Dissertacao Eduardoferreirachagas

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Eduardo Ferreira Chagas

A Concepção de Estado em

K. Marx no decurso de 1842 a 1850

Dissertação apresentada ao Departamento de


Filosofia da Faculdade de Füosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais, como parte dos requisitos para a obtenção
do titulo de Mestre em Filosofia.

Linha de Pesquisa; Filosofia Social e Política

Orientador; Prof. Luiz de Carvalho Bicalho

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG

Belo Horizonte, 1993


Dissertação defendida e CTL-yO K O U O. gL*.. ■

ern ^ f/ ^ o / 9S , pela banca examinadora constituída

pelos professores:

Prof. Luiz de Carvalho BicaDio - Orientador


Á Antônia, com afeto.
Agradecimento Especiais

Ao meu orientador Luiz de Carvalho Bicallio - exemplo sensível de

humanismo - pelo aj^oio contínuo e quda valiosa no decorrer deste

trabalho.

A Pró-Reitona de Pós-Graduação e Pesquisa da UECE, pela

concessão, junto à Capes, de uma bolsa de estudo, que tomou possível a

elaboração desta pesquisa.

Aos professores Ivan Domingos, Rodrigo Duarte, Xavier Herrero,

Manfredo Ohveira, Petrola, Noé, Reginaldo e Creuza Fernandes, pelo

incentivo constante.

Aos meus caros amgios Expedito Passo, Kleber Amora, Paulo Fleur\',

Hamatari Arraes, Wanderley Cardoso e Adüson Xavier, pela amizade

sincera e pelas dicussões proveitosas.

A minha mãe e ao meu irmão Evandro, pela presença pennanente e

inestimável.

A todas as pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, para a

realização desta.
"Em toda ciência o diíicil é o começo."

K. Marx

"Os grandes não nos parecem grandes senão

porque estamos de joelhos. Levantemo-nos!"

K. Marx
Sl'ALVRlO

I - Introdução ^'

II - Capítulo 1'^ - Estatlo. Razão. Umversalidade e Liberdade 14

1.1 O Estado Fundado na Racionalidade 14

1.2 Subordinação do Estado aos Interesses Privados 25

1.3 A Liberdade de Imprensa como Explicitação da


Razão " ^

III - Capítulo 2" - Os Limites do Estado Politico Moderno 40

2.1 Crítica à Concepção Hegeliana do Estado 40

2.2 A Emancipação Humana frente à Emancipação Política nos


.Anais Franco-.Alemães (1844)

2.3 O Estado enquanto Fonte dos Males Sociais 67

IV - Capítulo y - A Natiu-eza Classista do Estado 76

3.1 Propriedade Privada - Esfera Immiana que Corrompe a


Sociedade e o Estado

3.2 Ai Relações Materiais de Produção e o Estado enquanto


Coimmidade Ilusória 9-^

3.3 Gênese, Desenvolvmiento e Declínio da Sociabüidade


Capitalista

V-Conclusão 120

VI - Bibliografia 124
7

I - Introdução

Nosso trabalho alnieja explicitar, a partir de \una investigação

imanente às obras, a questão do Estado em Karl Marx, no período de 1842

a 1850. Urge esclarecer. toda\ia, que a problemática do Estado não é

tratada por este pensador de maneira específica e sistemática, senão de

forma fragmentada. Nem nos escritos que analisaremos (1842-1850), nem

tampouco em toda a obra de K. Marx. encontramos uma elaboração

orgânica da problemática do Estado. Porém, suas inumeráveis referências

ao Estado, desde diversos ângulos e nos mais variados contextos, autoriza-

nos a asseverar que em sua obra há. implícita, uma teoria do Estado e. por

Í5S0. justifica nosso propósito em apresentá-la.

Para atingir tal objetivo, desenvolveremos este trabalho em três

capítulos, com suas respectivas seções. No primeiro, examinaremos os

artigos de 1842 de Karl Marx, no decurso da velha Gazeta Renana,

buscando configurar sua concepção de Estado enquanto esfera da

ujiiversalidade, da racionalidade e da hberdade humanas. Na atiWdade da

Gazeta Renana e, ao mesmo tempo, no contato direto com os problemas

matenais da \ãda social e política, Marx partiHia, ainda dos postulados de

Hegel, para quem o Estado é a incorporação da razão, da hberdade e da

morahdade. Consigna Marx que o Estado prussiano não corresponde ao

conceito do autêntico Estado, dado que nele reinam os interesses

particulares dos proprietários. Entretanto, o ponto de vista de Marx é

distinto do de Hegel, pois já vemos germinar a teona que ser\ará de base á

Critica da Filosofia do Direito de Hegel, ou seja: de que o Estado não está

acima das camadas sociais, mas é utilizado por elas em prol dos seus
8

objetivos. E é precisamente o grupo social dos proprietários que aspira tirar

provieto da legislação estatal. Ademais, Marx diferencia-se de Hegel a

propósito da função que o povo deve desempenhar: para este, por exemplo,

o povo enquanto tal, fora do Estado, é uma massa informe, desordenada e

ceg£i; para Marx, ele é, simultaneamente, a substância e o télos do Estado.

Todos os homens são cidadãos e, como tais, têm o direito de participar do

Estado; por isso, o Estado não deve assentar-se numa perspectiva abstrata

da liberdade e do racional, mas numa perspectiva humanista, ou seja, na

realização do mundo humano-social, O Estado, obra dos homens, só

atingirá a efetiva racionalidade quando for um Estado para os próprios

homens.

No segundo capítulo, investigaremos, mediante uma leitura da Criúca

à Filosofia do Direito de Hegel, da Questão Judaica, da Contribuição à

Critica da Filosofia do Direito de Hegel — ItJtr'odução — e das Glosas

Criticas, a ponderação crítica de K. Marx à concepção de F. Hegel sobre o

Estado, bem como evidenciaremos a nova tematização daquele pensador

acerca do mesmo, tomando-o não mais como explicitação da universalidade

e da liberdade humanas, mas sim como corolário da sociedade civil

burguesa. Marx dedica, no decorrer de junlio de 1843, uma crítica aos

Princípios Fundamentais da Filosofia do Direito, de Hegel. especialmente à

seção consagrada ao Estado. Para Hegel, o Estado, como qualquer outra

manifestação concreta, é - firisa Marx - a expressão da Idéia absoluta; tem,

pois, no domínio do governo dos homens, o valor do universal, e tem

primazia sobre qualquer outra instituição. Hegel concebe o Estado como

uma espécie de arbítrío superíor, com sua vida própría, independente dos
9

interesses privados e dos grupos sociais que constituem a sociedade civil -

domínio do finito - e o Estado - que se reconduz ao universal. Em última

instância, a sociedade ci\'il está, pois, subordinada ao Estado e encontra nele

sua justificação.

A antítese entre sociedade civil e Estado política leva K. Marx a

estabelecer as seguintes ilações; os poderes do Estado obrigam o homem a

]evar uma vida dúplice. ou seja a ser howgeois na sociedade ci\ü e citoyeu

na comunidade política: e estas duas determinações de sua existência estão

em contradição. Trata-se pois, de superar tal oposição, reconstruir a

unidade do homem e fazer com que ele reconheça no interior do Estado,

sua vida genérica. Mas a única forma que Uio permite é a verdadeira

democracia, em que deixará de subsistir a alienação, e o Estado não se

oporá já ao indivíduo, mas será antes o prolongamento de sua própria

existência genérica.

A concepção hegeliana do Estado suscita, portanto, uma crítica áspera

de K. Marx que, no curso de sua atividade de redator-chefe da Gazeta

Renana, tinlia tido experiência da verdadeira natureza da burocracia e havia

constatado que o Estado não representava o universal, o ético, o interesse

geral. Desse modo, partindo da inversão que Lud^^ig Feuerbach procedeu

com relação à contraposição entre ser e pensamento, Marx assevera que o

método de Hegel não perscruta as realidades concretas que são a sociedade

civil e a família, mas as transmuda em produtos da Idéia absoluta, do

Estado universal; ou melhor, Hegel faz do sujeito o atributo e do atributo o

sujeito. Para Marx, ao contrário, a família e a sociedade civil constituem os

elementos reais e determinantes do Estado, quer dizer, o suporte real do


10

Estado é a sociedade civil, e não o contrário. Isso implica que o Estado

deixa de ser considerado uma espécie de árbitro supremo, para ser

expressão das determinações materiais da vida dos indivíduos em

sociedade. E evidente que não se aíinna, aqui, que o Estado é um Estado de

classe, órgão de administração sobre o qual se assentam os interesses

específicos do grupo social hegemônico, tal como será dito no Manifesto

Comimisía. No entanto, o Estado já é despojado de seu invólucro místico,

como potência supraterrena.

No início de 1844, foram publicados, em Paris, os Anais Franco-

Alemàes, tendo como editores Arnold Ruge e Karl Marx. Nestes anais. Marx

redigiu dois trabalhos significativos: A Questão Judaica e Contribuição à

Critica da Filosofia do Direito de Hegel - Introdução. A idéia fundante

contida nestes trabalhos continua a ser a distinção entre o Estado e a

sociedade civil, com a subordinação do primeiro â segunda. Mas agora, a

problemática
X alastra-se. e Marx escTÚiie
W' - mormente contra Bruno Bauer -

por não ter posto a questão no seu verdadeiro terreno, o das conexões entre

a emancipação política e a emancipação universabnente humana: entre o

plano em que o homem se redime de sua sujeição à sociedade civil, pela

ascensão ao nível do Estado, e o plano em que se realiza no Estado, sua

verdadeira natureza humana.

De acordo com a acepção teológica, o Estado encontra na rehgião sua

justificação teórica. Para Marx, o Estado, em si próprio, quando se sujeita a

um dado privilégio religioso, não pode ser a exi^ressão do gênero humano.

Contudo, quando se trava uma campanha para que o Estado überte o

homem da rehgião, tem-se tão-somente em vista unia emancipação, que de


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nenhum modo significa a supressão efetiva da dependência serviçal do

homem à rehgiào. verdadeuu? questões que a propósito do Estado se

colocam não são referentes aos nexos do Estado com a religião, mas as

concernentes às relações entre o Estado e a sociedade civil. A concepção de

Estado que nos é proposta por Marx continua a ser, tal como em Hegel, o

protótipo supremo de organização da sociabilidade humana, a que melhor

corresponde ao universal. E patente que o universal já não é considerado

como a ex])ressão da Idéia absoluta, mas como o da natureza verdadeira do

homem, a de sua \ida genérica.

A admoestação essencial que K. Marx faz a Bruno Bauer é que, no

fundo, este não soube ver que o verdadeiro problema não era o da

emancipação política, já que ela não é ainda a legítima emancipação

hiunana. O conteúdo da emancipação política vem claramente expresso na

Declaração dos Direiíos do Homem - a que Marx faz uma profunda crítica.

O homem, ao qual se refere a Declaração, não é o homem genérico, mas

pura e simplesmente o membro da sociedade privada, o homem egoísta,

que considera a comunidade não como o desenvolvimento de sua essência

cenérica mas como o seu limite. Os direitos do homem - igualdade.


w w
segurança, propriedade, liberdade, etc. - são. pois. consolidados não para o

homem social, para o homem que plasma sua verdadeira essência na

sociedade, mas para o indivíduo que vive segregado da comunidade, em

oposição a esta. A sociedade surge, com efeito, como um enquadramento

exterior aos indivíduos (e não como sua vida genéricaX como restrição a

.sua independência. O único vínculo a unir os homens é a necessidade e o

interesse unilateral a preservação da propriedade e dos interesses


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particulares. Neste sentido, tal Declaração, que se pretende ser uma

expressão universal, não passa, em última análise, da notificação dos

interesses particulares da sociedade civil, do homem com necessidades e

interesses privados.

Mais adiante, nas Glosas Criticas, Marx, ao depreciar as ponderações

de A. Ruge acerca da insurreição política na Alemanha, assevera que a

emancipação política (tomando como exemplo fulcral a Revolução

Francesa) dissolveu a obsoleta sociedade e hvrou o Estado dos entraves que

pesavam sobre si. Entretanto, ao diluir a antiga sociedade, análoga

emancipação deixou subsistir as desigualdades econômicas, com a

exploração e a opressão que engendram; e, ademais, efetivou a segregação

entre a sociedade civil e o Estado político. Em verdade, ela implementou ao

Estado político, o interesse geral, mas, ao fazê-lo, despojou a sociedade civil

de seu caráter político, de sua participação no universal, para fazer dela a

esfera dos interesses particulares. O Estado passa a se lhe opor, tal como o

geral se contrqiõe ao individual. A emancipação política, afinal, rompeu o

üame orgânico que unia o homem privado à vida poHtica. Doravante, a

esfera dos interesses privados - a sociedade civil - e a esfera do universal -

o Estado - estão em contradição uma com a outra. Aí residem, em essência

as insuficiências teórico-filosóficas, tanto de B. Bauer quando de A. Ruge.

Enfini» no terceiro e último capítulo, ao analisarmos Os Manuscritos

Econômico-Filosóficos, A Sagrada Famitia, A Ideologia Aleniã, O

Manifesto Comunista, A Revolução e a Contra-Revolução na Alemanha, a

Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas e As Lutas de Classes

na França, afirmaremos o papel fundante que exerce a estrutura econômica


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da sociedade sobre o Estado, reduzindo-o. por conseguinte, em instr\imento

a serviço de um dado grupo social. Pode-se dizer que o Estado é a parte

essencial da estrutura econôimca, é um órgão indispensável às relações de

produção, justamente porque as garante. Por exemplo, o Estado escravista

assegura a dominação sobre os escravos: o Estado feudal, enquanto órgão

da nobreza, submete a seu poder os camponeses e servos; e o Estado

hodiemo mantém o predomínio das relações da produção capitalistas,

protege-as, liberta-as dos laços de subordinação à renda timdiária

parasitária - garante, em suma, a reprodução ampüada do capital, a

acumulação capitalista. Portanto, o Estado representativo moderno é, a

grosso modo, o instrumento para a exploração do trabalho assalariado pelo

capital. Por isso, K. Marx reivindica, a partir de 1844, a supressão

progressiva do Estado, a íim de lograr uma formação social plenamente

humana e livxe.
14

II - Capítulo 1°

Estado: Razão, Universalidade e Liberdade

1.1 O Estado Fundado na Racionalidade

A questão do Estado, na situação concreta da Prússia, preocupava

todos os neo-hegeliaiios. de Bruno Bauer a .Arnold Ruge e Karl Marx,

panicuiamicnte pelo seu absolutismo e subordinação religiosa. A partir

desta problemática, vieram à luz. na revista Anekdoía Filosófica, número

duplo, publicada na Suiça sob a direção de A. Ruge. os primeiros trabalhos

de K. Marx; Lulero. árbitro ente Strauss e feuerbach e Observações sobre

a Recente Situação Prussiana Acerca da Censura (ou simplesmente Acerca

da Censura') ambos editados em 1842. No primeiro artigo. K. Marx põe a

filosofia crítica de Ludwig Feuerbach - livTe de qualquer fundamento

religioso - fi'ente à filosofia especulativa de David Strauss - circunscrita à

Teologia. Strauss, por exemplo, trata o problema do milagre a partir da

reügião. e não como aiributo do espírito humano: Feuerbach. ao revés, o

toma tão-somente como realização do desejo humano. Deste modo. fiisa

Marx. "se quereis chegar à verdade e à überdade. tendes que passar

necessariamente pelo Rio de Fogo. Este Rio de Fogo. este Feuerbach. é o

purgatório de nosso tempo."' Percebemos aqui que a luta contra a religião e

a reivindicação pela hberdade humana são as duas fi"entes que Marx toma

como os objetivos centrais de uma filosofia crítica.

^Marx, K. Lutero, árbitro entre Strauss y Feuerbach. In: ., Engels, F. Ob'-as


iunàa>ne>n(ües. Trachicción de Wenceslao Roces. México: Pondo de Cultura Econômica.
'l987. v.l.p. 148.
15

No segundo trabalho, .4cfcTc*a da Censura, Marx exaniinív

inicialnieiite, o problema da censura, tomando-o a partir da perspectiva da

liberdade humana. Para assentar o caráter Hberal da nova Instrução do

governo prusáano sobre a censura, expedida em 14 de dezembro dc 1841,

Marx cita o preâmbulo desse decreto;

" Para livTar. desde agora a imprensa de


infundadas restrições que não correspondem aos
majestosos desejos, sua Majestade, o Rei, medumte a
Ordem Real dirigida em 10 do presente ao Ministério
Real do Estado, ordenou reprovar expressadamente toda
indevida coação exercida contra a aíi\idade do escritor
e, reconhecendo a importância e a necessidade de
publicações hvTes e honestas, autoriza-nos a convocar
de novo a atenção dos censores para a adequada
aplicação do artigo II do Edital sobre a Censura de 18
de outubro de 1819'."^

Tal decreto, ao refutar apenas por palavras as restrições à liberdade

do escritor, não só mantém em paz a censura do governo, senão também a

reforça, pois, se se reconhece a precisão da censiira, fica patente, outrossim,

a necessidade de utilizá-la de modo cabal. Neste sentido, o decreto sohcita

que os censores cumpram a lei de 1819, para que a imprensa se livre das

mfundadas restrições, alheias às intenções do governo. Urge esclarecer que

a posição de Marx em relação à censura está ainda determinada pelos

critérios fundamentais que supõem uma concepção racionahsta e hegehana

do Estado.

•^Marx, K. Observaciones sobre Ia reciente instrucción prussiana acerca de Ia censura,


op. cit, p. 149.
16

No âmbito do Estado prussiano, diz Marx, vêm atuando ilegalmente

autoridades incubidas de proteger o mais sublime dos interesses dos

indivíduos, que é o seu espírito; autoridades essas que têm por função, não

só regular a conduta desses indivíduos, mas ainda o comportamento do

espírito universal. Todavia, como pode - pergunta Marx - semelhante

Estado, que se mostra tão bem organizado e tão orgulhoso de sua

administração, permitir que seus altos funcionários atuem de forma tão

mdccente, a ponto, por exemplo, de publicarem um decreto censurando a

imprensa?... Se imputarmos a culpa aos censores, não só colocaremos em

questão a honra destes, como também a do Estado prussiano; se, por outro,

atribuirmos aos indivíduos os defeitos objetivos do Estado, não

corrigiremos a essência de tais deformidades. Isso se justifica porque

estamos diante de um liberalismo aparente que confere, ora aos indivíduos,

ora às instituições, a causa do mal, a fim de manter erguido o Estado, sem,

contudo, reformar a natureza desses defeitos.

Os correspondentes da imprensa, afirma Marx, se equivocarani ao

ver na Instituição sobre a censura o novo decreto acerca desta. Na verdade,

ela é tão obsoleta quanto o decreto de 1819, conquanto tenha um caráter

interbio. pois só devia reger até 1824. enquanto que a nova Instrução não

assinala prazo nenhum. Ademais, a e.xpectativa de outrora era a das leis

sobre a liberdade de imprensa, ao passo que a de agora é a das leis sobre a

censura. Outros correspondentes, ao considerar a referida Instrução como

uma renovação do velho decreto de 1819, também se üudiram, uma vez que

o próprio prólogo dela refuta tal acepção. Marx assegura, ao contrário, que

a nova Instrução constitui a própria objetivação do espírito da lei de


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imprensa, ou seja, ela c a expressão restrita do edital de censura de 1819.

Para fundamentar análoga poáção, Marx cita uni trecho referente ao artigo

II da sobredita Instrução:

" 'De acordo com esta lei. a censura não deve


paralisar a investigação séria e modesta da verdade,
impor aos escritores uma coação mdevida nem pôr
travas à livre circulação no comércio livreiro'."-'

A inquirição da verdade, que a censura "não deve abolir", se

fundamenta - como \Tmos - pela seriedade e modéstia. Esses dois atributos

são inconástentes e relativos, pois ficam à mercê do temperamento do

censor para prescrever ao escritor um dado estilo. A modéstia, depreendida

pela lei de imprensa, é a supressão das qualidades inerentes ao indiNÍduo,

gerando, por conseguinte, um impedimento para se chegar à verdade.

Quanto à seriedade, idêntica lei a toma como "uma hipocrisia do corpo para

encobrir os defeitos da ahna". Por exemplo, a lei permite que o indivíduo

escreva, porém o ordena redigir num estilo que não é o seu; se é humorista,

ela decreta que componha de modo sério; se é insolente, ela prescreve que

grafe de forma recatada. Assim, impugna Marx a mistificação que supõe

falar de liberdade de imprensa e censura, sendo esta a raiz do mal daquela.

E conclui que não haverá liberdade de imprensa enquanto houver censura,

já que ela supõe substituir o espírito universal pelo individual, suplantar a

verdade geral pela verdade dos juizes; negar, enfim, a própria racionalidade

do Estado, que está fundada na überdade humana.

-^Ibid.. p.l51.
18

Marx propugna que a liberdade, legalmente reconhecida, existe no

Estado racional como lei. As leis não são medidas repressivas contra a

liberdade, do mesmo modo que a lei da gravidade não é uma disposição

repulsiva contra o movimento. Elas são, antes, normas positivas, claras e

universais do Estado, em que a liberdade adquire uma existência impessoal,

teorética e independente do arbítrio pessoal. Tais leis não podem entrar em

colisão com as determinações da natureza humana, pois que o Estado é a

própria manifestação do humano e do racional. Portanto, o Estado é o

império da lei racional, em cujo seio o indivíduo se eleva ao plano do

universal e da eticidade.

Outro aspecto desse ensaio sobre a censura, mui presente neste

período, é a luta pela separação entre Igreja e Estado. Marx advoga tal

segregação em nome da razão, porquanto a rehgião é, por excelência,

irracional, daí que está em contraposição ao Estado racional. O Estado

realmente racional deve. pois, eliminar todo vestígio religioso de sua esfera

pública. Por outro lado, a essência do Estado é a universalidade, a qual é

suprimida na medida em que está subordinada à Igreja. Investigando o

velho decreto de 1819, Marx evidencia que não havia nenhuma menção

privilegiando um dada religião, diversamente da nova Instrução, que não só

reduz o preceito rehgioso à rehgião cristã, como ainda o faz substância

esi^iiitual do Estado. Assim sendo, a fé e o cristianismo tomaram-se as

bases do Estado, e a natureza específica da rehgião passou a determinar sua

conduta.

Como a nova Instrução indica que o Estado seja imi Estado cristão,

há então, no seu interior, catóhcos e protestantes. Uns e outros acreditam


19

que têm os mesmos direitos, porquanto tém iguais deveres para com ele. Se

o Estado fosse tão-somente cristão-luterano, converter-se-ia para os

católico? numa igreja à qual estes não pertenciam, e cuja essência encontrar-

se-ia em contraposição com eles, e vice-versa. Desse modo, católicos e

protestantes, prescindindo de suas respectivas religiões, almejam que o

Estado seja exclusivamente a realização da razão politico-juridica. Contudo,

mesmo diante desta confusão entre o prmcipio político e o religioso-cnstão,

o Estado prussiano não abdica de sua base a fé e o cristianismo, dado que

não deseja assentar-se sobre a livre razão.

Deixando de lado os as])ectos repugnantes da nova censuro, Marx

passa a examinar "as partes mais agradáveis", que são as concessões. Ei-las:

'Segue-se daqui, em especial, que não deverão


rechaçar-se, sempre e quando sua redação seja decente e
sua tendência bem intencionada, os escritos em que
julgam a administração do Estado em conjunto ou em
particular algumas de suas seções, que examinam
conforme seu valor interno as leis já promulgadas ou em
instâncias de promulgação, que ponham de manifesto os
defeitos e as falhas ou que sugerem ou propõem
melhorias, pelo simples fato de que o sentido em que
ditas obras se inspiram difira do critério do governo.'

A nova Instrução exige, sem se importar com a veracidade do

conteúdo, modéstia e seriedade na investigação. Para isso. é mister que as

manifestações dos escritores contra as medidas do governo não sejam hostis

e malignas, mas sim bem intencionadas. Porém, as leis justificadas nas

intenções não são, esclarece Marx, leis do Estado voltadas para o indiNÍduo,

■^Ibid, p. 158.
20

senào leis que favorecem uma posição em detrimento dc outra. Essas leis

tendenciosas que, em vez de unirem, suprimem a igualdade entre os

mdivíduos, são desumanas, pois que um mdi\iduo pode fazer o que ao

outro está vedado. Desse modo, um Estado que se coloca cm oposição aos

mdivíduos e considera seus designios contrários aos do gênero humano não

é, destarte, um órgão capaz de explicitar e assegurar a liberdade humana. No

entanto, o autentico Estado é. para Marx, um grande organismo, em que as

liberdades jurídica, moral e política devem lograr a própria realização, e em

que o mdi\íduo, obedecendo às leis do Estado, submete-se às leis naturais

da própria razão humana.

Enfim, as mencionadas concessões dessa Instrução se transmudam

numa ordem intervencionista na qual a literatura política e os periódicos

sào fulminados e ameaçados constantemente de novos processos na

imprensa. Os censores, que são escolhidos pelo Estado, são incumbidos de

avahar a torma e o tom da linguagem empregados nos escritos, antes de

unia possível pubhcação. Para tal Instrução, as manifestações criticas e os

juízos contrários às instituições do Estado, bem como à honra das

auioridades, são considerados lesivos e inaptos à pubhcação na iniprensa.

Por conseguinte - nota Marx - essa Instrução \TÍola o princípio universal do

Estado, que é a hberdade das intenções subjetivas; ou seja ela inverte a

realidade, apreende o ilegítimo pelo legítimo, o contrário do Estado como

Direito do Estado.

Lutando em prol do Estado racional, Marx, no ensaio O Editorial do

Número 179 da Gazeta de Colônia, se põe novamente contra a

irracionahdade essencial da rehgião. Esta é uma consciência ideológica a


21

serviço dos interesses pnvados, por isso Marx contesta o representante da

Gazeta de Colônia, sr. Karl Heinrich Hermes - jornalista pago pelo governo

prussiano e agente secreto seu - que. em nome de um Estado cnstão.

negava o Estado racional. Para esse redator político, vale dizer:

'' 'A religião é o fundamento áo Estado e a condição


mais necessária de toda agrupaçào social, que não se
dirige meramente à consecução de qualquer fim
externo.' Prova: 'Em sua tbnna mais tosca de teiiclusmo
infantil, ela eleva o homem, em certo modo, por cima
dos apetites de seus sentidos, que, se se deLxassem
dominar exxlusivamente por eles, degradá-lo-iam ao
plano animal, incapacitando-o a cumprir qualquer fim
superior.'"^

O autor do artigo editorial assevera Marx. designa ao fetichismo o

protótipo mais tosco da religião: assegura ainda que o culto aos animais é o

fulcro religioso mais sublime desse fetichismo. No entanto, ele se esquece

de que o fetichismo, longe de erguer o homem sobre seus apetites, é. ao

mves. a reügiâo dos desejos dos sentidos, porquanto, pelo fetichismo, uma

coisa inanimada abandona seu caráter natural para conformar-se aos

deleites da fantasia rehgiosa. Por último. Hermes afirma que o Estado é um

Estado cristão que, em vez de ser uma comumdade de indivíduos hvTes e

morais, é um agrupamento de fiéis, e que, ao invés de aspirar à realização

da hberdade humana, almeja tão-somente a objetivação do dogma cristão.

Para corroborar tal idéia. Hermes advoga que todos os Estado; europeus

estão consubstanciados no cristianismo. Para Marx. entretanto, se algims

Estados europeus baseiam-se no cristianismo, isto significa que eles não

*Marx. K. El editorial dei número 179 de Ia "Gazeta de Colonia". op. cit.. p. 224.
22

correspondem efetivamente a seu conceito, isto é, não estão fundados sobre

alivTe razão.

Mais adiante, Hemies. ao falar acerca da educação, postula mais uma

vez. o matrijiiõnio do Estado com a Igreja:

" 'Como nosso Estados não são simplesmente cor-


porações jurídicas, mas são, ao mesmo tempo, verdadei-
ros estabelecimentos educativos, embora sua ação se
estenda a um círculo mais amplo que os dedicados à
educação das jovens gerações', etc. 'toda a educação
pública tem como fundamento o cristianismo.'

Nimi Estado cristão, consoante Hermes, a educação dos joverLs deve

basear-se tanto nos antigos e nas ciências em geral quanto no "catecismo".

Marx salienta, ao contrário, que a verdadeira educação do Estado consiste

na e.xistência racional e pública do Estado mesmo; ela prepara os indi\íduos

para se fazerem membros do Estado, transforma os fins individuais em

íélos gerais, os toscos impulsos em inclinações morais, fazendo, em

decorrência, com que o mdivíduos participe do todo, tal como este desfrute

das mtenções daquele. Mas, como dissemos, Hermes não faz do Estado uma

associação de mdi\dduos li\Tes que se educam reciprocamente, mas sim

uma escola em que uns estão destmados a ensmar e outros a aprender.

O Estado verdadeiramente religioso, enfatiza Marx. é o Estado

teocrático. cujo principio está submetido a uma dada Igreja: Igreja essa que

condena como heresias todos os vínculos entre o indivíduo e a existência

moral no âmbito de um Estado laico. A natureza do Estado teológico não é

^rbid.p. 228.
23

postulada a partir da essência da sociabüidade humana senão das

coníigurações dos dogmas do cristianismo. O Estado cnstão não

corresponde ao conceito de Estado enquanto realização da liberdade

racional, uma vez que o Estado universal não se desenvolve partindo do

cristianismo; pelo contrário, realiza-se na liberdade jurídica moral e

política. Nele, o indivíduo obedece às leis de acordo com a vontade da

razão humana e não sob a autoridade divina.

Enfim, no trabaUio O Manifesto Filosófico da Escola Histórica do

Direito, publicado em agosto em 1842. Marx responde a uma conjuntura

politico-ideológica. bastante precisa; Friedrich Karl Von Savigny, um

româiitico reacionário, acabava de ser nomeado ministro da Justiça e a

Escola Histórica do Direito tinha terminado de pubhcar um mcniifesto a

cargo de seu fundador, Gustavo Hugo. O suporte ideológico desse

mamfesto era puramente empirista, negava todo conteúdo racional do

Estado. De acordo com Hugo, denota Marx. as instituições ético-juridicas -

por exemplo, a propriedade, a Constituição do Estado, o matrimônio, etc. -

não são racionahnente necessárias: pelo contrário, podem se contrapor á

própria razão, pois o que há de racional e moralistico nelas é. às vezes,

incerto para a razão. Para Marx. no entanto, tais instituições são cnações do

espírito humano e, por isso, constituem imagens de uma razão positiva.

No presente artigo, Marx ratifica sua crítica aos fijndamentos

ideológicos do Estado cristão. E. amda que seja uma crítica circunscrita ao

Estado moderno, constitui o primeiro passo importante para a elaboração de

sua Teoria do Estado, que o levará à crítica da sociabüidade burguesa em

sua totalidade. .Mém disso, Marx se opõe à tese central de Hugo. segundo a
24

qual "c dever sagrado de consciência obedecer à autoridade em cuja mãos

se acha o poder."" Assim, enquanto Hugo restringe a razão à autoridade,

Marx a toma como atividade livTe, capaz de decidir o que é ou não racional.

E, mediante tal razão, o homem pode transformar a reahdade ou tomá-la

mais racional.

Essa? "posições idealistas" de Marx surgem mais claramente no

trnbalho O Comunismo e a Gazela Geral de Augshurgo, publicado em 16

de outubro de 1842. Neste, Marx assinala que:

não é no intento prático, mas no


desenvolvimento teórico das idéias comunistas onde está
o verdadeiro risco; pois os intentos práticos, embora
sejam intentos em massa quando se julgam perigosos,
pode-se contestá-los com os canhões: porém as idéias
que se apropriam de nossa mente, que conquistam nossa
convicção e nas quais o intelecto foija nossa
consciência, são cadeias as quais não é possível subtrair-
se sem dilacerar nosso coração..."®^

.As idéias movem os homens, a razão gera o mundo, a filosofia

suscita a sociedade e os intelectuais produzem e dirigem o desenvolvimento

social. A partir de semelhantes ponderações, a Gazeta Geral de Augshurgo

acusa a Gazeta Renaiia, embora sabendo-a não propriamente comunista, de

proteger o "comunismo", uma vez que vem acolhendo abertamente, em

seus boletins, artigos acerca de sua existência. Em relação a tais acusações,

Marx adverte que o "comunismo", apesar de não ser um bom assunto nos

"salões nobres da burguesia", é um problema em toda a Europa, mormente

^Marx, K. El manifesto filosófico de Ia escuela histórica dei Derecho, op. cit., p.243.
5''Marx. K. El comunismo y Ia "Gazeta Geral de Auçsburgo", op. cit.. p. 247.
25

na França e Inglaterra, por isso deve ser tratado, com todo ngor» nos

periódicos. A Gazeta Reriana não advoga, como alude a Gazeta de

Augsbiirgo, que o Estado deva se converter em privilégio de uma dada

camada social; pretende, isto sim, que ele se tome uma esfera racionína

qual o indivíduo possa realizar plenamente sua liberdade.

1,2 Subordinação do Estado aos Interesses Privados

Tendo em \ãsta a eleição que ocorrera no dia 2 de março de 1843

para ocupar dois cargos de deputado à Sétima Dieta Renam, em Colônia

/ (Proxóncia do Reno)^, Marx redige, em 9 de marco do mesmo ano. o artigo

Eleições a Deputados da Dieta KegionaL no qual alude que a Gazeta do

Reno e do Moseía. referindo-se a tais eleições, escreve, entre outras coisas,

a seguinte ponderação:

" 'De boa vontade, consideramos os senhores


Merkens e Camphauser pessoas dignas e honoráveis ('e
homens honoráveis são todos', como diz a tragédia) 'e
inclusive aplaudimos a Gazeta Renana' (quanta honra!)
'que opõe triimfalmente estes nomes aos dos
adversários dos direitos de nossa província; porém, em
vez disso, não temos mais remédio senão impugnar clara
e energicamente as razões pelas quais se tratou de apoiar
a eleição dos ditos senhores, e não porque estas razões
não merecem ser tidas em conta mas porque não têm
uma importância exclusiva, mas simplesmente
secundária."-

-'Foram eleitos R.udolf Camphauser - banqueiro de Colônia e dirigente da burguesia


liberal - e Heinrich Merkens - presidente da Câmara de Comércio da cidade.
■'^Marx. K. Las elecciones a disputados de Ia Dieta regional, op. cit.. p.292.
26

A Gazeta do Reno e do Mosela não censura, portanto, a eleição dos

deputados propostos, mas somente as razões que se invocam em apoio de

sua escolha. Para ela, os assuntos mais significativos que os representantes

deverão invocar na próxima Dieta" têm que atender tanto aos interesses

comerciais e industriais de domínio privado, como também às necessidades

gerais e espirituais dos indivíduos. Por isso, prossegue ela, os votantes

devem escolher aqueles senhores (Merkens e Camphauser), que, além de

serem honrados e mdependentes, são capazes de efetivar tais assuntos.

Entretanto, a Gazela do Reno e do Mosela não se dá conta, exprime Marx,

que esses senhores são dignos representantes dos interesses particulares,

dado que, nos debates sobre o roubo de lenha e a lei de caça, eles se

opuseram energicamente contra a vontade geral, os direitos coletivos e a

efetivação de uma ordem racional no âmbito do Estado.

Essa discussão em tomo dos interesses particulares fora tratada

anteriormente, por Marx, no artigo Debates Sobre a Lei Relativa aos

Roubos de Lenhas. Este trabalho tem um elemento significativo: enquanto

os anteriores envolviam problemas filosófico-politicos. este responde a

fatos pohtico—econômicos. Se os precedentes foram tratados a nível

filosófico, este. por seu caráter concreto, exige de Marx uma abordagem

acerca da economia pohtica. No prólogo a sua obra Contribuição à Critica

da Economia Política, lembra Marx:

" Em 1842-1843, sendo redator da 'Gazeta Renana'.


vi-me, pela primeira vez, na dificü tarefa de ter que
opinar sobre os chamados interesses materiais. Os

1 'A Dieta era iima forma de assembléia política, composta, em sua grande maioria, por
representantes da nobreza, da burguesia e do principado.
27

debates da Dieta renaiia sobre o corte furtivo de lenha e


o parcelamento da propriedade do solo. a polêmica
oficial mantida entre o sr. von Schaper. na ocasião
governador da pro\incia renana, e a 'Gazela Renann'
sobre a situação dos camponeses do Mosela e,
finalmente, os debates sobre o livre câmbio e o
protecionismo levaram-me a ocupar-me, pela primeira
vez, de questões econômicas."^2

Tendo-se lançado no estudo dos problemas sociais e políticos

concretos. Marx salienta que é inquestionável que não vallia a pena falar da

lei sobre o roubo de lenha, bem como da lei sobre os delitos de caça, os das

florestas e os do campo, não apenas em conexão com a Dieta regional,

senão também com ela enquanto tal. Todavia antes de tratá-los. convém

previamente assentar que a Dieta regional surge como uma jurisdição

complementar adstrita ao Estado jurídico. Ao examinar as qualidades

legislativas da Dieta Marx percebe, à luz de imi exemplo, que um deputado

das cidades se opõe à efetivação de uma lei em que a figura do delito de

roubo se estende, outrossirru a simples irdrações em matérias de lenhas.

Precisamente porque - reforça um deputado do estamento da nobreza - não

se considera como roubo a extração de lenhas, haja vista que ocorrem

tantos casos como este no dia-a-dia. Seguindo essas discussões, a Dieta é

chamada a decidir se condena ou não como roubo esta classe de infi"ações;

e, após um longo debate, ela decide como deüto o fato de subtrair lenha.

Uma vez votada essa lei. impõe-se, no entanto, a necesádade de separar os

bons cidadãos, que ainda não cometeram delitos, e mesmo que venham a

cometê-los, do convívio com os infratores reincidentes.

í^Marx, K. Prólogo de Ia contribuicción a Ia crítica de Ia economia política. In: .,


Engels. F. Obras escogidas. Moscú; Editorial Progreso. 1974. v.l. p. 517.
28

Uma realidade universal fundada na desigualdade reclama direitos

desiguais, pois enquanto uns têm direito à liberdade, outros são condenados

à escra\idão. Por exemplo, quando os privilegiados apelam para o direito

consuetudinário, a humanidade £Ç)arece unida não pela igualdade, mas pela

desigualdade plasmada em leis. Ao voltar-se contra a genericidade e a

liberdade, estes direitos encontram na lei legítima não só o reconhecimento

de seus deleites, como também a confinnação de suas arrogância^

irracionais. Entretanto, os interesses da massa pobres, política e socialmente

despossuída, não encontram, por sua vez, guarida no direito do Estado,

porque os legisladores comprometidos com os proprietários não os

mcluiram na forma da lei legítima. Já num Estado regido por leis gerais, o

direito deixa de ser um costume particular e assume uma forma racional,

uma vez que o direito se converte na própria vida costumeira do Estado.

Nesse sentido, falar de direitos consuetudinários, próprios das classes

privilegiadas, fora da lei imiversal, é um contra-senso.

Marx elucida tal problema com sua "teoria ideal" do Estado, peculiar

dessa época; o Estado é, antes de tudo, expressão do universal, portanto não

pode pôr sua lei e sua autoridade a serviço do privilégio e dos interesses

particulares dos proprietários e contra as necessidades vitais dos pobres. Se

o Estado não é significativamente humano, os direitos dos proprietários se

manifestam sob a forma de arbítrios, enquanto que os dos despossuídos

ficam á mercê de concessões fortuitas. O interesse egoísta daqueles converte

a esfera positiva do Estado numa esfera particular, cujo dever é fazer de

uma simples contravenção à propriedade privada, um dehto. Este exagerado

respeito pelo interesse da restrita propriedade privada transforma-se.


29

nccessanaincntc. em enomie desapreço pelo interesse do acusado. O que

não passa duma instrumentalização do Estado, pois o interesse privado

degrada-o no meio pessoal. Mas, írente a tudo isso. o verdadeiro Estado,

aduz Marx.

... deve ver no infrator que recolhe lenha (... ) um


ser humano, um membro vivo da comunidade em cujas
veias corre seu sangue, um soldado chamado a defender
a pãtna um testemunJio cuja voz deve ser escutada
perante os tnbunais, um membro da comunidade
capacitado para desempenhar postos públicos, um pai de
famüia cuja existência deve ser sagrada e, sobretudo, um
cidadão do Estado, o qual não pode descartar
ügeiramente um de seus membros de todas estas
funções, pois o Estado, ao fazer de um cidadão um
delinqüente, ampiita-se a si mesmo".

O Estado unilateral, entretanto, transforma, como assinalamos, os

interesses específicos em lei, e, ao fazê-lo, não pode ser humano, pois seu

fundamento é material e exterior ao gênero humano. Como instituição

personificada na figura do proprietário, o Estado vela pelos interesses deste

e incrimina, ao mesmo tempo, os pobres contraventores de lenha como

criminosos. Além de dispor dos meios necessários para proceder de modo

adequado a sua essência, a seu caráter geral, tal Estado tem o dever

incondicional de empregar o poder executivo e o legislativo contra o

acusado, imia vez que ele (o Estado) conta com os meios irracionais e

antijuridicos da propriedade privada para incriminar o infirator de lenhas.

'^Marx. K. Los debates sobre Ia ley castigando los robos de lena. op. cit. p. 259.
30

Essa função arbitrária da propriedade privada, cuja alina mesquinha é

incapaz de abrigar um só pensamento de Estado ético, e deLxar-se como\'er

por ele. é. para esse Estado, uma realidade severa e difícil de superar, Se o

Estado reduz-se à propriedade privada isso significa que não é mais do que

um instrumento a ser\iço dos proprietários privados, o guardião e gerente

de seus mteresses. Nele. a vontade do proprietário do solo reclama para si a

liberdade de proceder com os míratorcs de lenha como mellior o pareça e

com os métodos mais injustos para mcrinüná-los. Assiin. tal proprietáno

converte-se em autoridade do Estado, e a autoridade deste se toma serva

daquele; ou seja, os interesses particulares fazem valer suas pretensões

contra o Estado universal, convertendo-o, pois, numa entidade cancerosa.

O interesse privado se considera como o fim supremo e último do

universo, e não apreende o direito em sua própria substancialidade; ao

contrário, afasta-se dele, para projetá-lo numa realidade exterior á

universalidade. Quando o direito não se acomoda nesse escopo derradeiro e

superior, que é a propriedade privada poder-se-á considerá-lo prejudicial

aos interesses do proprietário do solo. A este, o Estado e os tribunais

jurídicos asseguram seu interesse privado e conferem-lhe um conjunto de

ieis para condenar ao cárcere os pobres contraventores de lerüias.

Conseqüentemente, o interesse particular degrada o poder executivo, as

autondades administrativas e a própria idéia do Estado enquanto esfera

racional, ao convertê-los em meios materiais a serviço do proprietário.

Com efeito, Marx descobre que o direito positivo é o direito a serviço

dos interesses particulares e que o Estado é o Estado de um dada camada

social, o qual entra em contradição com sua idéia hegeüana de um Estado


3i

universal. Insiste aíiniiando que sobre a base de antagonismo sociais o

Estado não pode realizar-se racionalmente. Porém, essa oposição é

percebida teoricamente, pois Marx não encontra sua negação. Por exemplo,

a uma realidade - o Estado de classe - coloca-se uma idéia - o Estado

universal. E, nessa alternativa, não patenteia a supressão real e progressiva

do Estado de classe, que só será possível quando descobrir sua verdadeira

natureza social.

1,3 A Liberdade de Imprensa como Explicitação da Razão

No quadro do Estado prussiano, a imprensa sofreu uma enomie

pressão das leis da hierarquia burocrática, cujo agente é a censura. Por isso.

em Sobre a Liberdade de Imprensa e a Publicação dos Debates da Dieía.

Marx volta a tratar da questão da censura, porém enquanto problema

político-reivindicatório. Ele descobre que os representantes das distintas

facções da Dieta não defendiam posições universais, democráticas, mas sim

de classe. Assim, embora circunscrito ainda à reivindicação por um Estado

racional Marx toma consciência de que o interesse particular é uma das

forças objetivas de sua irracionalidade; contudo, não percebe aqui o caráter

de classe do Estado como algo necessário, por isso propugna frente a esse

Estado unilateral, um Estado democrático, universal.

Após a publicação da nova Instrução sobre a censura, na qual a

liberdade era teniatizada de forma aparente e convencional, a Gazeta

Prussiana do Estado - órgão semi-oficial do governo - se viu compelida a

revelar suas intenções. Para ela, evidencia Marx, de nada serviu a outorga

da lei de censura na imprensa, porque já \dnha respeitando há muitos anos a


32

censura, niantinJia assiduainente um tom diplomático em suas redações e

surgia tão-somente em locais públicos nos quais não podia faltar uma

publicação semi-oíicial. Como vemos, a Gazeta do Estado é unilateral,

ainda que tente adotar uma inspiração liberal ou, pelo menos, independete.

Comportando-se assim, a Gazeta Prussiana defende sua idéia do

Estado da seguinte maneira:

" na Prússia, a administração pública e todo o


organismo do Estado se encontram divorciados do
espirito político, razão pela qual o povo pode sentir,
todavia um interesse político pelos jornais.'

A admimstração pública, na Prússia, consoante a Gazeta Prussiana

do Estado, está despojada de espírito político, ou. melhor dizendo, o Estado

está privado de espírito político, assim como este não se encontra naquele.

Contudo, a atividade pueril deste jornal, argumenta Marx, não percebe que

o particular (o interesse político) se conecta com o universal (o Estado) e

que, neste, as partes materiais se convertem em membros animados de um

todo espiritual, pois que o Estado é a manifestação da liberdade e da razão

humana.

A Gazeta do Estado recorda que, na Prússia, bem como na

Inglaterra, há Dietas regionais cujos debates a imprensa diária pode discutir

e publicar. Entre os membros da Dieta, adverte Marx. há distintas

considerações acerca da liberdade de imprensa: os adversários dela

desfrutam de certas vantagens porque a enfrentam de forma real, não

5'^Marx, K. Los debates sobre ia libertad de prensa y Ia publicación de los debates de Ia


Dieta. op. cit.. p. 176.
33

ilusória: enquanto que os que a protegem não mantenv em seu conjunto,

um liame real com essa defesa pois nunca a experimentaram como uma

necessidade. Para defender algo, julga Marx, é mister te-lo como

indispensável, sem o qual sua própria existência seria frustrada insatisfeita.

Entretanto, observa-se que os supracitados defensores da liberdade de

imprensa na Assembléia por estamento não se sentem, nem um pouco,

incompletos sem a mesma e isso evidencia que eles não se acham à altura

deste tema nem tampouco a Dieta em sua totalidade.

Mediante os debates da Dieta percebe-se, com clareza a

manifestação particular do espírito estamental. mormente aquele que se

contrapõe à liberdade de imprensa. E nessa oposição que o esjjírito de uma

esfera particular, o interesse individual de um estamento, se mostra de

forma unilateral, rude e destimano. Estes debates revelam fielmente o

caráter fundante da Dieta já que quem se opõe à imprensa livre não é o

indivíduo isoladamente, mas sim os estamentos, como, por exemplo, o dos

príncipes, o da nobreza e o da cidade. Encamiiihando-se. inicialmente, ao

orador do estamento dos príncipes, Marx ex-plicita a argumentação própria

deste;

" '...a censura constitui um mal menor do que os


desaforos da imprensa'. E que 'esta convicção foi-se
consolidando cada vez mais em nossa Alemanha' (na
realidade, não sabemos a que parte da Alemanha se
refere), 'o que fez com que se tenham promulgado
acerca disso leis de caráter federal, emitidas também ou
feitas pela Prússia...' "^5

'^Ibid.p. 179.
34

A propositura de emancipar a imprensa de seus grilliões, ou seja, das

travas que pesam sobre ela, já demonstra, segundo aquele orador, que a

imprensa não se acha destinada a ser livTe. Pelo contrário, é próprio de sua

essência o enclausuramento. A juízo do orador, a censura deve refutar a

liberdade de imprensa, para que a verdade possa aflorar nos jornais. Para

Marx, entretanto, o desenvolvimento mtelectual da Alemanha não se impôs

graças à censura, mas sim à imprensa livxe, O argumento de que a censura é

o fundamento da "melhor miprensa" patenteia que os titulares do poder

almejam desterrar detinitivamente da Alemanha a Hberdade humana.

Em seguida, ao se referir à existência da liberdade de imprensa em

outros países, o orador alemão diz que:

" 'A Inglaterra não pode servir de modelo, porque


neste país vêm se formando, ao longo dos séculos, pela
via histórica, condições a que nenlium outro país podia
chegar a alcançar mediante a apücação de teorias, a não
ser que tivesse seu fundamento na situação peculiar da
Inglaterra'. 'Na Holanda, a hberdade de imprensa não
pôde salvar o país de uma esmagadora dhnda nacional,
que contribuiu em boa parte para provocar imia
revolução, em conseqüência da qual se desprendeu dele
a metade de seu território.' - (Grifos de Marx).

Mais adiante, ele acrescenta.

" '...na Suíça, encontra-se por acaso um El Dorado,


cuja bênção possa atribiiir-se à hberdade de imprensa?
Não produz por acaso asco, ver aquelas toscas e
mesquinhas querelas de partidos que se debatem nos

''^Ibid.. p. 181.
35

periódicos e nai; quais, em nome dos partidos, com um


sentimento muito certo de sua baLxa dignidade humana
se dividem os homens, com relação às partes do corpo
dos animais, em homens de chifres e homens úngulas,
atramdo sobre si o desprezo de todos os seus
semelhantes?'

A imprensa inglesa, demonstra Marx, é tematizada aqui a partir da

relevância dos alicerces liistóricos, sem os quais ela não teria valor algum.

O orador, ao fnsar que a Históna é o fator meritório. c não a miprensa em

geral, o faz como se a imprensa não fizessem parte da História. Por um lado,

ele atribui todos os méritos da imprensa inglesa aos fatos históricos; por

outro, impinge à imprensa holandesa todos os defeitos dos fundamentos

históricos. .Assim sendo, semelhante argumento não depreende que, tanto

na Holanda quando na Suíça e na Inglaterra, a imprensa se encontra

estritamente emaranhada com a História e a realidade pecuhar de seu pais.

Ao condenar a imprensa, o orador não a censura em á, mas a própria

constituição de uma nação; quer dizer, o espírito de seu tempo. Esse caráter

histórico da hnprensa hvTe, que faz dela a verdadeira objetivação espiritual

dos indivíduos, é algo que repugna ao orador do estamento dos príncipes.

O outro orador - o do estamento dos fidalgos - que agora passamos

a discutir, não polemiza contra o espírito dos diversos países, senão contra

o do gênero humano, e, na questão da hberdade de imprensa, impugna a

hberdade humana. Faz-se necessário asseverar que esse orador, mediante os

debates da Dieta, converte os direitos gerais em privilégios pessoais e põe a

hberdade individual frente ao interesse púbhco e ao Estado universal,

*"Ibid.. p. 182.
36

defendendo com isso o espírito exclusivo de seu estamento. Para Marx. a

concepção desse orador é arbitrária, dado que ele manifesta não o que é

realmente. ma> o que a seus olhos querem parecer, transmudando assim

aquüo que não é numa existência efetiva. Com efeito, a posição real que tal

representante da Dieta ocupa no Estado hodiemo não corresponde às

determinações precipuas e universais da natureza do Estado racional, mas

aos privilégios fortuitos e privados de algumas personalidades.

Como dissemos, tal orador transfoniia o ataque à liberdade de

imprensa nimi ataque à liberdade humana; e, ao fazé-lo, afirma que o

homem é, por natureza, um ser imperfeito e que a falta de überdade

constitui sua essência. Nesse sentido, são incompletos também o Estado, os

governos, as Dietas, as instituções. a liberdade de imprensa e todas as

esferas da existência humana. Como a liberdade é imperfeita, destarte o que

há de mal na imprensa é a própria überdade. E esta - diz o orador - que

abre possibilidade para o mal, de modo que a imprensa só será boa quando

não for um corolário da überdade humana. Marx assegura, diversamente

desse orador, que a überdade é a essência do homenL e que sempre esteve

presente, quer seja como privilégio particular de uns, quer seja como direito

universal. Por isso, não se trata de mdaaar


w - como faz o orador - se a

überdade de imprensa deve ou não existir, e sim de argumentar se ela deve

ser um privilégio de alguns ou do espírito humano.

Em seguida, o orador do estamento dos fidalgos, diante do debate

censura versus imprensa üvre, estabelece uma di\isão arbitrária entre a boa

e a má imprensa, empreendendo a segundavfefutação da primeira pois que.

para ele, a imprensa ü\Te é má e a censura, boa. Marx assevera, ao


3/

contrário, que a essência da imprensa é a liberdade, a fimieza de caráter

moral e racional, enquanto que o fundamento da censura é a negação desses

pressupostos, isto é, da liberdade e da racionalidade. No país em que vige a

censura - diz Marx - o Estado encontra-se despojado de liberdade e

racionalidade, embora um de seus membros, o governo, goze delas, já que

os escritos oficieás deste têm plena liberdade de imprensa. Se a censura é

honrada a imprensa deixa de ser o nexo ex'presso em palavTas que conecta

o indivíduo ao Estado e à cultura ou seja deixa de ser o "espírito vigilante"

do indivíduo. Nesse sentido, percebe-se que há uma distinção essencial,

interior e caracteristica entre a censura e a liberdade, tal como entre o

Estado arbitrário e o Estado racional.

Depois de explicitar as argumentações do estamento dos príncipes e

dos fidalgos, Marx aponta que o representante do estamento das cidades

também se contrapõe à liberdade de imprensa. Segundo o orador deste

estamento:

'A liberdade de imprensa é uma coisa formosa


enquanto dela não se apoderam os homens maus'.
Porém, até agora não se tem descoberto nenlium meio
seguro [para combatê-los]...'(Grifos de Marx).

Tal ponto de vista trata a imprensa como uma coisa formosa algo

que embeleza os hábitos da existência humana algo sublime e agradável,

(^lonsoante o orador, se não houvesse indivíduos perversos que utüizassem

a miprensa para mentir e divulgar palavTas injuriosas contra o Estado e a

Igreja o falar e o pensar seriam aprazíveis e magnifícos. Por isso, frisa ele,

"'^Tbid.. p. 208.
38

a liberdade de imprensa não busca o bem do indivíduo e sim quer satisfazer

a presunção de alguns homens e a ambição de partidos políticos.

Os defensores dn liberdade de imprensa na Dieta, por outro lado. não

diferem de seus adversários, tanto pelo conteúdo quanto pela tendência.

Uns lutam, por exemplo, contra as restrições da liberdade de imprensa aos

estamentos especiais, outros as advogam; uns argumentam que o pnvüégio

seja e.xclusivo do governo, enquanto outros tratam de distribuí-lo ao?

indivíduos: uns pretendem a censura integral, outros uma censura parcial;

algmis desejam uma parte da liberdade, enquanto outros não querem nada

disso, Claramente se vê, portanto, que os debates promovidos pelos

representantes da província renana são superficiais, genéricos e arbitrários,

mas, em geral, descartam a necessidade de uma imprensa livre enquanto

espaço através do qual os indivíduos possam plasmar sua existência

espiritual num Estado universal.

Mais adiante, no artigo A Proibição da Gazeta Geral de Leipzig,

Marx salienta, a partir da censura decretada a este jornal, que a imprensa'

não tem mais garantias juridicas e, em conseqüência, não pode mais tratar,

sem a intervenção da censura, de seus próprios assuntos. As reprovações

que se dirigem á Gazeta de Leipzig são contra a existência de uma imprensa

real e efetiva, que manifeste as aspirações, os interesses e os pensamentos

dos indivíduos. Embora ela não seja toda a imprensa do cidadão alemão, é

sem dúvida, parte integrante dela.

Por isso, Marx combate, no artigo Escrito ao Presidente da Província

Renana. Von Schaper, os duros ataques lançados pela censura contra a


39

Gazeta Re nana. O Ministcno da Censura, eni Colônia, exigia, por exemplo,

que a Gazeta Renana moditicasse 5ua tendência e adotasse unia posição

mais próxinia ao governo. Divergindo dessa posição, Marx aíinna que a

Gazeta Renana não foi fundada a fim de lograr especulação editorial nem

tampouco lucro, mas para investigar a "veracidade dos dogmas" e das

doutrinas ecleáásticas, monnente daquelas que tentam converter o Estado

em instituição religiosa, desprezando de sua esfera própria o terreno da

racionalidade. Portanto, se a Gazeta Renana, como órgão de ex^ircssão dos

indivíduos livTes, mudar de tendência ou se suprimir, resultará, então, numa

enorme perda não só para a província renana, senão também para todo o

espírito alemão. Nesta ocasião, obrigado a um jogo cada vez mais difícil

com uma censura dia-a-dia mais vigente, Marx resolve pedir, em 17 de

março de 1843, demissão do cargo de redator-chefe da Gazeta Renana,

decisão esta que a suprimiu definitivamente. Contudo, a suspensão desse

jornal irá possibilitar ao jovem Marx rever sua "concepção ideal" do Estado

enquanto esfera da universalidade, da racionalidade e da liberdade

humanas. Precisamente dessa questão é que trataremos no capítulo seguinte.


40

III - Capítulo 2°

Os Limites do Estado Político Moderno

2.1 Critica a Concepção Hegeliana do Estado

Vimos no c^ítulo precedentes que Marx. na direção da Gazeta

Renana (outubro de 1842 a março de 1843). intensificou suas posições

political, o que o afastou progressivamente dos neo-hegeiianos. Enquanto

estes restringiam sua luta em prol do Estado racional e contra a religião.

Marx tomou posições contra as manifestações concretas do Estado

prussiano, a saber; a censura, a elaboração e imposição das leis. a aplicação

arbitrária das mesmas, a polêmica oficial do governador da província

renana (com o intuito de suprimir a Gazeía Renana), o parcelamento da

propriedade da terra o roubo de lenha etc. Todavia essa luta fora baseada

na idéia hegeüana do Estado racional e. por isso mesmo, fora negada pela

realidade concreta. Isso levou K.. Marx a rever a Filosofia do Direito de

Heget'^. na qual ele encerra; não é o Estado que engendra a sociedade civil,

e sim o contrário. Com efeito, o Estado, enquanto expressão da

sociabilidade burguesa é a manifestação política da propriedade privada.

Para Hegel diz ívlarx, o Estado - realidade da idéia moral, espirito

moral - é, por um lado, uma necessidade exterior, arbitrária em relação à

família e à sociedade ci\'il, um poder a que estão subordinados e do qual

dependem as leis e os interesses, .\ssim, as leis do direito privado, os

--'A Critica à Filosofia do Direito de Hegel (1843) foi publicada pela primeira vez na
M.E.G..\.I., em 1927, edição preparada por D. Rjazanow. Esta obra começa analisando
o parágralb § 261 de 05 Pnncipios Fundamentais da Filosofia do Direito (1821). de
Hecel. e termina com uma nota sobre os paráçrafos §§ 312 e 313.
4i

interesse;: e as detemiinações da família e da sociedade civil dependem da

existência do Estado. Este se apresenta a essas leis e a esses interesses como

um poder superior. Mas. por outro, é, também, o "fini imanente" destas

duas esferas, porquanto os deveres e os interesses particulares da família e

da sociedade civil coincidem com os do Estado. Quer dizer, para Hegel, a

familia e a sociedade civil aparecem, por um parte, como esferas

particulares das quais surge o Estado; mas. por outra, tais esferas são

concebidas com manifestação conceituai do Estado. Desse modo, o liame

real entre estas esferas se apresenta carente de significado próprio, e assume

o caráter de um fenômeno, de um predicado da Idéia. Para Marx.

entretanto, é da atividade da familia e da sociedade civü que resulta o

Estado, dado que este é caracterizado pelo desenvolvimento natural da

familia e pelo crescimento artificial da sociedade civil. Porém. Hegel faz

desta questão uma antinomia indissolúvel. Vejamo-la:

"§261. 'Frente às esferas do direito e do bem-estar


privados, da família e da sociedade civil, o Estado é,de
uma parte, uma necessidade externa e uma potência
superior, a cuja natureza estão subordinados e da qual
dependem suas leis e seus interesses; mas, de outra
parte, é o fim imanente de ditas esferas e sua força
enraiza-se na unidade de seu fim universal último e dos
interesses particulares dos indivíduos, dado que estes
tem deveres para com o Estado, na medida em que. ao
mesmo tempo, us\ifruem de direitos (§ 155).'

-■^Marx, K. De Ia Crítica de Ia Filo&ofia dei Derecho de Hegel, In: Engels, F.


Obms iiwdamentales. Traducción de Wenceslao Roces. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1987. v.l. p. 319.
42

No parágrafo ulterior, Hegel escreve que o Estado, enquanto espírito

fijiito, se divide a si próprio nas duas esferas ideais de seu conceito, a

família e a sociedade civil, e atribui a estas esferas a matéria, a realidade de

sua finitude, a saber, os indivíduos enquanto multidão. No indivíduo, a

atribuição da matéria do Estado, pela qual este se mediatiza na família e na

sociedade civü, é constituída pelas circunstâncias e pelo arbítrio. Ademais,

Hegel concebe - assegura Marx - a conexão da família e da sociedade civil

com o Estado como uma detemünação, um resultado, um produto, da Idéia,

pois que a Idéia é o demiurgo de uma realidade hierarquizada, em cujo teto

reina, imperturbavebnente, o Espírito do Estado. Assim sendo, a divisão do

Estado em família e sociedade civil é ideal, quer dizer, pertence à essência

do conceito racional do Estado.

Na realidade, o Estado tem como "substanciaüdade subjetiva" a

vocação política e como "substancialidade objetiva" a constituição política.

A vocação política é determinada como corolário das instituições existentes

no Estado, se bem que essas instituições sejam também uma objetivação

dela; e a constituição política é fundamentada como organismo do Estado.

Este organismo, isto é, o Estado, é precisamente o desenvolvimento da

Idéia sua detemiinação ideal. Urge ressaltar que Hegel transforma aídéia

em sujeito determinante e faz do sujeito real propriamente dito - por

exemplo, a vocação e a constituição - o predicado. Nestas condições, o

ponto de partida é a Idéia pura e simples, que se encontra em todo o

elemento do Estado e da natureza, enquanto que o sujeito real é

transmudado em predicado da Idéia, deduzido dentro dos limites da esfera

da lógica porquanto não é depreendido a partir do seu ser específico.


43

O Estado político é, para Hegel, uni organismo, porque a Idéia se

desenvolve organicaniente na esfera da constituição política; logo, a Idéia

do Estado é a organicidade da constituição política. Marx observa uma

inconseqüência nessa dedução hegeliana, pois o caráter orgâncio do Estado

não é inferido a partir do elemento político mesmo, e sim da Idéia. Daí que

seu conteúdo jaz no plano geral, não detenninando a diferença específica

dada pela própria organicidade concreta do Estado. Com efeito, o

procedimento usado aqui por Hegel é o mesmo: a Idéia-sujeito e suposto

como princípio fundante. Para Marx, trata-se de inverter essa posição que

Hegel assinala entre Idéia-sujeito e fazer do elemento real o verdadeiro

sujeito, no qual o processo do pensamento é tão-somente sua manifestação.

Em outros termos, se para Hegel a Idéia é o demiurgo da realidade, para

Marx a realidade efetiva é o demiurgo do pensamento; ou seja, Marx põe

como predicado o que Hegel considera sujeito e coloca como sujeito o que

Hegel julga predicado.

A substância miediata do Estado, a sua realidade abstrata é

estabelecida segundo Hegel, pelo ij\teresse geral e, neste, pela preservação

dos interesses particulares. Este íélos constitui o objeto essencial do querer

do Estado, pois ele. consciente de si, conhece o que pretende e tem vontade

própria. Porém, ao tomar o Estado como um Espírito que conhece a si

mesmo. Hegel mistiííca a existência real ou material do Estado, porque

apreende, em vez da própria natureza de seu conteúdo, a idéia ou a

substância abstraía como determinação do Estado. Tal determinação não é

considerada a partir de seu conteúdo concreto, mas sim como forma

abstrata lógico-metafisica. E assim que Marx desmonta o mecanismo


44

lógico-hegeliano, a fini de demonstrar que, em suma, sua Filosofia do

Direito é apenas um capítulo ou um mero parênteses de sua obra anterior, a

Lógica. Por isso, conclui Marx. não estamos fazendo Filosofia do Direito,

senão Lógica. Em definitivo, Hegel não percebe que o argumento lógico

não é útü para provar a existência do Estado, mas é, pelo contrário, o

Estado que serve para justificar a "proposição lógica".

Do mesmo modo que o Estado não é determinado de acordo com

sua natureza, senão de acordo com a natureza do conceito, assim também a

constituição política não é regida pela essência mesma do Estado, e sim

pela lógica abstrata. Desta argumentação, resulta que o Estado, enquanto

espírito consciente de si, não se contradiz com a constituição, pois que a

constituição de cada povo, conforme Hegel, depende da natureza e da com-

posição de sua consciência; ou melhor, cada povo tem a constituição que

lhe é apropriada e que corresponde a sua necessidade. Depois de articular a

constituição em tomo da lógica Hegel passa a investigar os três tipos de

poderes distintos existentes no Estado: o poder legislativo, enquanto poder

que determina e estabelece o universal; o poder governamental, que integra

no universal as esferas do particular e do singular, e o poder soberano, que

representa o poder da subjeti\idade como decisão da vontade e no qual os

diversos poderes são agrupados numa unidade.

Hegel examina, inicialmente, o poder soberano, concebendo-o da

seguinte forma:

"§275. 'O poder soberano contém em si os três


momentos da totalidade [(§272)]: a universalidade da
constituição e das leis, a deliberação como relação do
4>

particular com o geral e o momento da decisão final,


como a autodelemiinação. da qual se deduz todo o resto
e donde se considera como o inicio da realidade. Esta
autodeterminação absoluta constitui o princípio
distintivo do poder soberano enquanto tal...'

Neste parágrafo, Hegel quer dizer - explica Marx - que o poder

soberano, que é a monarquia constitucional não se encontra fora da

universalidade da constituição e das leis, nem tampouco da deliberação;

pelo contrário, é a própria constituição e a conexão do particular com o

universal. O princípio característico do poder soberano em si é considerado

por Hegel como um ato absoluto de autodeterminação, ou melhor, como

uma vontade individual arbitrária, já que o arbítrio é o próprio poder do

soberano, .^sim sendo, a soberania do Estado se efetiva quando as

determinações do Estado - a saber, seus assuntos e seus poderes privados -

fundamentam-se na vontade particular de um dado indivíduo. Contudo, no

momento em que uma vontade particular passa a vigorar como lei suprema,

surge, então, o Estado ilegal, que é precisamente o despotismo.

 idéia do poder soberano, como mencionamos, não é. senão, a idéia

do arbítrio, da decisão da vontade suprema. Marx afirma que na concepção

hegeliana do Estado, como fEíat c 'est mot predomina o querer unilateral, o

privilégio, a autodeterminação, o arbítrio da individualidade, a soberania, a

consciência objetiva do Estado. Assim, a razão deste Estado, a sua

consciência é uma pessoa empírica única que exclui todas as outras, pois

sua soberania só reside no povo de forma genérica. A crítica de Marx ao

princípio monárquico se baseia na observação de Hegel. segundo a qual não

-•'Ibid.p. 333.
46

é a pessoa real que se traiisfomia em Estado, senão que o Estado se faz

pessoa real, incoq)orando-se no monarca e em vez do Estado ser

considerado a mais alta realidade social do homem é. na verdade, um só

homem empírico que é reconliecido como a mais subUme realidade do

Estado.

Hegel concebe a soberania do monarca como a pura negação da

soberama popular, pois esta última é qualificada de noção confusa, cujo

fundamento é a representação inculta do povo. Na monarquia organizada, o

povo se transfomia numa massa informe e numa simples opinião gerai. Na

verdade - alude Marx - a soberania do povo é o protótipo da democracia,

que é a verdade da monarquia, no entanto, esta não é a verdade daquela. A

monarquia só seria uma democracia na medida em que fosse uma

inconseqüència de si mesma. Anibas, portanto, são contraditórias, pois

enquanto na democracia nenhum de seus elementos adquire uma

representação para além da que lhe corresponde, na monarquia, ao

contrario, uma simples parte determina o caráter do todo. Ademais, na

monarquia, a totahdade do povo é classificada muna única de suas

maneiras de existir, a saber, na constituição política: na democracia, ao

contrário, a lei, a constituição e o próprio Estado são autodeterminações do

povo. Aqui surge a oposição total entre a acepção de Estado de Marx -

entidade orgânica - e a concepção de Estado de HegeL para quem a

democracia é apenas uma forma de Estado, típica de um "estado primitivo"

do povo. lima esfera substanciahnente desenvolvida verdadeiramente

orgânica pressupõe a monarquia - assevera Hegel. Diferentemente, para


47

Marx, a democracia é a fomia adequada de uin Estado orgânico e

autêntico.--

A defesa da democracia em Marx e seu antagonismo ao

"monarquismo hegeliano" representa um elemento decisivo na elaboração

de sua Teoria do Esíado: Hegel parte do Estado e faz do homem o Estado

subjetivado; a democracia parte do homem e faz do Estado o homeni

objetivado A>ssim como nào é n rebgião que produz o homem, senào o

homem é quem cria a religião, assim também não é a constituição que faz o

povo, mas este é quem produz a constituição. Em certo sentido, a

democracia é a essência de todas as outras fonnas políticas, bem como o

cristianismo é a religião por excelência. Nesse sentido, a democracia.

consoante Marx, constitui a configuração política na qual o universal fonna

unidade com o particular, diversamente das outras configurações políticas,

que constituem apenas fonnas particulares. Por exemplo, na monarquia e na

república ambas consideradas formas específicas do Estado, o homem

político tem uma existência particular ao lado do homem apobtico. do

homem privado, pelo qual a propriedade privada o matrimônio aparecem

como modos privados de existência em contraposição ao Estado político;

enquanto que na democracia, essa oposição entre o político e o privado

tende então a suprimir-se.

Convém destacar que o significado outorgado por Marx ao conceito

de democracia, no presente manuscrito anti-hegeliano, tem como influência

'2a reflexão de K. Marx acerca da democracia é similar à de Jean-Jacques Rousüeau,


que proclama a vontade gerai como principio íundante do Estado e de toda política C£
J-J. Rousseau. O Contrato Social.
48

O humanismo de L. Feucrbach--\ O que este fez no plano religioso - ou

seja, resgatar os melhores atributos que o homem emprestara a Deus

Marx crê poder faze-lo no que tange à poHtica incitando o homem a

rebelar-se contra um poder ao qual entregou o melhor de si mesmo, sua

vocação de ser social, em beneficio de uma potência cuja lei é a

arbitrariedade e a imposição. A ahenação política é precisamente este

abandono por parte do homem de sua vocação social, e a democracia -

verdade de toda? as constituições políticas - é a recoriqiústa do ser social

do homem, da plenitude hwriana. Entretanto, a democracia - aduz Marx -

ainda não se realizou em nenhuma das formas de governo existentes, posto

que em tais formas - por exemplo, na monarquia e na república - há, no

homem> uma separação, um abismo, um divórcio, entre seu ser político e

seu ser privado. A constituição política - encerra Marx - foi até hoje a

esfera religiosa, a reügião da vida popular, "o céu de sua umversalidade",

frente à existência terrestre de sua realidade. A vida política, em seu sentido

hodiemo, é o "escolasticismo" da vida do povo, e tanto a monarquia quanto

a repúbüca são expressões desta alienação.

As esteias privadas logram o máximo de sua ahenação nos regimes

constitucionais mais perfeitos; a vida ahenada da sociedade, no Estado

Estado é representado por Ludwiç Feuerbach como "unidade vivente dos homens" e
expressão objetiva da consciência desta unidade. Deduz-se, daqui, que a "política tem de
converter-se em religiáo", apesar de que, paradoxalmente, o aleísmo seja, de fato, um
conditio desta religião. A reliciâo, no sentido tradicional, tende a dissolver o Estado,
nao auniílcá-lo. Por isso, o Estado só se tomará ura instiiunento absoluto para o homem,
quando houver a substituição de Deus pelo homem, ou melhor, da teologia pela
antropologia. O homem é a essência fimdamental do Estado; este é a totalidade da
natureza humana. A esse respeito, c.f Ludwig Feuerbach, Ntccsswade de ur^.a Reiortva
da Filosofia.
49

político, é um produto dos tempos modernos. Na sociabilidade hodiema

não existe uma unidade entre a sociedde civil e o Estado; há, isso sim. um

dualismo entre o Estado político e o apolítico, ou seja, a vida do Estado e a

do indivíduo não são idênticas. Todavia, esse antagonisnío não

caracterizava o Estado antigo, o despotismo asiático e a sociedade feudal.

Na Grécia, por exemplo, a res publica era assunto privado, o único e

verdadeiro conteúdo de sua existência; cidadão e homem político

constituíam uma úmca pessoa. Nas sociedades da Asia o Estado era

materialmente o Estado-escravo, instrumento de arbitrariedade de um só

indivíduo. Na Idade Média, as corporações de oficio, a propriedade, o

comércio, os bens, eram políticos, já que as esferas privadas tinham um

caráter diretamente político; de fato, o princípio orgâncio da sociedade civil

era similar ao Estado político. Portanto, a sociedade moderna, em suas

diferentes formas, distinguè-se dessas antigas configurações sócio-poHticas,

pois mantém, de forma abstrata e genérica, o dualismo entre a sociedade

civü e o Estado político.

Já dissemos que Hegel considera a subjetividade do Estado - isto é. o

soberano, o monarca - como um indivíduo determinado de uma maneira

natural, a partir de seu nascimento, e destinado à notoriedade de monarca.

Hegel demonstra que, no cuine do Estado político, o nascimento faz com

que determinados indivíduos sejam portadores das mais altas tarefas do

Estado, ou, mellior dizendo, que as supremas funções do Estado coincidem

com o indivíduo através do nascimento. Assim, a dignidade corporal, o

trono por herança, a ascendência, o orgulho de sangue - em poucas

palavTas, a "história da vida do corpo" constituem o fundamento do


50

poder soberano. No entanto, Hegel não exi)lica como o nascimento faz o

monarca; na verdade, o nascimento de um indivíduo como monarca é

demonstrado como uma verdade "metaíisica". tal como a "imaculada

concepção de Maria", mãe de Jesus. Logo, o raciocínio hegeliano acerca da

soberania inerente ao monarca denota parafrasear a teologia católica que

projeta na Igreja a existência real da "soberania divina" e a do "Espírito

Santo".

segundo poder do Estado, confomie Hegel é o poder

governamental, que e e.xj^licado da seguinte maneira:

"§287. T)a decisão há que se distinguir a execução


e a aplicação das decisões do soberano, e, em geral da
continuação do que já foi decidido; as leis, os
estabelecimentos destinados a lins comuns, etc. Estes
assuntos da subsunção [...] contêm em si o poder
governativo, que incluí tanto o poder judicial como o
poder policial, que se relacionam diretamente com a
particularidade da sociedade cíxtI e fazem valer o
interesse geral nestes fins particulares.'

Hegel ao reivindicar para a esfera da sociedade civil os poderes

policial e jurídico, concebe o poder governamental como uma simples

administração cuja função precípua é a de dirigir a coisa pública. A este tipo

de poder, Hegel designa de burocracia. Na burocracia existem,

iiiicialmentÊ, os poderes particulares comuns que, inseridos na sociedade

civil, são administrados pelas corporações. Porém, acima desta esfera, para

que sejam salvaguardados os interesses gerais do Estado, é mister que

-•♦Mane. K. De Ia Critica de Ia Filosofia dei Derecho de Hegel. op. cíl. p.353-54.


51

aquele? interesses particulares sejani controlados por representantes do

poder goN'emainental. por funcionários executivos e autoridades

constituídas eni conselho, os quais se subordina às autoridades supremas

que estão em contato com o monarca. Portanto, seguindo a linha lógica da

acepção hegehana, já esboçada sobre a ahenação política comprova-se que,

para Hegel. a burocracia se origina na separação entre Estado e sociedade

civil: ou seja, na oposição entre os interesses privados - que estão situados

fora do geral existente em e para si do Estado - e os mteresses supenores

do Estado, Para Marx. entretanto, a burocracia é a esfera formal do Estado,

sua consciência, sua vontade, seu poder como corporação, ou seja, como

uma organização particular fechada em si mesma.

O poder governamental, para Hegel, intervém, através de seus

representantes, no âmbito da sociedade civil, para garantir o interesse geral

do Estado. Hegel assenta aqui uma oposição entre Estado e sociedade civil,

contradição essa em que os funcionários executivos, os tribimais, a

administração, incumbidos de vigiar os interesses particulares, constituem

os verdadeiros representantes do Estado, e são encarregados de administrá-

lo contra a sociedade civü. No entanto, Hegel não encontra - assegura Marx

- uma solução para esse conflito, porque busca solucioná-lo a partir da

transfomtação do interesse particular em interesse geral no seio do

pensamento, da pura abstração.

--A teoria de uni Estado sem burocracia foi planificada por um dos herdeiros maiores
de K. Man:; V. Lênin, que passou a vida a combatê-la; nâo obstante, o Estado
soviético converteu-se na mais extraordinária máquina burocrática da história Cf. V.
Lénin. O EsíOJO e a Revolução.
52

Quanto ao terceiro tipo de poder, o poder legislativo, Hegel deline-o

da seguinte forma:

"§ 298. 'O poder legislativo se refere às leis


enquanto tais, quando necessitam de uma elaboração
ulterior, e aos assuntos interiores, que têm por seu
conteúdo um alcance absolutamente geral' (expressão,
por sua vez, muito genérica). "Este poder é, por si
mesmo, parte da constituição que lhe é pressuposta, e
situa-se em e para si fora de sua determinação direta;
mas recebe seu desenvolvimento posterior das leis e do
caráter progresávo dos assuntos gerais do governo.'

Hegel sublinha, neste parágrafo, que o pode legislativo é uma parte da

constituição, que se situa, neste sentido, "em si e para si fora da

determinação direta desta constituição". Mas a constituição não se faz

sozinha, uma vez que as leis "que necessitam de um desenvolvimento

complementar" exige sempre que alguém as fonnule, ou melhor, é preciso

que exista imi poder legislativo anterior à constituição e fora dela.

Precisamente, Hegel se refere ao poder legislativo numa série de antinomias

das quais Marx mostra a irredutibihdade e o caráter mistiíicador. Por

exemplo, quando Hegel postula o Estado como realização do espírito livre,

recorre ao mesmo tempo à vontade do soberano, o que de fato suprime a

liberdade, já que, na prática, o poder governamental se sobrepõe ao poder

legislativo. Contra isso, Marx enaltece o poder legislativo - representante do

povo e expressão da vontade geral - que fez a Revolução Francesa e, em

geral, instaurou grandes insurreições orgânicas, em diversos lugares, frente

*^Marx, K.. op. ciL. p. 366.


53

ao poder governativo - representante da vontade particular - que fez, ao

contrário, as pequenas sublevações, revoluções retrógradas e reacionárias.

O poder legislativo aparece, na Filosofia do Direito de Hegel. conio o

poder de organizar o geral, que ultrapassa, por um lado, a constituição; mas.

por outro, é um poder constitucional, depreendido na própria constituição.

Hegel busca resolver essa antinomia asseverando que a constituição é

"pressuposta" pelo poder legislativo, o qual se situa "em si e para si ibra da

determinação direta desta constituição". Mas, ao mesmo tempo, o

desenvolvimento do poder legislativo é "uma conseqüência do

aperfeiçoamento das leis e do caráter progressista dos négocios gerais do

governo". A constituição encontra-se. pois, fora do domínio do poder

legislativo, mas este modifica indiretamente aquela. Porém, com este

procedimento, Hegel não resolve - frisa Marx - tal antinomia: pelo

contrário, metamorfoseia-a em outra: põe a ação do poder legislativo em

contraposição com sua determinação constitucional, conflitando, com isto.

constituição e poder legislativo.

Enfim, nas últimas páginas da Critica à Filosofia do Direito de Hegel

- trabalho inconcluso -, Marx, opondo-se a Hegel, defende a eleição como

produto consciente da confiança dos indivíduos, cuja relação necessária

com o télos politico é mui distinta da designação do monarca pelo

nascimento. Para Hegel, essa participação direta dos indivíduos, por meio

das eleições, nas discussões relativas aos assuntos do Estado, faz entrar o

elemento democrático, sem a "menor racionalidade" no organismo do

Estado, que só se evidencia mediante essa racionalidade. Para Marx,

entrentanto, não se trata de determinar se a sociedade civü deve exercer o


54

poder legislativo alravcá tlc rcprcscmajitc^: ou sc lodoi; dcvcni piirticipar

mdi\idiuilmcntc dcic. lua? íJim a ortcnsao e generalização das eleições

realizada- mediante o ">ufraGio aiivo" E preci>aniente nas e/eiç>^Hrs que a

sociedade civil logra 5ua existência císencialiuente verdadeira e genenca

Daí a reiterada defesa que xMar.x faz da "verdadeira democracia" enquanto

íomia pobtica capaz de .superar o antagonismo entre Estado e sociedade

CimI. porquLinto nela o Estado pohtico alienado e a sociedade cimI burguesa

são supnnudos loda\ia. nao é efetivamente a abohçao do Estado enquanto

tal que Marx propugna. na Criíica à Filosofia do Direito de HegeL ma:~ a

do Estado liodienio. alienante do indi\iduo e da sociedade ci\t1.

2.2 .4 Emancipação Humana frente à Emancipação Política

nos Anais Franco-Alemães (1844)

A))o^ a crítica sislcniálica à concepção liegeliana do Estado, ^acnl. em

icUieiiu dc 1844. os.4//a/,v Frum <>-Ale mães. Na direção, .^jiiold Ruge e Kcirl

Marx. Os traballios mai.s sigiuficativos são; dois do propno Marx

y Conüibiüção à Criíica da Filosofia do Direito de Hegel - lnüodu0o e .4

Questão Judaica): e dois de Engels [Esboço de imia Critica à Economia

Folitica c -4 Situação na Inglaterra). Em .4 Questão Judaica. Marx

■assevera que Bruno Bauer trata o problema da emancipação judaica a partir

da crítica ao Estado cristão. Contrário a essa posição, M'arx substitui a

crítica do Estado cristão pela critica ao Estado político, pois que a questão

da emancipaçãi.") humana não é um problema religioso, como considera

Bauer, mas sim humaiio-social. Em Contribuição à Critica da Filosofia do

Direito de Hegel - Introdução (1844), elaborada como re\isão da Critica à


55

Filosofia do Direito de (1843), Marx continua sua crítica ao Estado

político em sua fonna hodiema, burguesa (e não em sua base cristã), e

alude que o trabalhador, articulado com a filosofia, constitui a força

emancipadora da sociabilidade burguesa. Essa união entre trabalhador e

intelectual é, para Marx, a alternativa fundamental para a suplantação da

sociabilidade capitalista e, destarte, para a efetivação de uma nova

sociabüidade humana.

Marx principia o primeiro traballio - A Questão Judaica

evidenciando que o judeu reivindica para si a emancipação particular, isto é,

a emancipação poHtico-civil. Bruno Bauer, diz Marx, ao tratar dessa

questão, fiisa que, na Alemanha, ninguém é politicamente emancipado; o

judeu aspira à emancipação política e não está interessado pela übertação do

cidadão alemão; assim também, este não está entusiasmado pela

emancipação daquele. Por isso, ao apetecer a emancipação do Estado

cristão, o judeu está a pedir a tal Estado que abandone seu preceito

religioso, sem renunciar, contudo, a sua própria prescrição religiosa.

Segundo Bauer, afirma Marx;

" O Estado cristão, em razão de sua natureza, não


pode emancipar o judeu; mas o judeu, em razão de sua
essência, não pode ser emancipado. Enquanto o Estado
permanecer cristão e o judeu continuar a ser judeu, são
igualmente inc^azes, aquele de conferir e este de
receber a emancipação".

27Marx, K. À propos de Ia question juive. In: . Oeuvresphilosophies. Traduction


par Maximilien lUibel. Paris; Éditions Gallimard, 1982. v.3. p. 348.
56

O Estado cristão não pode emancipar o judeu, nem tampouco este

pode ser libertado por aquele, uma vez que semelhante Estado aparece

como constituição cristã, ou seja, à maneira de privilégio, segregando o

judeu dos outros súditos, deLxando-o, pois, exposto às pressões das esferas

da sociabüidade burguesa. Com efeito, o judeu, ao sentir-se estranho em

relação ao Estado cristão, considera como direito separar-se da humanidade

e aguardar para si um povir que nada tem de similar com o futuro universal

da humamdade.

Depois de objetivar tais reverberações, Bauer formula - diz Marx - a

questão da emancipação judaica, da maneira seguinte:

A forma mais rígida de antagonismo entie o judeu


e o cristão é a oposição religiosa. Logo, como se resolve
uma oposição? Tomando-a impossível. E como se toma
impossível uma opoáção reügiosal Abolindo a religião.
Logo que o judeu e o cristão reconheçam apenas em
suas respectivas religiões etapas distintas do
desemohnmenio do espírito humano - peles de serpente
repelidas pela história e o homem, como serpente, que
com elas se vestiu - já não se encontram em oposição
religiosa, mas numa relação puramente crítica, científica,
humana."28 (Grifos de Marx).

Bauer concentra sua atenção na emancipação política exclusivamente,

e por isso se contenta em fazer a crítica ao Estado cristão. Para lograr tal

intento, pede a todos os cristãos e ao Estado a abolição da religião, por ser

um fator de segregação humana. Tanto os cristãos como os judeus devem

superar o preceito teológico, que Bauer considera contrário à razão e a

^®Ibid., p. 349.
57

natureza humana. Por isso, o Estado teológico é menos Estado que o

profano, porque a presença da religião e dos seus critérios na esfera pública

impedem a formulação de um bem comum, fundado na comunidade de

homens livres, na igualdade de direitos e no desfrute da liberdade. Assim

como o homem autêntico, racional e Hvxe é aquele que supera o preceito

religioso (o irracional), assim também o Estado legítimo é o laico, anti-

religioso, que está voltado unicamente para as metas da razão.

Neste sentido, a questão judaica é, na acepção baueriana, explicada a

partir da contradição entre religião e Estado, isto é, entre preceito religioso e

emancipação poHtica. A suplantação da religião é, para ele, o pressuposto

da emancipação política, já que o judeu deixará de ser judeu quando o

Estado não atingir mais o cumprimento de unia dada religião e abolir, por

conseguinte, todos os privilégios, incluindo a preponderância de uma igreja

privilegiada, Com efeito, Bauer almeja que o judeu abdique ao judaísmo e

que o homem em geral renuncie à religião, para que possam se emancipar

politicamente como cidadãos.

Tendo em vista a interpretação segundo a qual o Estado que

pressupõe a religião não é ainda um Estado verdadeiro, Bauer corrobora

então a idéia de que a supressão da religião é contidio sine qiia non para a

efetivação do Estado político. Tomando-se administrativamente ateu, o

Estado realiza a autêntica emancipação política, tanto para sua máquina

governativa quanto para todos os indivíduos. Ao contrário desta

tematização, Marx advoga que tal questão é unilateral, dado que não é

necessário que o indivíduo renuncie à religião para lograr sua Hberdade no

plano político. E evidente que a independência política constitui um


58

colossal avanço, mas não é, na verdade, a fomia última da emancipação

humana enquanto tal. Por isso, frisa Marx:

"Devido ao fato de não formular a questão a este


nível. Bauer cai em contradições. Põe condições que não
são fundadas na natureza mesma da emancipação
política. (...) Quando Bauer diz aos adversários da
emancipação judaica: 'O seu erro foi somente supor que
o Estado cristão era o único verdadeiro e que não tinha
de submeter-se à mesma crítica dirigida ao judaísmo' -
vemos o equívoco de Bauer no fato de só submeter à
crítica o 'Estado cristão', e não o 'Estado como tal': de
não analisar a relação entre emancipação poMca e
emancipação humana e, portanto, de colocar situações
que só se explicam pela confusão, devido às lacunas da
crítica, entre emancipação .política e emancipação geral
da humanidade."2? (Grifos de Mar.x).

Marx alude que a superação da religião não se efetiva simplesmente a

partir da realização da emancipação política, visto que, em vários países,

como na Holanda, na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, a

problemática da religião não só persiste, como também é ainda "viçosa e

cheia de vigor". Por isso, Marx, diferentemente de Bauer, não parte do

üame entre emancipação política e religião, mas sim entre emancipação

política e emancipação humana; tampouco busca o fulcro da imperfeição do

Estado na rehgião, senão no próprio Estado político. A emancipação

política da religião - salienta Marx - não é ainda a libertação integral da

religião, porquanto não constitui o protótipo universal da emancipação

humana. Conseqüentemente, o Estado, mediado pela emancipação política.

29lbid.,p. 351-52.
59

pode desprender-se do constrangimento religioso, sem que o homem seja

realmente livre.

" Daí se segue que o homem se überta de um


constrangimento por intermédio do Estado,
potíticameníe, ao ultrapassar suas limitações, em
contradição consigo mesmo e de uma maneira abstrata
limitada e parcial. (...) O Estado é o mediador entre o
homem e a hberdade humana. Do mesmo modo que
Cristo é o mediador a quem o homem transporia toda
sua divindade e todo seu constrangimento religioso,
assim o Estado é o mediador no qual o homem confia
toda sua não-divindade, toda sua espontaneidade
humana. "^0 (Grifos de Marx).

O Estado político moderno - continua Marx - suprime, de forma

política, a propriedade privada, mas tal supressão pressupõe, ao contrário, a

existência dela. Em princípio ele não admite nenhuma distinção de fortuna,

de nascimento, de posição social, de instrução ou de profissão, porque

proclama a emancipação igualitária do indivíduo perante a soberania

nacional. Mas, na verdade, longe de suprimir as sobreditas distinções, o

Estado político só existe na medida em que as pressupõe. Por isso, esse

Estado atinge sua universalidade de forma abstrata; isto é, sobre esses

elementos particulares, configurando-se, portanto, como ex'phcitação da

\dda genérica do homem em oposição a sua vida real.

Esse conflito em que o homem se vê envolto, entre Estado e

sociedade civil, entre vida genérica e vida real. é similar à contradição em

que o burgeois - que leva uma vida retraída privada e egoísta - se encontra

30lbid.p.355.
60

com o citoyen - que participa de uma vida coletiva imaginária, despojada da

vida real c dotada de uma universalidade ilusória. Essa oposição foi deixada

intacta por Bauer, porquanto reduziu sua polêmica em tomo do

antagonismo entre religião e emancipação política. Para Marx, conquanto a

emancipação política constitua um colossal avanço, ela não é, como já

anunciamos, o íélos da emancipação humana. Por exemplo, o homem

liberta-se da religião, ao removê-la do direito público para o direito privado;

no entanto, esse deslocamento, que constitui a efetivação da emancipação

política, não é ainda a plena emancipação humana. De fato, o Estado

político, o Estado real, não precisa da rehgião para sua consumação política;

pelo contrário, pode até dispensá-la, porque o suporte humano realiza-se

nele de maneira profana. Por outro lado, o Estado cristão, que é ainda

teológico, é tão-somente o não-Estado, uma vez que precisa da rehgião para

firmar-se enquanto Estado.

Marx exphca as determinações do Estado cristão frente ao Estado

político da seguinte forma;

No chamado Estado cristão, o que prevalece não é


o homem, mas a aÜenação. O único homem que conta,
o rei, é um ser especificamente diferente dos outros
homens, um ser ainda religioso e diretamente hgado ao
Céu e a Deus. As relações que aqui dominam são ainda
marcadas pela O espírito rehgioso não se encontra
ainda verdadeiramente secularizado."^i (Grifos de
Marx).

3 5lbid..p.362.
61

Ao contrário do Estado cristão, o suporte do Estado político não é.

como dissemos, o cristianismo em si, ma? a base humana dele. Os membros

do Estado político, conquanto não sejam cristãos, surgem como religiosos,

por causa da dicotomia entre vida individual e vida genérica, isto é, entre

vida social e vida política. A religião, como elaboração espiritual da

sociedade civil, aparece então como objetivação da alienação do homem em

relação a sua genericidade. porque o homem trata a vida política despojada

da vida individual, como se fosse sua verdadeira vida. Com efeito, o Estado

político é a e.xpressão màxinia dessa realidade, na qual o homem acha-se

corrompido, perdido de si mesmo; em síntese, sujeito aos domínios e

elementos inumanos inerentes à sociabilidade do capital.

Marx critica veementemente a visão baueriana. segundo a qual o

judeu só poderá emancipar-se politicamente quando renunciar ao judaísmo.

Consoante Bauer, diz Marx, se o judeu alcançar a emancipação política sem

deixar de ser judeu, ele não poderá, pois, exigir e lograr os direitos

universais do homem. Do mesmo modo, o cristão enquanto tal não poderá

obter os direitos gerais do homem porque, para adquiri-los, será necessário

que ambos sacrifiquem os respectivos preceitos religiosos. Marx salienta

que semelhante posição é equívoca, dado que a Declaração dos Direitos do

Homem, tal como tem sido concebida na América do Norte e na França

reconhece explicitamente o privilégio da fé e a hberdade de culto religioso.

Trata-se, então, de saber por que se distinguem os direitos do homme

dos direitos do ciíoyen. Esta diversidade, assegura Marx, é oriunda da

própria natureza da emancipação política, isto é, da conexão entre Estado

político e sociedade civil; pois, os droits de I'homme. distintamente dos


62

droits áu ciíoyen, constituem apenas os direitos do homem pnvado, do

homem despojado do gênero humano. Por exemplo, a Constituição

francesa de 1793 declara que os direitos do homem são, entre outros; a

Uberdade, a propriedade, a igualdade e a segurança. Contudo, essa

hberdade, concebida como direito do homem, não se plasma nas relações

sociais, senão no direito do indivíduo segregado, fechado em si mesmo. A

objetivação prática desse direito constitui, por isso. o direito à propriedade

pnvada. O direito humano a propriedade privada é, por sua vez, o direito

de usufruir dos bens e rendimentos, sem conceder devida atenção aos

outros homens. Desse modo, o direito à igualdade toma-se meramente uma

subscrição dos dois anteriores mencionados. Por fim, o direito à segurança

consiste na garantia outorgada pela sociedade a cada um de seus membros

para a preservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propnedade.

Assim, nenhum desses supostos direitos do homem transcende o egoismo

individual; pelo contrário, eles estão estritamente determinados e

fundamentados nos interesses mesquinho dos indivíduos da sociabilidade

capitalista. Marx sublinha;

" Esse fato toma-se ainda mais misterioso quando


observamos que os emancipadores políticos reduzem a
cidadania, a comunidade política, a simples meio para
conservar esses pretensos direitos do homem: e que, em
conseqüência, o cidadão é declarado servidor do
homem egoísta. A esfera em que o homem se comporta
como ser comunitário é rebaixada a uma esfera inferior,
onde ele age como ser fragmentado: e que, por fim, é o
homem como burguês - e não o homem com o cidadão
63

- que é considerado como homem verdadeiro e


autêntico."-''- (Gritos de Marx).

A Declaração dos Enreilos Humanos, ao considerar a sociedade ci\il

niodema como algo exterior ao ser humano, como limitação de sua original

autonomia suprime a unidade substancial entre a sociedade cí\t1 e o Estado

politico. Diversamente da sociedade civil hodiema, a antiga sociedade

possuía, como já assinalamos, uma determinação diretamente política. Nela,

os elementos da vida civil, como a propriedade, a família e os diversos tipos

de trabaUio, eram considerados outrossini elementos da vida política.

Porém, a partir da efetivação da sociedade industrial moderna, o caráter

político dessa sociedade é suprimido, tomando-a oposta à esfera do Estado.

Marx frisa que essa contradição se efetiva na oposição do homem como ser

genérico abstrato e como ser concreto-particular. Desse modo, a

emaiicipação humana, em sua totalidade, só será possível quando o homem,

na vida cotidiana, se tomar um ser genérico concreto e converter a sua força

material numa força emancipadora.

Tendo em vista essas reverberações, é possível, portanto, depreender

que Bauer explicita a propositura da emancipação judaica a partir de uma

questão puramente religiosa. Pois, em sua Questão Judaica, Bauer, ao

reivindicar o rompimento do judeu com a essência da religião cristã,

concebe a emancipação do judeu como um ato genuinamente füosóíico-

teológico. Afirma ele;

■' Se desejarem libertar-se. os judeus não devem


confessar o cristianismo como tal, mas o cristianismo

-'^Ibid., p.369.
64

em dissolução, a religião em decadência; quer dizer, o


Iluminismo. a Crítica e seu resultado, a humanidade
livre. "33

Para Marx, a emancipação do judeu não se situa, então, no âmbito da

esfera teológica, uma vez que o segredo recôndito do judaísmo se encontra

na base do mundo contemporâneo, a saber, o egoísmo, a traíicància, a

propnedade privada, a mesquinhez, o interesse pessoal, etc. .\ssim, logo

que uma dada formação social consiga suprimir os pressupostos desses

elementos, o judaísmo tomai-se-á impossível, porquanto sua base subjetiva

- a necessidade prática - assimiirá uma forma humana e, por conseguinte, o

conílito entre a existência individual e a genérica será suplantado. Portanto,

a emancipação social do judeu constitui, respectivamente, a hbertação da

humanidade a respeito das determinações configuradoras da sociabihdade

capitalista.

No segundo trabalho. Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito

de Hegel — Introdução, Marx assevera que, na Alemanha, conquanto a

crítica à religião tenha sido em grande parte superada, ela é ainda o

pressuposto de toda a crítica, porque a luta contra ela constitui o embate

contra o mimdo invertido. Arehgião, enquanto corolário do Estado político

e da sociedade civil, é, pois, a consciência oposto do mundo, já que tal

Estado e tal sociedade são também desordenados. Marx enfatiza;

" A religião é a teoria geral deste mundo, seu


compêndio enciclopédico, sua lógica sob uma forma
popular, seu point d'honneur espiritualista, seu
entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene.

p.374.
05

sua base luiiversal dc consolidação e de justificação. É a


realização quiinérica da essência humana, porque a
essência hrnnana não possui verdadeira realidade.

Sendo assim, o escopo da historia não e mais desvelar o segredo

dessa consciência invertida, senão estabelecer a verdade deste mundo. A

partir do momento em que a religião é revelada em seu arquétipo sagrado, é

mister então patentear a auto-ahenação humana em sua forma laica. A

cntica do céu. írisa Marx, transmuda-se em critica da tena, a critica da

rehgião em crítica do Direito e a crítica da teologia em crítica do Estado

político.

Da mesma forma que a religião não é a realização da essência

humana, assim também a Filosofia do Direito de Hegel não é a explicitação

da realidade concreta, mas sim de imia cópia - a filosofia alemãíí do Estado

e do Direito pelo simples fato de versar sobre a Alemanha. O

desenvolvimento dessa sociedade, que é lun anacronismo, está abaixo de

todo nível histórico, abaixo de toda critica, dado que a luta contra o

presente político dos alemães é, de fato, a luta contra o passado das nações

hodiemas, que ainda se vêem continuamente importunadas pelas

reminiscências de seu passado. Segundo Marx, os alemães são

contemporâneos tão-só no pensamento, na filosofia, sem serem coetâneos

liistóricos. Por isso, eles exigem a negação da filosofia, a fim de encerrar

um regime real de vida; todavia, com tal exigência - evidencia Marx - se

esquecem de que, para negá-la, é necessária sua materialização.

3'^Marx, K. Pour une Critique de Ia Philosophie du Droit de Hegel. In: . Ocuvres


philosophies. Traduction par Maximilien Rubel. Paris: Éditions Qallimard, 1982.
V.3. p. 382-83.
66

A filosofia alemã do Direito e do Estado surge como aiiálisc critica ao

Estado moderno e. ao mesmo tempo, como abolição definitiva de todas

fomias precedentes de consciência. Tal filosofia e. porem, uma elaboração

especulativa do Estado c do Direito, porque Hegel, ao inquirir a realidade

alemã, não levou em consideração o homem concreto e sim o homem geral.

Por isso, em política, os alemães refletiram em pensamento o que as outras

nações na realidade efetivaram. Marx exj^rime então a segumte questão:

" ... pode a Alemanha aímgir uma prà^s à ía hauíer


des príncipes, quer dizer, uma réxolution que a eleve
não só ao niveau officiel das nações modernas, mas ao
hauler d'homme, que será o futuro próximo dessas
nações?"^-''

.■\nte5 de respondê-la, Marx adverte que a Alemanha não passou

pelos estádios intermediários da emancipação política, imia vez que os

atingiu apenas no pensamento. Ao contrário da França, onde a emancipação

parcial é o pressuposto da emancipação geral, a Alemanha tem de imediato

a emancipação humana como conditio sine qua non para qualquer

libertação parcial; portanto, não se trata mais de colocá-la no nível dos

países burgueses avançados, mas sim de efetivar em seu interior uma

verdadeira libertação social. Mas, como na Alemanha não há uma camada

social específica da sociedade civil capaz de efetivar essa emancipação geral

(pois o trabalhador está ainda em desenvolvimento), Marx então advoga

que a emancipação do homem só será possível pela síntese entre a filosofia

e o trabalhador, ou seja, entre a humanidade pensante (a crítica da arma) e a

humanidade sofrida (a arma da critica).

35ibid.,p.390.
67

2.3 O Estado enquanto fonte dos males sociais

Uma vez desaparecidos os Anais Franco-Akmães. o úiiico órgão no

qual Marx podia colaborar era o Von\'úrt5-\ Neste. Marx publica, em 7 de

agosto de 1844. um traballio intitulado Glosas Criticas ao Artigo "O Rei da

Priissia e a Reforma Social Por wn frmsiano."^^''. criticando o artigo de

/^jTiold PvUge. editado também no mesmo periódico. Nele. este pensador,

sob o pseudômmo "I'm Prussiano", analisa o conteúdo da ordem do rei

prussiano. Frederico GuiUiemie IV. sobre a insurreição dos trabaHiadores

silesianos e o julgamento aventureiro do jornal parisiense La Réfórme^^,

que percebia naquela ordem, malgrado tenlia sido originada a partir do

medo e do sentimento religioso do rei. um sinal precursor de mudaiiças no

âmbito da sociedade ci\il. Respondendo criticamente a este jonial. Ruge

assinala que:

"O rei e a sociedade alemã ainda não tinliam se alido


para a necessidade de sua reforma, e nem sequer as
insurreições da Süésia e da Boêmia provocaram esse
sentimento. Num país apolítico, como a Alemaniia. é
impossivel fazer-se compreender que a miséria parcial
dos distritos indiLütriais constitui um assunto geral e.
menos ainda, que representa um dano para todo o
mundo civilizado. Esses acontecimentos têm. para a
.Alemaniia, o mesmo caráter que pode ter qualquer

■^'Vorvruis era uin jonial bi-senianal alemão, que se publicou em Pariü, de janeiro a
dezembro de 1844. Mai?:, ao ser designado redalor-chefe, atribuiu ao periódico unia
orientação crítica Nele. contestava-se. monnente. a situação retiógrada existente na
Prússia.
-'"'A abordagem teórica desse ti-aballio é similai- ao processo que Mai-x emprega paia
criticar B. Bauer em.4 Q-uesrào Jucaica. Cf a seção anterior deste cajMtulo.
-^^Diário francês, órcâo dos republicandos democratas pequeno-buicueses; publicou-se
em Paris, de 1843 a 1850.
68

penúria local relacionada com a água ou com a fome.


Daí o rei os considere faOia adniinisti-aíixa ou falia de
caridade. Por este motivo e porque, ademais, bastou a
intervenção de poucas tropas para acabar com os débeis
tecelões, não tampouco infunde qualquer 'medo' ao rei e
nem às autoridades, a demoliação das fábricas e das
máquinas. Além disso, a detemimação do gabinete não
foi motiada sequer pelo sentimento religioso, mas é fria
expressão da arte cristã de governar e de uma doutrijia
que não deLxa subsistir qualquer dificuldade diante de
seu úiuco remédio, que consiste nos 'bons sentmiento?
do corações cristão'. A pobreza e o crime são dois
grandes males. Quem pode curá-los? O Estado e as
autoridades? Não, mas a concurso de todos os corações
cristão.' "39 (Grifos de Marx).

No trecho acima, Ruge refuta - diz Marx - o "medo" do rei - entre

outras coisas - pelo simples fato de que poucos mdivíduos puderam

liquidar os tênues tecelões. Mas é preciso ter em conta - observa Marx -

que esses débeis tecelões saíram vitoriosos no primeiro choque; foram

vencidos apenas mediante consideráveis reforços de tropas. Objetando

Ruge, Marx explica, a partir das relações gerais entre o Estado e os males

sociais, que a sublevação dos tecelões não podia incutir no rei qualquer

medo especial, porque não era dirigida imediatamente contra ele e, sim,

contra a burguesia. Para sufocar os antagonismos políticos e atrair para si

toda a hostilidade da política, o trabalhador necessita reunir suas forças e

alcançar um poder deciávo. Ruge, "Um Prussiano", comete ainda mais um

equívoco, ao negar o "sentimento rehgioso" como fonte da ordem do

-^■'Marx. K. Glosas Críticas al articulo "El rey de Prussíia y Ia refonna social. Por uh
prussiano". Iri; ., Engels, F. Obras fiw.áamcrtlalcs. Traducción de Wenceslao
Roces. México; Fondo de Cultura Econômica, 1987. v.l,p. 505-06.
69

gabinete red. uma vez que a doutrina real. ao tomar a boa disposição dos

corações cnstãos como paiiacéia para os grandes males sociais, despojando

de culpa o Estado e as autondades. tem necessariamente, por fundamento, o

sentimento religioso.

Ruge escreve ainda sobre as conexões entre a sociedade alemã com o

movimento dos trabalhadores e com a reforma social em geral. Para ele. a

sociedade alemn ainda não chegou ao pressentimento da necessidade de >ua

reforma, pois num país, como a AlemanJia, a questão da miséria dos

trabalhadores é vista como unia pecha administrativa ou como falta de

caridade, Mas também a Inglaterra - lembra Marx - apesar de ser

pohticamente avançada é o país do pauperism o, e a miséria dos

traballiadores não é parcial, senão universal; não se restringe aos distritos

industriais, mas se estende ainda aos agricolas. Neste pai, enquanto a

burguesia entende o pauperismo como um malogro da politica. os hberaís

acusam os conservadores, e estes incriminam aqueles de serem a causa da

miséria geral. De acordo com os hberais, o monopóho da grande

propriedade territorial e a legislação protecionista contra a importação de

cereais são a fonte precípua do pauperismo. Já para os conservadores, todo

o mal reside no hberahsmo, na concorrência, no exagerado sistema

industrial. Todavia, nenhuma dessas posições vislumbra a origem dos

males sociais no âmbito do Estado enquanto tal mas tão-só na situação

politica do partido adversário; assim, nenhuma delas a=:pira, reahnente. a

uma reforma plena da sociedade.

Suponhamos - argumenta Marx - que as recriminações que Ruge faz

à sociedade alemã tenham algum fundamento e que o motivo do


7u

paupcnsino dcísa sociedade resida cm sua situação apolitica. Então, é

niistcr acrescentar que. se a burguesia apolitica da Alemanha não se prc\inc

em face da importância universal que tem uma miséria particular, n

burgueisa política da Inglaterra desconhece tanibem. por sua parte> o

sigmficado geral que reveste uma miséria universal, que manifesta sua

significação global, tanto por sua reiteração periódica no tempo, como por

sua extensão no espaço e pelo insucesso de toda> as tentati\-as de remediá-

la. Aijida quanto à situação apolitica na .Memanlia. Ruge salienta que o Rei

da Prússia encontra a causa do pauperismo num defeito de administração e

de assistência, o que o leva a buscar, nas medidas burocráticas e

beneficientes, as panacéias contra o empobrecimento geral. Mas esse modo

de tratar tal problema - aduz Mar.x - não é exclusivo do rei prussiano, haja

vista que a legislação inglesa sobre a pobreza provém da obrigação imposta

às paróquias de socorrer seus trabalhadores pobres, da taxa para os pobres e

da caridade legal. Esta legislação, baseada na beneficiência pela \ia

administrativa, perdurou por dois séculos. Depois de longas e dolorosa^

experiências, o parlamento inglês atribui, equivocadamente, o assustador

aumento da pobreza a uma falha administrativa.

Por isso surge, no interior do parlamento inglês, a necessidade de

reformar a administração do imposto para os pobres, que era organizado

pelos funcionários das paróquias. Para tanto, são formados novos

agrupamentos, com uma administração única; são constituídos os comitês

de funcionários, escolhidos pelos contribuintes, que se reúnem na sede

desses agrupamentos, para decidir que pedidos de subsídios devem ser

atendidos. Esses comitês são dirigidos e supervisionados pelo govemo, pela


71

conii>sào centra] das "casas dc trabaUio". que um francês - Eugene Buret -

designou de "Ministério do Pauperismo". Mas o parlamento ingles. nSo se

limitando à reforma parcial da administração, considera que a fonte sine

qua fioti do estado agudo do pauperismo jaz na própna lei de beneficiencia

para os pobres. Dai que o meio legal empregado contra o mal social, ou

seja, a caridade, favorece, na verdade, o desenvolvimento desse mesmo

mal. O pauperismo. \isto em geral. e. dc acordo com a teona de Malthus.

uma etenia lei da natureza: uma vez que a população tende a superar

incessantemente os meios de subsistência, a assistência é um estimulo

prestado à miséria. Com efeito, o Estado não pode fazer outra coisa senão

abandonar a miséria ao seu destino e, ao mesmo tempo, facilitar a morte

dos pobres.

A essa "filantrópica" teoria o parlamento inglês agrega o ponto de

vista de que o pauperismo é a miséria da qual os trabaDiadores têm culpa e

à qual não se pode fazer frente como uma "desgraça", senão que deve, pelo

contrário, ser reprimida e punida como um "delito". Surge assim - frisa

Marx - o regime das "casas de trabalho", ou seja, das casas para os pobres,

cuja organização interna desencoraja os miseráveis a buscar nela^ um

refúgio contra a morte pela fome. Nessa? casas, a assistência é

"engenhosamente" entrelaçada com a vingança exercida pela burguesia

contra os pobres que apelam para sua caridade. Portanto, vimos - enfatiza

Marx-que:

" A Inglatfirra começou pretendendo acabar com o


pauperismo por meio da caridade e recorrendo a
medidas administrativas. Além disso, via no
progressivo aumento do pauperismo. nào uma
72

conseqüência necessária da indústria moderna, ma5 da


laxa para pobres, vigente na lu^bíerra. Isto é.
considerava a penúria universal simplesmente uma
particularidade da legislação inglesa, O que antes era
explicada como falta de caridade, era agora interpretada
como um excesso dela. Enfim, a miséria era otribuida
culpa dos pobres e. enquanto tal, punida neles como
delito.(Grifos de MarxV

A liçào geral que a Inglaterra política tirou dessa^ ex"]"»eric]KÍa,- no

curso de seu desenvolvimento, apesar das medidas administrativas, foi a de

que o pauperism© se configurou como uma instituição nacional e chegou

inevitavelmente a ser objeto de uma administração ramificada e muito

extensa. No entanto, não tinha mais como propósito acabar com ele. mas,

ao invés, discipliná-lo e. conseqüentemente, etemizá-lo. Deste modo. o

Estado inglês, longe de ultrapassar as medidas burocráticas, está abaixo

delas, limitando-se a administrar a pobreza. Também Napoleão - lembra

Marx - quis acabar "de um golpe só" com a mendicância e. para isso.

encarregou suas autoridades - juizes, prefeitos e engenheiros - de preparar

projetos para erradicar, num mês, a mendicância de toda a França. Em

poucos meses tudo estava terminado; promulgou-se a lei de repressão á

mendicância e criaram-se penitenciárias, asüos e meios de subsistência á

pobreza. Do mesmo modo. na Prússia, a Conveção teve. por um momento,

a coragem de determinar a eliminação do pauperismo, não imediatamente,

como o exigia Ruge do rei prussiano, mas depois de incumbir ao "Comitê

de Saúde Pública" a elaboração dos planos e propostas necessários e após

estudar os levantamentos da Assembléia Consíiíuiníe sobre as condições de

40ibid.,p. 510-11.
73

nuscna na Fraiiça i 'ontiido. por nia]> que oí-' [--stadoi: sc tciihiuii ocupado da

pobreza absoluta -- esclarece Mar.x - sempre se limitaram a aplicar medidas

adniimstralivas e beneficientes ou estiveram abaixo dessa classe de

medida^.

Poder-se-ia uidagar se o ísslado teria condições ou nào de proceder

de outra fomia Para Marx o Estado jamais encotitiarà em si e "na

nrtiauizaçàn Ja socwJaJi'" conn* Ruge exige do rci luus^ian.. <>

hmdamenio dos males sociais, já que ele {o Eslado) é a própria fonte

desses males. Âssun. onde quer que existam partidos políticos, cada um

deles encontra o razão de todo mal não no Estado, mas no partido

adversário. Até os partidos críticos e emancipadores procuram o

fundamento do mal social não na essência do Eslado. mas numa

detennmada fonna de governo, que buscam substituir por outra. Desse

ponto de vista advoga Mar.x;

" Quando o Eslado reconhece a e.xistência de


anomalias sociais, procura encontrá-la=; em leis naturais
- que nenhum poder humano pode enfrentar - quer na
vida privada, dele independente, quer na transgressão
de seijs fins pela administr-açâo que dele depende.
.\>ssim. a IncJaterra
W considera a causa da penúria
' uma lei
naíi4ral segundo a qual a população ultrapassa sempre,
necessEinamente, os meio? de subsistência, E. sob outro
aspecto, e.xphca o pauperismo pela má vontade dos
pobres: assun como o rei da Pnissia o e-xjilico pelo
espínto anti-cristão dos ncos; e a Conveção, pelas
suspeitosas intenções contra-revolucionárias dos
proprietários. Por isso, a Inglaterra pune os pobres, o rei
74

da Prússia apela para os ricos e a Convenção liquida os


proprietários,"-^'(Grilos de Marx).

Todos os Estados - acentua Marx - buscam a causa de seus males em

deficiência^ acidentais ou intencionais da administração, recorrendo, por

isso, a medidas burocráticas para remediá-las. No entanto, o Estado não

pode superar a contradição entre a disposição e a boa vontade da

administração - de um lado - e seu> meios e capacidades - de outro - sem

se destruir a si mesmo, dado que ele jaz sobre tal contradição; precisando,

sobre a oposição entre os interesses gerais e os particulares, sobre a cisão

entre a \ida pública e a privada. A administração deve, pois, limitar-se a

uma aii\idade formal e negativa, já que seu poder cessa onde principia a

vida cí\t1, a propriedade privada o comércio, a indústria, etc. Se o Estado

hodiemo quiser eliminar a impotência de sua administração, será obrigado a

acabar com a atual vida privada: e se almeja suprimir a vida privada, terá

que abolir a si mesmo, uma vez que ele só subsiste como antítese dela. Na

verdade, o Estado só pode reconhecer seus defeitos de modo formal e

contingente, corrigindo-os apenas abstratamente, de modo que, quando tais

retificações são infi-utiferas, o mal social é visto como uma imperfeição

natural, independentemente do homem e do Estado. Desse modo, quanto

mais poderoso é o Estado e, portanto, mais politico é imi pais, tanto menos

se buscará no principio do Estado o fimdamento dos maks sociais. Por

exemplo, no período clássico do intelecto político, os heróis da Revolução

Francesa, longe de verem no principio do Estado a razão dos defeitos

•^'Ibid.. p. 513.
75

sociais. dc5Cobrirain, ao rcvcs. dcficicncui> sociais, a fonte do? nialci:

poUticos.

Eníliii- nossa ali^nçao devf Hxar-se na conclusão desse ariieo, porque

nos dá, de íbnua concisa, a substância mesma das reverberações inspiradas

em Marx em seus estudos anteriores, como também circunscreve o

horizonte intelectual de suas futura^ meditações sobre o Estado. Assim,

enquanio Ruge fmaliza seu trabailio argumentando que e un]iossível uma

sublevação sem um conteúdo político, Marx. entretanto, apreende a

emancipação humano-social como antítese à insurreição política, e assevera

que uma emancipação social com "alma política" é um absurdo. Quando se

dissolve a sociedade anterior, tem-se a emancipação social, mas quando se

derruba o vellio poder, tem-se a política. Quer dizer, a emancipação social

situa-se na perspectiva da totalidade, porquanto é um protesto do homem

contra a vida inumana é a verdadeira comunidade do homem, a essência

humana já a emancipação política consiste, pelo contrário, numa

universalização abstrata que subsiste graças à oposição entre a \ida

genérica do homem e a sua \ida individual. Portanto, a partir da crítica aos

linütes do poder político. Marx advoga a supressão progressiva da máquina

estatal ou seja a extinção gradual do Estado numa sociabüidade

plenamente humana. É especialmente desta questão que iremos tratar no

próximo capítulo.
-!6

IV - Capítulo 3®

A Natureza Classista do Estado

3.1 Propriedade Privada - Esfera inumana que corrompe a

Sociedade e o Estado

\'o capitulo precedente, virno? que Marx já formulara claramente o

caraier e o comeuclo da emancipação, ujna revolução social, uma

transformação da base da sociedade, e não simplesmente das estruturas

políticas. Uma vez tendo consciência das contradições na esfera do Estado,

tratava-se apenas de posttilai uma saída. Marx descarta a alternativa do

Estado racional, do Esjado democrático, e estabelece como solução o

"comunismo", para abolir a propriedade privada. E esssa supressão se

estriba na descrição da miséria dos trabalhadores, de seus sofrimentos, de

sua situação social, de suas condições físicas de traballio e de seu

empobrecimento progressivo. Para descobrir a causa de tal miséria Marx

principia, pois. nos Mamiscriios Econômico-Filosóficos uma investigação

sobre a base econômica da sociedade, isto é. da produção capitalista.

Xos Maumcristos Econômico-Fihsóficos. redigidos entre abril e

agosto de 1844, há várias passagens referentes à situação do trabalhor na

sociedade industrial moderna. Frente ao cinismo do "homem livre" -

advogado pela economia clássica - , Marx sustenta que a existência do

trabalhador; no âmbito da propriedade privada encontra-se restrita às

mesmas condições da existência de qualquer outra mercadoria; quando há

uma extensa "di\dsão do trabalho", a atividade do trabalhador toma-se

repetitiva e mecânica. Se a sociedade vier a diminuir sua riqueza o


77

tnibalJindor c o capitalista ^otrcm dano^;. " o prunciro sc vc nlVtado cm

sua propna existência enquanto o segundo só se vê afetado nos lucros de

sua nqueza morta Porem. lujiguém sofre tao cruelmente com seu

decliiuo como os trabaDiadores; mesmo se a riqueza social aumenta, o

resultado incMtável para o traballiador é o trabalho excessivo e a morte

prematura a degradaçno. a sujeição ao capital que se acumula em

;imeaçadorn oposição a ele - " , no\'a concorrência, a morte por íomc ou o

lançanienio de uma parte dos trabalhadores na mendicância o

trabaDiador não tem apena^ de lutar pelo meio físico de subsistência, deve

ainda lutar para alcançar traballio, isto é. "... pela possibilidade de obter os

meios necessários para poder desenvoh'er sua atividade."'^'' Até mesmo o

singelo aumento dos saláno? nao se constiui como solução adequada; pelo

contrano. estimula o apetite do capitahsta em manter e aumentar seu?

lucros. A "di\isão do traballio" toma o traballiador cada vez mais

dependente de um tipo particular de ati\'idade, extremamente unilateral, que

o reduz espintual e fisicamente; as máqumas. longe de mitigar seu peso, se

opõem a ele como competidora^; a acumulação e a concentração de forças,

que parecem sancionar maior racionalização, se convertem em

superj^rodução e findam por deixar sem trabalho grande parte dos

traballiadores. ou "numa condição de penúria ou de fome". Nessas

condições, o traballio deixa de ser uma ati\idade li\Te e consciente, é agora

traballio "pernicioso e deletério", morto, imposto, estranhado.

K. Manuscritos ecoiiómico-filosóficos de 1844. Iii; ..Eiigelí;, F. Obras


'uhüa>ntKiãl£S. Traducctón de Wenceslao Roceb. México: Fondo de Cultui'a Econômica.
1987. v.l. p. 561.
-'H.id,. p. 562.
■^•^RMd.. p. 561.
78

Na produção capitalista o homein é pura força dc traballio

qualitativamente uidiferenciável do restante dos meio? de produção, já não

é identificável pela fomia de seu trabalho. O produto do trabaUio segiega-se

do trabalhador, converte-se em objeto allieio. toma-se estranlio a ele. No

âmbito da propriedade privada produz-se o fenômeno geral do

estranliamento. pelo qual as forças e os produtos se subtraem ao controle e

ao poder dos indi\áduos. transfonnando-se em forças contrapostas aos

homens O traballio. portanto, configura-se ontologicamente de fomia

estranhada. Marx sublinha quatro conexões cm que ocorre esse fenômeno;

a do trabalhador com seu produto, do trabalhador com sua atividade

produtiva do trabaDiador com sua vida genérica e. por fim. do trabalhador

com os outros homens.

Ao perquiiir os nexos causais da produção burguesa, Marx descobre

que o produto - resultado da objetivação do trabalho humano - deLxa de

ser, para o trabalhador, seu próprio ser objetivado, para ser apenas um

objeto estranho que o enfrenta e escra\iza. O objeto produzido pelo

trabalho - seu produto - opõe-se a ele como ser estranho, volta-se contra

seu produtor e passa a dominá-lo. O trabalhador plasma sua vida no objeto;

porém, agora esta não Uie pertence, mas ao objeto. Assim, quanto mais

objetos o trabalhador produzir, tanto menos pode dele se apropriar e mais

se subjuga ao domínio de seu produto; "... quanto mais refinado o produto,

tanto mais deformado o trabalhador, quanto mais ci\Thzado o objeto, tanto

mais bárbaro o trabalhador..."^-'' O despojamento do objeto produzido, da

produção dos meios necessários à própria produção, enfim, de tudo o que

•^^Ibid.. p. 597.
79

sigjijfica produção pelo tralxiDio humano. con?i>lc na cxplicitaçao do

estraiiiiaincnto do IraboUiador cni relação a ícu produto

Na medida em que o produlo c eslraiiho ao trabalhador, a própria

aimdade produtiva se llie toma alheia: o própno trabalho se converte em

atmdade externa, que produz defonnaçào e umlaterização do mdivíduo.

Por is>o. o trabalhador só pode sentir-se em si fora do trabalho, porque

nf-ie esta íora de sv agora >ua reali/açài. paienieia-sc nas funçòc-

puramente aiumais - comer, beber, procnar. etc Marx acentua: o elemento

humano toma-se aiiiinal e o animal, humaiio. Desse modo. quando o

trabalhador se conlronta com o trabaUio estranhado - como uma atividade

não típica de sua espécie, não própria de seu gênero - o seu ser genérico

(tajito no que diz respeito a sua natureza íisico como a suas faculdades

espirituais específicas) converte-se num ser alheio a ele próprio. De fato. o

trabaUio - enquanto atividade livre e consciente, que especifica a

aenericidade do homem e o distincue


W WW do animal - Uie é necado e se

transmuda eni simples atividade de subsistêiicia e contrajiosta aos demais

seres humanos. Nessa atividade específica, que é repetitiva, fatigante e

nesiadora
w da essência humana, o trabaUiador. asseeura
w Marx;

" ... não se afirma em seu trabalho, mas nega-se a si


mesmo; não se sente bem. mas infelir, não desenvolve
li\Temenle as energia físicas e espirituais, mas. ao
contrário, mortifica seu corpo e arruina seu es])irito."-^'''

O que se constata com relação ao estranliainento do homem frente a

seu produto, a sua própria ati^^dade e a sua vida genérica patenteia-se

p. 562.
80

tainbéni na relação do homem com os outro? homens. Diz Marx; quando

"... o homem se contrapõe a si mesmo, entra iguabnente em oposição aos

outros homens."'^" Este momento evidencia-se. por um lado. pelo fato de

que certo número de homens produz para outros e por isso não tem o

controle sobre o produto de seu próprio trabaliio; por outro, pelo fato de

um número reduzido de homens - os capitalistas que não trabaDiam. se

apropnarem do produto allieio. Desse modo. podemos dizer que tanto os

traballiadores como os capitalista-^; são estranhos um cm face do outro;

contudo, as conseqüências são diversas; o estranliamento para o trabalhador

evidencia-se como miséria, sofrimento e desumanização, enquanto, para o

capitalista como riqueza deleite e satisfação.

\a obrn em questão. Marx. ao tratar da categona trabaUio. toma-a

como a categona fundante da produção e reprodução da \ida humana - a

atividade primária necessária e natural do homem. Precisamente, o que

especifica a essência de uma ser vivo é a forma como vive, produz e

reproduz sua vida. Marx assevera; "No tipo de atividade vital se contém

todo o caráter da espécie, seu caráter genérico, e a atividade hvTe e

consciente é o caráter genérico do homem".''^ A atividade dos demais

animais se reduz exclusivamente ao consumo dos objetos de sua- própria^

necessidades imediata?. Essa forma de atividade, mesmo a mais

deslubrante. é repetição instintiva e quase mecânica restrita e impxüsionada

de acordo com a própria estrutura orgância e. por .isso, norteada apenas a

uma necessidade específica. Frisa Marx;

^"'Ibid, p 601
p. 600.
81

" É ccno que também o aiiimal produ?. Faz um


lUJilio ou uma habitação, como as abelhas, os castores,
a? foimigas, etc. Mas só produz o que necessita
diretamente para si ou para sua cna; produz
uiulatcralniente limita-se a construir seguindo o
padrão e obedecendo às necessidades da espécie a que
pertence..."'^^

Ao contrário, a atividade do homem é radicalmente diversa da dos

aiumai?. poi> é li\Tt e consciente; ela constrói um mundo objetivo e

manipula a natureza de acordo com a própria vontade humana, .■^través do

trabalho, o homem manifesta-se como ser genérico, suplanta a atividade

muda dos animais, produz sua existência, cria a consciência de que é um ser

social e. assim, atinge a existência de \mi ser universal e livTe; por isso. o

homem so se constitui como ser universal e hvTe na medida em que é

sujeito de uma atividade livTe e consciente. Daí que o homem, alude Marx:

" ...produz universalmente; (...) produz quando se

encontra livTe da necessidade física imediata e só produz

verdadeiramente na liberdade de tal necessidade; (...)

reproduz toda a natureza: (...) é livTe perante seu produto

(...). sabe produzir de acordo com o padrão de cada

espécie e sabe aplicar sempre o padrão inerente ao

objeto. Desse modo. o homem constrói também em

conformidade com as leis da beleza,"'-^'

-^^'Ibid., p 600-01.
'"Ibid., p. 600-01.
82

O trabaDio. como objctivação e autodcsenvolviiiicnto humano, como

automcdiaçào necessária do homem com a natureza, constitui a esfera

ontológica fundamenta] da existência humana, e. portanto, o sujxine últmio

de todos os tipos de atividade. Através dele, ocorre dupla transfonnação; a

da natureza e.xterior e inorgância e a da própria natureza do homem. Os

objetos e as formas da natureza são transfigurados em meio. em objetos de

traballio. Esses objetos, da mesma fonna produtos do trabaUio. são. por

isso mesmo, objetos humanizados: não são simples natureza, mas natureza

humanizada. O produto do trabalho - sahenta Marx - é o trabalho que se

fixou num objeto, que se metamorfoseou em coisa física "... é a objetivação

do traballio. A realização do trabalho constitui simultaneamente sua

objetivação."^' A objetivação é uma conditio sine qua non da

universalidade do trabalho, que traz necessariamente o momento da

alienação: esta incorre, pois, num momento positivo em que o produtor.

, .através de sua atividade, entra em conexão com o produto de seu traballio e

com os outros homens. Portanto, o homem só pode asseverar-se como ser

genérico, mediante a atuação conjunta dos homens e pela manifestação de

todas as suas forças genéricas, o que, a princípio, só pode ser feito sob a

fonua de alienação.

A alienação no írabaUio, enquanto momento necessário da

objetivação, independente de todas as formas de sociabilidade, é a esfera

ontológica fundamental da existência humana. A alienação é essencial para

que o homem se afirme como ser humano, dado que seu produto corrobora

sua atividade objetiva, "a sua atividade objetiva "a sua atividade como a de

^'Ibid.. p. 596.
83

uni ser objetivo"'; O objeto do trabalho c. pois. corolário da objctivação do

gênero humano, unia vez que o homem se desdobra não apena>- na

consciência, intelectualmente, mas também ativamente, na realidade

concreta: por isso. o homem contempla a si não apenas nas fonna-

espirituais objetivadas, como também no mimdo material que ele criou. O

poder que tem o homem de objetivar-se. através de seu trabalho, é

especificamente humano; manifcsta-se como alienação (positiva) de sua

Mda geiiénca e encerra caracteristicas genumamente humanas.

Nos Manitscrilos de 1S44, o trabaüio é postulado, como

evidenciamos, tanto em sua acepção geral quanto em sua concepção

particular. Na acepção geral, é visto como atividade produtiva: a

determinação ontológica fimdamental da humanidade, isto é, o modo

realmente humano de existência. Por outro lado, em sua concepção

particular, na forma da "divisão do trabalho". Nesta última, onde a atividade

está estruturada em moldes capitaHstas, o trabalho toma-se fulcro de todo o

estranliamento. O momeuJo do estranhamento no p-abaUio se interpõe entre

o homem e sua atividade, e impede que este se realize no exercício de suas

capacidades produtivas e na apropriação humana dos produtos. Assinala

Marx;

" A realização do trabalho se manifesta como perda


de realidade, a ponto do trabalhador ser esvaziado de
sua realidade, até morrer de inanição. A objetivação se
revela a tal ponto como perda do objeto, que o
84

trabalhador c despojado dos objetos mdispcnsáveis não


só para viver, mas também para trabalhar."--

É importante ressaltar que Marx nào está criticando o trabalho

enquanto tal, mas apenas uma dada fomia particular do trabalho, isto é, o

momefiín do estraiihamenlo niwi írahaPio especifico, dado que a essência

humana^-' se realiza no trabalho, quer di7.er, o trabalho é a essência do

honienv É. pois. insustentável pensar n xida humana ou qualquer fonna de

sociabilidade, sem o traballio. sem objetivação, Como é sabido, todo

processo de objetivação traz intrínseco o momento da alienação; porém,

nem toda alienação é um estranhamento. Somente numa dada fonna

particular da sociabilidade - cuja base é a propriedade privada dos meios de

produção - o processo de objetivação tra? consigo o momento do

estranhamento, onde a objetivação sxirge como "perda do objeto", a

atividade produtiva tonia-se atividade que mutila e desumaniza o homem.

Podemos evidenciar que o homem, ao objetivar-se na cultura na arte.

no Estado, na política ao mesmo tempo se aliena. A alienação é, portanto,

um momento necessário da objetivação. ou melhor, um momento

insuperável da e.xistcncia humana. Precisamente, uma das grandes

dificuldades do marxismo contemporâneo consiste em não depreender a

distinção ontológica fundamental entre objetivação, alienação e

estranliamenío. A alienação, como já dissemos, a partir das análises de

Mar.K. é um momento indispensável da objetivação. enquanto que o

52Marx. K-Économie et philosophic. Oeu\res philosophies. Traduction par Máximilien


Rubel. Paris: Éditions GAlliniard, 1982. v.2, p.58.
--Cf. Karl Marx, Teses sobre Feuerbach, especialmente as teses 6^ e 8^: a essência
hximana não é uma abstração, nem é dada naturalmente, mas sim uma construção do
próprio homem a partir das relações sociais.
85

cstraiilvciincnto corresponde o uma foniia particular da objctÍN'açao. cm que

Uic é intrínseco o momento da perda e da desposses^ão do objeto pelo

íuieito; ou seja, o produto do trabaDio Uie aparece como algo autônomo.

alJieio e iiidcpendente de sua atividade.

A objetivação, na? condições em que o trabalho se toma "exienor ao

homem", assume um "poder eslranJio". que enfrenta o homem de "maneira

hostil". Esse poder e.Menor - a propriedade privada, a nque7a pródiga - é

conseqüência inevitável do momenlo do estranhamenJo, da conexão externa

entre o trabalhador e a natureza, entre o trabalhador e si mesmo. Aüsun, se o

resultado desse tipo de objetivação é a produção de um "poder hostil", o

homem já não pode reahnente "contemplar-se num mundo por ele criado",

está subjugado a uma instância exterior e privado do sentido de sua própria

atividade, cria um mundo irreal, submete-se a ele e com isso restringe ainda

mais sua própria liberdade.

Os Manuscritos Econômico-Fihsòficos registram ainda, entre outras

questões, a polemica de K. Marx com os economistas clássicos, entre eles:

Smith. Ricardo, Mül. Say, Sismondi, Malthus, Lauderlade e Skarbek. A

economia política não compreende as "interconexões do movimento

histórico" da realidade social, porquanto ela, ex'plica Marx;

" ... parte da propriedade privada, mas não a


exjilica. Concebe o processo material da propriedade
privada, como ele ocorre na realidade, em fórmulas
gerais e abstratas, que em seguida lhe servem como leis.
Mas não as compreende, isto é, não demonstra como
elas derivam da essência da propriedade privada. A
economia política não nos fornece uma explicação do
fundamento em que descansa a divisão do trabalho e o
86

capital, e a do capital e terra Por exemplo, quaiido


delemiiiia a relação entre o salário e o lucro do capital,
suige-lhe. como fundamento último, o interesse dos
capitalistas; por outras pala\Tas, pressupõe o que deveria
demonstrar".-" (Grifos de Mar.x).

Expondo, ao contrário, a complexidade das relações de produção

capitalista Marx não enceta sua investigação, como fez a economia politica.

a partir da produção cm geral - a-histórica, abstrata - mas de uma dada

forma particular da produção, quer dizer, dos fatos da sociabilidade

burguesa, onde:

"Quanto mais riqueza produz, quanto mais poderosa e


extensa se toma sua produção, mais se empobrece o
traballiador. Este se converte numa mercadoria tanto
mais barata quanto mais cria mercadoria. Com a
valorização do mundo das coisas, aumento em
proporção direta a desvabrizaçâo do mundo dos
homens. O trabalho não produz somente mercadorias:
gera também a si mesmo e ao trabalhador como uma
mercadoria, e faz isto na mesma proporção em que cria
mercadorias em geral."^5 (Grifos de Marx).

Marx enaltece, porém, Smith e Ricardo, por terem reconhecido, como

substância de toda a riqueza não só o trabalho agrícola - como os

Fisiocratas - mas o trabalho em geral como "essência subjetiva" da riqueza;

além disso, por terem apreendido a propriedae privada como um produto

da atividade humana. Marx menciona neste contexto, Engels, que, em seus

Esboços de uma Critica da Economia Política (1844), tinha denominado

54Marx,K. Manuscritos económico-jQlosóficos de 1844, op. cit., p.595.


5-Ibid..p. 596.
87

Adam Smith dc o Lutcro econonusla. comparando o último - que

interiorizou a religião - com o primeiro - que suprimiu a "objetividade

externa e sem espírito" da riqueza pródiga. Todavia, nenhum dos dois ha\ia

resgatado o homem genuíno. Tais alusões tratam apenas de um

reconhecimento aparente do homem, dado que eles (principalmente Smith)

só consideram o trabaUiador enquanto está a trabalhar, e não como ser

humano em sua totEihdadc, Essa ncgügcncin do lado humano decorre da

acepção basica da economia política que supõe ser a propnedade pnvada

um atributo essencial da natureza humana abstraindo, assim, a condição

aviltante do trabalhador no âmbito da sociedade, com base na propriedade

privada dos meios de produção. Desse modo, diz Marx:

" ... a economia política ignora o trabalhador


desocupado, o homem que trabalha situado à margem
da relação de trabalho. O burlão, o ladrão, o mendigo, o
desempregado, o faminto, o miserável e o criminoso,
são figuras de homens que não existem para ela mas só
para outros olhos, para os do médico, do juiz, do
coveiro. do burocrata etc. São fantasmas que se situam
fora de seu domínio.

A partir do momento em que o trabaUio é considerado como

"essência subjetiva" da propriedade privada segue-se que a "divisão do

trabalho" é apreendida como principal motor da produção. Contudo, os

economi.^ítas são confusos acerca da natiireza da "divisão do trabaUio".

Assim, para A. Smith, a "divisão do trabaUio" é decorrência da "faculdade

de troca", da propensão que o homem tem para trocar, negociar e permutar

5<^'Ibid.. p. 606.
88

uma? coi?a^ por outras, poi? pcln pcmuila o homem adquire o que precisa

para sc manter \ivo. Para J B. Say. a "di\isão do trabalho" é conseqüência

da troca poi? sem ela nao havena produção. Já para Skarbek a causa que

impulsiona um homem a prestar seus serviços a outro e o mteresse própno,

S. Mill concebe o comércio - como conversão desenvohida - enquanto

resultado da "divisão do trabaDio". A esta altura, eles se contradizem,

embora todos estejam em ci.msonância ao sustentar a conexão mutua entre a

"diMsãi.^ do trabalJio" e a acumulação de nqueza. bem como ao advogar que

só a propnedade h\Te de "preconceitos locais e políticos" poderia encerrar

uma "dÍMsão do trabalho" ampla e economicamente compensadora Para

eles, em última instância, a "di\isão do trabalho", baseada na troca, é

absolutamente indispensável à sociedade.

Contranando essas posições. Marx propugna que os econonustas

confudem o caráter social do trabalho, indispensável à sociedade, com a

divisão imposta ao mesmo, pois pode-se postular a superação do trabaDio

estranhado por ser. precisamente, possível contrapor o caráter social do

trabaüio á divisão forçada do mesmo: por conseguinte, quando a atividade

deixa de ser regulada com base na propriedade privada e na permuta. ela

adquire o caráter de atividade do homem como ser genénco. Levando, pois.

em consideração essas reflexões. Marx cntica severamente a economia

política que. ao reconhecer o lado exlerior e produtivo do traballio

enquanto produtor de riquezas, ocultou o estranhamento que está na base

da sociedade industrial moderna e. em geral, de toda formação social com

suporte na propriedade privada dos instrumentos de produção.


89

Mais adiante. Marx pa^sa a cnlicar a acepção hegeliaiia do trabalho c

consigna, no capítulo referente à Critica da Dialética e da Fihsofia de

Hegcl {{cTCQÍio maiiuscrito). que os neo-hegebanos ( Strauss. Bauer. Slimer.

etc. ) se ocuparam tanto do conteúdo do mundo antigo quando do método

de Hegel. que acabaram por assumir uma posição inteirainente acrítica a sua

própna fonte, ou seja. a sua dialética em particular. Em contrapartida.

Feuerbach é lisonjeado por Marx como o único pensador que perfilhou um

procedimento sério - e certamente cntico - frente a dialética hegeliana. e.

por isso, foi o "verdadeiro superador da velha filosofia". Feuerbach

efetivou um grande empreendimento: comparou a dialética hegehana à

religião e à teologia, pois, para ele. assim como a teologia apreende o real

como um atributo de Deus. também a filosofia especulativa toma o

detemiinado, o fiiiito, o particular, e finalmente volta a dissolver o positivo

e restabelece a abstração, o infinito. A "negação da negação" de Hegel é.

pois, para Feuerbach, tão-só a antítese da filosifa consigo mesma, como a

filosofia que encerra a teologia. O juízo de Marx sobre Feuerbach tem.

porém, um duplo conteúdo: o reconliecimento de sua \irada ontológica -

confronto entre ideahsmo e matenaÜsmo - e. ao mesmo tempo, a

constatação de que o materiahsmo feuerbachiano ignora completamente

determinações concretas da atiMdade humana porquanto sua investigação

sobre o homem é genérica e a alienação não tem nenhuma conexão concreta

com a condição do homem na atÍNÍdade produtiva.

Em seguida ao perscrutar a Fejiommologia do Espitilo (1808 ). Marx

aponta, logo de início, um duplo equívoco por parte de Hegel. O primeiro

consiste em que. quando Hegel fala da riqueza poder estatal e fatos sociais
90

aiiálogo5. con^idero-o? iiiiicanieiilc eni sua fomia espiritual, em sua essência

abstrata, através do pensamento filosófico puro. E a alienação, concebida

por Hegel. é somente a contradição entre o pensamento abstrato e a

realidade sensível, porém circunscrita ao próprio pensamento. O segundo

erro de Hegel - aduz Marx - consiste em que sua indubitável compreensão

profunda da contradição e da inversão das relações humanas refere-se

sempre ao homem como "autoconsciência". Dai que. para Hegel. fnsaMarx:

" Toda a história da alienação e de sua reiraíação é


(...) simplesmente a história da produção do pensamento
abstrato, isto é, do pensamento absoluto, lógico,
especulativo. A desapropriação, que constitui o
verdadeiro objetivo da alienação e de sua abolição, é a
antítese do em si e do para si. da Consciência e da
Autoconsciência. do objeto e do sujeito; ou seja a
oposição do pensamento abstrato e da realidade sensível
ou da existência sensorial real. no interior do próprio
pensamento."5" (Grifos de Marx).

Marx vê, entretanto, na Fenomenologia do Espirito, de Hegel, uma

grande realização, dado que Hegel concebe a "autocnação" do homem como

uni processo, porque depreende a essência do trabalho e porque e\idencia o

homem objetivo "como resultado de seu próprio trabaUio". Hegel, no

entanto - ressalta Marx - reconhece apenas o lado positivo do trabalho, não

seu aspecto negativo.Desse modo - como observa Marx para Hegel, a

57ibid.,p. 649.
5»Cf. capítulo IV, seção A, Independência e Dependência da Cons^ciência-de-si -
Dominação e Escravidão - da Fenomenologia do Espirito, no qual Hegel assevera que.
pela mediação do trabalho, a consciência-de-si toma-se consciência-para-si, ou seja, ela
obtém a intuição de si mesma ao perceber o objeto independente (ser independente).
Portanto, podemos afirmar, de acordo com as proposições de Hegel, que o trabalho
fonna, educa.
91

superação da alienação (negativa), na esfera da consciência surge como um

ato puramente formal, abstrato, que dcLxa. na verdade, seu objeto persistir

no mundo real. Portanto, para Hegel, assevera Marx;

" O ser hiunano, o homem, é equivalente à


AuJocomciência. Por conseguinte, toda a alienação do
ser humano nada mais é que a alienação da
Aidocoiiscièticia. Esta não se considera como e.xpressão.
refletida no saber e no pensamento, da alienação real da
essência humana. A alienação efetiva, que se mamfesta
no real, é, antes, segundo sua mais intima essência
oculta - e só revelada pela filosofia - simples ser
fenomenal da alienação da essência huinana real. da
Auioconsciência."^^ (Grilos de Marx).

Em seguida, na seção Propriedade Privada e Comunismo (terceiro

manuscrito), Marx enfatiza que o nexo contraditório entre a posse ou não da

propriedade privada fundamenta-se na antítese entre o capital e o trabalho;

este é "... a essência subjetiva da propriedade privada enquanto exclusão da

propriedade; e o capital, o trabalho objetivo como exclusão do trabalho...

A propnedade privada - que é a base da produção e do consumo da

sociabilidade burguesa - constitui a expressão objetiva da realidade humana

estranliada. já que a produção não se consohda como realização nem como

manifestação autêntica da vida humana, mas sim como desrealização e

desumanização. Por isso, Marx advoga a supressão da propriedade privada

e de sua essência subjetiva, o trabalho estranhado, como conditio sine qua

non para a emancipação de todos os sentidos e qualidades humanas.

-^arx, K. Manuscritos económico-íilosóficos de 1844, op. cit, p. 651-52.


^^^B)id..p. 615.
92

A solução à referida contradição fundanienta-se no "coniumsmo".

que c expressão positiva da abolição da propriedade privada e de sua

essência subjetiva, o trabaDio estranliado. Marx. ao tratar desta

problemática, reconliece uiicialniente que Proudhon. Fourier e Samt-Sinion

elaboraram diversas reverberações sobre o "comunismo", mas. ao mesmo

tempo, as rechaça com palavras sarcásticas. Por um lado. critica o

"comunismo grosseiro e irretletido" o qual não postula a supressão da

propnedade pm'ada. nem tampouco do trabalho assalanado. mas. ao

contrário, reivindica a distribuição da propriedade privada à comunidade.

Semelhante "comunismo" deseja apropriar-se da propriedade privada, só

que sob forma distinta e, além disso, pretende eliminar qualquer forma de

propriedade que não possa ser possuída por todos. Conseqüentemente, as

diferenças entre os talentos dos indivíduos, as distintas esferas da

personalidade humana e todo o "mundo da cultura e da civilização", são.

pois, abolidos, a ponto de tomar os indivíduos pobres e necessitados. Por

outro lado. Marx rompe também com o "comunismo" ainda de "natureza

política, democrática ou despótica" que. através de uma emancipação

politica pretende efetivar uma nova realidade, contudo, afetada ainda pela

propriedade privada e pelo traballio estranhado.

Em relação às duas temaíizações aiiteriores, Marx sustenta que o

"comunismo" constitui, na verdade, um estágio de "superação positiva da

propriedade privada", bem como da auto-alienaçâo (alienação negativa)

humana, e, conseqüentemente, de apropriação da essência humana pelo e

para o homem. Esse "comunismo autêntico" constitui o momento

necessário para que ocorra a expHcitação da? energias autenticamente


93

humanas: não sc trata dc um mero movimento politico. restrito a uma

determinada classe social - a politica. de acordo com Marx. está adstrita, em

maior ou menor grau. à unilateralidade mas sim de uma prática sócia]

abrangente, capaz de efetivar uma interAxnção e transíbnnaçao gJobal na^

estruturas das relações de produção burguesas, sobre as quais repousa o

Estado poHtico moderno.

3.2 As Relações Materiais de Produção e o Estado enquanto

Comunidade Ilusória

Notamos, na seção precedente, referente aos Manuscritos

Econômico-Fílosòficos, que Marx concentra sua atenção no imenso poder e

influência que os interesses econômicos exercem na sociedade, na conduta

dos homens e na direção do Estado e de seus órgãos púbhcos. A origem e a

causa fundante do Estado não incidem na natureza humana, mas na

natureza alienada, ou seja, cindida em partes antagônicas, como

conseqüência do surgimento da propriedade privada no seio da sociedade

que deixa de ser uma comunidade e se converte em entidade dominada

pelos interesses econômicos particulares e antagônicos. Depois de ter

definido a gênese e a causa determinante do Estado. Marx escreve, em A

Sagrada Família (1844), que o Estado é um corolário da sociabilidade

capitalista: toda\ia, agora, não só define este ou aquele Estado, mas

inclusive o "perfeito Estado moderno" ou a "representati\idade

democrática" como manifestação da sociedade industrial hodiema, sem

entraves dos "velhos privilégios", e cuja lei é o fetiche da mercadoria e seu

poder sobre o homem. Nesse sentido, a essência do Estado - em qualquer


94

época e lugar - é. para Marx, expressão do artifício e da exploração

econômica, negação da autenticidade social do homem. Por isso. Marx

defende, desde os Manuscritos de 1844. que a sociedade deve li\Tar-se do

Estado, para que possa tomar-se uma comunidade plenamente humano,

constituída de indivíduos livTes.

Os texios prohferam - a partir de 1844 até 1850 - em que Marx ainda

recoDiida incajisavelmente fatos e dndos concretos para a confirmação dn

tese mencionada acima. Mas é precisamente em A Ideologia Alemã (1845-

1846)^^ que ela vai adquirir a expressão mais resoluta e clara. Antes de

tratar da questão propriamente dita. Marx trava uin confronto com os neo-

hegelianos e sustenta que, para eles, o processo de decomposição do

sistema de Hegel, que começara com Strauss, conduziu a Alemanha, no

período de 1842 a 1845, a uma mudança sem precedentes. Na verdade -

aduz Marx - tudo isso se desenvolveu exclusivamente no domínio do

"pensamento puro", no processo de dissolução do "espírito absoluto", pois

o "mundo exterior" permaneceu alheio a tais acontecimentos. Para dar uma

idéia clara da pequenez de todo esse movimento neo-hegehano, Marx

começa, então, a explicitar seus limites. Apreciemo-los:

" .Até em seus últimos esforços (...), longe de


examinar seus pressupostos filosóficos gerais, todas as
questões [da crítica alemã] brotaram de um sistema
filosófico determinado, o sistema hegeliano. Não apenas
em suas respostas, mas já nas próprias questões, havia

^'.4 Ideologia Aleniü - redigida, de setembro de 1845 a maio de 1846, por Marx e
Engels', e só conliecida em sua totalidade depois de 1932 - é uma obra voluníosa. que
aborda problemáticas mui distintas. Aqui, Hmitamo-nos à primeira parte, que leva o
título; Feuerbach.
95

luiia mistificação. Essa dependência de Hegel é a razào


pela qual nenhum desses novos críticos tentou uma
apreciação de conjunto do sistema hegebano. embora
cada um deles afirme ter ultrapassado Hegel,"^2

A polêmica dos neo-hegeliajios contra Hegel se restringiu - afinua

Marx - à crítica das representações religiosas. O domínio da religião foi

considerado e tratado permanentemente como um inimigo mortal, a causa

últmia de todos o.- moles insendos no Direito, no E.>tado. na política, ele.

Ao julgarem as representações, os conceitos, os pensamentos como

princípios determinantes, os neo-hegelianos reduziram seus esforços à

modificação da consciência, sem, contudo, se preocuparem com a

\icissitude do mundo real existente, já que, para eles, as relações humanas -

toda a sua ati\idade, seus grilhões e seus limites - eram ilações de sua

consciência. Por conseguinte, nenhum desses filósofos questionou o

conteúdo da conexão entre a filosofia e a realidade alemãs, a concatenEição

entre sua crítica e seu próprio meio material.

Frente aos pressupostos arbitrários dos neo-hegeüanos de esquerda.

Marx parte de pressupostos empíricos; os indivíduos concretos, sua ação e

suas condições materiais de vida. O primeiro ato histórico desses

indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o fato de pensarem,

mas o de produzirem seus meios de subsistência. Ao efetuarem-nos. os

indivíduos constróem, indiretamente, sua própria vida material, pois o que

eles são coincide com sua produção - tanto o que produzem, quanto o

modo como produzem. Marx sahenta que a produção não é algo dado

^^Marx, K., Eiigels, F. La ideologia alemana. Traducción por Wenceslao Roces.


Montividéu: Ediciones Pueblos Unidos. 1959. p. 16-17.
96

naiurabiicntc. nia? sini resultado dc uni do maíerinl e espiritual entre os

mdi\íduo5; e o modo desse intercâmbio é. por sua vez. condicionado pela

produção. Precisamente, o nexo de uma formação social com outras

depende do estado de desenvolvimento de sua produção, de sua permuta

interna e externa e de sua "divisão do trabaUio". Esta última detcrmma o

grau dc evolução sócio-econômica dc uma dada sociabüidade humana,

por i?>o. as diver>a> fases do desenvohuiicmo da "di\'isao do

trabaüio" são correlatas com outras tantas fonnas diferentes de propriedade.

Marx esboça uma história das formas de propriedade, distinguindo

sucessivamente a tribal, a antiga e a feudal. A primeira é uma propnedade

coletiva dos meios de produção, essencialmente constituídos pela terra. Esta

forma corresponde às forças produtivas pouco desenvolvidas e a uma

organização social estribada na família. No segundo estágio, a propriedade é

ainda comunal, mas já se desenvolve o sistema fundiário. Todavia, a

propriedade em comum contínua a ser uma necessidade para assegurar o

domínio dos cidadãos sobre seus escravos. A feudal, terceiro estádio, é

ainda coletiva, na medida em que representa a forma de possessão por parte

de uma ordem em face da massa dos servos, em que é necessário mantê-los

em seu e.siado de sujeição. E essencialmente agrária, e uma de suas

condições é a oposição entre cidade e o campo. Por conseguinte, o aumento

dos meios de produção e a "divisão do trabalho", que acarretam a antítese

entre a cidade e o campo, dão origem á propriedade privada hodiema que

suplanta todas as- outras no decurso de seu desenvolvimento e cria as

relações de produção capitalistas.


97

A propriedade passou por várias etapa-? diferentes ate chegar ao

capita] moderno, ou seja, à propriedade hodiema. que. instigada pela grande

indústria e pela concorrência mundial, despojou-se de todo ^ánculo com a

comumdadc e que excluiu qualquer intlucncia do Estado sobre seu

desenvohimento. A essa propriedade privada moderna, corresponde o

Estado político hodiemo, que é controlado pelo? proprietários privados, e

cuja e.xistcncia se acha completamente dependente deles. Mediante a

emancipação da propnedade pnvada em relação à comumdadc, o Estado

adquire - assinala Marx - uma e.>ástência pecuhar, ao lado e fora da

sociedade civil: porém, agora esse Estado não é senão uma forma de

organização que o grupo social hegemônico utiliza para garantir, tanto no

interior quanto no exterior, sua propriedade e seus interesses.

Diferentemente do Estado antigo e do medieval, o Estado moderno é. alude

Marx;

" ... a forma pela qual os indivíduos ds wtia classe


dominante fazem valer seus interesses comwis, e na
qi4al se resimie ioda a sociedade ci\'il de uma época.
Segue-se que todas as instituições comuns são
mediadas pelo Estado e adqwrem, através dele, uma
forma política. Daí a üusão de que a lei se baseia na
vontade e, mais ainda, no anseio, destacado de sua base
real - no desejo li\'Te."^'2 (Grifos nossos).

A> relações econômicas que nascem no sistema capitalista de

produção e reprodução social geram a cisão da sociedade em camadas

sociais antagônicas, e o Estado passa a garantir os interesses do grupo social

p. 69.
98

hcgcmômco. Assim sendo, atingido um certo nivcl de poderio econónuco e

de coesão social, a burguesia reivindica o poder político e seu escopo é o de

se apoderar do Estado: é. pois, uma nova acepção de Estado, que aparece

em A Ideologia Alemã. A medida que a "divisão do trabaDio"acentua a

especialização e a separação entre camadas sociais, o Estado passa a

representar o meio de defesa e de coerção do grupo social hegemônico,

assumindo, por conseguinte, um poder estranho ao aspecto dinâmico e vivo

da sociedade. E precisamente assmi que se assenta a noção que contém em

gérmen todo o desenvolvimento da acepção marxiaria do Estado,

A natureza particular do Estado não depende da pura vontade ou

intenção dos indivíduos que formam o grupo social hegemônico. Urge

depreender que. em cada momento histórico particular, os individuos.

enquanto produtores, atuam de um modo determinado, estabelecem entre si

relações sociais e políticas determinadas. Por isso, Marx salienta que;

" A estrutura social e o Estado nascem


constantemente do processo de vida de individuos
determinados, mas desses individuos tais como
realmente são. e não como pretendem ser em sua
imaginação própria ou alheia: isto é. tais e como atuam e
produzem materiabnente e, portanto, como desenvolvem
suas atividades sob determinados kmites, pressupostos e
condições materiais independentes de sua vontade".^

Quando Marx diz que os homens são aquilo que criam, não entende

por isto que sua existência material é condicionada apenas pela produção.

Esse ser do homem são também seus pensamentos, o conteúdo de sua

^•^IbiA.p. 25.
99

consciência. No entanto, a elaboração dc idéias, conceitos, representações,

pela consciência, está. a principio, diretamente entrelaçada com a atividade

produtiva, com o elo niatenal dos indivíduo? e com sua organização sócio-

politica O representar, o pensar, a produção espiritual dos indivíduos

surgem como emanação direta dc seu comportamento material. Em suma

não é a consciência dos indivíduos - precisa Marx - que determina seu ser.

mas. ao contrário, é seu ser social que detemima sua consciência Os nco-

hegelianos. ao contrário, não partiam, assegura Marx. dos mdivíduos

realmente ativos e de seu processo de vida material, mas sim daquilo que

eles diziam, representavam ou miaginavam de si mesmos. Aqui. a moral, a

religião, a filosofia ou qualquer outra forma de consciência deixam de

relaciona-se com a realidade, e se metamorfoseiam em produtos autônomos

do pensamento.

O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, por

conseguinte, da História, é, conforme Marx, a produção dos meios que

pemiitem a satisfação das necessidades básicas do indivíduo - como beber,

comer, procriar, abrigar-se, vestir-se, etc. Para que sejam possíveis a

existência a produção, o desenvolvimento histórico, é condição

indispensável que os indivíduos possam viver, estar em condições de viver.

Uma vez satisfeitas as necessidades primárias, surgem nov^as carências, e

sua satisfação constitui o primeiro fato histórico. Por fim, é preciso que haja

continuidade, assegurada pela famüia, pela própria reprodução da espécie

humana e pela transmissão das aquisições de uma geração para outra. Não

se deve, no entanto, considerar os três aspectos mencionados da atividade


/
100

social como fase? distinto?, ma? simplesmente como três momentos que

coexistem; e é da ijiteração dessa? bases simples que e preciso partir.

Ao relletirmos sobre esses aspectos da atividade humana,

evidenciamos - esclarece Mar.x - que os indisiduos têm também

consciência, mas não se traia aqui de uma "consciência pura", senão de uma

consciência histórica hgada às condições materiais em que o indi\iduo

N-ive A con.-ciência é. já de antemão, um produto sociai c continuará sendo

enquanto subsistirem seres humanos. Ela surge, tal como a linguagem, da

necessidade que o indivíduo tem de estabelecer intercâmbio com outros

indivíduos. No princípio da vida social havia, de acordo com Marx,

simplesmente uma "consciência gregária", que evoluiu e se a}:>erfeiçoou

ulteriormenie, em razão do crescimento da produtividade, do aumento das

necessidades e da ampliação da população. Com isso, desenvolveu-se a

"divisão social do trabaUio", que genuinamente era estabelecida a partir das

diferença^ sexuais e das disposições naturais, como, por exemplo, o vigor

físico. A "divisão social do trabalho" toma-se plenamente cisão quando

ocorre a dicotomia entre traballio material e intelectual. A partir desse

momento, a consciência pode se emancipar das forças da natureza e

entregar-se à criação da teoria, da filosofia, da moral, em suma, do conjunto

dos diversos produtos teóricos.

A maior divisão entre o trabalho manual e o teórico é, para Marx. a

segregação entre a cidade e o campo. Essa oposição começa com a transição

da barbárie à civilização, da organização tribal ao Estado, da localidade à

nação, e persiste, através de toda a hi.?tória até nossos dias. Com a cidade

aparece, simultaneamente, a necessidade de Estado, de política de


101

iniposios. etc; cm rcsunio. a nccc55Ídndc da orgaiuzação politica c. portaiito.

do Bastado em gcra]. A contraposição entre a cidade e o campo só pode

subsistir nos quadros dn propriedade privada na qual o mdi\*iduo está

submetido a dnisào forçada do trabalho e impedido de realizar plenamente

sua^ potencialidades. Assmi, enquanto a propnedade privada existir, o

trabalho - a atividade humana - continuará a ser um poder que se sobrepõe

aos mdivíduos. que os aniquila. Esse fenômeno não pode ser superado se

não se eliminar a propnedade privada e as propnas condições que dela

resultam e na? quais vive a humanidade.

Ademais, com o surgimento da supracitada "divisão do trabalho", é

dada. ao mesmo tempo, a contradição entre o interesse comum e o

especifico, pois o primeiro, na quahdade de Estado (comunidade üusória),

assume uma fonna autônoma, separada dos reais interesses particulares e

gerais. Por exemplo, todas as lutas no interior do Estado (comunidade

fictícia) - a luta entre democracia, aristocracia e monarquia a luta pelo

direito de voto, etc., etc., - são apenas "formas üusória^". na=: quais se

desenrolam os digladiamentos reais entre as camada^; sociais. Precisamente

na sociabüidade capitalista alude Marx:

" ... os indivíduos procuram apenas sem interesses


particulares, que para ek não coincidem com seus
interesses coletivos (o geral é de fato a forma ilusória
da coletividade): esses interesses comuns fazem-se valer
como interesses 'estranhos' aos indivíduos,
'independentes' deles, como interesses 'gerais', especiais
e peculiares; ou têm necessariamente de enfrentar-se
com esse conflito, tal como na democracia. Por outro
lado, a lula prática dos interesses particulares - que
constantemente e de modo real chocam-se com os
102

mtere<5c> coletivo? t ilusoriaiiicnte tidos como tais -


loma necessários o controle e a intervenção prática
através do ilmôrio interesse geral como Esiado"''--
(Grifos nossos).

Com a "di\asão social do trabaUio" no mlerior do íonnação social do

capital, a ati\idade humana encontra-se distribuída não voluntanamente.

mas sim de forma mecânica unilateral e unposta dado que a própna ação

do indniduo converte-se num poder estranho e a ele oposto, que o subiuga

ao mvés de ser por ele dominado. Para que essa alienação (negativa) e sua

base - a propnedade pnvada - sejam suplantadas, são necessárias - advoga

Marx - duas premissas básicas; por um lado, é preciso que haja uma "massa

da humamdae" despojada de propriedade, que se encontre em contradição a

um mundo de nqueza que é apenas apropnado por uns em detrimento de

outros: por outro, é imprescmdível que se tenha imi prodigioso

desem'ohdmento das forças produtivas, que assegure a quantidade

necessária de produtos, para que os indi\íduos possam se desenvolver no

plano da uni\'ersáüdade. Sem isso. o "comunismo" não pode existir, a não

ser como íenômeno local, que, a qualquer extensão das relações humanas,

seria abolido. O "comunismo" só seria, pois, possível a partir do momento

em que se pressuponha o crescimento universal das forças produtivas e o

intercâmbio geral entre os indi\íduos. Neste sentido, o "comunismo", de

acordo com Marx, não é imi "estado que deve ser estabelecido", nem um

"ideal" para o qual a reahdadç terá que se dirigir, mas sim um mo\imento

real capaz de superar o estado inumano em que o indivíduo se encontra no

interior da sociabihdade do capital.

t-Ibid.. p. 34.
103

Os indivíduos, neste estágio, estão - nota Marx submetido a um

poder que lhes é estranlio, um poder que se toma cada vez maior e que se

revela, em última instância, como "fetiche geral da mercadoria". com a

superação gradual dessa sociedade por obra da emancipação social, esse

poder estranlio, que domina os indivíduos, é abohdo; e então, a

emancipação de cada indivíduo é lograda, na medida em que lhe assegura

as condições para usufruir de todas as sua=: criações, ou seja da multifonne

produção do mundo. Marx está convencido de que, desaparecida a

subordinação dos indivíduos à "divisão forçada do traballio" e. portanto, o

contraste entre trabalho intelectual e manual, e acrescida as forças

produtivas e as fontes de satisfação em toda a sua plenitude, o Estado perde

seu caráter político, ou seja, cessa de existir enquanto tal, e, em seu lugar,

estabelece-se uma comumdade cujo caráter não será mais político, e smi

humano.

Após essas reflexões, podemos concluir que a concepção de Estado,

lixada por Marx em .4 Ideologia Alemã, mostra claramente a evolução que

sofreu seu pensanienio, desde os primeiros escritos nas Anekáotas

Filosóficas e na velha Gazeta Reuana. Marx passa, por exemplo, da noção

de Estado idealizado - no qual via como um meio para realizar a verdadeira

reconciliação humana na liberdade, constituído a partir do princípio

racional da sociedade - para uma acepção mais elaborada e realista. Como

vimos, na Crítica à Filosofia do Lnreito de Hegel, Marx demonstra que o

Estado depende da esfera da sociedade civil e, por isso, a separação de

ambos é uma conseqüência inevitável da natureza própria da sociedade civil

burguesa nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, Marx constata


104

que o Estado repousa, precisamente, na contradição entre o capita] e o

trabalho, tomando como defesa o primeiro em detrimento do segundo; na

Sagrada Famitia, o Estado surge como expressão da-^ relações de

produção, fundadas na propnedade privada. Fmabnente, em A Ideologia

Alemã. Marx revela que o Estado.assim como as outras instituições socio-

political. assentam-se nas contradições sociais, são fontes do conflito entre

o mteresse mdividual e umversal. estão opostos aos verdadeiros interesses

de cada um c de todos; são, em suma, uma "comumdade üusona" que, por

detrás, dissimulam os digladiamentos reais e as diferenças sociais entre os

indi\íduos, Assim, instigado pela busca constante de onentação político-

concreta, Marx redige, posteriormente à Ideologia Alemã e a Miséria da

Filosofia (1847), o Manifesto Comimista, cujo titulo já sugere sua mtenção;

a umíicação dos indivíduos, a fim de suplantarem a sociabüidade do capital

e as determinações nocivas do Estado.

3.3 Gênese, Desenvolvimento e Declínio da Sociabilidade

Capitalista

Ergue-se no horizonte o Manifesto do Partido Comimista (1848)^''',

cujo escopo central é o de esclarecer, em última anáhse. as posições

'-'o Mühií^^o Comunis-tü, publicado em 1848. está dividido em qualio aeções, daí
quais ai' três primeiras síLü de importância quaüe similai-, enquanto que a quarta é
bastante curta. Vejamo-laí;: a primeira, intitulada "Burgueses e Proletários", é o núcleo
da obra, sua parte vital; a segunda, denominada "Proletários e Comunistas", explica a
posição dos "comunistas" em relação ao conjunto dos trabalhadores, repelindo as
objeçôes feitas ao "comunismo" pela "burguesia". Sob o título "Literatura Socialista e
Comunista", a terceira seção passa sarcasticamente em revista as divesas formas -
"reacionárias" ou "feudais", "pequeno-burçuesas". "conser\'adoras" ou "burguesas",
"critico-utópjcas" - do movmiento social da época A quarta paj1e. brevíssima, sintetiza
a posição dos "comunistas" em face dos outros partidos de oposição. E necessário
105

teóricas, política? e filosóficas do "comunismo". Ao encetar sua exposição,

Marx consigna que a história de todas as sociedades tem sido uma história

das "luta> de classes", das contendas entre camada^ sociais exploradas e

as exploradora^, entre as dirigidas e as dirigentes, nos diferentes estágios do

vir-a-ser social: amo e escravo, patrício e plebeu, senhor e ser\'o, capitalista

e trabalhador - em síntese, proprietários e não-proprietários dos meios de

produção.Por exemplo, já nas primeira^ épocas histórica? constala-sc -

evoca Marx - uma completa divisão da sociedade em camadas sociais

diferentes; na Roma antiga encontra-se patrícios, cavaleiros, plebeus e

escravos; na Idade Média senhores, vassalos, mestres e servos. Tais

antagonismos sociais não foram abohdos com o surgimento da

sociabilidade capitalista mas apenas simplificados em dois grandes grupos

sociais, diametralmente opostos: a burguesia - a classe detentora dos meios

de produção, dos instrumentos de produção e das matérias-primas - e o

proletariado - a classe dos indivíduos assalariados que, para viver, não tem

senão sua força de traballio.

A burguesia modena é - escreve Marx - conseqüência de um

prodigioso desenvolvimento, de uma série de vicissitudes inseridas no

modo de produção e reprodução social. Em decorrência da descoberta e

colonização da América, da circimavegaçâo da Africa, dos mercados da

elucidar que esta obra foi assinada por Marx e Etigels, mas foi redigida unicamente pelo
primeiro.
to^Urge ressaltar que, nos primórdios da humanidade, qualificados de comunidades
humanas, a organização social era coletiva Nesse período, nâo havia poderes estranhos,
superiores aos indivíduos, nem tampouco à comunidade. Daqui se segue que, para Marx,
o Estado é considerado - já o dissemos - como uma espécie de poder político externo,
que se sobrepõe ao aspecto dinâmico e vivo da sociedade. A esse respeito, c£ F. Engels,
Oneem da Familia. da Propriedade Pri\ada e do Estado.
106

índia e da China, do incremento dos meios de troca e, em geral, da

produção, a sociedade feudal começa a entrar em declínio, e sua

organização econômica, circunscrita a corporação fechadas, é suplantada

pela manufatura; todavia, esta última, em deconêncin dos mercados, toma-

se insuficiente e é substituída pela grande indústria moderna. Cada fase

dessa evolução percorrida pela burguesia é acompanhada por um progresso

politico correspondente. Notamo-lo:

"Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação


annada administrando-se a si própria na comuna; aqui.
República urbana independente, ali tercerio estado,
tributário da monarquia; depois, durante o período
manufatiireiro, contrapeso da nobreza na monarquia
feudal ou absoluta, pedra angular das grandes
monarquias, a burguesia, desde o eslabekcimento da
grande indústria e do mercado mimdial conquistou,
Jinabneníe, a soberania política exclusiva no Estado
representativo moderno. O governo moderno não é
senão um comitê para gerir os negócios comuns de
toda a classe burguesa."-'^ (Grifos nossos).

Tenazmente, ao longo da história, a burgueáa conseguiu conquistar,

em luta extrema, o poder político exclusivo, no Estado representativo

moderno. E, ao fazê-lo, ela superou os complexos e variados laços que

aprisionavam o indi\íduo no interior das relações feudais, patriarcais e

idílicas, reduzindo as relações entre os indivíduos a simples conexões

econômicas. Em vez de uma exploração dissimulada por üusões rehgiosas e

políticas, ela (a burguesia) estabeleceu uma espoliação aberta, "ciníca" e

68Marx. K. Engels F. Manifesto dei partido comunista In: -.Engels, F.Obras


escogidas. Moscú; Editorial Progreso, 1974. v.l, p. 112-13.
Iu7

direta. Desse modo. a subversão constante dos instrumentos e das relações

de produção e, por conseguinte, de todas as relações sociais, é o que funda

a hegemonia burguesa, distintamente da5 épocas anteriores, que se

constituíam pelo imobilismo do modo de produção. Segundo Marx, a

burguesia, ao explorar o "mercado mundial", umversalizou a criação de

bens e o consumo de todos os países, dado que ela não representava mais

uma produção isolada, senão um mtercâmbio geral, uma cosmopolita

mterdcpendencia das nações.

Em conseqüência do rápido aperfeiçoamento das técnica? de

produção e do constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia

instigou todas as nações a adotar o sistema burguês de produção e

comercialização, isto é, a se tomar burguesas. Por exemplo, ela submeteu o

campo atrasado ao domínio da cidade, subordinou os países bárbaros ou

semibárbaros aos civilizados, os povos rústicos aos industriais, criou

grandes centros urbanos, aumentou prodigiosamente a produção das

cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da

população do embrutecimento da \ida rural. Assim sendo, a burguesia

miiiScou as províncias independentes em uma só nação, com um só

governo, e obteve a centralização política do Estado, assegurando assim

seus interesses particulares.

Ademais, a burguesia, durante seu domínio político, implementou um

colossal desenvolvimento das forças produtivas, a saber; pulverizou as

barreiras nacionais que segregavam os diversos países entre si e

universalizou a produção, proporcionando uma transfonnação significativa

nos meios de comunicação, no comércio e na indústria. Esse crescimento


108

do?: meio? dc produção e dc troccu sobrc cuja ba^f suí;cíIou a burguc.>ia.

fora gcstado no seio da sociedade feuda Esla deixou de corresponder à-'

torças produtiva^ em pleno dcsenvoKimenlo e entravou, em vez de

impulsionar, a produção. Por conseqüência, estabeleceu-se, em seu lugar, a

supremacia econômica social e política da classe burguesa. Contudo,

análogo processo, que condenou a sociedade feudal a parecer, em proveito

da sociabiüdade capitalista, começa agora a extmguir a propria burguesia

em beneficio do trabaUiador. porque, exphca Marx.

forças produtivas de que dispõe, não mais


favorecem o desenvolvimento da^ relações de
propriedade burguesa; pelo contrário, tomam-se por
demais poderosas para essas condições, que passam a
entravá-las; e todas as vezes que os forças produtiva^
sociais se libertam desses entraves, precipitam na
desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da
propriedade burguesa. O sistema burguês toma-se
demasiado estreito para conter as riquezas criadas em
seu seio."'-

Aísim. voltam-se contra a burguesia as próprias "anna^", as "armas"

técnicas, que lhe haviam pemiitido abater o feudalismo. Mas a burguesia

não só foijou as "annas" que lhe "dariam a morte", como ainda engendrou

os indivíduos que se utüizariam delas; os trabalhadores modernos. Ao

implementar seu regime de produção e apropriação dos objetos, ela (a

burguesia) produziu também seu próprio "coveiro"; conseqüentemente, sua

queda e a vitória do trabalhador são "iguabnente inevitáveis". Distintamente

de todas as camadas sociais - que no passado conqmstaram o Estado

^-Ibid.. p. 116.
1U9

político c submeteram o conjunto da sociedade suas condições de

produção - o trabaUiador não pode. adverte Marx. emancipar-se da situação

em que se encontra sem abolir gradualmente o Estado c todo o modo de

produção fundado no regjime de propnedade pnvada

Efetivajnente. com o crescimento da burguesia, emerge o trabalhador,

que, para viver, é mipelido a vender sua força de traballio. Assim, o

trabaUiador aparece co]no uinn jnercadoria. como um anigo qualquer, que

está sujeito a todas as conti]igências da concorrência, ou seja. a todas as

flutuações do mercado. Paralelamente ao desenvolvimento do processo

industrial, o trabalho perde seu caráter autônomo e atrativo, e o trabalhador

toma-se um mero acessório da máquina executando operações triviais e

tediosa^. À medida que aumenta esse caráter enfadonlio do trabalho,

decrescem - sublinlia Marx - os salários, já que o custo do traballiador é

reduzido aos meios de manutenção que Uie são necessários para subsistir e

peq^etuar sua existência."'o

A acumulação de riqueza em mãos particulares, o crescimento do

capital, que garantem a situação essencial -^a existência e supremacia

burguesas, favorecem, no entanto, condições para que os trabaUiadores

suprimam seu isolamento e se organizem enquanto grupo scial, A princípio,

defende Marx;

" ... empeiiliam-se na luta os trabalhadores isolados,


depois os de uma mesma fábrica mais tarde os do
mesmo oficio, de uma mesma localidade, contra o
burguês que os explora diretamente. Não se limitam a

70sobre essa questão, c£ K. Marx, Trabalho Assalariado e Capital (1847).


llü

alacar relações burguesa> de produção, alacain oí;


instrumentos de produção; destrócm as mercadona^;
estraiigeiras que lhes fazem concorrência, quebram as
máquinas e esforçam-se para reconquistar pela força
a posição perdida do artesão da Idade Médja."^'

Por isso. nessa fase, enfatiza Marx:

... os traballiadore? não combatem amda seus


próprios munigos, ma^ os inimigos de seus mimigos.
islo é. os resquícios da monarquia absoluta os
proprietários territoriais, os burgueses não industriais e
os pequenos burgueses. Todo o movimento histórico se
concentra desse modo, nas mãos da burguesia e
qualquer vitória alcançada nessas condições é uma
\àtória sua"."'-

Todavia os digladiamentos que ocorrem no interior da camada social

burguesa favorecem o desenvolvimento do trabalhador, educando-o contra

ela. Ademais, algumas facções do grupo social hegemônico, em decorrência

do crescimento industrial, adereni ao trabaUiador. trazendo-üie vahosos

elementos de educação política Tal como, outrora uma parte da nobreza

passou à burguesia agora do mesmo modo. uma seção desta incorpora-se

ao traballiador. mormente a pane dos ideológos que chega a depreender

teoncamente o papel flutuante desta camada social, no interior do \ir-a-ser

histórico. Conforme Marx. de todos os grupos sociasi que enfrentam a

burguesia só o trabaUiador é uma camada "verdadeiramente

emancipadora", pois que as outras se degeneram ou perecem diante do

desenvolvimento da grande indústria moderna.

■'•Marx. K. Manife&lo dei partido comunista, op. cit., p. 118.


"'^Ibid.. p. 118.
Ill

Apo? essa exposição da gênese da sociabiLdade capiiaüsla e de seus

efeitos deletérios, que constitui a primeira parte do AíanifesJo. Marx articula

a posição dos "comumstas" diante dos trabalhadores em geral Os

"comumstas" não íbmiain - diz ele - um partido à parte, não estabelecem

princípios específicos, ma^ sim fazem prevalecer os mteresses dos

indivíduos em sua totalidade. Seu íélos imediato é a conquista do Estado

pelo trabaDiador e, em conseqüência, a supressão da hegemonia burguesa

Urge esclarecer que as acepções teoncas sobre "comumsmo" não se

baseiam, como pensam alguns, em princípios arbitráros ou inventados por

um profeta. Na verdade, são refle.xos das circunstâncias reais de uma dada

forma particular da sociabilidade humana, de uma fase da História inscnta

em seu próprio moMinento. Precisamente, o que fundamenta o

"comumsmo" não é a expropriação da propriedade privada em geral, mas a

da propriedade privada moderna a do sistema burguês, por ser este a última

e a mais perfeita expressão do modo de produção e apropriação dos objetos

baseados nos antagonismos de classe e na ex-ploração de uns pelos outros,

Marx ex'pnme, laconicamente, seu pensamento: o "comunismo" tem como

desígnio abolir a propriedade privada, quer dizer, a propriedade capitalista

a apropriação por uns poucos dos meios de produção, Porém, semelhante

"comunismo" não priva ninguém do direito de apropriar-se de sua parte dos

produtos sociais; apenas, isto sim, suprime o poder de escravizar o trabalho

de outrem por meio dessa apropriação.

Nesse sentido, uma vez desaparecidos os antagonismos de classe no

curso do vir-a-ser social, e garantida a socialização dos bens aos indivíduos,

o Estado perde seu caráter político, ou seja, deixa de ser um poder político
112

orgoiuzado de um grupo social para a exploração dc outro e, com isso,

conclui Marx:

No lugar da ajiliga sociedade burguesa, com suas


classes e antagoiiismos de classe, surge uma associação
em que o li\Te desenvolvimento de cada um é a
condição do crescimento espontâneo de todos" 7-^

1 ogo após a publicação da obra que acabamos de analisar, O

Kíariifesío Comunista, eclode a revolução alemã de março de 1848. Nesse

mesmo ano, surge em Colôma (Província do Reno), a Nova Gazeta

Renana. jornal no qual Marx publica, durante o mês dc dezembro, uma

série de importantes artigos sob o título de A Burguesia e a Contra-

Revoluçâo (1848). Neste traballio, Marx aponta, a partir de sua investigação

da insurreição democráíico-burguesa, ocomda na Alemanha, a presença de

uma situação de duplo poder entre a Assembléia Nacional reunida em

Frankfurt, e a Coroa Prussiana. Precisamente, a Revolução Alemã,

sobrevinda em março, ao ser levada ao poder de Estado com o ministério

Champhausen. de maneira nenhuma submeteu o poder soberano aos

interesses dos trabalhadores; apenas, isto sim. obrigou a Coroa - o Estado

absolutista - a se entender com a burguesia, ou mellior, a conciliar-se com

sua "velha rival". Assinv essas duas forças sociais passaram a se servir

reciprocamente; a Coroa, sacrificando a nobreza à burguesia; esta,

desprezando o trabalhador à Coroa, Marx alude que, sob esta condição, a

monarquia tomou-se burguesa e a burguesia prussiana se fez monárquica.

7?lbid.,p. 130.
113

Na obra em quci;lão. Mar.x enceta sua pesquisa a partir da=:

proposições anunciadas pela Lei de 6 de abril de 1848. que outorga aos

representantes do povo o direito de estabelecer todas as leis e detemunar o

orçamento do Estado. Para tanto, a Assembléia Nacional de Berlim.

fundada na ba>e da presente lei. é incumbida, mediante um acordo com a

Coroa Frussiana, de formular uma nova Constituição para o Estado

prussiano e de exercer, pelo tempo de sua duração, toda^^; aínbuições que

eram confiadas aos antigos Estados-gerais do- Impéno. No entanto, alguns

meses depois, precisamente em 5 de dezembro de 1848, o rei prussiano

dissolve essa Assembléia Nacional e assenta uma outra Constituição,

estabelecendo, em "caso de guerra" ou "desordem", a suspensão das

garantias de liberdades individual, de imprensa, de reunião e de associação.

Com efeito, o rei passou - salienta Marx - a assumir amplos poderes. tais

como; tinlia o direito de convocar a guerra ou detemiinar a paz; tinlia em

suas mãos todo o poder do Estado e ainda dividia o poder legislativo com

as Câmaras (formadas, em sua imensa maioria, por nobres e grandes

proprietários); podia enfijn, rever, quando quisesse, a Constituição. Tudo

isso - fnsa Marx - era instrumento da contra-revolução feudal absolutista.

.Ajites. porém, ocorreram diversos fatos. Por exemplo, com a

supracitada revolução burguesa acontecida em março de 1848. Ludolf

Chaniphausen - banqueiro alemão, presidente da Câmara de Comércio em

Colônia dirigente dos liberais renanos - tomou-se presidente do Gabinete

prussiano e, a seguir, representante da Prússia junto ao poder central

estabelecido em Frankfurt. Mas, uma vez no poder, Chaniphausen chamou

de volta o príncipe da Prússia - chefe da contra-revolução - e deixou em


114

vigor a obsoleta legislação prussiana e os antigos tribunais. Sob seu

governo - diz Marx - todos os b'deres do arcaico regiiiic permaneceram cm

seus postos, dando tempo e condições aos mstrumentos principais do

Estado - a veDiá burocracia e o caduco exército - de se refazerem e se

converterem em ferramentas decisivas da contra-revolução. Portanto,

através de Champhausen, a contra-revolução se apoderou das condições

necessánas para restituir a falida ordem anstrocratica e absoluta.

\'^emos. pois. que os representantes da burguesia - como. por

exemplo. Cliamphausen - foram infiéis a seus princípios depois da

revolução de março de 1848, posto que a burguesia estava em condições de

se opor a uma fomia de Estado que não representava mais seus interesses e

necessidades. Marx advoga que a burguesia alemã estava no melhor dos

caminhos para ver a efetivação de todos os seus desígnios, uma vez que:

" A própria nobreza estava essencialmente


aburguesada. (...) De outro lado, o Estado absolutista -
cuja base social havia desaparecido sob seus pés, como
por encanto - com o curso do desenvoKõniento, tomou-
se uni obstáculo para a nova sociedade burguesa. O seu
modo de produção e suas necessidades se
transfomiaram. Era necessário que a burguesia
reivindicasse sua parte na gestão política, ainda que
apenas pelos seus interesses materiais. Só ela era capaz
de fazer valer legalmente suas necessidades industriais e
comerciais. Tinha que tirar das mãos de uma burocracia
ultrapassada tão ignorante quanto arrogante, a
administração de seus 'interesses mais sagrados'. Deveria
reclamar para si o controle dos recursos do Estado, de
que se acreditava criadora. (...) Para alcançar seu
115

objetivo, ela deveria debater livremente seus interesses,


sua? opiniões, assiin como os atos do governo"."'''

A biwguesia alemã encontrava-se, como anunciamos, no mellior dos

canunhos. quando estalou a contra-revolução. Todavia não se deve -

admoesta Marx - confundir a revolução prussiana de março com a

Revolução Inglesa de 1648. nem tampouco com a Revolução Francesa de

1789. Precisamente em 1648. a burgue.vin estava aliada com a nobreza contra

a monarquia, a aristocracia feudal e a Igreja dominante; em 1789, ela estava

coligada com o trabalhador frente à monarquia, à nobreza e à Igreja também

hegemônica. Ao sintetizar, neste balanço, os traços essenciais das anteriores

revoluções burguesas - a inglesa e a francesa - Marx opõe a esses grandes

acontecimentos da história européia o paupérrimo resultado da Revolução

Alemã. O arquétipo da Revolução de 1789 foi a Revolução de 1648, que se

insjíirou. por sua vez. na emancipação dos Países Baixos (1566 a 1609)

contra a Espaiilia absolutista. Em ambas as insurreições, aduz Marx:

" ... a burguesia era a classe que realmente se achava


na direção do mo\imento. Nas cidades, o proletariado e
as outras categorias sociais não pertenciam à burguesda,
ou não tinham interesses diferentes dela. ou ainda não
constituiam classes ou facções de classe com uma
evolução independente. Em conseqüência mesmo onde
se opunham à burgueáa - como na França de 1793 a
1794 - ela? só lutavam pelo triunfo dos interesses da
burguesia embora não ao modo dela, Todo o terror na
França nada foi senão um método plebeu de acabar com

'^«Marx, K. La bourgeoise et Ia contra-révolution. In; ..Engels, F. La nouvelle


^üZétte rhénojie. Traduction par Lucienne Netter. Paris: Editions Sociales, 1969. v.2, p.
226.
116

OS iiiiniigos da burguesia; o absolutisnio, o feudalismo e


o espírito pequeno-burguês.

As revoluções de 1648 e 1789 não foraiií - como assinalamos -

exclusivamente a vitória de um determinado grupo social sobre a obsoleta

ordem política; forain, na verdade, a proclamação de uma ordem política

para a nova sociedade européia. Marx defende que elas marcaram o triunfo

da burguesia, a gjória dc uma nova ordem social, o êxito da propriedade

burguesa sobre a fundiária, do intemacionalismo sobre o provincialismo. da

concorrência sobre o corjjorativismo. do esclarecimento sobre a

superstição, do Direito burguês sobre os privilégios medievais, do Estado

representativo sobre o Estado absolutista. Entretanto, não houve nada disso

na revolução prussiana de março. Bem longe de ser a instauração de uma

nova época social, de um novo Estado, ela era apenas o retardado eco,

tênue, de uma emancipação européia nuni país atrasado. Isso se justifica

consoante Marx. porque a burguesia prussiana não era. tal como burguesia

francesa de 1789, a camada social que representava toda a sociedade

hodiema frente aos representantes da velha sociedade: a monarquia e a

nobreza. Em conseqüência a sublevação prussiana já pertencia à obsoleta

sociedade, representando não os interesses de uma sociabilidade nova

contra uma sociedade arcaica mas apenas interesses renovados no interior

de uma comunidade envelhecida.

Após traçfu" um balanço, como temos visto, do movimento

emancipatório ocorrido na Alemanha Marx indica na famosa Mensagem

do Comitê Central à Liga dos Comimistas, redigida em março de 1850, as

''5ibid,p. 229.
117

luilia'^ gerais que deverão ser seguido?, no futuro imediato, pelo conjunto

dos trabaUiadores, precisamente as que consistem em:

" ... tornar a revolução pcmimente. alé que seja


eliminada a dominação da^ classes mais ou menos
possuidoras; até que o trabalhador conquiste o poder do
Estado; até que a associação dos traballiadores se
desenvolva, não só num pais. mas ainda em todos os
paises dominantes do mundo, em proporções tai^ que
cesse a competição entre os trabaIliadore> desses pcU>es.
e até que, pelo menos, as forças produtiva^ decisivas
estejam concentiadas nas mãos do trabalhador. Para nós.
não se trata de reformar a propriedade privada mas de
aboli-la; não se trata de atenuar os antagonismos de
classes, mas de extingui-los, não se trata de melhorar a
sociedade existente, mas de estabelecer uma nova.

Essa análise do processo emancipatório, que aparece evocada tanto

em A Burguesia e a Conira Revolução quanto em Mensagem à Liga dos

Comwiistas, é retomada por Marx em As Lutas de Classes na França

(1850). Nesta última obra Marx assevera que, na revolução francesa de

fevereiro de 1848, os traballiadores franceses levaram - frente aos grupos

burgueses que protagonizavam a luta contra o governo Guizort e que

pretendiam apena^ ampliar o circulo de seus pri\ilégios políticos - as coisas

muito além; proclamaram a "república democrática e social", o sufrágio

universal, o direito ao trabalho, etc. Contudo, Marx esclarece que foi uma

grande üusão desses trabalhadores o fato de quererem realizar o reino da

liberdade a partir da instauração da sobredita república, sem abaterem

''^laix K. Eiigels F. Meíisagem dei comitê central a li^a do& comuiiistai. Iii;
.,Ejij2els, F. Obras escogidas. Moscú; Editorial Progreso, 1974. v.l. p. 183.
118

dermitivainentc a doniinoção do poder do capital sobrc o trabalho, a

apropriação privada dos meios de produção, ou seja, sem abolir o Estado

politico moderno. Na verdade, a luta ocorrida na França, entre 1848 e 1850.

rompeu efetivamente com essas quimeras e aclamou expressadamente a

república burguesa como tal e nada mais. Portanto. Marx demonstra que,

conquanto deva participar ativamente de qualquer moMmento

emancipotorio, o trabalhador não deve se satisfazer com a^^ conquistas

unediatas no âmbito da sociabihdade do capital; devendo, por isso.

impulsionar o movimento até que logre a supressão dos grupos sociais

antagônicos e, desse modo, da necessidade do Estado enquanto poder

político organizado por uma dada camada social em detrimento dos

mdividuos e do conjunto da sociedade.

Enfim, para concluir nosso trabalho, podemos afinnar que. nesse

período (1848-1850), Marx perde, como pudemos constatar, sua crença na

acepção do Estado como ex'pressao do racional e como comunidade

esi^iritual na qual se ftjnda a liberdade humana e começa a inverter os

tennos: o Estado surge agora como manifestações do irracional, dos

interesses unilaterais e egoístas da sociedade. Se quiséssemos encenar -

numa elaboração concisa, entre tantas possíveis - a posição de Marx da

natureza do Estado, diríamos que: a essência do Estado político modenio é

o artiíicio. injusto e violento, sobrepondo à aspiração humana pela autêntica

liberdade. Passim sendo, para que suija uma nova forma de sociabüidade

hiunana tem o Estado - alicerçado na exploração econômica que suga o

vitalidade da sociedade civil - de ser progressivamente suprimido. Não

basta, por isso. que ele mude de mãos, com o seu "aparelho centralizado", a
119

íutocar "o cor]:»o vivo" da sociedade civil, como unia "serpente

e?traiiguladora". Portanto, ao contrário do que antes tizerain caniada=:

sociais hegemônica^, não pode o trabalhador contentar-se em tomar o

aparelho do Estado existente e pô-lo a seu serviço; deve, isto smi. quebrá-lo

e instaurar, por consegumte, a verdadeira comunidade humana Esta

conquista deve ser gradual, e as medidas a adotar devem ser distintas, de

acordo com a- detenninações de cada organização social


120

- Conclusão

É licilo concluir que lenlainos. no decorrer deste trabalho. ex]"tlicitar.

a partir de planos e esboços epigraináticos. a problemática do Estado no

pensamento de Karl Marx, de 1842 a 1850. A princípio, constatamos que os

primeiros estudos do jovem Marx concentram-se na investigação acerca do

Estado político hodiemo. Marx comunga, inicialmente, com a propositura

de Hegel. segundo a qual o Estado é a esfera da unj\ ersalizaçao contraposta,

portanto, à sociedade civil, que é o âmbito dos interesse autônomos e

particulares. Todavia, ao contrário de Hegel, Marx evidencia a determinação

puramente fonnal dessa universalização, pois, se o Estado surge como o

reino universal, em antítese à esfera da sociedade civil, isso significa que o

indivíduo da sociabüidade capitalista encontra-se mutüado em sua própria

vida real. Por um lado. ele surge como bourgeois - indi\iduo concreto,

cujo único escopo é o interesse particular; por outro, aparece como ciloyen

- indivíduo abstrato, personagem alegórico da comunidade política, que

participa de forma üusória do Estado.

Marx patenteia, pois, que a dicotomia acima citada impede que o

Estado possa representar, efetivamente, uma vontade universal. Se o

indivíduo que vive no mundo concreto (o bourgeois) conhece tão-somente

interesses privados e unilaterais, então a aparência do Estado como

representante do interesse geral não passa de um invólucro a ocultar a

dominação de uma casta burocrática, que advoga apenas seus interesses

específicos. Marx critica, assim, a teoria hegeliana da burocracia, como

tenno médio capaz de dissolver a antítese entre a esfera do universal (o


121

E:=:ladoi c a esfera do particular i-ocicdadc cnol): o citoyen - frisa Morx -

nno pa'^sara de uma abítraçao. enquanto não forem suplanladoí; oí;

interesses particulares do hourgenis. Objetando a esfera alienada da política.

Marx constata que o Estado tem sua gênese na^ relações sociais concretas, e

não pode ser depreendido como uma esfera enquanto tal.

Conseqüentemente, a partir de 1844, surge o principio fundante da teoria

marxiana áo Estado^ a saber: o Estado e uma exjiressao, uma irradiação,

das relações de produção; ou, meUior dizendo, a família, a moral, a ciência

o Direito, o Estado, etc., não são mais que modos particulares da produção

social.

Quando descobre a importância ontológico-social da economia

política, Marx procura analisar os "fundamentos materiais" da divisão da

sociedade civil em intereses particulares e concomitantemente antagônicos.

Precisamente nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1S44. Marx

consigna que a constituição da esfera da sociedade civil, enquanto âmbito

particular, resulta da cisão da sociedade em grupos sociais opostos; em

proprietários dos meios de produção e traballiadores que possuem apenas

sua força de traballio. O Estado deLxa, então, de lhe aparecer como meio do

suposto interesse uiwersal. passando a ser vÍ5to como um organismo cuja

função precípua é garantir a propriedade privada. Esta e os interesses

particulares são a essência, o conteúdo, da força determinante do Estado. Já

não resta a esperança de que o Estado possa elevar-se sobre tais interesses,

para ditar a lei conforme as exigências do racional e do bem comum. O

Estado é. na verdade, prisioneiro dos interesses sórdidos e inumanos que


122

corrompem a natureza do homem e seu respectivo sistema de orgamzaçao

social.

O Estado assegura e reproduz a divisão da sociedade em classes e>

desse modo. conserva o sobrepujanço dos proprietários dos meios de

produção sobre o? não-proprietários. Em síntese, o Estado é um Estado de

classe, uma entidade particular que. em nome de um suposto interesse geral,

consigjia apenas os interesse? comuns de um dado grupo social particular.

.Ajiáloga posição surge claramente fonnulada em 1845-1846, em A

Ideologia Alemã, na qual Marx assevera que, através da emancipação da

propriedade privada em relação à comunidade, o Estado adquire uma

e.xÍ5tência particular ao lado e fora da sociedade civil: mas esse Estado não é

mais do que o arquétipo de organização que o grupo social hegemônico

adota tanto no interior quando no e.xterior, para assegurar reciprocamente

suas propriedades e seus interesses. Marx não só mostra a "natureza

particular" do Estado, senão também indica como a defesa dos intereses

unilaterais se processa através dele. que assume o monopólio de

representação de tudo o que é uni\Trsal. numa sociabilidade assentada na

cisão de interesses opostos.

Em O Mariifesío Comunista, essa concepção do Estado será

articulada com a teoria da emancipação humano-social. Após exj^licitar a

eênese da formação econômico-social capitalista, no que tange à

simplificação dos antagonismos sociais, Marx frisa que o Estado hodiemo

não é senão um organismo político que adniuiistra os interesses comuns de

todo o grupo social hegemônico, ou seja, um poder organizado por uma

camada social para a exploração de outra. O Estado não é, pois, uma


123

instituição um%xr5al e neccssóna à natureza humaiia. ma? uma exigência da

natureza alienada, quer dizer, cindida em partes antagônica?. Por isso, o

nascimento de uma sociabilidade plenamente humana não pode ter lugar

enquanto não for suprimido o Estado político moderno.

Marx trata precisamente dessa questão, tanto nos Anais Franco-

Alemãis quanto nas obras redigidas no período de 1844 a 1850. Segundo

ele. o surgimento do Estado modenio, tiindado pela emancipação pobuca.

não transmuda a realidade social na qual o indi\dduo vive ordinariamenie.

A emancipação política se reduz exclusivamente ao âmbito do Estado,

comunidade fictícia na qual se pretende realizar a solução dos males sociais,

recorrendo a uma igualdade imaginária. Por isso, essa emancipação,

conquanto seja um colossal progresso em relação ao Estado antigo -

circunscrito nos critérios de discriminação política como, por exemplo, os

critérios de nascimento, religião, riqueza propriedade, profissão, etc., - não

é, contudo, o iélos último da emancipação humana, porquanto a

sociabilidade capitalista pemianece, e é aqui que o indivíduo vive de forma

inmnana. Portanto, o projeto teórico-filosófico de Marx é, para finalizar, a

efetivação de uma emancipação universal como condição prévia e

necessária para lograr a superação gradual do Estado político e, assini a

realização de uma comunidade plenamente humana constituída de

indivíduos potenciahnente livres.


124

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