Política Pra Que

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“Política pra quê?”: Entre aulas de Sociologia, espaços escolares e


vozes juvenis

Raquel de Abreu
Bacharel e licenciada em Ciências Sociais; Mestre em Educação, História e Política; Doutora em Sociologia e
História da Educação. Professora de Sociologia e Sociologia da Educação do Instituto Estadual de Educação;
SED; Florianópolis, SC. E-mail: [email protected]

“Que entendemos por política? É extraordinariamente amplo o


conceito e abrange toda espécie de atividade diretiva autônoma”
(Max Weber in Ciência e Política: Duas vocações, 2001, p.59).
“De Benjamin Constant Botelho de Magalhães, honrado por muitos
com o título de Fundador de nossa República, sabe-se que nunca
votou, senão no último ano da Monarquia” (Sérgio Buarque de
Holanda in Raízes do Brasil, 1995, p.182).

No cerne dos debates do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino


Médio – PNEM - este pequeno artigo busca articular as argumentações e
propostas inscritas no Caderno 2 do Curso de Formação de Professores do
Ensino Médio, “O jovem como sujeito do Ensino Médio”, aos conteúdos e
práticas vivenciadas entre alunos e professora nas aulas de Sociologia do 3º ano
do Ensino Médio. Busco nas citações que abrem essas escritas, um norte para
esta breve analise entre a circularidade coerente que permeia a ideia da
emergência dos jovens como “agentes” de fato e de direito do Ensino Médio e
não como simples “sujeitos” de um processo educacional fragilizado numa nação
que se quer moderna e inserida entre as nações mais progressistas do mundo
ocidental e civilizado.

A Sociologia Política e seus diálogos (im)pertinentes

Aquela manhã de agosto de 2014, uma terça-feira de inverno no Brasil


meridional, parecia estar “na ordem das coisas” no Instituto Estadual de
Educação - estabelecimento escolar centenário, público, o maior da América
Latina, localizado no centro urbano da região insular da capital catarinense. As
aulas ocorrem, quase que invariavelmente, entre elementos conhecidos de
estudantes e professores desde o século XIX: paredes claras da sala de aula,
quadro negro com seu inseparável giz, carteiras e cadeiras escolares. Porém,
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naquela manhã receberíamos a visita da equipe de jornalistas da Revista Its1 e


tudo indicava que a aula de Sociologia seria “mais dinâmica” para turma 302,
cujo grupo juvenil – assim como toda a escola - caracteriza-se pela diversidade
étnica, econômica, social e cultural. São os tais traços que marcam o
caldeamento brasílico analisados pelo mestre da Antropologia brasileira, Darcy
Ribeiro.

Nas semanas anteriores nossas aulas de Sociologia foram permeadas por


leituras e diálogos em torno de textos sobre Cultura Brasileira, Democracia e
Política. Entre os autores, cientistas sociais, os estudantes do 3º ano do Ensino
Médio foram apresentados a Roberto DaMatta, intelectual brasileiro que analisa
a questão da identidade nacional de forma complexa e minuciosa, sob a ótica do
caráter nacional multifacetado, cujas maneiras de ser, sentir, pensar e agir
podem ser resumidas como “o dilema brasileiro”. Para DaMatta, o Brasil que
percebemos pode ser encontrado em toda parte:

Nas leis e nas nobres artes da política e da economia, das quais temos
que falar sempre num idioma oficial e dobrando a língua; mas também
na comida que comemos, na roupa que vestimos, na casa onde
moramos e na mulher que amamos e adoramos. Para essa
perspectiva, o Brasil deve ser procurado nos rituais nobres dos
palácios de justiça, dos fóruns, das câmaras e das pretorias [...].
(DAMATTA, 2000, p.13).

Sob esse aspecto, ao lecionar para turmas regulares do Ensino Médio


público catarinense, eu acrescentaria às escritas de DaMatta mais uma
instituição reconhecida por toda a sociedade e onde o Brasil pode ser procurado
e encontrado: a Escola. É na escola que crianças e jovens podem perceber
nossas normas, regras e leis. É ali que se aprende a escrever nosso idioma de
maneira formal e onde observamos práticas das nobres artes das políticas e
negociações numa esfera minimizada, porém tão importante quanto às esferas
dos palácios, câmaras e pretorias.
O sociólogo italiano Norberto Bobbio também foi apresentado aos
estudantes. Do cientista, um texto foi objeto de discussão e exercício em sala de
aula, O cidadão não-educado, título provocativo, rico para os debates políticos
que permeavam aqueles dias pré-eleitorais. Nas escritas, Bobbio aponta que

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A Revista Its é uma publicação (on line e impressa) mensal do Grupo RIC-Record, que busca divulgar as
experiências e atividades da Educação Básica, mais especificamente do Ensino Médio nos
estabelecimentos de ensino de Santa Catarina.
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numa democracia a participação do cidadão é de real valor pedagógico. Assim,


só aprendemos a viver numa democracia participando de todas as modalidades
possíveis que o processo democrático nos oferece. Para Bobbio, a democracia
se funda num complexo de regras e normas. Pela impossibilidade de instauração
de democracias diretas nas sociedades contemporâneas, que são complexas e
diversificadas, resta-nos então os processos da representatividade como forma
de governo mais próxima da justiça social.
Se o direito ao voto é uma conquista legítima e a democracia brasileira
dos nossos dias resultou de um longo processo de lutas e com perdas
irreparáveis, por que nossos jovens demonstram tanta apatia diante de um
processo eleitoral? Naqueles dias de agosto as emissoras de rádio e televisão
já exibiam há um mês, em suas pautas de programação, a propaganda eleitoral
obrigatória. Tudo indicava que o ritual das eleições para presidente, governador,
senador e deputados não entusiasmava meus jovens alunos, como também a
juventude brasileira de forma geral. Diria mais: ao que parece, o processo
eleitoral, nos últimos anos, não entusiasma a juventude de outras nações, quer
periféricas ou hegemônicas. É difícil, para um adulto brasileiro, no meu caso
também uma professora de Sociologia, que viveu sua infância e adolescência
sob a égide de uma ditadura, compreender as razões dessa falta de entusiasmo
em relação ao ritual democrático que culminaria com as eleições de outubro,
portanto dali a dois meses. Para elucidar essa e outras questões relacionadas
ao que pensa a juventude em relação à política, democracia e eleições, nada
melhor que ouvir a própria juventude sobre seus olhares, perspectivas e
opiniões.

Lugares, espaços e vozes juvenis

Para ouvir os jovens precisaríamos de um espaço especial, já que


discutiríamos, especialmente, a política e numa nação democrática,
precisávamos de um “espaço aberto” não limitado pelas quatro paredes da sala
de aula de quase todos os dias. Que tal uma ágora pós moderna? Haveria na
escola um espaço diferente, quem sabe um pátio silencioso e arborizado num
lugar com mais de 3 mil alunos, uma centena de professores e outra de
servidores, que transitam no IEE no turno matutino? A partir da indagação que
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aproxima palavras supostamente sinônimas, “lugar” e “espaço”, busquei a


reflexão de Antonio Viñao Frago uma possível resposta:

Qualquer atividade humana precisa de um espaço e de um tempo


determinados. Assim acontece com o ensinar e o aprender, com a
educação. Resulta disso que a educação possui uma dimensão
espacial e que, também, o espaço seja, junto com o tempo, um
elemento básico, constitutivo, da atividade educativa. A ocupação do
espaço, sua utilização, supõe sua constituição como lugar. O “salto
qualitativo” que leva do espaço ao lugar é, pois, uma construção. O
espaço se projeta ou se imagina; o lugar se constrói (VIÑAO FRAGO,
1998, p.61).

Ocupamos, então, a “Praça dos Namorados”, um lugar da escola ao ar


livre, silencioso à sombra de uma árvore. Dessa forma, com os alunos e
professora dispostos num grande círculo, a intencionalidade foi voltada à
circularidade das ideias. Num salto qualitativo, transformamos um espaço de
lazer e de diálogos privados, num lugar do ensinar e aprender e das vozes
públicas. Um exercício das nobres artes da política.

Figura 1. Turma 302 do Instituto Estadual de Educação, 2014.

A aula partiu das leituras e conceitos conhecidos anteriormente e


começamos a ouvir as “vozes juvenis”, suas inquietações e possíveis
(des)motivações em relação ao pleito eleitoral que se aproximava. O “voto
obrigatório”, “direitos e deveres” e “autoritarismo” numa democracia passaram a
ser questões iniciais e logo os alunos passaram a se posicionar. Aqui, darei
destaque às colocações de três alunos da turma 302: Larissa Miranda, Ícaro
Vinícius de Maria e Vanessa Yumi. São vozes chamaram minha atenção e foram
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destacadas na reportagem da equipe de jornalistas e fotógrafos que nos


acompanhava naquela aula.

Figura 2. Larissa Miranda. Figura 3. Ícaro de Maria e Bárbara.

Larissa, uma das alunas mais participantes do debate, desde as primeiras


aulas de Sociologia demonstrava muito interesse pelos conteúdos
programáticos. Naquela aula de agosto não foi diferente: se posicionou
ativamente, sempre interferindo e pedindo a palavra sobre os diversos itens da
discussão. Uma de suas colocações está relacionada à escolha da profissão e
projetos acadêmicos: “Adoro essas aulas, vou fazer Ciências Sociais, isso faz
parte de mim.”

Já Ícaro de Maria, aluno notadamente reservado no espaço da sala de


aula, passou a se posicionar quando o tema levantado foi a falta de líderes
nacionais que os jovens pudessem perceber como paradigma para suas vidas.
Ícaro citou a história do Ministro do Superior Tribunal Federal, o juiz Joaquim
Barbosa, que mesmo diante da adversidade social e histórica em que se insere
a população negra brasileira, alcançou o mais alto posto da justiça do país.
Palavras de Icaro: “Admiro a história dele, era estudante de escola pública, de
origem humilde. Isto serve de exemplo pra mim, tanto nos estudos, como na
vida”.
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Figura 4. Vanessa Yumi, Jakeliny Barbosa e Gabriela Rosa.

A aluna Vanessa Yumi é filha de brasileiros nisseis e nascida no Japão.


Ela chamou a atenção para o papel da grande mídia, que contribui para o
desinteresse dos jovens em relação à política, já que os destaques nos
noticiários destacam cotidianamente as práticas de corrupção da classe política,
como se essa fosse a “regra” entre os políticos fazendo com que a população,
de forma geral, considere a atividade política como “desleal ou desprezível”.
Vanessa, revelando sua socialização primária e seus valores culturais,
acrescenta: “Muitas vezes apenas repetimos o pensamento de nossos pais.”
Outros alunos apontaram para a necessidade de mais informações sobre
o tema Política e Democracia e mais aulas sobre o assunto nas escolas em todos
os anos da vida escolar, pois é direito do estudante, criança ou adolescente,
conhecer conceitos e perspectivas teóricas sobre o tema para poder elaborar
suas próprias reflexões. Isso vem ao encontro do que preconiza o Caderno 2-O
jovem como sujeito do Ensino Médio, p. 19:
Uma das mais importantes tarefas das instituições educativas hoje está
em contribuir para que os jovens possam realizar escolhas conscientes
sobre suas trajetórias pessoais e constituir os seus próprios acervos
de valores e conhecimentos não mais impostos como herança
familiares ou institucionais.
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Numa aula interessante e produtiva, que aproximou alunos e professora,


ficou a indicação de que, quando a escola proporciona condições, como as de
tempo, lugar e espaço, toda aula pode tornar-se interessante, produtiva e
despertar interesses diversos entre os estudantes. Interesses que, na maior
parte das vezes, não são evidenciados no espaço tradicional de aprendizagem,
que é a sala de aula. Dessa forma, na tentativa de, quem sabe, começar a
responder a questão inicial “Política pra que?”, na experiência aqui relatada,
deveria ficar evidenciada a reflexão:

Em um espaço dominado pela necessidade de ordem implacável e


pelo ponto de vista fixo, ou em um espaço que, tendo em conta o
aleatório e o ponto de vista fixo, ou em um espaço que, tendo em conta
o aleatório e o ponto de vista móvel, seja antes possibilidade que limite
(VINÃO FRAGO, 1998, p.139).

Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do Ensino Médio,


etapa I – Caderno II: O jovem como sujeito do Ensino Médio / Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica; [organizadores: Paulo Carrano, Juarez
Dayrell]. – Curitiba: UFPR/Setor de Educação, 2013.
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco Editora, 2000.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Cia. das Letras,
1995.
REVISTA ITS. Grupo RIC. Florianópolis, SC. Edição 112, set. 2014. P.22-23.
VINÃO FRAGO, Antonio. ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e subjetividade: a
arquitetura como programa. [Trad. Alfredo Veiga-Neto]. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. [Trad. Jean Melville]. São Paulo: Ed.
Martin Claret, 2001. (Coleção a obra prima de cada autor).

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