Direitos Das Crianças em Relação Ao Ambiente Digital

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COMENTÁRIO GERAL

N° 25 SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANÇAS


EM RELAÇÃO AO AMBIENTE DIGITAL
VERSÃO COMENTADA
2022

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 1
SUMÁRIO

Introdução 4

Comentário Geral No 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças


em relação ao ambiente digital 25
I. Introdução 26
II. Objetivo 39
III. Princípios gerais 41
A. Não-discriminação 42
B. O melhor interesse da criança 49
C. Direito à vida, à sobrevivência
e ao desenvolvimento 53
D. Respeito pela opinião da criança 61
E. Desenvolvimento progressivo das capacidades 66
IV. Medidas gerais de implementação
pelos Estados Partes 72
A. Legislação 73
B. Políticas e estratégias abrangentes 75
C. Coordenação 80
D. Alocação de recursos 82
E. Coleta de dados e pesquisa 85
F. Monitoramento independente 87
G. Difusão de informação, conscientização
e treinamento 88
H. Cooperação com a sociedade civil 92
I. Direitos das crianças e o setor empresarial 93
J. Publicidade comercial e marketing 103
K. Acesso à justiça e medidas de reparação 111
V. Direitos e liberdades civis 123
A. Acesso à informação 123
B. Liberdade de expressão 138
C. Liberdade de pensamento, consciência e religião 143
D. Liberdade de associação e reunião pacífica 146
E. Direito à privacidade 150
F. Registro de nascimento e direito à identidade 172
VI. Violência contra crianças 175
VII. Ambiente familiar e cuidados alternativos 183

2
VIII. Crianças com deficiência 193
IX. Saúde e bem-estar 201
X. Educação, lazer e atividades culturais 211
A. Direito à educação 211
B. Direito à cultura, ao lazer e ao brincar 225
XI. Medidas especiais de proteção 234
A. Proteção contra exploração econômica, sexual
e outras formas de exploração 234
B. Administração da justiça juvenil 242
C. Proteção de crianças em conflitos armados,
crianças migrantes e crianças em outras situações
de vulnerabilidade 251
XII. Cooperação internacional e regional 255
XIII. Difusão 258
INTRODUÇÃO
Na introdução de sua célebre obra “A Sociedade em Rede”, o
sociólogo espanhol Manuel Castells afirma que “a tecnologia é a
sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou represen-
tada sem suas ferramentas tecnológicas.1” De fato, parece ilusó-
rio buscar a compreensão da organização e das dinâmicas so-
ciais sem que se debruce sobre as tecnologias que as permeiam,
sobretudo em se tratando de um contexto, como é o que se
coloca no mundo contemporâneo, no qual tecnologias digitais
impõem-se no cotidiano de grande parte da população global,
tornando-se praticamente onipresentes.
O crescente poderio econômico das ‘Big Techs’2, a hiper-digi-
talização de grande parte das interações sociais no contexto da
pandemia do coronavírus, o exponencial aumento do número de
cidadãos munidos de smartphones3 - diversos são os sinais que
tornam evidente que as tecnologias digitais, sobretudo as de
informação e comunicação, entranham-se de maneira cada vez
mais intensa às vidas dos indivíduos, inclusive - ou, quem sabe,
principalmente - da atual geração de crianças e adolescentes,
que, segundo levantamento conduzido pela UNICEF, correspon-
dem a um terço dos usuários da internet no mundo4.
No Brasil, conforme dados da pesquisa TIC Kids Online 2020,
94% das crianças e adolescentes de 10 a 15 anos utilizam a in-
ternet, sendo que, em 2020, 89% deles valeram-se dela para
atividades e pesquisas escolares, enquanto que 51% a utilizaram
para ler jornais, revistas ou notícias5. Não se ignora, é claro, os
enormes índices de exclusão digital que, lamentavelmente, ainda

1 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Paz e Terra, 6ª ed., 2002, p. 43


2 LEAL, Kariny. Big Techs superam estimativas de balanços e consolidam
crescimento durante a pandemia. Forbes. Disponível em: <https://forbes.com.br/
forbes-money/2021/04/big-techs-superam-estimativas-de-balancos-e-consolidam-
crescimento-durante-a-pandemia/> (acesso em 03.02.2022)
3 Tiinside. Gartner: vendas globais de smartphones aumentaram 10,8% no se-
gundo trimestre de 2021. Disponível em: <https://tiinside.com.br/14/09/2021/
gartner-vendas-globais-de-smartphones-aumentaram-108-no-se-
gundo-trimestre-de-2021/#:~:text=Not%C3%ADcias-,Gartner%3A%20vendas%20
globais%20de%20smartphones%20aumentaram%2010%2C8%25,no%20segundo%20
trimestre%20de%202021&text=As%20vendas%20globais%20de%20smartphones,a-
cordo%20com%20pesquisa%20do%20Gartner.> (acesso em 03.02.2022)
4 UNICEF. Make the digital world safer for children – while increasing online access
to benefit the most disadvantaged. Disponível em: <https://www.unicef.org/press-
releases/unicef-make-digital-world-safer-children-while-increasing-online-access-
benefit-most#:~:text=NEW%20YORK%2C%2011%20December%202017,annual%20
flagship%20report%20released%20today>. (acesso em 03.02.2022)
5 Nic.br e Cetic.br. Tic Kids Online Brasil 2020. Disponível em: <https://cetic.br/media/
docs/publicacoes/2/20211125083634/tic_kids_online_2020_livro_eletronico.pdf>
(acesso em 03.02.2022)

Introdução 5
atingem a realidade de muitas das crianças e adolescentes no
Brasil, bem como o fato de que grande parte desses indivíduos
só conseguem acessar a Internet de forma precária (através
de telefone celular, por exemplo)6. Porém, seja no contexto na-
cional, seja no plano internacional, não restam dúvidas de que
grande parte das crianças e adolescentes, pessoas dotadas de
características bastante particulares em razão do peculiar está-
gio de desenvolvimento que se encontram, interagem com as
tecnologias digitais cotidianamente e as têm como parte inte-
grante de suas vidas.
Esse cenário, porém, não é desacompanhado de riscos. Pelo
contrário, a utilização massiva da internet por crianças e adoles-
centes desperta preocupações de diversas ordens no que diz
respeito aos impactos em sua saúde, privacidade, desenvolvi-
mento e segurança, muitas das quais sequer seriam imagináveis
em um mundo anterior à expansão das tecnologias de informa-
ção e comunicação. Muitas vezes, esses impactos decorrem do
próprio modelo de negócios das grandes corporações que de-
senvolvem e oferecem ao público essas tecnologias, um modelo
baseado na coleta massiva de dados pessoais e exploração des-
ses dados para fins comerciais diversos, como o direcionamento
de publicidade e a criação de perfis comportamentais para aná-
lises preditivas.
Exemplos alarmantes desses riscos não faltam. Um levan-
tamento da organização Reset Australia, conduzido em 2021,
mostrou ser possível direcionar anúncios promotores de bebidas
alcoólicas, fumígenos e emagrecimento excessivo a adolescen-
tes em rede social muito utilizada pelos jovens7 - o que depois
viria a ser corroborado pelo depoimento de Frances Haugen no
Senado americano8. Já em 2017, cerca de 2 milhões de mães,
pais, responsáveis e crianças tiveram gravações de suas vozes

6 Para dados relativos à exclusão digital e qualidade do acesso à internet, ver a


pesquisa TIC Domicílios 2020. Disponível em: https://www.cetic.br/pt/publicacao/
pesquisa-sobre-o-uso-das-tecnologias-de-informacao-e-comunicacao-nos-
domicilios-brasileiros-tic-domicilios-2020/. Acesso em 14.02.2022
7 FARTHING, Rys. MCINTOSH, Alexandra. WILLIAMS, Dylan. Profiling children for
advertising: Facebook’s monetisation of young people’s personal data. Disponível
em: <https://au.reset.tech/uploads/resettechaustralia_profiling-children-for-
advertising-1.pdf> (acesso em 03.02.2022)
8 Huggins, Katharine. Facebook whistleblower says the company ‘intentionally misled
the public’.Medill News Serive. Disponível em: <https://dc.medill.northwestern.edu/
blog/2021/10/05/facebook-whistleblower-says-the-company-intentionally-misled-
-the-public/#sthash.ZACGwsi8.dpbs> (acesso em 03.02.2022)

Introdução 6
deixadas públicas por uma empresa norte-americana9 fabricante
de bichos de pelúcia conectados à Internet, junto a 800 mil da-
dos cadastrais dos clientes.
Por outro lado, destaca-se que o acesso às tecnologias di-
gitais constitui-se como um direito social e de aprendizagem
amparado por vários marcos legais na política educacional. Uma
educação de qualidade para todos prepara os estudantes para
viver e usufruir das oportunidades do seu tempo, e atualmente o
acesso a computadores e equipamentos conectados à internet é
material escolar básico para que estudantes possam aprender e
adquirir habilidades essenciais para o exercício da cidadania no
século XXI. O acesso às tecnologias digitais é pré-requisito para
que crianças e adolescentes usufruam de uma série de direitos e
oportunidades que ampliam as suas vozes, aprendizados, poten-
cialidades e participação social.
Alguns exemplos de oportunidades que as tecnologias digi-
tais oferecem são o acesso a fontes infindáveis de informação
antes restritos ao ambiente escolar e às bibliotecas; possibili-
dades de expressão de suas culturas, brincadeiras, criações e
opiniões; a possibilidade de educar-se à distância mesmo em
contextos como o de uma pandemia; a conexão com amigos e
familiares que residem em outros locais; o acesso a bens cultu-
rais e serviços públicos. Ainda, as tecnologias da informação e
comunicação permitem que situações de desigualdade possam
ser mitigadas pelo acesso à internet. Em 2017, a UNICEF divul-
gou o relatório “Children in a Digital World”, segundo o qual no-
vas tecnologias e o acesso à internet têm um papel fundamental
no desenvolvimento da educação, possibilitando que ela chegue
em áreas remotas, capacite professores e permita o uso de ma-
teriais pedagógicos que não seriam possíveis sem a internet. Os
benefícios das tecnologias digitais para crianças e adolescentes
são, portanto, inúmeros, o que, por si só, deve servir para afastar
qualquer concepção que busque privá-los por completo da con-
vivência com elas.
Coloca-se, desta forma, um desafio a todos os agentes res-
ponsáveis pela proteção das crianças e dos adolescentes - no
Brasil, famílias, Estado e toda sociedade, incluindo empre-
sas, conforme o art. 227 da Constituição Federal: garantir a

9 FRANCESCHI-BICCHIERAI, Lorenzo. Motherboard. Internet of Things Teddy Bear


Leaked 2 Million Parent and Kids Message Recordings. Disponível em
<https://motherboard.vice.com/en_us/article/pgwean/internet-of-things-teddy-bear-
-leaked-2-million-parent-and-kids-message-recordings>. Acesso em 03.02.2022.

Introdução 7
preservação dos seus direitos frente aos desafios trazidos pelas
tecnologias digitais, e ao mesmo tempo assegurar o seu acesso
às potencialidades e aos benefícios dessas tecnologias. Trata-se
de tarefa complexa e cuja realização passa, impreterivelmente,
não apenas pela educação das crianças e adolescentes para o
uso seguro e adequado das tecnologias digitais, mas também
pela adequação dessas tecnologias aos seus direitos e interes-
ses, garantindo-se direitos das crianças e adolescentes por de-
sign10 e aplicando-se no mundo online todas as leis protetivas
já existentes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o
Código de Defesa do Consumidor, a Lei Geral de Proteção de
Dados Pessoais e a própria Convenção da ONU sobre os Direitos
da Criança.
Assim, os movimentos políticos e sociais que se propõem a
alterar a realidade e clamar por direitos para grupos vulneráveis
não devem encarar a tecnologia digital com passividade, como
se algo neutro e dissociado da realidade sociopolítico-econômi-
ca fosse, mas sim reivindicá-la e buscar que se conforme a suas
demandas e necessidades, ainda que em oposição aos inte-
resses dos agentes econômicos e político-institucionais que as
controlam. Nas palavras de Castells, “a tecnologia (ou sua falta)
incorpora a capacidade de transformação das sociedades, bem
como os usos que as sociedades, sempre em um processo con-
flituoso, decidem dar ao seu potencial tecnológico” 11. O ambien-
te digital é, portanto, um ambiente de disputa, cuja regulação
é imprescindível para a garantia dos direitos das crianças e dos
adolescentes que nele navegam.
A proteção aos direitos e interesses das crianças e adoles-
centes tem como um de seus principais alicerces normativos
a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, de 1989.
Cuida-se do tratado internacional mais ratificado mundialmen-
te, um consenso de 196 países e que foi incorporado ao orde-
namento jurídico brasileiro já em 1990. A Convenção trouxe em
si uma série de disposições no sentido de reforçar a legislação
nacional e garantir às crianças e adolescentes proteção especial
em razão de seu peculiar estágio de desenvolvimento, reconhe-
cendo-os, de maneira revolucionária, como sujeitos plenos de
direitos, cujo melhor interesse deve ser levado em conta como

10 HARTUNG, Pedro. Children’s rights-by-design: a new standard for data use by tech
companies. Disponível em: https://www.unicef.org/globalinsight/reports/childrens-ri-
ghts-design-new-standard-data-use-tech-companies. Acesso em 14.02.2022
11 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Paz e Terra, 6ª ed., 2002, p. 44

Introdução 8
consideração primordial em todas as decisões que lhes digam
respeito (art. 3, parágrafo 1 da Convenção). Importante que se
tenha claro que a Convenção sobre os Direitos da Criança, em
sendo tratado internacional de direitos humanos incorporado ao
ordenamento jurídico brasileiro sem o quórum qualificado pre-
visto no art. 5º, §3º da Constituição Federal, tem caráter suprale-
gal e infraconstitucional, conforme entendimento do Supremo
Tribunal Federal (STF)12. Dessa forma, não pode ser tratada
como mero conjunto de orientações ou normas secundárias no
ordenamento brasileiro, mas sim como instrumento normativo
que deve, portanto, ser plena e estritamente observado pelos
sujeitos aos quais se destina, encontrando-se em hierarquia su-
perior, inclusive, à própria legislação ordinária.
A partir da necessidade de aplicação da Convenção sobre os
Direitos da Criança na realidade do mundo digitalizado é que foi
produzido, pelo Comitê dos Direitos da Criança da ONU, o seu
Comentário Geral n° 25. O documento - que sucede outros 24
Comentários Gerais produzidos pelo Comitê, os quais também
aprofundam conceitos e entendimentos da Convenção sobre
temas específicos13 - detalha normativamente a forma como a
Convenção se aplica e deve ser interpretada em relação ao am-
biente digital, especificando a que correspondem, exatamente,
os direitos e melhor interesse das crianças e adolescentes frente
às particularidades, ameaças e potencialidades desse ambiente.
A elaboração do documento teve início em 2014, mas foi no
ano de 2019 que o Comitê convidou todos os interessados a co-
laborarem com uma nota conceitual. Nessa etapa, recebeu 136
submissões, das quais 29 vieram de Estados Partes; 5 de orga-
nizações regionais e agências ligadas à ONU; 7 de instituições
nacionais de Direitos Humanos e de Comissários; 5 de grupos de
crianças e adolescentes; e 90 de organizações da sociedade ci-
vil. Foram consultadas, ainda, 709 crianças e jovens de 28 países
diferentes, inclusive no Brasil14.
Como se nota, o processo de elaboração do Comentário
Geral nº 25 contou com ampla participação social. Estados, ins-
tituições privadas, especialistas e acadêmicos, organizações da
12 STF. Recurso Extraordinário 466.343-SP. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em 09.03.2022
13 Disponíveis em: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/
TBSearch.aspx?Lang=en&TreatyID=5&DocTypeID=11. Acesso em 14.02.2022
14 5Rights Foundation. Our rights in a digital world. Disponível em: https://5rightsfoun-
dation.com/uploads/Our%20Rights%20in%20a%20Digital%20World.pdf. Acesso em
14.02.2022

Introdução 9
sociedade civil, agências e Comissionários da ONU, grupos de
crianças e adolescentes e indivíduos interessados no tema pu-
deram contribuir para a elaboração de um documento final que
mapeia, de maneira bastante ampla, os riscos e oportunidades
oferecidos pelas tecnologias digitais e as medidas a serem ado-
tadas pelos Estados para abordar e mitigar esses riscos e garan-
tir às crianças e adolescentes a fruição dessas oportunidades.
Mais ainda, o documento traz em si importantíssimas dire-
trizes voltadas ao setor empresarial e sua devida fiscalização
por parte das autoridades estatais competentes no sentido de
garantir que suas atividades no ambiente digital não se tradu-
zam em violações aos direitos das crianças e adolescentes. Fica
nítida a preocupação do Comitê em garantir a proteção desses
indivíduos contra a exploração comercial na internet, trazendo
o Comentário diversas disposições que fomentam a adoção de
medidas para garantir, na governança corporativa, no desenvol-
vimento de produtos e serviços e na prestação deles aos usuá-
rios, o melhor interesse da criança e todos os direitos da criança
por design.
O reconhecimento da responsabilidade do setor empresarial
pela garantia dos direitos da infância, aliás, encontra eco no já
mencionado art. 227 da Constituição Federal, nas demais nor-
mas de proteção à infância (arts. 4º, 5º e 71 do ECA) e no dever
de cuidado imposto aos fornecedores de produtos e serviços
pela legislação consumerista (art. 6º, inciso I do CDC) – dever
este que se estende, inclusive, às plataformas digitais, as quais
possuem responsabilidade pela criação de espaços digitais para
crianças e adolescentes livres de exploração comercial, design
persuasivo para engajamento constante e publicidade infantil,
ainda que o conteúdo publicitário seja produzido por terceiros.
Os comandos contidos no Comentário contra a exploração
comercial promovida por empresas no ambiente digital somam-
-se a normas já há muito vigentes no ordenamento jurídico bra-
sileiro que caminham na mesma direção. A consagração pelo
Comentário Geral da proibição da publicidade imersiva e do
uso de dados de crianças e adolescentes para perfilamento e
direcionamento de publicidade comportamental, por exemplo,
deve ser lida de maneira conjugada à proibição geral de toda
forma de publicidade infantil, inclusive no digital, já posta no
Brasil pelos arts. 36, 37, §2º, 39, IV do CDC e Resolução n° 163
do Conanda. Similarmente, os comandos do Comentário rela-
cionados à exploração de crianças enquanto atores econômicos

Introdução 10
no ambiente digital somam-se às normas nacionais que estabe-
lecem que as atividades dos chamados “influenciadores mirins”,
quando menores de 16 anos (art. 403 da CLT), devem sempre
ser precedidas de alvará judicial, que estabelecerá parâmetros
para garantir a conformidade do desempenho dessas atividades
ao melhor interesse desses indivíduos (art. 149, II, ‘a’ do ECA e
art. 8º da Convenção n° 138 da OIT).
Em suma, o Comentário Geral não apenas orienta os
Estados-partes acerca da aplicação da Convenção sobre os
Direitos das Crianças ao ambiente digital como também forne-
ce importantíssimo mapa às empresas que atuam nesse ecos-
sistema para que ajustem-se às exigências do melhor interesse
da criança e cessem com práticas comerciais abusivas como o
uso nocivo de dados pessoais, o emprego de influenciadores
mirins de maneira desregulada para produção de vídeos de
‘unboxing” e direcionamento de publicidade velada ao público
infanto-juvenil, a adoção de padrões de design e produtos e
serviços digitais que não avaliem o impacto de sua utilização
pelas crianças e adolescentes, entre tantas outras. Fornece,
ainda, importante direcionamento a todos os profissionais do
Sistema de Justiça para que se debrucem sobre essas ques-
tões e combatam essas violações.
Trata-se, portanto, de instrumento de relevância absoluta-
mente central à proteção das crianças e adolescentes na inter-
net, que convoca Estados e empresas da área de tecnologia a
adotarem medidas concretas em prol desses indivíduos. Nas
palavras de Shoshana Zuboff, em evento de lançamento do
Comentário Geral organizado pela 5Rights Foundation:

“O Comentário Geral também é um documento inovador


porque, pela primeira vez, transfere a responsabilidade
primária de indivíduos para instituições, de crianças e
pais para governos e empresas, e capacita os legislado-
res com um mapa detalhado das ameaças existenciais e
as ações práticas para vencer essas ameaças” 15 .

Destaca-se que o Comentário Geral n° 25 encontra respal-


do no poder normativo concedido ao Comitê sobre os Direitos
da Criança da ONU - órgão oficial ligado à Convenção e aos

15 A fala completa de Shoshana Zuboff no evento encontra-se disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=4pLkriRv7iw. Acesso em 03.02.2021

Introdução 11
mecanismos de tratados no direito internacional público. Assim
como os demais Comentários Gerais prolatados pelo Comitê,
o Comentário Geral n° 25 veicula recomendações formais aos
Estados que devem ser por eles observadas, vez que têm a fun-
ção precípua de dar a interpretação adequada à Convenção
sobre os Direitos das Crianças - de caráter vinculante - frente a
novas realidades, dando concretude ao princípio do melhor inte-
resse em contextos emergentes.
O documento está estruturado em 20 páginas, 14 tópicos e
125 parágrafos, ao longo dos quais o Comitê traz disposições so-
bre temas como direitos e liberdades civis das crianças no am-
biente digital, princípios estruturantes para implementação dos
direitos previstos no Comentário, educação digital e tecnologia,
violência e discriminação nas redes, entre outros.
Nesta publicação, fruto de parceria entre o Instituto Alana
e o Ministério Público do Estado de São Paulo, além do texto
integral do Comentário Geral nº 25 (páginas com fundo cinza),
localizam-se comentários que visam explicar e aprofundar, de
maneira acessível, os conceitos contidos no documento (páginas
com fundo branco), bem como relacioná-los à realidade e ao
ordenamento jurídico brasileiro para apoiar sua compreensão e
facilitar para que as autoridades responsáveis no Brasil, como o
próprio Ministério Público, promovam sua difusão e aplicação,
reforçando leis e entendimentos nacionais já existentes, como
a abusividade e ilegalidade da publicidade dirigida às crianças
também no ambiente digital ou a necessidade de garantia
de privacidade e proteção dos dados pessoais de crianças e
adolescentes16 e sua exploração comercial.
Cabe um alerta: o texto do Comentário e o resumo esque-
mático que aqui o acompanha foram escritos tendo por base o
conceito de criança da Convenção sobre os Direitos da Criança
da ONU, que define como criança “todo ser humano com menos
de 18 anos de idade”. Assim, a palavra ´crianças´, para os fins
dispostos no Comentário, deve ser compreendida como “crian-
ças e adolescentes”, ou seja, entendidas as primeiras como pes-
soas com até 12 anos de idade e os segundos como indivíduos
com idade entre 12 e 18 anos (art. 2º do Estatuto da Criança e

16 BYRNE, Jasmina Byrne,DAY, Emma, RAFTREE, Linda. The Case for Better
Governance of Children’s Data: A Manifesto. Disponível em: https://
www.unicef.org/globalinsight/reports/better-governance-childrens-data-
manifesto#:~:text=UNICEF%20has%20worked%20with%2017,needs%20and%20
rights%20of%20children. Acesso em 14.02.2022

Introdução 12
Adolescente). Acompanha o documento principal, ainda, um
resumo esquemático das principais disposições do Comentário
e os seus efeitos sobre os direitos das crianças e adolescentes.
Espera-se que esta versão comentada auxilie todos aqueles
que se interessam pela construção de um ambiente digital mais
seguro e cidadão para crianças, adolescentes e suas famílias a
apropriarem-se do conteúdo deste tão importante instrumento
normativo e, a partir disso, mobilizar-se para garantir a sua im-
plementação pelas famílias, sociedade – incluindo empresas –,
e o próprio Estado e suas instituições. O ambiente digital não é
um território sem leis, e cabe a todos assegurar que, do proces-
so dialógico pela sua construção, resulte um futuro digital res-
peitoso, frutífero e seguro para todas as crianças e adolescentes,
para que elas sejam protegidas na internet e não da internet –
um espaço tão importante para o desenvolvimento de suas ca-
pacidades e potencialidades.

Boa leitura!

Introdução 13
RESUMO
ESQUEMÁTICO

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 14
Nesta seção, é apresentado um panorama geral das ações, direi-
tos e oportunidades apontados pelo Comitê para a garantia da
proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital.

As diretrizes retratadas no Comentário Geral destinam-se a


Estados Partes e empresas, devendo ser aplicadas em diferentes
níveis, temas e esferas para que se garanta a defesa dos direitos
digitais de crianças e adolescentes.

1) Princípios Gerais
O Comentário Geral nº 25 apresenta quatro princípios gerais
que servem como guia na implementação dos direitos previstos
na Convenção sobre o Direito das Crianças.

A. Não-discriminação
Todas as crianças devem receber acesso igual e efetivo ao am-
biente digital, inclusive com superação da exclusão digital, evi-
tando-se qualquer forma de discriminação.

B. O melhor interesse da criança


Conceito dinâmico e que requer avaliação adequada ao contex-
to. Todas as ações de fornecimento, regulação, design, gestão e
uso das tecnologias digitais devem considerar o melhor interes-
se da criança, considerando ainda a sua opinião.

C. Direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento


O uso de dispositivos digitais pode ser prejudicial para o desen-
volvimento da criança. Estados Partes devem identificar e abor-
dar os riscos emergentes que as crianças enfrentam em diversos
contextos, inclusive ouvindo suas opiniões sobre a natureza dos
riscos particulares.

D. Respeito pela opinião da criança


O ponto de vista das crianças deve ser considerado desde o de-
senvolvimento de produtos e serviços até a projetos legislativos.
As crianças devem poder expressar suas opiniões no ambiente
digital em nível local, nacional e internacional.

E. Desenvolvimento progressivo das capacidades


O desenvolvimento progressivo das capacidades da crian-
ça trata do processo de aquisição gradual de competências,

Resumo Esquemático 15
compreensão e agência da criança. As medidas de proteção,
assim como os serviços digitais, devem ser adequados ao de-
senvolvimento progressivo das capacidades das crianças.

2) Direito das crianças e o setor empresarial


Ao integrarem o ambiente digital, as crianças entram em conta-
to com produtos e serviços, construindo relações com empresas
e instituições privadas em geral, as quais são também respon-
sáveis pelas crianças usuárias diretas ou indiretas de seus pro-
dutos ou serviços (art. 227 da Constituição Federal e art. 71 do
Estatuto da Criança e do Adolescente). O ordenamento jurídico
brasileiro consagra o dever de cuidado das empresas fornece-
doras de produtos e serviços no ambiente digital frente às crian-
ças, seja no âmbito do direito do consumidor (art. 6º, I do CDC),
seja no âmbito das normas de proteção à infância (art. 227 CF e
arts. 4º, 5º e 71 do ECA), vinculando-as, assim, ao provimento de
espaços digitais livres de exploração comercial e outras formas
de violação dos direitos da criança.

A. Responsabilidades
As empresas devem respeitar os direitos das crianças e preve-
nir e remediar o abuso de seus direitos em relação ao ambiente
digital. Estados Partes e suas instituições têm a obrigação de
assegurar que as empresas cumpram essas responsabilidades.

B. Obrigações
As empresas devem impedir que suas redes ou serviços online
sejam utilizados de forma a causar ou contribuir para violações
ou abusos dos direitos das crianças, incluindo seus direitos à pri-
vacidade e proteção.

C. Vedação à exploração comercial


As empresas devem abster-se de exploração econômica ou
comercial de crianças e adolescentes a partir de seus dados
pessoais em suas redes, produtos ou serviços, garantindo am-
bientes digitais livres de publicidade segmentada ou comporta-
mental dirigida ao público infanto-juvenil.

D. Design protetivo
Embora as empresas possam não estar diretamente envolvi-
das na perpetração de atos prejudiciais, elas podem causar ou

Resumo Esquemático 16
contribuir para violações do direito das crianças. O design no fun-
cionamento de serviços digitais deve respeitar os seus direitos.

E. Avaliação de Impacto
As empresas devem realizar diligências e avaliação de impacto
nos direitos da criança, promovendo a divulgação ao público. Os
abusos das empresas em relação aos direitos das crianças de-
vem ser prevenidos, monitorados, investigados e punidos.

F. Ética e acessibilidade
Todas as empresas que afetam os direitos das crianças em re-
lação ao ambiente digital devem implementar marcos regulató-
rios, códigos industriais e termos de serviços que obedeçam aos
mais altos padrões de ética, privacidade e segurança em relação
ao design, engenharia, desenvolvimento, operação, distribuição
e comercialização de seus produtos e serviços. Exige-se que as
explicações sobre os serviços e seus termos sejam apropriados
à idade das crianças, ou às mães, pais e cuidadores de crianças
muito pequenas.

G. Consentimento
Quando o consentimento for solicitado para tratar os dados de
uma criança, deve ser informado e dado livremente por ela ou,
dependendo da sua idade e de seu desenvolvimento progres-
sivo, por seu responsável, e obtido antes do tratamento desses
dados. Exige-se que as organizações que realizam o tratamento
verifiquem se o consentimento é informado e dado pelo respon-
sável e atende ao melhor interesse da criança.

H. Tratamento de dados
As crianças e/ou seus responsáveis legais têm o direito de retirar
seu consentimento e se opor ao processamento de dados pes-
soais quando o controlador de dados não demonstrar motivos
legítimos e superiores para o tratamento. Estes operadores de-
vem também fornecer informações às crianças e seus responsá-
veis sobre esses assuntos, em linguagem amigável e em forma-
tos acessíveis. Qualquer interferência na privacidade de crianças
deve necessariamente observar o seu melhor interesse.

I. Vigilância
Qualquer vigilância digital de crianças, associada a qualquer
processamento automatizado de dados pessoais, deve respeitar

Resumo Esquemático 17
o direito da criança à privacidade e não deve ser realizada in-
discriminadamente ou sem o conhecimento da criança ou seus
responsáveis. Deve-se garantir direito de objeção, além de ser
considerado o meio menos invasivo à privacidade disponível
para cumprir o propósito desejado.

3) Publicidade digital
O Comentário Geral n° 25 traz disposições específicas sobre a
publicidade digital, que reforçam a proibição geral de toda for-
ma de publicidade direcionada a crianças e da publicidade com-
portamental direcionada a crianças e adolescentes, protegendo-
-as contra a exploração comercial (arts. 37, §2º e 39 inciso IV do
Código de Defesa do Consumidor, art. 5º do Estatuto da Criança
e do Adolescente, art. 5º do Marco Legal da Primeira Infância e
Resolução n° 163 do Conanda).

A. Conteúdo comercial e melhor interesse


O melhor interesse da criança deve ser o fio condutor também
da regulação da publicidade digital, sobrepondo-se, inclusive,
aos interesses econômicos das empresas, reforçando a ilegalida-
de da publicidade infantil digital no Brasil. Além disso, a busca
automatizada e a filtragem de informações, incluindo sistemas
de recomendação, não podem priorizar conteúdos pagos com
motivação comercial sobre as escolhas das crianças e adoles-
centes ou às custas do seu direito à informação.

B. Identificação publicitária
Patrocínio, product placement e todas as outras formas de con-
teúdo comercial devem ser claramente distinguidas de todos os
outros conteúdos e não devem perpetuar estereótipos de gêne-
ro ou raciais.

C. Perfilamento e neuromarketing
As práticas de direcionamento de publicidade com base em
registro digital das características reais ou inferidas de uma
criança ou adolescente devem ser proibidas em absoluto.
Neuromarketing, análise emocional, publicidade imersiva e pu-
blicidade em ambientes de realidade virtual e aumentada para
promover produtos, aplicações e serviços, também devem ser
proibidos de se envolver direta ou indiretamente com crianças
ou adolescentes.

Resumo Esquemático 18
4) Direito das crianças e Poder Judiciário
A informatização do sistema de justiça pode representar opor-
tunidades e ameaças aos direitos das crianças. Garantir acessi-
bilidade e evitar injustiças são algumas das medidas apontadas
como necessárias pelo Comitê.

A. Acesso à justiça
As crianças e adolescentes devem ter garantido e facilitado o
acesso à justiça, para que possam levar ao conhecimento do
judiciário violações aos seus direitos perpetradas no ambiente
digital. Mecanismos judiciais e não-judiciais devem ser apropria-
dos para as peculiaridades e maior vulnerabilidade ínsita à infân-
cia, evitando-se a vitimização secundária da criança em proces-
sos investigativos e judiciais.

B. Informação
Informações adaptadas às necessidades de linguagem dessa
faixa-etária são essenciais. Mecanismos de denúncia e reclama-
ção, serviços e medidas de reparação devem ser comunicados a
crianças, suas mães, pais e cuidadores.

C. Cooperação internacional e uso de ferramentas


tecnológicas para investigação
Dada a atuação sem fronteiras das empresas de tecnologia,
deve-se adotar o uso de tecnologias digitais para facilitar inves-
tigações de crimes contra crianças e adolescentes, inclusive pela
cooperação entre parceiros internacionais.

D. Justiça Juvenil
Crianças podem ser consideradas suspeitas ou acusadas por
terem infringido leis de crimes cibernéticos. Estados Partes de-
vem assegurar que os formuladores de políticas considerem os
efeitos das referidas leis sobre as crianças foquem em preven-
ção e façam todo o esforço para criar e usar alternativas a uma
resposta de justiça criminal ou juvenil.

E. Administração da Justiça e tecnologia


Estados Partes devem assegurar que as tecnologias digitais,
mecanismos de vigilância, como software de reconhecimen-
to facial e perfis de risco que são implantados na prevenção,
investigação e acusação de delitos não sejam utilizados para
atingir injustamente crianças a quem se atribui a prática de atos

Resumo Esquemático 19
ilícitos e não sejam utilizados de maneira que viole seus direi-
tos. Quando as crianças são privadas de sua liberdade, Estados
Partes devem proporcionar contato presencial para facilitar a
capacidade das crianças de se envolverem de forma significativa
com os tribunais e com a sua reabilitação.

5) Direitos e liberdades civis


As crianças são titulares de direitos humanos para proteção de
sua dignidade, bem como a direitos inerentes à sua condição de
cidadãs (art. 227 da Constituição Federal e art. 3º do Estatuto
da Criança e do Adolescente). O Comentário Geral n° 25 busca
explicitar como esses direitos podem ser violados e as ações de
prevenção e reparação adequadas.

A. Acesso à informação
O ambiente digital representa uma oportunidade única informa-
cional, comunicacional e de aprendizagem. Crianças devem ter
garantido o acesso à informação de qualidade, independente e
isenta de restrições, interferências ideológicas, políticas ou co-
merciais. Crianças não podem sofrer restrição ao uso de dispo-
sitivos de divulgação de informações ou terem obstruída a sua
conectividade com a Internet.

B. Liberdade de Expressão
O direito das crianças à liberdade de expressão inclui a liberda-
de de buscar, receber e difundir informações e ideias de todos
os tipos, utilizando qualquer mídia de sua escolha.

C. Moderação de conteúdo e filtragem de informações


automatizadas
A segurança das crianças pode exigir o uso de filtros de con-
teúdos. Contudo, estes não podem restringir o acesso à infor-
mação, sendo cabível equilibrar a segurança com a liberdade de
expressão e privacidade. Além disso, processos automatizados
de filtragem de informações, perfilamento, marketing e toma-
da de decisões não devem substituir, manipular ou interferir na
capacidade das crianças de formar e expressar suas opiniões no
ambiente digital.

D. Liberdade de pensamento, consciência e religião


Crianças têm direito à liberdade de pensamento, não podendo

Resumo Esquemático 20
sofrer interferências externas na formação de suas crenças, pen-
samento e ideais. Por isso, sistemas automatizados ou sistemas
de filtragem de informações não podem ser usados para afetar
ou influenciar o comportamento ou emoções das crianças ou
para limitar suas oportunidades ou desenvolvimento.

E. Liberdade de associação e reunião pacífica


O ambiente digital tem um enorme potencial de conexão, pos-
sibilitando interações, intercâmbio cultural e maior contato com
a diversidade. Nenhuma restrição pode ser imposta ao exercício
pelas crianças de seu direito à liberdade de associação e reunião
pacífica no ambiente digital, além daquelas que são legais, ne-
cessárias e proporcionais. A participação deve ser segura, priva-
tiva e livre de vigilância por entidades públicas ou privadas.

F. Direito à privacidade
A privacidade é vital para a agência, dignidade e segurança das
crianças e para o exercício de seus direitos. Os dados pessoais
das crianças devem ser processados para oferecer-lhes benefí-
cios educacionais, de saúde e outros. A interferência na priva-
cidade de uma criança só é permitida se não for arbitrária nem
ilegal e destinada a servir a um propósito legítimo, respeitando-
-se o princípio da minimização de dados, proporcionalidade e
melhor interesse da criança, não conflitando com as disposições,
metas ou objetivos da Convenção.

G. Registro de nascimento e direito à identidade


Estados Partes devem promover o uso de sistemas de identifi-
cação digital que permitam que todas as crianças recém-nas-
cidas tenham seu nascimento registrado e oficialmente reco-
nhecido pelas autoridades nacionais, para facilitar o acesso a
serviços, incluindo saúde, educação e bem-estar social.

6) Saúde, educação e atividades culturais


É importante que a interação com o ambiente digital esteja em
equilíbrio com atividades físicas e ao ar livre. A interatividade
online pode representar uma ampliação do bem-estar das crian-
ças, desde que utilizada de maneira saudável.

A. Saúde e bem-estar
Tecnologias digitais podem facilitar o acesso a serviços e

Resumo Esquemático 21
informações de saúde e melhorar os serviços de diagnóstico e
tratamento para a saúde física e mental e nutrição materna, neo-
natal, infantil e adolescente. As crianças devem ter acesso segu-
ro e confidencial a informações e serviços de saúde confiáveis,
incluindo serviços de aconselhamento psicológico, limitando-se
o processamento dos dados das crianças ao necessário para o
desempenho do serviço.

B. Direito à educação
O ambiente digital pode permitir e melhorar significativamente
o acesso das crianças à educação inclusiva de alta qualidade.
Os Estados Partes devem apoiar instituições educacionais a se
apropriarem de recursos de aprendizagem digitais e interativos,
além de promover infraestrutura tecnológica, o que pode ser
valioso para o engajamento das crianças.

C. Literacia Digital
É dever dos Estados Partes assegurar que a literacia digital seja
ensinada nas escolas, como parte dos currículos da educação bá-
sica, desde o nível pré-escolar e durante todos os anos escolares,
e que essas pedagogias sejam avaliadas com base em seus re-
sultados. Devem, ainda, promover a conscientização das crianças
quanto às consequências da exposição e interação online.

D. Direito à cultura, ao lazer e ao brincar


O ambiente digital promove o direito das crianças à cultura, ao
lazer e ao brincar. As crianças devem ter assegurada a opor-
tunidade de usar seu tempo livre para experimentar as tecno-
logias de informação e comunicação, expressar-se e participar
da vida cultural online, o que deve ser equilibrado com o for-
necimento de alternativas atraentes nos locais físicos onde as
crianças vivem.

7) Combate à exploração e violência


O Comentário Geral define que crianças devem ser protegidas
de todas as formas de exploração prejudicial a qualquer aspec-
to de seu bem-estar em relação ao ambiente digital (art. 227
da Constituição Federal e art. 5º do Estatuto da Criança e do
Adolescente). Isso inclui a exploração do trabalho infantil artís-
tico dos chamados influenciadores digitais mirins, o qual deve
sempre ser amparado por alvará judicial, conforme art. 149, II, ‘a’

Resumo Esquemático 22
do ECA e art. 8º da Convenção n° 138 da OIT, e não deve ser uti-
lizado para o direcionamento de publicidade a outras crianças.

A. Crimes digitais
Estados Partes devem assegurar que uma legislação apropriada
esteja em vigor para proteger as crianças dos crimes que ocor-
rem no ambiente digital, incluindo fraude e roubo de identidade,
e alocar recursos suficientes para assegurar que os crimes no
ambiente digital sejam investigados e processados.

B. Violência
Medidas legislativas e administrativas são necessárias para pro-
teger crianças da violência no ambiente digital, incluindo a revi-
são, atualização e aplicação devida de marcos legislativos, regu-
latórios e institucionais robustos que protejam as crianças dos
riscos reconhecidos e emergentes.

C. Crianças como agentes econômicos no ambiente digital


Estados Partes devem revisar leis e garantir políticas relevantes,
inclusive de fiscalização, para assegurar que as crianças sejam
protegidas contra exploração econômica e outras formas de ex-
ploração no ambiente digital e que seus direitos em relação ao
trabalho nesse ambiente sejam protegidos.

8) Direitos das crianças e parentalidade


O ambiente digital também pode ser um desafio para pais, mães
e cuidadores. Cuidar de quem cuida é imprescindível para a pre-
servação dos direitos das crianças e adolescentes.

A. Apoio e formação para pais, mães e cuidadores


Estados Partes devem assegurar que mães, pais e cuidadores
tenham oportunidades para adquirir alfabetização digital, para
aprender como a tecnologia pode apoiar os direitos das crian-
ças e para reconhecer uma criança que é vítima de danos online
e responder adequadamente.

B. Autonomia da criança
Pais e mães devem receber orientação para manterem um equi-
líbrio adequado entre a proteção da criança no ambiente digital
e a sua autonomia emergente, baseando-se na empatia e respei-
to mútuos, ao invés da proibição ou controle.

Resumo Esquemático 23
9) Desigualdade e diversidade
O ambiente digital abre novos caminhos para que crianças com
deficiência ou em situação de vulnerabilidade se envolvam em
relações sociais com seus pares, acessem informações e partici-
pem de processos públicos de tomada de decisão.

A. Eliminação de barreiras
Estados Partes devem buscar caminhos e tomar medidas para
evitar a criação de novas barreiras e para remover as barreiras
existentes enfrentadas por crianças com deficiência em relação
ao ambiente digital.

B. Inovação Tecnológica
A tecnologia tem potencial para representar soluções que
atendam às demandas das pessoas com diferentes tipos de
deficiências. Por isso, é essencial assegurar que os produtos e
serviços digitais sejam projetados para acessibilidade universal,
podendo ser usados por todas as crianças e sem necessidade
de adaptação.

Resumo Esquemático 24
COMENTÁRIO GERAL
N° 25 (2021)
SOBRE OS DIREITOS
DAS CRIANÇAS
EM RELAÇÃO AO
AMBIENTE DIGITAL

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 25
I. Introdução

1. As crianças consultadas para o presente


comentário geral consideram a tecnologia
digital como algo vital para suas vidas e
para seu futuro. “Por meio da tecnologia
digital podemos conseguir informações
de todo o mundo”; “[A tecnologia digital]
me apresentou aos principais aspectos de
como eu me identifico”; “Quando você está
triste, a Internet pode te ajudar a ver algo
que lhe traz alegria”.17

17 “Our Rights in a Digital World” (2021), Resumo Executivo sobre a consulta de crianças
para o presente comentário geral, pp.14 e 22. Disponível em <https://5rightsfoun-
dation.com/uploads/Our%20Rights%20in%20a%20Digital%20World.pdf>. Todas as
referências aos pontos de vista de crianças se referem a esse relatório.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 26
Crianças
A Convenção sobre os Direitos da Criança define “criança”
como todo o ser humano com menos de dezoito anos. No Brasil,
criança é toda pessoa com até doze anos de idade incompletos,
e adolescente aquela com idade entre doze e dezoito anos.
Referência legal: art. 2º, ECA e art. 1º da CRC.

Contexto do presente comentário geral


A pesquisa, realizada pela Western Sidney University com apoio
de dezenas de organizações ao redor do mundo, entrevistou
709 crianças e jovens entre 9 e 22 anos, em 27 países, de 6 con-
tinentes. Entre estes, 52% se identificaram como gênero femini-
no, 40% masculino e 8% escolheu não especificar.

Tecnologia como algo vital para a vida das crianças


Ao inaugurar o Comentário destacando a importância da tecno-
logia nas vidas das crianças e os benefícios que ela traz consigo,
o Comitê se afasta, a priori, de qualquer concepção radical anti-
tecnologia: a ideia, aqui, é proteger as crianças e seus direitos na
internet, não da internet.

Tecnologia e apresentação à própria identidade


Bastante ilustrativo da importância da internet na compreensão
identitária de crianças e adolescentes é um estudo realizado em
Israel em 2015, que reafirmou a importância de fóruns online
destinados ao público LGBTQIA+ no enfrentamento dos desa-
fios pelos quais esses indivíduos passam na sua apreensão de
sua identidade e socialização. Segundo o estudo, adolescentes
que utilizavam mais esses fóruns se tornavam mais interessados
em eventos que aconteciam fora do seu ambiente imediato, em
desenvolver novas ideias e criar novos vínculos, desenvolvendo,
com isso, um senso de comunidade que os ajudava a lidar com os
desafios relacionados à sua identidade nesse momento da vida.
Para ver mais: CSERNI, Robert T, TALMUD, Ilan. To know that
you are not alone: the effect of internet usage on LGBT’s youth
social capital

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 27
2. O ambiente digital está em constante
evolução e expansão, englobando
tecnologias de informação e comunicação,
incluindo redes, conteúdos, serviços
e aplicativos digitais; dispositivos e
ambientes conectados; realidade virtual e
aumentada; inteligência artificial; robótica;
sistemas automatizados, algoritmos e
análise de dados; biometria e tecnologia de
implantes.18

18 Um glossário da terminologia utilizada no presente comentário geral está disponível


no site do Comitê (somente em inglês): <https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/trea-
tybodyexternal/Download.aspx?symbolno=INT%2fCRC%2fINF% 2f9314 & Lang=en>.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 28
Realidade virtual e aumentada
Realidade virtual: simulações de imagens e ambientes geradas
por computador, com as quais é possível interagir, de maneira
aparentemente física ou real, por meio do uso de tecnologias
específicas.
Realidade aumentada: simulação do mundo real com carac-
terísticas alteradas ou elementos adicionados digitalmente.
Normalmente, vale-se de uma tela que permite a sobreposi-
ção desses elementos virtuais com uma imagem ou vídeo da
realidade.
Fonte: Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Glossário oficial
do Comentário Geral n° 25 (vide nota de rodapé n° 2)

Inteligência artificial (IA), sistemas automatizados


e algoritmos
Conceitos que, na prática, relacionam-se intimamente. Processos
automatizados são aqueles feitos por softwares configurados
para tomar decisões e fazer inferências sem o envolvimento
humano. São processos, portanto, que se valem da inteligência
artificial, entendida como o conjunto de técnicas que permitem
que máquinas funcionem autonomamente de maneira análoga
ao próprio pensamento humano, tomando decisões, resolvendo
problemas, identificando padrões, etc. Algoritmos, por fim, são
representações matemáticas das instruções e diretrizes seguidas
por determinada máquina. A utilização de algoritmos permite
que computadores aprendam e realizem inferências por conta
própria a partir do processamento de dados, o que viabiliza uma
série de processos automatizados.
Fontes: Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Glossário oficial
do Comentário Geral n° 25 (vide nota de rodapé n° 2); ELIAS,
Paulo Sá. Algoritmos, inteligência artifical e o direito
Para ver mais: Data Science Brigade. A Diferença Entre
Inteligência Artificial, Machine Learning e Deep Learning;
HENRIQUES, Isabella; HARTUNG, Pedro; PITA, Marina. A
Proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes, in
Tratado de Proteção de Dados Pessoais.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 29
Dados pessoais e dados pessoais de crianças e adolescentes
Dentre os dados analisados e processados maciçamente pelas
tecnologias digitais, localizam-se os dados pessoais, entendi-
dos como informações relacionadas ou relacionáveis a deter-
minada pessoa física (nome, contatos, endereço, voz, etc). No
Brasil, a tutela legal dos dados pessoais concentra-se na Lei
Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), de 2018. No que
diz respeito aos dados pessoais de crianças e adolescentes, a
LGPD traz regras específicas, no art. 14, para seu tratamento
por empresas e outros agentes, condicionando-o à observância
do melhor interesse desses indivíduos. Além disso, em razão
do peculiar estágio de desenvolvimento em que se encontram
os seus titulares, os dados pessoais de crianças e adolescentes
devem ser lidos como dados sensíveis, ou seja, como dados
cuja utilização indevida tem maior potencial de ocasionar da-
nos e discriminação. Por sua natureza, os dados sensíveis têm
hipóteses mais restritas de tratamento em relação aos dados
pessoais não sensíveis.
Referência legal: art. 5º, incisos I e II, 11 e 14 da LGPD
Para ver mais: The Office of Global Insight and Policy - UNICEF.
Manifesto Unicef sobre governança de dados pessoais de
crianças

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 30
Biometria
Segundo o Regulamento Geral de Proteção de Dados europeu,
dados biométricos (ou seja, aqueles obtidos a partir da utiliza-
ção de técnicas de biometria) são “dados pessoais resultantes
de um tratamento técnico específico relativo às características
físicas, fisiológicas ou comportamentais de uma pessoa sin-
gular que permitam ou confirmem a identificação única dessa
pessoa singular, nomeadamente imagens faciais ou dados dac-
tiloscópicos” (tradução livre constante do Guia elaborado pelo
IDEC e InternetLab, indicado na fonte). A coleta e utilização de
dados biométricos por entes públicos e privados já foi alvo de
diversos debates, merecendo destaque a ação judicial proposta
pelo IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor contra
a Concessionária Da Linha 4 Do Metrô De São Paulo S.A. (Via
Quatro) em razão de a segunda ter implantado tecnologias de
reconhecimento facial nas portas de seus trens sem que isso
fosse comunicado aos usuários do metrô.
Fonte: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Reconhecimento Facial e o Setor Privado: Guia para a adoção
de boas práticas. InternetLab/IDEC, São Paulo, 2020, p. 8
Para ver mais: Criança e Consumo. ViaQuatro - Reconhecimento
Facial no metrô de São Paulo

Tecnologia de implantes
Microchips que podem ser implantados nas pessoas para ar-
mazenar, monitorar ou recuperar informações contidas em uma
base de dados externa, tais como identificação pessoal, contato,
ou registros médicos e judiciais. Em países como a Suécia, tem
se tornado comum a implantação de microchips para acesso a
ambientes e transações financeiras.
Fonte: Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Glossário oficial
do Comentário Geral n° 25 (vide nota de rodapé n° 2)
Para ver mais: SAVAGE, Maddy. Milhares de suecos estão
inserindo microchips embaixo de suas peles

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 31
3. O ambiente digital está se tornando
cada vez mais importante na maioria dos
aspectos da vida das crianças, inclusive
em tempos de crise, conforme as funções
sociais, incluindo a educação, os serviços
governamentais e o comércio, dependem
progressivamente das tecnologias digitais.
Isso oferece novas oportunidades para a
concretização dos direitos das crianças,
mas também apresenta riscos para sua
violação ou abuso. Durante as consultas, as
crianças expressaram a opinião de que o
ambiente digital deveria apoiar, promover e
proteger seu engajamento de forma segura
e equitativa: “Gostaríamos que o governo,
empresas de tecnologia e professores nos
ajudassem a gerenciar informações não
confiáveis online”; “Eu gostaria de entender
com clareza o que realmente acontece com
os meus dados... Por que coletá-los? Como
eles estão sendo coletados?”; “Eu estou...
preocupado com os meus dados sendo
compartilhados”.19

19 “Our Rights in a Digital World” (2021), pp.14, 16, 22 e 25.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 32
Direitos das crianças e absoluta prioridade
Após o processo de redemocratização e a intensa participação
popular para a construção das bases da Constituição de 1988,
os direitos de crianças e adolescentes devem ser garantidos
e protegidos pelas famílias, sociedade (incluindo empresas) e
Estado com prioridade absoluta, de acordo com o Artigo 227
da Constituição Federal que inaugurou a Doutrina da Proteção
Integral, por meio da qual crianças e adolescentes passaram a
ser reconhecidas como sujeitos de direitos, como pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento. Um ano depois, em 1989,
a Convenção sobre os Direitos da Criança estabelece (art. 3, 1)
que os direitos e melhor interesse da criança devem ser consi-
derados “primordialmente” por todos, Estados e agentes priva-
dos. O Estatuto da Criança e do Adolescente, marco regulatório
dos direitos de crianças e adolescentes, disciplina a prioridade
absoluta que compreende a) a primazia de receber proteção, b)
a precedência de atendimento nos serviços públicos, c) a prefe-
rência na formulação e na execução das políticas sociais públi-
cas e d) a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Fonte: Prioridade Absoluta. Especial 30 anos do ECA
Referência legal: art. 227, CF/88; art. 4º, ECA e art. 3º da CRC.
Para ver mais: HARTUNG, Pedro. Levando os direitos das
crianças a sério

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 33
4. Os direitos de toda criança devem ser
respeitados, protegidos e cumpridos
no ambiente digital. As inovações nas
tecnologias digitais impactam a vida das
crianças e seus direitos de maneira ampla
e interdependente, mesmo quando as
crianças em si não acessam a Internet.
O acesso efetivo às tecnologias digitais
pode ajudar as crianças a exercer toda
a gama de seus direitos civis, políticos,
culturais, econômicos e sociais. Entretanto,
se a inclusão digital não for alcançada, é
provável que as desigualdades existentes
aumentem e que novas desigualdades
possam surgir.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 34
Acesso à internet e inclusão digital
O acesso universal à internet é um direito fundamental que deve
ser assegurado a todos, a fim de garantir a conectividade, aces-
so equitativo, e de qualidade. Além disso, a internet torna-se
um espaço que possibilita o exercício da cidadania em diferen-
tes dimensões, relacionando-se ao exercício de direitos como
a educação, a participação política, o acesso à informação e a
liberdade de expressão.
Fonte: United Nations. General Assembly. Report of the Special
Rapporteur on the promotion and protection of the right to
freedom of opinion and expression, Frank La Rue. A/HRC/17/27.
Referência legal: art. 4º, inciso I, art. 7º, art. 27, inciso I e art. 29,
parágrafo único do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e
art. 17 da CRC.
Para ver mais: CETIC.BR|NIC.BR. TIC Kids Online Brasil 2020;
Unicef Policy guide on children and digital connectivity

Desigualdades e acesso à internet


É possível observar que o acesso à internet tem se ampliado
no Brasil, mas com preocupantes limitações determinadas pela
região ou classe social dos usuários. Ainda, destaca-se o fato de
que o acesso à internet não equivale à sua qualidade, tendo em
vista que parte significativa das crianças e adolescentes brasi-
leiras de classes DE, bem como aquelas que vivem nas regiões
Norte e Nordeste e nas áreas rurais, quando não estão comple-
tamente privadas de acesso à internet, acessam-na de forma
precária.
Para ver mais: CETIC.BR|NIC.BR. TIC Domicílios 2020; The
Office of Global Insight & Policy. Unicef-ITU Report

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 35
5. O presente comentário geral se baseia
na experiência do Comitê em analisar os
relatórios dos Estados Partes, seu dia de
discussão geral sobre mídias digitais e
direitos das crianças; a jurisprudência dos
órgãos de tratados de direitos humanos,
as recomendações do Conselho de Direitos
Humanos e os procedimentos especiais
do Conselho, duas rodadas de consultas
com Estados, especialistas e outras partes
interessadas na nota conceitual e na minuta
avançada; e uma consulta internacional
com 709 crianças que vivem em contextos
diversos em 28 países em diferentes
regiões.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 36
Comitê sobre os Direitos da Criança
O Comitê sobre os Direitos da Criança (CRC) é um órgão de
Tratado do sistema ONU vinculado à Convenção sobre os
Direitos da Criança composto por especialistas responsáveis
por monitorar a implementação da Convenção pelos Estados
Partes. Além de outras ações, é responsável por elaborar
Comentários Gerais, que são documentos tais quais este, res-
ponsáveis por consolidar recomendações a partir de reflexões
oriundas de Estados, organizações regionais, agências das
Nações Unidas, instituições nacionais de direitos humanos e
Comissários para Crianças, grupos de crianças e adolescentes,
organizações da sociedade civil, acadêmicos, setor privado e
outras entidades e indivíduos.
Fonte: United Nations Human Rights. Office of High
Commissioner for Human Rights

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 37
6. O presente Comentário Geral deve ser
lido em conjunto com outros Comentários
Gerais relevantes emitidos pelo Comitê e
suas diretrizes relativas à implementação
do Protocolo Opcional à Convenção sobre
a venda de crianças, prostituição infantil e
pornografia infantil.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 38
II. Objetivo

7. No presente comentário geral, o Comitê


explica como Estados Partes devem
implementar a Convenção em relação ao
ambiente digital e fornece orientações
sobre medidas legislativas, de políticas e
outras medidas relevantes para assegurar
o pleno cumprimento de suas obrigações
nos termos da Convenção e dos Protocolos
Opcionais à luz das oportunidades, riscos e
desafios na promoção, respeito, proteção
e cumprimento de todos os direitos das
crianças no ambiente digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 39
Caráter interpretativo e vinculante do Comentário Geral -
implementação da Convenção em relação ao ambiente digital
Comentários Gerais são documentos normativos do Sistema
Internacional de Proteção aos Direitos Humanos da ONU e fa-
zem parte dos mecanismos dos Tratados Internacionais. Assim,
são vinculantes e devem ser observados por todos os Estados
que assinaram e ratificaram a Convenção sobre os Direitos
da Criança (CRC), como o Brasil e todas suas instituições. Os
Comentários detalham, interpretam e indicam aplicação da
Convenção a temas e casos específicos.
Para saber mais: United Nations Human Rights Treaty Bodies.
Comentários gerais sobre Direitos de Crianças e Adolescentes

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 40
III. Princípios gerais

8. Os quatro princípios a seguir fornecem


uma lente através da qual deve ser vista a
implementação de todos os outros direitos
previstos na Convenção. Eles devem servir
como um guia para determinar as medidas
necessárias para assegurar a efetivação
dos direitos das crianças em relação ao
ambiente digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 41
A. Não-discriminação

9. O direito à não-discriminação exige


que Estados Partes assegurem que todas
as crianças tenham acesso igual e efetivo
ao ambiente digital de formas que sejam
significativas para elas. 20 Estados Partes
devem tomar todas as medidas necessárias
para superar a exclusão digital. Isso inclui
fornecer acesso gratuito e seguro para
crianças em locais públicos dedicados
e investir em políticas e programas que
apoiem o acesso de todas as crianças a
tecnologias digitais e seu uso informado
em ambientes educacionais, comunidades
e lares.

20 Comentário geral No. 9 (2006), parag. 37-38.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 42
Não discriminação
Todos os direitos se aplicam a todas as crianças e adolescentes
sem exceção. O Estado tem obrigação de proteger a criança
contra todas as formas de discriminação e de adotar ações para
promover os seus direitos. Dentre essas discriminações, des-
tacam-se aquelas relacionadas a pessoas com deficiência, ao
racismo, à homofobia, à xenofobia, entre outras. Reconhecer a
não-discriminação é dar luz à existência e realidade de diversas
infâncias e adolescências, sobretudo no Brasil.
Assegurar acesso não discriminatório ao ambiente digital signifi-
ca, além de conferir proteção contra agressões veiculadas nesse
ambiente, promover tecnologias e serviços que considerem as
diferenças entre as crianças e adolescentes, por exemplo consi-
derando o braile, idiomas diversos e a acessibilidade de crianças
e adolescentes incapazes de arcar com os custos das tecnolo-
gias. Ainda, o direito à não-discriminação deve ser também ob-
servado por agentes privados, como empresas, que têm o dever
de tratar todas as crianças com equidade, sem duplos padrões
nas suas políticas corporativas ou discriminação com relação à
nacionalidade, raça, sexo ou classe.
Referência legal: art. 2º, 5º, caput, e 227 da CF/88; arts. 3º, 5º, 11
e 16 do ECA; art. 2º da CRC e Comentário Geral n. 9 (2006): The
rights of children with disabilities.
Para ver mais: Children’s Rights Erasmus Academic Network
(CREAN). Children and non-discrimination textbook;
HENRIQUES, Isabella Vieira Machado; SAMPAIO, Inês Vitorino.
Discriminação Algorítmica e Inclusão em Sistemas de
Inteligência Artificial – Uma Reflexão sob a Ótica dos Direitos da
Criança no Ambiente Digital

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 43
10. Crianças podem ser discriminadas por
serem excluídas do uso de tecnologias
e serviços digitais ou por receberem
comunicações de ódio ou tratamento
injusto no uso dessas tecnologias. Outras
formas de discriminação podem surgir
quando processos automatizados que
resultem em filtragem de informações,
perfilamento ou tomada de decisões são
baseados em dados tendenciosos, parciais
ou obtidos de forma injusta em relação a
uma criança.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 44
Filtragem de informações
Utilização de tecnologias para filtrar ou dar mais destaque a
informações que correspondam a determinado critério de busca
utilizado pelo usuário da internet. Normalmente, essas tecnolo-
gias são utilizadas para filtrar conteúdos ofensivos ou determi-
nar qual conteúdo aparecerá primeiro em determinada busca.
O uso indevido dessas tecnologias pode acabar por comprome-
ter a diversidade de informações disponibilizadas às crianças,
criando as chamadas bolhas autorreferenciais e privando esse
público do acesso a uma maior diversidade de ideias e opiniões
durante o seu desenvolvimento.
Fonte: Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Glossário
oficial do Comentário Geral n° 25 (vide nota de rodapé n° 2);
HARTUNG, Pedro; HENRIQUES, Isabella; PITA, Marina. Proteção
de dados pessoais de crianças e adolescentes. In: BIONI, Bruno
et. al (org.). Tratado de Proteção de Dados Pessoais, 1ª Ed., Rio
de Janeiro, Forense, 2020, p. 199 - 225

Perfilamento
Técnica que consiste em utilizar os dados pessoais de determi-
nada pessoa para traçar, a partir de previsões e inferências feitas
quase sempre por meio da inteligência artificial, um perfil de sua
personalidade, incluindo gostos, preferências, opiniões, tendên-
cias, comportamentos, etc. O perfilamento viabiliza diversas for-
mas de exploração das crianças no ambiente digital, inclusive a
exploração econômica na forma de técnicas de microssegmen-
tação publicitária e publicidade comportamental. Mais do que
isso, esses perfis comportamentais podem vir a ser utilizados
para privar as crianças de oportunidades futuras, como a aquisi-
ção de um emprego ou a contratação de uma linha de crédito.
Fonte: Glossário oficial do Comentário Geral n° 25 (vide nota de
rodapé n° 2)
Para ver mais: LIEVENS, Eva et al. O direito da criança à
proteção contra a exploração econômica no mundo digital

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 45
Dados tendenciosos: não discriminação e qualidade dos dados
na LGPD
O Comentário reforça, aqui, o princípio da não-discrimina-
ção no tratamento de dados expresso na LGPD, que prevê a
“impossibilidade de realização do tratamento para fins discri-
minatórios ilícitos ou abusivos.” O alerta quanto à tomada de
decisões baseadas em dados tendenciosos também reafirma
o princípio da qualidade dos dados expresso na lei, que garan-
te aos titulares a exatidão, clareza, relevância e atualização de
seus dados pessoais.
Referência legal: art. 2º, inciso VII, e art. 6º, incisos V e IX da
LGPD

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 46
11. O Comitê convoca os Estados Partes a
tomarem medidas proativas para prevenir
a discriminação com base em gênero,
deficiência, situação socioeconômica,
origem étnica ou nacional, idioma ou por
qualquer outro motivo, e discriminação
contra crianças de minorias e indígenas,
requerentes de asilo, crianças refugiadas
e migrantes, crianças lésbicas, gays,
bissexuais, transgêneros e intersexuais,
crianças vítimas e sobreviventes de
tráfico ou exploração sexual, crianças em
cuidados alternativos, crianças privadas de
liberdade e crianças em outras situações de
vulnerabilidade. Serão necessárias medidas
específicas para eliminar a exclusão digital
relacionada ao gênero para meninas e
para assegurar que seja dada atenção
especial ao acesso, alfabetização digital,
privacidade e segurança online.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 47
Discriminação com base em origem étnica: racismo
algorítmico
Ao tratar de discriminação com base em origem étnica no am-
biente digital, o Comentário nos remete ao racismo algorítmico,
conceito que vem sendo empregado para designar as diferentes
formas como as tecnologias de inteligência artificial reproduzem
e amplificam o racismo. Caso que ganhou notoriedade e que
exemplifica com contundência o racismo algorítmico é o denun-
ciado pela pesquisadora do MIT Joy Buolamwini, que demons-
trou que as tecnologias de reconhecimento facial de diversas
empresas não foram capazes de identificá-la corretamente, eis
que alimentadas por bases de dados compostas quase exclusi-
vamente por rostos brancos.
Fonte: PAES, Bárbara. Joy Bulla Mwini e o preconceito
algorítmico
Para ver mais: SILVA, Tarcízio. Linha do tempo do racismo
algorítmico: casos, dados e reações; United Nations, Educational,
Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Unesco -
Artificial intelligence and gender equality: key findings of
UNESCO’s Global Dialogue

Exclusão digital relacionada a gênero


Sobre a interface entre gênero, raça, sexualidade e classe
em experiências de uso das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) entre crianças e adolescentes no Brasil,
ver a pesquisa Dinâmicas de gênero no uso das tecnologias
digitais, elaborada pelo Núcleo de Pesquisa e Formação em
Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (CEBRAP).

Alfabetização digital
Conjunto de conhecimentos e habilidades que permitem ao in-
divíduo utilizar plenamente as tecnologias à sua disposição, bem
como compreender as suas limitações e implicações de seu uso.
Conforme destaca a Associação Americana de Pediatria, a alfa-
betização digital perpassa a compreensão de que a tecnologia é
criada por outros humanos para atender a determinados interes-
ses, de modo que as mensagens por ela veiculadas (em especial
as publicitárias) devem ser recepcionadas com senso crítico.
Fonte: American Academy of Pediatrics. Digital Advertising to
Children.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 48
B. O melhor interesse da criança

12. O melhor interesse da criança é


um conceito dinâmico que requer
uma avaliação adequada ao contexto
específico. 21 O ambiente digital não foi
originalmente desenvolvido para crianças,
mas desempenha um papel significativo
na vida das crianças. Estados Partes
devem assegurar que, em todas as ações
relativas ao fornecimento, regulação,
design, gestão e uso do ambiente digital, o
melhor interesse de cada criança seja uma
consideração primordial.

21 Comentário geral No. 14 (2013), parag. 1.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 49
Melhor interesse da criança
Todas as decisões que digam respeito à criança e ao adoles-
cente devem ter plenamente e primordialmente em conta o seu
melhor interesse.O melhor interesse da criança aparece expres-
samente no art. 14, caput da LGPD, o qual dispõe que “o trata-
mento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá
ser realizado em seu melhor interesse”. Segundo a Convenção
sobre os Direitos da Criança, o melhor interesse da criança é um
conceito constituído em 3 dimensões: (a) um direito substantivo
das crianças de terem seus direitos considerados prioritariamen-
te quando houver múltiplos interesses em torno de uma decisão;
(b) um princípio fundamental de interpretação, o qual deve levar
à escolha da interpretação que favoreça o interesse da criança
quando um dispositivo legal for aberto a mais de uma interpre-
tação; (c) uma regra de processo, que impele os magistrados a
considerarem os interesses das crianças em seus julgamentos.
Referência legal: art. 227, da CF/88, art. 100, IV do ECA; art. 14,
caput, da LGPD; art. 3º da CRC e Comentário Geral n. 14 (2013):
the right of the child to have his or her best interests taken as a
primary consideration.
Para ver mais: HARTUNG, Pedro Affonso Duarte. Levando os
direitos das crianças a sério; BIONI, Bruno; RIELLI, Mariana.
8 temas chaves de implementação: uma visão multissetorial -
Data Privacy Brasil

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 50
13. Nessas ações, os Estados Partes devem
envolver os órgãos nacionais e locais que
supervisionam o cumprimento dos direitos
das crianças. Ao considerar o melhor
interesse da criança, eles devem considerar
todos os direitos das crianças, inclusive
seu direito a buscar, receber e difundir
informações, a receber proteção contra
todo dano e a que suas opiniões sejam
devidamente consideradas, e devem, ainda,
assegurar transparência na avaliação do
melhor interesse da criança e dos critérios
que foram aplicados.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 51
Órgãos nacionais e locais: Sistema de Garantia de Direitos da
Criança e do Adolescente (SGDCA) e Conselhos de Direitos da
Criança e do Adolescente
O Sistema da Garantia de Direitos da Criança e do Adolecente
(SGDCA) constitui-se na articulação e integração das instâncias
públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de
instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos
de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos
humanos da criança e do adolescente. Trata-se de um sistema
que deve ser sensível, amigável e acessível para crianças
e adolescentes. Entre os atores que integram o SGDCA,
pode-se citar os conselheiros(as) tutelares, promotores(as) e
juízes(as) das Varas da Infância e Juventude, defensores(as)
públicos(as), advogado(as), conselheiros(as) de direitos da
criança e do adolescente, entre outros. No âmbito nacional,
estadual e municipal estão presentes o Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), os
Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do
Adolescente órgãos deliberativos e controladores das ações
da política de atendimento à crianças e adolescentes nestes
níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de
organizações representativas.
Referência legal: artigo 88, do ECA e Resolução nº 113/2006
do CONANDA

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 52
C. Direito à vida, à sobrevivência e
ao desenvolvimento

14. Oportunidades oferecidas pelo


ambiente digital desempenham um papel
cada vez mais crucial no desenvolvimento
das crianças e podem ser vitais para
a vida e sobrevivência das crianças,
especialmente em situações de crise.
Estados Partes devem tomar todas as
medidas apropriadas para proteger as
crianças de riscos ao seu direito à vida,
sobrevivência e desenvolvimento. Riscos
relacionados ao conteúdo, contato,
conduta e contrato abrangem, entre
outras coisas, conteúdo violento e sexual,
agressão cibernética e assédio, jogos
de azar, exploração e abuso, incluindo
exploração e abuso sexual, e a propagação
ou incitação a atividades suicidas ou que
ponham em risco a vida, inclusive por
criminosos ou grupos armados designados
como terroristas ou extremistas violentos.
Estados Partes devem identificar e abordar
os riscos emergentes que as crianças

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 53
enfrentam em diversos contextos, inclusive
ouvindo suas opiniões sobre a natureza
dos riscos particulares que elas enfrentam.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 54
Riscos relacionados ao conteúdo, contato, conduta e contrato
O Comentário, aqui vale-se da tipologia de riscos online para
crianças desenvolvida pelas Profas. Mariya Stoilova e Sonia
Livingstone para a CO:RE, iniciativa financiada pela União
Europeia para produzir pesquisas sobre crianças on-line, de
modo a orientar o desenvolvimento de políticas públicas.
As pesquisadoras, em linhas gerais, propõem a divisão dos
riscos a que as crianças estão submetidas no ambiente digital
nos chamados “4 Cs”: conteúdo (a criança tem contato com
conteúdo prejudicial); contato (a criança é abordada por
um adulto mal-intencionado); conduta (a criança participa,
testemunha ou é vítima de uma situação prejudicial, como
bullying); e contrato (a criança toma parte ou é explorada por
um contrato prejudicial, incluídos aqueles que promovem o uso
nocivo de seus dados pessoais).
Para ver mais: LIVINGSTONE, Sonia; STOILOVA, Mariya.
The 4Cs: Classifying Online Risk to children.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 55
Conteúdo violento e sexual
A proteção contra conteúdo violento e sexual está alinhada à
política de classificação indicativa no Brasil, inclusive com nova
regulamentação que inclui jogos e aplicativos digitais e vídeos
on demand, que tem como principal objetivo alertar as famílias
para qual faixa etária a obra, espetáculo ou produto é indicado,
com base no seu conteúdo, de modo a respeitar o processo de
desenvolvimento dos indivíduos. Assim, para atender à norma
da prioridade absoluta, foram criadas políticas públicas voltadas
à proteção da infância e da adolescência frente a conteúdos ina-
dequados – de teor comercial, sexual, ou violento, por exemplo
–, dado que tais conteúdos tendem a gerar riscos à integridade
biopsíquica de crianças e adolescentes e influir também em seu
processo de formação, tendo em vista que, assim como as mí-
dias, o ambiente digital desempenha papel relevante na sociali-
zação das pessoas.
Fonte: DANTAS, Thaís Nascimento. A proteção da infância e da
adolescência frente a conteúdos inadequados nas diferentes
mídias. In: Janaína Cabello; Heloísa Mattos Lins. (Org.). Mídias,
Infâncias e Diferenças. 1ed. Campinas: Leitura Crítica, 2017, v. ,
p. 111-127
Referência legal: arts. 21, inciso XVI; 220 §3º e 221 da CF/88;
arts. 6º, 17, 70, 71, 76 ,77, 149 e 252 a 258 do ECA e a Portaria nº
502 de 2021 do Ministério da Justiça e art. 34 da CRC.
Para ver mais: Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Manual da Nova Classificação Indicativa; Ministério da Justiça e
Segurança Pública. Guia Prático de Classificação Indicativa

Agressão cibernética
Atos de ofensa ou violência praticados por grupos ou indivíduos
contra outros por meio de tecnologias digitais.
Fonte: Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Glossário oficial
do Comentário Geral n° 25 (vide nota de rodapé n° 2)

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 56
Jogos de azar
Discussão interessante sobre a participação de crianças em jo-
gos de azar é a que diz respeito às loot boxes, caixas surpresas
que podem ser adquiridas em jogos eletrônicos e que fornecem
prêmios ou vantagens ao usuário de maneira aleatória. Essas
caixas de recompensas vêm sendo alvo de polêmicas por se
basearem em um sistema de apostas, análogo ao dos jogos
de azar que já são proibidos no Brasil. Em fevereiro de 2021, a
Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do
Adolescente ajuizou ação civil pública para exigir a suspensão
da venda de loot boxes e indenização pelas crianças envolvidas.
No mesmo sentido, o Conselho Federal de Psicologia emitiu pa-
recer, em dezembro de 2021, defendendo a adoção de medidas
pelo Estado que protejam as crianças da adicção às loot boxes.
Para ver mais: TUNHOLI, Murilo. Ação judicial para banir loot
boxes no Brasil tem apoio do Ministério Público; Conselho
Federal de Psicologia. Parecer da GTEC sobre Jogos Eletrônicos
para infância

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 57
Exploração e violência sexual
A violência ou abuso sexual ocorrem quando um indivíduo
ou grupo se aproveita de um desequilíbrio de poder para
coagir, manipular, ou enganar uma criança ou adolescente a
praticar atividades sexuais. A vítima pode ter sido violentada
sexualmente mesmo quando a atividade sexual aparenta ser
consensual. A violência sexual de crianças nem sempre envolve
contacto físico: pode ser praticada através do uso de tecnologia.
A exploração sexual de crianças e adolescentes difere do abuso
sexual, pois envolve, necessariamente, uma moeda de troca, que
pode ser tanto dinheiro, como qualquer objeto com valor ou
mercadoria. Nesse caso, ocorre o pagamento à vítima para que
a violência ocorra. É necessário destacar que essa modalidade
de violência se configura por ato que ocorre entre a vítima e
o abusador, sem intermédio de terceiros, diferentemente da
exploração sexual comercial.
Fonte: Aliança Global WeProtect. Avaliação Mundial da
Ameaça 2019; Ministério Público do Estado de São Paulo.
Guia Operacional MPSP/Alana de Enfrentamento à Violência
Sexual de Crianças e Adolescentes
Referência Legal: art. 241-D do ECA; arts. 213 e 217-A do
Código Penal; Lei da Escuta Protegida (13.431/17); Decreto
Regulamentador da Lei da Escuta Protegida (9603/18);
Lei 11.577/201 que torna obrigatória a divulgação de mensagem
relativa à exploração sexual e tráfico de crianças e adolescentes;
Plano Nacional de enfrentamento da violência sexual contra
crianças e adolescentes; Plano Nacional pela Primeira Infância;
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da
Criança referente à venda de crianças, à prostitução infantil e à
pornografia infantil e art. 34 da CRC.
Para ver mais: Maria Farinha Filmes. Um Crime Entre Nós;
Ministério Público do Estado de São Paulo. Guia Operacional
de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes (Instituto Alana e MP/SP) e Childhood. Pela
Proteção da Infância. Navegar com segurança: por uma infância
conectada e livre da violência sexual (Childhood Brasil).

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 58
15. O uso de dispositivos digitais não deve
ser prejudicial, nem deve ser um substituto
das interações presenciais entre crianças ou
entre crianças e mães, pais ou cuidadores.
Estados Partes devem prestar atenção es-
pecífica aos efeitos da tecnologia nos pri-
meiros anos de vida, quando a plasticidade
cerebral é máxima e o ambiente social, em
particular as relações com as mães, pais e
cuidadores, é crucial para moldar o desen-
volvimento cognitivo, emocional e social
das crianças. Nos primeiros anos, podem
ser necessárias precauções, dependendo
do design, propósito e usos das tecnolo-
gias. Treinamento e aconselhamento sobre
o uso apropriado de dispositivos digitais
devem ser disponibilizados às mães, pais,
cuidadores, educadores e outros atores re-
levantes, levando em conta a pesquisa so-
bre os efeitos das tecnologias digitais no
desenvolvimento das crianças, especial-
mente durante os impulsos críticos de cres-
cimento neurológico da primeira infância e
da adolescência. 22
22 Comentário geral no. 24 (2019), parag. 22; e comentário geral No. 20 (2016),
parag. 9-11.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 59
Plasticidade cerebral
A plasticidade cerebral indica que existem períodos sensíveis
ou “janelas de oportunidades”, nas quais a possibilidade de
conexões neuronais ocorre em uma velocidade muito intensa
(cerca de 1 milhão de novas conexões por segundo). Tais
períodos de pico na plasticidade e formação da arquitetura
cerebral são mais intensos nos primeiros anos de vida,
especialmente dos 0 aos 6 anos, na primeira infância, e
estão relacionados, além de fatores genéticos, aos estímulos
e cuidados que as crianças recebem nesta fase da vida,
fundamental para o desenvolvimento das capacidades humanas.
Fonte: Instituto Alana. Primeira Infância no Sistema de Garantia
de Direitos; Center on the Developing Child. As experiências
moldam a arquitetura do cérebro
Referência legal: Marco Legal da Primeira Infância
Para ver mais: Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI); The Office of
Global Insight & Policy (UNICEF). The Adolescent Brain; Boston
Children’s Hospital. Digital Wellness Lab; Grupo de Trabalho
Saúde na Era Digital. Manual de Orientação da Sociedade
Brasileira de Pediatria; The Office of Global Insight & Policy
(UNICEF). Recomendações da OMS, Media and Young Minds
da Sociedade Americana de Pediatria e Observatório do Marco
Legal da Primeira Infância (OBSERVA).

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 60
D. Respeito pela opinião da criança

16. As crianças relataram que o ambiente


digital lhes proporcionou oportunidades
cruciais para que suas vozes fossem
ouvidas em assuntos que as afetaram. 23 O
uso das tecnologias digitais pode ajudar a
realizar a participação das crianças em nível
local, nacional e internacional24. Estados
Partes devem promover a conscientização
e o acesso a meios digitais para que
as crianças expressem suas opiniões e
oferecer treinamento e apoio para que
as crianças participem em condições de
igualdade com adultos, anonimamente
quando necessário, para que elas possam
ser defensoras efetivas de seus direitos,
individualmente e em grupo.

23 “Our Rights in a Digital World” (2019), pp. 17.


24 Comentário geral No. 14 (2013), parag. 89-91.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 61
Respeito pela opinião da criança
A criança e o adolescente têm o direito de exprimir livremente
a sua opinião sobre questões que lhe digam respeito e de ver
essa opinião tomada em consideração, inclusive sobre sua
participação no ambiente virtual. O direito de todos à livre
manifestação do pensamento é fundamental e assegurado pela
Constituição Federal, que, ainda, impõe à família, à sociedade
e ao Estado o dever de assegurar o direito de crianças e
adolescentes à liberdade. De acordo com o ECA, o direito
à liberdade inclui a opinião e a expressão. Nesse sentido é
fundamental que pesquisas e políticas públicas sejam centradas
no protagonismo e respeito à opinião da criança ou adolescente.
Referência legal: arts. 5º, incisos IV e IX, 220 e 227 da CF/88;
art. 15 e 16 do ECA; art. 2º da CRC; Comentário Geral n. 12
(2009): The right of the child to be heard e Comentário Geral n.
14 (2013): The right of the child to have his or her best interests
taken as a primary consideration.
Para ver mais: LIVINGSTONE, Sonia. Children’s data and privacy
online: Growing up in a digital age; CETIC.BR Dinâmicas de
gênero no uso das tecnologias digitais.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 62
17. Ao desenvolver legislação, políticas,
programas, serviços e treinamentos sobre
os direitos das crianças em relação ao
ambiente digital, Estados Partes devem
envolver todas as crianças, ouvir suas
necessidades e dar a devida importância
aos seus pontos de vista. Eles devem
assegurar que os provedores de serviços
digitais se envolvam ativamente com
as crianças, aplicando salvaguardas
apropriadas, e dar a devida consideração
a seus pontos de vista ao desenvolver
produtos e serviços.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 63
Direito a Participação
A participação, juntamente com a prevenção, a proteção e
a promoção de direitos, forma a base na qual se assenta a
Convenção dos Direitos da Criança (Decreto 9.610/90) que
desde 1989 garante o direito de toda criança manifestar-se
livremente em relação a tudo que lhe diga respeito e de ter sua
opinião considerada, em todos os níveis (art. 12, CDC). O direito
a participação encontra-se expressamente previsto no artigo
16, II, V e VI do ECA, e ainda é garantido através de dispositivos
como o art. 28 p2, 53, 100 XII e 101 p5 do ECA. O marco legal da
Primeira Infância garante a participação da criança “de acordo
com a especificidade de sua idade, devendo ser realizada por
profissionais qualificados em processos de escuta adequados às
diferentes formas de expressão infantil.” (art. 4º, II e PU.)

Participação no Comitê
O Comitê dos Direitos da Criança valoriza e garante a participa-
ção de crianças em todos os seus processos de trabalho, através
de um ambiente seguro, acessível e amigável. Dentre os mé-
todos utilizados para efetivação da participação infantil, estão
as consultas de crianças durante todo o processo de discussão
e elaboração de Comentários-Gerais. No caso do Comentário
Geral n° 25, setecentos e nove crianças e jovens de 28 diferentes
países foram consultados.
Fonte: United Nations Human Rights. General Comment on
children’s rights in relation to the digital environment
Para ver mais: United Nations Human Rights. Child participation
in the work of the Committee on the Rights of the Child

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 64
18. Estados Partes são encorajados a
utilizar o ambiente digital para consultar
as crianças sobre medidas legislativas,
administrativas e outras medidas relevantes
e para assegurar que suas opiniões
sejam consideradas seriamente e que a
participação das crianças não resulte em
monitoramento indevido ou coleta de
dados que violem seu direito à privacidade,
liberdade de pensamento e opinião. Eles
devem assegurar que os processos de
consulta sejam inclusivos para as crianças
que não têm acesso à tecnologia ou
habilidades para usá-la.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 65
E. Desenvolvimento progressivo das
capacidades

19. Estados Partes devem respeitar o desen-


volvimento progressivo das capacidades da
criança como um princípio habilitador que
trata do processo de aquisição gradual de
competências, compreensão e agência. 25
Este processo tem um significado específico
no ambiente digital, onde as crianças po-
dem se engajar de forma mais independen-
te da supervisão das mães, pais e provedo-
res de cuidados. Os riscos e oportunidades
associados ao engajamento das crianças no
ambiente digital mudam dependendo de
sua idade e estágio de desenvolvimento.
Estados Partes devem ser guiados por essas
considerações sempre que estiverem for-
mulando medidas para proteger as crianças
nesse ambiente ou facilitar seu acesso a ele.
A elaboração de medidas apropriadas à fai-
xa etária deve ser informada pelas melhores
e mais atualizadas pesquisas disponíveis, a
partir de uma gama de disciplinas.
25 Comentário Geral No. 7 (2005), parag. 17; e comentário geral No. 20 (2016), parag. 18
e 20.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 66
Desenvolvimento progressivo das capacidades
O desenvolvimento progressivo das capacidades (evolving
capacities, no original) se refere ao dever do Estado,
famílias ou cuidadores levarem em conta a capacidade das
crianças e adolescentes de exercerem o seu direito em nome
próprio, de acordo com a desenvolvimento progressivo de
suas capacidades e autonomia. À medida que crianças e
adolescentes se desenvolvem e adquirem competências, é
reduzida a ingerência de terceiros em sua vida. Relevante
destacar que crianças em diferentes ambientes e culturas são
confrontadas com diversas experiências de vida e irão adquirir
competências em diferentes idades, ou seja, a aquisição de
competências varia de acordo com as circunstâncias. Esse con-
ceito reconhece crianças como sujeitos de direitos e agentes
ativos de suas próprias vidas, respeitando sua autonomia, sem
abrir mão da proteção, em especial no ambiente digital, neces-
sária em razão do seu peculiar estágio de desenvolvimento.
Fonte: The Office of Global Insight & Policy (UNICEF).
The evolving capacities of the child.
Referência legal: art. 5º da Convenção dos Direitos da Criança e
do Adolescente

Princípio habilitador
Trata-se de um princípio habilitador, pois permite que, a partir
dele, outros princípios possam ser reivindicados e efetivados.

Supervisão de mães, pais e cuidadores


No Brasil, a pesquisa TIC Kids Online 2019 revelou que somente
53% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos de idade
recebem orientação das mães, pais ou responsáveis sobre a
navegação na internet. Dessa forma, deve-se sempre colocar em
perspectiva crítica o consentimento familiar como única forma
de garantia da proteção da criança no ambiente digital. Com
ou sem consentimento familiar, a criança, seus direitos e melhor
interesse devem ser sempre protegidos com absoluta prioridade
pelas empresas e pelo Estado.
Fonte: TIC Kids Online 2019

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 67
20. Estados Partes devem levar em conta
a posição mutável das crianças e sua
agência no mundo moderno, a competência
e compreensão das crianças, que se
desenvolvem desigualmente entre as áreas
de habilidade e atividade, e a natureza
diversificada dos riscos envolvidos. Essas
considerações devem ser equilibradas com
a importância de exercer seus direitos em
ambientes que proporcionem o suporte
necessário e a gama de experiências
e circunstâncias individuais. 26 Estados
Partes devem assegurar que os provedores
de serviços digitais ofereçam serviços
adequados ao desenvolvimento progressivo
das capacidades das crianças.

26 Comentário geral No. 20 (2016), parag.20.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 68
Serviços adequados ao desenvolvimento progressivo das
crianças: Direitos das Crianças por Design
A responsabilidade pelos riscos e violações no ambiente
digital não deve recair somente nas crianças usuárias e seus
responsáveis. As empresas desenvolvedoras e prestadoras de
serviços e produtos digitais são igualmente responsáveis pela
proteção e promoção dos direitos das crianças com absoluta
prioridade, devendo prover uma arquitetura digital adequada
ao desenvolvimento progressivo de suas capacidades, por meio
da lógica dos direitos das crianças por design, o que inclui os
processos de governança da empresa, o desenvolvimento de
produtos e sua prestação aos usuários.
Referência legal: art. 227 CF, art. 3o CRC e Comentário Geral n.
16 (2013): State obligations regarding the impact of the business
sector on children’s rights.
Para ver mais: The Office of Global Insight & Policy (UNICEF).
Children’s rights-by-design: a new standard for data use by tech
companies

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 69
21. De acordo com o dever dos Estados
de prestar assistência adequada às mães,
pais e cuidadores no desempenho de
suas responsabilidades para com seus
filhos, Estados Partes devem promover
a conscientização entre mães, pais e
cuidadores da necessidade de respeitar
o desenvolvimento progressivo da
autonomia, das capacidades e da
privacidade das crianças. Eles devem
apoiar as mães, pais e cuidadores na
busca por uma alfabetização digital e na
conscientização dos riscos para as crianças,
com o objetivo de ajudá-los a auxiliar as
crianças na efetivação de seus direitos,
inclusive de proteção, em relação ao
ambiente digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 70
Cuidar de quem cuida
Para que os direitos de crianças sejam protegidos com absolu-
ta prioridade, o papel dos cuidadores em contato direto com a
criança é essencial. Por isso, a diretriz de cuidar de quem cuida
deve ser incluída em todas as estratégias relativas ao cuidado de
crianças, inclusive com relação ao ambiente digital.
Referência legal: art. 227 CF, ECA, Marco Legal da Primeira
Infância e art. 18 da CRC.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 71
IV. Medidas gerais de implementação pelos
Estados Partes

22. As oportunidades para a efetividade


dos direitos das crianças e sua proteção no
ambiente digital exigem uma ampla gama
de medidas legislativas, administrativas e
outras, incluindo as de precaução.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 72
A. Legislação

23. Estados Partes devem revisar, adotar


e atualizar a legislação nacional de
acordo com as normas internacionais de
direitos humanos, para assegurar que o
ambiente digital seja compatível com os
direitos estabelecidos na Convenção e nos
Protocolos Opcionais a ela referentes. A
legislação deve permanecer relevante, no
contexto dos avanços tecnológicos e das
práticas emergentes. Estados Partes devem
exigir o uso de avaliações de impacto
dos direitos da criança para incorporar
os direitos das crianças na legislação,
alocações orçamentárias e outras decisões
administrativas relacionadas ao ambiente
digital e promover seu uso entre órgãos
públicos e empresas relacionadas ao
ambiente digital. 27

27 Comentário geral No. 5 (2003), parag. 45; comentário geral No. 14 (2013), parag. 99;
e comentário geral No. 16 (2013), parag. 78-81.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 73
Protocolos Opcionais
Para além do texto original da Convenção sobre os Direitos da
Criança, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou três
protocolos facultativos no sentido de complementar as suas
disposições e impor mais obrigações aos Estados Partes que a
eles aderirem. Os dois primeiros datam do ano de 2000 e dizem
respeito à proteção das crianças contra o envolvimento em
conflitos armados e venda, prostituição e pornografia. O terceiro
data de 2014 e versa sobre a possibilidade de as crianças
apresentarem reclamações diretamente ao Comitê.
Fonte: The Office of Global Insight & Policy (UNICEF).
Fortalecimento da Convenção sobre os Direitos da Criança:
Protocolos Facultativos

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 74
B. Políticas e estratégias abrangentes

24. Estados Partes devem assegurar que as


políticas nacionais relacionadas aos direitos
das crianças abordem especificamente o
ambiente digital, e devem implementar
regulações, códigos industriais,
padrões de design e planos de ação em
conformidade, todos os quais devem ser
regularmente avaliados e atualizados. Essas
políticas nacionais devem ter como objetivo
proporcionar às crianças a oportunidade
de se beneficiarem do envolvimento com
o ambiente digital e assegurar seu acesso
seguro a ele.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 75
Padrões de design
O Comentário nos remete, novamente, à ideia de direitos das
crianças por design, que diz respeito ao padrão a ser adotado
pelas empresas de tecnologia que colocarem no mercado
produtos digitais utilizados por crianças e adolescentes. A
observância aos direitos e ao melhor interesse das crianças deve
se dar, também, por essas empresas de tecnologia e permear
todo o design e desenvolvimento dos produtos e serviços
digitais, não somente a decisão dos pais em consentir ou não
com o uso desses produtos e serviços. De modo a fornecer
diretrizes concretas ao setor empresarial quanto a que medidas
implementar para garantir a observância a esse padrão, diversas
autoridades de proteção de dados têm trabalhado na expedição
de códigos de design (design codes) com orientações
voltadas às empresas de tecnologia. Dentre esses, destaca-
se o produzido pelo Information Commissioner’s Office (ICO),
autoridade britânica, por seu pioneirismo e compreensibilidade.
O código do ICO foi traduzido ao português pelo ITS Rio em
parceria com o Instituto Alana.
Para ver mais: The Office of Global Insight & Policy (UNICEF).
The children’s rights-by-design standard for data use by tech
companies
Instituto de Tecnologia e Sociedade. Design Apropriado para a
Idade: Código de Práticas para Serviços On-line

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 76
25. Proteção online das crianças deve
ser integrada às políticas nacionais
de proteção à criança. Estados Partes
devem implementar medidas que
protejam as crianças de riscos, incluindo
a ciberagressão e a exploração e abuso
sexual de crianças online facilitados pela
tecnologia digital, assegurar a investigação
desses crimes e fornecer reparações e
apoio às crianças que são vítimas. Devem
também atender às necessidades de
crianças em situações de desvantagem
ou vulnerabilidade, inclusive fornecendo
informações acessíveis às crianças que
sejam, quando necessário, traduzidas para
línguas minoritárias relevantes.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 77
26. Estados Partes devem assegurar o
funcionamento de mecanismos eficazes
de proteção à criança online e políticas
de segurança, respeitando também os
outros direitos da criança, em todos
os ambientes onde as crianças tenham
acesso ao ambiente digital, o que inclui o
lar, ambientes educacionais, cybercafés,
centros de juventude, bibliotecas e
ambientes de saúde e cuidados alternativos.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 78
Acesso ao ambiente digital por crianças e adolescentes
Dados sobre o acesso de crianças e adolescentes à internet
podem ser localizados nas pesquisas Pesquisa TIC Kids Online
Brasil e TIC Domicílios, realizadas anualmente pelo Núcleo
de Informação e Coordenação do Ponto BR. De acordo com
a pesquisa TIC Domicílios realizada em 2020, a mais recente
no momento da edição deste comentário, 95% das crianças e
adolescentes entre 10 e 15 anos usuárias da internet a acessam
de suas próprias casas; 68%, da casa de outra pessoa; 19%,
da escola; 26%, em deslocamento; 5% em centros públicos de
acesso pago; e 13%, em centros públicos de acesso gratuito.
Para ver mais: Pesquisa TIC Kids Online Brasil - 2020

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 79
C. Coordenação

27. Para abarcar as consequências trans-


versais do ambiente digital para os direitos
das crianças, Estados Partes devem definir
um órgão governamental encarregado de
coordenar políticas, diretrizes e programas
relacionados aos direitos das crianças entre
os departamentos do governo central e os
vários níveis de governo. 28 O mencionado
mecanismo de coordenação nacional deve
envolver as escolas e o setor de tecnologia
da informação e comunicação e cooperar
com empresas, sociedade civil, academia e
organizações para realizar os direitos das
crianças em relação ao ambiente digital nos
níveis multissetoriais, nacionais, regionais e
locais. 29 Ele deve se basear em conhecimen-
tos tecnológicos e outros conhecimentos
relevantes dentro e fora do governo, con-
forme necessário, e ser avaliado indepen-
dentemente quanto à sua eficácia no cum-
primento de suas obrigações.

28 Comentário geral No. 5 (2003), parag. 37.


29 Ibid., parag. 27 e 39.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 80
Órgão governamental encarregado de coordenar políticas, di-
retrizes e programas relacionados aos direitos da criança
No Brasil, o CONANDA, implementado em 1991, é o principal
órgão do sistema de garantia de direitos das crianças e
adolescentes. Dentre as principais atribuições do Conselho,
por meio de gestão compartilhada entre governo e sociedade,
estão: a definição de políticas para a área da infância e
adolescência e de normas gerais e fiscalização de tais ações;
o acompanhamento da elaboração e execução do Orçamento
da União, garantindo a destinação privilegiada de recursos
para políticas direcionadas a essa população; além da gestão
do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA).
Foi o Conanda que em 2014 editou a Resolução n. 163, que
detalhou o conceito de abusividade da publicidade infantil
“independentemente do suporte, da mídia ou do meio utilizado”
e, portanto, inclusive nas mídias digitais. Além do Conanda, cabe
destacar o importante papel desempenhado pela Autoridade
Nacional de Proteção de Dados (ANPD) na construção da
agenda da proteção das crianças no ambiente digital.
Referência legal: art. 88, ECA; Lei 8.242 de 1991.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 81
D. Alocação de recursos

28. Estados Partes devem mobilizar,


alocar e utilizar recursos públicos para
implementar legislação, políticas e
programas para concretizar totalmente
os direitos das crianças no ambiente
digital e aprimorar a inclusão digital, que
é necessária para enfrentar o crescente
impacto do ambiente digital na vida das
crianças e para promover a igualdade
de acesso e acessibilidade de serviços
e conectividade.30

30 Comentário geral No. 19 (2016), parag. 21.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 82
Alocação e utilização de recursos públicos: orçamento para
crianças e adolescentes com prioridade absoluta
O art. 4o, d, do ECA determina que os Estados devem garantir
a “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude”, inclusive
para estratégias de proteção digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 83
29. Quando os recursos são provenientes
do setor empresarial ou obtidos por meio
da cooperação internacional, Estados
Partes devem assegurar que seu próprio
mandato, mobilização de receitas,
alocações orçamentárias e despesas não
sejam interferidos ou prejudicados por
terceiros.31

31 Ibid., parag. 27 (b).

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 84
E. Coleta de dados e pesquisa

30. Dados e pesquisas regularmente


atualizados são cruciais para compreender
as implicações do ambiente digital na
vida das crianças, avaliando seu impacto
sobre seus direitos e avaliando a eficácia
das intervenções do Estado. Estados
Partes devem assegurar a coleta de
dados robustos e abrangentes, com
recursos adequados e que os dados sejam
desagregados por idade, sexo, deficiência,
localização geográfica, origem étnica e
nacional e situação socioeconômica. Esses
dados e pesquisas, incluindo pesquisas
realizadas com e por crianças, devem
informar a legislação, política e prática
e devem estar disponíveis no domínio
público.32 A coleta de dados e as pesquisas
relacionadas à vida digital das crianças
devem respeitar sua privacidade e atender
aos mais altos padrões éticos.

32 Comentário geral No. 5 (2003), parag. 48 e 50.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 85
Coleta de dados, pesquisas e anonimização
A LGPD elenca entre as hipóteses onde fica autorizado o
tratamento de dados pessoais a sua utilização para fins
de pesquisa, desde que garantida, sempre que possível, a
anonimização dos dados. Anonimização é o processo por meio
do qual um dado deixa de ser relacionado ou relacionável a
determinada pessoa (como se ele se tornasse uma informação
estatística, desatrelada de qualquer indivíduo). Ou seja: a
utilização de dados pessoais em pesquisas deve, sempre que
possível, ser pautada pela desvinculação das informações
analisadas dos indivíduos que as forneceram.
Referência legal: art. 7º, inciso IV, art. 11, inciso II, alínea c e art.
12 da LGPD.

Padrões éticos: ADI 6387


Os padrões mínimos a serem observados na coleta de dados
para pesquisas públicas foram objeto da ADI 6387, ajuizada
pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
(CFOAB) e cujo julgamento pelo STF foi paradigmático para
os temas relativos à proteção de dados pessoais no Brasil.
A ADI foi ajuizada em face da edição da Medida Provisória
n° 954/2020, que obrigava as empresas de telefonia a
compartilharem os dados de milhões de clientes com o IBGE de
modo a facilitar a produção de estatísticas oficiais no contexto
da pandemia. Argumentou-se, na ação, que a ausência de
rigidez nos procedimentos de transferência dos dados, bem
como a não especificação dos fins para os quais esses dados
seriam utilizados, eivariam a MP de inconstitucionalidade.
Os argumentos da parte autora foram acatados pela Min.
Rosa Weber, que deferiu a liminar pleiteada para suspender a
eficácia da norma e consagrar, em sua fundamentação, o direito
fundamental e autônomo à proteção de dados pessoais, que
seria mais tarde previsto expressamente na Constituição Federal
com a aprovação da EC n° 115/2022.
Referência legal: Emenda Constitucional n° 115/2022
Fonte: STF. ADI 6387. Min. Relatora Rosa Weber. Julgamento:
07.05.2020. Publicação: 12.11.2020. Órgão julgador: Tribunal
Pleno.
Para ver mais: LONGHI, João Victor Razatti; MARTINS,
Guilherme Magalhães. Dados pessoais, covid-19 e a MP 954/20.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 86
F. Monitoramento independente

31. Estados Partes devem assegurar que


os mandatos das instituições nacionais
de direitos humanos e outras instituições
independentes apropriadas contemplem os
direitos das crianças no ambiente digital
e que elas sejam capazes de receber,
investigar e tratar reclamações de crianças
e seus representantes.33 Quando existirem
órgãos independentes de supervisão para
monitorar as atividades relacionadas ao
ambiente digital, as instituições nacionais
de direitos humanos devem trabalhar em
estreita colaboração com esses órgãos no
cumprimento efetivo de seus mandatos
relativos aos direitos das crianças.34

33 Comentário geral No. 2 (2002), parag. 2 e 7.


34 Ibid., parag. 7.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 87
G. Difusão de informação, conscientização
e treinamento

32. Estados Partes devem divulgar


informações e conduzir campanhas de
conscientização sobre os direitos da
criança no ambiente digital, focando
particularmente naquelas cujas ações
têm um impacto direto ou indireto sobre
as crianças. Devem promover programas
educacionais para crianças, mães, pais
e cuidadores, o público em geral e os
formuladores de políticas para aumentar
seu conhecimento dos direitos da criança
em relação às oportunidades e riscos
associados aos produtos e serviços digitais.
Esses programas devem incluir informações
sobre como as crianças podem se
beneficiar de produtos e serviços digitais e
desenvolver sua alfabetização e habilidades
digitais, como proteger a privacidade
das crianças e prevenir a vitimização e
como reconhecer uma criança que é
vítima de danos perpetrados online ou
off-line e responder adequadamente.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 88
Esses programas devem ser informados
por meio de pesquisas e consultas com as
crianças, mães, pais e cuidadores.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 89
Oportunidades e riscos associados aos produtos e serviços
digitais
No final de 2020, o Instituto Alana e o Internet Lab lançaram,
em parceria, um relatório destacando os principais riscos à pri-
vacidade de crianças e adolescentes brasileiros no ambiente di-
gital. No mesmo sentido, ver também a pesquisa TIC Kids Online
- 2020, a qual traz diversos dados que auxiliam na visualização
das oportunidades e riscos da utilização da internet por crianças
e adolescentes.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 90
33. Profissionais que trabalham para e com
crianças e o setor empresarial, incluindo
a indústria de tecnologia, devem receber
treinamento que inclua como o ambiente
digital afeta os direitos da criança em
múltiplos contextos, as formas pelas
quais as crianças exercem seus direitos
no ambiente digital e como elas acessam
e utilizam as tecnologias. Eles também
devem receber treinamento sobre a
aplicação dos padrões internacionais de
direitos humanos ao ambiente digital.
Estados Partes devem assegurar, antes
da contratação e durante o serviço,
treinamento relacionado ao ambiente
digital seja oferecido aos profissionais que
trabalham em todos os níveis de educação,
para apoiar o desenvolvimento de seus
conhecimentos, habilidades e práticas.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 91
H. Cooperação com a sociedade civil

34. Estados Partes devem sistematicamente


envolver a sociedade civil, incluindo grupos
liderados por crianças e organizações
não governamentais que trabalham no
campo dos direitos das crianças e aqueles
preocupados com o ambiente digital,
no desenvolvimento, implementação,
monitoramento e avaliação de leis,
políticas, planos e programas relacionados
aos direitos das crianças. Devem também
assegurar que as organizações da sociedade
civil sejam capazes de implementar suas
atividades relacionadas à promoção e
proteção dos direitos das crianças em
relação ao meio ambiente digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 92
I. Direitos das crianças e o setor
empresarial

35. O setor empresarial, incluindo


organizações sem fins lucrativos, afeta
direta e indiretamente os direitos das
crianças na prestação de serviços e
produtos relacionados com o ambiente
digital. As empresas devem respeitar os
direitos das crianças e prevenir e remediar
o abuso de seus direitos em relação ao
ambiente digital. Estados Partes têm a
obrigação de assegurar que as empresas
cumpram essas responsabilidades.35

35 Comentário geral No. 16 (2013), parag. 28, 42 e 82.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 93
Empresas devem respeitar os direitos das crianças
Considerando a responsabilidade compartilhada entre Estados,
famílias e sociedade, o que inclui empresas, e o princípio da
devida diligência em direitos humanos, termo utilizado para
designar processos de governança empresarial alinhados
com obrigações e compromissos de proteção e promoção
de direitos humanos, as empresas também devem assumir
a responsabilidade de respeitar os direitos das crianças, seu
melhor interesse e se comprometerem a apoiar os seus direitos
humanos. Sobretudo no ambiente digital, é necessário que ele
seja educativo e promotor de direitos, ao invés de puramente
comercial, com práticas de exploração comercial, como a
publicidade infantil digital. Empresas, como agentes privados da
sociedade, são vinculadas diretamente à Constituição (art. 227)
e à Convenção (art. 3, 1) e têm o dever, por eficácia horizontal
de direitos humanos, de assegurar os direitos e o melhor
interesse das crianças com prioridade absoluta, inclusive no
ambiente digital. Inclusive, referendada jurisprudência no STJ e
Tribunais de Justiça pelo país possibilitam a aplicação de multa
à pessoa jurídica que descumpra deveres legais do ECA, como
a hospedagem de crianças em hotéis sem autorização familiar
e para fins de exploração ou violência sexual. Outrossim, a Lei
8.078/80 estabelece que é direito básico do consumidor “a
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos”, o que inclui a proteção a crianças
e adolescentes consumidores em ambientes digitais (art. 6º, VI).
Referência legal: art. 227, da CF/88; art. 5º do ECA; art. 3º, 1,
da CRC; art. 6º, VI, CDC; Comentário Geral n. 16 (2013): State
obligations regarding the impact of the business sector on
children’s rights
Para ver mais: The Office of Global Insight & Policy (UNICEF).
Children’s rights-by-design: a new standard for data use by tech
companies; Grupo de Direitos Humanos e Empresas da Direito GV.
O direito à proteção integral das crianças e dos adolescentes
no contexto de grandes empreendimentos: papéis e
responsabilidades das empresas; LIVINGSTONE, Sonia;
STOILOVA, Mariya. Children’s Online Privacy and Commercial
Use of Data: Growing up in a digital age; United Nations Human
Rights Office of The High Commissioner Princípios Orientadores
sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, traduzido ao
português pela Conectas Direitos Humanos.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 94
36. Estados Partes devem tomar medidas,
inclusive por meio do desenvolvimento,
monitoramento, implementação e avaliação
da legislação, regulamentos e políticas,
para assegurar o cumprimento por parte
das empresas de suas obrigações de
impedir que suas redes ou serviços online
sejam utilizados de forma a causar ou
contribuir para violações ou abusos dos
direitos das crianças, incluindo seus direitos
à privacidade e proteção, e para fornecer
às crianças, mães, pais e cuidadores
soluções rápidas e eficazes. Devem
também incentivar as empresas a fornecer
informações públicas e conselhos acessíveis
e oportunos para apoiar as atividades
digitais seguras e benéficas das crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 95
Regulamentos e políticas: códigos de design
Como já exposto, as autoridades de proteção de dados de
países como a Inglaterra já expediram guias especificando quais
as salvaguardas a serem providenciadas por instituições que
realizam o tratamento de dados de crianças e adolescentes para
garantir a sua observância à lei e a sua adequação ao melhor
interesse desses indivíduos.
Para ver mais: Information Commissioner’s Office (ICO).
Age appropriate design: a code of practice for online services

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 96
37. Estados Partes têm o dever de proteger
as crianças de violações de seus direitos
por parte de empresas, incluindo o
direito de serem protegidas de todas as
formas de violência no ambiente digital.
Embora as empresas possam não estar
diretamente envolvidas na perpetração
de atos prejudiciais, elas podem causar
ou contribuir para violações do direito
das crianças a viverem livres de violência,
inclusive por meio do design e do
funcionamento de serviços digitais. Estados
Partes devem criar, monitorar e aplicar
leis e regulamentos destinados a prevenir
violações do direito à proteção contra a
violência, bem como aqueles destinados
a investigar, julgar e reparar violações
conforme elas ocorrem em relação ao
ambiente digital.36

36 Ibid., parag. 60.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 97
Empresas não diretamente envolvidas na perpetração de
atos prejudiciais: responsabilidade por atos de terceiros no
ambiente digital
O Marco Civil da Internet estabelece as regras de responsabili-
zação por atos praticados por terceiros no ambiente digital. De
modo geral, os provedores de aplicações (ou seja, empresas que
disponibilizam serviços ou conteúdo online) só serão responsa-
bilizados por conteúdos danosos gerados por terceiros se não
providenciarem a sua remoção mesmo após receberem ordem
judicial específica nesse sentido. Entretanto, conforme defen-
de a Profa. Ana Frazão em parecer sobre o tema concedido ao
Instituto Alana, essas disposições devem ser interpretadas em
harmonia com a Constituição Federal, o Código de Defesa do
Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente em se
tratando de conteúdos que possam afetar negativamente os
direitos de crianças e adolescentes. Assim, nesses casos, as pla-
taformas digitais podem ser responsabilizadas se falharem com
o seu dever geral de cuidado já expresso nas legislações espe-
cíficas para com esses indivíduos e não tomarem as medidas
necessárias para impedir que conteúdos danosos a eles circulem
em seus espaços digitais, afastando-se a literalidade das dispo-
sições do Marco Civil da Internet.
Referência legal: seção III do Marco Civil da Internet
Para ver mais: FRAZÃO, Ana. Parecer: Dever geral de cuidado
das plataformas diante de crianças e adolescentes

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 98
38. Estados Partes devem exigir que o setor
empresarial realize a devida diligência
dos direitos da criança, em particular
para realizar avaliações de impacto dos
direitos da criança e divulgá-las ao público,
com especial atenção aos impactos
diferenciados e, às vezes, severos do
ambiente digital sobre as crianças.37 Eles
devem tomar medidas apropriadas para
prevenir, monitorar, investigar e punir os
abusos dos direitos da criança por parte
das empresas.

37 Ibid., parag. 50 e 62-65.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 99
Devida diligência: prevenção e segurança dos dados
No que toca à proteção de dados pessoais, a LGPD traz em si
os princípios da prevenção e segurança dos dados, os quais
reforçam a necessidade de que as empresas atuem a priori
no sentido de minimizar potenciais ofensas aos direitos dos
titulares e avaliem os riscos envolvidos nos produtos e serviços
disponibilizados por elas online.
Referência legal: arts. 6º, incisos VII e VIII, 46 e 49 da LGPD

Avaliações de impacto
Instrumento chave para a avaliação de impacto sobre os
direitos das crianças é o relatório de impacto à proteção de
dados pessoais (RIPD), previsto no art. 38 da LGPD. Trata-se de
instrumento por meio do qual o controlador de dados pessoais
acessa, elenca e propõe medidas de mitigação dos riscos que as
operações de tratamento por ele conduzidas representam aos
titulares dos dados pessoais. Em se tratando de dados pessoais
de crianças e adolescentes, a obrigatoriedade da elaboração de
um relatório de impacto antes de que sejam tratados os seus
dados pessoais é decorrência do princípio do melhor interesse
em sua dimensão procedimental, tal como posta pelo Comitê
em seu Comentário Geral n° 14. Ainda, importante destacar
que o Comentário Geral n° 25 determina que essas avaliações
de impacto deverão ser divulgadas ao público, não deixando
dúvidas acerca de sua necessária publicidade.
Referência legal: art. 38 da LGPD; Comentário Geral n. 14
(2013): the right of the child to have his or her best interests
taken as a primary consideration.
Para ver mais: VAN DER HOF, Simone; LIEVENS, Eva. The
Importance of Privacy by Design and Data Protection Impact
Assessments in Strengthening Protection of Children’s Personal
Data Under the GDPR

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 100
39. Além de desenvolver legislação e
políticas, Estados Partes devem exigir que
todas as empresas que afetam os direitos
das crianças em relação ao ambiente
digital implementem marcos regulatórios,
códigos industriais e termos de serviços
que obedeçam aos mais altos padrões de
ética, privacidade e segurança em relação
ao design, engenharia, desenvolvimento,
operação, distribuição e comercialização
de seus produtos e serviços. Isso inclui
empresas que se dirigem a crianças,
que têm crianças como usuários finais
ou que de outra forma afetam crianças.
Eles devem exigir que esses negócios
mantenham altos padrões de transparência
e responsabilidade e encorajá-los a tomar
medidas inovadoras em favor do melhor
interesse da criança. Devem também exigir
o fornecimento de explicações apropriadas
à idade das crianças, ou às mães, pais e
cuidadores de crianças muito pequenas,
sobre seus termos de serviço.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 101
Explicações apropriadas à idade das crianças
A LGPD determina que empresas que realizem operações de
tratamento com dados de crianças forneçam informações
sobre tais operações “de maneira simples, clara e acessível,
consideradas as características físico-motoras, perceptivas,
sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, com uso
de recursos audiovisuais quando adequado, de forma
a proporcionar a informação necessária aos pais ou ao
responsável legal e adequada ao entendimento da criança”
Referência legal: art. 14, §6º da LGPD.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 102
J. Publicidade comercial e marketing

40. O ambiente digital inclui empresas


que dependem financeiramente do
processamento de dados pessoais para
direcionar conteúdos geradores de receita
ou pagos, e esses processos afetam
intencionalmente e não intencionalmente
as experiências digitais das crianças. Muitos
desses processos envolvem múltiplos
parceiros comerciais, criando uma cadeia
de fornecimento de atividades comerciais
e o processamento de dados pessoais que
podem resultar em violações ou abusos
dos direitos das crianças, inclusive através
de recursos de design publicitário que
antecipam e orientam as ações de uma
criança para conteúdos mais extremos,
notificações automatizadas que podem
interromper o sono ou o uso de informações
pessoais ou localização de uma criança
para direcionar conteúdo potencialmente
prejudicial com finalidade comercial.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 103
Direcionamento de conteúdos: microssegmentação
publicitária e publicidade comportamental
Refere-se, aqui, às técnicas de microssegmentação publicitária:
a partir da construção de perfis psicológicos dos usuários va-
lendo-se da coleta de seus dados pessoais, as empresas passam
a direcionar anúncios publicitários pensados especificamente
para aquele perfil, visando a impelir o usuário ao consumo de
maneira mais eficaz. A publicidade direcionada a partir desses
mecanismos é chamada de publicidade comportamental, justa-
mente por se assentar nesses perfis psicológicos dos usuários.
Por explorar de maneira particularmente acentuada as vulnera-
bilidades e privacidade dos seus destinatários, esse tipo de pu-
blicidade deve ser considerada ilícita quando dirigida a crianças
e adolescentes. Ademais, a primeira infância deve ser livre da
“pressão consumista” (Lei 13.257/16. art. 5º).
Referência legal: art. 36, 37, §2º e 39, IV do CDC, art. 227 da
CF, art. 5º do ECA, art. 5º do Marco Legal da Primeira Infância,
Resolução n° 163/2014 do Conanda e art. 14, caput da LGPD
Fonte: LIEVENS, Eva et al. O direito da criança à proteção
contra a exploração econômica no mundo digital

Orientação das ações de uma criança: “nudge”


O tratamento de dados por empresas muitas vezes é utilizado
para que sejam aplicadas técnicas de “nudge”, ou seja, técnicas
de design persuasivo que intervêm no ambiente onde o
indivíduo está inserido para conduzir o seu subconsciente a se
comportar de determinada maneira - em se tratando de sua
utilização para exploração comercial, para que venha adquirir
determinado produto, por exemplo. As crianças, mais do que
os adultos, são extremamente suscetíveis a essas técnicas, que
podem impactar negativamente o seu desenvolvimento.
Fonte: 5Rights Foundation. Disrupted Childhood - the cost of
persuasive design

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 104
Conteúdos mais extremos
Exemplo concreto da preocupação aqui expressa no Comentário
é a escalada de conteúdos relacionados a armas de fogo em rede
social de compartilhamento de vídeos, reportada pelo veículo
DigitalTrends. Fato é que conteúdos que despertam reações mais
intensas dos usuários acabam por levá-los a engajar com maior
intensidade com a plataforma, levando-os a serem priorizados
pelos algoritmos que regem o fluxo desses conteúdos.
Para ver mais: Wall Street Journal. Inside TikTok’s Algorithm:
A WSJ Video Investigation; AGARWAL, Shubham. TikTok has a
gun problem, and it is doing nothing to fix it

Conteúdo prejudicial com finalidade comercial


É necessário destacar que a internet facilita que a publicidade
de produtos particularmente prejudiciais à saúde e desenvolvi-
mento de crianças e adolescentes chegue até eles. Nesse sen-
tido, pesquisa realizada pela organização Reset Australia de-
monstrou ser possível, em abril de 2021, direcionar anúncios de
fumígenos e bebidas alcoólicas a esse público em rede social
por ele amplamente acessada.
Para ver mais: Reset Australia. Profiling Children for Advertising:
Facebook’s Monetisation of Young People’s Personal Data

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 105
41. Estados Partes devem fazer do melhor
interesse da criança uma consideração
primordial ao regular a publicidade e o
marketing dirigido e acessível às crianças.
Patrocínio, product placement e todas
as outras formas de conteúdo comercial
devem ser claramente distinguidas de todos
os outros conteúdos e não devem perpetuar
estereótipos de gênero ou raciais.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 106
Product placement
Tipo de publicidade em pontos de venda que consiste na
inserção de um produto em conteúdos de mídia como parte
do conteúdo em si. A empresa, dessa forma, expõe o produto
ao público de maneira sutil, sem deixar claro tratar-se de um
anúncio publicitário.

Publicidade claramente distinguida de todos os outros


conteúdos
O Código de Defesa do Consumidor brasileiro já consagra a
diretriz prevista nesse trecho do comentário geral (princípio
da identificação): “a publicidade deve ser veiculada de tal
forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique
como tal.” No contexto do mundo digital, esse comando torna-
se especialmente relevante na medida em que as fronteiras
entre conteúdos publicitários e de entretenimento tornam-se
ainda mais tênues. Pense-se, a título de exemplo, nos vídeos
de unboxing, nos quais influenciadores digitais (muitas vezes
crianças) abrem embalagens de produtos, geralmente recebidos
das próprias empresas, e mostram seu conteúdo como forma de
entretenimento, impedindo que adolescentes que os assistem
reconheçam o teor publicitário da ação (ainda que identificadas
textualmente como publicidade). Assim, é preciso que esse
princípio seja tratado com especial rigor no ambiente digital,
especialmente para publicidades que falam diretamente com
adolescentes, as quais devem ser claramente identificadas. Com
relação às crianças, pessoas menores de 12 anos de idade, a
presença de marcadores de identificação de publicidade não
supera a abusividade e ilegalidade intrínseca da prática da
publicidade infantil.
Referência legal: art. 36, caput, do Código de Defesa do
Consumidor
Para ver mais: Criança e Consumo. Candide - LOL Surprise

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 107
42. Estados Partes devem proibir por lei o
perfilamento ou publicidade direcionada
para crianças de qualquer idade para
fins comerciais com base em um registro
digital de suas características reais ou
inferidas, incluindo dados grupais ou
coletivos, publicidade direcionada por
associação ou perfis de afinidade. As
práticas que dependem de neuromarketing,
análise emocional, publicidade imersiva
e publicidade em ambientes de realidade
virtual e aumentada para promover
produtos, aplicações e serviços, também
devem ser proibidas de se envolver direta
ou indiretamente com crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 108
Publicidade direcionada para crianças
A publicidade infantil, aquela direcionada para crianças meno-
res de 12 anos de idade, já é como um todo, na realidade, ilegal
no Brasil. Para além das normas que garantem a proteção da
criança contra todo tipo de exploração, incluindo a exploração
comercial, o Código de Defesa do Consumidor define como
abusiva toda publicidade que “se aproveite da deficiência de jul-
gamento e experiência da criança” - portanto, toda publicidade
dirigida a esses indivíduos, cujo particular estágio de desenvol-
vimento não lhes permite responder com mínima igualdade aos
estímulos comerciais que lhes são dirigidos. Em complementa-
ção, a Resolução n° 163 do Conanda detalha que “considera-se
abusiva, em razão da política nacional de atendimento da crian-
ça e do adolescente, a prática do direcionamento de publicida-
de e de comunicação mercadológica à criança”.
Referência legal: arts. 36, 37, §2º e 39, IV do Código de Defesa
do Consumidor, art. 227 da Constituição Federal, art. 5º do ECA,
art. 5º do Marco Legal da Primeira Infância, Resolução n° 163 do
Conanda.
Para ver mais: Criança e Consumo. Publicidade infantil já é ilegal
e precisa continuar assim

Neuromarketing
É o estudo de como o cérebro reage aos estímulos publicitários
e a aplicação na prática desses conhecimentos, visando à cons-
trução de campanhas de marketing mais efetivas. Diversos fato-
res podem ser avaliados para que se tracem conclusões acerca
das reações neurológicas dos usuários da internet, inclusive o
tempo gasto em determinado website ou conteúdo digital.
Fonte: Glossário oficial do Comentário Geral n° 25 (vide nota de
rodapé n° 2)

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 109
Análise emocional
Uso de dados para descobrir ou inferir o humor e estado
emocional de um indivíduo. Muitas vezes, são acessadas
informações como a voz durante uma ligação ou a expressão
facial durante um vídeo, as quais são processadas pela
inteligência artificial para fins publicitários e aprimoramento das
técnicas de nudge. Para se dimensionar a precisão da análise
emocional, uma empresa de tecnologia, em memorando vazado
pelo periódico The Australian em 2017, afirmou a anunciantes
ser capaz de determinar o momento exato em que adolescentes
sentem-se “estressados”, “derrotados”,“sobrecarregados”,
“ansiosos”, “estúpidos”, “bobos”, “inúteis” e “um fracasso”.
Fonte: Glossário oficial do Comentário Geral n° 25 (vide nota de
rodapé n° 2)
Para ver mais: LEVIN, Sam. Facebook told advertisers it can
identify teens feeling ‘insecure’ and ‘worthless’

Publicidade imersiva
A integração de publicidade aos conteúdos online ou serviços
digitais, expondo os usuários aos anúncios publicitários à me-
dida em que estão imersos nesses produtos e serviços. Como
exemplo, pense-se nos anúncios que aparecem durante a visua-
lização de conteúdos nas redes sociais.
Fonte: Glossário oficial do Comentário Geral n° 25 (vide nota de
rodapé n° 2)

Publicidade em ambientes de realidade aumentada


Conforme relata Shoshana Zuboff, em jogo de realidade
aumentada lançado em 2016, para além da possibilidade de
aquisição de produtos dentro do aplicativo, implantou-se nele
modelo de “locais patrocinados”, ou seja, estabelecimentos
comerciais que pagavam à empresa desenvolvedora para se
tornarem tabuleiros dentro do jogo, estimulando, com isso, a sua
visita por crianças.
Fonte: ZUBOFF. Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância,
1ª Ed., Rio de Janeiro, Intrínseca, 2020, p. 361 - 362

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 110
K. Acesso à justiça e medidas de reparação

43. Crianças enfrentam desafios específicos


no acesso à justiça relacionada ao
ambiente digital por uma série de razões.
Tais desafios surgem devido à falta de
legislação que sancione as violações dos
direitos das crianças especificamente
em relação ao ambiente digital, às
dificuldades em obter provas ou identificar
os perpetradores ou porque as crianças
e suas mães, pais ou cuidadores não têm
conhecimento de seus direitos ou do que
constitui uma violação ou abuso de seus
direitos no ambiente digital, entre outros
fatores. Outros desafios podem surgir
se as crianças forem obrigadas a revelar
atividades online sensíveis ou privadas, ou
por medo de represálias por parte de seus
colegas ou de exclusão social.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 111
Acesso à Justiça
É garantido o acesso de toda criança ou adolescente às
instituições do Sistema de Justiça, como ao Conselho Tutelar, à
Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário,
em qualquer de seus órgãos. O acesso à Justiça é um direito
fundamental e é um pré-requisito essencial para a proteção
e a promoção de todos os outros direitos humanos. Desse
modo, todo Sistema de Justiça e seus procedimentos devem
ser acessíveis, sensíveis, amigáveis a crianças e adolescentes.
Deve-se assegurar o respeito e a implementação efetiva de
todos os direitos das crianças e adolescentes, dando a devida
consideração ao seu nível de maturidade e compreensão e às
circunstâncias do caso. A justiça deve ser diligente, centrada
nas suas necessidades, respeitando os direitos de crianças e
adolescentes, incluindo os direitos ao devido processo legal, à
participação e à compreensão dos processos, ao respeito à vida
privada e familiar e à integridade e à dignidade.
Referência legal: arts. 4º, 141 a 144 e 206, parágrafo único do
ECA; Resolução nº 113 do CONANDA; Comentário Geral n. 24
(2019): children’s rights in the child justice system.
Para ver mais: Child Rights International Network (CRIN).
Acccess to justice for children.; United Nations Human Rights
Office of The High Comissioner. Relatório ONU/OHCHR sobre
acesso à justiça para crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 112
44. Estados Partes devem assegurar
que mecanismos judiciais e não-judiciais
apropriados e eficazes para remediar
as violações dos direitos das crianças
relacionadas ao ambiente digital sejam
amplamente conhecidos e facilmente
disponíveis a todas as crianças e seus
representantes. Os mecanismos de queixa
e denúncia devem ser gratuitos, seguros,
confidenciais, responsivos, amigáveis
às crianças e disponíveis em formatos
acessíveis. Estados Partes também devem
providenciar denúncias coletivas, incluindo
ações coletivas e litígios de interesse
público, e assistência legal ou outra
assistência apropriada, inclusive por meio
de serviços especializados, a crianças cujos
direitos tenham sido violados no ambiente
digital ou por meio dele.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 113
45. Estados Partes devem estabelecer,
coordenar, monitorar e regularmente avaliar
as estruturas para o encaminhamento
desses casos e a prestação de apoio efetivo
às crianças vítimas.38 As estruturas devem
incluir medidas para a identificação, terapia
e acompanhamento e a reintegração social
das crianças vítimas. Os mecanismos de
encaminhamento devem incluir treinamento
sobre a identificação de crianças vítimas,
inclusive para os provedores de serviços
digitais. As medidas dentro de tal estrutura
devem ser intersetoriais e amigáveis à
criança, para evitar a revitimização e
vitimização secundária de uma criança
no contexto de processos investigativos
e judiciais. Isso pode exigir proteções
especializadas para a confidencialidade
e para reparar os danos associados ao
ambiente digital.

38 Comentário geral No. 21 (2017), parag. 22. Veja também a Resolução da Assembleia
Geral 60/147, anexo.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 114
Revitimização e Vitimização secundária
A revitimização ou vitimização secundária acontece quando
crianças e adolescentes que já são vítimas sofrem nova violên-
cia. A revitimização é definida como o discurso ou prática insti-
tucional que submeta crianças e adolescentes a procedimentos
desnecessários, repetitivos, invasivos, que levem as vítimas ou
testemunhas a reviverem a situação de violência ou outras situa-
ções que gerem sofrimento, estigmatização ou exposição de sua
imagem, seja na rede protetiva ou no sistema de justiça.
Referência legal: Lei 13.431/17 e Decreto 9.603/2018
Para ver mais: Instituto Alana e Ministério Público do Estado
de São Paulo. Guia Operacional de Enfrentamento à Violência
sexual contra crianças e adolescentes; Ministério da Cidadania.
Parâmetros de atuação do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) no sistema de garantia de direitos da criança e
do adolescente vítima ou testemunha de violência; Conselho
Nacional de Justiça. Relatório Analítico Justiça Pesquisa sobre a
Oitiva de Crianças no Poder Judiciário Brasileiro.

Confidencialidade
A proteção integral de crianças e adolescentes abrange o se-
gredo de justiça e a confidencialidade das informações presta-
das por elas. Assim, o sigilo, presente em todos os processos e
procedimentos que envolvam criança ou adolescente apenas é
afastado em casos excepcionais , sendo compartilhadas apenas
aquelas informações estritamente necessárias para a proteção
de seus direitos.
Referência Legal: art. 5º, LV, da CF; art. 189 do CPC; e art. 100,
V, art. 143, art. 144 e art. 206, todos do ECA e artigo 5º da Lei
13.431/2017.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 115
46. A reparação adequada inclui
restituição, compensação e satisfação,
e pode exigir um pedido de desculpas,
correção, remoção de conteúdo ilegal,
acesso a serviços de recuperação
psicológica ou outras medidas. 39 Em
relação às violações no ambiente digital,
os mecanismos de reparação devem levar
em conta a vulnerabilidade das crianças e
a necessidade de atuar com rapidez para
deter os danos atuais e futuros. Estados
Partes devem assegurar a não recorrência
de violações, inclusive por meio da
reforma das leis e políticas relevantes e
sua efetiva implementação.

39 Comentário geral No. 5 (2003), parag. 24.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 116
Vulnerabilidade das crianças
Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em peculiar
estágio de desenvolvimento e, portanto, necessitam de olhar
e proteção integral e especial em todos os âmbitos de suas
vidas, com absoluta prioridade. Ainda, crianças diferentes
vivem realidades de infâncias e adolescências muito distintas,
com interseccionalidades de vulnerabilidades diversas, como
as desigualdades de raça, gênero, orientação sexual ou classe.
Assim, a legislação brasileira garantiu, por meio de um modelo
interseccional de proteção das vulnerabilidades, prioridades
dentro da prioridade absoluta para crianças: com deficiência; em
situação de risco ou vulnerabilidade; e na primeira infância. Um
dos deveres do Estado, por força do artigo 227 da Constituição
Federal, é colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O
ECA também é explícito no parágrafo único de seu terceiro
artigo, ao afirmar que os direitos aplicam-se a toda criança e
adolescente, sem discriminação de nascimento, situação familiar,
idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência,
condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem,
condição econômica, ambiente social, região e local de moradia
ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a
comunidade em que vivem. Esse dever deve estar presente,
inclusive, no ambiente virtual.
Referência legal: art. 227 da CF/88; art. 3º parágrafo único do
ECA; Lei n. 13.146 de 2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, art. 14,
§ 2º ECA; art. 13; art. 14, § 2º MLPI e art. 9º da CRC.
Para ver mais: HARTUNG, Pedro Affonso Duarte. Levando os
direitos das crianças à sério

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 117
47. Tecnologias digitais trazem uma
complexidade adicional para a investigação
e a acusação de crimes contra crianças,
que podem cruzar fronteiras nacionais.
Estados Partes devem abordar as formas
pelas quais os usos das tecnologias
digitais podem facilitar ou impedir a
investigação e a acusação de crimes
contra crianças e tomar todas as medidas
preventivas, coercitivas e corretivas
disponíveis, inclusive em cooperação
com parceiros internacionais. Eles devem
fornecer treinamento especializado para
oficiais responsáveis pela aplicação da
lei, promotores e juízes sobre violações
dos direitos da criança especificamente
associadas ao ambiente digital, inclusive
por meio da cooperação internacional.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 118
48. As crianças podem enfrentar
dificuldades particulares na obtenção de
reparações quando seus direitos tiverem
sido violados no ambiente digital por
empresas, em particular no contexto de
suas operações globais.40 Estados Partes
devem considerar medidas para respeitar,
proteger e efetivar os direitos das crianças
no contexto das atividades e operações
extraterritoriais das empresas, desde que
haja um vínculo razoável entre o Estado
e a conduta em questão. Eles devem
assegurar que as empresas forneçam
mecanismos eficazes de reclamação;
esses mecanismos não devem, entretanto,
impedir que as crianças tenham acesso
aos recursos do Estado. Devem também
assegurar que as agências com poderes
de supervisão relevantes aos direitos das
crianças, como as relacionadas à saúde e
segurança, proteção de dados e direitos
do consumidor, educação e publicidade
e marketing, investiguem reclamações e
forneçam medidas de reparação adequadas

40 Comentário geral No. 16 (2013), parag. 66-67.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 119
para violações ou abusos dos direitos das
crianças no ambiente digital.41

41 Ibid., parag. 30 e 43.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 120
Agência relacionada à proteção de dados: Autoridade
Nacional de Proteção de Dados
(ANPD)
A LGPD prevê a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção
de Dados (ANPD), cujas competências são listadas no art. 55-J
da lei. A partir da edição do Decreto n° 10.474, de 26 de agosto
de 2020, passou a operar no Brasil a referida autoridade, que, no
momento, já desempenha parte de suas atribuições. A ANPD tem
importante papel na garantia dos direitos digitais de crianças e
adolescentes e vem trabalhando no fortalecimento dessa agenda,
inclusive inserindo disposições protetivas aos dados pessoais
desses indivíduos na sua Resolução n° 2, relativa aos agentes de
tratamento de pequeno porte.
Referência legal: LGPD, Capítulo IX
Para ver mais: Instituto Alana. A prioridade absoluta da
proteção dos dados pessoais de crianças e adolescentes pela
ANPD e por agentes de tratamento de pequeno porte

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 121
49. Estados Partes devem fornecer às
crianças informações adaptadas e sensíveis
às suas necessidades e em linguagem
amigável à sua faixa etária, sobre seus
direitos e sobre os mecanismos de
denúncia e reclamação, serviços e medidas
de reparação disponíveis nos casos em
que seus direitos em relação ao ambiente
digital forem violados ou abusados. Essas
informações também devem ser fornecidas
às mães, pais, cuidadores e profissionais
que trabalham com e para as crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 122
V. Direitos e liberdades civis

A. Acesso à informação

50. O ambiente digital oferece uma


oportunidade única para as crianças
efetivarem o direito de acesso à informação.
Nesse sentido, os meios de informação e
comunicação, incluindo conteúdo digital
e online, desempenham uma função
importante42. Estados Partes devem
assegurar que as crianças tenham acesso
à informação no ambiente digital e que o
exercício desse direito seja restrito somente
quando previsto por lei e seja necessário
para os propósitos estipulados no artigo 13
da Convenção.

42 Comentário geral No. 7 (2005), parag. 34; e comentário geral No. 20 (2016), parag. 47.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 123
Direito de acesso à informação
Crianças e adolescentes têm direito à informação. Ainda, a
informação deve ser exposta de forma acessível, de acordo com
a faixa etária e o desenvolvimento da criança ou do adolescente.
O acesso à informação abrange todas as formas de mídia com
especial atenção ao ambiente digital. Além disso, a capacidade
de acessar informações relevantes pode ter um impacto positivo
significativo na igualdade.
Referência legal: art. 71 e art. 100, parágrafo único, inciso XI
do ECA; art. 17 da CRC e Comentário Geral n. 20 (2016): on the
implementation of the rights of the child during adolescence.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 124
51. Estados Partes devem providenciar
e apoiar a criação de conteúdo digital
apropriado para a idade e empoderador
para as crianças de acordo com o
desenvolvimento progressivo de suas
capacidades e assegurar que as crianças
tenham acesso a uma ampla diversidade
de informações, incluindo informações
mantidas por órgãos públicos, sobre
cultura, esportes, artes, saúde, assuntos
civis e políticos e direitos das crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 125
52. Estados Partes devem incentivar
a produção e disseminação de tal
conteúdo usando múltiplos formatos
e uma pluralidade de fontes nacionais
e internacionais, incluindo meios de
comunicação, emissoras, museus,
bibliotecas e organizações educacionais,
científicas e culturais. Eles devem
esforçar-se particularmente para melhorar
o fornecimento de conteúdo diverso,
acessível e benéfico para crianças com
deficiências e crianças pertencentes a
grupos étnicos, linguísticos, indígenas e
outros grupos minoritários. A possibilidade
de acessar informações relevantes, nas
linguagens que as crianças compreendem,
pode ter um impacto positivo significativo
na igualdade.43

43 Comentário geral No. 17 (2013), parag. 46; e comentário geral No. 20 (2016),
parag. 47-48.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 126
Crianças pertencentes a grupos étnicos, linguísticos, indígenas
e outros grupos minoritários
No Brasil, o Censo 2010 revela que 896 mil pessoas se declara-
ram ou se consideravam indígenas. Ressalta-se, no entanto, que
as populações quilombolas e indígenas também configuram-se
como minorias étnicas no Brasil e sofrem violações de direitos
frequentes e sistemáticas. Concomitantemente, há indicativos
da vulnerabilidade de crianças indígenas, como o fato de serem
as maiores vítimas das desigualdades verificadas na educação
brasileira, especialmente no que diz respeito ao analfabetismo e
falta de acesso a escolas. Fonte: IBGE, 2010; Save the Children.
The Right To Learn.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 127
53. Estados Partes devem assegurar
que todas as crianças sejam informadas
sobre, e possam facilmente encontrar,
informações diversas e de boa qualidade
online, incluindo conteúdo independente
de interesses comerciais ou políticos. Eles
devem assegurar que a busca automatizada
e a filtragem de informações, incluindo
sistemas de recomendação, não priorizem
conteúdos pagos com motivação comercial
ou política sobre as escolhas das crianças
ou às custas do direito das crianças
à informação.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 128
Busca automatizada
Utilização dos dados pessoais coletados de um indivíduo para
direcionamento das informações por ele buscadas na internet,
muitas vezes de acordo com interesses comerciais. Empresas
de busca on-line direcionam informações aos usuários com
base em seus dados pessoais, podendo criar distorções em
seu acesso a essas informações e as já mencionadas bolhas
autorreferenciais.
Fonte: Glossário oficial do Comentário Geral n° 25 (vide nota de
rodapé n° 2)
Para ver mais: Spread Privacy. Measuring the “Filter Bubble”:
How Google is influencing what you click

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 129
54. O ambiente digital pode incluir
informações estereotipadas de gênero,
discriminatórias, racistas, violentas,
pornográficas e exploratórias, bem como
narrativas falsas, informações errôneas
e desinformação, e informações que
incentivem as crianças a se envolverem
em atividades ilegais ou prejudiciais.
Essas informações podem vir de múltiplas
fontes, incluindo outros usuários, criadores
de conteúdo comercial, agressores sexuais
ou grupos armados designados como
terroristas ou extremistas violentos.
Estados Partes devem proteger as
crianças de conteúdos prejudiciais e não
confiáveis e assegurar que as empresas
e outros provedores de conteúdo digital
relevantes desenvolvam e implementem
diretrizes que permitam às crianças o
acesso seguro a diversos conteúdos,
reconhecendo os direitos das crianças à
informação e à liberdade de expressão,
enquanto as protegem de material
prejudicial de acordo com seus direitos
e desenvolvimento progressivo de suas

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 130
capacidades.44 Qualquer restrição ao
funcionamento de qualquer sistema de
divulgação de informações na Internet,
seja ele eletrônico ou não, deve estar
em conformidade com o artigo 13 da
Convenção.45 Estados Partes não devem
intencionalmente obstruir ou permitir que
outros atores obstruam o fornecimento
de eletricidade, redes celulares ou
conectividade com a Internet em qualquer
área geográfica, seja em parte ou como um
todo, o que pode ter o efeito de dificultar
o acesso de uma criança à informação
e comunicação.

44 Comentário geral No. 16 (2013), parag. 58; e comentário geral No. 7 (2005), parag. 35.
45 Comitê de Direitos Humanos, comentário geral No. 34 (2011), parag. 43.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 131
Desinformação
Um dos maiores desafios relacionados ao ambiente digital
é o que diz respeito à proliferação de desinformação (as
conhecidas “fake news”). O funcionamento dos algoritmos
que direcionam informações aos usuários da rede acaba por
favorecer o espalhamento dessas notícias falsas, além de criar
ambientes onde sua veracidade não é posta em xeque. Esses
mecanismos de proliferação de “fake news” representam, hoje,
uma séria ameaça à própria democracia. Como é evidente,
as crianças são particularmente suscetíveis a esse fluxo
de desinformação, em razão de sua maior dificuldade em
identificar conteúdos inverídicos.
Fonte: AMARAL, Inês; SANTOS, Sofia José. Algoritmos e redes
sociais: a propagação de fake news na era da pós-verdade
Para ver mais: BARROCAL, André. As pistas do método
‘Cambridge Analytica’ na campanha de Bolsonaro; MOYER,
Melinda Wenner. Kids are falling victim to disinformation and
conspiracy theories. What’s the best way to fix that?

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 132
55. Estados Partes devem incentivar os
provedores de serviços digitais utilizados
por crianças a aplicar uma rotulagem
de conteúdo concisa e inteligível, por
exemplo, sobre a adequação à idade ou
a confiabilidade do conteúdo. Devem
também encorajar o fornecimento de
orientação acessível, treinamento, materiais
educacionais e mecanismos de informação
para crianças, mães, pais e cuidadores,
educadores e grupos profissionais
relevantes.46 Os sistemas baseados na idade
ou no conteúdo, concebidos para proteger
as crianças de conteúdo inapropriado
à idade, devem ser consistentes com o
princípio da minimização de dados.

46 Comentário geral No. 16 (2013), parag. 19 e 59.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 133
Minimização de dados
Princípio segundo o qual o tratamento de dados pessoais,
bem como a abrangência dos dados tratados, deve se limitar
ao mínimo necessário para o atingimento de determinada
finalidade. A lei brasileira se refere a este princípio como o
da necessidade, ao passo em que na Europa usa-se o termo
minimização dos dados (data minimisation). No que diz respeito
especificamente aos dados de crianças, é interessante notar que
a LGPD traz em si dispositivo segundo o qual os controladores
não deverão condicionar a participação de crianças em jogos,
aplicações de internet ou outras atividades ao fornecimento
de informações pessoais além das estritamente necessárias
à atividade em questão. Trata-se de reafirmação ao princípio
da necessidade e limitação da possibilidade de que empresas
restrinjam o acesso de crianças a seus serviços em razão do não
consentimento do uso de seus dados.
Referência legal: arts. 6º, inciso III e 14, §4º da LGPD e art. 13,
§2º do Decreto n° 8771/2016.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 134
56. Estados Partes devem assegurar
que os provedores de serviços digitais
cumpram as diretrizes, normas e códigos
relevantes47 e façam cumprir as regras de
moderação de conteúdo legais, necessárias
e proporcionais. Os controles de conteúdo,
sistemas de filtragem escolar e outras
tecnologias orientadas à segurança
não devem ser usados para restringir o
acesso das crianças às informações no
ambiente digital; eles devem ser usados
apenas para evitar o fluxo de material
nocivo para as crianças. Moderação de
conteúdo e controles de conteúdo devem
ser equilibrados com o direito à proteção
contra violações de outros direitos das
crianças, notadamente seus direitos à
liberdade de expressão e privacidade.

47 Ibid., parag. 58 e 61.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 135
Sistemas de filtragem de informação
Sistemas, muitas vezes implementados em escolas, que visam
a proteger as crianças do acesso a conteúdos inadequados ou
potencialmente ofensivos.
Fonte: Glossário oficial do Comentário Geral n° 25 (vide nota de
rodapé n° 2)

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 136
57. Códigos de conduta profissionais
estabelecidos pelos meios de comunicação
e outras organizações relevantes
devem incluir orientações sobre como
relatar riscos e oportunidades digitais
relacionados às crianças. Essas orientações
devem resultar em relatórios baseados em
evidências que não revelem a identidade
das crianças vítimas e sobreviventes e
que estejam de acordo com os padrões
internacionais de direitos humanos.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 137
B. Liberdade de expressão

58. O direito das crianças à liberdade de


expressão inclui a liberdade de buscar,
receber e difundir informações e ideias de
todos os tipos, utilizando qualquer mídia
de sua escolha. As crianças relataram48
que o ambiente digital oferecia um alcance
significativo para expressar suas ideias,
opiniões e pontos de vista políticos. Para
crianças em situações desfavorecidas ou
de vulnerabilidade, a interação facilitada
pela tecnologia com outras pessoas que
compartilham suas experiências pode
ajudá-las a se expressar.

48 “Our Rights in a Digital World”, p.16.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 138
Direito das crianças à liberdade de expressão
Crianças têm o direito de buscar, receber e transmitir
informações e ideias. De acordo com o artigo 13 da Convenção
dos Direitos da Criança, a criança deve ter o direito de
expressar-se livremente. Esse direito deve incluir a liberdade de
procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo,
independentemente de fronteiras, seja verbalmente, por escrito
ou por meio impresso, por meio das artes ou por qualquer outro
meio escolhido pela criança.
Referência legal: art. 5º, inciso IX, CF/88; art. 16, inciso II do
ECA; art. 13 da CRC e Comentário Geral n. 20 (2016): on the
implementation of the rights of the child during adolescence.
Para ver mais: 5Rights Foundation. O futuro da infância
no mundo digital - ensaios sobre liberdade, segurança e
privacidade

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 139
59. Quaisquer restrições ao direito das
crianças à liberdade de expressão no
ambiente digital, como filtros, incluindo
medidas de segurança, devem ser
lícitas, necessárias e proporcionais. A
fundamentação para essas restrições
deve ser transparente e comunicada às
crianças em linguagem apropriada à sua
idade. Estados Partes devem fornecer às
crianças informações e oportunidades
de treinamento sobre como exercer
efetivamente esse direito, em particular
como criar e compartilhar conteúdo digital
com segurança, respeitando os direitos e
a dignidade dos outros e não violando a
legislação, como a relativa ao incitamento
ao ódio e à violência.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 140
60. Quando as crianças expressam suas
identidades e opiniões políticas ou de
outra natureza, elas podem atrair críticas,
hostilidades, ameaças ou punições. Estados
Partes devem proteger as crianças da
ciberagressão e das ameaças, da censura,
das violações de dados e da vigilância
digital. As crianças não devem ser
processadas por expressar suas opiniões
no ambiente digital, a menos que violem as
restrições previstas pela legislação penal
que sejam compatíveis com o artigo 13
da Convenção.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 141
61. Dada a existência de motivações
comerciais e políticas para promover
visões específicas do mundo, Estados
Partes devem assegurar que os usos de
processos automatizados de filtragem
de informações, perfilamento, marketing
e tomada de decisões não substituam,
manipulem ou interfiram na capacidade
das crianças de formar e expressar suas
opiniões no ambiente digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 142
C. Liberdade de pensamento, consciência
e religião

62. Estados Partes devem respeitar


o direito da criança à liberdade de
pensamento, consciência e religião no
ambiente digital. O Comitê encoraja os
Estados Partes a introduzir ou atualizar a
regulação de proteção de dados e padrões
de design que identifiquem, definam
e proíbam práticas que manipulem ou
interfiram no direito das crianças de
liberdade de pensamento e crença no
ambiente digital, por exemplo, por meio de
análise emocional ou inferência. Sistemas
automatizados podem ser usados para
fazer inferências sobre o estado interior
de uma criança. Estados Partes devem
assegurar que sistemas automatizados ou
sistemas de filtragem de informações não
sejam usados para afetar ou influenciar o
comportamento ou emoções das crianças
ou para limitar suas oportunidades
ou desenvolvimento.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 143
Liberdade de pensamento, consciência e religião
no ambiente digital
De acordo com o artigo 14 da Convenção sobre os Direitos da
Criança, os Estados Partes devem reconhecer os direitos da
criança à liberdade de pensamento, de consciência e de cren-
ça religiosa. Os Estados Partes devem respeitar o direito e os
deveres dos pais de orientar a criança com relação ao exercício
de seus direitos, de maneira compatível com sua capacidade de
desenvolvimento.
Referência legal: art. 5º, inciso VI da CF/88, art. 16 do ECA e
artigo 14 da CRC.
Para ver mais: 5Rights Foundation. O futuro da infância
no mundo digital - ensaios sobre liberdade, segurança e
privacidade

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 144
63. Estados Partes devem assegurar
que as crianças não sejam penalizadas
por sua religião ou crenças ou que suas
oportunidades futuras sejam restringidas
de qualquer outra forma. O exercício do
direito das crianças de manifestar sua
religião ou crenças no ambiente digital
pode estar sujeito apenas a limitações que
sejam lícitas, necessárias e proporcionais.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 145
D. Liberdade de associação e reunião
pacífica

64. O ambiente digital pode permitir às


crianças formar suas identidades sociais,
religiosas, culturais, étnicas, sexuais e
políticas e participar de comunidades
associadas e de espaços públicos de
deliberação, intercâmbio cultural, coesão
social e diversidade.49 As crianças
relataram que o ambiente digital lhes
proporcionou oportunidades valiosas para
encontrar, trocar e deliberar com seus
pares, tomadores de decisão e outros que
compartilharam de seus interesses.50

49 Comentário geral No. 17 (2013), parag. 21; e comentário geral No. 20 (2016),
parag. 44-45.
50 “Our Rights in a Digital World”, p.20.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 146
65. Estados Partes devem assegurar que
suas leis, regulamentos e políticas protejam
o direito das crianças de participar de
organizações que operam parcial ou
exclusivamente no ambiente digital.
Nenhuma restrição pode ser imposta ao
exercício pelas crianças de seu direito à
liberdade de associação e reunião pacífica
no ambiente digital, além daquelas que
são legais, necessárias e proporcionais.51
Essa participação não deve resultar em
consequências negativas para essas
crianças, como a exclusão de uma escola,
restrição ou privação de oportunidades
futuras ou criação de um perfil policial. A
participação deve ser segura, privativa e
livre de vigilância por entidades públicas
ou privadas.

51 Comitê de Direitos Humanos, comentário geral No. 37 (2020), parag. 6 e 34.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 147
Direito à liberdade de associação e reunião pacífica no
ambiente digital
O artigo 15 da Convenção sobre os Direitos da Criança
preconiza que é dever dos Estados Partes reconhecer os direitos
da criança à liberdade de associação e à liberdade de realizar
reuniões pacíficas. Ademais, não devem ser impostas restrições
ao exercício desses direitos, a não ser aquelas estabelecidas
em conformidade com a lei e que sejam necessárias em
uma sociedade democrática. A associação com os pares é
um alicerce importante no desenvolvimento da criança e do
adolescente, cujo valor deve ser reconhecido na escola, no
ambiente digital, no ambiente de aprendizagem, nas atividades
recreativas e culturais e nas oportunidades de engajamento
social, cívico, religioso e político.
Fonte: Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Comentário
Geral n. 20 (2016): on the implementation of the rights of the
child during adolescence.
Referência legal: art. 5º, inciso XVII da CF/88; artigo 15 da CRC
e Comentário Geral n. 20 (2016): on the implementation of the
rights of the child during adolescence.

Privação de oportunidades futuras


Para além das preocupações relativas à liberdade de associação,
é essencial compreender que o tratamento indevido de dados
de crianças pode, também, afetá-las a longo prazo: a existência
do chamado “rastro digital”, ou seja, de registros das atividades
de um indivíduo na internet, abre as portas para que, de
interações online realizadas durante a infância, resulte a coleta
de dados que podem, por exemplo, ser mal utilizados por
empresas de saúde ou em processos seletivos de empregos ou
educação, privando-lhes de oportunidades no futuro.
Fonte: HARTUNG, Pedro; HENRIQUES, Isabella; PITA, Marina.
Proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes. In:
BIONI, Bruno et. al (org.). Tratado de Proteção de Dados
Pessoais, 1ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2020, p. 199 - 225

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 148
66. Visibilidade pública e oportunidades
de estabelecer redes e conexões no
ambiente digital também podem apoiar
o ativismo liderado pelas crianças e
empoderá-las enquanto defensoras de
direitos humanos. O Comitê reconhece que
o ambiente digital permite que crianças,
incluindo crianças defensoras de direitos
humanos, bem como crianças em situações
de vulnerabilidade, se comuniquem umas
com as outras, defendam seus direitos e
formem associações. Estados Partes devem
apoiá-las, inclusive facilitando a criação de
espaços digitais específicos, e assegurar
sua segurança.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 149
E. Direito à privacidade

67. A privacidade é vital para a agência,


dignidade e segurança das crianças e para
o exercício de seus direitos. Os dados
pessoais das crianças são processados para
oferecer-lhes benefícios educacionais, de
saúde e outros. As ameaças à privacidade
das crianças podem surgir da coleta e
processamento de dados por instituições
públicas, empresas e outras organizações,
bem como de atividades criminosas como o
roubo de identidade. As ameaças também
podem surgir das próprias atividades das
crianças e das atividades de membros da
família, colegas ou outros, por exemplo, por
mães e pais que compartilham fotografias
online ou por um estranho que compartilha
informações sobre uma criança.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 150
Privacidade
O direito à privacidade encontra-se consagrado na Constituição
Federal e no ECA, que asseguram a inviolabilidade da
intimidade, da vida privada e da imagem. No contexto da
sociedade tecnológica e digitalizada, o direito à privacidade
tem-se somado mais e mais à ideia de autodeterminação
informacional, ou seja, à possibilidade de que cada indivíduo
exerça controle sobre o fluxo de suas informações pessoais,
sua divulgação e utilização por terceiros. O direito à
autodeterminação informacional já fora reconhecido pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n° 6387, e
a proteção de dados foi posteriormente incorporada ao art.
5º da Constituição Federal com a promulgação da Emenda
Constitucional n° 15/2022.
Referência legal: art. 5º, inciso X da CF/88 e art. 100, inciso V
do ECA; Emenda Constitucional n° 15/2022

Processamento de dados por instituições públicas


O tratamento de dados pelo poder público obedece a um
conjunto de regras específicas e deve sempre ser realizado para
a persecução dos interesses da coletividade, “com o objetivo de
executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais
do serviço público” (art. 23, caput da LGPD).
Referência legal: arts. 23 a 29 da LGPD
Para ver mais: The Office of Global Insight & Policy (UNICEF).
Unicef Manifesto for a Better Governance of Children’s Data

Mães e pais que compartilham fotografias online: sharenting


O termo “sharenting”, junção dos termos “share” (compartilhar)
e “parenting” (paternidade) diz respeito à criação e
compartilhamento de conteúdo nas mídias digitais por mães,
pais ou cuidadores a partir do comportamento ou imagens
de seus filhos, de maneira habitual e excessiva. A prática
é prejudicial às crianças na medida em que colabora com
a criação de um rastro digital de seus comportamentos,
comprometendo o seu direito à privacidade. Se monetizada,
ainda, pode configurar exploração comercial infantil.
Para ver mais: ROSS, Alicia Blum; LIVINGSTONE, Sonia.
Sharenting, parent blogging, and the boundaries of the digital self

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 151
68. Dados podem incluir informações sobre
as identidades, atividades, localização,
comunicação, emoções, saúde e
relacionamentos das crianças, entre outras.
Certas combinações de dados pessoais,
incluindo dados biométricos, podem
identificar de forma única uma criança.
Práticas digitais, como processamento
automatizado de dados, perfilamento,
direcionamento comportamental,
verificação obrigatória de identidade,
filtragem de informações e vigilância em
massa estão se tornando rotina. Essas
práticas podem levar a interferências
arbitrárias ou ilegais no direito das crianças
à privacidade; podem ter consequências
adversas sobre as crianças, que podem
continuar a afetá-las em estágios
posteriores de suas vidas.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 152
Vigilância em massa
Ao tratar da rotineirização de práticas de vigilância em massa,
o Comentário nos remete ao pensamento de Shoshana Zuboff,
que descreve, de maneira esmiuçada, o que batiza de “capita-
lismo de vigilância”, uma nova ordem econômica que reivindica
a experiência humana como matéria prima para diversas práti-
cas comerciais. Por meio da coleta e processamento contínuos
de dados pessoais, grandes companhias tornam-se capazes de
realizar análises preditivas e moldar o comportamento dos indi-
víduos de acordo com os seus próprios interesses, o que repre-
senta verdadeira ameaça à soberania dos indivíduos.
Fonte: ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância.
1ªEd., Rio de Janeiro, Intrínseca, 2020
Para ver mais: VÉLIZ, Carissa. Privacidade é Poder. 1ª Ed., São
Paulo, Contracorrente, 2021

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 153
69. Interferência na privacidade de uma
criança só é permitida se não for arbitrária
nem ilegal. Qualquer interferência desse
tipo deve, portanto, ser prevista em lei,
destinada a servir a um propósito legítimo,
manter o princípio da minimização de
dados, ser proporcional e formulada para
observar o melhor interesse da criança e não
deve entrar em conflito com as disposições,
metas ou objetivos da Convenção.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 154
Propósito legítimo
A consagração do melhor interesse das crianças e adolescentes
como baliza para o tratamento de seus dados faz com que o
“propósito legítimo” aqui referido deva, necessariamente, estar
vinculado ao atendimento dos interesses desses indivíduos.
Não há que se falar, em se tratando de dados de crianças e
adolescentes, em “legítimo interesse” do agente de tratamento a
justificar o processamento desses dados, até porque eles devem
ser lidos como dados sensíveis.
Referência legal: arts. 11 e 14 da LGPD

Proporcionalidade e adequação
A ideia de proporcionalidade nos remete ao princípio da
adequação, consagrado pela LGPD, segundo o qual o
tratamento de dados pessoais deve ser compatível com as
finalidades informadas ao titular e adequado ao contexto em
que se dá o tratamento.
Referência legal: art. 6º, inciso II da LGPD

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 155
70. Estados Partes devem tomar medidas
legislativas e administrativas, entre
outras, para assegurar que a privacidade
das crianças seja respeitada e protegida
por todas as organizações e em todos
os ambientes que processam seus
dados. A legislação deve incluir fortes
salvaguardas, transparência, fiscalização
independente e acesso a medidas de
reparação. Estados Partes devem exigir a
integração da privacidade por design em
produtos e serviços digitais que afetam
crianças. Eles devem rever regularmente
a legislação de privacidade e proteção de
dados e assegurar que os procedimentos
e práticas previnam violações deliberadas
ou acidentais da privacidade das crianças.
Quando a criptografia for considerada
um meio apropriado, Estados Partes
devem considerar medidas apropriadas
que permitam a detecção e denúncia de
exploração e abuso sexual de crianças
ou material sobre abuso sexual de
crianças. Essas medidas devem ser
estritamente limitadas de acordo com os

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 156
princípios de legalidade, necessidade e
proporcionalidade.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 157
Transparência
O trecho nos remete ao princípio da transparência, também
consagrado pela LGPD, segundo o qual devem ser garantidas,
aos titulares, informações “claras, precisas e facilmente
acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos
agentes de tratamento.”
Referência legal: art. 6º, inciso VI da LGPD.

Criptografia
Conjunto de técnicas que visam a codificar determinados
textos ou informações de modo a torná-los ininteligíveis, exceto
àqueles que tenham acesso às regras e chaves que regeram a
codificação.
Fonte: Oxford Languages

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 158
71. Quando o consentimento for solicitado
para processar os dados de uma criança,
Estados Partes devem assegurar que o
consentimento seja informado e dado
livremente pela criança ou, dependendo da
idade e do desenvolvimento progressivo
das capacidades da criança, pela mãe,
pai ou responsável, e obtido antes do
processamento desses dados. Quando
o próprio consentimento da criança for
considerado insuficiente e for necessário
o consentimento parental para processar
os dados pessoais da criança, Estados
Partes devem exigir que as organizações
que processam esses dados verifiquem se
o consentimento é informado e dado pela
mãe, pai ou responsável pela criança.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 159
Consentimento
No regramento estabelecido pela LGPD, o consentimento é so-
mente uma das bases legais para o tratamento de dados pes-
soais e é definido pela lei como a“manifestação livre, informada
e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de
seus dados pessoais para uma finalidade determinada”. A LGPD
dispõe, ainda, que para o tratamento de dados pessoais de
crianças é necessário o consentimento específico e em destaque
dado pela mãe, pai ou responsável, por escrito e em destaque
das demais cláusulas contratuais. Contudo, com ou sem o con-
sentimento parental, o melhor interesse da criança (art. 14, caput
da LGPD) deve estar sempre presente. Ainda, salvo em casos
excepcionais, a necessidade de consentimento parental de que
trata LGPD deve ser estendida aos adolescentes de até 16 anos,
os quais não têm capacidade jurídica para firmar negócios jurí-
dicos sem a representação das mães, pais ou responsáveis.
Referência legal: art. 5º, inciso XII, 8º, §1º, 7º, inciso I, 11, inciso I,
e 14, §1º da LGPD; art. 3º do Código Civil
Para ver mais: HARTUNG, Pedro; HENRIQUES, Isabella; PITA,
Marina. Proteção de dados pessoais de crianças e adolescen-
tes. In: BIONI, Bruno et. al (org.). Tratado de Proteção de Dados
Pessoais, 1ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2020, p. 199 - 225

Verificação do consentimento
A LGPD já traz em si, também, disposição no sentido preconiza-
do pelo comentário, impondo aos controladores de dados que
eles verifiquem se o consentimento foi, de fato, dado pela mãe,
pai ou responsável pela criança, levando em conta as tecnolo-
gias disponíveis.
Referência legal: art. 14, §5º da LGPD.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 160
72. Estados Partes devem assegurar
que as crianças e suas mães, pais ou
cuidadores possam facilmente acessar os
dados armazenados, retificar dados que
estejam imprecisos ou desatualizados e
apagar dados armazenados ilegalmente
ou desnecessariamente por autoridades
públicas, indivíduos privados ou outros
órgãos, sujeito a limitações razoáveis
e legais.52 Eles devem ainda assegurar
o direito das crianças de retirar seu
consentimento e se opor ao processamento
de dados pessoais quando o controlador de
dados não demonstrar motivos legítimos e
superiores para o processamento. Devem
também fornecer informações às crianças,
mães, pais e cuidadores sobre esses
assuntos, em linguagem amigável para
crianças e em formatos acessíveis.

52 Comitê de Direitos Humanos, comentário geral No. 16 (1998), parag. 10.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 161
Acesso dados, retificação, e exclusão dos dados: direitos
do titular
Todos os direitos subjetivos dos titulares de dados descritos
nesse ponto do comentário (acesso aos dados, correção de
dados incompletos, inexatos ou desatualizados e eliminação
de dados desnecessários, excessivos ou tratados em
desconformidade com o disposto na lei) já se encontram
positivados na LGPD.
Referência legal: art. 18, incisos II, III e IV da LGPD

Retirada do Consentimento
Outro direito dos titulares previsto na LGPD é o de revogar,
a qualquer momento e gratuitamente, o consentimento que
havia sido fornecido para o tratamento de dados pessoais.
Ainda, havendo alteração na forma ou finalidade do tratamento
assentado na base legal do consentimento, ou na identidade do
controlador dos dados, o titular deverá ser informado e poderá,
nesse momento, retirar o seu consentimento caso não esteja de
acordo com as mudanças.
Referência legal: art. 8º, §§ 5º e 6º, e art. 18, inciso IX da LGPD.

Oposição ao processamento dos dados


Mais um direito dos titulares de dados previsto na LGPD, que
determina que os titulares poderão se opor ao tratamento
realizado sem o seu consentimento quando ele contrariar a lei.
Referência legal: art. 18, §2º da LGPD

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 162
73. Os dados pessoais das crianças devem
ser acessíveis somente a autoridades,
organizações e indivíduos designados por
lei para processá-los em conformidade com
essas garantias de devido processo legal,
como auditorias regulares e medidas de
prestação de contas.53 Os dados das crianças
coletados para fins definidos, em qualquer
contexto, incluindo registros criminais
digitalizados, devem ser protegidos e
exclusivos para esses fins e não devem ser
retidos ilegalmente ou desnecessariamente
ou utilizados para outros fins. Quando
informações são fornecidas em um ambiente
e podem legitimamente beneficiar a criança
por meio do seu uso em outro ambiente,
por exemplo, no contexto da escolaridade e
educação superior, o uso desses dados deve
ser transparente, responsável e sujeito ao
consentimento da criança, da mãe, pai ou
responsável, conforme apropriado.

53 Ibidem; e Comitê dos Direitos da Criança, comentário geral No. 20 (2016).

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 163
Fins definidos: finalidade
O trecho nos remete ao princípio da finalidade, um dos mais
basilares da LGPD. Segundo esse princípio, o tratamento
dos dados deverá ser realizado“para propósitos legítimos,
específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade
de tratamento posterior de forma incompatível com essas
finalidades.”
Referência legal: art. 6º, inciso I da LGPD

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 164
74. A legislação e as medidas de privacidade
e proteção de dados não devem limitar
arbitrariamente outros direitos das crianças,
como seu direito à liberdade de expressão
ou proteção. Estados Partes devem
assegurar que a legislação de proteção
de dados respeite a privacidade e os
dados pessoais das crianças em relação
ao ambiente digital. Por meio da contínua
inovação tecnológica, o âmbito do ambiente
digital está se expandindo para incluir cada
vez mais serviços e produtos, como roupas
e brinquedos. Conforme os ambientes
onde as crianças passam seu tempo se
tornam “conectados”, através do uso de
sensores embutidos conectados a sistemas
automatizados, Estados Partes devem
assegurar que os produtos e serviços que
contribuem para esses ambientes estejam
sujeitos à proteção robusta de dados e a
outras regulações e normas de privacidade.
Isso inclui ambientes públicos, como ruas,
escolas, bibliotecas, locais esportivos e de
entretenimento e instalações comerciais,
incluindo lojas e cinemas, e o lar.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 165
75. Qualquer vigilância digital de crianças,
associada a qualquer processamento
automatizado de dados pessoais, deve
respeitar o direito da criança à privacidade
e não deve ser realizada rotineiramente,
indiscriminadamente ou sem o
conhecimento da criança ou, no caso de
crianças muito novas, o de sua mãe, pai ou
cuidador; nem deve ocorrer sem o direito
de objeção a essa vigilância, em ambientes
comerciais e educativos e de cuidados, e
deve sempre ser considerado o meio menos
invasivo à privacidade disponível para
cumprir o propósito desejado.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 166
Vigilância digital
A ideia de “vigilância digital” tem acepção ampla, mas torna-
se especialmente palpável em se tratando das já mencionadas
tecnologias de reconhecimento facial e identificação biométrica.
Essas tecnologias, sobretudo quando implementadas para fins
de segurança pública, têm causado diversas preocupações
e foram, inclusive, objeto de declaração internacional aberta
pelo seu banimento, assinada por diversas organizações da
sociedade civil ao redor do globo. Na referida declaração, lê-
se que essas tecnologias “são capazes de identificar, seguir,
destacar individualmente e rastrear pessoas a todos os lugares
que elas vão, minando nossos direitos humanos - incluindo os
direitos à privacidade e proteção de dados, o direito à liberdade
de expressão, o direito à liberdade de reunião e associação
(levando à criminalização de protestos e causando um efeito
inibidor), e os direitos à igualdade e à não-discriminação.”
Para ver mais: Ban Biometric Surveillance

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 167
76. O ambiente digital apresenta problemas
específicos para mães, pais e cuidadores
no que diz respeito ao direito das
crianças à privacidade. Tecnologias que
monitoram atividades online para fins de
segurança, como dispositivos e serviços de
rastreamento, se não forem implementadas
cuidadosamente, podem impedir que
uma criança acesse uma central de ajuda
ou procure por informações sensíveis.
Estados Partes devem aconselhar crianças,
mães, pais e cuidadores e o público sobre
a importância do direito da criança à
privacidade e sobre como suas próprias
práticas podem ameaçar esse direito.
Eles também devem ser aconselhados
sobre as práticas por meio das quais
podem respeitar e proteger a privacidade
das crianças em relação ao ambiente
digital, enquanto as mantêm seguras. O
monitoramento da atividade digital de
uma criança pelas mães, pais e cuidadores
deve ser proporcional e de acordo com
o desenvolvimento progressivo das
capacidades da criança.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 168
77. Muitas crianças usam avatares online
ou pseudônimos que protegem sua
identidade, e essas práticas podem ser
importantes para proteger a privacidade
das crianças. Estados Partes devem exigir
uma abordagem que integre a segurança
por design e a privacidade por design
com o anonimato, assegurando, ao mesmo
tempo, que práticas anônimas não sejam
usadas rotineiramente para esconder
comportamentos prejudiciais ou ilegais,
como ciberagressões, discursos de ódio
ou exploração e abuso sexual. Proteger a
privacidade de uma criança no ambiente
digital pode ser vital em circunstâncias em
que as próprias mães, pais ou cuidadores
representam uma ameaça à segurança da
criança ou em que eles estejam em conflito
com relação aos cuidados da criança. Esses
casos podem exigir intervenção adicional,
bem como aconselhamento familiar ou
outros serviços, para salvaguardar o direito
da criança à privacidade.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 169
Anonimato
Importante destacar que a disciplina do Marco Civil da Internet
acaba por relativizar o anonimato nas redes, na medida em
que os usuários podem ser identificados pelo seus endereços
IP e a lei obriga os provedores de aplicações (sites, conteúdos
online, etc) a guardar, em ambiente controlado, os registros
de acesso dos usuários pelo prazo de 06 meses, para eventual
atendimento de ordem judicial. Nessa medida, a legislação
nacional vai ao encontro do que dispõe o comentário, já que
impede que o anonimato na rede seja usado como escudo para
práticas ilícitas.
Referência legal: art. 15 e seguintes do Marco Civil da Internet

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 170
78. Provedores de serviços de prevenção
ou aconselhamento a crianças no ambiente
digital devem ser isentos de qualquer
exigência para que uma criança usuária
obtenha o consentimento parental a fim de
ter acesso a esses serviços.54 Esses serviços
devem ser mantidos com altos padrões de
privacidade e proteção da criança.

54 Comentário geral No. 20 (2016), parag. 60.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 171
F. Registro de nascimento e direito
à identidade

79. Estados Partes devem promover o


uso de sistemas de identificação digital
que permitam que todas as crianças
recém-nascidas tenham seu nascimento
registrado e oficialmente reconhecido
pelas autoridades nacionais, para facilitar
o acesso a serviços, incluindo saúde,
educação e bem-estar social. A falta
de registro de nascimento facilita a
violação dos direitos das crianças nos
termos da Convenção e dos Protocolos
Opcionais a ela referentes. Estados Partes
devem utilizar tecnologia atualizada,
incluindo unidades móveis de registro,
para assegurar o acesso ao registro de
nascimento, especialmente para crianças
em áreas remotas, crianças refugiadas e
migrantes, crianças em risco e aquelas
em situações marginalizadas, e incluir
crianças nascidas antes da introdução
de sistemas de identificação digital.
Para que esses sistemas beneficiem as

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 172
crianças, eles devem conduzir campanhas
de conscientização, estabelecer
mecanismos de monitoramento, promover
o engajamento comunitário e assegurar
uma coordenação eficaz entre diferentes
atores, incluindo oficiais de registro
civil, juízes, cartorários, oficiais de saúde
e pessoal de agências de proteção à
criança. Eles também devem assegurar que
uma estrutura robusta de privacidade e
proteção de dados esteja em vigor.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 173
Nascimento registrado: registros de nascimento
No Brasil, a partir da edição da Portaria n° 248/2018,
do Ministério da Saúde, tornou-se obrigatório o registro
biométrico de recém-nascidos no país. Ainda que tal medida
possa contribuir para a prevenção de fraudes, ela exige
acompanhamento sobre a adequação da coleta e tratamento
desses dados aos princípios e regras da LGPD.
Fonte: Instituto Alana, Internet Lab. O direito das crianças à
privacidade: obstáculos e agendas de proteção à privacidade
e ao desenvolvimento da autodeterminação informacional das
crianças no Brasil. Contribuição conjunta para o relator especial
sobre o direito à privacidade da ONU. São Paulo, 2020, p. 34 - 37.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 174
VI. Violência contra crianças

80. O ambiente digital pode abrir novas


maneiras de se perpetrar a violência
contra crianças, facilitando situações em
que as crianças experienciam violência e/
ou podem ser influenciadas a fazer mal
a si mesmas ou a outros. Crises, como
pandemias, podem levar a um risco maior
de danos online, uma vez que as crianças
passam mais tempo em plataformas virtuais
nessas circunstâncias.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 175
Violência contra crianças
O avanço das tecnologias digitais possibilitam o surgimento
de novas formas de violências contra crianças, como : violação
da privacidade; violação da sua segurança e integridade
física, psíquica, sexual e moral; restrições indevidas das suas
liberdades; exploração econômica ou comercial; e outras
formas de discriminação. Ainda, outros fenômenos de violência
ocorrem em situações, como: (i) abarcando a adulteração,
montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer
outra forma de representação visual, simulando a participação
de criança ou adolescente em atos sexuais; (ii) abuso por meio
de transmissão ao vivo, que se configura pela transmissão em
tempo real de atos sexuais com crianças; (iii) formação de
comunidades digitais de conteúdo sexual com crianças em
mecanismos como a dark web; (iv) cyberbulling, termo que
denomina o bullying que acontece ou é intensificado e ampliado
nos meios digitais; (v) grooming, termo que significa aliciamento
em inglês, utilizado para definir genericamente os meios de
chantagem e assédio sexual através da internet. Sem controle
de quem vê ou compartilha, os atos que expõem a criança ou o
adolescente vítima podem gerar consequências extremas, como
quadros graves de depressão e até mesmo o suicídio.
Fonte: Bracket Foundation. Artificial Intelligence. Combating
Online Sexual Abuse of Children; Childhood Brasil. Navegação
Segura; HARTUNG, Pedro. The children’s rights-by-design
standard for data use by tech companies,

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 176
Aumento do uso de internet na pandemia
A pesquisa “Entretempos, relatos e aprendizados sobre as
crianças nessa pandemia”, do Gloob em parceria com Quantas e
Tsuru, constatou que o tempo despendido por crianças em jogos
online, televisão e redes sociais aumentou consideravelmente
durante a pandemia. Segundo o estudo, 78% das crianças
jogam videogames diariamente, e, segundo os pais, 76% delas
começaram a assistir mais à televisão nesse período. A internet
também ganhou destaque: 74% das crianças consomem mais
vídeos na internet do que antes do isolamento e 73% começaram
a passar mais tempo acompanhando produtores de vídeos.
A mesma pesquisa indica que, neste período de isolamento,
atividades artísticas, extracurriculares e práticas de esportes
diminuíram. Além disso, uma pesquisa feita pelo aplicativo de
controle parental Qustodio apontou que o houve crescimento
do uso de redes sociais por crianças em 200% no ano de 2020,
no período de isolamento social. A pesquisa não abrangeu o
Brasil, mas levanta dados importantes de como essas aplicações
são populares entre as crianças. Esse aumento do contato
com telas pode ter efeitos negativos sobre o desenvolvimento
infantil. A Sociedade Brasileira de Pediatria, inclusive, aponta a
retomada de atividades físicas e ao ar livre como essencial para a
recuperação da saúde física e mental das crianças.
Fontes: Globo. Entretempos, relatos e aprendizados sobre as
crianças nessa pandemia; TikTok impulsiona o aumento de uso
de redes sociais por crianças em 200%; Criança, Adolescente e
Natureza. Nota de Alerta - O papel da natureza na recuperação
da saúde e bem-estar das crianças e adolescentes durante e
após a pandemia de COVID-19

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 177
81. Agressores sexuais podem usar
tecnologias digitais para solicitar crianças
para fins sexuais e para participar de abuso
sexual de crianças online, por exemplo,
através da transmissão de vídeo ao vivo,
produção e distribuição de material sobre
abuso sexual de crianças e por meio de
extorsão sexual. Formas de violência
facilitada digitalmente e exploração
e abuso sexual também podem ser
perpetradas dentro do círculo de confiança
da criança, por familiares ou amigos ou,
para adolescentes, por parceiros íntimos,
e podem incluir ciberagressões, incluindo
bullying e ameaças à reputação, a criação
ou compartilhamento não-consensual de
textos ou imagens sexualizadas, como
conteúdo autogerado por solicitação
e/ou coerção, e a promoção de
comportamentos auto-prejudiciais, como
automutilação, comportamento suicida ou
distúrbios alimentares. Nos casos em
que as crianças tenham praticado essas
ações, Estados Partes devem buscar
abordagens preventivas, de salvaguarda

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 178
e de justiça restaurativa para as crianças
envolvidas, sempre que possível.55

55 Comentário geral No. 24 (2019), parag. 101; e CRC/C/156, parag. 71.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 179
Bullying
O bullying (ou ciberbullying, quando verificado em ambiente
digital) identifica-se por intimidações, humilhações e outros
tipos de violência psicológica direcionadas reiteradamente a
determinado indivíduo. As características próprias do ambiente
digital tendem a fazer com que a disseminação de conteúdo
que caracteriza cyberbullying se prolifere e adquira grandes
proporções.
Fonte: Safernet. O que é Ciberbullying?

Justiça restaurativa
A Justiça restaurativa é alternativa aos métodos tradicionais
de administração de conflitos no âmbito do Poder Judiciário.
Contudo, expoentes dessa alternativa têm entendimento da
Justiça Restaurativa, não como uma técnica de solução de
conflitos – apesar de conter um leque delas –, mas como uma
verdadeira mudança dos paradigmas de convivência, voltada à
conscientização dos fatores relacionais, institucionais e sociais
motivadores da violência e da transgressão, de forma a envolver
todos os integrantes da sociedade como sujeitos protagonistas
da transformação rumo a uma sociedade mais justa e humana.
Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Apresentação da Minuta
da Política Nacional da Justiça Restaurativa
Referência Legal: Resolução nº 125/2010, CNJ; Resolução n.
225/2016, CNJ, que institui e regulamenta especificamente uma
Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder
Judiciário.
Para ver mais: Conselho Nacional de Justiça. Pilotando a Justiça
Restaurativa

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 180
82. Estados Partes devem tomar medidas
legislativas e administrativas para proteger
crianças da violência no ambiente digital,
incluindo a revisão, atualização e aplicação
devida de marcos legislativos, regulatórios
e institucionais robustos que protejam
as crianças dos riscos reconhecidos e
emergentes de todas as formas de violência
no ambiente digital. Esses riscos incluem
violência física ou mental, lesões ou abuso,
negligência ou maus-tratos, exploração
e abuso, incluindo exploração e abuso
sexuais, tráfico de crianças, violência
baseada no gênero, ciberagressão, ataques
cibernéticos e guerra de informação.
Estados Partes devem implementar
medidas de segurança e proteção de
acordo com o desenvolvimento progressivo
das capacidades das crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 181
83. O ambiente digital pode abrir novos
caminhos para grupos não estatais,
incluindo grupos armados designados
como terroristas ou extremistas violentos,
para recrutar e explorar crianças para se
envolverem ou participarem da violência.
Estados Partes devem assegurar que
a legislação proíba o recrutamento
de crianças por grupos terroristas ou
extremistas violentos. As crianças acusadas
de delitos nesse contexto devem ser
tratadas principalmente como vítimas, mas,
se acusadas, o sistema de justiça infantil
deve ser implementado.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 182
VII. Ambiente familiar e cuidados
alternativos

84. Muitas mães, pais e cuidadores


precisam de apoio para desenvolver o
entendimento tecnológico, a capacidade e
as habilidades necessárias para ajudar as
crianças em relação ao ambiente digital.
Estados Partes devem assegurar que mães,
pais e cuidadores tenham oportunidades
para adquirir alfabetização digital, para
aprender como a tecnologia pode apoiar
os direitos das crianças e para reconhecer
uma criança que é vítima de danos online e
responder adequadamente. Deve ser dada
atenção especial às mães, pais e cuidadores
de crianças em situações desfavorecidas ou
de vulnerabilidade.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 183
85. Ao apoiar e orientar mães, pais e
cuidadores em relação ao ambiente
digital, Estados Partes devem promover
sua conscientização para respeitar a
crescente autonomia e necessidade de
privacidade das crianças, de acordo com
o desenvolvimento progressivo de suas
capacidades. Estados Partes devem levar
em conta que as crianças frequentemente
abraçam e experimentam oportunidades
digitais e podem encontrar riscos, inclusive
em uma idade mais jovem do que mães,
pais e cuidadores podem prever. Algumas
crianças relataram querer mais apoio e
incentivo em suas atividades digitais,
especialmente quando perceberam que a
abordagem de mães, pais e cuidadores é
punitiva, excessivamente restritiva ou não
ajustada ao desenvolvimento progressivo
de suas capacidades.56

56 “Our Rights in a Digital World”, p. 30.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 184
Idade mais jovem do que se pode prever: inserção precoce de
crianças no ambiente digital
Muitas redes sociais determinam que apenas pessoas com 13
anos de idade ou mais poderão criar perfis e se tornar usuárias.
Na prática, porém, muitas crianças e adolescentes alteram a ida-
de para poderem ter uma conta nessas redes sociais e acabam
se inserindo no ambiente digital cada vez mais cedo. A pesqui-
sa TIC Kids Online Brasil de 2019 constatou que as crianças se
inserem no meio digital de maneira bastante precoce: 53% das
crianças entrevistadas afirmaram que o primeiro contato com
a rede se deu ainda com 10 anos de idade ou menos. Vale des-
tacar que a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que
crianças de até 2 anos não tenham contato nenhum com telas, e
que o tempo de tela para crianças entre 2 e 5 anos se limite a 1
hora por dia - orientações ecoadas pela Associação Americana
de Pediatria. Em similar sentido, a OMS recomenda que crianças
com menos de 1 ano não sejam expostas a telas, e que tempo
de tela se limite a 1 hora diária para crianças de até 4 anos.
Fontes: LOURENÇO, Aline. Crianças de até 13 anos terão
Instagram deletado; entenda o motivo; TIC Kids Online Brasil
- 2018. A3 - CRIANÇAS E ADOLESCENTES, POR IDADE DO
PRIMEIRO ACESSO À INTERNET; - Grupo de Trabalho Saúde
na Era Digital. Sociedade Brasileira de Pediatria - Manual de
Orientação; PAPPAS, Stephanie. What do we really know about
kids and screens; World Health Organization. Guidelines on
physical activity, sedentary behaviour and sleep for children
under 5 years of age

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 185
86. Estados Partes devem levar em
conta que o apoio e a orientação
fornecidos às mães, pais e cuidadores
devem ser baseados na compreensão da
especificidade e da singularidade das
relações parento-filiais. Essa orientação
deve apoiar as mães e pais na manutenção
de um equilíbrio adequado entre a
proteção da criança e a sua autonomia
emergente, baseada na empatia e
respeito mútuos, ao invés da proibição
ou controle. Para ajudar mães, pais e
cuidadores a manter um equilíbrio entre as
responsabilidades parentais e os direitos
das crianças, o melhor interesse da criança,
aplicado juntamente com a consideração
do desenvolvimento progressivo das
capacidades da criança, devem ser os
princípios orientadores. A orientação às
mães, pais e cuidadores deve encorajar
as atividades sociais, criativas e de
aprendizagem das crianças no ambiente
digital e enfatizar que o uso de tecnologias
digitais não deve substituir interações
diretas e responsivas entre as próprias

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 186
crianças ou entre as crianças e as mães,
pais ou cuidadores.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 187
Responsabilidades parentais
O melhor interesse da criança enquanto princípio orientador da
parentalidade deve ser compreendido à luz do contexto socio-
familiar e necessidades da criança ou adolescente em questão,
mas implica que todos os seus direitos sejam respeitados, não
devendo os pais ou cuidadores tomarem decisões que afastem
quaisquer direitos dispostos na lei. Ainda, em todos os casos em
que houver conflito de interesses ou impossibilidade de atendi-
mento comum de direitos fundamentais colidentes, a primazia
do melhor interesse e dos direitos de crianças e adolescentes
deve ser realizada de forma absoluta, ainda que a definição do
conteúdo desse interesse seja objeto de debate ou disputa. Ou
seja, os direitos e o melhor interesse de tais indivíduos devem
estar sempre em primeiro lugar.
Fonte: Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Comentário
Geral n. 14 (2013): the right of the child to have his or her best
interests taken as a primary consideration.
Referência legal: art. 22, do ECA; art. 3º da CRC e Comentário
Geral n. 14 (2013): the right of the child to have his or her best
interests taken as a primary consideration.
Para ver mais: HARTUNG, Pedro Affonso Duarte. Levando os
direitos das crianças a sério; Playlist Infância e Tecnologia.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 188
87. É importante que as crianças separadas
de suas famílias tenham acesso às
tecnologias digitais.57 Evidências indicam
que as tecnologias digitais são benéficas
para manter as relações familiares, por
exemplo, em casos de separação parental,
quando as crianças são colocadas sob
cuidados alternativos, com o objetivo de
estabelecer relações entre as crianças e
potenciais mães e pais adotivos ou famílias
temporárias e para reunir as crianças
em situações de crise humanitária com
suas famílias. Portanto, no contexto de
famílias separadas, Estados Partes devem
apoiar o acesso a serviços digitais para
crianças e suas mães, pais, cuidadores
ou outras pessoas relevantes, levando
em consideração a segurança e o melhor
interesse da criança.

57 Comentário geral No. 21 (2017), parag. 35.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 189
Cuidados alternativos
Os cuidados alternativos – como família acolhedora, casas-lares
ou acolhimento institucional –, consistem em uma medida de
proteção utilizada quando crianças e adolescentes encontram-
se sem cuidado familiar ou de um responsável legal e, segundo
o ECA, deve ocorrer de forma excepcional e provisória. O
principal propósito dos serviços de acolhimento é reintegrar as
crianças e adolescentes a suas famílias de origem ou, quando
impossível, inseri-las em famílias acolhedoras, adotivas ou
acolhê-las até a maioridade.
Fonte: ADRIÃO, Maria do Carmo Salviano. Os serviços de
acolhimento institucional para crianças e adolescentes: os
desafios e o trabalho com a rede de proteção social. Fundação
Getúlio Vargas, 2013.
Referência Legal: art. 19, ECA; Plano Nacional de Promoção e
Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 190
88. Medidas tomadas para melhorar a
inclusão digital devem ser conciliadas com
a necessidade de proteger as crianças
nos casos em que as mães, pais ou outros
membros da família ou cuidadores,
quer estejam fisicamente presentes ou
distantes, possam colocá-los em risco.
Estados Partes devem considerar que
esses riscos podem ser viabilizados através
do design e uso de tecnologias digitais,
por exemplo, revelando a localização de
uma criança a um agressor em potencial.
Em reconhecimento a esses riscos, eles
devem exigir uma abordagem que integre
a segurança por design e a privacidade
por design, e garantir que mães, pais e
cuidadores estejam plenamente conscientes
dos riscos e das estratégias disponíveis
para apoiar e proteger as crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 191
Segurança e privacidade por design
Conceitos que dialogam com o de children’s rights by design
e com os já mencionados princípios da prevenção e segurança
dos dados. Tratam-se de conceitos cuja aplicação prática impõe
que os sistemas utilizados para tratamento de dados pessoais
sejam estruturados desde a origem de modo a garantir a
privacidade e segurança dos dados dos futuros usuários. Nos
termos da LGPD: “os sistemas utilizados para o tratamento de
dados pessoais devem ser estruturados de forma a atender
aos requisitos de segurança, aos padrões de boas práticas e
de governança e aos princípios gerais previstos nesta Lei e às
demais normas regulamentares.”
Referência legal: art. 49 da LGPD

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 192
VIII. Crianças com deficiência

89. O ambiente digital abre novos caminhos


para que crianças com deficiência se
envolvam em relações sociais com seus
pares, acessem informações e participem
de processos públicos de tomada de
decisão. Estados Partes devem buscar esses
caminhos e tomar medidas para evitar a
criação de novas barreiras e para remover
as barreiras existentes enfrentadas por
crianças com deficiência em relação ao
ambiente digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 193
Evitar a criação de novas barreiras e para remover
as barreiras existentes
Pesquisas apontam que crianças e adolescentes com deficiência
tendem a ter dificuldades específicas nos ambientes digitais
como: problemas de acesso à informação ou de determinação
de conteúdo confiável, maior suscetibilidade ao bullying e falta
de canais de ajuda. O Comentário Geral No. 9 (2006) do Comitê
de Direitos da Criança recomenda que os Estados-Parte tomem
medidas para enfrentar todas as formas de discriminação contra
crianças e adolescentes com deficiência, o que contempla a
criação de ambientes digitais inclusivos.
Fonte: STOILOVA, Mariya; LIVINGSTONE, Sonia. Children online:
research and evidence
Referência legal: art. 23 da CRC e Comentário Geral n. 9
(2006): The rights of children with disabilities.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 194
90. Crianças com diferentes tipos de
deficiências, incluindo deficiências físicas,
intelectuais, psicossociais, auditivas e
visuais, enfrentam diferentes barreiras
no acesso ao ambiente digital, como
conteúdo em formatos não acessíveis,
acesso limitado a tecnologias assistivas
acessíveis em casa, na escola e na
comunidade e a proibição do uso de
dispositivos digitais nas escolas,
instalações de saúde e outros ambientes.
Estados Partes devem assegurar que
crianças com deficiências tenham acesso
a conteúdo em formatos acessíveis e
remover políticas que tenham um impacto
discriminatório sobre essas crianças. Eles
devem assegurar o acesso a tecnologias
assistivas acessíveis, onde necessário, em
particular para crianças com deficiências
que vivem em situação de pobreza, e
fornecer campanhas de conscientização,
treinamento e recursos para crianças com
deficiências, suas famílias e funcionários
em ambientes educacionais e outros
ambientes relevantes, para que tenham

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 195
conhecimentos e habilidades suficientes
para usar as tecnologias digitais de
forma eficaz.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 196
Tecnologias assistivas e acessíveis
As tecnologias assistivas e acessíveis, compreendidas como
recursos e serviços promovem a funcionalidade, participação,
qualidade de vida e inclusão social das pessoas com deficiên-
cia, são consideradas um direito básico, consagrado em especial
na Lei Brasileira da Inclusão (Lei nº 13.146/2015). Ainda assim,
pesquisas indicam que há sérios problemas referentes à apro-
priação e uso dessas tecnologias pela população brasileira, com
destaque para a falta de informação sobre os recursos existen-
tes, os altos custos dos produtos e a ausência de políticas públi-
cas abrangentes e suficientes.
Fonte: SONZA, Andréa Poletto (org.). Conexões assistivas:
tecnologias assistivas e materiais didáticos acessíveis. 1. ed.
Graffoluz Editora, 2020.
Referência Legal: art. 4º, §1º da Lei nº 13.146/2015 e art. 23 da
CRC.
Para ver mais: Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva e
Inclusive: inclusão e cidadania.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 197
91. Estados Partes devem promover
inovações tecnológicas que atendam às
exigências de crianças com diferentes tipos
de deficiência e assegurar que os produtos
e serviços digitais sejam projetados para
acessibilidade universal para que possam ser
usados por todas as crianças sem exceção e
sem necessidade de adaptação. As crianças
com deficiências devem ser envolvidas na
concepção e entrega de políticas, produtos
e serviços que afetem a efetivação de seus
direitos no ambiente digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 198
Crianças com deficiências envolvidas na concepção e entrega
de políticas
Segundo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, os Estados-Parte devem “Adotar todas as medidas
legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza,
necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na
presente Convenção”,“Levar em conta, em todos os programas
e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos
das pessoas com deficiência’’ e “Promover ativamente um
ambiente em que as pessoas com deficiência possam participar
efetiva e plenamente na condução das questões públicas, sem
discriminação e em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, e encorajar sua participação nas questões públicas”.
Fonte: The Office of Global Insight & Policy (UNICEF).
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
e Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência; Lei n° 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa
com Deficiência) e art. 23 da CRC.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 199
92. Crianças com deficiências podem
estar mais expostas a riscos, incluindo
ciberagressões e exploração e abuso
sexual, no ambiente digital. Estados Partes
devem identificar e endereçar os riscos
enfrentados por crianças com deficiências,
tomando medidas para assegurar que o
ambiente digital seja seguro para elas,
ao mesmo tempo em que combatem os
preconceitos enfrentados por crianças
com deficiências que possam levar à
superproteção ou exclusão. Informações
de segurança, estratégias de proteção e
informações públicas, serviços e fóruns
relacionados ao ambiente digital devem ser
fornecidos em formatos acessíveis.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 200
IX. Saúde e bem-estar

93. Tecnologias digitais podem facilitar o


acesso a serviços e informações de saúde
e melhorar os serviços de diagnóstico e
tratamento para a saúde física e mental
e nutrição materna, neonatal, infantil
e adolescente. Elas também oferecem
oportunidades significativas para alcançar
crianças em situações desfavorecidas ou
de vulnerabilidade ou em comunidades
remotas. Em emergências públicas ou em
crises de saúde ou humanitárias, o acesso
a serviços de saúde e informação por meio
de tecnologias digitais pode se tornar a
única opção.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 201
94. As crianças relataram que valorizavam
a busca online de informações e apoio
relacionados à saúde e bem-estar,
inclusive sobre saúde física, mental
e sexual e reprodutiva, puberdade,
sexualidade e concepção.58 Os
adolescentes especialmente queriam
acesso a serviços de saúde mental e saúde
sexual e reprodutiva online gratuitos,
confidenciais, apropriados à faixa
etária e não discriminatórios.59 Estados
Partes devem assegurar que as crianças
tenham acesso seguro e confidencial a
informações e serviços de saúde confiáveis,
incluindo serviços de aconselhamento
psicológico.60 Esses serviços devem limitar
o processamento dos dados das crianças ao
necessário para o desempenho do serviço
e devem ser fornecidos por profissionais ou
por aqueles com treinamento apropriado,
com regulação vigente dos mecanismos
de supervisão. Estados Partes devem
assegurar que os produtos e serviços de
58 “Our Rights in a Digital World”, p. 37.
59 Comentário geral No. 20 (2016), parag. 59.
60 Ibid, parag. 47 e 59.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 202
saúde digital não criem ou aumentem as
desigualdades no acesso das crianças aos
serviços de saúde presenciais.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 203
95. Estados Partes devem incentivar e
investir em pesquisa e desenvolvimento
que se concentre nas necessidades de
saúde específicas das crianças e que
promova resultados de saúde positivos
para as crianças por meio de avanços
tecnológicos. Serviços digitais devem ser
usados para suplementar ou melhorar
a prestação presencial de serviços de
saúde às crianças.61 Estados Partes devem
introduzir ou atualizar a regulação que
exige que os provedores de tecnologias e
serviços de saúde incorporem os direitos
das crianças em sua funcionalidade,
conteúdo e distribuição.

61 Ibid, parag. 47- 48.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 204
Serviços digitais e serviços de saúde
A tutela da saúde já se encontra entre as bases legais que
autorizam o tratamento de dados pessoais, desde que em
procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços
de saúde ou autoridade sanitária. Necessário, contudo, que se
tenha extrema cautela no manejo desses dados, uma vez que
sua natureza sensível pode acabar por ensejar discriminações ou
privações de oportunidades futuras aos titulares (por exemplo,
se compartilhados com operadoras de planos de saúde, dados
relativos à saúde do titular podem interferir no cálculo da
mensalidade a ser paga por ele). Nesse sentido, no final de
2020, o Estado de São Paulo promulgou lei proibindo farmácias
de condicionar o oferecimento de descontos à apresentação
de CPF pelos consumidores sem especificar a razão pela qual
essa informação é solicitada. Até o momento, a lei não foi
regulamentada pelo poder executivo.
Referência legal: art. 7º, inciso VIII e art. 11, inciso II, alínea ‘f’
da LGPD, art. 43, § 2º, CDC, e Lei 17301/2020 do Estado de
São Paulo.
Para ver mais: Redação Estadão. Lei que proíbe pedido de CPF
em farmácia coíbe abusos, mas gera dúvidas

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 205
96. Estados Partes devem criar regulações
contra perigos conhecidos e considerar
de forma proativa pesquisas e evidências
emergentes no setor de saúde pública,
para evitar a difusão de desinformação e
materiais e serviços que possam prejudicar
a saúde mental ou física de crianças.
Medidas também podem ser necessárias
para evitar o envolvimento insalubre em
jogos digitais ou redes sociais, como a
regulação que veda o design digital que
prejudica o desenvolvimento e os direitos
das crianças.62

62 Comentário geral No. 15 (2013), parag. 84.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 206
Envolvimento insalubre em jogos digitais ou redes sociais
Sobre os impactos do uso de tecnologias na saúde e
desenvolvimentos de crianças e adolescentes, ver: Impacts of
technology use on children e Family Digital Wellness Guide

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 207
97. Estados Partes devem incentivar o uso
de tecnologias digitais para promover
estilos de vida saudáveis, incluindo a
atividade física e social.63 Eles devem regular
a publicidade direcionada ou inapropriada
à faixa etária, o marketing e outros serviços
digitais relevantes para evitar a exposição
das crianças à promoção de produtos não
saudáveis, incluindo certos alimentos e
bebidas, álcool, drogas e tabaco e outros
produtos de nicotina.64 Essas regulações
relativas ao ambiente digital devem ser
compatíveis e acompanhar as regulações do
ambiente off-line.

63 Comentário geral No. 17 (2013), parag. 13.


64 Comentário geral No. 15 (2013), parag. 77.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 208
Publicidade de álcool
A publicidade de bebidas alcoólicas é digna de atenção especial
na medida em que cervejas, vinhos e outras bebidas com teor
alcoólico inferior a 13 Gay Lussac sofrem, no Brasil, menos
restrições à sua publicidade. Nesse contexto, a publicidade
desses produtos acaba por afetar ainda mais crianças e
adolescentes, induzindo-os ao consumo precoce desses
produtos prejudiciais à sua saúde. Esses temas são discutidos
em ação judicial movida pelo Ministério Público Federal
contra diversas fabricantes de cerveja, na qual se pede a sua
condenação pelos danos decorrentes do incentivo ao uso de
álcool por crianças.
Referência legal: art. 1º, parágrafo único da lei 9.294/96
Para ver mais: Criança e Consumo. Ação Civil Pública
- Cervejarias

Publicidade de tabaco
A publicidade de cigarros, charutos e quaisquer outros
produtos fumígenos já é proibida por lei em todo território
nacional. Tem gerado preocupação, entretanto, o contato de
crianças e adolescentes na internet com estímulos ao consumo,
sobretudo veiculados por influenciadores digitais, e pontos de
venda desses produtos, em especial os cigarros eletrônicos.
Esses dispositivos, bastante populares entre os jovens – e cuja
comercialização, importação e publicidade no Brasil foram
proibidas pela Anvisa – geram também efeitos nefastos à saúde,
além de serem um fator de risco para o consumo de cigarros
tradicionais na vida adulta.
Referência legal: art. 3º da Lei n° 9294/96; RDC 46/2009 da
Anvisa
Fonte: Aliança de Controle do Tabagismo. Dispositivos
Eletrônicos para Fumar
Para ver mais: O Joio e o Trigo. Influenciadores se espalham
pelas redes e promovem venda ilegal de ‘cigarro eletrônico’

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 209
98. Tecnologias digitais oferecem múltiplas
oportunidades para que as crianças
melhorem sua saúde e bem-estar, quando
equilibradas com sua necessidade de
descanso, exercício e interação direta
com seus pares, famílias e comunidades.
Estados Partes devem desenvolver
orientações para crianças, mães, pais,
cuidadores e educadores a respeito da
importância de um equilíbrio saudável
das atividades digitais e não-digitais e de
descanso suficiente.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 210
X. Educação, lazer e atividades culturais

A. Direito à educação

99. O ambiente digital pode permitir e


melhorar significativamente o acesso
das crianças à educação inclusiva de alta
qualidade, incluindo recursos confiáveis
para a aprendizagem formal, não formal,
informal, pelos pares e autodirigida.
O uso de tecnologias digitais também
pode fortalecer o engajamento entre
profissionais da educação e aluno e
entre alunos. As crianças destacaram a
importância das tecnologias digitais para
melhorar seu acesso à educação e apoiar
sua aprendizagem e participação em
atividades extracurriculares.65

65 “Our Rights in a Digital World”, pp. 14, 16 e 30.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 211
Educação e ambiente digital
Educação e ambiente digital são temas que, no Brasil,
remetem às múltiplas desigualdades no acesso à internet,
seja com relação à ausência de conexão nos territórios;
velocidade insuficiente da conexão; ausência ou insuficiência de
equipamentos adequados, tecnologias digitais não acessíveis
e inclusivas, necessidade de qualificação dos professores,
comunidade escolar e integração das tecnologias digitais
como forma de ensino e aprendizagem de forma específica e
transversal ao currículo escolar. O uso dessas tecnologias nas
escolas deve ocorrer dentro de um projeto político-pedagógico
participativo, inclusivo e que contemple todos os estudantes
com e sem deficiência.
Para ver mais: Instituto Rodrigo Mendes (2021). Tecnologias
digitais aplicadas a educação inclusiva. TIC Educação 2020;
Escola no Mundo Digital, guia elaborado pelo Instituto Alana,
Educadigital e Intervozes e Instituto Federal de Alagoas;
Relatório de política educacional ‘’Tecnologias para uma
educação com equidade’’. Todos Pela Educação, TLT Lab,
Brasília, 2021.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 212
Educação inclusiva
A educação inclusiva é fundamento constitucional. O direito à
educação é fixado em diversos dispositivos da Carta Magna,
sendo previsto como um direito de todos e, no caso de pessoas
com deficiência, disposto como um dever do Estado efetivado
mediante a garantia de atendimento educacional especializado
a pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino, como previsto no artigo 208, inciso III da Constituição
Federal. A recepção da Convenção sobre os Direitos de Pessoas
com Deficiência no Brasil, modificou e detalhou disposições
gerais da Constituição da República sobre os direitos de pessoas
com deficiência. Com isso, passou a ser exigido o cumprimento
do dever de garantir a educação inclusiva no ensino regular
em todos os casos, realizando adaptações razoáveis, como é
feito pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE), com
intuito da superação total de barreiras para que pessoas com
deficiência sejam incluídas em todos os espaços da sociedade.
Referência legal: art. 208, inciso III da CF/88; Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo
à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência;
art. 23 da CRC e Comentário Geral n. 9 (2006): The rights of
children with disabilities.
Para ver mais: Instituto Alana; Abt Associates. Os Benefícios da
Educação Inclusiva para Estudantes com e sem Deficiência.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 213
100. Estados Partes devem apoiar
instituições educacionais e culturais,
como acervos, bibliotecas e museus,
para permitirem o acesso das crianças a
diversos recursos de aprendizagem digitais
e interativos, incluindo recursos indígenas,
e recursos nas linguagens que as crianças
entendem. Esses e outros recursos valiosos
podem apoiar o engajamento das crianças
com suas próprias práticas criativas, cívicas
e culturais e capacitá-las a aprender sobre
as dos outros.66 Estados Partes devem
ampliar as oportunidades das crianças para
a aprendizagem online e ao longo da vida.

66 Comentário geral No. 17 (2013), parag. 10.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 214
Recursos de aprendizagem digitais e interativos
Uma das contribuições importantes da tecnologia para a
qualidade e a equidade da educação é promover o acesso a
Recursos Educacionais Digitais como política educacional e
sob uma perspectiva inclusiva que promove a igualdade de
aprendizagem e a valorização da diversidade na educação.
Esses materiais didáticos digitais precisam ser baseados nos
princípios do Desenho Universal para Aprendizagem (DUA),
acessíveis, com representação social, cultural, territorial
diversa e em múltiplos formatos e plataformas. A UNESCO
defende que o acesso universal à educação de qualidade
compreende oferecer Recursos Educacionais digitais Abertos
(REA), ou seja, de domínio público, liberados de licenças de
propriedade intelectual, com a prioridade de uso de software
livre. O que facilita seu uso, adaptação, distribuição gratuitos e,
sobretudo, fortalece a cultura digital baseada em colaboração
e interatividade. Ainda, segundo o relatório de política
educacional “Tecnologias para uma educação com equidade’’,
insumos tecnológicos, como acesso à internet, computadores
e laboratórios, são recursos básicos para a prática pedagógica
e é obrigação do Estado garanti-los. O relatório sugere que
seja estabelecida uma estratégia nacional para tecnologia na
educação que leve em conta a transparência e a proteção dos
dados das crianças e adolescentes.
Fonte: Unesco. Diretrizes para elaboração de políticas de
recursos educacionais abertos.; Instituto Rodrigo Mendes.
Tecnologias digitais aplicadas à educação inclusiva; BLIKSTEIN,
P. et al. D3e, Todos Pela Educação, TLT Lab. Relatório de política
educacional ‘’Tecnologias para uma educação com equidade’’

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 215
101. Estados Partes devem investir
equitativamente em infraestrutura
tecnológica nas escolas e em outros
ambientes de aprendizagem, garantindo a
disponibilidade e a acessibilidade de um
número suficiente de computadores, banda
larga de alta qualidade e alta velocidade
e uma fonte estável de eletricidade,
treinamento de profissionais da educação
para o uso de tecnologias educacionais
digitais, acessibilidade e a manutenção
oportuna das tecnologias escolares.
Eles também devem apoiar a criação e
difusão de diversos recursos educacionais
digitais de boa qualidade nos idiomas que
as crianças entendem e assegurar que
as desigualdades existentes não sejam
exacerbadas, como aquelas vividas por
meninas. Estados Partes devem assegurar
que o uso de tecnologias digitais não
prejudique a educação presencial e seja
justificado para fins educacionais.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 216
Investir em infraestrutura tecnológica
Entrou em vigor, em julho de 2021, a lei n° 14.180, que institui
a Política de Inovação Educação Conectada, fomentando
a contratação de serviços de internet, equipamentos de
computação e plataformas digitais (preferencialmente abertas,
ou seja, cujos códigos de funcionamento sejam transparentes
e acessíveis) nas escolas, por meio do oferecimento de apoio
técnico e financeiro por parte da União. Ainda destaca-se a lei
n° 14.172/2021, que dispõe sobre a garantia de acesso à internet,
com fins educacionais, aos alunos e professores da educação
básica pública.
Referência legal: lei n° 14.180/2021 e lei n° 14.172/2021

Uso de tecnologias digitais que não prejudique a educação


presencial
Segundo o relatório de política educacional “Tecnologias para
uma educação com equidade’’, diversos estudos apontam que
o ensino exclusivamente online causa prejuízos à aprendizagem
se comparado ao ensino presencial. Assim, é importante que
as tecnologias digitais sejam implementadas em conjunto com
a capacitação dos docentes, profissionais e estudantes para
um uso adequado e inserido em um modelo de educação
presencial.
Fonte: BLIKSTEIN, P. et al. D3e, Todos Pela Educação, TLT
Lab. Relatório de política educacional ‘’Tecnologias para uma
educação com equidade’’.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 217
102. Para crianças que não estão
fisicamente presentes na escola ou para
aquelas que vivem em áreas remotas
ou em situações desfavorecidas ou de
vulnerabilidade as tecnologias educacionais
digitais podem permitir o aprendizado à
distância ou móvel.67 Estados Partes devem
assegurar que haja uma infraestrutura
adequada para permitir o acesso de todas
as crianças aos serviços básicos necessários
para o ensino à distância, incluindo acesso
a dispositivos, eletricidade, conectividade,
materiais educacionais e apoio profissional.
Devem também assegurar que as escolas
tenham recursos suficientes para fornecer
às mães, pais e cuidadores orientação
sobre o ensino remoto em casa e que os
produtos e serviços de educação digital
não criem ou exacerbem desigualdades
no acesso das crianças aos serviços de
educação presencial.

67 Recomendação geral conjunta No. 31 do Comitê para a Eliminação da Discriminação


contra a Mulher/comentário geral No. 18 do Comitê dos Direitos da Criança (2019),
parag. 64; e Comitê dos Direitos da Criança, comentário geral No. 11 (2009), parag.
61; e comentário geral No. 21 (2017), parag. 55.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 218
Ensino à distância e ensino remoto
A educação à distância (EaD) também utiliza as plataformas
digitais entre vários outros recursos tecnológicos, e tem seu
formato e metodologia próprios de ensino-aprendizagem, po-
dendo contar com a mediação de tutores ou ser autoinstrucio-
nal. A EaD é a possibilidade de flexibilização do processo de
ensino e aprendizagem em tempos e espaços diversos.Trata-se
de modalidade de ensino complementar na educação básica
e ilegal na educação infantil. Por sua vez, o ensino remoto diz
respeito às atividades de ensino mediadas por tecnologias, mas
orientadas pelos princípios da educação presencial. O ensino
remoto emergencial foi aprovado pelo Ministério da Educação
(MEC), em 2020, em razão da pandemia de COVID-19, como
forma de possibilitar às instituições de ensino do país a manu-
tenção das atividades educacionais que eram realizadas presen-
cialmente. Entretanto, a falta de acesso a recursos básicos como
dispositivos e conectividade de grande parte da população de
crianças e adolescentes do país ainda deve mostrar seus efeitos
na aprendizagem a longo prazo. De qualquer forma, a adoção
dessas tecnologias como complementação do ensino presencial
é uma tendência pré e pós-pandemia que impõe às autorida-
des a obrigação de prover os recursos e capacitações neces-
sários para que desigualdades não sejam reproduzidas em seu
desenvolvimento.
Fonte: Instituto Alana, Educadigital, Intervozes e Instituto
Federal de Alagoas. Guia A Escola no Mundo Digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 219
103. Estados Partes devem desenvolver
políticas, padrões e diretrizes baseadas
em evidências para escolas e outros
órgãos relevantes responsáveis pela
aquisição e utilização de tecnologias e
materiais educacionais para aprimorar o
fornecimento de benefícios educacionais
valiosos. As normas para tecnologias
educacionais digitais devem assegurar
que o uso dessas tecnologias seja ético
e apropriado para fins educacionais e
não exponha as crianças à violência,
discriminação, mau uso de seus dados
pessoais, exploração comercial ou outras
violações de seus direitos, como o uso de
tecnologias digitais para documentar a
atividade de uma criança e compartilhá-
la com mães, pais ou cuidadores sem o
conhecimento ou consentimento da criança.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 220
Uso ético e apropriado para fins educacionais das tecnologias:
problemáticas da adoção de tecnologias digitais de
“big techs” em escolas
Ao tratar do mau uso de dados pessoais de crianças no âmbito
da educação, o trecho nos convida a refletir sobre os acordos
firmados entre diversas Secretarias da Educação de Estados
brasileiros e empresas de tecnologia para disponibilização
de plataformas digitais de educação nas escolas públicas. A
utilização dessas plataformas pelo poder público, ainda que
possa trazer inúmeras vantagens, levanta preocupações sobre
a coleta de dados de crianças e adolescentes no contexto de
sua educação para propósitos relacionados aos interesses
comerciais das empresas contratadas, cujos termos de serviço
e políticas de privacidade abrem margem para a utilização
indevida desses dados.
Fonte: Instituto Alana, Educadigital, Intervozes e Instituto
Federal de Alagoas. Guia A Escola no Mundo Digital.
Para ver mais: FERNANDES, Elora Raad; MARRAFON, Marco
Aurélio. A, B, C, Google: riscos ao direito fundamental à
proteção de dados de crianças e adolescentes no G Suite for
Education

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 221
104. Estados Partes devem assegurar
que a literacia digital seja ensinada nas
escolas, como parte dos currículos da
educação básica, desde o nível pré-escolar
e durante todos os anos escolares, e que
essas pedagogias sejam avaliadas com
base em seus resultados.68 Currículos
escolares devem incluir os conhecimentos
e habilidades para lidar com segurança
com uma ampla gama de ferramentas
e recursos digitais, incluindo aqueles
relacionados a conteúdo, criação,
colaboração, participação, socialização e
engajamento cívico. Currículos escolares
também devem incluir compreensão crítica,
orientação sobre como encontrar fontes
de informação confiáveis e identificar
informações errôneas e outras formas
de conteúdo tendencioso ou falso,
inclusive sobre questões de saúde sexual
e reprodutiva, direitos humanos, incluindo
os direitos da criança no ambiente digital,
e formas disponíveis de apoio e recurso.
Devem promover a conscientização entre

68 Comentário geral No. 20 (2016), parag. 47.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 222
as crianças das possíveis consequências
adversas da exposição a riscos relacionados
ao conteúdo, contato, conduta e contrato,
incluindo ciberagressões, tráfico,
exploração e abuso sexual e outras formas
de violência, bem como estratégias
para reduzir os danos e estratégias para
proteger seus dados pessoais e de terceiros
e para construir as habilidades sociais e
emocionais e a resiliência das crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 223
105. É cada vez mais importante que as
crianças adquiram uma compreensão
do ambiente digital, incluindo sua
infraestrutura, práticas comerciais,
estratégias persuasivas e os usos do
processamento automatizado e dos dados
pessoais e vigilância, e dos possíveis
efeitos negativos da digitalização nas
sociedades. Os profissionais da educação,
em particular aqueles que se dedicam à
educação em literacia digital e educação
em saúde sexual e reprodutiva, devem
ser treinados sobre as salvaguardas
relacionadas ao ambiente digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 224
B. Direito à cultura, ao lazer e ao brincar

106. O ambiente digital promove o


direito das crianças à cultura, ao lazer e
ao brincar, essencial para seu bem-estar
e desenvolvimento.69 Crianças de todas
as idades relataram que sentiram prazer,
interesse e relaxamento ao se envolverem
com uma ampla gama de produtos e
serviços digitais de sua escolha,70 mas
que estavam preocupadas que os adultos
pudessem não entender a importância
do brincar digital e como ele poderia ser
compartilhado com os amigos.71

69 Comentário geral No. 17 (2013), parag. 7.


70 “Our Rights in a Digital World”, p. 22.
71 Comentário geral No. 17 (2013), parag. 33.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 225
Direito das crianças à cultura, ao lazer e ao brincar
O Comentário Geral No. 17 (2013) da Convenção sobre os
Direitos da Criança dispõe que é obrigação dos Estados a
elaboração de meios, estratégias e programas para a realização
do direito de crianças e adolescentes ao descanso, lazer, cultura
e ao brincar, considerando que estes são elementos essenciais
ao bem-estar e à concretização dos direitos fundamentais
de crianças e adolescentes. Ainda indica que devem ser
especificamente planejados em relação às diversas infâncias e
seus contextos sociofamiliares próprios. Tratam-se, ainda, de
direitos amplamente assegurados na Constituição Federal e no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Fonte: Comitê dos Direitos da Criança da ONU. Comentário
Geral n. 17 (2013): the right of the child to rest, leisure, play,
recreational activities, cultural life and the arts.
Referência legal: art. 227 da CF/88; arts. 4º e 16, inciso IV do
ECA, art. 31 da CRC e Comentário Geral n. 17 (2013): the right of
the child to rest, leisure, play, recreational activities, cultural life
and the arts.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 226
107. As formas digitais de cultura, de
recreação e do brincar devem apoiar e
beneficiar as crianças e refletir e promover
as diferentes identidades das crianças, em
particular suas identidades culturais, línguas
e herança. Podem facilitar às crianças
as habilidades sociais, aprendizagem,
expressão, atividades criativas, como
música e arte, assim como o senso de
pertencer e uma cultura compartilhada.72
A participação na vida cultural online
contribui para a criatividade, identidade,
coesão social e diversidade cultural. Estados
Partes devem assegurar que as crianças
tenham a oportunidade de usar seu tempo
livre para experimentar as tecnologias de
informação e comunicação, expressar-se e
participar da vida cultural online.

72 Ibid, parag. 5.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 227
108. Estados Partes devem regular e
orientar os profissionais, mães, pais e
cuidadores e colaborar com os provedores
de serviços digitais, conforme apropriado,
para assegurar que as tecnologias e
serviços digitais destinados a, acessados
por ou que tenham impacto sobre as
crianças em seu tempo livre sejam
projetados, distribuídos e utilizados de
forma a aumentar as oportunidades das
crianças para a cultura, a recreação e o
brincar. Isso pode incluir o incentivo à
inovação em jogos digitais e atividades
relacionadas que apoiem a autonomia, o
desenvolvimento pessoal e o divertimento
das crianças.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 228
Jogos digitais e atividades que apoiem a autonomia, o
desenvolvimento pessoal e o divertimento das crianças
Segundo estudos, os jogos digitais que apoiem a autonomia, o
desenvolvimento pessoal e o divertimento das crianças
podem ser uma excelente oportunidade de socialização,
aprendizado e brincadeira e em articulação com o currículo
escolar subsidiam práticas didático pedagógicas, culturais,
motivacionais e de multiletramentos importantes para o
desenvolvimento cognitivo e integral de crianças e adolescentes.
Fonte: DE SOUSA, Carla Alexandre Barboza. O jogo em jogo:
a contribuição dos games no processo de aprendizagem dos
estudantes do ensino fundamental.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 229
109. Estados Partes devem assegurar
que a promoção de oportunidades de
cultura, lazer e brincar no ambiente digital
seja equilibrada com o fornecimento de
alternativas atraentes nos locais físicos
onde as crianças vivem. Sobretudo em
seus primeiros anos, as crianças adquirem
linguagem, coordenação, habilidades
sociais e inteligência emocional em grande
parte por meio de brincadeiras que
envolvem movimento físico e interação
direta face a face com outras pessoas.
Para crianças mais velhas, brincadeiras e
recreação que envolvam atividades físicas,
esportes de equipe e outras atividades
recreativas ao ar livre podem proporcionar
benefícios à saúde, bem como habilidades
funcionais e sociais.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 230
Atividades recreativas ao ar livre
Diversas pesquisas relacionam a presença da natureza na
vida das crianças com seu bem estar físico, emocional, social
e acadêmico. Entretanto, as crianças estão cada dia mais
restritas a ambientes fechados e brincando menos ao ar livre
ao lado de outras crianças. Richard Louv, jornalista e fundador
do Movimento Criança e Natureza, inclusive, cunhou o termo
Transtorno do Déficit de Natureza (TDN), chamando a atenção
para o impacto negativo da falta da natureza na vida das
crianças. Além disso, estudos apontam que a relação criança e
natureza propicia um maior senso coletivo de responsabilidade
por ambientes naturais e urbanos, de forma a não só beneficiar
o desenvolvimento da criança, mas também melhorar o espaço
para todos. A essencialidade da vida offline e ao ar livre
enseja a reflexão sobre um direito à desconexão de crianças e
adolescentes, como fator fundamental de seu desenvolvimento
e bem-estar.
Fonte: LOUV, Richard. A última criança na natureza: resgatando
as nossas crianças da síndrome de déficit de natureza. 1ª Ed.,
São Paulo, Aquariana, 2016.
Para saber mais: Sociedade Brasileira de Pediatria. Benefícios
da Natureza no Desenvolvimento de Crianças e Adolescentes;
Criança e Natureza; FROST, Jerome. Cities Alive: Designing for
urban childhoods.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 231
110. O tempo de lazer passado no
ambiente digital pode expor as crianças
a riscos de danos, por exemplo, por meio
de publicidade opaca ou enganosa ou
de características de design altamente
persuasivo ou semelhantes a jogos de azar.
Ao introduzir ou utilizar abordagens de
proteção de dados, privacidade por design
e segurança por design e outras medidas
regulatórias, Estados Partes devem
assegurar que as empresas não mirem
crianças usando essas ou outras técnicas
projetadas para priorizar os interesses
comerciais sobre os da criança.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 232
111. Quando Estados Partes ou empresas
fornecem orientação, classificação etária,
rotulagem ou certificação em relação a
certas formas de engajamento e recreação
digital, elas devem ser formuladas de forma
a não restringir o acesso das crianças ao
ambiente digital como um todo ou interferir
em suas oportunidades de lazer ou em seus
outros direitos.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 233
XI. Medidas especiais de proteção

A. Proteção contra exploração econômica,


sexual e outras formas de exploração

112. Crianças devem ser protegidas de


todas as formas de exploração prejudicial
a qualquer aspecto de seu bem-estar em
relação ao ambiente digital. Exploração
pode ocorrer de muitas formas, como
exploração econômica, incluindo trabalho
infantil, exploração e abuso sexual,
venda, tráfico e sequestro de crianças e o
recrutamento de crianças para participar de
atividades criminosas, incluindo formas de
crimes cibernéticos. Ao criar e compartilhar
conteúdo, as crianças podem ser atores
econômicos no ambiente digital, o que
pode resultar em sua exploração.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 234
Trabalho infantil
O trabalho infantil é uma grave violação aos direitos
fundamentais de crianças e adolescentes. A Constituição
Federal, em seu artigo 227, dispõe que todas as crianças e
adolescentes devem estar a salvo de toda forma de violência
e exploração, inclusive econômica pelo trabalho infantil. Em
seu §3º, estabelece que deve-se garantir aos adolescentes os
direitos de: (I) profissionalização, (II) de desenvolvimento de
programas de integração social para adolescentes portadores
de deficiência por meio de treinamento para o trabalho, (III) o
respeito à idade mínima para ingresso no mercado de trabalho,
(IV) os direitos previdenciários e trabalhistas e (V) o acesso
à escola. Além disso, tanto a Constituição Federal como o
Estatuto da Criança e do Adolescente, proíbem a atividade de
trabalho para menores de 16 anos, excepcionando as atividades
de aprendiz a partir dos 14, e garantindo condições especiais
para os trabalhadores adolescentes dos 16 aos 18 anos de idade.
Referência Legal: arts. 7º e 227 da CF/88; arts. 60 a 67 do ECA;
art. 136 do Código Penal; art. 403 a 405 da CLT, Decreto nº
6.481 de 2008, Decreto 4.134, de 2002, Convenções 138 e 182
da Organização Internacional do Trabalho e art. 32 da CRC.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 235
Crianças como atores econômicos no ambiente digital
O trecho suscita o debate sobre os chamados influenciadores
digitais mirins, ou seja, crianças que adquirem fama no
ambiente digital (sobretudo nas redes sociais) por meio da
produção de conteúdo e passam a monetizá-lo. Por não
ser (equivocadamente) interpretado como trabalho infantil
artístico, esse tipo de exploração econômica das crianças
acaba por não ser submetido a qualquer escrutínio do
poder judiciário, como exige o art. 149 do ECA, tornando
imprecindível o debate sobre formas de regulá-lo e garantir
que se desenvolva em harmonia com o melhor interesse das
crianças, inclusive no que diz respeito à responsabilização das
plataformas que o fomentam e promovem a sua monetização.
Na França, já há lei específica que regula o trabalho dos
influenciadores digitais mirins, equiparando-o a outras formas
de trabalho infantil artístico. Além do trabalho infantil artístico,
o ambiente digital suscita preocupações sobre crianças
trabalhando em aplicativos de delivery.
Referência legal: art. 149, inciso II, alínea ‘a’ do ECA
Para ver mais: Criança e Consumo. Influenciadores Mirins:
expressão cultural ou exploração comercial?; OLIVEIRA, Joana.
‘Influencers Mirins’: a vida de uma geração presa ao celular;
CÍCERO, José; MUNIZ, Bianca. Aplicativos de delivery: a nova
faceta do trabalho infantil

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 236
113. Estados Partes devem revisar leis
e políticas relevantes para assegurar
que as crianças sejam protegidas contra
exploração econômica, sexual e outras
formas de exploração e que seus direitos
em relação ao trabalho no ambiente
digital e oportunidades de remuneração
relacionadas sejam protegidos.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 237
114. Estados Partes devem assegurar a
existência de mecanismos de fiscalização
adequados e apoiar crianças, mães, pais
e cuidadores no acesso às proteções
aplicáveis.73 Eles devem legislar para
assegurar que as crianças sejam protegidas
de bens prejudiciais, como armas ou
drogas, ou serviços, como jogos de azar.
Sistemas robustos de verificação de idade
devem ser utilizados para impedir que as
crianças adquiram acesso a produtos e
serviços que são ilegais para elas possuírem
ou usarem. Esses sistemas devem ser
consistentes com as exigências de proteção
de dados e salvaguardas.

73 Comentário geral No. 16 (2013), parag. 37.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 238
115. Considerando as obrigações dos
Estados para investigar, processar e punir
o tráfico de pessoas, incluindo suas ações
componentes e condutas relacionadas,
Estados Partes devem desenvolver e
atualizar a legislação contra o tráfico de
forma a proibir o recrutamento de crianças
por grupos criminosos facilitado pela
tecnologia.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 239
Tráfico de pessoas
O tráfico de pessoas é caracterizado pelo “recrutamento,
transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por
meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção,
de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma
posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter
controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração”.
De acordo com a Lei nº 11.577/2007 é obrigatória a divulgação,
pelos meios que especifica, de mensagem relativa à exploração
sexual e tráfico de crianças e adolescentes, apontando formas
para efetuar denúncias.
Fonte: Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças,
complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional, conhecida também como Convenção
de Palermo.
Referência legal: artigo 149-A do Código Penal; Lei nº
11.577/2007; Convenção Sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação contra Mulher; Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional; Protocolo Opcional
à Convenção sobre a venda de crianças, prostituição infantil e
pornografia infantil, promulgado pelo Decreto Federal n. 5.007
de 2004, e art. 35 da CRC.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 240
116. Estados Partes devem assegurar que
uma legislação apropriada esteja em vigor
para proteger as crianças dos crimes que
ocorrem no ambiente digital, incluindo
fraude e roubo de identidade, e para
alocar recursos suficientes para assegurar
que os crimes no ambiente digital sejam
investigados e processados. Estados Partes
também devem exigir um alto padrão de
segurança cibernética, privacidade por
design e segurança por design nos serviços
e produtos digitais que as crianças utilizam,
para minimizar o risco desses crimes.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 241
B. Administração da justiça juvenil

117. Crianças podem ser consideradas


suspeitas ou acusadas por ter infringido
leis de crimes cibernéticos. Estados Partes
devem assegurar que os formuladores
de políticas considerem os efeitos das
referidas leis sobre as crianças, foquem
em prevenção e façam todo o esforço para
criar e usar alternativas a uma resposta de
justiça criminal ou juvenil.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 242
Alternativas a uma resposta de justiça criminal ou juvenil
Importante destacar que, no Brasil, crianças de até 12 anos
acusadas do cometimento de atos ilícitos estão sujeitas a
medidas de proteção, enquanto adolescentes de 12 a 18 anos
estão sujeitos à aplicação de medidas socioeducativas, que
vão desde advertência e prestação de serviços à comunidade
até a privação de liberdade. Segundo a Constituição Federal,
o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei 12.594/2012,
que regulamenta o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo, a brevidade e a excepcionalidade são os
princípios que devem guiar a aplicação de qualquer medida
de privação de liberdade de adolescentes. Ainda, a Lei do
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo determina
que as medidas socioeducativas devem ser regidas, entre
outros, pelo princípio da excepcionalidade da intervenção
judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de
autocomposição de conflitos.
Referência legal: art. 227, §3º, CF/88; arts. 104 e 105, ECA; art.
35, inciso II, da Lei 12.594/2012; Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da
Juventude - Regras Beijing; Regras das Nações Unidas para
a Proteção dos Menores Privados de Liberdade; Diretrizes
das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil -
Diretrizes de Riad.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 243
118. Conteúdo sexual autogerado
por crianças que elas possuem e/ou
compartilham com seu consentimento
e exclusivamente para seu próprio uso
privado não deve ser criminalizado.
Devem ser criados canais amigáveis às
crianças para permitir que elas busquem
com segurança conselhos e assistência
em relação a conteúdo autogerado
sexualmente explícito.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 244
Conteúdo sexual autogerado
De acordo com o Internet Watch Foundation (IWF), desde o
início da pandemia de COVID-19, a quantidade de imagens
de abuso infantil “autogeradas” aumentou dramaticamente.
Segundo o IWF, o conteúdo de abuso sexual infantil
“autogerado” é criado usando qualquer dispositivo como
webcams e câmeras, e compartilhado online por meio de várias
plataformas. Nesses casos, crianças são manipuladas para
produzirem e compartilharem imagens ou vídeos sexuais de si
mesmas. Segundo o artigo 241-D, parágrafo único, inciso II, do
ECA, incorre em crime quem pratica as condutas descritas no
caput do artigo (aliciar, assediar, instigar ou constranger, por
qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela
praticar ato libidinoso) com o fim de induzir criança a se exibir
de forma sexualmente explícita.
Para ver mais: Internet Watch Foundation

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 245
119. Estados Partes devem assegurar
que as tecnologias digitais, mecanismos
de vigilância, como software de
reconhecimento facial e perfis de risco
que são implantados na prevenção,
investigação e acusação de delitos não
sejam utilizados para atingir injustamente
crianças suspeitas ou acusadas por
delitos e não sejam utilizados de maneira
que viole seus direitos, em especial
seus direitos à privacidade, dignidade e
liberdade de associação.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 246
Mecanismos de vigilância
Mecanismos de vigilância que utilizam tecnologias digitais
têm apresentado muitos desafios no que se refere à
potencialidade discriminatória de práticas baseadas em decisões
automatizadas, especialmente no âmbito da segurança pública.
Para ver mais: SILVA, Tarcízio. Linha do Tempo do Racismo
Algorítmico: casos, dados e reações; MATTIUZZO, Marcela;
MENDES, Laura Schertel. Discriminação Algorítmica: Conceito,
Fundamento Legal e Tipologia

Direito à dignidade
Direitos de crianças e adolescentes são direitos humanos que
devem ser respeitados com absoluta prioridade sobretudo
durante a intervenção em suas vidas. Ressalta-se que, no âmbito
do sistema socioeducativo, o direito à dignidade deve permear
não apenas a atuação judicial mas também a atuação da
Administração Pública, responsável pelas instituições estaduais
que executam as medidas socioeducativas.
Referência legal: art. 3º, ECA; Convenção sobre os Direitos da
Criança.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 247
120. O Comitê reconhece que, quando a
digitalização dos procedimentos judiciais
resulta na falta de contato pessoal com as
crianças, isso pode ter um impacto negativo
sobre as medidas de sua reabilitação e de
justiça restaurativa construídas sobre o
desenvolvimento de relações com a criança.
Nesses casos, e quando as crianças são
privadas de sua liberdade, Estados Partes
devem proporcionar contato presencial
para facilitar a capacidade das crianças de
se envolverem de forma significativa com
os tribunais e com a sua reabilitação.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 248
Contato presencial para facilitar a capacidade das crianças de
se envolverem de forma significativa com os tribunais
Nos principais marcos normativos que disciplinam os direitos
de crianças e adolescentes a quem se atribui a prática de
ato infracional, como o ECA e Sinase, há previsão de que
adolescentes têm, enquanto garantia processual, o direito de
serem ouvidos pessoalmente pela autoridade competente.
Contudo, com a pandemia de COVID-19, a fim de respeitar todas
as normas de segurança sanitária para proteger adolescentes,
famílias e profissionais do sistema de justiça do contágio
do vírus, o Conselho Nacional de Justiça regulamentou a
execução de audiências por videoconferências, casos nos quais
deve ser reforçado o cuidado com a proteção de dados e a
privacidade daqueles envolvidos nos processos, especialmente
adolescentes. Entretanto, seja de forma presencial ou por
meio de videoconferências, o acesso à justiça para crianças e
adolescentes deve ser pautado por um atendimento
acessível, amigável, sensível, conforme o Relatório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
sobre acesso à justiça para crianças.
Referência legal: arts. 111, 143, 171 a 190 e 246, ECA; Resolução
341/2020 do CNJ, Ato Normativo 0006101-82.2020.2.00.0000;
art. 12 da CRC; Comentário Geral n. 12 (2009): The right of the
child to be heard e Comentário Geral n. 24 (2019): children’s
rights in the child justice system.
Para ver mais: Coletivo NEIDE e Instituto Alana. Audiências por
videoconferência no sistema de justiça juvenil: reflexões sobre o
modelo, seus limites e potencialidades.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 249
Reabilitação
Importante destacar que, no Brasil, não se utiliza o termo
reabilitação para abordar o tema de adolescentes a quem
se atribui a prática de atos infracionais. De acordo com o
Sinase, os objetivos das medidas socioeducativas são (i) a
responsabilização do adolescente quanto às consequências
lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando
a sua reparação; (ii) a integração social do adolescente e a
garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do
cumprimento de seu plano individual de atendimento; e (iii) a
desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições
da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade
ou restrição de direitos, observados os limites previstos em
lei. Dito isso, o objetivo de integração social e garantia de seus
direitos incluem o direito à educação, à profissionalização,
à cultura, ao acesso aos meios de comunicação social e à
corresponder-se com seus familiares e amigos. Ademais,
considerando ainda que o Comentário Geral 24 sobre os
Direitos das Crianças na Justiça Juvenil destaca que toda
criança e adolescente tem direito à educação adequada às suas
necessidades e habilidades, bem como a um acompanhamento
para prepará-las para um futuro emprego, conclui-se que tais
disposições abarcam o direito ao contato e ao letramento
no âmbito das mídias digitais, tão essenciais na sociedade
contemporânea, como já exposto ao longo desta publicação.
Referência legal: art. 124, incisos VIII, XI, XII e XIII, do ECA; art.
1º, § 2º da Lei 12.594/2012; General Comment n. 24 on Children ‘s
rights in juvenile justice.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 250
C. Proteção de crianças em conflitos
armados, crianças migrantes e crianças em
outras situações de vulnerabilidade

121. O ambiente digital pode proporcionar


acesso a informações decisivas para
a sobrevivência e que são vitais para
sua proteção às crianças que vivem em
situações de vulnerabilidade, incluindo
crianças em conflitos armados, crianças
deslocadas internamente, migrantes,
em busca de asilo e refugiadas, crianças
desacompanhadas, crianças em situações
de rua e crianças afetadas por desastres
naturais. O ambiente digital também pode
permitir-lhes manter contato com suas
famílias, permitir seu acesso à educação,
saúde e outros serviços básicos e permitir-
lhes obter alimentos e abrigo seguro.
Estados Partes devem assegurar acesso
seguro, privado e benéfico para essas
crianças ao ambiente digital e protegê-las
de todas as formas de violência, exploração
e abuso.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 251
Crianças em conflitos armados
No Brasil, crianças e adolescentes estão presentes em
conflitos armados envolvendo forças policiais e também
crime organizado. Há graves índices de letalidade e violência
em operações policiais em áreas de alta concentração dessa
população, que violam o direito à vida, à saúde, à educação,
ao lazer e à convivência familiar e comunitária, além de
causar impactos no desenvolvimento em razão do estresse
tóxico e pós-traumático que podem advir de tais situações de
violência. Nesse contexto, o ambiente digital pode proporcionar
informações de sobrevivência, como propõe o aplicativo “Onde
Tem Tiroteio”, que dispara alertas de segurança aos usuários do
Rio de Janeiro e São Paulo.
Referência legal: art. 1º, inciso III, art. 5º, caput, art. 144, art. 227
da CF/88 e art. 4º do ECA
Para saber mais: Prioridade Absoluta. Supremo Tribunal Federal
Julga, a Partir de Hoje, a Política de Operações Policiais no RJ;
Protocolo Facultativo relativo ao envolvimento de crianças em
conflitos armados; Aplicativo ‘’Onde Tem Tiroteio’’.

Crianças migrantes, em busca de asilo e refugiadas


No Brasil, refugiado é toda pessoa que por temor de
perseguição por causa de sua raça, religião, nacionalidade,
opinião política ou grupo social ou por existir uma situação de
grave e generalizada violação dos direitos humanos, fuja de seu
país ou local de sua residência habitual. Além disso, o Estatuto
da Criança e do Adolescente dispõe que o direito à liberdade
compreende a busca de refúgio, asilo e orientação.
Referência legal: Lei nº 9474/1997; art. 16, VII do ECA e art. 22
da CRC.
Para saber mais: ACNUR; The Office of Global Insight & Policy
(UNICEF). Crianças refugiadas e migrantes.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 252
Crianças em situação de rua
Crianças e adolescentes em situação de rua são constantemente
invisibilizadas. São sujeitos que utilizam logradouros públicos
e áreas precárias como espaço de moradia ou sobrevivência,
de forma permanente ou intermitente, em situação de
vulnerabilidade ou risco pessoal e social pelo rompimento ou
fragilidade do cuidado e dos vínculos familiares e comunitários,
predominantemente em situação de pobreza ou pobreza
extrema, com dificuldade de acesso ou permanência nas
políticas públicas.
Fonte: Resolução Conjunta Conanda e CNAS nº 01/2016
Referência Legal: Resolução Nº 173/2015 do CONANDA
Resolução Conjunta nº 01/2016; Comentário Geral n. 21 (2017):
children in street situations.
Para ver mais: Prioridade Absoluta. Primeira Infância e
Maternidade nas ruas da cidade de São Paulo; Centro
Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI).
Orientações metodológicas para acolhimento de crianças e
adolescentes em situação de rua

Crianças afetadas por desastres naturais


Assim como em outras situações de emergência, crianças e
adolescentes são as mais afetadas por desastres de ordem am-
biental, principalmente àquelas com deficiência, migrantes, em
situação de pobreza e indígenas. O dever legal de garantia da
prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes tam-
bém se aplica diante das violações de direitos ocasionadas pelos
desastres naturais. Assim, a preservação ambiental possui rela-
ção direta com a garantia da sobrevivência e da qualidade de
vida de crianças e adolescentes.
Referência Legal: art. 227 e 225 da CF.
Para ver mais: The Office of Global Insight & Policy (UNICEF).
Desastres Naturais; Instituto de Direito Internacional da Paz e
Conflitos Armados da Universidade Ruhr Bochum. World Risk
Report 2018

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 253
122. Estados Partes devem assegurar
que as crianças não sejam recrutadas ou
utilizadas em conflitos, inclusive conflitos
armados, através do ambiente digital. Isso
inclui prevenir, criminalizar e sancionar as
diversas formas de solicitação e aliciamento
de crianças por meio de tecnologia, por
exemplo, por meio do uso de plataformas
de redes sociais ou serviços de bate-papo
em jogos online.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 254
XII. Cooperação internacional e regional

123. A natureza transfronteiriça e


transnacional do ambiente digital requer
uma forte cooperação internacional e
regional, para assegurar que todos os
interessados, incluindo Estados, empresas
e outros atores, efetivamente respeitem,
protejam e cumpram os direitos das
crianças em relação ao ambiente digital.
Portanto, é vital que os Estados Partes
cooperem bilateral e multilateralmente
com organizações não governamentais
nacionais e internacionais, agências das
Nações Unidas, empresas e organizações
especializadas em proteção à criança e
direitos humanos em relação ao ambiente
digital.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 255
Natureza transfronteiriça e transnacional do ambiente digital
A natureza transfronteiriça do ambiente digital torna necessária
a criação de regras específicas para a transferência internacional
de dados. A LGPD elenca as hipóteses onde essa transferência
fica autorizada, merecendo destaque a verificação, pela ANPD,
de grau de proteção adequado aos dados pessoais no país
receptor e o próprio consentimento do titular.
Referência legal: arts. 33 a 36 da LGPD

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 256
124. Estados Partes devem promover e
contribuir para o intercâmbio internacional
e regional de expertise e boas práticas
e estabelecer e promover a capacitação,
recursos, padrões, regulações e proteções
além das fronteiras nacionais que permitam
a efetivação dos direitos das crianças no
ambiente digital por todos os Estados.
Eles devem incentivar a formulação de
uma definição comum do que constitui um
crime no ambiente digital, a assistência
jurídica mútua e a coleta conjunta e o
compartilhamento de provas.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 257
XIII. Difusão

125. Estados Partes devem assegurar que o


presente comentário geral seja amplamente
divulgado, inclusive através do uso de
tecnologias digitais, a todas as partes
interessadas relevantes, principalmente
entre os parlamentos e autoridades
governamentais, incluindo os responsáveis
pela transformação digital transversal e
setorial, bem como membros do judiciário,
empresas, mídia, sociedade civil e o público
em geral, educadores e crianças, e seja
disponibilizado em múltiplos formatos e
línguas, incluindo em versões apropriadas
para as diferentes idades.

Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 258
ALANA

Presidente
Ana Lucia de Mattos Barretto Villela

Vice-Presidente
Marcos Nisti

CEO
Marcos Nisti

iNSTITUTO ALANA

Presidente
Ana Lucia de Mattos Barretto Villela

Vice-Presidentes
Alfredo Egydio Arruda Villela Filho
Marcos Nisti

Diretora-Executiva
Isabella Henriques

Diretora-Executiva de Operações
Marisa Ohashi

Tesoureiro
Daniel Costa

Diretor Administrativo-Financeiro
Carlos Vieira Júnior

Diretor de Políticas e Direitos das Crianças


Pedro Hartung

Diretora de Educação e Cultura da Infância


Raquel Franzim

Diretora de Pessoas e Cultura


Renata Lirio
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Procurador-Geral de Justiça
Mario Luiz Sarrubbo

Promotora de Justiça Chefe de Gabinete da


Procuradoria-Geral
Susana Henriques da Costa

Procurador de Justiça Secretário Especial de Políticas


Cível e de Tutela Coletiva
Mario Augusto Vicente Malaquias

Promotor de Justiça Coordenador da área Consumidor


no Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela
Coletiva
Denilson de Souza Freitas

Promotora de Justiça Coordenadora da área da


Infância e Juventude do Centro de Apoio Operacional
Cível e de Tutela Coletiva
Renata Lucia Mota Lima de Oliveira Rivitti

Promotora de Justiça Coordenadora da área da


Infância e Juventude do Centro de Apoio Operacional
Cível e de Tutela Coletiva
Fátima Liz Bardelli

Promotora de Justiça Assessora da Escola Superior do


Ministério Público de São Paulo
Mirella de Carvalho Bauzys Monteiro
COMENTÁRIO GERAL N° 25 (2021)
SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANÇAS EM RELAÇÃO
AO AMBIENTE DIGITAL - VERSÃO COMENTADA

AUTORIA
Instituto Alana
João Francisco de Aguiar Coelho
Letícia Carvalho Silva
Thais Roberta Rugolo
Carolina Martinelli
Ana Claudia Cifali
Guilherme Lobo Ferraz Pecoral
Pedro Hartung
Isabella Henriques
Maria Mello
Diana Pallares Silva

Ministério Público do Estado de São Paulo


Renata Lucia Mota Lima de Oliveira Rivitti
Denilson de Souza Freitas
Mirella de Carvalho Bauzys Monteiro

PROJETO GRÁFICO
Fernanda Porto

SUPERVISÃO GRÁFICA
Helaine Gonçalves

REVISÃO
Rahif Souza

COMUNICAÇÃO
Instituto Alana
Amanda Stabile
Fernanda Peixoto Miranda
Maíra Bosi

Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo


Aline Riera Pedreiras

Ministério Público do Estado de São Paulo


Giselle Godoi Vieira
Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital 262

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