A Mulher e o Monoteísmo
A Mulher e o Monoteísmo
A Mulher e o Monoteísmo
O monoteísmo e o patriarcado são caracterizados por uma generalizada repressão sexual e exclusão da
mulher. As religiões controlam o comportamento das pessoas e provocam uma repulsa sexual que se
transforma em sintomas neuróticos. A psicanálise revolucionou o objetivo da sexualidade,
introduzindo o princípio do prazer, em substituição ao primado da reprodução, favorecendo a
liberação feminina e sua visibilidade na sociedade.
Monotheism and patriarchy are characterized by generalized sexual repression and the exclusion of
women. Religions control human behavior and bring about a disgust for the sexual that is transformed
into neurotic symptoms. Psychoanalysis revolutionized the objective of sexual activity introducing the
pleasure principle to replace the primacy of reproduction and introducing the liberation of women and
their visibility in society.
Na mesma época, surge Moisés, hebreu. O faraó ordenou a matança das crianças do sexo masculino,
nascidas dos judeus, no Egito. Uma mulher da tribo de Levi acomodou seu filho em um cesto e
lançou-o no rio Nilo, tentando salvá-lo. Justo a filha do rei recolheu a criança e lhe deu o nome de
"salvo das águas". Moisés interpretou o fato como chamado de Deus para uma missão. Adotou o
monoteísmo, já agora com um cunho eminentemente religioso. Adulto, depois de cometer um
assassinato, escondeu-se no deserto, quando Deus lhe aparece, ordenando que livrasse seu povo da
escravidão imposta por Aquenáton. Começa o movimento conhecido como Êxodo.
Duvidando da palavra de Deus, Moisés foi condenado a não entrar na terra prometida, mas deu aos
hebreus o decálogo, uma legislação civil e religiosa. Um dos novos mandamentos, "honrar pai e mãe",
destaca a figura do pai, ausente no matriarcado. Assim, o monoteísmo se caracteriza como nova
ordem social, com um só deus, um só pai, uma família. Agora é a mulher que passa a segundo plano,
porque todo o poder se concentra na figura do paterfamilias, palavra que destaca, por um lado, o pai,
por outro, o conjunto da mulher, filhos, criados, servidores e fâmulos, de onde vem a palavra família.
Começa aí o controle da propriedade e da sexualidade das pessoas, sobretudo da mulher, com sua
nova missão de cuidar da família. Ingressamos, assim, no patriarcado. Recentemente, Freud cria o
mito do "assassinato do pai da horda primitiva", que teria acontecido na calada da noite dos tempos,
quando novo conceito de família emergiu com a formalização da lei simbólica, decorrente da
proibição do incesto (Freud, 1913). No decorrer da história, até hoje, três grandes religiões adotaram o
monoteísmo: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo, com duas principais características comuns: a
repressão sexual generalizada e a submissão da mulher.
Há duas versões etimológicas para a palavra "religião". A mais usual é derivada do verbo latino
re-ligare, e, a outra, de re-legere. A primeira condiz melhor com o conceito de religiosidade,
espiritualidade, transcendência, psique. Decorre do confronto arcaico do ser humano com a morte,
numa tentativa de se re-ligar com Deus. A segunda aplica-se às religiões institucionalizadas, enquanto
fazem uma re-leitura hermenêutica ou exegética de determinados textos sagrados, com o fim de
estabelecer preceitos e condutas morais para seus seguidores.
JUDAÍSMO
No judaísmo, o deus único leva o nome de Javé. A Torah é seu texto sagrado básico. Os fiéis são
rigorosos na observância dos rituais, dos jejuns e na maneira estereotipada de se vestirem. Por isso,
quando o judeu S. Freud comparou a religião, em geral, com a neurose obsessiva, referia-se mais ao
judaísmo e islamismo do que ao cristianismo (Freud, 1907).
No judaísmo, a mulher tem a destacada missão da procriação, para perpetuar não só a espécie, mas o
judaísmo, segundo o preceito bíblico do "crescei e multiplicai-vos", e para manter o privilégio de ser
um povo escolhido por Deus. Ainda hoje, a mulher não pode ocupar o mesmo espaço dos homens na
sinagoga. E, somente nesses últimos anos, surgiu a primeira mulher rabina no mundo, exatamente no
Brasil. Nos Estados Unidos, grupos judaicos não ortodoxos começam a aceitar o rabinato das
mulheres.
Os preceitos bíblicos sobre a menstruação são bem conhecidos. Antigamente as mulheres tinham que
sair de casa, quando menstruadas, alojar-se em comunidades próprias para isso, porque eram
consideradas impuras, não podendo conviver com outras pessoas, para não contaminá-las. Ao
voltarem para casa, mostravam ao marido uma esponja absorvente limpa, provando que já não
estavam impuras. A impureza não era devida só ao sangue menstrual, mas ao fato de a mulher ter
desperdiçado o óvulo daquele mês, em vez de fecundá-lo. Isso era um pecado que elas tinham de
purificar diante de Deus, no recolhimento.
Para os homens, no mesmo contexto, a grande proibição era o onanismo (coito interrompido), ou a
masturbação, que os tornava pecadores devido ao desperdício de milhões de espermatozóides. Nessa
lógica, a masturbação feminina deveria ser permitida. Entretanto, a vida sexual dos casais é
permissiva, a ponto de provocar censura da parte dos cristãos.
Capítulo à parte cabe à mãe judaica, que, com a superproteção aos filhos, tornou-se assunto de
anedota. Portanto, no judaísmo a mãe é realçada, enquanto a mulher é anulada. Freud ponderou que os
próprios judeus, ao se apresentarem como o povo escolhido, uma raça diferenciada, granjeiam contra
si, inconscientemente, a antipatia de todos os outros povos do mundo (Freud, 1939). Eles continuam
esperando o Messias, de modo que Jesus e Maria não têm importância em sua teologia e em seu culto.
ISLAMISMO
O islamismo, surgido na Arábia, no século VII, é caracterizado, de modo geral, pelo fanatismo
religioso, mesmo para os grupos não fundamentalistas. O Alcorão, palavra de Alá, transmitida a
Maomé pelo Arcanjo Gabriel, contém os dogmas e os preceitos morais dos muçulmanos. Os fiéis têm
que rezar cinco vezes por dia, interrompendo suas atividades, e passam todo um mês fazendo jejum.
Até recentemente, as mulheres eram proibidas de freqüentar a escola, para não terem acesso ao
Alcorão, interpretado segundo a re-leitura moralista dos homens. Elas rezam em lugares diferentes dos
homens, escondem o corpo em público, usando a burca e o véu, para não serem cobiçadas ou
molestadas.
Quando a mulher sai em companhia do marido, deve andar atrás dele, guardando certa distância. Em
alguns países muçulmanos, ela é proibida de dirigir automóvel. A bárbara extirpação do clitóris e dos
lábios vaginais em meninas e adolescentes é ainda praticada em algumas comunidades islâmicas, um
procedimento que visa a impedir o prazer sexual. Quanto ao homem, pode casar-se até com quatro
mulheres, desde que tenha dinheiro suficiente para sustentá-las. Isso implica que muitos homens, com
pouco saldo bancário, não encontrem mulher para o matrimônio, o que torna o homossexualismo,
entre eles, uma opção forçada. A mulher torna-se, assim, uma mercadoria a ser comprada por dinheiro
ou trocada por ouro.
A punição para os casos de adultério é ainda o apedrejamento, como no tempo de Cristo, e o roubo
implica o corte da mão do culpado.
Jesus não é considerado filho de Deus, e Maria é simplesmente uma mulher importante.
A mulher é vista mais como esposa, a serviço do harém E os homens ou mulheres-bomba acreditam
que receberão bela recompensa por oferecerem suas vidas a Alá. No século VIII, surgiu o Sufismo,
movimento espiritual e místico, influenciado pelos eremitas cristãos, resgatando o ascetismo do
próprio Maomé. A palavra sufi significa lã, referência ao tipo de roupa que homens e mulheres
usavam então.
CRISTIANISMO
Em comparação com o judaísmo e o islamismo, o cristianismo tem, no geral, uma atitude mais liberal
e humana para com a pessoa. Seu texto sagrado básico, o Novo Testamento, é de uma beleza e de uma
poesia ímpar. O grande problema é a interpretação moralista e repressora que os teólogos e
eclesiásticos, em geral, lhe deram, como forma de dominação, especialmente no Catolicismo, em que
a tradução oficial da Bíblia sofreu várias alterações para justificar interesses escusos da hierarquia. Por
exemplo, no Gênesis, a palavra hebraica tsella, que significa ‘ao lado do peito’, foi traduzida por
costela, para indicar a superioridade de Adão sobre Eva. Razão pela qual a discriminação da mulher
continua sendo um tabu em pleno século XXI.
Três grandes correntes se organizaram em torno dos ensinamentos de Cristo: a Igreja Católica romana,
A Igreja Católica Ortodoxa oriental e a Igreja Evangélica, cada qual fazendo uma leitura diferente do
mesmo texto sagrado.
Na Igreja Católica Romana, os dogmas são considerados revelação divina, um mistério. Não podem
ser contestados, mesmo que não possam ser compreendidos. Aliás, foi o grande Padre da Igreja,
Tertuliano (séc. III) quem fez a famosa afirmação: "Creio porque é absurdo". Entretanto, alguns
dogmas como da Santíssima Trindade, Imaculada Conceição de Maria, Maternidade divina de Maria,
Virgindade de Maria e Assunção de Maria aos céus, levantam dúvidas, polêmicas e divergências
mesmo entre os teólogos de maior renome.
Para dar só um exemplo ridículo, ao explicarem a virgindade de Maria durante e depois do parto,
alguns teólogos alegaram que Deus interveio com um milagre, transformando o corpo de Jesus, na
hora de nascer, em um fio fino como um barbante, para poder atravessar o hímen de Maria, sem
rompê-lo, mostrando como é importante para a mulher manter intacta essa pelezinha, prova de sua
integridade e pureza.
De acordo com Uta Ranke (1996), atualmente considerada a maior teóloga ecumênica do mundo,
primeira mulher a conquistar uma cátedra em teologia, numa universidade oficial alemã, o grande
mentor do pessimismo sexual católico foi Santo Agostinho (séc. IV). O mais célebre dos Padres da
Igreja casou-se aos 17 anos, teve um filho, e viveu plenamente a sexualidade. Sua mãe, Santa Mônica,
dedicou a vida inteira à conversão do filho. Aos 29 anos, Agostinho abandona a esposa e dedica-se à
religião, de corpo e alma. A partir daí, com relação ao sexo, coloca-se no extremo oposto, condenando
todo tipo de prazer. Como teólogo, defendeu a tese de que o pecado original, desde Adão até nós, é
transmitido pela relação sexual, ou melhor, pelo prazer sexual. Qualquer prazer sexual é pecado. Daí
que Maria só podia ser mãe de Jesus se não tivesse relação sexual.
Outro dogma, da Imaculada Conceição, afirmando que Maria foi concebida por Ana e Joaquim,
através de um ato sexual, mas sem pecado original, teve que esperar até 1854 para ser promulgado,
época em que a teoria de Santo Agostinho já não tinha aceitação. Tais teorias, elaboradas por uns
poucos clérigos obrigados ao celibato compulsório, são impostas à crença dos fiéis, considerados
incapazes de entender os grandes mistérios.
Mesmo teólogos conhecidos, como Alberto Magno e Tomás de Aquino, esquecidos de que já estavam
no Novo Testamento, retomaram o tabu da menstruação, considerando pecado mortal a relação com
uma mulher menstruada. São Jerônimo e outros consideraram venenoso o sangue menstrual e
concluíram que, quando a mulher tem relações sexuais durante a menstruação, pode gerar filho
leproso, epilético, hidrocefálico, aleijado, cego, idiota, possesso do demônio, ou nascer morto.
O sangue do parto era considerado ainda mais impuro que o menstrual. Após o parto, a mulher
esperava quarenta dias para voltar a freqüentar a igreja, passando pela cerimônia de purificação.
Inclusive Maria teve que se submeter a isso. Se a mulher morresse antes da purificação, tinha que ser
enterrada num lugar separado, do mesmo modo que se morresse antes do parto, porque aí o feto
morreria sem batismo.
No Novo Testamento quase não há referência ao sexo. Isto não impede uma batalha inglória entre
católicos e protestantes, sobre a suposta vida sexual de Maria e José. Os primeiros defendem a
virgindade perpétua de Maria, com base na tradução católica do Novo Testamento (Edição Pastoral,
da Sociedade Bíblica Católica Internacional, Ed. Paulus, SP), Evangelho de São Mateus, I, 24- 25:
"Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia mandado: levou Maria para casa, e, sem
ter relações com ela, Maria deu à luz um filho. E José deu a ele o nome de Jesus".
Os mesmos versículos, na clássica edição protestante, traduzida por João Ferreira de Almeida
(Imprensa Bíblica Brasileira, RJ), rezam: "E José, despertando do sono, fez como o Anjo do Senhor
lhe ordenara. E recebeu sua mulher, e não a conheceu até que ela deu à luz um filho, o primogênito, e
pôs-lhe por nome Jesus". A inclusão da palavra "primogênito" supõe que houve outro ou outros filhos,
já agora fruto de relações sexuais.
Em Mateus 12, 46, há referência a "irmãos de Jesus", que os protestantes interpretam como sendo
irmãos de sangue, enquanto os católicos vêem aí um sentido metafórico de simples parentesco, ou da
comunidade cristã em geral, como o próprio Jesus afirmou, no versículo 50: "pois todo aquele que faz
a vontade de meu Pai que está no céu, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe". Exegeses à parte,
torna-se evidente a manipulação do texto sagrado, com re-leituras contraditórias que confirmam
teologias pré-concebidas. Há exploração ideológica: Maria é destituída da feminilidade, num caso, e
da santidade, no outro.
E Jesus? Seria sexualmente ativo? Que respondam os voyeuristas de plantão. Mas, no episódio da
mulher adúltera, a atitude de Cristo foi de extrema compreensão, não condenando a pecadora que
estava prestes a ser apedrejada. Com outras mulheres, como consta em Lucas 8, 3, Cristo teve
excelente e inusitado convívio. Aliás, por falar em adultério, nos cinco primeiros livros da Bíblia, o
Pentateuco, ou Torah, encontramos uma legislação bastante explícita, que pune de morte tanto o
homem quanto a mulher adúlteros (Levítico 20, 10 e Deuteronômio 22, 22). Já no início do
Cristianismo, a interpretação corrente era de que só a mulher pega em flagrante seria penalizada, como
vemos em João 8,3. Para o homem, era normal.
Os leigos não dão importância às filigranas das especulações teológicas, sobretudo no Brasil, devido
ao sincretismo religioso que coloca no mesmo barco a Virgem Maria e Iemanjá. A presença de outros
cultos não altera a vida dos fiéis. A preocupação com o rigor do monoteísmo é daqueles que detêm o
poder nas instituições religiosas, porque isso garante seu domínio.
A segunda versão do dogma é mais sofisticada e, por assim dizer, psicanalítica, defendida por teólogos
contemporâneos mais arejados, para os quais o Pai vê sua imagem refletida como num espelho, que é
o Filho, e o amor do Pai a essa imagem é o Espírito Santo, focalizando mais o aspecto narcísico e
unitário de Deus. Nas duas versões, o Filho se encarnou. Entretanto, há uma passagem curiosa nos
Evangelhos, Lucas 3, 21-22, relatando o batismo de Jesus, onde consta que o Espírito Santo apareceu
"sob forma corporal, tal como uma pomba". O autor, com formação médica, sabia o que estava
dizendo, que o Espírito Santo também se encarnou, tomou um corpo, como Jesus. Vale ressaltar que,
segundo as melhores traduções da Bíblia (de Jerusalém, Vulgata e Maredsous), há consenso de que se
trata de uma pomba, em português, peristerás, em grego, columbae, em latim, une colombe, em
francês, una paloma, em espanhol, sempre no feminino, (dove, em inglês, é neutro), quando os
masculinos correspondentes seriam: pombo, peristerou, columbi, pigeon, palomo. Não indicaria isso a
presença do feminino no triângulo? A teologia católica oficial nunca se empenhou em tirar daí alguma
conseqüência.
Para compensar a exclusão do feminino, e por pressão dos fiéis, a partir do século IV foi dado um
destaque especial ao culto da Virgem Maria, o que levou a Igreja a promulgar o dogma da
Maternidade Divina. Só que, tanto o dogma da Santíssima Trindade, quanto o culto mariano
provocaram cisões e separações que se tornaram irrecuperáveis dentro da comunidade cristã. Há uma
ambigüidade em torno da figura de Maria. Por um lado, é-lhe dado um destaque que a eleva muito
acima das mulheres comuns, com prerrogativas e privilégios que nenhuma mulher conseguiu na
história da humanidade. Por outro, ela é colocada abaixo de Deus, girando numa órbita própria entre o
céu e a terra, sem ter lugar definido na ordem da criação. Em resumo, Maria é uma 'semideusa", sem o
status das deusas do politeísmo, e uma mulher que não veste o modelito das mulheres do monoteísmo.
A exclusão da mulher pela Igreja católica fica também evidente na proibição de participar do
ministério sacerdotal, ao contrário do que acontecia no matriarcado, quando o culto era dirigido pelas
sacerdotisas. Também com relação ao homem, ela ocupa um lugar inferior e sem voz ativa. Na
primeira Carta aos Coríntios 14, 34-35, São Paulo diz: "Que as mulheres fiquem caladas nas
assembléias, como se faz em todas as igrejas dos cristãos. (...) Se desejam instruir-se sobre algum
ponto, perguntem aos maridos em casa". Até bem recentemente, a liturgia romana do casamento
incluía a leitura do seguinte texto da Carta aos Efésios 5, 22: "Mulheres, sejam submissas a seus
maridos, como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como Cristo, Salvador do
corpo, é a cabeça da Igreja. E assim como a Igreja está submissa a Cristo, assim também as mulheres
sejam submissas em tudo a seus maridos". Esta citação não combina com o espírito do Novo
Testamento, mas se explica pelo fato de que Paulo era judeu e, como já foi dito, a mulher judia é
discriminada. Mas o fato de a Igreja, mesmo assim, ter escolhido essas frases, é sintomático. Também
geograficamente havia lugares diferentes para homens e mulheres nas naves das igrejas.
Com relação ao casamento, a Igreja Católica é a mais intransigente entre as instituições cristãs.
Proibido aos bispos, padres e freiras, para os fiéis só permitido uma vez. O divórcio não é admitido,
porque o casamento é indissolúvel.
Teólogos famosos realçaram a tese de que a mulher é inferior ao homem, como disse Santo Agostinho
(Uta, 1996). Quase um século depois (1274), Santo Tomás de Aquino decide integrar, ao pensamento
cristão, os princípios filosóficos de Aristóteles (322 a.C.), considerado o verdadeiro representante da
Filosofia Perene, que, no livro Da geração dos animais, lançou a famosa teoria do homúnculo: o
espermatozóide já contém o homenzinho completo, como embrião, dispensando a parceria do óvulo.
A mulher assim não participava da geração, a não ser alimentando aquele pequeno ser que foi
depositado em seu útero. Era a vingança em cima do matriarcado, onde o homem é quem não tinha
participação na geração. Aristóteles ensinava também que o embrião masculino recebia a alma
quarenta dias após ser implantado no útero, ao passo que o feminino demorava oitenta dias (ibid.). Daí
a concluir que a mulher é inferior ao homem era só uma questão de "bom senso".
Outra prova disso aconteceu quando o celibato foi imposto "goela abaixo" e a contragosto do clero e
religiosos. Tratando-se de medida disciplinar, nunca foi totalmente acatada, mesmo nas altas esferas
clericais. Foram feitas várias tentativas para consolidá-la, como no Concílio de Elvira (ano 303), pelo
Papa Sirício (399), Concílio de Latrão (1139), Concílio de Trento (1563) e Código de Direito
Canônico (1800). Além da desvalorização e repressão à sexualidade, o celibato dos padres foi uma
declaração explícita de que a mulher era um empecilho e estorvo para o ministério. E se a mulher não
pode nem conviver com um padre, exercer o ministério, nem pensar.
Após a imposição do celibato, alguns santos, como o português Antônio de Pádua, passaram a sofrer
tentações horríveis, tipo pesadelo ou delírio, em que apareciam lindas mulheres nuas, sedutoras, que
os deixavam enlouquecidos. Grandes pintores gravaram, em seus quadros, detalhes desse misto de
desejo e culpa.
Já que a sexualidade tem como único objetivo a procriação, os padres e religiosos não podem casar-se,
porque teriam de perder tempo com a educação dos filhos; e a mulher, tendo que criar filhos, não teria
disponibilidade para o ministério. Por volta do século IV, surgiu a criativa expressão "adultério com a
própria esposa", quando o sexo fosse praticado sem fins de procriação, só por prazer. Nessa
perspectiva, todo ato sexual, que não leva à procriação, é considerado perversão moral, o que se
transformou num prato cheio para as religiões, a Psiquiatria e o Direito elaborarem extensas e
minuciosas listas de perversões.
Um episódio anedótico sobre a repressão sexual aconteceu no século XVII, quando o bispo de
Genebra, Francisco de Sales, no livro Introdução à vida devota, aconselhou os casais a tomar como
modelo de vida sexual os elefantes, que só fazem sexo uma vez a cada dois anos. Essa idéia foi tirada
do naturalista romano Plínio, o Velho, que morreu na erupção do Vesúvio, em 79.
A maior mancha do catolicismo estava ainda para acontecer. Foi a Inquisição, uma espécie de nazismo
eclesiástico, do século XII ao XIX. A repressão à mulher sai das especulações teóricas e vai a campo
para assassinar milhares delas, sem direito à mais elementar defesa, sob acusações falsas ou simples
suposições de bruxaria e heresia. Tudo porque elas detinham certo saber, ou porque se permitiam
viver um pouco mais livremente aquela sexualidade que tanto incomodava os carrancudos e
recalcados inquisidores.
Tais abusos não poderiam ficar impunes. O cristianismo foi se tornando uma panela de pressão prestes
a explodir. A primeira bomba foi o dogma fundamental da Santíssima Trindade. Com uma matemática
difícil de manejar, três é igual a um, nem monoteísmo nem politeísmo, e com uma biologia mais
misteriosa, onde um pai produz um filho e um espírito, com a total exclusão de uma mulher, os
neurônios teológicos começaram a arder. E surge a primeira divisão profunda, o grande Cisma do
Oriente ou Cisma Grego.
Igreja Católica Ortodoxa Oriental. A primeira grande cisão no cristianismo foi devida a motivos
políticos, como o poder absoluto do Papa de Roma sobre toda a Igreja, motivos disciplinares, como a
proibição do casamento aos clérigos e, sobretudo, motivos religiosos e teológicos ligados ao dogma da
Santíssima Trindade. O dogma fundamental do Cristianismo começa a ser posto em discussão em 863,
pelo patriarca Fócio. Com o agravamento da divergência, em 1054, o patriarca bizantino Cerulário
excomungou o Papa Leão IX, após ter sido excomungado por ele. Estas excomunhões perduraram até
1966, quando foram retiradas de ambas as partes. Curioso é que essas duas palavras, patriarca (de
origem latina, mas usada na igreja grega) e papa (de origem grega, mas usada na igreja romana), têm a
mesma etimologia que é pai, o que mais uma vez esclarece sobre a luta de poder masculino que o
patriarcado representa.
O grande ponto de discórdia dessas duas igrejas católicas é sobre a terceira pessoa da Santíssima
Trindade, ou melhor, o lugar que o Espírito Santo ocupa no triângulo, onde toda a lógica veria aí uma
mulher-mãe. As duas igrejas sempre aceitaram o dogma da Trindade, mas, até hoje, não conseguiram
chegar a um acordo sobre isso. Para a Igreja Romana, na ordem da divindade, o Filho foi gerado pelo
Pai, enquanto que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (por via de inspiração). Já na ordem da
humanidade, Jesus é concebido por obra do Espírito Santo.
Para os Ortodoxos, o Espírito Santo procede somente do Pai e não do Filho. Passados doze séculos,
com várias tentativas de acordo e reconciliação mútua, não existe perspectiva de solução. Prova de
que a exclusão da mulher, nesse dogma, teve conseqüências funestas, e nem os próprios teólogos
conseguem explicar o imbróglio que eles mesmos criaram.
O tabu da menstruação na Igreja Grega é mais rigoroso que na Católica, porque lá a mulher
menstruada não pode comungar. Quanto ao casamento, talvez o único fruto do Cisma tenha sido o de
abolir o celibato para os padres ortodoxos, exceto para os bispos, sendo também permitido o segundo
casamento. E não há indício de que a permissão para casar-se tenha prejudicado o ministério
sacerdotal.
Só de passagem, existe outra religião, não monoteísta, o Hinduísmo, que tem sua Trindade Sagrada,
composta de três elementos masculinos: Brahma (deus criador), Vishnu (deus preservador) e Shiva
(deus destruidor), com a diferença que Shiva também é representado como mulher e, outras vezes,
metade homem e metade mulher.
A Igreja Evangélica é fruto da segunda grande divisão dentro do catolicismo. O movimento que lhe
deu origem é chamado de Reforma ou Protestantismo, surgindo na Europa, no século XVI. Pretendeu
reformar o que os evangélicos consideravam grandes equívocos teológicos, protestar contra várias
medidas disciplinares e resgatar a pureza original dos Evangelhos que, segundo eles, tinham sido
deturpados pela tradição oral pouco confiável.
Grandes teólogos, como Lutero, na Alemanha; Zwínglio, na Suíça; e Calvino, na França, são seus
mentores. Na Inglaterra, leva o nome de Anglicanismo. Um dos principais questionamentos é o culto
à Virgem Maria, que, segundo a doutrina, não tem fundamento nos evangelhos, já que o Novo
Testamento fala o tempo todo de Cristo. Por isso, Lutero não aceitava o culto a Maria, nem o culto a
nenhuma imagem de santo, porque isto era visto como uma idolatria. Lutero não aceitou também o
dogma da Imaculada Conceição e nem o da Maternidade Divina. Criticou a expressão usada pela
Igreja Católica, Muttergottes (mãe divina), propondo a expressão Mutter Gottes (mãe de Deus),
porque, na primeira, a atribuição de divindade recai sobre a mãe e, na segunda, recai só sobre Deus.
Maria é, portanto, uma simples mulher e mãe, não sendo objeto de nenhum culto (Uta, 1996).
O argumento teológico de Lutero acusa o catolicismo de ambivalência e ambigüidade, porque
transforma uma criatura em mãe do próprio Criador, o que é contradição. Conhecido pela teoria do
"livre arbítrio", Lutero diz que, no caso de Maria, o que acontece é o "servo arbítrio", porque ela não
escolheu livremente ser mãe de Deus, tendo-se declarado a escrava do Senhor. Critica também o
adjetivo "santíssima" aplicado a Maria, mesmo atributo da Santíssima Trindade, portanto de Deus.
A resposta do catolicismo aos protestantes foi que os fiéis não adoram a Virgem Maria. A adoração é
exclusiva para Deus, e a Virgem Maria é somente venerada. Acontece que, nos bons dicionários,
venerar é dado como sinônimo de adorar e vice-versa. Mas os teólogos não se deram conta de um
detalhe curioso: a raiz etimológica de venerar vem do latim, venus-eris, que significa desejo sexual,
personificado na deusa Vênus, a deusa do amor, no matriarcado e até hoje. Os teólogos cometeram
assim um ato falho, ao condensarem Maria e Vênus num único significante. Com relação ao
casamento, os evangélicos são mais liberais que os católicos e ortodoxos. Pastores e bispos podem se
casar, sendo também permitido o divórcio. Só recentemente surgiram as primeiras mulheres pastoras,
em grupos independentes.
Uma comparação entre as Igrejas Católica e Evangélica mostra que a primeira, apesar do pessimismo
sexual, rígida na teoria, mas permissiva na prática, tem uma característica mais afetiva, populista,
enfatizando a relação da mãe Maria com o menino Jesus, o que combina bem com os países do Novo
Mundo, o Brasil, especialmente, maior nação católica do mundo. Já a Evangélica é mais rígida, fria,
racional e tradicionalista, mais adequada ao espírito da Europa, onde floresceu. Recentemente, alguns
ramos populares do protestantismo têm abrandado a rigidez, mostrando um crescimento, na América
Latina, que vem tirando o sono das autoridades religiosas católicas.
Após tanto tempo de exclusão, o feminino recalcado se enfureceu de vez, propiciando às mulheres
uma das maiores descobertas da humanidade: a histeria. Seu grito veio na paralisia do próprio corpo,
na manifestação mais eloqüente de um sofrimento insuportável. Semelhante ao que aconteceu com a
bruxaria, a epidemia histérica cresceu rapidamente, assustando a ordem médica vigente, questionando
todo o saber patriarcal.
Os homens hoje querem que suas mulheres sejam femininas, e as mulheres preferem que seus homens
tenham características femininas também. Isso subverte os conceitos de hétero-homo-sexualidade. Em
um pequeno artigo, Freud referiu-se à deusa-mãe dos cristãos, Maria, que após a morte de Cristo, se
mudou para a Cidade de Éfeso, na Turquia. Na antigüidade, Éfeso possuía um belo templo dedicado a
Artêmis (Diana). Para ele, Diana e Maria são a mesma pessoa (Freud, 1911).
No geral, a psicanálise freudiana dá grande ênfase à figura do pai. Já a psicanálise kleiniana destaca a
figura da mãe, o seio bom e o seio mau. Lacan faz uma integração do masculino e do feminino, com
os conceitos de função materna e função paterna. Fala também da deusa-mãe (Lacan, 1959), que
reuniu os corpos despedaçados de Osíris, Adônis e Orfeu. E desenvolveu outro conceito pioneiro na
psicanálise lacaniana, o Gozo Feminino (Lacan, 1973).
O mestre francês retomou a discussão milenar do Cisma Grego, sobre o Filioque (e do Filho), se o
Espírito Santo procede só do Pai ou também do Filho, dizendo que "as questões devem ser tomadas no
nível em que o dogma tropeça em heresias - e a questão do Filioque me parece poder ser tratada em
termos topológicos" (Lacan, 1966). Há no original um importante jogo de palavras, porque em francês
hérésie se pronuncia como as iniciais R.S.I., que designam a topologia lacaniana do nó borromeano,
com os registros do Real, Simbólico e Imaginário.
Para complicar um pouco mais, Lacan produziu uma frase de efeito: "Há uma verdadeira religião, é a
religião cristã" (Lacan, 1974). Não está dizendo que a religião cristã seja melhor que as outras, ou que
tenha origem em alguma revelação divina, só aponta para o fato de que a religião cristã e a psicanálise
utilizam o mesmo fundamento, a palavra criadora (o Verbo ou o Significante), consideram o ser
humano como pecador ou como faltante, e adotam o esquema trinário em suas estruturas da Trindade
e dos três registros. Assim, numa convergência aproximativa, temos na teologia: Deus Pai, Deus
Filho, Deus Espírito Santo, enquanto, na psicanálise lacaniana e freudiana, temos: Real (a mãe),
Imaginário (o filho), Simbólico (o pai). É em função dessas coincidências com a psicanálise que a
religião cristã é considerada verdadeira. Não satisfeito, Lacan acrescenta: "Deus é inconsciente"
(Lacan, 1964).
Voltando ao feminino, Freud já fizera observações clínicas inovadoras, como a presença no
inconsciente de todos nós de uma dissociação da figura da mãe entre a santa e a prostituta. Descobrira
também que o homem tende a degradar a mulher para poder desejá-la, porque ele não deseja a mulher
que ama, e não ama a mulher que deseja (Freud, 1912). Tal divisão decorre dos dois grandes modelos
de mulher que existem na história da humanidade: Vênus de Milo, a deusa do prazer e da
sensualidade, e Maria, o modelo da mãe santa. Ambas sofreram a repressão: de Vênus, apesar da
exuberância sensual, mutilaram os dois braços, impedindo-a de embalar um filho. De Maria excluíram
a feminilidade, limitando-a à função de mãe.
Há um dia da semana dedicado a Vênus: é a sexta-feira, que em italiano é Venerdi, em francês é
Vendredi e em espanhol Viernes, todos significando dia de Vênus. No matriarcado, o Domingo era
dedicado ao sol (Sunday), passando a dia do Senhor no patriarcado. Os outros dias da semana são
dedicados à lua, Marte, Mercúrio, Júpiter e Saturno. Não há um dia para Maria, como há para Vênus.
Nosso calendário é politeísta.
Também no final do século XIX, paralelamente à psicanálise, surge a literatura gótica, de terror, cujo
ápice é o romance fantástico de Bram Stoker, Drácula (1897). No período de prosperidade econômica,
decorrente dos progressos da técnica e da indústria, a Nova Mulher se emancipa e vai trabalhar nos
redutos antes reservados aos homens. A inquietação masculina, o medo de perder o domínio, de ser
devorado pelas mulheres, produziu nos homens o fantasma do vampiro dentuço. Freud referiu-se à
fantasia da "vagina dentada", ao falar da angústia de castração nos homens. E um de seus textos
preferidos, sobre o sinistro, era o "Homem de areia", de Hoffmann.
O século XX indiscutivelmente, pode ser chamado o "século da mulher". O grito histérico do século
XIX garantiu a liberação da mulher. Juntamente com estudantes, operários, religiosos e intelectuais de
todo o mundo, o movimento feminista saiu vitorioso em várias reivindicações de natureza humana,
política e social, conscientizando-se ao ponto de não-retorno.
Assustada, a Igreja Católica convocou seu famoso Concílio Vaticano II, em 1962, prometendo
renovação, atualização e arejamento. Tudo indicava que seriam revistas as tradicionais normas
disciplinares: celibato dos padres, acesso das mulheres ao ministério sacerdotal, liberação do aborto,
permissão para o uso da pílula anticoncepcional, para o uso da camisinha, aceitação da
homossexualidade. As únicas opções de controle da natalidade oferecidas aos fiéis eram a abstinência
sexual, ou "a tabela", que todos sabiam ser o melhor método para engravidar.
O clero e a hierarquia progressista nunca esperaram tanto da Igreja. A decepção foi brutal. Nenhuma
das reivindicações acima foi atendida pelo Papa Paulo VI. Houve pequenas concessões, como usar a
língua vernácula na liturgia, a confissão comunitária etc. Se maio de 1968 foi marcado pelo grito
mundial de liberdade, sobretudo sexual, setembro de 1968 foi a resposta da Igreja, um balde de água
fria, com a publicação da Encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI, proibindo o uso da pílula
anticoncepcional. Foi tal a frustração para os fiéis e decepção para o clero, que uma quantidade
assustadora de padres desertaram das fileiras do ministério.
Embora a Igreja seja hoje mais tolerante com relação ao prazer, o ato sexual só é aceito se não excluir
a possibilidade da procriação. Surgiram, então, os movimentos de leigos e teólogos independentes,
criando a Teologia da Libertação, que se aliou ao movimento feminista. Leonardo Boff, o ideólogo da
libertação, foi proibido de ensinar teologia, devido ao "silêncio obsequioso" que Roma lhe impôs. Em
1980, o Papa João Paulo II, em audiência geral, no dia 08-10, retoma o tema do "adultério com a
própria esposa". Em 1981, em encíclica, e em 1984, em audiência pública, ele reafirma a proibição do
controle de natalidade pelos métodos ditos anti-naturais. A ONU promoveu a década da mulher, de
1975 a 1985.
O novo milênio mostra uma situação típica. Enquanto o feminino vai se fazendo cada vez mais
presente e visível, a ponto de provocar uma crise de identidade nos homens que não estavam
preparados para isso, o que se verifica na Igreja é uma paralisia histérica. Por exemplo, só no ano de
2003, houve pronunciamentos oficiais, declarando que o celibato dos padres jamais será abolido, que
o acesso das mulheres ao ministério sacerdotal jamais será permitido, porque assim o exige a honra (!)
das mulheres, e que as meninas não podem fazer a função de coroinhas nas celebrações litúrgicas.
A última pérola da repressão católica ocorreu no mês de abril de 2003, com a publicação, na Itália, de
uma espécie de dicionário, chamado Lexicon, onde, pela enésima vez, é ratificada a condenação do
aborto, da contracepção, do divórcio e da homossexualidade. Baseado nesse documento, em outubro,
o Cardeal Trujillo, presidente do Conselho Pontifício para a Família, órgão oficial do Vaticano,
sugeriu aos governantes que desestimulassem o uso da camisinha, por não ser segura. Houve reações
da ONU, através da UNAIDS, órgão oficial para o combate à Aids, e do Ministério da Saúde do
Brasil, contestando a veracidade das afirmações do cardeal.
Parece que a Igreja Católica prefere que seus fiéis morram de Aids, mas não abre mão de seu
moralismo milenar. Uma ONG se organizou para pedir indenizações à Igreja em benefício dos que
contraírem o vírus HIV, da mesma maneira que a Igreja vem sendo obrigada, pelos tribunais, a pagar
vultosas indenizações, pelos abusos de pedofilia, cometidos por padres e bispos, mundo afora.
O dogma da Infalibilidade Papal é responsável por essa paralisia da Igreja, por não se poder mudar
qualquer decisão anterior de outro papa em matéria de fé e moral.
a) Embora seja indubitável que as religiões, na quase totalidade, são repressoras da sexualidade,
certamente elas não são a causa da repressão, apenas seu instrumento. Freud postulou que a repressão
é estrutural no ser humano (Freud, 1915). Uma hipótese não-freudiana seria que o ser humano precisa
defender seu território, como fazem também os animais. Não por acaso, já no Velho Testamento, há a
proibição da masturbação masculina, com a finalidade de evitar o desperdício dos espermatozóides. Se
todos os espermatozóides fossem utilizados para a geração de um novo ser, dentro de poucos anos o
globo terrestre seria inabitável, e as pessoas iriam se destruir mutuamente, desaparecendo a raça
humana. Uma única ejaculação produziria uma prole superior à atual população do Brasil. A violência
nos grandes centros urbanos já é disto um prenúncio.
Há outros discursos, além da psicanálise, sugerindo que a repressão sexual e a discriminação da
mulher não são apanágio das religiões. Na Filosofia, o homúnculo de Aristóteles; nas Artes, a
mutilação de Vênus; na Medicina, as modernas técnicas de reprodução assistida, em que a sexualidade
é excluída; além das dúvidas que pairam sobre a criação do vírus da Aids em laboratório, como
punição à liberação sexual.
b) A segunda conclusão é mais alvissareira. Tudo indica que as deusas estão voltando. O mercado
editorial, nas últimas décadas, tem mostrado um volume espantoso de títulos sobre o assunto. Elas
estão chegando para fazer a síntese dialética. Após a tese do matriarcado politeísta, em que o modelo
da mulher é a Vênus sensual, e a antítese do patriarcado monoteísta, com o modelo da Virgem
recatada, que levou muitas mulheres à histeria e ao masoquismo sofredor, as mulheres de hoje buscam
a síntese da convergência do masculino e do feminino, não através de alguma religião oficial, mas da
espiritualidade.
O modelo da nova mulher pode bem ser a Gioconda, bem comportada, discreta, mas com um sorriso
malicioso e enigmático, típico do mistério feminino, que fascina quem a observa. Já que os críticos de
arte discutem se o rosto dela é de mulher ou de homem, a obra-prima de Leonardo da Vinci representa
bem a integração do masculino e do feminino. E a palavra gioconda, em italiano, significa alegre.
Depois que a psicanálise comprovou a bissexualidade nos seres humanos, se é verdade que Deus fez o
homem à sua imagem e semelhança, então Deus também tem sua face feminina, o outro lado da lua,
nunca mostrado pelos detentores do poder religioso. Está na hora de tirar a máscara. Bons ventos
recolocam a mulher em seu devido lugar e criam um Deus receptivo. O prognóstico é de esperança.
Um novo significante para a mulher poderia ser: afroditosa, uma condensação de Afrodite, ou Vênus,
com ditosa, jocosa e "giocondosa".
REFERÊNCIAS
CARTA AOS EFÉSIOS. in: Bíblia Sagrada. São Paulo: Editora Paulus, 1990, cap. V, 22-25, p. 417.
FREUD, S. (1900). A interpretação dos sonhos. in: ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1972, p. 277. v. IV.
__ (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. in: ESB. Op. dt, 1972, p. 189. v. VII.
__ (1907). Atos obsessivos e práticas religiosas. in: ESB. Op. cit., 1976, p. 121. V. IX.
__ (1908). Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade. in: ESB. Op. cit., 1976, p. 169. v. IX.
__ (1911). Grande é Diana dos Efésios. in: ESB. Op. cit., 1969, p. 432. v. XII.
__ (1912). Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor. in: ESB. Op. cit., 1970, p. 166. v. Xl.
__ (1913). Totem e tabu. in: ESB. Op. cit., 1974, p. 170. v. XIII.
__ (1915). Repressão. in: ESB. Op. cit., 1974, p. 207• v. XIV.
__ (1939). Moisés e o monoteísmo. in: ESB. Op. cit., 1975, p. III. v. XXIII.
LACAN, J. (1959). Sobre a teoria do simbolismo de Jones. in: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 723.
__ (1964). O seminário, livro XI. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979. p.
60.
__ (1966). A ciência e a verdade. in: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 888.
__ (1973). O seminário. livro XX. Mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. p. 118.
__ (1974). Entrevista coletiva com Dr. Lacan. in: Lettres de I'École Freudienne. Paris: n. 16,1976.
RANKE-HEINEMANN, Uta. Eunucos pelo reino de Deus. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1996.