Artigo PRP

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 23

ISSN: 2526-849X

A alfabetização e o programa de residência pedagógica: ações e


contribuições na formação inicial de professores
Literacy and the Pedagogical Residency Program: actions and contributions in the
initial training of teachers

Alfabetización y Programa de Residencia Pedagógica: acciones y aportes en la


formación inicial de docentes

Joselma Silva1

Resumo

As atividades de aproximação com a prática profissional mostram-se espaços que permitem


ao futuro docente observar, analisar, descrever e mediar ações imprescindíveis à sua trajetória
de formação inicial. Deste modo, destaca-se o Programa de Residência Pedagógica (2018-
2020) como meio de diálogo com o campo profissional. Diante disso, esse artigo tem como
objetivo refletir sobre os processos educativos vivenciados por estudantes do curso de
licenciatura em Pedagogia, que integraram o Programa de Residência Pedagógica, a partir de
relatos no contexto de turmas de alfabetização de uma escola pública do município de Lavras.
Sob uma abordagem qualitativa, a partir de uma pesquisa de caráter documental, toma-se
como corpus investigativo os relatórios de oito bolsistas que participaram do Programa de
Residência Pedagógica (2018-2020). Como aporte teórico apoia-se nos estudos referentes à
formação inicial na constituição do ser professor, como André (2016), Pimenta (2000) e
Tardif (2002), em interlocução com outros autores que discutem a temática. As vivências e
modos de atuar com e sobre as práticas educativas, descritas nos relatórios, evidenciam
ações e contribuições proporcionados no processo de formação inicial, classificadas em três
momentos como dimensões formativas: observação; intervenção e reflexão da ação, que
demarcam o desenvolvimento profissional dos residentes dentro do contexto escolar.
Palavras-chave: Formação inicial docente; Residência Pedagógica; Alfabetização.
Abstract

The activities of approximation with professional practice are shown to be spaces that allow the future
teacher to observe, analyze, describe and mediate actions essential to their initial training trajectory.
Thus, the Pedagogical Residency Program (2018-2020) stands out as a means of dialogue with the
professional field. Therefore, this article aims to reflect on the educational processes experienced by
students of the degree course in Pedagogy, who were part of the Pedagogical Residency Program,
based on reports in the context of literacy classes of a public school in the municipality of Lavras.
Under a qualitative approach, based on a documentary research, the reports of eight scholars who
participated in the Pedagogical Residency Program (2018-2020) are taken as an investigative corpus.
As a theoretical contribution, it is based on studies related to initial formation in the constitution of
being a teacher, such as André (2016), Pimenta (2000) and Tardif (2002), in dialogue with other

1
Escola Municipal Paulo Menicuci – Lavras –MG. E-mail: [email protected]
Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.
1
ISSN: 2526-849X

authors who discuss the theme. The experiences and ways of acting with and about the educational
practices described in the reports show actions and contributions provided in the initial formation
process, classified in three moments as formative dimensions: observation; intervention and reflection
of the action, which demarcated the professional development of residents within the school context.
Keywords: Initial teacher training; Pedagogical Residence; Literacy.

Resumen

Las actividades de aproximación con la práctica profesional se muestran como espacios que
permiten al futuro docente observar, analizar, describir y mediar acciones esenciales para su
trayectoria formativa inicial. Así, el Programa de Residencia Pedagógica (2018-2020) se
destaca como un medio de diálogo con el ámbito profesional. Por lo tanto, este artículo tiene
como objetivo reflexionar sobre los procesos educativos experimentados por los estudiantes
de la carrera de Pedagogía, que formaron parte del Programa de Residencia Pedagógica, a
partir de informes en el contexto de las clases de alfabetización de una escuela pública en el
municipio de Lavras. Bajo un enfoque cualitativo, basado en una investigación documental,
se toman como corpus investigativo los informes de ocho académicos que participaron en el
Programa de Residencia Pedagógica (2018-2020). Como aportación teórica, se basa en
estudios relacionados con la formación inicial en la constitución de ser docente, como André
(2016), Pimenta (2000) y Tardif (2002), en diálogo con otros autores que discuten el tema.
Las experiencias y formas de actuar con y sobre las prácticas educativas descritas en los
informes muestran acciones y aportes aportados en el proceso de formación inicial,
clasificados en tres momentos como dimensiones formativas: observación; intervención y
reflexión de la acción, que demarcó el desarrollo profesional de los residentes dentro del
contexto escolar.
Palabras clave: Formação inicial docente; Residência pedagógica; Alfabetismo.

Introdução

Sabe-se que as políticas de iniciação à docência como programas e projetos oferecidos


em dimensões federal, estadual e municipal ganharam destaque nas ações formativas e
coparticipativas entre as universidades e as instituições de educação básica nos últimos anos,
o que favoreceu o processo de formação de professores iniciantes com o objetivo de qualificar
a profissionalização docente.
O processo formativo para a docência não se restringe ao aprendizado teórico dos
conteúdos acadêmicos, mas inclui a reflexão sobre escolhas que mobilizam a inserção na
profissão e associa-se também às formas de se colocar frente às situações da prática. Ou seja,
exige do docente a utilização e adequação de conhecimentos teóricos às necessidades da
prática educativa, de forma interligada com sua trajetória profissional.
A tessitura de relações do ser professor se volta para assegurar a reflexão sobre os
saberes que, ao serem mobilizados, fundamentam a prática docente e explicam ou elucidam os
Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.
2
ISSN: 2526-849X

fenômenos educacionais, os quais permitem compreender situações complexas e


singulares que emoldam o processo educativo. São os conhecimentos e concepções que
alimentam o saber do professor, uma vez que o conhecimento não se limita à informação,
trata-se também de identificá-la, visando análise e contextualização. (PIMENTA, 2000, p.
167).
O ser professor potencializa saberes e conhecimentos que alimentam seu fazer
pedagógico, ganha contorno quando se volta a atenção para o espaço onde esse fazer acontece
em interação com colegas e alunos e, com isso, depara-se com a escola, enquanto local que
acolhe o aluno e onde se desenvolvem as práticas educativas formais. O contexto enriquecido
pelas relações humanas mediadas pelo professor busca concretizar projetos e reafirmar seu
papel crítico reflexivo, o que contribui para o processo de formação de professores.
Com o olhar à instituição educacional, algumas ações formativas direcionadas aos
futuros pedagogos têm se destacado nos últimos anos, como os projetos e programas federais.
Sendo assim, pode-se citar o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID) regulamentado pela Portaria 096/2013, implementado desde 2014, que contribui
para a valorização do magistério, com administração conduzida pela CAPES (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Em 2018, instituiu-se a Política Nacional de Formação de Professores com a
finalidade de promover o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura,
com a diferenciação de outros programas ao assegurar a imersão do licenciando na escola de
educação básica, a partir da segunda metade de seu curso. Na Universidade Federal de Lavras,
foi implantado o Programa de Residência Pedagógica através do qual foi elaborado um
projeto institucional, contemplando cinco subprojetos distribuídos por cursos de licenciaturas
da instituição e pertencentes também ao programa. Um desses subprojetos estava vinculado
ao curso de Pedagogia presencial e agrupou dois núcleos de trabalho, cada qual composto por
uma coordenação de área, três preceptoras e vinte e quatro estudantes bolsistas e até seis
voluntários. Cada grupo de oito estudantes ficou vinculado a uma preceptora que atuava como
professora regente em escolas públicas do município de Lavras/MG. Juntamente com o
Programa de Residência Pedagógica também foi instituído o Programa Institucional de
Iniciação à Docência – PIBID. Ainda que esses programas tenham orientações formativas
distintas os dois visam melhorar a qualificação e desenvolvimento do futuro docente, que ao

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


3
ISSN: 2526-849X

ter contato com a rotina das escolas públicas conseguem relacionar os saberes disciplinares e
curriculares adquiridos na universidade à dinâmica de trabalho das escolas e das salas de
aula. Assim, o foco dos dois programas foi fortalecer a formação de futuros professores que
atuarão na educação básica brasileira, por meio de ações decorrentes da parceria entre
universidade e a educação básica, tomando como referência os processos de alfabetização e
de letramento das crianças.
Em convergência às propostas do PIBID, o Programa de Residência Pedagógica
inaugura um processo de constituição da docência, como meio de diálogo e de aproximação
com o campo profissional, a escola. Frente às interações com professores experientes, que
movem saberes para a resolução de questões práticas do dia a dia da sala de aula, parte-se do
pressuposto que o contato com a realidade educacional impacta, em alguma medida, os
bolsistas-residentes, ampliando seu repertório formativo.
Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo refletir sobre os processos educativos
vivenciados por estudantes do curso de licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de
Lavras (UFLA) que integraram o Programa Residência de Pedagógica (2018-2020),
desenvolvido em parceria com o Ministério da Educação, Universidades e escolas de
educação básica.
Para tanto, o desenvolvimento do tema é parte de uma pesquisa documental de
caráter qualitativo, a partir de uma análise de conteúdo dos relatórios mensais elaborados
pelos bolsistas. A investigação apresentou a proposta de compreender de que forma o
Programa de Residência Pedagógica, desenvolvido entre agosto de 2018 e janeiro de 2020,
impactou a formação para a docência de um grupo de estudantes participantes do programa no
município de Lavras/MG e buscou-se levantar as percepções e os conhecimentos construídos
por eles durante a vigência do programa.
Para atingir o objetivo de uma formação de docentes com qualidade, partimos do
pressuposto de que escola e universidade devem se movimentar em consonância. A escola
deixa de ser lócus de aplicação de teorias discutidas na academia e se torna co-formadora; ao
mesmo tempo, seu espaço passa a ser de construção e consolidação de conhecimentos teóricos
e práticos.
Assim, o artigo organiza-se em três seções argumentativas: a primeira apresenta uma
reflexão teórica a partir das considerações sobre a formação para a docência, a constituição do

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


4
ISSN: 2526-849X

ser professor e os saberes docentes mobilizados no fazer pedagógico; a segunda discute sobre
a relação entre a universidade e a escola a partir do Programa de Residência Pedagógica; na
terceira seção descreve o percurso metodológico utilizado na pesquisa, bem como as
vivências e percepções dos estudantes sobre o programa.

Reflexões sobre a docência: o ser professor

Refletir sobre a docência significa reconhecer o professor como sujeito social e


histórico, constitutivo e articulador do processo educacional. No que se refere ao caráter
político, o professor constitui-se um ser transformador da realidade escolar. Além disso,
outros aspectos identificam o docente como um sujeito contextualizado como por exemplo os
seus aspectos pessoais e relacionais, sua visão de mundo, identidade, valores, vivências,
trajetórias de vida, experiências profissionais, história e convicções, haja vista que “[...] uma
educação para ser válida precisa considerar a vocação ontológica do homem, vocação de ser
sujeito e as condições em que vive: neste exato lugar, neste momento, neste determinado
contexto” (FREIRE, 1980, p. 34).
A preparação profissional para o exercício de um ofício requer a apropriação de certos
conhecimentos e procedimentos técnicos práticos. É essa apropriação que define a identidade
de cada profissão. No caso da docência, poderíamos compreender a profissionalidade como
um conjunto de concepções, teorias, valores, atitudes, comportamentos que constituem a
especificidade de “ser professor”. Gatti, Barreto e André (2011) caracterizam o papel
essencial da formação inicial dos docentes para o desempenho de seu trabalho e isso implica
pensar seu impacto na constituição de sua profissionalidade e de sua profissionalização em
forma socialmente reconhecida.
A profissionalização docente é discutida por Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003), como
o conjunto de características de uma profissão que agrupa a racionalização dos conhecimentos
e a operacionalização, por meio de habilidades necessárias para execução das ações. Para os
autores a profissionalização pode ser compreendida a partir de um aspecto interno,
denominado profissionalidade, e outro externo, o profissionalismo.
O termo profissionalidade, sintetizam Nuñez e Ramalho (2008), denota a dimensão
relativa ao conhecimento, aos saberes, às técnicas e às competências necessárias à atividade
profissional. Já a expressão profissionalismo refere-se à dimensão ética dos valores e normas,

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


5
ISSN: 2526-849X

das relações construídas, no grupo profissional ou com outros grupos. Integra-se à vivência da
profissão, às relações que se estabelecem no grupo profissional, às formas de se desenvolver a
atividade profissional. E profissionalização como a obtenção de um espaço autônomo, próprio
à sua profissionalidade, com valor claramente atribuído pela sociedade como um todo.
(RAMALHO, NUÑEZ; GAUTHIER, 2003)
Diante dos conceitos relacionados à profissão surge a construção da identidade do
professor a qual pode ser entendida como um processo contínuo que se inicia muito cedo,
mesmo antes da formação inicial, com base nas escolhas e trajetórias que impulsionam a
docência. Neste aspecto, o papel e as ações do professor podem ser atreladas ao processo de
identificação.
Assim, pensando na identidade docente pode-se afirmar que hoje ser professor não é o
mesmo que há vinte e cinco anos atrás. As necessidades, os conhecimentos, os saberes, o
fazer pedagógico foi transformado de acordo com as exigências da sociedade, e essas
exigências se modificaram para atender às novas relações familiares, religiosas, do mercado
de trabalho.
Para atuar conforme as necessidades históricas contemporâneas, outras competências,
além das tradicionais como saber ensinar, estão colocadas para o professor modificando e
ampliando o seu papel. Para acompanhar essa transformação no mundo, no trabalho e na
identidade docente, alguns autores como Perrenoud (2000) e Tardif (2002) enumeram
competências e saberes necessários para a atuação do professor, estreitando a relação entre
sua qualificação e sua identidade profissional.
Os saberes aqui denominados saberes docentes ou saberes dos professores têm sido
objeto de discussão por parte de autores nacionais e internacionais, dentre os quais
destacamos: Nóvoa (1995); Freire (1996); Zeichner (1993); Pimenta (2000); Perrenoud
(2000) e Tardif (2002), que têm procurado mostrar a sua importância para a formação,
atuação e desenvolvimento da profissão docente. Segundo Nóvoa (1995), esta nova
abordagem veio em oposição aos estudos anteriores que acabavam por reduzir a profissão
docente a um conjunto de competências e técnicas, gerando uma crise de identidade dos
professores em decorrência de uma separação entre o eu profissional e o eu pessoal.
Na concepção de Schön (1992; 2000), geralmente, os cursos em nível superior seguem
o modelo da racionalidade técnica, através do qual as disciplinas de conteúdo específico são

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


6
ISSN: 2526-849X

ministradas antes daquelas de cunho pedagógico, com a parte prática ao final dele, como
forma de aplicar os conteúdos teóricos já estudados. Fica subjacente, nesse modelo, a ideia de
que conhecendo primeiro a parte teórica o sujeito poderá melhor apreender os procedimentos,
técnicas e estratégias para lançar mão na solução de problemas, estando melhor
instrumentalizado para tal. No entanto, na Educação, não tem-se apenas situações técnicas a
serem resolvidas. Os fenômenos educacionais se apresentam em sua singularidade, exigindo
não a escolha da melhor técnica, mas sim, de reflexão e solução adequada ao caso específico.
Nesse sentido, Pérez (1995, p.100) afirma que “nas ciências humanas, de um modo geral, na
prática não existem problemas, mas sim, situações problemáticas que se apresentam
frequentemente como casos únicos que não se enquadram nas categorias genéricas
identificadas pela técnica e pela teoria existentes.”
Tardif (2002) discorre sobre os saberes docentes e sua relação com a formação
profissional dos professores e, ainda, com o próprio exercício da docência. Busca discutir
essas questões, caracterizando o que os professores sabem como plural, estratégico e
desvalorizado. Plural, por ser proveniente de diversas fontes; estratégico, porque os
professores, como grupo social e pelas funções que exercem, ocupam um lugar de destaque
no interior das relações complexas que unem as sociedades contemporâneas às habilidades
por elas desenvolvidas e mobilizadas em vários fins; e, por fim, desvalorizado, porque o
professor atuante parece residir unicamente na competência técnica e pedagógica para
transmitir descobertas produzidas pela comunidade científica. Tardif identificou que o saber
docente é um “formado de diversos saberes provenientes das instituições de formação, da
formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (TARDIF, 2002, p.54),
tipificando a existência de quatro tipos diferentes de saberes implicados na atividade docente:
os saberes disciplinares; os da formação profissional; os curriculares e os experienciais.
Os saberes disciplinares, reconhecidos e identificados como pertencentes aos
diferentes campos do conhecimento (linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências
biológicas etc.) são produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história, e
administrados pela comunidade científica. O acesso a eles deve ser possibilitado por meio das
instituições educacionais. Os saberes disciplinares são mobilizados pelas formações quando a
tradição acadêmica e os conhecimentos específicos das disciplinas são valorizados.

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


7
ISSN: 2526-849X

Os saberes da formação profissional, baseados nas ciências e na erudição, são


transmitidos aos professores durante o processo de formação inicial e/ou continuada. Os
conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de ensino (saber-fazer),
legitimados cientificamente, e igualmente transmitidos aos professores ao longo do seu
processo de formação, também se constituem o conjunto dos saberes da formação
profissional. Esses saberes passam a ser mobilizados quando são abordados na formação
aspectos relacionados às concepções de língua, alfabetização, ao desenvolvimento da leitura e
escrita na criança, aos conceitos e concepções embasadas pela sociologia, psicologia, filosofia
da educação, que orientam a compreensão do professor para determinada situação do campo
da educação e embasam a ação de ensinar. Esses dois tipos de saberes, os disciplinares e os da
formação profissional, têm na formação inicial seu ponto máximo de inserção junto aos
professores.
Os saberes curriculares são relacionados à forma como as instituições educacionais
fazem a gestão dos conhecimentos socialmente produzidos e que devem ser transmitidos aos
estudantes (os saberes disciplinares). Apresentam-se, concretamente, sob a forma de
programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem aprender e
aplicar. É importante que o professor conheça sobre o programa curricular, das matrizes de
referências para que possa conduzir suas atividades de maneira a atingir esses objetivos
educativos.
E, por fim, estão os saberes experienciais, resultantes do próprio exercício da atividade
profissional dos professores, e que são produzidos pelos docentes por meio da vivência de
situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações estabelecidas com alunos
e colegas de profissão. Nesse sentido, “incorporam-se à experiência individual e coletiva sob
a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser” (TARDIF, 2002, p.38). Os
saberes da experiência são os mais valorizados pelos professores quando questionados sobre
as experiências que integram a sua prática pedagógica.
Perante os saberes descritos por Tardif (2002), Pimenta (2000) apresenta um
elemento importante no que se refere à construção da identidade docente. Para a autora, uma
formação problematizadora da prática pedagógica é o que conferirá significado à atividade
docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, do

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


8
ISSN: 2526-849X

sentido que tem em sua vida o “ser professor”. Para que esse processo historicamente situado
se construa, a autora coloca:
Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da
profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das
tradições. Mas também da reafirmação das práticas consagradas culturalmente e que
permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações porque prenhes de
saberes válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as
práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da
construção de novas teorias. (PIMENTA, 2000, p. 19)

A docência, assim como outras profissões parte da perspectiva que exige diversos
saberes, tratando-se de uma atividade movida por interações humanas. No trabalho docente
não basta somente ensinar, mas fazer com os ensinamentos tenham significados. Nesta
concepção, Tardif (2002, p. 49) enfatiza que o magistério, assim como outra profissão, remete
ao trabalho, à atividade, visto que “[...] trabalhar é agir num determinado contexto em função
de um objetivo, atuando sobre um material qualquer para transformá-lo através do uso de
utensílios e técnicas”.
Pensando na formação para a docência e na constituição da identidade profissional do
professor, as atividades desenvolvidas durante o Programa de Residência Pedagógica
procurou mobilizar os saberes tipificados por Tardif quando valoriza os conteúdos e
conhecimento acadêmicos oriundos dos estudos realizados na Universidade, bem como
quando evidencia os direitos de aprendizagem que devem ser trabalhados na etapas da
alfabetização das crianças e os articula com o fazer pedagógico de professores mais
experientes na tarefa de ensinar. Foi uma oportunidade tanto para os licenciandos como para
docentes em exercício, escola e alunos da educação básica, de reunir e socializar o conjunto
de saberes que legitimam as práticas educativas, melhorando os processos de ensino e de
aprendizagem e a qualidade da educação pública. Nesse sentido, as práticas educativas de
formação inicial e continuada dos professores “[...] pedem novas compreensões, novas
posturas relacionais e novas didáticas para as atividades nos ambientes escolares e na
construção de relações pedagógicas mais efetivas em sua significação”. (GATTI, 2019, p. 38)
Assim, é preciso que as práticas educativas sejam pensadas por todos os agentes de
formação, buscando a aproximação e articulação dos cursos de licenciaturas da universidade
com a realidade das escolas de educação básica, conforme apresenta a proposta do Programa
Residência de Pedagógica discutida na seguinte seção.

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


9
ISSN: 2526-849X

Relação entre a universidade e a escola: apresentando o Programa de Residência


Pedagógica

Segundo o Edital de nº 11, de 18 de julho de 2018, emitido pela Pró-Reitoria de


Graduação (PRG) da UFLA, o Programa de Residência Pedagógica foi descrito como um
programa no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior
(Capes) com o objetivo de implementar projetos inovadores que incentivem a articulação
entre teoria e prática nos cursos de licenciatura, orientados em parceria com as redes públicas
da educação básica.
Para o funcionamento do programa foi estabelecida uma estrutura organizacional
composta por núcleos que se subdividem de acordo com as diversas áreas do conhecimento;
um coordenador geral e um coordenador de cada área, ambos vinculados à universidade;
preceptores (professores) de escolas públicas de educação básica; escolas públicas inscritas
no Programa e residentes bolsistas e voluntários, discentes de cursos de licenciatura da
instituição de ensino superior.
O Edital n. 11/2018 apresentou os objetivos do programa, que são os mesmos para
todo o país: (a) aperfeiçoar a formação dos licenciandos por meio do desenvolvimento de
projetos; exercitar uma relação ativa entre teoria e prática; (b) estimular, enriquecer e
consolidar a proximidade entre a instituição de Ensino Superior e a escola da educação básica;
(c) viabilizar a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação
inicial e professores da educação às orientações da Base Nacional Comum Curricular; (d)
estimular a reformulação do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura, com base na
experiência da Residência Pedagógica.
Quanto à operacionalização do programa, o edital elencou o conjunto de ações que
deveriam ser desenvolvidas ao longo do período de sua execução com base na análise do
contexto educacional. Sendo assim, foi necessário a aplicação de ações nos diferentes espaços
escolares como salas de aula, laboratórios, bibliotecas, espaços recreativos e desportivos,
secretarias, dentre outros ambientes que proporcionam uma interação educativa; o diálogo e
articulação dos membros do programa, e destes com a comunidade escolar; a participação nas
atividades de planejamento e no projeto pedagógico da escola, bem como participação nas
reuniões pedagógicas e órgãos colegiados.

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


10
ISSN: 2526-849X

O programa também propõe a reflexão do processo de ensino e aprendizagem dos


conteúdos específicos ligados ao subprojeto e também das diretrizes e currículos
educacionais da educação básica. Ademais, é importante o desenvolvimento de ações em
outros espaços formativos além do escolar como ambientes culturais, científicos e
tecnológicos, físicos ou virtuais; o estudo e discussão de fundamentações teóricas
contemporâneas sobre educação e formação de professores.
Outro proposta do programa é observar os processos didático-pedagógicos com a
prática e a experiência dos professores das escolas de educação básica, em vinculação com
seus saberes sobre a escola e sobre a intervenção didática dos conteúdos; o desenvolvimento
de experimentações, aplicações e avaliações de estratégias didático-pedagógicas e
instrumentos educacionais. Para tanto, aplica-se diversos recursos pedagógicos, organização
e registro das atividades realizadas no campo de um subprojeto que finalize em uma
produção individual para cada discente.
Em consonância com os objetivos e as ações a serem desenvolvidas no âmbito do
programa, destaca-se que o foco central foi o de aproximar os licenciandos do campo
profissional, buscando melhorar a formação inicial para a docência, ao mesmo tempo em que
oportunizava a formação continuada de professores das escolas de educação básica e a
reflexão e intervenção nos processos didático-pedagógicos para contribuir com a melhoria da
aprendizagem dos alunos.
Sobre a inserção de preceptores e residentes no Programa de Residência Pedagógica
do curso de Pedagogia foi feita por meio de processo seletivo, compondo-se em dois núcleos
de atuação. O Núcleo 1 contou com 3 (três) preceptoras, de escolas públicas distintas, e 24
(vinte e quatro) bolsistas-residentes, estudantes do curso de Pedagogia. Os residentes foram
divididos 8 (oito) estudantes para cada preceptora. A dinâmica do programa envolveu
encontros semanais de estudo, planejamento, orientação, inserção no ambiente escolar e
acompanhamento do trabalho em sala de aula do preceptor/professor. O foco do subprojeto da
Pedagogia foi o processo de alfabetização e letramento de crianças nos anos iniciais do ensino
fundamental.
No ano de 2019, após seis meses de estudos orientados, os residentes foram inseridos
na escola pela coordenadora de área e preceptora, de modo a definir os dias da semana, os
horários e a separação dos residentes por turmas. O programa teve início na escola, em

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


11
ISSN: 2526-849X

períodos denominados de adaptação e ambientação. Esses processos foram fortalecidos pelo


diálogo, promovendo sinergia entre a entidade que forma (universidade) e a que recebe o
estudante (escola de educação básica).
Durante todo o ano de 2019 os residentes cumpriram o planejamento realizado e a
carga horária nos dias determinados na escola-campo, fizeram relatórios de suas observações,
dos momentos de mediação, regência, acompanhamento de atividades e registraram suas
percepções e considerações sobre todo o processo formativo. Estes relatórios foram
registrados e entregues mensalmente para a preceptora/professora, que acompanhou todo o
processo formativo dos estudantes. Ainda, foi solicitado ao final do ano de 2019, como
culminância e prestação de contas do programa, que cada residente elaborasse o seu relatório
final, sobre as etapas vivenciadas ao longo do período. Por meio desta etapa final, as
vivências foram socializadas e apresentadas para os demais colegas estudantes do curso de
Pedagogia.
Estas experiências apresentam explicitamente a intencionalidade de enfrentamento do
processo de formação inicial. Tardif e Raymond (2000) apontam que no início da docência o
professor se defronta com a complexa realidade do exercício da profissão, o que o leva a
readaptar suas expectativas concebidas sobre a profissão. Nesse sentido, Silvestre (2016, p.
153-254) destaca que o período de imersão na escola pública possibilita “[...] ao residente a
aproximação com essa realidade profissional específica, permitindo que reconfigure suas
representações sobre a escola pública e sobre sua profissão, o que contribuiria para o processo
de constituição de sua identidade profissional.
Em síntese, trata-se de um programa em sua versão inicial de implementação,
instituído pela primeira vez no cenário nacional e apresenta uma estrutura metodológica de
compromisso colaborativo entre as instituições de ensino superior e de educação básica. Para
tanto, propõe princípios que transformam as práticas formativas e contribuem para
aproximação e reflexão sobre o campo de atuação docente. Sendo assim, o estudante tem a
possibilidade de aplicar, ainda em formação, os conhecimentos adquiridos ao longo do curso
de licenciatura e identificar-se como futuro profissional da educação. Ainda, pode impactar
os processos de ensino e de aprendizagem de crianças na fase de alfabetização. Daí a
importância e necessidade de se estudar e investigar os sentidos e percepções daqueles
envolvidos diretamente nessa iniciativa pioneira, o que se analisa na seção posterior.

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


12
ISSN: 2526-849X

Os dizeres dos residentes acerca das vivências no ambiente escolar em turmas de


alfabetização

Esse estudo pauta-se em uma abordagem qualitativa, a partir da realização de uma


pesquisa de caráter documental, tomando como corpus investigativo os relatórios de 8 (oito)
bolsistas-residentes¹, do curso de Pedagogia, que participaram do Programa Residência
Pedagógica (2018-2020).
Elege-se como procedimento de coleta dos dados os relatórios mensais produzidos
pelos oito estudantes, entre os meses de fevereiro e dezembro do ano de 2019, totalizando o
corpus de oitenta e oito documentos analisados. Diante disso, entende-se a partir dos estudos
de Zabalza ( 2007, p. 27-28), a relevância dos registros das práticas escolares cotidianas,
apontando que essa escrita se apresenta como uma etapa no processo de aprendizagem: “os
sujeitos ampliam a consciência de seus atos; analisam as práticas profissionais; aprofundam-
se no entendimento do significado das ações; adquirem melhorias na escrita a partir de novos
conhecimentos e iniciam uma nova maneira de atuação profissional por meio dos registros”.
Lüdke e André (1986, p.39) caracterizam como pesquisa documental a consulta aos
documentos produzidos pelos sujeitos da pesquisa e destacam que esses “documentos
constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que
fundamentem afirmações e declarações do pesquisador”. Nessa concepção, os relatórios
produzidos funcionaram como importante fonte de consulta e apontaram a descrição das
atividades, bem como os sentimentos, as reflexões, os impasses, as dúvidas, dentre outros
aspectos que perpassam o processo formativo dos estudantes.
Para o tratamento dos dados qualitativos, utilizamos a fundamentação teórica
sistematizada da análise de conteúdo, apoiada nas etapas enunciadas por Bardin (2011).
Segundo o autor, a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das
comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens. Essa abordagem tem por finalidade explicar e sistematizar o conteúdo da
mensagem e seu significado, por meio de deduções lógicas e justificadas, tendo como
referência quem a emitiu e o seu contexto de produção ou os efeitos dessa mensagem. Nesta
ótica, de acordo com Fiorin (1993), a linguagem contém uma visão de mundo que determina
nossa maneira de perceber e conceber a realidade. Tomando como pano de fundo essas

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


13
ISSN: 2526-849X

questões, os relatórios foram lidos e analisados e a partir de registros recorrentes foram


construídas as categorias de análise que nos permitiram compreender as vivências e
percepções dos estudantes sobre sua a trajetória de formação no âmbito da Residência
Pedagógica.
A partir da análise de conteúdos selecionou-se excertos dos relatórios, os quais
apontavam similaridades na descrição de ações, vivências e modos de agir com e sobre as
práticas educativas de modo a evidenciar os impactos proporcionados pela residência no
processo de formação inicial desses estudantes. Diante disso, classificou-se em três ações
como dimensões formativas, identificadas como: (a) observação; (b) intervenção e (c)
reflexão da ação. A seguir são explicitadas, separadamente, cada dimensão.

a. Ação de observação como dimensão formativa


A primeira categoria construída para apresentação dos dados diz respeito à dimensão
da observação da realidade escolar. Nessa dimensão foram apontadas questões relacionadas à
imersão na escola, ao acolhimento recebido pela comunidade escolar, à sondagem e
diagnóstico inicial da situação de aprendizagem dos alunos e do acompanhamento da rotina
da escola e da sala de aula. Partindo deste aspecto de observação, trazemos alguns fragmentos
dos relatos residentes. A descrição do Residente 1 refere-se ao acompanhamento das
atividades desenvolvidas nas turmas de 1º ano, todos relacionados ao período de ambientação
proposto pelo Programa de Residência Pedagógica, durante o mês de fevereiro de 2019:
Meu primeiro dia como residente foi muito bom. Fui muito bem recebida por
todos direção, alunos e professora regente, a qual me deu total liberdade para
ministrar aulas e fazer um papel semelhante ao dela, não me fazendo sentir
inferior e nem acanhada de estar ali. Tive a oportunidade de conhecer o
trabalho da professora, observar como se organiza em relação ao plano de
aula que, segundo ela, prefere fazer semanalmente, prevendo mudanças de
acordo com o desenvolvimento da turma. A princípio a turminha é bem
agitada. Pude observar como lidar com essa fase em que as crianças estão
empolgadas com novas descobertas e ao mesmo tempo sentem uma
dificuldade de entendimento sobre a alfabetização e o processo de leitura e
escrita. (Residente 1, 2019).

____________________
1
Com a finalidade de manter a integridade dos participantes da pesquisa identificou-se os residentes pelos
números de 1 a 8.
Pode-se destacar que a acolhida da residente pela direção, professora e estudantes fez a
diferença na forma de integração no contexto educativo. Observamos que em todos os

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


14
ISSN: 2526-849X

relatórios a receptividade dos professores foi um aspecto ressaltado. A proposta do programa


foi que os residentes experimentassem várias ações na escola-campo, como a observação dos
espaços, da regência, das experiências individuais e coletivas com toda a turma, registros do
campo e das vivências, participação em eventos dentro ou fora do ambiente escolar e
realização de atividades extraclasse. O fragmento a seguir refere-se ao mês de março, em que
o Residente 3 apresenta um relato de uma turma de 2º ano: “De início percebi que os alunos
da sala tinham uma defasagem significativa de aprendizagem, sendo que alguns ainda não
estão alfabetizados, não reconhecem sílabas e estão ainda na fase pré-silábica. A professora
demonstrou bastante preocupada, visto que se trata de uma sala de 3º ano” (Residente 5,
2019).
Esse ato de acompanhar os sujeitos, no caso as crianças, que integram o espaço
educativo observado, faz com que haja uma relação entre as atividades e os demais colegas.
Diante disso, relatar quem são os sujeitos e como agem compreende, segundo Pimenta (2000,
p. 35) “[...] que para fazer, realizar, é preciso saber, conhecer e ter os instrumentos adequados
e disponíveis. Uma das formas de conhecer é fazendo igual, imitando, copiando,
experimentando (no sentido de adquirir experiência), praticando”.
A Residente 7 descreve um aspecto de rotina da professora da turma, especificamente,
na hora da chegada: “A aula inicia-se. As crianças entram na sala, na maioria das vezes, rindo
e brincando. Não há lugar específico para cada aluno; as mesas são colocadas de forma
diferente todos os dias e, entrando na sala, elas se localizam pela ficha do nome sobre a mesa,
organizando-se para uma breve oração”. No relato, pode-se observar uma relação de afeto
construída entre a professora e os alunos, o que contribuiu para que os diálogos fossem mais
fluentes e a aprendizagem mais efetiva.
Sobre ação de observar como dimensão formativa tem-se a experiência do registro das
vivências do ambiente escolar. Zabalza (2007) destaca que essa escrita funciona como um
instrumento para poder racionalizar a experiência, visto que “[...] por meio da narração pode-
se iluminar todo o processo seguido pelo estudante em formação, tanto no que se refere à suas
atuações como no que se refere às suas vivências pessoais (suas expectativas, seus medos,
suas satisfações e o tipo de atitude com que enfrenta a atividade etc)”. (ZABALZA, 2007, p.
143-147)

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


15
ISSN: 2526-849X

b. Ação de intervenção como dimensão formativa


A dimensão das intervenções refere-se as atividades realizadas pelos residentes, de
forma individual ou coletiva, alicerçadas em situações de planejamento e mediação orientada.
Como proposta do Programa de Residência Pedagógica os residentes deveriam planejar,
aplicar e mediar atividades pedagógicas com o acompanhamento e supervisão das professoras
regentes da turma durante todo o ano letivo, o que se observa no fragmento da Residente 6:
Tive a ideia de expor o caso do aluno G, o qual estou acompanhando, na reunião da
Residência Pedagógica. A professora, coordenadora do Programa, me orientou a
trabalhar com massinha, brincando com as letras, e posteriormente construir o nome
dele e de seus colegas. E assim coloquei em prática as ideias da professora. Iniciei
então, a intervenção pedagógica com o aluno G. Começamos com letras que fossem
afetivas a ele. A letra G representa a primeira letra do seu nome, letras V e I eram as
iniciais dos seus pais, J sua irmã, W da professora e D a primeira letra do meu nome.
(Residente 6, 2019).

As ações de intervenção ocorreram de modo coletivo, em que os residentes


desenvolviam atividades com a turma toda. Assim, algumas atividades tiveram foco no
trabalho com a língua portuguesa, de modo específico no sistema de escrita alfabético,
conforme demonstrado no registro da residente 4:
A atividade do ditado estourado foi realizada da seguinte forma. Marquei com a
professora a data que seria possível a realização da atividade para não atrapalhar em
seu planejamento das aulas. Depois de combinado, escrevi em pequenos pedaços de
papéis várias sílabas, sendo até a família silábica da letra S, pois é a letra que eles
estavam estudando naquela semana. Coloquei uma sílaba dentro de cada balão,
sendo 18 balões, um para cada aluno. Em seguida levei os balões para a aula e
enchi-os na sala de aula. Colei os no quadro e apresentei a proposta da atividade
para a turma. Pedi para que de um a um fossem ao quadro, escolhessem um balão e
o estourasse e com a sílaba que estivesse dentro, eles falassem uma palavra para os
colegas escreverem. Alguns alunos apresentaram dificuldades para falar a palavra
com determinada sílaba. Eles interagiram muito, no decorrer da atividade surgiram
várias palavras diferentes das que sempre eram utilizadas no ditado, isso os deixou
muito envolvidos na atividade. Eles mesmos relataram no decorrer da atividade que
estavam gostando muito, pois as palavras eram diferentes das que eles estavam
acostumados a escrever. (Residente 4, 2019)

Observa-se que a atividade de intervenção foi planejada e combinada com a professora


regente da turma. Os relatórios dos residentes apresentaram a descrição de várias atividades
desenvolvidas no decorrer do ano letivo. Deste modo, a tomada de atitude se mostra como
uma ação constante na docência em vários aspectos, não somente nas atividades para ensinar,
porém em momentos que demandam reflexões. Nesta visão Pimenta e Lima (2011, p.41)
afirmam que “[...] a atividade docente é ao mesmo tempo prática e ação”. Portanto a
intervenção do docente em prol da aprendizagem dos alunos gera uma ação.
Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.
16
ISSN: 2526-849X

c. A reflexão da ação como dimensão formativa


A dimensão da reflexão da ação indica os momentos de repensar acerca das atividades
desenvolvidas, promovendo a postura reflexiva e o replanejamento dos processos de ensino
e de aprendizagem. A referência ao trabalho coletivo e à reflexão sobre a prática apareceu
nas manifestações de todos os residentes. Os momentos de trocas de experiências e partilhas
foram analisados como indispensáveis para uma formação significativa. Percebe-se no
fragmento que a Residente 1 consegue fazer uma aproximação entre a idealização da
profissão com aquilo que ela de fato vislumbra na prática, ao ser oportunizado a ela estar na
escola: “[...] já percebo que minha prática em sala de aula é pertinente para seguir na
profissão de pedagoga e educadora, de maneira que cada atividade, cada descoberta e cada
demonstração de carinho das crianças nos incentivam a seguir nesse caminho”. (Residente
1).
Outro aspecto sobre a reflexão da prática pedagógica é a relação entre a teoria e a
prática, evidenciada em todos os relatórios, conforme destaca-se no registro do Residente 3:
[...] A ausência da professora da escola foi uma oportunidade para aprimorar
minha relação entre a teoria e a prática. Porém, como não combinamos
nenhum plano de aula anteriormente, me vi tendo que colocar em prática um
plano B rapidamente para suprir as necessidades momentâneas [...]. Apesar
do imprevisto, os alunos se comportaram bem e tudo foi conduzindo como
planejado. (Residente 3, 2019).

Muitas vezes, os currículos de formação ainda demonstram como ponto de destaque o


conhecimento aprendido na universidade e em decorrência disso desvalorizam a atividade
prática. Assim, consequentemente, surge a desarticulação entre a teoria e a prática. Partindo
deste pressuposto, Silvestre (2016, p. 149) conclui “[...] que a prática docente se resume a um
conjunto de aplicações teóricas prescritas a priori”.
Os relatos dos residentes revelam a observância desde o início dos desafios vividos na
sala de aula. Desafios que se tornam riquezas para estudos e aprofundamentos na prática do
processo de alfabetização das crianças: como agir em situações diversas, tendo em vista salas
heterogêneas no que se refere aos níveis de desenvolvimento das crianças em relação à leitura
e à escrita.
As atividades propostas me fizeram perceber como cada criança tem seu tempo
único para aprender e compreender que o processo de alfabetização é lento; porém,
muito enriquecedor, tanto para as crianças que estão em fase de aprendizagem,
Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.
17
ISSN: 2526-849X

quanto para minha análise e entendimento. Dessa forma, cada atividade me permitiu
repensar sobre “o que fazer” para contribuir com a evolução do desenvolvimento das
crianças. (Residente 1, 2019)

Nesse processo de alfabetização os estudantes aprendem com as práticas dos


professores da escola e os professores das escolas se aproximam das discussões e ideias
fomentadas na universidade, a partir das trocas e interações realizadas. Além disso, os alunos
da educação básica recebem a colaboração e atendimento mais personalizado dos
licenciandos. Nesse aspecto há ganho para todos os envolvidos no programa, como se
evidencia no relatório da Residente 2: “Os aportes teóricos estudados no curso de Pedagogia
fazem mais sentido, uma vez que podemos relacioná-los ao campo de trabalho e entender
melhor o cotidiano da escola. Considero a alfabetização um desafio para professor e na
Residência vemos estratégias de como alfabetizar de forma lúdica que faça sentido para o
aluno”. (Residente 2, 2019).
As práticas vivenciadas nas turmas de alfabetização representaram para os residentes
uma experiência determinante na formação profissional. Os momentos narrados que
acompanharam os professores iniciantes ao longo da formação inicial, certamente
contribuirão para uma atuação na docência de forma mais reflexiva. E durante esse processo,
dúvidas e anseios se fazem presente, fazendo com que o potencial de reflexão seja constante
a partir das dificuldades encontradas.
[...] Tive medo também, de não dar conta, de não ser uma ajuda suficiente pra ele.
Sem dúvidas o momento mais marcante nesta trajetória como estudante e pedagoga.
Talvez educar seja isso... incertezas, questionamentos e amor. A educação
transforma, nos transforma...educar é um ato de carinho e cuidado. Ser uma
educadora é um privilégio em tempos tão árduos. (Residente 6, 2019).

Muitos residentes finalizaram os relatórios apontando os ganhos formativos que a


participação no Programa de Residência Pedagógica lhes trouxe, como descreve a Residente
4: “É muito enriquecedor saber que posso contribuir na aprendizagem dos alunos e no
trabalho da professora regente. A cada dia percebo a importância da minha presença na sala
de aula [...]” (Residente 4, 2019). A Residente 2 aponta que “O Programa de Residência
Pedagógica foi um verdadeiro aperfeiçoamento profissional. A gente enquanto graduanda
aprende muito, vivenciando o contexto educacional, durante a nossa formação” (Residente
2, 2019).

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


18
ISSN: 2526-849X

Em linhas gerais, o Programa de Residência Pedagógica foi avaliado e descrito pelos


residentes como uma possibilidade de experimentar a prática pedagógica mais de perto e,
diante dos objetivos traçados foi possível perceber a sua repercussão na formação inicial
revelada nas vozes dos residentes. Como apontado por Pimenta e Lima (2011, p. 253) as
relações entre professores da universidade e professores da educação básica caracterizou-se
como “uma intencionalidade explícita no sentido de qualificar a docência universitária para
a formação de professor em estreita relação com os saberes profissionais de professores e
gestores escolares.”
Portanto, entende-se que a busca de estudos teóricos e a vivência da prática
educativa compõem o processo formativo da docência, de modo que oportuniza a
construção da identidade profissional e uma melhor profissionalidade docente. Neste viés, o
trabalho docente caracteriza-se por ser um processo dinâmico, na busca de respostas e
estratégias pedagógicas, repleto de desafios que podem levar a grandes conquistas e
saberes para o desenvolvimento profissional e pessoal de todos os envolvidos no processo
educativo.

Considerações finais

Ao refletir sobre os aspectos formativos vivenciados por oito estudantes do curso de


Pedagogia, no âmbito do Programa de Residência Pedagógica, a partir da descrição de
ações, vivências e modos de agir com e sobre as práticas educativas, foi possível evidenciar
os impactos proporcionados pela residência no processo de formação inicial desses
estudantes. A análise dos relatórios demonstra três ações como dimensões formativas: (a)
observação; (b) intervenção e (c) reflexão da ação, que se apresentaram interligadas,
remetendo-se ao desenvolvimento profissional dentro do contexto escolar.
A ação de observação não se restringiu às descrições de modo passivo, mas
demonstrou uma interação com o contexto escolar e com a prática educativa a qual os
residentes estavam inseridos. Observou-se que os primeiros contatos com a escola geraram
insegurança, dúvidas, emoções, sentimentos tomaram conta da mente dos estudantes, no
entanto, a descrição dos relatórios aponta que a receptividade e a acolhida foram
determinantes para o processo de ambientação dos residentes e amenização do desconforto
ao iniciar as atividades do programa.
Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.
19
ISSN: 2526-849X

A ação de intervenção remete às atividades desenvolvidas pelos residentes ao longo


do ano letivo de 2019. Uma dimensão formativa em que o acompanhamento da professora
regente, enquanto preceptora do programa, as trocas e partilhas de experiência e o registro
escrito realizado pelos residentes permitiram analisar o quanto a inserção na escola e na sala
de aula marcaram a vida profissional desses estudantes. Ademais, os momentos de estudos
teóricos embasaram a prática pedagógica, e a escola, enquanto campo de atuação
profissional do professor, foi imprescindível para as mediações dos residentes em
atividades significativas junto aos alunos em fase de alfabetização.
A reflexão da ação presente nos relatórios revelou-se um instrumento de “formação e
autoformação de professores” (ANDRÉ, 2016, p. 143). Pensar sobre a prática pedagógica
vivenciada a cada mês, novas histórias e novas experiências foram registradas, oportunizando
ao final do ano letivo a socialização e reflexão sobre toda a trajetória formativa. A leitura dos
relatórios mensais, possibilitou conhecer as particularidades dos residentes ao expressar-se em
suas narrativas, favorecendo o acompanhamento processual do percurso formativo.
Pontua-se que, por meio das relações afetivas construídas, os residentes contribuíram
com o processo de ensino e aprendizagem daqueles que apresentaram maiores dificuldades no
processo de aquisição do sistema de escrita alfabético. Desta forma, a interlocução entre a
teoria e a prática favoreceu a abrangência do processo de formação inicial de professores
No âmbito do programa, os residentes participaram dos planejamentos dos
professores, tiveram abertura para levar novas práticas à sala de aula, contribuíram ativamente
no trabalho da escola-campo e assim sentiram-se não apenas alguém dotado de técnicas,
porém, sujeitos em desenvolvimento profissional. Os professores preceptores que receberam
os residentes na escola tornaram-se professores formadores desses estudantes, contribuindo
para aproximá-los do campo profissional e promovendo vivências e reflexões sobre a sala de
aula.
Desta forma, há uma troca de aprendizagem e experiências entre os licenciandos e os
professores da rede. Como resultado disso, Zeichner (1993, p. 487) relata que esta troca
conduz a “[...] uma relação mais equilibrada e dialética entre o conhecimento acadêmico e o
da prática profissional, a fim de dar apoio para a aprendizagem dos professores em
formação”.

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


20
ISSN: 2526-849X

Neste sentido vale ressaltar que as ações formativas propostas pela Residência
Pedagógica estabelecem relações com os saberes docentes, tendo em vista que, por meio da
inserção dos residentes e da mediação dos preceptores, os professores da escola podem
conhecer os objetivos do programa. A partir desta interação, os docentes das turmas
aperfeiçoam suas práticas pedagógicas e ao mesmo tempo contribuem para o processo de
formação dos estudantes através de experiências que adquiriram ao longo do tempo.
Portanto, a inserção no ambiente escolar e as discussões teóricas colaboram para uma
formação inicial de professores constituída de diversos saberes capazes de promover o
desenvolvimento profissional docente.
Acredita-se que iniciativas como o Programa de Residência Pedagógica apontam que,
políticas públicas de complementação da formação inicial de professores, possibilitam uma
nova configuração da prática docente, uma aproximação entre a teoria e a prática e entre a
escola de educação básica e a universidade e permitem ao futuro professor adentrar na
profissão docente com repertório sólido a partir de vivências no ambiente escolar. Deste
modo, a constituição do ser professor se torna um processo significativo, uma vez que a
aprendizagem da docência perpassa por etapas de pesquisa, diálogo, reflexão, construção,
criação e reinvenção, tornando o docente um sujeito capaz de exercer sua profissão com
compromisso e ética.

Referências

ANDRÉ, M. (Org). Práticas Inovadoras na formação de professores. Campinas, SP: Papirus,


2016.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
FIORIN J. L. Elementos de análise de discurso. São Paulo: Contexto – EDUSP, 1993.
FREIRE, P. Conscientização - teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento
de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 29ª Ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996.
GATTI, B. A. et al. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO,
2019.
GATTI, B. A.; BARRETO, E. de S.; ANDRÉ, M. E. D de A. Políticas docentes no Brasil:
um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


21
ISSN: 2526-849X

LAVRAS (MG).Editalnº 11/2018/PRG/UFLA - Residência Pedagógica (Seleção de


Preceptores). Disponível em:http://prg.ufla.br/editais/editais-2/residencia-pedagogica/813-edital-n-
11-2018-prg-ufla-residencia-pedagogica-selecao-de-preceptores. Acesso em: 18 jul. 2018.
LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: EPU, 1986. 44 p.
NÓVOA, A. Vidas de professores. Porto: Porto Codex, 1995.
NUÑEZ, I. B.; RAMALHO, B. L. A profissionalização da docência: um olhar a partir da
representação de professoras do ensino fundamental. Revista Iberoamericana de Educación,
Madrid, n.º 46, vol.9, p.1-3, 10 de septiembre de 2008.
PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar: convite à viagem. Porto Alegre:
ArtMed, 2000.
PÉREZ GÓMEZ, A. O pensamento prático do professor – A formação do professor como
Profissional Reflexivo. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa:
Instituto de Inovação Educacional e autores, 1995.
PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA,
S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2000.
PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2011.
RAMALHO, B. L.; NUÑEZ, I. B.; GAUTHIER, C. Formar o professor, profissionalizar o
Ensino: perspectivas e desafios. Porto Alegre: Sulinas, 2003.
SILVESTRE, M. A. Práticas de estágios no programa de residência pedagógica da Unifesp/
Guarulhos. In: ANDRÉ, Marli (Org). Práticas inovadoras na formação de professores.
Campinas, SP, Papirus, 2016, p. 157-164.
SCHÖN, D. A. Educando o professor reflexivo: um novo design para o ensino e a
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. IN: NÓVOA, A. (Org.). Os
professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério
Educação e Sociedade, São Paulo, ano XXI, n 209, p. 54-73, 2000.
ZABALZA, M. Diários de aula: Um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional.
Porto Alegre: Artmed, 2007.
ZEICHNER, K. M. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa: Educa,
1993.

Recebido em: março/2022.


Aprovado em: maio/2022.

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


22
ISSN: 2526-849X

Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, n.6, e-547, 2022.


23

Você também pode gostar