Escravos - Memória Da Resistencia

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HISTÓRIAS FLUMINENSES

ESCRAVOS
MEMÓRIAS DA RESISTÊNCIA
NA BAIXADA FLUMINENSE
Guilherme Peres

Fonte preciosa de pesquisas dos


que se dedicam à História do regime
escravista no Rio de Janeiro durante o
século XIX, o anúncio sobre escravos
publicados nos poucos jornais que
circulavam na primeira metade
daquele período, nos dá em suas
entrelinhas, inúmeras informações
sobre essa atividade: evasões, trajes,
mutilações, humilhações, etnias,
leilões, cor, tipo físico, regiões, doenças, nação, aluguel, compra, venda, ofícios,
castigos, sexo, faixa etária, etc.
Fundado em 1827, o “Jornal do Commércio” transformou-se no principal
periódico dessa cidade durante o Império, registrando interessantes descrições de
usos e costumes sociais e econômicos da época: chegada e saída de navios,
circulação de bens destinados ao comércio, desembarque de escravos, leilões e
anúncios vários dessa mercadoria humana que se negociava naturalmente.
Uma rara coleção desse jornal diário consultado por nós, referente aos anos
de 1838 e 1839 pertencentes ao acervo do IPAHB, (Instituto de Pesquisas, Análises
Históricas e Ciências Sociais da Baixada Fluminense), revelou-nos preciosos subsídios
para a História da escravidão no Rio de Janeiro.
Após serem desembarcados, os escravos eram batizados recebendo nomes
“cristãos”, confirmando a presença da Igreja ao lado do poder econômico, evocando
ao dominado sua obediência e conformismo, desestimulando-os a planejarem revoltas
e evasões, adaptando-se à sua nova condição de cativo.
Entretanto, os constantes anúncios de fuga registram sua rebeldia. Baseada em
relações sociais escravistas, a fuga era uma esperança de liberdade para os evadidos
e, com a coragem de sua atitude, um “mau exemplo” para outros escravos. Sabiam do
grande risco que corriam ao serem capturados: sofrer a dor do açoite ou serem
colocados a ferro como castigo.

BAIXADA FLUMINENSE
A ausência de periódicos na região hoje conhecida como Baixada Fluminense,
concentrando grande número de cativos empregados nas lavouras, engenhos de
açúcar, de farinha e cabotagem nos portos fluviais, fazia com que seus proprietários
recorressem aos jornais da Corte, para publicar anúncios de compra, venda, evasões e
leilões de escravos:
Anúncio de leilão de escravos na Baixada Fluminense
publicado no “Correio Mercantil” de 22 de fevereiro de 1851
“Fugirão quatro escravos da freguesia de Marapicú, com os seguintes signaes:
Serafim, de nação Cabinda, alto, gordo, que terá 30 annos, he fulo, tem olhos
grandes, toma muito tabaco, e quando anda he meio coxo de huma perna pela ter
quebrado há muito tempo, e acha-se quase sem defeito; conta que se intitula forro, e
he bastante barbado.
Felisberto, de nação Cabinda, baixo, fulo, magro, terá 25 annos, he bem
conhecido, por que quando anda pisa com as pontas dos pés somente; ambos estes
escravos há dous annos que fugirão.
Albino, crioulo, idade 25 annos, alto magro, olhos pequenos, buço de barba,
muito retinto.
José, de nação, alto, retinto e magro, com princípio de barba, terá 26 annos,
toma muito tabaco: estes dous escravos fugirão há dous mezes. Protesta-se com o
rigor das leis quem os acoutar, e quem os apprehender e os levar á villa de Itaguahy,
a Carlos Dantas de Sá Freire, terá 40$rs. por cada um”.
“Jornal do Commércio” 14/11/1839

“Desapareceu no dia 20 de janeiro, da casa de José Antônio da Silva, na Villa de


Iguassú, hum pardo bastante trigueiro, que pisa aperiquitado, o qual se intitula ser
forro; quem o apprehender e leva-lo a casa de Fortunato José de Oliveira, morador
em Jacutinga, será bem gratificado.

“Fugio, no dia 29 de maio p. p. do porto do Tibiro, no rio da Estrella, um preto


Moçambique de nome Feliciano, para menos de trinta annos, alto e robusto, e he
official de ferreiro; levou camisa de baeta azul. Quem dele der notícia na dita fazenda
ou nesta cidade, na rua dos Ourives N. 20 receberá 40$rs”.

“Cincoenta mil réis a quem levar a rua dos Ourives n. 20, hum preto que fugio do
porto do Tibiro, rio da Estrela, há perto de seis mezes, de nome Antonio, nação
Songo, estatura regular, gordo do corpo, com os peitos muito para fora, um
buraco na boca do estomago, e ainda não sabe bem falar.”
“Jornal do Commércio” 22/11/1839

“No dia 9 de novembro do corrente fugio hum preto de nome Antonio, crioulo,
com os signaes seguintes: alto, reforçado, côr retinta, falla descançada, pouca
barba, signal de ferida no beiço de cima, duas cicatrizes no braço, signal de boba na
barriga da perna, todos do lado direito; he pedreiro, filho de Iguassú, e tambem
esteve em S. Antonio de Jacutinga, lugar do Madureira; quem do mesmo der notícia
na rua do Sabão n. 195 será bem recompensado”
“Jornal do Commércio” 18/12/1839

QUILOMBOS

Trecho da carta publicada em abril de 1825, pedindo captura e punição para


os quilombolas existentes nos mangues dos rios: “Aguassú, Pilar e Seropuy”.
(Diário Fluminense )
RELATÓRIO
Quando presidente da Província do Rio de Janeiro, o Conselheiro Francisco
Xavier Pinto Lima juntou ao seu relatório de 22 de outubro de 1876, o do chefe de
polícia, podendo-se ler neste o seguinte: “Quilombos – Quilombo do Bomba em
Iguassuú, e do Gabriel, no Município da Estrela – O Delegado de polícia do termo
da Estrela, Coronel Joaquim Alves Machado, auxiliado por Faustino Gonçalves
Vieira, administrador da fazenda do Mosquito, efetuou em dias sucessivos do mês
de junho último a prisão de 23 escravos fugidos, que se achavam nos dois
quilombos conhecidos por – Quilombo Grande e Quilombo do Gabriel – o primeiro
também denominado do – Bomba”, e situado no termo de Iguassú, escapando, ou
fugindo por esta ocasião dez dos mencionados escravos do quilombo do –
Bomba”. Em continuação à diligência para a captura dos restantes e para a
extinção do citado quilombo, seguiu o mesmo Delegado na noite de 7 de julho,
acompanhado do respectivo escrivão, praças e paisanos para a freguesia do Pilar,
donde desceu o rio na manhã do dia seguinte, a fim de postar-se no ponto
próximo à entrada desse quilombo, e expediu outra diligência para o rio Inhomirim
para o ponto onde devia ter lugar a diligência de combinação com o preto
Tibúrcio, que se prestou a auxiliá-la”.

Escravos presos e remetidos para o Calabouço


“Diário do Rio de Janeiro” 10/01/1826

Ao desarticular as sólidas estruturas sociais da “casa grande” com a fuga


para o interior das matas, os quilombolas foram aos poucos desestruturando a base
escravocrata, de uma estrutura latifundiária que trazia em seu corpo, o gérmen da
decomposição.
Defendidos pelos mangues quase inexpugnáveis e um sentimento de
liberdade, os negros encontraram nos quilombos, a solução para sua desdita, seu
ideal de independência. Resultado de uma consequência histórica, na
desarticulação daquela aristocracia rural, cujo único objetivo era o lucro, formigava
em seu bojo um exército de miseráveis, cujas únicas opções eram serem
submetidos à resignação das senzalas ou, com a fuga, explodirem no peito um grito
de liberdade.

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