Dissertação Completa 24 07

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MARCIANA SANTIAGO DE OLIVEIRA

BOLETIM DAS MIGRAÇÕES VAI VEM: NARRATIVAS SOBRE


INCOMPLETUDES DA TRAVESSIA (1981-1997)

DOURADOS – 2015
MARCIANA SANTIAGO DE OLIVEIRA

BOLETIM DAS MIGRAÇÕES VAI VEM: NARRATIVAS SOBRE


INCOMPLETUDES DA TRAVESSIA (1981-1997)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em História da Faculdade de Ciências Humanas da
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) como
parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em
História.
Área de concentração: Movimentos sociais e instituições.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Alzira Salete Menegat.

DOURADOS – 2015
1
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

O48b Oliveira, Marciana Santiago de.


Boletim das Migrações Vai Vem: narrativas sobre
incompletudes da travessia (1981-1997). / Marciana
Santiago de Oliveira. – Dourados, MS : UFGD, 2015.
104f.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Alzira Salete Menegat.


Dissertação (Mestrado em História – Área de
Concentração: Movimentos Sociais e Instituições) –
Universidade Federal da Grande Dourados.

1. Boletim das Migrações Vai Vem – Movimentos


migratórios – Relatos – (1981-1997). I. Título.

CDD – 301.326

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central – UFGD.

©Todos os direitos reservados. Permitido a publicação parcial desde que citada a fonte.

2
MARCIANA SANTIAGO DE OLIVEIRA

BOLETIM DAS MIGRAÇÕES VAI VEM: NARRATIVAS SOBRE


INCOMPLETUDES DA TRAVESSIA (1981-1997)

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH/UFGD

Aprovada em ______ de __________________ de _________.

BANCA EXAMINADORA:

Presidente e orientadora:

Alzira Salete Menegat (Dr.ª, UFGD) ________________________________________

2º Examinador:

João Carlos de Souza (Dr., UFGD)_________________________________________

3º Examinador:

Jones Dari Goettert (Dr., UFGD) __________________________________________

3
A quem me ensinou a persistir e a lutar pela
vida, meu pai Mário (in memoriam) e minha mãe
LUZia que sonhou os meus sonhos para que hoje ele
se tornasse realidade. Ao maior presente que tão
gentilmente a vida me deu, meu filho Mário
Augusto. E aos homens e às mulheres migrantes
com quem tive o privilégio de apreender pedaços de
revolução por meio de suas experiências de
migrações.

4
AGRADECIMENTO

Inicio o registro de minha gratidão agradecendo a Deus, que com seu imensurável
amor me amou primeiro – dos sonhos que plantou em meu coração e pelo fôlego de vida para
concretizá-los – e a minha família, pelo suporte afetivo, pelo incondicional apoio, pela
paciência e pela compreensão de muitas ausências. Gratidão aos meus irmãos: Maura e
Mauri; aos meus cunhados: Juninho e Nenzinha; à minha sobrinha, Vitória, ao meu tio, tão
querido: Valmir; ao meu filho, Mário Augusto (meu maior presente da vida); aos meus
sobrinhos: Rafael Mauri e Gabriel. E, principalmente, à minha mãe LUZia, meu maior
exemplo de mulher, de luta e de fé. A esta, as palavras tornam-se insignificantes para
expressar o infinito amor e o esforço para me ajudar a concretizar essa etapa de minha vida
acadêmica. Uma vida é pouca pra te agradecer! Te amo, mamãe!
Às minhas marianas: Mariana Quadros (pelo amor em cada “acorda Marci”, por
cada gol do timão, por cada focker, pelas risadas, pelas lágrimas enxugadas, pelas sementes de
girassol, pelo companheirismo, pelos bombons) e Mariana Esteves (pelo shop nas vésperas da
seleção do mestrado, pelas epopeias, por nossas histórias entrelaçadas por meio do IAJES,
pelo companheirismo nas lutas diárias, pelos conselhos, pelas prosas). Guardei para sempre
no melhor lugar que a alma pode desenhar cada momento que passamos juntas.
Meu agradecimento imensurável à minha amiga-irmã Zul, seu esposo Jaime e sua
simpática mãe Rosangela, pelo cuidado, pelo carinho dos cafés quentinhos, das cervejas
geladas, dos cachorros-quentes, das galinhadas, pela generosidade em cada estadia quando
precisei retornar a Dourados. Do mesmo modo e intensidade, à minha geografia preferida:
Djeovani e Krix (o meu Milton Santos). Krix, gratidão pela sua generosidade, pelo seu
cuidado comigo, pelo incentivo, por me fazer mais forte diante do cenário que nós negros
enfrentamos diariamente, pelos inúmeros colos nos caminhos in-certos. Gratidão por fazer os
meus dias mais felizes!
Aos amigos de república, meninos lindos: Anks, Oda, Diego, Gabiratti e Renato. Não
poderia me esquecer do olhar companheiro do Logan e do sapeca Mimo. Foram dias incríveis
que passamos juntos, durante o período que morei em Dourados/MS para cursar as disciplinas
do mestrado. Amo amar vocês!
À minha segunda família: todos os integrantes do Projeto Giva’s (Brasilândia/MS),
em especial, ao meu amigo-irmão Gautier. Sua amizade me torna uma pessoa melhor a cada
dia.
5
Aos meus amigos: Wesley, Didão, Eder, Fabrício e às minhas amigas Mariely,
Rafaely, Larissa, Sara e Joyci. Longe ou perto, com vocês tenho o privilégio de redescobrir os
sentidos do querer o bem, como diria o poeta, Vinicius de Moraes: “amigo: um ser que a vida
não explica. Que só se vai ao ver outro nascer. E o espelho de minha alma multiplica [...]”.
Aos professores, do período de graduação no Curso de História da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Rafael Athaides, Fortunato Pastore, Leandro
Barbosa, Ronaldo Amaral, Fernando Cândido, Lourival dos Santos, José Carlos Ziliani,
Sheyla Matoso, Norma Marinovich, Maria Lima. E, especialmente, à professora Maria Celma
e ao meu ex-tutor no Programa de Educação Tutorial (PET) e ex-orientador, Vitor Oliveira –
meu exemplo bom da universidade. Esta dissertação é fruto do trabalho engajado, cheio de
amor, realizado por vocês.
À minha orientadora no mestrado, a professora Alzira Salete Menegat, a quem tenho
admiração e carinho. Gratidão pela confiança, compreensão, autonomia, motivação e
ensinamentos. Por me mostrar o valor do silêncio, do ouvir e também o do questionar. Por
acreditar nos desdobramentos deste trabalho, em momentos em que nem eu acreditava.
Agradeço aos professores Losandro Antonio Tedeschi, Linderval Augusto Monteiro,
Fernando Perli e Paulo Roberto Cimó Queiroz (meu eterno mestre); e às professoras Graciela
Chamorro, Ana Maria Colling e Encarnacion Medina pela oportunidade de (re)construção de
conhecimentos durante as disciplinas cursadas no Programa de Pós-Graduação em História
(PPGH/UFGD).
Ao professor Protásio Paulo Langer que, no ano de 2013, ainda como coordenador
do PPGH, me recebeu com muita atenção e carinho. Estendo a minha gratidão aos secretários
dos Programas de Pós-Graduação da Faculdade de Ciência Humanas (FCH), pelo
profissionalismo, pela gentileza e paciência: Cleber, Walace, Pedro e Rosiane. E, ainda, aos
integrantes da Associação de Pós-Graduandos em História (APGH), ao Movimento Estudantil
da UFGD, ao Movimento Popular pelo passe livre de Dourados e a todos/as os/as alunos/as
dos programas de Pós-Graduação da FCH, que de forma direta ou indireta se fizeram amigos
e companheiros em meio aos entusiasmos e às angústias do dia a dia.
Meu respeito e minha gratidão aos professores João Carlos de Souza e Jones Dari
Goettert (meu Simone Weil), que contribuíram imensamente no exame de qualificação com
estímulos, reflexões e provocações necessárias para a conclusão deste trabalho. Sinto-me
muito lisonjeada, de coração, em tê-los nesta etapa de minha vida.

6
Aos integrantes do Centro de Estudos Migratórios (CEM/SP), que me recebeu com
carinho durante o trabalho de campo, em especial: Wellington Barros, Breno Moreno, Dirceu
Cutti, Padre Paolo Parise e Maria Barbosa; e, do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM/SP),
especificamente: José Carlos, Roberval Freire, Ari Alberti, Neide Benvindo. Ao locutor
Miguel Angel, do Programa Latinoamericana no ar. A todos da Casa dos Migrantes
(CdM/SP). Enfim, a todos os sujeitos envolvidos na Missão Paz (SP) a minha admiração e
eterna gratidão. Que o mundo se enche de mais pessoas, no mesmo amor e engajamento de
vocês!

... A luta continua!

7
O cineasta brasileiro, Silvio Tendler, em seu documentário - O mundo global visto do lado de cá -, perguntou ao
professor-pesquisador Milton
Santos se “É difícil ser intelectual negro no Brasil?”. Com uma resposta sucinta, mas cheia de sabedoria e de
provocações, ele desnudou as condições socioeconômicas em que o/a negro/a intelectual está inserido/a:
“Eu Creio que é difícil ser negro, e é difícil ser intelectual no Brasil.
E essas duas coisas, juntas, dão o que dão, não é!?
É difícil ser negro porque, fora das situações de evidência, o cotidiano é sempre muito pesado para os negros. E é
difícil ser intelectual porque não faz parte da cultura nacional ouvir tranquilamente uma palavra crítica”.
Milton Santos (1926-2001)
8
RESUMO

O objetivo desta dissertação foi analisar os sentidos atribuídos às migrações expressos nas
cartas escritas por homens e mulheres migrantes e publicadas no Boletim das Migrações Vai
Vem, no período entre 1981 e 1997. Para isso, investigamos os objetivos que perpassaram a
criação do periódico, entre os quais sobressaíram a influência dos ideiais da Teologia da
Libertação e do carisma escalabriniano. Além das 163 narrativas epistolares publicadas, o
trabalho teve como fontes os documentos escritos sobre a fundação do Serviço Pastoral dos
Migrantes (SPM) e do Centro de Estudos Migratórios (CEM), entidades idealizadoras do
periódico, e os relatos orais da equipe editorial do Boletim Vai Vem. Neste sentido, a
metodologia por meio da História Oral, ou melhor, das entrevistas temáticas com quatro dos
integrantes da redação do periódico, nos permitiu apreender a dinâmica da organização,
especialmente da coluna destinada aos leitores do impresso. As cartas analisadas no estudo
revelaram a complexidade e o dinamismo dos pedaços de mundos dos/as narradores/as, bem
como o próprio ato de escrever, narrar e enviar suas missivas ao boletim. Como resultados,
apontamos que as experiências migratórias dos/as migrantes se devem a múltiplas causas,
com implicações espaço-temporais, socioculturais, políticas e econômicas. Assim, pontuamos
que as cartas escritas pelos/as migrantes são organizadoras de sentidos e que, por meio de
suas múltiplas experiências migratórias, possibilitaram: a) traçar novas redes de contatos,
sociabilidade, fraternidade e solidariedade entre familiares, equipe editorial e leitores do
periódico; b) criar estratégias contra xenofobias, preconceitos e estigmas relacionados aos/às
migrantes; c) suscitar, entre os órgãos de assistências e proteção aos/às migrantes, a
identificação dos distintos movimentos migratórios; d) denunciar situações de violações dos
direitos humanos dos/as migrantes; e) fomentar organização popular entre os/as migrantes; f)
ampliar o fazer-se migrante em luta; g) aproximar pessoas, lugares e espaços distanciados
pelas migrações; h) fazer o ausente presente, tanto para quem partiu quanto para quem ficou;
i) atuar para prevenir um possível retorno; j) possibilitar trocas de experiências migratórias.
Conclui-se também que as histórias de migrações encontradas neste trabalho são cheias de
sonhos, ousadias, frustrações e reivindicações daqueles e daquelas que se dispuseram à
incompletude da travessia.

Palavras-chave: Boletim Vai Vem. Cartas. Experiências Migratórias.

9
ABSTRACT
The aim of this thesis was to analyze the meanings attributed to migration expressed in letters
written by migrant men and women and published in the Boletim das Migrações Vai Vem
between 1981 and 1997. For this purpose, we have investigated the periodical’s aims when it
was created, among which the most important are the influence of Teologia da Libertação
ideals and Scalabrinian charisma. In addition to 163 published epistolary narrative, the study
used as sources written documents about the foundation of the Serviço Pastoral dos
Migrantes (SPM) and the Centro de Estudos Migratórios (CEM), idealizing entities of the
journal, and the oral reports of the editorial team of Boletim Vai Vem. In this sense, the
methodology through oral history, or rather the thematic interviews with four of the journal's
editorial members, allowed us to grasp the dynamics of the organization, especially the
column aimed at readers of the printed vehicle. The letters analyzed in the study revealed the
complexity and dynamism of the narrators’pieces of worlds, as well as the very acts of
writing, narrating and sending their letters to Boletim. As a result, we point out that migration
experiences of migrants are due to multiple causes, with spatiotemporal, socio-cultural,
political and economic implications. In this regard, we point out that the letters written by the
migrants are organizers of senses and, through its many migratory experiences, they made it
possible to: a) define new networks of contacts, sociability, fraternity and solidarity among
family, editorial staff and readers of the journal; b) develop strategies against xenophobia,
prejudices and stigmas related to migrants; c) raise, among the bodies of assistance and
protection to migrants, the identification of distinct migratory movements; d) report situations
of violations of human rights among migrants; e) promote popular organization among
migrants; f) expand the migrant fighting; g) bring together people, places and spaces
separated by migration; h) make the absent present, both for those who left and for those who
remained; i) act to prevent a possible return; j) enable exchanges of migratory experiences. It
is also concluded that the stories of migrations found in this work are full of dreams, bravery,
frustration and demands of those who dared to face the incompleteness of the crossing.

Keywords: Boletim Vai Vem. Letters. Migratory Experiences.

10
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Origem das cartas brasileiras .................................................................................. 102


Mapa 2 – Origem das cartas estrangeiras ............................................................................... 103
Mapa 3 – Estados de origem ................................................................................................... 107
Mapa 4 – Estado de destino .................................................................................................... 108
Mapa 5 – Amostra de rotas migratórias .................................................................................. 114
Mapa 6 – Fluxos migratórios internacionais .......................................................................... 123

11
LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Panfleto – Missão Paz ........................................................................................ 57


Imagem 2 – 1º Cartaz da Semana dos Migrantes ................................................................... 62
Imagem 3 – Panfleto SPM ...................................................................................................... 67
Imagem 4 – Amostra de capa I ............................................................................................... 81
Imagem 5 – Amostra de capa II.............................................................................................. 82
Imagem 6 – Amostra de capa III ............................................................................................ 83
Imagem 7 – Amostra de capa IV ............................................................................................ 84
Imagem 8 – Amostra de capa V ............................................................................................. 85
Imagem 9 – Amostra de contracapa I ..................................................................................... 87
Imagem 10 – Amostra de contracapa II .................................................................................. 88
Imagem 11 – Amostra de contracapa III ................................................................................ 89
Imagem 12 – Amostra de contracapa IV ................................................................................ 90
Imagem 13 – Amostra de cartas fotocopiadas ........................................................................ 95
Imagem 14 – Amostra da organização das cartas – Varal do Migrante................................. 100
Imagem 15 – Amostra da organização das cartas ................................................................... 101
Imagem 16 – Epístola de migração de retorno ...................................................................... 153

12
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Cartas publicadas por ano ................................................................................... 94

13
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC – Ação Católica Brasileira

ACR – Animação dos Cristãos no meio Rural

AP – Ação Popular

Boletim Vai Vem – Boletim das Migrações Vai Vem

CdM – Casa do Migrante

CEAS - Departamento Campesino de Comissão Episcopal de Ação Social

CEBs – Comunidade Eclesial de Base

CELAM - Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano

CEM – Centro de Estudos Migratórios

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CPM – Centro Pastoral do Migrante

CPMM – Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes

CPTL – Campus de Três Lagoas

CSEM - Centro Scalabrianiano de Estudos Migratórios

CUT – Central Única dos trabalhadores

DSN - Doutrina de Segurança Nacional

ESMI - Equipe Escalabriniana de Migrações

IAJES – Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

JUC - Juventude Universitária Católica

MEBs – Movimento de Educação de Base

NDH – Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro

14
NELM - New Economics of labour Migration

OIM - Organização Internacional para as Migrações

ONGs - Organizações não Governamentais

PT – Partido dos Trabalhadores

REMHU - Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana

SABs - Sociedade de Amigo de Bairro

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SPM – Serviço Pastoral dos Migrantes

TdL – Teologia da Libertação

UDR – União Democrática Ruralista

UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados

UFMS – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

15
SUMÁRIO

Lista de mapas ......................................................................................................................... 13


Lista de figuras ........................................................................................................................ 14
Lista de quadros ....................................................................................................................... 15
Lista de abreviaturas e siglas ................................................................................................... 16

Introdução .............................................................................................................................. 18
Da prática da catalogação ao encontro com o Boletim Vai Vem ............................................. 19
Notas para a construção do objeto de pesquisa ....................................................................... 22
Entre caminhos metodológicos e teóricos .............................................................................. 27
Dos capítulos .......................................................................................................................... 32

Capítulo I
BOLETIM VAI VEM: O CAMPO RELIGIOSO ENTRE MODOS PRÓPRIOS DE AÇÃO
SOCIAL .................................................................................................................................... 33
1.1.Teologia da Liberta-ação: A opção pelos pobres .............................................................. 35
1.1.1. Por uma teologia das migrações: Os migrantes em cena ............................................. 45
1.2. Serviço Pastoral dos Migrantes e Centro de Estudos Migratórios: Eu era migrante e me
acolheste ................................................................................................................................... 55
1.2.1. Ethos midiatizado pelo carisma escalabriniano........................................................... 72

Capítulo II
O VAI E VEM DAS MIGRAÇÕES ...................................................................................... 92
2.1. O fazer-se migrante pelas linhas do mensageiro .............................................................. 93
2.2. O movimento das migrações internas a partir das experiências relatadas nas cartas
publicadas ............................................................................................................................... 105

Capítulo III
EPÍSTOLAS DE HOMENS E MULHERES MIGRANTES: EXPERIÊNCIAS
MIGRATÓRIAS .................................................................................................................... 115
3.1. A e/migração i/legal e a transposição de lugares: travessias no sair, no chegar e no
ficar ........................................................................................................................................ 116
3.2. Mulheres migrantes ......................................................................................................... 133
3.3. Rompendo silêncios: Visibilidades das cartas escritas pelas mulheres migrantes .......... 138
3.4. Migração de retorno......................................................................................................... 145
16
3.4.1. Migrações de retorno como drama ............................................................................. 153

Capítulo IV
DAS CARTAS COLETIVAS: AS MIGRAÇÕES E SUAS DEMANDAS ........................ 160
4.1. Dos espaços de luta: Os clamores dos/as migrantes ....................................................... 161
4.2. Outras formas de engajamento: Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e Movimento Sem
Terra........................................................................................................................................ 171
4.2.1. Tomareis a posse da terra e nela habitareis: A luta pela terra entre a luta pela
moradia ................................................................................................................................. 175

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 182

FONTES ................................................................................................................................ 187

REFERÊNCIAS
Eletrônicas .............................................................................................................................. 192
Bibliográficas ......................................................................................................................... 193

ANEXOS
Anexo A: Cronologia ............................................................................................................. 202
Anexo B: Carta de cessão ...................................................................................................... 206
Anexo C: Modelo de roteiro utilizado nas entrevistas ........................................................... 207

17
INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se propõe a discutir os sentidos atribuídos para as migrações de


homens e mulheres migrantes, analisando cartas escritas por eles e publicadas no Boletim das
Migrações Vai Vem entre os anos de 1981 (ano de criação do periódico) e 1997 – período
diferente daquele em que o Boletim Vai Vem1 esteve em circulação (1981-2010).
O Boletim Vai Vem foi inicialmente de responsabilidade do Centro de Estudos
Migratórios (CEM) e, posteriormente, do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM)2. A
orientação era que todas as congregações religiosas tivessem um centro de estudos para
dialogar com os pesquisadores e, sobretudo, com os/as migrantes. Assim, o Centro de Estudos
Migratórios foi criado em 1962 e, em junho de 1981, surgiu o periódico Boletim Vai Vem em
parceria com o Centro Pastoral de Migrantes (CPM) de São Bernardo do Campo (Diocese de
Santo André). Entretanto, em 1987, o Boletim passou a ser de responsabilidade do Serviço
Pastoral do Migrante (SPM), que o coordenou até julho de 2010, ano em que deixou de
circular. O impresso era dividido em seções (matérias, músicas, poesias, reportagens
relacionadas às migrações, etc.) e, nesta pesquisa, escolhemos a parte das cartas escritas
pelos/as migrantes. Dessa forma, definimos como recorte para nosso estudo o período de
1981 a 1997.
A escolha pelas cartas dos leitores se assenta na tentativa de apreender as migrações
partindo dos referenciais tecidos pelos sujeitos migrantes. Isso porque acreditamos que, ao
escreverem suas cartas, os/as migrantes se colocam como sujeitos de sua própria história,
trazendo ao espaço público experiências construídas no seu dia a dia – no fazer-se da
travessia –, o que faz alargar a própria noção de migrações, política, ações sociais, bem como
o entendimento de cotidiano. As missivas simbolizam os dilemas mais íntimos do sair, do
chegar, do retornar, do remigrar dos/as migrantes, e, ainda, o apoio, as mobilizações sociais
em que estavam inseridos/as.
Cabe registrar que foram as análises das epístolas3 que nos levaram a pesquisar e a
apreender outros temas, novas veredas – como o relato oral (entrevistas temáticas) com alguns
dos editores do periódico: Dirceu Cutti, Roberval Freire, Ari Alberti e Neide Benvindo.

1
Utilizaremos, a partir deste momento, esta abreviatura ao nos referir ao periódico Boletim das Migrações Vai
Vem.
2
Em outro momento do texto especificaremos tais mudanças.
3
Em tempo, registramos que os trechos das cartas citados no decorrer da dissertação estarão conforme a escrita
do remetente – ipsis litteris.
18
Portanto, analisaremos alguns dos caminhos que as cartas desenharam ou, em outras
palavras, que foram desenhados com as cartas.
Destacamos que algumas problemáticas se fizeram presentes para o desenvolvimento
inicial do trabalho: quais contextos históricos, sociais, políticos e eclesiais eram necessários
entender para discutirmos as migrações vivenciadas pelos/as migrantes? Quais os sentidos de
migrações para os homens e as mulheres migrantes? Quais implicações espaços-temporais
estão presentes nos deslocamentos? Qual o perfil dos/as migrantes e das migrações nesse
período (1981-1997), tendo em vista as trajetórias desses sujeitos? Em quais organizações
populares os/as migrantes estavam envolvidos/as? Quais eram as suas demandas? Como o
campo religioso por meio da Igreja Católica se constitui em matriz formadora do movimento
de luta em prol dos/as migrantes?

Da prática da catalogação ao encontro com o Boletim Vai Vem

É preciso salientar que o caminho percorrido para a definição do tema de pesquisa é


fruto do diálogo entre a Arquivologia e a Teoria da História, iniciado no trabalho coletivo de
catalogação das fontes do acervo documental do Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor
(IAJES, localizado em Andradina/SP), desenvolvido por meio do Programa de Educação
Tutorial (PET) em História Conexões de Saberes no Núcleo de Documentação Histórica
Honório de Souza Carneiro (NDH4), entre 2010 e 2013, período de graduação da autora deste
trabalho no Curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),
Campus de Três Lagoas.
Naquele momento da graduação, sob a orientação do professor Dr. Vitor Wagner
Neto de Oliveira foi desenvolvido o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em torno de
nossas primeiras inquietações sobre as migrações destacadas nas narrativas epistolares,
escritas pelos/as migrantes. Na ocasião foram analisadas doze cartas, da década de 1980, as

4
“O acervo do Núcleo de Documentação Histórica vem sendo constituído, em sua maior parte, por
documentação histórica proveniente de doações de empresas estatais, de movimentos sociais e de particulares.
Nesses 26 anos de existência, o Núcleo acumulou uma diversidade expressiva de fontes para a história local e
regional, em diferentes suportes tais como documentação escrita, sonora, audiovisual, iconográfica e
hemeroteca”. Informações retiradas do site do NDH: http://www.cptl.ufms.br/hist/ndhist/index.htm. Acesso em
12 jun. 2014. Ver, também: OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto de Oliveira (coordenador). Núcleo de
Documentação histórico “Honório de Souza Carneiro”: Guia do acervo. Três Lagoas, Mato Grosso do Sul:
Gráfica Dom Bosco, 2010.

19
quais foram publicadas na íntegra no Boletim Vai Vem – de algumas missivas foram
publicados apenas trechos.
Inúmeras questões foram surgindo durante o desenvolvimento do trabalho de
catalogação no Núcleo de Documentação5, como: o que é um documento histórico? Existe
diferença entre arquivo e acervo? Como analisar os documentos? Como organizá-los? Como
classificá-los? Como disponibilizá-los para consulta? O trabalho adotado refere-se ao ofício
do arquivista ou do historiador? Como pensar no diálogo entre a Arquivologia e a História?
Este diálogo é possível? Essas e outras perguntas foram essenciais para pensar cada passo
que deveria ser dado no trabalho de catalogação.
No início, os manuscritos amarelados e cheirando a mofo fugiam do nosso olhar
como fontes em potencial (OLIVEIRA, 2012, p. 7), como possibilidade de pesquisa histórica.
Porém, no decorrer do trabalho, entendemos que os documentos são ferramentas primordiais
do ofício do historiador, no seu sentido mais amplo de possibilidades de fontes históricas6.
Nos fins do século XIX, para os historiadores da Escola Positivista, documentos
históricos eram somente os escritos, especialmente os oficiais: “O melhor historiador seria
aquele capaz de manter-se o mais próximo possível dos textos, despojando-se de ‘ideias
preconceituosas’. Em resumo, o documento falaria por si só” (VIEIRA, 1991, p. 14).
Já na década de 1920, ampliou-se a noção de documento por meio de outra
concepção da História, a da Escola dos Annales, principalmente, com Marc Bloch e Lucien
Febvre. Nesta concepção, as fontes não falam por si próprias, é preciso lançar perguntas ao
documento e elas podem ou não ser respondidas ou, ainda, a partir delas podem surgir novos
problemas. Nesse sentido, caberá ao historiador investigá-los. Como já apontado por Marc
Bloch (2001, p. 8): “Mesmo o mais claro e complacente dos documentos não fala senão
quando se sabe interrogá-lo. É a pergunta que fazemos que condiciona a análise e, no limite,
eleva ou diminui a importância de um texto retirado de um momento afastado”. Ampliando a
noção de documento e, consequentemente, a de abordagens a ele, seria oportuno nos
perguntarmos: o que não é documento/fonte para História?

5
Cabe apontar que os centros universitários nascem com finalidade primordial de “dar ênfase à memória
regional. Sua dinâmica de trabalho envolve a reunião, a preservação e a organização de arquivos, bem como de
coleções e outros conjuntos documentais. Oportuniza-se, assim, o acesso às fontes, em sua maioria fontes
primárias, à comunidade acadêmica e local” (CAMARGO, 1999, p. 50-59).
6
Portanto, tratava-se, no momento da graduação, de um processo, de uma construção do olhar do
graduando/pesquisador, já que a própria definição de documento histórico é de difícil acordo entre os
historiadores, como mostra a literatura sobre o assunto.
20
A compreensão de documento foi crucial para navegarmos em tamanha preciosidade
que estava em nossas mãos, esperando vir à tona histórias de lutas, alegrias, sofrimentos,
trajetórias de vida de homens e mulheres, experiências humanas. A partir daí, a prática
desenvolvida pelos graduandos/pesquisadores no universo arquivístico começou a fazer
sentido e, deste modo, tornou-se mais complexo. Não era, portanto, simplesmente separar
papéis de um dado acervo7, tratavam-se de fontes em potencial, de vestígios históricos na sua
mais bela compreensão da e para a História.
Inúmeras possibilidades foram apresentadas cotidianamente no caminho inicial da
pesquisa por meio do fazer-se da pesquisa histórica – delimitação temática, temporal e
espacial, juntamente com o trabalho de catalogação do acervo do IAJES8. Fontes riquíssimas,
especialmente sobre a História Social dos movimentos populares de Andradina (noroeste do
Estado de São Paulo), Três Lagoas (Mato Grosso do Sul) e região, dentro do recorte temporal
de 1962 a 1990 considerando os anos de atuação do Instituto. Nesse sentido, no contato com o
acervo do IAJES fomos despertadas a enveredar9 pelas missivas dos leitores do Boletim Vai
Vem e, na atual pesquisa, analisaremos todas as cartas publicadas no periódico (um total de
163 missivas).

Notas para a construção do objeto de pesquisa

Delimitar os documentos que seriam utilizados na pesquisa foi um importante passo,


uma vez que a riqueza10 de abordagens históricas saltava aos olhos. O Boletim Vai Vem11

7
A autora Marilena Leite Paes (2009, p. 23-24) nos ajuda a compreender a diferença entre arquivo e acervo. Este
último é entendido como “um conjunto de documentos de um arquivo”, já que arquivo é a “designação genérica
de um conjunto de documentos produzidos e recebidos por uma pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
caracterizado pela natureza orgânica de sua acumulação e conservado por essas pessoas ou por seus sucessores,
para fins de prova ou informação”.
8
Conforme Mariana Esteves de Oliveira (2006, p. 98), o IAJES era uma organização dirigida por padres, como o
padre João Carlos Oliveri e por outras pessoas inspiradas na Teologia da Libertação (TdL). O Instituto ficou
conhecido por seu caráter religioso e, sobretudo, partidário de esquerda, tendo em seus referenciais ideias
marxistas. No universo destas ações, estavam os seguintes movimentos: negros, indígenas, mulheres, Sociedade
de Amigos de Bairro (SABs), Comunidade Eclesiais de Base (CEBs), pela reforma agrária, pela saúde e pelo
fortalecimento do Partido dos Trabalhadores (PT), entre outros.
9
“Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, os artefatos ou as máquinas, por trás dos escritos
aparentemente mais insípidos e as instituições mais desligadas daqueles que as criam, são os homens que a
História quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom
historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça” (BLOCH,
2001, p. 54).
10
Como discutido por Tania Regina de Luca (2005, p. 140), desde o editorial até as colunas dos periódicos, “os
discursos adquirem significados de muitas formas, inclusive pelos procedimentos tipográficos e de ilustração que
os cercam. A ênfase em certos temas, a linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do público
21
tinha periodicidade bimestral – posteriormente trimestral – totalizando115 edições ao longo
de 29 anos de história. Ou seja, inúmeras possibilidades de abordagem de pesquisa.
O número de páginas variava entre 18 e 2 com conteúdo sobre o contexto migratório:
as notícias ressaltavam o contexto migratório e o posicionamento da Igreja Católica frente às
injustiças em relação aos migrantes. O periódico também apresentava convites e resultados de
encontros regionais, nacionais e internacionais; charges críticas sobre a vida do migrante;
histórias em quadrinhos; notícias de outras dioceses; divulgações de livros produzidos por
meio de reflexões resultantes dos encontros dos migrantes; poesias; músicas; entrevistas e
reportagens feitas com os/as migrantes; entre outros conteúdos. Havia, ainda, cartas que
destacavam as experiências migratórias12. Foram essas que despertaram nossa curiosidade e
que acabaram se tornando o objeto de análise deste estudo.
No entanto, como poderá ser observado no decorrer da pesquisa, não bastava
unicamente delimitar um recorte entre as colunas do periódico. Primeiramente, porque a
escrita da história não é construída apenas com ingredientes acabados, ou seja, com os
eventos que não têm intencionalidades e permanências. Em segundo lugar, o fazer da prática
da pesquisa (re)cria-se a todo instante, colocando-nos em movimentos contínuos.
Nesse sentido, um dos objetivos iniciais da pesquisa era efetuar análise sobre as
migrações a partir das cartas publicadas (um total de 163 missivas) e das não publicadas13
(aproximadamente 150 missivas) no Boletim Vai Vem. Com isso, poderíamos vislumbrar os
objetivos das missivas escritas pelos leitores do periódico e os critérios de seleção por parte da
equipe editorial.
Por essas razões, procuramos conhecer o Centro de Estudos Migratórios (CEM),
localizado na cidade de São Paulo, na dependência da Paróquia Nossa Senhora da Paz –
Missão Paz. Nessa entidade, encontra-se a coleção do periódico e, o mais importante, os
sujeitos que idealizaram o Boletim Vai Vem. Portanto, estar nesse lugar significou ver se

que o jornal ou revista pretende atingir”. Assim, dependerão do olhar, das escolhas, das inquietações, das
questões suscitadas pelo pesquisador para construção da análise histórica.
11
Não encontramos nenhum trabalho que tivesse o periódico como objeto ou tema de pesquisa. Exceto alguns
livros organizados pelo Centro de Estudos Migratórios e pelo Serviço Pastoral dos Migrantes que citam o
Boletim Vai Vem como veículo de comunicação e alguns trechos de seu conteúdo. Todavia, estes serão
analisados no decorrer da pesquisa.
12
Em aproximação com Federico Croci (2008, p. 20) e, sobretudo, com as formulações de Edward Palmer
Thompson (1987, p. 10).
13
Fizemos uma busca rápida (uma leitura inicial e superficial) das cartas não publicadas que se encontram no
CEM e no SPM. Entre correspondências emitidas e recebidas, calculam-se aproximadamente 150 cartas, entre as
décadas de 80 e 90. São Paulo aparece como a região de onde mais se enviavam cartas para as referidas
entidades. Contudo, registramos que não fizemos uma análise profícua sobre essas cartas, pois este não era o
objetivo do trabalho.
22
materializar a luta teológica-pastoral da mobilidade humana no reconhecer das palavras
expressas no periódico, nas ações e nas falas dos sujeitos que ali se encontravam, mas, é claro,
com outros olhares, movidos por novas inquietações.
Para apreender a dinâmica que constitui as cartas, fomos sensibilizados a
desenvolver entrevistas com a equipe editorial do Boletim Vai Vem. Em outras palavras, a
História Oral apresentou-se a nós como peça fundamental no decorrer do trabalho, assim
como representou novos desafios à pesquisa.
Tivemos o privilégio de fazer duas viagens para a pesquisa de campo14. Na primeira
oportunidade, conhecemos dois editores do periódico, o Padre Alfredo José Gonçalves15 e
Dirceu Cutti16. Na ocasião, gravamos uma entrevista com Dirceu Cutti na tentativa de
compreender melhor a elaboração e a trajetória do Boletim Vai Vem, tendo como foco a
dinâmica da coluna designada aos leitores. Seu relato foi tão frutífero e revelador que
decidimos fazer mais duas entrevistas com os demais editores, com vistas a que elas
pudessem contribuir para esta e para futuras pesquisas.
As entrevistas seguintes ocorreram no Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), na
cidade de São Paulo (SP), com Ari Alberti e Roberval Freire17, que optaram por fazer a
entrevista coletivamente. Eles foram indicados por Dirceu Cutti e, como ainda atuam no SPM,
entendemos como oportuno seguir sua indicação. Em outros termos, seguimos as orientações
da pesquisadora Yara Dulce Bandeira de Ataíde (1993, p. 26) sobre as redes de relações na
história oral.
Desse modo, a entrevista seguinte foi realizada com Neide Benvindo18 que era,
especificamente, responsável pela organização das cartas e da catalogação do acervo do CEM

14
De fato, não tínhamos contato direto com o catolicismo. Muitos dos ritos, celebrações litúrgicas, códigos do
campo religioso nos foram apresentados no fazer-se da pesquisa, principalmente com a experiência da pesquisa
de campo.
15
Padre da Paróquia Nossa Senhora da Paz, atualmente colabora na Missão Paz, junto aos migrantes, imigrantes
e refugiados. No decorrer do Boletim Vai Vem observamos várias poesias e textos escritos por ele,
principalmente no editorial e na contracapa do periódico.
16
Diretor da Revista Travessia, organizada pelo Centro de Estudos Migratórios (CEM). A entrevista foi
realizada no CEM, em São Paulo (SP), no dia 06/09/2013, e teve a duração 1h, 46min e 26seg.
17
Entrevista realizada no Serviço Pastoral dos Migrantes (SP), no dia 22/01/2014, com duração de 1h, 22min e
43seg.
18
Esta entrevista foi colhida por telefone. Na data da entrevista, Neide (atualmente aposentada) estava com
viagem marcada, mas, para não perdermos a oportunidade, gravamos a entrevista (com duração de 1h, 44min e
12seg.) por telefone no Serviço Pastoral dos Migrantes (SP), no dia 23/01/2014.
23
e posteriormente do SPM. Devemos sublinhar que todos nos receberam com tanto carinho e
atenção que nos sentimos rapidamente aceitos pelo campo de pesquisa19.
As entrevistas com os editores indicaram que nem todas as cartas eram destinadas,
necessariamente, ao Boletim Vai Vem. As diversas atividades e os eventos realizados pelo
CEM e pelo CPM junto aos migrantes poderiam ter como fruto a escrita de cartas, nas quais
os/as migrantes narravam suas experiências migratórias, mas também havia doações de
missivas que os/as migrantes recebiam de seus familiares (ou seja, da família e dos amigos
que ficaram na terra natal – que não migraram). Essa prática foi iniciada no ano de 1980, no
decorrer das ações das pastorais nas comunidades, sobretudo nas periferias da cidade de São
Paulo.
Nesse sentido, as epístolas que se encontram no acervo do CEM e do SPM poderiam
ser designadas à publicação, conforme os objetivos e as intencionalidades da equipe de
redação do Boletim Vai Vem. De acordo com o tema central abordado pelo periódico, os
editores escolhiam as cartas para representar o universo da mobilidade sob a ótica dos/as
migrantes.
Devido ao grande volume de cartas e à complexidade a elas atribuída, tornou-se
difícil analisar todas (as publicadas e as não publicadas) e elencar os motivos que levaram à
publicação de umas e não de outras, conforme proposto em pesquisa inicial. Por isso,
decidimos trabalhar com as cartas publicadas– um total de 163 missivas – associando-as às
entrevistas, que se apresentaram como importante caminho para o desenvolvimento da
pesquisa.
Não obstante, cabe mencionar que os métodos utilizados nas entrevistas estão em
consonância com as orientações do pesquisador José Carlos Sebe Bom Meihy (2005, p. 25).
O autor aponta que a História Oral pode ser dividida em: história oral de vida, história oral
testemunhal, tradição oral e história oral temática. Esta última versa sobre temas em geral
pautados em roteiro ou questionário20. No nosso caso, utilizar o método da história oral
temática significou apreender as experiências dos editores do periódico, que são tão
importantes quanto os fatos que elas contêm.

19
Ver: GUNTHER, H., BRITO, O. M. S. & SILVA, M. M. S. M. Relação entrevistador-entrevistado: um
exemplo de técnica de entrevista com grupos marginalizados: meninos na rua. Psicologia: Reflexão e Crítica, 4,
p.12-23, 1989. Disponível em: <http://pesquisa.bvs.br/brasil/resource/en/psi-7907>. Acesso em: 22 jun. 2015.
20
Em Anexo C (p. 207-209), deste trabalho, segue o modelo do roteiro utilizado nas entrevistas.
24
Lembrando que o questionário não foi conduzido em nível de perguntas e respostas,
mas como estratégia que levasse ao diálogo. Assim, as entrevistas temáticas foram pensadas
pela perspectiva semi-estruturadas21.
Os cuidados no trabalho com a História Oral não estão somente no antes ou no
durante as gravações, mas no transformar o oral em escrito. Nesse ato, o pesquisador irá
escolher, tendo em vista suas preocupações, a textualização, a transcrição literal das
narrativas orais ou a transcriação. No nosso caso, escolhemos o método da textualização:
mantivemos as repetições e a sequência da narrativa dos entrevistados, apenas corrigimos os
erros gramaticais, tendo em vista a norma culta vigente, conforme sugestões metodológicas da
pesquisadora Yara Dulce Bandeira de Ataíde (1993, p.28):

Sabemos que é impossível transformar a fala em documento escrito sem um


trabalho de correção da forma, inserção de conectivos e alguns ajustes
linguísticos, para evitar repetições exageradas e as lacunas verbais que
possam dificultar a compreensão. Faz-se necessário, também, a textualização
da linguagem não-verbal de muitas situações, que complementam ou
substituem a fala através dos gestos e atitudes, expressões fisionômicas,
período de silêncio, entonação de voz, ritmo respiratório etc. É fundamental,
contudo, a fidelidade da ideia do entrevistado e às peculiaridades do seu
discurso, que devem ser respeitadas e mantidas a salvo de qualquer
manipulação ideológica ou afetiva do pesquisador.

Nesse sentido, as entrevistas com a equipe editorial do Boletim Vai Vem evidenciam
elementos de uma história coletiva, mas ao mesmo tempo individual, pois, ao relatarem as
experiências com o periódico ou, mais especificamente, com as cartas, os entrevistados se
remeteram às suas trajetórias de vida, pautadas em datas importantes, marcos familiares e
religiosos22, personagens, decisões, lugares. “Assim, não há memória coletiva que não se
desenvolva num quadro espacial” (HALBWACHS, 1968, p. 143).
Por meio da linguagem, os entrevistados reorganizaram suas lembranças vividas.
Entretanto, suas falas não seguem uma cronologia, conforme as perguntas norteadoras.
Voltam várias vezes ao mesmo assunto, realçam fatos que são marcos imutáveis para a
21
Sobre este termo ver: BONI, Valdete & QUARESMA, Silvia Jurema. Aprendendo a entrevistar: como fazer
entrevistas em Ciências Sociais. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC.v. 2,
n.1(3), jan-jul., 2005. Disponível em: <http://www.emtese.ufsc.br/3_art5.pdf>. Acesso em: 26 mai. 2014.
22
No que tange ao espaço religioso e ao campo da memória, o pesquisador Maurice Halbwachs (1968, p. 154-
160) destaca que esta é fundamental para a manutenção e perpetuação do discurso religioso. Por meio das
memórias das tradições, as quais aconteceram em espaço-temporal muito determinado, os grupos religiosos
fundamentam suas práticas e seus simbolismos. “Consegue isto somente com a condição de recordar os lugares,
ou reconstituir entorno dela uma imagem ao menos simbólica dos lugares nos quais ela se organizou de início.
Porque os lugares participam da estabilidade das coisas materiais e é baseando-se neles, encerrando-se em seus
limites e sujeitando nossa atitude à disposição, que o pensamento coletivo do grupo dos crentes tem maior
oportunidade de se eternizar e de durar: esta é realmente a condição da memória”.
25
memória ou retomam as memórias esquecidas. Esse exercício lhes permite reviver
lembranças de outrora, de tempos de intensa repressão política e religiosa, mas, ao mesmo
tempo, de resistência, de oxigenação dos movimentos sociais, das utopias e dos sonhos. Como
destacou Dirceu Cutti: “sonhávamos em transformar o mundo”23.
Sob essa perspectiva, nossas análises estão em consonância com as ponderações de
Michael Pollak (1992, p. 9), ao sugeri-las como enquadramento de memórias, como um termo
específico para a compreensão de memória coletiva. Entendendo que “a referência ao passado
serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para
definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis”.
A memória entra em disputa – negociação sobre o que e como relatar. Como Michael
Pollak sugere, a memória é seletiva, pois nem tudo é guardado ou, muito menos, registrado
(memórias em si; memórias para si e memórias para o outro). Cabe salientarmos que “a
memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em
que ela está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um elemento de
desestruturação da memória” (POLLAK, 1992, p. 4). Em outras palavras, a memória é um
fenômeno construído no qual os sujeitos intervém não só na ordenação de cada lembrança,
mas, fundamentalmente, nas releituras, nas representações desses vestígios.
Postos o objeto de nossa investigação e as fontes consultadas para realizar o trabalho,
o entendimento de migrações para homens e mulheres migrantes se dará na perspectiva do
conjunto documental – dos relatos orais e das missivas escritas aos documentos escritos sobre
a fundação do CEM e do SPM.

Entre caminhos metodológicos e teóricos

Como apresentado, o caminho escolhido para esta pesquisa foi o de analisar as


migrações tendo em vista as histórias expressas nas cartas publicadas no Boletim Vai Vem24,
entendendo-as na dimensão da História Oral. Para tanto, algumas literaturas nos ajudaram a
embasar os procedimentos metodológicos junto às fontes, bem como a fundamentar
teoricamente a presente pesquisa. Esse fazer do trabalho empírico será elucidado a seguir.

23
Entrevista realizada no CEM, em São Paulo (SP), no dia 06/09/2013, a qual teve a duração 1h, 46min e 26seg.
24
Para deixar claro, não será feita uma análise semiótica, de decodificação dos conteúdos dos discursos,
tampouco fenomenológica, apesar de termos a compreensão de ser possível fazê-las. Ademais, entendemos que o
fazer-se da pesquisa não se dá por meio de uma única análise, mas pelas múltiplas possibilidades de olhares, o
que torna a História ainda mais bela e singular dentre as demais áreas do conhecimento.
26
O trabalho do pesquisador Paolo Parise (2000, p. 13), intitulado Um rosto de Deus:
Cartas de famílias de migrantes25 foi crucial para a metodologia para interpretação dos
conteúdos das cartas, pois para o autor: “a carta apresenta e supõe características e também
toda uma problemática diferente da mensagem oral, que é mais simples, direta, espontânea e
acessível. A pobreza e sobriedade da escrita contrasta com o luxo e prolixidade da mensagem
oral”.
Dessa forma, necessitam-se de outros cuidados metodológicos. Porém, antes de
mencioná-los, precisamos ressaltar que as cartas26 eram entendidas, como o coração do
Boletim Vai Vem27, espaço privilegiado, por essência, para denunciar as consequências das
migrações e criar sentidos de solidariedade e sociabilidade entre os/as migrantes. Até meados
do ano de 1985, as cartas eram publicadas, exclusivamente, na íntegra, fotocopiadas, com
apenas uma carta em cada edição. Em um segundo momento, tem-se entre quatro a cinco
cartas – reescritas pela equipe editorial do periódico – e publicadas nas colunas intituladas:
Varal dos Migrantes, Trabalhador com a Palavra, Opinião do leitor, Cartas e Migrante com
a Palavra. A partir 199528, não teremos mais cartas públicas no periódico. Nessa linha de
apontamentos, delimitamos nosso recorte temporal: de 1981, ano em que surge o Boletim Vai
Vem, até 1997, data em que não há mais a presença das epístolas.
Para dar conta das preocupações da pesquisa, tendo em vista o volume documental
delimitado, optamos por fazer uma primeira leitura das cartas – 163 no total – publicadas em
62 números do Boletim Vai Vem. Priorizamos nesta leitura inicial os principais temas e
assuntos das narrativas, o período em que as cartas foram escritas e publicadas, a profissão
dos narradores, a identificação do remetente e do destinatário, o nome da coluna do periódico
em que as cartas foram publicadas, a terra natal e o destino dos/as migrantes e os títulos das
cartas, que são os primeiros indícios de como os/as migrantes queriam registrar suas histórias.
Nessa primeira análise, percebemos que era necessário dividir as cartas conforme seu
caráter – individual ou coletivo29 –, pois algumas são assinadas por apenas um remetente,
outras por vários. Neste caso, elas são enviadas em nome de CEBs, SABs, pastorais sociais,
sindicatos e do Movimento Sem Terra. Notamos 53 cartas de cunho coletivo e 110 epístolas

25
Pautada na perspectiva da Teologia da Libertação, esta pesquisa foi construída com base nas missivas que se
encontram no acervo do CEM, mais precisamente o da região leste da cidade de São Paulo, no bairro Vila
Industrial.
26
Analisaremos, detalhadamente, a organização das missivas no segundo capítulo.
27
Esta colocação foi feita pelo colaborador Dirceu Cutti, durante a entrevista realizada no CEM, em São Paulo
(SP), no dia 06/09/2013, a qual teve a duração 1h, 46min e 26seg.
28
Encontramos somente duas cartas a partir deste período.
29
No capítulo IV, analisaremos precisamente tais missivas.
27
de cunho individual. Durante a pesquisa, todas as epístolas serão analisadas, mas essa divisão
metodológica se faz necessária tendo em vista a pluralidade de conteúdos, intenções e
características que cada uma das cartas possui.
Feita essa divisão, elencamos, entre as cartas assinadas individualmente, as escritas
por homens (47) e as escritas por mulheres (63). Cabe pontuar que não pretendemos fazer
uma abordagem sexista, ao selecionarmos as epístolas dessa maneira, pelo contrário, estamos
preocupados em dar visibilidade para as particularidades do vai e vem das mulheres, ou
melhor, para as experiências das mulheres migrantes. Experiências que, na maioria das vezes,
são silenciadas nos estudos migratórios.
Vale pontuar que as experiências migratórias expressas nas cartas, algumas vezes,
apresentaram-se a nós com outras particularidades, a saber, a presença de cartas de caráter
privado, nas quais se narram travessias pelo olhar de quem partiu dirigido a quem ficou ou
vice-versa. Quem enviava essas missivas o fazia sem a intenção de que elas fossem
publicadas no Boletim Vai Vem, diferentemente das demais, que identificaremos como de
caráter público. Essas foram, conscientemente, direcionadas à redação do periódico e têm
uma narrativa caracterizada pela dramaticidade de um deslocar entrelaçado com uma
conscientização política pautada nas reivindicações sociais, e, por conseguinte, na esperança
de se construir um novo devir aos/às migrantes.
Assim, além daquelas escritas pelos/as migrantes, há também as missivas assinadas
por sujeitos de pastorais, sindicalistas ou integrantes de movimentos populares. Lembrando
que esses sujeitos também são migrantes, mas suas epístolas revelam outras experiências – o
fazer-se do trabalho com os/as migrantes e o fazer-se migrante em luta. Em outros termos,
intentamos, por meio das narrativas, compreender a dinamicidade das colunas dos leitores,
bem como os sentidos atribuídos a suas migrações.
Portanto, as experiências migratórias expressas nas cartas nos direcionaram para
alguns caminhos dos estudos migratórios que necessitam de maior atenção no decorrer da
pesquisa, por exemplo as e/imigrações, as migrações internas e as migrações de retorno.
Com isso podem ser desnudados também os sujeitos protagonistas de suas histórias, a saber:
mulher migrante, migrante laboral, migrante econômico, migrante pastoral, migrante
ambiental, migrante sazonal, migrante rural-urbano, migrante urbano-rural, migrantes
internos, migrante refugiado, migrantes retornados, e/imigrante indocumentado, e/imigrante
ilegal, e/imigrante clandestino, e/imigrante irregular, e/imigrante laboral, e/imigrante
pastoral.

28
A noção de experiência utilizada no decorrer do trabalho está em aproximação com
as formulações de Edward Palmer Thompson (1987, p. 121). O autor, ao compreender a
classe operária não como uma estrutura ou mero depositário do processo histórico, mas como
fenômeno histórico que ocorre nas relações com o outro, ou seja, pelo/no fazer-se das
experiências humanas, sugere uma bela leitura sobre o entendimento de experiências.
Homens e mulheres, no chão do cotidiano, constroem suas experiências.
Experiências de vida, experiências compartilhadas, experiências vividas, experiências
percebidas, experiências transformadas pelo seu próprio fazer-se, o qual “[...] se deve tanto à
ação humana como aos condicionamentos” (THOMPSON, 1987, p. 9). Sujeitos de ação
histórica que fazem de si mesmos rumos diferentes que a história os direcionou. Do mesmo
modo, encontram-se os/as migrantes. O fazer-se de sua experiência migratória permite que
modifiquem a realidade em que vivem.
Nessa perspectiva, as cartas se tornam fontes em potencial para desnudar os
fragmentos da vida cotidiana dos sujeitos. Os seus comportamentos, que permitem apreender
não só o vai e vem das migrações, mas da sociedade nas quais homens e mulheres se
movimentam. Por isso, concorda-se com Maria Aparecida de Moraes Silva (2001, p. 12)
quando ela afirma que os migrantes,

quando estão em cena, escrevem, narram. Artesanalmente, vão, assim,


registrando suas histórias, agindo autoplasticamente. Vão tecendo uma rede
com fios do ato de imaginar. O narrador de lá, espera a volta do narrador de
cá. A espera é produzida pela rede do imaginar. A saudade são os buracos
criados pelo entrelaçamento dos fios. Não é um vazio, algo solto. Ao
contrário, é ela que define, enquanto buracos, a rede. Pode-se dizer que o
imaginar é uma espécie de urdidura da saudade. Sentimento oco, profundo,
mas cercado. Sentimento criado pelos narradores. Ação autoplástica que faz
do passado, presente, e do presente, futuro. Uma projeção. Uma ilusão
necessária, uma utopia carregada de esperança, elaborada após o trabalho
duro, à noite, numa espécie de antessala dos sentimentos oníricos.

A exposição da socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva vem ao encontro da


metodologia privilegiada no trabalho. Os narradores, em suas ações autoplásticas, produzem
o reapresentar de suas histórias guardadas entre os fios da memória e do imaginário. Como
aponta a autora, são os espaços dos sentimentos oníricos, em que a espera – seja pela resposta
familiar ou pela resposta do corpo editorial do Boletim Vai Vem– constrói as redes do
imaginar.
Outro suporte teórico que nos apareceu essencial para a compreensão do estudo
foram os trabalhos escritos pelo pesquisador Pierre Bourdieu. Este pesquisador rompeu com
29
alguns paradigmas marxistas ao se opor à concepção econômica neoclássica e estruturalista30,
na qual as estruturas são encaradas como realidades que existem objetivamente e que impõem
sua lógica, ignorando, assim, o potencial transformador das práticas dos sujeitos.
Pierre Boudieu (2013, p. 27), no livro A economia das trocas simbólicas, não nega a
luta de classes, todavia incorpora, por meio de pesquisas empíricas, a dominação como
conceito central à sua análise. A luta de classes se torna, também, luta simbólica. Os espaços
sociais, regidos pelos mecanismos de dominação, são organizados em dois blocos:
dominantes e dominados (classe burguesa e classe popular31). Nessa concepção, a cultura,
também, é um móvel de lutas, constituindo entre os sujeitos uma hierarquia cultural e um
espaço conflituoso. A posição de cada sujeito nos espaços das classes sociais dependerá do
volume e da estrutura de seu capital simbólico, religioso, econômico, cultural e político.
Pierre Bourdieu (2013, p. 27-70) dedica-se a compreender a gênese e a estrutura do
campo religioso pautado nas concepções de Marx Emil Maximilian Weber e de Émile
Durkheim. Em síntese, o autor entende que a religião cumpre funções sociais na sociedade e
contribui para a manutenção do poder e da legitimação dos dominantes, por meio de processo
moralizador e de sistematização de crenças e de práticas religiosas. As estratégias e as ações
dos diferentes grupos para manter o monopólio da gestão dos bens de salvação e das
diferentes classes interessadas por seus serviços dinamizam ainda mais esse campo.
Percebemos que o autor não está interessado em analisar a mensagem religiosa, mas as
estratégias utilizadas pelos sujeitos para atender uma demanda específica: ora religiosa, ora
ideológica.
Para o autor (BOURDIEU, 2013, p. 39), o campo religioso divide-se em corpo
especialista de religiosos – o qual é reconhecido por seu exclusivo e específico dom de
produção e reprodução religiosa –, e em leigos – os quais são desprovidos de quaisquer bens
simbólicos e de todo capital religioso.
Destacam-se também as estruturas das relações feitas pelo autor (BOURDIEU, 2013,
p. 69-78) sobre a relação do campo religioso com o campo do poder, nas quais exercem
função interna e externa para a legitimidade da ordem estabelecida. A Igreja em si contribui

30
“Estruturalismo é um ponto de vista objetivista, no sentido de que as estruturas são consideradas como
realidades que existem objetivamente e que impõem sua lógica, do exterior, aos agentes sociais, que estarão
ainda mais estreitamente submetidos a elas quando menos consciência disso tiverem” (BONNEWITZ, 2003, p.
13).
31
Todavia, o autor, não nega a existência de uma classe intermediária. Pelo contrário, as tensões e as
contradições que permeiam os campos distintos estão constantemente em movimento, ou seja, a condição de
classe de cada agente não é estanque.
30
para a manutenção da ordem política, tendo em vista o poder simbólico constituído pelo
campo religioso.
Propomos, então, entender primeiramente as tensões e as contradições do catolicismo,
sugeridas pelo sociólogo Pierre Bourdieu, como pano de fundo que compõe o Boletim Vai
Vem para, assim, discutirmos as histórias de migrações expressas nas cartas. “Noutros termos,
o conteúdo em si não pode ser dissociado do lugar ocupado pela publicação na história da
imprensa, tarefa primeira e passo essencial das pesquisas com fontes periódicas” (DE LUCA,
2005, p. 139).

Dos capítulos

Tendo em vista a preocupação em analisar os sentidos das migrações que homens e


mulheres migrantes relatam em suas missivas, publicadas no Boletim Vai Vem entre 1981 e
1997, organizamos o nosso trabalho em quatro capítulos. No Capítulo I - Boletim das
Migrações Vai Vem: O campo religioso entre modos próprios de ação social, nos
debruçaremos sobre os contextos históricos, políticos e eclesiais que nortearam a criação do
periódico. Analisaremos, em um segundo momento, os objetivos de suas entidades
idealizadoras, a saber: Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) e Centro de Estudos Migratórios
(CEM).
No Capítulo II - O vai e vem das migrações, apontaremos como as missivas foram
organizadas no Boletim Vai Vem, os temas que mais aparecem entre seus conteúdos e, ainda,
as localidades de onde as missas foram enviadas por seus remetentes. A partir disso,
apresentamos uma discussão sobre os desafios e os horizontes expressos nas missivas a
respeito das migrações internas no Brasil.
O Capítulo III - Epístolas de homens e mulheres migrantes: experiências migratórias
foi construído a partir das migrações relatadas nas missivas, ou seja, as e/imigrações e as
migrações de retorno serão analisadas a partir das percepções dos/as próprios/as migrantes.
Já no Capítulo IV - Das cartas coletivas: As migrações e suas demandas, trataremos
das demandas migratórias apontadas nas cartas assinadas coletivamente, conforme a divisão
metodológica aplicada. Desta maneira, refletiremos sobre as implicações dos espaços pelos
quais os/as migrantes ecoaram suas reivindicações.
Sublinhamos que já ficaremos satisfeitos se nosso trabalho contribuir para a
historiografia ou, mais especificamente, para os estudos migratórios, permitindo, assim, que
31
outros pesquisadores se enveredem por essas fontes inéditas que desvelam tamanha riqueza de
experiências migratórias. E que esse despertar extrapole as linhas do papel e a tinta da
caneta, se concretiz[ando] no engajamento de lutas pelo chão do cotidiano, por leis que
verdadeiramente contemplem os direitos humanos – de homens e de mulheres migrantes. Do
mesmo modo, aos companheiros leitores que não têm a pretensão da pesquisa histórica, que
todas e todos se permitam deslocar entre histórias de migrações socializadas neste estudo, as
quais são cheias de sonhos, ousadias, utopias, frustrações, reivindicações – dos que partem e
dos que ficam. Dos que vivem entre o lá e o cá. Entre a incompletude da travessia.

32
CAPÍTULO I
BOLETIM VAI VEM: O CAMPO RELIGIOSO ENTRE MODOS
PRÓPRIOS DE AÇÃO SOCIAL

Tendo em vista que o interesse religioso tem por princípios a necessidade de


legitimação das propriedades materiais ou simbólicas associadas a um tipo
determinado de condições de existência e de oposição na estrutura social,
dependendo portanto diretamente desta posição, a mensagem religiosa mais capaz de
satisfazer o interesse religioso de um grupo determinado de leigos, e de exercer
sobre ele o efeito propriamente simbólico de mobilização que resulta do poder de
absolutização do relativo e de legitimação do arbitrário, é aquela que lhe fornece um
(quase) sistema de justificação das propriedades que estão objetivamente associadas
ao grupo na medida em que ele ocupa uma determinada posição.
(BOURDIEU, 2013, p. 51)

Para discutir as migrações sob a ótica dos/as migrantes, necessitamos compreender,


primeiramente, as tensões do lugar que se encontram suas experiências, ou seja, tudo que está
relacionado de maneira direta com o Boletim Vai Vem. Buscou-se, entretanto, tomar o cuidado
de manter as experiências migratórias como linha condutora do presente trabalho, uma vez
que o conjunto documental possibilita inúmeras análises e abordagens históricas.
Desta maneira, é preciso situar a criação do periódico, segundo os objetivos da Missão
Paz, composta pelo Centro de Estudos Migratórios (CEM), pelo Centro Pastoral dos
Migrantes (CPM) e pelo Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM). Para tanto, faz-se necessária
uma contextualização histórica, social e eclesial sobre as demandas do período,
principalmente no que tange às influências do movimento teológico da libertação dos pobres
migrantes nos objetivos do periódico.
Como já mencionado, discutiremos o campo religioso por meio das categorias
analíticas e das noções operatórias desenvolvidas pelo sociólogo Pierre Bourdieu.
Entendemos que as formulações teóricas deste pesquisador vêm ao encontro das inquietações
da presente pesquisa e, portanto, devemos fazer uma leitura densa de seu legado na tentativa
de não fazer simplesmente repetições, mas sugerindo novos significados, novos elementos e
novas interpretações, mediante as temáticas do universo migracional do nosso estudo.
Desta forma, é necessário muito cuidado para não aplicar a noção de campo religioso
de maneira aleatória, como Renée de la Torre (2002, p. 45-60) chama atenção, tendo em vista
as mudanças, ou melhor, a pluralidade da dita ordem religiosa. No campo religioso estudado
na presente pesquisa, percebemos os movimentos religiosos que lutam no interior do
catolicismo pela libertação dos pobres migrantes e pela construção de um novo devir,
enfrentando, assim, a ordem dogmática e sacerdotal. Esses sujeitos subvertem a ordem ao
33
propor uma eclesiologia vertical e um trabalho protagonizados pelos pobres migrantes,
referenciais ligados à Teologia da Libertação (TdL32). Dessa forma, tendo em vista esses
apontamentos, acreditamos ser possível fazer uma leitura bourdieusiana aplicada ao campo
religioso, principalmente no que se refere às práticas dos/as migrantes de enviarem suas
histórias para o Boletim Vai Vem e deste construir modos próprios de navegação social33 para
combater os olhares hegemônicos sobre as migrações.

32
A partir deste momento, utilizaremos abreviatura TdL ao nos referirmos à Teologia da Libertação.
33
Em conformidade com as ideias de Roberto da Matta (1993, p. 79-90), destacamos o poder e a capacidade dos
movimentos populares em construir políticas de visibilidades e de enfrentamentos.
34
1.1 Teologia da Liberta-ação34: A opção pelos pobres

A Teologia da Libertação não era uma coisa distante que vinha aqui dialogar, um
diálogo de dois distantes. As nossas ações eram pautadas neste ideal.
(Dirceu Cutti, entrevista gravada em setembro de 2013)

Logo no primeiro número do Boletim Vai Vem (1981), já se percebem alguns


indícios da influência da TdL. Entendemos que a capa e o editorial do periódico representam,
de maneira mais direta, os objetivos e as intenções do corpo editorial. Cada uma das colunas
apresenta inúmeras possibilidades de pesquisa histórica, que dependerão do olhar do
pesquisador e de sua investigação crítica para desvendá-las. Aqui, nossa intenção é evidenciar
as influências e as ligações da TdL nesse periódico e, consequentemente, nas cartas.
Nesse sentido, algumas inquietações surgiram para nortear o presente tópico: quais
as relações dessa teologia com o Boletim Vai Vem e, portanto, com as cartas dos/as migrantes?
O que é TdL? Quais as influências dela no seio da Igreja Católica? Quais as correntes teóricas
e o contexto histórico-eclesial em que esteve inserida?
Em um dos exemplares do periódico, encontramos como título, destacado em uma
das colunas, a seguinte afirmativa: “Por uma igreja pobre e migrante!”35, indicando busca,
luta, profecia. Escrito em negrito e em fonte maior, o título remete a um texto que faz uma
retrospectiva da realidade migratória e das ações contra os grandes projetos que impelem
os/as migrantes ao deslocamento, à mobilidade humana. Trata-se de um discurso pautado na
esperança de fortalecer as práticas de comunhão e de participação, na tentativa de ser uma
Igreja dos pobres, trazendo, assim, vários elementos que nos ajudam compreender a TdL.
Nesse ponto, concordamos com Tania Regina de Luca (2005, p. 132):

É importante estar alerta para os aspectos que envolvem a materialidade dos


impressos e seus suportes, que nada têm de natural. Das letras miúdas
comprimidas em muitas colunas às manchetes coloridas e imateriais nos
vídeos dos computadores, há avanços tecnológicos, mas também práticas
diversas de leituras.

Tendo em vista as orientações da autora, percebemos que o alvo central – ou a matriz


configuradora – do periódico está associado ao vai e vem das pessoas comuns, aos oprimidos,

34
Na tentativa de despertar algumas provocações em nosso leitor, utilizaremos a palavra liberta-ação no lugar de
libertação ao nos referir à Teologia da Libertação. Reforçando assim, os sentidos e a importância atribuída em
sua teoria colocada em prática, nas experiências concretas, cotidianas.
35
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 37, julho-agosto, 1989, p. 2.
35
marginalizados, aos discriminados, aos excluídos, os quais estão nas margens da sociedade –
do direito a terra, casa, alimentação, educação, trabalho. Ou seja, um pobre migrante.
Esse primeiro indício, a preferência pelos pobres migrantes, indica uma possível
influência da TdL sobre o Boletim Vai Vem. Sem apreendermos essa primeira dimensão,
perderemos o que efetivamente fundamenta essa reflexão teológica, bem como o pano de
fundo das experiências migratórias aqui estudadas. Outro ponto que se deve levantar é o do
compromisso com as lutas social e política travadas a partir do campo religioso e,
simultaneamente, do campo político. Pelas experiências concretas dos/as migrantes relatadas
pelo periódico, assim também a TdL é reflexo dos problemas, das inquietações, das derrotas,
das vivências de fé dos pobres latino-americanos.
Existem, no nosso entender, várias formulações errôneas sobre a TdL. Tratam-se de
interpretações que deixam de enxergar as contradições e as tensões profundas entre a Igreja
Católica latino-americana e a Santa Sé e, mais do que isso, a vida dos envolvidos, os quais são
o sentido da existência de tal teologia, os pobres. Desse modo, na tentativa de ir além do
superficial, intentamos compreendê-la sem receios, pré-conceitos a priori que impedem
captar o movimento em sua profundidade.
Dito isso, podemos salientar que a TdL começa a se articular de forma mais
sistemática em meados de 1968, mas a história de sua caminhada é extensa. As práticas no
cotidiano das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)36 permitiram desenhar outro modo de
ser Igreja e de pensar transformações frutíferas à sociedade, já que para os idealizadores da
TdL e para os integrantes da Pastoral Migratória os pobres são os principais sujeitos em
potencial para escrevê-la. Essa teologia era conhecida por seu grito de liberta-ação, clamores
tecidos de baixo, no inverso da história à luz do evangelho, da fé cristã de Jesus Cristo
libertador e histórico37. A pessoa humana de Jesus é ressaltada não somente por seu
nascimento ou sua morte na cruz, mas também por suas ações na terra, sendo um dos
principais exemplos de engajamento político e social em favor dos pobres.

36
No capítulo quatro do presente trabalho, discutiremos mais especificamente as ações nas CEBs e nas SABs,
conforme as narrativas dos/as migrantes.
37
A ideia é trazer à tona os discursos utilizados pelos sujeitos que lutavam por uma TdL. Não cabe aqui
desconstruirmos a noção de realidade, fé ou até mesmo as representações e os arquétipos construídos em torno
da figura de Jesus. Para um estudo mais profícuo sobre esses temas, sugerimos: JAMES, William. As variedades
da experiência religiosa um estudo sobre a natureza humana. 38. ed. São Paulo: Cultrix, 1935; OTTO, Rudolf.
O sagrado. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1985; RICHTER
REIMER, Ivoni. Imaginários da divindade: textos e interpretações. Goiânia: UCG; São Leopoldo: Oikos, 2008,
e VERMES, Geza. A religião de Jesus, o judeu. Tradução de Ana Mazur Spira. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
36
Temos, assim, uma libertação38 que se inicia no âmago do próprio eu e, logo, a
partilha, o amor fraterno, a solidariedade se irradiam para o outro, dialeticamente. Isso ocorre,
portanto, pela linguagem e pelas relações que construímos o mundo. Dessa forma, o outro do
meu eu consolida a minha existência, o meu modo de ver o mundo e como me relaciono com
ele, ou seja, o outro possui uma anterioridade sobre o eu.
Não obstante, a TdL representa (BOFF, 1980, p. 204-2012) uma teologia
comprometida com o processo de libertação das classes subalternas, as quais (sobre)vivem à
opressão por parte da classe dominante do sistema capitalista. O pobre é entendido como
sujeito em potencial a transformar o meio em que vive não por seu estado de pobreza, pois
este é repudiado pela Bíblia, a palavra de Deus, mas pela opção de classe desfavorecida, os
primeiros destinatários de sua missão. A pobreza se personifica no mal da sociedade, que
deixa marcas, rastros, vestígios; portanto, se faz necessário unir-se à luta contra a sua
abolição.
A fé cristã em consonância com a vida – a vida vivida – suscita questões como: quais
os problemas do dia a dia dos sujeitos? Quais as lutas pela sobrevivência? O que impede de
termos uma vida completa no amor de Cristo libertador? Quais os cativeiros do cotidiano em
que estamos imersos e que nos limita de ver outras possibilidades de mundo? O que impede a
des-estruturação do modelo clerical para, assim, buscarmos uma eclesiologia subjacente às
CEBs? Como podemos conhecer e desfrutar a transcendência do sagrado em contexto de
repressão e injustiça? O poder e a instituição na Igreja podem se converter? A partir dessas
indagações, os envolvidos na TdL começaram a se conscientizar de sua luta e a sonhar com a
sua concretização.
A identificação – o nomear – desta teologia como da Libertação surge aos poucos,
em meio às reuniões, aos eventos, às celebrações, às práticas que conduziram a formulações
teóricas do movimento. No entanto, não podemos perder de vista os discursos frequentes do
período, como o pesquisador Eder Sader (1988, p. 143) chama atenção. A crise dos velhos
movimentos sociais39 que impulsionou a criação de outras matrizes discursivas, as quais

38
Em aproximação com as reflexões de Leonardo Boff (1980, p. 200).
39
Sobre esse assunto, há também a reflexão feita por Ilse Scherer-Warren (2005, p. 67-68): “a diferenciação
entre os velhos movimentos sociais e os novos movimentos sociais pode ser encontrada nas formas de suas
organizações e de encaminhamento de suas lutas. De forma breve pode-se afirmar que, quanto à organização, os
primeiros incorporavam sobretudo formas clientelísticas e paternalistas de fazer política; em certas ocasiões
utilizavam o instrumento da democracia representativa e não excluíam, em outras, o recurso da violência física.
As novas formas de organização no campo, por sua vez, valorizam a participação ampliada das bases, há
democracia direta sempre que possível, e opõem-se, pelo menos no nível ideológico, ao autoritarismo, à
centralização do poder e ao uso da violência física. Quanto ao conteúdo de suas lutas, os últimos como os
37
devem ser entendidas como modos de abordagens da realidade que envolvem diversos
elementos e intencionalidades.
Sobre os discursos inferidos no campo religioso, Eder Sader (1988, p. 144)
acrescenta: “[...] a matriz discursiva da teologia da libertação, que emerge nas comunidades
da Igreja, tem raízes mais fundas na cultura popular e apoia-se numa organização bem
implantada. Beneficia-se do ‘reconhecimento imediato’ estabelecido através da religiosidade
popular”. O chão da vivência é permeado por sujeitos plurais, os quais reinventam suas
místicas e seus sincretismos, de acordo com que está à sua disposição. Situação esta longe de
ser um catolicismo tradicional, em que só alguns têm lugar ou papéis privilegiados nas
celebrações. Esses sujeitos se constituem em núcleos estáveis, de caráter flexível, que
propõem atividades e constituem lideranças para atuar em diversos segmentos da sociedade,
constituindo-se em práticas próprias como sugere ainda o autor:

[...] a própria libertação é libertação do egoísmo, da alteridade, da miséria e


das injustiças, em suma, dos pecados pessoais e sociais [...]. Usando as
categorias de um discurso religioso – a verdade e a justiça, a palavra de Deus
e o Povo de Deus, o Pecado e a Libertação [...]. Constituíram assim sujeitos
imbuídos de fé numa luta terrena pela justiça social (SADER, 1988, p. 164-
167).

Trata-se de um discurso religioso que buscava, primeiramente, refletir sobre os


problemas dos sujeitos, para que, assim, pudesse confrontar-se com as escrituras sagradas, na
tentativa de visualizar tomadas de posições a fim de solucioná-los (pautados no método: ver-
jugar-agir). Essas práticas afirmam as potencialidades dos sujeitos de se organizarem e de
criarem outros espaços para exercerem suas experiências travadas no cotidiano. A novidade
está não só no cotidiano, mas também nos novos sentidos atribuídos a ele. Como o
pesquisador Damião Duque de Farias (2002, p. 12) chama atenção:

Na nova eclesiologia católica, o Corpo Místico de Cristo, mais que o


investimento em uma representação da divisão de funções hierarquizadas,
apostava em representações democráticas, por meio de noções articuladas ao
redor do tema do comunitarismo, propondo solidariedade dos membros da
Igreja nas atividades pastorais. O centro desta nova eclesiologia seria o
homem no seu vivido. A doutrina estaria fundada não mais nas leis e nos
dogmas, mas na experiência concreta, cotidiana, do ‘povo de Deus’. Seria
com base nessa experiência que a Igreja deveria refazer sua práxis, de tal

primeiros possuem demandas específicas e por vezes defendem utopias de transformações sociais mais gerais. O
que há de inovador é a luta pela ampliação do espaço da cidadania, incluindo-se aí a busca de modificações das
relações sociais cotidianas”.
38
modo que o vivido estivesse em sintonia com a ética católica, ressaltando as
possibilidades ali encerradas.

Tendo em vista os apontamentos do autor, torna-se oportuno retomarmos alguns dos


momentos históricos que a América Latina vivenciou. Entre eles está o contexto pós-
Revolução Cubana40 (1959) e as tensões políticas marcadas pelas repressões e torturas
realizadas por inúmeros regimes ditatoriais – que, em contrapartida, fizeram emergircentenas
de manifestações populares, as quais reivindicavam direitos e autonomias. Ademais,
destacam-se os embates fé-revolução expressados pela Ação Católica Brasileira (ABC), pela
Juventude Universitária Católica (JUC) e, posteriormente, em 1962, pela Ação Popular (AP).
A Juventude Universitária Católica (JUC), inspirada primeiramente nas ações
católicas da Itália e depois no modelo francês, foi registrada oficialmente no ano de 1950. A
JUC era conhecida por suas dimensões religiosa, humana, social e também política. Era
composta por padres e estudantes católicos, estes de maioria leiga41 e que expressavam o
maior desejo de mudança. Buscavam transformações que estavam em consonância com as
necessidades do período. As reivindicações perpassavam desde a estabilidade familiar até a
educação religiosa nas escolas.
Algumas das marcas que se sobressaem neste movimento são, sem dúvida, o
engajamento político e o entusiasmo de renovação (em aproximação com BEOZZO, 1984, p.
84-88). Falava-se em Ideal Histórico para todos os sujeitos. Um ideal transformador e
profundo que pudesse modificar as estruturas de dominação (a metodologia da ação
missionária e da ação sobre as estruturas).
Torna-se necessário registrar que havia, no início da JUC, resistências às filosofias e
ideologias marxistas, como se pode observar:

[...] seu número é difícil de conhecer. São igualmente líderes, sabem o que
querem e exercem muitas vezes uma influência marcante no meio,
especialmente no terreno político. Estamos, de um modo geral, esquecendo

40
Interessa observarmos no livro intitulado Cartas Teológicas sobre o socialismo, publicado em 1989, as
impressões que Clodovis Boff (irmão de Leonardo Boff) teve sobre Cuba na busca de visualizar a dimensão
ético-religiosa do socialismo ao apresentar alguns relatórios de viagens, entre elas realizados em Cuba, na antiga
União Soviética e na China. Embora Cuba se demonstrasse como modelo alternativo no período, no campo
religioso não se apresentou um dinamismo eclesial em particular, tão menos relacionado à TdL.
41
Para Leonardo Boff (1982, p. 187): “Leigo, em seu sentido originário grego, significa membro do Povo de
Deus. Nesta acepção também o padre, o bispo e o Papa são leigos. Entretanto, na divisão eclesiástica do trabalho,
leigo é todo aquele que não participa do poder sagrado. Por causa disto não era considerado portador de
eclesialidade, no sentido de também produzir bens simbólicos e ser criador de comunidade eclesial; era um
beneficiário daquilo que o corpo de funcionários sagrados produzia e um executor das decisões deles”.

39
que não podemos colaborar, nem mesmo indiretamente, com esses colegas
(BEOZZO, 1984, p. 88).

Contudo, as influências marxistas foram inevitáveis. Essas vinham ao encontro das


estratégias metodológicas do movimento. Da mesma forma, a crise (1960-1967) da JUC
também está ligada ao projeto de sociedade socialista, o qual deixou os embates com o
episcopado da Igreja Católica mais aguçados. Acrescentam-se, ainda, aos motivos de crise os
conflitos diretos entre o laicado e a nova direção do movimento, bem como a desarticulação
do apoio da opinião pública.
A JUC conduziu e impulsionou outros movimentos, como o Ação Popular (AP),
deixando assim, como os percussores relatam, uma comunhão mais direta entre os leigos e a
essência do engajamento político em cada cristão, a fim de construir, na fé, na esperança e na
caridade, uma vida terrena mais humana.
Há que se ressaltar ainda que a Ação Popular era composta de ex-jucistas, jucistas e
de militantes da Juventude Operária Católica (JOC). Percebemos nos discursos, tanto da JUC
quanto da AP, os termos: povo, homens, todos e todas, ou seja, não se tem um grupo
privilegiado, como a escolha pelos pobres na TdL. É possível perceber essas questões na obra
do pesquisador – e também padre – José Oscar Beozzo:

[...] a ação popular é expressão de uma geração que traduz em ação


revolucionária as opções fundamentais que assumiu como resposta ao
desafio da nossa realidade e como decorrência de uma análise realista do
processo social brasileiro na hora histórica em que nos é dado viver. Nossa
opção não se exerce em abstrato. Nosso compromisso único é, pois, com o
homem. Com o homem brasileiro, antes de tudo (BEOZZO, 1984, p. 118).

Apesar disso, tem-se nesses movimentos, ou mais especificamente na JUC, como


bem observou Gustavo Gutiérrez Merino, mesmo que de forma ainda muito tímida, a gênese
dos primeiros passos do movimento teológico pela libertação. “Gutiérrez assinala que foi o
Brasil e mais precisamente na JUC dos anos 60 que muitas intuições do que tornaria mais
tarde a Teologia da Libertação haviam começado a tomar corpo, num lento processo ligado a
uma prática concreta e, sobretudo, a uma prática política” (BEOZZO, 1984, p. 14).
A TdL foi pensada e gestada a partir da realidade do continente latino-americano,
enquanto resposta ao processo político, social, econômico, cultural e, sobretudo, religioso do
período e do passado. A saber, a história de colonização na América Latina foi marcada por

40
violências42, por jogos de interesses monárquicos e de catequizações forçadas, lideradas pelos
missionários e/ou jesuítas. Em uma frase de Francisco Catão (1986, p. 44), percebemos essas
questões: “[...] a América Latina nunca foi evangelizada: foi conquistada para o catolicismo”.
Diríamos mais, esta neocristandade43 não levou em consideração, em nenhum momento, a
religiosidade popular dos sujeitos. Ou melhor, a Igreja repudiava e punia qualquer verdade
que se colocava em sua oposição. Portanto, uma religiosidade que foi calcada de cima para
baixo e de fora para dentro.
A parceria da Igreja com as classes dominantes legitimou cada vez mais o poder
hegemônico de ambas. No final do século XIX, com o rompimento da Igreja com o Estado
em termos oficiais e, consequentemente, com a adoção de sistemas laicos na legislação,
educação, justiça, política, religião, ela foi forçada a estabelecer outras parcerias.
Notamos que o campo religioso, assim como qualquer outro, não é homogêneo. Os
campos são relacionais (parafraseando BOURDIEU, 2013, p. 27), de acordo com os
interesses em pauta, em disputa, assim, os sujeitos de cada campo se organizam e recriam
novas práticas. Essa heterogeneidade estende-se também para as correntes em torno da TdL.
Nesse sentido, não há uma abordagem da TdL, mas várias; entre elas, a antropológica, que
apresenta diversas possibilidades. O sul-africano luta, teologicamente, pela libertação dos
negros e de todos os oprimidos e desfavorecidos. Observam-se também, atualmente, os novos
elementos integrados no discurso da TdL, como o indígena, o ecológico, o da
sustentabilidade, o da terra, o das mulheres. Há de se considerar, ainda, as contradições do
movimento, “mesmo quando a ‘questão social’ passou a ter maior centralidade no discurso
oficial católico, a doutrina social católica formulada era expressão das concepções católicas,

42
José de Souza Martins, em A chegada do estranho (1993, p. 15-16), realça os sentidos desta violência e ao
mesmo tempo, com um tom irônico e poético, problematiza os olhares unicamente trágicos à nossa América
Latina: “[...] Qual violência? A violência institucionalizada que levaram os missionários e que muitos deles
ainda levam às sociedade latino-americanas? A violência da dívida externa? A violência de uma concepção de
democracia que é apenas uma fachada da história latino-americana? A violência das ditaduras? A violência de
um capitalismo que não tem nenhuma relação com a dignidade humana? De qual violência se pode falar?
Parece-me que há também uma violência nesta concepção triste da América Latina. A nossa América Latina é
trágica, mas é, ao mesmo tempo, divertida. É preciso compreender esta nossa contradição. Sem chorar todo o
tempo. Às vezes é preciso rir. É preciso rir do inimigo e do que dele ficou dentro de nós. Por isso, é preciso rir
também de nossas próprias debilidades, dos nossos enganos, das nossas vitórias quase nunca definitivas. É
preciso rir o riso crítico que denúncia a comicidade dos protagonistas, conquistadores e conquistados, na vã
tentativa de vestir, de impor, a apertada roupa cultural de quem manda ou pensa mandar. Não chorem por nós,
porque a América Latina não é um funeral. A América Latina é uma festa, mesmo quando estamos sepultando os
nossos mortos. Porque no silêncio dos funerais das vítimas dos que nos oprimem há também o cântico interior de
nossas esperanças, anúncio e prefiguração da nossa festa coletiva e permanente”.
43
O modelo de Igreja que apoia sua estrutura institucional nos aparelhos políticos e administrativos do Estado.
41
em geral autoritárias e conservadoras ao mesmo tempo. Muito pouco se aproximavam do
vivido popular” (FARIAS, 2002, p. 347).
Assim sendo, o pensar sobre a TdL deve estar em consonância com essas
transformações e inquietações de cada período histórico, já que a Igreja passou a ter um olhar
mais atento aos problemas do cotidiano de seus fiéis, embora com muita cautela, como
veremos no decorrer deste texto. Os embates com uma Igreja hierárquica, tradicional,
autoritária e clerical fez-se presente em todo o momento, bem como a resistência de uma ala
conservadora da Igreja Católica, a qual repudiava qualquer possibilidade de mudança,
inclusive por tal revolução estar intimamente ligada aos pobres. Do mesmo modo, há de se
pontuar os limites desta tendo em vista “[...] as esferas da alta hierarquia católica brasileira e
no mais alto grau e nível decisório, pelo Vaticano. [...] o Vaticano reúne as condições e de
repressão para realizar a acomodação das forças internas e transição dentro de limites por ele
tolerados” (FARIAS, 2002, p. 431).
No âmbito dos estudos a respeito dos movimentos populares latino-americanos,
Maria da Glória Marcondes Gohn (1997, p. 237) ressalta que é inevitável não incluir a
categoria dos intelectuais no cenário. Deve-se entendê-los como sujeitos engajados nos
movimentos, por apresentarem comprometimento nas lutas, no campo teórico e institucional.
Não sendo diferente no movimento pela TdL, no qual se destacam inúmeros teólogos,
filósofos e pesquisadores de outras áreas, entre eles o uruguaio Juan Luis Segundo, o
colombiano Jorge Camilo Torres Restrepo, o chileno Rolando Miguel Paradowski, os
peruanos Roberto Oliveros Maqueo e Gustavo Gutiérrez Merino e os brasileiros Leonardo
Boff e Hugo Assmann.
Entre estes intelectuais, destacam-se o brilhantismo e a audácia do brasileiro
Leonardo Boff44 e do peruano Gustavo Gutiérrez Merino45. Ambos são considerados
principais expoentes da TdL, pelo engajamento por uma libertação do continente latino-
americano e pela grande quantidade de livros dedicados ao assunto.

44
Foi membro da Ordem dos Frades Menores – Franciscanos. Nasceu em Concórdia, no dia 14 de dezembro de
1939. Para os interessados, segue o link do blog do escritor e teólogo: http://leonardoboff.wordpress.com/sobre-
o-autor/. E os títulos de alguns de seus livros sobre o tema: Teologia e prática: Teologia do político e suas
mediações (1978); Da libertação: o sentido teológico das libertações sócio-historicas (1985); Como fazer
Teologia da Libertação (1986); Teologia do cativeiro e da libertação (1976); A fé na periferia do mundo (1991);
E a Igreja se fez com o povo: eclesiogênese, a igreja nasce do povo (1986) e O caminhar da Igreja com os
oprimidos: do vale de lágrimas à terra prometida (1980).
45
Sacerdote dominicano, nascido no dia 8 de junho de 1928 na cidade de Lima, Peru. Gustavo Gutiérrez Merino
é considerado o Pai da Teologia da Libertação. Deixamos aqui o link de uma das entrevistas com o teólogo:
www.youtube.com/watch?v=9FS2UYhLzc8.
42
A teologia, no olhar desses intelectuais, não pode ser vivida longe da boniteza e da
miséria da vida. Compreender a trajetória dos sujeitos é se posicionar automaticamente a
favor dos pobres e dos marginalizados, no intuito de reparar, reescrever as suas histórias, as
quais são marcadas por violência material e simbólica. Assim sendo, para Leonardo Boff e
Gustavo Gutiérrez Merino, a TdL, além de ser uma opção profética, mostra-se humanizada
com a vida.
Gustavo Gutiérrez Merino, em seu contundente livro intitulado A força histórica dos
pobres, evidencia as formulações teóricas desta teologia. Embora publicado em 1984, este
livro é composto por vários textos escritos durante a efervescência do debate sobre a TdL,
entre eles artigos que analisam documentos preparatórios de Puebla (1978). Este autor, ao
descrever a busca de caminhos por uma TdL, demonstra as especificidades desta reflexão,
como podemos observar:

A teologia da libertação é uma tentativa de compreender a fé a partir da


práxis histórica, libertadora e subversiva dos pobres deste mundo, das
classes exploradas, das raças desprezadas, das culturas marginalizadas. Ela
nasce da inquietante esperança de libertação, das lutas, dos fracassos e das
conquistas dos próprios oprimidos, de um modo de se reconhecer filho ou
filha do Pai, diante de uma profunda e exigente fraternidade. É por isso que
ela vem depois: é um momento segundo em relação à fé, ‘fé que opera pela
caridade’. Além das reais e fecundas exigências do pensamento
contemporâneo, essa é a razão pela qual a teologia da libertação, como
reflexão, situa-se em um modo diferente de relacionar a prática com a teoria
(MERINO, 1984, p. 58).

Nessa perspectiva, a teologia deve estar em consonância com as experiências dos


sujeitos, na tentativa de não substituir uma pela outra. A teoria é vista como um espaço de
irradiar luzes e a prática, como mero receptáculo, mas entrelaçados no movimento dialético
da práxis, sobre e na práxis.
Leonardo Boff, em seu livro Igreja, Carisma e poder (1982), defende a possibilidade
de outro modelo de ser Igreja, dentro da seguinte problemática: a Igreja, como instituição,
pode se converter ou não, tendo em vista seu poder centralizador, autoritário e impermeável?
Assim sendo, o autor coloca a Igreja nova frente à Igreja velha. A Igreja Nova é Igreja-Povo-
de-Deus, que emerge nas periferias, nos porões da humanidade, nas demandas dos
movimentos sociais, no dia a dia de comunhão, solidariedade e compaixão uns com os outros.
Como sugere o autor, “a verdadeira eclesiologia não se encontra nos manuais ou nos escritos
dos teólogos; ela se realiza e vigora nas práticas eclesiais e está sepultada dentro das
instituições eclesiásticas” (BOFF, 1982, p. 15).

43
É constante nos textos do teólogo Leonardo Boff a defesa e a conscientização de uma
esperança como forma de engajamento político, em contraposição ao modelo eclesial, bem
como ao capitalista. Há quem o classifique como romântico, utópico, humanista ou purista,
por mistificar a cultura popular, idealizar as CEBs e também por atribuir aos pobres o poder
de mudança – por sua condição de classe oprimida que vive e conhece os devaneios da
sociedade, ideia bem próxima das concepções do pesquisador italiano Antônio Gramsci
(1982, p. 23). É considerado intelectual orgânico o sujeito organicamente nascido da base da
sociedade, nas classes populares, que produzem, por meio de sua intelectualidade, contra-
hegemonias necessárias para transformar a sociedade.
Como chama atenção o pesquisador Damião Duque de Farias (2002, p. 378), este: o
romantismo católico é o aspecto fundamental para compreensão da práxis destes militantes, e,
principalmente, do movimento. Se por um lado, têm-se o campo religioso é composto pelo
caráter conservador, de outro, aponta-se “[...] o acento exclusivo nos caracteres progressistas
ou revolucionários”.

44
1.1.1 Por uma teologia das migrações: Os migrantes em cena

Depois de apresentarmos um rápido panorama da TdL, neste momento trataremos de


algumas das importantes Conferências Episcopais46 já realizadas, destacando as abordagens e
a importância atribuída aos movimentos populares da América Latina, principalmente à TdL.
Apresentamos, por um lado, o modelo clerical e hierárquico conduzido pela Igreja Católica e,
por outro, as organizações em contradiscursos entoados de dentro do campo religioso.
No ano de 1955, aconteceu a primeira Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano (Celam) na cidade do Rio de Janeiro, no pontificado do Papa Pio XII. Podemos
ponderar que foi um importante passo dado, mas não representou mudanças significativas no
que tange às preocupações sociais, religiosas e políticas.
Convocada pelo Papa Paulo VI, a segunda Conferência ocorreu em Medellín, na
Colômbia, entre 26 de agosto e 8 de setembro de 1968. Os participantes trouxeram para o
centro dos debates suas inquietudes sobre os problemas latino-americanos mais graves:
miséria, repressão e injustiça. Trata-se

[...] de um estado de coisas que não leva em conta as mais elementares


exigências da dignidade do homem: sua própria subsistência biológica e seus
direitos primordiais como ser livre e responsável. A miséria, a injustiça, a
situação de alienação e a exploração do homem pelo homem que se vive na
América Latina configuram uma situação que a conferência episcopal de
Medellín não vacila em qualificar e acusar de ‘violência institucionalizada’
(MERINO, 1984, p. 45).

Chama-nos a atenção como os sujeitos e os próprios documentos oficiais da


Conferência de Medellín pontuam a situação latino-americana, compreendendo o momento
histórico como violência institucionalizada. Essa afirmativa torna-se mais interessante ao
confrontarmos com os discursos destacados, os quais se referiam à conjuntura da época como
colonialismo interno e neocolonialismo externo. Falavam em ideal de solidariedade e
fraternidade uns com os outros, de partilha e principalmente de liberdade nos seus múltiplos
sentidos. Todas essas palavras foram intencionalmente ecoadas, no intuito de evidenciar a
realidade latino-americana e, por conseguinte, as práticas da teologia que poderiam contribuir
para reescrever histórias dos oprimidos.

46
Em síntese, as Conferências constituem-se em espaços de reflexão e de discussão sobre a religiosidade em
relação aos problemas candentes da realidade, tendo como fruto final a sistematização do documento de Paz.

45
Caracterizar a realidade com base nas, concepções da TdL pressupõe transformações
contínuas que abarcam mudanças radicais nas estruturas (eclesial, política, econômica e
social) e especialmente nos oprimidos, como processo de emancipação do homem.
Vista como importante vitória dos militantes da TdL, a Conferência de Medellín
contribuiu para intensificar o debate sobre a solidariedade dos pobres latino-americanos. A
Igreja Católica, enquanto instituição, aproximou-se dos dilemas sociais e políticos, com uma
nova postura frente à realidade, oscilando entre as tendências mais conservadoras e
progressistas. Todavia, cabe salientarmos que essas questões suscitadas não se deram de
forma automática, de uma Conferência para outra. Eram dilemas que permeavam o chão de
bispos, padres, leigos e de pessoas comuns e depois eram encaminhados aos espaços ditos
oficiais da Igreja Católica, com a intenção de serem consolidados.
Antes da Conferência de Medellín, ocorreram a Encíclia Mater et Magistra, no ano de
1961 e o Concilium - Concílio47 do Vaticano II, entre outubro de 1962 e dezembro de 1965,
ambos convocados no pontificado de João XXIII48. Nesse último evento, discutiram-se
questões tanto do âmbito do sagrado quanto aquelas seculares. Alguns teóricos defendem que
o Concílio representou grande ruptura no interior da Igreja Católica e uma abertura para o
mundo laico, propiciando uma abertura aos leigos dentro das celebrações da Igreja, bem como
a legitimidade de suas ações junto à comunidade. A Igreja Católica, nesse período, se
transformou em agente ativo no seio da sociedade, a partir de várias organizações e
movimentos populares, como aponta a socióloga Maria da Glória Marcondes Gohn (1997, p.
230).

Nos anos 60 deste século, com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica
mudou o eixo de sua política na América Latina. Até então ela estava
voltada para a sociedade política, exercendo influência junto ao Estado por
meio de partidos democratas cristãos e movimentos sociais com a Ação
Católica. A partir do Concílio ela desenvolveu estratégias para voltar-se para
a sociedade civil, passando a ser, ela própria, um agente ativo na organização
dessa sociedade, por meio das pastorais e comunidades eclesiais de base.

47
“Os Concílios são momentos em que o Papa e o Colégio Episcopal (Bispos) se reúnem para tomar decisões em
relação ao futuro da Igreja Católica. Muitos dos chamados ‘dogmas de fé’ foram promulgados pelos Papas
reunidos com os Bispos nesses grandes encontros [...]. Durante alguns Concílios, a Igreja estava passando por
momentos de crise, interna e/ou externa, como aconteceu durante a Reforma Protestante, do século XVI. Nesse
caso, o encontro entre o Papa e os Bispos serve não apenas para resolver questões relacionadas à fé católica,
mas, principalmente, para propor soluções e para juntos organizarem defensivas contra seus ‘oponentes’”
(SILVA, 2006, p. 59).
48
Canonizado em 2014, no pontificado do Papa Francisco.
46
Enquanto alguns autores consideram simplesmente a dimensão doutrinária do
Concílio Vaticano II, para outros, mais do que produzir documentos conciliares, ele
representou uma grandiosa experiência espiritual e pastoral de reforma evangélica na estrutura
canônica. Os documentos conciliares, à luz da própria experiência conciliar, não podem ser
entendidos longe do contexto cultural e histórico em que estavam inseridos, tais como: crise
de legitimidade das instituições, declínio do centralismo da teologia centro-europeia e novas
experiências eclesiais.
Podemos dizer também que o Concílio (SILVA, 2006, p. 60-61) representou uma
abertura às questões sociais, ao mundo laico, às ações dos leigos e aos novos modelos de
evangelização liderados pela ala progressista, mas significou, ao mesmo tempo, doutrinação,
endurecimento e conservadorismo ligado à antiga hierarquia e dogmas da Igreja Católica. Em
outros termos, teremos, a partir desse momento, a consolidação de dois movimentos católicos,
duas formas diferentes de ser Igreja: o da TdL e o da Renovação Carismática Católica (RCC).
Enquanto uns defendiam que a teologia deveria estar em consonância com as práticas sociais,
no sentido de que o cristianismo se demonstrasse como função social para sociedade, os
carismáticos ressaltavam a importância da vida espiritual, por meio da oração.
A preocupação da presente pesquisa não está em debater as polêmicas em torno
desses dois movimentos, nem em discuti-los com base na perspectiva da história comparativa,
entretanto acreditamos que ao apontarmos as tensões e as variadas interpretações do Concílio
do Vaticano II, estamos evidenciando que a História não é conduzida longe dos espaços de
poder, de mediações e de disputas. Nesta linha de pensamentos, podemos considerar que este
Concílio foi um marco para os teólogos da Libertação e da Renovação Carismática e, ao
mesmo tempo, para outros movimentos. Como se pode notar,

[...] o Concílio Vaticano II, ia sendo preparado, ainda que num processo
lento, mas gradativo, em que seriam protagonistas diversos movimentos de
renovação: o movimento bíblico, centrado na volta às Escrituras e a uma
releitura da Palavra, tendo o presente a história em seu contexto atual; o
movimento eclesiológico, que buscava superar a eclesiocentrismo e recuperar
a categoria ‘Reino de Deus’, eclipsada por uma eclesiologia cristomonista; o
movimento ecumênico, que sonhava com a restauração da unidade dos
cristãos e com a abertura do cristianismo a um verdadeiro diálogo com as
religiões; o movimento laical, que reivindicava um lugar específico dentro da
Igreja como sujeito e com identidade própria; o movimento teológico, que
buscava superar os métodos do metarrelato agostiniano e tomista e colocar a
teologia no interior do paradigma da racionalidade moderna [...]
(BRIGHENTI, 2006, p. 32-33) [grifos nossos].

47
A Conferência Episcopal de Puebla (México), realizada em 1979, retomou esses
apontamentos trazendo o tema da pobreza como questão chave a ser discutida, por meio do
documento intitulado Opção Preferencial pelos Pobres – uma escolha pelos menos
favorecidos, tendo em vista o contexto histórico e não a exclusividade destes. Diferentemente
da Conferência em Medellín, que estava repleta de desvios de interpretações, nos documentos
de Puebla podemos visualizar linguagens claras e um sentido mais profundo da pobreza. Esse
tema significou também uma ruptura com os próprios Documentos de Consultas, como
destaca Gustavo Gutiérrez Merino (1984, p. 201).
Ouvir os clamores dos pobres, a opressão vivida pelos latino-americanos e
posicionar-se a favor deles, eram sinais de autêntico compromisso evangélico, pois “o clamor
pode ter parecido surdo naquela ocasião, mas agora tornou-se claro, crescente, impetuoso e,
em certas ocasiões, ameaçador” (PUEBLA, n. 89 apud MERINO, 1984, p. 221). Nesse
sentido, Puebla demonstrou a preocupação que os militantes da TdL já anunciavam.
Retomando o programa de Medellín, Puebla se tornou um espaço de trocas de experiências e
de abertura para novos temas.
O campo das migrações também foi destacado como sinal dos novos tempos. Houve
uma atenção ao vai e vem em grande escala de homens e mulheres migrantes, principalmente
de forma degradante e desumana. Em uma escala local, percebe-se no primeiro número do
Boletim Vai Vem a relação feita com as reflexões realizadas em Puebla, no sentido de
consolidar e projetar as ações da Pastoral do Migrante.

Comprovamos, pois como o mais devastador e humilhante flagelo a situação


de pobreza desumana em que vivem milhões de latino-americanos e que se
exprime, por exemplo, em desemprego e subemprego, destruição,
instabilidade no trabalho, MIGRAÇÕES MACIÇAS E FORÇADAS e sem
proteção. [...] Observamos que em quase todos os nossos países se tem
experimentado um acelerado crescimento demográfico. AS MIGRAÇÕES
INTERNAS E EXTERNAS, levam a um senso desenraizamento. As cidades
crescem desordenadamente... O aumento dos que buscam trabalho foi mais
rápido do que a capacidade de dar emprego do próprio sistema econômico e
social (PUEBLA, p. 29-71 apud Vai Vem, Boletim das Migrações, Ano 1, n.
1, junho, 1981, p. 1) [grifos no original].

Como demonstra a citação, o periódico se apropriou de tais discursos, reelaborando-


os e transformando-os em espaços de disputas, negociações, tensões e conflitos. Colocou-se
enquanto propositor e gestor de denúncias das migrações forçadas, assim como mobilizador

48
de estratégias sociais dos/as migrantes, construindo modos próprios de navegação social (DA
MATTA, 1993, p. 12).
Percebemos que a leitura do periódico sobre as migrações forçadas, está em
consonância com as teorias defendidas pelo pesquisador Jean-Paul de Gaudemar, em seu livro
Mobilidade do trabalho e acumulação do capital. O/a trabalhador/a migrante se desloca em
detrimento das estratégias de exploração e de crescimento do sistema capitalista (mercado,
força de trabalho e produção de mais-valia). Para o autor, “o conceito mobilidade do trabalho
participa na determinação especifica da economia no seio das determinações gerais de toda a
economia mercantil” (GAUDEMAR, 1977, p. 196). Sendo assim, “[...] quanto mais
desenvolvida é a produção capitalista de um país, maior é a mobilidade exigida à capacidade
de trabalho. Quanto mais o operário é indiferente ao conteúdo particular do seu trabalho, mais
fluida e intensa a migração do capital de um ramo de produção para o outro” (MARX, 1996
apud GAUDEMAR, 1977, p. 1991-1992).
Nessa perspectiva, todas as modalidades de migrações são forçadas, pois os sujeitos
são direta ou indiretamente movidos – submetidos49 – pelas relações postas por esse sistema.
Assim, o principal fator dos deslocamentos seria a demanda por força de trabalho.
No que tange ao entendimento de desenraizamento, como assinalado no boletim,
pode-se interpretá-la à luz das formulações da pesquisadora Simone Weil (1979) feitas no
livro A condição operária e outros estudos sobre a opressão. No capítulo intitulado O
desenraizamento, a autora afirma que “o enraizamento é a necessidade mais importante e
mais desconhecida da alma humana” (WEIL, 1979, p. 347) e, por sua vez, o desenraizamento
– mediante as relações sociais historicamente construídas – leva os sujeitos ao estado de
doença aguda, pois o desenraizamento multiplica a si próprio. Nesta concepção, os/as
migrantes “embora geograficamente permanecendo num local, moralmente foram
desenraizados, exilados e readmitidos, por tolerância, como carne de trabalho” (idem, p. 348).
Cabe pontuar também que esse período foi caracterizado pelo êxodo dos sujeitos do
campo para a cidade50 – em busca de melhores condições de vida, com o discurso de
modernização e de progresso da área urbana – e também pelos inúmeros deslocamentos por
conta de grilagens, expulsões e implantação de latifúndios.

49
“Circulação das forças de trabalho: é o momento da submissão da mobilidade do trabalhador às exigências do
mercado, aquele em que o trabalhador, à mercê do capital e das crises periódicas, se desloca de uma esfera de
atividade para outra; ou por vezes aquele em que sucede o trabalhador ser ‘sensível’ a toda a variação da sua
força de trabalho e da sua atividade, que lhe deixa antever um melhor salário” (GAUDEMAR, 1977, p. 194).
50
Ver o próximo capítulo desta dissertação.
49
É importante lembrar que, entre as décadas de 1960 e 1970, o Brasil – viveu uma
bipolarização global, no contexto da Guerra Fria, marcada profundamente pela dicotomia
capitalismo-socialismo, com consequências nas histórias dos sujeitos e na historiografia sobre
o assunto. As sucessões de golpes militares no continente sul-americano são reflexo do
autoritarismo político e econômico, mas, como veremos adiante, este contexto não deve ser
compreendido fora da dialética, das contradições e ambivalências representadas também nas
diversas manifestações de resistências.
Em 31 de março de 1964, os brasileiros testemunharam a queda do presidente João
Goulart e, por conseguinte o golpe civil-militar. Na mesma época, ocorreu o mesmo em vários
países da América Latina, cada um com a sua singularidade, mas pontos em comum: ditadura,
tortura, repressão e perseguição de partidos opositores ao governo – como movimentos sociais
Igreja, principalmente Católica, imprensa alternativa, entre outros.
Como resquícios desse período tivemos, no final dos anos de 1970, diversas
manifestações de resistência à ditadura que podem ser verificadas nas letras das músicas, nas
expressões artísticas em geral e nos diversos seguimentos de movimentos populares. A
chamada nova esquerda e/ou novos personagens entram em cena (SADER, 1988, p. 20),
ocupando os múltiplos espaços públicos e reivindicando direitos. É nesse contexto histórico
que o Boletim Vai Vem é criado. Arriscamos dizer que o próprio periódico pode ser entendido
como resistência social e política às diversas injustiças vivenciadas pelos/as migrantes. A
Igreja Católica acolheu manifestantes e perseguidos do regime militar, que tentava pulverizar
e silenciar os movimentos sociais.
Dito isso, na segunda edição do Boletim Vai Vem já é possível observar a tentativa de
elaboração de uma teologia das migrações (DONELAS & NASSER, 2008, p. 177). Como as
propostas da Pastoral dos Migrantes estavam pautadas no compromisso libertador, na busca
de transformações de realidade, encontraram na TdL fundamentos teóricos e metodológicos.
Porém, esta linha - teologia das migrações - dentro da própria TdL não teve tantas
amplitudes.
Ao observarmos grande influência da TdL sobre o periódico, perguntamos aos
editores do Boletim Vai Vem, na ocasião das entrevistas, a respeito da relação com tal
teologia. Todos falaram com muita naturalidade e saudosismo sobre o assunto. Na verdade, os
envolvidos eram seminaristas, ex-seminaristas, leigos ou padres, os quais viviam e lutavam
pelos ideais da TdL. Buscavam a libertação dos pobres migrantes – a liberdade de ir e vir, de

50
poder se expressar, de lutar por melhores condições de vida, de denunciar as mazelas vividas
por esses sujeitos migrantes.
Percebemos que era mais do que um simples diálogo da TdL com o Boletim Vai
Vem, como Dirceu Cutti chama atenção: “[...] a Teologia da Libertação não era uma coisa
distante que vinha aqui dialogar, um diálogo de dois distantes.As nossas ações eram pautadas
neste ideal”51. Esta colocação nos permite afirmar que o periódico representava outras formas
de ser Igreja, entoadas por meio das ações realizadas junto aos/às migrantes nas CEBs e nas
Sociedades Amigos de Bairro (SABs), as quais estavam inseridas no contexto da
efervescência do debate da TdL.
A editora Neide Benvindo reafirma o apontamento feito por Dirceu Cutti, ao destacar
o cotidiano com os/as migrantes nas CEBs e nas SABs. Essas ações envolviam diversas
pastorais, como a Pastoral Operária, a Pastoral da Juventude, a Pastoral da Moradia, a Pastoral
Urbana, a Pastoral da Criança e a Pastoral da Terra. As parcerias com as pastorais sociais se
davam estrategicamente, no intuito de lutar coletivamente em prol dos/as migrantes, pois,
como ela mesma elucida, “os migrantes precisavam de trabalho, saúde, educação, moradia. E
se você quer que o migrante tenha tudo isso, você tem que estar ligada com as demais
pastorais. [...] sempre dizíamos que não éramos afastados de nenhuma Pastoral”52.
Observamos a tentativa de articulação com as demais pastorais e também as várias estratégias
de solucionar e de colocar em evidência os dilemas dos/as migrantes.
Neide Benvindo continua sua fala relacionando a TdL com a busca de libertação
dos/as migrantes: “a Teologia da Libertação e a Pastoral do Migrante, eu acho que têm tudo a
ver. Com esta ideia de mudança, mesmo. Eu acredito que este mundo novo só é possível de
vir se as pessoas forem felizes. E, para tanto, você tem que lutar muito”53. Podemos notar que
a noção de felicidade está correlacionada com a prática da luta. Luta esta que está
intimamente ligada ao projeto de transformação. Tanto a TdL quanto a Pastoral do Migrante
comungam do mesmo projeto de sociedade; a primeira, talvez, esteja associada no sentido
macro desta teologia, a qual envolve todos os oprimidos, e a esta última designa-se uma das
categorias de excluídos, ou seja, dos pobres que são migrantes.

51
Entrevista realizada no CEM, em São Paulo (SP), no dia 06/09/2013, a qual teve a duração 1h46min26.
52
Entrevista colhida por telefone no Serviço Pastoral dos Migrantes – SP, no dia 23/01/2014, com duração de
1h, 44min e12seg.
53
Idem.
51
A entrevistada acrescenta ainda que “nossa prática era como um grito mesmo, que a
gente tinha que fazer para que as pessoas vissem e ouvissem o povo migrante”54. É nítido que
as cartas analisadas aqui estão alocadas nesse contexto de transformação eclesial de trabalho
pastoral com os/as migrantes a partir da abertura da Igreja Católica para o mundo secular.
Interessa ressaltar também o estranhamento da entrevistada com atual conjuntura da Igreja e
sua satisfação e seu orgulho de ter participado de algumas conquistas junto com os/as
migrantes, as quais podem ser visualizadas em seu bairro.

[...] eu estranho muito hoje o jeito da Igreja, porque eu vim de uma Igreja
que você ia pra rua. Você ia pra rua para brigar por melhores condições de
vida. E lá onde eu moro [...] Tudo, mais tudo, que hoje temos no bairro
foram conquistas da comunidade dentro da Igreja. A gente lutou por asfalto,
por posto de saúde, por escolas municipais para crianças. Se o bairro é o que
é hoje, deve-se à luta da Igreja, porque a gente saia das quatro paredes da
Igreja e ia pra ruas para gritar por estas melhores condições e hoje isso não
tem mais. Hoje as pessoas só ficam rezando dentro da Igreja (Neide
Benvindo, entrevista gravada em janeiro de 2014).

Nesse trecho, encontramos um dos discursos da TdL, o de ser uma Igreja voltada aos
problemas sociais dos sujeitos. A rua pode ser entendida na dimensão material e simbólica. É
na rua que, literalmente, esses sujeitos gritavam, reivindicavam por mudanças, politizavam as
múltiplas esferas de seus cotidianos. E nesta mesma rua encontravam os dilemas e os
sofrimentos dos pobres migrantes. Não obstante, entre paredes da Igreja representa, enquanto
metáfora, as suas conjunturas rígidas e impermeáveis, nas quais a hierarquia eclesial
disseminava seu poder. E as ruas, neste sentido, são o contrapoder – as possibilidades de ser
Igreja em outros espaços, para além dos ditos oficiais, e de construir outra noção de
humanidade.
Esses apontamentos vêm ao encontro das entrevistas feitas com Roberval Freire e
Ari Alberti. Ambos, ao relatarem suas experiências, trouxeram à luz outras dimensões de
espaços de práticas eclesiais e pastorais, como as garagens das casas de periferias e galpões
das comunidades, além de compartilharem a reflexão, interessantíssima ao nosso debate, feita
pelo Padre Alfredo José Gonçalves:

Ação pastoral tem que ser missionária, mas não trazendo as pessoas pra
dentro da Igreja e pregar. A missão deve ser no meio, junto com o povo. A
Teologia ajudou muito nisso e o padre Alfredinho nos ajuda colocando outro
elemento, que é o seguinte: a libertação não é completa se você pensar a
libertação de, pois a outra parte que é intrigante: liberdade para quê? Algo

54
Ibidem.
52
mais precioso que o ser humano tem é a liberdade. Temos este desafio de
construir algo novo à liberdade. Sem ser o novo modelo que volte a oprimir
(Ari Alberti, entrevista gravada em janeiro de 2014) [grifos nossos].

Neste momento da fala de Ari Alberti, conseguimos perceber o olhar que os editores
do Boletim Vai Vem tinham da TdL. Com muita propriedade, o entrevistado elucida a noção
de meio– estar no meio, junto com povo migrante. Só assim seria possível vislumbrar e ser
construída outra ideia de libertação, na qual os/as migrantes fossem encarados, a priori, como
protagonistas. No entanto, como percebemos, a preocupação não está somente na libertação
de, mas também na libertação para quê. O que motivava a busca pela libertação do sistema,
da conjuntura eclesial, dos/as migrantes? Quais os caminhos tomados depois da libertação?
Como des-naturalizar os modelos de dominação dos sujeitos? Como re-construir o novo do
novo?
De fato, vários militantes e teólogos da libertação foram perseguidos e condenados.
Um dos casos mais conhecidos e polêmicos é o de Leonardo Boff, que entre1972 e 1984 foi
observado pela Sagrada Congregação para Doutrina da Fé a cada livro ou artigo55 que
publicava. A perseguição teve início com a publicação do livro Jesus Cristo Libertador e
culminou em 1984, com Igreja, Carisma e Poder56. Em 7 de setembro de 1984, Leonardo
Boff foi condenado a tempo indeterminado de silêncio obsequioso após sofrer processo
interno do Vaticano, sob o cuidado do então cardeal Joseph Aloisius Ratzinger57. Deposto de
suas funções editoriais e do magistério no campo religioso, a pena foi suspensa em 1986, em
uma noite de páscoa. Nesta ocasião, Leonardo Boff entendeu que mais do que censuras a seus
livros e à própria TdL, a intenção se assentava no campo político, em implicações com a
CNBB. Com tom revelador e intrigante, Boff58 relata a violência simbólica, as perseguições,
as torturas e as ações desumanas que vivenciou durante o processo de inquisição, trazendo à
tona as estratégias da Igreja para manter sua hegemonia.
Por se sentir insatisfeito com a conduta do Vaticano a seu respeito, o teólogo deixou
suas funções oficiais em 1992. Casou-se, mas continuou o trabalho nas comunidades de base,

55
A título de curiosidade, o autor tem 62 livros publicados.
56
Livro já citado na presente pesquisa.
57
Este cardeal se tornou Papa, com o nome Bento XVI, em 19 de abril de 2005. Em 28 de fevereiro de 2013,
tornou-se Papa Emérito ao abdicar do cargo em função de sua idade avançada (85 anos), o que gerou inúmeras
polêmicas.
58
Para aprofundar sobre a questão em tela, ver a impressionante entrevista do Leonardo Boff feita por: Frei
Betto, Marina Amaral, Sérgio Pinto de Almeida, Ricardo Kotscho, Roberto Freire, Carlos Moraes, Chico
Vasconcellos, João Noro, Sérgio de Souza, que ao nosso entender é a mais completa e reveladora feita com o
teólogo. Segue o link: http://www.humaniversidade.com.br/boletins/entrevista_boff_a_igreja_mente.htm.
53
realizando celebrações, casamentos, batizados, diversas palestras e entrevistas59. Como
Leonardo Boff destacou, “mudei de trincheira para continuar a mesma luta”60.
Nessa linha de apontamentos, o pesquisador Damião Duque de Farias (2002, p. 18)
vai além ao pontuar que “[...] a ‘Igreja Popular’ jamais se constituiu como força hegemônica
duradoura no interior do catolicismo brasileiro”. Sendo assim,

As características de tal movimento eram bastante amplas, difíceis de serem


definidas, mas que poderiam ser enquadradas como de modernização
conservadora, com objetivos explícitos de adaptação de tradição católica à
modernidade, vista com elevado grau de otimismo. A Igreja deveria se
modernizar incorporando elementos e valores do mundo moderno. Parece-
nos evidente a ausência de espírito crítico em tal posição. Ela esteve presente
em todo o catolicismo brasileiro, espalhando-se por paróquias e por
movimentos.

Contudo, não podemos negar que esses fatos influenciaram os caminhos da Teologia
da Libertação. O medo, o receio, o desânimo, a censura e a perda de forças foram inevitáveis,
mas pode-se dizer que foram suficientes para abafar os gritos destes sujeitos? Certamente não.
Esses sujeitos continuam a entoar seus clamores; agora de outras formas, em outros lugares,
compostos por outros elementos, em outras trincheiras.
Expostas as influências históricas, sociais e eclesiais da TdL nos objetivos do
Boletim Vai Vem, buscaremos, no próximo item, compreender a história de sua criação, tendo
em vista as intencionalidades de suas entidades idealizadoras.

59
Entre elas, destacam-se: Leonardo Boff no Roda Viva - www.youtube.com/watch?v=L5Rxls1dTRw;
Conversas do Mundo, Leonardo Boff e Boaventura de Sousa Santos –
www.youtube.com/watch?v=qzvJgFN0bpU; Leonardo Boff – Princípios da Ética -
www.youtube.com/watch?v=ETve9WC7hXc; Tempo e entrevista com Leonardo Boff -
www.youtube.com/watch?v=ollggg55M7gc; Leonardo Boff: Sangue Latino -
www.youtube.com/watch?v=O3J6r2VgVHI; Programa Sempre: Um papo com Leonardo Boff -
www.youtube.com/watch?v=KZYaVBIRQ6K e Com a palavra Leonardo Boff -
www.youtube.com/watch?v=o9G_yX0mwbc.
60
Citação retirada do site do teólogo: <leonardoboff.com/site/bio/bio.htm> Acesso: 20 de jul. 2014.
54
1.2 Serviço Pastoral dos Migrantes e Centro de Estudos Migratórios: Eu era
migrante e me acolheste61

Digo: o real não está na saída, nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio
da travessia.
(ROSA, 1965, p. 52)

Neste tópico, será abordada a criação do Boletim Vai Vem, levando em consideração
os objetivos de seus idealizadores, o Centro de Estudos Migratórios (CEM), o Centro Pastoral
do Migrante (CPM) e, posteriormente, o Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM). Para tanto,
serão utilizados como fontes primárias os relatos orais de alguns dos editores do periódico, o
Cartaz da Semana dos Migrantes, o ofício de mudanças no Boletim Vai Vem e o estatuto
interno do CEM. Como fontes secundárias62, serão usados os panfletos de divulgação da
Missão de Paz e do SPM, o artigo Centro de Estudos Migratórios de São Paulo (CEM):
História, desafios e perspectivas, escrito pelo Padre Alfredo José Gonçalves, e os livros
intitulados Pastoral do Migrante: Relações e mediações e Serviço Pastoral dos Migrantes:
Vinte anos a caminho.
Delimitamos essas fontes por se tratarem de documentos que representam o ponto de
vista dos sujeitos que desenvolveram um trabalho na Missão Paz. Portanto, é preciso ficar
atento às suas peculiaridades e limitações, tendo em vista o público receptor de cada fonte. Os
documentos, às vezes, se apresentam de maneira formal, generalizante e sintética, como o
regulamento interno do CEM; outras vezes estão embrenhados de subjetividades e
intencionalidades.
Em 1981, ano de sua criação, o Boletim Vai Vem era assinado somente pelo CEM e
pelo CPM. Em 1987, ficou sob a responsabilidade do SPM, que passou a coordená-lo até
junho de 2010, quando foi publicado a última edição. Essa mudança é significativa para
observarmos a trajetória do periódico, bem como sua organização. Mas, antes de nos
aprofundamos nessas questões, é preciso fazer alguns apontamentos.
A Congregação dos Missionários de São Carlos (escalabrinianos) foi fundada no
Brasil em 1887, pelo bispo de Placência (Itália) D. João Bastista Scalabrini63, que, em 1895,

61
Em alusão a passagem bíblica (Mateus. 25: 35, Almeida Revista e Atualizada, 2008).
62
Sobre as possíveis tipologias das fontes ver: BITTENCOURT, Circe Maria Fernandez. Ensinar História:
fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
63
Em 8 de junho de 1939, no povoado de Fino Mornasco, no norte da Itália, nasceu João Bastista Scalabrini.
Antes mesmo de completar 18 anos Scalabrini já queria ser padre – conhecido, neste período, por sua
sensibilidade, excelente oratória e como o homem das mãos furadas, por sua generosidade com os menos
favorecidos. Em 1857, ingressou no seminário diocesano e antes de completar seus 24 anos de idade já era padre
55
criou também a Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos. Os missionários
escalabrinianos iniciaram inúmeras ações pastorais, primeiramente com os/as imigrantes
italianos/as que se encontravam em São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, incluindo mais
tarde os/as demais migrantes.
Em 1939, é criada a Missão Paz64 de São Paulo – Bairro do Glicério (Liberdade) –,
na tentativa de se colocar a serviço de todos os que migram. Ela era composta por diversos
seguimentos que contemplam as necessidades imediatas dos/as migrantes, a saber: a Casa do
Migrante (CdM), o Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes (CPMM), o Centro de
Estudos Migratórios (CEM), a Paróquia dos Fiéis Latino-Americanos, a Paróquia Italiana e a
Paróquia Nossa Senhora da Paz.
Em poucas palavras, pode-se dizer que a Casa do Migrante65, além de acolher os
migrantes recém-chegados com alimentação, alojamento e doações de roupas, procura
propiciar apoio integral para inserção e integração desses sujeitos na sociedade brasileira. A
Igreja Nossa Senhora da Paz é o espaço de celebração de fé, amor, partilha e de solidariedade
entre culturas e religiosidades – da vida em comunidade. Já o Centro Pastoral do Migrante
(CPM), que posteriormente será chamado de Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes

na paróquia de São Bartolomeu. No livro João Batista Scalabrini: Apóstolo dos migrantes, escrito por Dom
Redovino Rizzardo (2007), o qual tem inúmeras publicações sobre o carisma scalabriniano, sendo atualmente
Bispo de Dourados (Mato Grosso do Sul), encontramos uma sintética descrição sobre a vida e trajetória de
Scalabrini. Destacando, sempre, os pontos positivos de suas ações e contribuições no campo das migrações. Este
autor descreve Scalabrini como “Pai dos migrantes, Apóstolos da Catequese e da Reconciliação [...] que sabia
ver na migração um desígnio da Providência Divina” (2007, p. 05). Quando ordenado padre, assumiu uma
paróquia na cidade de Como, objetivando o trabalho com crianças, juventude e principalmente, o apoio e
promoção da classe trabalhadora, escrevendo diversos sermões e textos sobre o tema, como, por exemplo: O
socialismo e a ação do clero. Sabemos que, neste contexto, não tínhamos, ainda, as leis trabalhistas e o período
histórico era de consolidação do Estado-Nação; de profunda crise social – fruto do liberalismo econômico, mas
também de fortes influências teóricas e práticas do socialismo marxista e no campo eclesial, ferrenhas discussões
sobre as possíveis mudanças no seio da Igreja Católica, conforme as transformações na e da sociedade, as quais
serão possíveis visualizar melhor após o Concílio do Vaticano II. Em 30 de janeiro de 1876, Scalabrini foi
nomeado bispo de Piacenza, pároco de São Bartolomeu, em Como pelo Papa Bento XV que o descreveu como
“um homem cuja pátria foi o mundo” (RIZZARDO, 2007, p. 19).
64
A sua fundação não se deu automaticamente, existem vários fatores históricos, eclesiais, políticos que
tentaremos abordar no decorrer do trabalho.
65
Movidos pelo entusiasmo e pela alegria, foi feita a segunda pesquisa de campo no final do mês de janeiro
(2014), tendo em vista o período que os editores/colaboradores poderiam nos receber. Na ocasião, houve alguns
contratempos que impossibilitaram nosso deslocamento até o hotel, mas, como diz o mestre Paulo Roberto Cimó
Queiroz: a escrita da história é feita também nos acasos da vida. Assim, fiquei hospedada alguns dias na Casa
do Migrante (um privilégio, pois a casa não hospeda pesquisadores). A experiência foi tão incrível que em uma
nota de rodapé não conseguiríamos transmitir. O contato no dia a dia com os/as imigrantes, sobretudo
haitianos/as, com a rotina da Casa e a interação com os agentes da pastoral, entre eles, com as irmãs
escalabrinianas, mesmo não sendo o foco do trabalho, foi o acaso mais sensacional que um pesquisador poderia
ter. Perceber as nuances do trabalho teológico-pastoral entre pesquisadores, meios de comunicação e os próprios
migrantes; as imediatas dificuldades dos imigrantes ao chegar à Casa; as redes de contatos constituídas pelos/as
migrantes; como a cultura se torna móvel de luta; os sentidos das palavras: sonho, saudade, família, língua,
resistência para os/as migrantes. Podemos dizer que muito de nossa narrativa no presente texto estará, direta ou
indiretamente, ligada a essas vivências.
56
(CPMM), busca proporcionar cursos de português, assistência jurídica, atendimento
psicológico, além de mediação para a saúde, para a regulamentação de documentos e para a
educação dos/as migrantes. É o que se pode verificar no panfleto de divulgação da Missão
Paz:

Imagem 1: Panfleto – Missão Paz

Fonte: Acervo CEM. Acesso em: 20 jul. 2014.

Por fim, a Missão Paz está organizada também pelo CEM, sobre o qual cabe, neste
momento, uma atenção maior em nosso estudo. Criado em 1962, o CEM66 se integra à
Federação dos Centros de Estudos Migratórios João Batista Scalabrini, que congrega os
demais Centros de Estudos da Congregação presentes em diversos países, como Argentina,
Bolívia, Chile, França, Guatemala, Inglaterra, Itália, Moçambique, Canadá, Peru, Austrália,

66
A título de curiosidade, para além de doações em geral, o CEM é subsidiado pelos trabalhos pastorais que
realiza; pelas vendas de seus materiais (tidas como valor simbólico); pela ajuda mensal da Província e,
extraordinariamente, da Direção Geral; e por eventuais projetos enviados a entidades filantrópicas.
57
entre outros. No Brasil, os seguintes estados/cidades67 têm a presença dos escalabrinianos:
Minas Gerais (Campo do Meio), Santa Catarina (Campos Novos), Paraná (Cascavel, Curitiba,
Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu), Mato Grosso (Cuiabá), Mato Grosso do Sul
(Corumbá, Ponta Porã), Rio Grande do Sul (Encantado, Guaporé, Nova Bassano, Passo
Fundo, Porto Alegre, Rio Grande, Rondinha, Serafina Correa), São Paulo (Vicente de
Carvalho, Guariba, Jundiaí, Ribeirão Pires, Santo André, Santos, São Bernardo do Campo,
São Paulo), Amazonas (Manaus), Brasília (Sobradinho)68.
Segundo informações do Padre Alfredo José Gonçalves (1991), a trajetória do CEM
está intimamente ligada às atividades pastorais e aos estudos sobre a mobilidade humana69.
Na década de 1960, tem-se um despertar significativo para as problemáticas das migrações
internas no Brasil, protagonizado pelos carlistas/escalabrinianos recém-formados no
Seminário Maior João XXIII, a Equipe Escalabriniana de Migrações (ESMI). Diversos
autores apontam que cerca de 28, 5 milhões de homens e mulheres migraram do campo para
as cidades entre as décadas de 1960 e 1970.
Havia uma grande necessidade de se responder pastoralmente aos dilemas postos
pelas migrações. Para tanto, era necessário mapear a realidade migratória e, por isso, vários
seminaristas se dedicaram a fazer viagens por todo o Brasil, como estagiários ou exercendo
práticas pastorais depois de formados. Em São Paulo, pode-se citar como exemplo o projeto
de Dom Paulo Evaristo Arns (Operação Periferia) junto aos/às migrantes internos/as na
favela do Vergueiro, localizada nas proximidades do Seminário, como menciona o Padre
Alfredo José Gonçalves (1991, p. 02):

[...] não seria exagero caracterizar a ESMI como percussora do Centro de


Estudos. De fato, da experiência daquela à fundação deste nota-se desde logo
uma continuidade na dupla preocupação de, simultaneamente, buscar o
conhecimento aprofundado da realidade das migrações, por um lado, e, por
outro, responder pastoralmente às interrogações dessa realidade desafiadora.

As experiências vivenciadas no seminário da ESMI se tornaram fundamentais para


fomentar as ações pastorais em prol dos/as migrantes. Percebemos que os sujeitos buscavam

67
Este dado se torna interessante ao percebemos os Estados de onde mais enviaram cartas ao periódico. Ver a
imagem 1:Origem das cartas brasileiras do presente estudo, página 102).
68
Informações tiradas do site Scalabrinianos: <http://www.scalabrini.org/pt/onde-estamos> Acesso: 12 jun.
2015.
69
“Deve-se ter claro que a noção de mobilidade supera a ideia de deslocamento, pois traz para análise suas
causas e consequências, ou seja, a mobilidade não se resume a uma ação. Ao invés de separar o ato de
deslocamento dos diversos comportamentos individuais e de grupo, presentes no cotidiano, o conceito de
mobilidade tenta integrar a ação de se deslocar, quer seja uma ação física, virtual ou simbólica, ao conjunto de
atividades dos indivíduos e da sociedade” (BALBIM, 2004, p. 3).
58
refletir sobre as migrações à luz dos ensinamentos bíblicos, da Sagrada Igreja e das ações de
Scalabrini. Em outras palavras, intentavam lançar um sentido teológico às migrações, em
consonância com as orientações da Conferência Episcopal em Puebla (1979).
Em sua tese de doutorado – Crise e Renovação católica na cidade de São Paulo:
Impasse do progressismo e permanências do conservadorismo (1945-1975) –, o pesquisador
Damião Duque de Farias (2002) dedica alguns subitens de um capítulo à discussão a respeito
da Igreja Católica na cidade de São Paulo, tendo em vista a opção pelos pobres, as linhas
pastorais prioritárias e o perfil – dito romântico70– de Dom Paulo Evaristo Arns. Neste
momento da tese, o autor afirma que coma Operação Periferia (1972) e, posteriormente, o
Plano Bienal (1975) “[...] ocorre o encontro entre a vida popular e o radicalismo ético católico
na Arquidiocese de São Paulo, resultando na formulação da chamada Igreja popular”
(FARIAS, 2002, p. 358) [grifos no original].
Neste sentido, o pesquisador (FARIAS, 2002, p. 332-346) faz menção ao trabalho
pastoral da Equipe Scalabrini de Migrações e elenca várias análises sobre as migrações neste
período. Entre elas, concordamos

[...] que o conjunto de reportagens realizadas pela Equipe Scalabrini de


Migrações teve o mérito de indicar no fenômeno das migrações as condições
sob as quais a subjetividade popular do migrante poderia desintegrar, deixou
de enxergar a outra ponta do processo na qual o migrante a rearticula e por
meio dela se apropria da grande cidade, recuperando valores em um feixe de
relações sociais, que são ao mesmo tempo reprodução e inovação, com base
nas tradições familiares, comunitárias e populares (FARIAS, 2002, p. 338).

Para os editores do periódico, relembrar o início da fundação do CEM ou, mais do


que isso, os primeiros passos da missão – o carisma missionário – é reviver as inquietações e
os sonhos que os motivavam a transformar a sociedade, o sonho revolucionário. A
imponência do narrar se confundia com o brilho do olhar de cada entrevistado. Podemos

70
De fato, o autor (FARIAS, 2002, p. 378) atribui o caráter romântico “[...] a práxis dos progressistas católicos
que a partir dos anos 70 lograram êxito em assumir a direção da Arquidiocese de São Paulo tendo à frente a
liderança de Dom Paulo Evaristo Arns”. “Este caráter unificador do romantismo fundamentava-se, portanto, em
uma crítica à sociedade burguesa por meio de uma inspiração pré-capitalista ou anticapitalista”. “[...] Dessa
crítica ao presente teríamos como elemento fundamental dessa ‘visão de mundo’ um desejo de retorno a uma
época na qual inexistiam tais características dessa sociedade burguesa, com a restituição de uma subjetividade
que definhou no individualismo capitalista, no retorno da unidade com a natureza e a vida em comunidade. Essa
nostalgia romântica por um passado pré-capitalista idealizado, poderia transformar em luta contra a sociedade
atual em variadas modalidades, em geral na construção de um futuro, transformando-a em utopia, e assumindo,
por vezes, qualidades progressistas e revolucionárias” (idem, 2002, p. 379-380) [grifos no original].

59
perceber, nas falas de Dirceu Cutti e de Ari Alberti, a nostalgia de ter vivido ações que
estavam fundamentalmente pautadas no coletivo. Suas histórias pessoais se confundem com o
trabalho pastoral, pois, como eles justificam, este deve estar em consonância com as práticas
do seu dia a dia.
Dirceu Cutti faz questão de especificar a dinâmica posta nas primeiras ações do
CEM:

Quando houve o despejo na Favela Vergueiro, aqui em São Paulo, eles


faziam catequeses antes [...] e descobriram que eram, todos, migrantes
internos que estavam ali e o cardial estava presente lá e disse que ninguém
iria sair deste lugar [...] se for remover tem que ser para outra habitação.
Mas, o poder público perguntou quem queria retornar para a própria terra e
as pessoas ficaram desesperadas - como o retorno para o migrante é aquilo
que o persegue a vida inteira -, por volta de 300 pessoas (não lembro
corretamente) levantaram as mãos dizendo que queriam voltar e nós, um
grupo de seminaristas scalabrinianos, dissemos: vamos acompanhar este
pessoal que vão voltar. Queremos ver como eles vão e quais as condições de
lá. Eles foram transportados para onde? Para o processo de espera do poder
público. Colocaramnos trens no fluxo contrário da vinda [...] Então, eles
descobriram a hospedaria dos migrantes, que é aonde veio toda a corrente
migratória europeia quando a substituição dos braços escravos e lá
permaneceram durante muito tempo, depois foram colocados nos trens,
deram o passe até Montes Claros e os seminaristas embarcaram neste trem.
Fizeram a viagem no trem com os migrantes (dos baianos). Viajaram com
eles até lá, quando chegaram lá se deparam com aqueles que vinham e que
chegaram lá e não davam mais passe para voltar a São Paulo e os que foram
daqui até lá. E o pior, tinha passe pra chegar só até lá. Aquilo lá era um
esparrame de gente a Deus dará. [...] E depois, os seminaristas fizeram a
viagem de volta e denunciaram como os migrantes estavam sendo tratados.
[...] Isso fez com que, no início, o Centro de Estudos voltasse para um
trabalho interno, junto às migrações internas (Dirceu Cutti, entrevista
gravada em setembro de 2013).

No relato de Dirceu Cutti, é possível perceber a complexidade e a dinâmica das


primeiras preocupações das ações pastorais, o engajamento político de dentro do campo
religioso – evidenciado pela presença dos escalabrinianos e do cardial nas tomadas de
decisões – e, ainda, os contextos e as implicações das migrações que levaram esses sujeitos a
criarem estratégias sociais e políticas em defesa dos/as migrantes.
Em 1978, um dos principais coordenadores do CEM, Padre Jacyr Francisco Braido,
passou a trabalhar diretamente na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o que
contribuiu na escolha do tema da Campanha da Fraternidade de 1980 – Pra onde vais? – que
esteve pautada nos problemas candentes das migrações. Nesse mesmo ano, ocorreu a primeira

60
visita do papa João Paulo II ao Brasil e o X Congresso Eucarístico, denominado Eucaristia e
Migrações, em Fortaleza, o que intensificou o debate em torno das migrações.
Diante desse cenário, o próprio Padre Alfredo José Gonçalves (1991, p. 04) destaca a
década de 1980 como uma nova fase do Centro de Estudos Migratórios. Segundo ele, o
envolvimento e a influência na escolha do lema da Campanha da Fraternidade e demais
eventos proporcionaram visibilidade nas ações e também dinamização na Pastoral Migratória,
multiplicando, assim, as atividades, as viagens e os projetos.
Nesse período, ou mais especificamente em 1981, teve-se a realização da1ªSemana
dos Migrantes, um evento de nível nacional que acontece todos os anos na segunda semana de
Julho71, envolvendo toda a comunidade migrante de São Paulo e do Brasil. A partir de
eventos como esse, o CEM fortaleceu suas ações, iniciando, dessa forma, uma intensa rede de
contatos intraeclesiais, extraeclesiais e intracongregacionais. O cartaz72, a seguir, foi
representado na capa da primeira edição do Boletim Vai Vem.

71
No site do Serviço Pastoral dos Migrantes é possível encontrar todos os cartazes, bem como mais detalhes do
evento: http://spmigrantes.wordpress.com/2010/03/30/semana-do-migrante-jubileu/. Em 2015, o tema foi
Fraternidade: Igreja e Sociedade e o lema, Eu vim para servir.
72
Tendo em vista os cuidados pelos direitos autorais, vale registrar o uso deste cartaz como capa em nossa
dissertação, bem como as cartas que foram enviadas ao Boletim Vai Vem.
61
Imagem 2: 1º cartaz da Semana dos Migrantes

Fonte: Acervo do SPM. Acesso em: 20 jul. 2014.

A pergunta “Porque somos obrigados a sair da nossa terra?” foi abordada no evento e
também pelo periódico. Como uma leitura do cartaz, os sujeitos da pastoral reiteram:

[...] a pergunta expressa, ao mesmo tempo, o lamento e o desafio de todo


aquele que se vê privado do chão em que criou raízes e onde enterrou os
próprios mortos. De costas, os migrantes se mantêm anônimos e
desconhecidos, à espera de quem novamente os acolha e chame pelo nome
(SPM, 2005, p. 49).

Percebemos, por meio dessa interpretação, os olhares humanizados sobre a


invisibilidade das causas de quem migra. A migração é entendida pela ótica do drama, da

62
frustração, da pobreza, da miséria e, logo, os integrantes da Missão Paz se sentem
responsáveis pela luta dos pobres migrantes.
Torna-se oportuno elencar os objetivos do CEM: “[...] estudar sistematicamente a
mobilidade social, o fenômeno migratório em suas causas, consequências e implicações
pastorais. Quer sensibilizar e formar agentes para o trabalho pastoral com os migrantes”
(Estatuto interno do CEM, 1981, p. 2) [grifos nossos].
Para tanto, o trabalho envolve a Congregação – impulsionando e fomentando o
debate acerca das migrações dentro da Igreja, bem como dos documentos conciliares– e os
movimentos populares – conscientizando os/as migrantes de sua realidade e vitalizando as
organizações populares. Esse caminho de mão dupla é visualizado em todos os documentos
escritos pela entidade, assim como nas palavras-chave. Estas se tornam matrizes discursivas
do movimento em prol dos/as migrantes: conscientizar, formar, despertar, sensibilizar,
promover, lutar. Matrizes que devem ser entendidas

[...] como modos de abordagem da realidade, que implicam diversas


atribuições de significado. Implicam também em decorrência, o uso de
determinadas categorias de nomeação e interpretação (das situações, dos
temas, dos atores) como na referência a determinados valores e objetivos
(SADER, 1988, p. 143).

Nesse caso, a Igreja Católica é configuradora de sentidos. O Boletim Vai Vem é


utilizado como alternativa do poder simbólico estruturado-estruturante para alcançar os
seguintes objetivos: sensibilizar a sociedade sobre os problemas candentes de quem vive no
vai e vem das migrações; reforçar o discurso teológico-pastoral em favor dos menos
favorecidos, no caso os pobres migrantes; fomentar as organizações populares e os
movimentos contestatórios e criar redes de contato, de sociabilidade, de solidariedade entre
entidades pastorais sociais, movimentos populares, mas, principalmente, entre migrantes e
conscientizar acerca das lutas ideológicas, sociais e políticas dos/as próprios migrantes.
Acrescentamos ao debate as formulações feitas por Padre Alfredo José Gonçalves
(1991, p. 05), sobre a importância desse momento para a consolidação do CEM:

Também para estes, podemos seguramente afirmar que a primeira metade


dos anos 80 constituiu um marco: de objetos de uma pastoral
tradicionalmente pensada para eles, passam gradativamente a sujeitos de
uma pastoral feitas com eles ou a partir deles. Isso se deve, em larga
medida, aos numerosos encontros de migrantes realizados pelo CEM, tanto a
nível local ou regional como a nível nacional. Nestas ocasiões, as histórias,
as experiências e os depoimentos deles constituíam viva matéria-prima para
as publicações do CEM, algumas das quais retornavam aos próprios
63
migrantes, num processo circular e dialético de evangelização [grifos no
original].

Em uma leitura renovada do/no âmbito religioso, esses sujeitos se colocam de forma
a entender as migrações de cunho científico ou pastoral, sob a perspectiva dos/as migrantes.
Os espaços construídos por meio de eventos, atividades, palestras e simpósios se tornam
lugares de conscientização política e de junção de luta dos/as migrantes, fortalecendo assim a
força social. Além disso, o CEM dispõe de outros meios para atingir seus objetivos na
sociedade: pesquisas em acervos documentais e bibliográficos sobre os fluxos migratórios;
atendimento a estudantes e pesquisadores; ensino a Distância – EAD em Pastoral da
Mobilidade Humana73; Biblioteca especializada nos estudos migratórios, a qual está dividida
em livros e periódicos, documentos (jornais, cartas, revistas, artigos) e material popular
destinado aos grupos de base, e, por fim, em 1981, tem-se a criação do periódico74 Boletim
Vai Vem. Registramos que, no horizonte, já existia um projeto75, uma necessidade de veículo
de comunicação voltado aos estudos acadêmicos sobre as migrações. A partir de maio de
1988 cria-se, então, outra publicação intitulada TRAVESSIA, Revista do Migrante76.
Sob o título Um boletim a serviço do migrante, temos, no editorial da primeira
edição do Boletim Vai Vem (1981), a sistematização dos objetivos e da proposta do periódico,
ou seja, o olhar que ele pretendia lançar a seus leitores, bem como à sociedade:

73
No ano de 2014, tivemos a satisfação e o desafiante convite para participar do Curso de Especialização
Pastoral da Mobilidade Humana (PMH). Uma iniciativa do Scalabrini International Migration Institute (SIMI),
um instituto acadêmico da Congregação dos Missionários de São Carlos-Scalabrinianos, incorporado à Pontifícia
Universidade Urbaniana de Roma. Esse programa formativo é oferecido em colaboração com o Centro de
Estudos Migratórios (CEM) da Missão Scalabriniana Nossa Senhora da Paz e tem a duração de dois anos (2014-
2015). Achamos pertinente participar não só para manter contato com a filosofia da Pastoral Migratória, mas
também para apreender as estratégias religiosas para formar os colaboradores da Pastoral dos Migrantes. O
Curso está composto com as seguintes disciplinas, no primeiro módulo: O Magistério da Igreja e a Pastoral da
Mobilidade Humana (PMH) (prof. Sidnei Marco Dornelas); Antigo Testamento e PMH (prof. Wellington da
Silva de Barros); Elementos de PMH 1 (prof. Paolo Parise); Proteção e promoção dos Direitos Humanos no
contexto migratório (prof.ª Rosita Milesi) e O fenômeno da Mobilidade Humana (prof. Helion Povoa Neto). Já
no segundo módulo: Novo Testamento e PMH (prof. Antônio César Seganfredo); Ética e PMH (prof. José Carlos
Pereira); Espiritualidade da PMH (prof. Alfredo José Gonçalves); Fundamentos da PMH II (prof.ª Carmem
Lussi ) e Teologia das Migrações (prof. Roberto Marinucci). Para mais informações, segue o link do site:
http://diplomasimi.org/. Em 2004, com a reestruturação do cronograma da CNBB, nasceu o setor da Mobilidade
Humana, no qual o Curso de Especialização PMH está pautado.
74
Além deste boletim informativo, o CEM dispunha das publicações de um jornal: O migrante, e de uma
cartilha: Capitalismo e pessoa Humana. Por seu tom reivindicatório e de crítica ferrenha ao capitalismo, essa
cartilha teve pouco tempo de duração.
75
Conforme entrevista com Dirceu Cutti, realizada no CEM, em São Paulo (SP), no dia 06/09/2013, a qual teve
a duração 1h46min26.
76
Importante destacarmos que “a Revista Travessia é uma publicação semestral. Sua natureza é interdisciplinar e
seus editores recebem artigos e contribuições que favorecem o intercâmbio entre diversos agentes de produção
do conhecimento e de atuação na realidade dos migrantes”. Para maiores informações, segue o endereço do site:
<http://missaopaz.wix.com/cem>. Acesso em 14 jun. 2014.

64
VAI-VEM quer ser um instrumento que nos ajude a perceber a realidade
migratória: suas causas, principais fluxos migratórios, e os problemas que a
migração traz consigo, partindo sempre do ponto de vista do migrante que
sofre as consequências da migração forçada. Quer também – e acima de tudo
– denunciar as causas da migração forçada: grilagem, expulsão, política
econômica, latifúndio, etc. O Boletim se propõe também, apoiar e incentivar
as lutas dos migrantes para a fixação na terra: favelados, boias-frias,
posseiros, meeiros e pequenos lavradores. Quer também mostrar o avanço
das lutas populares, principalmente a luta pela terra, moradia emprego e
melhores condições de vida. Enfim, o Centro de Estudos Migratórios e o
Centro Pastoral de Migrantes pretendem, por meio deste Boletim, colaborar
na transformação da sociedade, e que a migração seja espontânea e não
forçada, como tem sido até hoje77.

O intuito inicial do Boletim Vai Vem era fomentar e promover as lutas de homens e
mulheres migrantes por meio da divulgação de experiências migratórias. O periódico não se
construiu somente como veículo de diálogo entre pessoas e lugares, mas também como um
canal que intentava mostrar o problema das migrações e, com isso, fomentar o debate sobre
suas mazelas, visando a despertar consciência política na sociedade em geral. Os
colaboradores da Pastoral, que atendiam e ainda atendem à população migrante, buscavam
fornecer informações qualificadas e conscientizar a população sobre as participações nos
movimentos sociais.
Em 1987, o comando do Boletim Vai Vem passa, oficialmente, para o SPM. No
ofício número 112, o Serviço Pastoral dos Migrantes explica tais mudanças, reitera os
objetivos do periódico e explica que o Boletim SPM se unirá, numa mesma publicação, com o
Boletim Vai Vem.

Informamos que o Boletim Vai Vem, veículo informativo do serviço pastoral


dos migrantes, ligado à linha 6 da CNBB, deixará de ser publicado. É que a
partir de junho o SPM vai assumir o Vai-Vem – boletim das migrações. [...]
Atendendo às sugestões apresentadas nos encontros de migrantes e
Assembleias do SPM, o Boletim SPM e o Vai Vem serão incorporados num
único veículo, a nível nacional, Vai-Vem que a partir de junho será publicado
pelo serviço pastoral dos migrantes. O Migrante, por sua vez, continuará a
ser publicado pelo Cepani, tendo em vista tratar de temas mais específicos
daquela região. Companheiros, o Vai Vem, com cara nova estará aberto à
críticas e sugestões e pretende ser (ou continuar sendo) um espaço de
divulgação da luta e dos sofrimentos dos migrantes em todo o país.
Esperamos com isso contribuir, sobretudo, para a conscientização e
organização dos migrantes em sua luta por seus direitos no campo e na
cidade [grifos no original].

77
Vai Vem, Boletim das migrações. Ano 1, n. 1, junho, 1981, p. 2.
65
Cabe ressaltarmos que, em termos de Boletim Vai Vem, essa transferência, a priori,
não significou mudanças em sua estrutura, organização ou objetivos, uma vez que a equipe
editorial do periódico se manteve igual. Todavia, nas edições seguintes, são nítidas algumas
transformações. Isso deságua na perda de fôlego para se manter a publicação do periódico. Tal
fato é pontuado pelo colaborador Dirceu Cutti: “Boletim Vai Vem foi se apagando como uma
vela”78. Tentaremos discutir essas questões ao longo da pesquisa, posto que novas
implicações históricas, sociais e eclesiais exigiram desses sujeitos novas posturas diante do
cenário migratório.
No que tange à trajetória do Serviço Pastoral dos Migrantes, percebe-se que ele
cresceu e se consolidou a partir do Centro de Estudos Migratórios. No final dos anos 1970,
tornou-se filho emancipado79 e, mais especificamente, em 1985, reintegrou-se à Comissão
Episcopal para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), ligada à antiga linha seis da CNBB (sócio transformadora) – que, a partir de
1991, passou a ser Setor Pastoral Social, junto com outras entidades afins, o que contribuiu
para o desenvolvimento de suas atividades.
As várias demandas do fenômeno migratório exigiram uma melhor articulação entre
os agentes do SPM. No livro Serviço Pastoral dos Migrantes Vinte anos a caminho (2005, p.
12-13), observam-se os primeiros passos dessa entidade:

Em meados de dezembro do ano de 1984, um grupo de padres, religiosas,


bispos, seminaristas e leigos, reunidos no Centro de Estudos Migratórios
(CEM), em São Paulo, lançam as bases para a fundação do SPM, como
respostas à intensa problemática vivida pelos migrantes. O objetivo do
encontro que pré-definiu a criação do SPM era o de articular os vários
trabalhos com migrantes, feitos em diferentes realidades migratórias e buscar
objetivos e metas comuns para animação desses trabalhos.

Trabalhando atualmente com várias categorias de migrantes, o SPM intenta ser


gestor de redes integradoras entre pastorais80 e de ações humanizadoras que englobem a
igualdade social, os direitos humanos, o exercício da cidadania e o respeito à diversidade
cultural e religiosa dos migrantes. Em cada período, percebe-se uma preocupação especial
com uma categoria de migrante, como podemos analisar em seu panfleto comemorativo de 25
anos de atuação:
78
Conforme entrevista com Dirceu Cutti, realizada no CEM, em São Paulo (SP), no dia 06/09/2013, a qual teve
a duração 1h, 46min e 26seg.
79
Idem.
80
A rede de articulação entre grupos é muito grande e intensa, a exemplo destacam-se a colaboração no Boletim
Cá e Lá e no Boletim Nosostros, este último é publicado em espanhol e circula em toda a América Latina.
66
Imagem 3: Panfleto SPM

Fonte: Acervo SPM. Acesso em: 20 jul. 2014.

67
O discurso religioso do SPM, assim como o do CEM, está pautado no combate a
todo tipo de discriminação, de xenofobia e de preconceito com relação aos/as migrantes no
mundo urbano-rural; no direito à moradia de qualidade; na conquista do direito a uma
cidadania digna; na construção popular para o Brasil; no apoio à luta na e pela terra; no direito
a uma verdadeira Reforma Agrária e Agrícola; na distribuição de renda no campo; e, por
conseguinte, nas ações pela vida, em prol da agricultura familiar e de um meio ambiente
sustentável.
Nesse sentido, temos como espaço sensibilizador e motivador de organizações
populares as CEBs, as SABs, os movimentos sociais e sindicais, a campanha contra a Aliança
de Livre Comércio das Américas (ALCA) e também os seguintes eventos: Quarta Semana
Social Brasileira, Mutirão Nacional pela Sustentação da Miséria e da Fome, Fórum Social
das Migrações, Fórum Social Mundial, Grito dos Excluídos81 e a Semana do Migrante. Além
de chamar a atenção da sociedade civil, o SPM procuravam, por meio desses eventos,
conscientizar os/as migrantes de que suas próprias experiências migratórias possibilitam
processos de reflexões e tomadas de decisões políticas e sociais. Acreditava-se que, por meio
dos/as migrantes, era possível vivenciar outro modelo de estrutura social e política.
De maneira mais sintética, encontramos no livro de Ata, de outubro de 1985, da
primeira Assembleia do SPM, algumas orientações acerca do que foi exposto.

O Serviço Pastoral dos Migrantes tem por finalidade a articulação de


serviços prestados aos amigos internos e estrangeiros no Brasil. Essa
articulação compreende: a) Animação de atividades desenvolvidas pelas
diversas entidades que prestam serviços aos migrantes, no que diz respeito à
assistência social, cultural, religiosa e econômica, de modo a torná-los os
protagonistas de sua promoção e dos colegas. b) Promoção de iniciativas
comuns das entidades filiadas ao SPM e intercomunicação de experiências
pastorais. c) Pesquisas e publicações sobre a situação sociorreligiosa,
econômicas e políticas dos migrantes (LIVRO DE ATAS, 1985 apud
DORNELAS & NASSER, 2008, p. 305).

81
Atualmente, a secretaria nacional do evento citado encontra-se no Serviço Pastoral dos Migrantes, em que Ari
Alberti é um de seus representantes. Cabe destacarmos que a capa do Boletim Vai Vem, bem como o conteúdo do
periódico fazem alusões a tal evento. “O Grito se define como um conjunto de manifestações realizadas no Dia
da Pátria, 7 de setembro, tentando chamar à atenção da sociedade para as condições de crescente exclusão social
na sociedade brasileira. Não é um movimento nem uma campanha, mas um espaço de participação livre e
popular, em que os próprios excluídos, junto com os movimentos e entidades que os defendem, trazem à luz o
protesto oculto nos esconderijos da sociedade e, ao mesmo tempo, o anseio por mudanças. As atividades são as
mais variadas: atos públicos, romarias, celebrações especiais, seminários e cursos de reflexão, blocos na rua,
caminhadas, teatro, música, dança, feiras de economia solidária, acampamentos – e se estendem por todo o
território nacional” (VIERA et al., 2004, p. 11). Para maiores informações acessar:
http://www.gritodosexcluidos.org/.
68
Notamos que as práticas desenvolvidas junto aos/às migrantes, tanto na sociedade de
origem como nade destino, constituem o diferencial do SPM em relação às demais entidades
sociais. As experiências vivenciadas diretamente com os/as migrantes possibilitavam acender
novas ações coletivas em prol dos/as próprios/as migrantes. Como podemos observar, a
religião funciona como princípio gerador de experiências e, por esse motivo, ela se coloca
cheia de funções ideológicas, práticas e políticas.
Vale ressaltarmos também as participações, de maneira direta ou indireta, de
intelectuais nos diversos segmentos da Missão Paz – na fundação do CEM e do SPM, nas
parcerias em projetos e em eventos. Entre os nomes mais citados, estão os de José de Souza
Martins82 e de Maria Aparecida de Moraes Silva.
Ao narrar suas experiências com a Pastoral Migratória, José de Souza Martins
elucida a complexidade das migrações no Brasil, logo, o desafio encarado pelo SPM. Nas
palavras do sociólogo: “A Pastoral dos Migrantes tem seu sentido pleno na atuação em cima
dessas rupturas, na mediação que representa para abrir perspectivas e transformar situações de
desalento em situações de esperança” (MARTINS, 2005, p. 69). As rupturas citadas pelo
pesquisador englobam os dramas e os dilemas vivenciados pelos/as migrantes no local de
origem, e, por conseguinte, ao se deslocarem. Acrescenta o autor que migrar não é um
problema social, mas uma “[...] busca de oportunidades, uma forma de ajustamento social.
Não raro, é um modo de trocar uma inserção espacial problemática por uma inserção espacial
promissora” (MARTINS, 2005, p. 68).
Maria Aparecida de Moraes Silva, por sua vez, ressalta algumas das metodologias
utilizadas na Pastoral dos Migrantes – a valorização de cada sujeito como práxis libertadora.
“Práxis que não se traduz pela imposição de ideias àqueles, supostamente, considerados
ignorantes e não portadores de consciência política ou religiosa” (SILVA, 2005, p. 77). A
socióloga alerta, ainda que, de maneira alguma, o trabalho realizado por esses sujeitos deve

82
Em outras obras, este autor aponta para os descompassos do trabalho teológico-pastoral com os/as migrantes.
Quando convidado, em 1980, para assessorar a assembleia da CNBB, José Martins chamou atenção para os
filhos das migrações, os quais não são privilegiados nas ações protagonizadas pela Igreja. Nas palavras do
pesquisador: “Explicação que é a seguinte: o número de migrantes é irrelevante. A palavra migração é
irrelevante. Para correta compreensão do assunto, é seguramente um problema o fato de que muitos filhos de
migrantes, pessoas que foram deslocadas do seu lugar social e das suas oportunidades de vida, tenham nascido
no lugar de destino de seus pais. Por isso não aparecem como migrantes nas estatísticas oficiais. O filho do
migrante nordestino que vai para a favela do Jaguaré em São Paulo, nasce como paulistano. Ele não é migrante,
mas vítima da migração. Isso não aparece na estatística e isso os bispos também não quiseram ouvir”.
(MARTINS, 2002, p. 127) [grifos no original]. A título de curiosidade, durante as entrevistas com os
colaboradores do Boletim Vai Vem, percebemos que este intelectual, assim como vários outros, atuou, mesmo
que indiretamente, na construção do periódico, bem como na criação da Revista do Migrante - TRAVESSIA.
69
ser considerado pelo viés do assistencialismo, pois seria reduzir o alcance das ações políticas
e sociais da Pastoral dos Migrantes que

[...] sempre lutaram em defesa dos direitos desta população excluída de


direitos e cidadania. Enfrentaram duros embates com os poderosos, com os
donos de grandes usinas e fazendas; percorrem alojamentos, pensões de
migrantes espalhados por estas imensas áreas de cana do interior paulista.
Muitas vezes, enfrentam ameaças, advindas dos representantes dos
proprietários. Outros tantas, saíram em defesa dos migrantes escravizados,
por meio de denúncias à Promotoria Pública. Por outro lado, desenvolvem
também o trabalho de conscientização nos locais de origens dos migrantes.
Procuram acompanhar a saga de milhares de homens e mulheres e crianças
que todos os anos deixam seus lares e partem em busca de trabalho,
esperança e utopias (SILVA, 2005, p. 77).

Em consonância com os apontamentos da pesquisadora, os integrantes da Pastoral


dos Migrantes também não entendem seu trabalho como assistencialismo. A preocupação
social e política, juntamente com os subsídios criados para os/as migrantes, a fim de assegurar
os seus direitos, faz com que esse trabalho extrapole esse entendimento e se configure como
uma ação essencialmente pastoral.
Em um bonito e poético título83, a pesquisadora Maria Aparecida de Moraes Silva
intitula-os como peregrinos da resistência em oposição aos latifundiários, aos políticos
corruptos, aos sistemas opressores, às legislações desiguais e às alas conservadoras da própria
Igreja.
A partir da contextualização realizada até o momento, torna-se possível levantar
algumas hipóteses sobre os objetivos que permeiam a criação do Boletim Vai Vem. Primeiro: a
necessidade de divulgar suas ações pastorais, pois a orientação do Provincial era de que todos
os Centros de Estudos, independentemente do meio, deveriam dar visibilidade a sua missão.
Segundo: os contextos eclesial, histórico e teológico suscitavam publicações com o perfil do
periódico. Por fim – e mais importante no nosso entendimento – as demandas do cotidiano e
as tensões do campo religioso que levam esses sujeitos a criarem estratégias para intensificar
os contatos, as redes e as experiências migratórias.
Com isso, os sujeitos reelaboram tais lógicas homogêneas sobre as migrações,
fazendo, assim, o contraponto com suas próprias convicções: uma leitura teológica das
migrações. Dessa forma, ao se posicionarem a favor dos pobres migrantes, denotam
preocupações em torno dos elementos sociais, econômicos, políticos e religiosos que
constituem a sociedade. Além disso, por meio de suas práticas e representações, os sujeitos

83
TRAVESSIA: Revista do migrante. Publicação do CEM, Ano XVIII, n. 52, maio-agosto, 2005, p. 25.
70
contribuem para a transformação das mídias em espaços simbólicos, permeados de conflitos,
tensões, disputas e contradições.

71
1.2.1 Ethos midiatizado pelo carisma escalabriniano

Para o migrante, a pátria é a terra que lhe dá o pão. Eu os vejo desembarcados em


terra estrangeira, no meio de um povo que fala uma língua que eles não entendem,
vítimas fáceis da especulação desumana. Vejo-os banhar com seus suores e com
suas lágrimas, um solo ingrato, uma terra que exala dificuldades, arrebentados pelas
fadigas, consumidos pela febre, a suspirar em vão, pelo céu da pátria distante.
(SCALABRINI, 1989 apud RIZZARDO, 2007, p. 53) [grifos nossos]

Como mencionado anteriormente, os sujeitos envolvidos na Missão Paz e a equipe


editorial do Boletim Vai Vem tiveram ou têm influências do que eles chamam de carisma
scalabriniano. Sob esse aspecto, podemos observar como a Igreja Católica, por meio dos
documentos conciliares e da figura do Beato Scalabrini84, constituiu-se em matriz formadora
do movimento em prol dos/as migrantes, ao aglutinar e revitalizar novas forças sociais. Foram
construídos valores, ideologias e crenças entre os sujeitos das pastorais, os voluntários, os
leigos e os/as migrantes.
Conforme as demandas migratórias, os envolvidos com o periódico construíram
enfrentamentos configurados pelas experiências dos/as migrantes e justificados pelo ethos
midiatizado sob a luz do carisma escalabriniano.
Para maior entendimento acerca de ethos midiatizado, tomamos como compreensão
os apontamentos de Muniz Sodré (2002, p. 11) ao se referir à presença da mídia na sociedade
contemporânea, a qual “implica uma nova qualificação da vida, um bios virtual. Sua
especificidade, em face das formas de vida na criação de uma eticidade (costume, conduta,
cognição, sensorialismo) estetizante e vicária, uma espécie de ‘terceira natureza’”. Desse
modo, torna-se oportuno apreendermos a temática em questão.
Em Vida e missão da Congregação das Irmãs missionárias de São Carlos Borromeo
escalabrinianas (2012), escrito por Analita Candatem, é possível visualizar alguns pontos
sobre o que a autora compreende como carisma escalabriniano. Em grego, charis significa
dom, benevolência, gratuidade, graça divina, com a qual o Espírito e Deus tornam uma pessoa
apta a um determinado ministério religioso. De acordo com Analita Candatem (2012, p. 4):
“dado que o carisma só se conhece através da atividade, ele tende a identificar-se com as
atividades e serviços realizados”. Cada um dentro da comunidade religiosa recebe seu dom,
ou seja, seu carisma, de acordo com o desejo do sagrado, dos interesses hierárquicos e das

84
No dia 7 de junho de 1877, o Papa Pio IX o reconheceu como apóstolo da catequese. Em 9 de novembro de
1997, Scalabrini foi beatificado pelo Papa João Paulo II que o chamou de autêntico pai dos migrantes.
72
demandas do lugar, o que torna o campo religioso desempenhado por múltiplas funções de
carismas. Partindo desse pressuposto todo cristão é carismático.
Em seguida, a pesquisadora e também religiosa carlista destaca as principais
características que nascem dos carismas quando se fala em gestão de obras, sendo elas: um
movente ideal – da gratidão, das experiências cotidianas e da obra de seu fundador –
identidade carismática; da reciprocidade e da beleza em fazer coisas boas e belas. Procurando
proporcionar ao/à migrante “[...] o pão para satisfazer suas necessidades materiais, da Palavra
para encontrar o sentido de sua existência e de comunidades que satisfaçam suas necessidades
de amor e de pertença, nas quais ninguém se sinta estrangeiro” (2012, p. 9) [grifos no
original].
Para o teólogo e militante da TdL, Leonardo Boff (1982, p. 240), “[...] o carisma é
uma manifestação da presença do Espírito nos membros da comunidade, fazendo com que
tudo o que são e fazem, seja feito e ordenado em benefício de todos”.
Concordamos, no entanto, com as formulações do sociólogo Pierre Bourdieu (2013,
p. 55):

Assim, talvez seja preciso reservar o nome carisma para designar as


propriedades simbólicas (em primeiro lugar, a eficácia simbólica) que se
agregam aos agentes religiosos na medida em que aderem à ideologia do
carisma, isto é, o poder simbólico que lhes confere o fato de acreditarem em
seu próprio poder simbólico [grifos no original].

Assim, podemos registrar que carisma escalabriniano está intimamente ligado ao


empoderamento simbólico, da graça divina do trabalho teológico-pastoral a partir do legado
de seu fundador, Scalabrini, o qual demonstrou sensibilidade com os homens e as mulheres
migrantes. Isso permite que o ethos midiatizado pelo carisma das migrações constitua-se em
estrutura estruturante do Boletim Vai Vem.
Na segunda viagem de pesquisa de campo, achamos interessante o comentário de
uma das voluntárias, uma irmã escalabriniana: “Você, Marciana, tem o carisma
scalabriniano, que lindo isto!”. Mesmo sem saber naquele momento o que esta atribuição
significava, tanto para ela quanto para mim, me senti honrada e ao mesmo tempo com mais
responsabilidade diante do nosso ofício e dos sujeitos privilegiados na pesquisa.
Dito isso, para este momento, priorizamos alguns olhares de dentro do campo
religioso que elucidaram a temática sobre a qual estamos refletindo. No decorrer das
entrevistas, questionamos os editores a respeito da importância e da representação de

73
Scalabrini para os trabalhos que desenvolvem, bem como para a construção e a organização
do periódico.
Reforça-se que, de maneira alguma, a fonte oral deve ser compreendida como
complemento às cartas ou ao periódico e vice-versa. Cada uma delas possui potencialidades e
especificidades metodológicas que devem ser reconhecidas e respeitadas. A tentativa está em
seguir as orientações postuladas por Teresa Malatian (2009, p. 205), a de contrapor os
documentos uns com outros e, logo, entre si, pois

ainda que as cartas sejam dotadas de grande potencial expressivo, vale aqui a
mesma regra de método usualmente empregada na historiografia: nenhum
documento pode iluminar por si só um tema. A confrontação com outros
documentos se impõe, abrindo ao historiador novas perspectivas e novos
ângulos de compreensão. Tal procedimento também evita a ilusão de que o
material obtido nas correspondências constitui verdade bruta e inexplorada,
confiável uma vez garantida sua ‘espontaneidade’ e, portanto, sua
‘veracidade’.

Assim sendo, segundo Neide Benvindo, a relevância de Scalabrini é inquestionável,


ela o enxerga como figura principal. Ficou em sua memória o registro das experiências
vivenciadas, especificamente as relacionadas com as irmãs escalabrinianas, como podemos
constatar:

Eu não sei muito desta história. Mas, a gente conviveu muito com irmãs e
padres scalabrinianos. Acredito que quando ele fundou a Congregação ele já
tinha como meta o trabalho com os migrantes. Ajudar os migrantes que
saiam de um lugar para o outro, para conseguir dias melhores. Melhores
lugares para morar. Muitas pessoas foram expulsas, nós sabemos como é luta
da e pela terra. De não poderem plantar, não poderem colher e de ter que
vender seus bens aos grandes proprietários. Acho que foi isso [...]. Sua figura
é de uma importância que não temos nem o que questionar. Ele é a figura
principal de toda esta luta que é a Pastoral dos Migrantes. E os padres e as
irmãs scalabrinianas dão e deram suas vidas por este trabalho e eu tenho
muito respeito por estes padres e estas irmãs até porque muitos deles são
amigos da gente. Amigos mesmo! Que ajudaram, inclusive quando eu entrei
na pastoral do migrante. Eu nem sabia o que era pastoral do migrante. Eu
tinha uns quinze anos [risos] (Neide Benvindo, entrevista gravada em janeiro
de 2014).

O segundo relato que destacamos é o dos editores do Boletim Vai Vem Ari Alberti e
Roberval Freire. Em tom descontraído, um deles respondeu rapidamente ao questionarmos
sobre Scalabrini: “Ele foi o cara!”. Em seguida pontuou sua importância, descrevendo-o como
profeta e sublinhando as consequências das migrações sob a ótica capital/trabalho.

74
Ao ver aquela moçada com maleta e tudo [...] migrando. Acho que na época
ele foi um grande profeta. Contaram sobre a América pra eles, mas não foi
daquele jeito que contaram. Ele compreendeu isso tudo e teve uma visão
profética. Poxa vida! É preciso fazer alguma coisa. O capital cria todas as
condições e os empecilhos criando um sentimento em você, que você que
quer sair, como ‘coitadinho’. Têm muitas pessoas na Congregação que pensa
isso aí. Scalabrini fez diferente (Ari Alberti, entrevista gravada em janeiro de
2014).

Observamos que João Scalabrini aparece nos relatos orais – bem como, no periódico
e nas missivas – como um exemplo a ser seguido. Representa o sentido do trabalho com os/as
migrantes e das ações da Pastoral dos Migrantes, afinal foi ele quem iniciou o trabalho.
Assim, de maneira respeitosa, os entrevistados reverenciam a hierarquia eclesial por meio
dele.
Sublinhamos que, no ano de 2005, na celebração do centenário da morte de seu
fundador, a Congregação dos Missionários de São Carlos/escalabrinianos homenageou João
Scalabrini com uma edição da Revista Travessia dedicada a seu legado. Para seguirmos com a
análise, destacamos um trecho do prefácio escrito por Dirceu Cutti referente a Scalabrini:

[...] definido como homem de ação e do diálogo. Sempre que se deparava


com problemas no campo social, buscava encaminhar soluções. Organizou
cozinha popular para socorrer os famintos; fundou um instituto em favor dos
surdos-mudos; promoveu a criação de cooperativas de produção e consumo;
caixas rurais para financiamento e o banco católico Sto. Antônio. Valoriza a
comunicação: criou jornais e incentivava que outros o fizessem. [...]
pronunciou inúmeras conferências, sempre muito concorridas. Defendeu a
participação dos católicos nas eleições, proibidos de fazê-lo pela Cúria
Romana, o que lhe causou fortes dissabores [...] são esses alguns aspectos da
sua atuação social. Mas, o maior legado decorre do campo da migração
(CUTTI, 2005, p. 3).

Diversos textos, sejam eles de cunho religioso ou de cunho acadêmico, identificam a


importância de Scalabrini, principalmente por ele ter idealizado e desenvolvido a Pastoral do
Migrante. Várias citações suas sobre migrações são bastante conhecidas, entre elas: “A
migração alarga o conceito de Pátria para além das fronteiras Geográficas e políticas, fazendo
do mundo a pátria do homem”; “Para o migrante, a pátria é a terra que lhe dá o pão”;
“Migram as sementes nas asas do vento, migram as plantas de continente a continente,

75
levadas pelas correntes das águas, migram os pássaros e os animais e, mais que todos, migra o
homem”85.
Vários autores destacam que Scalabrini despertou seu olhar para a luta do/as
migrantes após ver, diariamente, em Milão, milhares de migrantes italianos/as que se
encontravam na estação ferroviária em macha para a América. Reconhecido como homem de
ação, entre1887 e 1892, Scalabrini fez pesquisas, palestras e conferências a fim de ampliar a
consciência a respeito dos problemas em que as migrações estão inseridas, fazendo com que
os ouvintes entrassem no debate religioso, político, econômico, cultural e social.

A preservação e a valorização do patrimônio espiritual existem a


conservação da cultura étnica: religião e pátria se completam nesta obra de
amor e de redenção. A Pastoral dos Migrantes deve ter presente este
princípio. Tanto os missionários, quanto a Igreja de acolhida devem respeitar
a identidade cultural e a religiosidade própria do migrante (SCALABRINI,
1989, p. 373).

Em 1887, no auge das migrações italianas, Scalabrini fundou a Congregação dos


Missionários de São Carlos e a Associação Leiga São Rafael, ambas destinadas, inicialmente,
a receber e acolher os/as i/emigrantes italianos/as. Em 1895, os missionários de São Carlos
chegaram a São Paulo, na região do Ipiranga, e tiveram como suas primeiras obras o Orfanato
Cristóvão Colombo e a Igreja da Paz. Em 1901, Scalabrini visitou as Congregações nos
Estados Unidos e, em 1904, no Brasil. Um ano mais tarde, em 1905, lançou vôo, dentre nós,
rumo à última migração sem presenciar, em maio de 1906, a aprovação, em âmbito nacional e
internacional, do Serviço Especial da Emigração – em 1988, esta Comissão passou a se
chamar Conselho Pontifício para a Pastoral de Migrações e Itinerantes86.
Cabe destacarmos que, em termos de documentos conciliares, o Rerum Novarum é o
primeiro documento eclesial voltado à doutrina social da Igreja, suscitando intenso debate
sobre as preocupações sociais e, consequentemente, com os/as migrantes. A esse respeito, a
Constituição Apostólica Exsul Família87 é considerada a carta magna dos ensinamentos de

85
Essas citações podem ser encontradas em Redovino Rizzardo (2007); Revista Travessia (2005); Anita
Candatem (2012).
86
O cuidado pastoral com os/as migrantes foi incorporado na formulação do novo código de Direito Canônico,
publicado em 1985, e, em 1988, na reestruturação da Cúria Romana. A Pontifícia Comissão passa a se chamar
Pontifício Conselho da Pastoral para os Migrantes Itinerantes – Erga migrabtis Caritas Christisite:
http://www.vatican.va/phome_po.htm.
87
PIO XII, Exsul Família. Constituições Apostólicas sobre os cuidados espirituais aos emigrantes (1952). São
Paulo, 1955.
76
toda a atividade Pastoral junto aos/às migrantes. Ela representou a primeira formulação mais
orgânica sobre as migrações, além de oferecer orientações gerais para a Igreja88.
Os documentos conciliares citados contribuem para justificar/embasar as ações junto
aos/às migrantes, uma vez que o campo religioso é composto, também, por uma ala
conservadora, a qual não admite os ideais defendidos pela Teologia das Migrações e, muito
menos, pela Teologia da Libertação. As práticas e as ideologias desses sujeitos eram e são
consideradas heresias contra a Igreja.
Como podemos notar, pelos ethos midiatizado nas migrações, o Boletim Vai Vem
constitui-se em espaço de tensão e de negociação não somente diante da grande mídia, mas
também nos campos político e religioso.
Tendo essas reflexões em vista, elencaremos a seguir, em linhas gerais, como o
Boletim Vai Vem estava estruturalmente organizado para que, assim, possamos analisar as
histórias de migrações expressas nas narrativas epistolares. Para tanto, adotamos como
referência a mudança do comando do periódico para o SPM, em 1987, atentando para as
condições materiais (formato, tipo do papel, capa, contracapa, uso ou não de ilustrações,
divisão de conteúdo) e técnicas do periódico, conforme orientações sugeridas pela
pesquisadora Tania Regina de Luca (2005, p. 138).
Sobre as sessões, podemos dizer que não havia, de modo geral, uma padronização
rígida das colunas. O que percebemos, durante os anos de publicação do Boletim Vai Vem, é a
permanência de algumas seções, como: notícias migratórias; indicação de leitura e de eventos;
entrevistas com os/as migrantes; matérias sobre o contexto migratório – estas eram enviadas
pelas Pastorais Migratórias do Brasil e do Mundo, por meio das redes de contados; e as cartas
dos/as migrantes.
A partir de 1987, o periódico para a ter, com mais frequência, reflexões feitas por
intelectuais. Neste aspecto, concorda-se com a afirmativa: “uma revista é antes de tudo lugar
de fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espaço de
sociabilidade” (SIRINELLI, 1996 apud DE LUCA, 2005, p. 140).
Já o editorial, de responsabilidade de algum padre, bispo convidado ou dos
colaboradores, constitui-se no olhar sistematizado da redação. E, portanto,

88
Chamamos atenção para a repercussão e o conteúdo da Carta Encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco (18 de
junho de 2015), na qual, em defesa de conversão ecologia, o pontífice tece críticas ao modelo do sistema
capitalista, logo, às multinacionais. Segue o link para a carta:
<http://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-
laudato-si_po.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2015.
77
as redações, tal como salões, cafés, livrarias, editoras, associações, literárias
e academias, podem ser encaradas como espaços que aglutinam diferentes
linguagens políticas e estéticas, compondo redes que conferem estrutura ao
campo intelectual e permitem refletir a respeito da formação, estruturação e
dinâmica deste (DE LUCA, 2005, p. 141).

Outro dado importante é o registro dos nomes da equipe. De início, eram elencados
somente os nomes das entidades idealizadoras do periódico – CEM/CPM e, posteriormente,
SPM. O mesmo ocorria com as colunas do periódico, por uma questão estratégica da equipe
de redação em reforçar o discurso do trabalho coletivo. Todavia, a partir de 1985, passa-se a
ver os seguintes nomes envolvidos diretamente e apresentados na edição e na colaboração:
Adair Bagatini, Cheila Subenko, Marilda Menezes,Wander Pessoa, Francisco Nunes, Miguel
Longhi, Marilda Ap. Menezes, Paulo Prigol, Miguel Dalla Vechia, Elvira, Zé Roberto, Ildo
Nivaldo, Darciolei Volpato, Deoclério Rissini, Valdiram Santos, Padre. Antônio Garcia,
Antônio Rosa, Isaldo Betin, Mari Solange Cella, Maria José, Zé Maria e Ana Valim. Na
diagramação: Antonio Carlos de Oliveira, Patrícia Terra Pretel, Luciane Udovic, Hernane M.
Ferreira, Renato Fabriga Salma Meroto e Claudio Alberto de Souza. Alguns dos nomes
citados eram de voluntários de uma determinada edição do periódico, outros eram vinculados
à Missão Paz, mais especificamente a seus seguimentos SPM e CEM.
Contudo, faz-se necessário identificar os responsáveis que participaram com mais
assiduidade da dinâmica com o Boletim Vai Vem, sendo eles: Alfredo Gonçalves, Neide
Benvindo, Nelson Bison, Dirceu Cutti, Luiz Bassegio, Roberval Freire e Paulo Llles. É
interessante destacar também que, a partir de 1990, as colunas passam a ser assinadas pelos
colaboradores. Assim, a equipe de redação se responsabilizava apenas pelos textos não
assinados, pela diagramação e pela organização do periódico.
Ao elencarmos os nomes dos sujeitos envolvidos estamos dizendo que para nos
debruçarmos sobre as cartas publicadas nas linhas do mensageiro – Boletim Vai Vem –
devemos compreender, mesmo que minimamente, as trajetórias de seus idealizadores, a fim
de conhecer as pretensões e as contradições por trás de cada escolha de título, de assunto, de
imagem, de cor e assim sucessivamente.
Nas capas do Boletim Vai Vem (como é possível conferir nas capas selecionas das
imagens 4 e 5), encontram-se o nome do boletim,seu slogan, o índice de matérias e um
desenho que simboliza o assunto mais destacado na edição. O nome Vai Vem está
representado em uma placa que indica, ao mesmo tempo, dois – ou mais – caminhos. Nota-se

78
que esta se parece com as folhagens de uma possível árvore. E, ainda, um pássaro
descansando nela.
Essas capas representam as migrações, a vida dos homens e das mulheres migrantes,
pelo viés da dramaticidade, da frustração, da tristeza e da angústia. Como já pontuado, os
cartazes da Semana dos Migrantes são utilizados como capas do periódico.
Todavia, a partir de 1987 (imagem 6), percebemos algumas mudanças no formato
das capas: o Boletim passa a utilizar mais fotografias do que de desenhos e a sigla SPM
(Serviço Pastoral dos Migrantes) é acrescentada ao lado do nome do periódico. Essas edições
faziam-se referência ao número anterior por meio da capa que foi utilizada, nota-se, ainda,
que sumário não tinha um lugar fixo (vertical ou horizontal). Em seguida tem-se uma frase
com letras versais, na cor vermelha, marcada, intencionalmente, pelo tom de lema,
exclamação, reivindicação política e social. Por exemplo: Ocupar e resisti! É a resposta dos
Sem-Terra. Devemos marchar e conquistar essa terra. Informações bem características de
palavras-chave utilizadas pelos movimentos populares do período.
Por meio das capas, os leitores podem atribuir os primeiros sentidos ao Boletim Vai
Vem. A escrita (icnográfica e/ou textual) expressa, em uma primeira dimensão, as intenções
do periódico e o caráter de seus conteúdos. Nesse sentido, a diagramação é responsável por
cada detalhe visual e estético do periódico. A escolha de cada frase, em melhores palavras, de
como esta frase vai ser representada, perpassa as intenções dos envolvidos na diagramação. E,
portanto,

é preciso esclarecer que a “primeira leitura” que se faz de uma capa de jornal
é comunicação não verbal, ou mesmo pré-verbal. No todo do padrão visual,
as cores se antecipam às formas e aos textos. Quanto maior o potencial de
informação das cores (força semântica e clareza na identificação dos
matizes), maior será a antecipação da informação cromática em relação aos
elementos figurativos e discursivos do padrão (GUIMARÃES, 2003, p. 37).

No início da década de 2000 (imagem 7), as capas terão fotografias registradas


durante as atividades ou ações pastorais, também aparecendo os cartazes do evento Grito dos
excluídos. No que tange às frases em destaque, ora elas aparecem, ora não. Quando são
destacadas, perdem o cunho de crítica política para se transformar em um chamado de cunho
religioso e migracional.

79
Na imagem 8, observamos a capa89 da última edição publicada pelo periódico, em
2010. Nela, a equipe editorial faz menção tanto ao Boletim Vai Vem, para o Boletim do
Serviço Pastoral dos Migrantes (sendo este outro veículo de mídia, ainda em circulação, do
SPM), quanto à comemoração de 25 anos do SPM. Torna-se oportuno ressaltar a escolha da
fotografia destacada na capa, uma imagem da primeira assembleia nacional que elegeu a
primeira coordenação do SPM e, em destaque, a frase: “A luta continua!”.
Por meio dessas amostras de capas, já podemos perceber algumas mudanças no
periódico quando ocorre a transferência de comando do CEM para o SPM. Evidentemente, as
alterações também estão relacionadas ao contexto histórico e à transformação tecnológica em
que o Boletim Vai Vem estava inserido.

89
Cabe registrar que tanto esta capa quanto a contracapa representada na imagem 12 foram originalmente
impressas em cores. Entretanto, só se teve acesso a uma fotocópia em preto e branco.
80
Imagem 4: Amostra de capa I

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 1, n. 1, junho de 1981.

81
Imagem 5: Amostra de capa II

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 3, n. 12, março de 1984.

82
Imagem 6: Amostra de capa III

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 25, junho/julho de 1987.

83
Imagem 7: Amostra de capa IV

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 19, n. 79, janeiro-fevereiro-março, 2000.

84
Imagem 8: Amostra de capa IV

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 26, n. 115, janeiro-junho, 2010.

85
Prosseguimos nossa análise com mais quatro contracapas do Boletim Vai Vem. Duas
do período de coordenação do CEM e outras duas, do SPM.
Na imagem 9, observamos uma crítica ao sistema capitalista feita pelo artista
Kampus. Sob a frase “Era uma vez um migrante”, a charge representa o vai e vem dos/as
migrantes, ou melhor, os dilemas destes/as ao chegar à cidade. Esta era uma característica dos
primeiros números do periódico: havia sempre charges relacionadas aos/às migrantes.
O mesmo ocorre na página da imagem 10, com outra charge de Kampus. Nesta
observamos duas frases, a primeira: “Papiê! Sobremesa, sobremesa, nhoc! Nhoc!”; e a
segunda: “Enquanto isso, no nordeste: Vamos saquear a seca selvagem do sistema”. Nota-se a
tentativa de mostraras dificuldades do dia a dia dos/as migrantes pela exploração do sistema
capitalista e dos latifundiários.
Já nas contracapas organizadas pelo SPM observamos outras características, como a
utilização de fotografias, poesias, músicas e, ainda, reflexões do evento Grito dos Excluídos.
Na imagem 11, temos a poesia intitulada O fim da Ambição, escrita pela autora Costa Senna, e
uma fotografia feita por Pedro Richalski. Na imagem 12, notamos o apoio ao plebiscito
popular pelo limite da propriedade da terra e ao 16º Grito dos Excl

86
Imagem 9: Amostra de contracapa I

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 1, n. 1, junho de 1981, p. 18.

87
Imagem 10: Amostra de contracapa II

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 3, n. 12, março de 1984, p. 26.

88
Imagem 11: Amostra de contracapa III

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 19, n. 79, janeiro-fevereiro-março, 2000, p.12.

89
Imagem 12: Amostra de contracapa IV

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 26, n. 115, janeiro-junho, 2010, p. 12.

90
Como podemos notar, cada elemento do periódico permite inúmeras
possibilidades de pesquisas: estudar as representações imagéticas das migrações,
apresentadas nas capas e nas contracapas do periódico; discutir a trajetória e a criação
do Boletim Vai Vem, pensando-se nas suas implicações eclesiais, políticas, sociais e
migracionais; refletir sobre a (re)construção de identidades migratórias, por meio das
poesias, músicas ou – porque não? – do próprio boletim.
No entanto, o objetivo que nos trouxe até aqui é outro: o de discutir as
migrações por meio das histórias expressas nas cartas dos leitores do periódico. Essa
discussão se aproxima do que foi refletido até o momento, pois essas cartas estão
pautadas, também, no ethos midiatizado das migrações – do carisma escalabriniano.

91
CAPÍTULO II

O VAI E VEM DAS MIGRAÇÕES


A gente se levanta as 4 hs. da manhã a fim de trabalhar para poder viver.
Logo de manhã a gente fica toda molhada de orvalho, hora chuva, e sol.
Ainda quando Deus da saúde pra gente enfrentar o Serviço do dia-a-dia carpa
de cana, corte, planta de cana. Somos obrigados a trabalhar com enxadão
arrando capim. Não há tarde estamos cançadas sem forças, e assim vai dias,
meses, e anos sem poder perder dias. Apesar de luta pra sobreviver o salário
que ganhamos não compensa o suor que derramos. Nesta luta dura estão
empenhados pessoas de todas as idades desde jovens até idosas com 60 anos
de vida e luta. O que nos anima e a esperança de que um dia em meio de
tantas injustiças havera justiça para todos.
(Vai Vem, Boletim das migrações. Ano 2, n. 05, março, 1983, p. 12)

A epígrafe citada é um trecho da carta de uma mulher trabalhadora – ou


simplesmente migrante temporária (boia-fria) – que teve sua epístola publicada no
Boletim Vai Vem. A narrativa, carregada de seus dilemas cotidianos do trabalho, nos faz
apreender os mundos das migrações pelo chão de suas experiências, pela forma como
ela se identifica enquanto migrante e compreende os sentidos do seu vai e vem.
Tendo em vista a pluralidade das experiências migratórias, este capítulo foi
dividido em dois momentos de reflexão. Primeiramente, com a explanação de como as
missivas foram organizadas e publicadas no Boletim Vai Vem. Para isso, foram levados
em conta os temas que mais aparecem entre seus conteúdos, bem como suas
intencionalidades, uma vez que as epístolas eram consideradas pelos os editores a
matéria prima do periódico pelo qual homens e mulheres migrantes expressavam e
registravam as marcas de suas travessias.
A partir disso, assinalamos e discutimos os sentidos de migrações arroladas nas
cartas e iniciamos debate sobre os mundos das migrações ou, mais especificamente,
sobre as migrações internas no Brasil no período delimitado pela pesquisa, de 1981 a
1997. Trata-se de uma abordagem que busca, por meio dos horizontes e dos desafios
das migrações de homens e mulheres migrantes, apontar as tendências das migrações e
sua complexidade.

92
2.1 O fazer-se migrante pelas linhas do mensageiro

O Boletim Vai Vem foi criado com o intuito principal de dar visibilidade às
experiências migratórias narradas pelos/as próprios/as migrantes, bem como denunciar
os problemas oriundos das migrações e fomentar as organizações populares entre
colaboradores e leitores. As cartas dos/as migrantes eram consideradas, segundo o
colaborador Dirceu Cutti, “a matéria prima do Vai-Vem. As cartas eram o coração do
periódico”90. Assim, as missivas ocupavam lugar privilegiado, no qual os/as migrantes
exerciam o papel de protagonistas de suas histórias; agentes orgânicos a transformar o
meio em que vivem.
De outro modo, a presença das missivas significou a visibilidade do Boletim
Vai Vem entre a comunidade migrante, a credibilidade entre seus leitores e o respaldo
para seus objetivos e para sua aceitação. O ato de enviar as cartas era a recepção
midiática (COGO, 2012, p. 12) de que os colaboradores necessitavam para dar
continuidade ao projeto. Elas vinham de vários lugares do Brasil e do mundo, o que
significou a intensidade e as dimensões de sua circulação. Aberto para debate, críticas e
sugestões, o Boletim Vai Vem intentava representar um espaço democrático que se
preocupava com as demandas dos pobres migrantes.
Durante o período de circulação do periódico (1981-2010), foram publicadas
163 epístolas, das quais 47 foram escritas por mulheres; 63, por homens; e 53 foram
assinadas coletivamente. Como é possível verificar no quadro abaixo, registrou-se um
expressivo volume de cartas, principalmente entre 1985 e 1993. No total, 109 cartas
foram publicadas na década de 1980; e 53 nos anos 1990, momento em que as últimas
cartas foram publicadas. Houve apenas uma carta na década de 2000.

90
Entrevista realizada no Centro de Estudos Migratórios (CEM), em São Paulo (SP), no dia 06/09/2013,
com duração de1h, 46min e 26seg.
93
Quadro 1: Cartas publicadas por ano

Período de 1980 Período de 1990

Ano Quantidade Ano Quantidade

1980 * 1990 27

1981 2 1991 9

1982 5 1992 13

1983 3 1993 0

1984 1 1994 2

1985 9 1995 0

1986 13 1996 0

1987 17 1997 1

1988 26 1998 0

1989 33 1999 1

*O periódico foi criado em 1981.


Organização: OLIVEIRA, M. S. 18 de maio. 2015.

Para nossos entrevistados, a diminuição da presença das missivas aconteceu


aos poucos, ou seja, não foi uma decisão pontual dos editores do veículo. Quando criado
o Boletim Vai Vem, a prática de escrita de cartas91 era o principal meio de diálogo
traçado por seus leitores. Todavia, com os avanços tecnológicos, esse contato passou a
ocorrer por meio de novos suportes como telefone, email, site, blog, facebook, entre
outros meios eletrônicos.

91
Pode-se perceber a longevidade do gênero epistolar na cultura letrada por meio de alguns estudos, entre
eles o de Marcos Antônio Moraes em “Me escreva tão logo possa” (2005, p. 21), que aponta: “[...]
Alguns dos materiais utilizados para colher a escrita, tais como pedras, tabuinhas de argila ou de madeira,
papiros, pergaminhos, os diversos tipos de papel da era moderna, o meio magnético e o meio virtual. E os
instrumentos da escrita: estiletes, caniços, penas de aves, penas metálicas, lápis, caneta-tinteiro, canetas
esferográficas etc. Quanto à maneira de elaborar a carta, dou um exemplo, entre muitos. Na Idade Média
europeia, os religiosos, seguindo preceitos da retórica clássica, deviam organizar a epístola em tópicos
estruturais: salutatio (breve saudação), benevolentiaecapitatio (expressão de modéstia para cativar o
destinatário), narratio (narração), petitio (pedido) e conclusio (conclusão)”.

94
Até meados de 1985, apenas uma carta era publicada por edição – como
podemos visualizar na imagem 13 –, uma fotocópia da carta original. Em um segundo
momento, passam a ser veiculadas de quatro a cinco cartas reescritas pela equipe do
veículo e situadas nas seções intituladas: Varal dos Migrantes; Trabalhador com a
Palavra; Opinião do leitor; Cartas e Migrante com a Palavra.

Imagem 13: Amostra de cartas fotocopiadas

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações, Ano1, n. 4, março, 1982, p. 12.

A publicação das missivas nos primeiros números do Boletim Vai Vem


permitiu aos/às migrantes pontuar suas histórias de migrações sem a intervenção dos
editores, embora saibamos que eles escolhiam tais cartas conforme a temática central

95
abordada pelo número do periódico. Em cada edição tinha-se um tema norteador das
matérias, o qual era escolhido em reuniões com todos da equipe.
Mesmo conscientes disso, acreditamos que as narrativas se dispunham
conforme os olhares dos/as remetentes – na íntegra, sem cortes. Nem mesmo as rasuras,
as dificuldades na escrita ou os erros de grafia92 eram obstáculos suficientes para que os
sujeitos imprimissem seus jeitos, seus pedaços de mundos vivenciados pelas migrações.
“Longe de serem espontâneas, as cartas ocultam e revelam seus autores conforme regras
de boas maneiras e de apresentação de si, numa imagem pessoal codificada”
(MALATIAN, 2009, p. 197).
Grande parcela das cartas que assinalamos como de caráter privado (doze no
total) – as quais não tinham intencionalidade de publicação, eram enviadas entre quem
partiu e quem ficou. As missivas de caráter privado são escritas por mulheres93 (com
exceção de três epístolas assinadas coletivamente e que foram direcionadas como carta
aberta ao periódico). Como sugerido pelo pesquisador Marcos Antônio Moraes (2005,
p. 13), “precisamos da nossa atenção constante, porque a carta traz sempre a verdade do
indivíduo, em determinado momento, diante de um destinatário específico”.
No que tange a seus conteúdos, não é fácil esquematizá-los, mas podemos
destacar: desejo de enviar notícias, saudade dos familiares, pedido de ajuda financeira,
nascimento dos filhos, luta pela moradia e pela saúde, luta dos posseiros, ilusão em
morar na cidade, dificuldade de emprego para homens e para mulheres, precariedade de
trabalho, desejo de retornar, lembrança dos familiares, despedida, saúde debilitada,
pedido para que cuidem das crianças, frustração de suas migrações, falecimento de
familiares, testemunho cristão, trabalho pastoral na comunidade, organização popular,
abertura das fronteiras, esperança em Deus, terra em desuso, civismo e patriotismo, lei
de terras, desapropriação de terras e resistência.
As cartas ocultam e revelam os segredos mais íntimos dos nossos narradores e
das nossas narradoras. No entanto, a escrita de uma missiva, na qual pressupõem alguns

92
Federico Croci (2008, p. 21) chama atenção para as práticas de escrita da classe subalterna (o binômio
emigrante-analfabeto): “Assim, identifica-se uma linha de continuidade que atravessa os séculos, que
representou uma produção surda e informal de comunicação escrita, e se desenvolveu em uma espécie de
zona cinzenta, na fronteira entre oralidade e escrita, ou melhor, entre cultura oral e cultura escrita, cujos
autores são homens e mulheres das classes subalternas que empunharam a pena mesmo sem dominá-la
completamente e exercitaram – na maior parte dos casos, inconscientemente – o próprio direito da escrita
desafiando uma sociedade que fazia do privilégio e da exclusividade desse direito um elemento
discriminante para a exclusão” [grifos no original].
93
Devido a essa característica, analisaremos essas narrativas com mais propriedade no segundo tópico do
terceiro capítulo do trabalho.
96
códigos sobre os tons de cada gênero epistolar em consonância com o seu destinatário,
reflete o encontro mais intenso dos sujeitos com ele mesmo. “Neste sentido, é que os
estudiosos do gênero epistolar afirmam que a carta sempre conserva o traço anímico (da
alma), ou seja, o talhe simbólico do outro” (MORAES, 2005, p. 15) [grifos nossos]. Ou,
como afirma Ademir Pacelli Ferreira (1999, p. 86), “pela atividade da escrita, a carta
transporta o sujeito para o centro da palavra conectada com o outro, onde ele passa a
circular no fio que o ata ao destinatário”.
Os conteúdos das cartas desnudam as representações e as atitudes dos sujeitos
sobre si e sobre os mundos das migrações onde se movimentam e onde são colocados
em movimento. As trocas de cartas entre familiares e amigos demonstram, em um
primeiro plano, a necessidade de romper distâncias em decorrência das migrações; e,
em segundo lugar, o saber do outro – se sua migração deu certo ou se seus parentes e
conhecidos estão todos bem –, que se entrelaça com as dificuldades encontradas no vai
e vem de suas travessias. O ato de escrever e de narrar suas trajetórias se insere em uma
“função nutridora dos laços intersubjetivos” (PACELLI FERREIRA, 1999, p. 85).
Ademais, quem ficou relata os problemas encontrados na terra natal, sobretudo
financeiros. As simples folhas arrancadas do caderno evidenciam o status social de
nosso remetente, bem como suas relações cotidianas e suas redes epistolares com o de
lá e o de cá; entre ir e vir.
Tanto as missivas de cunho privado quanto as de cunho público, as quais
tinham intencionalidade de publicação, poderiam ser seguidas de um comentário ou
resposta da equipe da redação do Boletim Vai Vem. No entanto, essa prática não era
casual. Observam-se exemplos muito específicos em que os questionamentos do
remetente são respondidos pelo periódico, como este: “Agradecemos as informações
enviadas e, sem dúvidas, precisamos unir forças para encontrar um jeito eficaz para
trabalhar a problemática da migração, que atinge a fundo, milhares de famílias e de
jovens”94. Outro exemplo seria quando alguma epístola necessitava de esclarecimento,
como podemos observar, neste mesmo número, o comentário do Padre Mário Geremia:

O filho João não pode socorrer a mãe por sua situação financeira precária e a
filha Maria, profundamente inconformada por não chegar a tempo de ver a
mãe viva e ajuda-la partiu com nossa ajuda no dia 28/02/90 para buscar seus
dois filhos que estavam sob os cuidados da mãe devido da impossibilidade de
trazê-los consigo para São Paulo. A mãe faleceu no dia 10/02 e a filha Maria

94
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 42, maio-junho, 1990, p. 10.
97
está de retorno com sua maior riqueza; seus dois filhos (Vai Vem, Boletim das
Migrações. Ano 9, n. 42, maio-junho, 1990, p. 10).

As narrativas, as assinaturas, as rasuras e os detalhes também evidenciam os


tons que os escritores querem inserir em suas experiências migratórias. Embora os
títulos das missivas sejam os primeiros indícios de como os remetentes querem aludir a
suas histórias, sua localização na carta (sempre centralizado, com letras maiores, no
início da narrativa), exerce também um papel de atribuir sentido aos leitores.
De uma forma geral, os títulos das cartas de caráter privado são os seguintes:
Prezado amigo Manoel – Saudações, Solidariedade na luta, Meu querido irmão
Duarte, Ao longe meu abraço, Saudações, Querido e lembrado povo de nossa
comunidade, e Queria tirar São Paulo da Minha Mente.
Quanto às cartas de caráter público, encontramos os títulos seguintes:
Saudações, Caros Diretores, Caríssimos Amigos, Queridos companheiros, Aos amigos
do SPM, Serviço Pastoral dos Migrantes, Prezada equipe do SPM, Querido amigos e
amigas do SPM, Prezados amigos, Estimados Señores, Companheiro do Boletim das
migrações, [...] Longe da família, dói, Señores, Caros amigos, um forte abraço!, Seca,
água e migração, Olá companheiros(as) da Pastoral do Migrantes, Queridos amigos do
Vai-Vem, Caros amigos e companheiro o nosso abraço!, Estimado povo do Centro de
Migração, Srs. Do Centro de Estudos Migratório, Prezados Senhores, Prezados irmãos,
saudações em cristo, Olá, pessoal, Por que existe a favela, De mi especial
consideración y fraternidad, Porque o desemprego é necessário, Passa fome a gente
aqui e a família lá, A fé, esperança que vence qualquer parada, Aqui tá nossa história,
A vida da mulher trabalhadora, boia-fria, Governo nenhum vai dar terra, O problema
da Moradia, O esposo continua indo para São Paulo e O lavrador e a Mecanização.
Outro ponto pertinente a ser salientado refere-se às cartas que não eram
intituladas pelos remetentes. O Boletim Vai Vem as anunciava conforme o Estado de
origem, o mês e o ano de seu envio, por exemplo: São Paulo, Julho de 1988; Rio de
Janeiro, 06 de Maio de 1988, Queixada, CE 10 de Janeiro de 1990, e assim por diante.
Elas poderiam ser indicadas também segundo o assunto norteador da narrativa, o qual
deveria estar em consonância com a temática principal do número publicado. Assim
sendo, os títulos eram: Nova conquista; Secretariado Nacional de Pastoral Social –
Bolívia; Pastoral dos Migrantes no Norte do Paraná; Corpus Christi – Paraguai, Carta
aberta às autoridades e ao povo; Povo que luta defende a vida; Advogados e capangas

98
dos fazendeiros promovem tiroteio e tortura psicológica nos acampados na fazenda
Santo Antônio em Ipirá-BA; Carta de um migrante no Acre; Carta dos imigrantes
brasileiros nos Estados Unidos, ao presidente Lula; Cortador de cana; Nunca mais
migração; Macarrão Caseiro; Migrantes de Cortiço escrevem ao Bispo; O drama das
migrações na Diocese; Mineiros se revoltam em São Paulo; Os sem teto na ilha da
magia; Luta do migrante pela moradia; A História de um acampamento no Ibirapuera;
Índios: a luta pela reconquista da terra; Migrante Paraguaio; Os que lutam pela justiça
e Mas a realidade. Cabe salientar que algumas cartas não são assinadas.
Os títulos dados nas epístolas escritas pelos/as migrantes, assim como os dados
pelos membros da equipe do periódico, são vestígios riquíssimos para a nossa análise
histórica. Por meio deles, intensifica-se a mensagem epistolar que se deseja transmitir e
como quer que seja sentida pelo destinatário. Eles são, ainda, possibilidade de chamar a
atenção dos leitores para histórias de alegrias, sonhos, utopias, encontros, desencontros,
tristezas, frustrações, contradições, conformismo e re-existências.
Os títulos das missivas de cunho privado ou de cunho público e aqueles criados
pela equipe da redação do periódico possuem semelhanças e diferenças. Nas cartas
trocadas entre familiares e amigos, os títulos refletem as relações cotidianas, o que
evidencia que, para os sujeitos migrantes, as epístolas têm outras conotações, como a de
manter inalterado aquilo que a migração havia irremediavelmente interrompido ou
modificado. Diferentemente dos títulos dos leitores do Boletim Vai Vem, os quais
evidenciam, por meio de cumprimentos formais (saudações; prezados SPM; Olá,
pessoal), a identificação com o outro, ao chamá-lo de companheiros, amigos, colegas, e,
fundamentalmente, pelo uso da palavra luta, o que demonstra que remetentes e
destinatários se solidarizam e caminham no mesmo ideal de vida e de sociedade, mesmo
sem se conhecerem pessoalmente e sem estarem próximo no âmbito espacial.
Registramos, então, que as cartas que foram pensadas, formuladas e escritas
para publicação no Boletim Vai Vem fogem ao estilo das cartas de cunho privado95.
Estas não querem somente romper distâncias ou serem lidas, sentidas, respondidas e
depois guardadas na gaveta, “num fundo de armário, na posta-restante milênios e

95
“A carta que vai e vem trocando afetos, apreensões e sensibilidades circula no espaço intermediário
entre o eu e o outro, outro que se quer íntimo do eu. [...] Serve, assim, para estabelecer uma relação de
intimidade e de cumplicidade, oferecendo um certo encanto e fascínio pelo exercício da interioridade
endereçada e trocada com o outro ( PACELLI FERREIRA, 1999, p. 87).
99
milênios no ar”96. Querem mais! Muito mais! Recusam os silêncios e escolhem o
barulho do espetáculo, os múltiplos olhares, as várias vozes e as infinitas interpretações,
ao serem postas no periódico, como anuncia o migrante Ildeu dos Santos: “Por meio
destas linhas venho dizer ao Brasil e ao mundo a vida do migrante de um modo geral
[...]”97. Nota-se uma mistura de sentimentos que invade a escrita do remetente à medida
que se imagina que seus destinatários são também migrantes. Uma linguagem específica
de vivências sobre os mundos das migrações entrelaçadas com o desejo de sensibilizar
os demais leitores sobre os problemas que as migrações abarcam, tanto na sociedade de
origem como na de destino. Assim, a crítica social, política e econômica perpassa
intensamente essas narrativas.
Na imagem 14 e 15, podemos ver como as referidas cartas estavam organizadas
no Boletim Vai Vem.

Imagem 14: Amostra da organização das cartas – Varal do Migrante

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 38, setembro-outubro, 1989, p. 10.

96
Trecho da música Futuros amantes, composta pelo cantor Chico Buarque. Localização:
<https://www.youtube.com/watch?v=mCRXqukn688>. Acesso em: 10 jan. 2014.
97
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 27, outubro-novembro, 1987, p. 9.
100
Imagem 15: Amostra da organização das cartas

Fonte: Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 31, junho-julho, 1988, p. 10.

101
Chama atenção o simbolismo da coluna intitulada O Varal dos Migrantes. As
histórias dos/as migrantes parecem penduradas ao vento, expostas ao sol, como roupas
a enxugar cada gota d’água. Podemos fazer alusão às águas como se fossem suores do
dia-a-dia pela sobrevivência da vida, entre o vai e vem das travessias, ou ainda,
lágrimas/lamento motivadas pela saudade. A busca do amanhã, no horizonte do novo
devir.
Da pluralidade de experiências narradas nas missivas, podemos observar as
regiões das quais foram as cartas enviadas: localidades de estados brasileiros e
localidades de outros países. Nos mapas a seguir, intitulados origem das cartas
brasileiras e origem das cartas estrangeiras analisamos, esses dados com mais
precisão:

Mapa 1: Origem das cartas brasileiras

102
Mapa 2: Origem das cartas estrangeiras

103
Cumpre ressaltarmos que as missivas eram enviadas de várias regiões do Brasil e do
mundo, com destaque para países da América Latina, devido às redes de contatos com as
entidades religiosas e sociais entre os países sul-americanos. A pluralidade das localidades
demonstra, em um primeiro plano, a diversidade das migrações aqui estudadas, e, em
segundo, a tamanha visibilidade do Boletim Vai Vem em nível nacional e internacional.
No mapa intitulado origem das cartas brasileiras, observamos que apenas os estados
do Acre, Amapá, Tocantins, Rio de Janeiro e Espírito Santo não foram assinalados com envio
de narrativas epistolares. Mas isso não significa que os/as migrantes não tenham descrito
esses estados em suas rotas migratórias. Outro aspecto interessante a pontuar é o relativo à
concentração de envio das missivas nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do
Sul.
Já no mapa sobre as origens das cartas estrangeiras, constatamos que os países da
América Latina protagonizam um volume maior em relação às demais Américas. Essas
epístolas são, em sua maioria, de brasileiros que residem no exterior por condições de
trabalho/missão pastoral ou, simplesmente, de migrantes que se lançaram no fazer-se da
travessia.
Contudo, as cartas criam redes de solidariedades, contatos e sociabilidades (COGO,
2004, p. 8) entre migrantes, sujeitos das pastorais envolvidos com os movimentos sociais e,
consequentemente, entre as demais organizações populares. Logo, a pretensão das escritas e
das leituras das narrativas epistolares possibilita múltiplas interpretações: ao narrarem suas
histórias, os remetentes incentivam os/as migrantes a manterem-se na luta, a participarem das
organizações sociais. Do mesmo modo, a escrita e a leitura eram consideradas um canal de
redes de comunicação, de desabafos, sendo vistas também como uma forma de desafogar a
saudade e buscar ajuda, indicando um possível elo entre lugares e pessoas distantes,
aproximando-as, fazendo, assim, com que migrassem, transpondo lugares e, ao mesmo tempo,
permanecessem no lugar em que se encontravam. Um elo da memória que aproxima e
distância tempos distintos e transforma espaços ausentes em presentes e presentes em
ausentes.
Migrantes que lançam luz, novos sentidos, novos elementos às experiências de seu
cotidiano. A saber, que “o cotidiano não pode ser pensado como um lugar místico onde, em
sua pureza, os pobres se apresentam como são, libertos de ideologias estranhas. Melhor vê-lo
em sua ambiguidade de ‘conformismo e resistência’, expresso na ‘consciência fragmentada’
da cultura popular” (SADER, 1988, p. 41-85). Não obstante, podemos acrescentar ao debate,
104
as formulações feitas pelo pesquisador José de Souza Martins (2008, p. 95). Para este
pesquisador o cotidiano deve ser entendido para além do âmbito do vivido, pois “é nas
tensões do vivido que tem lugar o encontro/desencontro da vida cotidiana com a vida privada,
e da vida cotidiana com a História”.
Contudo, cumpre destacarmos que a caracterização dos conteúdos das epístolas foi
essencial para apreendermos as intencionalidades dos sujeitos migrantes e, principalmente, os
sentidos atribuídos às suas migrações. Essa primeira e necessária análise nos levou a estudar
os tipos de migrações que se sobressaíam entre as missivas.

2.2 O movimento das migrações internas a partir das experiências relatadas nas
cartas publicadas

Neste subitem pretendemos discutir as migrações internas no Brasil, por meio das
experiências narradas nas missivas publicadas no Boletim Vai Vem entre os anos de 1981 e
1997. Mais do que tecer um panorama geral dos fluxos migratórios do período, intentamos
compreender os desafios e os horizontes dos movimentos migratórios na vida dos que os
fazem movimentos pelas linhas de suas travessias.
Entendemos que a leitura macro das migrações deve estar entrelaçada com os
dilemas do dia a dia dos/as migrantes, para além dos dados estatísticos e das formulações
meramente teóricas que permeiam a grande parcela dos estudos migratórios. Ao negligenciar
as experiências entre resistências e conformismos98 das histórias, estamos perdendo os
elementos que compõem a complexidade dos mundos das migrações.
Nesta perspectiva, o período de 1980 e 1990 não foi marcado somente pelas rupturas
entre velhos fluxos migratórios e novos fluxos migratórios, como apontam as literaturas sobre
o assunto, mas, sobretudo, pelas continuidades que são essencialmente históricas. Em outras
palavras, o perfil das migrações internas está relacionado aos chamados velhos fluxos
migratórios ao fazer alusão ao contexto das fronteiras agrícolas no Brasil, dos fluxos intensos
para a região metropolitana de São Paulo, das propagandas de fomento, do Estado brasileiro,
às migrações e do chamado êxodo rural. Porém, ao mesmo tempo, as experiências destacadas
pelos/as migrantes já anunciam o vai e vem com outros rostos, outras motivações e outras
características das migrações.

98
Em aproximação com Marilena Chauí (1986, p. 20).
105
O pesquisador Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira (2011, p. 2), em seu artigo
intitulado Reflexões sobre os deslocamentos populacionais no Brasil, aponta a década de
1980 como um período de transformações, o qual rompe com o processo bipolar da
distribuição espacial no Brasil, e faz surgir, assim, novos eixos de deslocamentos, como
podemos observar a seguir nos argumentos do autor:

i) a inversão nas correntes principais nos Estados de Minas Gerais e do Rio


de Janeiro; ii) a redução da atratividade migratória exercida pelo Estado de
São Paulo; iii) o aumento de retenção de população na Região Nordeste; iv)
os novos eixos de deslocamentos populacionais em direção às cidades
médias no interior do País; v) o aumento da importância dos deslocamentos
pendulares; vi) o esgotamento da expansão da fronteira agrícola; e vii) a
migração de retorno para o Paraná.

É importante compreender os apontamentos feitos pelo pesquisador Antônio Tadeu


Ribeiro de Oliveira. Todavia, o trabalho empírico com as fontes desnudou outras tendências
relacionadas às migrações, ou melhor, apresentou a transição entre velhos e novos
movimentos migratórios, evidenciando, assim, o dinamismo entre as experiências migratórias
que são únicas de cada sujeito e, ao mesmo tempo, podem ser consideradas coletivas, tendo
em vista o sentimento de pertencimento a um determinado grupo. “Seu exercício tem um
efeito para a própria coletividade que, através do exercício desta escrita lançada ao outro,
ativa e inscreve seus traços, criando assim uma memória coletiva” (PACELLI FERREIRA,
1999, p. 87).
Cumpre registrar os sentidos de migrações internas no estudo, que podem ser
entendidas pela mobilidade espacial dos sujeitos em território nacional, no caso o Brasil. O
deslocamento de homens e mulheres de sua sociedade de origem para outros lugares, sejam
cidades ou Estados, é chamado de migração interna. Esta, por sua vez, pode ser caracterizada
por outras noções, como migrações intra-regionais (no interior de mesma região) e inter-
regionais (de uma região para outra). E, ainda, migrações rural-urbano, migrações urbano-
rural e migrações rural-rural. Neste sentido, o pesquisador Itamar Souza sintetiza (1978, p.
48):

Migração interna é um processo social resultante de mudanças estruturais de


um determinado país que provocam o deslocamento de grupos sociais,
pertencentes às diversas classes sociais, os quais, por motivos diversos,
deixam o seu município de origem e vão fixar residência noutro.

106
Para prosseguirmos com o debate, a seguir temos dois mapas nominados,
respectivamente, Estado de origem e Estado de destino. Os dados que compuseram os mapas
são as localidades das migrações assinaladas pelos/as migrantes em suas missivas. De um
total de 163 cartas analisadas, em apenas 20 delas pudemos observar a dinâmica das
migrações internas. Isso porque levamos em consideração as narrativas que destacavam tais
origens e destinos de suas migrações e não necessariamente as localidades assinadas nas
cartas pelos seus remetentes, haja vista que as intencionalidades e os conteúdos delas são
plurais.

Mapa 3: Estados de origem

107
Mapa 4: Estados de destino

No mapa intitulado Estados de destino, São Paulo, Minas Gerais e Bahia


aparecem com maior proporção como local de destino dos/as migrantes. Já Mato
Grosso, Acre, Amapá, Pará, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe não aparecem
como sociedade de destino. Por outro lado, no mapa denominado Estados de origem,
Paraná, Pernambuco e Minas Gerais aparecem como lugares onde os/as migrantes mais
se deslocaram.

108
Não causa estranheza a quantidade de migrantes que se direcionaram a São
Paulo ou que tiveram a metrópole como rota migratória, uma vez que, na década de
1970, os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro eram considerados polos principais
das migrações internas. Nesse período, o Brasil teve um aumento populacional de 25
milhões de pessoas, dos quais sete milhões – ou seja, 28% do total do país – se
encontravam em São Paulo. Todavia, houve pessoas migrando de São Paulo para outras
regiões, mesmo que em pequena quantidade.
Compondo esse cenário99, o Nordeste, com os Estados da Paraíba e de
Pernambuco, protagonizou os deslocamentos para a região Sudeste do Brasil.
Entretanto, a partir da década de 1980, o Estado da Bahia aparece como receptor dos/as
migrantes devido às migrações de retorno100. Não obstante, Minas Gerais é apontado
tanto como local de origem quanto de destino, este última pelos efeitos das migrações
de retorno e pelo movimento rural-urbano.
Ainda analisando os mapas, chamamos atenção para o Estado do Paraná, no
qual se registram fluxos migratórios do campo em direção à cidade e uma dinâmica
inter-regional em virtude das chamas fronteiras agrícola. Em um primeiro olhar, o
termo fronteiras agrícolas remete às terras demograficamente desocupadas,
economicamente inexploradas. Sua posição geográfica, onde se faz necessária a
presença de segurança nacional, é outra característica. Segundo os autores Luiz
Bassegio e Francinete Perdigão (1992, p. 149), a fronteira agrícola se caracteriza
também “pela ocupação e incorporação de novas terras, por pequenos agricultores
oriundos de regiões onde era impossível obter a posse de um pequeno lote para manter a
sobrevivência de um vazio demográfico”. Havia então, um discurso contraditório
pautado, por um lado, na função social e, por outro, na expansão do capital.
Guardadas as devidas especificidades dos contextos históricos, os
deslocamentos internos, marcados pela propaganda do Estado brasileiro, às ditas terras
vazias ou desocupadas fazem parte de um processo de colonização que emerge desde a
99
Notamos uma literatura extensa sobre os fluxos migratórios dos Estados citados e, ainda mais, sobre as
migrações internas no Brasil. Numa ótica nacional, contudo, deixamos ao leitor algumas referências que
consideramos pertinentes ao assunto: RIBEIRO, J. T. L. Estimativa da migração de retorno e de alguns
de seus efeitos demográficos indiretos no nordeste brasileiro, 1970/1980 e 1981/1991. Tese de doutorado
em Demografia. Belo Horizonte: Cedeplar / UFMG, 1997; SINGER, P. Migrações internas:
considerações teóricas sobre o estudo. In: Economia política da urbanização. São Paulo:
Brasilense/CEBRAP, 1979; MARTINS, José de Souza. Não há terra para plantar neste verão.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1986; MOURO, Hélio A. Migração interna; textos selecionados. Fortaleza : BNB,
1980; COSTA, Manoel Augusto. Migrações interestaduais no Brasil, 1950/80. Rio de Janeiro: IPEA,
1988.
100
No próximo capítulo, propomos uma reflexão mais a profunda sobre esta modalidade migratória.
109
década 1930 com a política Macha para Oeste (para a Amazônia), do governo do
presidente Getúlio Vargas101, e continua com as políticas do regime militar pós-1964 e
sua incidência sobre a construção territorial das chamadas fronteiras de agrícolas. Esses
condicionantes históricos e políticos nos ajudam refletir sobre as experiências dos
narradores, ao destacar:

Aqui a realidade continua muito dura, os clamores do povo


continuam. Agora já não saem do Egito, mas de Rondônia. A imagem
que é projetada no sul a respeito de Rondônia não corresponde à
realidade. [...] Aqui só tem dinheiro para comprar terra, influência e
favores. A propaganda tem como objetivo esvaziar as tensões sociais
do Brasil, causadas pelo desemprego, aumento do latifúndio, projetos,
multinacionais. Rondônia, a terra da esperança, de engano e de
morte102.

Podemos perceber a frustração desses migrantes ao chegarem a Rondônia. Ao


mesmo tempo em que o Estado pode ser entendido por eles como espaço de esperança,
se torna espaço de engano e de morte, ao verem seus projetos migratórios frustrados.
Importa destacar a comparação de suas dificuldades com a peregrinação do povo do
Egito. É uma alusão aos referenciais sagrados que demonstra, também, consciência
política sobre os contextos que embasam o discurso de migração aos/às trabalhadores/as
migrantes. O migrante prossegue sua carta dizendo:

Não é verdade que todos os que chegam recebem terra, que existem
estradas bonitas. Que há escolas para todos, que o sistema de
assistência à saúde é bom. Que a terra é das melhores, que os
agricultores recebem orientação sobre o cultivo desta terra, que o
preço dos produtos é justo, que os financiamentos são melhores que
em outros cantos do país103.

A narrativa está repleta de frustração, denúncia e, principalmente, de alerta. A


Rondônia projetada pelas propagandas não se condizia com a realidade. Ao chegar ao
local de destino suas migrações ganham outras conotações, outras demandas, outras
lutas.
Nos últimos 60 anos, as migrações para as fronteiras agrícolas foram uma das
tendências das migrações internas no Brasil. Vários projetos de colonização atraíram
os migrantes para essas áreas, entre os quais as construções de vias de acesso à região,

101
“[...] a grande organização burocrática mostrou-se portadora de mais um novo e poderoso componente
do poder – a máquina de propaganda” (LENHARO, 1986, p. 38).
102
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 5, n. 17, junho, 1985, p. 18.
103
Idem.
110
como a Rodovia Belém-Brasília, a Transamazônica, a Cuiabá-Porto Velho. Após o
fracasso do projeto transamazônico, o governo intensificou a migração para Rondônia.
Só na década de 1970, o “Estado cresceu 15,8% ao ano, ao passo que o crescimento
populacional de todo o território nacional não ultrapassa a taxa de 2,5% ao ano” (CEM,
1986, p. 67).
É importante registrar que as localidades assinaladas pelos/as os/as migrantes
não são compreendidas somente pelo viés físico ou absoluto, mas, sobretudo, como
espaços vividos, construídos por meio de suas relações sociais, culturais e religiosas.
Neste sentido, concordamos com Henri Lefebvre (2006, p. 10) quando o pesquisador
define três momentos na produção social do espaço: o espaço concebido, o espaço
vivido e o espaço percebido. Nesta perspectiva, os espaços mudam conforme os modos
de produção da sociedade, ou melhor, de acordo com as práticas sociais dos sujeitos. Ao
relatar o local de origem e o local de chegada os/as migrantes remetem suas
experiências (re)construídas no âmbito espacial não como espaço homogêneo, mas
como espaços sociais que, de acordo com suas ações, mudam em uma multiplicidade
indefinida. Espaços e tempos se misturam nos atos de recordar e narrar suas
experiências migratórias.
Outra tendência nas migrações internas no Brasil, evidenciada nas narrativas
dos/as migrantes, foi quanto às migrações rural-urbano, o chamado êxodo rural. Para a
pesquisadora Leonara Corsini (2010, p. 531), a categoria êxodo deve ser pensada para
além das vias exit (saída, fuga); esta “[...] é vista como resistência, e aponta
positivamente para transformação e para a constituição de uma nova ordem política,
econômica e social”. Em consonância com o posicionamento da autora, o êxodo rural,
perpassa não somente tempos e espaços, mas inúmeras intencionalidades dos sujeitos e
da sociedade que os cercam.
Contudo, como as fontes privilegiadas neste estudo são missivas que desnudam
as trajetórias dos próprios remetentes e às vezes remetem aos deslocamentos coletivos,
não utilizaremos aqui o entendimento de êxodo rural, apenas migrações rural-urbano.
Em tempo, chamamos atenção para a necessidade de se entender o rural e o urbano não
como dois polos dicotômicos, distantes e inseparáveis, mas pelas singularidades e
complexidades que os compõem.
Dito isto, podemos analisar algumas das implicações que, segundo os/as
migrantes, fizeram com que deixassem o campo em direção à cidade.

111
Eu nasci e fui criado em uma fazenda S. José de Balan, município de
União de Palmares, mas o fazendeiro vendeu a fazenda para uma
Usina, para plantação de cana e expulsou todos os moradores,
soltando os gados nas plantações sem pagar nada a ninguém e ainda
ameaçaram todos, então sai da fazenda e vim morar no Paraná na
Agricultura mas com problemas dos maquinários acabaram com os
trabalhadores braçais104.

Escrevo só para dar as nossas notícias aqui no nordeste.


Companheiros, a situação aqui no nordeste não é nada boa. Povo sem
terra, migrando a cada dia para os grandes centros e para as grandes
plantações de cana de açúcar, iludidos com um salário de fome. Por
exemplo, no sítio em que eu moro, de 40 famílias, 10 saíram a partir
de janeiro, forçados pela falta de chuva, falta de terra para trabalhar e
falta de emprego105.

Nós morávamos na ilha de Jacará ou Bandeirantes (Guaíra). Lá


tínhamos terra, plantávamos arroz, feijão, milho, mamona, café! Tudo
o que plantávamos produzia: nunca aconteceu de dizer que não deu
nada. Mas por causa da ITAIPU tivemos que abandonar tudo,
largavam as compostas da barragem e a água cobria toda a lavoura.
Perdemos tudo: o suor de um ano inteiro de luta106.

Aos queridos migrantes como eu, que sofremos na vida ao deixar a


terra que nascemos. Porque não tinha mais condições de viver, porque
não tinha mais condições de viver, porque trabalhamos em terra dos
patrões, que não deram valor ao nosso trabalho e só queriam para eles.
Fomos para a terra do café, mas que desilusão porque essa a mesma
coisa sempre explorando pelo patrão, que só queria para si o lucro.
Casei e o meu esposo disse vamos para a cidade grande para tentar a
nossa vida [...]107.

Por meio das narrativas, percebemos uma valorização da vivência no campo


em oposição à cidade, uma ideia mergulhada em nostalgias da vida cotidiana e dos
sentidos da terra. Neste caso, a terra é mais que fonte de sobrevivência, ela está
relacionada com a própria vida dos narradores. Ao entender essa dimensão,
compreenderemos o tom reivindicatório e frustrado dos/as migrantes ao verem suas
plantações destruídas pelos patrões, pelas construções de usinas hidrelétricas ou mesmo
pelas implicações climáticas. E, ainda, permite apreender declarações como: “eu nasci e
fui criado [...]”; “sofremos na vida ao deixar a terra que nascemos”; “Perdemos tudo: o
suor de um ano inteiro de luta”.

104
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 26, agosto-setembro, 1987, p. 10.
105
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 2, n. 5, junho, 1982, p. 07.
106
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 5, n. 21, abril-maio-junho, 1986, p. 16.
107
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 32, agosto-setembro, 1988, p. 10.
112
Além disso, a presença das máquinas no campo é vista com olhar negativo
pelos/as migrantes, uma vez que se veem em um campo de disputa onde a mão de obra
é substituída por elas. O mesmo se aplica à relação entre os/as migrantes e os patrões, na
qual se percebe um nítido distanciamento entre os interesses. Esses pontos se inserem
entre os motivos pelos quais os/as migrantes se deslocaram do campo para a cidade.
Diante do que foi refletido até o momento, podemos dizer que são inúmeras as
tendências das migrações internas no Brasil. Portanto, mais que ruptura entre velhos
movimentos migratórios e novos movimentos migratórios, de 1981 a 1997, observa-se a
complexidade desses movimentos. As migrações não se inserem apenas entre local de
origem e local de destino, saída e chegada ou, ainda, encontros e despedidas. São
movimentos contínuos nas vidas dos sujeitos, os quais se encontram em constante vai e
vem, seja nos espaços geográficos das migrações ou nos espaços afetivos dos sonhos,
dos desejos, das esperanças. Por isso, para compreensão dos mundos das migrações,
concordamos com o entendimento de transitividade migratória proposto pelo
pesquisador Jones Dari Goettert (2009, p. 54):

Em síntese, adiantamos, a transitividade migratória é a dialética de


tempos e espaços que são ‘portadores’ por toda ou todo migrante, que
dificultam uma definição mais acurada sobre lugares de pertencimento
e de não pertencimento daquela ou daquele que migra. A
transitividade migratória, por isso, se constituiria como parte dos
movimentos de subjetivação no interior de experiências migratórias.

Devido ao vai e vem constante representado nessas missivas, construímos o


mapa denominado Amostra de rotas migratórias, composto de três rotas migratórias. A
escolha destas se deu pelo fato de representarem as cartas masculinas, femininas e
coletivas, conforme a divisão metodológica aplicada no trabalho.

113
Mapa 5: Amostra de rotas migratórias

A rota feminina é marcada pelos Estados de Roraima, Rio de Janeiro e São Paulo; a
masculina, por Paraná, Minas Gerais e São Paulo; e, por último, mas não menos importante,
as rotas migratórias de uma das cartas, assinada coletivamente, com Minas Gerais, Ceará e
Espírito Santo. Essas rotas evidenciam as especificidades dos movimentos migratórios na vida
dos sujeitos e, ao mesmo tempo, as relações e o entrecruzamento dos movimentos migratórios
que deságuam em novas tendências, novos rostos e novas implicações aos mundos das
migrações, tema que abordaremos no próximo capítulo.

114
CAPÍTULO III

EPÍSTOLAS DE HOMENS E MULHERES MIGRANTES:


EXPERIÊNCIAS MIGRATÓRIAS

Experiência, experiências. Experiência plástica, atentando para os ‘sentidos


inesgotáveis de uma práxis’; experiência perceptível, nos traços de
singularidade; e experiência realizável, por uma realidade dada pela
diversidade interpretativa que pode sustentar. Experiências no fazer-se sujeito
que migra e no fazer-se sujeito que fica. Sujeitos do trabalho, da família, dos
sonhos, das frustrações, dos retornos, dos constrangimentos, das tensões e da
saudade. Dos que partem e dos que ficam. Dos sentidos inesgotáveis de uma
práxis. Das singularidades e das interpretações do diverso.
(GOETTERT, 2008, p. 36) [grifos no original]

Neste capítulo, pretendemos discutir, por meio das análises das narrativas
epistolares, os movimentos migratórios contemporâneos ocorridos no Brasil entre as
décadas de 1981 e 1997. Homens e mulheres migrantes que experienciaram o vai e vem
das migrações apresentam-se a nós em múltiplas facetas, as quais serão destacadas no
decorrer do capítulo. Os dilemas do sair, do chegar, do ficar, do retornar dos/as
migrantes – do viver entre a incompletude da travessia – tanto no cenário das
e/imigrações como nas migrações internas chamam atenção para a diversidade e as
diferenças entre as modalidades nos estudos migratórios.
Discutiremos, ainda, as particularidades das missivas escritas pelas mulheres,
no intuito de desvelar a dupla condição das mulheres migrantes, bem como as
peculiaridades dessas migrações, que se desenrolam no tempo e no espaço, marcando
profundamente as vidas destas mulheres.
Em um primeiro momento, o presente capítulo pode parecer audacioso à
medida que se propõe a refletir a respeito dos conteúdos dessas narrativas, em outras
palavras, dos dilemas que norteiam a vida dos/as migrantes. Por sua complexidade e sua
diversidade conceitual, só esse material já permitiria pensar inúmeras abordagens de
pesquisa. De toda forma, podemos dizer que, mesmo sem nos aprofundarmos muito
nessa questão, este exercício é salutar, pois proporcionará um apreender da dinâmica
das cartas dos leitores, suas intencionalidades e suas estratégias dentro do Boletim Vai
Vem e da sociedade e, ainda, os sentidos de migrações para esses sujeitos.

115
3.1 A e/migração i/legal e a transposição de lugares: travessias no sair, no
chegar e no ficar

Estudar migrações, por meio das narrativas dos/as migrantes, implica atentar
para os horizontes, as dimensões e as implicações espaço-temporais, socioculturais,
políticas e econômicas de cada fluxo migratório. Esses movimentos se apresentam em
um arsenal de múltiplos sentidos108 e levar esses apontamentos em consideração
significa ter consciência da complexidade dos estudos migratórios, em outras palavras,
dos pedaços de mundos em que os/as migrantes se encontram.
Os meios de comunicação constroem, na maioria das vezes, discursos sobre
os/as migrantes com cunho pejorativo, atrelados a imagens policialescas, evidenciando
posturas assimilacionistas, discriminatórias e excludentes em relação ao outro.
Vislumbrar no Boletim Vai Vem o inverso disto requer cuidado para evitarmos qualquer
postura dualista, em que um vilão se opõe a uma vítima. O mais importante é
compreender os/as migrantes seus contínuos trânsitos permeados por tensões e
contradições.
Assim, em cada história expressa nas cartas, percebemos as especificidades
das experiências migratórias, as quais são únicas dos sujeitos. Os itinerários
individuais, que se apresentam também como experiências coletivas, são partículas do
universo migratório; o deslocar marcado pelas saudades e pelo medo/receio do que está
por vir; as dificuldades de inserção na cidade; a esperança de usufruir de melhores
condições de emprego e as frustrações postas pela precariedade do trabalho; a ousadia
de transpassar fronteiras e os dilemas de viver na ilegalidade; a busca por melhores
condições de vida para os sonhos concretizados.
No horizonte dessa pluralidade, entendemos as migrações como “fato social
total” (SAYAD, 1998, p. 16). Estudar migrações sob esta perspectiva é refletir sobre a
sociedade, tanto na sua dimensão diacrônica (perspectiva histórica) como na sua
extensão sincrônica (a parte relativa à migração). O equilíbrio entre movimentos
diacrônicos e sincrônicos permite trazer à tona os processos migratórios. Em acordo

108
Em aproximação com Abdelmalek Sayad (1998, p. 15): “[...] Por certo, a imigração é, em primeiro
lugar, um deslocamento de pessoas no espaço, antes de mais nada no espaço físico; nisto encontra-se
relacionada, prioritariamente, com as ciências que buscam conhecer a população e o espaço, [...]. Mas o
espaço dos deslocamentos não é apenas um espaço físico, ele é também um espaço qualificado em muitos
sentidos [...]”.
116
também com José de Souza Martins (1999, p. 31), compreendemos que migrantes são
aqueles

que colocam temporariamente entre parênteses o sentido de


pertencimento e voluntariamente se sujeitam a situações de anomia, de
supressão de normas e valores sociais de referência. [...] Nesse
sentido, é necessário pensar como migrante não apenas quem migra,
mas o conjunto da unidade social de referência do migrante que se
desloca.

Dessa forma, torna-se oportuno destacar o entendimento a respeito de


emigração e de imigração que utilizaremos, especialmente neste tópico do trabalho.
Segundo a Organização Internacional para as Migrações – OIM (2009), as imigrações
e as emigrações apresentam diferenças, tendo em vista alguns argumentos.
Primeiramente, emigração é “abandono ou saída de um Estado com a finalidade de se
instalar noutro” (OIM, 2009, p. 26). Já a imigração é entendida como “processo através
do qual os estrangeiros se deslocam para um país, a fim de aí se estabelecerem” (idem,
2009, p. 35). Em síntese, podemos dizer: emigração é o ato de sair do
lugar/sociedade/país do qual se é originário; já imigração é o ato de entrar em uma
sociedade/lugar/país de que não se é originário. Chamamos, correlativamente, de
emigrantes e de imigrantes os sujeitos que protagonizam esses movimentos.
Cabe orientar que não devemos estudar as emigrações e as imigrações como
movimentos isolados, distantes uns dos outros. Ambas precisam ser encaradas como
parte integrante do mesmo movimento. A dupla condição de emigrante e imigrante faz
parte do mesmo processo migratório. O ato inicial do deslocar, a emigração,
desencadeia a origem da imigração. Dois mundos (mundos infinitos) implicados no
mesmo sujeito. O emigrante de lá e o mesmo imigrante daqui. Portanto, não é um ato
simples, como chama atenção Abdelmalek Sayad, ao analisar a imigração argelina na
França (1998, p. 273):

[...] Imigrar é vir para o interior (do exterior) ou no interno (do


externo), é estar presente aqui etc.; emigrar é ir do interior (ou do
interno) para o exterior (ou para o externo), da intimidade, do
‘privado’ (do doméstico) para o público, é estar ausente daqui para
estar presente lá, etc.

O leitor deve ter percebido que às vezes pontuamos como migrações, tanto a
emigração e como a imigração. Isso ocorre porque acreditamos que o termo permite
enfatizar as várias dimensões de movimentos, trânsitos e temporalidades em que as

117
migrações contemporâneas estão inseridas. “Migração”, bem como “[...] o termo
migrante é frequentemente usado para definir as migrações em geral, tanto de entrada
quanto de saída de um país, região ou lugar” (COGO & SOUZA, 2013, p. 47). Deste
modo, ao utilizarmos o termo migração, estaremos nos referindo tanto à emigração
como à imigração.
O Brasil sempre foi conhecido como um país de imigração, aspecto que pode
ser observado até as décadas de 1960 e 1970. A partir dos anos 1980, os fluxos
internacionais direcionados ao País são menores, mas, por outro lado, é possível notar
uma quantidade considerável de brasileiros com destino ao Japão e aos Estados Unidos,
bem como aos países da Europa.

Essa desaceleração pode estar relacionada à crise econômica dos anos


80, ao retorno de migrantes exilados e, ainda, às novas formas de
mobilidade da população na região, principalmente na área de
fronteira, que não implicam na mudança de residência de um para
outro país. Dessa forma, observa-se uma desaceleração do movimento
migratório interno à América Latina e um incremento no movimento
latino-americano para os Estados Unidos (COGO & SOUZA, 2013,
p. 24).

Isso não significa que o Brasil tenha deixado de receber imigrantes, exemplo
disso foi a nova configuração desenhada – novos rostos das migrações – pelas
imigrações latino-americanas, as quais marcaram profundamente o país neste período,
com a presença, principalmente, de colombianos, venezuelanos, peruanos, bolivianos e
chilenos.
Destarte, tendo a maior extensão territorial e economia da América do Sul, o
Brasil ofereceu e continua a oferecer empregos e melhores condições de trabalho a
milhares de migrantes qualificados e também àqueles que possuem nível de
escolarização mais baixo. Mesmo sabendo que cada migrante traz consigo
especificidades no deslocar, torna-se interessante observar, para continuarmos nossa
reflexão, as considerações feitas pela pesquisadora Delia Dutra (2013, p. 100) acerca
dos possíveis motivos da imigração no Brasil:

O crescimento da taxa de desemprego na Argentina, Bolívia, Paraguai


e Uruguai; a diminuição do desemprego no Brasil; a menor procura
por trabalhos temporários para os setores da agricultura na Argentina;
o elevado crescimento demográfico da Bolívia e do Paraguai; a
diminuição das alternativas de trabalho na fronteira paraguaio-
brasileira e a redistribuição da população desde o planalto andino-
boliviano para regiões próximas à fronteira com o Brasil.
118
Esses aspectos são relevantes para pensarmos nas causas das imigrações no seu
sentido geral e no fomento de uma cultura da migração, a qual está posta
independentemente de cada movimento migratório. Como sugere Jesús Javier Sánchez
Barricarte (2010, p. 33), “quanto mais habitual se torna a migração numa determinada
comunidade [de origem e de destino], mais mudam os valores e as percepções culturais,
de tal maneira que aumenta a probabilidade de futuras migrações”.
Muitos dos dilemas e dos horizontes que temos observado na atual conjuntura
das migrações no Brasil tiveram seu início nesse período (1970-1980), quando milhares
de emigrantes brasileiros se deslocaram para outros países, momento também em que
surgiram sinais de novos ventos soprados por imigrantes que escolheram o Brasil para
morar.
Alguns atores (por exemplo: SEYFERTH, 2007, p. 12) chamam atenção para
a tese de branqueamento que foi sustentada no país com a entrada de imigrantes,
sobretudo europeus109, desde a chegada dos portugueses. Esse fato permitiu constituir o
imaginário nacionalista atrelado ao processo de miscigenação cultural e, também, o
sentimento de abrasileiramento e integração dos imigrantes europeus com a cultura
brasileira. Porém, percebemos diferentes comportamentos e posturas com os atuais
sujeitos protagonistas das imigrações – nossos remetentes - para o Brasil110. Elementos
de construções do outro perpassam com outras intencionalidades e outras escalas os
processos culturais, políticos e socioeconômicos dessa migração.
O termo migrante deve ser entendido como construção social, “[...] uma vez
que a denominação de migrante não surgiu das relações sociais estabelecidas com seus
pares originais, mas sim foi-lhe atribuída a partir das relações sociais que ele passou a
109
Esta modalidade de imigração assume estilo de representações ocidentalistas do Outro Geográfico não
europeu. A civilização europeia incorpora o discurso de atraso de nação para afirmar seu status de
superioridade e progresso. Sobre o entendimento da construção do Outro Geográfico, Lylia da Silva
Guedes Galetti (2000, p. 53-54), em sua brilhante tese, ressalta: “construção extremamente ambígua, as
representações sobre este outro geográfico, projetam regiões bárbaras e atrasadas, sobre as quais uma
outra parte do país, em geral aquela onde os efeitos da modernização capitalista eram mais visíveis e que
portanto representam sua face ocidentalizada, podia e devia exercer a sua própria missão civilizadora”.
110
No que se remete ao termo de velho e novo migrante, Gláucia de Oliveira Assis (1995, p. 9) ressalta:
“O termo novos migrantes, elaborado por estudiosos da questão, refere-se a tais fluxos que expressam, no
plano da divisão internacional do trabalho, a mundialização crescente da economia, ao mesmo tempo que
indicam relações estabelecidas num mundo cada vez mais globalizado culturalmente. [...] As
similaridades seriam: a migração para áreas urbanas, sua concentração em algumas cidades portuárias e
sua capacidade de aceitar os serviços menos remunerados. No que se refere à composição étnica destes
fluxos, os ‘velhos’ migrantes eram na maioria europeus e brancos, já os ‘novos migrantes’ constituem-se
em larga escala de não-brancos provenientes de países do Terceiro Mundo, evidenciando as diferenças
entre os mesmos”. Evidentemente que não podemos homogeneizar estas relações, todavia, cabe sublinhar
os interesses implicados nas migrações.
119
vivenciar na sociedade de destino” (DORNELAS & NASSER, 2008, p. 28). Essas
categorizações e suas intencionalidades podem ser percebidas nas denominações
regionais: migrante nordestino, migrante gaúcho, migrante carioca, migrante paulista e
assim por diante ou, quando se tratam de outros países, imigrante boliviano, imigrante
peruano, imigrante colombiano. Devemos destacar que estes últimos têm dimensões
diferentes, por se tratarem de sujeitos com dupla ou mais nacionalidades, culturas,
costumes, linguagens e hábitos. Desta forma,

o termo ‘categoria’ é perfeitamente abstrato e pode ser aplicado a


qualquer agregado, nesse caso as pessoas com um estigma particular.
Grande parte daqueles que se incluem em determinada categoria de
estigma podem-se referir à totalidade dos membros pelo termo ‘grupo’
ou um equivalente, como ‘nós’ ou ‘nossa gente’. Da mesma forma, os
que estão fora de categoria podem designar os que estão dentro dela
em termos grupais (GOFFMAN, 1988, p. 32).

Em aproximação com a citação, entendemos que homens e mulheres111


migrantes por si só já carregam um estigma particular – o de ser migrante. Esta
condição os/as coloca a todo momento em estado de tensão e de negociação, tanto na
sociedade de origem quanto na de destino, seja pelas relações socioeconômicas,
culturais, religiosas, étnicas ou pelas lutas por demandas. Com isso, podemos dizer que

[...] nenhuma coletividade vai jamais se definir como Uma sem de


imediato colocar o Outro na sua frente. E esse outro, assim como o si
próprio (self), terão sempre alguma(s) qualidade(s) que os
particulariza, algum adjetivo para nomeá-la(s) e que, muitas vezes,
acaba se tornando um estigma;i.e., uma marca característica que os
inclui (‘nós’) ou os exclui de um determinado grupo (‘ele/as’) ou
categoria (DUTRA, 2013, p. 254) [grifos no original].

Estamos a todo o momento categorizando as relações humanas. Eu sou isto /


você é aquilo; o eu / o outro; o nós / e eles; os de dentro / os de fora; o feio / o bonito; a
ordem / a desordem; o civilizado / o não civilizado; o colonizado / o não colonizado.
Dualidades que permeiam as relações e os espaços que e às quais a sociedade,
especialmente os/as migrantes, está exposta. O outro, como afirmação da alteridade, ao
mesmo tempo em que inclui, exclui os sujeitos. Todavia, esquecemos que o outro é o
outro do nosso próprio eu.
No artigo intitulado Processo civilizador, fronteiras e figurações
estabelecidos/outsiders, o pesquisador Jones Dari Goettert (2012, p. 219-221) apresenta

111
No que tange às discussões sobre as mulheres migrantes, ver o próximo tópico deste capítulo.
120
uma discussão pertinente ao nosso debate. De fato, o pesquisador não está interessado
em simplesmente discutir conceitualmente o que Norbert Elias e John L. Scotson
chamaram de estabelecidos/outsiders – embora, só este exercício já seria plausível –, ele
intenta identificar e refletir as reconstruções e as redefinições, em cada situação escalar
(regional, nacional e global) do processo civilizador moderno-contemporâneo, que
invadem e configuram as relações humanas e os espaços. Desnudam-se, assim, os
sentidos, as relações de poder e as múltiplas intencionalidades do emoldurado das
fronteiras étnico-espaciais. No que tange aos/às migrantes, o autor, com tom irônico,
nos provoca fazendo a seguinte ponderação sobre as relações estabelecidos/outsiders:

Os estabelecidos: os paulistas trabalham; os gaúchos desbravam; os


agropecuaristas produzem. Trabalho, desbravamento e produção, sob
os auspícios da ordem, rumam o Brasil ao futuro, ao progresso... Os
outsiders: os nordestinos desqualificados; os baianos lentos; os
indígenas preguiçosos. Trabalho braçal, ausência de espírito
empreendedor e preguiça, desordenadores do Brasil Gigante, devem
se qualificar, ter o futuro como destino e produzir mais, muito mais...
(GOETTERT, 2012, p. 240).

Pares em oposição entre migrantes e não migrantes e ainda entre os/as


próprios/as migrantes marcam as histórias e as trajetórias dos sujeitos, dos grupos, da
sociedade. Nas narrativas das cartas, identificamos várias condições de
estabelecidos/outsiders. Na história de Silvano Tomasi, imigrante brasileiro residente
no Japão, podemos observar o estranhamento entre culturas e a distinção entre elas:
“Apesar da crise, o Brasil ainda é o melhor lugar para se viver. A forma de ser, agir e a
cultura do povo japonês é totalmente diferente do nosso – eles são muito abnegados ao
trabalho”112 [grifos nossos].
Podemos elencar as considerações do pesquisador Pierre Bourdieu (2007)
feitas no livro Distinção: a crítica social do julgamento. Nele, notamos que as
distinções são historicamente (re)construídas e naturalizadas nos sujeitos, servindo
como meio de distinguir uma classe da outra; fortalecendo assim, as hierarquias sociais.
Nas palavras do autor (2007, p. 439): “Tudo se passa como se os condicionamentos
sociais vinculados a uma condição social tendessem a inscrever a relação com o mundo
social em uma relação duradoura e generalizada com o próprio corpo [...]”.
Após a análise das cartas é possível dividi-las em dois cenários. O primeiro diz
respeito às narrativas dos integrantes das pastorais migratórias e das entidades afins.

112
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 12, n. 58, janeiro-fevereiro-março, 1994, p. 10.
121
Estas apresentam o trabalho pastoral e social realizado com os/as migrantes,
especialmente com os/as brasileiros/as que vivem em outros países. Sendo assim,
observam-se os dilemas e os horizontes das migrações pela ótica desses sujeitos,
conforme as demandas migratórias de países como Argentina, Honduras, Colômbia e
Peru. Já no segundo cenário, estão as narrativas dos/as e/imigrantes. Emigrantes
brasileiros/as que vivem em outros países (Japão e Estados Unidos) – portanto,
imigrantes lá – e emigrados/as da Bolívia, Paraguai e Chile que residem como
imigrantes no Brasil.
No mapa a seguir, intitulado Fluxos migratórios internacionais, podemos
analisar as localidades assinaladas pelas cartas dos leitores, bem como a direção tomada
pelos narradores migrantes. Notamos três cartas do Brasil em direção à Argentina, duas
para a Colômbia e outras duas para os Estados Unidos. Os demais fluxos são
representados com apenas uma narrativa epistolar. Entre as 163 cartas publicadas no
periódico, há um total 15cartas de e/imigrantes.
O mapa, além de simbolizar as experiências migratórias no lugar deixado e no
lugar escolhido, representa o tamanho do alcance do Boletim Vai Vem. O periódico não
se limitava somente aos cenários locais ou nacionais, ou seja, o campo internacional era
também desafio de uma agenda para as migrações contemporâneas. Assim, podemos
afirmar que as cartas representam o intercâmbio entre o corpo editorial e os/as
migrantes e, ainda, entre migrantes e outros/as próprios/as migrantes.

122
Mapa 6: Fluxos migratórios internacionais

123
Ainda seguindo com a análises das cartas, destaca-se a missiva assinada pelo padre
Aldo Pasqualotto113, que evidencia uma das características das narrativas epistolares escritas
por integrantes de pastorais, entidades religiosas e sociais ou por padres, bispos e
missionários. O conteúdo de suas missivas diferencia-se das demais cartas por evidenciar o
trabalho teológico-pastoral com os/as migrantes em outros países e, consequentemente, a
sensibilidade para com os fenômenos das migrações.
Ao relatar as dificuldades e as realizações do trabalho teológico-pastoral, esses
sujeitos proporcionam reflexões de seu ofício e, por conseguinte, da revitalização de suas
práticas. No caso mencionado, o padre Aldo Pasqualotto e mais três missionários
scalabrinianos desenvolvem ações junto aos/às imigrantes mais necessitados/as da periferia de
Buenos Aires, capital da Argentina. Esses imigrantes vieram de diversas regiões do mundo,
como Portugal, Espanha, Paraguai, Chile, Bolívia e Uruguai.
Os fluxos migratórios são, sobretudo, do campo para a cidade. Os imigrantes, ao
chegarem à Argentina, deslocaram-se para o campo, como rota de fuga. Porém, as
dificuldades encontradas na zona rural fizeram com que esses sujeitos migrassem novamente,
desta vez para os centros urbanos. Neste universo é que os integrantes da Pastoral dos
Migrantes atuaram. Na tentativa de proporcionar assistência espiritual, contribuíram também
para as organizações populares, como na luta de permanência destes sujeitos na terra via
Reforma Agrária. Essas observações podem ser verificadas no trecho a seguir: “Aquí casi
nadie habla de Reforma Agraria, pero nosotros cada vez más nos convencemos que hay que
luchar aquí también para que se haga una Reforma Agraria para terminar con el latifundio y
concentración de la tierra”114.
Essas estratégias para amenizaras dificuldades dos/as imigrantes ao chegarem à
sociedade de destino demonstram que esses sujeitos se posicionam no campo religioso e,
especialmente, nos espaços políticos da sociedade. Imbuídos do discurso da libertação dos
pobres migrantes, estes contribuem na fortificação das redes de sociabilidade e de luta entre
os mesmos. Deste modo, a Igreja Católica, por meio do Boletim Vai Vem, age como
tensionadora “[...] na disputa de sentidos para visibilização pública de uma agenda orientada
às questões migratórias, incluindo a própria presença de mídias especializadas e/ou
alternativas produzidas para e/ou pelas populações migrantes” (COGO, 2012, p. 10).

113
Missionário scalabriniano, atualmente é coordenador da Pastoral de Mobilidade Humana na cidade de La Paz,
na Bolívia. Háduas cartas deste remetente publicadas no periódico.
114
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 29, fevereiro-março, 1988 e p. 10.

124
Podemos citar outras duas cartas com o mesmo perfil, uma escrita por uma entidade
social, o Departamento Campesino de Comissão Episcopal de Ação Social (CEAS), do Peru,
e a outra, por uma entidade religiosa protagonizada por leigos, da Colômbia. Ambas destacam
a importância de um veículo de comunicação da magnitude do Boletim Vai Vem para as ações
que desenvolvem, denominando-o como espaço legítimo de reivindicações sociais e de
informações sobre a realidade das migrações brasileiras.

También para contarles y darles mis agradecimientos por el Boletín Vai-


Vem el cual me ha estado llegado de parte de Uds. y me es de gran ayuda en
el camino de mi trabajo y conocimiento de la realidad que afrontan
situaciones similares a las nuestras. [...] Espero nos comuniquemos siempre
y que nos sigan aportando sus experiencias. Solo me queda desearles que el
Señor les conceda muchos éxitos en su trabajo (Departamento Campesino de
Comissão Episcopal de Ação Social/CEAS, do Peru)115

Quiero agradecer vuestra gentileza para enviarme los últimos boletines Vai-
Vem, que contienen importante información sobre el problema migratorio y
sus repercusiones para el trabajo pastoral en el Brasil. Su contenido nos
permite manejar e tener conocimiento sobre los problemas fundamentales de
las corrientes migratorias y el papel que la Iglesia brasileira juega en esta
coyuntura. [...] Por nuestra parte, deseamos informarles que también
deseamos enviarles algunas de nuestras publicaciones (entidade colombiana
organizada por leigos)116.

Mais uma vez, por meio das cartas, percebemos a articulação entre o CEM e o SPM.
Nesses exemplos, as epístolas evidenciam a visibilidade do periódico em nível internacional
e, mais do que isso, a aceitação do leitor em relação ao trabalho desenvolvido com os/as
migrantes. As trocas de publicações e informações entre as entidades sociais e religiosas
configuram, assim, novas formas de ações e de estratégias. Nesta linha de apontamentos, tem-
se a carta do Secretariado Nacional de Pastoral Social, escrita por Roberto Pablo Quisbert:

Este contacto con el Servicio de Pastoral de Migraciones de San Pablo nos


permite mantener una relación continua, y a la vez las informaciones acerca
de los migrantes bolivianos en esa nos mantiene informados. Esta
comunicación nos iluminará en el trabajo concreto que pensamos realizar
en el próximo año que se avecina117.

O primeiro cenário, representado pelas cartas oriundas de outros países, nos permitiu
tecer algumas reflexões sobre o papel e as estratégias cotidianas que os integrantes das
pastorais e das Organizações Não Governamentais (ONGs) desenvolveram em prol das

115
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 29, fevereiro-março, 1988 e p.10.
116
Idem.
117
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano: 8, n. 40, janeiro-fevereiro, 1990, p. 10.
125
migrações. Enviar sua carta para o periódico era sinônimo de construir matrizes constitutivas
do ethos miditizado das migrações (COGO& LORITE GARCÍA, 2004, p. 6).
O segundo cenário está constituído pelas trajetórias dos/as migrantes, pelos dilemas
que os/as e/imigrantes experienciaram ao saírem de seus países de origem e ao chegarem ao
local de destino. Brasileiros que vivem em outros países e imigrantes que residem no Brasil
descrevem seus dilemas mais íntimos, pautados no cotidiano de ilegalidade; na importância
das redes familiares; nos obstáculos em falar em outra língua; nas migrações devido ao
contexto de repressão política; nas dificuldades de encontrar trabalho; na busca por cidadania
e por direito à terra.
A próxima carta a ser incluída no debate foi escrita por emigrantes brasileiros
originários do Rio de Janeiro e do sul de Minas Gerais. Eles descrevem suas histórias pelo
viés da religiosidade. Ao chegarem a StatenIsland (um distrito da cidade de Nova Iorque, nos
Estados Unidos), os/as emigrantes brasileiros/as veem nos encontros religiosos uma estratégia
de constituírem laços de afetividades entre os/as imigrantes nascidos/as no Brasil. A cada
semana, o estudo bíblico era na casa de um companheiro. Nesses encontros, a cultura
religiosa incorpora o capital simbólico dos sujeitos, em um movimento multiétnico-social e
multicultural na construção de suas identidades e na luta por suas demandas.
O estranhamento do clima da cidade de StatenIsland não impede que os/as
e/imigrantes continuem a sonhar por melhores condições de vida.

Apesar do frio e do calor demasiado e ainda o cansaço, nós continuamos


firmes. Como imigrantes aqui na América, gostaríamos de nos solidarizar
com todos os migrantes Brasileiros em busca de melhores condições de vida
e na partilha dos sentimentos de ver realizados os nossos ideais118.

As redes possibilitam a partilha dos medos, receios e alegrias do dia a dia dos/das
migrantes. Assim, os espaços de orações constituem em lugar por excelência de organizações
coletivas, as quais estimulam a permanência desses sujeitos na sociedade de destino. O envio
coletivo de dinheiro aos familiares pode ser entendido como formas de aplacar ausências, de
enfrentar questões sociais e econômicas dos parentes e, também, ascensão social 119 dos/as
imigrantes.
Já na carta intitulada Estimados Señores, o remetente destaca outro aspecto relevante
que encontramos nas imigrações no Brasil, a dificuldade de regulamentar os documentos de
118
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 20, n. 80, abril-maio-junho, 2000, p. 12.
119
Cynthia Andersen Sarti (1996, p. 12) distingue o que os migrantes chamam de melhoria de vida com projeto
de ascensão social.
126
registro no país de destino. Nesta condição, aumenta-se a vulnerabilidade dos/as imigrantes
nas relações sociais e, principalmente, nas relações de trabalho. Por estarem em situação
irregular, quando encontram um emprego, se submetem a situações precárias, sem subsídios
trabalhistas básicos, como podemos observar na carta escrita por/pelas uruguaios/as que
vivem no Brasil:

Esta es mi carta que les mando ya que mi problema es de suma urgencia.


Somos uruguayos y hace un año que estamos en Brasil procurando una vida
mejor, es lamentable que en todo este tiempo nadie nos ha ayudado por
causa de los documentos. Sera que para la gente es más importante una
documentación que cuatro personas sufriendo. Estamos cansados de salir a
pedir trabajo. Siempre nos dicen no podemos dar trabajo por no tener la
cartera120.

Os/as imigrantes saíram do Uruguai em direção ao Brasil em busca de melhores


condições de trabalho. Venderam o pouco de bens materiais que tinham na tentativa de
desfrutar de uma vida melhor em terras estrangeiras. Contudo, ao se depararem com a
exigência de documentação para se empregarem em qualquer trabalho, viram-se
desamparados, com a falta de informações sobre o assunto.
Há que se perceber ainda que esta carta está escrita em espanhol, mas tem-se a
tentativa de pronunciar, ou melhor, de escrever algumas palavras em português. Assim,
observamos a necessidade de integração à sociedade de destino. No que se refere às
imigrações, a língua – linguagem – torna-se um dos primeiros obstáculos na interação desses
sujeitos no local de chegada.
No texto “Migrações internacionais não documentadas: Uma tendência global
crescente”, o pesquisador Graeme Hugo (1998, p. 5-12) faz uma discussão pertinente sobre a
situação global contemporânea das migrações internacionais ilegais, apontando, assim, para o
crescente número de migrações ilegais no mundo. O autor compreende que este movimento
acontece à margem das regulações oficiais tanto do governo do país de origem como do de
destino.
Esse tipo de migração pode acontecer por vários motivos. Por exemplo, os migrantes
podem entrar no país de maneira clandestina ao ultrapassarem barreiras fronteiriças impostas
tanto pelo país de origem como pelo de destino; os migrantes podem entrar de maneira legal –
no que tange à legislação do estrangeiro – e depois ultrapassar o período de permanência
autorizada ou desrespeitar as condições impostas para estabelecer residência.

120
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 28,dezembro, 1988, p. 09.
127
O livro intitulado Organização Internacional para as Migrações – OIM (2009, p.
44) sistematiza essas denominações. Destacamos o entendimento de migração irregular:

Movimento que ocorre fora do âmbito das normas reguladoras dos países de
envio, de trânsito e de acolhimento. Não existe uma definição clara ou
universalmente aceite de migração irregular. Da perspectiva dos países de
destino, a entrada, a permanência e o trabalho num país é ilegal, sempre que
o migrante não tenha a necessária autorização ou os documentos exigidos
pelos regulamentos de imigração relativos à entrada, permanência ou
trabalho de um dado país. Da perspectiva do país de envio a irregularidade é
vista em casos em que, por exemplo, uma pessoa atravessa a fronteira
internacional sem um passaporte válido ou documentos de viagem ou não
preenche os requisitos administrativos para deixar o país. Há, porém, a
tendência de usar o termo ‘migração ilegal’ nos casos de contrabando de
migrantes e de tráfico de pessoas.

Embora essas reflexões sejam relevantes ao tema, acreditamos que não


problematizam termos atribuídos aos/às migrantes e às migrações. É migração não
documentada, ilegal, clandestina, irregular para quem? Interesse de quem ou do quê? Quais
os meandros e a intencionalidade desses termos?
Entendemos as formulações, bem como as leis que as asseguram, como a
necessidade dos Estados-Nação em manter suas hegemonias e suas distinções. As pesquisas
de Nicos Poulantzasa judam a pensar a respeito das matrizes espaciais e temporais regidas
pelo processo homogeneizado do Estado-Nação. Na tentativa de assegurar seu domínio,
controle e poder, tem de

[...] separar e dividir para unificar, fracionar para enquadrar, celularizar para
englobar, segmentar para totalizar, estabelecer balizas para homogeneizar,
individualizar para suprimir as alteridades e as diferenças, as raízes do
totalitarismo estão inscritas na matriz espacial materializada pelo Estado-
nação moderna, já presente nas suas relações de produção e na divisão social
capitalista do trabalho (POULANTZAS, 1985, p. 122-123).

Neste aspecto, a Igreja Católica tem desempenhado um papel fundamental121. Ao


mesmo tempo em que respeita os espaços e as redes de clandestinidades, se apresentando
como porta voz desses sujeitos, esbarra na ala conservadora da própria instituição e nas
orientações bíblicas de obedecer às autoridades governamentais.
121
O artigo, escrito por Sidnei Marco Dornelas (1998, p. 10), apresenta como é importante a reflexão sobre o
trabalho da Pastoral dos Migrantes frente às imigrações clandestinas, sobretudo dos bolivianos em direção a São
Paulo (Brasil). Entre os subtítulos de seu texto, o autor intitula um deles como: O mal-estar na Pastoral. Neste,
em especial, observam-se as tensões entre o trabalho teológico-pastoral com os meios de comunicação, os quais,
em sua maioria, apontam e relacionam as migrações clandestinas (podemos dizer, também, as migrações
irregulares e as não documentadas) ao trabalho escravo, ao crime, ao tráfico, entre outros elementos negativos.
128
A missiva denominada Carta de um migrante no Acre122 contribui também para
nossa reflexão, à medida que se apresenta como história de luta por um pedaço de chão, pelo
direito à terra dos/as migrantes. Estes se organizaram e enviaram uma carta ao Juiz de Direito
da Comarca Brasileira reivindicando posse da área em que moravam no Acre. Essa carta
representa não só a voz de um migrante, mas também as vozes de 40 famílias de
seringueiros/posseiros que, na década de 1970, migraram para a Bolívia a fim de trabalhar nos
seringais. No entanto, no ano de 1977, foram expulsos do país e, ao voltarem ao Brasil,
fixaram-se na fronteira.
Os posseiros se identificam como “seringueiros brasileiros, oriundos da Bolívia” (p.
9). Ao retornarem ao Brasil, encontraram uma área abandonada e desabitada, “inclusive sem
cercas ou marcos”, e ocuparam-na,“começaram a construir suas humildes choupanas sem que
aparecesse nenhum interessado a reclamar direitos sobre a área. Em poucos meses, a área
estava totalmente habitada” (p. 8).
Contudo, a viúva do político refugiado boliviano Ismael Zuazo, senhora Vitória
Barroso de Zuazo, juntamente com seu advogado, exigiu que todos saíssem de tal área,
humilhando os posseiros: “Todos os posseiros da referida área foram intimados no dia 6de
julho de 1984 a abandonarem suas casas e pagarem inclusive uma “multa” de CR$
200.000.00 por pessoa e caso não queiram se retirar, pagarão CR$ 500.000.00 (um milhão e
quinhentos mil cruzeiros) também por pessoa” (p. 9).
Essas famílias pedem na carta que a justiça seja realmente justa e compreenda que
os/as migrantes não têm condições de pagar indenização à senhora Vitória Barroso, até por
que entendem que não seria justo por já pagarem o IPTU (Imposto Predial e Territorial
Urbano) da propriedade e por contribuírem com a segurança nacional ao trabalharem na
fronteira, como o seguinte trecho destaca: “[...] o valor, o civismo e patriotismo desses
brasileiros, pois ao ocuparem uma área de terra abandonada junto à faixa de fronteira, pode
haver inclusive evitado uma invasão de estrangeiros” (p. 9). Cabia ao juiz a decisão:
“expulsos do Brasil (pelo latifundiário), expulsos da Bolívia pelas autoridades de emigração e
hoje, depois de 6 anos,obrigados a deixar a faixa de fronteira, não têm mais para onde irem”
(p.9).
A próxima carta a ser incluída em nosso debate é intitulada Migrante Paraguaio123.
Esta é escrita por José Golf, que nasceu no Estado do Paraná, migrou para a Argentina e

122
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 4, n. 14, setembro, 1984, p. 08-09.
123
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 22, julho-agosto-setembro, 1986, p. 14.
129
depois retornou para sua terra natal com toda a família. Interessa observar como o remetente
se identifica no título da carta, mesmo residindo no Brasil, e o porquê de escrever a carta em
espanhol.
Esta carta revela também, por meio do olhar do migrante, as atrocidades cometidas
pela ditadura militar na Argentina124 e as perseguições do Estado sobre migrantes, revelando
as dificuldades vividas por estes sujeitos. No início da carta, o remetente elucida o palco em
que estava vivendo na Argentina.
Segundo o remetente, havia cinco mil mortos em consequência da tirania do Estado,
“em consecuencia, mucha inestabilidad, ausência de perspectivas, mucho miedo, nada de
garantias, se presentaba negro el caminho hacia el futuro” (p. 14).
Nesse período conturbado, cinco dos irmãos de José Golf voltaram para o Brasil
devido à repressão que estavam vivendo na Argentina e às promessas de Reforma Agrária no
Brasil: “sin tierra, sin créditos, sin trabajo, otra vez con un futuro neegro. Resultado, a las
dos anos, después de muchas privaviones y humilhaciones, desilucianados de la patria
querida, recorosos com su gobierro desleal y antinacional, todos mis Hermanos emigraron
para Argentina por segunda vez!” (p. 14).
Em 1976, como narra a seguir, o remetente acaba por se envolver na Liga
Campesina:
todos por nuestra condición de “sin tierra” y obligados a vivir de la tierra
ajena por falta de otra posibilidad, durante los 6 años siguientes militamos
en las filas de las Ligas Agrarias Cristianas, una organización gremial
campesina muy cuestionada y perseguida por las altoridades: en 1976 el
descubrimiento de la existência de una incipiente organización clandestina
de carácter militar y revolucionário, sirne de ocasión y pretexto al Gabierno
diectatorial para terminar con la organización de los campesinos, de los
cuales una treinterna son asesinados, y miles son presos y torturados. A
mime toca la suerte de estos últimos, sobrevivendo a duras penas a tres años
de maltratos y privaciones en campo de concentración (p. 14).

A narrativa assinala as condições vivenciadas pelos/as migrantes. Dilemas que


norteiam suas vidas com e após os deslocamentos coletivos. José Golf, no decorrer de toda a
carta, traz à tona esses dilemas e ao final sistematiza alguns deles:

debemos seguir llevando en nuestros hombros el montón de inconvenientes


que encarna la condición del migrante: inseguidad, incomprensiones,
indocumentacion, inadaptación, desempleo, dificultades de idioma,
obstáculos en la escolaridade, indefinición sbjetiva frente al futuro familiar

124
Sobre um estudo mais profícuo, ver: NOVARO, Marcos & PALERMO, Vicente. A ditadura militar na
Argentina (1976-1983). São Paulo. Edusp, 2007.
130
insatisfacción de los derechos cindadonos por impossibilidade de
participación activa, etc (p. 14).

De mi especial consideración y fraternidad125: essa carta permite, como as outras,


inúmeras possibilidades de análise. Nesta, em especial, o remetente envia sua carta para a
família da Pompéia, que mora em Porto Alegre (RS), para pedir orações e conselhos
religiosos sobre a comemoração de Independência do Chile126. Desde seu início, a narrativa é
repleta de críticas a tal comemoração.
O país celebra a Independência com comidas típicas e shows de músicas regionais.
Importa observar a inquietude do remetente ao ver esta comemoração e ainda a escrita
Independencia de Chile com letras maiúsculas em todos os letreiros, em decorrência do
período turbulento da ditadura militar naquele país.

Hay alguna cosa que celebrar? Como puede olvidar un buen chileno nuestro
pais es uno de los más cultos de América: dos Premios Nobeles y otros
tantos científicos, artistas, escritores que en el exilio ocupan cargos de
inmensa importância em Universidades y Centros de Estudios
Latinoamercanos y Europeos?(p. 12).

O narrador vivenciou momentos terríveis no Chile, assim como inúmeros/as


imigrantes bolivianos/as, peruanos/as, uruguaios/as e paraguaios/as, por isso tal inquietude:

Un grupo numerosissimo de chilenos, bolivianos, peruanos, uruguayos y


paraguayos con quienes convivimos demostraron justa sorpresa por cuanto
en estas mismos momentos Chile passa por Uno de sus peores momentos
después del 11 de septiembre de 1973: assessinatos, detenciones en massa, 1
de cada 3 chilenos sin trabajo,escuelas de pedagogia en las universidades
cerradas; universidades intervenidas, iglesias asaltadas, sacerdotes
calumniados, prostitución en el más alto grado, delincuencia infato juvenil
nunca vista, alcoholismo consuetudianario, miedo, assaltos por grupos
facistas de grupos de reflección bíblica, Ministério de Educación destruído,
organizaciones como de la salud, transporte, previdência hoy em manos de

125
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 4, n. 16, março,1985, p. 12.
126
A título de contextualização, em 1973 sucedeu com a nomeação de Augusto Pinochet o comandante supremo
da nação, o golpe militar no Chile. A ditadura no Chile, não diferente das demais ocorrida na América Latina, foi
caracterizada por inúmeras torturas, atrocidades, mortes, e repressão a qualquer movimento contrário ao atual
governo. Este especializou a polícia e o exército nacional a criarem núcleos de repressão, a fim de garantir a
manutenção da Doutrina de Segurança Nacional (DSN). No dia 11, de setembro de 1973, iniciou-se bombardeiro
ao Palácio Presidencial da Moeda, apesar da resistência, com a morte de seu líder/presidente Salvador Allende,
pôs-se o fim da democracia Via Chilena, e o início de uma dolorosa e amarga ditadura até meados de 1987,
quando haverá um plebiscito popular. Para maiores informações sobre o assunto, ver: SADER, E. Democracia e
ditadura no Chile. São Paulo. Brasiliense, 2006.
Deixamos também ao leitor algumas dicas de longas-metragens que representam, cinematograficamente, este
momento do Chile: A Batalha do Chile (1975 – 1980); Chove sobre Santiago (1976); Missing – Desaparecido
(1982); Acta General de Chile (1986); A Casa dos Espíritos (1993); Machuca (2004); Condor (2007); Rua
Santa Fé (2007); Tony Manero (2008) e Nostalgia da Luz (2010).
131
la pluticracia nacional e internacional, modelo de gobierno em contracción
con el espiritu tan sui géneris del chileno, etc. etc (p. 12).

A carta é finalizada com a esperança pautada em sua crença:

Ustedes no deberian desconocer que la Inglesia en Chile está sendo


perseguida por Pinochet y su banda de asesinos: no deberían olvidarse que
chile merece mejor recoración que una FIESTA?, que nuestros muertos: 340
mil, merecen oraciones, retiros, estúdios bíblicos, etc., sin perder por eso el
optimismo sano em sana consciência. Fraternalmente, em la esperanza de
ser entendido a la lus del elvangelio y compreendido em el orgulho histórico
(p. 12).

Em todas as cartas, registra-se a necessidade dos autores em narrar suas próprias


experiências migratórias para contribuir, de alguma forma, com o movimento dos/as
migrantes. As marcas das migrações fazem com que esses sujeitos enviem suas epístolas ao
Boletim e se organizem para mudar o contexto em que vivem. Suas narrativas eram vistas
como um enfrentamento contínuo de afirmação pública em busca de visibilidade de suas
demandas e cidadanias.
Os dilemas do sair, do ficar e do chegar podem ser notados em cada palavra expressa
pelos remetentes. O mesmo pode-se dizer das causas ou motivos do deslocar. Uns migram por
melhores condições de vida, trabalho (migrante laboral), outros por embates políticos,
questões ambientais ou de fronteiras. Isso indica que as migrações são plurais, não só pelas
direções e intensidades dos movimentos, mas também e, principalmente, pelas trajetórias
individuais dos/as migrantes, as quais compõem, com suas particularidades e subjetividades,
os mundos das migrações.

132
3.2 Mulheres migrantes

Por muito tempo, coube às mulheres somente o silêncio, imposto, cotidianamente,


por uma ordem machista de dominação simbólica e prática. O silêncio que perpassava a vida
pública e privada em sua múltipla possibilidade de sentidos (dentre outras, como resistência
de contrapoder e como sua grande maioria, imposição masculina), marcou e ainda marca
profundamente as vidas das mulheres, em especial, das migrantes.
A historiadora Michele Perrot (2005, p. 9-11) nos ajuda a compreender os elementos
que formam esses silêncios127. Segundo a autora, são silêncios reiterados pelos discursos
religiosos, políticos e pelos manuais de comportamentos, tornando-o, assim, uma virtude
entre as mulheres. Verbos como aceitar, conformar-se, obedecer e calar-se eram mais do que
palavras de ordem. Nesse sentido, a naturalização desses verbos fez-se de modo que as
mulheres interiorizassem a inferioridade e a dominação.
De acordo com Michele Perrot (2005, p. 10), o silêncio das mulheres “no espaço
público onde sua intervenção coletiva é assimilada à histeria do grito e a uma atitude
barulhenta demais como da ‘vida fácil’”. Silêncio imposto “até mesmo na vida privada, quer
se trate do salão do século XIX onde calou-se a conversação mais igualitária da elite das
Luzes [...]. ‘Seja bela e cale a boca”’.
Pierre Bourdieu (2002, p. 103) contribui, também, para esta compreensão, que pode
ser chamada demovimentos de silenciamento. Bourdieu aponta como dispositivos
modeladores, produzidos estruturalmente – a Igreja, o Estado, a Escola, a Família, dentre
outros – como instâncias que agem sobre os sujeitos inconscientemente, fazendo com que as
normas passem a compor o cotidiano das pessoas aos poucos, chegando uma a uma. Por isso,
acabam sendo incorporadas sem que sejam percebidas como aspectos excludentes, vividos
com naturalidade como se verdadeiros fossem, não questionando as lacunas, nem mesmo
poderes e pertencimentos sociais diferenciados.
Para o autor: “é sem dúvida, à família que cabe o papel principal na reprodução da
dominação e da visão masculinas; é na família que se impõe a experiência precoce da divisão
sexual do trabalho e da representação legítima dessa divisão, garantida pelo direito e inscrita
da linguagem” (BOURDIEU, 2002, p. 103). Nesse sentido, tem-se a força da norma social

127
No que tange às lembranças durante tanto tempo confinadas ao silêncio, concordamos com Michael Pollak
(1989, p. 5) ao destacar, que “o longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a
resistência que uma sociedade civil opõe ao excesso de discursos oficiais” [grifos nossos].
133
diferenciada para homens e mulheres, instituída lentamente e interiorizada por todos/as,
conduzida através dos tempos e espaços, reforçada até mesmo pelas mulheres, porque foram
educadas nessa lógica privada e por isso não se dão conta das diferenças nela embutidas.
As forças simbólicas exercidas sobre as mulheres são, no entender de Pierre
Bourdieu, uma forma de poder – uma forma de magia –, sem qualquer coação física.
Delimita-se a fronteira mágica entre os dominantes e os dominados, entre linhas de
demarcação místicas: homens nos espaços públicos e mulheres nos espaços privados.
Os atos de conhecimento e de reconhecimento práticos da fronteira mágica entre os
dominantes e os dominados, que a magia do poder simbólico desencadeia e pelos quais os
dominados contribuem, muitas vezes, à sua revelia, ou até contra sua vontade, para própria
dominação, aceitando tacitamente os limites impostos, assumem muitas vezes a forma de
emoções corporais (em aproximação a BOURDIEU, 2002, p. 9).
Essas questões desaguam na historiografia – retomando os apontamentos de Michele
Perrot (2005, p.14-15) –, com a ruptura entre a concepção positivista, nas décadas de 1930, e
a primeira geração dos Annales (principalmente com Marc Bloch e Lucien Febvre), que
substituem o político pelo econômico e social. Esses pesquisadores não conseguiram mudar
os paradigmas preexistentes (sobretudo a definição de gênero como categoria social imposta
sobre o corpo sexuado). Além disso, com algumas exceções, as mulheres não estavam
presentes nestes espaços, ou melhor, nos documentos oficiais analisados por esses
pesquisadores.
De fato, nas décadas de 1960 e 1970, com os movimentos feministas e com a Nova
História, tem-se a possibilidade de novos objetos, sujeitos e abordagens, Histórias em
migalhas128, no campo da História, e, efetivamente, uma escrita das mulheres129 e a utilização
da própria categoria de gênero como possibilidade de análise. O silêncio nos arquivos
públicos torna-se relevante para apreender os motivos de sua ausência.
A ausência das mulheres nos espaços públicos tornou-se uma das dificuldades, em
um primeiro momento, para os pesquisadores. No entanto, em contrapartida, cartas, diários,
artesanatos, artefatos, fotografias, dentre outros tornaram-se campo fértil para os

128
Ver: DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio; Campinas:
Ed. Da UNICAMP, 1992.
129
Torna-se importante as orientações propostas Joan Wallach Scott (2008, p. 42), ou seja, uma perspectiva de
gênero enquanto transversal à escrita das histórias de mulheres, que não fique na esfera separada em relação ao
sexo e ao corpo enquanto diferença sexual – masculino e feminino –, mas que esteja preocupada em teorizar a
categoria gênero conforme sua historicidade, uma vez que a natureza biológica é por si só uma construção social
naturalizada.
134
pesquisadores, já que elas se encontravam nos espaços privados. Portanto, não podemos
negligenciar que “os modos de registros das mulheres estão mais ligados à sua condição na
família e na sociedade” (PERROT, 2005, p. 39).
Não sendo diferente nos estudos migratórios, notamos maior visibilidade de
abordagens sobre as migrações masculinas. O homem era o único sujeito ativo – ator
principal; às mulheres cabia, somente, o papel de coadjuvante nesses processos. Segundo
estas interpretações, a decisão de migrar, bem como do retornar, está, impreterivelmente, nas
mãos masculinas. Quando os homens partem, as mulheres ficam, na maioria das vezes, com
os seus filhos, na terra natal.
Muitos dos trabalhos, permeados pelas teorias neoclássicas e/ou estruturalistas,
partem do pressuposto de que os fluxos migratórios ocorrem em detrimento das relações
capital-trabalho. Nesta perspectiva, os fenômenos migratórios são, essencialmente, de cunho
economicista. Assim sendo, a participação das mulheres reduzia-se ao aspecto laboral, ou
melhor, aos afazeres de casa (mãe, esposa, dona de casa, etc.), pois quem migrava em busca
de melhores condições de trabalho eram os homens. As mulheres eram simples variáveis que
compunham o arsenal dos fatores das migrações masculinas.
A autora Maria Aparecida de Moraes Silva (1996, p. 7), em O rosto feminino da
Migração sazonal, analisa as histórias de vida das mulheres migrantes sazonais, camponesas
do Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais) que partem em busca do pão de cada dia na Região
de Ribeirão Preto (São Paulo). Maria Aparecida de Moraes Silva aponta alguns dos elementos
explicativos sobre as razões das invisibilidades das mulheres no campo migracional:

1 – em se tratando de populações camponesas, geralmente, o que ocorre, é


que alguém precisa ficar para desempenhar as tarefas agrícolas durante o
tempo de ausência daqueles(as) que partem. Normalmente, atribuem-se às
mulheres o papel de ficarem na terra, uma vez que o mundo exterior
pertence aos homens.
2- em virtude das relações de gênero prevalentes na sociedade, cabe às
mulheres as funções ligadas à reprodução, tais como as tarefas domésticas e
o cuidado dos filhos.
3 – geralmente, a migração feminina é interpretada vis-a-vis o emprego
doméstico de mulheres solteiras nas cidades [grifos no original].

Guardando as devidas especificidades do campo migratório, esses fatores salientados


pela autora reiteram as migrações sob a ótica da divisão sexuada do trabalho, uma vez que as
mulheres são destinadas às funções ligadas à terra. As migrações femininas aparecem,
também, desestimuladas pelos estereótipos atribuídos a elas. Não há uma reflexão profícua e
135
crítica sobre as relações de gênero, enquanto construção social, histórica, culturalmente
constituída e condicionada na/pela sociedade. Utiliza-se o critério epistêmico de gênero aos
aspectos biológicos de e entre homens e mulheres.
Para fugirmos desses olhares simplistas, é preciso ter em mente os apontamentos da
pesquisadora Simone de Beauvoir (1980, p. 9), nos quais ressalta que “não se nasce mulher:
torna-se mulher” (ou homem). “Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a
forma que a fêmea humana assume na sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse
produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino”.
Contudo, observamos, ainda, movimentos muito tímidos em oposição às abordagens
expostas anteriormente. Apesar das influências dos trabalhos de intelectuais feministas e das
conquistas das mulheres nos espaços públicos no final da década de 1970, notamos um amplo
leque de pesquisas sobre o assunto em questão, em que se discutem temas como: identidades
femininas nos processos migratórios, redefinição do papel da mulher no mercado de trabalho,
relações de gênero, classe e etnicidade, feminização das migrações130, memória e questões de
gênero nos movimentos migracionais131. E, o mais importante, os por que e como são
construídas as diferenciações de gêneros, tendo em vista as preocupações de Joan
WallachScott (1995, p. 13):

1. Os símbolos culturalmente disponíveis evocam representações simbólicas


(e com frequências contraditórias: Eva e Maria como símbolo da mulher; 2.
Os conceitos normativos põem em evidência as interpretações do sentido dos
símbolos, que se esforçam para limitar e conter suas possibilidades
metafóricas; 3. O desafio da nova pesquisa histórica é fazer explodir essa
noção de fixidez e descobrir a natureza do debate que produzem a aparência
de uma permanência eterna na representação binária de gênero; 4. As (os)
historiadoras (es) [...] devem examinar as maneiras pelas quais a identidades
de gênero são realmente construídas.

130
Nesta, em especial, tem-se várias abordagens recentes, nas quais as mulheres são protagonistas nas reflexões,
conforme os novos rostos dos movimentos migratórios. Em alusão a Roberto Marinucci (2007, p. 9): “a
feminização das migrações, nesta última abordagem, diz respeito à mudança de perfil da mulher migrante que,
na atualidade, está assumindo um papel protagônico, incentivada ou induzida por razões socioeconômicas, por
mudanças do mercado de trabalho, bem como por transformações ou procura de transformações nas relações de
gênero”. Deste modo, “A feminização das migrações é, também, um sinal do clamor de milhões de mulheres
que, no deslocamento geográfico, buscam maior autonomia e libertação de realidades que as sufocam. Muitas
delas aceitam enfrentar sérios riscos para poder realizar seus sonhos. Conclui-se que este potencial de
transformação, expresso no clamor, na coragem e nas escolhas dessas mulheres, seja uma fecunda semente para
a construção de um mundo mais humano” (idem, 2007, p. 13).
131
Sobre os temas expostos, pesquisar autores como: BILAC, Elizabeth. Gênero, família, migrações
internacionais. Campinas. NEPO. 1995; TEDESCHI, Losandro Antônio. O sentido da memória e das relações
de gênero na História de migração de mulheres camponesas Brasiguaias. In: Projeto História, São Paulo, nº 45,
p. 169-1986, dez. 2012; CAMPAÑA, Pilar. El contenido de género en la Investigación em Sistemas de
Producción. Serie Materiales Docentes, n. 2, Santiago: RIMISP 1993.
136
Desse modo, não basta uma escrita de histórias de mulheres migrantes que constate
as suas mudanças e condições, mas que, fundamentalmente, preocupe-se com a des-
historicização dos mecanismos e estratégias de poder que são estabelecidos, naturalizados e,
logo, interiorizados nas trajetórias das próprias mulheres.
As mulheres vivenciam experiências por sua condição socioeconômica, mas,
principalmente, por sua condição de mulher e de ser migrante. As cartas das mulheres,
especificamente, revelam os fragmentos das condições socioeconômicas e culturais
entrelaçados nos códigos, símbolos, ditos e não ditos das mulheres migrantes, bem como os
pedaços de mundo de sua volta. Tratam-se de escritas que permeiam o subjetivo da narradora
e as relações que estão a seu redor, em que o público e o privado fazem-se e refazem-se de
acordo com as regras escolhidas. Fontes em potencial para desvelarmos as especificidades
desta migração.
As missivas de mulheres migrantes acarretam apelo excepcional, pelo simples fato
de evidenciar as relações cotidianas, no âmbito do privado, nas teias das redes de contatos
entre familiares e amigos – dos que partem e dos que ficam – do ponto de vista das
protagonistas. Do mesmo modo, aquelas epístolas que são intencionalmente direcionadas à
publicação. Estas revelam outros mundos de significados, que afloram sob as
intencionalidades do editorial do periódico.
As migrações produzem distâncias e proximidades, pela necessidade de
comunicação. As epístolas, neste sentido, são provas das formas pelas quais as migrantes
entendem pertinentes se apresentarem.
No subitem do presente tópico, poderemos analisar quem são essas mulheres. E,
ainda, questionar como e por quais motivos elas migram e escrevem para o Boletim Vai Vem;
quais são seus dilemas, utopias e demandas. Cabe ressaltar que essas reflexões se assentam na
tentativa, como já mencionado, de romper os movimentos de silenciamentos sobre o campo da
historiografia e, principalmente, sobre as particularidades das narrativas das mulheres
migrantes, das relações de gêneros, ou seja, de poderes socialmente diferenciados em que elas
estão inseridas.

137
3.2.1 Rompendo silêncios: visibilidade das cartas escritas pelas mulheres
migrantes

As cartas escritas pelas mulheres apresentam-se como terrenos riquíssimos de


múltiplas possibilidades de análises e de abordagens. Esses aspectos, ao mesmo tempo em
que enriquecem o trabalho, exigem do pesquisador cuidados especiais, sobretudo, no
delimitar da problemática a ser lançada às fontes. Nesse sentido, procuramos, por meio dessas
narrativas, compreender os sentidos atribuídos às migrações. Porém, tentaremos não
negligenciar os demais conteúdos, como as experiências de vida, pois, como já dito em outro
momento do texto, além de serem escritas pelos/as migrantes, as cartas são assinadas também
por integrantes das pastorais. Cabe lembrar que esses sujeitos também são migrantes, todavia
suas epístolas revelam outras experiências – o fazer-se do trabalho teológico-pastoral com
os/as migrantes.
Exposto isso, as mulheres migrantes, em geral, intitulam-se mediante as experiências
vividas pela migração: mulher migrante boia-fria, mulher migrante boiadeira, mulher
migrante operária, mulher migrante sindicalista, mulher migrante sem terra, mulher migrante
sem teto, mulher migrante agricultora, mulher migrante desempregada, mulher migrante dona
de casa. Observamos o deslocar pautado na busca por melhores condições de vida entrelaçado
com o desejo de condições dignas de trabalho.
É importante pontuar que, na década de 1980, não havia a preocupação, nem mesmo
por parte dos institutos de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em considerar como trabalho as atividades realizadas nos espaços privados. Por isso
as mulheres não tinham uma profissão, sendo consideradas do lar. Tratavam-se de sujeitos
que não geravam riquezas e ainda gastavam o que vinha de outrem, como bem colocou a
pesquisadora Alzira Salete Menegat (2012, p. 225): “O não reconhecimento da denominação
‘do lar’ justificava-se pelo fato de que as mulheres não recebiam remuneração pelo trabalho
que faziam, nem monetariamente e nem de status social”. Sendo assim, o espaço privado
inexiste como lugar de visibilidade e isso resulta, ainda nos dias atuais, em desprestígio social
às pessoas que nele trabalham. É o que acontece com funcionárias domésticas, que têm
remuneração pelos trabalhos que ali desempenham.
Os elementos que motivam a travessia são condicionados por inúmeras causas, que
englobam desde fatores econômicos até aos desejos involuntários e subjetivos das migrantes.
Podemos atribuir, também, as especificidades de cada experiência migratória, que contribui
138
para dinamizar o universo migracional. As cartas das mulheres migrantes acenam para essa
complexidade, desde o nomear dos títulos das missivas.
Nesse sentido, entendemos que essas intitulações são os primeiros indícios de como
as remetentes querem transmitir suas histórias e, sobretudo, as maneiras pelas quais
compreendem suas migrações. Como podemos notar em: Aqui tá nossa história, A vida da
mulher trabalhadora, boia-fria, Saudações, Ao longe meu abraço, Caros Diretores,
Caríssimos Amigos, O esposo continua indo para São Paulo, Solidariedade na luta, Prezado
amigo Manoel – Saudações, Queridos companheiros, Aos amigos do SPM, Serviço Pastoral
dos Migrantes, Prezada equipe do SPM, Meu querido irmão Duarte, Solidariedade na luta,
Querido amigos e amigas do SPM, Queria tirar São Paulo da Minha Mente e Prezados
amigos.
O conteúdo da missiva será conduzido pelas primeiras impressões do título. Ao
narrar suas experiências, as remetentes escolhem as maneiras pelas quais querem ser vistas.
Empoderam-se da folha de papel e da caneta, para compartilhar suas dores, suas alegrias,
suas saudades, suas angústias. A vida da mulher trabalhadora, boia-fria, ou, simplesmente,
saudações – de sua condição de migrante, de mulher e de trabalho ao cumprimento formal –
imprimem seus olhares sobre seus pedaços de mundos.
Além das cartas nomeadas pelas narradoras, há epístolas intituladas pelo editorial do
Boletim Vai Vem: São Paulo, Julho de 1988; Queixada, CE 10 de Janeiro de 1990; São
Paulo, 06 de Maio de 1988; Porto Alegre, 22 de Fevereiro de 1988; Pintados – BA – 1 de
julho de 1988; Pintadas BA, 20 de março de 1989; Remanso BA, 15 de março de 1989;
Uberaba-MG, 13 de março de 1989; São Paulo, 19 de julho de 1989; Petrolina – PE,
31/08/89; Gouveia, 01 de agosto de 1989; Fazenda Água Fria-Curjão-PB; Nova Rosa da
Penha – ES, 04/06/90; São Paulo, 08/06/90 e João Pessoa – PB, Março/87. Nestas, notamos
que há uma tentativa de padronização nos títulos das cartas, mencionando a cidade, o Estado,
a data e o ano. Contudo, devemos destacar que as demais cartas não possuem títulos.
Seguindo as análises das cartas, registramos 57132 epístolas assinadas por mulheres,
no Boletim Vai Vem. Entre elas, observam-se cinco epístolas de caráter privado, em outras
palavras, cartas escritas por familiares e amigos para as migrantes, ou vice-versa, as quais não

132
Não acrescentamos as cartas assinadas coletivamente, que, por vezes, têm assinatura do ou da remetente,
sugerindo que seja o sujeito que escreveu a carta. Sobre as peculiaridades destas narrativas, ver o próximo
capítulo do presente trabalho.
139
tinham intenção de publicação. As demais cartas são de aspecto público, destinadas à
publicação.
O que era, em um primeiro momento, uma folha em branco, passa a ser um pedaço
da própria remetente, o identificar nas linhas escritas de suas trajetórias. Mais que uma
narrativa de início, meio e fim, consideremos as missivas como práxis da própria experiência
da atividade humana.
As cartas que destacam as práticas pastorais e as ações dos movimentos populares
são escritas pelas mulheres que desenvolvem tal trabalho, a saber: as irmãs escalabrinianas.
Um exemplo desta situação é a carta da Ir. Isabel Arantes, na qual evidencia as condições de
trabalho das mulheres migrantes ao chegarem a Honduras: “Em Honduras, como todos os
países da América Latina, o vai e vem é constante, sobretudo de mulheres que migram para
trabalhar nas ‘Maquilas’, ou seja, nas fábricas de confecções. Os passos que damos são
lentos” 133.
Outras epístolas chamam atenção para a materialidade do Boletim Vai Vem, trazendo,
assim, sugestões e avaliações para o periódico. Podemos perceber, também, pedidos de
matérias para o trabalho pastoral-teológico com os/as migrantes, bem como identificações das
práticas desenvolvidas entre elas e os dilemas vivenciados pelos/as migrantes.

[...] Para maior divulgação e compreensão da semana do migrante,


gostaríamos que nos enviassem alguns folhetos de textos de base, cartazes, e
se possível algum outro subsídio sobre o tema: ‘Mulher Migrante’, pois
faremos um encontro com as mulheres sobre esse tema (Ir. Fátima)134.

No Boletim Vai-Vem nº 26 conta história dos alagoanos. Ao mesmo tempo


aconteceu aqui. Voltaram 99. Dias atrás de Goiás também voltaram 125.
Vivo no meio de cortadores de cana e respirando ar saturado das queimas e
chaminés. Nossa Igreja dá atenção especial aos trabalhadores da cana (Ir.
Irma)135.

[...] Faço parte da Pastoral de favelas e usamos o boletim como fonte de


informação. Reunimos todas as notícias importantes para fazer nossas
reuniões. Questionamos os problemas que existem nos interiores ligados ao
migrante. É importante porque chega ao conhecimento dos migrantes os
problemas que estão passando (Lurdes Bianchini Reginato)136.

133
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 18, n. 73, abril-maio-junho, 1990, p. 11.
134
Vai Vem, Boletim das migrações. Ano 9, n. 43, julho-agosto, 1990, p. 10.
135
Vai Vem, Boletim das migrações. Ano 6, n. 23, outubro-novembro-dezembro, 1990, p. 14.
136
Vai Vem, Boletim das migrações. Ano 7, n. 31, junho-julho, 1990, p. 10.
140
O Boletim Vai Vem é utilizado como instrumento de ação social entre os/as
migrantes, ao fomentar reflexões e questionamentos sobre a realidade que estes sujeitos
vivem. O primeiro passo, como bem lembrado pela narradora Lurdes Bianchini Reginato, é
reconhecer-se migrante. Mostrar-se migrante. Identificar-se migrante pela história do outro.
“Fazer-se é também mostrar-se. Colocar-se à mostra pelo dito e pelo não-dito. Apontar
caminhos e descaminhos, acertos e erros, fracassos e sucessos. É desnudar-se. É fragilizar-se
e fortalecer-se simultaneamente. É fazer-se e mostrar-se migrante [...]” (GOETTERT, 2008,
p. 79) [grifos no original].
Desta forma, o ato de enviar as cartas para o periódico configura-se, juntamente com
os objetivos do corpo editorial, em lugares simbólicos de convergências de múltiplas
experiências das migrações, do mesmo modo em que se revelam engajados no mesmo projeto
migratório e de sociedade.

[...] A comunidade Santo Rosário do Conjunto Teotônio Vilela, apesar dos


seis participantes serem na maioria migrantes, ainda não tínhamos tomado
consciência que o migrante é cidadão que lhe foi negado o direito de viver
dignamente, mas o migrante é acima de tudo um lutador, um povo que
trabalha muito tão pouco é recompensado. Contudo, temos esperança e
pouco a pouco as pessoas vão abrindo os olhos para esta realidade que é
dura, mas é a que estamos vivendo. Temos que unir as nossas forças e lutar
pelos nossos direitos, só assim, isto terá um fim137.

Como porta voz da comunidade, a remetente Zizi reitera a importância do periódico


e ao mesmo tempo impõe como desafio diário a necessidade de enfrentamento sobre os
dilemas vividos pelos/as migrantes, na esperança de os verem sanados. A experiência
cotidiana permite que a narradora se coloque como protagonista de sua história e de suas
dores, sugerindo a organização social enquanto melhor estratégia de sobrevivência.
Em suma, nas cartas de caráter público, as mulheres utilizam o periódico na
pretensão de acionar grupos e simpatizantes em prol de seus projetos migratórios. Desta
maneira, em aproximação com a pesquisadora Denise Cogo (2007, p. 7), “[...] podemos
sistematizar como uma necessidade permanente de enfrentamento com as tensões entre
contemporâneas e a exigência de visibilidade midiática dessas migrações como requisito para
afirmação pública de suas demandas por cidadania”.
Já as narrativas de cunho privado são caracterizadas por assuntos como saudades de
quem partiu e de quem ficou; desejo de comunicar e de enviar notícias; lembranças aos

137
Vai Vem, Boletim das migrações. Ano 8, n. 38, setembro-outubro, 1989, p. 10.
141
familiares; desemprego; fome; remessas financeiras; nascimento dos filhos; ilusão no lugar
chegado; luta pela terra e pela moradia; cansaço; desejo de retornar; dificuldades financeiras;
falecimento de familiares; prostituição; abuso sexual e expectativas com a nova migração.
Essas modalidades apresentam os fragmentos do cotidiano, protagonizados pelas mulheres
que vivem as consequências das migrações – de quem partiu e de quem ficou. As cinco cartas
entrelaçam-se pelas experiências migratórias, porém, cada uma delas carrega consigo as
peculiaridades no deslocar, como observaremos a seguir.
Temos como remetentes: Ana Lopes Dias (Queixada/Ceará)138; Marly (Icó/Ceará)139;
Maria de Fátima (Ingazeira/Pernambuco)140 e Raimunda141, que assina com seu esposo
Jovelino. Há de se assinalar que em uma das narrativas142 não aparece a remetente, mas
sugere-se que seja mulher pelo gênero feminino utilizado no decorrer do diálogo. Essas
mulheres enviaram suas cartas, respectivamente, para: João (filho de Ana Lopes); Zé (ex-
marido de Marly); Maria (sugere-se que seja amiga de Maria de Fátima); Manoel (amigo de
Raimunda e Juvelino); Fátima (irmã). Em todas as narrativas, somente Raimunda e seu
esposo que partiram, as demais missivas são de quem ficou.
As cartas entre quem ficou e quem partiu rompem as distâncias produzidas pelas
migrações. A necessidade de comunicação e também o desejo de falar sobre as sensações no
lugar chegado, de saber como estão todos na terra que se deixou; as preocupações familiares
e financeiras; tecem, ou melhor, são as próprias tramas das redes migratórias143.
De quem partiu narra-se sobre as experiências migratórias, no intuito de enviar
notícias, as quais, por vezes, não são das melhores. Desiludidos pelas condições de vida e de
trabalho na sociedade de destino, os/as migrantes ressaltam a indignação, mesmo com toda a
dificuldade ortográfica: “Desde que cheguei de São Paulo e que eu to muito doente e muito
dezanimado sem vontade de nada. A gente trabaia tanto que a gente taarebentadoso pra
deichar nosso patran rico e o que sobrou pra gente nada ate a saude a gente deu para o patrão”
(Raimunda).
A narrativa traz à tona a elaboração de expectativas e necessidades que levam à
busca pela cidade como forma de superação das condições adversas. Mas, ao mesmo tempo

138
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 42, maio-junho, 1990, p. 10.
139
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 45, novembro-dezembro, 1990, p. 11.
140
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano6, n. 23, outubro-novembro-dezembro, 1986, p.14.
141
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 25, junho-julho, 1987, p. 11.
142
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 3, n. 10, setembro, 1983, p. 09.
143
Em aproximação a Federico Croci (2008, p. 20).
142
em que a cidade é apontada como sinônimo de esperança, a experiência e a trajetória de vida
concreta fazem emergir a memória de um tempo de desencanto e de frustrações.
Raimunda continua sua carta destacando o vai e vem vivido, após ter saído de sua
terra natal – Pernambuco. Importa notar o valor atribuído à casa própria, no sentido de que
seu relato sobre suas experiências migratórias é guiado pelo desejo de moradia digna.

Oge aqui veio eu to pensando 3 veiseu sai daqui de Pernambuco e foi pra
São Paulo a casa veis foi pio a primeira veis eu cheguei ai mora de aluguel
mai a segunda veis foi mora num cotiço que tristeza 1 quarto pra 6 pessoa e
1 banheiro pra 4 famia era uma calamidade e a terceira foi pra favela o que
doi na fabela e que a gente mora sempre ameaçados sempre com medo eu to
com 56 ano e parece que to com 80 de tanto cansado144.

O cansaço aqui não está atribuído, somente, aos anos de trabalho (ao corpo
debilitado), mas à desilusão e à frustração de não ter dado certo sua migração. Neste caso,
migrou-se na esperança de conquistar melhores condições de vida e esta está pautada em
questões que vão desde subsídios básicos para a sobrevivência até o desejo do novo devir, do
desconhecido. Nesse sentido, para quem ficou fica inquietação, dúvida, incerteza sobre a vida
de quem partiu.
Nesta linha de apontamentos, em Ao longe meu abraço, Marly descreve sua angústia
por criar seus filhos longe dos cuidados e dos carinhos do pai. Percebe-se que o marido, ou
ex-marido, que migrou, deixou sua família desamparada, sobretudo, financeiramente. O ato
de cuidar dos filhos e de tudo que se refere à casa, na terra natal, é atribuído à mulher.

Zé, ao escrever estas é somente dizer que já ganhei nenê, é uma menina. Zé
manda dinheiro que eu estou operada e não posso adquirir o pão para dar aos
filhos. Olha, fui operada no dia 1º de outubro e peço a você que não se
lembre de mim e sim de seus filhos. A minha sorte aqui é a Marlene, e agora
que ela vai embora eu vou ficar sozinha, vou morrer de fome porque aqui
não tem quem me dê nada. Por isso é que eu te peço que se lembre, pelo
menos de seus filhos, por favor. Antônio, Patrícia, Daiana, abençoe eles.
Marlene, Alzira e os meninos enviam lembranças. Finalizo com saudades145.

A responsabilidade de enviar remessas financeiras recai sobre os/as migrantes.


Ademais, esta ação pode ser considerada pelo viés simbólico, no qual os sujeitos acenam para
sua situação no local de destino. Esse aspecto também é observado nas narrativas a seguir:

144
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 25, junho-julho, 1987, p. 11.
145
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 45, novembro-dezembro, 1990, p. 11.
143
Fátima aqui no Ceará esta muito ruim; não sei como ainda estamos
aguentado, pois estamos passando muitas necessidades, pouco temos para
comer. Peço-te encarecidamente a tua ajuda pois já estamos desesperados. A
nossa situação esta orrivel. [...] Minha irmã vou terminar com muita tristeza,
sinto muitas saudades suas. Fátima por nossa senhora me ajude, nos
precisamos de sua ajuda146.

[...] João eu estou quase sem comer aqui porque eu estou devendo o que não
posso pagar porque eu tenho que comprar do sal até o remédio e os
vendeiros não querem vender mais nada. Hoje mesmo eu fui pegar o carnê e
só recebo (300,00) e de passagem foi (1000,00). Os 200 cruzados quando eu
fui dar na venda o vendeiro impôs para não receber, sendo que eu já devia
600 cruzados. Aqui eu estou vivendo das canecas das casas dos outros que
vem me ver e ficam com dó de ver os meninos sem comer e dá alguma coisa
mesmo assim fala ainda. Será que você tem 3,00 cruzados para mandar para
mim comprar um quilo de sal? [...] Vou terminando com benções da sua
mãe147.

São muitas as expectativas criadas nos familiares no lugar de origem e as remessas


financeiras é uma delas. O desejo de fornecer recursos, um bem-estar, aos parentes sobressai
com qualquer vontade de retornar. Para justificar toda a ausência, as migrantes declaram para
si e para os outros os sentidos de sua migração, em outras palavras, “[...] para que estas não
sejam, uma e outra, pura vaidade, falência total, ato gratuito e, entretanto, absurdo, ato
desprovido de qualquer significado, pois só há sentido e razão no reconhecimento que lhe
atesta o grupo” (SAYAD, 2000, p. 16).
Diante do cenário apresentado, podemos afirmar que as motivações das migrações não
se encerram em condições objetivas apenas. Cada uma das missivas, com suas peculiaridades,
suas próprias formas de dizer, narrar, ser, constitui na dinamicidade do universo migracional.

146
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano6, n. 23, outubro-novembro-dezembro, 1986, p.14.
147
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 42, maio-junho, 1990, p. 10.
144
3.3 Migração de retorno

Neste momento do trabalho, faremos alguns apontamentos de teorias interpretativas


sobre as migrações de retorno, elencando, assim, a mais indicada a embasar148 o presente
tópico. Para tanto, utilizaremos o artigo do pesquisador Jean-Pierre Cassarino149, publicado na
Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana (REMHU150).
Sob o título Teorizando sobre a migração de retorno: Uma abordagem conceitual
revisitada sobre migrantes de retorno (2013, p. 21-54), o autor propõe-se a refletir como o
retorno no âmbito internacional, vem sendo definido e localizado no tempo e no espaço, e
como os/as migrantes retornados/as vêm sendo caracterizados/as nestas literaturas. Feito isso,
o Jean-Pierre Cassarino apresenta sua proposta ao tema. Porém, antes, o pesquisador chama
atenção para a importância dos estudiosos compreender essencialmente quem retorna, quando
e por quê; e ainda, “por qual razão alguns retornados aparecem como atores de mudança, em
circunstâncias sociais e institucionais específicas em sua pátria, enquanto outros não
conseguem exercer este papel” (CASSARINO, 2013, p. 22).
Desse modo, as teorias explicitadas pelo autor são: a Economia Neoclássica, a New
Economics of labour Migration, o Estruturalismo, o Transnacionalismo e a Teoria das Redes
Sociais. Todas, impreterivelmente, contribuem aos estudos migratórios. Contudo, no que
tange a seus quadros analíticos, algumas possuem pontos fracos e outras avanços importantes,
os quais serão salientados, resumidamente151, a seguir.
Economia Neoclássica152: nesta abordagem, o retorno é entendido pelo viés do
fracasso, ou da anomalia das experiências migratórias. Aqueles que ficam no país de destino
são os bem-sucedidos, financeiramente, e, logo, os retornados são os quais tiveram suas
experiências frustradas e seu capital humano não foi compensado como esperado. O
paradigma sucesso-fracasso marca o cotidiano, sobretudo, dos/as trabalhadores migrantes,

148
Cabe registrar, que não entendemos que a teoria deva-se sobrepor às fontes, ou, vice-versa. Pelo contrário,
intentamos buscar a práxis do diálogo entre ambas.
149
Professor no Robert Schuman Centre for Advanced Studies, European University Institute. Florença/Itália.
150
A título de curiosidade, a REMHU é uma publicação semestral do CSEM - Centro Scalabrianiano de Estudos
Migratórios. Para maiores informações, acessar: http://www.csem.org.br/remhu/index.php/remhu/about/history#
151
Temos consciência que tal sistematização é muito superficial em relação à complexidade das teorias aqui
apresentadas. Porém, o exercício é importante para situarmos, conceitualmente, o leitor na abordagem escolhida
em nosso trabalho e, por conseguinte, apresentar as diversas possibilidades teóricas sobre o tema.
152
Sobre o assunto ver: TODARO, Michael P. Model of Labor Migration and Urban Unemployment in Less
Developed Countries. The American Economic Review, v. 59, n. 1, 1969. Disponível em:
<https://www.aeaweb.org/aer/top20/60.1.126-142.pdf>. Acesso em 22 jul. 2015.
145
pois, como podemos notar, os termos migrantes econômicos e laborais são os mais abordados
nesta perspectiva, uma vez que se atribui às migrações, somente, a motivação econômica.
New Economics of labour Migration (NELM)153: no entender desta teoria, os/as
migrantes buscam, temporariamente, permanecer no exterior para maximizar sua renda, além
de buscar a unificação familiar no país de acolhida. Ao verem seus objetivos pré-fixados
alcançados, estes retornam à sociedade de origem, como estratégia muito bem calculada por
todo o núcleo familiar. Muda-se o foco da interdependência individual para o nível familiar.
O retorno é visto como uma consequência lógica do projeto migratório, sendo assim, o fim do
ciclo.
Estruturalismo154: as migrações de retorno são analisadas não somente no âmbito dos
itinerários individuais, mas principalmente como problema social e contextual condicionado
por fatores situacionais e macroestruturais. Esta abordagem não se distância da NELM, ao
compreender os recursos financeiros do país de destino como elementos cruciais ao retorno.
Destarte, os retornos dos/as migrantes podem ser identificados conforme seus objetivos e
aspirações: retorno do fracasso; retorno conservador e retorno inovador. Em todo o caso, o
capital cultural/social/econômico dos/as migrantes retornados/as é desperdiçado mediante os
limites estruturais do país de origem (notamos a dicotomia entre país de destino – centro, e o
país de origem - periferia).
Transnacionalismo155: diferentemente das demais teorias, as migrações de retorno
não são consideradas o fim do ciclo migratório, mas apenas etapas. Outras características que
se sobressaem nesta abordagem são os fatores que motivam os retornos, quais sejam: o apego
familiar, a saudade ao local de origem, as percepções subjetivas, bem como a ascensão social
e econômica. Em outras palavras, o retorno tem fundo social e histórico, entrelaçados entre as
dimensões macro e microestrutural da sociedade. Nesta ótica, os/as migrantes mantêm redes

153
Segue uma sugestão de trabalho sobre esta perspectiva: STARK, Odeb. The Migration of Labor. Cambridge:
Brasil Blackwell, 1991. Disponível em: <http://class.povertylectures.com/Stark1991MigrationofLaborChapts1-
3.pdf >. Acesso em 22 julh. 2015.
154
Ver: GMELCH, George. Return Migration. Annual Review of Anthropology, v. 9, 1980. Disponível em:
<http://www.annualreviews.org/doi/pdf/10.1146/annurev.an.09.100180.001031>. Acesso em: 22 julh. 2015.
155
“[...] no campo das ciências humanas, o conceito faz referência a processos e práticas sociais, econômicas,
políticas e culturais que estão configuradas pela lógica de mais de um Estado-nação e que se caracterizam pelo
cruzamento ou desestabilização constante de suas fronteiras e pela possibilidade de construção de espaços
multiterritoriais. [...] Nessa perspectiva,os transmigrantes são aqueles que constroem novos ‘campos sociais’ que
interligam os diversos polos do movimento migratório, mantendo um amplo leque de relações, afetivas e
instrumentais, cruzando as fronteiras” (COGO & SOUZA, 2013, p. 48-49).
146
transfronteiriças156 entre os familiares e a comunidade, construindo, desta maneira, suas
próprias reintegrações na terra natal, após várias visitas, anteriormente. Entre os temas mais
abordados, nesta perspectiva, estão: identidade (híbridas) e mobilidade transnacional.
Teoria das Redes Sociais157: nesta linha, os/as migrantes de retorno são apreendidos
por elementos tangíveis e intangíveis. As experiências migratórias constituídas no decorrer
das trajetórias, ou melhor, a dinâmica das redes transfronteiriças tecidas entre familiares e
não-migrantes, garantem um retorno bem-sucedido destes sujeitos, embora não descarte a
possibilidade do retorno pelo viés do fracasso-sucesso. Cabe realçar, também, que as redes
são constituídas por diversas estruturas, as quais podem oferecer inúmeras estratégias (sociais,
políticas, econômicas, institucionais) e orientações aos migrantes retornados. Enfim, as
migrações de retorno podem ser caracterizadas como um continuum nas vidas dos/as
migrantes.
Como observado, por meio das correntes teóricas do Transnacionalismo e da Teoria
das redes sociais, a migração de retorno deixou de ser o fim do ciclo e passou a ser etapa do
projeto migratório. E mais, com estas perspectivas, as migrações, em geral, ganham mais
complexidade ao serem vistas para além do viés economicista. As redes transfronteiriças
acabam a oferecer maior sensibilidade para os estudos dos fatores contextuais e institucionais,
entre país de origem e de destino. Contudo, o que nos parece, a teoria das redes sociais é a
mais completa para entendermos quando, por que e as maneiras pelas quais os migrantes
retornam; como mobilizam seus recursos; como são capazes de transformar a sociedade de
origem, por meio das experiências migratórias.
Nas palavras do pesquisador Jean-Pierre Cassarino (2013, p. 50):

Estas redes não surgem espontaneamente, mas decorrem de condições


específicas pré e pós retorno. Elas também geram um continnum entre as
experiências dos migrantes vividas nos países de destino e sua situação nos
países de origem. Esse continnum diz respeito exclusivamente aos migrantes
retornados que se beneficiam de um elevado nível de preparedness. Por

156
Ao estudar os diversos fluxos que marcam as linhas fronteiriças entre o Brasil e os demais países do
Mercosul, os pesquisadores Rogério Haesbaert e Marcelo de Jesus Santa Bárbara (2001, p. 29) reiteram que “os
migrantes participam destas rede, ao mesmo tempo que transpõem os limites internacionais, a fronteira política,
recriam a fronteira econômica, expandindo a modernização agro-industrial capitalista para as novas áreas e
estabelecem uma relação cultural conflitiva com os antigos grupos locais, como o índio ou o camponês
descendente de guaranis, no caso paraguaio”.
157
Para um estudo mais profícuo sobre o tema, ver: FUSCO, W. Redes sociais na migração internacional: o
caso de Governador Valadares. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em
Sociologia, IFCH-UNICAMP 2000.
147
outro lado, ele inexiste para os retornados que têm baixo ou nenhum nível de
preparedness [grifos no original].

À medida que as migrações de retorno ocorrem de forma autônoma, os


retornados possuem mais capacidade de reunirem recursos tangíveis (capital financeiro) e
intangíveis (contatos, conhecimentos, relacionamentos) na sociedade de origem, pois, como
sabemos, o retorno pode ser forçado por uma decisão judicial e administrativa, ou assistido,
quando o/a migrante tem auxílio financeiro de ONGs, instituições ou do Estado para retornar
a terra natal.
Por meio do trabalho empírico, foram identificadas algumas modalidades de retorno,
em consonância com as orientações da pesquisadora Tuíla Botega (2014, p. 1-2). A saber, as
migrações de retorno temporário: em que os retornados voltam a sua terra de origem,
esporadicamente; as migrações de retorno continuado: estas são designadas aos sujeitos que
migram com intuito de trabalhar em prol de maximizar sua renda, mas com objetivo de voltar
após adquirir capital financeiro; ao não alcançar suas metas pós-fixadas, re-migram. E ainda,
podemos situar as migrações de retorno em

[...] permanente – no caso dos migrantes que conseguem se readaptar


totalmente à sociedade de origem e não pretendem migrar novamente;
transmigrante – são aqueles que vivem nos dois lugares, geralmente são
documentados e desempenham funções sociais nos dois países; e os
retornados da crise. [...] Nessa situação o custo benefício da emigração
deixou de ser positivo e muitos optaram por retornar diante da inviabilidade
de continuar vivendo nesses países. Portanto, para muitos o projeto
emigratório tornou-se um projeto interrompido, frustrado [grifos no
original].

No âmbito das migrações internacionais de retorno, duas narrativas epistolares


chamam a atenção pelo destaque atribuído ao sentimento de quem retorna. As expectativas
das migrações perpassam não só os/as migrantes, mas os familiares e toda a sociedade de
origem. Neste caso, a volta está relacionada com ascensão social e frustração posta por não
adquirir capital financeiro esperado. É certo que as condições deixadas pra traz, também, são
relevantes na decisão de retornar, como podemos perceber a seguir: “No queremos volver a
nuestro pais, haya no hay trabalho, tampouco tenemos casa muebles, porque vendimos todos
para vim pra acá. Además, seria lamentable volver fracassados y derrotados” (carta escrita por
um grupo de bolivianos/as)158.

158
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 28, dezembro, 1988, p. 09.
148
Os/as migrantes depositam todos os seus recursos tangíveis e intangíveis na
concretização da travessia. Assim sendo, o retornar necessitaria de maiores mobilizações (em
aproximação a CASSARINO, 2013, p. 49). Esses/as bolivianos/as, apesar de não terem casa
própria no Brasil e ainda encontrarem dificuldades na inserção de trabalho, acenam
negativamente ao retorno.
Há de sublinhar que o intuito de retornar com melhores condições financeiras está
correlacionado aos sentidos e à condição da própria emigração, não só do/da migrante em si,
mas a toda sociedade de origem – na tentativa de justificar ausências. Quando este projeto
não é realizado, conforme o programado, o receio do retorno fica ainda mais aguçado. Os
sentimentos de impotência, fracasso, de derrota invadem de tal maneira as vidas dos/as
migrantes, que o ficar é a melhor saída. Ou seja, continuar a sonhar pelo novo devir, em terras
desconhecidas, se sobressai ao desejo de voltar. Porém, mesmo sabendo que o retorno, nestas
condições, seria impossível, o sonho continua guardado entre os fios da memória.
Na verdade, alguns pesquisadores defendem que o retorno é o elemento constitutivo
da condição de quaisquer imigrantes. Neste entendimento, “o retorno é naturalmente o desejo
e o sonho de todos os imigrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta o cego, mas, como
cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só lhe resta, então, refugiarem-se numa
intranquila nostalgia ou saudade da terra” (SAYAD, 2000, p. 11).
O trabalho empírico com as fontes reiteram as colocações anteriormente apontadas.
Nas cartas, relacionadas aos/as e/imigrantes, notamos o desejo do retorno, embora não
evidencie a concretização deste. Nesta situação, mesmo com todos os dilemas vividos na
sociedade de destino, as migrações de retorno aparecem como desejo, sonho, fantasia
inalcançável, como podemos analisar:

Actualmente, seguimos siendo migrantes forzasos, una família más de las


miles de familias paraguayas que a pesar de nuestra añoranza por la patria,
a pesar de nuestro deseo de volver, debemos seguir llevando en nuestros
hombros el montón de inconvenientes que encarna la condición del
migrante: inseguridad, incomprensiones, indocumentación, inadaptación,
desempleo, dificultades de idioma, obstáculos en la escolaridad, indefinición
subjetiva frente al futuro familiar, insatisfacciónde los derechos cindadonos
por imppossibilidad de participación activa, etc159.

O grupo de imigrantes paraguaios/as realça algumas das dificuldades encontradas no


fazer-se da incompletude travessia, trazendo à luz as condições a que os/as migrantes estão

159
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 26, agosto-setembro, 1987, p. 10.
149
expostos, ou melhor, os vários modos de relações que as migrações de retorno se inserem.
Destarte, o desejo de voltar ao local de origem e reencontrá-lo da maneira que se deixou,
como se nada tivesse ocorrido com os lugares, os espaços, os cheiros, os sabores, as pessoas,
durante toda ausência. Talvez seja esta ilusão da qual se alimenta a necessária nostalgia
dos/as migrantes. O anseio do reencontro de si mesmo nas ausências, as quais se perpetuaram
no tempo e no espaço. “Deste ponto de vista, haveria uma ‘nostalgia tipicamente temporal’,
que evocaria um retorno não a uma outra ligação, uma ligação antiga, mas um retorno no
tempo, um retorno ao passado, como se o tempo fosse reversível e pudesse ser percorrido em
sentido inverso” (SAYAD, 2000, p. 14).
Ainda, em alusão a Aldelmalek Sayad (2000, p. 15), podemos dizer que o retorno
está implícito no próprio ato de imigrar. O condicionamento do retorno, entendido pelo autor,
situa-se no enfrentamento da ausência, seja na emigração como na imigração. Não há
presença que não se pague com ausência, “[...] não há inserção ou integração neste lugar de
presença que não se pague com uma des-inserção ou des-integração em relação a este outro
lugar, que não é senão o lugar da ausência e da referência para o ausente”. Presença e
ausência entrelaçam-se e constituem elementos nos/nas imigrantes e na imigração, do mesmo
modo nos/nas emigrantes e na emigração.
Mas, até o momento estamos nos referindo ao retorno na esfera das e/imigrações, e
as demais narrativas epistolares, protagonizadas pelas migrações internas, o que nos revelam,
ou, o mais importante, o que não estão implícitos nestas cartas? Podemos atribuir estas
elucidações para o retorno no âmbito inter-regionais? Quais as motivações do retorno para
estes sujeitos? Quando e como retornam? Quais especificidades desta migração? Qual o perfil
das migrações de retorno analisadas nestas epístolas? Estas são algumas das preocupações que
tentaremos compreender a seguir.
As migrações de retorno, no âmbito inter-regional160, elucidado nas cartas, aparecem
como fruto de exclusão social161, que se inicia desde o ato do deslocar até o receio do retorno.

160
Em alusão a Eder Sader (1988, p. 75-80), guardando as especificidades de cada período, podemos associar as
décadas de 1950-1980, na qual a cidade de São Paulo foi palco de intensos fluxos migratórios, impulsionados
principalmente pelas propagandas de melhores condições de vida e de “encantamento” com as inúmeras
fábricas; com a década de 2000. Com a mudança das fábricas para outras regiões, ou melhor, com o aumento
desenfreado do capital, observaremos tais retornos com maior assiduidade em outras regiões, ou seja, as
migrações conforme os movimentos e as demandas das fábricas.
161
A noção de exclusão mencionada no trabalho está em aproximação com o texto O problema das migrações e
da exclusão social no limiar do terceiro milênio, de José de Souza Martins (2002, p. 125). Neste capítulo, o
autor chama atenção para o uso demasiado da noção exclusão, como se a mesma explicasse todos os problemas
sociais vigentes. Até porque todos os processos de exclusões buscam, concomitantemente, incluir. Assim sendo,
concordamos com autor ao destacar que “estamos em face não de um problema de exclusão. A palavra exclusão
150
Muitos dos sujeitos que migram estão dispostos a aceitarem, na tentativa de sobreviver,
qualquer condição de vida no local de destino, o que o coloca em situações humilhantes e
degradantes. Por conseguinte, a volta está condicionada às frustrações postas pelas
experiências migratórias ou às realizações. Quando isto ocorre, os migrantes e familiares são
permeados, continuamente, pela presença do ausente. Conforme as preocupações destacadas
pelo sociólogo José de Souza Martins (2002, p. 143):

A presença humana que se constitui em referência desses migrantes é quase


sempre o ausente, o que se foi ou o que ainda não chegou. Mas, quem parte é
um, quem volta é outro. Retornam parcialmente ressocializados na
sociabilidade marginal urbana, dos excluídos, dos sem-lugar, sem-teto, sem-
família. Ressocializados pela vida solta, fora dos mecanismos de controle
social da comunidade e dos parentes, na suposta e falsa liberdade do ir e vir.
Voltam com outra mentalidade, outros gostos, outras vontades, não raro
outra visão de mundo, outra moral, outra religião. A escala de valores de
referência fica alterada, até profundamente, na recusa parcial ou total do
modo de vida da sociedade de origem.

Os/as migrantes vivem a esperar o retorno do ausente, o qual sempre esteve presente
nas memórias, nos espaços vazios, nos sonhos do reencontrar. Todavia, o que não se esperava
é que esses sonhos fossem concretizados apenas em pedaços, pois quem partiu não é o mesmo
que voltou. As marcas das experiências migratórias tornam-se inevitáveis nas ações e
vivências dos sujeitos, seja no âmbito das migrações internacionais ou nas nacionais. Os
trechos das cartas que seguem evidenciam não só o perfil destas migrações, mas também as
frustrações vividas no sair, no chegar, no ficar e, sobretudo, na voltar.

Vocês se lembram de seu Penha que foi para São Paulo? A esposa dele disse
que logo vai voltar, as condições não estão boas aí. Não entendo o que há de
atrativo em São Paulo, migrar não é a solução, pois o pessoal volta em
condições piores do que quando saiu daqui162.

Fomos obrigados a sair da terra por falta de condições e quem tem um


pequeno sítio é maltratado pela seca. Caminhamos para a cidade em busca
de vida melhor, mas aqui encontramos uma floresta de pedras e somos
jogados nas favelas, cortiços, em baixo de viadutos [...]. Temos esperança de
um dia voltar e trabalhar na nossa terrinha, cultivar nossa cultura e nossos
costumes163.

conta apenas metade do processo, mas não conta a consequência mais problemática da economia atual, que é a
inclusão degradada do ser humano no processo de reprodução ampliada do capital. É isso que tem que ser
discutido. É isso que tem que ser objeto de consideração”.
162
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 2, junho-julho, 1987, p. 11.
163
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 32, agosto-setembro, 1988, p. 10.
151
As migrações continuam. Em municípios na Diocese de Barra, com mais
habitantes morando fora do que dentro. [...] Milhares de pessoas vão para as
grandes cidades, num fluxo constante e desordenado, em busca de emprego e
melhor situação na vida. Também ocorre o contrário em época de crise:
desiludidos, mais empobrecidos ainda, os migrantes retornam a seus lugares
de origem levando como única bagagem o sonho desfeito. Tudo isso provoca
uma grande desagregação familiar. Aponta-se como causa das migrações a
falta de apoio ao homem do campo e a concentração de terras nas mãos de
poucos164.

Em síntese, todas as narrativas expressam um grau de conscientização política e da


realidade que vivem. Podemos atribuir esses aspectos ao perfil do Boletim Vai Vem - de ser
instrumento de cunho sócio-pastoral em prol dos/as migrantes, desestabilizando a hegemonia
dos sentidos atribuídos ao retorno pelas mídias em geral. Tendo em vista estes argumentos, as
migrações de retorno, expressas nas cartas, dizem respeito aos migrantes laborais; migrantes
econômicos e migrantes ambientais. A busca por melhores condições de vida, principalmente,
por meio de trabalho, se sobressai nas narrativas, e ao mesmo tempo a frustração da
precariedade deste move estes sujeitos ao retorno. Quando o voltar não é a melhor saída, a
frustração dá lugar à nostalgia, à saudade da terra, à valorização da terra natal. Ou seja, os
elementos positivos da sociedade de origem são reforçados como sentido de pertencimento,
pois ela engaja toda a identidade social e cultural dos sujeitos, e logo desaparecem as causas e
as motivações que os fizeram sair, inicialmente.
Contudo, para continuarmos a refletir sobre as migrações de retorno, convidamos o
leitor a se debruçar no próximo subitem deste tópico, no qual serão vislumbrados dois
itinerários individuais dos migrantes, bem como seus dramas vivenciados ao retornar a terra
natal. Apresentamos também uma carta, de quem ficou, sinalizando as dificuldades de uma
possível volta, indicando, assim, as dinâmicas das redes de contatos traçadas pelos/as
migrantes com seus familiares.

164
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 10, n. 48, julho-agosto-setembro, 1991, p. 10.
152
3.3.1 Migrações de retorno como drama

Imagem 16: Epístola de migração de retorno

Fonte: Vai Vem, Boletim das migrações. Ano 6, n. 26, agosto-setembro, 1987, p. 10.

Num simples pedaço de papel, os/as migrantes registram suas trajetórias, conforme
suas intencionalidades, subjetividades, vivências, sensibilidades. Confiando-o suas histórias e
traumas mais íntimos. Partir ou ficar? Ir ou voltar? O vai e vem que marcam as vidas dos
sujeitos, em busca de dias melhores, pela conquista da casa própria e pela concretização de
trabalho digno.
Luiz escreve seu vai e vem ao Boletim Vai Vem no intuito de compartilhar suas
experiências migratórias com os demais leitores do periódico. A migração de retorno
descortina-se como drama em sua singular história de vida. Já no próprio ato de se deslocar,

153
observam-se os efeitos da industrialização no campo, pois, como Luiz destaca com muita
indignação, ao sair da fazenda Santo José de Balan no município de Alagoas União de
Palmares, os trabalhadores saíram sem ao menos ter recebido o salário pelos trabalhos
realizados.
Chama a atenção o foco que o remetente atribui ao ato de soltar os gados nas
plantações. Suponha-se que estas fossem plantadas pelo nosso narrador e, por isso a revolta de
ver anos de trabalho sendo desvalorizado, de modo que o ser humano é menos valorizado que
os animais do patrão. Nessas condições, Luiz se desloca para o Paraná165. Ao ver, novamente,
seu trabalho na lavoura sendo substituído pela mecanização, o narrador resolve retornar para
Alagoas União de Palmares, onde irá se casar.
Ao constituir família, suas preocupações aumentaram, pois outras pessoas dependiam
financeiramente dele. A migração que se iniciou individualmente – de trabalho - torna-se por
conseguinte de povoamento.
Deste modo, a migração para São Paulo protagonizada pelo Luiz e sua família será
concretizada por idas e vindas. Depois de morarem, temporariamente, na casa de um irmão,
viverão e terão a experiência de serem despejados pela Prefeitura de São Paulo, após terem
ocupado uma casa. Mediante este cenário, eles voltam para sua terra natal, guardando na
memória a desilusão de verem seus planos despedaçados.
Diferentemente das outras vezes, Luiz consegue um emprego e logo aluga uma casa
para toda a sua família. Mas, ao ver sua saúde debilitada, a firma na qual trabalha manda Luiz
embora. Com todo este drama, Luiz e sua família entendem que a melhor saída seria retornar
para São Paulo, como ele mesmo destaca: “Daí voltei para São Paulo e novamente morando
na Iguaçu a família estava crescendo, já com quadro filhos e estou morando até hoje na
Iguaçu, mas inda não esqueci Alagoas, tenho muita vontade de voltar para lá, tenho saudades
da minha Terra Natal e de tudo que lá deixei” (p. 10).
A saudade da sociedade de origem transforma-se em culpa por tudo que se deixou.
Desta forma, as migrações de retorno apresentam-se como continnum na vida destes sujeitos.

165
Ao discutir as contradições entre os Projetos do Estado e dos Assentados no Assentamento Taquaral (MS), a
pesquisadora Alzira Salete Menegat (2009, p. 159) pontua as várias lutas dos assentados desta região, entre eles,
a do senhor Vitor. Esta história chama a nossa atenção, assim como o do nosso narrador Luiz, pela sua ligação
com a terra, pautado em sucessivos processos migratórios. Como a autora chama atenção “esse processo
demonstra que o homem que vive na terra e da terra precisa fincar raízes, constituir uma história, especialmente
aquela que expresse o resultado de suas lutas em busca de terra e de uma terra que lhe de condições de vida. [...]
Não é qualquer terra que desejam, mas sim uma terra de trabalho”.
154
O fazer-se da incompletude da travessia coloca-os em mobilidade e fluidez em todo o
instante.
A próxima carta a ser analisada, intitulada A história de um acampado no
Ibirapuera/SP, foi escrita por José Carlos da Silva166. Essa narrativa, não diferentemente da
primeira, é marcada desde o início pela busca de emprego e pela organização popular dos/as
migrantes. José Carlos da Silva começou a trabalhar ainda garoto como engraxate e
entregador de marmitas, em sua cidade natal Telêmanco Borda, interior do estado do Paraná.
Seu pai trabalhava em uma fábrica, e seguindo os passos de seu pai, participou de alguns
cursos oferecidos pelas empresas. Passados alguns meses, foi contratado por uma das fábricas
parceiras do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), porém foi despedido do
emprego ao término dos cursos que fazia.
Diante deste cenário, José Carlos da Silva sonhou com novas veredas, com caminhos
que lhe trouxesse estabilidade e uma vida melhor. Assim sendo, em 1975 migrou para a
cidade de São Paulo, mas a realidade deste novo caminho foi assinalada por inúmeras
dificuldades, tais como a busca de um novo emprego, a compra de uma casa própria, dentre
outros.
José Carlos da Silva conseguiu um emprego de servente de pedreiro e, em seguida,
como pedreiro. Neste período, aproveitou para aprender um pouco do trabalho de eletricista e
não demorou muito para conseguir emprego de eletricista instalador em uma fábrica de São
Paulo. Com esse novo emprego, José Carlos havia de acompanhar a empresa que prestava
serviço em inúmeras cidades, como narrado a seguir:

Nessa caminhada passei para obras de vulto como Jari, Canal de Simão,
Itaipu, Centrais Elétricas Térmicas em vários Estado do Norte, Centro e Sul
do Brasil, Itaipu, Rodovia dos Imigrantes, Rodovia Rio-Santas, Parto de
Tubarão, Casifa, área da Petrobrás em Cubatão, Camacari, Paulinia e
Areucária, São Paulo, Ponte Niterói (p. 11).

Podemos observar que as condições de trabalho dessas empresas não eram das
melhores. Os trabalhadores passavam horas de suas vidas com dedicação ao emprego, como
José Carlos assinala: “Nessas firmas tinha de fazer em média 4 horas extras por dia, muitas
vezes tendo de dobrar. Se não o fizesse era demitido, o que aconteceu várias vezes quando
passei a compreender que estava sendo explorado” (p. 11).

166
Vai Vem, Boletim das migrações. Ano 3, n. 11, dezembro, 1983, p. 11.
155
Em 1977 José Carlos tentou estabilidade em outra fábrica em Guarulhos, São Paulo,
para não precisar sair de sua casa. Era grande a inquietude diante das condições de trabalho.
Diante disso, envolveu-se em uma greve, em maio de 1978, reivindicando melhores condições
de trabalho. Pelo seu envolvimento nas mobilizações, José Carlos foi demitido do emprego.
No mesmo período, entrou em outra fábrica e se envolveu em outras manifestações, e
novamente foi demitido, como o mesmo relata:

Consegui um emprego de ajudante na MEB de Guarulhos mas fui mandado


embora devido a greve de maio de 1978. Fiquei 3 meses desempregado e
consegui entrar na Bâlem, na mesma função ajudante. Com a luta dos
trabalhadores surgiu a greve de novembro e perdi o emprego novamente (p.
12).

José Carlos resolveu retornar para sua terra natal no estado do Paraná, trabalhando
novamente em montagens industriais. Neste período, casou-se e constituiu família, tendo duas
filhas. O retorno foi registrado por inúmeras dificuldades, entre elas, a inserção no trabalho.
As dificuldades financeiras só aumentavam. Diante desta situação, a família decidiu re-migrar
juntos, novamente, para São Paulo.
A volta para São Paulo, e agora com a sua família, foi marcada por muitas
esperanças de uma vida melhor, principalmente com a expectativa de que na cidade teria bons
empregos. Mas a realidade foi dura, como José Carlos aponta a seguir: “lutei para conseguir
emprego em São Paulo e ao mesmo tempo fazia bicos de eletricidade. Como não dava pra
manter direito as filhas a situação familiar foi ruindo e acabei perdendo a companheira” (p.
12).
Neste momento da carta, ou melhor, de sua vida, José Carlos vivencia a perda da
família, o que torna mais difícil a caminhada. Sua vontade de lutar por melhores condições de
vida é aguçada perante as dificuldades enfrentadas. José Carlos da Silva finaliza sua narrativa
demonstrando uma conscientização, a qual sempre teve, mas que agora se objetiva na
organização social coletiva dos desempregados no bairro de Ibirapuera, São Paulo: “por
acreditar ser ele um grito desespero que vai ecoar por todo o Brasil e alertar os trabalhadores
para lutar por um emprego descente, com salários dignos e estabilidade” (p. 12).
A CEBs167 foi o apoio que todos precisavam. Uma organização que, na década de
1980, agia com padrões inovadores de ações coletivas e não individualistas, como sugere a
pesquisadora Luiza Kelin Alonso (1994, p. 84) sobre os Movimentos Sociais daquele

167
No próximo capítulo analisaremos com mais assiduidade estes espaços assinalados pelos/as migrantes.
156
contexto: “O conceito de Movimento Social é entendido como uma forma de ação coletiva
baseada na solidariedade, desenvolvendo um conflito, rompendo os limites do sistema em que
ocorre a ação”. Do mesmo modo, podemos elencar ao debate, as considerações feitas por Eder
Sader (1988, p. 89), ao destacar a organização de homens e mulheres em seus bairros, na luta
por demandas concretas, com resultados imediatos – pequenas melhorias -, a saber, por canos
de esgoto, por direito a educação de qualidade, estradas, moradias, trabalho, creches, ponto de
ônibus, posto de saúde. Este pesquisador, evidencia em seu trabalho os espaços, nos quais
os/as migrantes, ao chegarem no local de destino, atuaram em busca de melhores condições.
Contudo, ambas as narrativas são escritas por homens migrantes que se lançaram à
travessia, sobretudo, por motivos econômicos, na busca por emprego. Como sugere o
pesquisador Aldelmalek Sayad (2000, p. 24), não existe migração autodenominada de
trabalho, que não se transforme em migração de povoamento, ou seja, em migração familiar.
Desta forma, percebemos nas cartas os itinerários individuais, e logo se metamorfoseando em
coletivos.
O vai e vem das migrações apresenta-se como um fato social com múltiplas facetas,
sendo o retorno uma delas. Nos exemplos postos, notamos que a decisão de retornar foi
concedida por todo o núcleo familiar. Já os motivos e as condições do retorno foram situados
pela precariedade de trabalho. Tanto na sociedade de destino como na sociedade de origem,
os remetentes não conseguiam ter as condições básicas de emprego, muito menos de moradia.
O autor Sidnei Dornelas (1995, p. 7) chama atenção para os aspectos de
dramaticidade que as migrações de retorno ganham por meio das experiências migratórias,
permitindo, assim, questionarmos até que ponto podemos resgatar as particularidades e as
intensidades destas dimensões na vida dos sujeitos retornados.

O ‘retorno’ ganha conotação de drama quando, contra toda ‘probabilística’


sociológica, a subjetividade do migrante, personagem migratório, se volta
contra esse processo migratório, se volta contra esse processo que o
produziu. Vivido como salvação ou como desastre obscuro, não há análise
social que dê conta das pequenas tragédias que se redesenham nos
depoimentos e histórias de vida desses migrantes. Como resgatar a
dramaticidade de experiências humanas resumidas em palavras simples
como ‘saudade’ ou ‘besteira’?

As colocações tecidas pelo autor vêm ao encontro das inquietações da presente


pesquisa, a de discutir os processos migratórios pelas experiências dos/as migrantes, pois só
assim conseguiremos reconstituir suas trajetórias.

157
A próxima carta, caracterizada pelo cunho familiar, é intitulada Saudações168. Nesta
carta, aparece nome da remetente – Maria de Fátima – e sugere que a destinatária faz parte de
suas relações familiares pela narração próxima e pelo uso do gênero feminino no decorrer do
diálogo, que também se chama Maria. O objetivo de analisar esta epístola, neste momento,
assenta-se na necessidade de destacar as redes de contato traçadas pelos/as migrantes com os
seus familiares, na sociedade de origem. Desse modo, evidenciam-se as cartas como alerta
sobre possível retorno.
O intuito da escrita é marcado pelas notícias de sua terra natal, Ingazeira,
Pernambuco, como a falta de emprego e as péssimas condições de trabalho que assombram a
cidade. A narradora alerta sobre o retorno à terra natal, já que as condições de vida em São
Paulo também estavam ruins, principalmente, para os/as migrantes. Subentende-se que a
destinatária, por algum motivo, sinalizou a Maria de Fátima o desejo de voltar a sua terra
natal.
A remetente evidencia a todo o momento que a situação em Ingazeira não é das
melhores, dizendo que o custo do “feijão está quase por 30 mil” (p.14) e as condições de
emprego são as mínimas, e quando se tem o salário, é baixo: “Maria sobre a vontade de você
vim embora pense muito nesse seu plano por que a situação de viver aqui é muito difícil [...]”
(p. 14).
A autora da carta, ao ressaltar a falta de emprego na região, deixa a entender que a
dificuldade de se encontrar trabalho era tamanha que as pessoas acabavam por optar pela
primeira oportunidade que aparecia, mesmo se o salário e as perspectivas não fossem dos
melhores: “o emprego que bom não tem, o emprego que apareceu para os pobres pai de
família foi umas emergência sem futuro que não da nem para os solteiros todo [...]” (p. 14).
As dificuldades de emprego nessa região eram muitas, especialmente para mulheres,
as quais deveriam desdobrar-se tanto com os afazeres da casa como com a responsabilidade
de sustentar financeiramente sua família: “Maria manda me dizer se ai é fácil emprego para
mulher”; “Maria quanto é sofrer morar em um lugar que não tem ganha nem para mulher
ganha”. Ou ainda, ao dizer que o seu dinheiro não deu nem para tirar a foto de sua filha, que
pretendia enviar com a carta: “este ganho que eu ganho não esta dando nem pra feira ainda
não tirei a foto da menina porque não tenho dinheiro imagine” (p. 14).

168
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 23, outubro-novembro-dezembro,1986, p. 14.
158
As cartas tornam-se, assim, redes de contatos e de socialização entre migrantes e
seus familiares: “diga a Francineide que eu estou aguardando a carta que ela vai me escrever”
ou “sempre se lembra de me escrever me falando como vai ai a Capital Paulistana” (p. 14).
O sentimento nostálgico é registrado desde o início da carta até o final da narrativa:
“Maria com um abraço a você e outro em Francineide. Mãe e Zé mandaram lembranças para
todos vocês e sempre se lembra de me escrever me falando como vai ai a Capital Paulistana
todos mandam muita lembranças a Génario” (p. 14).
A palavra saudade é mais que sentimento, experiência vivida, nas histórias das/os
migrantes. O presente alimenta a saudade, e esta nutre o passado impulsionando o desejo de
reencontro, de quem partiu e de quem ficou. Como diriam os poetas: a saudade não é
ausência, mas, fundamentalmente, a presença. Nesse sentido, só sente saudades quando
existem presenças. A presença de si mesmo construída no sentimento de pertencimento
na/pela alteridade. São narradores e lembradores que vivem dois espaços e dois mundos:
passado-presente. Mundos infinitos. Reencontros marcados pelos desencantamentos dos e nos
lugares, sobretudo, sociais experimentados. Aquele que fez travessia faz agora o inverso: o
remigrar, o retornar. É a vida travessia em sua incompletude, num constante fazer e refazer.

159
CAPITULO IV

DAS CARTAS COLETIVAS: AS MIGRAÇÕES E SUAS DEMANDAS

Os movimentos são fluidos, fragmentados, perpassados por outros processos sociais.


Como numa teia de aranha eles tecem redes que se quebram facilmente, dada sua
fragilidade; como as ondas do mar que vão e voltam eles constroem ciclos na
história, ora delineando fenômenos bem configurados, ora saindo do cenário e
permanecendo nas sombras e penumbras, como névoa esvoaçante. Mas sempre
presentes.
(GOHN, 1997, p. 343)

Migrantes, ao chegarem ao local de destino ou entre o vai e vem de suas migrações,


se posicionaram e se organizaram em prol de uma agenda voltada às demandas migratórias.
Denunciando, alertando e reivindicando os problemas sociais e econômicos nos quais estavam
inseridos/as. Dessa forma, o ato de enviar suas cartas ao Boletim Vai Vem e os sentidos de
suas migrações ganham outras dimensões, como a do fazer-se migrante em luta.
Diante disso, analisaremos neste último capítulo o que, ao nosso entendimento, torna
ainda mais instigantes as fontes privilegiadas na presente pesquisa, a saber, suas migrações
em interfaces com os movimentos populares. Até porque não poderíamos discutir as
experiências migratórias dos narradores sem fazer alusão a suas trajetórias entre os espaços
de lutas, que, por sua vez, nutriram as pautas dos mundos das migrações.
No intuito de analisar as demandas expressas em suas narrativas, as quais foram
assinadas coletivamente (um total de 53 cartas, conforme já pontuado na metodologia
aplicada na pesquisa), o capítulo está dividido em dois momentos. O primeiro se dedica à
preocupação em apreender os espaços concretos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
das Sociedades de Amigos de Bairro (SABs) e das Pastorais Sociais; o segundo, os espaços
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do Movimento Sem Terra, pelos quais ecoaram as
reivindicações de homens e mulheres migrantes.

160
4.1 Dos espaços de luta: Os clamores dos/as migrantes

No capítulo I, vimos como o Boletim Vai Vem – portanto, as missivas a ele enviadas
e aqui analisadas – está intimamente ligado aos ideais da Teologia da Libertação (TdL) e ao
contexto histórico de efervescência dos novos movimentos sociais e dos movimentos
populares. Retomando essas implicações, neste tópico pretende-se identificar, por meio das
cartas coletivas, os espaços concretos que os/as migrantes utilizaram para colocar em prática
suas reivindicações.
Neste ponto, concordamos com o pesquisador Ademir Pacelli Ferreira (1999, p. 28)
quando ele afirma que: “o migrante necessita de espaços de ação e linguagem para
ressignificar suas experiências e reparar sua identidade, pois, com as perdas dos veículos
cultuais e afetivos, o sujeito tende a se desarticular”. E também com a pesquisadora Maria da
Glória Marcondes Gohn (1991, p. 42), que conclui: “portanto, a troca de experiências, através
de espaços de práticas coletivas engendrados pelos movimentos populares, é o ponto
fundamental para a socialização das informações e a constituição de uma identidade de
objetivos e ação”.
De modo geral, as missivas apontam para as CEBs, as SABs, as Pastorais Sociais e,
em menor proporção, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o Movimento Sem Terra169,
como os espaços onde construíram estratégias de mobilização sociais. Já adiantamos que,
embora cada um desses espaços possua especificidades e características próprias, devemos
entendê-los no decorrer do nosso estudo pelas interligações das pautas migratórias e, logo,
como instrumentos de luta dos sujeitos.
Iniciaremos nossa análise pelas CEBs, pelas SABs e pelas Pastorais Sociais, uma vez
que essas impulsionaram os movimentos populares urbanos e rurais nos quais nossos
narradores participaram. No que tange a esses movimentos populares, em especial o urbano, a
pesquisadora Maria da Glória Marcondes Gohn (1991, p. 40) destaca:

Em relação aos movimentos urbanos, a categoria da práxis adquire


importância pelo caráter criador e potencialmente transformador. A busca de
soluções e alternativas para as condições de vida cotidiana leva ao encontro
de caminhos que apontam para a superação destas condições. O pensar
articula-se ao fazer e este processo não se realiza espontaneamente, mas é

169
As missivas referem-se ao Movimento Sem Terra em geral, e, não especificamente ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
161
permeado por uma intencionalidade política, presente nos projetos que os
movimentos delineiam na história.

Tendo em vista a colocação da autora, se faz necessário, primeiramente,


compreender o que são as CEBs e quais são suas características. Do mesmo modo, como as
SABs eram entendidas pelos/as migrantes? Qual a importância das SABs, das CEBs e das
Pastorais Sociais para as migrações dos narradores? Qual o perfil dessas cartas coletivas que
evidenciam esses espaços como lugares privilegiados para fomentarem suas reivindicações?
Em termos da eclesiologia, as CEBs se concretizaram após o Concílio do Vaticano
II. Entretanto, alguns pesquisadores (SCHERER-WARREN, 2005, p. 35) defendem que a
busca por uma teologia da libertação dos pobres oprimidos tenha surgido em meio às
inquietações nas comunidades de base, nas reuniões religiosas informais. Para além dos
rituais e das celebrações nas paróquias e igrejas e influenciados pelas organizações cristãs de
base (grassroots organizations), os Movimentos de Educação de Base (MEBs) teriam
precedido o Concílio.
A defesa por outras formas de ser Igreja, comprometida com a classe oprimida e
com as boas novas dos sujeitos, exige ruptura com a classe dominante que realimenta
diariamente o sistema vigente. Como alerta Frei Betto por meio de uma metáfora (1981,
p.12): “[...] A Igreja não pode servir ao mesmo tempo ao Deus que faz justiça aos oprimidos e
aos senhores do capital, que mantêm a opressão”. Percebemos nesta colocação como o
sagrado é utilizado para justificar as práticas políticas no campo religioso, o qual nunca é
totalmente hegemônico e estanque; a distinção de posição, o grau e a forma de cada sujeito
que compõem este campo é o que o torna dinâmico, apto às novas mudanças (em
aproximação com BOURDIEU, 2013, p. 33-34).
Como indicam vários estudiosos que se dedicam ao assunto, categorizar ou
conceituar as CEBs não é um exercício fácil, tendo em vista a sua in-completude. Elas não são
igrejas, nem comunidades e tampouco base de uma sociedade, o que nos possibilita dizer que
são incompletas nos parâmetros de fora, ao compará-la com noções existentes. Ao mesmo
tempo, são completas se entendidas por elas mesmas, pela ótica de dentro – levando em conta
suas contradições e os sujeitos que as compõem.
Por iniciativa de leigos, padres e bispos, os pequenos grupos se organizam na mesma
comunhão, em prol dos que não têm voz nos espaços sociais e políticos. Criam-se canais de

162
reivindicações e mobilizações sociais de interesses imediatos da comunidade. Sendo assim,
pelo olhar de dentro:

São comunidades porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertencem à
mesma Igreja e moram na mesma região. Motivadas, pela fé, essas pessoas
vivem uma comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de
moradia, de lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças
libertadoras. São eclesiais, porque congregadas na Igreja, como núcleos
básicos de comunidade de fé. São de base, porque integradas por pessoas
que trabalham com as próprias mãos (classes populares): donas de casa,
operários, subempregados, aposentados, jovens e empregados dos setores de
serviços, na periferia urbana; na zona rural, assalariados agrícolas, posseiros,
pequenos proprietários, arrendatários, peões e seus familiares (BETTO,
1981, p. 17) [grifos nossos].

Esta formulação nos parece mais apropriada para designar as CEBs. Unidas, as
classes populares se reinventaram e se reorganizaram, cotidianamente, de acordo com a
realidade local dos próprios sujeitos envolvidos. Em cada região brasileira há diferentes
maneiras de ser Igreja que, juntas, criaram redes de solidariedades e de contatos umas com as
outras170, o que permitiu fortalecer as formas de organizações populares autônomas. Como
também se nota na citação, as comunidades se tornam espaços de reflexão e de
conscientização social e política, em oposição ao sistema. A transformação social na vida de
homens e mulheres migrantes modifica o modelo vigente de sociedade e de Igreja.
As ações das CEBs estavam pautadas no método ver-julgar-agir, que funcionava na
prática de modo dialético: ouvir os problemas, as inquietações dos envolvidos e buscar a sua
interpretação no evangelho bíblico, no intuito de promover ações para solucioná-los. Pois,
como elucida Frei Betto (1981, p. 31): “O ver já traz no seu bojo elementos para o julgar e
exigências para agir. Cada momento se inter-relaciona com os demais”. Vejamos a elucidação
desta carta:

[...] Nós daqui participamos da luta dos posseiros de Lameiro, foi pesada:
Mas Jesus diz: ‘aquele que for meu discípulo tome sua cruz e siga-me’ e
com a força de Cristo foi alcançada para, os posseiros. Estamos todos felizes,

170
“Não se sabe exatamente o número de CEBs presentes na América Latina, mas o Brasil certamente possui um
número bem maior do que qualquer outro país. Lernoux, em 1980, mencionou a existência de 80.000
comunidades aproximadamente apenas no Brasil, o dobro do número que havia em 1976. Boff, em 1985,
declarou que havia mais de 70.000 CEBs no Brasil. Entre Medellín (1968) e Puebla (1979), redes de CEBs se
desenvolveram, principalmente no Brasil, Chile, México, Honduras, Panamá, Equador, Bolívia, Paraguai,
Colômbia, El Salvador, Nicarágua e República Dominicana. As CEBs têm continuado a expandir-se deste então
para diferentes áreas desses países, como também para outros países latino-americanos” (SCHERER-WARREN,
2005, p. 36).
163
cheios de alegria em ver todos posseiros com sua terra para que nela possa
retirará o fruto desejo171.

Os problemas são, em sua maioria, relacionados com o cotidiano dos/as migrantes,


que, por sua vez, ficavam dias refletindo e planejando estratégias em torno de um só
problema, como a conquista da terra. Deve-se sublinhar que esse método não é mecânico e
muito menos linear. Um passo, depois o outro e, consequentemente, o terceiro. Há variações
de acordo com as necessidades apresentadas no momento.
Não obstante, ainda no plano metodológico, há de se pontuar a influência dos
referenciais marxistas (baseada no igualitarismo socioeconômico) e da Educação Popular
proposta pelo professor-pesquisador Paulo Freire, como fica claro nesta missiva: “Quanto a
Comunidade, vai caminhando, foi inaugurada a casa construída no mutirão, já tem escola a
noite com o método do Paulo Freire”172. Essa perspectiva, pautada no método freiriano,
compreende a educação como prática da liberdade – um ato político – das classes populares,
tomando a conscientização como mola propulsora da realidade social do ato de ensinar-
aprender e intercambiar conhecimentos da vida e para a vida.
O sentido educacional é voltado às classes populares no intuito de promover a
conscientização sociopolítica e histórica dos sujeitos ditos marginalizados na sociedade. Para
o professor-pesquisador Paulo Freire, no ato de ensinar-aprender existe a compreensão sobre
o outro173, sobre a realidade deste, logo, exige posicionamento do educador perante as
desigualdades sociais e econômicas historicamente construídas. Neste sentido, a “luta é uma
categoria histórica, reinventar a forma também histórica de lutar” (FREIRE, 2011, p. 66).
Outro subsídio metodológico utilizado nas CEBs foram os chamados círculos
bíblicos. Segundo Frei Betto (1981, p. 32-33), estes foram criados pelo Frei Carlos Mesters
com a intenção de conscientizar os sujeitos por meio de livretos, folhetos e jornais de
linguagens populares. “Sem perder sua dimensão transcendente, a fé do grupo torna
transparente a realidade em que se vive: passa-se a entender o caráter relativo do status quo, a
dimensão histórica da vida, e a buscar as verdadeiras raízes dos males sociais”.

171
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 27, outubro- novembro, 1987, p. 10.
172
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 27, outubro-novembro, 1987, p. 10.
173
Sobre a construção do eu e do outro, o pesquisador Tzvetan Todov (1991, p. 3) destaca: “Pode-se descobrir os
outros em si mesmo, e perceber que não é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que
não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu”.
164
A equipe do círculo bíblico da cidade de Cariacica (Espírito Santo) relatou, por meio
de carta, a importância desse momento de reflexão e conscientização para os/as migrantes.
Segundo sua narrativa epistolar,

as pessoas quando chegam ficam muito só, isoladas, e que a comunidade é


um espaço de acolhimento dessas pessoas que chegam. Os círculos bíblicos
ajudam a expressar estes laços. Os textos ajudaram muitas mulheres a
reverem a sua história e a sua identidade. Pois bem, gostaríamos de
continuar este trabalho174.

Para além de um espaço de círculos bíblicos, as CEBs propiciavam também aos/às


migrantes o acolhimento no local de destino. O método pedagógico ver-julgar-agir é
apontado como importante estratégia à construção de suas identidades enquanto migrantes,
sobretudo às mulheres migrantes. Cabe atenção para as re-existências e, por outro lado, o
conformismo desses sujeitos ao entoarem seus clamores de dentro do campo religioso. Havia
um trabalho especial com as mulheres migrantes em que se intentava legitimar suas
reivindicações junto ao processo de conscientização contra-hegemônico às estruturas
machistas e socialmente excludentes. Todavia, elas se encontram no campo religioso, que
legítima o discurso da distinção entre homens e mulheres, como chama atenção a
pesquisadora Ilse Scherer-Warren (2005, p. 44):

Em termos gerais, o movimento da libertação das mulheres vê sexo, classe e


outras formas de opressão como combinados. No nível ideológico, estão
perto do Feminismo Socialista, mas na prática estão só no começo de um
tipo de Feminismo dos Direitos das Mulheres. Elas tendem a condenar o
feminismo tradicional por causa de seu enfoque predominante sobre
diferenças de sexo.

Notamos em outra carta, também da região de Cariacica, mais algumas


características na dinâmica do trabalho com os/as migrantes:

Nós do Grupo da comunidade São Lázaro do bairro Nova Rosa da Penha,


nos comprometemos a realizar o círculo bíblico nas famílias. O bairro é novo
e conta com famílias vindas de Minas Gerais, Bahia, Ceará e interior do
Espírito Santo. O círculo bíblico do migrante foi muito bom, pois, tivemos
muita participação. O assunto foi próprio para as famílias que de longe
vieram. O 1º encontro foi muito refletido de acordo com a realidade da
família, porque saíram de Minas, deixaram pai e mãe... Deixaram tudo e
foram para Rondônia em busca de terra. Lutaram, mas não deu certo.
Chegando lá, só encontraram doenças e muitas dificuldades. A solução foi
174
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 44, setembro-outubro, 1990, p. 10.
165
migrar novamente, até chegar aqui no nosso bairro, e onde com esperança
pretende permanecer175.

Essa narrativa epistolar evidencia a preocupação em fomentar a conscientização a


partir das trajetórias dos/as migrantes. Refletir os motivos que impulsionaram os/as migrantes
a migrarem, bem como os dilemas que os/as cercam durante suas travessias, constitui em uma
estratégia metodológica das CEBs a fim de aglutinar e intensificar as organizações populares.
“À luz dos ensinamentos da Teologia da Libertação, as comunidades tornaram-se espaços de
socialização política, de libertação e organização popular” (FERNANDES, 2000, p. 44).
Assim, o círculo bíblico e o evento Semana dos Migrantes eram e continuam sendo176
estratégias pelas quais os/as migrantes ecoaram suas aflições. Como podemos analisar a
seguir:

Já estamos preparando a ‘Semana do Migrante’, fizemos o treinamento do


Círculo Bíblico; o pessoal está muito animado e pelo jeito será bem
participado. Para maior divulgação e compreensão da semana do migrante,
gostaríamos que nos enviassem alguns folhetos do texto base, cartazes, e se
possível algum outro subsídio sobre o tema: ‘mulher migrante’, pois faremos
um encontro com as mulheres sobre esse tema177.

Ao discorremos sobre as CEBs, não podemos deixar de relacioná-las com a dinâmica


do trabalho nas SABs e vice- versa. Mesmo atuando em campos distintos, ambas se
complementam e dialogam. Diferentemente das CEBs, as SABs não eram formadas
especificamente por católicos em torno da mesma fé cristã; eram constituídas por sujeitos do
mesmo bairro que buscavam resolver os problemas da região onde moravam.
Conforme a pesquisadora Mariana Esteves de Oliveira (2006, p. 190), as SABs
foram responsáveis por importantes conquistas infraestruturais nos bairros brasileiros,
especialmente na cidade de São Paulo, na década de 1950. Posteriormente, nota-se um
acréscimo a partir dos anos 1970. Destaca-se também que estava presente na agenda das
SABs reivindicações: pela coleta de lixo, pela energia elétrica, pela pavimentação, pela
criação de redes de esgoto e de água, entre outros. Contudo, segundo a autora:

175
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 32, agosto-setembro, 1988, p. 7.
176
Cabe mencionar que, mesmo ainda presente nos dias atuais, a partir da década de 1990 os movimentos
populares gestados pelas CEBs perderam suas forças, devido à crise interna da Igreja Católica. “Seu confronto
com a ala conservadora, com uma visível predominância desta última, levou à retirada de grande parte do apoio
que antes era dado aos movimentos. As Comunidades Eclesiais de Base passam a ser cada vez mais eclesiais e
menos politizadas. A proibição e a punição de membros do clero progressista, como a imposta ao frei Leonardo
Boff, afetam a dinâmica do processo de conscientização popular” (GOHN, 1991, 16).
177
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 43, julho-agosto, 1990, p. 10.
166
as Sociedades Amigos de Bairro podem ser consideradas como movimentos
sociais de ação localizada (ao menos inicialmente), que traduzem a falência
do Estado capitalista em atender o total da população com infraestrutura
urbana e acesso a lazer e educação nas periferias das cidades (OLIVEIRA,
2006, p. 1990).

Nesse sentido, torna-se importante destacar quais as regiões assinaladas nas cartas
coletivas que evidenciam a presença das SABs, e, consequentemente, das CEBs.
Algumas destacam o bairro de atuação: Jardim Elba (São Paulo), Comunidade Nossa
Senhora Aparecida do Dique (São Paulo), Comunidade André Lopes (São Paulo), Vila de São
Clemente (Minas Gerais), Comunidade de Mairi (Bahia) e João Paulo II (Bahia). Já outras
missivas fazem menção para cidade/estado, vejamos quais: São Bernardo do Campo (São
Paulo), Ribeirão Bonito (São Paulo), Fagundes (Pernambuco), Ilha da Magia (Pernambuco),
Berilo (Minas Gerais), Santa Barbara (Minas Gerais), Porto Alegre (Minas Gerais), Santa Rita
de Cássia (Minas Gerais), Aracuí (Minas Gerais), Ciríaco (Rio Grande do Sul), Alvorada D’
Oeste (Roraima) e Sarandi (Rio do Grande do Sul).
Nota-se que os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia são os mais destacados
entre as cartas coletivas.
Na carta assinada pela Comunidade Nossa Senhora Aparecida – do bairro João Paulo
II, da cidade de São Paulo –, observamos logo de início o porquê do envio da carta: “A
finalidade desta é para falar um pouco da nossa luta. Há quase cinco anos que estamos
tentando nos reunir e nos organizar. Apesar de tantas lutas a nossa comunidade é bem
178
pequena, às vezes, pensamos em desistir, mas Deus nos dá força para irmos em frente” .
Mesmo em meio às adversidades, os sujeitos dessa comunidade estão conseguindo se
mobilizar porque sua esperança em dias melhores está pautada no sagrado.
A carta segue evidenciando como o trabalho está organizado: “aqui, nós fazemos um
pouco de tudo: liturgia, grupos de rua, círculos de cultura, mutirão, horta comunitária,
catequese, reuniões etc.” (p. 10).
As migrações dos sujeitos que moram nesse bairro foram motivadas pela busca de
emprego, como podemos notar: “A maioria das pessoas que moram aqui são migrantes vindas
de fora à procura de emprego e são gente muito sofrida. [...] Moramos no bairro João Paulo II
no município de Juazeiro, a maioria de nós somos boias-frias, diaristas, desempregados,
lavadeiras e assalariados” (p. 10).

178
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 39, novembro-dezembro, 1989, p. 10.
167
Assim como havia sido iniciada, a missiva é finalizada com alusão ao sagrado: “Mas
acima de tantos sofrimentos nós temos muita fé em Deus de um dia nós pequenos nos unir e
acabar com todas as injustiças e aí vamos viver todos iguais como Deus quer” (p. 10).
Retomamos, então, a colocação do estudioso Paulo Parise (2000, p. 45) destacando que e a
esperança alocada no sagrado deve-se à construção do entendimento de “[...] um Deus
migrante que acompanha o seu povo nas andanças como já fez com um outro povo em Isael.
Acompanha a caminhada do ritmo das estações, a caminhada do ciclo da vida e a caminhada
das andanças do ser humano”.
Outra carta que podemos destacar foi assinada pelo Clube de Mães, do Jardim Elba
(São Paulo/SP). Nessa narrativa, percebemos a importância das reuniões, dos encontros de
mães para formulações de estratégias e de soluções frente aos problemas do bairro:

Nós, as mães do clubinho da criança, do Jardim Elba, fizemos os três


encontros do migrante neste ano de 1989. Durante a reunião foram
colocados problemas do bairro, da comunidade. A cada encontro as mães
foram aprendendo que não deve ter medo de comunicar-se. Então vendo que
a comunicação do rádio e televisão está com os ricos que mostram o que
querem e o que é o de interesse deles e os pequenos vão ficando
desinformados. Muitas mães pensam que tudo o que foi visto, aprendido não
deve ficar guardado, mas transmitido às companheiras. As reuniões e
encontros são para informar o povo; precisamos participar para mudar o
nosso modo de pensar e melhorar o mundo em que vivemos. Achamos que
não se pode só ler a bíblia, mas é preciso participar e viver o Evangelho179.

É interessante também a declaração alertando as demais mulheres a não terem medo


de se comunicar e/ou de se posicionar, uma vez que elas não se identificavam com os
discursos dos principais meios de comunicação (o rádio e a televisão). Acredita-se em uma
mudança que perpassa os dilemas do bairro até as estruturas da sociedade. A bíblia é
entendida não só como um livro histórico e/ou literário, mas como ensinamentos que devem
ser vividos na prática do cotidiano.
Destarte, as Pastorais Sociais são também importantes espaços evidenciados nas
cartas coletivas relatando tanto o trabalho com os/as migrantes, como sua participação.
Todavia, antes de nos aprofundarmos nessas questões, cabe compreendermos a distinção, pela
ótica Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre Pastoral Social, Pastorais
Sociais e Setor Pastoral Social:

179
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 38, setembro-outubro, 1989, p. 10.
168
Entendemos por Pastoral Social, no singular, a solicitude de toda a Igreja
para com as questões sociais. Trata-se de uma sensibilidade que deve estar
presente em cada diocese, paróquia comunidade; em cada dimensão, setor e
pastoral; na catequese, na liturgia e nas iniciativas ecumênicas; enfim, deve
estar presente nas comunidades eclesiais de base, nos movimentos... Em
outras palavras, deve ser preocupação inerente a toda ação evangelizadora.
Pastorais Sociais, no plural, são serviços específicos a categorias de pessoas
e/ou situações também específicas da realidade social. Constituem ações
voltadas concretamente para os diferentes grupos ou diferentes facetas da
exclusão social, tais como, por exemplo, a realidade do campo, da rua, do
mundo do trabalho, da mobilidade humana, e assim por diante. O Setor
Pastoral Social, por sua vez, integrado na dimensão sócio-transformadora,
linha 6 da CNBB, tem duplo caráter: por um lado, representa uma referência
para toda a ação social da Igreja, em termos de assessoria, elaboração de
subsídios e reflexão teórica. Por outro lado, é um espaço de articulação das
Pastorais Sociais e Organismos que desenvolvem ações específicas no
campo sócio-político (CNBB. 2001, p. 7-8) [grifos nossos].

Entendendo essas distinções, podemos prosseguir elencando as onze pastorais que o


Setor Pastoral Social reúne sob sua articulação: Pastoral Operária, Pastoral do Povo de Rua,
Conselho Pastoral dos Pescadores, Pastoral dos Nômades, Pastoral da Mulher marginalizada,
Pastoral da Criança, Pastoral do Menor, Pastoral da Saúde, Serviço Pastoral dos Migrantes,
Comissão Pastoral da Terra, Pastoral Carcerária; e seus três organismos: Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento Social (Ibrades), Cáritas Brasileira e Centro de Estatísticas Religiosas e
Investigações Sociais (Ceris).
Entre as cartas coletivas, registram-se também como remetentes as Pastorais
Sociais180. Os conteúdos dessas missivas são essencialmente pautados na prática do trabalho
pastoral, a qual está entrelaçada com os dilemas que perpassam a vida dos homens e das
mulheres migrantes, sejam crianças, mulheres, prostitutas, pescadores, ciganos, presidiários,
operários, sem-terra, sem-teto.
Esses apontamentos contribuem para compreensão da carta da Pastoral da Mulher
Marginalizada de Juazeiro (Bahia)181, escrita por Vilma no dia 3 de agosto de 1990 e
publicada no mesmo ano. Essa carta revela a importância do Boletim Vai Vem no
desenvolvimento do trabalho pastoral e como foi realizado:

Estamos recebendo o boletim Vai Vem e esse tem um papel muito


importante em nosso trabalho: Pastoral da mulher marginalizada. É um
trabalho que exige muita paciência, fé e esperança, pois essas mulheres são

180
No capítulo anterior (cap. III) desta dissertação, foi apontado/analisado outras cartas enviadas de outros países
assinados pelas Pastorais Sociais.
181
VAI VEM, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 45, novembro-dezembro, 1990, p. 10.
169
resultado do descaso e injustiça da sociedade que cada dia mais fabrica
prostitutas e joga no lixo (p. 10).

No início da narrativa, percebemos o entendimento atribuído às mulheres


marginalizadas, no caso as prostitutas. Elas são vistas como frutos de uma sociedade desigual
e injusta à luz dos direcionamentos da bíblia182. No decorrer dessa carta, podemos observar
outros elementos para analisar:

Estamos na luta tentando organizar essas mulheres, desprovidas de tudo e


que também caminham sem rumo, migrando para outros estados em busca
de dias melhores. E é por isso que o trabalho se torna tão difícil, porque elas
não têm moradas fixas. Que essa nossa luta conjunta faça acontecer o Reino
de Deus aqui e agora. Suas reflexões nos ajudam muito (p. 10).

Os sentidos das migrações das mulheres prostitutas estão entrelaçados com a própria
prostituição183, a qual não é entendida pelo viés da liberdade e da autonomia, mas como
dominação, estigmatização, exclusão, discriminação e como consequência de problemas
sociais, econômicos, familiares, pessoais, políticos e psicológicos. Ou seja, mesmo que a
Igreja, enquanto instituição, se constitua em estruturas hierárquico-patriarcais, a Pastoral da
Mulher Marginalizada de Juazeiro se preocupa com a dignidade humana dessas mulheres,
como orienta a proposta pedagógica que norteia seu trabalho pastoral:

conseguir que as mulheres resgatem sua dignidade de pessoa, o sentido e


uma nova perspectiva de vida e promovam uma consciência cidadã sobre
seus valores e papéis na sociedade, a fim de que, organizadas, gerem
estratégias reivindicativas para melhorar sua qualidade de vida
(ASSOCIAÇÃO DA PASTORAL DA MULHER MARGINALIZADA,
2005, p. 21).

A Pastoral da Mulher Marginalizada foi o meio pelo qual as mulheres migrantes


prostitutas se organizaram em prol de sua dignidade humana e contra qualquer olhar
discriminatório e/ou excludente da sociedade ao chegarem ao local de destino, ou melhor
entre o fazer-se de suas travessias.

182
Existem vários direcionamentos sobre o assunto. Em um plano maior, sobressai o do amor ao próximo,
todavia, notam-se apontamentos de ordem moral e de hierarquização patriarcal. O ato de prostituir-se é
compreendido como ato de imoralidade sexual – pecado -, como pode observar a seguir, no diálogo de Jesus
com uma prostituta: “E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais” (JO. 8:11,
Almeida Revista e Atualizada).
183
Sobre o assunto, ver: BUCKER, Bárbara P. O feminino da Igreja e o conflito. Petrópolis: Vozes, 1996,
GEBARA, Ivone. As incômodas filhas de Eva na Igreja da América Latina. Paulinas: São Paulo, 1989 e
ROBERTS, Nickie. As prostitutas na História. Magda Lopes. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.
170
Além das CEBs, das SABs e das Pastorais Sociais, as cartas coletivas indicam outros
lugares que os/as migrantes assinalaram como espaços de luta: os sindicatos, especialmente,
o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o Movimento Sem Terra. Sobre esse tema, os
conteúdos das narrativas em questão nos conduzem aos dilemas e aos horizontes de suas
reivindicações sob o contexto histórico de luta do sindicalismo rural no Brasil, bem como do
Movimento Sem Terra. A seguir, compreenderemos a dinâmica desses espaços de luta pela
ótica das narrativas epistolares.

4. 2 Outras formas de engajamento: Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o


Movimento Sem Terra

As cartas coletivas evidenciam a participação dos/as migrantes no Sindicato dos


Trabalhadores Rurais e no Movimento Sem Terra. Até mesmo as cartas já analisadas no
decorrer da dissertação destacaram suas identidades de migrantes sindicalistas e de sem terras.
Isso demonstra outra característica das migrações aqui estudadas. Podemos dizer que os
sentidos do vai e vem das migrações estão atrelados à luta pela/na terra. Neste aspecto, a
participação no Sindicato dos Trabalhadores Rurais se torna importante instrumento em suas
pautas reivindicatórias.
As cartas assinadas pelo Sindicato dos Trabalhadores revelam as disputas políticas
internas em que os/as migrantes estavam inseridos/as.

[...] A nossa luta continua, no dia 24 de maio houve eleição do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, venceu a oposição, pela qual estamos todos
engajados, foi uma vitória bonita derrubamos um pelego que há seis anos
dominava o sindicato ligado a um grupo econômico e ao PFL. A posse da
nova diretoria foi no dia 19 de junho, os trabalhadores que foram eleitos são
todos comprometidos com a luta, querem mesmo mudar184.

Interessante notar o relato da posse da nova diretoria, a qual era composta pelos
trabalhadores que estavam preocupados com a mudança, sobretudo social, dos próprios
trabalhadores.
Essa epístola nos faz retomar as considerações de Ilse Scherer-Warren (2005, p. 66-
67). A pesquisadora destaca que, a partir da segunda metade da década de 1970, teve-se no
cenário brasileiro uma onda de novas formas de organização e de manifestações populares
que estimularam e intensificaram as ações sindicais.

184
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 27, outubro- novembro, 1987, p. 10.
171
Além disso, através de seus mediadores (sindicalistas ou agentes pastorais
ligados às Igrejas progressistas) outras organizações de camponeses, em suas
origens tipicamente tradicionais, neste período incorporam de forma
emergencial alguns elementos de conscientização sobre um novo modo de
fazer política (SCHERER-WARREN, 2005, p. 66-67).

Colaborando no debate, o pesquisador Eder Sader (1988, p. 32) acrescenta que no


período citado eclodiram vários grupos e movimentos populares, os quais entraram em cena –
no espaço público – reivindicando direitos em acordo com suas demandas do cotidiano,
lutando por pautas concretas e exigindo retorno em curto prazo. Emergiram, assim, novos
significados para suas realidades e suas próprias vidas.

Era o ‘novo sindicalismo’, que se pretendeu independente do Estado e dos


partidos; eram os ‘novos movimentos de bairro’, que se constituíram num
processo de auto-organização, reivindicando direitos e não trocando favores
como os do passado; era o surgimento de uma ‘nova sociabilidade’ em
associações comunitárias onde a sociabilidade e a autoajuda se
contrapunham aos valores da sociedade inclusiva; eram os ‘novos
movimentos sociais’ que politizavam espaços antes silenciados na esfera
privada (SADER, 1988, p. 35-36).

Podemos afirmar que a carta enviada ao Boletim Vai Vem e assinada pelo Sindicato
dos Trabalhadores Rurais está inserida nesse contexto histórico do novo sindicalismo ou do
sindicalismo combativo, como os pesquisadores apontaram.
Outras missivas aproveitam a visibilidade do periódico para tecer denúncias sobre a
violência contra os trabalhadores, como no caso dos acampados da Fazenda Santo Antônia,
em Ipirá (BA). A carta – intitulada pelo periódico “Advogados e capangas dos fazendeiros
promovem tiroteio e tortura psicológica nos acampados na fazenda Santo Antônio em Ipirá-
Bahia” – narra a situação de famílias acampadas em terras em processo de desapropriação e
que sofreram violências físicas e simbólicas. O teor dessa narrativa possibilita a análise dos
dilemas desses sujeitos. Segue a íntegra da carta:

Comunicamos às Autoridades que, na Fazenda Santo Antônio em Ipirá,


Bahia – em processo de desapropriação desde julho de 1987, por causa da
irresponsabilidade do governo – MIRAD, os trabalhadores sem-terra se
viram forçados a ACAMPAR nessa fazenda, no dia 05 de setembro de 1988.
As famílias acampadas estão sob sérias ameaçadas e agressões. Nos dias 9 e
10 e na madrugada do dia 11 de setembro, com capangas dos fazendeiros,
acompanhados por ANDRÉ LACERDA (filho de José Lacerda), causaram
um pânico geral no acampamento, traumatizaram sobretudo mulheres e
crianças. O advogado dos fazendeiros, André Lacerda, ameaçou o

172
acampamento no dia 10 de setembro às 10hs com cinco capangas fortemente
armados e montados a cavalo. Todos portavam rifle e revólver mirando-os
contra os acampados. Colocaram-se em pontos estratégicos para não deixar
ninguém fugir e, após uma hora de tortura psicológica dentro do
acampamento, assaltaram pessoas, roubando-lhes a máquina de filmagem e o
gravador. Um dos jagunços disse: ‘Vocês estão aqui para ganhar terra e eu
estou aqui para ganhar dinheiro para matar vocês’. Pedimos providências
urgentes às autoridades para que haja segurança de vida para os acampados e
rapidez na desapropriação da Fazenda Santo Antônio em Ipirá185.

Para enfrentar as agressões dos capangas/jagunços dos fazendeiros, as famílias


acampadas na Fazenda Santo Antônio se articularam via sindicato para denunciar, reivindicar
agilidade na desapropriação e conscientizar a sociedade civil do ocorrido.
Nota-se a importância de mencionar a presença de André Lacerda, advogado do
fazendeiro, por ser filho do fazendeiro José Lacerda. Devemos chamar atenção também para a
violência sofrida por esses sujeitos que persistiram pela permanência na terra. A narrativa
epistolar está embrenhada de traumas, medos, injustiças, covardia, mas também de sonhos e
de resistências. Mesmo enfrentando tanta atrocidade, homens, mulheres e crianças
continuaram suas caminhadas por um mundo mais democrático, mais humano, e,
principalmente, pelo direito à terra para quem nela trabalha e dela vive.
Ao longo da análise das fontes, observamos outras missivas com o mesmo teor de
revolta e indignação diante dos conflitos ocorridos no campo. O trabalhador João Dutra foi
morto a tiros e facadas por Cenivaldo, fazendeiro da região, como denuncia a missiva:

Aqui em nossa Comunidade um fazendeiro (Cenivaldo) matou a tiros e


facadas um trabalhador (João Dutra). Esse fazendeiro foi um grande
perseguidor dos pequenos e até agora nada aconteceu com ele. Hoje é um
dos grandes fazendeiros porque tomou parte das terras dos pequenos
trabalhadores. Nossa comunidade reza para que a justiça divina reine sobre a
terra186.

A esperança por justiça está pautada no âmbito do sagrado. Espera-se em Deus que
os perseguidores dos trabalhadores sejam punidos. Em contrapartida, a narrativa demonstra
que esse grupo deixou de acreditar nas autoridades civis.
A próxima carta remete à necessidade da concretização da Reforma Agrária,
aproveitam, ainda, para tecer intensas críticas aos fazendeiros que não utilizam 100% de suas
terras, o que contribui direta ou indiretamente para a migração desses sujeitos. Vejamos:

185
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 33, outubro-novembro, 1988, p. 8 [grifos no original].
186
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 31, junho-julho, 1989, p. 10.
173
[...] Aqui em nossa comunidade precisa mesmo é de uma reforma agrária
porque toda terra boa de grande produtividade está fechada pelos que dizem
ser fazendeiros e que na verdade são mesmo é preguiçosos e covardes,
vivem apenas com 10% da renda dessas terras sendo que elas teriam
possibilidades de render 100% e evitar a saída de muitos pais de família187.

Sobre esse assunto, a pesquisadora Ilse Scherer-Warren (2015, p. 73-74) elenca outra
característica dos movimentos sociais no campo, sejam eles via sindicato ou por meio de
outras organizações: enfrentar os contramovimentos, como a União Democrática Ruralista
(UDR), criada em Goiás em 1985, que representa os interesses dos latifundiários. Para
autora, a UDR atua nas seguintes instâncias:

Poder de influência direta na política governamental, pressionando contra a


execução da Reforma Agrária, como na Constituinte, na qual obteve vitórias
para a manutenção do latifúndio. Formação de grupos paramilitares para
expulsar acampados e posseiros, contando para tanto, em alguns Estados,
com o apoio do aparato estatal, através da polícia e da lei de segurança
nacional. Trabalha junto ao pequeno proprietário com o objetivo de chamá-
lo para suas fileiras através da construção de uma identidade ideológica de
‘ruralista’, salvando da propriedade privada, e defesa de um projeto de
‘modernização conservadora’ (SCHERER-WARREN, 2015, p. 74).

Aproveitando as considerações feitas pela pesquisadora, elencamos o Movimento Sem


Terra como espaço de lutas mencionado pelos/as migrantes em suas missivas. A luta pela/na
terra perpassa tanto as demandas materiais, como as simbólicas e as políticas.
Em sua carta ao Boletim Vai Vem, a Comunidade de Cajueiro (Bahia) revela, já de
início, a crença na utopia da construção de uma nova sociedade:

[...] Temos que lutar juntos por um mundo mais justo para que a terra de
Deus seja terra de irmãos, para que não falte o pão na mesa dos pobres.
Lutamos pela Reforma Agrária, pelo direito do homem e da mulher
abandonado. São tantas bonitas promessas! Mas não realizadas. Mas não
podemos acomodar-nos, cada um tem um direito e deve ser respeitado.
Sabemos que comunidades unidas dificilmente serão vencidas188.

Sobre esse aspecto, a autora Ilse Scherer-Warren (2015, p. 72) fala sobre o que há de
essencialmente novo nos Movimentos Sociais no Campo. Nas palavras dela:

Isto se expressa através da utopia de construção de uma nova sociedade:


mais justa do ponto de vista social, na qual o direito à terra para quem nela
trabalha e vive, entre outros (cidadania social), seja respeitado; mais

187
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 27, outubro- novembro, 1987, p. 10.
188
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 32, agosto-setembro, 1988, p. 6.
174
participativa e democrática, na qual os trabalhadores tenham suas
organizações e formas de representação reconhecidas e consideradas
(cidadania política); e na qual respeite a diversidade cultural (modo de vida
camponês) ou de gênero (mulher camponesa).

Por meio de uma cidadania integral, os sujeitos constroem utopias e sonhos de


projetos de transformações que abarcam não somente as demandas do cotidiano, mas também,
principalmente, as estruturas da sociedade. A reivindicação não é pela terra em si, mas pelos
sentidos que ela representa para os/as migrantes. Na missiva escrita pela Comunidade de
Cajueiro (Bahia), encontramos, na mesma frase, alusões à Reforma Agrária, pelos direitos do
homem e pelos direitos das mulheres abandonadas. Isso porque entendem que a mudança
dar-se-á de maneira coletiva e comunitária, logo, suas bandeiras são plurais.
Além disso, as cartas coletivas destacam também a importância do Boletim Vai Vem
para suas organizações sociais:

As notícias e os temas nos abrem novas dimensões para analisar e orientar o


nosso trabalho cotidiano (CEBs, sindicatos, direitos humanos e movimentos
populares, de mulheres...) numa visão mais ampla que nos permite ir
descobrindo os mecanismos geradores de tantas mortes no meio do povo
com todo esse ‘vai vem’. Aqui em Blumenau e região percebe-se claramente
o aumento assustador dos bolsões de pobreza, gente da roça para a cidade189.

Estabeleceu-se uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que as histórias


expressas nas missivas eram importantes para a equipe do periódico, este era utilizado como
material de estudo pelos leitores envolvidos como trabalho de base no chão das CEBs, das
SABs, das Pastorais Sociais, dos Sindicatos e do Movimento Sem Terra.

4.2.1 Tomareis a posse da terra e nela habitareis190: A luta pela terra entre a luta
pela moradia

Para a pesquisadora Maria da Glória Marcondes Gohn (1991, p. 14), uma das
tendências dos movimentos populares da década de 1970 era sua articulação com alguns
setores da sociedade civil, como a ala progressista da Igreja Católica. Assim,

189
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 11, n. 53, outubro-novembro-dezembro, 1992, p. 11.
190
Os/as migrantes se apropriaram deste versículo: “Tomareis posse da terra e habitá-la-eis, porque eu vo-la
dou” (NM. 33:53, Almeida Revista e Atualizada), para fundamentar suas reivindicações. Essas alusões bíblicas
são perceptíveis tanto em suas narrativas epistolares e como no Boletim Vai Vem.
175
os movimentos populares criados a partir de ações da sociedade civil
utilizaram o conteúdo político do termo comunidade para conferir sentido a
uma nova cultura política que se esboçava, fundada no aprendizado de uma
nova cidadania, em que a reivindicação em torno da noção dos direitos
ocupava um lugar central (GOHN, 1991, p. 14).

Essa tendência contribui para compreendermos as mobilizações sociais


protagonizadas pelos/as migrantes. Tanto os movimentos populares rurais como os
movimentos populares urbanos foram profundamente vinculados à Igreja Católica.
Sendo assim, torna-se interessante percebermos, por meio das narrativas epistolares,
como a questão da moradia e da terra sobressai entre as demais reivindicações. Talvez seja
em decorrência do que afirma a pesquisadora Simone Weil (1979, p. 347): “O enraizamento é
talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mas
mais difíceis de definir. [...] Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes”.
De uma forma sistematizada, podemos dizer que, além dessas pautas, registram-se
também a busca pelo transporte coletivo, pela saúde, por creches, por escolas públicas de
qualidade, pelo trabalho, pela rede de esgotos, por asfalto, por energia elétrica, por água
encanada, por saneamento básico, por segurança pública, por cidadania, por dignidade
humana, e, por outro lado, pela Reforma Agrária e por subsídios para permanecer no campo.
A carta assina pelo Clube de Mães do Jardim Elba (São Paulo/SP) evidencia esta
característica de luta pela terra entre a luta pela moradia. A migração do campo para a cidade
é impulsionada, em uma primeira instância, pela falta de subsídios materiais para permanecer
no campo e, em segundo plano, destacam-se as condições climáticas do lugar. A narrativa
relaciona o crescimento das favelas com o movimento das migrações para as cidades. Logo, o
desemprego e a falta de moradia tornam-se pautas necessárias à sobrevivência.

Por que será da migração do povo, das favelas, dos sofredores de rua, dos
amontoados e da fila de desemprego? Isso tudo é um jogo do governo e dos
patrões e nós povo temos que lutar contra essas jogadas. Fomos obrigados a
sair da terra por falta de condições e quem tem um pequeno sítio é
maltratado pela seca. Caminhamos para a cidade em busca de vida melhor,
mas aqui encontramos uma floresta de pedras e somos jogados nas favelas,
cortiços, em baixo de viadutos. Para eles é vantajosa essa migração toda (Vai
Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 32, agosto-setembro, 1988, p. 6).

A cidade é vista como “floresta de pedras”, metáfora que pode ser entendida em
função das péssimas condições com as quais os/as migrantes se deparam no local de destino.
O sistema capitalista, em que patrões e governantes estão do mesmo lado – ou, dito de outra

176
forma, estão ambos no lado oposto a homens e mulheres migrantes –, é visto como motivador
de suas migrações.
Para o pesquisador Eder Sader (1988, p. 207), os Clubes de Mães são organizações
que traduzem uma alternativa a uma rotina opressiva vivenciada pelas mulheres no espaço
privado; são a possibilidade de extensão do mundo feminino constituído e pensado
coletivamente pelas próprias mulheres. Para o autor:

a consciência de seus direitos consiste exatamente em encarar as privações


da vida privada como injustiças no lugar de repetições naturais do cotidiano.
E justamente a ‘revolução’ de expectativas produzidas por essas mulheres
esteve a busca de uma valorização da sua dignidade, não mais no estrito
cumprimento de seus papéis tradicionais, mas sim na participação coletiva
numa luta contra o que consideraram as injustiças de que eram vítimas. E, ao
valorizarem a sua participação na luta por seus direitos, constituíram um
movimento social contraposto ao clientelismo característico das relações
tradicionais entre os agentes políticos e as camadas subalternas (SADER,
1988, p. 222).

Feitas essas elucidações, retomamos à missiva assinada pelo Clube de Mães do


Jardim Elba, que descreve as mazelas sofridas pelos/as migrantes e mostra como a
mobilização social é vista como um importante instrumento para transformação dessa
realidade.

Quando mais gente chegando na capital, maior a fila de desempregados e o


melhor para os patrões é que nós só sabemos trabalhar na terra. Temos
esperança de um dia voltar e trabalhar na nossa terrinha, cultivar nossa
cultura e nossa cultura e nossos costumes. Para mudar esse jogo só com a
união do povo sofredor. É importante participar nos grupos de rua, de
jovens, de mães, da comunidade e buscarmos solução para essa situação
insuportável191.

O sentido da terra para essas migrantes está para além do espaço físico. Os saberes
do trabalho, das culturas e dos costumes estão entrelaçados com a permanência e vivência no
campo. Nesse sentido, a terra ganha a conotação de liberdade – terra da partilha –, que se
confunde com as próprias vidas de nossos remetentes.
O Grupo Força Jovem de Fagundes (Pernambuco), em sua missiva ao Boletim Vai
Vem também fala sobre a importância da terra. Notam-se ações politizadas pela retomada da
terra, que por sua vez é entendida pela dimensão do sagrado.

191
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 32, agosto-setembro, 1988, p. 6.
177
Realizamos os três encontros da semana do migrante, foi bom, todos
participaram, refletimos sobre a nossa vida, pois a maioria do povo é
migrante, é triste, mas é a realidade. O material da Semana do Migrante nos
convida a despertar e lutar por uma terra de leite e mel aqui, não precisa ir
tão longe, só que é roubada pelos latifundiários, temos que lutar para tê-la de
volta para não ser mais preciso sair daqui, em busca de melhores dias192.

O trecho “despertar e lutar por uma terra de leite e mel” está em consonância com o
caráter de fertilidade, de prosperidade e de abundância da terra. Subentende-se, a priori, que
todos e todas são donos/as da terra, e não somente os latifundiários. Neste sentido, pautados
no discurso sagrado, entendem-se que ela precisa ser resgatada e redistribuída.
Cabe chamar atenção para o termo “luta”, mencionado com frequência pelos/as
narradores/as. Concordamos aqui com o pesquisador John Cunha Comerford (1999, p. 19),
quando ele diz que a palavra luta se insere nos contextos de denúncias e de reflexão sobre a
condição social dos sujeitos. Sendo assim, a luta expressa as múltiplas experiências de nossos
narradores. Dos enfrentamentos concretos à esperança pelo novo devir.
A próxima carta a ser analisada foi assinada pelo Grupo de Sem Terra da Zona Leste
da cidade de São Paulo (SP). Nela, o grupo descreve as dificuldades dos/as migrantes, que
começam com o sofrimento em deixar a terra: “Aos migrantes, como eu, que sofrem ao deixar
a terra porque não tinham mais condições de viver, trabalhando em terras dos patrões que não
davam valor ao nosso trabalho. Fomos para a terra do café, mas foi desilusão, porque tudo
continuava como antes”193. Percebemos aí como o sair e o ficar estão marcados pela falta de
condições de trabalho no campo.
Na cidade, ou como a narrativa epistolar realça, na cidade grande, a realidade não foi
diferente dos dilemas vividos no campo. A diferença agora é que os/as migrantes se enxergam
como sem-terra e sem-teto. Vejamos:

Casei e o meu esposo disse: vamos para a cidade grande tentar a vida?
Chegando em São Paulo foi trabalhar ganhando o salário mínimo. O que
fazer com tão pouco dinheiro? Para amenizar a vida, tive que trabalhar
também e abandonei os filhos em casa. Estou com 35 anos e sei que vou
continuar sofrendo os mesmos problemas, sem terra, sem casa, porque cada
dia que passa as coisas ficam mais difíceis. E se agente não se der as mãos,
não conseguiremos nada nesse mundo194.

192
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 11, n. 53, outubro-novembro-dezembro, 1992, p. 11.
193
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 43, julho-agosto, 1990, p. 10.
194
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 9, n. 43, julho-agosto, 1990, p. 10.
178
Mesmo sendo uma carta assinada pelo Grupo de Sem Terra, percebemos alguns
indícios de trajetórias individuais, ao citar, por exemplo, o casamento. Está aí outra
característica das cartas coletivas: ao mesmo tempo em que foram assinadas por grupos,
apontam experiências de cunho individual dos sujeitos.
Observamos que ambos, marido e mulher, precisaram trabalhar para sustentar
financeiramente a família. Para a mulher, mãe e migrante, a necessidade de trabalho abarca o
abandono dos filhos, uma vez que ela deixa de estar com eles no dia a dia. Interessante a
conotação que a remetente atribui ao salário mínimo: não é possível subsidiar as necessidades
básicas do núcleo familiar só com ele. Mesmo assim, a missiva é finalizada com a esperança
pautada na união entre homens e mulheres migrantes, que vivem os mesmos dilemas ao
migrarem do campo a cidade, ou vice-versa. Neste sentido, reforçamos as palavras do
pesquisador João Carlos de Souza (1995, p. 18):

o cotidiano dos participantes dos movimentos de ocupação de terras não é


uma questão menor, como poder-se-ia supor, reflete as contradições da
metrópole do capital, nas suas mais diversas formas, como também revela
alguns dos espaços de resistência criados pelas camadas marginalizadas da
população urbana.

Outra missiva incluída no debate – assinada pelo Grupo de Rua Serra do Capivaruçu
(Jardim Elba, São Paulo/SP), formado pelo Apostolado da Oração – já se inicia com a
reivindicação pela terra e por subsídios para nela permanecer:

Nosso grupo de rua diz que governo precisa dar terra, maquinaria, condições
de moradia, escola para crianças e adultos, e nada de financiar o plantio, ele
tem é que dar a semente e tudo mais no preparo da terra, e alimentação e
remédios, ao menos por um ano, sem nada cobrar do lavrador, o certo seria
ele pagar este trabalhador que vai lutar com a terra, serviço duro, difícil
mesmo, só quem já trabalhou é que pode dizer195.

Percebemos, nesse trecho da carta, inúmeras reivindicações. Mesmo morando na


cidade, suas demandas remetem às vivências no campo. O sentimento de desenraizamento é
perceptível no decorrer da narrativa. Para pesquisadora Simone Weil (1979, p. 347):

É preciso parar com o desenraizamento terrível produzido sempre pelos


métodos coloniais dos europeus, mesmo em suas formas menos cruéis. É
preciso abster-se, depois da vitória, de castigar o inimigo vencido
desenraizando-o ainda mais; é claro que não é possível nem desejável

195
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 32, agosto-setembro, 1988, p. 6.
179
exterminá-lo, agravar sua loucura seria ser mais louco do que ele. É preciso
também encarar, antes de mais nada, em toda inovação política, jurídica ou
técnica suscetível de repercussões sociais, uma conciliação que permita aos
seres humanos reencontrarem suas raízes.

Faz-se necessário banir o desenraizamento involuntário para permitir que os próprios


sujeitos reencontrem suas raízes. Concordamos com a autora, todavia ficam os seguintes
questionamentos: é possível reencontrar suas raízes, uma vez que para os/as migrantes sua
pátria é o mundo? Como se abster dos desenraizamentos involuntários se estamos inseridos
em um modelo de sistema capitalista, em que o desenvolvimento e o lucro estão acima da
dignidade humana?
Dito isso, a importância da valorização do trabalho do lavrador é outro ponto que
nos chama atenção. “Trabalhador que vai lutar com a terra”: nessa frase, a terra é instrumento
de conscientização dos/as migrantes.
Ao prosseguir com a escrita de sua carta, esse grupo menciona a necessidade de
continuar na mobilização social:

A maioria dos componentes deste grupo já foi lavrador e como não tivemos
apoio do governo, estamos aqui, lá não trouxemos nada, hoje cada um tem
sua casinha, mas conseguida com muito sacrifício. Precisamos ajudar esse
povo que quer trabalhar na lavoura, temos que achar um jeito de sensibilizar
mais nosso governo e políticos. Aqui nessa comunidade temos um grupo dos
sem-terra, sei que eles têm trabalhado muito, alguns componentes do grupo
já foram até presos mas continuam lutando firme, peço a Deus que dê
sempre força e coragem a eles (p. 6).

As demandas migratórias e as demandas dos lavradores e/ou camponeses tornaram-


se uma só. Sobre esse aspecto, deve-se fazer referência ao trabalho da pesquisadora Maria da
Glória Marcondes Gohn (1991, p. 80), que aborda os movimentos populares rurais da Zona
Leste de São Paulo (SP). Segundo a autora, o Movimento Sem Terra, também denominado de
Filhos da Terra, estava organizado em lutas unificadas e, por isso, não se restringiu ao espaço
rural e/ou ao espaço urbano. “Dado que as lutas são unificadas e não estruturadas em
movimentos específicos, existindo várias frentes de lutas [...]” (GOHN, 1991, p. 79). Do
mesmo modo, o livro intitulado Na luta por habitação: a construção de novos valores, fruto
das inquetações de mestrado do pesquisador João Carlos de Souza, ou, mais especificamente
com a citação a seguir:

a questão da moradia, e mesmo da casa própria, no contexto de valor


cultural, é pensá-la como espaço de constituição da família, de uma
180
identidade e de possibilidades de realização de projetos, como o do trabalho
autônomo, que tem por sustentação valores como o da liberdade, da
independência, o de não estar submetido a disciplinarização do trabalho
(SOUZA, 1995, p.152).

A luz destas reflexões pode-se interpretar a luta pela terra entre a luta pela moradia,
elencada nas missivas pelos/as nas migrantes, como faces do mesmo movimento vivenciado
no fazer-se da travessia, onde o ficar, o sair, o chegar, o partir suscita diversas demandas na
vida cotidiana dos sujeitos. Mais que bem material – a terra e a casa – são espaços
embrenhados de histórias e de possibilidade de concretização de suas pautas reivindicatórias.

181
CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Ela está sempre fazendo-se e construindo-se. Jamais atinge um estado definitivo.


Uma produção científica acabada é um absurdo epistemológico”.
(JAPIASSU, 1976, p. 26)

Em consonância com a afirmativa do pesquisador Hilton Japiassu – expressa na


epígrafe –, reiteramos que não há pesquisa que se esgote. O fazer-se da construção histórica
está sempre em movimento. De fato, nunca atingirá seu fim, uma vez que as abordagens, as
problemáticas, as interpretações e as possibilidades de fontes são inúmeras.
Todavia, tendo em vista as inquietações do presente trabalho podemos salientar
alguns apontamentos acerca do estudado, bem como outros questionamentos que nos foram
colocados no decorrer da pesquisa, como: Quais os distanciamentos e as aproximações entre
as representações dos mundos migratórios expressos no Boletim Vai Vem e as vividas pelos/as
migrantes?
Tendo em vista que as cartas eram consideradas pela equipe editorial o coração do
Boletim Vai Vem que motivos levaram à extinção das colunas designadas aos leitores, para
além de motivos pautados nas inovações tecnológicas? As cartas eram realmente o coração
do periódico? Podemos dizer que os sentidos das migrações, bem como da saudade –
experimentados por homens e mulheres – mudaram e, mudam, conforme o tempo-espaço?
Como já mencionado, foi a prática inicial do trabalho de descrição, análise e
catalogação dos documentos do Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor (IAJES) que nos
permitiu vislumbrar o Boletim Vai Vem (1981-2010) como uma possibilidade de pesquisa
histórica. Tomando como objeto de estudo as experiências migratórias expressas nas missivas
publicadas no boletim (um total de 163) e como recorte temporal os anos de suas publicações
(1981-1997) – e não o período de atuação do periódico (1981-2010) – foi possível
compreender os mundos das migrações, pela ótica de sua complexidade e de seu dinamismo,
de quem viveu o vai e vem das migrações.
Conforme os relatos orais, o Boletim Vai Vem – por meio do Centro de Estudos
Migratórios (CEM) e, posteriormente, do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) – foi criado e
gestado com o intuito de dar visibilidade pública às migrações, sobretudo às demandas
migratórias. Dessa forma, construiu-se um ethos midiatizado pelo carisma escalabriniano
através do qual desenvolveram-se estratégias cotidianas em torno de uma agenda para as
migrações em cenários locais, nacionais e internacionais.

182
Sob a influência dos ideais propostos pela Teologia da Libertação, com a
consolidação da Conferência em Medellín (1968) e da Conferência Episcopal em Puebla
(1979), o periódico buscou o comprometimento com o processo de libertação das classes
subalternas. Liberta-ação esta que abarcava a transformação da vida cotidiana dos sujeitos até
as conjunturas socioeconômicas em que estavam inseridos. Compreendendo, assim, os
homens e as mulheres como protagonistas de suas histórias, sujeitos em potencial a modificar
o meio em que vivem mediante a conscientização coletiva de seus direitos e do engajamento
político e social.
O Boletim Vai Vem se constitui em modos próprios de navegação social (DA
MATTA, 1993, p. 12), na tentativa de elaboração de uma teologia das migrações, ou seja, o
compreender dos dilemas e dos horizontes que perpassam o universo migracional pelo olhar
teológico. Por meio das cartas dos leitores, analisamos os discursos de compromisso com as
reivindicações dos/as migrantes ao disporem a travessia e, em contrapartida, a recepção e a
identificação com o Boletim.
O periódico foi criado em um período de intensa repressão política no Brasil e em
toda a América Latina. E, por outro lado, permeado por diversas manifestações e
organizações populares. Como já apontamos, podemos afirmar que o boletim pode ser
entendido como resistência social, política e eclesial frente às adversidades vivenciadas
pelos/as migrantes.
Nessa linha de reflexões, ao se posicionar a favor dos pobres migrantes, o Boletim
Vai Vem evidencia preocupações acercados elementos sociais, econômicos, políticos e
religiosos que constituem a sociedade. Sem falar que a equipe de redação contribuiu para a
transformação das mídias em espaços simbólicos, permeados de conflitos, tensões, disputas e
contradições ao abordar temas como fome, violência, exclusão, papel da Igreja frente aos
problemas migratórios, trabalho escravo, questão agrária, conquista da terra, falta de moradia,
xenofobia, políticas migratórias, mobilizações sociais e políticas, místicas dos/as migrantes e
pluralidade religiosa.
O conjunto documental privilegiado na pesquisa – as cartas, os relatos orais e os
documentos escritos sobre a Missão Paz, mais especificamente sobre o CEM e o SPM –
possibilitou a análise dos sentidos atribuídos às experiências migratórias dos narradores.
Conforme a metodologia aplicada no estudo, as cartas foram divididas em um primeiro
momento em: cartas de cunho individual e cartas de cunho coletivo; e, em um segundo
momento, em: cartas de caráter privado (não tinha intencionalidade de publicação) e cartas
183
de caráter público (tinha intencionalidade de publicação). Essa divisão metodológica permitiu
discutir as migrações internas, as e/imigrações, as migrações de retorno, bem como os
espaços de lutas onde os/as migrantes ecoaram suas reivindicações.
As histórias de migrações narradas nas cartas revelaram que as migrações internas
no Brasil devem ser pensadas pelas continuidades entre velhos fluxos migratórios e novos
fluxos migratórios. Além disso, deve-se levar em cona que as localidades assinaladas em suas
narrativas estão para além dos espaços físicos. Estas são entendidas pelo âmbito do vivido,
pelas experiências re-construídas no decorrer de suas travessias. Do mesmo modo, as
migrações não se limitam entre local de origem e local de destino, entre dualidades – o lá e o
cá; elas são constantes e fluídas na vida dos sujeitos. Por isso, concordamos com o
entendimento de transitividade migratória (GOETTERT, 2009, p. 54) para interpretar os
conteúdos das narrativas epistolares.
Os dilemas e os desafios do sair, do chegar, do retornar dos/as migrantes em cenário
de e/imigrações ganham outras dimensões. A dupla condição de emigrante e de imigrante
desencadeia dois – ou mais – mundos implicados no mesmo sujeito. As cartas apresentam as
dinâmicas desses deslocamentos, mas também do trabalho pastoral. Podemos afirmar que as
trajetórias dos/as migrantes estão marcadas pelo vai e vem das migrações contemporâneas, na
qual o retornar constitui-se em drama familiar, no âmbito espacial e simbólico (dos sonhos,
dos desejos, das lutas, das esperanças), transfigurados com a necessidade, sobretudo
socioeconômica, de permanecer no local de destino.
Assim, dadas as condições econômicas, culturais, sociais, contextuais e institucionais
entre países e regiões de origem e de destino, o projeto migratório é reelaborado
individualmente pelos/as migrantes ou em auxílio do núcleo familiar. Compreende-se que o
retorno não é o fim do projeto migratório, mas um eterno continnum nas vidas dos sujeitos,
elemento constitutivo dos mundos das migrações.
Não é diferente do exposto nas missivas escritas pelas mulheres migrantes, as quais
evidenciam os espaços privados e as condições socioeconômicas excludentes em que estão,
historicamente, inseridas. São vários os elementos, as causas e os motivos que as fizeram
migrar, permanecer e retornar. A cada relato, percebemos as especificidades que contribuem
para dinamizar os mundos das migrações.
No que tange às cartas coletivas, buscou-se desvelar os espaços concretos– das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), das Sociedade de Amigo de Bairro (SABs), das

184
pastorais sociais, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do Movimento Sem Terra – tendo
em vista as reivindicações e as demandas migratórias do fazer-se do/a migrante em luta.
Enfim, as missivas publicadas no periódico elucidaram as experiências migratórias
dos/as migrantes. Representam o fazer-se migrante em meio à incompletude da travessia: nas
decisões de deslocar-se; nos enfrentamentos diários; nas lutas travadas no cotidiano; no
transpassar das fronteiras; nas vivências entre espaços – entre lugares; nas saudades do que e
de quem ficou; nas esperanças; nos sofrimentos; nos desejos; nas distâncias físicas,
geográficas, simbólicas, afetivas, sociais, culturais e linguísticas; nos lugares simbólicos e
geográficos; nos espaços nostálgicos, vivos, sociais, concretos, emocionais, apaixonadamente
distintos; nos tempos vividos, recordados, reinventados, imaginados; nas presenças do novo
devir; nas presenças nas ausências e nas ausências nas presenças.
O experienciar no e pelo movimento dos/as migrantes que os/as faz migrantes, que
constitui sujeitos que ficam, sujeitos que retornam, sujeitos que remigram – o vai e vem. O
experienciar nas situações de mudanças, pois, “como os profetas, eles falam antes: anunciam
o que está tomando forma mesmo antes de sua direção e conteúdo tornarem-se claros”
(GHON, 1996, p. 1).
Mas, profetas? Homens e mulheres migrantes seriam capazes de ir além de
transformar o meio que vivem? Não seria querer demais? Pois não seriam eles sujeitos como
qualquer um que se deslocam de um espaço para outro e fim? O que poderíamos entender
como ser profeta? Uma luz que se irradia a todos que ousam olhá-la. É preciso querer
enxergar. O olhar sem fitas, no intuito de apreender algo novo. O outro. Do outro do meu
próprio eu. Não, não. Por que luz e não escuridão? A própria palavra luz nos remete ao que é
intangível e ao sobrenatural. Mas e a escuridão? Também não o é?
Cada um desses sujeitos, com suas marcas – cicatrizes da vida – dos registros do
movimento que é viver, desafiaram as regras, as ciências, as teorias, as hipóteses. A profecia
de si mesmo. Assim como profetas, que anunciam as boas e/ou as más novas, eles/as
desvelaram nos espaços e o espaço. Do espaço das CEBs, das SABs, das Pastorais Sociais, do
Sindicato, do Movimento Sem Terra. Do espaço da própria carta, por meio das experiências
compartilhadas, reinventadas, sentidas, vividas, sonhadas constituíram o fazer-se migrante em
luta. O público que fez no cotidiano do privado. Narrativas epistolares cheias de
representações do cotidiano. O simples cotidiano. Alguns vão chamar de história menor ou,
ainda, dizer que não é (H)istória. Todavia, reafirmamos que sim. Sim! Estórias, História e
histórias vivas de sujeitos que idealizaram e sonharam com dias melhores.
185
Analisar as migrações em nosso estudo foi, fundamentalmente, apreender as diversas
formas como os sujeitos se organizaram – entre o fazer de suas travessias – e ressignificaram
suas ações de acordo com seus interesses em comum. O micro relacionado aos problemas
conjunturais e não deslocado deles – da utopia da revolução! Esses são elementos em
potencial que se mostraram no chão do cotidiano como anúncios de pedaços de revolução.
Porque, de fato, “a verdade ilumina a alma na proporção de sua pureza e não de alguma
espécie de quantidade. Não é a quantidade do metal que importa, mas o ter da liga” (WEIL,
1979, p. 364).

186
FONTES

Fontes orais
Ano Tipo Entrevistado/a Páginas Duração da Localização do
transcritas entrevista material

Entrevista Oral - Dirceu Cutti 22 1:46:26 s. Acervo da


realizada pela Gravada autora
pesquisadora
em
10/09/2013
Entrevista Oral – Roberval Freire e 21 1:22:43 s. Acervo da
realizada pela Gravada Ari Alberti autora
pesquisadora
em
22/01/2013
Entrevista Oral – Neide Benvindo 11 38:49 min. Acervo da
realizada pela Gravada autora
pesquisadora
em
23/01/2013

Fontes escritas
Ano Título Quantidade de Localização do documento
páginas
1955 PIO XII, Exsul Família. 30 Acervo Centro de Estudos
Constituições Apostólicas Migratório (CEM/São Paulo)
sobre os cuidados espirituais
aos emigrantes. São Paulo.
1980 Relatório CNBB (Encontro 3 Acervo do Núcleo de
Campanha da Fraternidade) Documentação Histórica
Honório de Souza Carneiro
(NDH – UFMS/CPTL)
1981 Estatuto interno do Centro de 4 Acervo Centro de Estudos
Estudos Migratórios Migratório – CEM/São Paulo
1981 1º Cartaz da Semana dos 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrantes Migrantes (SPM/São Paulo)
1987 Ofício sobre as mudanças no 1 Acervo do Núcleo de
Boletim Vai Vem Documentação Histórica
Honório de Souza
Carneiro(NDH –
UFMS/CPTL)

187
1991 Artigo - Centro de Estudos 9 Acervo Centro de Estudos
Migratórios de São Paulo Migratório (CEM/São Paulo)
(História, desafios e
perspectivas)
1991 Ficha de pesquisa de avaliação 2 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrantes (SPM/São Paulo)
1991 Ficha de pesquisa de avaliação 2 Acervo do Serviço Pastoral dos
(Cleide) Migrantes (SPM/São Paulo)
1991 Avaliação sobre os 10 anos de 2 Acervo do Serviço Pastoral dos
Vai Vem Migrantes (SPM/São Paulo)
1991 GONÇALVES, A. J. Centro 9 Acervo Centro de Estudos
de Estudos Migratórios de São Migratório (CEM/São Paulo)
Paulo: História, desafios e
Perspectivas. CEM - São
Paulo.
(fonte secundária)
1994 Cupom de assinaturas 2 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrantes (SPM/São Paulo)
2005 SILVA, Maria Aparecida de 2 Acervo do Serviço Pastoral dos
Moraes. Minha caminhada Migrantes (SPM/São Paulo)
com a Pastoral dos Migrantes.
In: BASSEGIO. L (Org.)
Serviço Pastoral dos
Migrantes: Vinte anos a
caminho. SPM – São Paulo.
(fonte secundária)
2005 MARTINS, José de Souza. 2 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações e migrações. In: Migrantes (SPM/São Paulo)
BASSEGIO. L (Org.) Serviço
Pastoral dos Migrantes: Vinte
anos a caminho. SPM – São
Paulo.
(fonte secundária)
2005 BASSEGIO. L (Org.). Serviço 88 Acervo do Serviço Pastoral dos
Pastoral dos Migrantes: Vinte Migrantes (SPM/São Paulo)
anos a caminho. SPM – São
Paulo.
(fonte secundária)
2010 Panfleto Serviço Pastoral dos 4 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrantes Migrantes (SPM/São Paulo)
2014 Panfleto da Missão 6 Acervo Centro de Estudos
escalabriniana Nossa Senhora Migratório (CEM/São Paulo)
da Paz
Boletim das Migrações Vai Vem
1981 Vai Vem, Boletim das 18 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano1, n. 1, junho Migrantes (SPM/São Paulo)

188
1985 Vai Vem, Boletim das 18 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano, n. 16, Migrantes (SPM/São Paulo)
dezembro-janeiro
2010 Vai Vem, Boletim das 12 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 26, n. 115, Migrantes (SPM/São Paulo)
junho-julho
Capas - Boletim das Migrações Vai Vem
1981 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 1, n. 1, junho Migrantes (SPM/São Paulo)

1984 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos


Migrações. Ano 3, n. 12, Migrantes (SPM/São Paulo)
março
1987 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 6, n. 25, Migrantes (SPM/São Paulo)
junho-julho
2000 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 19, n. 79, Migrantes (SPM/São Paulo)
janeiro-fevereiro-março
2010 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 26, n. 115, Migrantes (SPM/São Paulo)
janeiro-junho
Contracapa - Boletim das Migrações Vai Vem
1981 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 1, n. 1, junho, Migrantes (SPM/São Paulo)
p.18
1984 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 3, n. 12, Migrantes (SPM/São Paulo)
março, p. 26
2000 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 19, n. 79, Migrantes (SPM/São Paulo)
janeiro-fevereiro-março, p. 12
2010 Vai Vem, Boletim das 1 Acervo do Serviço Pastoral dos
Migrações. Ano 26, n. 115, Migrantes (SPM/São Paulo)
janeiro-junho, p.12

Localização das cartas publicadas (Acervo do CEM/SP):

Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 1, n. 3, dezembro, 1981, p. 06-07.


Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 1, n. 4, março, 1982, p. 12.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 2, n. 5, junho, 1982, p. 16.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 2, n. 6, setembro, 1982, p. 14.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 2, n. 8, março, 1983, p. 12.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 3, n. 10, setembro, 1983, p. 09.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 3, n. 11, dezembro, 1983, p. 11.
189
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 4, n. 14, setembro, 1984, p. 08-09.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 4, n. 16, março, 1985, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 5, n. 18, setembro, 1985, p. 19.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 5, n. 19, dezembro, 1985, p. 04.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 21, abril-maio-junho, 1986, p. 16.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 22, julho-agosto-setembro, 1986, p. 14.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 22, Julho-agosto-setembro, 1986, p. 19.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 23, outubro-novembro-dezembro, 1986, p. 03.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 23, outubro-novembro-dezembro, 1986, p.14.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 24, janeiro-fevereiro-março,1987, p. 3.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 25, junho-julho,1987, p. 11.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 26, agosto-setembro, 1987, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 27, outubro-novembro, 1987, p. 09.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 27, outubro-novembro, 1987, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 28, dezembro, 1988, p. 09.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 29, fevereiro-março, 1988, p.10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 6, n. 30, abril-maio,1988, p. 10
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 31, junho-julho, 1988, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 31, junho-julho, 1988, p. 19.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 32, agosto-setembro, 1988, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 33, outubro-novembro, 1988, p. 08.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 34, janeiro-fevereiro, 1989 e p.8.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 34, janeiro-fevereiro, 1989, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 35, março-abril, 1989, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 36, maio-junho, 1989, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 37, julho-agosto, 1989, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 38, setembro-outubro, 1989, p. 10.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 7, n. 38, agosto-setembro, 1988, p. 9.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 38, novembro-dezembro, 1989, p. 08.
Vai Vem, Boletim das Migrações. Ano 8, n. 38, setembro-outubro, 1989, p. 10.
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Developed Countries. The American Economic Review, v. 59, n. 1, 1969. Disponível em:
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TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: A questão do outro. São Paulo, Martins


Fontes, 3ª Ed., 1991.

TORRE, Renée de La. El campo religioso, uma herramienta de duda radical para combatir La
creencia radical. Revista Universidad de Guadalayana, n. 27. 2002 (p. 45-50). Disponível em:
<http://www.cge.udg.mx/revistaudg/rug24/bourdieu5.html>. Acesso em 22 jul. 2015.

VIERA, Maria do Pilar de A. [et al.]. A pesquisa em História. (série Princípios)


São Paulo: Ática, 1991.

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VERMES, Geza. A religião de Jesus, o judeu. Tradução de Ana MazurSpira. Rio de Janeiro:
I.

WEIL, Simone. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Tradução de


Therezinha G. G. Langlada; seleção e apresentação de Ecléa Bosi. – Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1979.

201
ANEXOS

Anexo A: Cronologia

Ano Fato histórico

1912 Pio X, com o motuproprio Cum ommes catholicos, constitui junto à Congregação
Consistorial, a Secretária Especial para a Emigração;

1914 Fundação da Pontifícia Comissão para Assistência aos Prófugos;

1920 Em Glasgow, Escócia, inicia-se o Apostolado do Mar, reconhecido oficialmente por


Pio XI, Cf. Exsul Familia, 58;

1922 Fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB);

1929 Crise mundial;

1943 São Francisco de Paulo declara-se Padroeiro dos Marítimos;

1945 Junto à secretária do Estado do Vaticano, constitui-se a Secretária da Emigração


com duas sessões: Migrações Naturais e Migrações Prófugos;

1948 Guerra árabe-israelense;

1949 Cria-se a Missão Pontifícia para Palestina, como zelo da Igreja pelos os prófugos na
guerra estabelecida na palestina, em 1948.

1950 Fundação da Juventude Universitária Católica (JUC), no Brasil; Intercâmbio


Cultural Brasil-Bolívia; Santa Francisca Xavier Cabrini é declarada padroeira, e
mãe, dos emigrantes;

1951 Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados (CONARE);
Criação da Comissão Católica Internacional das Migrações, com sede em Genebra,
unindo e coordenando as associações e comitês católicos do mundo que atuam em
prol dos migrantes e prófugos;

1952 Fundação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Pio XII institui
a Obra Apostlatos Maris, em favor dos marítimos, junto a Congregação
Consistorial; Pio XII institui o Conselho Superior para a Emigração junto a
Consistorial; Pontífice publica a Constituição Apostólica Exsul Familia sobre a
assistência espiritual aos emigrantes;

1955 Primeira Conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano, realizado no Rio de

202
Janeiro, Brasil;

1958 Pio XII institui, junto à mesma Congregação, a Obra do Apostolado do ar, em prol
dos trabalhadores da aviação;

1959 Revolução Cubana;

1960 Fundação da Ação Popular (AP), no Brasil;

1961 Encíclia Materet Magistra;

1962-64 Concílio Vaticano II;

1963 Orientação geral que todas as Congregações deveriam ter um Centro de Estudos
Migratório e uma Pastoral Migratória;

1964 Golpe civil e militar no Brasil; Elaboração do Estatuto da Terra; Grande fluxo de
brasileiros para Guiana Francesa;

1965 Paulo VI funda a Obra Apostulatus Nomadum, junto à Congregação Consistorial;

1966 Turma de formandos no Seminário Maior João XXIII a ESMI-Equipe


Escalabriniana de Migrações, São Paulo – Brasil;

1867 Com o documento De Curia Romana, n. 59, Paulo VI confia a Pastoral do Turismo à
Congregação para Clero, para garantir assistência religiosa a todas as pessoas que
entram no âmbito do fenômeno turístico;

1968 Conferência Geral do Episcopado de Medellín, na Colômbia;

1969 A Congregação para Clero, a pedido de Paulo VI, publica o Diretório Geral para a
Pastoral do Turismo: Peregrinans in Terra. No mesmo documento institui, junto à
Congregação para os Bispos, o Secretariado para Emigração, o Apostolado do Mar,
do Ar, dos Nômades, com o compromisso de colaborar com o Dicastério para os
Leigos (n. 52); Paulo VI a carta apostólica Pastoris migratorum cura à Igreja;
Instrução da Congregação para os Bispos Nemo est de pastoral is migratorum cura;
Criação do Centro de Estudos Migratório, São Paulo - Brasil;

1970 Paulo VI, com a carta apostólica Apostolicae Caritatis, institui a dependência da
Congregação para os Bispos, a Pontifícia Comissão Pastoral da Emigração e do
Turismo, também entendida como atuação das diretrizes conciliares, sobre as
migrações, em particular, faz-se referência a Christus Dominus, 18. Nela confluem
as várias obras que se ocupam de zelo pastoral de cada categoria de pessoas em
mobilidade, anteriormente acolhidas no Secretariado instituído em 1967; Primeira
Semana de Estudos Migratórios;

203
1975 Fundação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Brasil;

1978 A Pontifícia Comissão para a Pastoral das Migrações e do Turismo publica a carta
circular às Conferências Episcopais: Igreja e Mobilidade Humana;

1979 Conferência Episcopal em Puebla, México; Revolução Sandinista;

1980 Primeira Campanha da Fraternidade, no Brasil, com o lema Pra onde vais; Estatuto
brasileiro do Estrangeiro – Lei 6.815; Acordo de cooperação Econômica, Científica
e Técnica entre República Federativa do Brasil e Republica Popular de Angola;
Fundação do Conselho Nacional de Imigração (CNIg);

1981 Criação do Estatuto Interno do Centro de Estudos Migratórios, São Paulo - Brasil;
Criação do Boletim das Migrações Vai Vem; lançamento do livro Igreja: Carisma e
poder de Leonardo Boff;

1982 Formação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), integrado pela Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Igreja Metodista do Brasil,
Igreja Cristã Reformada no Brasil e Igreja Episcopal do Brasil; Primeiro Seminário
Nacional das Migrações, em São Paulo – Brasil;

1984 Centro de Estudos Migratórios (CEM), de São Paulo (Brasil) lançam as bases para a
fundação do Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM; Silêncio obsequioso, sobre o
teólogo e escritor Leonardo Boff;

1985 Fundação oficial do Serviço Pastoral do Migrante (SPM), em São Paulo - Brasil;

1986 Suspensão do silêncio obsequioso, sobre o teólogo e escritor Leonardo Boff;

1987 Fundação da Congregação dos Missionários de São Carlos, em São Paulo - Brasil;

1988 Lei Áurea; João Paulo II publica a Constituição Apostólica Pastor Bonus, cujos os
números 149-151 anunciam a instituição atual Conselho Pontífice (autônomo) para a
Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, com sede no Palácio São Calisto, em
Trastevere – Roma; Criação da Revista do Migrante – TRAVESSIA;

1990 Transferência da sede do CEM das dependências Seminário João XXIII para a
Igreja da Paz, no Glicério; Cooperação Cultural e Científica entre Governo da
República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular de Angola;

1991 Tratado do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL);

1901 Visita de Scalabrini a Congregações nos Estados Unidos;

1904 Visita de Scalabrini no Brasil;

1997 Beatificação de Scalabrini pelo Papa João Paulo II;

204
2001 Primeiro Grito dos Excluídos;

2003 Novo projeto de Lei em substituição do Estatuto Brasileiro dos Estrangeiros;

2004 Restauração do cronograma da CNBB; Criação do Setor Mobilidade Humana;


Comando da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
(MINUSTAH); O Conselho Pontífice para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes
publica a Instrução Erga migrantes caritas Christi;

2009 Anistia aos estrangeiros que residia no Brasil via Decreto de nº 6. 893/2009; Livre
trânsito de pessoas de área do MERCOSUL via Decreto de nº 6. 964/2009;

2010 Primavera Árabe; Terremoto no Haiti;

2012 Resolução Normativa nº 97 que estipula a concessão de visto permanente aos


imigrantes haitianos, com prazo de cinco anos no Brasil;

Organização: OLIVEIRA, M. S. (15 de outubro de 2014).

205
Anexo B: Modelo de carta de cessão

CARTA DE CESSÃO

São Paulo, 23 de janeiro de 2014.

Eu, ______________________________________________________, portador do RG Nº

_________________, declaro para os devidos fins que cedo os direitos autorais de minha

entrevista gravada no _______________________ para o projeto de pesquisa intitulado

Boletim das Migrações Vai Vem: Narrativas sobre incompletudes da travessia (1981-1997),

desenvolvido pela mestranda em História na Universidade Federal da Grande Dourados

(UFGD), Marciana Santiago de Oliveira, portadora do RG Nº 001.543.104 SSP/MS, para usá-

las integralmente ou em partes, sem restrições de prazos ou citações, desde a presente data.

___________________________

Assinatura do Depoente

206
Anexo C: Modelo de roteiro utilizado nas entrevistas

Roteiro - Entrevista com os editores na elaboração do periódico Boletim das Migrações Vai Vem.

Nome: Idade:

Endereço: Escolaridade:

Profissão:

I MOMENTO: CEM/SPM

Como você chegou até Serviço da Pastoral do Migrante (SPM) e/ou Centro de Estudos migratório
(CEM)?

Você poderia contextualizar o surgimento do SPM?

Existem diferenças da Pastoral do Migrante daqui (SP), para as demais pastorais?

Quais regiões do Brasil existem Pastorais dos Migrantes?

Como se dá a relação no cotidiano entre os integrantes da Pastoral, voluntários, padres e os/as


migrantes?

Quais setores as Pastorais dos Migrantes estão organizados?

O que seria o método ver-julgar-agir utilizado pelos integrantes da Pastoral?

Como é o diálogo/mediação da Igreja com os/as migrantes (pensando nas múltiplas manifestações
culturais e religiosas que dos/das migrantes)?

Você consegue perceber diferenças nas ações da Pastoral, sobretudo do SPM, nos anos 80 para os dias
de hoje? Se sim, quais?

Qual categoria de migrantes que vocês trabalham?

O que é migrante para você?

Qual é o entendimento sobre migrações forçadas?

Como vocês entendem o papel social que desenvolvem com os migrantes (assistencialismo? Obra
cristã?)

Qual é o perfil (econômico/social/cultural) dos/as migrantes que vocês atendem?

Como você entende as mudanças (êxodo rural; e/imigração; migração de retorno [...]) nos mundos das
migrações da década de 1980 aos dias atuais?

Existem alguns cursos, que vocês fazem, para o aperfeiçoamento das ações com os/as migrantes? Se
sim, quais?
207
Qual a maior dificuldade do trabalho com os/as migrantes?

Qual foi a repercussão da visita do Padre Francisco, no Brasil?

Qual a representação/importância do Padre Alfredo às ações das Pastorais?

Qual a representação/importância do Padre João Batista Scalabrini às ações das Pastorais?

Como surge, o que seria e quais influências da Teologia da libertação no Boletim Vai Vem e no
trabalho que vocês desenvolvem?

O que seria padres/católicos progressistas?

II MOMENTO – BOLETIM DAS MIGRAÇÕES VAI VEM

Como era sua participação na elaboração do Boletim Vai Vem?

Quais as localidades de circulação do periódico?

Quais os objetivos na criação do Boletim Vai Vem? Eles foram alcançados?

Quem, de fato, fazia parte do conselho editorial do periódico?

Existia um critério de seleção das matérias que eram publicadas? Se sim, quais?

Como era organizado a seleção e a realização das matérias que eram publicadas no Boletim Vai Vem?

Como os migrantes enxergavam o periódico?

Como eram pensadas as matérias que estariam em destaque na capa?

O Boletim Vai Vem já passou por algum tipo de censura?

Quem escrevia o editorial? Era o Padre Alfredo, somente?

Como foi a transição de gerenciamento do Boletim Vai Vem do CEM para SPM?

Você poderia dizer sobre os motivos do término do Boletim Vai Vem.

Atualmente, com a publicação da Revista Travessia os objetivos do CEM/SPM estão sendo


alcançados, ou seja, de fazer um periódico com e para os/as migrantes, ou os objetivos são outros?

III MOMENTO – NARRATIVAS EPISTOLARES

Como vocês organizavam as cartas, que recebiam dos/as leitores/as?

Como as cartas chegavam até o CEM e SPM?

Qual a importância das cartas na composição do periódico?

Existia um critério de seleção das cartas que eram publicadas? Se sim, quais?

Existia um critério para responder as cartas que eram publicadas? Se sim, quais?

Quem era responsável pela coluna das cartas dos/as leitores/as?


208
Quais eram os objetivos de publicar cartas de migrantes na íntegra no Boletim Vai Vem?

As cartas não publicadas estão no acervo do CEM?

A coluna de cartas de migrantes no decorrer da publicação do periódico foi sendo transformada, até o
final de 1990, quando não teremos mais cartas no Boletim Vai Vem. Você poderia falar sobre isso?

Em uma palavra, o que foi o Boletim Vai Vem para você?

Você poderia narrar uma das histórias, que mais te marcou durante seu trabalho com o Boletim Vai
Vem?

209
Autorizo a reprodução deste trabalho.

Dourados, 07 de agosto de 2015.

__________________________________________

Marciana Santiago de Oliveira

210

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