Rev-Dir-e-Liberd - V 19 - N 01 11+++++++++++++++++++
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RESUMO: O presente artigo pretende analisar a teoria de interpretação proposta por Ronald
Dworkin, em especial, o dever que os juízes têm de observar a coerência e integridade ao inter-
pretar as disposições abstratas do texto constitucional, com a finalidade de verificar o papel
que o Poder Judiciário poderia de forma legítima exercer em um regime democrático. Para
tanto, inicialmente será abordado o direito como integridade e a metáfora do romance em
cadeia. Posteriormente, o artigo enfatiza como os juízes interpretam as disposições abstratas
da Constituição, a denominada leitura moral da Constituição. Por fim, inserido no âmbito
da democracia constitucional proposta pelo autor, será analisada a atuação do Poder Judiciário
tendo como parâmetro o direito como integridade. O método utilizado para a realização da
pesquisa foi o dedutivo, por meio de revisão bibliográfica das obras do referido autor, bem
como a leitura de trabalhos elaborados por críticos da teoria de Dworkin.
Palavras-chave: Integridade. Coerência. Democracia constitucional. Poder Judiciário.
ABSTRACT: The present essay intends to analyze the theory of interpretation proposed by
Ronald Dworkin. In particular, the duty judges have to observe the coherence and integrity
in interpreting the abstract provisions of the constitutional text, in order to verify the role
that the Judiciary could legitimately exercise in a democratic regime. To do so, we will initial-
ly address the law as integrity and the metaphor of the novel chain. Subsequently, the paper
emphasizes how judges interpret the abstract provisions of the Constitution, the so-called
* Pós-doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor e Mestre em Direito
pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Direito Ambiental da Graduação e da Pós-
graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Presidente da International
Association for Courts Administration (IACA). Doutor Honoris Causa em Humanidades,
outorgado pela Universidad Paulo Freire, Manágua, Nicarágua. Desembargador Federal apo-
sentado. Londrina – Paraná – Brasil.
** Doutoranda em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Mestre
em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Direito Ambiental
pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Professora de Graduação e Pós-graduação
da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Londrina – Paraná – Brasil.
moral reading of the Constitution. Finally, inserted within the scope of the constitutional
democracy proposed by the author, it will be analyzed the performance of the Judiciary hav-
ing as a parameter the right as integrity. The method used to carry out the research was the
deductive one, through a bibliographical revision of the works of the aforementioned author,
as well as the reading of works elaborated by critics of the theory of Dworkin.
Keywords: Integrity. Coherence. Constitutional democracy. Judiciary.
1 INTRODUÇÃO
normativos e práticas sociais, uma vez que a descrição não seria suficiente para
tal finalidade (DWORKIN, 2008).
O direito como uma prática argumentativa pode ser analisado sob o pon-
to de vista externo, ou seja, do sociólogo, ou do ponto de vista interno daqueles
que fazem as reivindicações. Dworkin opta pela análise do direito do ponto de
vista do juiz (interno) por dois motivos: (i) o argumento jurídico dos processos
judiciais é o ponto de partida para analisar a prática jurídica. (ii) os argumen-
tos jurídicos dos juízes influenciam “outras formas de discurso legal que não é
totalmente recíproca” (MACEDO JÚNIOR, 2013).
Segundo Dworkin (2005a), “uma teoria da intepretação é uma interpre-
tação da prática dominante de usar conceitos interpretativos”, do que se infere
que o conceito de interpretação também é interpretativo.
A interpretação no direito se assemelha à interpretação artística que é uma
interpretação criativa pelo fato de partirem de algo criada pelas pessoas como
uma entidade distinta. Para o autor, “a interpretação construtiva é uma ques-
tão de impor um propósito a um objeto ou prática, a fim de torná-lo o melhor
exemplo possível da forma ou do gênero aos quais se imagina que pertençam”
(DWORKIN, 2005a).
Dito de outra forma, a interpretação criativa é construtiva porque se
preocupa com o propósito do intérprete, ou seja, exige uma interação entre o
propósito e o objeto. Em linhas gerais, esta interpretação é constituída de três
etapas: a pré-interpretativa, a interpretativa e a pós-interpretativa.
Na primeira etapa da interpretação identificam-se as regras e padrões que
podem revelar o conteúdo da prática, o que requer um grau de consenso para
que haja algum grau de interpretação. Já na segunda etapa, o intérprete deve
apresentar a justificativa de valores e objetivos para os elementos da prática que
foram identificados na etapa anterior.
Para Dworkin (2005, p. 81) “a justificativa não precisa ajustar-se a todos
os aspectos ou características da prática estabelecida, mas deve ajustar-se o sufi-
ciente para que o intérprete possa ver-se como alguém que interpreta essa prá-
tica, não como alguém que inventa uma nova prática”.
A última etapa, denominada de pós-interpretativa, consiste no ajuste entre
a ideia do intérprete àquilo que a prática requer para melhor servir à justificativa
para o texto legal ou, um propósito. O juiz não está livre para criar o direito
porque ele se utiliza dos princípios políticos constitutivos daquela comunidade
(KOZICKI, 2000, p.188-190).
Segundo Gunther (2004, p. 410), a busca pelas normas implícitas não
ocorre de forma arbitrária. Dworkin reafirma que os juízes não criem direitos
novos, mas descubram os direitos que sempre existiram. Esta argumentação traz
a ideia de que os direitos são de natureza moral, portanto, não são derivados de
uma atividade legiferante, mas sim do igual tratamento dos cidadãos, funda-
mento da comunidade.
É neste contexto que o conceito de integridade se apresenta como uma
alternativa para a construção da melhor interpretação da estrutura política e
jurídica da comunidade. Dito de outra forma, o direito como integridade é
uma concepção interpretativa do direito que se diferencia das concepções do
convencionalismo e do pragmatismo por basear-se no princípio da integridade,
ao lado da equidade, justiça e devido processo legal adjetivo.
1 Os argumentos de política são aqueles que traçam um programa, um objetivo voltado para
a coletividade.
melhor versão deste regime político, a questão que emerge é o objetivo fun-
damental de uma democracia, em cujo cerne está a pergunta formulada por
Dworkin, qual seja, a premissa majoritária deve ser aceita ou rejeitada?
A premissa majoritária, base da democracia representativa, é traduzida
na ideia de que as decisões importantes seja aquela tomada pela maioria dos
cidadãos, após terem tido tempo e informação para refleti-las. Esta se insere na
denominada democracia procedimental caracterizada pela ênfase aos procedi-
mentos democráticos, ou seja, privilegiam os direitos que garantem a partici-
pação política e o processo deliberativo, independentemente do resultado a ser
alcançado (DWORKIN, 1997).
Embora a premissa majoritária não exclua a necessidade de instrumen-
tos contra majoritários em um regime democrático, assim como não negue a
necessidade de que os direitos individuais sejam respeitados, entende que quan-
do a maioria não puder fazer o que quiser isso será sempre injusto, de tal modo
que a injustiça permanece mesmo quando existem razões que a justifiquem
(DWORKIN, 2006, p. 25).
A ideia de que as decisões coletivas são tomadas de forma racional e
informada pela maioria dos cidadãos não pode ser vista como uma definição de
democracia, uma vez que o objetivo que a definiria está na expectativa de que as
“decisões coletivas sejam tomadas por instituições políticas cuja estrutura, com-
posição e modo de operação dediquem a todos os membros da comunidade a
mesma consideração e o mesmo respeito” (DWORKIN, 2006, p. 26).
Dessa forma, Dworkin apresenta sua concepção constitucional de demo-
cracia, inserida no âmbito da democracia substancial, entendida como aquela
que enfatiza o resultado, ou seja, busca garantir a igualdade política e jurídica.
Para tanto, as decisões democráticas tomadas pelas instituições devem garan-
tir aos membros da comunidade igual respeito e consideração (DWORKIN,
2006, p. 26).
Sustenta o autor que a democracia é um governo que está sujeito às con-
dições democráticas de igualdade de status para todos os cidadãos, assim, quando
as instituições majoritárias respeitam essas condições, a decisão tomada por elas
devem ser aceitas por todos (DAHAL, 2001).
tenham sido eleitos de forma majoritária, então, a decisão tomada deve ser aceita
por todos os membros da comunidade.
Esta ideia de argumentação jurídica alia-se a uma teoria da justiça segun-
do a qual os juízes, aqueles que conduzem o processo democrático e a socieda-
de têm o dever de tratar todos os membros da comunidade com igual respeito
e consideração.
A democracia não se limita às decisões tomadas nas instâncias de deli-
beração majoritária. Isto significa dizer que a concepção de democracia defen-
dida por Dworkin não exclui a possibilidade de utilização de procedimentos
não majoritários naquelas situações em que a igualdade possa ser promovida
(DWORKIN, 2005b). Dessa forma, no próximo item será estudado o papel
que o poder judiciário desempenha como guardião dos direitos morais, a partir
da ideia de integridade e coerência proposta por Dworkin.
o dever de descobrir “quais são os direitos das partes, e não de inventar novos
direitos” (POLI, 2012).
O fato de Dworkin buscar a reaproximação entre o direito e moral a
partir da valorização dos princípios não o caracteriza como jusnaturalista, uma
vez que “os princípios jurídicos apoiam-se na moralidade de uma determinada
comunidade política e surgem e transformam-se no processo histórico” (NEVES,
2008, p. 96).
Como dito anteriormente, a concepção centrada no texto da lei admi-
te em algumas situações a criação judicial de novos direitos. O modelo que é
desenvolvido por Dworkin não aconselha uma divisão estanque de tarefas entre
órgãos políticos e jurídicos. Além disso, afirma que os juízes precisam enfrentar
ao menos um tipo de questão política.
A possibilidade das decisões políticas serem construídas a partir de argu-
mentos morais (princípios) encontra contraponto no critério da legitimidade,
expressa na ideia de que “as decisões políticas devem ser tomadas por funcioná-
rios eleitos pela comunidade como um todo, que possam ser substituídos perio-
dicamente da mesma maneira” (DWORKIN, 2010, p. 122).
Este argumento democrático é rejeitado por Dworkin porque o debate
sobre as decisões políticas no âmbito do Poder Judiciário deixa de considerar a
distinção entre princípio e política2, da qual derivam dois tipos de argumentos
que podem embasar as decisões políticas.Sustenta, ainda, que a democracia do
ponto de vista procedimental é incompleta porque ela não poderia “prescrever
os processos pelos quais se poderia saber se as condições que ela exige para os
processos que de fato prescrever estão sendo atendidas” (DWORKIN, 2005b,
p. 52). Então, um regime verdadeiramente democrático é aquele que combina
dois elementos, forma e conteúdo, ou seja, exige o atendimento das condições
democráticas pela comunidade política.
Dessa forma, os argumentos de política justificariam uma decisão política
pelo fato de estabelecerem um objetivo coletivo de uma determina comunidade.
2 Dworkin chama de princípio aquele standard que deve ser observado em função de uma exi-
gência de justiça, ou equidade, ou alguma outra dimensão de moralidade. Por diretriz polí-
tica, o autor se refere àquele tipo de standard que consiste no estabelecimento de um obje-
tivo a ser alcançado. (DWORKIN, 2002).
Os argumentos de princípios, por sua vez, justificam uma decisão política quan-
do demonstram que respeitam direito individual ou coletivo da comunidade.
Neste contexto, as decisões políticas legislativas, diz Dworkin, “devem ser
operadas através de algum processo político criado para oferecer uma expres-
são exata dos diferentes interesses que devem ser levados em consideração”
(DWORKIN, 2005b, p. 47).
O autor defende que as questões sensíveis à escolha, definida como aquela
cuja solução depende da distribuição de preferências dentro de uma determinada
comunidade, como por exemplo, a definição de um investimento na construção
de um hospital não pode sofrer interferência do Poder Judiciário.
Dito de outra forma, este não pode derrubar a decisão política porque
ela é fruto da distribuição de preferências de uma determinada comunidade.
A resposta correta para as questões de escolha sensíveis é aquela que a maioria
considerar (MACEDO JÚNIOR, 2013).
As questões que são insensíveis à escolha, como por exemplo, a descrimina-
lização do aborto, a resposta correta não depende da distribuição de preferências
dentro da comunidade. Nesta situação, diz Dworkin, o aspecto quantitativo do
processo cede espaço à qualidade das decisões políticas.
Dworkin utiliza esta distinção para afastar parcialmente uma conhecida
questão de epistemologia: que a maioria tem maior probabilidade de estar certa.
No que toca a decisões políticas fundadas em preferências sensíveis, o argumento
é correto. “Quando se trata de preferências insensíveis, não há razões suficientes
para defender que maioria necessariamente decide” (MENDES, 2008, p. 65).
Para entender o papel do Poder Judiciário numa democracia constitucio-
nal, o autor pede que imaginemos a seguinte situação: (i) o legislativo aprova
uma lei que considera crime a queima da bandeira em sinal de protesto; (ii) é
arguida a inconstitucionalidade da lei na suprema Corte sob o argumento de
que o direito à manifestação foi restringido; (iii) o tribunal aceita a acusação e
diz que a lei é inconstitucional (DWORKIN, 2010).
A pergunta que decorre deste exemplo é: esta decisão da Corte seria legí-
tima? Para os defensores da premissa majoritária não, porque a lei foi criada por
um órgão coletivo democraticamente eleito. Diversamente, se a lei contrariar as
condições democráticas previstas na Constituição, o fato dela ter sido declarada
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Correspondência | Correspondence:
Recebido: 31/08/2016.
Aprovado: 07/03/2017.
Nota referencial: