Os Pesquisadores de Indios e Os Indios P
Os Pesquisadores de Indios e Os Indios P
Os Pesquisadores de Indios e Os Indios P
Abstract: Considering the academic literature production increase within the Brazilian indigenous
history theme, from the late twentieth and early twenty-first century, this paper aims to highlight the
changes occurred in their writing construction. These works began to reflect the indigenous people as
historical subjects along their history of contact. In this sense, the emphasis is given to the Terena
indigenous researcher’s production achieved in the postgraduate programs, in Brazilian Universities.
Keywords: Indigenous researchers. Academic literature production. Indigenous history.
O crescente índice de alfabetização dos povos indígenas nos dias de hoje justifica
tomá-los como leitores potenciais de sua própria história registrada e relatada por
terceiros, no caso, o antropólogo. Nesse sentido, devo dizer que tenho recebido
pedidos de lideranças terêna e tücuna para enviar-lhes os livros que escrevi sobre
eles, a despeito das eventuais dificuldades que possam encontrar em sua leitura. Esse
é um fato que nos deixa – antropólogos – especialmente desafiados e, sobretudo,
introduz um dado bastante novo se considerarmos que em passado não muito remoto
1
Artigo submetido à avaliação em 15/08/2013 e aprovado para publicação em 25/10 /2013
2
“índios não nos liam...” Isso confere ao trabalho etnológico moderno uma nova
responsabilidade, como aquela que surge com a abertura do leque de nossos críticos,
não mais apenas acadêmicos e administradores indigenistas, mas agora os próprios
índios, sujeitos da investigação antropológica2.
2
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Os diários e suas margens: viagem aos territórios Terêna e Tükuna.
Brasiíla: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 13-14.
3
Ibid.
3
4
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. O lugar dos índios na história entre múltiplos usos do passado:
reflexões sobre cultura histórica e cultura política. In: SHOHET, Rachel. Mitos, projetos e práticas políticas:
memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 207.
5
Ibid.
6
CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índio : ensaios e documentos. São Paulo: Brasiliense, 1987.
4
no Brasil. No sul de Mato Grosso, os Terena foram considerados os únicos índios entre os
Chané/Guaná que permaneceram como grupo étnico7. Porém esse reconhecimento não lhes
garantiu o direito de permanecer no território que ocupavam antes da guerra, pois esse se
tornou o principal interesse dos não índios, cada vez mais presentes na região. Por isso os
conflitos gerados pela posse das terras entre índios e não índios não cessaram com o fim da
guerra; ao contrário, aumentaram cada vez mais em decorrência da ampliação das fazendas na
região. As disputas pelas terras que até então compunham o território indígena estenderam-se
à República e permanecem até os dias atuais, sendo a posse de terras ainda geradora de
conflitos entre índios e não índios.
A política indigenista de assimilação permaneceu durante o século XX,
prosseguindo com a criação, em 1910, do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos
Trabalhadores Nacionais – SPILTN (a partir de 1917, apenas SPI). A função desse órgão era
gerir e administrar os índios dentro das reservas federais e conduzi-los ao mercado de
trabalho, transformando-os em “trabalhadores nacionais”, contribuindo para o seu processo de
aculturação e assimilação8. Persistiu a crença no desaparecimento dos povos indígenas,
concepção que vai predominar durante o século XX, como demonstram os estudos sobre os
Terena realizados pelos antropólogos Herbert Baldus9, Kalervo Oberg10, Fernando Altenfelder
Silva 11 que evidenciaram os conceitos desenvolvidos pela Antropologia da época, orientados
pela compreensão de que a mudança cultural entre os índios significava perda de sua
identidade étnica e os conduziria à extinção.
Nessa mesma linha interpretativa pode ser considerado os estudos desenvolvidos
por Roberto Cardoso de Oliveira a partir de 1955, quando esteve entre os Terena a serviço do
7
Os índios Kinikinau foram dados por extintos depois da Guerra do Paraguai; perderam as terras que ocupavam,
tanto na região de Albuqerque, quanto na região do rio Agachi, para a formação de fazendas. Perdidas as
referências territoriais, muitos se dispersam pelas fazendas da região, outros foram viver junto aos Terena e aos
Kadiwéu. Voltam a se reunir na década de 1940, em terras Kadiwéu, o estudo desenvolvido por CASTRO, Iára
Quelho de. De Chané-Guaná a Kinikinau: da construção da etnia ao embate entre o desaparecimento e a
persistência. 2011. 349 p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2011, mostra o processo de reorganização dos Kinikinau e a sua luta em busca de direitos junto ao
Estado brasileiro.
8
LIMA, Antônio Carlos de Souza. O governo dos índios sob a gestão do SPI. In: CUNHA, Manuela Carneiro da
Cunha. (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Campanhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura;
FAPESP, 1992 e LIMA, Antônio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e
formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.
9
BALDUS, Herbert. Ensaio de etnologia brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.
10
OBERG, Kalervo. A economia terena no Chaco. Tradução de Silvia M. S. Carvalho. Terra Indígena,
Araraquara: UNESP, n.55, p. 20-39, abr./jun. 1990. [1949]. OBERG, Kalervo. Terena Social Organization and
Law. American Anthropologist, USA: Menasha Wiscontn, v. 50, n. 2, p. 283-291, 1948.
11
ALTENFELDER SILVA, Fernando. Mudança cultural dos Terena. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v.3,
p. 271-379, 1949.
5
SPI e registrou informações sobre as relações internas e externas nas diferentes aldeias da
região. Desses estudos resultaram vários artigos científicos12, nos livros “O processo de
assimilação dos Terena”13 e “Urbanização e tribalismo: a integração dos índios Têrena numa
sociedade de classes”14. Nesses estudos demonstra as relações que os Terena mantinham com
o seu entorno, com os diferentes povos indígenas na região e com os não índios, tanto nas
fazendas quanto nas cidades próximas as suas aldeias. Para desenvolver seus estudos Cardoso
de Oliveira levou em consideração a reconstrução histórica, ou seja, estabeleceu a abordagem
histórica para a compreensão das ações dos Terena junto aos outros povos indígenas e com a
sociedade envolvente.
Os estudos mencionados anteriormente não levaram em consideração os possíveis
interesses dos índios nos processos de mudança e suas possibilidades de rearticulação cultural
e identitária, pois compreendiam a cultura indígena como imóvel e estática: uma vez perdida
ou alterada, não restariam aos índios quaisquer alternativas de sobrevivência ou adequação.
Não se reconhecia o fato de que um grupo étnico pode transformar-se, sem necessariamente
anular-se ou perder o sentimento de comunhão étnica15.
Esse reconhecimento foi se estabelecendo por meio de estudos e pesquisas
produzidos a partir do final do século XX. Pesquisadores embasados em novos paradigmas
rompiam com os modelos estabelecidos, que se fundamentavam nos conceitos de aculturação
e assimilação dos índios. A mudança na compreensão da história dos povos indígenas foi, em
parte, resultado das ações dos próprios índios, sujeitos das investigações: embora muitas
etnias tenham sido extintas, outras permaneceram diluídas entre diferentes etnias ou entre a
população não índia, adotando uma identidade diferente da sua como opção para permanecer
12
Publicou em 1957 o artigo intitulado “Preliminares de uma pesquisa sobre a assimilação dos Têrena”, na
Revista de Antropologia, v. 5, n. 2; no mesmo “Estudo de uma comunidade Terena” Anais da II Reunião
Brasileira de Antropologia; 1958 o artigo “Aspectos demográficos e ecológicos de uma comunidade Têrena”, no
Boletim do Museu Nacional, n. 18, e “Urbanização sem Assimilação: estudo dos Têrena desbribalizados”,
publicado na Revista Ciência e Cultura vol. 10 n. SP; em 1959 “Matrimônio e solidariedade Tribal Terena”;
entre vários outros artigos.
13
Livro que foi publicado em uma coleção do Museu Nacional, e posteriormente em 1976, teve uma segunda
edição com o título: “Do índio ao bugre: o processo de assimilação dos Terêna, para fazer parte da Coleção
Ciências Sociais da Editora Francisco Alves. No prefácio a essa edição Cardoso de Oliveira justificou o novo
título do livro, com o acréscimo “Do índio ao bugre”, como uma denúncia dessa categoria “bugre”, uma vez que
os regionais assim os denominavam, para ridicularizá-los, essa categoria possuía vários significados como
bêbados, preguiçosos entre outras denominações pejorativas.
14
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Urbanização e tribalismo: a integração dos índios Terêna numa
sociedade de classes. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
15
Ressalta-se, entretanto, que as pesquisas mencionadas foram produzidas em um tempo no qual predominou a
teoria das perdas culturais e da vigência da crença da inevitabilidade do desaparecimento dos povos indígenas
frente à voragem do processo civilizador. Foi somente no bojo do movimento indígena, sobretudo a partir da
década de 1980, que aquelas concepções foram alteradas.
6
nas terras em que se encontravam. Os Kinikinau, por exemplo, com a perda de suas aldeias
passaram a viver junto aos Terena, adotando sua identidade, porém, no interior do grupo,
eram reconhecidos como Kinikinau e participavam ativamente da vida na aldeia, contribuindo
para a sua construção16, como demonstrou Castro17.
A partir das últimas décadas do século XX, etnias até então dadas por extintas no
Brasil voltaram a reivindicar, junto ao Estado brasileiro, a sua identidade indígena e os
direitos correspondentes a ela, como mostrou Pacheco de Oliveira18, com os índios do
Nordeste, e Castro19, com os índios Kinikinau. Essa situação permanece e está se ampliando
de acordo com as ações dos índios, novamente demonstrando que as teorias até então
estabelecidas para compreendê-los não mais poderiam explicar suas ações dentro daquele
novo contexto. Dessa forma, estudos mais recentes Cunha20, Silva e Grupioni21, Novaes 22
,
Monteiro23, Pacheco de Oliveira24, Bruce e Ramos25, apontam para uma renovada
compreensão dos índios e das escolhas que realizaram ao longo de sua história.
Nas últimas décadas do século XX, os índios, em busca de seus direitos,
denunciaram os abusos, as explorações e violências que viveram ao longo dos séculos.
Provocaram discussões políticas e participaram das que os envolviam, solicitando legalmente
ao Estado brasileiro a posse de antigos territórios, tomados pelo desenvolvimento colonial e,
posteriormente, nacional. Nas suas reivindicações, demonstraram que, embora tivessem
vivido mudanças culturais significativas, elas não resultaram necessariamente na perda de sua
identidade étnica, mas na sua reelaboração, reafirmando-se como sujeitos plenos e conscientes
16
Em entrevista realizada na aldeia Ipegue, em 14 de janeiro de 2007, o índio Terena Antonio Francelino relatou
que, segundo informações dos mais velhos, a família de Arlindo Elóy, - que pertencia à família de liderança da
aldeia Colônia Nova - era Kinikinau e falava em seu próprio idioma. Essas informações são relevantes por
demonstrar a presença desses índios junto aos Terena. Embora a política indigenista não os reconhecesse como
Kinikinau, entre os índios permaneciam as suas diferenciações étnicas.
17
CASTRO, op. cit.
18
PACHECO DE OLIVEIRA, João. Uma etnologia dos “índios misturados”: situação colonial, territorialização
e fluxos culturais. In: PACHECO DE OLIVEIRA, João (Org.). A viagem da volta: etnicidade, política e
reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.
19
CASTRO, op. cit.
20
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Campanhia das Letras;
Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992.
21
SILVA, A L.; GRUPIONI, L. D. B. (Org.) A temática indígena na escola : novos subsídios para professores
de 1º e 2 º graus. Brasília : MEC; MARI; UNESCO, 1995.
22
NOVAES, Adauto. A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
23
MONTEIRO, John Manuel. Os negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. 2 ed. São
Paulo : Companhia das Letras, 1999 [1994].
24
PACHECO DE OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em antropologia histórica. Rio de Janeiro : UFRJ,
1999.
25
ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita. (Org.) Pacificando o branco: cosmologias do contato no norte-
amazônico. São Paulo: Editora da Unesp; Imprensa Oficial do Estado, 2002.
7
de seus direitos. Dessa forma, não deixaram de ser índios, contrariando as concepções até
então estabelecidas sobre eles; ao contrário, eles se multiplicaram, como evidenciam os
últimos censos. As ações indígenas contribuíram para o estabelecimento de novos paradigmas
que passaram a nortear os estudos no Brasil, verificando-se o abandono de concepções até
então estabelecidas sobre eles e a busca de novos métodos para compreendê-los.
Nesse sentido, antropólogos e historiadores aproximaram-se, uma vez que ambos
lidam com processos socioculturais que se desenvolvem no tempo26. Surge um renovado
interesse dos pesquisadores pela história indígena, despertando o interesse dos antropólogos
pelos processos históricos de mudanças dos índios e dos historiadores pelos seus
comportamentos e crenças27. A partir desse entendimento, ampliaram-se as discussões em
torno da história indígena no Brasil. Antropólogos e historiadores direcionaram suas análises
para os índios, para demonstrar suas ações, apropriações e as ressignificações que realizaram
a partir do contato com os não índios. Sob essa concepção, os índios passaram a ser
compreendidos, dentro da perspectiva histórica, como sujeitos que também estão registrando a
sua história e emitindo a sua concepção sobre o “outro”. É a partir dessas novas abordagens
interdisciplinares que se pode compreender a história dos Terena.
Para pensar as escolhas que os Terena realizaram ao longo de sua história de
contato com os não índios, os estudos desenvolvidos por Cunha28 são fundamentais,
contribuindo diretamente para aquela reflexão: “a percepção de uma política e de uma
consciência histórica em que os índios são sujeitos e não apenas vítimas, só é nova
eventualmente para nós. Para os índios, ela parece ser costumeira”29. Essa percepção permite
compreender as ações desenvolvidas pelos Terena ainda na sociedade colonial e evidenciar as
suas escolhas, ora aliando-se ao colonizador europeu, ora esquivando-se do contato, porém
estabelecendo negociações e interagindo com a sociedade colonial a partir dos seus próprios
códigos.
26
PACHECO DE OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em antropologia histórica. Rio de Janeiro: UFRJ,
1999.
27
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
28
CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena. In: CUNHA, Manuela Carneiro da Cunha.
(Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Campanhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura;
FAPESP, 1992.
29
Ibid, p. 18.
8
30
MONTEIRO, John Manuel. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, A L.; GRUPIONI, L. D. B.
(Org.) A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2 º graus. Brasília: MEC; MARI;
UNESCO, 1995, p. 221-228.
31
Id. Armas e armadilhas: história de resistência dos índios. In: NOVAES, Adauto. A outra margem do
Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
32
Tática no sentido empregado por CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis:
Vozes, 1994. Ou seja, ações desenvolvidas por grupos ou indivíduos que estão em situações subalternas e
descobrem maneiras de tirar proveito das ocasiões.
33
MONTEIRO, op. cit.
9
Sem sombra de dúvida esta foi à condicionante que mais suscita discussões na seara
jurídica, pois a condicionante de número 17 prescreve que “é vedada a ampliação
da terra indígena já demarcada”.
É de se considerar que o STF já firmou entendimento que a demarcação de terra
indígena se faz no “bojo de um processo administrativo”, procedimento este
disciplinado por lei e dividida em etapas que devem ser respeitadas sob pena de
nulidade dos atos praticados. Assim a primeira conclusão que devemos verificar é
que, se uma terra está sendo periciada com o intuito de se averiguar se é ou não de
ocupação tradicional, este passará por todos os trâmites previsto em lei, tais como o
estudo histórico e antropológico, serão dadas as partes ainda no processo
administrativo a oportunidade de manifestarem, após isto, será expedida a portaria
declaratória que de todo modo, havendo alguma crise a respeito do assunto, poderá
ser levado à apreciação do judiciário.
Posto isto, quando uma terra é demarcada respeitando-se todos os requisitos legais
não há que se falar em ilegalidade, visto que alcançou-se os objetivos ali previstos.
Por outro lado, não devemos aplicar esta condicionante nos casos em que a terra
indígena foi reservada, ou seja, são frutos da política indigenista do antigo SPI, onde
foram criadas reservas para os índios sem um prévio estudo e sem amparo legal
constitucional, traduzindo se em verdadeiros “confinamentos”.
Esta condicionante já vem sendo utilizada por parte dos fazendeiros em relação a
Terra Indígena Taunay/Ipegue, visto que com os estudos antropológicos realizados
constatou se que suas terras são bem maiores do que a atualmente ocupadas por eles,
visto que estas são exatamente reservas, que são derivadas da política indigenista da
época de Rondon.
Por fim, há aqueles casos em que a terra foi demarcada conforme prevê a lei, mas
que com o passar do tempo a comunidade foi crescendo, chegando ao ponto do
território ocupado ser insuficiente para a subsistência; neste caso defendemos que a
34
Ibid., p. 245.
10
União deve sim ampliar o território indígena, mas não com base na demarcação,
mas sim com base na desapropriação, indenizando-se justamente os proprietários35.
[...] o espetacular sucesso da colonização espanhola no seio das etnias indígenas foi
alterado pelo uso que dela se fazia: mesmo subjugados, ou até consentindo, muitas
35
AMADO, Luis Henrique Eloy. O Supremo Tribunal Federal como “construtor” da Constituição Federal:
análise das condicionantes impostas para a demarcação de terras indígenas. 2011. TCC (Trabalho Conclusão de
Curso)- Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2011. p. 44-45.
36
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010
11
vezes esses indígenas usavam as leis, as práticas ou as representações que lhes eram
impostas pela força ou pela sedução, para outros fins que não os dos conquistadores.
Faziam com elas outras coisas: subvertiam-nas a partir de dentro – não rejeitando-as
ou transformando-as (isto acontecia também), mas por cem maneiras de empregá-las
a serviço de regras, costumes ou convicções estranhas à colonização da qual não
podiam fugir37.
Assim podem ser pensadas as ações dos Terena ao longo do seu processo
histórico. Durante o Império brasileiro, quando foram classificados como índios “mansos”,
porque aceitavam negociar com os não índios, entre outras formas de relacionamento por eles
adotadas, estava implícita a permissão de transitarem constantemente pelo Império brasileiro.
Dessa forma, estabeleciam negociações com os não índios, meio pelo qual teciam alianças
com os militares na Província do Mato Grosso, até mesmo como “funcionários” que
prestavam inúmeros serviços ao Império. O contexto histórico da Guerra do Paraguai permite
vislumbrar essa situação, quando se verifica que os Terena tornaram-se parte do Exército
brasileiro e algumas lideranças indígenas receberam o título de “Capitão” das autoridades
brasileiras. Segundo Monteiro 38, a nomeação de capitães índios era uma prática comum desde
o início da colonização, assim como a participação de índios nas companhias militares, tanto
integrando-as, quanto chefiando-as. No caso dos Terena constam as chefias exercidas pelos
capitães Alexandre Bueno, Joaquim Vitorino e José Pedro, que, durante a guerra, prestaram
serviços ao Império.
No período que se sucedeu à Guerra do Paraguai, a região sul da antiga Província
de Mato Grosso apresentava-se devastada, sendo palco de disputas acirradas entre índios e
não índios pela posse das terras. Na perspectiva de resolverem essa questão, as lideranças
indígenas, de posse do título de “capitão” e das fardas concedidas pelo Exército brasileiro,
passaram a reivindicar das autoridades brasileiras, seus direitos ao território39. Essa situação
permaneceu durante o século XIX, como demonstram os documentos da Diretoria Geral dos
Índios/DGI. Dessa forma, as participações indígenas nos conflitos entre os não índios
atendiam, a princípio, os interesses de seus aliados, porém atendiam também aos interesses
indígenas, pois era a partir dessas situações de alianças que os Terena estabeleciam uma base
para negociar seus interesses, entre os quais se destacavam, mais uma vez, os direitos
territoriais.
37
CERTEAU, op. cit., p. 94.
38
MONTEIRO, John Manuel. Armas e armadilhas: história de resistência dos índios. In: NOVAES, Adauto. A
outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
39
VARGAS, Vera Lúcia Ferreira Vargas. A construção do território Terena (1870-1966): uma sociedade entre a
imposição e opção. 2003. 161p. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Mato Grosso do Sul,
Dourados, 2003.
12
A aldeia era um forte referencial de identificação, pois era a partir dela que os índios
se identificavam. Encaminhavam suas petições ao Rei, valorizando o passado de
lutas em defesa do império português, enfatizando, muitas vezes, o papel aí
desempenhado pelas próprias aldeias. Afinal o caráter defensivo marcou o
estabelecimento da maioria delas e iria ser sempre lembrado nas reivindicações
apresentadas pelos índios40.
Almeida 41 reforça a importância das aldeias para os índios, perspectiva que pode
ser estendida para a compreensão dos Terena. É a partir da aldeia que se organizam no
território, que constituem suas referências e elegem o que é importante para o grupo. Nesse
sentido, o estudo de Pereira42 permite ampliar o conhecimento sobre os Terena e a sua ligação
com a aldeia: aldeia é a reunião de “troncos43”, noção que orienta o seu processo de
territorialização, mediante a rede de alianças que mantêm com outros “troncos” e com a
sociedade envolvente. A formação de uma aldeia Terena implica a autonomia e a reprodução
dos processos sociais associados aos campos matrimonial, religioso e político, sendo
impossível que seja realizada por um único “tronco”. Dessa forma,
40
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010, p.103.
41
Ibid.
42
PEREIRA, Levi Marques. Os Terena de Buriti: formas organizacionais, territorialização e representação da
identidade étnica. Dourados: Universidade Federal da Grande Dourados, 2009.
43
Ibid., p. 46-47 “Na linguagem corrente entre os Terena, o termo tronco é utilizado com o sentido geral de
ascendência e ancestralidade, sendo comum ouvir a frase “nossos troncos velhos”. Esse uso expressa o sentido
de inclusão em uma mesma categoria de todos os membros mais velhos da comunidade ainda vivos e dos
ancestrais mortos. [...] É através do reconhecimento dos troncos que são, em cada momento, o ponto focal da
vida social que a comunidade expressa o reconhecimento de sua reprodução social no tempo, conectando
presente e passado.”
44
PEREIRA, op. cit., p. 59-60.
13
45
BALTAZAR, Paulo. O processo decisório dos Terena. 2010. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)-
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010, p.48.
46
RAPPAPORT, Joanne. Introdução. Cumbe renaciente: uma historia etnográfica Andina. Bogotá: Instituo
Colombiano de Antropologia e História, 2005.
14
Almeida47 se pode dizer que os Terena se pautam em uma “cultura histórica”, compreendida
como o posicionamento que os índios têm a respeito do seu passado e o uso que dele fazem
em face das necessidades no presente.
Para uma melhor compreensão das principais e atuais reivindicações Terena — a
revisão, ampliação e a demarcação do território —, é imprescindível a definição de “terra
indígena”, conforme noção estabelecida por Pacheco de Oliveira:
47
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. O lugar dos índios na história entre múltiplos usos do passado:
reflexões sobre cultura histórica e cultura política. In: SHOHET, Rachel. Mitos, projetos e práticas políticas:
memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
48
PACHECO DE OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em antropologia histórica. Rio de Janeiro: UFRJ,
1999, p.177.
49
SUSNIK, Branislava. Los aborigenes del Paraguay : etnohistoria de los chaqueños – 1650 - 1910. Asuncion :
Museo Etnografico “Andres Barbero”, 1981.
15
Índios pesquisadores
60
O Projeto Rede de Saberes é desenvolvido em parceira com a Universidade Católica Dom Bosco/UCDB,
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS, Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD e
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/UEMS, possui financiamento da Fundação Ford e tem por
objetivo a permanência dos acadêmicos indígenas no ensino superior.
61
GALAN, op. cit.
62
CARVALHO, Fernanda. “Koixomuneti” e outros curadores: xamanismo e práticas de cura entre os Terena.
1996. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
17
“status” de professor perante o grupo. A busca pela conclusão do ensino superior requer
algumas ações dos Terena, entre elas o seu deslocamento para as cidades, onde deparam-se
com os novos desafios, que implicam novas formas de se relacionarem com o “outro”. Nesse
processo, suas relações são ressignificadas com os não índios de várias formas, na perspectiva
de formarem alianças que contribuam para sua permanência na universidade. No decurso da
formação universitária são conduzidos à pesquisa, também com a perspectiva de receberem
bolsas para desenvolvê-las em suas aldeias, algumas das quais resultaram na continuidade de
seus trabalhos dentro de programas de pós-graduação, originando novas pesquisas produzidas
pelos próprios Terena, que registraram suas experiências e apontaram novas alternativas para
a compreensão de sua história63.
Nesse contexto se pode apontar o estudo de Wanderley Dias Cardoso64, que foi o
primeiro Terena a desenvolver pesquisa com a história do seu povo em nível de mestrado.
Com o título “Aldeia indígena de Limão Verde, escola, comunidade e desenvolvimento
local”, a pesquisa mostrou que os Terena possuem consciência da necessidade de manterem
aquilo que os identificam como índios e que a escola tem uma importante contribuição nesse
processo, pois tem como desafio constituir-se apoiada na trajetória do povo Terena, na luta
pela ampliação do território e ainda dar subsídios para o seu fortalecimento local. Segundo
Cardoso65, “partindo do respeito às diferentes culturas e formas próprias de organização, cujos
reflexos se dão, também no nível da escola, esta deve ser pensada de acordo com a realidade
local e cujos objetivos estejam voltados para uma perspectiva de futuro”. Nesse sentido, a
escola indígena deve propiciar condições para as conquistas e permanência dos direitos
63
Essa situação está sendo ampliada, estendendo-se a outras etnias do estado de Mato Grosso do Sul, os Guarani
Kaiowá, e os Kinikinau, que também se encontram nos programas de pós-graduação realizando suas pesquisas.
64
Índio Terena nascido na aldeia do Limão Verde, no município de Aquidauana, onde estudou no então Núcleo
Escolar, entre o final da década de 1970 e início de 1980. Como o Núcleo oferecia apenas as séries iniciais, em
1982 foi levado para Aquidauana “para ir se ‘acostumando’ com a vida da escola na cidade” e, durante esse
período, ainda trabalhou no corte da cana, colheu café nas fazendas da região, realizou vários outros trabalhos
braçais. Quando terminou o ensino médio, voltou para a aldeia para trabalhar como professor nas séries iniciais.
Em 1997, por meio de um convênio entre a Fundação Nacional do Índio/FUNAI e a Universidade Católica Dom
Bosco/UCDB, que oferecia inscrições para o vestibular aos professores Terena, Wanderley foi um dos
contemplados e, assim, pôde cursar a graduação em História na UCDB. Foi então necessário residir na cidade de
Campo Grande, capital do Estado. Nesse período, foi técnico em educação na Secretaria de Estado de
Educação/MS, desenvolveu ações diretas na escola da aldeia Limão Verde, foi Administrador Regional da
FUNAI, em Campo Grande. Em 2004, concluiu sua dissertação de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Local da UCDB. Foi bolsista internacional da Fundação Ford durante o Doutorado no
Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica/PUC do Rio Grande do Sul,
concluído em 2011.
65
CARDOSO, Wanderley Dias. Aldeia indígena de Limão Verde: escola, comunidade e desenvolvimento local.
2004. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande,
p. 11
18
indígenas. Afirma ainda que “repensar” as ações da escola significava “repensar” as ações dos
indivíduos que dela faziam (e fazem) parte.
Cardoso mostra também que a escola se tornou um dos principais meios de
comunicação entre os índios e a sociedade envolvente; sendo apropriada e utilizada para
discutir e ampliar as informações sobre o movimento indígena que se processa em âmbito
nacional. Para isso, tornou-se fundamental que os índios se instrumentalizem para o sucesso
desse novo desafio: a Educação Escolar Indígena66, configurada no Brasil a partir de 1980.
Segundo Cardoso67 a nova escola indígena que se encontrava em formação deveria retomar e
ensinar elementos importantes da cultura Terena, entre eles a língua indígena. Uma vez que,
as primeiras escolas constituídas nas aldeias pelo SPI, tinham por objetivo conduzi-los à
substituição da língua Terena pela língua Portuguesa, retirando deles gradativamente
elementos de sua cultura, substituindo-os por elementos da cultura não indígena. Nesse
sentido, enquanto professor da aldeia Limão Verde, Cardoso provocou os Terena da aldeia
Limão Verde, particularmente a liderança indígena, a participar efetivamente das discussões
que envolviam aquele novo modelo de escola. Atualmente, a maioria das atividades políticas
desenvolvidas nas aldeias ocorre nas escolas, seja pelo uso do espaço físico, seja pelo
envolvimento da comunidade indígena, seja pela discussão da própria educação escolar
indígena, que envolve as lideranças indígenas e as não índias, nesse caso os prefeitos e os
secretários de educação dos municípios, a exemplo do que ocorre em Aquidauana e Dois
Irmãos do Buriti. Além disso, os professores das universidades também são convidados a
participar, dessa forma os Terena evidenciam a rede de relações em que estão envolvidos.
A partir das relações estabelecidas pelos professores indígenas com a aldeia e a
sociedade envolvente, na busca de legitimação por direitos, como mostrou Cardoso68, e a
vivência nas aldeias por meio das atividades desenvolvidas junto aos professores, é possível
compreender também essas ações como apropriação da escola pelos Terena. Também se
reconhece aqui a importância das práticas que estabeleceram para, por meio da escola,
fortalecer suas relações com a aldeia e, assim, ter sua consciência histórica reforçada pelos
66
Sobre Educação escolar indígena, ver os trabalhos de pesquisa desenvolvidos pelos professores indígenas:
ANTONIO, Nilza Leite. Raízes na língua: identidade e rede social de crianças Terena da escola bilíngüe da
aldeia Bananal. 2009. Dissertação (Mestrado em Psicologia)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo
Grande, 2009. SEIZER DA SILVA, Antônio Carlos. Educação escolar indígena na aldeia Bananal: prática e
utopia. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2009.
FIALHO, Celma Fracelino. O percurso histórico da língua e cultura Terena na aldeia Ipegue/Aquidauana/MS.
2010. Dissertação (Mestrado em Educação)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2010.
67
CARDOSO, op cit.
68
Ibid.
19
69
CARDOSO, op. cit., p. 7
70
Índio Terena da aldeia Água Branca, localizada no município de Nioaque. Em Miranda, cursou as séries
iniciais na Escola Indígena 31 de março. Aos 10 anos de idade, teve que continuar seus estudos na cidade,
aproximadamente a dez quilômetros da aldeia. Na maioria das vezes, o seu deslocamento até Nioaque era feito a
pé. Na sua nova condição de estudante fora da aldeia, deparou com o preconceito e a discriminação por ser índio,
tanto pelos professores quanto pelos colegas de turma. Aos 17 anos, por meio de um convênio entre a Escola
Agrotécnica Federal de Cuiabá-MT, localizada em São Vicente da Serra, e a FUNAI, tornou-se técnico em
Agropecuária. Em virtude das excelentes médias obtidas durante os três anos de curso, foi selecionado para
realizar uma prova escrita e disputar uma das duas vagas proporcionadas aos alunos das escolas técnicas do
Centro-Oeste brasileiro para estudar Agronomia na Costa Rica, na América Central, na Escuela de Agricultura
de la Región Tropical Húmeda – EARTH. Foi aprovado com a classificação B, o que representava receber 50%
de bolsa, sendo os outros 50% concedidos pela Funai-Adr/Campo Grande/MS. Aprendeu a falar mais uma
língua, o espanhol, e, depois de quatro anos, retornou ao Brasil, onde, em 1998, estabeleceu-se na cidade de
Guarantã do Norte-MT, para trabalhar como gerente de produção da Cooperativa Integral de Reforma Agrária-
Braço-Sul/CIRA/BS. Voltou para a aldeia Água Branca, entre 1999 a 2000, e prestou consultoria ao Movimento
20
dos Trabalhadores Rurais-MST. Nesse mesmo período, começou a trabalhar no apoio administrativo da aldeia e
criou a Associação Terena da Aldeia Água Branca/ATAB, tornando-se o seu primeiro presidente. Em 2001, foi
chamado pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário, Assistência Técnica e Extensão Rural de MS/IDATERRA,
para tornar-se gestor de processos na Gerência de Assuntos Indígenas e Quilombolas, no intuito de contribuir
com a discussão da Política Indigenista em MS. Depois fez parte da equipe técnica do Programa Pantanal para
trabalhar em projetos de desenvolvimento socioambiental em terras indígenas, na Bacia do Alto Paraguai-MS.
Foi vereador pela cidade de Nioaque, Diretor Regional da FUNAI em Campo Grande, bolsista internacional da
Fundação Ford, meio pelo qual ingressou no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da
Universidade Católica Dom Bosco. Em 2006, concluiu o seu mestrado, com a dissertação “Territorialidades e
práticas agrícolas: premissas para o desenvolvimento local em comunidades Terena de MS”.
71
Ibid.
72
BITTENCOURT, Circe Maria; LADEIRA, Maria Elisa. A história do povo Terena. Brasília: MEC, 2000.
21
política e nas mobilizações pela demarcação dos seus territórios, porém cada vez mais índios,
e conscientes de sua história, apropriada e ampliada para a garantia de direitos junto ao Estado
brasileiro. O seu “Tempo do Despertar”, expressa o movimento, elaboração e relaboração de
táticas, formuladas por meio dos conhecimentos adquiridos e das redes que estabeleceram
para apoiar e incentivar suas reivindicações e realizar suas conquistas.
A esses trabalhos, soma-se o de Eliane Gonçalves de Lima73, “A pedagogia Terena
e a criança do PIN Nioaque: as relações entre a família, comunidade e escola”, de 2008 74. A
pesquisadora estabeleceu como objetivo observar e registrar os processos próprios de
aprendizagem no contexto daquilo que denominou de “pedagogia Terena”, assim como os
fatores que contribuem para a construção dessa pedagogia nos espaços em que a criança
circula75, seja no núcleo familiar, seja na aldeia ou na escola. Definiu como “pedagogia
Terena” os processos próprios de aprendizagem entre esses índios, sendo eles transmitidos
pela oralidade, pelos meios familiar, comunitário e escolar, valorizando-se o respeito mútuo.
Percebe-se na análise da autora a valorização do conhecimento tradicional dos mais velhos,
no que se refere ao respeito às lideranças, ao domínio dos códigos indígenas e, ao tratamento
da saúde presente nos ensinamentos das mulheres Terena, das parteiras, que, embora não
realizem mais os partos dentro das aldeias, ainda cabem a elas os cuidados com a mãe e a
criança. São elas que ensinam como cuidar e, de acordo com a educação Terena, são também
responsáveis por manter o modo de ser Terena.
Novamente se encontra a escola como mecanismo de produção e reprodução de
valores considerados Terena Naquela instituição eles elegem o que é prioridade para ser
ensinado aos alunos, processo no qual a oralidade é importante, fazendo parte da sua
identidade étnica, que é reforçada cotidianamente pela escola, o que implica fortalecer
diretamente suas relações com a aldeia. Isso decorre da valorização do conhecimento
tradicional dos mais velhos, no que se refere à liderança, ao domínio dos códigos indígenas e,
no tratamento da saúde, estão presentes os ensinamentos das mulheres Terena, das parteiras,
73
Índia Terena, com relações de parentesco na Terra Indígena de Nioaque, que sempre viveu na cidade e estudou
em escolas públicas e particulares com bolsa de estudo fornecida pela Rede Ferroviária Federal Sociedade
Anônima/RFFSA, empresa na qual seu pai trabalhava. Casada com não índio, é professora da rede pública de
ensino. Em 2006, ingressou no Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Católica Dom
Bosco e, em 2008, concluiu sua pesquisa: “A pedagogia Terena e a criança do PIN Nioaque: as relações entre a
família, comunidade e escola”.
74
GONÇALVES DE LIMA, Eliane. A pedagogia Terena e a criança do PIN Nioaque: as relações entre família,
comunidade e escola. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) - UCDB, Campo Grande, 2008.
75
Outro significativo trabalho de pesquisa que privilegiou as crianças Terena é o de: CRUZ, Simone de
Figueiredo. A criança Terena o diálogo a educação indígena e a educação escolar na aldeia Buriti. 2009.
Dissertação (Mestrado em Educação)- a Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2009. Realizado na
aldeia Buriti, e o de Antonio (2009), realizado na aldeia Bananal.
22
que, embora não realizem mais os partos dentro das aldeias, ainda cabem a elas os cuidados
com a mãe e a criança. São elas que ensinam como cuidar e, de acordo com a educação
Terena, são também responsáveis por manter o modo de ser Terena
Os estudos aqui apontados permitem afirmar que, nas últimas décadas, a pesquisa
sobre a temática indígena foi fortalecida pelo aumento do número de pesquisadores indígenas,
que vêm chamando para si a tarefa de recompor a sua própria história, apresentando o seu
ponto de vista. A produção examinada insere-se no diálogo entre história e antropologia e no
debate sobre as possibilidades de atuação de sujeitos históricos até recentemente ignorados,
considerando-se que as novas abordagens se orientam pelo reconhecimento dos povos
indígenas como sujeitos plenos de seus processos históricos. Nesse quadro, os Terena elegem
a escola e a educação escolar como os lugares privilegiados a partir dos quais se situam na
sociedade envolvente. Demonstram através de suas pesquisas o que deve ser registrado, de
acordo com a ciência dos não índios, elegendo suas prioridades a partir da história e da posse
efetiva dos seus territórios, reivindicando seus direitos, reafirmando sua identidade e seus
laços de pertencimento. Dessa forma, recuperam vivências, histórias, memórias, experiências
junto à sociedade envolvente, estabelecem táticas, entre as quais se destaca o seu
envolvimento com a escola e com a universidade, fortalecendo politicamente a aldeia, lugar
que possibilita suas ações na busca de seus direitos históricos. De posse da sua identidade
indígena elaboram o tempo presente e projetam seu futuro.