Por Uma Lingustica Aplicada A Servio Da Educao Bsica
Por Uma Lingustica Aplicada A Servio Da Educao Bsica
Por Uma Lingustica Aplicada A Servio Da Educao Bsica
A construção dessa área da linguística deu-se com a busca por um método de ensino de
línguas estrangeiras. Agora, vamos estendê-la à educação como um todo.
Por Wandré de Lisbôa
Não se pode negar que sua construção como ciência começou realmente na área de ensino e
aprendizagem de línguas; era corrente a ideia de que as línguas serviam para a comunicação e
aproximavam ou distanciavam povos
Não se pode negar que sua construção como ciência começou realmente na área de ensino
e aprendizagem de línguas, como área de aplicação da ciência do século XX, a Linguística, detentora,
entre as ciências sociais, de um grande privilégio por conta de estudar cientificamente as línguas,
vistas como objetos de preocupação para todas as áreas; afinal, era corrente a ideia de que as línguas
serviam para a comunicação e que eram elas que aproximavam ou distanciavam povos,
conhecimentos, ideologias, políticas.
Ainda no passado, quando a LA foi considerada como o estudo científico do ensino de LE,
alçou seus aportes também para a área da tradução, para os estudos de tradução. Ambos os campos
- ensino/aprendizagem de línguas e tradução - foram os estudos precursores no campo de atuação
da Linguística Aplicada; ou melhor, no campo de atuação das aplicações da Linguística, pois foi assim
que tudo começou. Esse paradigma de compreensão da LA, como teoria de ensino de línguas e
voltada aos estudos de tradução, prolongou-se até o início dos anos 80, repercutindo em toda a
produção de material didático de ensino de línguas estrangeiras e de tradução da época. No Brasil,
não foi diferente. A acepção aplicadora voltou-se também para o ensino de LE. Por isso, não era difícil
encontrar cursos livres de ensino de inglês, os quais aplicavam esses conhecimentos ao ensino de
línguas estrangeiras, principalmente o inglês.
A INTERAÇÃO DA LINGUAGEM
A Linguística Aplicada (LA), como a própria locução nominativa descreve, tem como propósito
examinar e propor, discutindo teórica e empiricamente o uso real da linguagem vista no seio social
em diferentes contextos; e não, somente, nas agências de ensino. Essa já é uma nova visão da LA
que se caracteriza por privilegiar questões em que a língua assume o papel central nas demandas
sociais nas quais o homem está como interlocutor. Ora, todos sabem que não é só na escola em que
há interações humanas e que nem é só nas aulas de línguas que usamos a linguagem. Logo, são
muitos os contextos e os usuários, o que reflete que são vastos e férteis os campos de estudo da LA.
A visão de que ela era a aplicação dos conceitos instituídos pelos linguistas teóricos já não tem mais
valia. O que se pensou sobre seus limites, fronteiras já não se pensa mais.
A LA é interdisciplinar em muitos casos e busca nas várias ciências com que dialoga, inclusive
a Linguística, formas de ver diretamente o uso da linguagem na situação-problema em que se
manifestou a necessidade de investigação sistemática. De acordo com o momento em que pairam as
formas de investigação intelectual da época, a pesquisa poderá ser experimental ou mentalista,
quantitativa ou qualitativa. Os linguistas aplicados não abrem mão somente de que essa pesquisa
necessariamente precisa retratar a realidade, a organicidade complexa do problema em foco no seu
contexto de ocorrência, diretamente nos fenômenos em ação.
Voltada totalmente à pesquisa científica para evoluir no território teórico, a LA tem recorrido a
alguns temas que merecem tratamento sistemático, objetivo e explícito da parte dos linguistas
aplicados. É essa recorrência que nos faz compreender o raio de atuação na agenda da LA, que,
segundo Silva (2009), tem no ensino e aprendizagem de línguas, na aquisição de segunda língua e
nas interações orais os três primeiros lugares respectivamente mais recorrenciais nas pesquisas
internacionais na área de LA. E no Brasil, conforme Gomes (2009), tem na análise do discurso, na
metodologia de ensino de línguas estrangeiras e formação de professores e na aquisição de segunda
língua os três primeiros lugares mais reiterados nas pesquisas em LA na atualidade.
Isso comprova o fato de que mais do que restrito ao domínio do ensino e aprendizagem de
línguas, o campo de atuação de LA tem um raio bastante amplo, promissor e produtivo. Dados,
participantes, métodos de coleta, condições de coleta, condições dos participantes; enfim, muitas
variáveis entram na contagem geral da pesquisa em LA e vão delineando toda a metodologia a ser
aplicada naquele específico domínio de análise da Linguística Aplicada. O lugar pode ser uma sala
de aula ou mesmo um consultório, um júri ou mesmo em ambiente virtual, uma loja de vendas ou
mesmo uma salão de beleza - o que realmente importa, o que realmente interessa é quais
conhecimentos científicos são necessários para ver um fenômeno, que abordagem é mais própria
para analisar tal fenômeno, buscando ser o mais próximo possível da realidade, e a que objetivos o
pesquisador quer chegar ao final da pesquisa, numa tentativa não impossível de atar as pontas; não
as duas pontas, mas todas as pontas que porventura tenham ficado soltas, restaurando as intenções
no produto da pesquisa e mostrando como nesta estão aquelas.
A LA está intimamente ligada a problemas associados à linguagem e tem isso como orientação
metodológica. Relaciona- se a tarefas que a tornam científica e está centrada em projetos e guiada
para a demanda. Voltada para a análise da construção identitária dos participantes em contextos
institucionais variados, entre outros aspectos aqui já citados, a LA focaliza a língua sobre seu aspecto
pragmático e sociocomunicacional, apontando diretamente para o uso do código e não no código em
si como o faz a Linguística e todas as ciências linguísticas, consoante Moita Lopes.
Por tratar da linguagem da forma em que ela se dá, a LA acabou tornando-se uma abordagem
multidisciplinar, podendo reivindicar conhecimentos de várias áreas, e não só da Linguística, como já
foi explicado, para compreender fenômenos sociais que têm na língua o ponto fulcral e tentar delinear
sua própria demanda. Vê-se que a questão comunicativa é privilegiada nesse campo de estudo,
elucidando uma das quatro categorias amplas que vêm envolvendo a área de atuação da LA; no caso,
a categoria usos profissionais da linguagem, ao lado da categoria política e planejamento linguísticos,
da categoria comportamento linguístico desviante, e da categoria bilinguismo, multilinguismo e
multiculturalismo.
Assim como nas vidas humanas há diferentes perspectivas para um mesmo ponto de vista, o
linguista aplicado na Contemporaneidade precisa entender senão toda, mas parte da rede complexa
que contorna as questões fronteiriças de análise das práticas sociais da linguagem como o são, antes
de o serem linguísticas, práticas nas quais a linguagem desempenha papel central. Esse é o caminho
que se desenha para a LA na Contemporaneidade, apontando até mesmo formas relevantes de
repensar a vida social.
Porém, tudo isso não se deu e nem está se dando assim de forma tão rápida nem tão pacífica.
Uma série de fatores forçou a LA a abandonar a sua tendência inicial de utilizar as noções de língua
e de aprendizagem como fenômenos unicamente psicológicos, fechados na cabeça do
falante/aprendiz. Entre esses fatores, o surgimento da Linguística Funcional, o conceito de variações
linguísticas da Sociolinguística, o desenvolvimento dos estudos da Pragmática, o reconhecimento da
importância da Análise do Discurso, a reinserção da Semântica como ramo da Linguística, a
consolidação dos estudos culturais, os aspectos típicos do viver contemporâneo como o uso massivo
das tecnologias da comunicação, principalmente da internet e o superpoder da media, a
democratização, a urbanização, a realidade política e cultural do mundo pós-colonial, a ascensão do
inglês como língua franca internacional, as mudanças no conceito de pesquisa (porque mudou o
conceito de conhecimento) e o fortalecimento da Etnografia, as teorias desconstrutivistas de Michel
Foucault, Jacques Derrida e Gilles Deleuze, dentre outros, são elementos propulsores de
transformações da Linguística Aplicada. Nesse afã, estudiosos do mundo inteiro e não somente dos
EUA e da Inglaterra tem contribuído com a área da LA, num processo de descentralização do
poder/saber, constituindo uma tendência que se inicia no final de 1990, inclusive com linguistas
aplicados brasileiros.
antirracista, alfabetização crítica, estudos de gênero, estudos pós- de acontecimentos, ações, interações,
coloniais, política e planejamento linguístico, sociolinguística retroações, determinações, acasos,
crítica, abordagem crítica da tradução, avaliação linguística crítica, que constituem nosso mundo
a língua no ambiente de trabalho etc. fenomenal."
Todos esses nomes subversivos dados a essa nova forma de ver a LA não são à toa; há um
porquê. Ela é Transgressiva porque não se vê na necessidade de constituir-se como disciplina, mas
como área de interseção, de consorciação, ousando fazer diferente, buscando uma compreensão
para a complexidade com que se dão as relações humanas constituídas pela linguagem, pois os
paradigmas que aí estão na têm dado conta de análises convincentes dos acontecimentos, porque
continuam separando, analisando de forma unilateral, monológica, mostrando-se inúteis na
inteligibilidade do mundo em que vivemos, um mundo Pós-Colonial, como o diz Stuart Hall (1996),
em que as fronteiras estão diluídas e são líquidas. Enfim, fronteiras que ultrapassam os limites das
áreas, as fronteiras disciplinares, o que a constitui uma Linguística Aplicada Transdisciplinar.
Essa terceira virada da Linguística Aplicada compreende que a interseção de outros campos
de estudo contribuirá na análise das questões de linguagem que são foco da LA, sem descartar as
teorizações da Linguística Geral, mas acreditando que o entrecruzamento de outras áreas pode
também contribuir com a análise. Davis e Elder, no entanto, lamentam essa visão mais macro que vai
de encontro àquela que eles ajudaram a fundar, porque são contrários a essa natureza indisciplinar,
transgressiva da LA. A inexistência de um território fixo, ou mesmo de um campo de estudos
específico tanto a torna leve e maleável (aqui, um tanto no sentido de adaptável), característica do
conhecimento contemporâneo, quanto a expõe a uma competição sutil entre as áreas do
conhecimento por espaço e status no mundo acadêmico atual.
A LA continua com aquela forte visão de ensino de línguas Stuart Hall nasceu em 1932, em
como o fora em seu início. Outras áreas de pesquisa também estão Kingston, Jamaica. Atualmente, mora no
a todo vapor, entre elas a Análise do Discurso, a Aquisição de Reino Unido. Sua contribuição para os
Letramento. A LA parece ter dado conta de ser a área que, em se comunicação é imensa, recebendo o
tratando do ensino de língua, investiga e publica muito acerca de crédito por expandir os estudos sociais
materiais, de metodologias, de atividades de ensino. O nome para abranger debates de raça e gênero.
Educação Linguística parece ter sido adotado pelos linguistas Juntamente com Richard Hoggart e
aplicados para tratar os estudos sobre ensino e aprendizagem; e Raymond Williams, Hall fundou uma
pela própria Linguística Teórica pelo mesmo motivo. Os escola de pensamento que hoje é
pesquisadores que adotam o termo e que estão afiliados a uma conhecida como Estudos Culturais
dessas duas áreas de interface fazem-no acreditando no real Britânicos, ou ainda Escola de Estudos
Este texto foi ligeiramente modificado para a Conhecimento Prático: Lingua Portuguesa. Originalmente, ele está na tese de
doutoramento em Linguística Geral e Aplicada recentemente defendida pelo Prof. Wandré de Lisbôa, em julho de 2011, na
Espanha. Além de estar aqui dirigido a todos os professores, com inserção de vocativos plenos, outras partes do original