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Resumo
O artigo em questão tem como objetivo apresentar os elementos que conduziram Isaac
Newton (1643-1727) a postular e a justificar empiricamente a existência do espaço
absoluto, motivado, em parte, por suas crenças teológicas. A partir da análise dos
fundamentos da mecânica, expostos no Principia, e alicerçados na crença de uma ação
direta de Deus sobre sua criação, Newton exporá sua possível “prova” da existência do
espaço absoluto. O presente artigo é parte integrante do estudo que é objeto da
dissertação “As bases da crítica de Mach ao absoluto newtoniano”, em que se busca a
compreensão do teor das críticas que Ernst Mach (1838-1916) faz ao recurso
newtoniano aos absolutos, principalmente os usados na fundamentação das ideias de
espaço e tempo.
Palavras-Chave
Isaac Newton. Espaço Absoluto. Experimento do Balde. Teologia Natural. Método
Experimental.
Marcus Vinícius Russo Loures é bacharel em Física pela PUC-SP, bacharel em Filosofia pela
Universidade São Judas Tadeu (USJT), mestrando em Filosofia da Ciência na USJT, é integrante do
grupo de História e Filosofia da Ciência da USJT, grupo de trabalho inscrito no CNPQ.
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Veremos adiante que essa extrema devoção newtoniana a Deus não se limitará
ao plano da teologia: a fé de Newton em Deus marcará sua física e uma maneira de
“consagrar seu nome” será, ao contemplar a imensa beleza da natureza, compreender a
ação de Deus em sua criação e as leis que as regem.
Koyré afirma que “seus estudos no campo da ciência experimental o colocaram
em face de uma natureza tão meticulosa e grandiosa, que fora inevitável que seus
trabalhos científicos fossem influenciados por sua experiência religiosa: o tratamento de
espaço (e tempo) em Newton é, em parte, consequência de sua interpretação
fundamentalmente teísta do Universo.” (Koyré, 1979:152)
Outra influência sobre a doutrina de Newton é a alquimia. Edwin Burtt aponta
que os estudos de alquimia de Newton têm três motivos centrais: conhecer o mundo,
autoconhecimento e compreensão da evolução humana. Essas influências ficam
facilitadas, na medida em que, no espírito corrente da nova filosofia, a Igreja tem
dificuldades de se impor entre os intelectuais e isso é um movimento mais forte ainda
em países de língua inglesa, devido à Reforma Protestante. Essas influências,
consideradas heterodoxas na doutrina newtoniana, representavam elementos
importantes para a construção de uma compreensão de mundo da época.
Mas algo mudava. A partir do século XVI, havia indícios de que a formação
escolástica se encontrava em um momento delicado, face a adversários poderosos.
Galileu, Copérnico e outros haviam deixado uma herança conceitual que abalava
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(Westfall, 1983:221)
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aplicação de uma força, no corpo que se move, muda seu movimento absoluto e,
conseqüentemente, seu lugar absoluto. Tal fato já não ocorre com o movimento relativo:
posso mudar o lugar relativo de um corpo pela simples impressão de uma força aos
corpos que se situam ao redor do corpo móvel, que se caracteriza o estado de
movimento relativo. Se aplicarmos uma força a um corpo situado nas proximidades do
móvel, o movimento relativo deste, em relação ao esse corpo de sua proximidade que
sofreu a força, é alterado. Pois se, no mesmo instante em que o corpo usado como
referência sofrer a impressão de uma força e o corpo móvel sofrer também uma força, é
possível que o estado de movimento relativo não seja alterado.
Em função dessa diferença, o movimento circular ganhará um estatuto
diferenciado na física newtoniana. Tal fato ocorrerá porque, um corpo, sob ação de um
movimento circular, estará submetido à ação de uma força que, segundo Newton,
permite diferenciar seu movimento absoluto do movimento relativo, diferença essa que
residirá, conforme veremos a seguir, nas diferenças dos efeitos produzidos sobre o
corpo quando em movimento relativo e quando em movimento em relação ao espaço
absoluto. Tal fato se dá porque, ao ser submetido à rotação, o objeto, em sua tendência
de manter seu estado de movimento (tendência a se afastar de seu eixo de movimento),
muda seu lugar em relação aos demais, fato que não se daria para corpos
verdadeiramente em repouso. Newton tem o movimento circular, e seus efeitos, como
um poderoso fator de verificação da natureza, ou essência, dos movimentos verdadeiros.
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não só em relação às águas, mas também em relação ao espaço absoluto. Mas ela sente
algo: uma sensação “estranha” parece querer “empurrá-la em sentido oposto ao que o
barco executa sua curva”. Algo como o que sentimos quando um carro faz uma curva.
Por outro lado, façamos similar análise para a situação em que o barco permanece
parado em relação às águas e a pessoa se levanta e começa andar em curvas dentro do
barco. O que ela sente? Nada! A sensação “estranha” da outra situação não surge aqui. A
diferença, conclui-se, é que na segunda situação a pessoa muda sua posição relação em
relação ao espaço absoluto independentemente do barco. No primeiro caso, a pessoa
também adquire movimento em relação ao espaço absoluto, mas esse é obtido porque é
o barco que adquire movimento em relação ao espaço absoluto e é esse movimento,
somado ao movimento da pessoa em relação ao barco, que resulta em ser seu
movimento verdadeiro.
Do exposto anterior, segue que a obtenção do movimento verdadeiro pode ser
obtido a partir de uma composição de movimentos relativos (os que são observados na
Terra) com o movimento em relação ao espaço absoluto e que tal diferenciação entre
movimentos absolutos e relativos pode ser feita tendo-se, como base, os efeitos
provocados pela rotação.
Newton já havia percebido isso com relação ao movimento da Terra. Estando na
Terra, não temos como perceber que ela está em movimento em relação ao espaço
absoluto, mas, afirma ele, o achatamento de seus pólos é um indício dessa rotação. Se a
Terra estivesse em repouso em relação ao espaço absoluto, então não deveria haver tal
achatamento. Conclui-se que os efeitos produzidos em movimentos retilíneos e
circulares permitem, infere Newton, dizer se um corpo possui movimento verdadeiro ou
não.
Newton, entretanto, não se limitará a evocar a ação divina. Como representante
da “nova filosofia”, proporá um experimento que, segundo ele, pode constituir uma
prova empírica, ou pelo menos uma demonstração, da existência desse espaço absoluto,
o experimento do Balde.
Um balde, cheio de água é suspenso por um fio, que é torcido lentamente. Nesse
momento, a água está em repouso em relação ao balde. Quando o balde é posto a girar
após o fio ter sido torcido, todo seu movimento é relativo (por essa razão ele afirma esse
movimento ser máximo). A água dentro do balde, ainda não tendo recebido seu
movimento, permanece com sua superfície plana (o movimento relativo do balde é
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máximo, pois a água se encontra parada em relação a ele). Com o tempo, ela começa a
girar e inicia-se dentro dela a tendência de se acumular nas laterais do balde, formando
uma curva em sua superfície, que terá sua concavidade tanto mais acentuada quanto
mais rapidamente a água gira.
Mas quanto mais rapidamente girar a água em relação a quê? O máximo de
acúmulo de água no balde dar-se-á quando a água atingir a mesma velocidade de giro
que o balde, porém, nesse instante, seu movimento relativo em relação a esse mesmo
balde atingirá seu valor mínimo (zero), pois as velocidades da água e do balde se
igualam.
A questão que vai mover a discussão newtoniana do problema do balde é a
seguinte: quando apenas o balde girava (a água ainda estava em repouso), o movimento
relativo era máximo. Depois de um tempo, a água iguala sua velocidade à do balde e,
portanto, a velocidade relativa se anula. Nos dois casos, entretanto, ambos estão sem
aceleração com relação à Terra e as estrelas fixas, visto que a Terra pode ser considerada
um referencial inercial com boa aproximação (em função de sua pequena aceleração
centrípeta de rotação, que decorre do raio terrestre ser elevado. Lembremos que curvas
de raio muito grande se comportam localmente como se fossem retas). Se isso ocorre,
por que na primeira situação a água está plana e na segunda descreve a curva? O que
explica essa diferença? Newton, como veremos, creditará essa diferença à existência de
um movimento em relação ao espaço absoluto. A análise newtoniana passará por três
possíveis candidatos: o balde, a Terra e o céu das estrelas fixas.
Se supusermos o movimento da água em relação ao balde, descartaremos essa
hipótese prontamente, pois tanto na primeira situação (balde e água estão em repouso
relativo), quanto na segunda (balde e água estão girando com a mesma velocidade),
ambos estão em repouso relativo.
Mas e se a diferença do comportamento da água for creditada ao seu movimento
em relação à Terra? Há uma diferença, pois na segunda situação, a água se movimenta
em relação à Terra, fato que não ocorre na primeira. Newton, porém, mostrará,
recorrendo ao Teorema 30 2 que em ambos os casos, a única força que atua sobre a água
2
“(...) afirmo que um corpúsculo localizado fora da superfície esférica é atraído em direção ao centro da
esfera como uma força inversamente proporcional ao quadrado de sua distância até este centro.”
(Newton, 1990: 222)
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continua sendo a força peso, que é incapaz de empurrar a água lateralmente em direção
às paredes do balde.
Finalmente, o último candidato é o céu das estrelas fixas. Mas também não é o
caso, pois se considerarmos o espaço isotrópico, ou seja, uniforme em sua composição
em todas as direções do espaço, a soma da ação das forças gravitacionais que atuam
sobre o balde e a água, devido à ação dos corpos que compõem o céu das estrelas fixas,
é nula (Teorema 30) 3 . Não existe, portanto, diferença entre a primeira e a segunda
situação sob esse ponto de vista. André Assis, afirma que “uma conseqüência importante
disto é que mesmo que as estrelas fixas e as galáxias desaparecessem (fossem
literalmente aniquiladas do Universo) ou dobrassem de número e massa, isto não iria
alterar a concavidade da água nesta experiência do balde. Elas não têm nenhuma relação
com esta concavidade, pelo menos de acordo com a mecânica newtoniana.” (Assis,
2002: 32)
Esgotadas as três possibilidades, o que resta a Newton afirmar sobre o agente
responsável pela concavidade da água no segundo caso? Sua solução é atribuir o
aparecimento da concavidade ao movimento que a água possui em relação ao espaço
absoluto. No primeiro caso, como a água está parada, juntamente com o balde (em
relação ao espaço absoluto), sua superfície seria plana. Mas quando o conjunto é posto a
girar e a água progressivamente adquire o movimento do balde, esta ganha movimento
em relação ao espaço absoluto. É a rotação em relação ao espaço absoluto o agente
responsável pelo surgimento da concavidade do movimento da água dentro do balde.
Tal constatação decorre do estatuto dos movimentos circulares em relação aos
movimentos retilíneos. Os primeiros, vimos, geram efeitos que os segundos não
provocam e a análise desses efeitos é um excelente verificador da existência de
movimentos verdadeiros. É fácil entender que, como a água gira dentro do balde na
segunda situação, essa rotação deve provocar um efeito. Mas qual efeito? A curva em
sua superfície, afirma Newton. O surgimento dessa curva na superfície da água será,
portanto, prova de que o balde, na segunda situação, possui movimento verdadeiro e,
em tendo esse movimento, o espaço absoluto existe.
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“Se, para cada ponto de uma superfície esférica tenderem forças centrípetas iguais, que diminuem com
o quadrado das distâncias a partir desses pontos, afirmo que um corpúsculo localizado dentro daquela
superfície não será atraído de maneira alguma por aquelas forças.” (Newton, 1990: 221)
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3. CONCLUSÃO
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