SPRICIGO, CM A Retórica Da Hipertrofia Judicial - Ebook
SPRICIGO, CM A Retórica Da Hipertrofia Judicial - Ebook
SPRICIGO, CM A Retórica Da Hipertrofia Judicial - Ebook
A RETÓRICA DA
HIPERTROFIA JUDICIAL
neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil
© 2023 Editora Íthala
CONSELHO EDITORIAL
Alexandre Godoy Dotta – Doutor e mestre em Edu- Professor Adjunto de Direito Processual da Univer-
cação. Especialista em Administração, Metodologia sidade Federal Fluminense e membro do corpo per-
do Ensino Superior e em Metodologia do Conheci- manente do Programa de Mestrado e Doutorado
mento e do Trabalho Científico. Licenciado em So- em Sociologia e Direito da mesma universidade.
ciologia e Pedagogia. Bacharel em Tecnologia. Ligia Maria Silva Melo de Casimiro – Doutora em
Ana Claudia Santano – Pós-doutora em Direito Direito Econômico e Social pela PUC-PR. Mestre
Público Econômico pela Pontifícia Universidade em Direito do Estado pela PUC-SP. Professora de
Católica do Paraná. Doutora e mestre em Ciências Direito Administrativo da UFC-CE. Presidente do
Jurídicas e Políticas pela Universidad de Salamanca, Instituto Cearense de Direito Administrativo - ICDA.
Espanha. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito Adminis-
Daniel Wunder Hachem – Professor de Direito trativo - IBDA e coordenadora Regional do IBDU.
Constitucional e Administrativo da Universidade Fe- Luiz Fernando Casagrande Pereira – Doutor e mes-
deral do Paraná e da Pontifícia Universidade Católi- tre em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
ca do Paraná. Doutor e mestre em Direito do Estado Coordenador da pós-graduação em Direito Eleitoral
pela UFPR. Coordenador Executivo da Rede Docen- da Universidade Positivo. Autor de livros e artigos
te Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo. de processo civil e direito eleitoral.
Emerson Gabardo – Professor Titular de Direito Rafael Santos de Oliveira – Doutor em Direito pela
Administrativo da PUC-PR. Professor Associado de Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre
Direito Administrativo da UFPR. Doutor em Direito e graduado em Direito pela UFSM. Professor na
do Estado pela UFPR com Pós-doutorado pela For- graduação e na pós-graduação em Direito da Uni-
dham University School of Law e pela University of versidade Federal de Santa Maria. Coordenador do
California - UCI (EUA). Curso de Direito e editor da Revista Direitos Emer-
Fernando Gama de Miranda Netto – Doutor em Di- gentes na Sociedade Global e da Revista Eletrônica
reito pela Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro. do Curso de Direito da mesma universidade.
A RETÓRICA DA
HIPERTROFIA JUDICIAL
neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil
EDITORA ÍTHALA
CURITIBA – 2023
Para Aline, Danilo e Henrique,
que formam o quarteto fantástico da minha vida.
“Acredito que o saber jurídico cumprirá na sociedade política
suas funções constitucionais, reforçando simbolicamente o princípio que o
direito deve estar ao serviço da ideia de que a
democracia é um pacto de incertezas possíveis.”
Luis Alberto Warat
CONSTITUCIONALISMO, JUDICIÁRIO
E DEMOCRACIA NO BRASIL1
1
Esse texto, organizado a título de Prefácio do livro A Retórica da hipertrofia judicial: neocons-
titucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil, de Carlos Magno Spricigo, apresenta
um conjunto de reflexões organizadas com maior detalhe em textos publicados nos
últimos anos, especialmente em meus livros mais recentes.
10 ROGERIO DULTRA DOS SANTOS - Prefácio
2
Campos foi um dos políticos mais ativos na configuração do Estado brasileiro durante o
século XX. Responsável pela reorganização dos sistemas educacional, legal e constitucio-
nal durante a Revolução de 30 e no Estado Novo, elaborou também o Ato Institucional n.
1 que deu origem ao regime militar (1964-1985). De 1935 até 1937, quando deixou o cargo
de Secretário de Educação do antigo Distrito Federal para elaborar o Projeto da Constitui-
ção outorgada, Campos já era o jurista mais influente na política nacional, articulando com
os integralistas o apoio a Vargas. De 1937 a 1942, ocupou o cargo de Ministro da Justiça
e Negócios Interiores, colaborando diretamente para a consolidação do regime. Como
personagem do Estado Novo, foi responsável pela reforma dos Códigos de Processo
Civil, Penal e Processo Penal. Criou a Lei Orgânica dos Estados, que pretendia limitar
seus poderes legislativo e administrativo, vinculando-os ao poder central; a Lei de Crimes
contra a Economia Popular, a Lei de Segurança Nacional; as Leis de Naturalidade (natura-
lização, repressão política a estrangeiros, expulsão, extradição e imigração); a regulação da
cobrança da dívida ativa da União; o Decreto-Lei contra o loteamento de terrenos; a Lei
de Fronteiras etc.
12 ROGERIO DULTRA DOS SANTOS - Prefácio
3
O fascismo como prática política e inspiração constitucional já é velho conhecido do
Brasil. E não somente no movimento integralista de Plínio Salgado. Para o Francisco
Campos, por exemplo, as grandes tensões políticas evocadas pelo clima das massas “não
se deixam resolver em termos intelectuais, nem em polêmica de ideias. O seu processo
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 19
INTRODUÇÃO..................................................................................23
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................161
INTRODUÇÃO
4
Com uma nota de louvor à atuação sagaz e destemida, nos momentos mais cruciais, do
Ministro Alexandre de Moraes, devidamente amparado pela maioria dos colegiados dos
respectivos tribunais.
30 CARLOS MAGNO SPRICIGO
DA HIPERTROFIA EXECUTIVA
À HIPERTROFIA JUDICIAL
política brasileira a partir de 1946, o que vemos são conflitos entre grupos
políticos alinhados com os interesses dos trabalhadores de um lado – o
trabalhismo nacionalista de Getúlio Vargas, de João Goulart e de Leonel
Brizola, mas também de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff –, e
grupos políticos representantes dos interesses do que Jessé Souza lapidar-
mente denominou “elite do atraso”5. Desde então, governos trabalhistas
foram severamente tratados pelos setores ligados aos interesses dessa elite:
partidos políticos de direita, associações empresariais, grupos hegemônicos
de mídia, militares, corporações judiciais etc. No período, governos com-
prometidos com a defesa dos interesses dos trabalhadores e com a imple-
mentação de uma agenda de combate às desigualdades sociais – maior ma-
zela social brasileira – foram objeto de forte oposição por diversos meios e,
no limite, a ação política transbordou – explícita ou sub-repticiamente – a
constituição como conjunto de mecanismos que regulam a disputa pelo
poder. Do suicídio de Vargas à deposição de Dilma Rousseff e prisão de
Luiz Inácio Lula da Silva, a história política brasileira recente foi marcada
pela disposição de importantes setores da elite de fazer tudo o que estivesse
ao seu alcance para barrar políticas públicas que afetassem sua posição e
vantagens na distribuição de poder e riquezas vigentes desde a fundação
do país. Tal tarefa, quando observamos o cenário situados no ano de 2022,
quarto ano do governo do presidente Jair Messias Bolsonaro, é implemen-
tada por meio das instituições ou mesmo, muitas vezes, contra elas, e tem
sido bem-sucedida até aqui.
5
SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão à lava jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
6
Importante lembrar que a resistência ao nome de Goulart já havia se manifestado ex-
plicitamente quando da crise criada em torno da sua posse em decorrência da renúncia
do então presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Setores militares agiram
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 33
7
BONAVIDES, P. História constitucional do Brasil. 4. ed. Brasília: OAB Editora,
2002. p. 433.
8
SANTOS, R. D. Teoria constitucional, ditadura e fascismo no Brasil. São Paulo:
Tirant lo Blanch, 2021. p. 43.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 35
9
“O Supremo Tribunal Federal foi diluído em 1965 e mutilado em 68. Para neutralizar
os votos dos ministros nomeados por Kubitschek e João Goulart, ampliou-se de onze
para dezesseis o número de assentos no tribunal. Com o AI-5, expurgaram-se Vitor
Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Da corte saiu o único caso de pro-
testo do período. Demitiram-se o presidente da casa, Antônio Gonçalves de Oliveira,
e seu substituto imediato, o ministro Antônio Carlos Lafayete de Andrada. [...] Com
cinco vagas à mão, o governo Médici devolveu o Supremo ao seu tamanho habitual,
e entre os onze sobreviventes lá continuaram Adaucto Lúcio Cardoso e Aliomar Ba-
leeiro, instrumentistas da ‘banda de música’ da UDN [...]” (GASPARI, E. A ditadura
escancarada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. p. 228).
36 CARLOS MAGNO SPRICIGO
10
FERREIRA FILHO, M. G. A democracia possível. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1974.
p. 121.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 37
11
“Em que pesem todos os argumentos esgrimidos impugnando a legitimidade do pro-
cesso Constituinte deflagrado no governo José Sarney, não restam dúvidas de que as
eleições livres que resultaram na instalação da Assembleia Nacional Constituinte (ou
Congresso-Constituinte), em 1º de fevereiro de 1987, propiciaram um debate sem
precedentes na história nacional sobre o que viria a ser o conteúdo da Constituição
vigente, na redação final que lhe deu o Constituinte.” (SARLET, I. W. A eficácia dos
direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 63).
38 CARLOS MAGNO SPRICIGO
12
Refiro-me aqui à campanha civilista de Ruy Barbosa, no início da aventura republicana.
13
SPRICIGO, C. M. A volta dos que não foram: o papel das Forças Armadas na Consti-
tuição. In: AUGUSTO, C. B. et al. (org.). Novas direitas e genocídio no Brasil – pan-
demias e pandemônio – v. II. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021. p. 223.
14
BENEVIDES, M. V. M. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular.
São Paulo: Ática, 1991.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 39
15
CANOTILHO, J. J. G. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo
para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra,
2001.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 41
16
Como quando Luís Roberto Barroso opõe o que seria uma “razão sem voto” ao voto
desprovido de razão.
42 CARLOS MAGNO SPRICIGO
17
SANCHEZ, D. Direitos humanos instituintes. Tradução de Bruna N. M. M. de An-
drade e Leonam L. N. Cunha. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 43
18
LEFORT, C. A invenção democrática: os limites do totalitarismo. Tradução de Isabel
M. Loureiro. São Paulo: Brasiliense, 1983.
19
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova
retórica. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 511.
44 CARLOS MAGNO SPRICIGO
20
Christian Lynch tenta compreender os acontecimentos desses anos turbulentos no Judi-
ciário brasileiro por meio da ideia de “revolução judiciarista”. Para esse autor, a história da
República brasileira consiste numa alternância entre militarismo e judiciarismo na luta por
encarnar o sucessor do Poder Moderador da constituição imperial, verificável desde as pri-
meiras décadas de sua implantação. Em que pese a importância de resgatar momentos de
certo protagonismo judicial no passado, creio que o fenômeno mais recente não encontre
precedentes na história institucional brasileira, dadas as suas dimensões e abrangência.
Basta lembrar que o controle concentrado de constitucionalidade, criado em 1965, mas
sem condições políticas para se tornar efetivo, só se torna mecanismo manejável pelo STF
a partir da CRFB de 1988. Ver: LYNCH, C. Ascensão, fastígio e declínio da “Revolução
Judiciarista”. Insight Inteligência, Rio de Janeiro, ano XX, n. 79, p. 158-168, out./nov./
dez. 2017. Disponível em: https://inteligencia.insightnet.com.br/pdfs/79.pdf. Acesso
em: 4 jul. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 45
21
O’DONNELL, G. Democracia delegativa. Novos estudos, Cebrap, n. 31, p. 25-40,
out. 1991. Disponível em: https://uenf.br/cch/lesce/files/2013/08/Texto-2.pdf.
Acesso em: 11 dez. 2022.
46 CARLOS MAGNO SPRICIGO
titucional (EC) n. 32/2001 ampliou o prazo de vigência das MP’s (até 120
dias), acabou com a possibilidade de reedições infinitas e vedou-lhes uma
série de matérias normativas. Com isso, os presidentes da República sofriam
uma importante redução em suas possibilidades de ação política.
O ano de 2004 foi decisivo para o processo que estamos analisando
neste livro. Esse foi o ano da aprovação da EC n. 45, conhecida como
a emenda da “reforma do Judiciário”22. Dentre as várias alterações que
produziu no texto constitucional, duas medidas se destacam: a criação das
súmulas vinculantes e do Conselho Nacional de Justiça.23 Essas duas novi-
dades implementadas no segundo ano do governo do Partido dos Trabalha-
dores criaram condições inéditas para o funcionamento do Poder Judiciário
como uma corporação com capacidade de ação centralizável desde o topo
da sua hierarquia. Essas características só foram reforçadas por alterações
legislativas posteriores.
As súmulas vinculantes alteraram substancialmente a percepção ante-
riormente vigente na cultura jurídica em relação ao papel da jurisprudência
no conjunto das fontes do direito. O novo nome, “súmulas vinculantes”, já
diz muito: antes, as súmulas – e a jurisprudência como um todo – não eram
vinculantes. A jurisprudência, de modo geral, o que compreende acórdãos
e súmulas, sempre teve um certo papel na argumentação jurídica praticada
no Brasil. Antes da criação das súmulas vinculantes, todavia, esse papel es-
tava limitado ao de um argumento de dupla face: um argumento ao mesmo
tempo de justiça, na medida em que reivindicava tratamento igualitário para
casos semelhantes, e um argumento de autoridade24, na medida em que a
menção a um acórdão ou súmula de tribunal de instância superior sugeria
a possibilidade de futura alteração da decisão a ser tomada. A criação da
22
Marcelo Semer fez um ótimo registro crítico da evolução desse processo que levou à EC
n. 45/2004. Ver: SEMER, M. Os paradoxos da justiça: judiciário e política no Brasil.
São Paulo: Contracorrente, 2021.
23
Também foi criado o Conselho Nacional do Ministério Público, o CNMP, mas seu im-
pacto não transcendeu às questões internas desse importante órgão republicano.
24
Sobre o argumento de autoridade ver: ROESLER, C. R.; CARVALHO, A. G. P. de. O
argumento de autoridade no Supremo Tribunal Federal: uma análise retórica em pers-
pectiva histórica. Direito, Estado e Sociedade, n. 55, p. 42-68, jul./dez. 2019. Disponí-
vel em: https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/907/578.
Acesso em: 11 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 47
25
Sobre os enunciados, ver: SPRICIGO, C. M.; ALVES, G. L. A. ; SANTOS, A. T. ;
MORGAN, R. . Enunciados das Jornadas de Direito da Saúde no Superior Tribunal
de Justiça: novos topoi em contexto de hipertrofia judicial. In: ROESLER, C.; REIS,
I.; Dos Santos, Celso. (Org.). Tópica e discurso: reflexões sobre o direito como prática
social. 1ªed.Curitiba: Alteridade, 2022, v. 1, p. 313-334.
50 CARLOS MAGNO SPRICIGO
26
A hipertrofia judicial pode até dividir o cenário com a judicialização da política, mas com
ela não se confunde. A judicialização da política corresponde à situação em que, devido
aos diversos fatores em uma dada sociedade, o Poder Judiciário é levado a decidir um
número cada vez maior de temas com elevada carga política, como é o caso de ter que dar
a palavra final sobre a constitucionalidade de políticas públicas que envolvam um substan-
cial dissenso de interesses, moral ou ideológico, na base da sociedade. Na judicialização
da política não necessariamente encontramos o resultado deslocamento de poder, já que o
Poder Judiciário atua cumprindo, na verdade, suas atribuições constitucionais de controle
judicial. A hipertrofia judicial, situação excepcional, envolve necessariamente estes dois fa-
tores: (1) busca, pelo tribunal, da realização de um programa político identificável para além
do mero e rotineiro controle judicial e (2) deslocamento de parcelas de poder que passam
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 51
28
HIRSCHL, R. Rumo à juristocracia: as origens e consequências do novo constitucio-
nalismo. Tradução de Amauri Feres Saad. Londrina: EDA, 2020.
29
STRECK, L. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 46. Streck chama a atenção de que, na história dos EUA,
o ativismo judicial já adquiriu colorações diversas, como à época conhecida como era
Lochner, em que a atuação judicial da Suprema Corte foi de resistência a políticas públi-
cas de caráter intervencionista implementadas no governo Roosevelt, que contrasta com
o período da corte Warren, em que temas ligados à segregação racial nos EUA foram, em
contexto de fortes embates sociais, finalmente enfrentados em chave emancipadora.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 53
dos EUA foi emendada apenas 27 vezes em 234 anos. Os EUA, ademais,
têm um sistema eleitoral distrital, que acaba por implementar, na prática,
um sistema bipartidário, impedindo que a composição da casa legislativa
possa exprimir mais aproximadamente a pluralidade ideológica existente
na sociedade americana e dificultando, também, a representação política de
minorias. Em sentido bem diverso, o Brasil está na sua oitava constituição,
que não é sintética como a americana; nela, além de uma importante carta
de direitos fundamentais, abundam regras que regulam com certa precisão
o funcionamento das instituições e as principais características de uma série
de políticas públicas. Apesar de a teoria constitucional a classificar tecnica-
mente como uma constituição rígida, a CRFB já foi objeto de 114 emendas,
o que dá uma média de aproximadamente 3,5 emendas por ano de vigência.
E, mais importante, os integrantes da Câmara dos Deputados são escolhi-
dos pelo sistema de votação proporcional, que se caracteriza por permitir
a representação política de minorias, isso num universo político partidário
fragmentado, composto por, ao menos, 35 agremiações30. O cenário das
instituições político-jurídicas americano parece bem mais engessado para
demandas de mudanças que o brasileiro, o que pode explicar lá um maior
apelo por participação de atores não estritamente políticos em processos
institucionais de inovação. Deixarei, então, a experiência dos EUA em se-
gundo plano.
A discussão sobre ativismo judicial envolve uma dimensão político-
-institucional, mais imediata e inteligível, mas seu sentido pleno só pode ser
atingido penetrando-se camadas de reflexão realizadas a partir dos concei-
tos da teoria do direito. Explorando a dimensão institucional, o ativismo
judicial implicaria a atuação jurisdicional de juízes ou tribunais que extrapo-
lasse a clássica tripartição de poderes modernamente creditada a Montes-
quieu. Nesse sentido, um juiz ativista seria o oposto do juiz “boca da lei”.
Essa percepção do problema é bastante intuitiva e se apoia em uma série
de dualismos que sobrevivem residualmente no senso comum teórico dos
juristas, como o dualismo que opõe criação/aplicação do direito. Nesse dualis-
30
Vinte e quatro com representação na Câmara dos Deputados. Ver: BRASIL. Câmara
dos Deputados. Lideranças e bancadas partidárias. [2022]. Disponível em: https://
www.camara.leg.br/deputados/lideres-e-vice-lideres-dos-partidos. Acesso em: 22 fev.
2022.
54 CARLOS MAGNO SPRICIGO
mo, a criação do direito é função exclusiva das autoridades eleitas pelo povo,
como os legisladores (por meio de leis) e os chefes de governo (por meio de
decretos ou medidas provisórias), sendo considerada como legítima atuação
dos juízes e tribunais apenas a aplicação das normas e leis. Em sentido rigo-
roso: do exercício da função jurisdicional não deveria emanar direito novo.31
Esse dualismo traz consigo implícito outro par que lhe confere pleno
sentido de correspondência: vontade/razão. Dessa forma, a função voliti-
va e política somente se faria presente na atuação dos legisladores estan-
do ausente quando os juízes exercem suas atribuições, que seriam mera e
exclusivamente cognoscitivas. A isso tudo subjaz ainda a velha crença no
ideal exegético da subsunção, em que as conclusões judiciais expostas em
uma sentença/acórdão já estariam todas contidas nas palavras genéricas da
lei, bastando apenas às cortes aplicá-las aos fatos constatados no proces-
so. Essa apreensão inicial do problema, que, como veremos, é insuficiente
diante da complexidade das coisas envolvidas, posiciona provisoriamente
os elementos da complexa relação entre atuação judicial e democracia. Se
o poder realmente emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio
de seus representantes, uma atuação criativa das cortes configuraria uma
usurpação de poder por parte de elites judiciais.
Ocorre que a concepção de que o raciocínio judicial pode ser com-
preendido apenas a partir da ideia do silogismo judicial há muito tempo não
se sustenta32. Mesmo as teorias que se apresentam como modernas aqui
são atingidas, pois o neoconstitucionalismo também incorre nesse erro ao
elaborar seus conceitos, quando atrela simploriamente: regras > subsunção
31
O ativismo judicial por um de seus maiores entusiastas: “Já o ativismo é uma atitude,
a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo
o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em
situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe po-
lítica e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas
de maneira efetiva. O oposto do ativismo é a autocontenção judicial, conduta pela qual o
Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes.” (BARROSO,
L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e
a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 442).
32
“Dada a extraordinária elasticidade dos textos, que vão por vezes até à indeterminação
ou ao equívoco, a operação hermenêutica de declaratio dispõe de uma imensa liberdade”
e tem “uma verdadeira função de invenção.” (BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tra-
dução de Fernando Tomaz. Lisboa: Edições 70, 2021. p. 233).
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 55
33
Ver capítulo 2.
34
ROESLER, C. R. Entre o paroxismo de razões e a razão nenhuma: paradoxos de uma
prática jurídica. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 08, n. 04, Número Especial, , 2015.
Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/
view/20940/15319. Acesso em: 11 dez. 2022.
56 CARLOS MAGNO SPRICIGO
35
KELSEN, H. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 2012. p. 393.
36
“Desse ponto de vista, ou seja, do ponto de vista do reconhecimento da diferença entre
no raciocínio lógico e a argumentação jurídica, Kelsen e Perelman estão muito mais pró-
ximos do que as respectivas e recíprocas críticas fazem pensar. Ambos estão alinhados
com igual firmeza contra autores como Klug e Kalinowski, que trataram de reinserir
com destaque a lógica formal no campo do direito.” BOBBIO, N. Direito e poder.
Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Unesp, 2008. p. 253.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 57
não se reduz aos postulados da lógica formal – uma lógica não demons-
trativa, mas sim argumentativa. Essa lógica própria – a que Kelsen não se
dá ao trabalho de observar – não se estrutura senão raramente em algo
próximo a silogismos lógicos, pois afirma Perelman que basta uma impre-
cisão da linguagem ou mesmo dos fatos para que a retórica adentre com
tudo no esforço de resolução da questão. O campo do direito seria, então,
um campo retórico, ou seja, um campo de produção de discursos persua-
sivos em que oradores (ethos) buscam persuadir seu auditório (páthos) por
meio do discurso (logos)37. Nesse esforço persuasivo são empregadas di-
versas técnicas argumentativas e utilizados topoi, muitas vezes articulados
naquilo que mais próximo chega à retórica dos silogismos, os entimemas,
compostos não por axiomas apofânticos, mas por enunciados com mera
pretensão de verossimilhança. Não sendo racional, obedeceria, o direito, a
uma lógica do razoável, afirma Perelman. Razoabilidade essa definida em
cada caso pelo auditório38, pois seria ele o elemento definidor da eficácia
do discurso em termos de persuasão.
Revisitando Kelsen e Perelman vimos que o binarismo elementar
pressuposto pela discussão sobre ativismo judicial não resiste ao escrutí-
nio realizado a partir de estudos mais aprofundados. No mesmo sentido
poderíamos ter recorrido a outros autores, como Theodor Viehweg39 e sua
tópica, ou Stephen Toulmin e seu layout de argumentos.
37
Michel Meyer define a retórica como a negociação da distância entre orador (ethos) e
auditório (páthos) acerca de um determinado assunto (logos). Ver: MEYER, M. What is
rhetoric? Oxford: Oxford University Press, 2017.
38
É verdade que Perelman fala em dois tipos de auditórios, o auditório particular e o
auditório universal. O termo “persuasão” fica associado ao auditório particular, por-
quanto, em se tratando de auditório universal, reserva Perelman o termo mais forte:
“convencimento”. Em todo caso, quando lidamos com o discurso jurídico, em con-
textos de retórica estratégica, estamos diante de situações meramente persuasivas, com
auditórios concretamente identificáveis, e não normativamente pensados pelo orador.
39
“Theodor Viehweg tornou-se conhecido por defender a ideia de que o saber jurídico,
por ele denominado de Jurisprudência, não se desenvolve a maneira do modelo moder-
no de ciência, mas sim à maneira tópica: no âmbito jurídico, o estilo de trabalho que
predomina orienta-se por problemas e procura resolvê-los buscando apoio em pontos
de partida compartilhados, os topoi.” (ROESLER, C. R. O papel de Theodor Viehweg na
fundação das teorias da argumentação jurídica. Revista Eletrônica Direito e Política,
Itajaí, v. 4, n. 3, p. 36-54, 3º quadrimestre de 2009. Disponível em: https://periodicos.
univali.br/index.php/rdp/article/view/6142/3405. Acesso em: 12 dez. 2022).
58 CARLOS MAGNO SPRICIGO
40
LUHMANN, N. Sociologia do Direito. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1983.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 59
41
WALDRON, J. Contra el gobierno de los jueces. Buenos Aires: Siglo XXI, 2018.
p. 142.
42
GARCÍA AMADO, J. A. Sobre ponderaciones. Debatiendo com Manuel Atienza. In:
ATIENZA, M.; GARCÍA AMADO, J. A. Un debate sobre la ponderación. La Paz:
Tribunal Constitucional Plurinacional de Bolivia, 2018. p. 49.
60 CARLOS MAGNO SPRICIGO
Quando isso acontece não se trata mais de mero “ativismo”, mas sim
de hipertrofia judicial. A hipertrofia judicial é uma disfuncionalidade no sis-
tema político-jurídico, na medida em que transfere poder das casas legislati-
vas para as cortes, infensas por definição ao escrutínio e responsabilização
democráticos. Como afirmou Kelsen, nesse caso, as normas deixam de ser a
expressão da pluralidade dos valores da vontade popular constituída no parla-
mento por meio de eleições periódicas, e passam, como disse Hirschl, a ser a
expressão de elites políticas, judiciais e empresariais que, desse modo bastante
intrincado, logram impor seus interesses contornando as dificuldades insu-
peráveis – falta de voto para impor uma agenda antipopular – inerentes ao
funcionamento do sistema democrático numa sociedade capitalista.
43
LANDAU, D. Abusive constitutionalism. U.C. Davis Law Review, Davis: University
of California, v. 47, n. 189, p. 189-260, 2013. Disponível em: https://lawreview.law.
ucdavis.edu/issues/47/1/articles/47-1_Landau.pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 61
44
SOUZA NETO, C. P. Democracia em crise no Brasil. São Paulo: Contracorrente,
2020.
45
LANDAU, D.; DIXON, R. Abusive constitutional borrowing. Oxford: Oxford Uni-
versity Press, 2021.
62 CARLOS MAGNO SPRICIGO
46
POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. Tradução de Rita Lima. Rio de
Janeiro: Graal, 1985. p. 160. “Mecanismo complexo que pode encobrir várias formas,
algumas das quais aparentemente paradoxais: particularmente a função decisiva que
assumem repentinamente aparelhos-instituições que até então, tinham um papel perfei-
tamente secundário senão simplesmente decorativo; a Câmara dos Lordes na Inglaterra
derrotando recentemente os projetos de nacionalização por parte do governo trabalhis-
ta, magistratura-tribunais onde se descobrem repentinamente vocações irrepreensíveis
de garantia da ‘legalidade’ (Allende), diferentes conselhos constitucionais, etc”.
3
47
SOUZA NETO, C. P. Democracia em crise no Brasil. São Paulo: Contracorrente,
2020; AVRITZER, L. O pêndulo da democracia. São Paulo: Todavia, 2019; AVRIT-
ZER, L. Impasses da democracia no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2016; PRZEWORSKI, A. Crises da democracia. Tradução de Berilo Vargas. Rio
de Janeiro: Zahar, 2020; SANTOS, W. G. dos. A democracia impedida: o Brasil no
Século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2017.
48
PRZEWORSKI, A. Crises da democracia. Tradução de Berilo Vargas. Rio de Janeiro:
Zahar, 2020. p. 97.
64 CARLOS MAGNO SPRICIGO
49
Em entrevista à rádio Capital FM, de Mato Grosso, em 29 de dezembro de 2021, na
condição de pré-candidato à presidência da República pelo Podemos, o antigo líder da
operação afirmou textualmente que a “Lava Jato” combateu o Partido dos Trabalhado-
res de forma mais “efetiva e eficaz”. (RODRIGO, Pablo. Moro diz que Lava Jato com-
bateu PT de forma eficaz, mas recua. Folha de São Paulo, 29 dez. 2021. Disponível
em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/12/moro-diz-que-lava-jato-comba-
teu-pt-de-forma-eficaz-mas-recua.shtml. Acesso em: 16 maio 2022).
50
RADBRUCH, G. Filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 65
51
WARAT, L. A. Introdução geral ao direito I: interpretação da lei, temas para uma
reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994. p. 17. Sobre esse ponto, assim
falou também Nietzche: “Por trás de toda lógica e de sua aparente soberania de movi-
mentos existem valorações, ou, falando mais claramente, exigências fisiológicas para a
preservação de uma determinada espécie de vida.” (NIETZCHE, F. W. Além do bem
e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução de Paulo Cesar de Souza. São
Paulo: Cia. das Letras, 1992. p. 11).
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 67
52
“Em oposição a certa leitura ‘tradicional’, se pode considerar que as relações de Kelsen
com a social-democracia não se esgotam na simples simpatia pessoal. Na verdade, sua
influência aparece como central no próprio dispositivo conceitual kelseniano. Nesse
sentido, se pode falar também de um laço genético entre algumas das principais con-
cepções políticas de Kelsen e as ideias de Bernstein, Kautsky, Renner e Hilferding nos
anos dez e vinte sobretudo ao que respeita ao Estado como instrumento formal, a de-
mocracia como revelação da situação das classes, e o compromisso como instrumento
da mudança social” (HERRERA, C. M. Kelsen y el socialismo reformista. Revista de
Estudios Políticos, n. 96, p. 77-115, abr./jun. 1997. p. 114. Disponível em: https://
dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/27452.pdf. Acesso em: 12 dez. 2022).
53
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Edições
70, 2021. p. 255.
68 CARLOS MAGNO SPRICIGO
54
WARAT, L. A. A pureza do poder. Florianópolis: EdUFSC, 1983.
55
ROCHA, L. S. Epistemologia jurídica e democracia. São Leopoldo: EdUnisinos,
1998.
56
Sua ciência jurídica, em sentido estrito, era um projeto para ser implementado, não uma
descrição do conhecimento jurídico realmente existente.
57
KELSEN, H. Reine rechtslehre. Wien: Verlag Osterreich, 2020.
58
Neste sentido ver: LUZ, V. de C. A invisibilidade da crítica kelseniana sobre os limites
da dogmática jurídica: um senso comum teórico ainda não desvelado. Crítica Jurídica,
v. 27, p. 247-263, ene./jul. 2009. Disponível em: https://revistas-colaboracion.juridicas.
unam.mx/index.php/critica-juridica/article/view/3404. Acesso em: 12 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 69
59
RÜTHERS, B. Carl Schmitt em el Tercer Reich. Tradução de Luis Villar Borda. Bo-
gotá: Universidad Externado de Colômbia, 2004.
60
FERRAZ JR., T. S. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad,
1998. p. 25 e ss. Ver também: ANDRADE, V. R. P. de. Dogmática jurídica: escorço de
sua configuração e identidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.
61
Ver livro de Cláudia Roesler: ROESLER, C. R. Theodor Viehweg e a ciência do
direito: tópica, discurso, racionalidade. 2. ed. Belo Horizonte: Arraes, 2013. p. 49 e ss.
70 CARLOS MAGNO SPRICIGO
62
Deliberativo, judicial e epidítico. Ver: ARISTOTELES. Arte retórica e arte poética.
Tradução de Antonio Pinto de Carvalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 71
ainda que não se dê em contexto decisório, esse gênero retórico tem ampla
repercussão na divulgação de ideias, valores e conceitos, contribuindo so-
bremaneira para a conformação das teses a que um auditório aderirá previa-
mente, facilitando assim a persuasão:
63
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova
retórica. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
p. 56-57.
64
VIEHWEG, T. Topica y filosofia del derecho. Tradução de Jorge Sena. Barcelona:
Gedisa, 1997. p. 15 e ss.
72 CARLOS MAGNO SPRICIGO
65
WARAT, L. A. O direito e sua linguagem. 2. versão. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris, 1995. p. 15.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 73
66
WARAT, L. A. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. Revista Sequência,
v. 3, n. 5, p. 48-57, 1982. p. 54. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/
sequencia/article/view/17121. Acesso em: 12 dez. 2022.
74 CARLOS MAGNO SPRICIGO
69
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Edições
70, 2021. p. 219.
70
“Os primeiros anos de vigência da Constituição de 1988 envolveram o esforço da teoria
76 CARLOS MAGNO SPRICIGO
constitucional para que o Judiciário assumisse o seu papel e desse concretização efetiva
aos princípios, regras e direitos inscritos na Constituição. Pode parecer óbvio hoje, mas
o Judiciário, mesmo o Supremo Tribunal Federal, relutava em aceitar esse papel. No
início dos anos 2000, essa disfunção foi sendo progressivamente superada e o STF foi se
tornando, verdadeiramente, um intérprete da Constituição.” BARROSO, L. R. A razão
sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. Revista Brasileira de
Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-50, 2015. p. 27. Disponível
em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/download/3180/pdf. Acesso em:
12 dez. 2022.
71
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 519.
72
Para Manuel Atienza, o pós-positivismo supõe, dentre outras coisas, o seguinte: “[...] o
Direito não pode ser visto exclusivamente como uma realidade já dada, como o produto
de uma autoridade (de uma vontade), mas sim (além disso e fundamentalmente) como
uma prática social que incorpora uma pretensão de correção ou de justificação. Isso
implica um certo objetivismo valorativo: por exemplo, assumir que os direitos humanos
não são simplesmente convenções, mas sim que têm seu fundamento na moral (em uma
moral universal e crítica, racionalmente fundamentada); atribuir uma especial importân-
cia à interpretação, entendida como uma atividade guiada pela necessidade de satisfazer
os fins e os valores que dão sentido à prática; e outorgar certa prioridade ao elemento
valorativo do Direito sobre o autoritativo, sem por isso desconhecer os valores do ‘lega-
lismo’.” Ver: ATIENZA, M. Curso de argumentação jurídica. Tradução de Claudia
Roesler. Curitiba: Alteridade, 2017. p. 32.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 77
73
ROESLER, C. R. O papel de Theodor Viehweg na fundação das teorias da argumenta-
ção jurídica. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 4, n. 3, p. 36-54, 3º quadri-
mestre de 2009. Disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/rdp/article/
view/6142/3405. Acesso em: 12 dez. 2022.
74
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 521.
78 CARLOS MAGNO SPRICIGO
75
Segundo levantamento da Associação dos Magistrados Brasileiros, realizado em 2018,
Alexy, Kelsen e Dworkin, nessa ordem, são os autores mais citados pelos juízes entre-
vistados quando se pediu para indicarem autores referenciais de obras “acadêmicas e
filosóficas”. Ver: VIANNA, L. W.; CARVALHO, M. A. R. de; BURGOS, M. B. Quem
somos? A magistratura que queremos. Rio de Janeiro: AMB, 2018. p. 134.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 79
76
BRASIL. CAPES. Catálogo de teses e dissertações. [2022]. Disponível em: https://
catalogodeteses.capes.gov.br. Acesso em: 12 dez. 2022.
77
Dworkin em muitos momentos parece flertar com o jusnaturalismo, especialmente
quando lemos suas afirmações sobre a existência de direitos morais contra o Estado
ou sua crítica enfática à tese positivista jurídica de que só há direitos construídos insti-
tucionalmente. Ele chega a propor que o verdadeiro progresso do direito constitucio-
nal somente virá quando ocorrer uma fusão entre o “direito constitucional e da teoria
moral”. Aqui ele está fazendo referência direta à teoria da justiça de Rawls: “Mas hoje
dispomos de uma filosofia melhor do que aquelas que estão na lembrança dos juristas.
O professor Rawls, de Harvard, por exemplo, publicou um livro abstrato e complexo
sobre a justiça que nenhum jurista constitucional poderá ignorar. Não é necessário
que os juristas desempenhem um papel passivo no desenvolvimento de uma teoria
dos direitos morais contra o Estado [...]” (DWORKIN, R. Levando os direitos a
sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 234). Ver tam-
bém: CABALLERO, C. Da união social à comunidade liberal: o liberalismo político
de John Rawls e o republicanismo cívico liberal de Ronald Dworkin. In: CABALLE-
RO, C. (org.). Justiça e democracia: entre o universalismo e o comunitarismo. São
Paulo: Landy, 2005. p. 23-50.
80 CARLOS MAGNO SPRICIGO
original, marcada por um véu de ignorância (não saberem quais serão seus
dotes naturais nem quais posições sociais ocuparão numa sociedade de clas-
ses plural), escolheriam uma igual distribuição de direitos de liberdade para
todos e, também, acolheriam a ideia de desigualdades sociais, desde que
elas pudessem de algum modo beneficiar as pessoas em posição de maior
vulnerabilidade social. Os autores elaboram suas teorias nos anos que se
seguiram à Segunda Guerra Mundial, em que os Estados Unidos da Amé-
rica viviam uma época de crescimento econômico sem igual. Também foi
uma época de efervescência das lutas sociais, em especial a luta pela eman-
cipação dos pretos e das mulheres; essas lutas, em determinado momento,
encontraram na Suprema Corte uma instituição que, circunstancialmente,
contribuiu para a conquista e consolidação de direitos importantes para
esses grupos sociais. Esse período é conhecido, quando a observação foca
na atuação da Suprema Corte, como o ciclo da Corte Warren, nome do seu
então presidente.
Buscando uma abordagem do direito que reconectasse direito e mo-
ral superando teses do positivismo jurídico, Dworkin desenvolverá o que
ele próprio chamou de “ataque” a essas teses. Quando trata do positivismo
jurídico, o autor deixa evidente que o positivismo jurídico objeto de suas
críticas é o de Herbert L. A. Hart. Mas deve ficar claro que suas críticas se
aplicam igualmente ao pensamento de outro positivista jurídico importan-
tíssimo, Hans Kelsen.
Em Levando os Direitos a Sério, Dworkin manifesta sua insatisfação
com a visão positivista então estabelecida (que ele sintetiza como um “mo-
delo de regras”), focando em especial nas noções positivistas de obrigação
jurídica e discricionariedade judicial. Ele irá propor o que considera uma
inovação conceitual para os dois problemas a partir de uma reformulação
no conceito de norma jurídica que coloca os princípios (jurídicos e morais
ao mesmo tempo) em posição de destaque. Dworkin quer desatrelar a ex-
clusividade da noção de obrigação jurídica do conceito de regra jurídica.
Para os positivistas jurídicos, uma pessoa tem uma obrigação jurídica de
usar máscara facial, por exemplo, apenas se existir uma regra que impute
uma sanção à conduta oposta, de abster-se do seu uso. Em lugar dessa no-
ção restritiva, o autor americano entende que obrigações jurídicas também
podem derivar de princípios, como se vê aqui:
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 81
78
DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 71.
82 CARLOS MAGNO SPRICIGO
79
DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 429.
80
DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 197.
81
NEVES, M. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo:
Martins Fontes, 2013. p. 61.
82
DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 151 e 137, por exemplo.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 83
83
Nesse sentido: “[...] os princípios são razões mediatas de decisões de questões jurídicas,
pois entre ele e esta sempre haverá uma regra, seja ela atribuível diretamente a texto pro-
duzido pelo processo legislativo (inclusive constituinte e reformador), seja ela atribuída
(indiretamente) a um texto normativo mediante o órgão encarregado da concretização
jurídica, isto é, mediante construção jurisprudencial.” NEVES, M. Entre Hidra e Hér-
cules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 84.
84
ALEXY, R. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón
Valdes. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1986. p. 29.
85
“A teoria de Alexy significa, por um lado, uma sistematização e reinterpretação da
teoria do discurso prático habermasiana e, por outro lado, uma extensão dessa tese
para o campo específico do Direito.” ATIENZA, M. As razões do direito: teorias
da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Cupertino. São Paulo: Landy,
2006. p. 160.
84 CARLOS MAGNO SPRICIGO
específico, sua teoria é muitas vezes tratada como dotada de caráter univer-
sal, aplicável automaticamente a qualquer outro Estado constitucional.
Alexy considera a distinção entre regras e princípios como elemen-
to-chave para a construção de uma dogmática dos direitos fundamentais:
Sem ela [a distinção entre regras e princípios] não pode existir uma
teoria adequada dos limites, nem uma teoria satisfatória da colisão e
tampouco uma teoria suficiente acerca do papel que jogam os direi-
tos fundamentais no sistema jurídico. [...] A distinção entre regras e
princípios constitui, ademais, [...] um ponto de partida para respon-
der à pergunta acerca da possibilidade e os limites da racionalidade
no âmbito dos direitos fundamentais. [...] a distinção entre regras e
princípios é um dos pilares fundamentais do edifício da teoria dos
direitos fundamentais.86
86
ALEXY, R. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón
Valdes. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1986. p. 81.
87
BOBBIO, N. Teoria generale del diritto. Torino: Giappichelli, 1993. p. 213.
88
ALEXY, R. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón
Valdes. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1986. p. 111.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 85
90
DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 127.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 87
91
SCHWABE, J. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Fe-
deral Alemão. Tradução de Beatriz Hennig et al. Montevideo: Fundação Konrad Ade-
nauer, 2005. p. 381.
92
“O direito é um sistema normativo que (1) formula uma pretensão à correção, (2) con-
siste na totalidade das normas que integram uma constituição socialmente eficaz em
termos globais e que não são extremamente injustas, bem como na totalidade das
normas estabelecidas em conformidade com essa constituição e que apresentam um
mínimo de eficácia social ou de possibilidade de eficácia e não são extremamente in-
justas, e (3) ao qual pertencem os princípios e outros argumentos normativos, nos quais
se apoia e/ou deve se apoiar o procedimento de aplicação do direito para satisfazer a
pretensão à correção.” [grifos meus] (ALEXY, R. Conceito e validade no direito.
Tradução de Gercélia Mendes. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 151).
93
VALADÃO, R. B. Positivismo jurídico e nazismo: formação, refutação e superação
da lenda do positivismo. São Paulo: Contracorrente, 2022.
88 CARLOS MAGNO SPRICIGO
94
Vezio Crisafulli, em obra de 1952, evidencia que os princípios existem desde as primei-
ras constituições modernas: “Não é supérfluo por isso recordar preliminarmente que
disposições de princípio sempre existiram nas constituições escritas, a partir da primeira
constituição da época liberal proclamada no final do Século XVIII na república norte-
-americana e depois na França, com a grande revolução[...]”. Na Itália, ele remonta a
presença de princípios ao Estatuto Albertino: “Um título inteiro dedicado aos direitos
e deveres do cidadão, no Estatuto de 1848, é quase exclusivamente formado por dis-
posições de princípio.” E arremata: “Um princípio, seja expresso em uma específica
formulação legislativa, seja, ao invés, implícito ou latente no ordenamento, constitui
assim uma norma, aplicável como regra de determinados comportamentos públicos
ou privados.” (CRISAFULLI, V. La costituzione e le sue disposizioni di principio.
Milano: Giuffrè, 1952. p. 28).
95
BOBBIO, N. Teoria generale del diritto. Torino: Giappichelli, 1993. p. 271.
96
KELSEN, H. Jurisdição constitucional. Tradução de Alexandre Krug. São Paulo:
Martins Fontes, 2013. p. 170,
97
VIEHWEG, T. Tópica y filosofia del derecho. Tradução de Jorge Sena. Barcelona:
Gedisa, 1997. p. 17.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 89
98
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova
retórica. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 477.
90 CARLOS MAGNO SPRICIGO
99
“Ganhou a doutrina mais moderna uma classificação das normas, que as separa em
regras e princípios.” (MENDES, G. F. Curso de direito constitucional. 9. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 72). “A classificação das normas constitucionais mais discutida
pela doutrina contemporânea é aquela que as distingue em princípios e regras consti-
tucionais.” (SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria,
história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 379).
100
Ao lidar com as “três grandes dimensões em que dividem as estratégias retóricas: ethos,
páthos e logos”, buscamos seguir a conceituação proposta pela Análise Empírico Retórica
do Discurso, elaborada pelo professor Isaac Reis. Ver: REIS, I. Análise empírico-re-
tórica do discurso: fundamentos, objetivos e aplicação. In: ROESLER, C. R.; HART-
MANN, F.; REIS, I. Retórica e argumentação jurídica: modelos em análise. Curitiba:
Alteridade, 2018. p. 138.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 91
101
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 255. Além de registrar essa percepção de que os princípios passaram de coadjuvantes
a protagonistas, essa citação reforça a ideia de que a centralidade dos princípios teria
decorrido de evolução normativa ocorrida nos textos constitucionais mais modernos
do segundo pós-guerra. Mas a própria obra de Bonavides prova que, na verdade, o que
houve foi uma evolução doutrinária. Até a quarta edição do seu Curso de Direito Consti-
tucional, de 1993, o constitucionalista cearense estava restrito a bradar contra a inércia
no desenvolvimento do Estado Social desenhado na CRFB causado pela concepção de
normas programáticas, apostando um pouco de suas esperanças no conceito de normas
de eficácia diferida. Somente na quinta edição, de 1994, ele descobre o potencial das
reformulações de Dworkin e Alexy, e as desenvolve em capítulo específico a partir dali
acrescentado: “Capítulo 8 – DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO AOS PRIN-
CÍPIOS CONSTITUCIONAIS”. Somente a partir de 1994 ele passa a afirmar que:
“a constitucionalização dos princípios, em termos de normatividade, funda o Estado
principialista.” (BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 9).
92 CARLOS MAGNO SPRICIGO
103
MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro:
94 CARLOS MAGNO SPRICIGO
105
VALADÃO, R. B. Positivismo jurídico e nazismo: formação, refutação e superação
da lenda do positivismo. São Paulo: Contracorrente, 2022.
106
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 7.
96 CARLOS MAGNO SPRICIGO
107
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os concei-
tos fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
p. 275-276.
108
BARROSO, L. R. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, abr./jun. 2005. p. 4. Disponí-
vel em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618/44695.
Acesso em: 13 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 97
109
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 200.
110
Essa associação é profundamente simplificadora. Primeiro, por atribuir a uma singela
corrente do pensamento jurídico a responsabilidade exclusiva de um fenômeno comple-
xo como a ascensão do nazifascismo na Europa. Segundo, por ignorar o papel dos au-
tores não-positivistas que, aí sim, ativamente se esforçaram para o êxito da implantação
daquele regime, como Carl Schmitt e Karl Larenz. Por último, ignora que o nazifascis-
mo era um movimento político e tinha uma expressão na teoria do direito que afirmava
peremptoriamente a força de valores tidos como absolutos, algo completamente in-
compatível com uma perspectiva juspositivista, ligada indissociavelmente ao relativismo
ético a partir de sua convicção acerca da incognoscibilidade dos valores.
111
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 7.
98 CARLOS MAGNO SPRICIGO
112
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 7.
113
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 9.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 99
114
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 237.
115
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 248.
116
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 201.
100 CARLOS MAGNO SPRICIGO
117
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 380.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 101
sanção é atribuída à minha conduta por uma norma. Ele se apressa em adu-
zir que ter uma obrigação jurídica não implica automaticamente em ter uma
obrigação moral, pois direito e moral são ordens sociais diferentes. Veja,
isso não apenas não é algo negativo, mas na verdade é algo extremamente
positivo. É esse raciocínio que sustenta a ideia de que eu posso desobedecer
legitimamente a uma norma jurídica, por não corresponder ela ao sistema
moral no qual estou inserido. É por isso que o fato de os hierarcas nazistas
terem se defendido em Nuremberg repetindo “apenas cumprimos a lei
vigente!”, nada tem com o positivismo jurídico, que não prega a obediência
cega ao direito, e sequer afirma que a mera validade implica Justiça118 (com
“j” maiúsculo). O que o positivismo jurídico afirma com clareza é que a
obrigação jurídica está relacionada com a imputação que liga uma sanção a
uma conduta, e que essa imputação é justamente o pressuposto da liberdade
humana, justamente na medida em que, diante do dilema de obedecer ou
não à imposição legal, posso optar por desobedecê-la.
A circunscrição da noção de obrigação jurídica, que diferencia o di-
reito da moral (em que a obrigação não está identificada com uma sanção,
mas com o evitar uma “pressão social difusa” por parte da comunidade em
que a pessoa se insere), não impede Kelsen de observar que toda norma
jurídica, regra ou princípio, implica um valor moral. Mas, e aí talvez esteja
o ponto que seus críticos consideram insuficiente, trata-se, para ele, de um
valor moral relativo. Temos que concluir, portanto, que a relação entre di-
reito e moralidade no positivismo jurídico é algo mais sofisticado do que a
afirmação tantas vezes repetida de que esta corrente teórica teria separado
direito e moral.
Nesse sentido, afirma Barroso:
118
Já o autor considerado pós-positivista, Robert Alexy, considera que uma norma
extremamente injusta não pode ser válida. Ver: ALEXY, R. Conceito e validade no
direito. Tradução de Gercélia Mendes. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
102 CARLOS MAGNO SPRICIGO
119
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-50,
2015. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/download/3180/
pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
120
SOUZA NETO, C.P.; SARMENTO, D. op. cit., p. 200.
121
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 257.
122
O que implica na simplificação de que o positivismo jurídico teria abandonado a preo-
cupação com a justiça e a substituído pelo valor da segurança jurídica, ligada a ideia
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 103
da subsunção lógica que envolveria a aplicação das regras/leis. Nada mais equivocado.
Kelsen, o maior positivista jurídico, não endossa a tese da subsunção na interpretação/
aplicação do direito e, consequentemente, afirma que o ideal da segurança jurídica no
direito apenas é “realizável aproximativamente”. Ver: KELSEN, H. Teoria pura do
direito. Tradução de João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
123
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 356.
124
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 521.
104 CARLOS MAGNO SPRICIGO
125
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-50,
2015. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/download/3180/
pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
126
BARROSO, L.R. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, abr./jun. 2005. p. 4-5. Disponí-
vel em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618/44695.
Acesso em: 13 dez. 2022.
127
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 204.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 105
128
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 389.
129
GARGARELLA, R. El derecho como conversación entre iguales. Buenos Aires:
Siglo Veintiuno, 2022.
130
“A existência atual de regimes denominados liberal-democráticos ou de democracia
liberal leva a crer que liberalismo e democracia sejam interdependentes. No entanto,
o problema das relações entre eles é extremamente complexo, e tudo menos linear.”
(BOBBIO, N. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 7).
106 CARLOS MAGNO SPRICIGO
131
Não foi uma preocupação meramente teórica. A revolta dos escravizados no Haiti, sob
a liderança de Toussaint Louverture, pairou como um fantasma nas elites de toda a
América escravista por um bom tempo.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 107
132
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 476.
133
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-50,
2015. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/download/3180/
pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
108 CARLOS MAGNO SPRICIGO
134
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 524. Importante assinalar
aqui o entendimento dos autores de que, no direito, não apenas ponderam os juízes,
mas também os integrantes do Executivo e Judiciário. Se a ponderação como panaceia
já é excessiva quando aplicada ao Judiciário, ela é totalmente descabida quando pretende
explicar o funcionamento dos demais poderes. As leis resultantes do processo legislativo
não são o produto de uma reflexão puramente moral e racional, mas são sim a expressão
final de embates, mais ou menos explicitados, entre interesses conflitantes, que ora são
resolvidos por meio de soluções de compromisso negociadas (não ponderadas) entre
maioria e minoria, como queria Kelsen, ora são a expressão da vontade de uma maioria
que conseguiu se fazer impor pontualmente. O principialismo ponderativo parece não
querer sequestrar e empobrecer apenas a experiência jurídica, mas também estende sua
visão para a própria política. É que, se “tudo é ponderação”, por quê não deixar a pala-
vra final com os “especialistas”?
135
WALDRON, J. Contra el gobierno de los jueces. Buenos Aires: Siglo XXI, 2018.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 109
136
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-50,
110 CARLOS MAGNO SPRICIGO
Barroso segue com seu elogio aos juízes, ressaltando como condi-
ções estruturais da carreira, como a vitaliciedade, inamovibilidade etc., te-
riam o condão de imunizar esses importantes atores institucionais contra
visões de curto prazo ou mesmo “tentações populistas”:
tivadas. Isso significa que, para serem válidas, jamais poderão ser um
ato de pura vontade discricionária[...]138
138
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-
50, 2015. p. 40. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/down-
load/3180/pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
139
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-
50, 2015. p. 40. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/down-
load/3180/pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
112 CARLOS MAGNO SPRICIGO
140
“Negar a possibilidade de que possa existir (sempre), para cada caso, uma resposta con-
formada à Constituição, portanto uma resposta correta sob o ponto de vista hermenêu-
tico (porque é impossível cindir o ato interpretativo do ato aplicativo), pode significar
a admissão de discricionariedades interpretativas, o que se mostra antitético ao caráter
não relativista da hermenêutica filosófica e ao próprio paradigma do Constitucionalis-
mo Contemporâneo, introduzido pelo Estado Democrático de Direito, incompatível
com a existência de múltiplas respostas.” STRECK, L. Verdade e consenso: constitui-
ção, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 440.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 113
Fiel ao seu estilo que tão bem ilustra as características do que Warat
denominou de senso comum teórico dos juristas, Barroso cita muitas vezes
positivamente a contribuição de Dworkin, mas tergiversa sobre o tema da
resposta certa, oferecendo como solução pessoal um verdadeiro oxímoro:
“Assim, embora não se possa falar, em certos casos difíceis, em uma respos-
ta objetivamente correta – única e universalmente aceita – existe, por certo,
uma resposta subjetivamente correta”.141
141
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-50,
2015. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/download/3180/
pdf. Acesso em: 12 dez. 2022. Impossível não lembrar aqui dessa passagem de Gui-
marães Rosa em Grande Sertão, Veredas: “Viver é muito perigoso [...] querer o bem com
demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar
esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada
um só vê e entende as coisas dum seu modo.”.
142
De uma perspectiva retórica, a referência ao princípio da proporcionalidade não passa
de uma técnica argumentativa que articula elementos da estrutura do real, os meios e os
fins, visando efeitos persuasivos.
114 CARLOS MAGNO SPRICIGO
Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor supe-
rior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. [...] O princípio
da proporcionalidade é utilizado, também, com freqüência, como
instrumento de ponderação entre valores constitucionais contra-
postos[...] Nos Estados Unidos, mesmo sem referência expressa ao
termo ‘razoabilidade’, é comum a realização de testes de constitu-
cionalidade dos atos do Poder Público[...] Tais testes são identifica-
dos como sendo de: a) mera racionalidade; b) aferição severa; c)
nível intermediário.143 [grifos meus].
143
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos funda-
mentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 293-294.
144
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fun-
damentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 350.
145
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 203.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 115
146
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fun-
damentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 352.
147
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fun-
damentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 375.
148
MENDES, G. F. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 53.
116 CARLOS MAGNO SPRICIGO
149
MENDES, G. F. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 75.
150
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 512-513.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 117
151
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 515.
152
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 519.
153
ALEXY, R. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 157.
118 CARLOS MAGNO SPRICIGO
ração de princípios, mas afirmam que ela nem sempre ocorre e, se ocorre, é
apenas em algum grau “inevitável”: “
A ponderação não é atividade mecânica, e com freqüência envolve
valorações complexas e polêmicas, em que algum grau de subjetividade é
inevitável.”154.
O gráfico 2, a seguir, mostra o número de menções aos conceitos
de “ponderação” e “proporcionalidade” nas dissertações e teses de direito
defendidas no período compreendido entre os anos de 1998 e 2018. Perce-
be-se que houve um notável incremento de ocorrências desses conceitos,
em especial a partir da virada do século.
154
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 521.
155
BRASIL. CAPES. Catálogo de teses e dissertações. [2022]. Disponível em: https://
catalogodeteses.capes.gov.br. Acesso em: 12 dez. 2022..
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 119
156
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 357.
157
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 373.
158
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 523.
120 CARLOS MAGNO SPRICIGO
159
DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.p. 127.
160
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 204.
161
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 512.
162
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito constitucional: teoria, história e mé-
todos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 521.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 121
163
POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. Tradução de Rita Lima. Rio de
Janeiro: Graal, 1985.
122 CARLOS MAGNO SPRICIGO
164
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-50,
2015. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/download/3180/
pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
165
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-
50, 2015. p. 38. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/down-
load/3180/pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
124 CARLOS MAGNO SPRICIGO
166
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-
50, 2015. p. 40. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/down-
load/3180/pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
167
BARROSO, L. R. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, abr./jun. 2005. p. 42. Disponí-
vel em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618/44695.
Acesso em: 13 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 125
168
ALEXY, R. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 165.
169
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fun-
damentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 477.
126 CARLOS MAGNO SPRICIGO
ou passivamente, e seu líder. Com base nisso defendeu, contra Kelsen, que
o presidente do Reich alemão seria o verdadeiro guardião da constituição.
Se tomarmos a sério as ideias de Barroso sobre o tema, seria o caso de
afirmar que sua concepção leva o guardião da constituição schmittiano a
sentar-se nas cadeiras do guardião da constituição kelseniano! Ou seja, para
Barroso, o STF não seria o guardião da constituição meramente porque
interpreta e faz aplicar, definitivamente, o documento plural e politicamen-
te construído; mas porque representaria diretamente os valores inerentes
a uma sociedade que se apresentaria como isenta de conflitos e dissensos
relevantes: “Em curioso paradoxo, o fato é que, em muitas situações, juízes
e tribunais se tornaram mais representativos do anseios e demandas sociais
do que as instâncias políticas tradicionais.”170.
No próximo trecho dois aspectos se destacam. Primeiro, a reite-
ração da ideia de uma sociedade homogênea, pois o STF teria condições
melhores de identificar o que a sociedade, em uníssono, estaria a clamar.
Depois, encontramos a confissão da adoção por parte da corte constitu-
cional, de uma espécie de política a ser implementada por ela, no caso,
especificamente, nada menos que a reforma política, que será objeto do
terceiro capítulo deste livro:
170
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-
50, 2015. p. 39. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/down-
load/3180/pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
171
BARROSO, L. R. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maio-
ria. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, p. 24-
50, 2015. p. 42. Disponível em: https://publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/down-
load/3180/pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 127
172
BARROSO, L. R. A americanização do direito constitucional e seus paradoxos: teoria e
jurisprudência constitucional no mundo contemporâneo. Interesse Público, Belo Ho-
rizonte, v. 12, n. 59, jan./fev. 2010. p. 301. Disponível em: https://www.editoraforum.
com.br/wp-content/uploads/2014/09/A-americanizacao-do-direito-constitucional-
-e-seus-paradoxos.pdf. Acesso em: 14 dez. 2022.
173
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Edições
70, 2021. p. 219.
128 CARLOS MAGNO SPRICIGO
FIGURA 1 – REGRAS
FIGURA 2 – PRINCÍPIOS
174
“Interpretações inéditas para temas novos e alterações interpretativas para temas ante-
riormente analisados foram os grandes momentos da jurisdição constitucional no ano
passado.” (MORAES, A. Direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2017).
4
A IDEOLOGIA NEOCONSTITUCIONALISTA
EM AÇÃO NO BRASIL: 2015-2018
175
Nesse estudo os autores focam no papel que a atuação individual dos ministros do
STF, independentemente da manifestação dos órgãos colegiados do tribunal, tem na
dinâmica de funcionamento da corte e seu impacto na crise política brasileira. Ver: AR-
GUELHES, D. W.; RIBEIRO, L. M. Ministrocracia: o Supremo Tribunal individual e o
processo democrático brasileiro. Novos Estudos, São Paulo: Cebrap, v. 37, n. 1, p. 13-
32, jan./abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/GsYDWpRwSKzR-
GsyVY9zPSCP/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 13 dez. 2022.
132 CARLOS MAGNO SPRICIGO
176
KELSEN, H. Teoria pura do direito. Tradução de João Batista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 2012. p. 221.
177
REIS, I. Análise empírico-retórica do discurso: fundamentos, objetivos e aplicação. In:
ROESLER, C. R.; HARTMANN, F.; REIS, I. Retórica e argumentação jurídica:
modelos em análise. Curitiba: Alteridade, 2018.
178
ROESLER, C. R. Entre o paroxismo de razões e a razão nenhuma: paradoxos de
uma prática jurídica. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 08, n. 04, Número Especial, p.
2517-2531, 2015. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaes-
tioiuris/article/view/20940/15319. Acesso em: 11 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 133
-se dizer qual foi a decisão tomada, mas não necessariamente se consegue
compreender quais as suas razões e, por vezes, qual o seu alcance.”179.
Tratando do modelo da análise empírico-retórica do discurso, Isaac
Reis destaca a importância da investigação acerca do contexto do discur-
180
so, essencial para o entendimento da sua dimensão pragmática. Por isso, va-
mos, antes de abordar cada decisão selecionada, fazer um pequeno esforço
de rememoração dos eventos que formam o contexto histórico-político em
que elas foram tomadas.
179
ROESLER, C. R. Entre o paroxismo de razões e a razão nenhuma: paradoxos de uma
prática jurídica. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 08, n. 04, Número Especial, p. 2517-
2531, 2015. p. 2522. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/
quaestioiuris/article/view/20940/15319. Acesso em: 11 dez. 2022.
180
ROESLER, C. R. Entre o paroxismo de razões e a razão nenhuma: paradoxos de
uma prática jurídica. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 08, n. 04, Número Especial, p.
2517-2531, 2015. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaes-
tioiuris/article/view/20940/15319. Acesso em: 11 dez. 2022.
134 CARLOS MAGNO SPRICIGO
181
ABRANCHES, S. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo políti-
co brasileiro. São Paulo: Cia. das Letras, 2016.
136 CARLOS MAGNO SPRICIGO
rito diletante sobre o tema da reforma política, mas não foi. A partir desse
seminário, a OAB nacional resolveu fazer valer mais intensamente sua legi-
timidade ativa, conferida pela Constituição, para deflagrar o funcionamento
da jurisdição constitucional em prol da realização, em etapas, de uma ver-
dadeira reforma política. Plena do ethos neoconstitucionalista, a iniciativa
convidaria a cúpula do Poder Judiciário a intervir diretamente na institucio-
nalidade política, por meio da declaração de inconstitucionalidades em leis
vigentes sob o fundamento de sua parcial incompatibilidade com princípios
constitucionais genéricos. O evento tinha o então advogado e professor
Luís Roberto Barroso como seu relator geral. A OAB era presidida à época
por Ophir Cavalcante. Uma olhada na programação do evento ajuda a com-
preender o escopo da proposta:
182
OAB nacional realiza seminário que vai elaborar propostas de reforma política. OAB-
-MS, 12 nov. 2010. Disponível em: https://oabms.org.br/oab-nacional-realiza-semina-
rio-que-vai-elaborar-propostas-de-reforma-politica/. Acesso em: 1 jul. 2022.
183
“Após profundos debates, as conclusões do Seminário foram sistematizadas pelo
Professor Luís Roberto Barroso nas seguintes proposições objetivas, enunciadas em
ordem de prioridade, tendo por critério o nível de apoio obtido nos debates internos:
‘1. Adoção do sistema de lista partidária preordenada ou fechada; 2. Financiamento
público das campanhas eleitorais, ficando aberta ao debate subseqüente a possi-
bilidade de contribuições privadas de pessoas físicas, com limite máximo de contri-
buição por doador, bem como com fixação de gasto máximo por campanha;” [grifos
meus] (CONTRA corrupção, OAB vai a STF por fim de doações empresariais a can-
didatos. OAB Nacional, Brasília, 22 ago. 2011. Disponível em: https://www.oab.
org.br/noticia/22502/contra-corrupcao-oab-vai-a-stf-por-fim-de-doacoes-empresa-
riais-a-candidatos?argumentoPesquisa=SEMIN%C3%81RIO%20REFORMA%20
POL%C3%8DTICA%202010. Aceso em: 17 jul. 2022.
138 CARLOS MAGNO SPRICIGO
184
NOBRE, M. Limites da democracia: de junho de 2013 ao governo Bolsonaro. São
Paulo: Todavia, 2022. p. 14.
185
RIBAS, L. O. (org.) Constituinte exclusiva: um outro sistema político é possível. São
Paulo: Expressão Popular, 2014.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 139
186
Jessé Souza mostra que a “Lava jato” na verdade combateu a pequena corrupção de
apenas um campo do espectro político de modo a possibilitar a volta da verdadeiramen-
te grande corrupção praticada desde sempre no país. Ver: SOUZA, J. A elite do atraso:
da escravidão à lava jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
140 CARLOS MAGNO SPRICIGO
nas leis citadas são incompatíveis com dois princípios da Constituição: prin-
cípios democrático e da igualdade política. Como alertou Roesler, outros
ministros que votaram com o relator ofereceram fundamentos diversifica-
dos: Joaquim Barbosa citou os princípios republicano e da igualdade; Dias
Toffoli citou os princípios do Estado Democrático de Direito, da Repúbli-
ca, da cidadania, da igualdade e da proporcionalidade, além de enfatizar o
dispositivo do art. 14, § 9º, da Constituição, que determina a necessidade
de proteção da “normalidade e legitimidade das eleições contra a influência
do poder econômico”; Rosa Weber fundamentou sua adesão ao voto do
relator nos princípios da soberania popular e cidadania, além do art. 14, §
9º, da Constituição.
O voto da minoria, composta por Teori Zavaski, Gilmar Mendes
e Celso de Mello, explorou principalmente o sentido autorizativo do art.
17, II da Constituição. Esse artigo estabelece as bases constitucionais para
a configuração dos partidos políticos no país e, no dispositivo específico,
apresenta regra que determina a “proibição de recebimento de recursos fi-
nanceiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes”.
Seguindo a ideia de que toda regra carrega consigo uma regra geral exclusi-
va187, a contrario sensu o art. 17, II, implica em uma autorização tácita para que
o legislador infraconstitucional discipline a matéria, inclusive permitindo o
financiamento empresarial de entidades nacionais. Gilmar Mendes proferiu
um voto quase irascível, em que sugeriu que a iniciativa da ADI refletia
um conluio dos autores com partidos de esquerda, em especial o PT, que
segundo ele, teria acumulado ilicitamente dinheiro suficiente para “ganhar
eleições até 2038” e agora aparecia no Supremo Tribunal Federal tentando
descapitalizar as oposições. No final, Mendes e Mello aderiram à posição
manifestada por Teori Zavaski e a votação encerrou em 8 a 3.
O núcleo de fundamentação da decisão consiste, portanto, na opção
por avaliar a (in)constitucionalidade das regras atacadas na ADI, situando
no “apoio”188 dois princípios, em detrimento da regra constitucional con-
187
Ver: KELSEN, H. Teoria pura do direito. Tradução de João Batista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 2012. Ver também: BOBBIO, N. Teoria generale del diritto.
Torino: Giappichelli, 1993.
188
TOULMIN, S. Os usos do argumento. Tradução de Reinaldo Guarany. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 141
tida, a contrario sensu, no art. 17, II, da Constituição. Mas, o longo acórdão
contém uma ampla expressão da técnica argumentativa dos pares filosófi-
cos, tal como vimos no capítulo anterior.
No acórdão aparecem passagens que exploram o aspecto do ethos
institucional, em que se acentuam problemas de legitimidade do Parlamen-
to para discutir a questão específica do financiamento de campanhas, bem
como se reforça a legitimidade da corte para tal. Assim, na página 20, o
relator registra que foi realizada uma audiência pública que contou com a
participação de 30 expositores, que permitiu inclusive “auscultar o senti-
mento de parte da sociedade civil organizada sobre a temática”. Na página
123, o Ministro Luís Roberto Barroso afirma que o “grande problema do
modelo político” brasileiro é o “descolamento entre a classe política e a
sociedade civil”. Na sequência, na página 130, Barroso resgata o tema do
papel representativo das cortes constitucionais:
E é por essa razão que, nas situações que envolvam proteção de mi-
norias, ou nas situações que envolvam certos impasses que emper-
ram a história, acaba sendo indispensável a intervenção do Supremo
Tribunal Federal, não contramajoritária, mas representativa. É para
fazer andar a história, quando ela tenha parado.
189
Vale a pena lembrar que o mesmo relator, em decisão monocrática de 14 de setembro
de 2014, autorizou o pagamento de auxílio-moradia aos juízes de direito, uma mano-
bra “ministrocrática” que custou mais de 5,4 bilhões de reais aos cofres públicos. Ver:
AUXÍLIO-MORADIA do Judiciário já custa R$ 5,4 bi aos cofres públicos. Políti-
ca ao minuto, 12 fev. 2018. Disponível em: https://www.noticiasaominuto.com.br/
politica/519791/auxilio-moradia-do-judiciario-ja-custa-r-5-4-bi-aos-cofres-publicos.
Acesso em: 18 ago. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 143
zes. Além disso, fica claro no texto que, além de um julgamento sustentado
em princípios, o STF tinha clareza de que oferecia o que Dworkin conside-
rava um julgamento baseado em políticas, na medida em que entendiam o
deferimento da ADI 4650 como uma medida saneadora de parte relevante
do problema da corrupção no país.
Independentemente do que pensam ou deixam de pensar os mi-
nistros do STF, o fato é que, se levamos a decisão a sério, o que nela se
decretou efetivamente aponta para que, diante de princípios como o da
igualdade e democrático, que imagino nunca estarão ausentes de uma fu-
tura elaboração constitucional possível, será sempre inconstitucional um
regramento legal que autorize o financiamento empresarial de campanhas
e partidos políticos.
A consequência desse julgado se fez ver poucos dias depois do julga-
mento da ADI. A Lei n. 13.165/2015, que promoveu uma reforma política
e foi discutida durante o julgamento no STF, foi sancionada pela presidenta
Dilma Rousseff em 29 de setembro de 2015, tendo sido vetada a parte em
que a lei permitia e regulava a doação de empresas para campanhas eleito-
rais. O veto presidencial foi fundamentado com base no que fora, então,
recentemente decidido pelo STF na ADI 4650.
De lá para cá, o orçamento público reservado para as campanhas
eleitorais saltou de R$ 1,7 bilhões em 2018 para R$ 4,9 bilhões em 2022,
mesmo com o país enfrentando o que foi, talvez, uma de suas maiores
crises econômicas, agravada pela pandemia da Covid-19. E é preciso ser
muito ingênuo ou desinformado para acreditar que a decisão sepultou o
financiamento empresarial da política, que segue impassível, agora sem
uma política pública organizada que permita a sua fiscalização, quantifica-
ção e transparência pública.
146 CARLOS MAGNO SPRICIGO
190
ARGUELHES, D. W.; RIBEIRO, L. M. Ministrocracia: o Supremo Tribunal indivi-
dual e o processo democrático brasileiro. Novos Estudos, São Paulo: Cebrap, v. 37,
n. 1, p. 13-32, jan./abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/GsY-
DWpRwSKzRGsyVY9zPSCP/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 13 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 147
191
A ADI foi admitida em apertado placar de 6 a 4.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 151
para o caso. Ocorre que, desde o início, o relator, ministro Fachin, abordou
o caso não em sua especificidade, mas apresentou um voto cuja argumenta-
ção abrangia não apenas o caso mineiro, de menor complexidade, mas sim
a situação de todas as demais constituições que, essas sim, possuíam regras
que exigiam expressamente a autorização prévia para processamento dos
governadores. Fachin, mais do que resolver o caso mineiro, largou propon-
do a fixação de uma abrangente tese, nos seguintes termos:
ratio decidendi da ADI 5540 constitui um verdadeiro e autêntico quid pro quo,
de tal modo evidente que, analisada isoladamente em si mesma, surge como
carente de fundamentação adequada, porque abandona seu objeto para cui-
dar do objeto de outras ações constitucionais.
Algum tempo depois...
Em 28 de agosto de 2020, no Estado do Rio de Janeiro, o governador
do Estado, Wilson Witzel, foi afastado por decisão monocrática de ministro
do STJ. Sequer houvera ainda sido oferecida denúncia e havido qualquer
possibilidade de defesa e exercício do contraditório. Em meras 13 pági-
nas, em que se tratava também de outros investigados, um governador de
Estado – eleito com 4.675.355 (59,87%) votos – então hostil aos interesses
do presidente da República192, era afastado definitivamente de suas funções,
acusado de envolvimento em prática de corrupção. Alguns meses depois,
Witzel seria destituído em processo de impeachment na Assembleia Legislati-
va do Rio de Janeiro, sem receber um voto sequer em seu favor.
192
O desconhecido Witzel se elegeu na “onda Bolsonaro”, mas logo que assumiu buscou
alçar voo próprio, declarando publicamente que almejava a Presidência da República, o
que o colocou em rota de colisão com o antigo mentor.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 155
É que a prática atual [baseada nas regras contidas no art. 102, I, “b”
e “c” da CF] não realiza adequadamente princípios constitucio-
nais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em
grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos
por crimes de naturezas diversas. [grifos meus].
193
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Consti-
tuição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] b) nas infrações penais
comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Na-
cional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; c) nas infrações
penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Coman-
dantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os
membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de
missão diplomática de caráter permanente; [...]”
156 CARLOS MAGNO SPRICIGO
194
PEIXOTO, F. H. A decisão judicial no Supremo Tribunal Federal do Brasil e a
aplicação da teoria dos princípios de Robert Alexy: a ponderação como estraté-
gia de argumentação jurídica. 2015. 276p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito,
Universidade de Brasília, Brasília, 2015. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bits-
tream/10482/18603/1/2015_FabianoHartmannPeixoto.pdf. Acesso em: 14 dez. 2022.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 157
195
São 22 menções explícitas, contidas nas páginas: 1, 11, 14, 30, 45, 47, 64, 66, 67, 74, 80,
83, 87, 128, 129, 134, 135, 138, 210, 211, 215 e 224.
158 CARLOS MAGNO SPRICIGO
196
STF conclui julgamento e restringe prerrogativa de foro a parlamentares federais. STF
Notícias, 3 maio 2018. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticia-
Detalhe.asp?idConteudo=377332&ori=1. Acesso em: 11 ago. 2022.
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
197
Expressões cunhadas pelo professor Juan António Garcia Amado em seus textos críticos.
A RETÓRICA DA HIPERTROFIA JUDICIAL – neoconstitucionalismo e o esvaziamento da democracia no Brasil 163
da por décadas foi superada sem maiores cerimônias. São também casos
em que, falando diretamente, o STF legislou. Legislou conscientemente,
afirmando em diversos momentos dos julgados, contra o que diz a própria
Constituição que deveria “guardar”, que possuía maior legitimidade – para
fazê-lo. Parte da reforma política anunciada previamente pelo ministro Bar-
roso em seus escritos foi empreendida nesses julgados, que são apenas uma
amostra de um período marcado pelo crescente protagonismo judicial no
concerto dos poderes da República.
A análise das decisões mostra que a gramática neoconstitucionalista
ali se faz presente. São sempre princípios que derrotam regras. Todavia,
apesar da sua grande extensão, não há nos acórdãos um esforço meticuloso
e aplicado no sentido de justificar a inversão do par classificatório princí-
pio-regra e a consequente elevação dos princípios à condição de maior/
melhor fundamento do direito. Como ensinou Perelman, esse trabalho já
havia sido feito, com grande eficácia, pela doutrina neoconstitucionalista,
um discurso quase-epidítico que ganhou corações e mentes no Brasil nas
últimas duas décadas.
Além disso, a leitura dos acórdãos evidencia duas coisas. Primeiro,
de acordo com as várias ocorrências de argumentos de ethos institucional
encontrados, que o tribunal busca afirmar reiteradamente uma condição de
guardião schmittiano da constituição, ou seja, ele seria o ente institucional
mais habilitado na República para representar a vontade popular e o “sen-
timento social” de uma sociedade concebida como um todo homogêneo.
Em segundo lugar, abundam nos julgados manifestações do que Dworkin
denomina “argumentos de política”, ao ponto de quase obnubilarem os
“argumentos de princípio”. Há, nos três julgados, uma clareza pragmática,
de que o que se decide ali vale muito pela missão a ser cumprida, de contribui-
ção do tribunal para a erradicação da corrupção e mitigação da impunidade, que seriam
marcas da política no Brasil. Fala-se abertamente em “empurrar a história”,
em “intervenção judicial”. Quando identificamos num tribunal constitucio-
nal elementos tão claros de busca de realização de um verdadeiro programa
político, ensina Waldron que a corte deixou de fazer apenas sua tarefa de
controle judicial, passando a atuar com veleidades198 de supremacia judicial.
198
Uso aqui o termo “veleidade”, que designa uma vontade imperfeita, por acreditar que o
Poder Judiciário, por sua própria configuração, não se encontra apetrechado para o exer-
164 CARLOS MAGNO SPRICIGO
blico, Belo Horizonte, v. 12, n. 59, jan./fev. 2010. p. 301. Disponível em: https://
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172 CARLOS MAGNO SPRICIGO
S
ão muitas aspara
formas de entende
tentar se
ler o trabalho do profes-
de construção jurídica
sor Carlosjudicial.
Magno Argumentei
Spricigo q
sobre a hipertrofia judicial
marco constitucional e
e a ameaça ao procedimen-
RICA DA
senrola na reformulaç
CARLOS MAGNO SPRICIGO talismo democrático legado
mostrar como uma cer
pela Constituição de 1988 ao
nosso país. cional promoveu
interes-uma
É
A mais
doutor em direito pelo
sante delastório princípio-regra.
dessa E
IA JUDICIAL
é extrair
Programa de Pós-Gradua-
experiência meio
dois de associações
rumos fun- re
ção em Direito (PPGD) da damentais: ram
saberaso regras
que fazere superv
Universidade Federal de Santa e o que nãopossibilitou a construç
fazer do direito
Catarina (UFSC). Realizou es-
amento da democracia no Brasil
tágio pós-doutoral no Progra-
torizou
em sua relação como auso abrangen
demo-
seados por juízes
cracia. Os ingredientes para– com
ma de Pós-Graduação em Di- essa viagemjudiciais,
passam em pelodetriment
en-
reito (PPGD) da Universidade tendimento ginariamente
do processo pelo de leg
de Brasília (UnB). É professor transformação do Judiciário
“principialismo ponder
da Faculdade de Direito e do – e, em especial, do Supremo
que se diga qualquer co
Programa de Pós-Graduação Tribunal Federal (STF) uma
que produz – emprofu
Justiça Administrativa da Uni- tradutor autoimposto da von- ao f
cidade, convertida,
versidade Federal Fluminense tade popular, numa amplia-
constitucional”.
(UFF). É líder do Grupo de Es- ção claramente excessiva e
tudos, Debates e Pesquisa “Ar- excepcional de seus poderes.
Esse é, precisamente, o desa-
gumentos para a Democracia”
fio que o autor se atribui ao
(GARDEM-UFF).
escrutinar a história política
recente do Brasil e o envolvi-
mento direto do STF como um
tipo schmittiano de “Guar-
dião da Constituição”, alicer-
çado na retórica moralista do
neoconstitucionalismo.
O
centro de gravidade deste estudo se encontra
na utilização da análise retórica do discurso
para tentar entender como se deu o processo
de construção jurídica do quadro de hipertrofia
judicial. Argumentei que, estabelecido o novo
marco constitucional em 1988, o processo se de-
senrola na reformulação doutrinária, e busquei
mostrar como uma certa doutrina (neo)constitu-
cional promoveu uma inversão no par classifica-
tório princípio-regra. Essa inversão, realizada por
meio de associações recíprocas que desvaloriza-
ram as regras e supervalorizaram os princípios,
possibilitou a construção de um discurso que au-
torizou o uso abrangente de princípios – manu-
seados por juízes – como fundamento de decisões
judiciais, em detrimento de regras aprovadas ori-
ginariamente pelo legislador. O uso abusivo do
“principialismo ponderativo” acaba por permitir
que se diga qualquer coisa em nome do Direito, o
que produz uma profunda degradação da juridi-
cidade, convertida, ao final, em mero “moralismo
constitucional”.