A Origem Da Vida - Fernando de Angelis

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 114

Albert Einstein publicamente

afirmou:

"Considero que as doutrinas


evolucionistas de Darwin,
Haeckel, e Huxley, estão em seu
ocaso definitivo."

O famoso evolucionista

italiano Pietro Omodeo escreveu:

"O Criacionismo, que na


perspectiva atual surge como uma
antiga e arraigada doutrina
teológica, na realidade foi
formulado em fins do século XVII,
e só aceito pelo magistério
eclesiástico em torno de 1740,

após meio século de investigações


eivadas de suspeitas."

Bastam estas duas citações


para demonstrar quão urgente se
faz uma informação mais
equilibrada sobre essa
argumentação. Sem pedir que o
leitor adote pressuposições
específicas, e com uma linguagem
acessível, este livro ataca de frente
o problema da origem da vida sob
o ponto de vista tanto histórico,
quanto científico, apresentando
um capítulo útil para o
esclarecimento do que vem a ser
a ciência, e sobre como devemos
encará-la.

De Angelis desembaraça os
fios da meada separando os
aspectos científicos, sobre os
quais criacionistas e
evolucionistas poderão concordar,
dos aspectos teológico-culturais,
que dependem da visão de
mundo de cada um.
Fernando de Angelis, nasceu
na cidade de Cáscia na Itália em

1946. Casado com Gilda desde

1970, vivem atualmente em

Cortona, na Toscânia.

Depois de conseguir o seu


doutorado em Ciências Agrárias na
Universidade de Perugia, dedicou-
se preponderantemente ao ensino
de Ciências Naturais, Química e

Geografia em escolas de 2º grau.

Foi enquanto freqüentava a


Universidade, que teve o primeiro
contato com uma igreja
evangélica. Confrontado pelo

ponto de vista bíblico do


criacionismo, De Angelis iniciou
um profundo estudo das diferentes
teorias sobre as origens. Em sua
busca ele analisou as várias

propostas científicas, considerando


os aspectos histórico, filosófico e
teológico. Suas descobertas
modificaram radicalmente sua
maneira de pensar e viver.

De Angelis tem-se
empenhado ao estudo da Bíblia e
na defesa do seu valor cultural,
preocupando-se com a difusão do
criacionismo na Itália. Foi um dos
fundadores da Associazione

Culturale Evangelica "Daniele-


Baltazzar".
A

ernando de Angelis, italiano de nascimento,


obteve seu doutorado em Ciências Agrárias na
Universidade de Perugia. Dedicou sua vida ao ensino
de Ciências Naturais, Química e Geografia em
escolas de 2º grau.

Confrontado pelo conceito bíblico do


criacionismo, De Angelis iniciou um profundo estudo
dos diferentes postulados sobre as origens. Em sua
busca analisou as várias teorias científicas,

considerando os aspectos histórico, filosófico e


teológico. Suas descobertas modificaram
radicalmente seus pontos de vista.

O livro A Origem da Vida é o resultado desta


busca. O autor explica, de forma completa e
científica, como através dos séculos, teorias
contraditórias sobre a origem da vida se
desenvolveram em diferentes áreas do conhecimento
humano. Descreve também como tais teorias foram
rejeitadas ou incorporadas ao nosso modo de pensar
moderno.

Este livro é um desafio que nos leva à reflexão.


Deverá ser de especial interesse para cientistas que
ponderam sobre a questão das origens da vida, e de
fundamental importância para os professores de
ciências naturais, filosofia e teologia.
A ORIGEM DA VIDA
UNIVERSIDADE DE SANTO AMARO

Reitoria

Sidney Storch Dutra, Reitor

José D. Dallora, Pró-Reitor Acadêmico


Josmar S. Arrais de Matos, Pró-Reitor de Pós-Graduação,

Pesquisa e Extensão
Samuel Jacobs, Pró-Reitor Administrativo

Conselho de Política Editorial

Sidney Storch Dutra, Presidente


Josmar S. Arrais de Matos, Vice-Presidente
José D. Dallora

Samuel Jacobs

Liberato J. A. Di Dio

Odilon Gabriel Saad

Zedemar Bruscagin

Conselho Editorial de Livros

Zedemar Bruscagin, Editor Chefe


Eliseu Menegusso
Godofredo C. Genofre

Nely Robles Reis Bacellar


Silvia C. Almeida

Editora UNISA

Zedemar Bruscagin, Diretor


FERNANDO DE ANGELIS

A ORIGEM DA VIDA

TRADUÇÃO DE RUY CARLOS DE CAMARGO VIEIRA


Título Original:
L'Origine della vita per evoluzione, un ostacolo allo sviluppo della scienza.
Copyright © 1991 Edizioni Casa Bíblica, Vicenza, Itália

Tradução da edição em português (a partir das edições italiana, espanhola e


inglesa) por Ruy Carlos de Camargo Vieira, Editor da "Folha Criacionista"
no Brasil. Todos os direitos são reservados. Copyright © 1995 Fernando
De Angelis, C. P. 92-52042 Camucia (AR) Itália

Copyright 1998 Editora UNISA

Angelis, Fernando de
A5910 A Origem da vida; tradução de Ruy Carlos de
Camargo Vieira; prefácio de Admir Arrais de Matos.
São Paulo: Editora UNISA, 1998.

93 p.

1. Doutrina criação - religião. 2. Religião - origem da


vida. 3. Filosofia - origem da vida. I. Título.
CDD21 291.24

Iniciativa e Apoio
Núcleo de Pesquisas Bíblicas, UNISA

Coordenação Editorial
Zedemar Bruscagin

Capa / DTP
Departamento de Comunicação & Marketing, UNISA

Produção
Gráfica OSEC, Rio de Janeiro

1998

Editora UNISA

Rua Isabel Schmidt, 349


04743-000 Santo Amaro - São Paulo
À Gilda, verdadeira "carne de minha carne"
(Gen. 2:23)
ÍNDICE

Prefácio

Agradecimentos constantes da edição em língua inglesa .

Agradecimentos constantes da edição em Espanhol V

vii
Agradecimentos por esta edição em Português.
viii
Apresentação do Tradutor.
1
1. Introdução...
1
A. Critérios que foram seguidos
3
B. Evolução: um problema a ser esclarecido
C. Geração Espontânea: o velho modo de dizer "Evolução Abiogênica” ... 6
9
2. História da Geração Espontânea até Pasteur
.9
A. A Geração Espontânea antes de Redi
B. Francesco Redi: o primeiro grande golpe sofrido pela geração
10
espontânea
C. A Bíblia: um livro contra o obscurantismo 11

D. Nascimento e função do criacionismo fixista, científico e histórico 16

E. Spallanzani: uma vitória incompleta ........ 23

F. Pasteur: a morte aparente da geração espontânea 27

3. Ciência e Metafísica. 35

A. Como opera a ciência


B. A Ciência entre a objetividade e a subjetividade
335
.35

.35

C. Critérios para a determinação da confiabilidade de uma


afirmação científica. 41

a. Os fatos: confiabilidade máxima 41

b. Acordo entre cientistas 41

c. Relação entre a teoria e os dados sobre os quais ela se apoia 42

d. Conexão entre teoria científica e concepções religiosas,


filosóficas e políticas .43

e. Possibilidade de falseabilidade na ciência .45


D. Conhecimento científico e conhecimento filosófico-teológico .46

E. Comparação entre a possibilidade de experimentação na


48
ciência e o conhecimento especulativo
49
F. Os não-especialistas e a ciência
a. Não desprezar os não-especialistas .49

b. O perigo do sacerdotalismo na ciência 51

4. O problema da Origem da Vida 55

A. A opinião mais difundida ……………….. 55

B. A atmosfera primitiva 58

C. A complexidade da célula e seus partes componentes 59

a. A célula: sua complexidade inimaginável. 59

b. A complexidade das proteínas 61

c. A complexidade do DNA. 62

D. As Descargas elétricas como construtoras de moléculas ........... 65


E. Atenção às interpretações enganosas da estatística ...... 67
F. Dos aminoácidos às proteínas: outras dificuldades estatísticas. 70
G. Das proteínas às células: um passo proibido. 73

5. Reflexões livres sobre a abiogênese .......... .77

A. A abiogênese: mais metafísica do que científica. 77

B. A importância da questão 78

C. Abiogênese e evolucionismo: a mesma concepção 81

6. Notas 83

7. Apêndices .91
PREFÁCIO

A vida na Terra surgiu de forma espontânea (Abiogênese), veio de


outro planeta (Panspermia) ou foi criada de forma especial? Foi uma
coincidência feliz? Um fato único? Um quase-milagre ou milagre?

Estas questões e outras são abordadas de forma objetiva, buscando-


se elementos da História, da Filosofia, da Ciência e da Revelação,
escoimadas de preconceitos e superstições. Sendo de origem italiana, o
autor relata, de forma vívida e com riqueza de detalhes, conspícuos fatos
de que seu país foi palco, no cenário político-científico-religioso, entre os
Séculos XVI e XIX.

Neste contexto, são analisados a subjetividade e objetividade da


Ciência, seus aspectos especulativos e a correta relação que se deve ter
para com ela. Então, de forma equilibrada e respeitosa, o autor sugere
critérios ou bases para aceitação ou rejeição de uma idéia, um fato ou uma
teoria proposta.

Sendo rico em conceitos científicos e filosóficos, bem como de


informações históricas, este livro é recomendado a alunos a partir do nível
escolar médio, a professores em especial, a pessoas com alguma iniciação
científica, e interessados em assuntos sobre as origens. Confesso que é
difícil lê-lo sem se entusiasmar e tentar posicionar-se diante deste palpitante
assunto.

Prof. Dr. Admir Arrais de Matos


Instituto Adventista de Ensino
AGRADECIMENTOS CONSTANTES DA EDIÇÃO
EM LÍNGUA INGLESA

Nasci e cresci na Itália, crendo que aqui não existisse nenhuma outra
igreja a não ser a católica. Em 1968, com meus 22 anos de idade, ao passar
por um local de reuniões de uma igreja evangélica, em Perugia, descobri
que não era bem assim. Ao entrar pela primeira vez naquela igreja, um
cidadão inglês acompanhou-me, até conseguir um assento para mim, e
ensinou-me a usar o hinário. Peter Hedley era o seu nome, não falava o
Italiano, e não pudemos manter conversa, entretanto, sua gentileza
impressionou-me bastante.

Ao terminar a reunião, que para mim tinha sido uma experiência


inteiramente nova, mantive contato com os dois pastores da igreja, Angelo
Zolfaroli e Franco Ciuchi, pedindo-lhes alguns esclarecimentos. Como
estavam bastante ocupados, vendo que eu era um estudante, apresentaram-
me ao "especialista em estudantes", Fred Terino, um missionário americano

de ascendência italiana. Todos os três abriram-me as portas de seus lares, o


que, para mim, necessitado de ajuda espiritual bem como de calor humano,
foi algo inapreciável.

Ao ser convidado para encarar a Bíblia seriamente, imediatamente


argumentei que Darwin havia demostrado não ser isso defensável. Fred,

entretanto, estava evidentemente bem preparado para contra-argumentar,


devido aos seus estudos, efetuados com vários criacionistas norte-

americanos. E fez-me ver que, na realidade, era Darwin que não era assim
tão defensável. Naquele exato momento, ficou claro para mim, que era
irreconciliável a controvérsia entre as duas filosofias - o evolucionismo e o

criacionismo.

Logo depois, Fred organizou uma conferência com outro missionário


norte-americano, Thomas Heinze. Eu havia lido seu livro em Italiano,

i
opondo-se à evolução, enquanto ainda estava na forma mimeografada.
Lembro-me bem de uma de suas afirmações, enquanto jantávamos juntos,
que me desafiou a pesquisar as motivações extra-científicas, que estavam
por detrás da teoria darwinista.

Como leciono ciências para alunos entre 14 e 19 anos de idade, tenho


sido forçado a estudar cada vez mais o assunto da evolução, mas nunca me

senti suficientemente preparado para escrever um livro sobre esse assunto.


○ encorajamento que recebi de Ronald Diprose, missionário da Nova
Zelândia e atualmente cidadão italiano, foi um fator determinante que me
levou a escrever este livro. Ele manifestou sua confiança em mim e exortou-
me a escrever minhas idéias.

Havia urgência em escrever um livro como este aqui na Itália, porque


a teoria concordista (que tenta conciliar entre si a Bíblia e a evolução) não
estava sendo enfrentada por ninguém, e já havia permeado as idéias de
muitos que se consideravam ainda como fundamentalistas. Percebendo que

a batalha era muito grande para minhas fracas forças individuais, desejei
contar com o auxílio de outras pessoas na fundação de uma associação,
que levassem avante a batalha contra a cultura mundana humanística
(incluindo a evolução, além de outras filosofias).

Após ter assistido uma conferência de John C. Whitcomb na Itália,


em 1987, descobri que minhas intenções coincidiam com as de Frederick
L. Whitman, missionário norte-americano, que estava aqui na Itália já há
muitos anos. A partir de então, começamos a orar juntos, planejando uma
defesa organizada do criacionismo bíblico na Itália. Não é por acaso que,
após estes anos, Frederick tenha assumido a responsabilidade de editar
esse livro.

ii
No princípio, quando nossa Associação estava dando seus primeiros
passos, o Dr. John Meyer, do "Institute for Creation Research" (I. C. R., El
Cajón, Califórnia, U. S. A.), ofereceu-se para vir à Itália. Sua estada conosco
foi muito importante, e, além de sua ajuda técnica, deixou-nos um magnífico
exemplo de seriedade e prudência, no enfrentamento das idéias distorcidas
que então circulavam, com relação ao movimento criacionista no além-
mar. Mantivemos contato, tanto com professores universitários quanto com
crentes de pouca instrução, e John sempre saiu-se muito bem.

A primeira edição deste livro foi publicada na Itália, por outro


missionário norte-americano, Bill Gust e sua esposa Harriet, fundadores
da casa publicadora "Casa Bíblica". A decisão de imprimir este livro
decorreu do aconselhamento de seu filho Billy, criado na Itália, em face de
sua avaliação favorável dos manuscritos (que alguns editores evangélicos
já haviam lido sem demonstrar interesse).

Foi Leigh Pennington quem me apresentou a Bill. A partida de Leigh

deixou-me com um profundo sentimento de perda, especialmente porque


acredito que o seu trabalho, entre as igrejas em toda a Itália, foi imensamente
útil. Minha tristeza só foi contornada um pouco pelo fato de que, ao retornar
para o Estados Unidos, ele fez a tradução deste livro para o Inglês e apoiou
a sua publicação.

Michael Steedman, cidadão inglês, em contato com meu amigo Paolo


Veneziani, trabalhou bastante na revisão da tradução para a língua inglesa
tendo feito sugestões valiosas para vários aprimoramentos.

Este livro, portanto, pode ser visto como "volta ao lar" dos
pensamentos que provieram dos Estados Unidos e que agora retornam,
depois de terem sofrido a influência da cultura italiana. O contexto latino
nos leva a dar atenção não só às questões científicas, como também às
questões históricas e culturais. Agrada-me saber que esta edição em Inglês

iii
pode, em parte, ser útil para pessoas de fala francesa e portuguesa, cujos
traços culturais as aproximam bastante dos italianos.

Dediquei este livro à minha esposa. Foi um sinal de apreço deveras


pequeno para aquela que tem pago enorme preço por manter-se a meu
lado, em uma vida cheia de turbulências e batalhas, nem sempre vitoriosas.

Além dos rostos daqueles que me auxiliaram, tenho visto sempre,


claramente, a mão de Deus, presente mesmo quando não discernida
fisicamente. Após 16, anos desde que Ele me estendeu o chamado para
assumir uma responsabilidade específica em Sua obra, deixo-lhe expressa
minha profunda gratidão. O serviço de Deus, para mim, tem sido como
uma rosa -

cheia de pétalas coloridas e perfumadas, mas também com


espinhos. Esta tradução em língua inglesa é uma das pétalas mais belas
(especialmente pela época de seu florescimento). Quanto aos espinhos,
como reclamaria deles em face dAquele que, na cruz, foi com eles coroado?

Minha alegria repousa no fato de Sua ressurreição, penhor da ressurreição


de todos aqueles que com Ele permanecem unidos (Romanos 6:5).

Cortona (Arezzo, Itália) 30 de Maio de 1995

Fernando De Angelis

iv
AGRADECIMENTOS CONSTANTES DA EDIÇÃO EM ESPANHOL

É um verdadeiro prazer poder apresentar esta tradução de meu


livro em Espanhol, pois, desde a sua publicação em Italiano, já
desejava que fosse publicado também em idiomas de outros países
do contexto católico-latino, ao qual correspondem problemas
culturais bastantes semelhantes entre si.

O encaminhamento desta tradução, porém, não dependeu de


mim, mas sim da iniciativa espontânea de um não-profissinal, de
forma bastante parecida com o que se deu com a tradução para o
Inglês. O trabalho, iniciado por Julio Elso Ferace, recebeu em seguida
a contribuição de Daniel e Graciela Cuciniello, com revisão final
feita por Aida Papini.

Para a tradução de alguns termos técnicos, vali-me do Prof.


Roberto Fondi, que já me havia dado preciosos estímulos, desde a
preparação do manuscrito em Italiano. O Prof. Fondi é co-autor de
um livro, que foi muito importante na Itália, já traduzido para o
Espanhol, e que também enfrenta o evolucionismo, sob uma
perspectiva anti-darwinista, apesar de partir de pressupostos distintos
dos meus. (SERMONTI e FONDI. Mas allá de Darwin. Crítica al
Evolucionismo, Ediciones UNSTA - Universidade Del Norte Santo
Tomas de Aquino, Tucumán, Argentina, 1984).

O manuscrito deste livro foi entregue a Daniel e Graciela


Cuciniello, e a Frederick L. Whitman, a quem se deve a realização
desta edição em Espanhol.

Esta tradução não difere da italiana, a não ser quanto a poucos


arranjos de caráter formal. Para facilitar a consulta às notas
explicativas, foram elas reunidas no final do livro, com numeração
seqüencial (isto é, não divididas pelos capítulos do livro). As notas
em geral correspondem às referências bibliográficas, sendo que, nesta
edição espanhola, inovou-se com a introdução de dezenas de resumos
biográficos de alguns cientistas, dentre os que são mencionados no
texto. Estas notas foram escritas por Aida Papini, que havia sugerido
sua incorporação.

A todos que aqui mencionei, apresento o mais profundo


agradecimento.

Desejo a todos uma proveitosa leitura.

Fernando De Angelis

vi
AGRADECIMENTOS POR ESTA EDIÇÃO EM PORTUGUÊS

Geograficamente o Brasil situa-se bastante longe da Itália, mas


culturalmente somos vizinhos, e isto é o que esta tradução confirma. Ver o
surgimento dela, para mim, foi um encorajamento para prosseguir na tarefa
que Deus me confiou, e fico muito grato por isso - acima de tudo ao meu
Senhor, mas também a Ruy Carlos de Camargo Vieira, que se encarregou
de todo o trabalho necessário à publicação (eu não pude prestar-lhe muita
ajuda por não dominar o Português).

O vosso país, não obstante os problemas com que ainda se defronta,


é um dos maiores e mais importantes do mundo. O que mais me impressiona,
entretanto, é o grande desenvolvimento que teve e está tendo aí a Palavra
de Deus. É maravilhoso ver as mudanças que o Evangelho opera, e é uma
alegria participar de qualquer maneira dessa grande festa.

Cortona, Itália, 18 de Janeiro de 1997

Fernando De Angelis

vii
APRESENTAÇÃO DO TRADUTOR

Em meados de 1996, tive a grata satisfação de receber um exemplar


do magnífico livro de Fernando De Angelis, que ora vem a lume em sua
edição brasileira.

Ao ler o livro, página após página, foi-me ficando a impressão -


logo transformada em verdadeiro sonho - de que ele deveria ser traduzido
para o Português, para preencher uma lacuna existente na bibliografia
disponível sobre a controvérsia entre Criacionismo e Evolucionismo em
nosso idioma.

Mantidos os contatos com o autor, e demonstrado o seu interesse

em ter seu livro traduzido para o Português, debrucei-me sobre a tarefa


de traduzi-lo no menor prazo possível. Solicitei ao Prof. Dr. Admir Arrais
de Mattos, que procedesse a uma revisão técnica do texto final, o que de
bom grado ele fez. E mantive contato com a Universidade de Santo Amaro,
na cidade de São Paulo, para verificar a possibilidade de integrar, em seu

programa editorial, a publicação desta obra.

Satisfação maior tenho agora, ao ver realizado o sonho inicial, com


a publicação do livro de Fernando De Angelis em Português.

Praza a Deus que este livro possa despertar mentes sinceras para o
fato de que existe um conflito profundo entre duas posições antagônicas

sobre a origem de todas as coisas, o qual envolve muito mais do que


meramente opiniões ou suposições. Trata-se de uma batalha que envolve
princípios fundamentais, que têm a ver com nossa concepção do mundo,
e com reflexos inevitáveis sobre nosso posicionamento perante graves
questões de cunho filosófico e metafísico - para não dizermos religioso e
teológico que engolfam a humanidade em nossos dias.
-

viii
Após a leitura deste livro, caberá ao leitor, em face das argumentações
trazidas à sua ponderação, tomar sua decisão consciente em face do conflito
mencionado!

Ficam aqui os agradecimentos a Fernando De Angelis, pela


autorização dada a esta tradução, e à renúncia a seus direitos autorais. Da
mesma forma, ficam expressos os agradecimentos à Universidade de Santo
Amaro, pelo interesse e apoio à publicação desta tradução dentro de seu
Programa Editorial.

Gostaria de esclarecer que o trabalho de tradução e preparação dos


originais desta edição devem ser creditados à Sociedade Criacionista
Brasileira, entidade sem fins lucrativos, dedicada à divulgação de literatura
em defesa do Criacionismo.

Ficam também expressos aqui os agradecimentos aos mantenedores


e incentivadores das atividades da Sociedade Criacionista Brasileira.

O endereço da Sociedade, para informações sobre suas atividades, é


o seguinte:

Sociedade Criacionista Brasileira

Caixa Postal 08743

70312-970 - Brasília DF BRASIL

Telefax: (061)577-3892/368-5595
e-mail: [email protected]

Ruy Carlos de Camargo Vieira

ix
Fernando De Angelis 1

1. INTRODUÇÃO

A - CRITÉRIOS QUE FORAM SEGUIDOS

Este livro é resultado de notas de aula preparadas para alunos e


professores das escolas de 2º grau, e tem dois objetivos básicos:

1) apresentar o máximo possível de seu conteúdo com a linguagem


mais simples possível;

2) buscar uma base de convergência mais ampla possível entre o


autor (um criacionista bíblico) e os leitores (supostamente simpatizantes
do darwinismo, em maior ou menor grau, como a maioria dos Italianos").

Em poucas partes do livro o primeiro objetivo não foi totalmente


atingido, por ser necessário algum conhecimento especializado. Entretanto,
mesmo os leitores que não dispusessem desse tipo de conhecimento não
deveriam perder o fio da argumentação, porque os tópicos mais difíceis
vêem precedidos ou seguidos de uma síntese mais simples.

Para atingir o segundo objetivo, foi feito amplo uso de citações


sobretudo de evolucionistas altamente qualificados em seus respectivos

campos, e tidos em alta estima, como por exemplo F. Crick, J. Rostand, P.


Omodeo, G. Montalenti, A. Hallam, F. Dyson, etc. O leitor poderá assim
certificar-se por si mesmo que certas afirmações não são fruto de nossos
preconceitos anti-darwinistas, mas sim da avaliação objetiva dos problemas.

Este livro tem intenções anti-evolucionistas, mas nosso desejo foi


combater lealmente, com a convicção (fortalecida por numerosos leitores
das notas de aula) de que, apesar destas contendas difíceis e freqüentemente
ásperas, podemos no final dar-nos as mãos cavalheirescamente. E isto não
porque cada lado tenha cedido um pouco, mas porque ambos respeitaram
(*) E também dos Brasileiros com formação superior (Nota do Tradutor).
2
A Origem da Vida Por Evolução

as regras do jogo e lutaram, não contra as pessoas, mas contra certas idéias,
tendo em conta que ninguém pode alegar superioridade sobre os outros,
pois os defeitos que vemos em nosso próximo são um reflexo dos que nós
mesmos temos, ou facilmente poderíamos ter.

Se estivéssemos escrevendo para uma revista científica, abster-nos-


íamos completamente dos aspectos extra-científicos. Entretanto, estamos
nos dirigindo aos leitores comuns que, bombardeados por informação de
vários tipos e variada confiabilidade, necessitam de contra-informação, que
encare tanto os aspectos estritamente científicos quanto os não-científicos,
sem os confundir entre si.

O evolucionismo freqüentemente é apresentado como a resposta


científica que substitui respostas de outra natureza. Entretanto, o
evolucionismo como um todo situa-se nos limites extremos da ciência, e

permanece aberto o debate quanto a ser ele, e em que extensão, verdadeira


ciência. Por esta razão é que sentimos ser necessário dedicar um capítulo
inteiro para o esclarecimento do que entendemos por ciência, e que papel
desejamos atribuir a ela.

Estamos convencidos de que a Bíblia constitui um texto verdadeiro

ainda hoje, em cada uma de suas partes, mas estamos igualmente


convencidos de que, ao dialogarmos com alguém que não partilha da mesma
convicção, devemos raciocinar sobre a base de uma linguagem comum,
que não dependa das crenças particulares de cada parte. Desta forma, mesmo
quem tenha opiniões diferentes das nossas poderá ser capaz de continuar a
leitura sem ser molestado com argumentos unilaterais.

Agrupamos as notas no final do livro, e para evitar a incômoda


consulta a elas, decidimos limitá-las quase somente a indicações
bibliográficas. Isso significa que, a não ser no caso de algum interesse
específico, o leitor poderá evitar ter de recorrer a elas.
Fernando De Angelis 3

B - EVOLUÇÃO: UM PROBLEMA A SER ESCLARECIDO

Ao termo "evolução" correspondem significados distintos, tanto na


linguagem comum como na linguagem científica. Para nos tornar claros
precisamos definir o significado que desejamos dar a esse vocábulo e a
outros a ele ligados.

Certamente a teoria da evolução abrange aspectos múltiplos, mas o


mais específico e controvertido é a afirmação de que as espécies animais e
vegetais mais complexas (por exemplo cães e cavalos) derivam de outras
espécies, muito diferentes e mais simples (o cão, através de muitas etapas
intermediárias derivaria de um tipo de peixe). Este modo de entender a
evolução recebe mais especificamente a designação de macroevolução, em
contraposição à microevolução. Enquanto na macroevolução se realizariam
mudanças das estruturas, com acréscimo de novos órgãos, na microevolução
realizam-se pequenas mudanças, geralmente quantitativas, que não alteram
a organização geral dos seres vivos, mas somente desenvolvem, em maior

ou menor grau, aquilo que já existe.

Existem, por exemplo, numerosíssimas raças de cães e gatos, mas


apesar da grande diferença entre indivíduos em termos de tamanho, pelo,
comportamento, e certas características específicas, sua estrutura básica

permanece a mesma: o cão continua sendo cão, e o gato continua sendo


gato. Apesar das semelhanças, existem entre as diversas raças pequenas
diferenças que poderiam ser descritas como exemplos de microevolução.
Por outro lado, a transformação de um mamífero terrestre (uma vaca, por
exemplo) em um mamífero aquático (baleia, por exemplo), ou de um
camundongo em morcego, não mais seria um caso de microevolução, mas
de macroevolução.

Outra diferença importantíssima que precisa ser feita é entre evolução


e involução. Por evolução entende-se a passagem do mais simples para o
4 A Origem da Vida Por Evolução

mais complexo. O fenômeno inverso, ou seja, a passagem do mais complexo


para o mais simples, não consideraremos como evolução, como
freqüentemente é considerado, mas sim como involução. Haveria evolução
no caso de a descendência apresentar funções e órgãos que não existiam
em seus progenitores (por exemplo, o desenvolvimento de asas em uma
espécie que nunca as teve antes). Haverá involução quando faltar à
descendência alguma estrutura ou função que existisse em seus progenitores
(por exemplo, o nascimento de um cão cego devido a uma mutação genética).

Será útil resumir o que foi dito, fazendo o esquema seguinte:

Involução: Perda de órgãos ou funções;

Evolução: Aquisição de órgãos ou funções;


Microevolução: Pequenas mudanças quantitativas;

Macroevolução: Grandes mudanças aquisitivas.

A involução, como por exemplo o nascimento de seres vivos com defeitos


mais ou menos acentuados, acontece constantemente diante de nossos olhos,

e não há necessidade de ser demonstrada. A microevolução, isto é, pequenas


mudanças quantitativas, como por exemplo um acréscimo na estrutura,
também é um fenômeno indiscutível. Os problemas surgem, porém, com a
macroevolução, ou seja, com o aparecimento de órgãos e funções
completamente novos. Alguém logo poderia dizer que "à custa de pequenas
mudanças chega-se às grandes", mas a questão estará assim mal formulada,
pois na microevolução desenvolve-se aquilo que já existe, enquanto que na
macroevolução surgiria aquilo que não existe. Trata-se de dois fenômenos
claramente distintos, e não se podem produzir exemplos de
microevolução (e menos ainda de involução) para demonstrar a
macroevolução. Ao surgir uma nova raça de ovelhas com as pernas
sensivelmente mais curtas, e que não seja capaz de saltar as cercas, não
estaríamos em face de um exemplo de macroevolução, mas sim de involução.
Fernando De Angelis 5

Quando, de uma drosófila normal, nascem descendentes com asas


deformadas, ou talvez sem asas, tem-se também involução. Por isso, de
agora em diante, quando falarmos de evolução, se não for feita menção
em contrário, estaremos falando de macroevolução.

A evolução, afirmando que os atuais seres vivos surgiram a partir de


transformações de formas distintas anteriores, geralmente procura não
enfrentar o problema da origem da vida. Portanto, um evolucionista pode
crer não só que Deus criou as primeiras formas de vida (simples e mais
complexas), que evoluíram até as espécies atuais, como também que foi a
própria terra que produziu as primeiras formas de vida, a partir de matéria
inerte, que se combinou por acaso (abiogênese ou geração espontânea).

Necessitamos também fazer distinção entre evolucionismo e


darwinismo. Darwin propôs uma maneira pela qual poderia ter-se verificado
a evolução. Lamarck havia proposto uma outra, e alguns autores modernos
outras ainda. Isso significa que, mesmo que se demonstrasse ser o

darwinismo inteiramente falso, o evolucionismo não cairia por terra, porque


outras teorias poderiam tomar o seu lugar.

Resumindo, podemos fazer três perguntas básicas:

1 "Como se originou a vida?"

2 "No decurso do tempo as formas vivas foram


profundamente modificadas através da evolução ou não?”

3 E para quem aceita o evolucionismo: "Através de que


mecanismo evoluíram os seres vivos?"

A estas três perguntas fundamentais podem ser dadas respostas


diversas, proporcionando diferentes combinações. Seria útil, também, fazer-
se um esquema indicativo das respostas mais radicais apresentadas para
aquelas três perguntas:
6 A Origem da Vida Por Evolução

1 -

"Como se originou a vida?"

1.1- Mediante a criação direta por Deus - CRIACIONISMO

1.2- Mediante a combinação de matéria inerte ao acaso


-ABIOGÊNESE ou GERAÇÃO ESPONTÂNEA.

2 -
"Evoluíram as primeiras formas de vida?"

2.1 Não.

Elas permaneceram substancialmente iguais - FIXISMO

2.2 Sim.

Elas se tornaram cada vez mais complexas


EVOLUCIONISMO

3 - De que maneira elas evoluíram?

3.1 LAMARCKISMO

3.2 DARWINISMO

3.3 Outras teorias

O primeiro problema a ser enfrentado é, portanto, o da origem da


vida, e dele nos ocuparemos neste livro.

C - GERAÇÃO ESPONTÂNEA: O VELHO MODO DE DIZER


"EVOLUÇÃO ABIOGÊNICA"

Crer na geração espontânea significa acreditar que um ser vivo pode


ser gerado espontaneamente na natureza, sem a necessidade de intervenção
de progenitores da mesma espécie. A vida poderia derivar também de
matéria inerte, e a própria terra úmida teria capacidade de "criar" pelo
Fernando De Angelis 7

menos certos animais inferiores e certas plantas. A geração espontânea é


uma forma extrema do evolucionismo e engloba duas concepções, que
podem ser resumidas da forma seguinte:

1 -

Os seres vivos podem derivar de matéria inerte;

2 -
Os seres vivos de uma espécie podem derivar de seres vivos
de outra espécie.

Darwin cria em ambas as afirmações, mas teve a sensibilidade de

concentrar-se sobre a segunda delas (menos grosseira do que a primeira) e


de diluí-la ao longo de uma enorme vastidão de tempo. Foi por esta razão
que sua teoria pôde sobreviver apesar de, pouco tempo após a publicação
de sua obra fundamental, Pasteur ter demonstrado que, pelo menos hoje,
todos os seres vivos derivam de outros da mesma espécie.

O darwinismo, em síntese, é o bote salva-vidas que trata de socorrer

a segunda afirmação da geração espontânea, que está a ponto de naufragar.


Outro bote salva-vidas tenta socorrer a primeira afirmação, apresentando-

a sob a nova roupagem de "abiogênese". Giuseppe Montalenti reconhece


esse fato, afirmando que "na biologia moderna prefere-se evitar o seu uso
(uso do termo geração espontânea), que pode ser substituído por
abiogênese". (G. Montalenti, L'evoluzione, Einaudi, 1975, p. 207).

Abiogênese e evolucionismo, portanto, dividem entre si os despojos da

geração espontânea, hoje sem condições de ser apresentada, tornando a ser


proposta sob novas formas que não a deixem ser reconhecida, e que escondam
os enormes danos que ela causou ao progresso da ciência. Conseqüentemente,

enfrentar o problema da origem da vida, e sob um ponto de vista também


histórico, lança luz sobre todo o evolucionismo e prepara o caminho para o
exame da obra de Darwin. É isso que desejamos fazer em seguida.
8
A Origem da Vida Por Evolução

Em conclusão, apesar de inicialmente ter havido uma luta entre a


geração espontânea (ou abiogênese) e a biogênese (ou criacionismo),
em seguida ela se modificou, transformando-se em duelo entre o

evolucionismo e o fixismo (que considera as espécies como entidades fixas,


não modificáveis), que constitui o quadro atual de confronto entre as duas
tendências.

Tendo rapidamente montado o palco neste capítulo, podemos agora


começar a examinar os assuntos em questão com maior detalhe e
especificidade.
Fernando De Angelis 9

2. HISTÓRIA DA GERAÇÃO ESPONTÂNEA ATÉ PASTEUR

A - A GERAÇÃO ESPONTÂNEA ANTES DE REDI

É fácil as crianças acreditarem nas coisas mais fantásticas, e parece


que os adultos não perdem de todo esta característica infantil. O relato
seguinte do encontro de um jornalista canadense com um esquimó de nome
Qaortok, evidencia esse fato':

"Qaortok tirou do bolso uma estranha estatueta de madeira com ares


de bruxaria. Olhou-a, acariciou-a, e depois sussurrou-lhe algumas palavras
incompreensíveis. O que é isto? perguntei-lhe. É um de seus amuletos?
Não, não, respondeu ele. Esta é Pinga, a deusa dos caribus. Há muitos

anos, explicou ele com convicção, os homens passavam fome e


freqüentemente eram obrigados a comer capim e barro. Um dia um
bruxo decidiu cavar um poço profundo, e dele saíram tantos caribus,
que chegaram a cobrir toda a superfície da terra. Mas a contínua
avidez dos caçadores obrigou-os um dia a procurar refúgio em um
abrigo subterrâneo, vigiado por um grande tuktuk (caribu) cuja
galharia chegava até as nuvens. Hoje, para que as manadas decidam
sair do esconderijo, temos de implorar a misericórdia de Pinga. (Pinga
é uma mulher idosa deificada, que, conforme esse povo, tem domínio sobre
os animais terrestres). Dessa maneira infantil, e com a história do abrigo
subterrâneo, alguns esquimós ainda hoje tentam explicar o declínio do número
de caribús e a fome que, em certos anos, os têm forçado a comer carne
enlatada e vagens distribuídas pelo governo canadense".

Até mesmo o grande Aristóteles (384-322 A.C.), vulto dominante


na filosofia e na ciência durante quase dois mil anos, caiu na armadilha da
geração espontânea. Ele “atribuía a ela não só a existência de muitos

insetos" "e vermes, como também de peixes (enguias), anfibios,


etc."². Ele a restringia, entretanto, a animais que, segundo seu ponto de
vista, se desenvolviam no barro mediante "metamorfose"³.
10 A Origem da Vida Por Evolução

As afirmações relativas à geração espontânea foram sendo cada


vez mais exageradas, até que, em fins da Idade Média, chegou-se a
acreditar na existência de "árvores capazes de produzir frutos que
4

continham gansos ou cordeiros". E ainda, em 1662, o jesuíta Atanásio

Kircher “ufanava-se de ter a receita para produzir artificialmente todas


5

as espécies de animais"

Eis aqui a receita para a produção de moscas vivas a partir de


moscas mortas da mesma espécie: "Aspergem-se e lavam-se as moscas
mortas, com água melada. Em seguida, colocando-as sobre uma placa
de cobre, expõem-se ao calor brando de cinzas ainda quentes, e ver-
se-á nascer delas, quase imperceptivelmente, minúsculos vermes que,
aos poucos, à medida em que criam asas, tomam a forma de pequenas
moscas, que vão crescendo até se converterem em moscas grandes e
perfeitamente proporcionadas".

Outras receitas de Kircher consideram, por exemplo, a produção


de escorpiões, serpentes e rãs 7. Havia mesmo quem acreditasse que
poderiam nascer camundongos de uma camisa suja posta dentro de
um frasco com grãos de trigo³. Para nós, hoje, tudo isso parece ridículo,
mas durante muito tempo não foi!

B FRANCESCO REDI: O PRIMEIRO GRANDE GOLPE


-

SOFRIDO PELA GERAÇÃO ESPONTÂNEA

A primeira pessoa que surge no mundo opondo-se a essa visão


mágica da origem dos animais foi o italiano Francesco Redi (1626-1698)".
O golpe desferido por ele contra a geração espontânea foi de tal ordem,
que forçou os adeptos desse conceito a tomarem a defensiva. Sua
argumentação foi tão crucial, no estudo dos seres vivos, que o título de
"pai da biologia moderna” a ele concedido encontra somente um rival na
pessoa de Lazzaro Spallanzani (1729-1799), por sinal também outro tenaz
opositor da geração espontânea.
Fernando De Angelis 11

Redi demonstrou que, se as moscas fossem impedidas de depositar


seus ovos sobre o material inerte (por exemplo, utilizando uma rede de
malha fina) não haveria a produção de verme algum. Fez então
rigorosamente a afirmação de que os seres vivos têm origem somente a
partir de outros seres vivos (Biogênese). Redi admitia, entretanto, que os
pequenos vermes encontrados nas cerejas podiam ser produzidos a partir das
próprias cerejas, (pois as cerejas têm vida). No todo, porém, combatendo a
origem de seres vivos, a partir de material inerte, posicionou-se contra todas
as fábulas e superstições que mencionamos no capítulo anterior, e que eram
grandemente aceitas, tanto pelo povo comum quanto pelos eruditos.

10 11

Depois de Redi, outros biólogos, como Malpighi, Vallisneri e


Réaumur, levaram avante a luta contra a geração espontânea, até finalmente
chegar-se a declarar que os seres vivos derivam de outros seres vivos da
mesma espécie. Ficou claro, assim, que o verme das cerejas é gerado por
uma mosca que deposita um pequeno ovo na própria cereja. E descobriu-se
que esse pequeno ovo se transforma em verme, que, por sua vez, se
transformará na mesma espécie de mosca.

Redi contra Kircher, o padre jesuíta; Redi contra a magia e a


superstição; e por isso também Redi contra a Bíblia? Muitos são inclinados
a pensar dessa forma. E, como na polêmica sobre a geração espontânea e o
evolucionismo, freqüentemente se faz referência ao texto bíblico e à religião,
torna-se necessário abordar brevemente esses argumentos, mesmo porque
sobre eles existe ainda muita incompreensão.

C - A BÍBLIA: UM LIVRO CONTRA O OBSCURANTISMO

A Bíblia (Antigo e Novo Testamento) é, para alguns, um livro da


Idade Média. Entretanto, deve ser lembrado que ela começou a ser escrita
na antigüidade remota, e foi completada no primeiro século da era cristã,
sendo portanto um livro muito anterior à Idade Média. Na época medieval
12 A Origem da Vida Por Evolução

(aproximadamente de 476 a 1492 A.D.), era dado muito maior valor a


histórias inventadas, e a superstição estava muito mais disseminada do que
a verdadeira fé.

Embora a maioria dos Italianos* tenha um exemplar da Bíblia em


seu lar, geralmente não a lêem, e portanto não sabem distinguir entre aquilo
que nela está escrito e aquilo que, no decorrer da história, tem-se dito que
nela está declarado.

Para muitos a culpa mais grave da Bíblia é ter sido a causa da


perseguição movida contra Galileo, mas, compulsando-se um pouco da
documentação pertinente, verifica-se rapidamente que não importava tanto
aos acusadores de Galileo difundir a literalidade do texto bíblico, quanto
defender a filosofia, a teologia, e a hierarquia social e religiosa da época.
De Agostinho (século IV) em diante, a Igreja Católica Romana nunca teve
maiores dificuldades para interpretar simbolicamente os textos bíblicos.
Desde o Concílio de Trento (1545-1563) até ao Papa João XXIII (1958), a
Bíblia nunca ocupou no catolicismo uma posição central porque, na polêmica
anti-protestante, era dada posição mais preeminente à função da hierarquia
e à tradição.

Quando Josué disse: "Sol, detém-te” (Josué 10:12), não estava

dando uma aula de astronomia. Estava, sim, empenhado em uma batalha,


na qual necessitava de condições específicas de iluminação, para
assegurar-lhe a vitória sobre seus inimigos. Josué pronunciou aquelas
palavras, como diz o texto, “na presença de todo o povo". Ainda hoje,
mesmo um erudito, em circunstâncias semelhantes, utilizaria as mesmas

palavras. Se dissesse: "Detém-te Terra", a expressão pareceria ridícula


e sem sentido aos seus ouvintes.

A própria Igreja Católica comenta hoje a questão da mesma forma


que então Galileo a interpretava¹², afirmando que a Bíblia nos ensina “como
se anda em direção ao céu”, e não “em que direção anda o céu”.

(*) E talvez também os Brasileiros (Nota do Tradutor).


Fernando De Angelis 13

Como a Bíblia não foi a verdadeira causa da oposição a Galileo,


devemos ter o cuidado de não descrever seus acusadores tendo o livro
sagrado em punho. Entretanto, se o fizermos, deveremos pôr a Bíblia
também nas mãos do próprio Galileo, que bem a conhecia, a estimava e a
respeitava, e dela também retirava forças para resistir e contra atacar a
seus adversários. Aos que o acusavam de colocar-se contra o texto
sagrado, respondia, como resume P. Rossi, que "Os decretos da Escritura
são de absoluta e imutável verdade. Ela jamais poderá errar. Não
obstante, seus intérpretes podem errar; principalmente com relação
a proposições, cuja forma depende da necessidade de adaptá-las à
13

capacidade de compreensão do povo hebreu"

Galileo estava convencido de que a doutrina de Copérnico, que


ele defendia com veemência, estava muito mais em conformidade com
14

o texto bíblico do que a doutrina de Ptolomeu • Ao expor suas


convicções, portanto, Galileo não tinha a intenção de desacreditar a
Escritura. O próprio sistema de Copérnico não surgiu em contraposição
à Bíblia. Na realidade, Copérnico, um sacerdote católico, expôs o seu
sistema em um livro que dedicou ao próprio Papa.

Destacamos a posição de Galileo com relação à Bíblia, porque em


Redi, seguidor do método científico de Galileo, encontramos a mesma atitude

respeitosa para com ela. Redi a conhecia profundamente, e da mesma forma


que Galileo, servia-se dela também para defender-se contra certos
eclesiásticos hostis e altamente influentes, que o atacavam. Eis como
Omodeo resume a situação: "As dificuldades que Galileo enfrentou não
eram tão remotas que tivessem sido esquecidas. Um naturalista amigo
de Redi esteve encarcerado e foi depois exilado pelo Santo Ofício,
por haver ousado afirmar que as cobras espanholas eram venenosas,
enquanto era uma verdade a ser aceita pela fé que elas tinham deixado
de ser venenosas, desde quando haviam sido exorcizadas por um santo
bispo. Redi pôs as coisas no devido lugar, não se improvisando como
14 A Origem da Vida Por Evolução

teólogo, mas sim raciocinando como humanista, ou melhor dizendo,


como filólogo. Ele cita os textos sagrados, confronta as várias
passagens, refuta as interpretações possivelmente contrárias, ostenta
seus bons conhecimentos de Hebraico e Árabe, e assim, na realidade,
desencoraja até o mais contencioso adversário de avançar contra
essas suas trincheiras".

Conseguiu ele o seu sucesso, posicionando-se "sobre o terreno da


15

interpretação literal do próprio texto"

Influenciado pelo relato de Gênesis, Redi convenceu-se de que os


primeiros seres vivos foram criados pelo Deus da Bíblia, e que, daí em diante,
nascem somente da “semente" de outros seres vivos. Afirma ele:

"Em função de muitas observações feitas por mim muitas vezes,


sinto-me inclinado a crer que, desde aquelas primeiras plantas e aqueles
primeiros animais, que a terra produziu nos primeiros dias do mundo,
por ordem do soberano e onipotente Criador, nunca mais ela produziu
por si mesma nem erva, nem árvore, nem qualquer animal perfeito ou
imperfeito. E tudo o que agora nasce ou que vemos na terra, procede
16

totalmente das próprias sementes das plantas ou animais"

Existem modos de crer em Deus e na Bíblia, que permeiam o mundo


com magia e milagres inexistentes. Entre outros modos de crer em Deus e
na Bíblia, existe um que produz, naquele que crê na Bíblia, uma atitude de

grande racionalidade porque, concentrando os eventos milagrosos em


momentos particulares (a criação do mundo, o êxodo dos Hebreus do Egito,
a vinda de Cristo, etc.) e em circunstâncias específicas, retira do mundo a
superstição e a confusão. De maneira geral, o milagre bíblico ocorre dentro
dos limites das leis naturais, e apresenta-se como milagre principalmente
aos olhos daqueles que crêem, reforçando neles o sentido da realidade e

das suas regras. A magia, pelo contrário, trata de substituir a realidade, e a


ela sobrepor-se, tendendo a desvalorizá-la.
Fernando De Angelis 15

Na vitória de Davi sobre Golias, por exemplo (I Samuel 17), sob


certo ponto de vista, nada há de extraordinário. A confiança de Davi na
vitória estava fundamentada solidamente em sua experiência ("Teu servo
matou o leão e o urso e o mesmo acontecerá a este filisteu incircunciso" -
versículo 36) e ele próprio preparou-se racionalmente ("Tomou seu cajado,
escolheu cinco pedras lisas do riacho, colocou-as na sua bolsa, e com a
funda na mão foi enfrentar o filisteu" - versículo 40).

No Antigo Testamento, Deus operou milagrosamente sobretudo através


de Moisés. Mas, igualmente através de Moisés, ele se manifesta como "o
Deus da Lei", lei à qual ele mesmo se vinculou livremente, assemelhando-se
assim mais a um monarca constitucional do que a um absolutista.

É portanto a lei - em outras palavras, a racionalidade -


e não os

milagres ocasionais, que constitui a base estável do governo de Deus. Este


conceito é difícil de ser entendido, por exemplo, por um muçulmano, para
quem Deus, em cada instante, está decidindo o que fará. Para ele as leis são
somente aparentes, representando sobretudo os costumes de um Deus de
comportamento bastante imprevisível.

Também no Novo Testamento, os milagres não têm como objetivo


contrapor-se às leis que regem o mundo. Eles mesmos, de alguma
forma, estão sujeitos a leis mais ou menos explícitas. Isso pode ser
visto, analisando-se, por exemplo, o episódio relatado nos Evangelhos
sobre a multiplicação dos pães. Aí está um feito milagroso, que
aparentemente foi percebido somente pelos apóstolos. De qualquer
modo, a multiplicação dos pães está vinculada a circunstâncias
específicas, que a tornam dificilmente repetitível. Os seguintes detalhes

podem ser destacados: 1) A multidão não se alimentava já há três


dias, por causa de seu desejo de seguir a Cristo; 2) todos corriam o

risco de morrer por exaustão; 3) haviam sido usados todos os pães


disponíveis; 4) por ser um lugar ermo, não havia possibilidade de
16 A Origem da Vida Por Evolução

comprar o pão necessário; 5) as sobras não deviam ser desperdiçadas


simplesmente porque havia quem podia fazer a multiplicação, mas
tinham de ser recolhidas e usadas, porque aquele milagre não constituía
17

norma, mas sim exceção

Em conclusão, a fé bíblica não avilta a racionalidade, mas sim a


exalta. Existem outros biólogos que, como Galileo e Redi, parecem
ter mantido alta consideração pela Bíblia. Lembremo-nos de Lineu,
devoto protestante; dos abades Spallanzani e Mendel; de Pasteur; e,
de maneira geral, dos expoentes do criacionismo científico, que por
dois séculos (de fins do século XVII a fins do século XIX)
desempenharam sua parte para os decisivos progressos experimentados
pelas ciências naturais. É exatamente a esse movimento que nos
devemos volver no ítem seguinte, para eliminar outros equívocos e
compreender melhor o desenrolar da luta contra a geração espontânea.

D-NASCIMENTO E FUNÇÃO DO CRIACIONISMO FIXISTA,


CIENTÍFICO E HISTÓRICO

A convicção íntima de que o mundo foi criado por Deus sempre


esteve presente na humanidade, entretanto não é deste tipo impreciso de
criacionismo que trataremos aqui. Nem tampouco falaremos daquele tipo
de criacionismo que se harmoniza com a geração espontânea ou com a
evolução.

O criacionismo que nos propomos abordar nasceu exatamente no


século XVIII e é fixista por excelência. Isto significa que ele sustenta a
fixidez das espécies, as quais, tendo sido criadas diretamente por Deus, na
Semana da Criação, não têm como formar-se a não ser por reprodução de
progenitores da mesma espécie. "No sétimo dia terminou Deus tudo o que
havia feito"... "então abençoou o sétimo dia e o santificou, porque
Fernando De Angelis 17

nesse dia descansou de todo Seu trabalho de criação", assim reza a


Bíblia (Gênesis 2:2-3) após mencionar várias vezes a criação e a reprodução
"conforme a sua espécie” (Gênesis 1:11, 12, 21, 24, 25).

O papa Gregório Magno (540-604) pode ser considerado como


criacionista fixista, ao contrário de Agostinho (354-430) e de muitos outros
"pais da Igreja", que se inclinavam mais a favor de uma criação que, em
seguida, tivesse experimentado o desenvolvimento evolutivo das espécies.
Tomás de Aquino (1225-1274) inclinava-se também a favor do criacionismo
18

evolutivo da mesma forma que Agostinho.

Tendo em mente o peso exercido no cristianismo ocidental por


Agostinho e Tomás de Aquino, não constitui surpresa a Igreja Católica ter
sempre olhado com suspeição o criacionismo fixista.

O criacionismo de Gregório Magno baseava-se principalmente em


argumentos bíblicos e teológicos, pelo que se torna necessária a qualificação
de "científico" para indicar que aquilo que estamos considerando tem também

uma base científica. Nossa intenção é propor e defender nossas convicções


cientificamente, usando argumentação e evidências, senão exclusivamente,
pelo menos predominantemente provenientes do âmbito da própria ciência.

Este tipo de criacionismo (de Redi a Mendel) pode ser designado de


"histórico", para distingui-lo do criacionismo de nossos dias, que tem suas
características próprias. O Criacionismo fixista científico e histórico
freqüentemente é chamado abreviadamente de Criacionismo Fixista, ou

Criacionismo Científico, ou simplesmente Criacionismo. Assim, a menos


que seja especificado de outra forma, entenderemos por Criacionismo o
Criacionismo fixista científico e histórico.

Muitas pessoas, não familiarizadas com a questão, ao ouvir falar de


Criacionismo, freqüentemente pensam em algo completamente diferente e
18 A Origem da Vida Por Evolução

até mesmo oposto ao verdadeiro significado da palavra. De fato,


basta lembrar que o Criacionismo, em suas linhas gerais, nasceu com
Redi (em torno de 1668), enquanto que muitos deslocam sua origem
para a mais remota antigüidade, identificando-o erroneamente com as
convicções dos adversários de Redi.

Outros cientistas, depois de Redi, contribuíram para dar ao


Criacionismo um desenvolvimento sistemático, levando-o ao ponto de
tornar-se com ênfases variáveis - o paradigma para a melhor biologia
do período que se seguiu. Malpighi, Vallisneri, Spallanzani, Lineu, Pasteur,
Mendel, todos eles, cada um em seu próprio modo, procederam tendo o
Criacionismo como princípio geral. De fato, depois da demolição da
19

geração espontânea, a obra de cada um deles (especialmente Lineu e


Mendel 20) constituiu uma contraposição válida ao Evolucionismo.

Os que fizerem comparações com a história de Galileo e o sistema


de Copérnico (e são muitos os que assim procedem), não devem cair no
erro de considerar o Criacionismo como a antiga teoria. Cattaneo, um
21

naturalista do século passado escreveu que "sempre se acreditou


em alguma forma de evolucionismo, mas a novidade que surgiu no
campo científico, na primeira metade do século XVIII, foi o credo
fixista. Não há nada de paradoxal nessa afirmação, mas sim uma
verdade muito simples, embora há muito esquecida. De fato, quanto
mais se multiplicam os estudos sobre a Evolução, e quanto mais se
buscam os precursores de Darwin e Lamarck, tanto mais difícil fica
de rejeitar tal conclusão".

Por outro lado, Omodeo afirma diretamente: "O Criacionismo,

que na perspectiva atual surge como uma antiga e arraigada


doutrina teológica, na realidade foi formulado em fins do século
XVII, e só aceito pelo magistério eclesiástico em torno de 1740,
22

após meio século de investigações eivadas de suspeitas."


Fernando De Angelis 19

Para melhor caracterizar a posição a favor e contra o Criacionismo, voltamos


23
ainda a Omodeo":

"A tese de que a perfeição dos seres vivos testemunha o poder e a


inteligência divina não representa, no final do século XVII, ... uma resignada
concessão à ortodoxia. ... Bastasse alguém acrescentar que tal perfeição
deriva de uma intervenção divina que criou de um só golpe a ordem natural,
da qual somos testemunhas, para que surgissem violentos protestos. De
fato, a tradição, reforçada pela Contra-Reforma, postula uma criação per
causas -

uma criação na qual Deus se serve de causas secundárias para


realizar seus propósitos. Neste ponto, o magistério da Igreja Católica, apoiado
pela propaganda realizada pelos Jesuítas, é taxativo e preciso. Nas Igrejas
Reformadas, entretanto, a idéia de uma intervenção criativa única (in actu,
conforme o linguajar da época) encontra forte apoio. Na verdade, esta
idéia foi lançada por um filósofo católico, o abade Malebranche, em pleno
acordo com o luterano Swammerdam, e com o apoio posterior de devotos
24 25

protestantes como por exemplo Derham, Bonnet ", Lineu e Cuvier. Mais
tarde, o próprio magistério católico, abandonando as posições tradicionais
também se alinhou ... com a posição mantida pelos protestantes ... o que
não teve lugar senão somente em torno de 1740".

O Criacionismo no século XVIII expressou-se como preformismo,


posição esta que mantinha que "todos os corpos de animais e seres
humanos que nascerão até o fim dos tempos são produto direto do ato
criativo original, ou, melhor dizendo, todas as fêmeas foram criadas
26

com a descendência de sua própria espécie dentro delas mesmas'


"

Tal conceito opunha-se à epigênese, que via no desenvolvimento do ovo


fecundado uma espécie de geração espontânea. Ambas as concepções
obviamente parecem-nos hoje limitadas, mas devemos reconhecer que era
difícil então sequer imaginar a existência do DNA, cuja descoberta recente,
27

em 1953, pôs termo à questão. Montalenti entretanto, defende que, de


maneira geral, foi o preformismo o responsável pelo progresso da biologia,
estando por sua vez mais próximo da realidade.
20 A Origem da Vida Por Evolução

28

Dentre os que promoveram o preformismo estavam os Jansenistas


que eram os católicos que mais se aproximavam dos protestantes. Isto, de
29

fato, não surpreende, pois a idéia preformista havia sido elaborada pelo
30

abade católico Malebranche em conjunto com o fervoroso protestante


31

Swammerdam. Uma atuação semelhante foi também levada a efeito


posteriormente pelo abade católico Spallanzani, cuja amizade intelectual com
32

Bonnet, "protestante e profundamente religioso" foi tal que, escreve


Tourdes "seria difícil encontrar na história da ciência duas pessoas que
tivessem mantido correspondência escrita mais fervorosa, ativa e sincera”³³.

Outro grande defensor de Spallanzani foi Voltaire, que


34

"acompanhava o trabalho de Spallanzani com particular interesse”


Em carta dirigida a um amigo, lançava-se Voltaire contra o grande
adversário de Spallanzani, o sacerdote católico Needham, defensor da
geração espontânea das formas de vida microscópicas. “Poderia você
35

crer", escreveu Voltaire "que um jesuíta irlandês acabasse pondo as


'

armas nas mãos dafilosofia ateísta, declarando que os animais se formam


por si mesmos? ... Foi necessário, finalmente, que Spallanzani, o melhor
observador da Europa, demonstrasse de modo inequívoco a inconsistência
das experiências daquele Needham imbecil. Creia-me, meu caro
...

Marquês, não há nada de bom no ateísmo".

Voltaire associa Needham aos Jesuítas (embora ele mesmo não


fosse), e, em conexão com essa problemática, observa uma linha de,
pensamento comum entre os Jesuítas e os ateus. Da mesma forma, o
fervoroso protestante Bonnet "acusava Buffon e Needham ambos -

36

substancialmente vitalistas - de ateísmo materialista "³6. Esta combinação


Jesuítas/ateístas pode nos parecer bastante estranha, mas as palavras de
Voltaire tornaram-se proféticas porque, embora no início fossem os
Jesuítas os mais fortes defensores da geração espontânea, posteriormente
os ateístas é que passaram a sê-lo. De fato, dois séculos mais tarde, foi
um Jesuíta - Teilhard de Chardin (1881-1955) - quem abriu o caminho
para a aceitação da evolução pela Igreja Católica. Poderia isto resultar
Fernando De Angelis 21

em ser a doutrina Jesuíta, com sua exagerada exaltação do Papa, uma


forma de ateísmo cristianizada, num retorno ao culto romano do imperador?
Valeria a pena investigar isto seriamente. Veremos (capítulo 3/F/b) que
os Jesuítas de hoje admitem esse possível deslize dos católicos no sentido
da "papolatria", mas demorar-nos neste assunto levar-nos-ia para bem
longe de nosso tema central. Seria bom observar, entretanto, que a
controvérsia envolve pelo menos três lados - ateístas, criacionistas e
clérigos evolucionistas - e não somente dois lados - ateístas e clérigos. E,
ainda mais, cada um dos lados encara os outros dois adversários como
sendo semelhantes entre si!

Para concluir,

"Para os naturalistas dos séculos XVII e XVIII, desejosos de


introduzir na biologia elementos de racionalidade válidos, era essencial
livrar-se do campo das contínuas intervenções milagrosas da
Providência e de outras entidades, que então se pensava terem sido
encarregadas de prosseguir a obra do Criador. Tais intervenções eram
persistentemente postuladas pelos seguidores das antigas tradições....
Deve-se acrescentar que era considerada também como exigência vital
eliminar as interpretações da biologia do desenvolvimento todo o

complicado sistema de idéias introduzido pelas concepções mágicas do


Renascimento. O Criacionismo fixista, que hoje geralmente se
...

considera como um antigo corpo doutrinário edificado para defesa da


ortodoxia, realmente foi elaborado em princípios do século XVIII, para
desempenhar essa função libertadora. As pessoas responsáveis por
essa tarefa foram estudiosos de países protestantes, que tinham a
vantagem de estar livres da pesada tutela da Inquisição, e dos entraves
da filosofia tradicional, que já havia sido combatida por Lutero. Assim,
37

a idéia de um ato criativo único (una tantum)", que houvesse


estabelecido para sempre a ordem no Universo, da qual somos
testemunhas oculares, não foi aceita pela Contra-Reforma. Os Jesuítas,
em particular, lutaram contra essa idéia. Os motivos que os levaram a
38

adotar essa posição, sem dúvida, foram numerosos e complexos"


22 A Origem da Vida Por Evolução

Em resumo, encontramos como aliados do Criacionismo os melhores


biólogos da época, os protestantes, o grande vulto do Iluminismo - Voltaire
-, e o segmento do Catolicismo (minoria na época) mais aberto ao mundo
moderno. Dentre estes católicos, merecem menção especial os
Jansenistas, que foram adversários históricos dos Jesuítas, e promotores
de uma renovação semelhante à dos protestantes, que, embora não tendo
sido aceita na época, a longo prazo produziu efeitos positivos profundos,
especialmente através do Concílio Vaticano II (1962-1965). Este Concílio
concordou com várias das propostas (pelo menos em alguma extensão),
como por exemplo, entre outras, a de dar mais espaço à Bíblia, acentuar
a liberdade de consciência, e o princípio de que a Igreja deve operar
mediante persuasão e não coerção, o uso da língua nativa na liturgia, a
ênfase na necessidade da conversão, e o reconhecimento de uma maior

autonomia com relação à autoridade política. Tais mudanças aproximaram


bastante a cultura católica da protestante.

Tanto Mazzini quanto Cavour eram de famílias jansenistas, e


Manzoni, em parte, converteu-se em resultado de sua amizade com um

sacerdote de tendências jansenistas. De maior interesse para nós, neste


39

estudo, é que Pasteur alegremente voltou-se a Pascal aquele grande


"

cientista e pensador cristão, que também foi o mais famoso dos Jansenistas.

Por outro lado, entre os mais conspícuos opositores do Criacionismo


encontramos principalmente os Jesuítas, juntamente com aquele segmento
do catolicismo que mais profundamente esteve envolvido com a Inquisição,
e com o fechamento da sociedade a qualquer renovação política e cultural.

Os adversários de Copérnico e Galileo tornaram-se então


adversários do Criacionismo. Desta forma, se associarmos o
criacionismo histórico dos séculos XVIII e XIX ao obscurantismo,
não somente estaremos cometendo um erro, mas estaremos
subvertendo a própria história.
Fernando De Angelis 23

E - SPALLANZANI: UMA VITÓRIA INCOMPLETA

Já vimos que Spallanzani disputa com Redi o título de "pai da biologia


moderna", e também falamos a seu respeito na seção anterior. Entretanto,
dada a importância de sua obra, torna-se necessário considerá-lo mais

detalhadamente.

40

Spallanzani (1729 -1799) na luta contra a geração espontânea,


'

coloca-se entre Redi (1626 - 1698) e Pasteur (1822 - 1895). De fato, Redi

faleceu em fins do século XVII, Spallanzani em fins do século XVIII, e


Pasteur em fins do século XIX. Spallanzani situa-se não só
cronologicamente entre os outros dois, mas também pelo tipo de trabalho
que executou. Redi lançou as bases para a eliminação da geração espontânea
no âmbito dos animais visíveis a olho nu, enquanto Spallanzani lutou contra
a tese da geração espontânea dos seres microscópicos, e embora não
conseguindo vencê-la, preparou o caminho para a vitória final de Pasteur.

Para os adversários de Redi, sua argumentação era somente


parcialmente válida, e a luta entre as duas escolas de pensamento
prosseguiu até mesmo após a sua morte. Os defensores da geração
espontânea deslocaram a discussão para as formas de vida microscópicas,
que apareciam em abundância nas infusões (água em que substâncias
orgânicas de vários tipos eram deixadas em decomposição). Observavam-
se, nas infusões, bactérias, protozoários e vários animais minúsculos. Em
41

meados de 1750, o monge e cientista Needham", apoiado por Buffon,


então tido em alta estima, sustentava que "Todas essas criaturas podem
transformar-se umas nas outras, isto é, as plantas podem animalizar-
se, e os animais vegetalizar-se. Assim, o germe de um grão de trigo, posto
na água, dá origem a filamentos vegetais, que podem ser destacados, e
isolados em um vidro de relógio, em seguida produzindo minúsculos
animais. Da mesma maneira poderiam ser vistas moscas ou cigarras
mortas gerar fungos."
24 A Origem da Vida Por Evolução

Ele cria que nos líquidos orgânicos - e mais geralmente em todas as


partes da natureza - existe uma força produtiva ou vegetativa, capaz de
criar seres animados. A maioria dos abiogenistas não chega a esses extremos,
mas, de qualquer forma, "muitos naturalistas criam na geração espontânea
42

dos seres microscópicos"

Foi neste contexto de intenso reavivamento da tese da geração

espontânea que Spallanzani iniciou suas experiências. Na época, era ele


um jovem de trinta anos, praticamente autodidata. Dentro de poucos anos,
2,43
descobriria "mais verdades que todas as Academias durante meio século "*³.
Mas não foi somente a quantidade de suas descobertas que o levou a afirmar
que "Pode não ser exagero vê-lo como o fundador da biologia tal qual a
..44

entendemos hoje em dia"". Foram, sobretudo, os princípios e os métodos


que ele utilizou, que o revelam como essencialmente moderno.

Spallanzani contribuiu de maneira singular para demonstrar que a


origem das funções peculiares de um ser vivo (digestão, respiração,
fecundação, etc.) "não depende de alguma influência misteriosa que seja
inerente à própria vida. Em síntese, ele trabalhava efetivamente para reduzir
os fenômenos vitais ao nível puramente físico-químico, o que é exatamente
a direção da biologia moderna, independentemente de qualquer opinião
filosófica que se mantenha sobre a própria natureza e sobre a origem da
vida. A esse respeito, pode-se dizer que este sacerdotefoi o grande iniciador
.45
da biologia antivitalista' ou seja, da biologia contrária ao vitalismo, que
,

via, nos fenômenos das funções em seres vivos, a ação de forças misteriosas
não mensuráveis.

Para descobrir se efetivamente os animalículos das infusões surgem


por geração espontânea, Spallanzani fez ferver alguns recipientes de vidro
selados, contendo as mesmas infusões. Nos recipientes postos a ferver
durante uma hora, nunca se observou qualquer infusório, o que levou-o a
rejeitar a geração espontânea.
Fernando De Angelis 25

Needham objetou que Spallanzani "havia submetido as infusões a


um aquecimento excessivo, e assim, expondo a natureza à tortura,
obrigou-a a dizer o contrário. De acordo com Needham, a fervura
excessiva havia produzido dois efeitos: por um lado, havia destruído
a força prolífica ou vegetativa das substâncias da infusão; por outro
lado, havia corrompido o ar do recipiente. ... O tempo necessário para
cozinhar um ovo de galinha era o suficiente para destruir todos os
,,42
germes que porventura existissem

Essas objeções de Needham não eram destituídas de fundamento, e


Spallanzani efetuou outras experiências para superá-las, no que foi
parcialmente bem sucedido. Entretanto, nenhum dos dois conseguiu aduzir
provas suficientemente convincentes. De qualquer forma, “apesar de
inevitáveis imperfeições, as experiências de Spallanzani foram claras e
engenhosas, se for levada em conta a época em que foram feitas. É
inegável que foram exatamente essas experiências que abriram o
caminho para os trabalhos de Pasteur, um século mais tarde. Pasteur
sempre prestou homenagem à engenhosidade e à clarividência do Italiano
... e colocou um grande retrato de Spallanzani pendurado na parede
,,47
sobre a lareira de sua sala de jantar, exatamente em frente ao seu.

Não sabemos muito sobre a concepção que Spallanzani tinha do


mundo. Em sua obra, “há uma notável ausência de referências diretas
ou indiretas, seja ao conceito cristão de um Deus que governa o
Universo que criou e dotou de leis imutáveis (como se apresenta na
obra de Vallisneri ou Bonnet), seja ao Ente Supremo de clara
inspiração iluminista.... Rigorosamente, alguma rara alusão a Deus
e Sua onipotência está presente nos trabalhos de sua juventude, mas
são apenas expressões formais, destituídas de qualquer verdadeiro
significado religioso, muito longe das apaixonadas invocações de
Bonnet.... Não se quer afirmar com isto que Spallanzani fosse um
homem irreligioso ou sem religião, mas simplesmente destacar o fato
.48

que para ele a religião pertencia à esfera da privacidade' Sua


"

49

vida privada era algo que "ele guardava zelosamente e com sucesso,
,

até mesmo em suas cartas e notas inéditas!


26 A Origem da Vida Por Evolução

Entretanto, alguma idéia sobre a orientação geral de Spallanzani


pode ser encontrada nas seguintes considerações feitas por Carlo
Castellani:

"Spallanzani, sob muitos aspectos, estava bastante adiantado


para a sua época, para que mesmo os cientistas contemporâneos
pudessem entendê-lo e tomá-lo como exemplo. Talvez isto explique
seu profundo isolamento, e especialmente o fato de que nenhum de
seus muitos discípulos trabalharam ao seu lado, nem perseguiram
o caminho que ele havia aberto. Spallanzani provavelmente foi
...

considerado como uma espécie de corpo estranho no tecido do meio


"soi-disant" científico de sua época. ... Lazzaro Spallanzani não
pertence propriamente à ciência do século XVIII, mas tem pleno
direito de se inscrever ao lado dos positivistas do século XIX. Na
realidade, não é por acaso que os primeiros a intuir o sentido e a
importância das pesquisas efetuadas pelo biólogo emiliano foram
de fato dois homens da primeira metade do século XIX. Não foi
também por acaso que os dois trabalhavam na área de Genebra,

local que Spallanzani havia escolhido para seu constante ponto de


referência".

A verdade é que a obra e a metodologia de Spallanzani


silenciosamente acenderam a chama daquela verdadeira revolução
científica que, ignorada no século XVIII, acabou por explodir no século
XIX, e cujos frutos mais significativos emergiram na Introduction de
Claude Bernard e na microbiologia de Louis Pasteur",50.

A propósito, foi Claude Bernard quem "contribuiu, como poucos


outros cultores da fisiologia, para o progresso dessa ciência, não
só com a descoberta de muitos fatos de importância fundamental,
mas também pela direção metodológica e doutrinária a ela impressa.
Fernando De Angelis 27

A ele se deve, em grande parte, a adoção do método experimental


51

no estudo dos problemas da medicina clínica e terapêutica"


52

Naturalmente, também ele foi um dos críticos do evolucionismo

A conexão que Castellani estabelece entre o italiano Spallanzani


e o francês Pasteur passa, assim, pela Suíça, e mais precisamente
por Genebra, a cidade que Calvino havia plasmado com rigor bíblico
em torno de 1550, e que desde então irradiou economistas e
reformadores por todo o mundo. Sem dúvida, o abade Spallanzani
poderia sintonizar-se, não tanto com a teologia como com a atitude
de Genebra, como se pode deduzir não só da sua amizade profunda e
duradoura com Bonnet, mas também de sua profunda afinidade com
o pastor evangélico Senebier. Mas, como observa Di Pietro, "ele
não se deixou arrastar por qualquer especulação filosófica (e
religiosa, acrescentamos nós), descartando qualquer alusão nesse
sentido feita por Bonnet" ou por qualquer outra pessoa. Di Pietro
encerra seu estudo com as seguintes palavras: "Para concluir,
podemos dizer que as relações de Spallanzani com os estudiosos
suíços - particularmente Haller, Bonnet e Senebier constituem
uma base significativa do seu pensamento, merecendo ser
,,53
examinadas mais a fundo" A nós interessaria em particular

compreender por quais caminhos, em Genebra, a exaltação da Bíblia


levou à melhor compreensão cultural e científica. No momento,
devemos nos contentar em simplesmente anotar o fato.

Enquanto na Itália o catolicismo ainda pensava em iluminar o mundo


com as fogueiras da Inquisição, Spallanzani fazia amizade com os hereges
de Genebra, demonstrando assim também estar bem adiante de sua
época no campo religioso. Ele mostrava, assim, uma vez mais, que o
cristianismo nada tinha a ver com o obscurantismo, o que entretanto
não acontecia com um modo distorcido de compreender o cristianismo.
28 A Origem da Vida Por Evolução

FPASTEUR: A MORTE APARENTE DA GERAÇÃO


ESPONTÂNEA

Pasteur iniciou suas pesquisas como químico, examinando as


propriedades peculiares de certas substâncias, produzidas durante as
fermentações, de desviar a luz polarizada. As importantes descobertas, que
ele fez neste campo, levaram-no a interessar-se pelas fermentações e a indagar
se elas seriam ou não o produto de microrganismos. Pensava-se, naquela
época, que a resposta seria negativa, mas Pasteur demonstrou que onde havia
fermentação, havia também a presença e a multiplicação de micróbios.

Foi assim que Pasteur defrontou-se com a questão da origem dos


micróbios seriam eles resultado da geração espontânea ou de sua própria
-

reprodução? O problema, como vimos, arrastava-se já por longo tempo, e


apesar das importantes contribuições de Spallanzani, ainda permanecia em
aberto. O interesse pelo assunto aumentou com a publicação de um livro de
700 páginas, escrito por Pouchet, em 1859, defendendo a geração espontânea.
No mesmo ano, surgiu também o aclamado e volumoso livro de Charles Darwin
- "A Origem das Espécies", com 500 páginas.

A Academia de Ciências francesa, estimulada pelas controvérsias


suscitadas pelo livro de Pouchet, ofereceu um prêmio para quem, dentro de
três anos, lançasse nova luz sobre a questão da geração espontânea, através
de experiências bem conduzidas.

Pasteur foi desaconselhado a enfrentar a questão, primeiro por não


ser biólogo, e depois pela própria dificuldade do problema, já então secular.
Apesar disso, resolveu enfrentá-la, e, poucos meses depois (6 de fevereiro de
1860), já estava apto a relatar algumas importantes descobertas. Em 3 de
junho de 1861, transmitiu ele à Academia sua memória conclusiva, com a
qual ganhou o prêmio, e, mais importante ainda, aduziu provas inequívocas de
que os microrganismos derivam tão somente de outros microrganismos, e
não de geração espontânea.

55

A comunicação de Pasteur à Academia" foi breve, clara, e ainda


perfeitamente válida até hoje. Em outras palavras, exatamente o contrário
Fernando De Angelis 29

daquelas outras volumosas obras citadas acima - a própria publicação de


Darwin pode ser vista hoje como plena de avaliações científicas incorretas.
O trabalho de Pasteur inicia-se com um capítulo que traça a história da geração
espontânea, passando em seguida à exposição das etapas lógicas de sua
investigação e das experiências que efetuou, para chegar à solução do
problema. Pela filtração do ar e pelo exame da poeira depositada no filtro,
Pasteur provou irrefutavelmente a existência de uma profusão de
microrganismos no ar. Então, mediante a memorável experiência que
descreveremos resumidamente a seguir, ele demonstrou que são esses germes
que produzem a fermentação das várias substâncias.

Anteriormente às experiências de Pasteur, já se sabia que um líquido


fervido e selado hermeticamente não fermentava. Porém, se em seguida ele
fosse posto em contato com o ar, a fermentação iniciava-se e continuava
rapidamente. O que havia no ar que provocava a fermentação? Era certamente
algo que o calor destruía, porque, se fosse posto ar calcinado sobre o líquido
fervido (isto é, ar que houvesse passado por tubos incandescentes), a
fermentação não se iniciava. Permanecia, entretanto, uma dúvida: era uma
substância química específica que causava a fermentação, ou eram os
microrganismos contidos no ar? Naturalmente os partidários da biogênese
achavam que eram os germes contidos no ar, enquanto que os defensores da
geração espontânea afirmavam que o ar tinha só a função de estimular as
substâncias orgânicas, que se agrupavam para formar os microrganismos.

Pasteur colocou líquido fermentável em um frasco de vidro de colo


longo, e, em seguida, aqueceu o colo até torná-lo maleável, esticou-o e dobrou-
o, pondo sua extremidade para baixo, dando-lhe a forma de um pescoço-de-
cisne, com o bico voltado para o chão. Enquanto o líquido fervia, saía vapor
pelo bico; cessando a fervura, o frasco resfriava-se lentamente, aspirando
também lentamente o ar externo. As partículas sólidas em suspensão no ar
ficavam retidas pela umidade das paredes internas do colo do frasco, e o ar
externo, que penetrava no frasco, era limpo, isento de poeira. Quando tudo
ficava completamente frio e o colo do frasco ficava seco, lentamente se
davam as trocas de ar interno (por difusão) com o ar externo, sem que as
partículas em suspensão pudessem penetrar no frasco, porque, no longo
pescoço-de-cisne virado para baixo, não havia condições para que o fluxo
de ar pudesse arrastar para cima as partículas em suspensão.
30 A Origem da Vida Por Evolução

Ficava assim demonstrado, sem sombra de dúvida, que eram as


partículas em suspensão no ar, circundadas por verdadeiras nuvens de
microrganismos, as responsáveis pelo início da fermentação dos líquidos
esterilizados. Na sua ausência, nenhuma fermentação se produzia.

A geração espontânea havia, assim, sofrido outra derrota, e após


dois séculos de contínuos embates, desde Redi até Pasteur, podia agora ser
considerada morta e sepultada.

Este espetacular sucesso de Pasteur abriu o caminho para serem


atingidos outros importantes objetivos mais práticos. Em 1863, começou ele
a estudar a deterioração de cervejas, vinhos e vinagres, identificando os
micróbios que a causavam. Em 1865, foi chamado pelo Ministério da
Agricultura, para estudar uma enfermidade que atacava o bicho-da-seda,
tendo concluído com sucesso seu estudo em 1871.

Se os micróbios eram os responsáveis pela deterioração dos vinhos e


pelas doenças do bicho-da-seda, era natural supor que eles também causavam
algumas doenças em outros animais e seres humanos. Desta forma,
gradualmente Pasteur envolveu-se com o campo da medicina.

Muitas mulheres vinham a falecer, por ocasião do parto, devido à


"febre puerperal". Pasteur revigorou uma proposição, que havia já circulado
anteriormente, sem ter sido aceita. Afirmou ele, em 1873": "São vocês,
médicos, os portadores de infecção. Lavem suas mãos, lavem os
instrumentos em água fervendo, exponham as gazes ao ar aquecido a
130-150ºC, e nunca mais será transmitida".

Chegou, depois, a vez do carbúnculo (uma enfermidade do gado


bovino, que se transmite ao ser humano), e, em seguida, a da cólera dos
frangos. Pasteur não só reconheceu a natureza microbiana da doença, mas
também, por uma providencial casualidade, descobriu um modo
revolucionário para a prevenção das enfermidades - a vacinação.

Depois de ter identificado, isolado e cultivado a bactéria da cólera


dos frangos, Pasteur inoculava com ela frangos sãos, com a finalidade de
pesquisar o que aconteceria. Certa ocasião, tendo falta de culturas preparadas
Fernando De Angelis 31

mais recentes, inoculou algumas galinhas com cultura preparada há algumas


semanas antes, e observou que elas não contraíram a doença. E mais
estranho ainda foi o fato de que elas não contraíram a enfermidade, mesmo
quando, em seguida, foram inoculadas com culturas recentes. A partir dessas
ocorrências, chegou ele a formular um princípio surpreendente: uma cultura
de micróbios atenuada servia para prevenir a enfermidade! Este princípio,
além de ser aplicado com sucesso aos frangos, foi também aplicado ao
gado, de tal forma que, entre 1877 e 1879, a cólera dos frangos e o
carbúnculo bovino foram enfermidades vencidas.

Os triunfos de Pasteur nos levariam a supor que sua vida foi uma
sucessão de glórias. Entretanto, não foi esse o caso. "Poucos homens de
ciência tiveram em vida tantas honras como Pasteur. Honras, sim, mas
.57

também amargos desapontamentos' Na defesa da verdade a maior


66

parte das vezes estava só! Só, contra a tradição e o conservadorismo;


58

contra as idéias preconcebidas, e freqüentemente contra a má f锳³. “A


inveja, a ambição, a maldade, a ignorância e o ceticismo dos médicos e
dos veterinários desencadearam-se sobre ele, tornando-lhe a vida difícil
em todos os sentidos. Em certa ocasião, alguns deles decidiram que era
necessário expô-lo a uma demonstração pública, para desmascará-lo
definitivamente. Tanto se empenharam que, em 28 de abril de 1881, a
Sociedade de Agricultura de Melun enviou um convite a Pasteur, que na
realidade equivalia a um verdadeiro desafio. No convite era dito que a
59

Sociedade punha à disposição de Pasteur 60 ovelhas" nas quais seria


,

verificada publicamente a eficácia da vacinação.

Evidentemente seus adversários esperavam vencer o desafio que


haviam lançado contra Pasteur, pois, se não, não o haveriam desafiado.
Entretanto, não teriam sido convincentes as provas que ele estava
apresentando já há tanto tempo? Na realidade, eram, da mesma forma
que haviam sido também as provas apresentadas por Copérnico, Galileo e
Kepler. Por que, então, as provas convincentes às vezes deixam de
convencer? A resposta a esta pergunta nos distanciaria muito de nosso
objetivo, mas pretendemos abordá-la futuramente. No momento, apenas
faremos menção ao fato de que o homem está sujeito a uma enfermidade
32 A Origem da Vida Por Evolução

ideológica, que o deixa cego, ou o faz enxergar como os ébrios, sem discernir
imagens. Tudo se passa como na embriaguês, da qual só se dá conta quando
ela passa, se realmente passar. Porém, é bom não nos considerarmos isentos
dessa mesma enfermidade, pois todos devemos reconhecer que somos
afetados, de alguma maneira, por esse tipo de alteração em nossa visão,
pelo que devemos nos manter extremamente vigilantes. Uma célebre frase
pronunciada, tanto por Spallanzani quanto pelo próprio Pasteur, diz que "a
maior doença do espírito é crer na existência das coisas que desejamos
.60

ver". Esta é uma doença difícil de ser combatida, e da qual têm sofrido os
anticriacionistas reiteradamente. Onze anos após Pasteur ter demonstrado
a inexistência da geração espontânea (contradizendo, entre outros, o livro
de 700 páginas de Pouchet), o inglês H. Bastian escreveu um livro com
61

mais de 1000 páginas, e até 1910, ano de sua morte, defendeu firmemente
suas convicções, a favor da geração espontânea. Além dele, outros também
tiveram igual procedimento.

Darwin, por exemplo, teve procedimento até pior. Em 1882, ou seja,


21 anos depois da demonstração de Pasteur, manifestou-se adepto da geração
espontânea. “Em minha opinião, apesar de não existirem provas", afirmou
ele, “conforme o que foi dito até hoje, a favor do conceito da geração
espontânea a partir da matéria inorgânica, não posso deixar de crer, de
acordo com a lei da continuidade, que um dia será demonstrada essa
.62

possibilidade"

Mais clamoroso, ainda, foi o "caso Lysenko", cujo principal


protagonista foi o cientista russo de mesmo nome, protegido do ditador
Stalin. Em seu tempo (quase um século após a apresentação das provas de
Pasteur), cerca de um bilhão e meio de pessoas em todo o mundo foram
obrigadas a crer nas mais incríveis inverdades. Na Itália, então, pelo menos
a quarta parte da população tinha plena confiança nas notícias veiculadas
pelo diário comunista L´Unitá, em cuja edição de 25 de junho de 1952,
página 3, divulgou-se o seguinte: "Antes de Lepenscinskaia ter provado
o contrário, acreditava-se que uma célula só podia nascer a partir de
outra célula. ... Lepenscinskaia ..... descobriu que células - isto quer
dizer, a própria vida - formam-se também de substâncias que não têm
Fernando De Angelis 33

vida, e nada têm a ver com a vida". Esta aceitação de extremo


evolucionismo levou à afirmação de que, com certeza, dentre outros
resultados, foram conseguidos os seguintes: "500.000 vinhas em torno
de Moscou; algodão colorido com coloração natural; batatas que se
dão bem com o clima quente do Casaquistão, pomares e hortas em
latitudes acima do Círculo Polar Ártico"63.

A geração espontânea é um incrível monstro de sete cabeças,


que se regeneram e aparecem sob formas distintas. Trataremos
posteriormente de sua forma atual a abiogênese mas, por enquanto,
-
-

vamos continuar e concluir nosso estudo sobre Pasteur.

A última grande descoberta do cientista francês foi a atenuação dos


efeitos de um micróbio, que até então não se havia conseguido ver nem
isolar, nem fazer sua multiplicação fora dos tecidos vivos que ele atacava.
Foi ele o vírus ("veneno”, em Latim) da raiva, atroz enfermidade transmitida
pelos cães aos seres humanos, e até então incurável. Pasteur viu-se obrigado
a experimentar sua vacina em Joseph Meister, um jovem que havia sido
mordido por cachorro louco. A experiência foi um completo êxito, e o jovem
pôde continuar a viver sem sequer contrair a enfermidade, livrando-se de
uma morte horrível. Tal sucesso foi amplamente divulgado e, três anos depois,
estava sendo inaugurado o Instituto Pasteur, no qual a pesquisa e o
desenvolvimento da vacinação tiveram enorme avanço. Pasteur, assim,
terminou seus dias rodeado de honras.

64

"Cada investigação experimental", afirmou Pasteur", "deve ser


conduzida obedecendo certas idéias preconcebidas". Suas próprias idéias
preconcebidas Pasteur não manifestava no contexto das suas atividades
científicas, e só podemos descobri-las através de outras fontes. Por exemplo,
no discurso pronunciado por ocasião de sua eleição como membro da Academia
Francesa, foram suas palavras: "Os gregos ... deixaram-nos como herança
uma das mais belas palavras de nossa língua, a palavra entusiasmo (en
65

theos "um deus interior"). A grandeza das ações humanas mede-se


-

através da inspiração que as faz nascer. Feliz, de fato, é quem leva dentro
de si um deus, um ideal, e permanece fiel a ele - ideal artístico, científico,
cívico, ideal de virtudes evangélicas. São estes os mananciais vivos dos
34 A Origem da Vida Por Evolução

grandes pensamentos e das grandes ações. E todos eles são iluminados


66

com reflexos do infinito"

Além destes elevados ideais, serviam de orientação e estímulo para


Pasteur os grandes homens de ciência do passado. Na parte inicial de seu
citado discurso, Pasteur dirigiu-se aos membros da Academia com as seguintes
palavras: "Talvez também vocês me agradeçam por eu ter adotado neste
difícil problema de origem dos seres infinitamente pequenos um rigor
experimental, quefinalmente destruiu toda a oposição. Entretanto, devemos
atribuir todo o mérito à serena aplicação das regras do método que herdamos
dos grandes experimentadores - Galileo, Pascal, Newton e seus discípulos -
no decorrer dos últimos dois séculos "67. Evidentemente, para ele, estes três
nomes citados eram os maiores luminares do método experimental, cujo
exemplo devia ser seguido. Isso significa que as características que divisamos
nesses três cientistas também lançam luz sobre o próprio Pasteur. Sobre
Galileo, já falamos no início. Com relação a Pascal, devemos destacar que
não são muitos os que o colocam entre os três melhores cientistas que viveram
antes de Pasteur, pelo que adquire maior significado o fato de que ele assim
o considerasse. Sobre Pascal, também falamos algo no parágrafo anterior,
definindo-o como o mais famoso dos Jansenistas. Foi ele um cientista teólogo,
característica que também distinguimos em Galileo, embora em menor
medida. Esta mesma característica evidencia-se também em grande medida
em Newton, que "preocupava-se (com a teologia - nota do editor) desde sua
juventude, e com tal sucesso que, na época da publicação daquela sua grande
obra (os "Princípios", seu trabalho fundamental sobre astronomia - nota do
editor), era já considerado como excelente teólogo. Seguindo as tendências da
época, Newton escreveu uma obra que foi publicada postumamente, em 1773,
na qual expõe com profunda erudição as profecias de Daniel e do Apocalipse,
tentando mostrar seu cumprimento nos acontecimentos históricos" 68(*)

Tendo tomado como exemplo três cientistas teólogos, não nos


surpreende portanto a descrição de Pasteur como "um homem cujo coração
estava constantemente dominado por uma forte fé religiosa"69, Isto, a
despeito do fato de que, por não a ter ostentado abertamente, raramente ela
seja destacada nas descrições feitas a seu respeito.
Fernando De Angelis 35

3. CIÊNCIA E METAFÍSICA

A - COMO OPERA A CIÊNCIA

O método clássico para a investigação científica é o indutivo. Por

exemplo, se for comprovado que alguns seres vivos são constituídos por
células, pode-se formular a hipótese de que todos os seres vivos são
constituídos por células. Quando a hipótese se apoia em conhecimentos

previamente adquiridos e não é desmentida por nenhum deles, ela se


transforma em teoria - neste caso, a teoria de que todos os seres vivos

são formados por células. Entretanto, esta teoria poderia ser refutada
pela descoberta de organismos não-celulares. E, de fato, a descoberta
dos virus mostrou ser este o caso, fazendo-se necessário adaptar a teoria
a essa nova situação.

Às vezes utiliza-se do método dedutivo, em vez do indutivo. Neste

caso, o cientista formula uma hipótese que ultrapassa os fatos observados

até então, para daí procurar novos fatos (através de novas experiências),
que estejam em harmonia com a hipótese. Ao serem descobertos fatos
convincentes, deduz-se que a hipótese é válida. Em outras palavras,
nem sempre as comprovações precedem a teoria, e não raro, uma teoria
intuída estimula o cientista a buscar e pôr em evidência certos fatos, ou
preparar determinados experimentos. Embora seja verdade que devemos
ver para crer, é também verdade que, às vezes, primeiro se crê na validade
de uma determinada hipótese para depois descobrir a sua real
veracidade.

B - A CIÊNCIA ENTRE A OBJETIVIDADE E


A SUBJETIVIDADE

Para o próprio Galileo, considerado universalmente como o


"fundador do método científico", a teoria freqüentemente precede os fatos.
36 A Origem da Vida Por Evolução

“Os fatos são, para a ciência galileana, somente aqueles


conseguidos com base em critérios precisos de caráter teórico. A
interpretação dos dados experimentais pode ser feita com base em
teorias predeterminadas. Quaisquer resultados experimentais, que se
afastem da teoria, são interpretados como resultado de "circunstâncias
perturbadoras". Neste ponto, Torricelli, discípulo de Galileo, é ainda
mais explícito: "Se, então, esferas de chumbo, ferro ou pedra, recusam-
se a seguir aquelas direções esperadas, ... simplesmente diremos que
não vamos considerá-las ”70.

Portanto, os dados que discordam de uma teoria, às vezes a eliminam,


mas, às vezes, são os próprios dados que são eliminados e jogados na cesta
das "singularidades", com a esperança de que, no futuro, possam vir a ser
esclarecidos.

Podemos constatar em que medida operava em Galileo este


mecanismo, observando a maneira pela qual ele tratou a obra de Kepler.
Galileo estava convencido de que o único movimento, que não necessitava
a aplicação contínua de uma força, era o movimento circular uniforme. Por
isto, para ele, este era o único movimento possível para os planetas que se
moviam ao redor do Sol. Isto levantava vários problemas, e para tentar
resolvê-los, Galileo, da mesma forma que os astrônomos que o antecederam,
recorreu a vários expedientes mais ou menos convincentes. Kepler, após
acurados cálculos baseados em observações comprovadas, concluiu que
todos esses expedientes poderiam ser eliminados tão somente considerando-
se que os planetas se moviam em torno do Sol em órbitas elípticas, e não
circulares. Ambos, Kepler e Galileo, eram seguidores de Copérnico,
conheciam-se e respeitavam-se mutuamente. Galileo conheceu a obra de
Kepler pelo menos cerca de trinta anos antes de morrer, mas não teve
71
"nenhuma consideração pelas suas grandes descobertas "", porque
elas contradiziam um profundo preconceito seu, ao qual não queria renunciar.

Spallanzani, que vimos ser muito elogiado pelo seu método de


investigação puramente científico (capítulo 2/E), não chegou a descobrir a
Fernando De Angelis 37

função dos espermatozóides, devido à convicção que tinha de que os seres


vivos estão preformados no óvulo feminino não fecundado. Em uma
publicação sobre este mesmo assunto, expressou ele o seu desejo de absoluta
objetividade, afirmando querer desembaraçar-se de toda noção pré-adquirida,
72

"e assim encontrar-me" despido de preconceitos nessa investigação,


para estar preparado a receber as imagens que me venham pelo sentido
da visão, sem me preocupar com as invenções de outros". Isto demonstra
que os cientistas, apesar de firme intenção de serem objetivos e deixar os
fatos falarem, podem ser condicionados inconscientemente pelos
preconceitos, que os impedem de ver corretamente a realidade.

Albert Einstein é considerado, por alguns, como o maior cientista do


mundo, porém nem todos sabem que, após ter revolucionado a física, rejeitou
as formulações que se seguiram, por causa de suas convicções pessoais de
caráter religioso e não por razões científicas. É sabido, de fato, ter ele
rejeitado a formulação da mecânica quântica mais aceita, que considera os
fenômenos atômicos como originados pelo acaso e não por leis determinadas.
Para ele (e também para outros, como Popper) isto era inaceitável, porque
cria em um mundo ordenado e governado por leis precisas, criado por um
Deus às vezes aparentemente complicado, mas jamais maligno. Para citar
uma famosa frase sua, um Deus que "não joga dados".

73

Einstein era judeu, e já aos onze anos lia sua Bíblia assiduamente",
ficando por ela profundamente influenciado. Mesmo posteriormente, tendo
chegado a uma concepção filosófico-ecumênica de Deus, permaneceriam
nele notáveis traços do ordenado Deus Bíblico. A religiosidade que o impediu
de aceitar a interpretação preponderante da teoria quântica era a mesma
que lhe havia dado forças para conseguir suas grandes descobertas. Falando
de Kepler e Newton*, afirmou ele: "Somente quem tenha consagrado
sua própria vida a propósitos análogos pode formar uma imagem real
daquilo que animou a esses homens, e do que lhes deu forças para
permanecerem fiéis a seus objetivos, apesar de seus inumeráveis
(*) Comentário sobre o livro de Sir Isaac Newton mencionado no texto ("Observations upon the Prophecies of
Daniel and the Apocalypse of St. John") foi objeto de uma publicação do Tradutor, que pode ser solicitada à
Sociedade Criacionista Brasileira - Caixa Postal 08743, 70312-970, Brasília, DF, Brasil. (Nota do Tradutor).
38 A Origem da Vida Por Evolução

9957
fracassos. É uma religião cósmica que produz tais forças" Em outra
ocasião afirmou ele: "O sentimento mais profundo e sublime de que
somos capazes é a experiência mística. É somente dela que procede
a verdadeira ciência. Quem não conhece este sentimento ... está
espiritualmente morto. Minha religião consiste em uma adoração
...

humilde a um Ser infinito e espiritual, de natureza superior, que se


revela nos pequenos detalhes que podemos perceber com nossos
sentidos fracos e débeis. Tem sido a religião que permitiu à
humanidade progredir em todos os campos". Com relação ao
evolucionismo, expressou Einstein publicamente sua opinião em 1950,
dizendo: "Considero a doutrina evolucionista de Darwin, Haeckel e
.75

Huxley como superada e sem futuro

O condicionamento de nossos preconceitos pode-nos levar não


somente a não ver aquilo que existe, mas também a ver aquilo que não
existe. Needham, o grande adversário de Spallanzani (ver capítulo 2/E),
foi um dos mais considerados cientistas da época, tendo sido o primeiro
76

católico a ser admitido na prestigiosa Royal Society britânica. Ele ficou


surpreso por Spallanzani não ter conseguido constatar a geração
espontânea, e afirmou: “Se ele tivesse visto, como eu, aquelas sementes,
se tivesse podido observar que a cabeça de cada planta... logo
produz glóbulos aparentemente sem vida, com forma de semente, sob
o primeiro olhar do observador, e finalmente, ao término do
espetáculo, houvesse observado que estes mesmos glóbulos, depois
de irromper da matriz, começam a sair em massa, realmente
animados, correndo de lá para cá, estou certo de que sua boa fé
***

e sagacidade teriam evitado esta espécie de reprovação que parece


estar sendo feita à minha pessoa"

Também o flogisto foi um caso famoso. Tratava-se de uma


substância que se pensava penetrar dentro dos metais, dando-lhes brilho,
condutibilidade, etc. Submetendo os metais à temperatura elevada, eles
perdiam estas suas características, e isso era atribuído ao flogisto, que se
retirava. Todos os químicos da época procuravam o flogisto com grande
Fernando De Angelis 39

paixão, o que levou a química a fazer notáveis progressos. Os dados


pareciam indicar a existência do flogisto, todos criam que ele existisse,
mas ninguém conseguia encontrá-lo. Finalmente, Lavoisier (1743 - 1794),
introduzindo sistematicamente o uso de balanças nos laboratórios de
química, foi quem esclareceu que as mudanças produzidas nos metais,
sob o efeito da alta temperatura, não eram devidas à perda de flogisto,
mas sim à assimilação do oxigênio. Ficou assim provado que o flogisto
não existia.

Às vezes, alguém tem uma visão equivocada, ou deliberadamente


força uma visão errada, iniciando-se então uma verdadeira reação em
cadeia, que espalha e perpetua o erro, até o ponto em que o observador
torna-se aturdido pela reverberação do erro e finalmente se convence de
que o absurdo constitui um fato real. Em fins do século XVIII, por exemplo,
"cria-se nos jumarts, resultado do cruzamento de touro com égua,

de burro com vaca, de touro com jumenta, etc. Acreditava-se nisto


com base nas afirmações de Léger e Staw, e principalmente de
Bourgelat, inspetor-geral das escolas veterinárias francesas, que
.78

assegurara a Bonnet haver possuído vários desse híbridos”. Essas


declarações conseguiram iludir o grande e respeitável naturalista
79

Réaumur e também a Spallanzani, que assim se manifestou: “As


recentes e bastante confiáveis observações ... sem dúvida

comprovam que se obtém do cruzamento de quadrúpedes distintos 80

uma espécie singular de animal, a que se denominou jumart"

Réaumur estava tão certo disso, que tentou cruzar coelhos com galinhas,
e Spallanzani tentou acasalar cachorros e gatos, até com inseminação
artificial. Sabemos hoje que, cruzando espécies distintas, não se obtém
resultado algum, e que os jumarts foram tão somente uma farsa. Não
obstante, foram levados a sério pelos mais capazes e escrupulosos

cientistas da época.

Significa isso que a ciência não é confiável? Não queremos afirmar


40 A Origem da Vida Por Evolução

isso, mas só retirar do qualificativo "científico" aquela conotação de


certeza absoluta, que algumas pessoas ainda lhe atribuem. A ciência
pode produzir uma espécie de certeza a certeza científica - mas não
-

uma certeza absoluta. A propósito deste tema, destaca Montalenti: "Hoje,


após longos anos de meditação e investigação no campo da
epistemologia, sabemos perfeitamente bem quão ingênuo e vão é
esperar-se uma pessoa ser capaz de empenhar-se na investigação
dos fenômenos naturais com a mente absolutamente livre de
preconceitos. Sabemos quanto o pesquisador fica condicionado por
numerosos fatores, dos quais ele mesmo sequer tem consciência”³¹.

Ao dizer que adorar a ciência é injustificado e perigoso, queremos


também enfatizar igualmente que também é perigoso desprezar a ciência,
permitindo-nos imaginar as mais estranhas coisas, sem nos vincular a
qualquer critério de objetividade. Pode-se dizer, pelo menos, que a ciência
está permeada de objetividade, em certa medida. Isto pode ser
evidenciado em congressos internacionais de certas especialidades (por
exemplo, medicina e genética), em que pessoas de diferentes raças,
nacionalidades, culturas e religiões, podem entender-se e colaborar, em
função do fato que o cientista se vincula a métodos universais, que
superam o subjetivismo. No extremo oposto, não se tornam possíveis
congressos internacionais de filosofia em que pudessem reunir-se
filósofos de todas as tendências, para discutir seus pontos de vista e
construir algo juntos. É esta uma demonstração clara de que a ciência
possui certa dose de objetividade.

Concluindo, o saber científico pode ser definido como "inter-


82

subjetivo", colocando-se em uma situação intermediária entre a


subjetividade absoluta e a objetividade absoluta. O grau de subjetividade
variará de caso a caso, pelo que será útil examinar alguns critérios, que
nos possam ajudar a avaliar a veracidade de uma dada afirmação
científica.
Fernando De Angelis 41

C CRITÉRIOS PARA A DETERMINAÇÃO DA


-

CONFIABILIDADE DE UMA AFIRMAÇÃO CIENTÍFICA

a. Os Fatos: Confiabilidade Máxima

Mais confiável do que tudo o mais são os fatores observados, embora


também eles possam estar eivados de erros devidos a falhas humanas ou
a preconceitos do observador, ou ainda à sua intenção deliberada de
mascarar a verdade. Os cientistas também podem comportar-se de
maneira desonesta, usualmente porque estão tentando atingir a glória e a
fama, por um caminho mais curto e fácil.

Como as teorias constituem uma interpretação dos fatos,


naturalmente são elas mais naturalmente sujeitas a erros.

b. Acordo entre Cientistas

É muito importante constatar que todos os cientistas estejam de acordo


sobre uma determinada questão. Mesmo neste caso, a teoria pode estar
errada, mas claramente a probabilidade de que esteja correta será muito
maior.

Se um cientista inicia sua exposição dizendo: "A maior parte dos


cientistas está de acordo", devemos permanecer atentos porque, tanto na
ciência como na política, criam-se métodos sutis tendendo a eliminar as
minorias.

Uma ilustração eloquente do que foi dito é o caso da "deriva dos


83

continentes", formulada por Alfred Wegener (1880-1930), que deu origem


aos fundamentos da geologia atual. Inicialmente os geólogos deram ouvidos
a Wegener, sua obra foi traduzida em diversas línguas, e, em 1922, Wegener
podia afirmar que "não existia nenhum geofísico que se posicionasse
84

contra a sua hipótese" Entretanto, com o passar do tempo, “expressar


.

simpatia pela idéia da deriva dos continentes passou a significar um


risco para a carreira profissional.... O pior momento foi atingido
42 A Origem da Vida Por Evolução

quando os que apoiavam a teoria da deriva continental passaram


a ser despedidos com desprezo como sendo maníacos." A atual
teoria da tectônica de placas, entretanto, teve sua origem na teoria da
deriva dos continentes. "A natureza do mecanismo que desloca os
continentes ainda é incerta, e, apesar disso, a teoria da tectônica

de placas estabeleceu-se tão bem, que hoje os que rejeitam seus


princípios fundamentais são tratados como reacionários "85
Concluindo, em ciência “deve existir sempre", como afirma M. Polanyi,
“uma opinião preponderante sobre a natureza das coisas, com
relação à qual deve ser medida a validade de todas as asserções.
Cada observação que pareça contradizer o ponto de vista
estabelecido sobre a natureza das coisas é considerada sem

validade de imediato, com a esperança de que no futuro ela se


demonstre falsa ou irrelevante "86.

Se 90% dos cientistas concordam com uma teoria, esta maioria


nos impele a aceitá-la. Mas, se pensarmos nos 10% restantes que
suportam a, oposição e a pressão de todos os outros, temos que nos
perguntar onde encontram eles forças para resistir, e quais os argumentos
em que se apoiam. Em princípio, quanto menor for o número dos
dissidentes, mais interessante se torna o exame de seus pontos de vista.

c. Relação entre Teoria e Fatos sobre os quais ela se apoia

Dois outros critérios para julgar a confiabilidade das asserções


científicas podem ser derivados da relação entre uma teoria e os fatos
que a apoiam.

Certas teorias baseiam-se em muitos fatos e pouca elaboração


mental. Outras teorias baseiam-se em poucos fatos indiscutíveis, dos quais
elas resultam mediante reflexões sobre os pressupostos e várias
elaborações mentais.
Fernando De Angelis 43

Uma teoria, que se baseie em muitos fatos e pouca elaboração, tem


maior probabilidade de permanecer no decorrer do tempo, do que outra,
que resulte de poucos fatos e muita especulação.

d. Conexão entre Teoria Científica e Concepções Religiosas,


Filosóficas e Políticas

Uma teoria pode estar mais ou menos ligada a uma determinada


filosofia ou concepção religiosa. Se a teoria apoia ou contraria uma
determinada visão do mundo, poderá ser aprovada ou refutada mais por
motivos extracientíficos do que científicos, e nenhum dos lados envolvidos
poderá ser considerado acima de qualquer suspeita. Se, na Inquisição que
contestava Galileo existiam motivações extracientíficas em defesa de um
determinado sistema ideológico e social, também no próprio Galileo existia
o desejo extracientífico de atacar aquele sistema ideológico-social. De fato,
declara Paolo Rossi: "A adesão de Galileo à visão copernicana do
mundo precedeu em quinze anos suas descobertas astronômicas, e não
nasceu fundamentada em uma hipótese, mas sim na aceitação de um
novo conceito capaz de se opor ao dedutivismo dos aristotélicos, de
modificar as imagens mentais, e de oferecer uma possibilidade nova
para o saber"87

Quando as motivações científicas e extracientíficas se entrelaçam e


se superpõem, o debate facilmente se transforma em conflito e todos, de
alguma maneira, vêem-se obrigados a decidir-se por um dos lados. Cada
participante tende a fazer ouvidos moucos e elevar a sua voz na discussão
que assim resulta, geralmente saltando de um problema a outro, sem
finalmente saber-se o que está sendo discutido.

Para podermos nos orientar nessas discussões, aplicaremos as quatro


normas seguintes:

1- Não confiar nas citações que possam ser feitas por alguém, como
44 A Origem da Vida Por Evolução

tendo sido feitas pelo seu oponente, mas sim examinar as duas teses, usando
textos escritos por expositores qualificados de ambos os pontos de vista;
2- Fazer clara separação entre o confronto científico e o
extracientífico. É legítimo comparar ambas as teses filosoficamente, mas
se quisermos examiná-las cientificamente, não devemos levar em conta
argumentos extracientíficos;
3- Desde o início, devemos deixar de lado todos os argumentos
científicos que não apresentem base sólida;
4- É necessário, também, fazer distinção entre os fatos e as suas
interpretações.

Após esses esclarecimentos, poderemos partir para a análise do que


resta de verdadeiramente confiável nas duas teses que se contrapõem, e
proceder a uma avaliação global com a maior objetividade possível. Cada
parte envolvida deveria estar disposta a admitir que a tese oposta seja
cientificamente mais provável, mesmo permanecendo adepto da sua própria,
com base em considerações extracientíficas. Devemos nos esforçar por
separar os diferentes critérios (religioso, político, científico, etc),
sem misturá-los, mesmo que possamos escolher o tipo de
argumentação ao qual desejamos dar preponderância.

Em um campeonato esportivo, a luta pode ser árdua, mas deve sempre


ser leal, honesta, respeitando o adversário com cavalheirismo. Ao chegar
ao fim a competição, freqüentemente os atletas se dão as mãos; é muito
mais difícil que os torcedores façam o mesmo. O que precisamos ver é
esse "espírito esportivo" quando se trata de uma teoria, com todo o esforço
que isso possa exigir. Freqüentemente é mais fácil discutir com os adversários
melhor preparados, do que com os que não se aprofundaram no problema e
que, aparentando segurança, apoiam-se mais na potência de sua voz do que
na de seus argumentos. Por outro lado, quem tenha examinado e avaliado
honestamente o pensamento oposto, tem melhores condições para discutir
com calma e segurança.
Fernando De Angelis 45

e. Possibilidade de Falseabilidade na Ciência

O critério de confiabilidade que vimos até agora seria denominado,


com maior propriedade, “critério de cientificidade", e em torno dele tem
havido cada vez maior debate. Tudo gira em torno do chamado critério de
falseabilidade, introduzido pelo filósofo Karl Popper.

De acordo com Popper, a ciência não é o conjunto daquilo que foi


verificado (ou seja, tenha sido considerado verdadeiro) pela experiência,
mas sim o conjunto daquilo que simplesmente é corroborado (isto é,
reforçado) pela própria experiência. Uma teoria, para ser científica, deve-
se apoiar sobre fatos específicos, prever outros fatos (poder de predição) e
deve poder ser desmentida (falseada) por fatos não previstos e que a
contrariem. Não é ciência aquilo que não pode ser falseado, isto é, contradito
por algum futuro fato ou por alguma futura experiência hipotética.

Também Hallam, como praticamente todos hoje em dia, concorda


que "não existe nenhum meio seguro para se conseguir a certeza, ou para
88

eliminar a possibilidade de erro' De fato, quando os dados confirmam


"

uma teoria, não se pode dizer que ela tenha sido comprovada como
verdadeira, porque novos dados poderão desmenti-la.

A certeza, diríamos, é um dom de Deus. Talvez Popper (por ser de


origem judaica) tenha sido influenciado pela Bíblia em suas concepções.
O cientista, segundo sua concepção, tem algo em comum com o profeta,
pois ambos proclamam uma verdade oculta aos demais, que são convidados
a aceitá-la. Na Bíblia, o profeta, baseando-se em dados confiáveis da
revelação escrita deixada pelos que o precederam, avaliava a realidade
presente, predizendo o que aconteceria se a sociedade se comportasse de
determinada maneira. Como se reconhecia o verdadeiro profeta de Deus?
A Bíblia indica uma maneira pela qual se poderia reconhecer um falso
profeta, mas não indica a maneira pela qual se poderia ter certeza absoluta
46 A Origem da Vida Por Evolução

de que um profeta falava verdadeiramente em nome de Deus. Um profeta


era considerado falso, quando suas predições não se cumpriam
(Deuteronômio, 18:20-22). Mas, mesmo que os sinais preditos se realizassem,
o profeta podia igualmente ser falso, e tolerado por Deus, com a finalidade
de provar a seu povo (Deuteronômio, 13:1-13).

Os sinais (ou sejam, indícios) para reconhecer o Messias foram


preditos, mas nenhuma prova específica inequívoca poderia apontá-lo com
certeza absoluta. Até João Batista, que publicamente havia declarado Jesus
ser o Messias (João 1:19-34), e que havia recebido claros sinais para apoiar
sua declaração, em certa ocasião manifestou sérias dúvidas (Mateus 11:2-

6), considerando mesmo esses sinais como sujeitos a erros de interpretação.

Concluindo, a certeza é uma convicção íntima que não depende


somente de fatos objetivos. Os fatos objetivos precisam ser vistos e apreciados
pelo indivíduo, de alguma forma, para poderem levar à certeza absoluta.

D - CONHECIMENTO CIENTÍFICO E CONHECIMENTO


FILOSÓFICO-TEOLÓGICO

O saber científico, como vimos, baseia-se mais ou menos diretamente

em fatos e experiências, enquanto o saber extracientífico está menos vinculado


a esses fatores, e é representado sobretudo pela filosofia e a teologia. Não
significa isto que a filosofia e a teologia estejam totalmente desvinculadas dos
fatos, mas, parte daquilo que um filósofo ou um religioso vê, pode depender
só muito indiretamente dos fatos em si mesmos. A história, como vimos no
capítulo precedente, coloca-se no meio do caminho entre a ciência e a filosofia,
porque, embora baseando-se nos fatos, deixa o autor livre para escolher alguns
deles preferencialmente a outros, para então coordená-los de conformidade
com o seu ponto de vista particular.

O saber filosófico-teológico (que chamaremos também de especulativo)


é essencial para o homem (cada pessoa é um filósofo, pelo menos para si
Fernando De Angelis 47

mesmo) porque todos nós fazemos perguntas e necessitamos de orientações


que superem as respostas que a ciência pode nos prover. Este conhecimento
especulativo, portanto, não é um conhecimento de segunda classe; pelo
contrário, ele tem a ver com as mais básicas questões da vida, e é ele que
determina a maior parte das nossas decisões mais concretas.

A própria verificação do método científico não pode ser levada a cabo,


utilizando-se outro método científico, que também tenha de ser verificado.

Conceitualmente a ciência pode ser separada do conhecimento


especulativo, mas em cada ser humano existe a presença de ambos os
conhecimentos, que se influenciam mutuamente. Uma possível relação entre
esses dois tipos de saber nos foi descrita por Pasteur, que mencionou com
aprovação o ponto de vista de alguém, que ele descreve simplesmente
como um "psicólogo de espírito elevado”: “As noções mais precisas
que a inteligência humana esconde estão no fundo do cenário,
envoltas em uma luz crepuscular; é em torno dessas idéias confusas,
aparentemente desconexas, que gravitam nossas idéias claras,
difundindo-se, desenvolvendo-se, e elevando-se. Se nos
desvinculássemos dessa atividade de fundo, as ciências exatas
perderiam a grandeza que extraem da relação secreta que mantêm
com outras verdades infinitas, das quais temos apenas um leve
vislumbre".

Vimos (no Capítulo 2/F) que Pasteur, ao fazer ciência, não revelava
sua visão de mundo pessoal, da qual derivava, pelo menos parcialmente,
sua própria ciência. Poderíamos desejar que todos partilhassem desse
mesmo comportamento. No laboratório científico é possível
proveitoso trabalho em equipe somente se cada um deixar de lado
seu próprio saber filosófico-teológico. Ao estudar os temas que nos
temos proposto, como os dois tipos de conhecimento invadiram mutuamente
os campos de atuação um do outro, ficamos obrigados a levar avante
ambos os aspectos, embora mantendo a intenção de não os confundir.
48 A Origem da Vida Por Evolução

E COMPARAÇÃO ENTRE A POSSIBILIDADE DE EXPERI-


-

MENTAÇÃO NA CIÊNCIA E O CONHECIMENTO


ESPECULATIVO

Sempre tem sido dito que a ciência é experimental, enquanto que o


resto não é. Entretanto, após ter escutado Giuseppe Sermonti em Assis, fui
estimulado a refletir que também a teologia tem seu modo de ser
experimental, em nada inferior. As reflexões aduzidas neste parágrafo
devem-se ao desenvolvimento daquele estímulo.

A ciência é experimental porque sustenta as suas teses com fatos e


experiências. Esses fatos e experiências têm duas características básicas:

1 -

Podem ser repetidos um número indeterminado de vezes;


2 A descrição dos fatos não é subjetiva.

Na ciência moderna, algumas vezes encontram-se outras duas


características:

1 - 'A experiência e o fato são observados concretamente somente


pelo especialista (se um leigo estivesse presente, não entenderia
o que aconteceu);
2 - Os pressupostos exercem um papel decisivo na descrição e
interpretação dos fatos.

Nesta situação, os fatos trazidos em evidência são observados com


maior atenção, e são naturalmente menos convincentes se se mantiverem
distantes das pressuposições que se desejam comprovar. Um exemplo dos
vínculos estreitos existentes entre fatos e pressupostos acontece na
física atômica, onde se pode falar dos elétrons e escrever vários
volumes sobre eles, mesmo sem ninguém jamais tê-los visto.

Naturalmente não se pode proceder a experiências com o


conhecimento especulativo desta mesma maneira, o que não significa,
Fernando De Angelis 49

entretanto, que ele deva ser ignorado. Não se pode medir a alegria
de uma pessoa com instrumentos físicos, nem pode ela ser reproduzida
à vontade em laboratório. Não obstante, todos nós já experimentamos
a alegria, pessoalmente. Tal experiência é qualitativamente subjetiva, distinta
de experiência científica, embora seja, sem dúvida, uma experiência real.
Além do mais, a pessoa comum tem a vantagem de, embora nunca ter visto
ou entendido certas demonstrações científicas, ter experimentado a alegria
de uma forma bastante concreta. Sua experiência extracientífica pode ser,
para si mesma, mais comprovada e concreta do que uma experiência
científica. Não há, portanto, nenhum absurdo para ela o querer levá-la em
consideração.

Para ver, por exemplo, quão concreta pode ser a experiência religiosa,
citamos uma frase que Pasteur reproduz do grande físico britânico Faraday:
"A noção de Deus e o respeito para com Ele chegam a meu espírito
através de caminhos tão seguros como aqueles que nos conduzem a
uma verdade de ordem física"". O italiano Guilherme Marconi afirmou:
"Creio no poder da oração; creio não só como católico, mas também
como cientista"". As pessoas normalmente associam a oração mais a um
comportamento, como o de Francisco de Assis, do que ao de um inventor
como Marconi. Deve-se acrescentar que Marconi foi também um capitão
da indústria e “o inventor das multinacionais "92. Entretanto, Marconi foi
93

educado de uma maneira singular: sua mãe era britânica, protestante", e


cada noite lia a Bíblia a seus filhos - um livro que não deveria ser desprezado.

FOS NÃO-ESPECIALISTAS E A CIÊNCIA

a. Não Desprezar os Não-Especialistas

O mundo do saber tem sido revolucionado tanto por especialistas


como por não-especialistas. Um especialista é alguém que se dedica quase
que exclusivamente a um determinado setor de investigação, após ter
concluído um curso normal de estudos e haver-se especializado. Tem a
50 A Origem da Vida Por Evolução

vantagem de estar inteiramente familiarizado com o seu assunto, mas

também a desvantagem de ser condicionado pelos preconceitos e


abordagens do passado.

O não-especialista geralmente é um autodidata, que não seguiu um


curso normal de estudos na disciplina a que se dedica, às mais das vezes
porque também se interessa por outros setores. Sua mente está livre de
preconceitos e das correntes de pensamento prevalecentes, pelo que, ao
explorar novos caminhos, pode ter vantagens com relação aos especialistas.
Isto é verdade também porque sua visão dos problemas é freqüentemente
mais ampla, panorâmica e interdisciplinar. Para usar uma analogia, uma bela
flor pode nos fazer esquecer de observar o horizonte.

Pasteur era químico, e não obstante revolucionou a biologia e a medicina.


Boyle, o fundador da química moderna, era um não-especialista. Wegener, de
quem falamos no item 3/C/b, no fim de sua vida era estimado sobretudo
"como explorador ártico e pioneiro da meteorologia, embora hoje seja
lembrado como o mais autorizado propositor da deriva continental,
apesar de ter admitido que esta teoria tenha tido apenas um interesse
94

periférico no decorrer de sua vida profissional"³ Einstein foi


essencialmente um autodidata e, quando revolucionou a física, era um ilustre
desconhecido. Popper chegou a dizer que todos os grandes cientistas foram
95

não-especialistas.

É claro que os especialistas conseguiram fazer a ciência avançar


enormemente, e absolutamente não queremos elogiar a ignorância. Desejamos
apenas destacar que, o simples fato de que as observações tenham sido feitas
por não-especialistas, não significa que elas estejam eivadas de erro. Isso é
destacado não somente para valorizar os argumentos do autor, um não-
especialista, mas também, e principalmente, para encorajar a outros, para
não se curvarem perante a ciência com uma atitude de impotência. Cada
qual deve ser responsável pelas suas próprias escolhas, sem assinar em branco
para qualquer outra pessoa. Disto falaremos posteriormente.
Fernando De Angelis 51

b. O perigo do Sacerdotalismo na Ciência

Grande turbulência foi causada por um artigo publicado no periódico


Civilta Cattolica, órgão dos Jesuítas italianos, publicado mais ou menos
diretamente pelo Vaticano. Nele, os católicos foram exortados a se precaverem
contra a enfermidade do infalibilismo. O influente padre G. de Rosa
posteriormente sancionou e esclareceu o artigo na Rádio do Vaticano. A
enfermidade do infalibilismo consiste em exagerar enormemente a doutrina
da infalibilidade papal, até atingir o ponto, conforme o Civiltà Cattolica, do
"servilismo" e da "papolatria"

Ao invés de considerar o Papa infalível somente nas circunstâncias


particulares indicadas na doutrina oficial - e que não se verificaram com os
últimos quatro Papas - costuma-se atribuir ao Papa essa infalibilidade quase
sempre. De acordo com o padre G. de Rosa, "O campo da infalibilidade é
muito restrito. De fato, o Papa é infalível só quando fala ex-cathedra,
ou seja, como mestre supremo da Igreja, com a intenção específica de
definir uma verdade concernente à fé e à moral". ... "O último a usá-la
97

foi Pio XII, em 1950"". O católico que tenha contraído a enfermidade do


infalibilismo depõe sua própria responsabilidade e o privilégio de dizer a última
palavra na maioria das decisões que deve tomar. Para ele, a liberdade e a
responsabilidade individual constituem cargas que ele não deseja levar, e por
isto procura livrar-se delas mediante a obediência cega, mesmo a quem não
lhe está exigindo essa obediência.

Continua ainda o padre G. de Rosa: "A enfermidade do infalibilismo


98
"

encontra-se com freqüência no mundo católico Entretanto, os não-


católicos não estão imunes a essa enfermidade. Dostoievsky escreveu palavras
inquietantes sobre o temor dos homens à liberdade. Imaginando o retorno de
Cristo no final do século XVI, põe ele nos lábios do "Grande Inquisidor"
palavras cáusticas, pelo temor de uma possível nova pregação da liberdade.

Diz o "Grande Inquisidor" ao Cristo retornado, acusado de pregar a


liberdade: "Não há preocupação mais angustiosa e atormentadora para
o homem que se tornou livre, do que se deparar logo com alguém em
cuja presença deva ajoelhar-se. Por que, então, brada ele, "vieste
52 A Origem da Vida Por Evolução

nos perturbar? ...


Amanhã mesmo eu te condenarei e te queimarei sobre
a fogueira. Por quinze séculos temos nos angustiado com esta
liberdade, mas agora ela cessou, terminou de vez'

Graças a Deus o projeto do "Grande Inquisidor" não se tornou


realidade. Pelo contrário, exatamente naquele século foram lançadas as
bases para a liberdade novamente florescer, rompendo e fissurando várias
muralhas, ao ponto de parecer invadir lentamente todo o mundo, muito embora
ainda esteja ameaçada sob diferentes formas.

As pessoas que temem a liberdade não se voltam somente ao

catolicismo em busca de uma falsa segurança, mas freqüentemente também


se voltam a partidos políticos ("Se pertencer a tal partido, todos os meus
problemas serão resolvidos") ou a seitas religiosas hierarquizadas. Não é
por casualidade que nos Estados Unidos - país que, mais do que outros, tem
dado grande ênfase à liberdade individual - tenham nascido e se difundido
várias seitas que, abertamente ou não, exigem a submissão total de seus
seguidores, oferecendo-lhes proteção e segurança. Na época dos puritanos,
principais pais fundadores dos Estados Unidos, a liberdade individual era
compensada pela equivalente submissão à Bíblia. Ao faltar este ponto de
referência, torna-se muito mais difícil administrar a liberdade.

A própria ciência pode tornar-se um refúgio contra a liberdade,


chegando a tornar-se o objeto de certa forma de culto. Nos dias de Galileo,
ao afirmar que a Terra gira em torno do Sol, a ciência separou-se dos
ditames do senso comum, ou melhor, contrapôs-se a ele. Esta foi a novidade
100

mais significativa, e, a partir de então, os não-especialistas cada vez mais


passaram a ser excluídos dos laboratórios científicos, seu acesso sendo
permitido somente mediante convite feito por algum cientista ou especialista
específico. Assim, só os especialistas passaram a ter acesso ao conhecimento
real. Galileo tentou fazer-se compreendido por todos; Newton, pelo contrário,
não tentou, por saber que suas teorias não poderiam ser vulgarizadas. Os
escritos de Einstein, em sua forma original, são inteligíveis apenas por algumas
poucas pessoas.
Fernando De Angelis 53

Esta separação entre a ciência e o senso comum não implica


necessariamente a sua elevação ao "status" de religião, mas sem dúvida
facilita. E, quando a ciência é assim exaltada, deixa de ser ciência e torna-
se cientificismo. O cientificismo pode ser definido como um "movimento
intelectual surgido em conexão com o positivismo francês (na segunda
metade do século XIX), tendendo a atribuir às ciências físicas e
experimentais e seus métodos respectivos, a capacidade de resolver
todos os problemas humanos, e satisfazer a todas as necessidades da
humanidade" (Dicionário de Devoto e Oli).

O adepto do cientificismo atribui à ciência a infalibilidade. As vestes


sacerdotais (representadas pela bata branca) são suficientes para satisfazê-
lo, fazendo-o sentir-se participante de um ritual de mistério. Ele vê o
laboratório como se fosse um aposento mágico de onde, de um momento a
outro, o cientista-alquimista-mago encontrará a pedra filosofal e o elixir da
longa vida, que poderão resolver todos os males do mundo. Necessita
somente esperar, animar-se e aplaudir, isto é, ser um espectador. E, como
podemos ver com o desenvolvimento da paixão pelo esporte e pela
dependência cada vez maior da televisão, facilmente as pessoas se põem a
desempenhar este papel.

Esses adeptos do cientificismo, que porventura sejam também


cientistas, não se limitarão a pronunciamentos somente em seu campo
específico, no qual o conhecimento científico lhes permitirá expressar-se
com certa objetividade, mas tenderão a extrapolar e colocar-se como
oráculos da ciência, à semelhança de verdadeiros sacerdotes. Quando a
ciência de Galileo defrontou-se com o clero pela primeira vez, isto
comprovou, de forma suficiente, que ela se colocara (embora
justificadamente) no mesmo terreno. Se, em certos casos, foi o sacerdote
que invadiu o laboratório científico, para escamotear as descobertas
científicas em benefício de sua Igreja, em outros casos foi o cientista que
tentou invadir a Igreja, para engrandecer os seus próprios domínios.

Parece-nos exemplar, neste contexto, a conduta de Pasteur, que,


negando a geração espontânea, não queria avançar qualquer outra hipótese,
54 A Origem da Vida Por Evolução

por considerar que o problema da origem da vida não se circunscreve ao


âmbito da ciência. Assim, expressou-se ele: "A raiva nunca se manifestou
espontaneamente nos cães ou outros animais. Todos os supostos casos
de raiva espontânea não apresentam qualquer autenticidade séria.
Acrescento que não há sentido na argumentação de que deveria ter
existido um primeiro caso de raiva. Usar essa argumentação, para
resolver a dificuldade com que nos defrontamos, significa invocar,
sem motivo, o problema ainda insondável da origem da vida. A ciência
até hoje sabe que para nada serve discutir a respeito da origem das
coisas; sabe que, pelo menos por enquanto,
101
está além do poder da
ciência investigar a origem das coisas". Em outra parte, afirmou ele
também: "A ciência experimental é essencialmente positiva, no sentido
de que, em suas concepções, não entram em consideração a essência
102

das coisas, a origem do mundo e o seu destino". Spallanzani orientou-


se ao longo das mesmas linhas, algo que, a nosso ver, todo cientista honesto
deveria fazer, pelo menos ao falar como cientista.

É impossível traçar uma clara divisão entre a ciência e a religião, e é


natural que ocorra certo atrito entre ambas. Entretanto, é necessário
reconhecer os limites de cada campo, e respeitar não somente o sacerdote
como também o leigo que acaba se envolvendo nas disputas, e que para
salvaguardar sua própria posição de leigo deve ter a força necessária para
defender-se dos ataques de ambas as partes.

O leigo precisa ver que qualquer pessoa pode compreender as


questões fundamentais da vida. Alguns poderão argumentar que esta não
será uma convicção racional, e concordamos que ela não nasça da razão,
porém discordamos que ela seja contrária à razão. De qualquer forma, se o
leitor não tiver fé em sua própria capacidade de compreensão, e se considerar
que devam ser aceitas sem questionamento as afirmações feitas pelos
ganhadores de Prêmios Nobel e pela televisão, então, nesse caso, pode
desde já deixar de lado a leitura deste livro. Sim, porque queremos aqui
trazer à discussão algumas questões que a ciência oficial afirma com certeza,
e é indispensável que os leitores estejam dispostos a pensar nestes problemas
fundamentais pessoalmente, pois eles se relacionam com escolhas que temos
de fazer e que afetarão a vida de cada um de nós pessoalmente.
Fernando De Angelis 55

4. O PROBLEMA DA ORIGEM DA VIDA

A-A OPINIÃO MAIS DIFUNDIDA

A hipótese que vamos expor neste parágrafo não é a única


proposta pelo mundo científico, mas é a mais aceita e difundida. Nos
numerosos livros didáticos, que tivemos a oportunidade de conhecer, é a
única ser apresentada, e pode-se dizer que anda de mãos dadas com
o darwinismo. Por esta razão, nossa crítica e nossa atenção concentrar-
se-ão sobre ela. Esta opinião sobre a origem da vida não recebe
usualmente uma denominação específica, mas, para indicar suas
características mais salientes, vamos chamá-la de abiogênese a partir
de um caldo primordial.

A maneira pela qual é ela descrita hoje em dia, e a confiança que


nela é posta normalmente nos livros de ciência, fazem com que, para
muitas pessoas (inclusive professores), ela não seja só uma hipótese, mas
sim uma verdade substancialmente comprovada. Por esta razão, será
necessário buscar expô-la com objetividade, para verificar até que ponto
ela se baseia em evidências experimentais, até que ponto ela é uma mera
hipótese, e até que ponto ela se choca com os dados científicos disponíveis.

Após este trabalho científico preliminar, passaremos (no capítulo


seguinte) a alguns aspectos culturais entrelaçados com a referida teoria.

As quatro asserções seguintes constituem os elementos


fundamentais da abiogênese, a partir de um caldo primordial (que daqui
em diante chamaremos apenas de abiogênese). Seu exame crítico
constituirá o objetivo deste capítulo.

Afirmação número 1 A atmosfera da Terra primitiva, quando


-

começou a resfriar-se, era diferente da atual, ou seja, era rica em


Hidrogênio (H), água (HO), metana (CH) e amônia (NH), enquanto
2
3
2

que o Oxigênio molecular (O) era praticamente ausente.


2
56 A Origem da Vida Por Evolução

Afirmação número 2 - As descargas elétricas, durante as


tempestades, a irradiação solar, e outros fenômenos análogos, causaram a

formação de vários compostos orgânicos, dentre eles os aminoácidos (os


tijolos construtivos das células). Estes compostos orgânicos foram
transportados pelas chuvas para os oceanos, onde se acumularam, o que se
tornou possível pela ausência de Oxigênio (O) (que poderia destruí-los se
2

estivesse presente).

Afirmação número 3 - Dentre tantas moléculas que assim se formaram

neste "caldo primordial”, havia algumas semelhantes, se não idênticas, a


proteínas, ácidos nuclêicos, e outras substâncias componentes das células
hoje existentes.

Afirmação número 4 - Em algum lugar casualmente encontraram-se

exatamente as moléculas necessárias para a formação de uma primeira


célula - uma célula mais simples do que as que hoje existem. Desta célula
inicial, por evolução, derivaram as células semelhantes às que hoje existem,
que por sua vez, deram origem a todos os seres vivos em suas várias formas.

Algumas pessoas que apoiam a teoria da abiogênese, declaram com


103

segurança quais foram as fases do processo. Outras, alternam expressões


tais como "a nossa posição é apenas uma hipótese", com outras que sugerem
uma segurança maior, o que deixa perplexo o leitor, em face da dificuldade
104

de entender a síntese dos pontos de vista envolvidos Outras pessoas,


ainda, embora manifestando simpatia pela abiogênese, apresentam os fatos
com honestidade e coerência, expondo claramente os problemas não
resolvidos e os limites da teoria. F. Crick, um dos descobridores da estrutura

do DNA, ganhador do Prêmio Nobel de 1962, pertence a esta categoria de


pessoas "cientificamente corretas", capazes de fazer distinção entre os dados
experimentais e suas opiniões pessoais, para a interpretação filosófica desses
105

dados. Em seu livro intitulado "The Origin of Life" ele se mostra muito
'

equilibrado, embora no final (páginas 149-153) abandone a linguagem


Fernando De Angelis 57

científica e exprima sua condicionante cultural, enquadrando a abiogênese


em uma visão do mundo com a qual discordamos por completo.

106
Dyson também não obstante alguma manifestação exagerada de
'

otimismo, revela claramente as grandes limitações científicas da


abiogênese, mesmo sendo um defensor convicto dessa teoria. Em sua
107

obra intitulada “L Evoluzione", capítulo XIII, G. Montalenti mostra-se


igualmente equilibrado em sua apresentação.

Ao termos de definir as alegações da ciência, encontramo-nos


substancialmente de acordo com Crick, muito embora nos coloquemos

em posições culturalmente opostas. E temos esperança de poder concordar


cientificamente também com muitas outras pessoas com posições culturais
distintas da nossa.

Embora Crick tenha uma visão particular sobre a origem da vida,


sua abordagem concorda substancialmente com a dos abiogenistas que
temos apresentado. De fato, em sua análise final, ele concorda com a
vida na Terra ter surgido a partir de um caldo primordial, mas considera
mais provável que este processo tenha se iniciado em algum outro planeta.
Seres inteligentes e altamente desenvolvidos teriam enviado, desse planeta,
germes, que vieram fertilizar o caldo primordial terrestre. Ele preferiu
deslocar o fenômeno no espaço, mas concorda plenamente com as quatro
afirmações fundamentais da abiogênese.

Não são poucos aqueles que, ouvindo nossa argumentação


antievolucionista, consideram-nos no mínimo como cegados por nossos

preconceitos extra-científicos. A essas pessoas recomendamos


cordialmente a leitura do livro de Crick, e também o de Dyson. Ao

verificarem como esses autores expõem as limitações da abiogênese, será


difícil levantar contra eles as mesmas acusações que, às vezes, são

levantadas contra nós.


58 A Origem da Vida Por Evolução

B A ATMOSFERA PRIMITIVA

A composição da atmosfera atual, abaixo dos 10.000 metros de


altitude, é praticamente constante e formada de Nitrogênio (cerca de 78%
do ar seco) e Oxigênio (cerca de 21% do ar seco). O vapor dágua está
presente em quantidade variável, e o bióxido de Carbono, não obstante sua
importância, encontra-se em percentual bastante baixo (0,03%). Esta
atmosfera não pode produzir os compostos orgânicos necessários para a
constituição dos seres vivos, e mesmo que se formasse uma pequena
quantidade desses compostos, a presença do Oxigênio os consumiria,
mediante um processo semelhante ao que ocorre em uma estufa, embora
mais lentamente.

Quem crer na abiogênese deve, portanto, pressupor uma composição


da atmosfera primitiva diferente da atual, isto é, rica em Hidrogênio, amônia
e metana, e pobre em Oxigênio. Entretanto, que essa tenha sido realmente a
composição da atmosfera é um pressuposto ou é um dado comprovado?

Assim se expressa Crick: "Pensou-se uma vez que a atmosfera


primordial da Terra fosse muito diferente da atual. Como o Hidrogênio
é o elemento mais abundantemente difundido no universo, era natural
acreditar que ele predominasse na atmosfera original. Porém essas
***

idéias foram recentemente trazidas à discussão. O Hidrogênio é tão


pouco denso que a gravidade da Terra não é suficiente para retê-lo, e,
por isso, ele tende a dispersar-se espaço, afora. É plausível pensar,
então, que grande parte do Hidrogênio presente no princípio tenha se
dispersado, tenha escapado tão rapidamente, que nunca tenha vindo a
ser um elemento predominante na atmosfera. Afirma-se hoje, com base
em dados experimentais, obtidos em função da média do conteúdo de
Hidrogênio de todas as rochas disponíveis, que a atmosfera do passado
108

não era muito diferente da atual"

O que não sabemos ainda é como teria sido a atmosfera antes da


formação das rochas mais antigas hoje conhecidas. Crick admite que "é
difícil chegar a conclusões fidedignas a respeito deste problema. A
109

própria temperatura da Terra primordial é incerta""


Fernando De Angelis 59

Fica claro, portanto, que não é a composição da atmosfera primitiva


que leva à conclusão de que a abiogênese realmente ocorreu, mas sim é a
crença na abiogênese que leva à suposição de uma atmosfera primitiva,
com características específicas. Freqüentemente os defensores da

abiogênese não deixam clara essa questão, e apresentam como prova o


que, na realidade, é um pressuposto que não só não foi demonstrado, como
também é conflitante com os dados hoje disponíveis.

C - A COMPLEXIDADE DA CÉLULA E SEUS COMPONENTES

a. A Célula: Sua Complexidade Inimaginável

Aqueles que insistem na formação espontânea da célula - que


constitui a forma de vida mais simples - geralmente nada esclarecem
sobre a sua extrema complexidade e sobre o fato de que esta forma de
vida, em sua simplicidade, é o mecanismo mais complicado que o homem
conhece.

Os virus poderiam ser apresentados como seres vivos mais simples


do que a célula, mas eles só podem viver no interior dela; fora dela eles
são incapazes de executar qualquer função. É, portanto, na célula, que
tem lugar o fenômeno a que chamamos de vida.

Algumas células (como as bactérias e as algas cianofícias) são


definidas como "mais simples", porque lhes faltam algumas estruturas,
embora efetuem as mesmas funções que as que são definidas como "mais

complexas", e mediante os mesmos processos químicos. Ainda mais, a


totalidade das bactérias consegue fazer muitas coisas, que outros seres
não conseguem: algumas vivem em água praticamente fervente, outras,
no gelo, em poços de petróleo, em reatores nucleares (ou seja, na
presença de radioatividade letal); podem sintetizar substâncias orgânicas
lançando mão de diferentes reações químicas (por exemplo queimando
Enxofre); produzem vitaminas, etc. Por isto, na realidade, não existe a
60 A Origem da Vida Por Evolução

"célula simples". A célula, como uma máquina, ou existe em sua


totalidade, ou absolutamente não existe.

É difícil descrever a complexidade de uma célula, pois o homem


jamais construiu algo que se possa comparar a ela. A instalação do mais
bem equipado laboratório de química do mundo compara-se com a
capacidade de formar algumas poucas letras, em face dos maravilhosos
poemas que uma simples célula consegue compor - basta pensar na
fotossíntese! A maior empresa de construção equivale a um grupo de
incapazes, em comparação com o que uma célula sabe fazer. Basta pensar
que a célula, recebendo de fora somente a alimentação, consegue
construir um organismo completo; de fato, um cão, um cavalo, uma
flor, todos tiveram sua origem em uma célula específica, que os formou
mediante capacidade organizadora exclusivamente interna. O maior
cérebro eletrônico é um brinquedo de criança, comparado com o cérebro

humano, este também derivado de uma célula. E que máquina é capaz


de construir outra máquina igual a si mesma (ou seja, capaz de
reproduzir-se) como o faz a célula? A complexidade da célula excede
toda e qualquer imaginação.

Comparando-se o trabalho efetuado por uma célula com o que se


efetua em um canteiro de obras, pode-se dizer que a célula realiza o
trabalho de um arquiteto, pois ela contém em si mesma (no DNA do
núcleo) todas as instruções necessárias para desempenhar as diferentes
funções. Mas ela realiza também o trabalho do mestre-de-obras, porque
possui os mecanismos que podem levar a cabo as operações exatas nos
instantes exatos (mediante o RNA e os vários sistemas de regulação).
Finalmente, ela realiza o trabalho do operário, efetuando diferentes
tarefas, sobretudo mediante as proteínas: unhas, cabelos e músculos,
somente para dar alguns exemplos, são tecidos compostos com tais
substâncias. Proteínas e DNA são os dois extremos da organização
celular, e será útil considerá-los mais detalhadamente.
Fernando De Angelis 61

b. A Complexidade das Proteínas

As proteínas são formadas por vinte diferentes aminoácidos, que se


juntam, para formar longas cadeias. A bactéria simples, denominada
110

"Escherichia coli", contém cerca de 2500 tipos de proteínas. Partindo do


fato de que as proteínas são formadas, em média, por cerca de 500
aminoácidos, se tivéssemos de escrever em folhas de papel as que
correspondem à "Escherichia coli", indicando com 20 letras do
alfabeto os 20 diferentes tipos de aminoácidos, resultaria uma
composição três vezes mais extensa do que a Divina Comédia, que
é cerca de seis vezes maior do que este livro, ou mais extensa do
111

que o Novo Testamento

Os aminoácidos, que formam as proteínas, por sua vez, são formados


por quatro tipos de átomos: Carbono, Hidrogênio, Oxigênio e Nitrogênio; alguns
deles contêm ainda Enxofre e Fósforo. Eles são produzidos somente pelos
seres vivos, ou também em laboratórios. Se quiséssemos compô-los, a partir
de átomos, precisaríamos de um mínimo de 10 átomos (para o aminoácido
glicina) e um máximo de 27 (para o triptofano). Naturalmente eles deveriam
achar-se na proporção correta (por exemplo, para a glicina, 5 átomos de
Hidrogênio, 2 de Oxigênio, 2 de Carbono e 1 de Nitrogênio) e devidamente
posicionados. Se combinarmos entre si os átomos que compõem a glicina, de
maneira diferente da prescrita para o seu posicionamento, não obteremos a
glicina, mas sim algo totalmente diferente. Seria como se tivéssemos trocado
de lugar as letras de uma palavra. Para dar um exemplo, AMOR não tem o
mesmo significado que ROMA, e muitas combinações dessas quatro letras
podem não ter qualquer sentido, como AMRO, etc.

Se, depois de haver obtido a composição dos aminoácidos,


quiséssemos continuar obtendo as proteínas, deveríamos executar
uma tarefa semelhante à de um tipógrafo, quando está organizando
as páginas de um livro.
62 A Origem da Vida Por Evolução

Resumindo, para fabricar uma proteína em laboratório, deveríamos


tomar o número exato de átomos e posicioná-los da maneira exata,
produzindo primeiramente toda a série de 20 aminoácidos. Deveríamos,
então, tomar os aminoácidos exatos e uni-los de forma exata. Todo este

trabalho seria impossível de ser levado a cabo em laboratório, sem a direção


de compostos orgânicos, produzidos pelas células. Depois de termos
conseguido realizar esta difícil tarefa, deveríamos manter a delicada estrutura
obtida sob as condições exatas de temperatura, acidez, salinidade, etc, para
que ela não venha a ser irreparavelmente danificada. Estas cinco condições
exatas necessárias evidenciam os obstáculos a serem superados, para formar
e conservar uma proteína simples. Se desejarmos nos manter dentro de um
contexto verdadeiramente científico, estes obstáculos não podem ser
passados por alto, com a simples afirmação de que, em algum local, de
algum modo, há algum tempo, tenham-se formado e conservado as atuais
proteínas, que hoje estão incorporadas às células.

c. A Complexidade do DNA

Se quiséssemos construir o DNA, o primeiro grupamento que


precisaríamos produzir seria o das quatro bases nitrogenadas, freqüentemente
indicadas de forma mais simples pelas letras A (Adenina), T (Timina), C
(Citosina), e G (Guanina). Para conseguir compor cada uma dessas bases,
deveríamos tomar cerca de 30 ou mais átomos de quatro tipos distintos (ou
seja, Carbono, Hidrogênio, Oxigênio e Nitrogênio) e combiná-los de maneira
exata. Deveríamos, então, preparar um açúcar especial, a desoxirribose
(composto por 5 átomos de Carbono, 10 de Hidrogênio, e 4 de Oxigênio,
dispostos de uma maneira exata), e ácido fosfórico, ou fosfato.

Estes três componentes iniciais deveriam ser dispostos de maneira


exata, para que se obtivessem os 4 nucleotídeos correspondentes às 4 bases
iniciais (Adenina, Timina, Citosina, e Guanina).

Finalmente, os 4 nucleotídeos teriam de ser dispostos em pares


(Adenina com Timina, e Citosina com Guanina), e esses pares precisariam
posicionar-se uns sobre os outros, para formar uma espécie de escada.
Fernando De Angelis 63

Segue-se uma maneira de ilustrar o DNA e suas diferentes partes


durante o processo de transcrição, no qual a dupla hélice temporariamente
se desdobra, para permitir a formação do mRNA, com o posicionamento
correto dos pares A/T e C/G:

Meia-hélice de DNA

mRNA

T
64 A Origem da Vida Por Evolução

Para dar idéia das dificuldades encontradas para que sejam efetuadas
ao acaso as reações necessárias para a formação do DNA, consideraremos
a composição de um nucleotídeo, a partir de seus três constituintes (base
nitrogenada, desoxirribose, e fosfato). O abiogenista Dyson manifesta-se
da seguinte forma: “Se os laços de ligação formam-se casualmente, de
cada 100 moléculas, somente uma será bem estruturada, do ponto de
vista estereoquímico. É difícil, portanto, imaginar um processo natural
capaz de pescar exatamente aquele único nucleotídeo, formado
corretamente, dentre os seus 99 irmãos defeituosos! Além do mais, os
nucleotídeos corretos não são estáveis em solução aquosa, e tendem
112

a dividir-se novamente em seus componentes'

Em uma célula bacteriana, o DNA é constituído por vários milhões de


113

pares de nucleotídeos enquanto que, no ser humano, são alguns bilhões


114

em cada célula. Todas as células de um organismo, de maneira geral,


apresentam as mesmas quantidade e qualidade de DNA. Como havíamos
comparado as proteínas de uma célula com o Novo Testamento ou a

Divina Comédia, seria legítimo comparar o DNA, formado por muitos


mais elementos, a uma Enciclopédia.

Enquanto que as proteínas consistem de uma linguagem de 20 letras,


o DNA consiste de uma espécie de código Morse, usando apenas 4 sinais.
É tarefa de uma outra espécie de composto (o RNA) a tradução da linguagem
de 4 sinais em linguagem de 20 letras, isto é, em outras palavras, formar as
proteínas, com base nas instruções recebidas do DNA. A forma e o meio

pelos quais isto se torna possível são demasiado complexos, para serem
tratados neste livro.
Fernando De Angelis 65

D - AS DESCARGAS ELÉTRICAS COMO CONSTRUTORAS


DE MOLÉCULAS

Em 1953, Miller submeteu uma mistura de Hidrogênio, água, metana


e amônia a descargas elétricas, durante uma semana, e obteve “uma mistura
de pequenos compostos orgânicos, entre os quais uma discreta
quantidade dos dois aminoácidos simples - Glicina e Alanina - presentes
115

em todas as proteínas"

Geralmente a experiência de Miller é referida afirmando-se que nela


se formam aminoácidos (e não apenas dois aminoácidos simples) “que
representam a unidade constitutiva das proteínas, componentes
116

fundamentais da matéria viva'

Essa maneira de expor não leva em consideração os obstáculos


que se devem superar para sintetizar os aminoácidos em proteínas (ver
parágrafo anterior), nem os obstáculos (infinitamente maiores) para passar
das proteínas às células, como veremos mais adiante. Ao leitor é transmitida
a idéia enganosa de que a vida foi reproduzida em laboratório, ou quase!
Examinemos, então a experiência de Miller de forma detalhada.

Como vimos anteriormente, foi suposto que a atmosfera presente


na experiência de Miller fosse semelhante à atmosfera primitiva, o que
entretanto jamais foi demonstrado. Na Terra primitiva, o Hidrogênio

"supostamente se havia dispersado espacialmente, enquanto que, na


experiência de Miller, que teve lugar em um sistema isolado, cada
molécula de Hidrogênio, uma vez formada, não podia escapar do
sistema, pelo que as moléculas gradualmente se acumulavam à medida
117

em que continuava a experiência"

O fato de que se tivessem formado os dois aminoácidos mais simples,


e não os demais 18 presentes em todos os seres vivos, poderia também
66 A Origem da Vida Por Evolução

demonstrar que, com esse tipo de experiência, não se pode ir muito longe.
Imagine que eu dê a um menino uma caneta, algumas folhas de papel,
uma tesoura, e cola. Se, entre os garranchos, consigo descobrir duas letras
do alfabeto, não posso declarar que, às custas de escrever ao acaso,
cortar e colar, poderia ser produzida uma novela ou um tratado científico.
Da mesma forma, a experiência de Miller pouco tem a comprovar.

Mesmo que, mediante outras experiências, fosse encontrado um


sistema mais eficaz para produzir aminoácidos ao acaso, haveria ainda
outros problemas a resolver. Por exemplo, além dos 20 aminoácidos que
constituem as proteínas, existem outros 150 não protêicos, que, se fossem
misturados com os outros, criariam outro obstáculo praticamente
insuperável para a formação das proteínas exatas. Seria como se
quiséssemos escrever um livro tirando, ao acaso, letras do alfabeto latino
que estivessem em uma caixa, juntamente com as letras de 7 outros
diferentes alfabetos!

Mas os problemas não cessariam aí. Todos os aminoácidos, com


exceção do mais simples deles (a Glicina), são assimétricos. Podemos
comparar esse fenômeno com o formato de nossas mãos elas são -

constituídas pelos mesmos elementos, mas cada parte sua está arranjada
de forma específica, de tal maneira, que a mão esquerda não se adapta
em uma luva da mão direita, e vice-versa. Uma das mãos pode ser
chamada de imagem especular da outra. Os aminoácidos também existem
sob duas formas - a forma levógira ("L") e a forma dextrógira ("D") - e,
quando eles se formam de maneira casual, ou seja, fora da célula, metade
é de uma forma e metade da outra. Em contraste, "todas as moléculas

fundamentais, em todos os organismos, apresentam a mesma forma".


Esta uniformidade é surpreendente por ser "arbitrária e completa ao
,,118
mesmo tempo' Em outras palavras, nos seres vivos poderiam existir
as duas formas, ou poderiam existir alguns seres com compostos de uma
forma ou de outra - isso é o que deveríamos esperar se eles tivessem sido
Fernando De Angelis 67

produzidos ao acaso. Entretanto, todos os compostos dos seres vivos


apresentam uma só forma. Particularmente, “todos os aminoácidos, que
119

constituem as proteínas pertencem à forma "L" e a Glucose tem


... ,

120
"

a mesma forma "D", onde quer que seja encontrada na natureza

Para quem não crê na abiogênese, todas as dificuldades demonstram


que a abiogênese não pode ser comprovada. Por outro lado, para outros,
as experiências de Miller constituem a prova de que a vida teve origem
em uma única célula primordial, formada de maneira casual, e que
posteriormente transmitiu o mesmo esquema a todos os seres vivos. Os
abiogenistas reconhecem que é improvável que uma célula possa formar-
se espontaneamente, porém "improvável" não significa "impossível"
estatisticamente. Torna-se necessário, portanto, que demos uma olhada

no campo da Estatística.

E ATENÇÃO ÀS INTERPRETAÇÕES ENGANOSAS


-

DA ESTATÍSTICA

Para que a discussão não seja muito árida, iniciaremos com uma
alegoria. Um juiz tinha de pronunciar a sentença relativa a um dos
principais dirigentes da loteira esportiva, o qual havia sido acusado de
fraude. Um de seus parentes próximos havia acertado os 13 pontos dez
vezes em seguida, usando, em cada vez, somente um cartão. Foi
simplesmente sorte, ou houve fraude?

O advogado de defesa gritou ameaçadoramente: "Não se pode


condenar uma pessoa, quando se sabe que, embora sendo difícil, é
possível acertar os 13 pontos dez vezes em seguida". E, para dar
peso ao seu argumento, o advogado chamou um professor de estatística,
com o qual começou a discutir publicamente. "Professor, é possível
acertar 13 pontos duas vezes em seguida?" O professor, na presença
do juiz, respondeu então: "Sim, é possível". Finalmente, o advogado
68 A Origem da Vida Por Evolução

chegou à pergunta crucial: "Professor, é possível acertar 13 pontos


dez vezes em seguida?" O professor respondeu novamente: “Sim, é
possível". Satisfeito com sua atuação, o advogado dirigiu-se ao juiz
dizendo: "Deveríamos pelo menos dar ao acusado o benefício da
dúvida, já que, em face da incerteza, temos o dever de absolvê-lo”.

O juiz ficou perplexo, já que o senso comum lhe dizia que o


acusado era culpado, mas a estatística lhe confundia as idéias. Depois

de refletir um pouco, mandou chamar o professor e perguntou-lhe: "Qual


é a probabilidade de que uma pessoa acerte 13 pontos dez vezes
em seguida?" O professor respondeu-lhe: “É como se, em um oceano
de pedrinhas brancas, houvesse 10 pedrinhas pretas, e uma pessoa,
com os olhos vendados, tirasse ao acaso 10 pedrinhas quaisquer, e
todas elas fossem exatamente as pedrinhas pretas”. Mas o juiz, ainda
não satisfeito, e já perdendo a calma, continuou a perguntar: "Então,
segundo a estatística, quando poderemos nos assegurar que houve
uma fraude? Depois de se acertarem os 13 pontos 100, 1.000, ou
10.000 vezes em seguida?" Com um ligeiro sorriso respondeu o
professor: "Nunca, senhor juiz; nunca poderemos assegurar". O
juiz, ainda mais impaciente, continuou a perguntar: "Como decidiria
você em um caso como este? Devo supor que nem mesmo as
impressões digitais nos podem garantir segurança em um
julgamento?" "Bem", concluiu o professor, "geralmente se fixa um
limite de probabilidade, além do qual se poderia ter certeza. É claro
que, se não procedêssemos dessa forma, seria impossível tomar
decisões, e até mesmo as impressões digitais nada comprovariam
definitivamente". E assim voltou o juiz para casa, pensativo: condenar
o acusado, ou renunciar ao cargo de juiz?!

Usamos esta ilustração, porque cada um de nós deverá pronunciar


uma sentença relativamente à teoria da origem da vida por abiogênese,
e devemos cuidar para não sermos enredados por argumentação
Fernando De Angelis 69

estatística não muito bem fundamentada. Quem desejar usar o


argumento da possibilidade, deverá também quantificar o grau
de probabilidade que existe para que um determinado fenômeno
ocorra. Adivinhar o resultado de uma partida de futebol é o mesmo que
acertar a loteria esportiva mil vezes em seguida - ambos constituem
uma possibilidade lógica.

Exatamente por isto, todas as vezes em que se fala de fenômenos

possíveis, deve-se calcular a probabilidade de ocorrência do fenômeno.


Como nos cálculos dessas probabilidades geralmente surgem números
expressos na forma exponencial, será útil dar alguns exemplos, que
possam esclarecer melhor o seu significado.

Se alguém lhe oferecesse 60 cheques de um milhão de dólares


cada, pedindo em troca 2' (=2) feijões pelo primeiro cheque, 2² (=4)
60

feijões pelo segundo, 2° (=8) pelo terceiro, e assim por diante até 2
feijões pelo sexagésimo cheque, você aceitaria, sem ter a possibilidade
de desistir no meio do caminho? O cálculo a ser feito não é muito

complicado (Ver Apêndice 1), mas o resultado é surpreendente! O


sexagésimo cheque seria trocado por mais de um quintilhão de grãos de
feijão, valendo mais de cem trilhões de dólares!

Por isso, devemos prestar muita atenção nos números com

expoentes altos, pois podemos lê-los muito rapidamente, mas eles


representam cifras inimagináveis!

Outro exemplo ajudará a esclarecer outros aspectos do problema.


Se eu indicar em uma moeda o lado "cara" com a letra A, e o lado
"coroa" com a letra B, depois de jogá-la ao acaso, poderá ocorrer ou A

ou B. Quantas vezes ocorrerá A em 100 lances? Ninguém poderá saber;


tudo o que se pode dizer é que, em média, ocorrerá A uma vez em cada
dois lances, ou 50 vezes em 100. Fazendo-se dois lances em seguida,
70 A Origem da Vida Por Evolução

existirá 1 probabilidade em 4 para que ocorram dois A (pois são 4 as


combinações possíveis de A e B: AA, AB, BA, e BB).

Passemos agora a uma ilustração mais complexa. Consideremos a


dificuldade que um símio teria para datilografar, batendo ao acaso nas
teclas de uma máquina de datilografia, uma frase determinada. Escolhamos
a frase "evolução é a solução", que contém 20 letras, incluindo os espaços.
Para facilitar a tarefa, suporemos que a máquina tenha apenas as 20
teclas, correspondentes às letras da frase e aos espaços, e eliminaremos
também os acentos.

Quantas teclas deverão ser batidas pelo símio, até conseguir


escrever a frase, ao acaso, ninguém poderá saber. Mas podemos calcular
o número em termos de valor médio. Fazendo os cálculos (Ver Apêndice
2) torna-se óbvio que a tarefa seria demasiadamente extensa para um só
símio. Suponhamos, então, que estejam trabalhando um bilhão de símios
simultaneamente. Mesmo assim, eles teriam ainda uma tarefa enorme,

pois deveriam passar 10 bilhões de anos escrevendo ininterruptamente,


para que então, somente um deles, pudesse ter conseguido escrever a
frase escolhida!

Tem-se impressão de que não seja tão difícil produzir por acaso
ordem a partir do caos, mas aí estão os cálculos para mostrar a dificuldade.
Lamentavelmente, nem todos os autores deixam claro este ponto, e poucos
leitores se apercebem ou se põem a fazer os cálculos, sendo então
fatalmente levados ao engano.

F-DOS AMINOÁCIDOS ÀS PROTEÍNAS: OUTRAS


DIFICULDADES ESTATÍSTICAS

Já falamos de algumas dificuldades consideráveis que se encontram,


quando se procura formar as proteínas ao acaso, e agora, para destacar
outros aspectos, fazemos a seguinte pergunta: "Que volume de proteínas
Fernando De Angelis 71

teria eu de fazer para que se tornasse possível compor uma determinada


proteína ao acaso?" Seria como se eu dissesse: "Se tenho à disposição
miçangas de 20 cores diferentes, e quero formar um colar
predeterminado, juntando-as ao acaso, qual o número de colares
incorretos que terei de fazer antes de conseguir fazer aquele
predeterminado?" Escolhendo uma proteína simplíssima, constituída de
somente 100 aminoácidos, o cálculo leva a cifras assombrosas (Ver Apêndice 3).

A proteína predeterminada encontrar-se-ia em um cubo de proteínas


incorretas, cuja dimensão seria difícil de imaginar - sua aresta teria cerca
de 1033 km. Se quiséssemos cruzar esse cubo, em busca daquela proteína
predeterminada, deslocando-nos em um foguete, que desse mais do que
sete voltas por segundo em torno da Terra (isto é, tivesse a velocidade da
luz), levaríamos cem bilhões de anos! Neste cubo imenso, nossa própria
galáxia (que tem somente 100.000 anos-luz ao longo de sua maior dimensão)
pareceria como um pequeno ponto.

Os telescópios mais potentes exploram o universo até uma distância


de 5 bilhões de anos-luz, o que é algo insignificante, em comparação com o
cubo de proteínas necessárias, em valores médios, para formar, ao acaso,
uma proteína predeterminada, dentre as mais simples delas. Cálculos
120

semelhantes são apresentados também por Crick com resultados análogos.


,

Um professor de química fez a observação de que, para tentar a


formação de uma proteína predeterminada, não é necessário dispor de um
volume tão grande de aminoácidos, porque é possível decompor uma proteína
incorreta e tentar novamente formar outra, utilizando o mesmo material,
que foi assim tornado disponível. Entretanto, introduzindo essa concepção,
a formação de uma proteína de 100 aminoácidos se torna ainda mais difícil,
porque, se aumentarmos o número de aminoácidos que serão combinados,
torna-se mais provável o rompimento da cadeia do que o seu alongamento.
E, se chegássemos finalmente à nossa pretendida proteína, ela de forma
alguma se conservaria, mas sim decompor-se-ia rapidamente.
72 A Origem da Vida Por Evolução

As dificuldades que estivemos examinando deveriam ter esclarecido

quão difícil é obter ordem ao acaso, a partir do caos. Entretanto, Oparin, o


fundador da escola soviética da abiogênese, afirma, com segurança, que "as
substâncias orgânicas primordiais evoluíram, sofrendo ulteriores
mudanças e transformações. Os mecanismos dessas transformações

podem ser supostos com base nas experiências efetuadas em


laboratório (S. L. Miller, M. Calvin, C. Ponnamperuma), onde se tem
possibilidade de reproduzir as condições ambientais, que teriam existido

na Terra pre-biótica. Os resultados mostram que, sob tais condições,


formam-se numerosas substâncias orgânicas. Algumas delas são
bastante complexas, e algumas são compostos característicos das
células vivas; algumas substâncias são semelhantes às proteínas e aos
,,121
ácidos nuclêicos" Entretanto, diferentemente de Dyson, seu admirador

e seguidor, ele deixa de destacar que, até o presente, foram obtidas


substâncias complexas e ordenadas somente na presença de outras
substâncias, extraídas de seres vivos, que têm capacidade de ordená-las.

Levando em conta as mais recentes descobertas, Dyson dá a seguinte


122

explicação : "Eigen produziu RNA sem a ajuda de um código


específico, mas utilizando uma enzima. Orgel conseguiu o mesmo
resultado sem a enzima, mas servindo-se de um código (nos seres vivos
o RNA das células é produzido com o auxílio simultâneo de códigos e
enzimas). Se supusermos que o RNA constitui a molécula que deu origem
à vida, isso significa que devemos produzir o RNA, sem fazer uso nem
de códigos nem de enzimas. Nem Eigen nem Orgel conseguiram
aproximar-se dessa meta".

E, ainda mais, se um cientista conseguisse fabricar não só uma


proteína, mas até uma célula, usando sua própria inteligência e capacidade
de decisão, o que teria ele demonstrado? Simplesmente, que a vida é
resultado de um trabalho inteligente e programado. Jamais teria comprovado
que a vida é resultado do acaso.
Fernando De Angelis 73

Quem desejar aprofundar-se no campo das dificuldades


estatísticas, para a formação das proteínas, das células, ou da evolução
123
em geral, poderá fazer uso do ótimo e claro texto de Thomaz Heinze

As conferências suas (se não me falha a memória, em 1970) em


Perugia, deram-me o melhor estímulo para reflexões posteriores.

G - DAS PROTEÍNAS ÀS CÉLULAS: UM PASSO PROIBIDO

Suponhamos que, no caldo primordial, por algum lance de sorte


inimaginável, tivessem sido formadas, além de numerosas outras
substâncias semelhantes, também as substâncias que entram na

constituição de uma célula. Nem por isso teria sido formada facilmente a

primeira célula.

Ilustremos com um exemplo. Se eu tiver em um recipiente todas


as peças de diferentes tipos de relógio, será muito pouco provável
que eu consiga tirar ao acaso todas as peças do mesmo relógio.
Não seria fácil tomar ao acaso as peças exatamente necessárias,
que se encontram misturadas com muitas outras, algumas das quais
muito parecidas, para então colocá-las nas suas posições exatas para
montar o relógio. As células são constituídas por milhares de
substâncias estritamente coordenadas entre si; se as substâncias que
devem ser justapostas estiverem espalhadas em meio a uma
infinidade de outras substâncias semelhantes, é difícil imaginar que
exatamente aquelas, e somente elas, juntem-se ao acaso. E, mesmo

que elas se juntassem, não teríamos ainda chegado a formar uma

célula. De fato, se triturarmos células vivas em um liquidificador,


obteremos todas as substâncias necessárias para a sua constituição,
mas não se formarão novamente células, porque os vários

componentes não apresentam a tendência espontânea de novamente


combinar-se entre si.
74 A Origem da Vida Por Evolução

Além do mais, devemos pressupor que no hipotético caldo primordial


existissem muitas substâncias "venenosas" que, mesmo em pequenas
concentrações, impedem a ocorrência da vida. Portanto, mesmo que se
tivesse formado uma célula, ela poderia não ter sobrevivido.

Os que apoiam a abiogênese mantêm em mente essas objeções,


mas, mesmo os mais bem informados e equilibrados dentre eles, tomam
as medidas necessárias para remediar o assunto, passando a falar de um
evento que é estatisticamente improvável, mas que poderia ter ocorrido
mediante uma combinação particularmente feliz de circunstâncias. Tecendo
124

comentários sobre esta situação, F. Prattico diz que, após as


experiências de Miller (ver parágrafo D), "um grande brado de triunfo
foi ouvido proveniente de pesquisadores de todo o mundo", mas então
"passado o entusiasmo inicial, começaram a ser ouvidas, na
comunidade científica, dúvidas e críticas. Por exemplo, muitos
pesquisadores hoje alegam estar convencidos, com base em evidências
geológicas, que a atmosfera primordial não era semelhante à que foi
concebida por Urey e Miller em seu equipamento. Outros contestam
até o conceito de caldo primordial, alegando que, sob aquelas
condições, ter-se-ia formado tão somente alcatrão. Porém, a crítica
mais forte é de natureza matemática: as poucas centenas de milhões
de anos que separariam a formação da Terra do surgimento das algas
azuis não seriam suficientes, de acordo com a lei dos grandes números,

para reunir ao acaso a seqüência de aminoácidos necessários para


produzir uma enzima, uma proteína ativa".

"Uma enzima típica", prossegue Prattico, "consta de uma


seqüência de aproximadamente 200 aminoácidos, estruturados de
forma altamente elaborada. A probabilidade de ser obtida por acaso
uma seqüência desse tipo é de 100 (o número 1 seguido por um
indescritível número de zeros), enquanto que, para obter uma bactéria,
40.000

seriam necessários 10' tentativas ao acaso! Não seria suficiente


Fernando De Angelis 75

toda a idade do universo para produzir uma série assim tão


incrivelmente extensa. Complica-se, assim, o mistério da vida. Somente
uma coincidência particularmente feliz, um evento praticamente
único, poderia ter trazido à existência a primeira molécula auto-
reprodutora".

Crick também se exprime de maneira análoga: “Um homem honesto,


munido de todos os conhecimentos atuais, só pode afirmar, por ora,
que dado o enorme número de condições que seriam necessárias para

que o mecanismo pudesse ser posto em ação, a origem da vida parece


125

ser quase um milagre" A esposa de Crick está convencida de que,


quando seu marido fala sobre a origem da vida, "ele não está tratando de
126
uma teoria, mas sim de ficção científica "" e nada mais podemos fazer
senão dar-lhe plena razão.

Dyson, expondo uma proposta sua de atualização das idéias de Oparin,


admite que, “de nossas próprias formulações, às vezes obtemos
indicações esclarecedoras sobre o mundo real, mas freqüentemente o
modelo que utilizamos nada mais é do que um simples passatempo,
127

para aqueles de nós que têm paixão pela matemática"

O divulgador da ciência Piero Angelo, que se apresenta na televisão


italiana, grande difusor das teorias evolucionistas, falando com simpatia sobre
o livro de Dyson, resumiu o estado atual das pesquisas sobre o assunto que
estamos considerando, da seguinte forma: "Sobre as origens da vida tem-
128
"

se escrito muito, mas, até agora, pouco tem sido compreendido

Quando se fala de “evento praticamente único" (Prattico), “quase


milagre" (Crick), "passatempo" (Dyson), não mais estamos no campo da
ciência (ou nem entramos nele). Os cientistas podem ocupar seu tempo
falando sobre o que poderia ser possível, mas, ao assim fazer, não mais
estarão fazendo ciência, e sim especulação.
76 A Origem da Vida Por Evolução

É isto o que Dyson escreve na última página de seu livro: "A conclusão
de minha história leva-me de volta ao início. Guiado por uma filosofia
pessoal ... procurei imaginar uma moldura para a origem da vida. E o
que encontrei foi um modelo matemático abstrato, demasiadamente
simples para ser verdade. De forma consistente com minha inclinação
filosófica, estou propenso a crer que tal descrição se aplique a toda a
129

evolução da vida desde as origens"

Seja ou não declarado abertamente, como fez Dyson, ou fique


subentendido, por detrás da abiogênese existe sempre uma “filosofia pessoal❞
e uma visão própria do mundo, e é exatamente nesse plano extracientífico
que precisamos prosseguir nossa discussão. E isso será melhor fazermos à
parte, no próximo capítulo.
Fernando De Angelis 77

5. REFLEXÕES LIVRES SOBRE A ABIOGÊNESE

A - A ABIOGÊNESE: MAIS METAFÍSICA DO QUE CIÊNCIA

Em 1861, Pasteur demonstrou que a geração espontânea não existe


aqui e agora. Desde então, os defensores da geração espontânea tiveram
de retrair-se e dizer: "Agora, não, mas há algum tempo, no passado,
sim". Deslocando-a para bilhões de anos atrás, parecia quase impossível
contradizê-los. Mas hoje, o próprio Crick percebeu que estamos chegando a
um ponto, em que não mais será possível sustentar o ponto de vista de que
a vida na Terra surgiu por abiogênese há bilhões de anos. Por esta razão,
inventou-se uma escapatória, propondo-se que a vida tenha surgido em um
planeta desconhecido, nos espaços siderais. Crick diria a Pasteur: "se aqui
não, em outro lugar sim, seria possível", fazendo assim mais problemática
a comprovação ou o desmentido. Estas foram as suas palavras: "Se um
dia chegássemos à conclusão de que (a geração espontânea) é
extremamente improvável, então seríamos forçados a levar em
consideração a possibilidade de ela poder ter acontecido em outras
partes do universo onde, por uma ou outra razão, as condições tivessem
130

sido mais favoráveis'

A crença na geração espontânea apoiou-se sempre sobre evidências


que posteriormente se mostraram inconsistentes. Entretanto, o colapso das
evidências jamais deitou por terra aquela concepção. Ela sempre ressurgiu
sob formas diferentes. A própria abiogênese vem também sendo aceita
independentemente de serem ou não válidas as evidências que supostamente
a comprovem.

Assim se expressa Montalenti: “É extremamente pouco provável


que seres vivos, de complexidade semelhante à de bactérias, tenham-
se formado repentinamente, no passado, a partir de matéria inerte.
Uma bactéria não é tão simples como se possa pensar. Sua estrutura é
extremamente complexa, constituída por uma membrana, substância
nuclear e citoplásmica, e várias inclusões. A idéia de que elas tenham-
78 A Origem da Vida Por Evolução

se formado pela agregação direta de moléculas parece-nos


infinitamente improvável. ... Entretanto, mesmo em face desses
resultados negativos, muitos biólogos recusam-se a renegar o conceito,
e continuam a considerar a geração espontânea como uma
possibilidade teórica, permanecendo à espera de sua comprovação.
De fato, a origem da vida na Terra tem de ser explicada de alguma 131

forma, e a geração espontânea é uma explicação possível”":

Dyson é ainda mais preciso, e sob certo aspecto inquietante, ao afirmar:


"Por cinqüenta anos a teoria de Oparin pareceu aos biólogos a única
alternativa ao criacionismo bíblico, e somente por esse motivo e não por
existirem provas a seu favor - gozou do consenso quase unânime do mundo
132

científico",¹³2
O Deus da Bíblia desperta, na maior parte das pessoas, um sentimento
de desconforto, que elas tentam superar, imaginando que, em algum lugar, em
algum tempo, de alguma maneira, a vida surgiu por si mesma. Esta atitude
nos traz à mente as palavras que os profetas de antigamente dirigiam ao povo
rebelde: “Eles dizem ... aos profetas: Não profetizeis para nós o que é
reto; dizei-nos coisas aprazíveis, profetizai-nos ilusões; não nos faleis
...

mais do Santo de Israel" (Isaias 30:10-11). Tudo parece ser aceitável, desde
que neutralize a Bíblia. Entretanto esta atitude pouco tem de científica.

B - A IMPORTÂNCIA DA QUESTÃO

Do modo como se coloca e se resolve o problema da origem da vida,


depende, como conseqüência natural, também o modo de colocar e resolver
o problema da origem das espécies, incluindo aí também a origem do homem.

Por isso, essa não é uma questão que tenha a ver somente com a
biologia; ela tem implicações mais amplas, de ordem cultural, filosófica e
religiosa. Os livros-textos de história iniciam-se abordando a abiogênese, a
evolução e os hominóides. Ao começarem a tratar do homem, já foi assim
apresentada a estrutura dentro da qual todo o restante será enquadrado.
Fernando De Angelis 79

Se, no princípio, o homem era um mero animal, grosseiro, bruto, pouco


inteligente, somos forçados a admitir que ele fez consideráveis progressos, e
somos induzidos a pensar que provavelmente ele continuará a aperfeiçoar-
se. Vice-versa, se for aceito que a humanidade descende de Adão, a situação
se altera consideravelmente. Adão foi criado à imagem e semelhança de
Deus, com quem conversava e vivia em perfeita harmonia. O homem atual,
comparado com Adão, apresenta traços inequívocos de contínua degradação.

De acordo com Benedetto Croce, começar a história da humanidade


com a hipótese de que a origem do ser humano foi “animalesca e mecânica",
significa "criar pseudo-história, em duplo sentido: no sentido da história
geral, e no sentido da história natural". Em sua opinião, “isto não vivifica
,,133
o intelecto; mortifica a alma E Croce foi o mais influente homem de
cultura italiano deste século!

Além do mais, se tomarmos literalmente o primeiro livro da Bíblia, é


natural que também tomemos literalmente o último, o livro de Apocalipse,
em cujo final o apóstolo João exclama: “ Vem, Senhor Jesus" (Apocalipse
22:17-21). Mas quantas pessoas se uniriam em coro ao apóstolo? Para a
grande maioria, o próprio nome Apocalipse é sinônimo de espantosas
catástrofes, e do juízo de um Deus com o qual não desejam relacionamento
algum. A abiogênese serve muito bem para remover do horizonte esse
Deus da Bíblia.

Poucos anos depois de Pasteur ter demonstrado definitivamente a


inconsistência da geração espontânea, em sua própria pátria, o
reconhecido dicionário Larousse trouxe a seguinte declaração: "A geração
espontânea não é mais uma hipótese; ela se tornou uma necessidade
filosófica. Somente ela é racional, somente ela nos liberta para sempre
das teorias cosmogônicas pueris, e faz bater em retirada aquele deus
ex machina (Deus criador) externo e totalmente artificial, que, durante
,,134
séculos, tem sido adorado de forma ignorante'
80 A Origem da Vida Por Evolução

135

Monod segue também essa linha de pensamento da mesma forma


'

que muitos outros integrantes dos círculos culturais italianos* que


freqüentemente associam o Deus da Bíblia com os piores eventos da
história. Entendemos que a razão para isso é que no passado,
especialmente nos países latinos europeus, muitas pessoas atuaram em
nome de Deus e da Bíblia, perpetrando injustiças, mantendo o povo na
ignorância, e contrapondo-se à ciência. Por outro lado, não devemos
esquecer que, em países onde em nome de Deus e da Bíblia foram
promovidos os valores da democracia, da liberdade, da justiça e do
progresso (como por exemplo na Suíça, nos Estados Unidos e na
Inglaterra), a atitude geralmente é oposta.

Martin Luther King, o grande líder da emancipação negra, era pastor


batista. E isso não foi uma coincidência, pois nas lutas de então, como
ainda hoje, nos Estados Unidos, "a Igreja Batista ... desempenhou um
papel crucial. Nos tempos da escravidão, a religião era a única fonte
de conforto para aquelas pessoas que eram compradas e vendidas
como mercadoria, e a quem tudo era negado, inclusive o direito de
constituir família. Porém, de acordo com o Rev. Joseph Roberto,
...

atual pastor da Igreja Ebenezer, a Igreja também se tornou importante


como símbolo e substituta da sociedade civil da qual os negros eram
excluídos.... Para nós a Igreja era tudo - escola, câmara de comércio,
clube de prestação de serviços, hospital, local de abrigo para quem
,,136
não conseguia pagar o aluguel e era despejado de sua casa

Os primeiros sindicatos do mundo foram fundados na Inglaterra, no


ambiente de uma igreja protestante - a Igreja Metodista.

No ambiente cultural desses países há um sentido maior de equilíbrio,


e, mesmo o debate entre tendências opostas, dificilmente se deteriora em
agressões. Huxley, o grande propagandista e defensor da obra de Darwin,
enfrentou face à face o bispo Wilberforce em Oxford, publicamente, em
um debate conduzido com grande polidez.
Fernando De Angelis 81

Em tais confrontos, a política e a cultura avançam mais por meio de


ajustes sucessivos do que por golpes e contragolpes.

Por outro lado, nos ambientes culturais que, de alguma forma,


derivaram da Revolução Francesa, houve sempre uma amedrontadora
oscilação entre revoluções radicais e “santas alianças" contra-
revolucionárias. As pessoas, assim, foram forçadas a tomar um ou outro
partido, e, como sabemos, sob condições de guerra perde-se o sentido de
equilíbrio, e o adversário se torna a personificação do demônio. É
compreensível, portanto, embora não justificável, que as pessoas se tornem

cegas na luta, e percam o seu sentido de equilíbrio.

CABIOGÊNESE E EVOLUCIONISMO:
A MESMA CONCEPÇÃO

Na abiogênese e no evolucionismo aplicam-se os mesmos princípios.


Em ambos os casos a complexidade surge espontaneamente da simplicidade,
por efeito do acaso (que produz as diferentes variedades) e da seleção (que

escolhe os tipos mais aptos).

Substancialmente, a vida, em sua grande complexidade, estaria


impressa na matéria, que é capaz de, por si mesma, produzi-la e desenvolvê-

la. Se Deus existe, procedeu Ele de maneira totalmente indireta. Benedetto


Croce observa que "o darwinismo, por tudo que aceita, ou que
inconscientemente traz consigo de filosófico, constitui um dinamismo
137

panteístico, e não pode conciliar-se com a idéia de um Deus pessoal""


Para esclarecer melhor, o panteismo atribui ao universo físico as
características da divindade; desta forma, toda a realidade é Deus. Em

termos práticos, a existência e o poder do Criador bíblico são substituídos


pelos atributos das coisas criadas. A matéria com suas leis, o mundo, o
universo, tudo se torna O Absoluto.
82 A Origem da Vida Por Evolução

Como confirmação da unidade conceitual entre abiogênese e


evolucionismo, apontamos para a posição de Darwin a favor da
abiogênese (capítulo 2/F). Lamarck, como evolucionista, também era
defensor da geração espontânea.

Em conclusão, para os evolucionistas manterem-se coerentes, é


indispensável crerem na abiogênese, de tal forma que possam ser
colocados em uma única estrutura, tanto a origem quanto o
desenvolvimento dos seres vivos.

"Hoje a geração espontânea jaz na base das teorias


evolucionistas, como uma possibilidade teórica, como um fenômeno
que deve ser verificado, mas que até hoje somos incapazes de
138

reproduzir em laboratório, e que não é observado na natureza”


Estas palavras foram escritas em 1950, mas ainda correspondem
perfeitamente à situação atual.
Fernando De Angelis 83

6. NOTAS

1 F. La Guardia, II popolo dei caribù, in Quadrante, n° 15/16, 1986,


pp. 54-55.
2 Enciclopedia Italiana, 1950, verbete Generazione spontanea.
3 Ver P. Omodeo, Creazionismo ed evoluzionismo, Laterza, Bari, 1984,
p. 4. Quando não especificado de forma distinta, esta será a referên-
cia indicada com op. cit.

4 L. Monfroni C. Pavanati Bettoni, Ellementi di biologia attiva per


-

le scuole medie superiori, Signorelli, Milano, 1980, p. 9.

5 P. Omodeo, citado por P. Polito em sua Introduzione a F. Redi, Scritti

di botanica, zoologia e medicina, Longanesi, Milano, 1975, p. 10.

6 A. Kircher, Mundus subterraneus, citado por P. Omodeo, op. cit., p. 7.


7 Idem, p. 9.

8 J. Rostand, Lazzaro Spallanzani e le origini della biologia


sperimentale, Einaudi, Torino, 1963, p. 16.

9 Francisco Redi (1626-1697). Médico, naturalista e poeta italiano, cujas


investigações destruiram a crença na geração espontânea dos inse-
tos. É considerado o criador da parasitologia.
10 Marcelo Malpighi (1628-1694). Médico anatomista e fisiologista itali-
ano. Descobriu os glóbulos vermelhos, os vasos capilares, a estrutura
da pele em camadas, e os glomérulos dos rins que levam o seu nome.

11 Antonio Vallisneri (1661-1730). Médico e naturalista. Contribuiu para


refutar a teoria da geração espontânea.

12 Ver nota sobre Josué 10:11-14, na Bíblia Católica publicada por Paoline
(1986).

13 P. Rossi, Galilei, Compagnia Edizioni Internazionali, Milano, 1966, p. 47.

14
Idem, p. 48.
84 A Origem da Vida Por Evolução

15 P. Omodeo, op. cit., p. 10.


16
F. Redi, Opere, vol. 1, p. 117 da edição de Veneza de 1762. Citado
por P. Omodeo, op. cit., p. 9.

17
Para os primeiros três pontos, ver Marcos 8:1-10 e para os outros
dois pontos ver Mateus 15:33 e João 6:12.

18
Ver V. Marcozzi, Le origini dell'uomo, Massimo, Milano, 1983, p. 9.
19 Carlos Linneo (1707-1778). Famoso naturalista e médico sueco, au-
tor de uma classificação das plantas e criador do método científico no
estudo da História Natural.

20
20
João Gregório Mendel (1822-1884). Religioso agostinho e naturalista
austríaco, a quem se devem notáveis trabalhos sobre hibridização das
plantas. Descobriu várias leis que serviram de base aos modernos
estudos da genética.

21 P. Omodeo, op. cit., p. 112.


22
22
P. Omodeo, Introduzione, in Darwin, L'origine delle specie, Newton
Compton Italiana, Roma, 1974, p. 8.

23 P. Omodeo, op. cit., pp. 60-61.


22
24 Charles Bonnet (1720-1793). Naturalista e psicólogo suíço. Estudio-
so de entomologia, descobriu a partenogênese nos afídios.

25
25 Jorge Cuvier (1769-1823). Eminente naturalista, criador da anatomía
comparada e da paleontologia.

26 P. Omodeo, op. cit., p. 66.


22
27 G. Montalenti, Spallanzani nella polemica fra vitalisti e
meccanicisti, in Lazzaro Spallanzani e la biologia del Settecento.
Teorie, esperimenti e istituzioni scientifiche, G. Montalenti e P.
Rossi, Olschki, Firenze, 1982, pp. 9, 15.

28
P. Omodeo, op. cit., p. 67.
22
29
Idem, pp. 29-31.
Fernando De Angelis 85

30
Nicolas Malebranche (1638-1715). Filósofo francês. Afirmou que o
conhecimento é a visão de todas as coisas em Deus, e que Deus está
presente na natureza, da qual regula todos os acontecimentos.
31
Jan Swammerdan (1637-1680). Fez importantes investigações sobre
a anatomia microscópica e sobre a biologia dos insetos. É considera-
do fundador da entomologia.

32 G. Montalenti, op. cit., p. 9.

33 J. Rostand, op. cit., p. 32.

34 Idem, p. 42.

35 Idem.

36 G. Montalenti, op. cit., p. 6.

37 Ou seja, de uma vez por todas, ligamos, de um só golpe.


38 P. Omodeo, op. cit., pp. 68-69. Ênfase nossa.

39
L. Pasteur, Opere, ed. O. Verona, UTET, Torino, 1972, pp. 991, 1001,
1003.

40
40 Lazzaro Spallanzani (1729-1799). Naturalista italiano. Demonstrou a
falta de fundamento na teoria da geração espontânea nos infusórios,
afirmando a necessidade da fecundação.

41 J. Rostand, op. cit., pp. 19-20.

42 Idem, p. 20.

43 C. Bonnet, citado por J. Rostand, op. cit., p. 188.

44 J. Rostand, op. cit., p.7.

45 Idem, p. 183.
46 Idem, pp. 35-36.
47
J. Rostand, op. cit., p. 41. Na última frase Rostand cita M. Caullery.
48
C. Castellani, Lazzaro Spallanzani nei suoi rapporti con la scienza
86 A Origem da Vida Por Evolução

e la cultura del Settecento, in Lazzaro Spallanzani e la biologia


del Settecento, op. cit., p. 25.
49
Idem, p. 24.

50 Idem, pp. 41-43.

51 Enciclopedia Italiana, 1949.

52 V. Marcozzi, op. cit., p. 17.


53 P. Di Pietro, Rapporto fra Lazzaro Spallanzani e gli scienziati
svizzeri, in Lazzaro Spallanzani e la biologia del Settecento, op.
cit., p. 219-224.

54 Luís Pasteur (1822-1895). Sábio, químico e biólogo francês, fundador


da bacteriologia moderna. A ele se deve o processo de esterilização
mediante o calor, e muitos importantes estudos sobre enfermidades
contagiosas. Suas descobertas foram de imensas e benéficas conse-

qüências em cirurgia, medicina, etc., e são um monumento da ciência


experimental.

55 L. Pasteur, op. cit., pp. 385-481.


55
56 F. Bonora, Pasteur e la cura della rabbia, La Scuola, Brescia, 1982,

p. 102.
57 O. Verona, Introduzione, in L. Pasteur, op. cit., p. 33.

58 Idem, p. 34.

59 F. Bonora, op. cit., p. 107.

60 J. Rostand, op. cit., p. 31.

61 O.Verona, op. cit., pp. 378-9.

62 L. Terrenato e E. Di Mauro, Guida alla mostra "5 miliardi di anni.

Ipotesi per un museo della scienza", Organizada pela Universida-


de de Roma e outras, Roma, Palazzo delle Esposizioni, 20 de maio -
31 de julho, p. 70.
Fernando De Angelis 87

63
J. Segal, Miciurin, Lysenko e il problema dell'ereditá, a cura di F.
Lanza, Universale Economica, Milano, 1952, p. 70.
64 F. Bonora, op. cit., p. 106.

65 Em letras gregas no texto.

66 L. Pasteur, op. cit., p. 1004.

67 Idem, p. 991.

68 Enciclopedia Italiana verbete Newton, 1949.

69 O. Verona, op. cit., p. 34.

70 P. Rossi, op. cit., p. 68.

71 Idem, p. 61.

72
L. Spallanzani, Opuscoli di fisica animale e vegetabile, op. II, sez.
II, citado por J. Rostand, op. cit., p. 102.

73 Shalom, n° 1/1987, p. 20.

74
Einstein, Come io vedo il mondo, Newton C., Roma, 1975, pp. 29-
30.

75
H. Muschalek, Dio e gli scienziati, Paoline, Alba, 1972, pp. 30-31.
76 Enciclopedia Italiana, 1951.

77 Citado por J. Rostand, op. cit., p. 35.

78 J. Rostand, op. cit., p. 137.

79 Idem, p. 138.

80 Idem, p. 137.

81 G. Montalenti, Spallanzani nella polemica op, cit., p. 14.

82 A. Hallam, Le grandi dispute della geologia. Zanichelli, Bologna,


1987, p. 176.
88 A Origem da Vida Por Evolução

83
A. Hallam, Alfred Wegener e l'ipotesi della deriva dei continenti,
in Le Scienze, n° 82/1975, pp. 74-83.

84 A. Hallam, Le grandi dispute op. cit., p. 129.


85 A. Hallam, Alfred Wegener ..., op. cit.,pp.74-83.
86 Idem, p. 82.
22
86 P. Rossi, op. cit., pp. 26-27

88 A. Hallam, Le grandi dispute op. cit., pp. 175-176.


89 L. Pasteur, op. cit., pp. 1003-1004.

22
90 Idem. p. 1001.

91 H. Muschalek. op. cit., p. 25.

92 Enciclopedia Europea, Garzanti, Milano, 1978.


93 W. P. Jolly, Guglielmo Marconi. L'uomo, lo scienzato, l'inventore,
Mursia, Milano, 1974, p. 10.

94 A. Hallam, Le grandi dispute ***9 op. cit., p. 124.


95 K. Popper, Corriere della Sera, 14/4/1989, p. 3.

96 Ver artigo de D. Di Rio, La Repubblica, 5/11/85, p. 4.

97 Idem.

98 Idem.

99 F. Dostoevskij, Ifratelli Karamazov, Mondadori, Milano, 1966, pp.


14-19.

100 Agradece-se ao Prof. Mariano Bianca pela lições sobre epistemologia


da ciência, dadas en Cortona (Itália) em 1984.

101 F. Bonora, op. cit., p. 156.

102 L. Pasteur, op. cit., p. 1001.

103 A. I. Oparin, verbete Vita na Enciclopedia Europea, Garzanti, Milano,


1981; I. Adler, Come inizió la vita, Longanesi, Milano, 1979.
Fernando De Angelis 89

104
Por exemplo F. Prattico, Alle origini della vita, in Storia illustrata,
n° 361, dic. 1987, pp. 46-55.
105
F. Crick, L'origine della vita, Garzanti, Milano, 1983.

106 F. Dyson, Origini della vita, Bollati Boringhieri, Torino, 1987.

107 Einaudi, Torino, quarta edição revisada, 1975, pp. 203-210.

108 F. Crick, op. cit., pp. 73-75.

109 Idem, p. 75.


110 J. Monod, II caso e la necessitá, Mondadori, Milano, oitava edição,
1976, p. 49.

111
A Divina Comédia é composta de 100 cantos, cada canto está for-
mado de mais ou menos 140 versos, em cada verso há aproximada-
mente 30 letras; o total das letras é igual a 100 x 140 x 30, ou seja,
igual a 420.000 letras aproximadamente. Uma proteína é feita em
média de 500 aminoácidos; 2.500 proteínas são (2.500 x 500 =)
1.250.000 aminoácidos, que representam aproximadamente o triplo
das letras da Divina Comédia, e são mais do que as necessárias para
escrever todo o Novo Testamento. Para o Novo Testamento (os qua-
tro Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, e as epístolas dos apóstolos,
até o Apocalipse) são necessárias, de fato, aproximadamente
1.000.000 de letras.

112 F. Dyson, op. cit., p. 36.

113 Idem, p. 79.

114 F. Crick, op. cit., p. 46.


115 Idem, p. 76.

116 H. Curtis, Invito alla Biologia, segunda edição, Zanichelli,


Bologna, 1980.

117 F. Crick, op. cit., p. 77.

118 Idem, p. 44.


90 A Origem da Vida Por Evolução

119
V. Scardi, verbete Amminoacidi, Enciclopedia Europea, Garzanti,
Milano, 1976.

120 F.Crick, op. cit., pp. 53-54.


121 A. I. Oparin, verbete Vita, Enciclopedia Europea, Garzanti, Milano,
1981.

122 F. Dyson, op. cit., p. 22.


123 T. Heinze, Creazione od Evoluzione?, Centro Bíblico, Napoli, 1976,
pp. 75 e seguintes.
124
F. Prattico, op. cit., pp. 54-55.

125 F. Crick, op. cit., p. 85.


126 Idem, pp. 136-137.

127 F. Dyson, op. cit., p. 56.

128 P. Angela, Viva L'errore, in La Repubblica, 12/3/88, p. 26.


129 F. Dyson, op. cit., p. 97.

130 F. Crick, op. cit., p. 86.


131 G. Montalenti, L'evoluzione, op. cit., pp. 206-207.

132 F. Dyson, op. cit., p. 45. A ênfase é nossa.


133 B. Croce, La storia come pensiero e come azione, Bari, 1966, pp.
269-272.

134 Grand Dictionnaire Universel du XIX Siecle, de P. Larousse (1872),


verbete Génération, citado por G. Sermonti em Dopo Darwin,
Milano, 1980, p. 23.

135 Ver J. Monod, op. cit..

136 G. Josca, La resurrezione di padre Jackson, Corriere della Sera,


12/3/88, p. 3.

137 I. de Feo, Croce, l'uomo e l'opera, Mondadori, 1975, p. 214.

138 Enciclopedia Italiana, verbete Generazione Spontanea, 1950.


Fernando De Angelis 91

7. APÊNDICES

A simplificação dos cálculos e os arredondamentos foram feitos no

sentido desfavorável à tese que estamos defendendo. Os leitores, que não


consigam acompanhar os cálculos que estamos apresentando, poderão
conferi-los com a ajuda de pessoas competentes de sua confiança.

APÊNDICE N° 1

Custo de 200 grãos de feijão

260 feijões = (210)6 = (1024) = (1000) = (103) = 10¹8 feijões

Um quilograma contém aproximadamente 2000 feijões. Considerando-


se o preço de US$ 0,20 por quilograma, com US$ 1,00 são adquiridos 5 kg
18

de feijão, ou seja, 10* feijões. Para se adquirirem 10¹³ feijões seriam


14

necessários 10 dólares, ou US$ 100.000.000.000.000, isto é, cem milhões


de milhões de dólares, ou cem trilhões de dólares.

APÊNDICE N° 2

Tempo necessário para um bilhão de símios escrever a frase


"evolução é a solução"

Para colaborar com os símios, vamos usar máquinas de escrever só


com 20 teclas, correspondentes a 19 letras minúsculas, incluindo as que
integram a frase, e mais a tecla de espaçamento.

Sendo 20 as teclas, a primeira letra da frase (a letra §) será tocada


em média uma vez em cada 20. Para escrever a letra s, seguida da letra o,
serão necessários 202 toques, ou seja, 400 toques (400 corresponde às
possíveis combinações das 20 teclas duas a duas).
92 A Origem da Vida Por Evolução

As três primeiras letras da frase (isto é, e, v e o) serão


escritas uma vez em cada 203 toques, e assim por diante. A frase
inteira, com 21 letras (incluindo os espaços), exigirá em média
2021, toques. Esse número pode ser escrito da seguinte forma:

2021 (2x10)21 = 221x1021= (2x210x210)x1021 =


=

2x1024x1024x1021

2x103x103x1021
ou seja 2021 = 2x1027.

Considerando a possibilidade de 5 toques por segundo, em


um ano de datilografia ininterrupta, um bilhão de símios
simultaneamente executariam 2x1017 toques. Para executar
2x1027 toques seriam então necessários 1010 anos, ou seja, 10
bilhões de anos!

APÊNDICE N° 3

Volume de proteínas a serem produzidas para compor ao acaso


uma proteína predeterminada.

Consideraremos uma proteína ultracurta, de só 100 aminoácidos. O


cálculo é semelhante ao que foi feito no Apêndice nº 2.

Existindo 20 tipos de aminoácidos diferentes, podem ser formados


com eles 20² pares distintos, 20³ conjuntos de 3, etc, até serem obtidos
100
20 tipos de proteínas diferentes, cada uma com 100 aminoácidos.
100 100 100 10 10 100

Mas 20 = (2x10)" = 2000x100 = (2)x10"


10 3

Se aproximarmos 2º0 = 10³ resultará:


100 100 30 100 130

2000 = (103)0x100 = 10 x 10" = 10"

que será o número médio de proteínas necessário para obter aquela


que foi predeterminada.
Fernando De Angelis 93

Fazendo igual a 100 Daltons o peso molecular médio dos 100


aminoácidos de nossa proteína, ela pesará 10.000 Daltons, isto é 104
130 134

Daltons, e nossas 10 proteínas pesarão 10' Daltons. Para transformar


este peso em quilogramas, será necessário dividi-lo pelo número de
24

Avogadro (que consideraremos igual a 10 e que dá o peso em gramas)


3

e por 10° (para ter o resultado em quilogramas). Obtém-se então para o


107

peso das proteínas o valor 10 kg, para que se possa formar ao acaso
aquela proteína predeterminada.

Se considerarmos para as proteínas o peso específico igual ao da


130

água, teremos para o volume de todas as 10' proteínas o valor igual a


107 3 101 3

10 dm, ou 10' km. Tirando a raiz cúbica desse valor, obtém-se, para
a aresta do cubo correspondente a esse volume, o valor aproximado de
33

10 km.

Um foguete, que se deslocasse com a velocidade da luz (300.000


13

km/s), no decorrer de um ano, teria percorrido “somente” 10¹³ km, e,


20

para percorrer uma distância igual à aresta desse nosso cubo, levaria 10
anos-luz, isto é, 100 milhões de milhões de milhões, ou (100 quintilhões)
de anos luz.

É esse o tempo necessário para navegar nesse oceano de proteínas


para obter, por acaso, aquela nossa proteína predeterminada!

Você também pode gostar