Ensaio Masculinidade
Ensaio Masculinidade
Ensaio Masculinidade
“Era uma vez em… Hollywood”, filme de Quentin Tarantino lançado em 2019, trata
sobre o polêmico caso de assassinato cometido pela família Manson contra a atriz Sharon
Tate. No entanto, Tarantino traz como protagonistas dois personagens ficcionais e através de
seus arcos narrativos revela esse trágico acontecimento da história de Hollywood ao longo do
filme, não sendo esse o principal enredo da história. Dessa forma, neste ensaio iremos
dissertar principalmente sobre esses dois personagens e sobre como eles abrem uma
discussão sobre a masculinidade no Cinema.
Rick Dalton, interpretado por Leonardo DiCaprio, é um dos protagonistas, um ator de
TV na Hollywood de 1969, conhecido por interpretar Jake Cahill, o caçador de recompensas
na série do gênero faroeste: Bounty Law. No entanto, Dalton está começando a ter problemas
com o declínio da popularidade das produções desse gênero e busca meios de manter sua
carreira, sua fama e seu dinheiro. Junto de DiCaprio está sempre Cliff Booth, o personagem
de Brad Pitt. Ele é o dublê de Rick Dalton e depende financeiramente do ator, então, por
consequência, também está em risco.
Quando tratamos de questões de gênero no Cinema, temáticas como a representação
da mulher e de pessoas da comunidade Queer vem em pauta, porém a masculinidade é um
tópico que vem sendo cada vez mais discutido. Os homens vêm sendo o centro das narrativas
nos filmes há décadas e, por isso, a masculinidade se torna um símbolo importante entre os
personagens dos filmes, podendo ser trabalhada em arquétipos de personagem (na maioria
das vezes sendo estereótipos pautados em contextos machistas) ou, inclusive, como críticas
ao status quo e ao patriarcado.
Quando falamos de "Era uma vez em… Hollywood" a escolha do elenco em si já é
propositalmente um aceno a grandes figuras de masculinidade ao trazer dois famosos galãs de
Hollywood como destaque, Brad Pitt e Leonardo DiCaprio, ambos tendo interpretado
exemplos de hipermasculinidade em diversos filmes como "Clube da Luta" (1999) e "O Lobo
de Wall Street" (2013). Porém, Tarantino é muito inteligente ao utilizar a grande "star
presence" dos dois como artefato para brincar e, junto disso, criticar a hipermasculinidade,
exaltando a comicidade em seus personagens.
O personagem de DiCaprio, Rick Dalton, é um ator de séries e filmes faroeste em
declínio. Nas telas, ele representou diversos heróis, grandes exemplos de masculinidade, mas
agora recebe cada vez menos propostas de papéis nessa linha. Em um diálogo com o
personagem de Al Pacino, o Mr Shwarz fala sobre como agora Dalton apenas interpreta
vilões que “apanham” no final, personagens que servem apenas para fortalecer o heroísmo do
protagonista. A fala “Você pode ir para Roma estrelar em filmes de faroeste e ganhar as
porras das lutas” é uma representação dessa masculinidade que Dalton passa a perder quando
não é mais a figura masculina hegemônica nos filmes e agora é marginalizado, não sendo
mais o detentor do maior poder nos filmes que participa. Nessa cena Tarantino consegue
trabalhar perfeitamente a ideia trabalhada no livro “Masculinidades” de Raewyn Connell, em
que analisam-se as diferenças de poder entre “níveis” de masculinidade.
Esses mesmos conceitos também são muito trabalhados no personagem de Pitt. Cliff
Booth é um dublê desempregado que depende quase totalmente de Dalton. Ele tem diversas
características de um homem que assumiria a posição de masculinidade hegemônica, como
força física e confiança (ao contrário de Rick que, diferente dos personagens que interpreta,
tem medo de violência e é super sensível emocionalmente), porém ele se torna subordinado
do personagem de DiCaprio, além de marginalizado em um contexto maior. Esse fator
aparece já na cena inicial da entrevista em que Rick fala que Booth “carrega o seu peso” e o
dublê concorda - no caso da cena eles estão falando do trabalho de dublê, mas já é um
indicativo da realidade em que ele de fato é motorista, “housesitter” e mecânico de Rick. Isso
é algo que vai se revelando ao longo do filme, com ele sempre o servindo, mas também
usufruindo dos benefícios que vêm do poder de seu amigo, que assume uma posição
hegemônica em Hollywood.
Concluindo, ao longo do filme vemos a ideia da masculinidade sendo ironizada
diversas vezes. Os protagonistas, que em um contexto clássico deveriam ser exemplos de
força e poder, nem sempre fazem as decisões mais inteligentes e constantemente têm suas
vidas movidas pelo acaso (sem ter o controle da situação). Tarantino ridiculariza os
arquétipos de hipermasculinidade do cowboy de faroeste, do valentão que detém de grande
força e habilidade física e até brinca com o famoso Bruce Lee, grande símbolo do herói nos
filmes de luta/ação. Com isso, ele evidencia como tudo isso se trata de uma performance, em
que é reafirmado nas histórias o que se considera representativo da masculinidade. O diretor e
roteirista mostra que em um contexto real esses homens têm camadas que se contradizem e
têm defeitos, fragilidades e/ou características que não são consideradas masculinas. O filme
“Era uma vez em… Hollywood” trabalha com diversas outras temáticas, mas faz um ótimo
trabalho, também, em desconstruir os estereótipos de masculinidade no Cinema de forma
inteligente e cômica.