Soares, P. Metamorfoses Da Metrópole Contemporânea
Soares, P. Metamorfoses Da Metrópole Contemporânea
Soares, P. Metamorfoses Da Metrópole Contemporânea
RESUMO:
O artigo discute aspectos da atual reestruturação espacial metropolitana. Nossa intenção é debater
algumas tendências das metrópoles contemporâneas levando em consideração as múltiplas faces
dos processos genericamente chamados de “reestruturação” espacial. Na atual fase de expansão
da economia capitalista globalizada, as metrópoles mundiais reorganizam seus espaços em um
contexto de concorrência global por albergar atividades econômicas e serviços avançados. Uma
ampla reestruturação periférica e interior das metrópoles é verificada. Nossa intenção é observar
com atenção os processos globais para verificar suas conseqüências sociais e seu rebatimento na
realidade brasileira. Buscamos, assim, pistas para uma investigação mais aprofundada dos processos
de reestruturação nas metrópoles brasileiras. Na parte final do ensaio, apresentamos algumas
considerações sobre o caso de Porto Alegre e suas recentes transformações urbanas.
PALAVRAS-CHAVE:
metropolização, reestruturação espacial, renovação urbana, Porto Alegre (Brasil
ABSTRACT:
This paper seeks to deal with some faces of the spatial restructuring in the metropolis. We seek to
debate some tendencies of the contemporary metropolis taking into account the multiples faces of
the process called “spatial restructuring”. In the present stage of the expansion of the capitalist
globalized economy the world cities improve its spaces in a context of global competition to attract
economics activities and advanced services. Both outer and inner city are restructuring. Our purpose
is to observe the global processes and their social results as well as its evidences in the Brazilian
reality. Thus, we look for evidences to support a research on the processes of restructuring in the
Brazilian metropolis. In the final of the paper we present some considerations about the recent
urban changes in the city of Porto Alegre.
KEY WORDS:
metropolization, spatial restructuring, urban renovation, Porto Alegre (Brazil).
*Doutor em Geografia Humana. Professor do Departamento de Geografia, Instituto de Geociências e do Programa de Pós-graduação em Geografia
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected].
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de desconcentração das atividades econômicas, buscam a gênese desta nova forma espacial em
industriais, comerciais e de serviços, que lugares onde, preteritamente, este regime de
inaugura uma nova forma de organização acumulação sofreu os impactos sócio-espaciais
territorial, alterando os tradicionais paradigmas e tecnológicos da reestruturação. Entretanto,
de interpretação e intervenção sobre o espaço as visões de cunho estrutural têm convivido,
urbano. Tanto um como outro fomentam uma recentemente, com abordagens que postulam
marcante debilidade dos processos identitários a autonomia da revolução nas tecnologias de
à escala local, bem como severas dificuldades com unicação e inform ação2 .
de gestão de um território fragmentado em
inúmeras unidades autônomas e nem sempre Entre as abordagens estruturalistas, as
solidárias, entre as quais, na maioria das vezes, análises mais recentes de Edward Soja sobre o
os agentes hegemônicos locais competem entre processo de produção socioespacial em Los
si pela localização de novas atividades. Angeles serviram para a formulação do conceito
de pós-metrópole (SOJA, 2000). O conceito,
A figura da cidade difusa nos remete ao articula “seis discursos”, que remetem a
conceito de metápolis, o “novo território urbano”, diferentes recortes da realidade metropolitana.
definido por François Ascher como Assim, o discurso da exópolis refere-se ao
crescimento exterior da metrópole, à produção
um conjunto de espaços onde todos ou parte
das cidades de margem e dos exúrbios
dos habitantes, das atividades econômicas
(assentamentos periféricos aos subúrbios); o
ou dos territórios são integrados ao
conceito de cosmópolis é referente à constituição
funcionamento cotidiano (ordinário) de uma
de uma metrópole interior, socialmente mais
metrópole. Uma metápole constitui
complexa e de uma cultura urbana mundial. A
geralmente, uma ‘bacia de empregos’ , de
flexcity (ou “cidade flexível”) refere-se à
habitat e de atividades. Os espaços que
flexibilização das relações sociais e da gestão
compõem a metápole são profundamente
do espaço urbano e as metropolaridades são
heterogêneos e não necessariamente
concernentes à ampliação das desigualdades
contíguos (ASCHER, 1995).
sociais nos espaços urbanos; o arquipélago
carcerário alude ao real “cercamento” de amplos
A metápole é resultado de processos de
setores da metrópole e à construção de
metropolização e de formação de novos
“cidades-fortaleza” e a simcity (cidade de
territórios urbanos. Apresenta múltiplas formas
simulação) refere-se às paisagens e à vida
de crescimento, seja pela extensão ou
urbana simulada, cada vez mais realizada em
densificação das periferias, seja pela absorção
espaços virtuais e de simulação (o ciberespaço,
de núcleos urbanos adjacentes ou distantes
os parques temáticos, os centros comerciais). A
das regiões metropolitanas. Caracteriza-se por
pós-metrópole seria a reunião de todos estes
constituir uma extensa conurbação descontínua,
discursos em uma mesma entidade territorial 3 .
heterogênea e multipolarizada, que induz à
homogeneização e à diferenciação: O modelo das “quatro cidades”, proposto
homogeneização porque os mesmos agentes e por Néstor Garcia Canclini (2000), é outra
tipos de agentes econômicos se encontram com interessante metáfora da reestruturação
as mesmas lógicas em todas as cidades; metropolitana. Seguindo este modelo, teríamos,
diferenciação porque nela a competição sucessivamente, a “cidade histórico-territorial”,
interurbana é maior, aprofundando as diferenças a “cidade industrial”, a “cidade informacional e
entre os lugares (ASCHER, 2001:59). financeira”, as quais não deixam de existir, mas
que se justapõem para, como em um
É considerada uma forma espacial que,
palimpsesto, compor a atual metrópole, definida
simultaneamente, sobrepõe e sucede a
como “a cidade videoclip ”, onde diferentes
metrópole fordista. Alguns pesquisadores
realidades, espaços, tempos e culturas
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Esta nova onda de atração pelo centro e que, em seu efêmero contato com os locais
responde, também, ao processo de mudança desejam se sentir “em casa”. Esta produção
cultural vinculado à emergência da sociedade freqüentemente, está relacionada às mudanças
pós-fordista, o qual afeta a “morfologia social nas áreas centrais e com a produção de novas
das metrópoles”. A diferenciação se amplia e centralidades.
impregna todos os âmbitos da vida social. A
divisão social do trabalho se acentua e se
expressa tanto em um sem número de Algumas considerações sobre a metrópole de
especializações profissionais como em um Porto Alegre
mercado de trabalho global que se vislumbra.
Este novo mercado de trabalho é fortemente Na metrópole de Porto Alegre, capital do
segmentado. Por um lado, a expansão do setor estado do Rio Grande do Sul, com mais de 1,5
dos serviços gera um grande número de postos milhão de habitantes e núcleo de uma região
de trabalho com vínculos precários, temporários, metropolitana de mais de 4 milhões de
pouco especializados e de baixa remuneração habitantes, muitas dessas mudanças já podem
(“trabalhos periféricos”), os quais estão de certa ser percebidas, acompanhando, em alguns
forma, atrelados à atividade e ao poder traços, as transformações das economias
aquisitivo dos profissionais qualificados e brasileira e gaúcha, da qual é, indiscutivelmente,
especializados das atividades financeiras, de o centro de gestão e controle. Entre estas
negócios, de gestão e de inovação (os mudanças está uma maior internacionalização
“trabalhos centrais”), vinculadas à economia da economia e a reestruturação político-
globalizada (PERULLI, 1995). econômica do aparelho estatal (nas esferas
federal e estadual) a partir da adoção do
Destarte, é possível encontrarmos nas receituário neoliberal. São câmbios que afetam
metrópoles diversas “populações urbanas”, os três sentidos clássicos da cidade: aurbe, a
conforme Martinotti (1994): além dos pólis e a civitas.
“habitantes” e dos “pendulares”, personagens
da metrópole industrial, aparecem, nesta nova Na escala urbano-regional, a
fase, os “usuários” e os “homens de negócios” desconcentração metropolitana configura-se
produzidos pela economia financeira como realidade, apontando para o processo de
globalizada. Estes dois últimos tipos promovem formação de uma macro-metrópole ou uma
o aumento do número de consumidores da futura “cidade-região” de Porto Alegre. A
economia de serviços e da economia simbólica ocupação industrial segue em marcha rumo aos
da metrópole. Os primeiros como usuários setores exteriores da Região Metropolitana,
regulares ou esporádicos das funções especialmente à Caxias do Sul, Santa Cruz do
especializadas que a mesma oferece, desde os Sul e Lajeado-Estrela, centros urbanos que
serviços de saúde e educacionais até os tendem a formar novas aglomerações urbanas.
produtos culturais e de lazer. Os segundos, ao Também o eixo da BR-290, em direção a Osório
exigirem em seu trânsito pela metrópole, uma (litoral), configura-se como importante área de
ampla reorganização e refuncionalização dos assentamento industrial, especialmente após a
espaços de circulação e de negócios instalação da moderna unidade da General
(aeroportos, centros empresariais, hotéis e flats, Motors em Gravataí. O mesmo podemos apontar
restaurantes, centros de compras e de lazer), para os novos empreendimentos industriais no
ou seja, a produção de verdadeiros “não- Pólo Petroquímico de Triunfo. Estas novas
lugares clônicos”, presentes em quase todas as atividades reforçam a gestão no núcleo da
metrópoles que exercem funções de nós da rede metrópole.
urbana mundial. São não-lugares produzidos Na escala intra-urbana, no plano da urbe,
para o uso por indivíduos que atuam com uma ao longo da década de 1990 ocorre, em Porto
racionalidade e uma lógica voltada para o global Alegre, um amplo processo de reestruturação
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Notas
3
Uma questão em aberto é se a forma “pós-
1
Sobre o caso de São Paulo ver além do trabalho metropolitana” representa ou se converterá no
de S. Lencioni, os demais artigos da obra paradigma de cidade mundial nas próximas
Globalização e Estrutura Urbana (São Paulo: décadas. Em uma primeira aproximação,
Hucitec/Fapesp, 2004), bem como o recente livro entendemos que os fenômenos assinalados nos
de N. G. Reis, Notas sobre a urbanização dispersa “seis discursos” já estão presentes em outras
e novas formas de tecido urbano. São Paulo: Via realidades metropolitanas. Entretanto,
das Artes, 2006. consideramos o contexto urbano de Los Angeles
2
Dois conceitos têm merecido maior destaque entre tão singular que dificilmente sua morfologia será
o padrão da evolução metropolitana em outras
estas abordagens: o de Edge City (“cidade de
realidades sócio-econômicas e históricas. Ver a
margem”) e o de E-topia. A idéia da Edge City,
propósito o debate entre os artigos de J. Curry
formulada por Joel Garreau (1991) refere-se à
and M. Kenney, “The Paradigmatic City:
“nova fronteira da vida urbana e da sociedade”
Postindustrial Illusion and the Los Angeles School”
estadunidense. O conceito confere
(Antipode, vol. 31, n° 1, p. 1-28, jan-1999) e de
ideologicamente às periferias o atributo de
A. J. Scott, “Los Angeles and the LA School: A
espaços de inovação, de empreendedorismo e
Response to Curry and Kenney” (Antipode, vol.
independência do Estado. Em contraposição, as
31, n° 1, p. 29-36, jan-1999).
cidades centrais são descritas como ambientes
pouco inovadores e atrelados ao passado. Já o 4
Sobre este tema ver ainda os artigos de N. Smith
conceito de E-topia foi proposto por William J. “A gentrificação generalizada: de uma anomalia
Mitchell (2001) para designar, em tom triunfalista, global à regeneração urbana como estratégia
a nova vida urbana e as novas configurações urbana global” (In Bidou-Zachariasen, C. De volta
espaciais do mundo “interconectado à cidade: dos processos de gentrificação às
e l e t r o n i c a m e n t e ”. Vislumbrado pelo políticas de revitalização dos centros urbanos.
desenvolvimento das novas tecnologias de São Paulo: Annablume, 2006, p. 59-87); de S.
informação e comunicação, Mitchell propõe a Z u k i n , “Paisagens urbanas pós-modernas:
substituição do atual modelo urbano por e-topias, mapeando cultura e poder” (In Arantes, A. A. O
cidades econômicas e ecológicas que funcionam Espaço da Diferença. Campinas: Papirus, 2000,
“de modo inteligente, servidas eletronicamente p. 80-103) e de D. Harvey, “A arte como renda:
e conectadas globalmente”. Nelas, as atividades a globalização e transformação da cultura em
d a v i d a u r b a n a ( t r a b a l h o , c o m p r a s , l a z e r, commodities ”. I n A produção capitalista do
encontros) seriam realizadas on line a partir do espaço. São Paulo: Anna-Blume, 2005, p. 219-
ambiente doméstico. Ver J. Garreau, Edge City. 239.
Life on the new frontier. New York: Anchor Books,
1991 e W. J. Mitchell, E-topía: “Vida urbana, Jim, 5
Este é o caso, por exemplo, do Museu Gughemhein,
pero no la que nosotros conocemos”. Barcelona: o qual promove uma verdadeira guerra entre
Gustavo Gili, 2001. governos locais (prefeituras) para obter
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Bibliiografia
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