de que derivem as
consequências impostas. Aplicam-se os remédios tradicionais do
direito administrativo, tal como a teoria dos motivos determinantes,
a verificação do erro de fato e a apuração do desvio de finalidade.
Cabe à autoridade estatal determinar o que é de interesse público,
mas a validade de sua decisão depende da observância de um
procedimento adequado e da demonstração das circunstâncias
concretas que demonstrem a legitimidade da decisão.

O “interesse público” sempre se sobrepõe aos


interesses privados?

A resposta é negativa. O direito define a proteção aos interesses


públicos e privados. Em muitos casos, existem direitos fundamentais
dos sujeitos privados, oponíveis à coletividade e ao Estado. Essa é uma
das características da CF/88: a proteção aos direitos fundamentais
do cidadão. Nenhum ato estatal é válido quando infringir direitos
subjetivos reconhecidos ao particular – especialmente quando
se tratar de direitos fundamentais. O interesse público somente
prevalece sobre o interesse privado nas situações em que o direito
assim o determinar. Afirmar que o “interesse público” prevalece sobre
um direito fundamental privado é uma violação à Constituição.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Talvez seja mais correto afirmar que o “interesse público” incorpora


os direitos fundamentais. Quando se avalia a situação para definir a
existência do interesse público, é obrigatório considerar também os
direitos fundamentais dos particulares. Ou seja, o direito fundamental
do particular não pode ser sacrificado, menosprezado, diminuído
mediante a invocação ao interesse público porque a definição de
“interesse público” compreende inclusive a proteção aos direitos
fundamentais.
Em muitas situações, o direito contém soluções para compatibilizar
os direitos fundamentais do indivíduo com os valores e interesses da
coletividade. O direito admite a restrição ou sacrifício aos direitos do
particular, mas assegura a ele uma compensação justa. O exemplo
mais evidente é a desapropriação, prevista no art. 5º, inc. XXIV, da
CF/88.

Conclusão

A CF/88 consagrou uma sociedade justa e igualitária e impôs


ao Estado o dever de promover a dignidade de todos, combater
as desigualdades regionais, eliminar a miséria e fomentar o
desenvolvimento econômico sustentável. O interesse público
compreende uma grande variedade de valores, que se referem tanto à
coletividade como ao indivíduo. A validade dos atos estatais depende
da compatibilidade com esse conjunto de valores, que se traduzem
em princípios e regras jurídicos. O cumprimento da missão do Estado
não é simples. Mas a dificuldade envolvida não pode ser superada
mediante o expediente de denominar de “interesse público” aquilo
que tiver sido arbitrariamente escolhido pelo governante.

Marçal Justen Filho é advogado e autor de diversos livros


jurídicos.

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V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO DO TR A B A L H O

O acesso à Justiça do Trabalho


João Baptista Lousada Camara


Resistência é forma de luta.
O acesso pleno, integral e total à
Justiça do Trabalho representa um
direito fundamental da cidadania.


Iniciava meu caminho pela advocacia trabalhista, ainda estudante,
já lá se vão mais de 60 anos, quando o acesso à justiça era pleno.
A Constituição de 1946, então vigorante, proclamara o acesso à
justiça que havia sido expurgado pela Carta de 1937, como próprio
das ditaduras.
Naquela época, quando começava a minha carreira pelo
apadrinhamento de Evaristo de Moraes Filho, advogar na Justiça do
Trabalho era diferente.
As iniciais podiam ser tomadas a termo. As custas eram pagas
com estampilhas; os agravos de petição eram decididos de modo
monocrático; havia audiências aos sábados; e a primeira máquina
de fotocópia na cidade atraía filas de advogados no Mercado das
Flores, Centro do Rio de Janeiro.
A inépcia dos pedidos só se tornou mais conhecida dos advogados
trabalhistas depois do CPC de 1973.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

O acesso à Justiça voltou a sofrer restrições pelos Atos Institucionais


nº 3 de 1966 e nº 5 de 1968, por motivos óbvios.
A Constituição cidadã de 1988 restabeleceu o acesso pleno à Justiça.
No entanto, agora o acesso à Justiça do Trabalho restou coarctado
por legislação ordinária!!!
O acesso à justiça antevisto por Aristóteles ultrapassou os anos e a
melhor definição que encontrei para conceituar o princípio foi o de
Hannah Arendt – “é o direito a ter direitos”.
Correu todo esse tempo e novas atividades, novas concepções do
trabalho e recentes progressos da tecnologia passaram a exigir uma
atualização da legislação nacional sobre o Direito do Trabalho.
No entanto, sob o fundamento do denominado “Custo Brasil” (falso),
com argumento de que o número de ações trabalhistas no país
correspondia a 95% de todas as ações trabalhistas do mundo (falso),
debaixo do pretexto da não existência da Justiça do Trabalho em
outros países (falso) e com a promessa de que seriam aumentados
os empregos (muitas vezes falso), em vez de atualização, foi editada,
de afogadilho, a denominada Reforma Trabalhista sem um estudo
mais acurado e um largo debate com a sociedade.
No referido diploma – Lei 13467/2017, de modo sutil e cerebrino,
o acesso à Justiça do Trabalho foi mascarado com o disfarce de
restrições à gratuidade de justiça.
O então Procurador Geral da República, ato contínuo, propôs a
Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5766 afirmando que
a Reforma Trabalhista havia imposto limitações inconstitucionais
à garantia de gratuidade judiciária para os que comprovassem
insuficiência de recursos adotando de forma sibilina a restrição do
acesso à Justiça do Trabalho. O requerimento da peça inicial apontava
a inconstitucionalidade dos artigos 790-B e 791-A, da Consolidação
das Leis do Trabalho.
Ressalta inquestionávela inconstitucionalidade dos supramencio-
nados dispositivos em face do artigo 5º, LXXIV e XXXV da Consti-
tuição. Na espécie, o Supremo Tribunal Federal já declarou que o

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

direito à assistência plena e gratuita, inserida na Carta Maior abarca,


igualmente, o direito à gratuidade de Justiça.
A decisão prolatada na referida ADI não escondeu o propósito de
reduzir o acesso à Justiça do Trabalho. No seu inciso 1, para justificar
a procedência parcial, é dito: “o direito à gratuidade de justiça pode
ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive
por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários”.
Evidentemente, verificou-se um tratamento discriminatório do
conceito da litigância abusiva que ocorre, igualmente, em ações de
outra natureza. A litigância abusiva pode ser penalizada pela má-fé.
Na espécie, entretanto, das ações trabalhistas, a litigância abusiva,
pela manifestação da Suprema Corte, foi prévia e presumidamente
punida de modo ostensivo com o claro objetivo de reduzir o número
de processos.
Ora, uma singela interpretação léxica da expressão litigância abusiva
representa, de plano, um preconceito subjetivo. Recente pesquisa
(Portal G1 de 22/02/2019) denunciou que o maior percentual de ações
na Justiça do Trabalho perseguia a reparação de verbas rescisórias,
resultado que desmente todos os fundamentos da decisão proferida
na ADI.
A Corte Superior, em matéria de arguições de inconstitucionalidade,
questão regulada pela Lei 9868/1999, em seu artigo 27, pode
restringir os efeitos da decisão. Como a dicção do vocábulo restringir
é induvidosa, os doutos, por eufemismo, resolveram substituir a
expressão restringir por modulação, mais palatável para os leigos,
tudo para justificar se uma norma era mais ou menos inconstitucional,
como se tal fosse possível. Uma simples consulta aos sites que tratam
dos significados das palavras vai revelar semelhança entre modulação
e degradação.
Pedro Serrano, notável jurista, intitulou artigo recente dizendo
(Conjur – 11/12/2017): “Não há imoralidade maior do que a degradação
de direitos”.
É o que está ocorrendo com o acesso à Justiça do Trabalho.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Em termos Brasil o acesso à Justiça continua aberto para todos


com limites somente para aqueles que buscam a reparação de
direitos na Justiça do Trabalho. A Reforma Trabalhista, com digitais
hoje conhecidas, trouxe artigos geradores de insegurança jurídica,
contrariando jurisprudência consolidada, doutrina uniforme e
vulnerando direitos fundamentais estabelecidos no artigo 8º da
Convenção Inter-Americana de Direitos Humanos - Pacto de São José
da Costa Rica, tratado ratificado que elevou o referido instrumento
ao nível de preceito constitucional.
Vale a lição do Ministro Edson Fachin que, ao votar no julgamento
da ADI resumiu tão árduo tema, em um simples parágrafo, sic: “A
restrição, no âmbito trabalhista, das situações em que o trabalhador
terá acesso ao benefício da gratuidade da justiça, pode conter em si
a aniquilação do único caminho que dispõem esses cidadãos para
verem garantidos seus direitos sociais trabalhistas”.
Todos aqueles que lidam com o direito, nas mais diversas áreas e
atividades, devem assumir suas posições na defesa da Constituição.
Concluímos com a lição de Julián Fuks, na sua premiada obra A
Resistência: “É preciso aprender a resistir. Nem ir, nem ficar, aprender
a resistir”.
Resistência é forma de luta. O acesso pleno, integral e total à Justiça
do Trabalho representa um direito fundamental da cidadania.

João Baptista Lousada Camara é advogado.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO CI V I L

A prescrição da pretensão derivada do


inadimplemento contratual
Judith Martins Costa

O vigente Código Civil modificou o regramento da prescrição, seja


do ponto de vista estrutural (discernindo, na estrutura codificada,
entre prescrição e decadência), seja quanto à extensão, reduzindo
amplamente os prazos prescricionais e prevendo diferentes hipóteses
de incidência. A Lei passou a prever prazos prescricionais específicos
de um, dois, três e cinco anos (art. 206, § 1º a § 5º), classificados de
acordo com a espécie de pretensão, mantendo, todavia, a regra geral
– incidente se não configurado qualquer um dos prazos específicos –,
fixando-o em dez anos (art. 205).
Embora a clareza as regras legais, doutrina e jurisprudência
hesitaram quanto à definição do prazo aplicável à prescrição da
pretensão derivada do inadimplemento contratual: incidiria o prazo
decenal, previsto como regra geral para todas aquelas hipóteses em
que não há regra especial ou o inadimplemento de contrato faz
nascer pretensão à “reparação civil”, então fazendo incidir o prazo
prescricional específico de três anos, conforme o artigo 206, § 3º, V,
do Código Civil?
O tema foi recentemente enfrentado pela Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça1, em decisão da maior importância, pois coloca
um ponto final na incerteza que tantas situações injustas causou,
definindo ser decenal o prazo prescricional incidente a ações que
visam obter indenização motivada pelo incumprimento imputável
de contrato.
Examinada em retrospectiva, a matéria já fora objeto de vinte e
uma decisões, entre 2008 e 2016, aplicando o prazo de dez anos à
responsabilidade contratual; e apenas duas inclinando-se ao prazo

1 STJ. EREsp 1.281.594/SP. Corte Especial. Relator Min. Benedito Gonçalves. Relator p/
Acórdão Min. Felix Fischer. J. em 15.05.2019.
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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

trienal, mas sem análise do mérito, seja porque a matéria não fora
impugnada em sede recursal, mantendo-se a decisão da instância
anterior, seja em virtude do óbice das Súmulas 5 e 7 do STJ.
No final de 2016, porém, concluiu-se em um julgado da 3ª Turma
do STJ, pela aplicação do prazo trienal também para as pretensões
indenizatórias fundadas no inadimplemento contratual. Conquanto
enfrentado o mérito da questão, não se explicou o porquê da
viragem, nada se tendo referido acerca da razão de tão radical
descontinuidade no entendimento do Tribunal responsável por
uniformizar a interpretação das leis infraconstitucionais do país a fim
de dar segurança jurídica e previsibilidade aos cidadãos.
Desde então, proliferaram decisões em ambos os sentidos, até
que, em junho de 2018, no EREsp 1.280.825/SP, da Segunda Seção,
relatora a Min. Fátima Nancy Andrighi, reafirmou-se a aplicabilidade
do prazo de dez anos, sendo essa a solução acorde ao regime da
inexecução contratual previsto no Código Civil. É esse o entendimento
que vem de ser agora respaldado pela acima mencionada decisão
da Corte Especial.
O primeiro ponto a destacar no novel julgado é o fato de ter
obedecido e reafirmado o inafastável princípio da segurança jurídica.
Decisões contraditórias, proferidas ao sabor dos valores – muitas vezes
mutáveis – dos julgadores, não servem ao Estado de Direito.
O segundo e não menos importante aspecto diz respeito à alta
qualidade técnica da decisão. O voto condutor do Exmo. Min. Felix
Fischer, relator para o acórdão, é tecnicamente irretocável, pois
fundado na compreensão da inteira disciplina codificada no que diz
com a execução e à inexecução das obrigações contratuais.
Começa por não ignorar o fato de o inc. V do art. 206, §3º do Código
Civil, ter usado a expressão “reparação civil” ao fixar o prazo trienal.
Porém, como as palavras da lei não são unidades isoladas e soltas no
espaço, a decisão situa o elemento literal no seu entorno normativo.
Visualizando o Código Civil em sua integralidade sistemática, percebe
que o alcance da expressão “reparação civil” é pontuado pelo distinto
tratamento conferido pela Lei, de um lado, às obrigações fundadas
em contrato; de outro, às obrigações fundadas em ato ilícito absoluto.
Analisando a disciplina legal das obrigações contratuais, recorda

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

que o regime principal é o do contrato, sendo o dever de indenizar


um dever acessório, ou dever subsidiário, dotado de função própria
do plano sancionatório. Assim, enquanto não prescrita a pretensão
principal (a referente à obrigação contratual), não seria lógico
poder prescrever a respectiva sanção (a obrigação pelas perdas e
danos). Se a pretensão ao adimplemento ainda não foi atingida
pela prescrição e, portanto, o contratante pode exigir a observância
ao avençado, a lógica reclama que também lhe seja reconhecida a
possibilidade de responsabilizar o devedor pelo descumprimento.
Como consequência, enquanto se puder exigir a prestação contratual,
subsistirá a exigibilidade do acessório (pretensão ao equivalente
econômico e seus acréscimos legais)2.
De fato, careceria de sentido afirmar que o credor tem um prazo
para exigir o cumprimento da prestação e outro para reclamar o
pagamento das perdas e danos que lhes são devidos em razão do
mesmo descumprimento. Pode-se afirmar o mesmo a propósito da
execução pelo equivalente e da resolução. Se o credor ainda pode
reclamar a prestação substitutiva ou a extinção da relação contratual,
deve-se, igualmente, reconhecer-lhe a pretensão indenizatória
decorrente do mesmo inadimplemento definitivo3: do contrário,
se admitida fosse a tese do prazo prescricional de três anos para
reclamar indenização do incumprimento de contrato, o credor teria
dez anos para exigir o cumprimento da prestação, mas apenas três
para exigir a indenização decorrente da inobservância do tempo,
lugar ou modo pactuados por parte do devedor, é dizer, da mora.
Passados três anos, o devedor poderia, mediante o cumprimento
tardio da prestação, obter o efeito equivalente à purgação da
mora sem, todavia, ressarcir os prejuízos causados ao credor, o que

2 Assim, THEODORO JUNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil. Vol. III. Tomo
II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 333). No mesmo sentido: MALUF, Carlos Alberto
Dabus. Código Civil Comentado: artigos 189 a 232. Atlas: São Paulo, 2009, p. 111-112;
CARNEIRO, Athos Gusmão. Prescrição trienal e “reparação civil”. Revista de Direito Bancário
e do Mercado de Capitais vol. 13, n. 49, 2010, p. 18-19.
3 Assim escreveu-se em: MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Vol. V.
Tomo II. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 160-161); Ainda: THEODORO JR., Humberto.
Comentários ao novo Código Civil. Vol. III. Tomo. II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 310 e
332-334; ZANETTI, Ana Carolina Devito Dearo. Contrato de Distribuição. O inadimplemento
recíproco. São Paulo: Atlas, 2015, p. 121 e ss.; e ZANETTI, Cristiano de Sousa. A transformação
da mora em inadimplemento absoluto. Revista dos Tribunais, vol. 942, 2014, p. 13-14.
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contrastaria com a regra constante do art. 401, inc. I, do Código Civil4.


E o mesmo se verifica na hipótese de inadimplemento definitivo. O
credor teria então dez anos para pleitear a execução pelo equivalente
ou, se cabível, a resolução, mas apenas três anos para reclamar o
pagamento das perdas e danos decorrentes do inadimplemento,
de modo que o art. 475 do Código Civil passaria a ser aplicado pela
metade5.
Solvida a questão sob os critérios literal, lógico e sistemático, a
decisão da Corte Especial voltou-se, enfim, ao critério axiológico,
para destacar a falta de identidade valorativa entre as espécies de
pretensão contratual e extracontratual. Com apoio em boa doutrina6
rejeita a ideia da prevalência da tese unitária ou monista – que “parece
andar na contramão da história ao buscar igualar – contra legem – o
que a peculiaridade impõe distinguir”7, dissolvendo em uma mesma
e única disciplina a responsabilidade contratual e a delitual.
O aresto bem discerne, ao contrário, entre os bens jurídicos em
jogo. De um lado, a pretensão extracontratual diz respeito a bens
jurídicos gerais, em atenção ao comando neminem laedere. Nestes
casos, o fundamento da responsabilidade reside, basicamente, numa
reprovação à injusta violação de direitos alheios derivada de uma
falta de diligência, lato sensu compreendida. De outro, a pretensão
contratual atine a relações que se protraem no tempo por meio de
uma sucessão de condutas voltadas à obtenção de um fim comum – o
adimplemento do pactuado – voluntariamente buscado pelas partes.
O dever de indenizar, nesse caso, traduz a reprovação a um atentado
contra determinada relação especial de confiança legítima existente
entre as partes, concretizado na violação de um direito de crédito. Como

4 In verbis: “Art. 401. Purga-se a mora: I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação
mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta”.
5 Esses argumentos estão mais demoradamente expostos em: MARTINS-COSTA, Judith;
ZANETTI, Cristiano de Sousa. Responsabilidade Contratual: Prazo Prescricional de Dez Anos.
Revista dos Tribunais, vol. 979, mai./2017, p. 215-241.
6 FRITZ, Karina Nunes. Comentário ao EREsp. 1.280.825/RJ: prazo prescricional de dez anos
para responsabilidade contratual? Revista IBERC v. 2, n. 1, p. 01-24 jan-abr.2019. Na doutrina
francesa v. CARVAL, Suzanne. La Construction de la responsabilité civile. Paris, PUF, 2001,
especialmente p. 124-126.
7 FRITZ, Karina Nunes. Comentário ao EREsp. 1.280.825/RJ: prazo prescricional de dez anos
para responsabilidade contratual? Revista IBERC v. 2, n. 1, p. 01-24 jan-abr.2019.
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já bem havia apontado a 2a. Seção do STJ, no julgamento do EREsp.


1.280.825/RJ, não existe qualquer afronta ao princípio constitucional
da isonomia em o legislador reservar prazos prescricionais distintos
para os casos de violação contratual e cometimento de ato ilícito
absoluto, pois ambos os tipos de responsabilidade se distinguem
ontológica, estrutural e funcionalmente, tratando-se, essa conclusão,
não de um anacrônico conservadorismo, mas “um mandamento de
respeito à lei e de racionalidade, imprescindível ao desenvolvimento
seguro e progressivo do direito8”.
Assinala a decisão, por fim que, por se tratar de uma regra restritiva
de direitos, a norma que versa sobre prescrição não comporta
interpretação extensiva nem analógica. De fato, trata-se de assegurar
a devida proteção ao crédito. A fixação dos prazos prescricionais
não pode ficar ao arbítrio do que o julgador considera “melhor”,
“mais moderno” ou “mais oportuno”, dependendo da estabilidade
da fixação por lei. É de ser festejada, pois, a decisão proferida no
julgamento do EREsp 1.281.594/SP pela Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça ao consolidar a orientação que já era majoritária:
para o inadimplemento de contrato incide o prazo de dez anos.

8 FRITZ, Karina Nunes. Comentário ao EREsp. 1.280.825/RJ: prazo prescricional de dez anos
para responsabilidade contratual? Revista IBERC v. 2, n. 1, p. 01-24 jan-abr.2019.

Judith Martins-Costa é advogada. Foi professora de Direito Civil na


UFRGS. Livre Docente pela USP. Autora de diversos livros jurídicos.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO PE N A L

Panorama do Direito Penal Ambiental:


do crime à responsabilidade
Ademar Rigueira Neto

Reconhecer que o direito penal tem sido posto à prova não se trata
de uma novidade. Entre todos os ramos do direito talvez seja ele o
que mais prendeu a atenção da sociedade brasileira nos últimos
cinco anos. É verdade que, em parte das discussões, o que está
mesmo em causa é a transformação do método do processo penal:
de um modelo reativo para o proativo.
Apesar do crescente interesse - não por acaso - em temas
de natureza processual, no direito penal também se tem visto o
nascimento de problemas que incidem diretamente no exercício
da advocacia criminal. Refiro-me precisamente a três espécies
de problemas, são eles: a) as dificuldades probatórias quanto a
configuração de determinados delitos ambientais; b) a atribuição
de responsabilidade penal aos dirigentes de empresas acusadas
por crimes ambientais; e c) a defesa criminal das pessoas jurídicas
envolvidas nos delitos contra o meio ambiente.
Como se nota, os problemas apontados se relacionam
diretamente às discussões particulares de qualquer processo criminal
que vise a apuração e determinação de responsabilidade penal aos
sujeitos que possam ser considerados como os “donos do fato” e,
portanto, merecedores do juízo de reprovação penal. Eis a relevância
prática dos temas que serão aqui desenvolvidos, os quais, registro,
de maneira apenas provocativa ante as limitações colocadas pela
finalidade a que se destinam.
Fixadas essas questões, passamos à tentativa – não exaustiva – de
apontar diretrizes para tornar o exercício da advocacia criminal do
meio ambiente menos tortuosa e quiçá mais atenta aos eventuais
obstáculos que se apresentam nesse âmbito já naturalmente
complexo.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Quanto a materialidade dos delitos ambientais, opõe-se desde


logo o seguinte questionamento: qual o nível de exigência probatória
a respeito da ocorrência ou não de um dano ambiental atual ou
potencial apta a sustentar, por exemplo, o crime de poluição do art.
54 da lei nº 9.605/98?
Essa provocação tem razão de existir, pois o princípio da ofensividade
e da culpa assim o exigem. Não basta, portanto, que simplesmente
se apele para a técnica de incriminação dos delitos cumulativos para
responder aquela pergunta. É essencial compreender que nem toda
a poluição é crime – na realidade, sob a perspectiva dos princípios
do direito penal, poucas o são.
Guiado pelos parâmetros constitucionais, o decisivo é que dos
autos se constate ao menos uma ameaça real ou iminente ao meio
ambiente, pois, caso contrário, o direito penal assumirá um papel de
gestor de riscos próprio do direito administrativo – o que não se deve
admitir num direito penal ancorado na ideia de culpa e de proteção
aos bens jurídicos.
Mas caso exista uma tal “ameaça real ou iminente” e se estabeleça o
vínculo causal entre o dano/perigo e uma empresa poluidora, quem
dos integrantes da pessoa jurídica serão pessoal e criminalmente
responsáveis pelo dano?
Sobre essa questão já se escreveram rios de tinta, mas ainda se
teima no uso de soluções arcaicas que nada mais fazem se não
responsabilizar dirigentes empresariais apenas pelo cargo que
ocupam, pelas competências formais estipuladas num estatuto
social distante da realidade ou pelo “não sabe, mas devia saber por
alguma razão”. De fato, responsabilizar um dirigente no meio de
tantos outros não é tarefa fácil, mas na empresa nem tudo é assunto
de todos.
Maior desafio consiste na atribuição de responsabilidade em
virtude de decisões colegiadas. Ora, nesse ponto é necessário impor
uma premissa básica que impeça a imputação penal pelo mero fato
do dirigente ter participado de votações, ter composto o quórum
mínimo ou de não ter realizado aquilo que o estatuto social da
empresa não lhe permitia quando percebe que a decisão colegiada
para a qual contribuiu poderia desencadear na consumação de um
crime ambiental.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Em outras palavras, o advogado criminal deve estar atento ao fato


de que a responsabilidade penal jamais poderá se assentar na prática
de atos lícitos e completamente integrados à normalidade da vida
empresarial. Além disso, merece um alerta especial o julgamento
sob a perspectiva ex post. A relevância criminal dos atos empresariais
deve ser vista desde uma perspectiva ex ante, sob pena de se punir
por aquilo que não se sabia e nem se poderia saber.
Mais justo e eficiente seria, creio, averiguar a realidade fática de
corporações complexas, tendo sempre em vista a repartição de
tarefas, a hierarquia, os deveres formais e materiais porventura
negligenciados e as delegações de funções, entre outros aspectos
do dia-a-dia empresarial.
Ainda que essa apuração demande tempo e energia dos órgãos
de justiça criminal, mais vale realizá-la do que simplesmente ignorar
que a condenação de um inocente não atende a quaisquer dos fins
das penas. É evidente que, quem não sabe o porquê está sendo
punido está fadado a repetir o erro. E, sublinhe-se, isso se aplica de
um modo geral à própria sociedade, que não reconhece as razões
pelas quais pune ou deixa de punir.
Nesse caso, cabe ao advogado criminal buscar maneiras de
racionalizar o poder punitivo estatal, não apenas por meio do combate
justo e dialético, mas também pela promoção da investigação
defensiva, antecipando-se e colhendo indícios e meios de prova
admissíveis para corroborar a estratégia de defesa eleita.
Por último, mas de maneira alguma menos importante, recordemos
que o direito penal ambiental guarda uma particularidade que o
distingue de todos os outros ramos do direito penal: a possibilidade
de responsabilização criminal das pessoas jurídicas por delitos
cometidos no seu interesse.
Na atual realidade jurídica brasileira não parece haver dissenso de
que a empresa sempre responderá por ato de outrem, nesse caso,
dos seus representantes e dirigentes, desde que tal ato seja praticado
no interesse ou benefício da corporação. Entretanto, se o legislador
previu a responsabilidade criminal da pessoa jurídica nos delitos
ambientais seria de se esperar que empresa pudesse responder por
si só pelos crimes eventualmente cometidos.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Por outro lado, caso a empresa tivesse se precavido ao máximo


para evitar a prática de ilícitos em seu seio, mas ainda assim tivessem
ocorrido, haveria alguma justiça na atribuição da responsabilidade
penal em prejuízo dela por um ato isolado e exclusivo de um ou
alguns de seus dirigentes? A resposta parece ser negativa, pois a
responsabilidade criminal atrai o princípio da individualização, não
sendo possível alguém responder por ato exclusivo de outrem.
Nessa lógica, abrem-se espaços para o surgimento de novas formas
de prevenção de crimes implementadas no interior de empresas,
sejam elas grandes ou pequenas, locais ou nacionais. O que vale,
afinal, é evitar as pesadas sanções penais previstas em lei, que
comprometem o patrimônio, o funcionamento e a credibilidade das
empresas.
Daí que nos últimos anos as discussões a respeito dos programas
de compliance tenham estado tão acaloradas, pois são medidas
preventivas de ilícitos cuja implementação visa a criação de um
ambiente corporativo desfavorável ao crime, através da criação de
códigos de conduta corporativa, canais de denunciação do crime
e, em última análise, o cumprimento rigoroso dos comandos
normativos. Tais programas visam não só evitar o cometimento de
ilícitos, mas ainda a redução de penalidades caso crimes venham
a ser praticados, pois revelam uma certa intenção da empresa em
seguir fielmente o direito.
Dito isso, conclui-se que, em matéria de direito penal ambiental, as
dificuldades para o advogado criminal e as garantias fundamentais
são imensas, embora abram na mesma medida a oportunidade de
traçar novas estratégias de defesa voltadas a preservar as necessidades
jurídico-penais dos acusados em geral, dentre eles as pessoas jurídicas,
em uma área naturalmente complexa e repleta de inovações.

Ademar Rigueira Neto é advogado e Conselheiro Federal


da OAB.

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V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO PR OCE S S UA L

A definição dos Honorários


Advocatícios de Sucumbência pelo STJ
José Rogério Cruz e Tucci

Além de muitas novidades introduzidas pelo vigente Código de


Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), foram modificados os critérios
norteadores da fixação dos honorários advocatícios de sucumbência.
Houve, de fato, inúmeras alterações sobre essa importante
temática, desde a condenação da Fazenda Pública em honorários
mais condizentes com o exercício profissional até a denominada
sucumbência recursal.
A matéria encontra-se agora pontualmente disciplinada, em
particular, nos arts. 85 a 90 do aludido diploma processual.
O princípio da causalidade continua a justificar a responsabilidade
pela sucumbência, como se infere do caput do art. 85: quem perdeu
deve arcar com os honorários do advogado do vencedor.
Ademais, prestigiando, em vários aspectos, o posicionamento
que já prevalecia na jurisprudência, o § 1º do art. 85 estabelece que
são devidos honorários: a) na reconvenção; b) no cumprimento de
sentença, provisório ou definitivo; c) na execução, resistida ou não; e
d) nos recursos.
Como regra de regência, o § 2º do art. 85 dispõe que os honorários
deverão ser fixados no percentual entre 10% e 20% (em ordem
de preferência) da condenação, do proveito econômico ou, na
impossibilidade de estimar-se o quantum debeatur, sobre o valor
atualizado da causa. E isso tudo, independentemente da natureza
da decisão, se de extinção do processo sem julgamento do mérito, de
procedência ou de improcedência do pedido (§ 6º). Na hipótese de
perda superveniente de interesse de agir (perda de objeto), a parte
que deu causa ao processo deverá também arcar com o pagamento
dos honorários.

 31
A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Não há que se confundir os i) honorários contratuais, que são


aqueles acertados entre advogado e cliente, com base na autonomia
privada, com os ii) honorários de sucumbência, aqueles que decorrem
da condenação da parte vencida (sucumbente) a pagar honorários
diretamente ao advogado da parte vencedora, em um processo
judicial.
Vale dizer, a relação entre advogado e cliente gera, no mais das
vezes, honorários contratuais, convencionados na esfera da autonomia
privada das partes da relação de confiança, enquanto que, no
âmbito do processo judicial, emerge outra remuneração, atinente
aos honorários de sucumbência. Ambas as espécies de honorários,
convencionais (ou fixados por arbitramento) e de sucumbência são
cumulativos e pertencem ao advogado, como forma de remunerá-lo
pelo seu serviço indispensável à administração da Justiça.
Pois bem, a nova regulamentação do Código de Processo Civil
atinente à fixação dos honorários de sucumbência gerou notória
insegurança nestes três anos de vigência, uma vez que pairava dúvida
se, realmente, a mens legis teria rompido o paradigma que já estava
de certo modo sedimentado em nossos tribunais, qual seja o de
que a verba honorária de sucumbência deveria, em alguns casos, ser
estimada pelo juiz, tomando-se como parâmetro, à luz do disposto
no art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil revogado, o princípio
da razoabilidade, a evitar que a respectiva condenação implicasse,
de um lado, manifesta irrisoriedade; ou, de outro, injustificado
enriquecimento do advogado ou dos advogados beneficiários em
detrimento do patrimônio do litigante que perdeu a causa.
No entanto, antes mesmo das primeiras manifestações do Superior
Tribunal de Justiça, o entendimento da doutrina era no sentido de
que os honorários de sucumbência, mesmo sob a égide do novo
código, seriam estimados pela extensão do trabalho realizado e o
tempo exigido para o seu serviço (ver, a respeito, por exemplo, Luiz
Henrique Volpe Camargo, Breves comentários ao novo Código de
Processo Civil, coord. Teresa Arruda Alvim et alii, São Paulo, Ed. RT,
2015, pág. 316).

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

É dizer, com Giuseppe Chiovenda: “O processo deve dar, na medida


do possível, a quem tem um direito [inclusive o advogado], tudo
aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir” (Dell’azione
nascente dal contratto preliminare, Saggi di diritto processuale civile,
1, Roma, Foro Italiano, 1930, pág. 110).
Passado o tempo, tudo levava a crer que esse entendimento iria
resultar inalterado, como, por exemplo, infere-se de acórdão da 1ª
Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Interno no Agravo
de Instrumento no Recurso Especial 1.714.545-SC, com voto condutor
do Ministro Sérgio Kukina, textual:

“A jurisprudência deste Superior Tribunal admite, em


caráter excepcional, a alteração do quantum arbitrado a
título de danos morais, caso o valor se mostre exorbitante,
em clara afronta aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, o que não ocorreu no caso concreto. In
casu, considera-se que o patrono da parte agravada atuou de
forma diligente, apresentando as cabíveis contrarrazões ao
recurso especial, fato que, aliado ao caráter desestimulador
dos honorários recursais, justifica sua majoração em 20%
(vinte por cento) sobre o valor anteriormente arbitrado pelas
instâncias ordinárias para a verba advocatícia, nos termos
do artigo 85, parágrafo 11, do novo CPC/2015”.

Secundando esse posicionamento, a 4ª Turma do Superior Tribunal


de Justiça, no julgamento do Agravo Interno nos Embargos de
Declaração no Agravo em Recurso Especial 439.746-CE, da relatoria
do Ministro convocado Lázaro Guimarães, decidiu ser:

“pacífico o entendimento do Superior


Tribunal de Justiça de que o valor
estabelecido a título de honorários
advocatícios pelas instâncias ordinárias
pode ser alterado nas hipóteses em que
a condenação se revelar exorbitante,
distanciando-se dos padrões de
razoabilidade, o que ocorre no caso em

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

apreço, em que arbitrado o montante


de 20% sobre o valor da execução (R$
9.176.333,98)”.

E essa orientação vem sendo seguida, sob a vigência do novo


Código de Processo Civil, no Tribunal de Justiça de São Paulo, como,
por exemplo, extrai-se de significativo acórdão da 23ª Câmara de
Direito Privado, proferido no Agravo de Instrumento 2005955-
85.2017.8.26.0000, valendo transcrever o seguinte trecho:

“(...) Ocorre que o percentual mínimo aplicável de 10% sobre


o valor atualizado da causa, implicaria no importe excessivo.
Ora, não é crível que a legislação processual pretenda coibir
tão-somente a fixação de honorários advocatícios irrisórios
(artigo 85, parágrafo 8º, do CPC/15) e, por outro lado,
permita a fixação de valores injustificáveis que impliquem
no enriquecimento sem causa do causídico. Desta forma, o
montante pretendido pela recorrida destoa dos princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade”.

Esposando o mesmo posicionamento, a 2ª Câmara de Direito


Empresarial do Tribunal de Justiça paulista, no julgamento do Apelação
1088694-94.2015.8.26.0100, teve igualmente a oportunidade de
admitir margem de adequação na fixação da verba honorária,
observado o princípio da razoabilidade, com a seguinte ementa:

“Ação anulatória de sentença arbitral. Honorários


advocatícios. Fixação por equidade, nos termos do artigo
85, parágrafo 8º, do CPC. Admissibilidade. Valor da causa
elevado, que ensejaria verba honorária em valor excessivo
caso observada a regra do artigo 85, parágrafo 2º, do CPC”.

Não obstante, aos poucos, o Superior Tribunal de Justiça, em


particular a 4ª Turma, foi superando essa clássica orientação, para
chegar a uma interpretação acentuadamente objetiva, emergente
da literalidade do referido § 2º do art. 85:

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

“Os honorários serão fixados entre o mínimo


de dez e o máximo de vinte por cento
sobre o valor da condenação, do proveito
econômico obtido ou, não sendo possível
mensurá-lo, sobre o valor atualizado da
causa...”.

Daí, com efeito, a expectativa da comunidade jurídica no julgamento


do Recurso Especial 1.746.072-PR, que foi ultimado na tarde do dia
13 de fevereiro passado.
A importante questão fora afetada à 2ª Seção do Superior Tribunal
de Justiça, para julgar recurso especial interposto contra acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que deu provimento
a agravo de instrumento de uma empresa, a fim de reduzir os
honorários advocatícios com fundamento na equidade.
Segundo se extrai dos autos do respectivo processo, a empresa
credora, na fase de cumprimento de sentença contra o Banco
do Brasil, indicou como valor a ser executado o montante de R$
2.886.551,03. Após a apresentação de impugnação pelo executado,
o juiz, amparando-se em prova pericial contábil, reduziu o valor para
R$ 345.340,97, arbitrando os honorários sucumbenciais devidos ao
procurador da instituição financeira em R$ 100 mil, com base em
critério equitativo, previsto no artigo 85, parágrafo 8º, do Código de
Processo Civil. O Tribunal de Justiça do Paraná, provendo o recurso,
reduziu os honorários advocatícios para R$ 5 mil, igualmente com
base na equidade. Ambas as partes recorreram ao Superior Tribunal
de Justiça.
Lastreando-se na redação do indigitado § 2º do art. 85, o banco
argumentou que os honorários deveriam ficar entre 10% e 20%
do proveito econômico obtido com o parcial acolhimento da
impugnação do cumprimento da sentença. Asseverou ainda que
a fixação dos honorários com base na equidade só se aplicaria às
causas de valor muito baixo ou de proveito econômico inestimável
ou irrisório.
Diante desse contexto, a Ministra Nancy Andrighi, relatora sorteada,
com arrimo no § 8º do art. 85, defendeu a majoração dos honorários

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

de R$ 5 mil para R$ 40 mil do recorrente, ponderando ser possível


a fixação dos honorários advocatícios fora do critério de 10% a 20%
estabelecidos no § 2º. De conformidade com o entendimento da
Ministra, o conceito de “inestimável”, na redação do § 8º, abrange
igualmente as causas de grande valor.
Não obstante, abrindo a divergência em voto-vista, acabou
prevalecendo o voto do Ministro Raul Araújo, ao sustentar “que o
espírito que deve conduzir o intérprete no momento da fixação
do quantum da verba é o da objetividade”, aduzindo que o novel
Código de Processo Civil estabeleceu “três importantes vetores
interpretativos”, que tendem a conferir “maior segurança jurídica e
objetividade” à matéria em discussão.
Segundo o relator designado, Ministro Raul Araújo, a regra geral e
obrigatória é a de que os honorários sucumbenciais devem ser fixados
no patamar de 10% a 20% do valor da condenação, consoante os
termos do § 2° do art. 85. O percentual pode ainda incidir sobre o
proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor
atualizado da causa:

“Nessa ordem de ideias, o Código de


Processo Civil relegou ao parágrafo 8º do
artigo 85 a instituição de regra excepcional,
de aplicação subsidiária, para as hipóteses
em que, havendo ou não condenação,
for inestimável ou irrisório o proveito
econômico obtido; ou for muito baixo o
valor da causa”.

De modo muito didático, consignou o Ministro relator, que:

“a incidência, pela ordem, de uma das hipóteses do artigo


85, parágrafo 2º, impede que o julgador prossiga com sua
análise a fim de investigar eventual enquadramento no
parágrafo 8º do mesmo dispositivo, porque a subsunção da
norma ao fato já se terá esgotado”.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Para o Ministro Raul Araújo, é nítida a intenção do legislador em


correlacionar a expressão “inestimável valor econômico” somente
às causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato,
como, por exemplo, nas causas de estado e de direito de família:

“Desse modo, no caso em apreço, diante


da existência de norma jurídica expressa
no novo Código, concorde-se ou não,
descabe a incidência dos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade,
ou mesmo a aplicação, por analogia, do
parágrafo 3° do mesmo dispositivo”.

Assim, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, com os votos,


convergentes ao do relator, dos Ministros Luis Felipe Salomão, Antonio
Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze
e Moura Ribeiro, assentou o entendimento de que os honorários
advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma
subsidiária, quando não for possível o arbitramento pela regra geral
ou quando inestimável ou irrisório o valor da causa.
Com estes fundamentos, a 2ª Seção rejeitou o recurso da empresa
e deu provimento ao do Banco do Brasil, fixando os honorários
sucumbenciais em 10% sobre o proveito econômico — diminuição
do valor pretendido — obtido pela instituição financeira.
Tal entendimento, contudo, ao meu ver, não afasta a hipótese
de que, no futuro, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar esta
questão, posicione-se no sentido de que a má aplicação dos critérios
pré-estabelecidos na legislação processual possa ser corrigida em
casos extremos, com a finalidade de restabelecer um equilíbrio de
natureza financeira, tanto quanto possível justo, entre a parte vencida
e a remuneração do advogado da parte que venceu o litígio.

José Rogério Cruz e Tucci é advogado, Professor Titular da


Faculdade de Direito da USP e Membro da Academia Brasileira de
Letras Jurídicas.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO TR I B UTÁ R I O

ISS das Sociedades Uniprofissionais: a


eterna e incansável luta da Advocacia
Luiz Gustavo Bichara
Mattheus Reis e Montenegro

Ao disciplinar a base de cálculo para fins de incidência de ISS, o


Decreto-lei nº 406/68 prevê, em seu art. 9º, §1º, que quando se tratar
de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio
contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas
ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores
pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título
de remuneração do próprio trabalho.
Em complemento, o §3º do supracitado dispositivo dispõe que,
quando forem prestados por sociedades alguns dos serviços
especificamente listados, nos quais se incluem os serviços
advocatícios, estas sociedades ficarão sujeitas ao imposto calculado
em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não,
que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo
responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.

Historicamente, os municípios,
inconformados com a tributação fixa
das sociedades profissionais, criam
argumentos para que, na prática, a
cobrança do tributo ocorra com base
no preço do serviço, que é a regra
geral.
Inicialmente, sustentavam que o Decreto-lei não havia sido
recepcionado pela Constituição Federal, o que foi solucionado a
partir da análise do tema pelo Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento dos Recursos Extraordinários 220.323/MG e 236.604-7/

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

PR, tendo sido editada a Súmula nº 663: “Os §§ 1º e 3º do art. 9º do


Decreto-Lei 406/1968 foram recebidos pela Constituição”.
Em seguida, defenderam os municípios que esta sistemática de
tributação havia sido revogada pela Lei Complementar nº 116/03, o
que foi rechaçado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.016.688,
1ª Turma, relator ministro José Delgado, DJ 5/6/2008 e REsp 713.752,
2ª Turma, relator ministro João Otávio de Noronha, DJ 10/8/2006).
A nova celeuma envolvendo o tema se deu em razão de uma
lei do Município de Porto Alegre que, a pretexto de regulamentar
os requisitos para que determinada sociedade fosse considerada
uniprofissional, inovou em relação ao disposto no Decreto-Lei nº
406/68.
Detalhando o exposto, vale pontuar que a Lei Complementar nº
20/73 (Código Tributário Municipal) estabeleceu que a contratação
de advogado correspondente impediria a sociedade de advogados
de se valer da tributação fixa, com base no entendimento de que a
atividade passaria a ter caráter empresarial.
Como é de conhecimento notório, tal requisito afeta em cheio
as sociedades profissionais de advocacia, sobretudo os pequenos
escritórios, que atuam em causas de menor repercussão econômica,
para os quais se torna inviável arcar com o custo de uma viagem mais
longa para fazer uma diligência relacionada a determinado processo,
razão pela qual revela-se absolutamente comum a contratação de
correspondentes.
Importante dizer, ademais, que esse profissional precisa se
desdobrar para comparecer a todas as audiências dos seus clientes,
fazer prospecção e atender aos prazos processuais. Noutras palavras,
a disponibilidade de material humano, na maioria dos escritórios
do país, é deveras limitada, sendo difícil e improdutivo “abandonar”
o Escritório para ir a outra localidade realizar uma diligência mais
básica, como tirar cópia de uma decisão ou despacho.
Os escritórios menores, mais do que ninguém, precisam recorrer
aos serviços de um correspondente, e são também os que mais
precisam da regra da tributação fixa.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Sempre atenta ao tema, a Seccional da OAB do Rio Grande do Sul


impetrou Mandado de Segurança objetivando que as sociedades de
advogados não se submetessem às regras previstas na legislação de
Porto Alegre.
Defendeu a OAB/RS, com brilhantismo, que os requisitos a serem
cumpridos pelas sociedades de advocacia são exclusivamente
aqueles previstos no Decreto-Lei nº 406/68, de modo que a legislação
municipal não teria competência para inovações, destacando, ainda,
que o Estatuto da OAB, em seu art. 16, prevê que “Não são admitidas
a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de
advogados que apresentem forma ou características de sociedade
empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem
atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular
de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como
advogado ou totalmente proibida de advogar.”
Portanto, se uma sociedade de advogados apresentar forma ou
característica de sociedade empresária, sequer será admitida a
registro e, se tal característica for constatada posteriormente, haverá
cassação do respectivo registro.
Ao tentar definir uma sociedade de advocacia como empresarial,
o Município de Porto Alegre, para além de invadir a competência de
lei complementar de índole nacional para definição dos elementos
do tributo, invadiu, da mesma forma, a competência do órgão de
classe a quem cabe regulamentar e fiscalizar o exercício da profissão
(Ordem dos Advogados do Brasil.)
Nesse contexto é que foi levada à análise do Supremo Tribunal
Federal, sob o rito da repercussão geral, através do Recurso
Extraordinário nº 940.769/RS, a decisão quanto à competência
tributária dos municípios para estabelecer impeditivos à submissão
de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação
fixa ou per capita em bases anuais, prevista no art. 9º, §§1º e 3º do
Decreto-Lei 406/1968.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no
exercício de sua prerrogativa de defesa da classe, atuou no caso como
amicus curiae, levando à Corte Suprema argumentos adicionais

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

que demonstravam a evidente inconstitucionalidade da legislação


atacada.
Como não poderia ser diferente, os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em sessão plenária realizada no dia 24 de abril de 2019,
decidiram, por maioria de votos (7 votos a 1, vencido o Min. Marco
Aurélio), que “É inconstitucional lei municipal que estabelece
impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados
ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida
por lei nacional”.
Trata-se, portanto, de uma belíssima vitória para a classe. Resta
saber, todavia, qual será a próxima tentativa argumentativa dos
municípios a fim de evitar essa forma de tributação, visto que, nos
últimos anos, estas foram muitas.
A Ordem dos Advogados do Brasil permanecerá vigilante, levando
ao Poder Judiciário qualquer tentativa de restrição ao direito de
recolhimento do ISS na forma prevista no Decreto-lei nº 406/68.

Luiz Gustavo Bichara é advogado, Conselheiro Federal da OAB


e procurador Tributário do Conselho Federal da OAB.

Matheus Montenegro é advogado, procurador Tributário


Adjunto do Conselho Federal da OAB.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO CO M E R CI A L / SOCIE TÁRIO

A limitação de responsabilidade e a
MP da liberdade
Marcelo Trindade


Quão limitada é a
responsabilidade dos sócios por
obrigações da empresa?

Como se pode ultrapassar


aquela limitação ou, na
mão inversa, como se pode
assegurá-la?


O direito societário é dos campos mais interdisciplinares do direito.
Nele convivem o direito e a economia, normas e números, leis e
negócios, e até mesmo línguas, dada a influência dos modelos e
capitais internacionais. Nada obstante, o direito societário tende a
ser percebido como um assunto de especialistas, o que contrasta,
também, com o fato de que quase todos os advogados lidam
diariamente com as sociedades. As pessoas jurídicas são autoras e
rés, clientes, partes adversas ou contrapartes, e estão sempre nos
obrigando a estudar como organizam-se e presentam-se (para citar
Pontes de Miranda). E talvez a questão mais frequente na vida dos
advogados, envolvendo o direito das sociedades, diga respeito à
responsabilidade por suas dívidas. Quão limitada é a responsabilidade
dos sócios por obrigações da empresa? Como se pode ultrapassar
aquela limitação ou, na mão inversa, como se pode assegurá-la?

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Entre outros temas relevantes, a Medida Provisória 881, editada


em 30 de abril de 2019 (MP 881) – que tem sido chamada de MP da
Liberdade, porque instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade
Econômica –, alterou disposições relativas àquele tema, da limitação
de responsabilidade de sócios e investidores em sociedades. Nesse
como nos demais temas a MP 881 tem pecados conceituais e muitas
falhas redacionais, que espera-se sejam corrigidas no processo
legislativo. Mas é preciso reconhecer que, ao menos quanto à limitação
de responsabilidade, o diploma alinha-se ao louvável esforço iniciado
com a edição do Código de Processo Civil de 2015 (CPC) – cujos
artigos 133 e seguintes disciplinaram o incidente de desconsideração
de personalidade jurídica, conferindo maior solenidade à pretensão
de ultrapassar-se a limitação de responsabilidade. Depois do CPC,
veio a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), procedida
pela Lei 13.467 de 2017, que expressamente mandou aplicar
aos processos trabalhistas as normas do CPC relativas ao referido
incidente de desconsideração.
A MP 881 procedeu à alteração do artigo 50 do Código Civil, para
acrescentar novos requisitos à desconsideração da personalidade
jurídica, com repercussão nos juízos do trabalho e falimentares (neste
caso por meio do acréscimo do artigo 82-A à Lei 11.101/05 - Lei de
Falências). Também pretendeu estabelecer critérios de interpretação
daquela norma central do Código Civil. E, além disso, introduziu
uma breve disciplina dos fundos de investimento, admitindo
expressamente a possibilidade de que, apesar de sua natureza
condominial, seja estabelecida a limitação de responsabilidade de
seus cotistas condôminos (acréscimo dos artigos 1.368-C a 1.368-E
ao Código Civil).
Com a redação da MP 881, o caput do artigo 50 do Código Civil
passa a exigir, como requisito da desconsideração da personalidade
jurídica, que os administradores ou sócios cujo patrimônio se pretende
alcançar tenham sido “beneficiados direta ou indiretamente pelo
abuso” da personalidade jurídica. Com isso afasta-se a mera má gestão

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

como causa de desconsideração. Já os parágrafos acrescentados ao


citado artigo 50 destinam-se principalmente a limitar os conceitos
de desvio de finalidade e de confusão patrimonial, já hoje exigidos
pelo caput. O novel § 1º impõe, como elemento subjetivo do desvio
de finalidade, o dolo específico de prejuízo a credores na atuação do
sócio ou administrador – acrescendo ainda uma confusa exigência,
aparentemente adicional (pelo uso da conjunção aditiva “e”), da
finalidade de “prática de atos ilícitos de qualquer natureza”. Já o
acréscimo do § 5º do artigo 50 destina-se a deixar claro que “[n]
ão constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração
da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa
jurídica”. A norma alinha-se ao correto entendimento de que a atuação
fora do objeto social não comprova, ao menos isoladamente, o desvio
de finalidade, na medida em que, na vida prática das sociedades,
especialmente nas de menor porte, frequentemente olvida-se a
formalização da alteração ou da ampliação do objeto.
Já quanto à configuração de confusão patrimonial, exige-se, no novo
§ 2º acrescido ao artigo 50 do Código Civil, “a ausência de separação
de fato entre os patrimônios”, caracterizada por três elementos
aparentemente cumulativos (novamente pelo uso da conjunção
aditiva “e” ao final do inciso II do § 2º): reiterado cumprimento “pela
sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa”
(inciso I); transferências patrimoniais “sem efetivas contraprestações”
ou com contrapartida irrelevante (admitindo-se que esta seja a correta
interpretação da norma, cuja redação é confusa no particular) (inciso
II); e “outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial”
(inciso III). Como o último elemento parece referir-se a outras
hipóteses de confusão entre o patrimônio das sociedades e o dos
sócios ou administradores, distintas das duas primeiras mencionadas
pela norma, a interpretação de que os requisitos referidos são
cumulativos exigiria, além da presença de ambos os indícios mais
frequentes de confusão patrimonial, a comprovação de um terceiro
elemento, necessariamente diverso dos dois primeiros. Espera-se que

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

o processo legislativo venha a depurar a redação, adotando-se um de


dois caminhos mais razoáveis e diretos. Uma primeira trilha seria a de
considerar-se a enunciação dos elementos indicativos de confusão
patrimonial como exemplificativa, e assim admitir-se que basta a
presença de uma das evidências para que a desconsideração tenha
cabimento – entendimento alinhado ao da atual jurisprudência. Um
segundo caminho, que parece mais em linha com a postura restritiva
adotada pela MP 881, seria o de limitar-se a ocorrência de confusão
patrimonial às hipóteses dos dois primeiros incisos do novo § 2º do
artigo 50, não se admitindo a desconsideração em outros casos.
Enquanto não for encerrado o processo legislativo, pode-se
afirmar que as mais intensas novidades na MP 881, quanto ao tema
da desconsideração da personalidade jurídica, concentram-se na
necessidade de prova do benefício direto ou indireto para o sócio
ou administrador, decorrente da alteração no caput do art. 50 do
Código Civil, e no requisito subjetivo introduzido pelo § 1º do mesmo
artigo 50, consistente no dolo específico de prejuízo dos credores
(acrescido da finalidade de prática de ato ilícito, a prevalecer a redação
original). Com essas duas iniciativas pretende-se, ao que tudo indica,
proteger a limitação da responsabilidade do sócio ou o gestor que
fracassem com culpa – negligência, imperícia ou imprudência –, mas
sem terem a intenção de causar o prejuízo aos credores e obterem
benefícios com isso.
É importante ressaltar, entretanto, que a norma, como atualmente
editada, não afasta (e de fato não deveria) a responsabilidade de
administradores e sócios por prejuízos decorrentes de atos culposos, e
que possam ser reparados por meio de ação própria. Atualmente, nas
sociedades simples, em que os sócios respondem subsidiariamente
pelas obrigações sociais (Código Civil, artigos 1.008, 1.023 e 1.024), “[o]
s administradores respondem solidariamente perante a sociedade
e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas
funções” (Código Civil, artigo 1.016). Já nas sociedades anônimas (e
nas sociedades limitadas às quais se apliquem subsidiariamente as

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

regras das S.A., como autorizado pelo § único do artigo 1.053 do


Código Civil), o administrador responde pelos prejuízos que causar
quando atuar com culpa ou dolo ou se violar a lei ou o estatuto (art.
158 da Lei das S.A.), mas sua responsabilidade perante a sociedade
pode ser afastada se o juiz se convencer de que atuou “de boa-fé e
visando ao interesse da companhia” (§ 6º do artigo 159 da Lei das
S.A.). Assim, apenas a responsabilidade por meio da desconsideração
da personalidade jurídica, qualquer que seja o tipo societário, passa a
depender, com a vigência da MP 881, e ressalvadas normas especiais,
da presença do benefício direto ou indireto ao sócio ou administrador
e do dolo específico de causar prejuízo. A responsabilidade por ato
culposo, e mesmo que ausente o benefício para o causador do dano,
continuará a ser possível por meio de ação de indenização, desde
que tenha sido praticado o ato ilícito e não incida uma excludente
como a do § 6º do art. 159 da Lei das S.A.
O segundo aspecto relevante da MP 881 quanto à limitação de
responsabilidade de investidores decorre da introdução da disciplina
dos fundos de investimento no Código Civil, por meio da adição dos
artigos 1.368-C a 1.368-E àquele código. A iniciativa merece elogios,
dado que a relevância econômica dos fundos de investimento como
instrumento da poupança popular no Brasil – o valor de seus ativos
montava a quase cinco trilhões de reais em abril de 2019 – não
corresponde ao seu tratamento em nível legislativo, limitado, até a MP
881, a poucas normas esparsas em algumas leis. A MP 881 também
andou bem, quanto ao tema, por adotar uma disciplina minimalista,
restrita aos assuntos que dependem de lei para garantia da plena
segurança aos agentes econômicos, e preservando (por meio do §
único do art. 1.368-C, acrescido ao Código Civil) o poder regulamentar
da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tem décadas de
experiência acumulada em regular de maneira detalhada, e quase
sempre apropriada, a indústria de fundos de investimento no Brasil.
A natureza condominial dos fundos de investimento,
majoritariamente aceita pela doutrina nacional e pela própria

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

regulamentação da CVM, sempre veio acompanhada da dificuldade


de que, em caso do fundo apresentar patrimônio líquido negativo,
os cotistas condôminos seriam chamados a aportar recursos. Em
grandes fundos de varejo, destinados a milhares de investidores e
administrados por instituições financeiras com grande patrimônio,
a própria política de investimentos, de baixo risco, quase sempre
concentrado em títulos governamentais, torna essa hipótese remota.
A situação modifica-se perigosamente quando o fundo assume
obrigações com terceiros – como em operações em mercados futuros
e com derivativos – e pode vir a perder o seu patrimônio e tornar-se
devedor de obrigações que o superem. Nesses casos, os condôminos
respondem pelas dívidas, e mesmo que tenham direito de regresso
contra o administrador ou gestor em caso de culpa ou dolo deste –
ou independentemente de culpa, caso incida na relação o Código
de Defesa do Consumidor –, no caso do próprio administrador ou
gestor entrar em insolvência, os cotistas poderão vir não apenas a
responder como a sofrer inteiramente o prejuízo.
Por outro lado, a responsabilidade ilimitada dos cotistas de fundos
também afetava diretamente uma importante função daquela
indústria, qual seja a de captar recursos para serem investidos em
empresas que iniciam suas atividades e que enfrentam, pela sua
própria natureza, grande risco de quebra. Nessas situações, o risco
de o fundo ser chamado a responder pelas dívidas da sociedade
investida – por desconsideração da personalidade desta última
– implicava na imediata extensão de tal risco aos condôminos do
fundo, com impacto negativo no financiamento das atividades de
maior inovação, normalmente associadas a uma maior possibilidade
de fracasso.
Com a MP 881, o regulamento do fundo de investimento (que
equivale ao estatuto, no modelo de uma sociedade anônima) poderá
prever que os cotistas (ou parte deles, se nem todas as classes de
cotas forem abrangidas) não responderão pelas obrigações do fundo,
mas apenas pelos valores que aportarem e se comprometerem

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

a aportar em subscrição das cotas (art. 1.368-D do Código Civil).


Também é louvável a preocupação da MP 881 de não permitir que
credores anteriores do fundo sejam afetados por eventual alteração
da disciplina de responsabilidade – ainda que a redação do art.
1.368-E, nesse sentido, seja defeituosa e demande aprimoramento
no processo legislativo.
Pode-se afirmar, em conclusão, que as iniciativas legislativas
constantes da MP 881, no tema da limitação de responsabilidade
dos sócios, são em geral louváveis. A prática disseminada de
desconsideração irrestrita da personalidade jurídica é extremamente
injusta, pois privilegia os credores – em grande medida os bancos –
em detrimento dos sócios. Ignora-se que as empresas precisam de
recursos para começar e manter suas atividades e que tais recursos
são em boa parte obtidos com terceiros, isto é, não são integralmente
gerados pela própria atividade empresarial. Esses terceiros podem
ser divididos em três grandes categorias: os que investem com a
expectativa de partilhar o lucro no futuro – em sua maioria sócios;
os que emprestam recursos para serem pagos num certo prazo ou
sob certas condições – em sua maioria bancos; e os que vendem
produtos ou prestam serviços necessários às atividades empresariais,
mas aceitam receber a prazo, “emprestando” esses recursos até o
vencimento – o que inclui os empregados (corretamente protegidos
em caso de concurso de credores) e os fornecedores.
A limitação de responsabilidade dos sócios aos aportes no capital
das sociedades se impôs, ao longo de séculos, como o modelo que
mais contribui para o desenvolvimento econômico e a geração de
empregos, tributos e riqueza, indicando que a busca pelo lucro
e pela limitação da responsabilidade têm igual papel na decisão
dos sócios de arriscar e empreender. No Brasil, entretanto, a
personalidade jurídica tem muitas vezes sido desconsiderada com
base exclusivamente na falência ou na insuficiência patrimonial do
devedor, para permitir alcançar-se o patrimônio de seus sócios ou
de outras sociedades do mesmo grupo econômico – e de cotistas

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

de fundos de investimento, quando estes são veículos de realização


do investimento na sociedade. Tais ordens judiciais são percebidas
como de justiça no caso concreto, ainda que sejam extremamente
injustas com os sócios, revelando grande preconceito contra quem
investe capital de risco e, pior, indevida proteção aos bancos e demais
credores, que assumiram riscos também limitados ao que investiram.
É verdade que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) é pacífica no sentido de uma interpretação atenta aos requisitos
da desconsideração da personalidade jurídica estabelecidos pela
redação original do artigo 50 do Código Civil – “abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial”. Entretanto, é forçoso reconhecer que as dificuldades
da revisão de provas pelo STJ e os custos da interposição de recursos
terminam por permitir que inúmeras decisões judiciais desconsiderem
a limitação da responsabilidade dos sócios apenas com base na
circunstância de que o patrimônio da pessoa jurídica não é suficiente
para responder por suas dívidas. Na Justiça do Trabalho a situação
se agrava pela reiterada aplicação do § 2º do artigo 2º da CLT, que
determina a responsabilidade solidária das sociedades integrantes
de grupo econômico pelos débitos trabalhistas. Na reforma da CLT
de 2017 foi acrescido ao artigo 2º o § 3º, estabelecendo que “[n]ão
caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo
necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do
interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação
conjunta das empresas dele integrantes”. A MP 881 foi adiante nesse
ponto, estabelecendo que “[a] mera existência de grupo econômico
sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica” (§ 4º acrescido
ao artigo 50 do Código Civil).
Apesar de louvável, a iniciativa legislativa parece ser insuficiente
quanto ao tema. Além do Código Civil, há outras diversas leis no
Brasil (como a Lei 9.605/98, que trata dos ilícitos ambientais; o Código
de Defesa do Consumidor; a Lei 12.529/11, que disciplina o sistema

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

brasileiro da concorrência e a Lei 12.846/13 – a Lei Anticorrupção)


que tratam da desconsideração da personalidade jurídica, revelando
a intensa utilização do instrumento, inclusive como (indevida)
alternativa à morosidade da cobrança judicial dos créditos e à
ineficiência dos meios judiciais de combate à fraude a credores.
A mudança cultural é, por isso, no mínimo tão importante quanto a
legislativa. As pessoas precisam convencer-se de que as empresas são
fundamentais para a criação de empregos, de riqueza e de inovação,
e que sem a limitação de responsabilidade haverá (e possivelmente
já há) muito menos empreendedores dispostos a operar no país.
Enquanto grande parte dos juízes (e, em menor medida, dos árbitros
em procedimentos arbitrais), continuarem a perceber a limitação da
responsabilidade dos sócios como injusta, farão prevalecer o que lhes
pareça a adequada realização da justiça, afetando a coletividade por
conta de uma equivocada atuação nos casos concretos.
A missão de difundir uma visão equilibrada sobre o tema cabe, em
grande medida, aos advogados. Cumpre-nos, na defesa dos interesses
específicos de nossos clientes, demonstrar as graves consequências,
para a coletividade, de decisões que afastem a personalidade jurídica
fora das restritas hipóteses legais, porque somente com o apoio do
Poder Judiciário será possível obter o efetivo, e fundamental, respeito
à limitação da responsabilidade no Brasil.

Marcelo Trindade é advogado, ex-Presidente da CVM,


professor da PUC-RJ.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
A RB I TR AG E M E M E D I AÇÃO

O progresso da Arbitragem
Selma Ferreira Lemes

Pode-se dizer que há mais de 22 anos vivemos


uma revolução silenciosa na forma da prestação
jurisdicional, em decorrência da inserção de
cláusula compromissória em contratos cíveis e
empresariais. Isso se deve a modernização do
instituto jurídico da arbitragem, por meio da
Lei nª 9.307/96 (Lei de Arbitragem - LA). Houve
a substituição de um antigo paradigma por
outro, tal como asseverado pelo físico Thomas
Kuln ao se referir ao progresso científico.
A LA nasceu na sociedade civil e, sem alarde,
foi se instalando com a simplicidade que seu
texto revelava (apenas 44 artigos), mas com toda
a sabedoria e experiência calcada na prática
de textos comparados, nos quais o legislador
escorou-se para dar um toque brasileiro: ser
arrojado em muitos pontos, mas cauteloso
quando necessário, observando a tradição
brasileira de distinguir a cláusula compromissória
do compromisso arbitral. Enfrentar dois pontos
fundamentais da legislação anterior foi a chave
para permitir o florescer da arbitragem: i) dar


A arbitragem vive da confiança,
o Judiciário da obediência.



A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

efeito vinculante à clausula compromissória e ii) equiparar a sentença


arbitral à sentença judicial.
Inovou a LA em termos comparativos, entre outros, em prever a
instituição judicial da arbitragem diante de cláusula arbitral vazia
(arts. 6º e 7º); instituiu o código de ética para o árbitro, que tem
que proceder com imparcialidade, independência, competência,
diligência e discrição (art. 13, §6º); permite que finalizado o prazo para
se ditar a sentença, não tendo o árbitro único ou tribunal arbitral (três
árbitros) apresentado a sentença arbitral, a arbitragem não estará
extinta, pois há a necessidade de se solicitar o pronunciamento
(sentença arbitral) dos árbitros em 10 dias (art. 12, III); o art. 32,
que relaciona os casos de possibilidade da propositura da ação de
anulação da sentença arbitral é numerus clausus, não existindo a
possibilidade de se invocar a violação da ordem pública (somente
a ordem pública in procedendo, art. 21, § 2º); o conceito de que
sentença estrangeira é aquela proferida fora do território nacional
(art. 34, § único), o que permite termos arbitragens com partes
estrangeiras e se a arbitragem for sediada no Brasil será arbitragem
doméstica, dispensando, com isso, o processo de homologação de
sentença arbitral estrangeira.
Um dos pontos mais importantes e a chave para entender a
arbitragem é ter ciência de que se trata de um microssistema, com
conceitos e princípios próprios, que se distanciam dos rigores do
processo civil.
Após o teste de constitucionalidade da LA pelo Supremo Tribunal
Federal – STF (SEC 5.206-7, j. 12.12.2001), a arbitragem passou a gerar
mais segurança na sua utilização. Estava pavimentada a estrada pelo
STF. O percurso até chegarmos ao estágio atual foi desafiante para
todos, sociedade e advogados. O Judiciário, também, empreendeu
de forma alvissareira a adequada interpretação aos princípios e novos
conceitos da LA.
Nesse período pudemos presenciar três fases do desenvolvimento
da arbitragem no Brasil. No início, havia a necessidade de divulgar
o instituto fundamentado em duas premissas básicas: a primeira,
comparativa para demonstrar o que mudou diante da lei anterior;

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

a segunda, o que era novo e inédito. A fase seguinte experimentou


a enorme aderência ao instituto e a pungente manifestação da
comunidade jurídica, que não mediu esforços para abraçar a ideia,
inserindo a cláusula compromissória nos contratos cíveis e empresariais
de largo espectro. O entusiasmo contagiou os estudantes de direito
e os advogados, que rapidamente estudaram e se habilitaram a
trabalhar com esta nova ferramenta. Representou uma nova forma
de exercer a advocacia, mais moderna e rápida. Tudo, também, graças
ao Judiciário que, como dito, traçou o caminho da segurança jurídica
para trilhar a arbitragem, pois como leciona Cabral de Moncada “a
lei reina, mas é a jurisprudência que governa”.
Em 2015 tivemos o texto da LA aprimorado (Lei nº 13.129), com a
inserção de muito do que a jurisprudência já havia fixado em termos
de interpretação da LA. Passou-se a regular a previsão da prescrição,
a carta arbitral, a estipulação expressa da arbitragem nos contratos
com a Administração Pública (apesar de nunca ter sido proibido)
etc., e a bem-vinda supressão do art. 25 (suspensão da arbitragem
por questão prejudicial a ser examinada pelo Judiciário).
A terceira fase é a atual, denominada de desafio e representa o
compromisso e a responsabilidade de manter este avanço, aprimorar
o instituto da arbitragem e sua utilização. Vivemos em um universo
multifacetado e dinâmico e nele se insere o direito da arbitragem
em movimento. Essa realidade é fruto do progresso da arbitragem
e a necessidade de adaptar-se às complexidades das relações
contratuais hodiernas e em nível mundial. A arbitragem é um
instituto de trânsito universal, haja vista estar inserida nos contratos
comerciais internacionais.
Esse aperfeiçoamento do instituto está ocorrendo universalmente,
não somente por meio de alterações legislativas, mas
preponderantemente por mudanças nos regulamentos das instituições
administradoras de procedimentos arbitrais, que introduzem novas
disposições para tratar de arbitragens complexas, relacionadas e
concomitantes e dispor de procedimentos e incidentes processuais.
Citem-se, nesse sentido as alterações procedidas no Regulamento
de Arbitragem da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Comércio Internacional – CCI, que a partir do Regulamento de 2012


instituiu novas previsões para tratar da integração de partes adicionais
(art. 7º); a multiplicidade de contratos (art. 9º); os efeitos abrangentes
da convenção de arbitragem (art. 6º); a consolidação de arbitragens
(art. 10) visando a economia processual e evitar decisões conflitantes;
a possibilidade de se introduzir, em casos especiais, novos pedidos
após a Ata de Missão ter sido firmada (art. 23.4); a confidencialidade
deixava de ser regra para ser flexibilizada e analisada pelo árbitro a
requerimento das partes (art.22.3) e, em janeiro de 2019, as “Notas
as Partes e ao Tribunal Arbitral sobre a Condução da Arbitragem,
segundo o Regulamento CCI” estabelecem que a sentença arbitral
poderá ser publicada integralmente, com as particularidades que
especifica. Em 2017 a CCI introduziu o procedimento de arbitragem
expedita, com rito simplificado e a custos menores para demandas
até US$ 2 milhões.
Nota-se, também, que cada vez mais a confidencialidade e o
sigilo na arbitragem vêm sendo flexibilizado, haja vista a presença
de entidades públicas como partes na arbitragem e as regras de
transparência (accountability) que demandam. O art. 2º, § 3º da
LA estabelece que as arbitragens com a Administração Pública
observem a publicidade, sendo que a interpretação decorrente é
que se aplique os ditames da Lei de Acesso a Informação (Lei nº
12.527/2011). Também há Câmaras de Arbitragem que publicam
informações sobre as arbitragens em andamento e o nome de
árbitros.
As instituições que administram arbitragens no Brasil, na mesma
linha, adaptam-se às circunstâncias decorrentes da complexidade
de contratos, tal como a recepção das arbitragens coletivas (class
arbitration). A Câmara de Arbitragem do Mercado – CAM BOVESPA,
em 2017 administrava várias arbitragens coletivas tendo em média
127 partes em um dos polos. A instituição da figura do árbitro de
apoio, de emergência ou provisório, no sentido de se dispor de uma
forma de eleger um árbitro para julgar uma medida urgente previa
a arbitragem, sem que para isso tenha que recorrer ao judiciário
e, posteriormente, com o tribunal arbitral instituído a medida

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

ditada ser avaliada, podendo ser mantida ou revogada, é o que está


regulado na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/
FIESP (Resolução 4/ 2018), no Centro de Arbitragem da Câmara
de Comércio Brasil – Canadá – CAM/CCBC (Resolução 32/2018) e na
CAM-BOVESPA (art. 5.1 do Regulamento de 2011).
A CAMARB – Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil
desde 2017 tem um regulamento diferenciado para administrar
arbitragens com a Administração Pública e mantem escritórios em
Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Brasília.
Na questão referente à impugnação de árbitros as Câmaras de
Arbitragem instituíram formas próprias para julgar essa matéria com
a formação de Comitês Especiais compostos por árbitros, que exaram
decisões terminativas, tais como previstos nos Regulamentos da
CAM-CCBC (art. 5.3) e Câmara CIESP/FIESP (art.7.3). A London Court
of International Arbitration – LCIA – veicula as decisões exaradas nos
Comitês de Impugnação de Árbitros em seu site com a supressão do
nome do árbitro impugnado. Vale notar que não há nenhum demérito
para um árbitro ser impugnado, pois isso apenas representa que para
o caso em tela ele não possui a independência ou imparcialidade
para atuar como árbitro.
Considerando que a quase totalidade de conflitos societários são
solucionados por arbitragem, bem como os de outras áreas derivadas
de contratos empresariais, está-se diante de uma carência de
jurisprudência, que esclareça como o direito está sendo aplicado, o
que fez muitas instituições passarem a publicar extratos de sentenças
arbitrais, tais como a CAM-BOVESPA e a Câmara de Arbitragem da
Fundação Getúlio Vargas – CAM/FGV. No âmbito da CAM-CCBC há
atualmente uma comissão dedicando-se a este mister. A CCI há
décadas publica excertos de sentenças arbitrais, o que muito auxilia
na interpretação do direito material e processual arbitral aplicado,
sem caráter vinculante, evidentemente.
Quando se participa de entidades internacionais, com o olhar de
fora para dentro, se observa a pujança do tamanho da economia
brasileira, medida pela envergadura dos conflitos surgidos e seus

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

valores em contratos domésticos e internacionais, o que faz das


empresas brasileiras um celeiro de usuárias da arbitragem.
A CCI em 2017 instalou em São Paulo seu terceiro escritório fora
de Paris, sendo os outros em Nova Iorque e em Hong Kong. No ano
de 2018, o Brasil está em 3º lugar no número de arbitragens no
âmbito mundial da CCI, estando na frente da Espanha e Alemanha.
São Paulo está em 6º lugar, entre as 10 maiores cidades no mundo
(Top Teen) que sediam arbitragens da CCI.
Em seis Câmaras brasileiras sediadas em São Paulo, Rio de Janeiro
e Belo Horizonte, em 2017, discutiam-se matérias societárias, de
energia, de engenharia, contratos com a administração pública,
contratos empresariais em geral em que se superou a cifra de mais
de R$ 26 bilhões de valores envolvidos, somente para as arbitragens
entrantes naquele ano. A média de duração de uma arbitragem é de
12 a 19 meses, a partir da assinatura do Termo de Arbitragem.
A arbitragem atinge este estágio de progresso e aprimoramento
por gerar segurança jurídica, economia nos custos de transação e
estar alicerçada na confiança e boa-fé.
Rui Barbosa ao se celebrizar em âmbito mundial em 1907 na
Segunda Conferência da Haia, por ocasião da instituição da Corte
Permanente de Arbitragem – CPA acentuou: “A arbitragem vive da
confiança, o Judiciário da obediência.”

Selma Ferreira Lemes é advogada e professora de arbitragem.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO E M E X PA N SÃO

A Lei da Inovação (Lei 10.973/2004)


e as patentes originadas do Brasil - um caso
de boas intenções não realizadas
Gabriel Leonardos


isso me lembra de comentar, que o
primeiro ato oficial que eu fiz em minha
administração - e foi em seu primeiro
dia - foi abrir um escritório de patentes,
pois eu sabia que um país sem um
escritório de patentes e uma boa lei de
patentes é como um caranguejo, que
não pode andar de outra forma que não
seja de lado ou para trás1


Neste brevíssimo artigo farei uma análise do número de patentes
depositadas no Brasil por entidades nacionais a partir da edição
da Lei de Inovação (Lei nº 10.973, de 02.12.2004, modificada poste-
riormente pela Lei nº 13.243, de 11.01.2016), a fim de verificar se
a referida lei atingiu um de seus principais objetivos, que era o de
estimular o desenvolvimento tecnológico nacional.
Na Exposição de Motivos enviada em 27.04.2004 pela Presidência
da República ao Congresso Nacional do projeto de lei que resul-
taria na Lei de Inovação era possível perceber claramente quais eram
os principais objetivos da legislação proposta, a saber, estimular a
criação de invenções patenteáveis em nosso país e possibilitar a
aproximação entre as forças produtivas da indústria e a Academia.
1 A Connecticut Yankee in King Arthur’s Court, IX, Mark Twain, 1889. A obra citada é uma
alegoria escrita por Mark Twain na qual um engenheiro estadunidense do final do Séc. XIX
é transportado para a Corte do Rei Artur, na Inglaterra do Séc. VI, lá atingindo uma posição
de proeminência equivalente à de um Primeiro Ministro.
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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

O objetivo da Lei de Inovação de estimular a


apropriação da tecnologia através de patentes
foi também percebido pelo saudoso mestre
Denis Borges Barbosa:


A Lei de Inovação implementa
o artigo 218 da Constituição
e cria um dever de proteção
genérico para a produção de
conhecimentos no Brasil. É
algo que foi novo a sua época,
e que, do ponto de vista da
estrutura dos direitos, reverteu
o procedimento costumeiro
anterior2


Um instrumento importante da Lei de
Inovação adotado com o objetivo de estimular o
patenteamento é a proibição, contida em seu art.
12, de que o pesquisador divulgue ou publique
as suas descobertas sem que ele ou ela tenha
antes obtido a prévia e expressa anuência da ICT
à qual estiver vinculado. Com isso, o legislador
enviou uma mensagem forte à Academia, qual
seja, a de que não havia mais espaço para o
conhecido adágio “publish or perish” (publique
ou pereça), que até então regia as atividades
dos pesquisadores brasileiros. Evita-se, desta
2 BARBOSA, Denis Borges, “Direito ao desenvolvimento,
inovação e a apropriação das tecnologias após a Emenda
Constitucional no. 85”, 2015, pág. 30 (disponível em: http://
www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/inovacao/direito_
ao_desenvolvimento_2015.pdf , consulta em 27.09.2017)

A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

forma, que a publicação precoce da tecnologia, muitas vezes feita


inadvertidamente, acarrete a preclusão da possibilidade de obter
a patente de invenção, em decorrência da perda do requisito da
novidade, sem a qual a patente não pode ser concedida.
A Lei de Inovação foi justificadamente saudada, portanto, como
o primeiro instrumento legislativo que visava retirar entraves legais
para que fosse efetivada a parceria entre universidades e instituições
públicas de pesquisa, de um lado, e empresas privadas, de outro. Sua
inspiração foi o conhecido Bayh-Dole Act, dos Estados Unidos, que
em 1980 passou a permitir acordos entre empresas e universidades
cujas pesquisas são financiadas com recursos públicos.
Nesse sentido, a Lei 10.973/2004 passou a permitir a celebração
de, entre outros, contratos de parceria para o desenvolvimento de
novas tecnologias e, para tanto, uma norma relevante é a que regula
a titularidade da propriedade intelectual resultante do acordo de
parceria. A redação original da lei determinava que os direitos seriam
obrigatordeveriam ser compartilhados entre a entidade pública
de pesquisa e a empresa privada, de acordo com a proporção da
contribuição de cada um.
Havendo o compartilhamento da propriedade intelectual, passa a
ser indispensável existir um contrato entre os cotitulares da patente
de invenção a fim de regular os direitos e deveres de cada parte.
Entre as muitas questões que devem ser tratadas contratualmente
(conforme, aliás, determina o § 2º do art. 9º da lei) podemos,
exemplificadamente, citar as seguintes: (i) quem pode ou deve
nomear e custear os agentes de patentes para redigir e processar
os requerimentos? (ii) quem deve pagar as taxas oficiais e anuidades
exigidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI? (iii)
quem pode explorar economicamente a invenção? (iv) se a empresa
privada explorar a invenção ela deverá pagar algum royalty ao ICT, e
em qual valor? (v) quem pode conceder licenças a terceiros, definir
taxas de royalties, e como devem ser compartilhados os royalties? (vi)
os direitos das partes serão idênticos com relação às patentes que
podem ser obtidas em países estrangeiros?
Posteriormente, visando flexibilizar as condições dos contratos

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

para o desenvolvimento tecnológico, uma importante modificação


introduzida pela Lei 13.243/2016 passou a permitir que a entidade
pública de pesquisa conceda onerosamente à parceira privada a
totalidade dos direitos sobre a propriedade intelectual resultante da
parceria.
Assim, após quase quinze anos de vigência da Lei de Inovação,
entendemos que são bons os resultados obtidos no sentido de
aproximar as universidades e instituições públicas de pesquisa das
empresas privadas. Mas o que podemos dizer a respeito da evolução
do número de patentes depositadas no INPI por entidades nacionais,
a partir da promulgação da Lei de Inovação?
Lamentavelmente, verificamos que o Brasil continua sem produzir
patentes internacionais. Com efeito, em 2017 os EUA produziram
100 (cem!) vezes mais patentes que o Brasil (56.680 contra 589), e até
mesmo a Itália – um país pequeno, mas com um PIB praticamente
idêntico ao do Brasil – produziu 3.225 patentes internacionais, ou
seja, quase 6 (seis) vezes mais do o nosso país.
Sabe-se que atualmente não há uma relação direta entre o bem-estar
de um país (medido pelo PIB per capita ajustado por seu poder de
compra - “purchase power parity – PPP”), e os elementos “antigos”
que denotavam o poderio de um país até o início do Século XX,
notadamente o tamanho de sua população e sua extensão territorial.
Hoje, há países com elevado PIB per capita, como Alemanha, Reino
Unido, França, Itália, Coréia do Sul e Japão, que não possuem nem
uma grande população, nem um vasto território.
Da mesma forma, não há uma relação direta entre o PIB per capita,
de um lado, e o número de patentes, de outro. Tanto assim que a
Índia possui um PIB per capita muito inferior ao Brasil (menos da
metade), mas produz muito mais patentes que o Brasil (quase o
triplo). E a China possui um PIB per capita praticamente idêntico ao
Brasil, mas produz atualmente 83 (oitenta e três!) vezes mais patentes
que o Brasil.
Por outro lado, podemos constatar uma correlação direta entre
o tamanho da economia (PIB) e o número de patentes, sendo o
Brasil o único país “fora da curva” dentre as 11 maiores economias do

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

mundo, ou seja, com um volume de patentes desproporcionalmente


pequeno, se comparado ao tamanho de sua economia. Sabemos que
a pujança da economia brasileira é fortemente baseada em produtos
primários, minerais e agropecuários, com baixo valor agregado, o que
em parte explica essa distorção.
Neste ponto, lamentavelmente, a Lei de Inovação em nada
contribuiu. A proporção de depósitos de patentes de invenção, no
Brasil, entre requerentes nacionais e estrangeiros, analisada em
diferentes anos (2005, 2010 e 2015 e 2017), permaneceu sempre
constante, com os nacionais variando entre 15% e 21% do total de
patentes requeridas perante o INPI brasileiro, e nunca ultrapassando
esse patamar. Ou seja, a despeito dos nobres propósitos da Lei de
Inovação, na prática ainda não se detectou nenhuma modificação
substancial na realidade nacional.
A rigor, pode-se constatar desde o início de vigência da Lei de
Inovação um claro aumento no patenteamento por universidades
públicas, que, em 2017, já constituiam 15 dos 19 maiores depositantes
de patentes nacionais perante o INPI. Comparando-se as médias dos
períodos 2000 a 2012, de um lado, e 2013 a 2017 de outro, percebe-se
que recentemente tem aumentado ainda mais a produção de
patentes pelas universidades públicas: a USP quase que dobrou a
sua média anual, de 36 para 62; a UNICAMP foi de 47 para 61; a
UFMG foi de 32 para 59; a UFPR de 16 para 46; e a UFRGS de 12 para
29. Ademais, diversas outras universidades apareceram no ranking
mais recente com uma média de mais de 10 depósitos anuais. Tudo
isso deve ser creditado, ao nosso ver, à percepção na Academia da
importância da proteção à propriedade industrial, uma decorrência
direta da Lei de Inovação.
Com efeito, deve-se elogiar o maior interesse de algumas
universidades públicas brasileiras em depositar patentes. As patentes
contribuem para a disseminação de informações tecnológicas (pois
são acessíveis através de diversas bases de dados públicas) e têm
o potencial de gerar receitas de royalties para as universidades.
Entretanto, não se pode deixar de mencionar que nas economias
mais desenvolvidas os maiores depositantes são sempre empresas

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

privadas, pois são elas que têm o interesse econômico imediato na


exclusividade de mercado assegurada pela patente.
O papel de levar as patentes brasileiras para o resto do mundo
deveria ser, portanto, das empresas privadas nacionais. Mas estas,
por diversas razões, até hoje não ocuparam tal espaço. Enquanto isto
não ocorrer, continuaremos a ser um anão tecnológico no cenário
mundial. Note-se que não propugnamos a redução do número de
patentes depositadas por entidades públicas de pesquisa (número
este que, quando comparado ao de outros países, nem é tão alto),
mas sim o aumento substancial das patentes a serem requeridas
por empresas privadas nacionais.
A constatação de que as empresas brasileiras ainda não têm uma
política clara de desenvolvimento tecnológico e inovação, da qual seria
uma consequência natural o incremento no número de patentes por
elas requeridas no Brasil e no exterior, nos leva à conclusão de que,
lamentavelmente, a Lei de Inovação, com todas as suas qualidades,
ainda é largamente insuficiente para as necessidades nacionais. Para
o nosso país entrar na Era do Conhecimento deve ser priorizada nos
debates nacionais a adoção de políticas públicas visando estimular as
empresas privadas a se engajarem na criação de invenções a serem
patenteadas no Brasil e no exterior.

Gabriel Leonardos é advogado, Mestre em Direito (USP), Presi-


dente da Comissão Especial de Propriedade Intelectual – CEPI do
Conselho Federal da OAB.


A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
D I REI TO ,L I TE R ATUR A E FILOS OFIA

Justiça e vingança
Tercio Sampaio Ferraz Junior

Há algum tempo, foi mostrada na televisão brasileira a esposa


de ex-governador do Rio de Janeiro sendo conduzida à prisão
domiciliar e como o povo se aglomerou diante do seu apartamento
para protestar. A decisão da Justiça provocou revolta. Como explicar
o fenômeno?
Tem-se aí a percepção de que o direito positivado é incapaz
de lidar com a profundidade (o sentimento do sofrer o crime e a
dificuldade de relacionar crime e castigo). Ou seja, a punição efetiva
pode consistir e qualquer punição em grau pré-estabelecido, mas
aquilo que se oferece às vítimas não alcança jamais o sentimento de
satisfação.
Na tragédia Electra, Eurípedes faz Clitemnestra justificar o assassínio
de Agamenon, por ter sacrificado Efigênia aos deuses:


foi pelo bem da nação grega que ele
matou minha filha, eu sei disso, mas
não justifica que ele tenha assassinado
a própria filha e, nesse sentido, eu como
mãe podia e até devia me vingar

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Quanto mais o ser humano é capaz de ternura dentro do seu


grupo, tanto mais é indiferente quanto aos grupos vizinhos. Donde
um sentimento de (quase) “igualdade” em força para dentro e de
“desigualdade” para fora. Todo sistema repousa nessa “igualdade
aproximativa”: o espaço do outro. É o que propõe Hobbes: a igualdade
natural engendra o combate, este engendra o medo, o medo
engendra o contrato, o contrato engendra o mundo do Leviathan:
da igualdade inicial à equidade final, o equilíbrio precário e perigoso
é substituído pelo equilíbrio mais estável e mais seguro.
Nesse modelo, a clivagem das grandes dicotomias, o penal e o civil,
o público e o privado, o “mistério” da punição versus a “racionalidade”
da indenização. De um lado, satisfazer uma ofensa, donde corrigir,
emendar, dissuadir os imitadores, reeducar, purificar; de outro, a
pecúnia, a mensuração, a razoabilidade: multa civil e multa penal,
por que a distinção?
O mundo grego conhecia um duplo sistema de nomoi: a justiça
intrafamiliar (Themis) e a justiça interfamiliar (Diké). O mundo de
Themis era o mundo familiar, lugar privilegiado do terror ético cujo
centro de referência é o círculo da família e nele, a figura do pai,
com a forte presença de uma agregação natural marcada pela
desigualdade, donde a punição maior a rejeição, o abandono, o
banimento. As grandes infrações a Themis são marcadas pelo medo
difuso – angústia -, pela violação dos laços de sangue, particularmente
percebida no assassinato de um parente (parricídio, matricídio,
fratricídio, infanticídio), na transgressão sexual (incesto, estupro,
adultério), em que presentes as angústias edipianas. Em tudo, a
marca do discrimen (no sentido de separar, separação) e a proibição
de sua violação, em que o fulcro de uma infração está em tocar (com
a mão) o que é proibido.
E aqui aparece a vingança. O sangue derramado estimula a
reação contra uma proximidade proibida. O assassino é desprezado,
ninguém o acolhe, donde, até hoje, a aceitação desconfiada de
direitos do preso. A vingança tem a ver, assim, com uma expectativa
de destruição total, condenar o maldito a errar nas trevas do remorso.
Nas suas origens míticas, a vingança não é bem uma punição,
cujo sentido ficou obscurecido pela proximidade com as punições

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

executadas por ordem soberana. É uma reação a uma mancha


intolerável que cobre todo o grupo. Donde a exaltação heroica do
que mata em nome da sociedade, uma reação não necessariamente
pública, como se vê pela morte em nome da honra (legítima defesa
da honra).
Na vingança, o ofensor ocupa um papel secundário: o papel primário
cabe ao ofendido. É o ofendido que, na estrutura da vingança, tem
necessidade de uma reparação (como no duelo, por exemplo). Ou
seja, o “beneficiário” da “compensação” é a vítima, não se tratando de
uma relação de retribuição do tipo crime/castigo. Nessa estrutura,
não importa, afinal, o que fez o ofensor, que pode ter agido até
honradamente (legítima defesa). A carga da vingança repousa no
ofendido.
Por isso o vingador evoca solidariedade. De se lembrar que mesmo
a palavra vindex, que vem de vindicare (vingar e vindicar), palavra que,
em latim, substituiu ultor, de origem desconhecida, que designava,
primitivamente, aquele que que vem em proteção de um devedor e
que restou na expressão insultus – in – sem – ultor- defensor, donde,
insultar, podendo-se imaginar que o vindex tivesse algo a ver com
a solidariedade familiar mais do que alguém que pune no sentido
objetivo de impor uma pena. Esse é um dado que ficou também
obscurecido no curso da história com o aparecimento do Estado
e o monopólio da força, fazendo da vingança algo “inútil”. O que,
curiosamente, mascara essa sensação de que o Estado pareça
frágil ou inexistente, quando não cumpre o papel do ofendido na
estrutura vingativa (donde, o linchamento ou as propostas de armar
o cidadão...). Mas que desponta no asilo político, quando um Estado
se põe a defender o banido contra os seus próprios.
Apesar da aproximação com condutas “naturalmente” violentas,
a vingança não deixa de ser um fato da cultura, uma verdadeira
instituição, com suas crenças, seus valores, seus ritos. Posto de lado
o caso em que a vingança derrapa na direção do puro sadismo
(vingança sem medidas), ela guarda, como instituição social, algum
“regramento”, pois ela serve, como se diz, para “acertar as contas com
alguém”.
Não há dúvida de que a ilimitação da vingança está presente
em várias situações em que ela é exercida contra quem contesta a

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

majestade do pai, da nação. Daí o treinamento diferente que se dá


ao soldado, para a guerra, e para o policial, na contenda interna, e
a punição do crime de traição à pátria, em que se clama por uma
nulificação total do outro (pena de morte). A vingança “repercute”,
tende a se amplificar a cada ato, como numa vertigem sem qualquer
limitação ou medida. Mesmo assim, na linguagem homérica, a
vingança não deixa de ser uma APOTISIS, um pay back. E é por essa
razão que a vingança se introduz nas estruturas da justiça, trazendo
certa ambiguidade para os procedimentos vindicatórios e para as
obrigações ex delicto. De se lembrar que o ladrão a mão armada poder
ser morto pela vítima; o que mostra, na defesa legítima, a importância,
de um lado, da estrutura da vingança, de outro, da possibilidade de
calcular a gravidade da ameaça para justificar a reação (justiça). E as
ambiguidades das dicotomias: o civil privado (venda, herança), o penal
privado (os crimes comuns), o civil público (o terreno dos contratos
administrativos), o penal público (os tribunais especiais, os privilégios
de foro). De uma parte, mesmo modernamente, o ponto está na
ideia de que a reparação contém sempre uma lesão de interesse
não patrimonial (problema do dano moral). De outra parte, de se
ver como, na evolução do capitalismo moderno, o dinheiro aparece
como um equalizador neutro capaz de criar uma ficção necessária
para substituir as incertezas da vingança privada.
De todo modo é preciso ressaltar que um esquema estático, de
equilíbrio de pratos (Diké), não é inteiramente adequado à vingança
(Themis). É sabido que em sociedades em que a vingança atua
como um “pedir satisfação” não se trata de um restabelecimento do
status quo ante, mas de um processo dinâmico, de criação de novas
amarguras e exigência de novas vinganças. Na verdade, mesmo
quando a vingança tende a uma espécie de “contabilidade”, isso não
significa que as partes façam suas “contas” da mesma maneira (talis,
talis, lei de talião). O que significa, afinal, que o esquema estático
(da balança da justiça – Diké) mais pareça uma aspiração ideal de
equilíbrio que se frustra na realidade dos fatos. Daí, de um lado
(justiça), a ideia que decisões (jurídicas) não terminam conflitos,
solucionando-os (solvendo, dissolvendo), mas pondo-lhes um fim
(proibição de continuar: coisa julgada, prescrição, decadência); de

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

outro (vingança), que mesmo obtendo uma decisão favorável, à parte


sempre resta um sentimento de que poderia ter sido mais...
De um ângulo ético-cosmológico pode-se dizer, pois, que o
esquema estático (Diké) leva à justiça em termos jurídicos (regras,
controles, medidas), enquanto a vingança é expressão de um
esquema dinâmico (Themis) sem medida e, pois, sem fim, donde os
ressentimentos e as sublimações como soluções diabólicas.
De todo modo, o que está aqui presente é o tremendum, o sagrado
como portador da perdição para aqueles que se aproximam: o mundo
humano habitado por uma ameaça absoluta. Donde a estranha
figura do acusador como aquele que participa da majestade do
sagrado e na qual o conteúdo da acusação também é indesvendável.
O culpado é um maldito, que não se deve tocar. Daí a lapidação,
forma de punição que evita o contato com o maldito. Mas também
a necessidade de um terceiro para acusar (o promotor público) e
punir (o carrasco).
Donde o juiz não ser nunca uma simples máquina de fazer
silogismos (subsunção), posto que a personalidade do culpado nunca
é encerrada em sua problemática singular de um sentido único
(tipo): sempre há uma nebulosa de leituras possíveis, organizadas em
torno de um sentido dominante. Do nascimento à morte, o homem
reedita a maldição do maldito.

Tercio Sampaio Ferraz é professor (USP e PUC-SP),


advogado.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

U M A DVOG A DO N A . . .

CVM
Marcelo Barbosa

O convite que me foi feito para colocar por


escrito a perspectiva de um advogado que
passa a se dedicar a outra atividade se revelou
um ótimo pretexto para fazer uma reflexão
sobre a experiência na supervisão e regulação
do mercado de capitais iniciada em agosto
de 2017, quando tomei posse no cargo de
Presidente da Comissão de Valores Mobiliários.
A expectativa de que estaria diante de uma
oportunidade de conduzir ações que gerariam
grande impacto para a sociedade funcionou
como importante atrativo não apenas para
mim mas para tantos outros, advogados ou
não, que aceitaram desafios semelhantes. E ver
essa expectativa se confirmar é imensamente
gratificante, além de servir como motivação para
lidar com os obstáculos que se apresentam.
Do ponto de vista técnico-jurídico, dificilmente
haverá oportunidades mais interessantes para
quem milita na área de mercado de capitais. Seja
na discussão de normas, seja no julgamento de
processos sancionadores, nos vemos diante de
questões de grande complexidade, que devem
ser consideradas sob diversos pontos de vista,
com atenção não apenas às suas consequências
para os diversos agentes de mercado envolvidos,
mas também aos limites dados pela legislação.


A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9


...para os advogados, a
oportunidade de colaborar
com o setor público abre os
horizontes e oferece novas
perspectivas que de outra
forma não seriam percebidas.


O Colegiado da CVM contou, historicamente,
com diversos advogados em seus quadros, que,
com sua experiência e preparo, ofereceram
importantes contribuições para os trabalhos aqui
realizados. Além disso, inúmeros integrantes
da casa – muitos dos servidores e todos os
integrantes de nossa Procuradoria Federal
Especializada - têm formação jurídica. A especial
atenção para aspectos como o devido processo
e a segurança jurídica, tão importantes no
exercício da atividade de supervisão e regulação,
é, portanto, uma prioridade constante.
No entanto, a experiência de um advogado
em uma autarquia como a CVM não se restringe,
por óbvio, à oportunidade de contribuir com sua
experiência. Acredito que, para os advogados, a
oportunidade de colaborar com o setor público
abre os horizontes e oferece novas perspectivas
que de outra forma não seriam percebidas.

Marcelo Barbosa é advogado e Presidente da CVM.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
N ÓS, O S A DVOG A DO S, P OR E LE S , OS JUÍZE S

De um ex-advogado para os advogados


Luís Roberto Barroso


O maior perigo,
para a maioria de nós,
não é que o alvo seja muito alto
e não se consiga alcançá-lo.
É que ele seja muito baixo
e a gente consiga.


1. Trinta anos de advocacia e seis de magistratura

Fui advogado por quase trinta anos. Comecei na planície. Estagiei


na Defensoria Pública, no cível e no crime. No início da minha carreira,
fiz separação judicial, divórcio, júri, fui a delegacias, impetrei habeas
corpus, propus e defendi reclamações trabalhistas. Por um ano,
coordenei a área de família do escritório modelo de uma instituição
privada. Voltava para casa angustiado todos os dias. O Direito não é
capaz de resolver todos os problemas da vida.
No início da minha advocacia privada, tive a sorte de trabalhar
com dois grandes profissionais: Miguel Seabra Fagundes, jurista e
parecerista notável, e Eduardo Seabra Fagundes, um advogado do
primeiro time. Foram quatro anos de aprendizado que me serviram
por toda a vida. Em 1984/85 prestei concurso para a Procuradoria-
Geral do Estado do Rio de Janeiro, onde ingressei em 1985.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Paralelamente, dediquei-me à vida acadêmica, que sempre foi uma


das minhas paixões.
Foi precisamente a minha paixão pelo direito constitucional que
me abriu caminhos até então imprevistos. Meus primeiros trabalhos
acadêmicos de maior expressão foram sobre a efetividade das normas
constitucionais, isto é, os limites e possibilidades de concretização
da Constituição. Era um tempo em que os advogados nem tinham
Constituição no escritório. Os civilistas usavam o Código Civil e o
Código de Processo Civil. Os criminalistas, o Código Penal e o Código
de Processo Penal. Os advogados trabalhistas utilizavam a CLT. O
direito societário começava a se desenvolver, após a promulgação da
Lei da Sociedades por Ações. Pois bem: em um dos meus primeiros
casos, comecei a trabalhar com a Constituição.
Lembro-me ainda hoje: postulei a anulação de um ato administrativo
do diretor do Observatório Nacional, que criara obstáculo à pesquisa
de seu principal astrônomo, com entraves burocráticos. Invoquei
o art. 179, parágrafo único, da Constituição de 1967/69, que previa
que “O Poder Público incentivará a pesquisa e o ensino científico
e tecnológico”. Sustentei, então, que normas conhecidas como
“programáticas”, como esta, não permitiam que se exigisse um
comportamento positivo. Porém, serviam como fundamento para se
exigir uma abstenção, isto é, que o Poder Público não embaraçasse
a pesquisa. Deu certo e foi feito um acordo. Começava ali um novo
ramo de atividade jurídica, que era o do advogado constitucionalista.
Por um bom tempo trafeguei quase sozinho nesse novo espaço
profissional, dando pareceres, elaborando recursos extraordinários
para outros escritórios ou propondo ações com fundamento na
Constituição.
Com o tempo, a vida me propiciou testar muitas das ideias
que havia desenvolvido academicamente em ações perante os
tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal. Entre os casos de
mais visibilidade estiveram, por exemplo, (i) o direito de as mulheres
interromperem a gestação no caso de gravidez de um feto anencefálico
e, consequentemente, inviável; (ii) a proibição do nepotismo no Poder
Judiciário (depois estendida aos três Poderes); (iii) a equiparação

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

das uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais; e (iv) a


defesa das pesquisas com células-tronco embrionárias. Todos eles
envolviam a aplicação direta e criativa da Constituição. Esses casos
me tornaram mais conhecido e pavimentaram meu caminho para a
magistratura no Supremo Tribunal Federal. E, mais à frente, já como
ministro, segui fiel às minhas ideias, em decisões envolvendo ações
afirmativas para negros, direitos das mulheres, gays e transgêneros,
liberdade de expressão, restrição ao foro privilegiado e direito à
interrupção da gestação no primeiro trimestre, para citar algumas.
Aceitei com gosto a missão de ser juiz, mas não foi fácil a mudança
de lado. Um advogado só precisa julgar a causa uma única vez: no
momento em que a aceita ou não. A partir daí ele se obrigou a atuar
de um lado da disputa e tem o dever legal de apresentar todos os
argumentos legítimos, razoáveis e éticos na defesa do seu cliente.
Aprendi logo no início da minha vida de juiz que ter lado é mais fácil
do que procurar ser imparcial. Um juiz – sobretudo quando também
atua no crime – precisa considerar os direitos fundamentais do réu,
mas não pode esquecer que ele é o guardião da próxima vítima, ou
seja: cabe-lhe impedir que mais alguém seja morto, violentado ou
que o erário seja saqueado. Ele passa a ser árbitro em um mundo
de paixões. Para mim, pessoalmente, significou deixar de ser um
advogado popular entre os colegas para me tornar um juiz que
inexoravelmente desagrada muita gente. Foi um choque existencial.
Mas é a missão que a vida me deu. Fui o melhor advogado que
consegui ser. Procuro ser o melhor juiz que consigo ser.

2. Os advogados, por um juiz que tem alma de advogado

Já há alguns anos na magistratura, conservo largamente a alma de


advogado. Gosto de exemplificar esse sentimento com uma história
real que se passou comigo quando me mudei para Brasília. Meus
filhos, que eram ainda bem jovens, insistiram em um passeio de
barco pelo Lago Paranoá. Minha mulher escapou do programa, mas
preparou um isopor com refrigerantes, águas e, creio, umas duas
cervejas. Já no meio do lago, apoiei minha perna no tal isopor, que
era de péssima qualidade, e ele ruiu. Voltei para casa sobraçando

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

cacos de isopor e disse para minha mulher: “Pisaram no isopor! Veja


como ficou”. Mas as mulheres têm alma de Ministério Público. E
ela imediatamente me perguntou: “Quem pisou?”. Ao que respondi
prontamente: “Estou aqui para defender o isopor, e não para acusar
ninguém”. Pano rápido. Isto é ter alma de advogado.

Hoje, como juiz, compartilharia com os advogados convicções que


tinha quando atuava do outro lado do balcão, e que mantenho até
hoje. Algumas delas:

1. Advogados são a alternativa que o mundo civilizado concebeu


contra a força bruta. Em lugar de lutas físicas, disputa-se com o
melhor argumento. Advogados são agentes do processo civilizatório.
Por isso mesmo, seja sempre elegante. Uma tese não se torna mais
convincente por ser enunciada aos gritos ou de modo grosseiro.

2. Tudo o que é certo, justo e legítimo deve encontrar um caminho no


Direito. O papel do advogado é achar esse caminho. Um advogado
não se conforma com interpretações literais, com portas fechadas
ou juiz de cara feia.

Há uma força poderosa no universo


que protege quem se move por
propósitos honestos.
3. O advogado não se confunde com seu cliente. Muito menos é seu
cúmplice ou compartilha-lhe as culpas. O advogado desempenha
uma função essencial à justiça, permitindo que o direito de defesa
e o contraditório sejam exercidos. De modo que a reprovação
social ou moral que o cliente possa eventualmente merecer não
se transmite ao advogado. Não há causa imoral. Não importa o
que o cliente tenha feito. O que pode haver é conduta imoral do
advogado. Mas aí, por mérito próprio. A que seja imputável apenas
ao cliente não se transmite ao advogado.

4. Escreva com clareza, simplicidade e objetividade. Já foi o tempo


em que escrever e falar difícil era sinal de inteligência. Hoje é
justamente o contrário. E, sobretudo, seja tão breve quanto possível.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

5. A gente não ganha todas. E há vida


depois da derrota e muitas lutas após
a vitória. Seja humilde na vitória e
altivo na derrota. Não ofenda ninguém,
mesmo quando acreditar ter razões
para isso. A vida nos faz passar muitas
vezes pelas mesmas estações e é bom
deixar o caminho desobstruído.
6. O advogado deve olhar o mundo do ponto de observação de
seu cliente. Isso não dá a ele o direito de mentir. As pessoas, na
vida, têm direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos. Mas
há um aspecto relevante: a verdade não tem dono e, em muitas
situações, não há certezas absolutas. Somente diferentes modos
de ser ver a questão.

7. Eu considero que o maior advogado do Brasil é anônimo e


trabalha, com recursos escassos e sem holofotes, em alguma
comarca do interior. Provavelmente lutando contra a prepotência
de algum poderoso.

São essas as breves reflexões que me ocorrem. Fui muito feliz na


advocacia. E cumpro com alegria a missão que a vida me deu de
ser juiz no Supremo Tribunal Federal. Mas até hoje me emociono ao
ouvir uma sustentação precisa ou uma peça bem lançada. Às vezes
acho que meu coração ficou do lado de lá.

Luís Roberto Barroso é Ministro do Supremo Tribunal


Federal.

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V O L TA R PA R A O Í N D I C E
OS OLH O S DO S O UTR OS

O papel do Advogado
Merval Pereira

Assim como a imprensa


nasceu para dar voz
à sociedade civil para
se contrapor à força
do Estado absolutista,
e legitimar suas
reivindicações no campo
político, o ordenamento
jurídico surgiu da
necessidade de organizar
as sociedades em torno
de decisões pactuadas,
e defender os direitos
individuais, impondo
limites à força dos
poderosos.

A semelhança dos desígnios das duas


instituições, Imprensa e Direito, é refletida
em comentários de duas figuras históricas, o
americano Thomas Jefferson e o brasileiro Rui
Barbosa, fundamentais para seus países. Para
Jefferson, a liberdade legítima é limitada por
igual direito dos outros.


A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Para Rui, é fundamental “não antepor os poderosos aos


desvalidos, nem recusar patrocínios a estes contra aqueles”.
Sobre a imprensa, os dois também têm visão semelhante.
Para Rui Barbosa, a imprensa é a vista da nação. “Através
dela, acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga
o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam,
colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe
alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem,
vela pelo que lhe interessa e se acautela do que ameaça”.
O presidente americano Thomas Jefferson entendeu que
a imprensa, tal como um cão de guarda, deve ter liberdade
para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar. “Se me
coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais
ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em
preferir a última solução”, escreveu ele.
No sistema democrático, a representação é fundamental,
e a legitimidade da representação depende muito da
informação. O papel dos advogados numa democracia
é, portanto, relevante como suporte de uma sociedade
equânime.
Pesquisas promovidas pela Associação de Magistrados do
Brasil (AMB), em 1995 e ano passado, revelam a evolução
das prioridades da corporação, mais focada nos direitos
individuais e liberdade de expressão na década posterior
à redemocratização do país, mais empenhada hoje em
combater os desvios do poder e a atender aos anseios de
Justiça da coletividade.
Essa contemporaneidade das aspirações dos magistrados
reflete a contínua relevância do papel dos advogados, que é
historicamente o de proteger o cidadão da força e da injustiça.
Por isso, a independência do jurista na relação com o
Poder é fundamental para Rui Barbosa, segundo quem uma
“justiça militante” se baseia em “não transfugir da legalidade
para a violência”; não “quebrar da verdade ante o poder”; não
colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela
iniqüidade ou imoralidade”.

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Em O Dever do Advogado, Rui Barbosa define a ordem


legal em duas facetas: a acusação e defesa, e parece
estar falando dos dias de hoje, quando o radicalismo
político confunde o exercício da profissão com aval a
esta ou àquela posição. Esta, a defesa, “não é menos
especial à satisfação da moralidade pública do que a
primeira.”, diz Rui.
Para ele, cabe ao advogado ser “voz do Direito” em
meio à paixão pública:

“Tem a missão sagrada,


nesses casos, de não
consentir que a indignação
degenere em ferocidade
e a expiação jurídica em
extermínio cruel.”
A contemporaneidade das palavras de Rui Barbosa
torna sua presença na história brasileira cada vez mais
influente, a ponto de ter sido um dos mais citados
na pesquisa da AMB como referência dos atuais
magistrados.
A sua estátua, mandada erigir pelo Centro Acadêmico
XI de Agosto da Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco, em São Paulo continua simbólica de
uma visão de Direito que dá aos advogados papel
fundamental na vida pública de uma democracia.

Merval Pereira é jornalista e membro da Academia


Brasileira de Letras.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

V O L TA R PA R A O Í N D I C E
Literatura

Comentários ao Código Civil Dolo no Direito Civil: uma


de 2002. Vol. II. Direitos das análise da omissão de
Obrigações (arts. 233 a 420) informações
Caio Mário da Silva Pereira Giovana Benetti

Responsável pela elaboração do projeto de Código A obra examina a camaleônica figura jurídica do
de Obrigações, o notável professor Caio Mário da “dolo”, cuidando do dolo antecedente, aquele
Silva Pereira expõe, com clareza, suas lições, marco apresentado na fase formativa de um negócio
no Direito Civil nacional. jurídico, e do dolo quando caracterizado por
defeito informativo, aquele que, na prática dos
1ª edição. OAB Editora e GZ Editora, Rio de Janeiro, negócios, seja, talvez, a mais recorrente das suas
2019 (Atualização legislativa: Cristiano de Sousa modalidades.
Zanetti e Leonardo de Campos Melo)
São Paulo: Quatier Latin, 2019.

O Processo do Capitão Os advogados vão ao


Dreyfus (Cartas de cinema - 39 ensaios sobre
Inglaterra) justiça e direitos em filmes
Rui Barbosa inesquecíveis
Org. José Roberto de
Castro Neves
Rui Barbosa, de longe, assistiu ao famoso processo 39 ensaios, de grandes nomes do nosso mundo
do Capitão Dreyfus, que movimentou a opinião jurídico, acerca da relação entre direito e a sétima
pública francesa – e do mundo todo – acerca de arte. Ellen Gracie, René Dotti, Luiz Olavo Baptista,
uma acusação injusta. Ao apreciar o tema, Rui Gustavo Binenbojm, Francisco Müssnich, Anderson
oferece o olhar do advogado. O texto foi reeditado, Schreiber, entre muitos outros, tratam de filmes
com um escorço histórico-crítico de José Alexandre como o Sol Nasce para Todos, O Vento será sua
Tavares Guerreiro. herança, Sociedade dos Poetas Mortos, Filadélfia...
Afinal, o direito está em toda parte.
São Paulo, Giordanus, 2019.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2019.

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A DVOCACIA H J. | N. 001 | J UN. 2 01 9

Advocacia hj.
n. 1, jun. 2019

Diretoria do Conselho Federal da OAB


Gestão 2019/2022

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Publicação Trimestral

FICHA CATALOGRÁFICA
_______________________________________________________________________________________
Advocacia hj. n. 1 (jun. 2019) – Brasília, 2019.

Trimestral.
Versão online disponível em: https://www.oab.org.br/publicacoes/revistasadvocaciahj

1. Advocacia, Brasil. 2. Advocacia, prerrogativa profissional, Brasil.

CDDir: 341.415
_______________________________________________________________________________________
Elaborado por: CRB 1-3148.

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