Os Pesquisadores de Indios e Os Indios P

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Outros Tempos, vol. 10, n.16, 2013 p. 1-22. ISSN:1808-8031

OS PESQUISADORES DE ÍNDIOS E OS ÍNDIOS PESQUISADORES1

RESEARCHERS OF INDIGENOUS PEOPLE AND THE INDIGENOUS


RESEARCHERS

LOS INVESTIGADORES DE INDÍGENAS Y LOS INDÍGENAS INVESTIGADORES.

VERA LÚCIA FERREIRA VARGAS


Profa. Dra. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Aquidauana / Mato Grosso do Sul, Brasil
[email protected]

IÁRA QUELHO DE CASTRO


Profa. Dra. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Aquidauana / Mato Grosso do Sul, Brasil
[email protected]

Resumo: Considerando o aumento da produção acadêmica referente à história indígena no Brasil,


entre o final do século XX e início do XXI, esse texto tem por objetivo evidenciar as mudanças
ocorridas na sua escrita, que passou a demonstrar os índios como sujeitos históricos, ao longo de sua
história de contato. Nesse sentido destaca-se a produção realizada pelos próprios pesquisadores
indígenas Terena no âmbito dos programas de pós-graduação nas universidades brasileiras.

Palavras-chave: Pesquisadores indígenas. Produção acadêmica. Historia indígena.

Abstract: Considering the academic literature production increase within the Brazilian indigenous
history theme, from the late twentieth and early twenty-first century, this paper aims to highlight the
changes occurred in their writing construction. These works began to reflect the indigenous people as
historical subjects along their history of contact. In this sense, the emphasis is given to the Terena
indigenous researcher’s production achieved in the postgraduate programs, in Brazilian Universities.
Keywords: Indigenous researchers. Academic literature production. Indigenous history.

Resumen: Considerando el aumento de la producción académica que se refiere la historia indígena en


Brasil, entre finales del siglo XX e inicio de XXI, este trabajo se propone evidenciar los cambios
ocurridos en su escritura, lo que llevó a demostrar estos indígenas como individuos históricos, a lo
largo de su historia de contacto. En este sentido, se destaca la producción realizada por los
investigadores indígenas Terena en ámbito de los programas de posgrado en las universidades
brasileñas.

Palabras clave: Investigadores indígenas. Producción académica. Historia indígena.

O crescente índice de alfabetização dos povos indígenas nos dias de hoje justifica
tomá-los como leitores potenciais de sua própria história registrada e relatada por
terceiros, no caso, o antropólogo. Nesse sentido, devo dizer que tenho recebido
pedidos de lideranças terêna e tücuna para enviar-lhes os livros que escrevi sobre
eles, a despeito das eventuais dificuldades que possam encontrar em sua leitura. Esse
é um fato que nos deixa – antropólogos – especialmente desafiados e, sobretudo,
introduz um dado bastante novo se considerarmos que em passado não muito remoto

1
Artigo submetido à avaliação em 15/08/2013 e aprovado para publicação em 25/10 /2013
2

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“índios não nos liam...” Isso confere ao trabalho etnológico moderno uma nova
responsabilidade, como aquela que surge com a abertura do leque de nossos críticos,
não mais apenas acadêmicos e administradores indigenistas, mas agora os próprios
índios, sujeitos da investigação antropológica2.

A análise de Cardoso de Oliveira3 permite considerar que os Terena vivem um


tempo de busca pelo conhecimento da história que foi escrita sobre eles pelos pesquisadores.
Essa situação provoca algumas reflexões referentes aos registros até então realizados sobre os
Terena e como eles se posicionam diante deles. O crescente número de índios graduados nas
diversas áreas do conhecimento, em especial naquelas vinculadas à formação de professores,
é notório entre os Terena.
Essa realidade tem revelado uma nova produção acadêmica, formulada pelos
próprios sujeitos da investigação, os índios pesquisadores, o que têm contribuído para a
releitura de sua história. Por meio da apropriação dos registros produzidos sobre eles, dos
registros de suas memórias, os Terena estão construindo e reconstruindo novas relações e
alianças com a sociedade envolvente, que têm servido para respaldar e legitimar as
reivindicações por direitos, sobretudo junto aos órgãos oficiais do Estado brasileiro.
Compreender que os índios são sujeitos de sua história, em diferentes tempos e
contextos, remete a uma análise, ainda que sucinta, da produção historiográfica realizada
sobre eles a partir do final do século XX, o que será feito em um primeiro momento do
presente texto. Aquela produção mostra as ações indígenas e as diversas relações que os
povos indígenas estabeleceram com a sociedade envolvente ao longo de suas histórias, vistas
sob perspectivas teórico-metodológicas renovadas. Em seguida este texto traça um painel
geral de estudos realizados pelos Terena, principalmente para mostrar como eles se
posicionam em relação à história sobre eles escrita, como eles próprios se percebem e se
inserem no mundo acadêmico, através de suas produções realizadas no âmbito dos programas
de pós-graduação das universidades brasileiras.
A intenção não é trazer uma lista completa de autores Terena e sua produção, mas
destacar trabalhos que foram significativos e reveladores dos posicionamentos assumidos
frente à história sobre eles constituída e da compreensão daqueles indígenas sobre o lugar que
desejam ocupar na história, reivindicando a condição de sujeitos históricos, de formuladores
de táticas de reafirmação étnica, de propositores de políticas de aliança e interlocução com a

2
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Os diários e suas margens: viagem aos territórios Terêna e Tükuna.
Brasiíla: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 13-14.
3
Ibid.
3

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sociedade envolvente. A produção acadêmica dos indígenas confirma a necessidade de se


considerar as ações indígenas como fatores indispensáveis para a compreensão dos processos
nos quais estiverem (e estão) envolvidos e mostra a realização dos processos de apropriação e
reinterpretação percebidas no movimento de atualização das pautas culturais que orientam o
grupo.
Durante um longo tempo, a história dos povos indígenas foi ignorada pelos
historiadores, bem como pelos demais pesquisadores sociais. No século XIX, os intelectuais
responsáveis pelo projeto de constituição da nação brasileira excluíram as populações
indígenas do estado nacional em formação, corroborando diretamente com a política de
assimilação dos índios vigente naquele período4. Dessa forma, intelectuais e políticos
extinguiam, por meio de seus discursos, inúmeras identidades indígenas que, embora ainda
muito presentes no novo Estado foram ignoradas nos registros produzidos: na constituição de
uma nova identidade nacional não havia lugar para a pluralidade étnica. Foram nessa nova
ordem, os índios situados como grupos ou indivíduos do passado e sua presença foi diluída
dentro daquele processo que se desenvolvia, que tinha como objetivo acabar com as
distinções étnicas existentes5, bem como com os direitos dela decorrentes.
Dentre as intenções do Império brasileiro constava a posse e o controle das terras
indígenas para atender as necessidades do desenvolvimento do capitalismo que se processava
no Brasil. Nesse sentido, medidas foram tomadas, a principal delas foi a formação de
aldeamentos para a permanência dos índios, em território reduzido, que não correspondia ao
espaço que eles ocupavam. Além disso, a política indigenista incentivava e introduzia a
presença dos não índios junto deles para depois se beneficiar da situação que havia criado e se
apossar das terras em que os índios se encontravam, sob o pretexto de que eles estavam
“confundidos com a massa da população”. Orientados por esse preceito muitos aldeamentos
foram declarados extintos nas Províncias brasileiras6. Essas medidas atendiam as demandas
do governo, tanto para extinguir as identidades indígenas, quanto para o Império brasileiro
legalizar as propriedades particulares situadas em antigos territórios indígenas.
Essas ações estenderam-se por todo o século XIX e intensificaram-se depois da
Guerra do Paraguai (1864-1870), quando muitas etnias indígenas foram consideradas extintas

4
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. O lugar dos índios na história entre múltiplos usos do passado:
reflexões sobre cultura histórica e cultura política. In: SHOHET, Rachel. Mitos, projetos e práticas políticas:
memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 207.
5
Ibid.
6
CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índio : ensaios e documentos. São Paulo: Brasiliense, 1987.
4

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no Brasil. No sul de Mato Grosso, os Terena foram considerados os únicos índios entre os
Chané/Guaná que permaneceram como grupo étnico7. Porém esse reconhecimento não lhes
garantiu o direito de permanecer no território que ocupavam antes da guerra, pois esse se
tornou o principal interesse dos não índios, cada vez mais presentes na região. Por isso os
conflitos gerados pela posse das terras entre índios e não índios não cessaram com o fim da
guerra; ao contrário, aumentaram cada vez mais em decorrência da ampliação das fazendas na
região. As disputas pelas terras que até então compunham o território indígena estenderam-se
à República e permanecem até os dias atuais, sendo a posse de terras ainda geradora de
conflitos entre índios e não índios.
A política indigenista de assimilação permaneceu durante o século XX,
prosseguindo com a criação, em 1910, do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos
Trabalhadores Nacionais – SPILTN (a partir de 1917, apenas SPI). A função desse órgão era
gerir e administrar os índios dentro das reservas federais e conduzi-los ao mercado de
trabalho, transformando-os em “trabalhadores nacionais”, contribuindo para o seu processo de
aculturação e assimilação8. Persistiu a crença no desaparecimento dos povos indígenas,
concepção que vai predominar durante o século XX, como demonstram os estudos sobre os
Terena realizados pelos antropólogos Herbert Baldus9, Kalervo Oberg10, Fernando Altenfelder
Silva 11 que evidenciaram os conceitos desenvolvidos pela Antropologia da época, orientados
pela compreensão de que a mudança cultural entre os índios significava perda de sua
identidade étnica e os conduziria à extinção.
Nessa mesma linha interpretativa pode ser considerado os estudos desenvolvidos
por Roberto Cardoso de Oliveira a partir de 1955, quando esteve entre os Terena a serviço do

7
Os índios Kinikinau foram dados por extintos depois da Guerra do Paraguai; perderam as terras que ocupavam,
tanto na região de Albuqerque, quanto na região do rio Agachi, para a formação de fazendas. Perdidas as
referências territoriais, muitos se dispersam pelas fazendas da região, outros foram viver junto aos Terena e aos
Kadiwéu. Voltam a se reunir na década de 1940, em terras Kadiwéu, o estudo desenvolvido por CASTRO, Iára
Quelho de. De Chané-Guaná a Kinikinau: da construção da etnia ao embate entre o desaparecimento e a
persistência. 2011. 349 p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2011, mostra o processo de reorganização dos Kinikinau e a sua luta em busca de direitos junto ao
Estado brasileiro.
8
LIMA, Antônio Carlos de Souza. O governo dos índios sob a gestão do SPI. In: CUNHA, Manuela Carneiro da
Cunha. (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Campanhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura;
FAPESP, 1992 e LIMA, Antônio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e
formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.
9
BALDUS, Herbert. Ensaio de etnologia brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.
10
OBERG, Kalervo. A economia terena no Chaco. Tradução de Silvia M. S. Carvalho. Terra Indígena,
Araraquara: UNESP, n.55, p. 20-39, abr./jun. 1990. [1949]. OBERG, Kalervo. Terena Social Organization and
Law. American Anthropologist, USA: Menasha Wiscontn, v. 50, n. 2, p. 283-291, 1948.
11
ALTENFELDER SILVA, Fernando. Mudança cultural dos Terena. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v.3,
p. 271-379, 1949.
5

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SPI e registrou informações sobre as relações internas e externas nas diferentes aldeias da
região. Desses estudos resultaram vários artigos científicos12, nos livros “O processo de
assimilação dos Terena”13 e “Urbanização e tribalismo: a integração dos índios Têrena numa
sociedade de classes”14. Nesses estudos demonstra as relações que os Terena mantinham com
o seu entorno, com os diferentes povos indígenas na região e com os não índios, tanto nas
fazendas quanto nas cidades próximas as suas aldeias. Para desenvolver seus estudos Cardoso
de Oliveira levou em consideração a reconstrução histórica, ou seja, estabeleceu a abordagem
histórica para a compreensão das ações dos Terena junto aos outros povos indígenas e com a
sociedade envolvente.
Os estudos mencionados anteriormente não levaram em consideração os possíveis
interesses dos índios nos processos de mudança e suas possibilidades de rearticulação cultural
e identitária, pois compreendiam a cultura indígena como imóvel e estática: uma vez perdida
ou alterada, não restariam aos índios quaisquer alternativas de sobrevivência ou adequação.
Não se reconhecia o fato de que um grupo étnico pode transformar-se, sem necessariamente
anular-se ou perder o sentimento de comunhão étnica15.
Esse reconhecimento foi se estabelecendo por meio de estudos e pesquisas
produzidos a partir do final do século XX. Pesquisadores embasados em novos paradigmas
rompiam com os modelos estabelecidos, que se fundamentavam nos conceitos de aculturação
e assimilação dos índios. A mudança na compreensão da história dos povos indígenas foi, em
parte, resultado das ações dos próprios índios, sujeitos das investigações: embora muitas
etnias tenham sido extintas, outras permaneceram diluídas entre diferentes etnias ou entre a
população não índia, adotando uma identidade diferente da sua como opção para permanecer

12
Publicou em 1957 o artigo intitulado “Preliminares de uma pesquisa sobre a assimilação dos Têrena”, na
Revista de Antropologia, v. 5, n. 2; no mesmo “Estudo de uma comunidade Terena” Anais da II Reunião
Brasileira de Antropologia; 1958 o artigo “Aspectos demográficos e ecológicos de uma comunidade Têrena”, no
Boletim do Museu Nacional, n. 18, e “Urbanização sem Assimilação: estudo dos Têrena desbribalizados”,
publicado na Revista Ciência e Cultura vol. 10 n. SP; em 1959 “Matrimônio e solidariedade Tribal Terena”;
entre vários outros artigos.
13
Livro que foi publicado em uma coleção do Museu Nacional, e posteriormente em 1976, teve uma segunda
edição com o título: “Do índio ao bugre: o processo de assimilação dos Terêna, para fazer parte da Coleção
Ciências Sociais da Editora Francisco Alves. No prefácio a essa edição Cardoso de Oliveira justificou o novo
título do livro, com o acréscimo “Do índio ao bugre”, como uma denúncia dessa categoria “bugre”, uma vez que
os regionais assim os denominavam, para ridicularizá-los, essa categoria possuía vários significados como
bêbados, preguiçosos entre outras denominações pejorativas.
14
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Urbanização e tribalismo: a integração dos índios Terêna numa
sociedade de classes. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
15
Ressalta-se, entretanto, que as pesquisas mencionadas foram produzidas em um tempo no qual predominou a
teoria das perdas culturais e da vigência da crença da inevitabilidade do desaparecimento dos povos indígenas
frente à voragem do processo civilizador. Foi somente no bojo do movimento indígena, sobretudo a partir da
década de 1980, que aquelas concepções foram alteradas.
6

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nas terras em que se encontravam. Os Kinikinau, por exemplo, com a perda de suas aldeias
passaram a viver junto aos Terena, adotando sua identidade, porém, no interior do grupo,
eram reconhecidos como Kinikinau e participavam ativamente da vida na aldeia, contribuindo
para a sua construção16, como demonstrou Castro17.
A partir das últimas décadas do século XX, etnias até então dadas por extintas no
Brasil voltaram a reivindicar, junto ao Estado brasileiro, a sua identidade indígena e os
direitos correspondentes a ela, como mostrou Pacheco de Oliveira18, com os índios do
Nordeste, e Castro19, com os índios Kinikinau. Essa situação permanece e está se ampliando
de acordo com as ações dos índios, novamente demonstrando que as teorias até então
estabelecidas para compreendê-los não mais poderiam explicar suas ações dentro daquele
novo contexto. Dessa forma, estudos mais recentes Cunha20, Silva e Grupioni21, Novaes 22
,
Monteiro23, Pacheco de Oliveira24, Bruce e Ramos25, apontam para uma renovada
compreensão dos índios e das escolhas que realizaram ao longo de sua história.
Nas últimas décadas do século XX, os índios, em busca de seus direitos,
denunciaram os abusos, as explorações e violências que viveram ao longo dos séculos.
Provocaram discussões políticas e participaram das que os envolviam, solicitando legalmente
ao Estado brasileiro a posse de antigos territórios, tomados pelo desenvolvimento colonial e,
posteriormente, nacional. Nas suas reivindicações, demonstraram que, embora tivessem
vivido mudanças culturais significativas, elas não resultaram necessariamente na perda de sua
identidade étnica, mas na sua reelaboração, reafirmando-se como sujeitos plenos e conscientes

16
Em entrevista realizada na aldeia Ipegue, em 14 de janeiro de 2007, o índio Terena Antonio Francelino relatou
que, segundo informações dos mais velhos, a família de Arlindo Elóy, - que pertencia à família de liderança da
aldeia Colônia Nova - era Kinikinau e falava em seu próprio idioma. Essas informações são relevantes por
demonstrar a presença desses índios junto aos Terena. Embora a política indigenista não os reconhecesse como
Kinikinau, entre os índios permaneciam as suas diferenciações étnicas.
17
CASTRO, op. cit.
18
PACHECO DE OLIVEIRA, João. Uma etnologia dos “índios misturados”: situação colonial, territorialização
e fluxos culturais. In: PACHECO DE OLIVEIRA, João (Org.). A viagem da volta: etnicidade, política e
reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.
19
CASTRO, op. cit.
20
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Campanhia das Letras;
Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992.
21
SILVA, A L.; GRUPIONI, L. D. B. (Org.) A temática indígena na escola : novos subsídios para professores
de 1º e 2 º graus. Brasília : MEC; MARI; UNESCO, 1995.
22
NOVAES, Adauto. A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
23
MONTEIRO, John Manuel. Os negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. 2 ed. São
Paulo : Companhia das Letras, 1999 [1994].
24
PACHECO DE OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em antropologia histórica. Rio de Janeiro : UFRJ,
1999.
25
ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita. (Org.) Pacificando o branco: cosmologias do contato no norte-
amazônico. São Paulo: Editora da Unesp; Imprensa Oficial do Estado, 2002.
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de seus direitos. Dessa forma, não deixaram de ser índios, contrariando as concepções até
então estabelecidas sobre eles; ao contrário, eles se multiplicaram, como evidenciam os
últimos censos. As ações indígenas contribuíram para o estabelecimento de novos paradigmas
que passaram a nortear os estudos no Brasil, verificando-se o abandono de concepções até
então estabelecidas sobre eles e a busca de novos métodos para compreendê-los.
Nesse sentido, antropólogos e historiadores aproximaram-se, uma vez que ambos
lidam com processos socioculturais que se desenvolvem no tempo26. Surge um renovado
interesse dos pesquisadores pela história indígena, despertando o interesse dos antropólogos
pelos processos históricos de mudanças dos índios e dos historiadores pelos seus
comportamentos e crenças27. A partir desse entendimento, ampliaram-se as discussões em
torno da história indígena no Brasil. Antropólogos e historiadores direcionaram suas análises
para os índios, para demonstrar suas ações, apropriações e as ressignificações que realizaram
a partir do contato com os não índios. Sob essa concepção, os índios passaram a ser
compreendidos, dentro da perspectiva histórica, como sujeitos que também estão registrando a
sua história e emitindo a sua concepção sobre o “outro”. É a partir dessas novas abordagens
interdisciplinares que se pode compreender a história dos Terena.
Para pensar as escolhas que os Terena realizaram ao longo de sua história de
contato com os não índios, os estudos desenvolvidos por Cunha28 são fundamentais,
contribuindo diretamente para aquela reflexão: “a percepção de uma política e de uma
consciência histórica em que os índios são sujeitos e não apenas vítimas, só é nova
eventualmente para nós. Para os índios, ela parece ser costumeira”29. Essa percepção permite
compreender as ações desenvolvidas pelos Terena ainda na sociedade colonial e evidenciar as
suas escolhas, ora aliando-se ao colonizador europeu, ora esquivando-se do contato, porém
estabelecendo negociações e interagindo com a sociedade colonial a partir dos seus próprios
códigos.

26
PACHECO DE OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em antropologia histórica. Rio de Janeiro: UFRJ,
1999.
27
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
28
CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena. In: CUNHA, Manuela Carneiro da Cunha.
(Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Campanhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura;
FAPESP, 1992.
29
Ibid, p. 18.
8

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Segundo Monteiro30, surge uma nova perspectiva historiográfica que, além de


contribuir para a visibilidade dos índios, considera as concepções indígenas sobre o seu
passado, constituindo-se concepções alternativas para a história do contato e da conquista.
Dessa forma, a história dos Terena pode ser analisada dentro da “nova” história indígena, que
permite compreender suas ações reivindicatórias em prol dos direitos históricos pelos quais
reivindicam atualmente a permanência e a ampliação do seu território.
Monteiro31, em seu texto “Armas e armadilhas: História e resistência dos índios”
ponderou sobre as novas táticas utilizadas pelos índios32, entre as quais prevalece a
apropriação da história como fundamental para o estabelecimento de um discurso
propriamente indígena e, dessa perspectiva, é essencial a “revitalização” étnica, que implica a
reapropriação, pelas lideranças indígenas, de uma história “autêntica”. Dessa maneira, pode-
se compreender que as ações desenvolvidas pelas lideranças Terena, entre as quais também se
inserem os professores e os acadêmicos indígenas da graduação e da pós-graduação,
provocam e ampliam o diálogo e o debate sobre o conhecimento do seu passado e diante dele
se justificam direitos históricos. Monteiro destaca ainda que, nessa situação, adereços
ornamentais e práticas rituais “esquecidas” voltam a ser praticadas pelos índios, com o
objetivo de legitimar ações, sobretudo em situações de conflitos e de reivindicações junto ao
Estado brasileiro. Nesse sentido, se pode perceber o reaparecimento público do
“Koixomuneti”: as antigas lideranças Terena, principalmente os seus rezadores (koixomuneti)
são reconhecidos pelos demais índios e junto com eles legitimam as ações das jovens
lideranças acerca dos direitos indígenas.
Monteiro 33 afirma que é por meio da apropriação da história que informa sobre o
seu passado – e, nele, o seu processo de dominação e de direitos constituídos – que se
fundamenta as reivindicações atuais dos índios e se fomentam táticas políticas para o futuro.
Dessa forma as ações realizadas pelos professores e acadêmicos Terena podem ser
compreendidas, destacando-se que é por meio da escola e também da universidade que eles
desenvolvem argumentos e discursos para as disputas e lutas por direitos junto ao Estado

30
MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, A L.; GRUPIONI, L. D. B.
(Org.) A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2 º graus. Brasília: MEC; MARI;
UNESCO, 1995, p. 221-228.
31
Id. Armas e armadilhas: história de resistência dos índios. In: NOVAES, Adauto. A outra margem do
Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
32
Tática no sentido empregado por CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis:
Vozes, 1994. Ou seja, ações desenvolvidas por grupos ou indivíduos que estão em situações subalternas e
descobrem maneiras de tirar proveito das ocasiões.
33
MONTEIRO, op. cit.
9

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brasileiro. As ações das lideranças indígenas implicam diretamente no fortalecimento de sua


identidade étnica e, com isso, reforçam os vínculos entre eles e a aldeia, por meio da
apropriação de novos preceitos do Estado brasileiro, como oportunamente avaliou Monteiro:

No quadro atual do movimento indígena no Brasil, a elaboração – ou reelaboração –


da história por parte das lideranças e dos professores mostra-se um recurso
potencialmente poderoso nas lutas pela afirmação de uma identidade política e pela
posse da terra. Trata-se da apreensão, por parte das lideranças nativas, da inovação
conceitual apresentada pela Constituição de 1988, ou seja, o abandono de uma
perspectiva assimilacionista e sua substituição pelo princípio do direito à diferença 34.

Nessa perspectiva, os professores e acadêmicos Terena tornaram-se referências de


lideranças entre os índios, tanto em suas aldeias, quanto nas universidades. Os seus discursos
são sempre voltados para o fortalecimento de sua identidade indígena e dos direitos dela
decorrentes, para que possam usufruí-los. Nessa linha, se destaca o trabalho monográfico de
conclusão do curso de Direito da Universidade Católica Dom Bosco, realizado por Luiz
Henrique Eloy Amado, índio Terena da aldeia Ipegue, que discute os direitos indígenas a
partir da Constituição de 1988, sobretudo o direito à demarcação e ampliação das terras
indígenas, analisando que:

Sem sombra de dúvida esta foi à condicionante que mais suscita discussões na seara
jurídica, pois a condicionante de número 17 prescreve que “é vedada a ampliação
da terra indígena já demarcada”.
É de se considerar que o STF já firmou entendimento que a demarcação de terra
indígena se faz no “bojo de um processo administrativo”, procedimento este
disciplinado por lei e dividida em etapas que devem ser respeitadas sob pena de
nulidade dos atos praticados. Assim a primeira conclusão que devemos verificar é
que, se uma terra está sendo periciada com o intuito de se averiguar se é ou não de
ocupação tradicional, este passará por todos os trâmites previsto em lei, tais como o
estudo histórico e antropológico, serão dadas as partes ainda no processo
administrativo a oportunidade de manifestarem, após isto, será expedida a portaria
declaratória que de todo modo, havendo alguma crise a respeito do assunto, poderá
ser levado à apreciação do judiciário.
Posto isto, quando uma terra é demarcada respeitando-se todos os requisitos legais
não há que se falar em ilegalidade, visto que alcançou-se os objetivos ali previstos.
Por outro lado, não devemos aplicar esta condicionante nos casos em que a terra
indígena foi reservada, ou seja, são frutos da política indigenista do antigo SPI, onde
foram criadas reservas para os índios sem um prévio estudo e sem amparo legal
constitucional, traduzindo se em verdadeiros “confinamentos”.
Esta condicionante já vem sendo utilizada por parte dos fazendeiros em relação a
Terra Indígena Taunay/Ipegue, visto que com os estudos antropológicos realizados
constatou se que suas terras são bem maiores do que a atualmente ocupadas por eles,
visto que estas são exatamente reservas, que são derivadas da política indigenista da
época de Rondon.
Por fim, há aqueles casos em que a terra foi demarcada conforme prevê a lei, mas
que com o passar do tempo a comunidade foi crescendo, chegando ao ponto do
território ocupado ser insuficiente para a subsistência; neste caso defendemos que a

34
Ibid., p. 245.
10

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União deve sim ampliar o território indígena, mas não com base na demarcação,
mas sim com base na desapropriação, indenizando-se justamente os proprietários35.

Dessa forma, os Terena reivindicam seus direitos territoriais junto ao Estado


brasileiro se apropriando dos códigos legais estabelecidos pela sociedade nacional. Essa tática
indígena tem se ampliado consideravelmente a partir da aquisição indígena de saberes, no
interior das universidades e dos programas de pós-graduação, realizada pelos Terena e que
são socializados no interior das aldeias, a partir de suas escolas e professores, que se
constituem em novas lideranças. Essas se empenham por meio de um constante e renovado
diálogo em torno de seus direitos, das suas lutas e das suas credenciais étnicas,
proporcionando um novo debate entre os próprios Terena e entre eles e a sociedade
envolvente.
O conhecimento do passado tornou-se um recurso fundamental nas disputas por
terra e para o estabelecimento de negociações políticas, pois ele permite legitimar as ações
dos índios na busca por direitos legais. Almeida 36 evidencia que os índios aldeados utilizaram
o conhecimento histórico para suas reivindicações, sobretudo pela terra. Essa prática tem sido
realizada pelos Terena e atualizada no contemporâneo movimento indígena. Por meio da sua
consciência histórica os Terena fortalecem as ações reivindicatórias na expectativa de
reaverem as terras que perderam para a formação das fazendas; é por meio dela que se
posicionam junto ao Estado brasileiro. Ademais, considera-se que, sob essa orientação, as
ações desenvolvidas por eles podem ser compreendidas.
Dessa perspectiva, é fundamental compreender a importância e o significado da
aldeia para os Terena ao longo do seu processo histórico para se entender as atuais relações
que mantêm com ela. Para isso torna-se necessário entender também que as relações
mantidas entre os índios e o seu entorno podem ser tomadas como ações que resultaram das
escolhas indígenas, a partir da sua compreensão dos códigos da sociedade envolvente, como
pode ser percebido desde o tempo da colonização, quando fizeram uso e se apropriaram
daqueles, ressignificando suas relações e passando a interagir com o sistema estabelecido
pelos colonizadores espanhóis e portugueses. Nesse sentido,

[...] o espetacular sucesso da colonização espanhola no seio das etnias indígenas foi
alterado pelo uso que dela se fazia: mesmo subjugados, ou até consentindo, muitas

35
AMADO, Luis Henrique Eloy. O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal:
análise das condicionantes impostas para a demarcação de terras indígenas. 2011. TCC (Trabalho Conclusão de
Curso)- Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2011. p. 44-45.
36
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010
11

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vezes esses indígenas usavam as leis, as práticas ou as representações que lhes eram
impostas pela força ou pela sedução, para outros fins que não os dos conquistadores.
Faziam com elas outras coisas: subvertiam-nas a partir de dentro – não rejeitando-as
ou transformando-as (isto acontecia também), mas por cem maneiras de empregá-las
a serviço de regras, costumes ou convicções estranhas à colonização da qual não
podiam fugir37.

Assim podem ser pensadas as ações dos Terena ao longo do seu processo
histórico. Durante o Império brasileiro, quando foram classificados como índios “mansos”,
porque aceitavam negociar com os não índios, entre outras formas de relacionamento por eles
adotadas, estava implícita a permissão de transitarem constantemente pelo Império brasileiro.
Dessa forma, estabeleciam negociações com os não índios, meio pelo qual teciam alianças
com os militares na Província do Mato Grosso, até mesmo como “funcionários” que
prestavam inúmeros serviços ao Império. O contexto histórico da Guerra do Paraguai permite
vislumbrar essa situação, quando se verifica que os Terena tornaram-se parte do Exército
brasileiro e algumas lideranças indígenas receberam o título de “Capitão” das autoridades
brasileiras. Segundo Monteiro 38, a nomeação de capitães índios era uma prática comum desde
o início da colonização, assim como a participação de índios nas companhias militares, tanto
integrando-as, quanto chefiando-as. No caso dos Terena constam as chefias exercidas pelos
capitães Alexandre Bueno, Joaquim Vitorino e José Pedro, que, durante a guerra, prestaram
serviços ao Império.
No período que se sucedeu à Guerra do Paraguai, a região sul da antiga Província
de Mato Grosso apresentava-se devastada, sendo palco de disputas acirradas entre índios e
não índios pela posse das terras. Na perspectiva de resolverem essa questão, as lideranças
indígenas, de posse do título de “capitão” e das fardas concedidas pelo Exército brasileiro,
passaram a reivindicar das autoridades brasileiras, seus direitos ao território39. Essa situação
permaneceu durante o século XIX, como demonstram os documentos da Diretoria Geral dos
Índios/DGI. Dessa forma, as participações indígenas nos conflitos entre os não índios
atendiam, a princípio, os interesses de seus aliados, porém atendiam também aos interesses
indígenas, pois era a partir dessas situações de alianças que os Terena estabeleciam uma base
para negociar seus interesses, entre os quais se destacavam, mais uma vez, os direitos
territoriais.
37
CERTEAU, op. cit., p. 94.
38
MONTEIRO, John Manuel. Armas e armadilhas: história de resistência dos índios. In: NOVAES, Adauto. A
outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
39
VARGAS, Vera Lúcia Ferreira Vargas. A construção do território Terena (1870-1966): uma sociedade entre a
imposição e opção. 2003. 161p. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Mato Grosso do Sul,
Dourados, 2003.
12

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A reorganização dos índios nas aldeias permite considerá-las como lugar de


reconhecimento e de identificação étnica, como afirma Almeida:

A aldeia era um forte referencial de identificação, pois era a partir dela que os índios
se identificavam. Encaminhavam suas petições ao Rei, valorizando o passado de
lutas em defesa do império português, enfatizando, muitas vezes, o papel aí
desempenhado pelas próprias aldeias. Afinal o caráter defensivo marcou o
estabelecimento da maioria delas e iria ser sempre lembrado nas reivindicações
apresentadas pelos índios40.

Almeida 41 reforça a importância das aldeias para os índios, perspectiva que pode
ser estendida para a compreensão dos Terena. É a partir da aldeia que se organizam no
território, que constituem suas referências e elegem o que é importante para o grupo. Nesse
sentido, o estudo de Pereira42 permite ampliar o conhecimento sobre os Terena e a sua ligação
com a aldeia: aldeia é a reunião de “troncos43”, noção que orienta o seu processo de
territorialização, mediante a rede de alianças que mantêm com outros “troncos” e com a
sociedade envolvente. A formação de uma aldeia Terena implica a autonomia e a reprodução
dos processos sociais associados aos campos matrimonial, religioso e político, sendo
impossível que seja realizada por um único “tronco”. Dessa forma,

A aldeia deve ser entendida como um adensamento de relações parentais, políticas e


religiosas entre um determinado número de troncos que ocupam uma área contínua
de terras. A idéia de adensamento é importante porque os troncos de uma aldeia
também se relacionam com os troncos de outras aldeias, [...] mas estas relações
tendem a ser mais diluídas e menos freqüentes, uma vez considerada a distância
espacial e social aí instaurada. De todo modo, as redes ampliadas também são muito
valorizadas por ampliarem o horizonte social, principalmente no caso das lideranças
e das pessoas que buscam melhores condições de vida. [...] É importante ainda que a
aldeia está sempre inserida numa rede que extrapola os seus limites, sendo esta
inserção imprescindível para o seu reconhecimento44.

A partir dessas considerações, a aldeia também é percebida como lugar de


elaboração e reelaboração de identidade, de pertencimento, de reconhecimento e legalização
de ações reivindicatórias por direitos entre os quais se destaca território. Entre as táticas

40
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010, p.103.
41
Ibid.
42
PEREIRA, Levi Marques. Os Terena de Buriti: formas organizacionais, territorialização e representação da
identidade étnica. Dourados: Universidade Federal da Grande Dourados, 2009.
43
Ibid., p. 46-47 “Na linguagem corrente entre os Terena, o termo tronco é utilizado com o sentido geral de
ascendência e ancestralidade, sendo comum ouvir a frase “nossos troncos velhos”. Esse uso expressa o sentido
de inclusão em uma mesma categoria de todos os membros mais velhos da comunidade ainda vivos e dos
ancestrais mortos. [...] É através do reconhecimento dos troncos que são, em cada momento, o ponto focal da
vida social que a comunidade expressa o reconhecimento de sua reprodução social no tempo, conectando
presente e passado.”
44
PEREIRA, op. cit., p. 59-60.
13

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elaboradas pelos Terena constam, especialmente a apropriação de suas memórias, a


transformação da cultura e da identidade, que se tornaram fundamentais para esse novo
momento que vivem.
Nesse sentido, como mencionado anteriormente, os acadêmicos e professores
Terena estão ampliando essas discussões nas escolas, incentivando seus alunos a lidar com os
novos códigos que estão sendo a eles apresentados e a valorizar a língua Terena, como
elemento fundamental do processo de fortalecimento de sua identidade étnica.
Dentre as táticas desenvolvidas pelos professores indígenas, é notório o
fortalecimento dos vínculos com o seu passado. Reforçam a importância da terra para os
Terena, justificam a necessidade de ampliação de seus territórios nos dias atuais e, para isso,
retomam as qualificações historicamente estabelecidas, como a de hábeis agricultores.
Exemplificam que foram as plantações de suas aldeias que alimentaram o Exército brasileiro
durante a Guerra do Paraguai e que suas aldeias serviram de abrigo ou proteção para eles.
Entre outros feitos de seus antepassados destacam a defesa do território nacional, tanto na
Guerra do Paraguai, quanto na Segunda Grande Guerra (1939-1945), como demonstrou o
trabalho do pesquisador Terena Paulo Baltazar:

Historicamente, vários Terena fizeram parte da Força Expedicionária Brasileira.


Leão Vicente, da Aldeia Bananal; Irineu Mamede, da Aldeia Água Branca; e
Aurélio Jorge, da Aldeinha de Anastácio, MS, que incorporaram ao Exército
Brasileiro, pertencendo ao 9º. Batalhão de Engenharia de Combate, sediado em
Aquidauana, e participaram da Segunda Guerra Mundial nos campos da Itália. Essa
epopéia ficou registrada na memória cultural dos Terena, que relembram os seus
heróis no campo de batalha dos brancos. É motivo de orgulho para os Terena
comprovar que sua valentia foi reconhecida pelos brancos, até mesmo no
estrangeiro45.

Diferentes táticas foram colocadas em prática pelos Terena, de acordo com


diferentes contextos políticos com os quais se defrontavam, sendo muitas delas evocadas no
presente. Assim, retomam e ampliam sua história e legitimam suas ações políticas atuais,
realizando o fortalecimento de uma memória histórica, que trabalha no sentido de legitimar as
contemporâneas reivindicações, sobretudo as territoriais46. Recorrendo-se à noção usada por

45
BALTAZAR, Paulo. O processo decisório dos Terena. 2010. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)-
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010, p.48.
46
RAPPAPORT, Joanne. Introdução. Cumbe renaciente: uma historia etnográfica Andina. Bogotá: Instituo
Colombiano de Antropologia e História, 2005.
14

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Almeida47 se pode dizer que os Terena se pautam em uma “cultura histórica”, compreendida
como o posicionamento que os índios têm a respeito do seu passado e o uso que dele fazem
em face das necessidades no presente.
Para uma melhor compreensão das principais e atuais reivindicações Terena — a
revisão, ampliação e a demarcação do território —, é imprescindível a definição de “terra
indígena”, conforme noção estabelecida por Pacheco de Oliveira:

A definição de terra indígena – ou seja, o processo político pelo qual o Estado


reconhece os direitos de uma “comunidade indígena” sobre parte do território
nacional – não pode ser pensada ou descrita segundo coordenadas de um fenômeno
natural. Longe de serem imutáveis, as áreas indígenas estão sempre em permanente
revisão, com acréscimos, diminuições, junções e separações. Isto não é algo
circunstancial, que decorra apenas dos desacertos do Estado ou iniciativas espúrias
de interesses contrariados, mas é constitutivo, fazendo parte da própria natureza do
processo de territorialização de uma sociedade indígena dentro do marco
institucional estabelecido pelo Estado-Nacional48.

A análise de Pacheco de Oliveira aponta para os vários fatores que envolvem o


complexo processo de definição e reconhecimento de uma terra indígena, entre os quais se
destacam as junções e as separações de acordo com a lógica indígena, que parece ainda passar
desapercebida para o Estado brasileiro. Entre os Terena, juntar e separar é um processo
comum, que ocorre por diferentes motivos e que envolvem principalmente as necessidades do
grupo. Desde o período colonial esse tipo de prática pode ser observado entre os povos
Aruák49, como também pode ser visto em muitos relatórios da Diretoria Geral de Índios, da
Província de Mato Grosso, ou ainda na documentação do SPI, além de ser constatado através
das informações obtidas com os Terena por meio das entrevistas em suas aldeias: essas
junções e separações fazem parte da própria dinâmica do grupo. Embora alterada pela
limitação da terra, os Terena continuam a realizá-la, sobretudo com a organização de novas
aldeias.

47
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. O lugar dos índios na história entre múltiplos usos do passado:
reflexões sobre cultura histórica e cultura política. In: SHOHET, Rachel. Mitos, projetos e práticas políticas:
memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
48
PACHECO DE OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em antropologia histórica. Rio de Janeiro: UFRJ,
1999, p.177.
49
SUSNIK, Branislava. Los aborigenes del Paraguay : etnohistoria de los chaqueños – 1650 - 1910. Asuncion :
Museo Etnografico “Andres Barbero”, 1981.
15

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Nesse sentido, mais uma vez recorre-se a Pacheco de Oliveira50 para se


compreender a noção de território dos indígenas, que difere da concepção estabelecida pelo
Estado-Nação, que determina limites fixos e determinados. Para os povos indígenas, as
fronteiras territoriais são mais fluidas e oscilam regularmente conforme suas necessidades e as
alterações delas decorrentes. Dessa forma, se torna oportuno compreender aquilo que Pacheco
de Oliveira definiu como “processo de territorialização”, entendido como um processo de mão
dupla em que se consideram as ações e interesses do Estado brasileiro e as ações indígenas.
Nessa perspectiva, pode-se considerar que os Terena trabalham ativamente para a recuperação
e reconstrução de parte dos seus antigos territórios, pressionando o Estado brasileiro e
negociando com ele.
Os estudos sobre os índios Terena realizados a partir da década de 1990 e a
primeira década do século XXI, demonstram os índios como sujeitos de sua história, entre
eles destacam-se as pesquisas realizadas por: Galan51, Acçolini 52
, Carvalho 53
, Moura54,
Mussi55, Vargas56, Ferreira57, Garcia58, Sant’Ana59. Esses estudos se pautam nas novas
abordagens dos povos indígenas, nos quais os índios emergem como sujeitos históricos,
evidenciando-se as suas ações como formas próprias de se relacionarem e interagirem com as
50
PACHECO DE OLIVEIRA, op.cit.
51
GALAN, Maria Cristina. As Terena. 1994. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1994.
52
ACÇOLINI, Graziele. A adoção de um novo mito. 1996. Dissertação (Mestrado em Sociologia) –
Universidade Estadual Paulista, Araraquara. ACÇOLINI, Graziele. Protestantismo à moda Terena. 2004. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais)- Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2004.
53
CARVALHO, Fernanda. “Koixomuneti” e outros curadores: xamanismo e práticas de cura entre os Terena.
1996. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
54
MOURA, Noêmia dos Santos Pereira. UNIEDAS: o símbolo da apropriação do protestantismo norte-
amaricano pelos Terena (1972-1993). 2001. 136 p. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul, Dourados, 2001. MOURA, Noêmia dos Santos Pereira. O processo de terenização do
cristianismo na terra indígena Taunay/Ipegue no século XX. 2009. Tese (Doutorado Ciências Sociais)-
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
55
MUSSI, Vanderléia Paes Leite. A dinâmica da organização social dos Terena, da aldeia ao espaço urbano de
Campo Grande – MS. 1999. Dissertação (Mestrado em História)- INISINOS, São Leopoldo, 1999. MUSSI,
Vanderléia Paes Leite. As estratégias de inserção dos índios Terena: da aldeia ao espaço urbano (1990-2005).
2006. Tese (Doutorado em História)- Universidade Estadual Paulista, Assis, 2006.
56
VARGAS, Vera Lúcia Ferreira. A construção do território Terena (1870-1966): uma sociedade entre a
imposição e opção. 2003. 161p. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Mato Grosso do
Sul, Dourados, 2003. VARGAS, Vera Lúcia Ferreira. A dimensão sociopolítica do território para os Terena: as
aldeias nos séculos XX e XXI. 2011. Tese (Doutorado em História)- Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2011.
57
FERREIRA, Andrey Cordeiro. Tutela e resistência indígena: etnografia e história das relações entre os Terena
e o Estado brasileiro. 2007. Tese (Doutorado em Antropologia Social)- Museu Nacional/Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
58
GARCIA, Adilso Campos. A participação dos índios Guaná no processo de desenvolvimento econômico do
sul de Mato Grosso (1845-1930). 2008. 145p. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da
Grande Dourados, Dourados, 2008.
59
SANT’ANA, Graziella Reis. História, espaço, ações e símbolos das associações indígenas Terena. 2010.
Tese (Doutorado em Ciências Sociais)- Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.
16

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políticas coloniais, imperiais e republicanas. Os estudos mencionados mostram o


desenvolvimento de táticas indígenas com as quais puderam realizar suas escolhas, formar
alianças e estabelecer negociações com os não índios. Dessa forma, esses estudos utilizam as
noções antropológicas de ressignificação, apropriação, entre outras, que permitem demonstrar
ações e escolhas indígenas.

Índios pesquisadores

A presença dos índios na universidade tem aumentado consideravelmente nos


últimos anos. Segundo pesquisa realizada pelo Programa Rede de Saberes, em 2006 havia 372
acadêmicos indígenas matriculados na Universidade Católica Dom Bosco e na Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul, entre os quais 213 eram Terena.60 Em 2009, foram
registrados 518 acadêmicos indígenas, entre os quais 259 eram Terena. Em 2013, a pesquisa
ainda está em andamento, apontando, por enquanto, 700 acadêmicos indígenas em Mato
Grosso do Sul.
Entre esses índios, há uma preocupação constante com a educação escolar, já
apontada por Galan61 e por Carvalho62 no final da década de 1990, quando o problema estava
em sair da aldeia para continuar os estudos nas cidades, pois as aldeias ofereciam somente o
ensino “primário”. Essa preocupação, claramente percebida nas falas e nas ações dos Terena,
aumentou à medida que a demanda também cresceu, tanto nas aldeias quanto nas cidades,
sobretudo para a conclusão do ensino superior, que exige dos acadêmicos disposição não só
para os estudos, mas também para o enfrentamento das dificuldades deles decorrentes. Por
essa razão, aliada a outras, tais como a possibilidade de se obter um trabalho remunerado
dentro das aldeias, tornam-se motivos de satisfação e alegria para a família quando voltam
“formados”, especialmente os professores, tornando-se exemplos para outros índios, para que
sigam o mesmo caminho.
Esse fato é facilmente percebido nas aldeias Terena. O respeito e a formalidade
com que se tratam nas escolas e no cotidiano são visíveis entre eles, situação que mostra o

60
O Projeto Rede de Saberes é desenvolvido em parceira com a Universidade Católica Dom Bosco/UCDB,
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS, Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD e
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/UEMS, possui financiamento da Fundação Ford e tem por
objetivo a permanência dos acadêmicos indígenas no ensino superior.
61
GALAN, op. cit.
62
CARVALHO, Fernanda. “Koixomuneti” e outros curadores: xamanismo e práticas de cura entre os Terena.
1996. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
17

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“status” de professor perante o grupo. A busca pela conclusão do ensino superior requer
algumas ações dos Terena, entre elas o seu deslocamento para as cidades, onde deparam-se
com os novos desafios, que implicam novas formas de se relacionarem com o “outro”. Nesse
processo, suas relações são ressignificadas com os não índios de várias formas, na perspectiva
de formarem alianças que contribuam para sua permanência na universidade. No decurso da
formação universitária são conduzidos à pesquisa, também com a perspectiva de receberem
bolsas para desenvolvê-las em suas aldeias, algumas das quais resultaram na continuidade de
seus trabalhos dentro de programas de pós-graduação, originando novas pesquisas produzidas
pelos próprios Terena, que registraram suas experiências e apontaram novas alternativas para
a compreensão de sua história63.
Nesse contexto se pode apontar o estudo de Wanderley Dias Cardoso64, que foi o
primeiro Terena a desenvolver pesquisa com a história do seu povo em nível de mestrado.
Com o título “Aldeia indígena de Limão Verde, escola, comunidade e desenvolvimento
local”, a pesquisa mostrou que os Terena possuem consciência da necessidade de manterem
aquilo que os identificam como índios e que a escola tem uma importante contribuição nesse
processo, pois tem como desafio constituir-se apoiada na trajetória do povo Terena, na luta
pela ampliação do território e ainda dar subsídios para o seu fortalecimento local. Segundo
Cardoso65, “partindo do respeito às diferentes culturas e formas próprias de organização, cujos
reflexos se dão, também no nível da escola, esta deve ser pensada de acordo com a realidade
local e cujos objetivos estejam voltados para uma perspectiva de futuro”. Nesse sentido, a
escola indígena deve propiciar condições para as conquistas e permanência dos direitos

63
Essa situação está sendo ampliada, estendendo-se a outras etnias do estado de Mato Grosso do Sul, os Guarani
Kaiowá, e os Kinikinau, que também se encontram nos programas de pós-graduação realizando suas pesquisas.
64
Índio Terena nascido na aldeia do Limão Verde, no município de Aquidauana, onde estudou no então Núcleo
Escolar, entre o final da década de 1970 e início de 1980. Como o Núcleo oferecia apenas as séries iniciais, em
1982 foi levado para Aquidauana “para ir se ‘acostumando’ com a vida da escola na cidade” e, durante esse
período, ainda trabalhou no corte da cana, colheu café nas fazendas da região, realizou vários outros trabalhos
braçais. Quando terminou o ensino médio, voltou para a aldeia para trabalhar como professor nas séries iniciais.
Em 1997, por meio de um convênio entre a Fundação Nacional do Índio/FUNAI e a Universidade Católica Dom
Bosco/UCDB, que oferecia inscrições para o vestibular aos professores Terena, Wanderley foi um dos
contemplados e, assim, pôde cursar a graduação em História na UCDB. Foi então necessário residir na cidade de
Campo Grande, capital do Estado. Nesse período, foi técnico em educação na Secretaria de Estado de
Educação/MS, desenvolveu ações diretas na escola da aldeia Limão Verde, foi Administrador Regional da
FUNAI, em Campo Grande. Em 2004, concluiu sua dissertação de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Local da UCDB. Foi bolsista internacional da Fundação Ford durante o Doutorado no
Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica/PUC do Rio Grande do Sul,
concluído em 2011.
65
CARDOSO, Wanderley Dias. Aldeia indígena de Limão Verde: escola, comunidade e desenvolvimento local.
2004. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande,
p. 11
18

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indígenas. Afirma ainda que “repensar” as ações da escola significava “repensar” as ações dos
indivíduos que dela faziam (e fazem) parte.
Cardoso mostra também que a escola se tornou um dos principais meios de
comunicação entre os índios e a sociedade envolvente; sendo apropriada e utilizada para
discutir e ampliar as informações sobre o movimento indígena que se processa em âmbito
nacional. Para isso, tornou-se fundamental que os índios se instrumentalizem para o sucesso
desse novo desafio: a Educação Escolar Indígena66, configurada no Brasil a partir de 1980.
Segundo Cardoso67 a nova escola indígena que se encontrava em formação deveria retomar e
ensinar elementos importantes da cultura Terena, entre eles a língua indígena. Uma vez que,
as primeiras escolas constituídas nas aldeias pelo SPI, tinham por objetivo conduzi-los à
substituição da língua Terena pela língua Portuguesa, retirando deles gradativamente
elementos de sua cultura, substituindo-os por elementos da cultura não indígena. Nesse
sentido, enquanto professor da aldeia Limão Verde, Cardoso provocou os Terena da aldeia
Limão Verde, particularmente a liderança indígena, a participar efetivamente das discussões
que envolviam aquele novo modelo de escola. Atualmente, a maioria das atividades políticas
desenvolvidas nas aldeias ocorre nas escolas, seja pelo uso do espaço físico, seja pelo
envolvimento da comunidade indígena, seja pela discussão da própria educação escolar
indígena, que envolve as lideranças indígenas e as não índias, nesse caso os prefeitos e os
secretários de educação dos municípios, a exemplo do que ocorre em Aquidauana e Dois
Irmãos do Buriti. Além disso, os professores das universidades também são convidados a
participar, dessa forma os Terena evidenciam a rede de relações em que estão envolvidos.
A partir das relações estabelecidas pelos professores indígenas com a aldeia e a
sociedade envolvente, na busca de legitimação por direitos, como mostrou Cardoso68, e a
vivência nas aldeias por meio das atividades desenvolvidas junto aos professores, é possível
compreender também essas ações como apropriação da escola pelos Terena. Também se
reconhece aqui a importância das práticas que estabeleceram para, por meio da escola,
fortalecer suas relações com a aldeia e, assim, ter sua consciência histórica reforçada pelos

66
Sobre Educação escolar indígena, ver os trabalhos de pesquisa desenvolvidos pelos professores indígenas:
ANTONIO, Nilza Leite. Raízes na língua: identidade e rede social de crianças Terena da escola bilíngüe da
aldeia Bananal. 2009. Dissertação (Mestrado em Psicologia)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo
Grande, 2009. SEIZER DA SILVA, Antônio Carlos. Educação escolar indígena na aldeia Bananal: prática e
utopia. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2009.
FIALHO, Celma Fracelino. O percurso histórico da língua e cultura Terena na aldeia Ipegue/Aquidauana/MS.
2010. Dissertação (Mestrado em Educação)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2010.
67
CARDOSO, op cit.
68
Ibid.
19

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professores na escola, que propicia discussões em torno dos direitos indígenas e do


fortalecimento de sua identidade étnica. A escola é, portanto, fundamental para esse novo
momento vivido pelos Terena: é a partir dela que estão ampliando e reelaborando suas
relações com a sociedade envolvente, razões por que se torna fundamental compreender essa
nova forma de liderança exercida pelos professores indígenas.
Cardoso, em 2011, defende sua tese de doutorado “A história da educação escolar
para o Terena: origem e desenvolvimento do ensino médio na aldeia Limão Verde”. Nesse
trabalho, reforça a importância da educação escolar para os índios, como um mecanismo que
permite acesso às informações e tecnologias necessárias para o desenvolvimento de uma
política indígena para obtenção de novos espaços dentro e fora da aldeia junto à sociedade
envolvente. Pauta-se o pesquisador na trajetória do povo Terena e afirma que, embora tenham
ocorrido mudanças culturais ao longo de sua história, eles “têm conseguido manter o ethos
que o identifica como Terena”. Aponta ainda o desafio de se construir a educação escolar
indígena Terena apoiada na trajetória desse povo, “na luta pela recuperação e defesa do
território tradicional, suas relações atuais com o entorno, destacando o projeto de futuro da
juventude”.69 Mais uma vez, constata-se que a educação escolar e as táticas desenvolvidas
pelos professores para o seu fortalecimento dentro das aldeias têm o firme propósito de
legitimar suas reivindicações e a posse de seu território por meio do fortalecimento de sua
identidade étnica. Nesse sentido, a escola proporciona informação, orienta e legitima
memórias construídas a partir de sua história e permite ações que reforçam a importância
política desse momento que estão vivendo, se apropriando, ampliando e ressignificando sua
história.
Corroborando essas discussões, consta o estudo realizado em 2006 por Claudionor
do Carmo Miranda70, “Territorialidades e práticas agrícolas: premissas para o

69
CARDOSO, op. cit., p. 7
70
Índio Terena da aldeia Água Branca, localizada no município de Nioaque. Em Miranda, cursou as séries
iniciais na Escola Indígena 31 de março. Aos 10 anos de idade, teve que continuar seus estudos na cidade,
aproximadamente a dez quilômetros da aldeia. Na maioria das vezes, o seu deslocamento até Nioaque era feito a
pé. Na sua nova condição de estudante fora da aldeia, deparou com o preconceito e a discriminação por ser índio,
tanto pelos professores quanto pelos colegas de turma. Aos 17 anos, por meio de um convênio entre a Escola
Agrotécnica Federal de Cuiabá-MT, localizada em São Vicente da Serra, e a FUNAI, tornou-se técnico em
Agropecuária. Em virtude das excelentes médias obtidas durante os três anos de curso, foi selecionado para
realizar uma prova escrita e disputar uma das duas vagas proporcionadas aos alunos das escolas técnicas do
Centro-Oeste brasileiro para estudar Agronomia na Costa Rica, na América Central, na Escuela de Agricultura
de la Región Tropical Húmeda – EARTH. Foi aprovado com a classificação B, o que representava receber 50%
de bolsa, sendo os outros 50% concedidos pela Funai-Adr/Campo Grande/MS. Aprendeu a falar mais uma
língua, o espanhol, e, depois de quatro anos, retornou ao Brasil, onde, em 1998, estabeleceu-se na cidade de
Guarantã do Norte-MT, para trabalhar como gerente de produção da Cooperativa Integral de Reforma Agrária-
Braço-Sul/CIRA/BS. Voltou para a aldeia Água Branca, entre 1999 a 2000, e prestou consultoria ao Movimento
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desenvolvimento local em comunidades Terena de MS71”. Entre as questões levantadas por


Miranda, duas são particularmente importantes para se pensar as ações dos Terena em suas
aldeias e fora delas. A primeira trata-se das relações de disputas entre as lideranças para o
controle da aldeia, que é perpassada pela disputa pelo controle do conhecimento, tanto o
tradicional – relacionado aos códigos que os regem o modo de ser Terena que orientam a
conduta do grupo –, quanto daquele adquirido nas universidades, nos cursos de graduação e
pós-graduação, pois esses significam a apropriação do conhecimento produzido sobre eles.
Afirma o autor que ambos são importantes para o exercício da liderança, à medida que
permitem o seu posicionamento nas disputas e reivindicações junto ao Estado brasileiro. As
experiências adquiridas fora das aldeias são valorizadas pelos Terena, pois significam a
apropriação de novos códigos, constituindo-se, portanto, como mais um veículo para suas
reivindicações, como já demonstraram os trabalhos mencionados.
A segunda se refere à denominação de uma nova linha do tempo para
compreender as ações desenvolvidas pelos Terena em contextos contemporâneos, a partir da
apropriação da linha do tempo proposta por Bittencourt e Ladeira72 para compreender a
história Terena, que estava divida em três períodos. O primeiro denominado: “Tempos
Antigos”, que se refere à saída dos Terena do Chaco paraguaio; o segundo: “Tempos de
Servidão”, referente as perdas dos territórios indígenas depois da Guerra do Paraguai e o
trabalho nas fazendas; o terceiro “Tempos Atuais”, que se refere ao estabelecimento dos
índios em reservas federais. Miranda propôs uma quarta linha, que denominou de “Tempo do
Despertar”, definindo-a como a apropriação de novos códigos, que permitem aos Terena
inserir-se nos espaços que antes não eram ocupados por eles, na economia regional, em cargos
públicos, em funções de profissionais liberais e a presença nas universidades. Tempo no qual
os Terena buscam compreender a ciência dos não índios para, assim, estabelecer novas formas
de sobrevivência sociocultural. Miranda mostra que estão cada vez mais integrados na
sociedade nacional, seja por meio de seu ingresso nas universidades, pela participação na

dos Trabalhadores Rurais-MST. Nesse mesmo período, começou a trabalhar no apoio administrativo da aldeia e
criou a Associação Terena da Aldeia Água Branca/ATAB, tornando-se o seu primeiro presidente. Em 2001, foi
chamado pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário, Assistência Técnica e Extensão Rural de MS/IDATERRA,
para tornar-se gestor de processos na Gerência de Assuntos Indígenas e Quilombolas, no intuito de contribuir
com a discussão da Política Indigenista em MS. Depois fez parte da equipe técnica do Programa Pantanal para
trabalhar em projetos de desenvolvimento socioambiental em terras indígenas, na Bacia do Alto Paraguai-MS.
Foi vereador pela cidade de Nioaque, Diretor Regional da FUNAI em Campo Grande, bolsista internacional da
Fundação Ford, meio pelo qual ingressou no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da
Universidade Católica Dom Bosco. Em 2006, concluiu o seu mestrado, com a dissertação “Territorialidades e
práticas agrícolas: premissas para o desenvolvimento local em comunidades Terena de MS”.
71
Ibid.
72
BITTENCOURT, Circe Maria; LADEIRA, Maria Elisa. A história do povo Terena. Brasília: MEC, 2000.
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política e nas mobilizações pela demarcação dos seus territórios, porém cada vez mais índios,
e conscientes de sua história, apropriada e ampliada para a garantia de direitos junto ao Estado
brasileiro. O seu “Tempo do Despertar”, expressa o movimento, elaboração e relaboração de
táticas, formuladas por meio dos conhecimentos adquiridos e das redes que estabeleceram
para apoiar e incentivar suas reivindicações e realizar suas conquistas.
A esses trabalhos, soma-se o de Eliane Gonçalves de Lima73, “A pedagogia Terena
e a criança do PIN Nioaque: as relações entre a família, comunidade e escola”, de 2008 74. A
pesquisadora estabeleceu como objetivo observar e registrar os processos próprios de
aprendizagem no contexto daquilo que denominou de “pedagogia Terena”, assim como os
fatores que contribuem para a construção dessa pedagogia nos espaços em que a criança
circula75, seja no núcleo familiar, seja na aldeia ou na escola. Definiu como “pedagogia
Terena” os processos próprios de aprendizagem entre esses índios, sendo eles transmitidos
pela oralidade, pelos meios familiar, comunitário e escolar, valorizando-se o respeito mútuo.
Percebe-se na análise da autora a valorização do conhecimento tradicional dos mais velhos,
no que se refere ao respeito às lideranças, ao domínio dos códigos indígenas e, ao tratamento
da saúde presente nos ensinamentos das mulheres Terena, das parteiras, que, embora não
realizem mais os partos dentro das aldeias, ainda cabem a elas os cuidados com a mãe e a
criança. São elas que ensinam como cuidar e, de acordo com a educação Terena, são também
responsáveis por manter o modo de ser Terena.
Novamente se encontra a escola como mecanismo de produção e reprodução de
valores considerados Terena Naquela instituição eles elegem o que é prioridade para ser
ensinado aos alunos, processo no qual a oralidade é importante, fazendo parte da sua
identidade étnica, que é reforçada cotidianamente pela escola, o que implica fortalecer
diretamente suas relações com a aldeia. Isso decorre da valorização do conhecimento
tradicional dos mais velhos, no que se refere à liderança, ao domínio dos códigos indígenas e,
no tratamento da saúde, estão presentes os ensinamentos das mulheres Terena, das parteiras,
73
Índia Terena, com relações de parentesco na Terra Indígena de Nioaque, que sempre viveu na cidade e estudou
em escolas públicas e particulares com bolsa de estudo fornecida pela Rede Ferroviária Federal Sociedade
Anônima/RFFSA, empresa na qual seu pai trabalhava. Casada com não índio, é professora da rede pública de
ensino. Em 2006, ingressou no Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Católica Dom
Bosco e, em 2008, concluiu sua pesquisa: “A pedagogia Terena e a criança do PIN Nioaque: as relações entre a
família, comunidade e escola”.
74
GONÇALVES DE LIMA, Eliane. A pedagogia Terena e a criança do PIN Nioaque: as relações entre família,
comunidade e escola. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) - UCDB, Campo Grande, 2008.
75
Outro significativo trabalho de pesquisa que privilegiou as crianças Terena é o de: CRUZ, Simone de
Figueiredo. A criança Terena o diálogo a educação indígena e a educação escolar na aldeia Buriti. 2009.
Dissertação (Mestrado em Educação)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2009. Realizado na
aldeia Buriti, e o de Antonio (2009), realizado na aldeia Bananal.
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que, embora não realizem mais os partos dentro das aldeias, ainda cabem a elas os cuidados
com a mãe e a criança. São elas que ensinam como cuidar e, de acordo com a educação
Terena, são também responsáveis por manter o modo de ser Terena
Os estudos aqui apontados permitem afirmar que, nas últimas décadas, a pesquisa
sobre a temática indígena foi fortalecida pelo aumento do número de pesquisadores indígenas,
que vêm chamando para si a tarefa de recompor a sua própria história, apresentando o seu
ponto de vista. A produção examinada insere-se no diálogo entre história e antropologia e no
debate sobre as possibilidades de atuação de sujeitos históricos até recentemente ignorados,
considerando-se que as novas abordagens se orientam pelo reconhecimento dos povos
indígenas como sujeitos plenos de seus processos históricos. Nesse quadro, os Terena elegem
a escola e a educação escolar como os lugares privilegiados a partir dos quais se situam na
sociedade envolvente. Demonstram através de suas pesquisas o que deve ser registrado, de
acordo com a ciência dos não índios, elegendo suas prioridades a partir da história e da posse
efetiva dos seus territórios, reivindicando seus direitos, reafirmando sua identidade e seus
laços de pertencimento. Dessa forma, recuperam vivências, histórias, memórias, experiências
junto à sociedade envolvente, estabelecem táticas, entre as quais se destaca o seu
envolvimento com a escola e com a universidade, fortalecendo politicamente a aldeia, lugar
que possibilita suas ações na busca de seus direitos históricos. De posse da sua identidade
indígena elaboram o tempo presente e projetam seu futuro.

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