2022reflexões Sobre Fazeres em Alfabetização

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REFLEXÕES

SOBRE FAZERES
EM ALFABETIZAÇÃO
LEILA NASCIMENTO DA SILVA
ROSELMA DA SILVA MONTEIRO
SÔNIA VIRGINIA MARTINS PEREIRA
[Org.]
REFLEXÕES
SOBRE FAZERES
EM ALFABETIZAÇÃO

LEILA NASCIMENTO DA SILVA


ROSELMA DA SILVA MONTEIRO
SÔNIA VIRGINIA MARTINS PEREIRA
[Org.]

RECIFE
2022
Universidade Federal de Pernambuco
Reitor: Alfredo Macedo Gomes
Vice-Reitor: Moacyr Cunha de Araújo Filho

Editora UFPE
Diretor: Junot Cornélio Matos
Vice-Diretor: Diogo Cesar Fernandes
Editor: Artur Almeida de Ataíde

Conselho Editorial (Coned)


Alex Sandro Gomes
Carlos Newton Júnior
Eleta de Carvalho Freire
Margarida de Castro Antunes
Marília de Azambuja Machel

Editoração
Revisão de texto: Igor Andreas Rodrigues Bandim
Projeto gráfico: Pedro Henrique Santos

Catalogação na fonte
Bibliotecária Kalina Ligia França da Silva, CRB4-1408

R332 Reflexões sobre fazeres em alfabetização [recurso eletrônico] /


organizadoras : Leila Nascimento da Silva, Roselma da Silva
Monteiro, Sônia Virgínia Martins Pereira. – Recife : Ed. UFPE, 2022.
Vários autores.
Inclui referências.
ISBN 978-65-5962-099-9 (online)
1. Alfabetização. 2. Professores alfabetizadores. 3. Prática de
ensino. 4. Letramento. 5. Educação infantil. I. Silva, Leila Nascimento
da (Org.). II. Monteiro, Roselma da Silva (Org.). III. Pereira, Sônia
Virgínia Martins (Org.).

372.412 CDD (23.ed.) UFPE (BC2022-037)

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons


Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
SUMÁRIO

6 Apresentação
Leila Nascimento da Silva
Roselma da Silva Monteiro
Sônia Virginia Martins Pereira

PARTE I
CONSTRUTOS TEÓRICOS DA ALFABETIZAÇÃO
12 1. Alfabetizar letrando em busca de uma
identidade: o trabalho com o texto literário
e com a tertúlia dialógica
Maria Silvia Cintra Martins

PARTE II
SOCIALIZAÇÃO DE RESULTADOS
DE PESQUISA NA ÁREA
34 2. “Modos de fazer” de professoras
alfabetizadoras ante as prescrições
do Programa Alfa e Beto
Alexsandro da Silva
Nayanne Nayara Torres da Silva
65 3. Alfabetização de crianças e uso de obras
complementares: recursos didáticos
em discussão
Edenice Cavalcanti Soares
Erika Souza Vieira
Telma Ferraz Leal

98 4. Jogos ortográficos como recursos


pedagógicos para promover a aprendizagem
das regularidades diretas
Tarciana Pereira da Silva Almeida
Artur Gomes de Morais

PARTE III
REFLEXÕES SOBRE O FAZER PEDAGÓGICO
DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
116 5. Os recursos didáticos a serviço da tarefa
de alfabetizar
Suely Maria de Souza
Jaciane Alves de Araújo
Leila Nascimento da Silva

146 6. Escolhas prévias e intencionalidades


pedagógicas na alfabetização
Adriétt de Luna Silvino Marinho
Sônia Virginia Martins Pereira

169 7. O letramento literário através de projeto


temático envolvendo o gênero textual poema
Alcione Medeiros de Souza
Roselma da Silva Monteiro

193 Autores(as)
APRESENTAÇÃO

Reconhecemos que a escola hoje tem ao menos dois grandes desa-


fios na área de linguagem: 1) garantir que, até os oito anos, todas
as crianças tenham se apropriado do sistema de escrita alfabética e
2) inserir todos os alunos na cultura escrita, ajudando-os a se tor-
narem leitores e escritores que participem ativamente das práticas
sociais. A realidade de nossas redes de ensino, no entanto, tem evi-
denciado o quão grandes são esses desafios. As avaliações nacionais
e internacionais, a exemplo do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) e do Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(Pisa), respectivamente, nos mostram que ainda há um número
grande de alunos que não consegue consolidar o processo de alfa-
betização nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Diante desse panorama nacional, torna-se necessário inves-
tirmos em publicações que discutam sobre a atuação docente no
campo da alfabetização, seja na dimensão da apropriação do sis-
tema de escrita alfabética, seja na dimensão do letramento, subsi-
diando esse trabalho.
Em 2014, no Centro de Convenções de Pernambuco, localizado
na cidade de Olinda, o Centro de Estudos em Educação e Linguagem
(Ceel/UFPE) promoveu o VI Seminário de Estudos em Educação e
Linguagem (VI Seel). O evento teve como objetivo discutir pesquisas/

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 6


temáticas na área de educação e linguagem, assim como comparti-
lhar as experiências dos professores que haviam participado dos cur-
sos de formação continuada sob a responsabilidade do Ceel/UFPE.
Entre as pesquisas/temáticas apresentadas no evento, algumas que
trataram do processo de alfabetização fazem parte desta obra.
Os artigos presentes nesta coletânea, além de buscarem fomen-
tar discussões teóricas sobre o tema, têm o intuito de apresentar
reflexões realizadas por professores acerca do seu fazer pedagó-
gico enquanto alfabetizadores e de discutir resultados de pesqui-
sas que abordam o uso de recursos didáticos nas salas de aula no
ciclo de alfabetização e suas possíveis contribuições para as apren-
dizagens dos alunos.
No primeiro capítulo, Maria Silvia Cintra Martins discute e
analisa dados que enfocam a construção da identidade letrada asso-
ciada ao trabalho com o texto literário em sala de aula. São des-
tacadas questões concernentes à forma como se inter-relacionam
linguagem e identidade, que, embora intimamente ligadas aos
processos de alfabetização e de letramento em que se inserem as
crianças na fase inicial de escolaridade, segundo o ponto de vista
da autora, nem sempre são mencionadas com a ênfase necessá-
ria. Vertentes teóricas da Linguística Aplicada, em seu viés inter-
disciplinar, fundamentam o texto, em constante diálogo com os
Estudos do Letramento, com a Psicolinguística e com a Psicologia
da Educação. Subsidiando a discussão teórica, são descritas situa-
ções de sala de aula nas quais a autora e outros pesquisadores desen-
volveram seus projetos de pesquisa, que possuíam em comum a
ênfase no trabalho com o texto literário.
No segundo capítulo, Alexsandro da Silva e Nayanne Nayara
Torres da Silva, analisaram as práticas de ensino de leitura e escrita
de professoras alfabetizadoras participantes de um programa que
utiliza o método fônico. Participaram da pesquisa quatro profes-
soras do 1º ano do Ensino Fundamental de uma rede municipal de
ensino do estado de Pernambuco. Os dados evidenciaram que as
professoras, mesmo estando submetidas à orientação de seguir o

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 7


referido programa à risca, construíam suas maneiras de alfabetizar
pautando-se não apenas nas orientações e materiais do programa,
mas, também, em outros materiais e experiências que constituíam
o seu repertório de saberes.
No terceiro capítulo, Edenice Cavalcanti Soares, Erika Souza
Vieira e Telma Ferraz Leal discutem o uso de recursos didáticos no
processo de alfabetização. No artigo, as autoras investigam como
uma professora, do 1º ano do Ensino Fundamental, da rede muni-
cipal de ensino de Camaragibe/PE, utiliza os acervos do Programa
“Obras Complementares” (PNLD) no ensino do sistema de escrita
alfabética. Foi possível perceber que tais obras foram importantes
recursos para a efetivação da concepção de alfabetizar letrando ado-
tada pela docente, pois permitiram aos alunos o acesso ao mundo
da escrita ao mesmo tempo que desfrutaram de momentos praze-
rosos de leitura e de aprendizagem dos conteúdos curriculares das
diferentes áreas de conhecimento.
O quarto capítulo, de autoria de Tarciana Pereira da Silva
Almeida e Artur Gomes de Morais, tem como objetivo apresen-
tar o jogo ortográfico como recurso didático potencializador da
aprendizagem da ortografia pelas crianças, cabendo ao profes-
sor, conforme defendem os autores, com a mediação necessária,
definir sua intenção educativa com esse recurso, ao planejar situ-
ações didáticas para que as aprendizagens ocorram. Assim, os
autores descrevem a organização da norma ortográfica da língua
portuguesa, refletem sobre alguns princípios que orientam a prá-
tica docente e discorrem sobre como o jogo pode ser um recurso
favorecedor das aprendizagens, apresentando evidências empí-
ricas de seu uso na aprendizagem das regularidades diretas. O
estudo resultou de uma pesquisa com o uso de jogos ortográficos
que exploraram as regularidades diretas da norma ortográfica
com alunos de 3º e 4º anos de uma escola municipal do Recife,
onde foram adotados os cuidados de uma pesquisa experimental.
Foi constatada uma grande diferença entre os desempenhos ini-
cial e final dos alunos e, além disso, os resultados evidenciaram

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 8


que todos os alunos conseguiram avançar em seus conhecimen-
tos ortográficos referentes às regularidades diretas.
No quinto capítulo, Suely Maria de Souza, Jaciane Alves de
Araújo e Leila Nascimento da Silva visam discutir sobre os diversos
recursos didáticos que podem contribuir no trabalho de alfabetizar
e apresentam experiências de ensino que fazem uso de alguns des-
ses recursos de forma proveitosa, adotando a perspectiva do alfa-
betizar letrando. O primeiro relato de experiência compartilhado
no texto foi vivenciado pela professora Suely. A docente fez uso de
obras literárias e jogos didáticos com a intenção de ajudar os alunos
envolvidos a avançarem na apropriação do sistema de escrita alfa-
bética e a desenvolverem suas capacidades como leitores e produ-
tores de textos. No outro relato, a professora Jaciane também fez
uso de jogos didáticos para ajudar seus alunos no processo de alfa-
betização, podendo contar com o apoio de outra professora, no ano
seguinte, para continuar o trabalho iniciado por ela.
No sexto capítulo, Sônia Virginia Martins Pereira e Adriétt de
Luna Silvino Marinho apresentam reflexões acerca dos modos
de organização dos fazeres pedagógicos comuns entre professo-
res alfabetizadores, a partir dos objetos e objetivos de ensino que
eles elegem para a aprendizagem dos estudantes. Nesse enquadre
amplo de organização do trabalho pedagógico, o destaque no texto
é a sequência didática, procedimento metodológico que se presta a
atender a diferentes intenções pedagógicas, o que exige do profes-
sor alfabetizador planejamento prévio de suas ações didáticas no
cotidiano escolar. Como objeto de estudo, é apresentado o relato
da professora Adriétt, a partir do qual são feitas reflexões sobre o
desenvolvimento de uma sequência didática, a fim de que sejam
evidenciadas as contribuições da metodologia adotada e de outras
proposições metodológicas pessoais para a efetivação do trabalho
docente no ciclo de alfabetização.
No sétimo capítulo, Alcione Medeiros de Souza e Roselma da
Silva Monteiro discutem como o texto literário é capaz de potencia-
lizar práticas de leitura em sala de aula. O gênero textual “poema” é

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 9


objeto de estudo em um projeto temático, relatado pela professora
Alcione, que corrobora o processo de letramento literário de alunos
de uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental. O texto traz refle-
xões sobre desafios e possibilidades para a literatura na sala de aula,
evidenciando os modos de ler e de escrever, a intertextualidade e a
interdisciplinaridade. No texto, as autoras enfocam, ainda, o con-
ceito de letramento, que também vem sendo aplicado à literatura e
abrem uma discussão sobre formação do leitor considerando as polí-
ticas públicas de fomento à leitura na escola.
Com as diferentes perspectivas a partir das quais os processos
de alfabetização foram trabalhados nos capítulos, esperamos que a
obra cumpra seu propósito de ampliar o debate sobre o tema e que
contribua com a formação continuada do professor alfabetizador.

As organizadoras

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Parte I

CONSTRUTOS
TEÓRICOS DA
ALFABETIZAÇÃO

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 11


1 ALFABETIZAR LETRANDO EM BUSCA
DE UMA IDENTIDADE: O TRABALHO
COM O TEXTO LITERÁRIO E COM A
TERTÚLIA DIALÓGICA1

Maria Silvia Cintra Martins

Neste trabalho, trarei para a discussão e análise questões concer-


nentes à forma como se inter-relacionam linguagem e identidade
que, embora tenham a ver com os processos de alfabetização e de
letramento em que se inserem as crianças na fase inicial de escola-
ridade, nem sempre são mencionadas com a ênfase de que neces-
sitam. Serão exploradas vertentes teóricas da Linguística Aplicada,
em seu viés interdisciplinar, em que dialogamos com os Estudos do
Letramento, com a Psicolinguística e com a Psicologia da Educação.
Completando a discussão teórica, explorarei algumas situações
de sala de aula, nas quais estive presente ou nas quais pesquisado-
res pertencentes ao Grupo de Pesquisa LEETRA (CNPq), que lidero,
desenvolveram projetos de pesquisa. Em ambos os casos esteve pre-
sente o trabalho com o texto literário em sala de aula.

Reflexões iniciais
É fato que, quando visitei várias pré-escolas, já há uns bons dez anos,
chamaram-me a atenção alguns exercícios que se propunham às
crianças dos quatro aos seis anos: uma dessas atividades envolvia
1 Uma versão inicial deste trabalho está publicada em Martins (2014), como parte
da coletânea Linguagens em diálogo, disponível no site www.leetra.ufscar.br.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 12


o desenho do corpo humano e havia professores que utilizavam o
papel cenário para desenhar no chão o corpo de uma criança e pedir
que cada uma se deitasse ali, para o reconhecimento do próprio
corpo. Os nomes próprios e o reconhecimento do próprio nome tam-
bém eram trabalhados. Nessa época, eu atuava como Coordenadora
Pedagógica junto a uma secretaria municipal de Educação no estado
de São Paulo, e as crianças de seis anos de idade ainda não faziam
parte do Ensino Fundamental de nove anos de duração, como agora.
De minha parte, que visitava, pela primeira vez, as Escolas
Municipais de Educação Infantil (EMEIS), quase tudo era novidade,
atividades até então inéditas para o olhar de alguém formada no
Curso de Letras e habituada a pensar sobre o trabalho com a lingua-
gem de jovens de onze anos ou mais. Na mesma época, visitei, tam-
bém, algumas salas do Movimento de Alfabetização de Adultos
(Mova) e pude encontrar, também ali, certa ênfase nos nomes pró-
prios –, nesse caso, dentro da associação, com fotos, locais de nas-
cimento e profissões.
Foi por essa época que tive contato com o livro encantador
de Antônio Leal (1996), Fala Maria Favela, em que o autor, à sua
maneira, relata a forma como atribuiu ênfase aos nomes próprios
no trabalho com crianças de uma sala de educação especial, advin-
das de famílias moradoras da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro,
e que, no contato inicial com o professor, desconheciam, para o
espanto do mesmo, seus próprios nomes.
Estas não eram, de fato, questões tratadas em outros graus de
escolaridade. Por algum motivo – não explicitado nos materiais
didáticos e nem sempre conhecido dos próprios educadores –,
entendia-se que o acesso à escrita estava relacionado à identidade:
quem sou eu? Parece que a resposta a essa pergunta envolvia uma
chave para a entrada no mundo da escrita.
No caso das crianças pequenas, é bem possível que essa associa-
ção entre o corpo e a escrita tenha surgido através dos elos que tam-
bém apontavam para a coordenação motora e o reconhecimento
da lateralidade como habilidades prévias necessárias ao ingresso

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 13


no mundo da escrita; no caso dos adultos, creio que o que estava
em jogo era a compreensão da necessidade da recuperação da auto-
estima, já que muitos depoimentos dos adultos que frequentavam
esses cursos apontavam para sua baixa autoestima e para uma pos-
sível dificuldade de acesso ao artefato cultural da escrita (KLEIMAN;
SIGNORINI, 2000).

Alguns aportes teóricos


Novos estudos na área de pesquisa da Educação, da Linguística e da
Psicolinguística trouxeram-nos reflexões posteriores, que, se não
negam esses elementos implícitos e pouco compreendidos, propor-
cionam, de toda forma, subsídios teóricos para melhor compreen-
dê-los, e estimulam que se dedique uma maior atenção a eles, mais
detalhada e precisa.
Ocorre que, se, de um lado, do ponto de vista das práticas efeti-
vas em sala de aula, há tais pressupostos – que carecem, aparente-
mente, de uma fundamentação teórica mais sólida, capaz de favo-
recer a compreensão sobre quais seriam, afinal, as relações entre
linguagem e identidade –, de outro, de um ponto de vista mais teó-
rico, alude-se a essa interligação, apontando-se, hoje, por exemplo,
para a forma como existe o contínuo sintático-semântico-pragmá-
tico em que as questões da identidade, do éthos, são vistas como
igualmente determinantes nas construções dos enunciados: eu me
pronuncio na minha linguagem. Mas como transpor esse pressu-
posto teórico cujo enfoque principal é a linguagem adulta para pen-
sar na aquisição da linguagem e, particularmente, a aquisição da
escrita de crianças pequenas?
No que concerne à aquisição da linguagem oral por crianças
pequenas, a linguista Cláudia de Lemos (2002) nos forneceu contri-
buições preciosas para pensarmos na forma como a criança começa
por repetir a fala dos adultos e, paulatinamente, por meio de acertos
e erros, vai construindo sua linguagem pessoal – que, por sua vez, já
não será pura repetição da fala adulta. Há aí algo que tem a ver com

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 14


a constituição, ou seja, com a formação de uma pessoalidade intima-
mente relacionada com a aquisição da língua falada.
Em relação à escrita, conforme já ponderei em outros textos
(MARTINS, 2003, 2008) da época de minhas visitas às EMEIs, onde
acompanhava com atenção as teatralizações e brincadeiras de faz
de conta das crianças pequenas, é só quando desvencilhamos um
pouco a linguagem escrita da falada conseguimos nos dar conta
melhor do que a escrita representa. Que a escrita representa ou pode
representar a fala, já o ouvimos bastante; a ponto de, crédulos, con-
siderarmos, muitas vezes, que a isso se resume o seu papel – quando,
na realidade, esse é apenas um lado “menor” da escrita, aquele no
qual ela ainda não representa, no sentido da representação em papel.
Trata-se de um lado no qual a escrita apenas reapresenta algo, ou seja,
reverbera, ecoa, o que outra pessoa expressou. Essa é, de fato, ape-
nas uma das dimensões da escrita, a do ditado, da “cópia da lousa”
ou, mesmo, da cópia de uma receita. De qualquer modo, essa não
deixa de ser uma de suas facetas, dimensões ou possibilidades.
Quando dizemos, no entanto, que vamos “alfabetizar letrando”
em busca de uma identidade, desejamos aludir a algo bem maior.
Nesse caso, o desenho do corpo e o reconhecimento dos nomes pró-
prios podem ser recursos adicionais em vista de algo muito mais
complexo. Sem dúvida está em jogo algo que tem a ver com a auto-
estima, mas também nesse caso precisamos estar atentos para que
não nos contentemos em oferecer subterfúgios, paliativos, elemen-
tos que nos dão a impressão de resolver a questão, mas que conti-
nuam deixando-a em aberto.
Entendo que seja interessante, nesse caso, revermos os passos
apontados por de Lemos (2002) na aquisição da linguagem infan-
til, para tentarmos avançar uma compreensão sobre a linguagem
escrita. Creio que estaremos seguindo um percurso um tanto dife-
rente daquele das hipóteses postuladas por Ferreiro e Teberosky
(1985), que não chegam a ser propriamente negadas. De toda forma,
estaremos indo em outra direção, ou tentando entender outra de

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 15


suas dimensões. De acordo com de Lemos (2002), três fases se suce-
dem no processo de aquisição da linguagem oral pelas crianças:
o espelhamento (com o predomínio de certa repetição), o deslize
(que ela denomina “metonímico”, por significar a identificação de
uma norma, porém, fora de seu lugar, como no caso da locução
infantil “eu fazi”, que já demonstra, de toda forma, algum domí-
nio das construções vocabulares do mundo adulto) e a constitui-
ção metafórica, em que a criança não repete simplesmente a fala
adulta, mas busca, em meio de hesitações e comparações, outra
forma de representação.
O professor Claudemir Belintane (2013), por outro lado, fazendo
menção ao estudo pioneiro de Cláudia de Lemos (2002), traz à tona
a importância do trabalho com textos orais para subsidiar o acesso
à escrita, com ênfase para os textos poéticos. O autor nos lem-
bra que a criança brinca espontaneamente com versos que habi-
tam sua memória, como “Alecrim, alecrim, dourado / que nasceu
no campo / sem ser semeado…”, trazendo-lhes respostas criativas
e inesperadas em sua vivência cotidiana. Belintane (2013) traça a
relação entre duas dimensões fundamentais de toda linguagem:
a comunicativa (por assim dizer, “séria”) e a poética (ou lúdica).
Neste caso, o autor propõe, de forma ousada, um tipo de trabalho
em sala de aula em que ao texto poético é atribuído o caráter da sub-
versão da linguagem, com a ênfase no lúdico, na galhofa, no desejo,
na transgressão, e não em certas práticas ritualizadas centradas na
demanda exigente do outro.
A essa altura de nossa discussão, não podemos nos esquecer da
pesquisa desenvolvida, já há trinta anos, em classe de crianças de
quarto ano (antiga terceira série) pela professora e pesquisadora
Eglê Franchi (1984). O próprio título de seu livro é inspirador – E
as crianças eram difíceis… –, pois nos traz bem próximos da reali-
dade cotidiana de grande parte dos professores, no trabalho com
crianças que são ou que parecem ser “difíceis”, seja no comporta-
mento, seja na dificuldade de aprendizagem, ou mesmo nos dois.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 16


As crianças “difíceis” da professora Eglê manifestavam sérias difi-
culdades na escrita de textos na norma culta ou padrão, daí a pro-
fessora resolveu promover pequenas encenações teatrais para que,
ao atuar no palco, as próprias crianças fossem se conscientizando
das diferenças dialetais, das diferenças de registro, e com isso se
tornassem mais proficientes na produção de textos escritos. Neste
caso, então, a professora se serviu das práticas orais para promo-
ver o aprimoramento na escrita, convencida de que seria necessá-
rio que as crianças observassem como cada pessoa se manifesta de
forma diferente, de acordo com sua atuação profissional. O relato
de Eglê é interessante para nos mostrar que podemos fazer uso de
dramatizações com finalidade pedagógica, e não apenas com vistas
à realização de festividades escolares.
No caso da escrita, habituamo-nos a pensar na construção das
hipóteses consecutivas, icônica, silábica e alfabética, que falam de
questões pertinentes à escrita, mas não dentro dessa dimensão iden-
titária e transgressora. É possível, na verdade, pensar que há um per-
curso inicial transgressor, já que a criança primeiro tergiversa, ou
seja, propõe uma leitura sua, uma representação do que entende ser
a escrita, e vai aos poucos se alinhando ao padrão escolar da escrita.
Neste caso, sem dúvida, a contribuição de Ferreiro (1985) foi enorme,
ao afirmar as tentativas infantis como hipóteses, e não como erros.
Vale notar, no entanto, que se compararmos as duas propostas, a
de Ferreiro e Teberosky (1985) para pensar a escrita, e aquela de
Lemos e Belintane (2013), para pensar a fala, chama a atenção o fato
de que, ao chegar à assim chamada hipótese alfabética, é como se
a criança tivesse chegado também, naquele momento, ao espelha-
mento da escrita, e não ainda à escrita propriamente dita, em toda a
sua potencialidade.
Será que falhamos em algum ponto? Não estamos, seja como for,
aparentemente nos contentando com a criança copista? Notemos,
ainda, que de Lemos postula a existência de retomadas contínuas,
do espelhamento para a afirmação de uma identidade linguística,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 17


ou seja, as fases não são superadas de uma vez por todas: os deslizes
continuam a aparecer dentro de um movimento de vaivém do pro-
cesso metonímico (com deslizes) para o processo metafórico (com
construções mais identitariamente marcadas).
Creio que o professor alfabetizador de fato vivencia isso em sua
sala de aula e no convívio com suas crianças: como que “de repente”, a
criança mostra domínio da escrita alfabética; e como que “de repente”
parece regredir a um estágio anterior. Acredito que é na ponderação
sobre esses processos móveis, fluidos, que podemos começar a visua-
lizar indícios de que uma identidade linguística (ou linguageira) está
em construção, dentro de um movimento pendular de idas e vin-
das e dentro, na verdade, de um movimento conflituoso de constru-
ção de uma linguagem própria no embate com a linguagem do outro.
Todo professor alfabetizador – que também é um pesquisador por
natureza – já deve ter notado como, às vezes, a linguagem infantil –
seja ela escrita ou falada – é até mais interessante e criativa em seus
aparentes erros do que em seus acertos…
Podemos sentir receio ao tocar nesse assunto, pois pode parecer
que estaríamos querendo achar mais bonito falar e escrever “errado”,
do que falar “certo”… Sem dúvida, como educadores, e como forma-
dores de pequenos cidadãos, temos a enorme responsabilidade de
colaborarmos com eles para que se insiram cada vez mais e melhor
no mundo da escrita, por assim dizer, “bem comportada”, que, afi-
nal, é o mundo da escrita no qual eles serão bem ou mal aceitos den-
tro da nossa sociedade.
Entretanto – e para finalizar estas considerações em torno da
construção identitária que se dá em conjunto com o processo de
apropriação da escrita –, lembremos também o quanto é impor-
tante valorizarmos e observarmos com cuidado as diferentes inves-
tidas das crianças no mundo da linguagem – oral e escrita –, inves-
tidas que apontam para sua forma criativa de lidar com a linguagem
e com sua própria individualidade. Parece-me, de toda forma, que
se não permitirmos que a criança brinque com a linguagem, em
suas diferentes modalidades, de forma criativa, corremos o risco

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 18


de tolher sua individualidade e a real possibilidade de seu acesso a
esse novo mundo – que pode ser maravilhoso – da escrita; e que, se
a linguagem tem esse componente mais sóbrio ou sério, a criança
necessita, também, desse outro componente, lúdico, “brincalhão”
e transgressor, também fundamental para a formação da verda-
deira cidadania.
Quanto aos projetos de letramento, aos quais farei menção em
seguida, nossa principal referência vem da forma como foram defi-
nidos por Ângela Kleiman (2000): um conjunto de atividades genu-
ínas e significativas cuja realização envolve a utilização da escrita,
com objetivos que não se centram na sua aprendizagem de forma
direta, mas que preveem, em vez disso, a circulação ampla de tex-
tos – para além daqueles que normalmente são explorados em sala
de aula. Segundo a autora, os projetos de letramento devem estar
voltados para questões sociais mais abrangentes, em que a escrita se
insere e passa a ser aprendida ou apropriada com a participação efe-
tiva da comunidade escolar.
Entendo ser interessante, ainda, associar o processo de ensino
e aprendizagem que se prevê através do trabalho com os projetos
de letramento às questões levantadas pelos estudiosos da Escola
de Vygotsky, no que diz respeito à exploração da Zona de Desenvol-
vimento Próximo (ZDP), ou proximal. Assim, se é fato que o pro-
jeto de letramento bem conduzido constitui um recurso interes-
sante para a superação dos artificialismos muitas vezes presentes no
ambiente escolar, propiciando que a linguagem possa ser tratada e
vivenciada de forma autêntica e genuína, também é fato que, atra-
vés dele, o protagonismo e a autonomia infantis podem ser estimu-
lados, já que a criança é chamada a agir de forma participativa.
Vale ainda lembrar, no entanto, que a ZDP é aquela que se torna
possível graças ao compartilhamento dos saberes das crianças entre
seus pares (naquele sentido de que, com assistência, toda criança
pode realizar mais do que sozinha), exatamente porque, nesse con-
texto, o trabalho intelectivo (relativamente mais abstrato e cerebral)

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 19


se deixa envolver pelo trabalho emotivo, banhado de concretude, de
emoções e de sensibilidade.
Passa a haver uma integração entre significado e sentido, enten-
dendo-se, aqui, o significado como relativamente mais abstrato e
formal, e o sentido como dotado de maior concretude, de tal forma
que, ao se mobilizar a ZDP (algo que pode se dar em circunstâncias
dinâmicas de ensino e aprendizagem, próprias do trabalho com
projetos), tem-se a transformação de significado em sentido. Ou,
fazendo uso de palavras do senso comum: a aprendizagem escolar
passa a fazer sentido para a criança!
Farei referência, a seguir, a algumas visitas realizadas por mim
em classes de crianças de seis anos; e, a seguir, aos dados coletados
por Araújo (2012) em projeto de pesquisa de Mestrado que se desen-
volveu no Grupo de Pesquisa LEETRA, sob minha orientação.

O Projeto de Letramento e a construção da autonomia


e do protagonismo infantil: relato de visita a sala de aula
de primeiro ano2
O relato a seguir diz respeito a pesquisa de viés colaborativo e par-
ticipativo realizada numa sala de aula de primeiro ano em bairro
popular de município de porte médio do interior paulista. A pes-
quisa foi realizada no período matutino em classe constituída de 40
crianças, sendo 27 meninas e 13 meninos. A avaliação diagnóstica
de início de ano apontava para uma proporção de 33% de crianças
em fase de escrita pré-silábica, não sendo este, no entanto, o foco
deste trabalho apresentar as formas de avaliação ou gráficos que
comprovem a evolução que se deu no decorrer do semestre letivo.
Nosso objetivo, no momento, é apenas apontar para a importân-
cia da presença de atividades lúdicas com a linguagem e para a
forma como elas propiciam o envolvimento das crianças e mobi-
lizam o protagonismo infantil. É fato, de toda forma, a postulação

2 Um relato mais detalhado a respeito deste item encontra-se em Martins (2012).

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 20


implícita de que, através do envolvimento emotivo, abre-se a pos-
sibilidade para a apreensão cognitiva, dentro do pressuposto, apon-
tado acima, da interligação entre significado e sentido, ou seja,
entre envolvimento intelectivo e envolvimento emotivo.
As visitas à sala de aula se deram no primeiro semestre do ano
de 2011, quando a professora Natália (nome fictício) vinha desen-
volvendo um projeto de letramento de longa duração, que envolvia
toda a comunidade escolar, ou seja, as classes do primeiro a nono
ano. A proposta do projeto escolar vinha da secretaria da educa-
ção local, porém a forma de seu desenvolvimento nesta sala de aula
de primeiro ano deu-se sob minha supervisão, na medida em que
entramos em acordo a respeito da utilização do gênero literário de
forma lúdica e livre, a fim de que as crianças pudessem a ele se inte-
grar com protagonismo e autonomia. Apresentarei a seguir alguns
recortes das atividades que foram desenvolvidas nessa sala.
No dia de uma de minhas visitas, foi feita a leitura deleite de
um trecho de poema da poetisa brasileira Cecília Meireles (pre-
sente na coletânea Ou isto, ou aquilo), o qual desencadeou uma sé-
rie de práticas orais de linguagem que, hoje, pelo viés dos gêneros
do discurso, passamos a distinguir, no lugar da denominação ge-
nérica oralidade, em diversas modalidades: conversa, debate, entre-
vista, conversa pessoal etc. – cada uma com características próprias,
que as crianças vão apreendendo de forma relativamente tácita, ou
seja, sem a necessidade de excessiva sistematização.
É digno de nota, de resto, o fato de que o projeto de letramento
propicia – além daqueles aspectos que destaquei antes – uma situa-
ção interessante de trabalho com a linguagem de forma livre e rela-
tivamente espontânea, ou seja, mais próxima de sua realização na
vida cotidiana. Também merece destaque o fato de que, nesse caso,
não se trata de prever determinada sequência didática, mesmo por-
que, em tal contexto, uma tal predeterminação viria a entravar a
dinamicidade que lhe é característica. Os gêneros vão surgindo
de acordo com a demanda do projeto, em seu caráter emergente.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 21


Nada impede que se preveja, paralelamente, a ênfase para a siste-
matização deste ou daquele gênero do discurso a cada período: por
um lado, temos o andamento emergente e espontâneo do projeto;
por outro, algumas atividades de sistematização, desde que não
haja um remontar de ambos, com o prejuízo do aspecto dinâmico,
emergente, emotivo, do projeto. É, aliás, nesse sentido que tam-
bém o erro pode ter seu lugar, sem que as correções sejam exces-
sivamente enfatizadas. O trecho em pauta, naquele momento, foi
este, que a professora releu algumas vezes:

Chama o Alexandre!
Chama!
Olha a chuva que chega!
É a enchente.
Olha o chão que foge com a chuva…
Olha a chuva que encharca a gente,
Põe a chave na fechadura.
Fecha a porta por causa da chuva,
Olha a rua como se enche!

Pode acontecer de o professor que acompanha esta minha dis-


cussão logo imaginar o quanto este trecho do poema de Cecília
Meireles pode ser propício para o estudo dos dígrafos. Sem dúvida,
essa é uma das dimensões que pode ser didaticamente explorada.
Esse não foi, porém, o nosso ponto de partida, nem o foco de nosso
exercício pedagógico – não a princípio, ao menos, já que a ênfase
inicial recaía no aspecto lúdico e emotivo da linguagem e na vivên-
cia do texto literário, de forma dialógica e imersiva. Como eram
poucos versos, as crianças logo memorizaram parte do poema, e
foram, de forma brincalhona, acrescentando e modificando algu-
mas partes, até chegarem a um resultado semelhante a este, que a
professora, na condição de escriba, transcreveu na lousa:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 22


Vamos chamar toda a turma:
o Beto, a Ana, o Felipe, todo mundo…
Tá chegando a chuvarada e junto com ela a enchente!
Olha o chão que foge com a chuva…
Olha a chuva que ensopa toda a roupa da gente,
Vamos levantar os móveis
Pôr as galinhas em cima da cama
E também o gato e o meu cachorrinho
Nem adianta fechar a porta
A água entra bem de mansinho…

Muitas vezes as crianças “caíam na risada” no meio da declama-


ção, e acontecia também de uma delas interferir, chamando aten-
ção, pedindo para a levarem a sério, entendendo, implicitamente,
que o gênero discursivo declamação exige uma postura mais séria
ou sóbria. Aprendiam, assim, que o trabalho era coletivo, que
todos mandavam um pouco, eram todos autores daquela obra. A
professora Natália, de toda forma, perguntou para as crianças por
que o poema estava escrito daquele jeito: “Olha o chão que foge com
a chuva…”. Houve inicialmente certa desorganização e descontrole,
já que muitos queriam falar ao mesmo tempo, até que uma das
crianças relatou que, certo dia, quando estava na rua com a mãe,
começou a chover muito, então até lhe parecia que o chão da calçada
andava junto com a enchente. Nesse momento, muitos se manifes-
taram novamente de forma desorganizada, cada um com um relato
(eis aqui outro gênero do discurso da modalidade oral). Também
lembraram de uma notícia (outro gênero ainda, neste caso também
de modalidade oral, embora relativamente mais formal) que tinha
aparecido na televisão, de uma enchente no Rio de Janeiro. Uma
mulher foi entrevistada e disse que tinha posto as galinhas em cima
da cama, fato que pareceu a todos muito engraçado, tanto que resol-
veram inserir um verso sobre as galinhas no seu poema. Também
aconteceu de eles não gostarem da palavra “encharca”, dizendo que

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 23


em suas casas se falava “ensopa”. Foi assim que o texto foi sendo
transformado, aproveitando algo do poema original.
Houve também o dia do faz-de-conta (que difere da teatralização,
por se dar de forma mais livre e espontânea, prevendo-se modifica-
ções a cada encenação). Nesse dia a professora voltou a ler o mesmo
poema e pediu para as crianças inventarem mais falas, inserindo
mais personagens. Elas foram então inventando mais conversas,
misturando alguns elementos do poema com outros da sua expe-
riência. Como não era uma peça de teatro, não havia um enredo
já fixo e pronto, então a cada dia as crianças inventavam uma his-
tória um pouco diferente. Foi-lhes explicado que não havia neces-
sidade de um narrador: seria importante, em vez disso, preparar o
cenário, sendo que aquilo que normalmente se coloca para o narra-
dor falar apareceria na fala dos personagens. A própria professora
participou em parte das encenações, de forma que todos entendes-
sem do que se tratava e se convencessem de que, de fato, o narra-
dor era desnecessário – crença que lhes viera, de certo, de expe-
riências escolares prévias. Com as próprias cadeiras e carteiras as
crianças prepararam um ambiente que simulava a casa com sua
porta. Reproduzo, aqui, parte da encenação:3

– Nossa, olha que chuvarada!


– Bem que minha mãe falou que viu na televisão que ia chover.
– Vou logo levantar as galinhas, vou tirar elas do quintal antes da enchente.
– E cadê meu guarda-chuva? Xi, acho que a chuva levou embora... Vamos,
corre, vai logo pegar!
– Eu não, você não sabe que a correnteza carrega até as pessoas...
– Olha o chão que foge com a chuva!
– Olha a chuva que ensopa a gente!
– Vai, Aninha, agora você entra e telefona para os bombeiros, para eles
virem salvar meu cachorrinho…
– O avô do Carlinhos é índio xavante, ele sabe fazer canoa, nem precisa
do bombeiro!

3 A pesquisa envolveu a gravação dos dados gerados. Nesse caso, transcrevo uma das
encenações, esclarecendo que houve diferentes versões da mesma. A transcrição
envolveu normatização ortográfica.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 24


A inserção do índio xavante era resultado da visita dos alunos
do nono ano, na semana anterior, já que nessa outra classe vinha
se desenvolvendo um subprojeto relacionado a questões de cultura
afro-indígena. No jornal mural vinham sendo afixados desenhos
em torno dessa temática. Pude saber, através da professora, que as
crianças haviam ficado fascinadas ao saber que um aluno do nono
ano era neto de indígena, fato que a levou a propor uma pesquisa:
todos iriam perguntar sobre esse assunto a seus pais, tios, avós, a
fim de investigar se havia ou não indígena em sua família.4
Como se pode perceber, não costumamos dizer, neste caso, que
as crianças praticavam o gênero da entrevista, mas, na verdade, já
se aproximava disso, apenas dentro de um formato mais elemen-
tar, mesmo porque, quando se trata de crianças de sexto ano, que
já dominam a escrita de forma relativamente competente e autô-
noma, podem fazer um roteiro e levá-lo; em se tratando das crian-
ças de seis anos, elas vão fazer isso de forma mais aleatória, o que
gerará uma diversidade maior de respostas em função da falta do
controle mnemônico que a escrita pode garantir.

O trabalho com a tertúlia dialógica


Araújo (2012) focalizou a forma como a tertúlia dialógica é levada
para a sala de aula de primeiro ano como parte das práticas de
ensino e aprendizagem vigentes em escolas de um município de
região central do estado de São Paulo. Trata-se de iniciativa con-
dizente com o projeto Comunidades de Aprendizagem, vigente há
mais de dez anos nesse município, com bastante adesão por parte
dos professores. Na perspectiva do pesquisador, no entanto, o tra-
balho com gêneros orais deveria ser desenvolvido de forma dife-
rente daquela sugerida por Schneuwly e Dolz (2004), que, quando

4 Embora a pesquisa de campo tenha se dado na sala de um primeiro ano, tive a


oportunidade de dialogar com os professores de nono ano, falando-lhes da
importância da inserção da temática afro-indígena no currículo escolar, em
cumprimento à Lei 11.645/2008.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 25


transposta para a sala de aula, quando sujeita a certas normatiza-
ções burocráticas e institucionais, recebe (mesmo na contramão
das intenções teóricas) algum grau de sistematização, de modo a
torná-lo objeto de ensino no contexto escolar.
Mello (2003) define a tertúlia literária como uma atividade cul-
tural e educativa, cujo ponto de partida é a leitura de clássicos da
literatura universal. Inicialmente desenvolvida na Espanha, no
contexto de educação de adultos, tinha como objetivo incentivar
a leitura de clássicos e desmistificar a crença de que tal tipo de lei-
tura somente poderia ser feita por pessoas consideradas letradas.
Baseada no conceito de aprendizagem dialógica, segundo a autora,

[…] (na) tertúlia literária dialógica não se pretende descobrir


nem analisar aquilo que o autor ou autora de uma determinada
obra quer dizer em seus textos, mas, sim, promover uma refle-
xão e um diálogo a partir das diferentes e possíveis interpreta-
ções que derivam de um mesmo texto. (MELLO, 2003, p. 450).

A professora Lúcia (nome fictício), com base nas demandas que


identificou em sua classe, optou pela audição de músicas com o
acompanhamento de suas letras antes e depois da audição, na pres-
suposição de que, com esta metodologia, estaria mobilizando o
acesso das crianças à linguagem escrita. Favoreceu, também, o diá-
logo (por isso a denominação de tertúlia dialógica), no formato da
roda de conversa, dentro de um pressuposto implícito da articula-
ção entre as linguagens oral e escrita, ou seja, de que a prática na
linguagem oral poderia favorecer o acesso à linguagem escrita.
Nesse caso, tratando-se também de pesquisa de viés colabora-
tivo e participativo, as visitas se deram no ano de 2010, em classe
de primeiro ano do período matutino. A definição da classe ocor-
reu em uma reunião, no mês de abril, após a apresentação do pro-
jeto de pesquisa para toda a equipe da escola e sua submissão ao
Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
A turma era composta de dezesseis alunos, sendo sete meninos e

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 26


nove meninas. A partir de agosto, começaram as sessões de tertúlia
dialógica. Durante a execução da atividade, as carteiras eram orga-
nizadas em semicírculo, sendo que os alunos não deveriam man-
ter nada sobre as carteiras, exceto as cópias das letras de música.
Nas sessões iniciais, era feita a leitura dos versos das canções com
os alunos e, somente depois, a canção era executada e havia a con-
versa, com a participação dos alunos. Durante a discussão, a pro-
fessora Lúcia anotava o que era dito, em uma espécie de ata infor-
mal, para, ao final do procedimento, relembrar aos alunos tudo o
que havia sido discutido.
Ao todo, foram realizadas sete sessões de tertúlia (à qual o pes-
quisador atribuiu a denominação de tertúlia dialógica, por não se
centrar, nesse caso, em textos literários) entre os meses de agosto e
novembro, sempre vinte minutos após o retorno do intervalo, com
duração média de uma hora. Note-se que a professora, nesse caso,
adaptou a proposta da tertúlia literária – originalmente pensada
para se aplicar em torno de volumes de literatura – para a audição
de músicas e a leitura dirigida de suas letras. As músicas escolhidas
por ela, em conjunto com as crianças, foram:

Sítio do Pica-Pau Amarelo


A Cuca te pega
Oito anos
Sarará miolo
Depende de nós
Olhos coloridos
Ciranda da bailarina

Em depoimento ao pesquisador, de toda forma, a professora


atribuiu ênfase maior à sua expectativa com relação ao potencial
da atividade para a facilitação da leitura por parte de seus alunos.
O pesquisador, por sua vez, pôde detectar nas atividades desenvol-
vidas outros potenciais, quais sejam: 1) o incentivo às práticas da
linguagem oral de forma relativamente mais regrada. Isto significa

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 27


que, sem que se insista para que as crianças atinjam um ideal do
bem falar próprio das regras da norma culta, o que resultaria em
uma busca incessante de se corrigirem suas falas, são-lhes passadas,
de toda forma, determinadas regras conversacionais, como aquela
de tomada de turno, por exemplo; 2) com a tertúlia, as crianças são
incentivadas a aprimorarem suas argumentações, estando atentas
ao que os colegas dizem, respeitando os turnos de fala, dentro da
organização que se espera para o gênero; 3) assim como no caso do
faz-de-conta infantil, que em Martins (2008) é destacado como um
gênero de transição entre práticas orais e escritas, também a ter-
túlia dialógica – como gênero mais complexo quando comparado
com a roda de conversa praticada na Educação Infantil – pode ser
explorada nesse sentido, como gênero do discurso a ser praticado
intencionalmente nos Anos Iniciais como elo de transição no per-
curso da oralidade para a escrita (ARAÚJO, 2012).
Entendemos, na verdade, que tocamos aqui em questões que
ainda merecem pesquisa ulterior, já que, se do ponto de vista da
Linguística Textual podemos nos referir de forma relativamente
simples ao contínuo dos gêneros do discurso tal qual postulado
por Marcuschi (2001), do ponto de vista dos processos de ensino
e aprendizagem, particularmente nesse caso que discutimos aqui,
do acesso inicial à linguagem escrita, ainda precisamos desvendar
de forma mais adequada como se dão os elos na transição de uma
a outra modalidade. Nesse sentido, pressupor que o gênero da ter-
túlia dialógica pode constituir-se em elo de transição entre prá-
ticas orais e escritas implica vê-lo como gênero oral que já com-
porta maior complexidade e normatização, assim como certo grau
de simulação, do que o gênero oral prototípico da conversa pessoal,
do qual mais se aproxima a roda de conversa.
É fato, no entanto, que, segundo Araújo (2012), a reconfigura-
ção por que passa o gênero, ao ser desenvolvido em sala de primeiro
ano, pareceu trazer limites a seu potencial pedagógico, ao menos
na sala observada, uma vez que a pressão por se atingirem os re-
sultados esperados, no que diz respeito à alfabetização, ou seja, ao

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 28


progresso nos estágios de domínio da escrita, tendeu a obscurecer
a riqueza do trabalho que poderia ser desenvolvido com a tertúlia.

Considerações finais
É hora de esclarecermos que articulações existem entre nos-
sas reflexões iniciais e os dois relatos que trazemos para análise.
Chamei atenção, de início, para as seguintes questões:

1. A inter-relação existente entre apropriação de linguagem e


constituição da identidade;
2. A importância de se dar lugar às investidas autônomas da
criança em direção à linguagem, seja na modalidade oral,
seja na escrita;
3. A relevância dos projetos de letramento para propiciar a dina-
micidade do trabalho em sala de aula e, com isso, propiciar a
autonomia e o protagonismo infantil;
4. A relevância dos projetos de letramento para que a linguagem
seja trabalhada de forma livre e autêntica;
5. A atenção a ser dada à ZDP enquanto espaço para o casamento
entre atividades abstrativas e atividades emotivas, o que se
traduz no casamento entre significado e sentido.

Em que sentido os relatos que apresentei ilustram essas questões?


Eles as ilustram de forma direta e indireta. O primeiro relato
aponta para a forma como se pode dar margem à criatividade infan-
til em sala de aula, perdendo-se um pouco de tempo para poder
ganhá-lo depois, ou melhor, tendo-se a coragem necessária de acre-
ditar que, embora a escola seja eminentemente uma agência de letra-
mento, nela pode e deve haver espaço para as práticas de linguagem
nos mais diversos gêneros orais: a declamação, a roda de conversa, a
encenação, a entrevista, a notícia televisiva.
O segundo relato alude à importância do trabalho com o gênero
oral da tertúlia dialógica, chamando a atenção, no entanto, para

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 29


a forma como os vetores burocráticos que atravessam a unidade
escolar levam a comprometer toda a fertilidade que esse gênero
poderia, em princípio, comportar. Sabemos, de resto, que também
o trabalho com projetos é passível dessa burocratização, sempre
que venha das instâncias administrativas enquanto normatização
do trabalho pedagógico.
Ambos os relatos nos alertam, de toda a forma, para o fato de que,
se queremos propiciar o acesso das crianças à linguagem escrita já
no primeiro ano de escolaridade, cabe-nos construir pontes da ora-
lidade para a escrita, pontes que permitam às crianças sentir que
caminham por conta própria, que esta caminhada é agradável e
que as convoca ao exercício da cidadania.
Finalizo lembrando, ainda, da ênfase atribuída por Heath (1983)
em Ways with words ao papel da simulação no caminho para a apro-
priação da linguagem escrita – no caso da pesquisa desenvolvida
pela pesquisadora americana, ela nos chamou a atenção para o fato
de que a simulação enquanto processo abstrativo inerente ao domí-
nio da linguagem escrita poderia ser incentivada pelo contato com
textos imaginativos, ficcionais, a serem lidos para as crianças; em
nosso caso, os dois relatos mostram o quanto a simulação de papéis
sociais pode ser motivada, seja pela declamação de textos literá-
rios recriados pelas crianças, seja pelo faz-de-conta e pelo jogo de
papéis, seja pela participação na tertúlia dialógica. Em todos esses
casos, a criança é convocada a participar de práticas orais que lhes
exigem fazer-se de alguém com quem não estão acostumadas em
sua vivência do dia a dia, na medida em que certas regras de jogo
tácitas ou implícitas necessitarão ser respeitadas.
Quem sabe não é na simulação de papéis sociais que está a chave
para a apropriação competente e autônoma da linguagem escrita,
não em sua dimensão espelhada ou repetitiva, mas em sua dimen-
são criativa e libertadora. Entendendo-se, é claro, que, ao repre-
sentar papéis na participação na pequena encenação que reprodu-
zimos aqui ou na tertúlia dialógica, a criança é chamada a atuar
como protagonista, e não como auxiliar ou coadjuvante, dentro de
um palco sócio-histórico impregnado de transformações sociais.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 30


Referências

ARAÚJO, Jefferson Santos de. Oralidade e Letramento no primeiro ano do


Ensino Fundamental: o gênero discursivo tertúlia em sala de aula. 2014, 104 f.
Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de São Carlos,
Centro de Educação e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em
Linguística, São Carlos, 2014.

BELINTANE, Claudemir. Oralidade e alfabetização: uma nova abordagem da


alfabetização e do letramento. São Paulo: Cortez, 2013.

DE LEMOS, Cláudia T. G. Das vicissitudes da fala da criança e de sua investi-


gação. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, n. 42, p. 41-69, 2002. Dis-
ponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/
8637140/4862. Acesso em: 31 jan. 2014.

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:


Artes Médicas, 1985.

FRANCHI, Eglê. E as crianças eram difíceis: a redação na escola. São Paulo:


Martins Fontes, 1984.

HEATH, Shirley B. Ways with words. Cambridge: Cambridge University Press,


1983.

KLEIMAN, Angela B.; SIGNORINI, Inês. O ensino e a formação do professor: alfa-


betização de jovens e adultos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

LEAL, Antonio. Fala Maria favela: uma experiência criativa em alfabetização.


São Paulo: Ática, 1996.

MARCUSCHI, Luís Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualiza-


ção. São Paulo: Cortez, 2001.

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MARTINS, Maria Silvia C. A escrita e as outras linguagens. Alfa: Revista de
Linguística. Araraquara, v. 47(2), 2003. Disponível em: www.leetra.ufscar.
br/. Acesso em: 31 jan. 2014.

MARTINS, Maria Silvia C. Oralidade, escrita e papéis sociais na infância.


Campinas: Mercado de Letras, 2008.

MARTINS, Maria Silvia C. Letramento, interdisciplinaridade e multiculturalismo


no Ensino Fundamental de nove anos. Campinas: Mercado de Letras, 2012.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola.


Campinas: Mercado de Letras, 2004.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 32


Parte II

SOCIALIZAÇÃO
DE RESULTADOS
DE PESQUISA
NA ÁREA

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 33


2 “MODOS DE FAZER” DE
PROFESSORAS ALFABETIZADORAS
ANTE AS PRESCRIÇÕES
DO PROGRAMA ALFA E BETO

Alexsandro da Silva
Nayanne Nayara Torres da Silva

É principalmente a partir da década de 1980 que os métodos tradi-


cionais de ensino da leitura e da escrita e as cartilhas que os concre-
tizavam começaram a ser criticados. Essas críticas têm sua gênese,
principalmente, em mudanças conceituais no campo da alfabeti-
zação, inspiradas, sobretudo, na teoria da psicogênese da escrita,
que diverge radicalmente dos pressupostos que sustentam aqueles
métodos, os quais concebiam a escrita como um código de transcri-
ção gráfica das unidades sonoras, que seria aprendido por meio da
repetição e da memorização.
Essa posição não implica, no entanto, negar as questões meto-
dológicas, como se elas remetessem, por si sós, a um ideário tra-
dicional de alfabetização. É impossível ensinar a ler e a escrever de
maneira organizada, sistemática e intencional sem métodos ou
metodologias. Além disso, como observa Soares (2004b), sem pro-
posições metodológicas claras, corremos o risco de ampliar o fra-
casso escolar das crianças no acesso ao mundo da leitura e da escrita.
Em consonância com essa perspectiva, compreendemos, hoje,
que as metodologias de alfabetização (e não “o método”) precisam
contemplar tanto a reflexão sobre o sistema de escrita alfabética,
que envolve a exploração de unidades menores da língua – como
letras/fonemas, sílabas e palavras –, mas em uma perspectiva

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 34


distinta da dos métodos tradicionais, quanto as práticas sociais de
leitura e escrita, que se materializam na leitura e produção de tex-
tos de diferentes gêneros.
Considerando essas discussões, apresentaremos, neste capítulo,
alguns resultados de uma pesquisa que teve o objetivo de analisar as
práticas de ensino de leitura e escrita de professoras alfabetizado-
ras que participavam do Programa Alfa e Beto. Nessa perspectiva,
discutiremos, em um primeiro momento, algumas teorias e prá-
ticas de alfabetização, refletindo sobre mudanças e permanências
ocorridas nesse campo, ao longo do tempo, e analisaremos, ainda,
alguns aspectos sobre as ações docentes no cotidiano da sala de aula.
Apresentaremos, em seguida, os aspectos metodológicos da pes-
quisa e alguns resultados relativos à análise das práticas de alfabeti-
zação das professoras participantes do estudo. Finalmente, conclui-
remos com algumas reflexões a título de considerações finais.

Alfabetização: teorias e práticas


Durante décadas, especialmente até os anos 1970 do século XX, o
ensino da leitura e da escrita era tido exclusivamente como uma
questão de método (MORTATTI, 2000; SOARES, 2004a). No Brasil,
assim como em diversos outros países, instaurou-se uma acirrada
disputa entre métodos de alfabetização, que se expressou, princi-
palmente, no embate entre os chamados “métodos sintéticos”, que
procediam das “partes” para o “todo”, e os “métodos analíticos”, que
adotavam o caminho inverso: do “todo” para as “partes”.
Os “métodos sintéticos” tomavam como ponto de partida a letra
(método alfabético ou da soletração), o fonema (método fônico)
ou a sílaba (método silábico ou da silabação), que, por meio de um
processo de síntese, eram combinados em unidades linguísticas
maiores (palavras, frases e textos). Já os “métodos analíticos” (ou
globais), ao contrário dos sintéticos, partiam de unidades maiores
da língua: palavra (método da palavração), frase (método da sen-
tenciação) e texto (método de contos ou das historietas). Nesses

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 35


métodos, as palavras, as frases ou os textos eram decompostos, por
meio de um processo de análise, em unidades linguísticas menores
(sílabas, letras e palavras).
Como observaram Chartier e Hébrard (1990), os diferentes
métodos de ensino da leitura foram, ao longo do tempo, colocados
em oposição (por exemplo, método fônico x método silábico), mas
cada um deles é herdeiro de seus antecessores (o método silábico,
por exemplo, surge como uma tentativa de suprir as limitações do
método fônico). Essa tensão entre “antigos” e “modernos” também
pode ser observada na história da alfabetização no Brasil, pois, con-
forme ressalta Mortatti (2000, p. 12), em cada um dos momentos
dessa história, tornou-se necessário
[…] produzir uma versão do passado e desqualificá-la, como se
se tratasse de uma herança incômoda, que impõe resistências
à fundação do novo, especialmente quando a filiação decor-
rente (embora, muitas vezes, não assumida) da tradição atu-
ante no presente (e, em particular, a tradição decorrente de
um passado recente, sentido como presente, porque operante
no nível das concretizações) ameaça fazer voltarem à cena os
mesmos personagens do passado, que seus herdeiros desejam
esquecer, rever ou aprimorar.

Na década de 1980, no Brasil, a disputa entre os métodos tradi-


cionais cede espaço a uma tensão entre esses métodos e uma “nova”
perspectiva de alfabetização, inspirada, sobretudo, na teoria psico-
genética da escrita, desenvolvida por Emilia Ferreiro e colaborado-
res (MORTATTI, 2000). Nesse contexto, a discussão sobre o “como
se ensina” deslocou-se para o “como se aprende” (MORTATTI, 2000;
SOARES, 2004).
Com a disseminação da teoria da psicogênese da escrita
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1999; FERREIRO, 1995) em nosso país, alte-
rou-se radicalmente a concepção que se tinha sobre a apropriação
da escrita pelo aprendiz, a qual passou a ser vista como uma cons-
trução conceitual e não mais como uma aprendizagem meramente
perceptivo-motora, que era a concepção subjacente aos métodos

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 36


tradicionais de alfabetização. Em outras palavras, a aprendizagem
da escrita passou a ser concebida como um processo de compreen-
são de um sistema de representação (notação) dos segmentos sono-
ros das palavras e não como a aquisição de um código de transcri-
ção da fala.
Nessa época, sobretudo a partir da década de 1990, difundiram-
-se no Brasil os estudos sobre letramento, entendido como o desen-
volvimento de comportamentos e habilidades de uso competente
da leitura e da escrita em práticas sociais diversas (SOARES, 1998).
Apoiando-se nesse conceito, Soares (1998) propõe que o ideal seria
alfabetizar letrando, isto é, ensinar a ler e a escrever no contexto
das práticas sociais de leitura e escrita. Sendo assim, de acordo
com essa autora, tanto as atividades de reflexão sobre o sistema
escrita alfabética e suas convenções, quanto as práticas de uso
social da leitura e da escrita precisariam estar presentes em sala
de aula, mesmo antes de a criança ter aprendido a ler e escrever
convencionalmente.
Apesar das grandes contribuições aportadas por essas duas
perspectivas teóricas (psicogênese da escrita e letramento) para o
campo da alfabetização, é preciso reconhecer que algumas apro-
priações delas nos meios acadêmicos e educacionais parecem ter
contribuído para o que Soares (2004b) designou de “desinvenção
da alfabetização”, seja pela ênfase dada ao “como se aprende”, em
detrimento do “como se ensina”, seja pela importância maior atri-
buída à imersão do aprendiz em práticas sociais de leitura e escrita.
Nesse contexto, a alfabetização passou ser vista como um pro-
cesso espontâneo, que ocorreria por meio do contato com textos
e dispensaria um ensino sistemático da escrita alfabética. Soares
(2004, p. 14) adverte que é “como se realmente pudesse ocorrer de
forma incidental e natural a aprendizagem de objetos de conheci-
mento que são convencionais e, em parte significativa, arbitrários –
o sistema alfabético e o sistema ortográfico”.
Como uma reação à “ausência de métodos”, surgiram, no Brasil
e em outros países, no limiar do século XXI, propostas de retorno

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 37


aos métodos tradicionais de alfabetização, especialmente do
método fônico – um método sintético de alfabetização que toma
como ponto de partida o fonema, que, combinado a outros fone-
mas, pode formar sílabas e palavras –, com a promessa de resol-
ver o problema do baixo desempenho dos alunos em leitura e
escrita, cuja responsabilidade é atribuída pelos defensores daquele
método à suposta difusão do “construtivismo” nas escolas brasilei-
ras. Segundo Mortatti (2010, p. 334), esse processo de “remetodiza-
ção da alfabetização” pode ser assim caracterizado:
Trata-se de reposição/atualização de um novo/velho discurso, já
fartamente conhecido e utilizado ao longo da história da alfabe-
tização no Brasil por aqueles que […] buscaram convencer seus
contemporâneos de que eram portadores de nova, científica e
definitiva solução para os problemas da alfabetização no país.

Esse movimento de retorno aos métodos fônicos relaciona-se,


em seu sentido mais perigoso, ao que Soares (2004b) designou de
“reinvenção da alfabetização”, que, para ela, não pode representar,
como tem acontecido, um retrocesso – o retorno aos antigos méto-
dos –, mas, sim, uma necessária recuperação das especificidades
do processo de alfabetização, sem desconsiderar as contribuições
teóricas hoje disponíveis nesse campo.
Como apresentaremos, neste capítulo, a análise de práticas
de alfabetização de professores alfabetizadores, apoiar-nos-emos,
também, nas teorizações sobre os “modos de fazer” docentes, por
entendermos que tais discussões são fundamentais para a compre-
ensão do que os professores fazem no cotidiano da sala de aula.

Os “modos de fazer” do professor no cotidiano


da sala de aula
Embora muitas das discussões teóricas anteriormente apresenta-
das tenham se consolidado no campo da alfabetização, é preciso
reconhecer, no entanto, que as mudanças nas práticas de ensino

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 38


não ocorrem de maneira automática, como consequência direta
das mudanças no campo teórico. Contrariamente a essa perspec-
tiva, consideramos que os professores reelaboram, reinventam,
reconstroem em sala de aula os conhecimentos a que têm acesso,
sejam eles oriundos da formação inicial e continuada, sejam eles
decorrentes de outras experiências formativas.
Nessa perspectiva, compreendemos que os docentes não sim-
plesmente reproduzem os conhecimentos a que têm acesso, mas
os reelaboram e, inclusive, os produzem, pois, como esclarece
Certeau (1995), os homens não são meros consumidores das pro-
duções culturais, pois se apropriam delas, reinventando-as em seu
cotidiano por meio de “táticas de consumo”.
Apoiando-nos em Certeau (1995), entendemos, assim, que os
professores podem, diante das “estratégias”, que consistem no “cál-
culo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possí-
vel a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma
empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica)
pode ser isolado” (CERTEAU, 1995, p. 99), (re)construir suas práti-
cas de ensino por meio de “táticas”, que correspondem à “ação cal-
culada que é determinada pela ausência de um próprio” (CERTEAU,
1995, p. 100).
Essa (re)construção revela que os professores reinventam e ade-
quam ao seu trabalho cotidiano os conhecimentos e as orienta-
ções a que têm acesso. Conforme observou Chartier (1998, 2000),
as propostas metodológicas são escolhidas, testadas, mantidas
ou abandonadas pelos professores a partir de critérios práticos e
não teóricos. Desse modo, as “inovações” são incorporadas ape-
nas quando contribuem para uma melhor organização do trabalho
pedagógico. Caso contrário, são adaptadas ou mesmo descartadas,
principalmente quando envolvem um aumento de trabalho e uma
perda de eficiência.
De modo semelhante a essa autora, Tardif, Lessard e Lahaye
(1991) esclarecem que os professores retraduzem a sua formação e a
ajustam ao seu trabalho cotidiano, eliminando o que parece inútil

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 39


ou sem relação com a realidade vivida e conservando apenas o que
pode servir de alguma maneira. Nessa perspectiva, esses auto-
res compreendem que é a experiência que valida ou não os sabe-
res adquiridos anteriormente ao exercício da prática docente coti-
diana ou fora dela.
Concordando com Chartier (2007) e Tardif, Lessard e Lahaye
(1991), entendemos que é preciso distinguir “coerência teórica” ou
“racionalidade científica” de “coerência pragmática” ou “racionali-
dade docente”, esta última sempre adequada às situações práticas
de exercício do trabalho do professor. É nessa direção que Tardif
(2001, p. 200) esclarece que “os juízos do professor estão voltados
para o agir no contexto e na relação com o outro, no caso os alunos.
Ele não quer conhecer, mas agir e fazer, e, se procura conhecer, é
para melhor agir e fazer”.
Chartier (1998), ao analisar as práticas de ensino da escrita de
uma professora que atuava com crianças de 5 e 6 anos, observou que
essa docente privilegiava as informações diretamente utilizáveis, o
“como fazer” mais que “o porquê”, os “protocolos de ação” mais que as
“exposições explicativas” ou os “modelos”. Ao mesmo tempo, consta-
tou que a professora tinha consciência de que as atividades por ela
propostas correspondiam a modelos teóricos distintos, as quais se
relacionavam a dimensões particulares da escrita, que eram traba-
lhadas de maneira independente. Segundo essa autora,
Na verdade, o que poderia aparecer, de um ponto de vista teó-
rico, como a coexistência heteróclita de atividades eviden-
ciando modelos incompatíveis (tratar a escrita como gesto
motor / como código simbólico / como saber de linguagem
específico), aparece, do ponto de vista dos “saberes da ação”,
como um sistema dotado de uma forte coerência pragmática
(não importa o que se possa pensar sobre essa organização).
(CHARTIER, 1998, p. 198).

Por outro lado, Perrenoud (1997) esclarece que os professo-


res não têm consciência de tudo o que fazem em sala de aula.
Segundo ele, apesar de a prática pedagógica ser apresentada como

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 40


mais consciente e racional do que é na verdade, muitas das ações
docentes não estão sob o controle da razão e da escolha deliberada.
Chartier (2005, p. 24) também ressalta que esses saberes da ação
“permanecem, a maior parte do tempo, invisíveis e desconhecidos
dos próprios indivíduos que os praticam” (p. 24), mas eles não são,
segundo essa autora, irracionais, ainda que não se inscrevam na
lógica da racionalidade discursiva.
Considerando tais discussões, analisaremos, conforme anun-
ciamos anteriormente, as práticas de alfabetização de professoras
que participavam do Programa Alfa e Beto. A perspectiva adotada
é, portanto, a de que os professores (re)constroem os seus “modos
de fazer” a partir de diferentes aspectos, relacionados tanto à sua
história de vida e de formação profissional, quanto ao seu trabalho.

Contextualização da pesquisa: abordagem


metodológica, participantes e procedimentos
de produção e análise dos dados
Nesta pesquisa, adotamos uma abordagem qualitativa, que, de
acordo com Lüdke e André (1986), apresenta as seguintes caracte-
rísticas: a) tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados
e o pesquisador como seu instrumento principal; b) os dados cole-
tados são em sua maioria descritivos; c) a preocupação é muito
maior com o processo do que com o produto; d) o “significado” que
as pessoas dão às coisas e à sua vida constituem focos de atenção do
pesquisador; e e) a análise dos dados tende a seguir um processo
indutivo. Apesar disso, recorremos, quando necessário, também,
a dados quantitativos, pois consideramos que não existe dicotomia
entre qualidade e quantidade.
Conforme André (1995), entre as várias formas que pode assu-
mir uma pesquisa qualitativa, destaca-se a pesquisa de tipo etno-
gráfico. Os estudos etnográficos têm, de acordo com as autoras, um
sentido próprio: descrição de um sistema de significados culturais

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 41


de um determinado grupo. Neste estudo, adotamos alguns elemen-
tos da pesquisa qualitativa de tipo etnográfico.
Participaram da pesquisa quatro professoras do 1º ano do Ensino
Fundamental de uma rede municipal de ensino do estado de
Pernambuco, Brasil, que tinha implantado, à época (2011-2012), o
Programa Alfa e Beto de Alfabetização. Para manter o anonimato
das docentes, referir-nos-emos a elas usando os termos “profes-
sora A”, “professora B”, “professora C” e “professora D”. A seguir, no
Quadro 1, apresentamos alguns dados relativos ao perfil das profes-
soras investigadas:

Quadro 1. Perfil das professoras participantes da pesquisa


Ensino Médio

Experiência
profissional
Professoras

Graduação
Graduação

atuação na
lato sensu

Tempo de

rede
Pós-

Gestão e Supervisão
Normal Ciências
A Escolar 21 anos 21 anos
Médio Sociais
(em andamento)

Organização
Pedagógica da
Estudos
B Pedagogia Escola – 5 anos 3 anos
Gerais
Supervisão Escolar
(em andamento)

Normal
C Pedagogia – 30 anos 4 anos
Médio

Normal
D Letras – 20 anos 20 anos
Médio

Fonte: Elaboração própria.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 42


Os dados do Quadro 1 evidenciam que, quanto à formação pro-
fissional, três professoras tinham cursado o Normal Médio e todas
elas tinham curso superior (Pedagogia, Ciências Sociais e Letras).
Além disso, duas delas estavam cursando pós-graduação lato sensu
(Especialização), na área de Educação. Com relação à experiência
profissional, percebemos que duas docentes tinham muitos anos
de atuação, enquanto as outras duas tinham apenas três ou quatro
anos de experiência.
Para atender ao objetivo da pesquisa, utilizamos os seguintes
procedimentos metodológicos:

• Observação participante das práticas de alfabetização das pro-


fessoras, a fim de caracterizar e analisar essas práticas. Tais
observações foram realizadas no segundo semestre letivo, tendo
sido observados 8 (oito) dias de aula da professora A, 10 (dez)
da professora B e 5 (cinco) das professoras C e D. O registro dos
dados foi feito com o auxílio de dois instrumentos: o diário de
campo e a gravação de áudio.
• Entrevista semiestruturada com as professoras cujas aulas
foram observadas, ao término das observações, a fim de mapear
a formação e experiência profissional delas e de esclarecer aspec-
tos sobre as práticas de ensino observadas. As entrevistas foram
realizadas com gravação em áudio, utilizando um roteiro pre-
viamente elaborado, que sofreu algumas alterações à medida
que as entrevistadas respondiam às questões.

Os dados “brutos” obtidos a partir dos procedimentos metodoló-


gicos explicitados foram submetidos a análises de conteúdo (BARDIN,
1979). A análise de conteúdo foi desenvolvida por temas (análise
temática categorial) e envolveu as seguintes etapas: pré-análise, aná-
lise do material (codificação e categorização da informação) e trata-
mento dos resultados, inferência e interpretação.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 43


Análise dos “modos de fazer” das professoras
alfabetizadoras
Antes de apresentarmos e discutirmos as práticas de alfabetiza-
ção das professoras, situaremos, brevemente, o Programa do qual
elas participavam: o Programa Alfa e Beto de Alfabetização. Esse
Programa pertence ao Instituto Alfa e Beto (IAB), uma organização
não governamental que oferece seus produtos e serviços às secreta-
rias de educação brasileiras e utiliza o método fônico de alfabetiza-
ção. É constituído por materiais tanto para uso individual do aluno,
como o livro didático Aprender a ler e o caderno “Grafismo e caligra-
fia: letra cursiva”, quanto para uso coletivo em sala de aula, como
os minilivros, o livro gigante, cartazes com alfabeto e fantoches dos
bonecos Alfa e Beto. São também disponibilizados materiais para os
professores, para as escolas e para as secretarias de educação.
Feitos esses esclarecimentos, apresentaremos, a seguir, a aná-
lise das práticas de alfabetização das professoras.

Práticas de alfabetização da professora A


Quando analisamos as aulas da professora A, constatamos que as
suas práticas de alfabetização eram centradas no livro didático, pois
em 6 (seis) das 8 (oito) aulas observadas esse recurso foi utilizado
como organizador de seu trabalho pedagógico, em consonância com
as orientações do Programa, o qual prescreve que todas as atividades
previstas no livro deveriam ser realizadas. Quando não utilizava o li-
vro, a docente recorria a outros materiais do Programa (“minilivros” e
“cadernos de caligrafia”), conforme podemos visualizar no Quadro 2.
Embora, durante a entrevista, ela tenha mencionado, como
aspecto positivo do Programa, a existência dos materiais didáticos
(livro, minilivros etc.), pois eles apresentavam “o caminho”, per-
mitindo antecipar o que seria feito a cada aula, constatamos que a
docente também recorria a procedimentos de ensino que não eram
previstos naquele Programa, bem como alterava ou excluía ativida-
des nele propostas.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 44


Quadro 2. Materiais didáticos utilizados nas aulas observadas
da professora A
Materiais

4ª aula

6ª aula

7ª aula

8ª aula
2ª aula

Total
3ª aula

5ª aula
1ª aula
Livro didático 6

Minilivro 1

Grafismo e caligrafia
(letras cursiva 2
e de imprensa)

Outros 1

Fonte: Elaboração própria.

Ao longo das observações, percebemos, por exemplo, que a


docente não ensinava os alunos a pronunciar oralmente os fone-
mas e a uni-los para formar palavras, referindo-se sempre aos
nomes das letras e não aos fonemas, a despeito da orientação do
método fônico. Eis um extrato do registro da observação de um dos
dias de aula no qual a professora estava desenvolvendo uma ativi-
dade que solicitava que os alunos batessem palmas quando ouvis-
sem o fonema /t/:1

P – A professora vai ler algumas palavras. Bata


palmas uma vez quando você ouvir que letrinha?
A – “A” (responderam alguns alunos).
P – O quê? Qual?
A – “B” (responderam os alunos).

1 No diálogo transcrito, assim como nos outros transcritos neste artigo, a letra P
será utilizada para indicar a professora, enquanto a letra A, os alunos.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 45


P – Qual? Não é “B” não, eu não escutei “B” não.
A – O “T” (respondeu um aluno).
P – É essa aqui, oh! (apontando para o cartaz
que continha o alfabeto e indicando a letra “T”).
P – Como é o nome dela?
A – “T” (responderam os alunos).
A – É o “T”.

Essa mudança da prescrição do Programa parecia estar rela-


cionada, principalmente, à complexidade e ao nível de abstração
envolvido na atividade de isolar e pronunciar oralmente os fone-
mas de uma palavra (MORAIS, 2006a). Quando propunha a reali-
zação da atividade agora mencionada (“Bate palmas”), a docente
orientava os alunos, levantando a mão sempre que a palavra lida
possuía o fonema estudado, como podemos observar no trecho
abaixo:

P – Então eu vou falar a palavra, se eu levantar a


mão, o quê que vocês vão fazer?
P – Quando eu fizer assim (levantou a mão),
vocês batem.
P – BICICLETA (levantou a mão e as crianças
bateram palmas).

Durante as observações, percebemos, também, que, em algu-


mas aulas, a professora solicitava aos alunos a identificação de letras,
geralmente em textos do livro didático. Segundo a docente, ape-
sar desta atividade não ser indicada pelo Programa, ela a utilizava
para ajudar os alunos a reconhecerem o grafema estudado em cada
lição, o que parece atestar, mais uma vez, a ênfase na letra e não no
fonema, a despeito da prescrição do método fônico.
Em duas aulas observadas, como podemos ver no Quadro 2, a
professora não utilizou o livro didático, embora tenha recorrido a
outros materiais do Programa (minilivro, caderno de caligrafia). Em

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 46


uma delas, a qual consistia em uma revisão das lições já estudadas,
a docente utilizou uma atividade que, segundo ela, não pertencia
ao Programa. Essa atividade, que parecia estar relacionada, sobre-
tudo, ao método silábico, cujo procedimento de ensino característico
é a combinatória de sílabas para constituição de palavras, frases etc.,
envolvia associação de palavras à sua letra inicial (sem apoio de ilus-
trações), seguida de cópia dessas mesmas palavras em blocos corres-
pondentes a cada letra; cópia de palavras e separação delas em síla-
bas, usando quadradinhos para cada sílaba, e ordenação de sílabas
para composição de palavras (sem apoio de ilustrações).
Ao longo das observações, conseguimos perceber nas práticas
de alfabetização dessa professora a utilização de procedimentos
mais relacionados ao método silábico também na maneira como
ela conduzia a leitura de palavras com os alunos. Ela realizava a
leitura sílaba por sílaba e, em seguida, da palavra inteira, acompa-
nhada de repetição pelos alunos, conforme podemos visualizar a
seguir no extrato de uma das observações:

P – Ficou como? Ti-to, ta-to, Ti-ta (leu a professora).


P – E essa daqui? Da-do, de-do, di-ta (leu a professora).
P – Leiam novamente. Aqui ficou como? Três palavrinhas para cada
letra, novamente: Te-to, teto. Ta-to, tato. Ti-ta, tita (a professora lia e as
crianças repetiam).
P – Agora com o “D”. Da-do, dado. De-do, dedo. Di-ta, dita.
P – Novamente: Te-to, teto. Ta-to, tato. Ti-ta, tita. Da-do, dado. De-do,
dedo. Di-ta, dita (a professora lia e as crianças repetiam).

Outro procedimento presente nas práticas de ensino da profes-


sora que se aproximava do método silábico relacionava-se à maneira
como ela realizava os ditados. Inicialmente, ela escrevia no quadro
todas as famílias silábicas já estudadas e que seriam utilizadas no
ditado. Quando ditava a palavra, apontava a sílaba pronunciada
com uma régua. Por exemplo, se a lição do livro estivesse abor-
dando o fonema /p/, a docente escrevia no quadro, antes de ditar,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 47


a família silábica dessa letra (PA – PE – PI – PO – PU – PÃO), e, ao
ditar a palavra “pipa”, por exemplo, apontava com a régua as síla-
bas PI e PA.
Nessa e em outras atividades, a docente induzia e/ou indicava as
respostas, procedimento que parecia estar relacionado à articulação
de dois aspectos: por um lado, a exigência do Programa de cumpri-
mento do cronograma de lições e de realização de todas as atividades
do livro didático; por outro, o nível de complexidade de algumas ati-
vidades para os alunos, que não tinham condições de respondê-las,
sem errar. Diante desse impasse, a solução encontrada pela profes-
sora foi a de responder, ela própria, as atividades ou induzir as res-
postas, evitando o erro. A docente também mencionou que a “lei-
tura de palavras inventadas” e a “redação” eram difíceis para os seus
alunos e que, por isso mesmo, geralmente, não eram realizadas.
Quando questionamos a professora sobre a realização de pro-
postas diferentes daquelas do Programa, ela informou que, às vezes,
utilizava atividades de um material didático chamado “Tindolelê”,
que, segundo ela, era semelhante ao do Programa Alfa e Beto, mas
que se tratava de um método silábico, e não fônico. Esse dado
parece revelar que o método silábico parece ter tido influência na
constituição das práticas de alfabetização dessa professora, porque
ela recorria a ele quando propunha atividades extras, mesmo par-
ticipando de um Programa que usava o método fônico.
Essa professora também teve outras experiências de alfabetiza-
ção, além da que estava tendo, à época, com o método fônico. Na
entrevista, quando questionamos se a docente havia lecionado
em turmas de alfabetização antes de participar do Programa Alfa
e Beto, obtivemos uma resposta positiva e pedimos para que ela
descrevesse como era a sua prática de ensino da leitura e da escrita
antes. Ela disse:
Já, no “Alfabetizar com sucesso”. Esse outro programa era mais
pra o professor preparar. Agora tinha, também, como se fosse
(sic) os minilivros. Tinha muito aquelas coleções de paradi-
dáticos. Eles eram muito explorados. Ele [o “Alfabetizar com
sucesso”] se aproxima mais com o que se estuda na universidade.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 48


Quando pedimos para que explicasse em que consistia a apro-
ximação entre o Programa do qual havia participado e “o que se
estuda na universidade”, a professora afirmou: “O método que se
ensina na universidade, construtivismo, né isso?”. Nesse depoi-
mento, a docente estava se referindo à concepção construtivista
de ensino e aprendizagem (denominada por ela de “método”) e res-
saltou que, diferentemente do Programa Alfa e Beto, as atividades
nesse outro programa não vinham prontas, embora contasse tam-
bém com materiais de apoio (livros paradidáticos, segundo ela).

Práticas de alfabetização da professora B


Ao analisarmos as práticas de alfabetização da professora B, per-
cebemos que, apesar de usar o livro didático e outros materiais
do Programa Alfa e Beto (minilivros e alfabeto móvel), a docente
recorria, muito frequentemente (em sete das dez aulas), a outros
materiais que não faziam parte desse Programa, conforme pode-
mos visualizar no Quadro 3. Inclusive, em três das dez aulas não
foi utilizado nenhum material do Programa.

Quadro 3. Materiais didáticos utilizados nas aulas observadas


da professora B
Material

10ª aula
8ª aula
6ª aula

9ª aula
7ª aula
2ª aula

Total
5ª aula
4ª aula
3ª aula
1ª aula

Livro
5
didático
Minilivros 3
Alfabeto
1
móvel
Outros 7

Fonte: Elaboração própria.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 49


Nas observações realizadas, percebemos que a docente, seguindo
as orientações do Programa, revisava diariamente o fonema que
estava trabalhando, isolando-o oralmente e estimulando as crian-
ças fazerem o mesmo. Apesar disso, observamos, mais de uma vez,
as crianças mencionarem os nomes das letras e não os fonemas,
conforme podemos observar no extrato de aula abaixo:

P – E aí, a gente vai fazer o que? Leiam pra mim (as crianças leem a
questão, depois a professora lê novamente).
P – Qual o som dessa letra aqui (apontando para o “J”).
A – “J” (dizem o nome da letra).
P – Como é o som do “J”? Esse é o nome. E o som? É /j/.
A – /j/.
P – A primeira palavra, ACHO, tem o som de /j/?
A – Não.

Mesmo que utilizasse os materiais do Programa e seguisse as


orientações em relação ao trabalho com fonemas, a professora
fazia algumas modificações ao trabalhar com o livro didático, pois
algumas atividades eram respondidas parcialmente ou modifica-
das. Quando a questionamos sobre suas práticas de alfabetização
com o uso dos materiais do Programa, a docente afirmou:

[…] aqui no Programa eu acho tudo muito mecanizado. A gente


tem que seguir o livro […] é assim e é desse jeito que você tem
que fazer. Na outra escola, que era particular, a gente não tra-
balhava desse jeito. Às vezes, com o Programa fica tão, muito
assim, a mesma coisa, todo dia a mesma coisa: leitura, ditado,
fazer um texto através de imagem. Toda lição, a mesma coisa.
São vinte lições. Em cada lição, você tem que trabalhar do
mesmo jeito. […] Até eles [os alunos] às vezes num ficam nem
aí pra fazer. Na outra escola tinha uma liberdade maior de
metodologia.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 50


Na entrevista, a professora ressaltou, inclusive, que um dos
motivos para realizar modificações nas atividades era o fato de as
lições serem repetitivas. Ela também ressaltou que essas mudan-
ças estavam relacionadas à estrutura física de sua sala de aula e da
escola, que eram muito pequenas, e ao fato de o livro didático estar
sendo reutilizado. Como ele era consumível, algumas de suas ativi-
dades não serviam mais, pois as respostas estavam visíveis, mesmo
tendo sido apagadas.
Um exemplo de uma das mudanças que era feita pela professora
referia-se ao modo de leitura dos enunciados de algumas ativida-
des, que, na maior parte das vezes, era feita, a pedido da docente,
pelas próprias crianças em voz alta, mesmo quando era solicitado
que a leitura fosse realizada por ela. Essa preocupação da profes-
sora com a leitura em voz alta também se expressava nos momen-
tos em que ela chamava as crianças até a sua mesa e pedia que eles
lessem em voz alta um “texto” do minilivro; e quando, durante a
realização das atividades na lousa, solicitava que algumas crianças
lessem em voz alta palavras, frases ou até partes de textos. Quanto
à leitura em voz alta dos textos que abriam as lições, a professora
não a realizava todos os dias, como solicitado pelo Programa, por-
que, de acordo com a docente, as crianças, após “ler” o texto duas
ou três vezes, já o decoravam.
Segundo a docente, a leitura em voz alta era algo muito cobrado
pelos pais. Por outro lado, existia também uma cobrança do
Programa, que era controlada por meio de um teste de mensura-
ção dos níveis de leitura em voz alta (fluência de leitura). Constava,
inclusive, no caderno de planejamento da professora, um quadro
que classificava as crianças de acordo com o nível em que se encon-
travam quanto à leitura em voz alta.
Além de alterar, a professora também excluía algumas ativi-
dades do livro didático. Geralmente, as atividades de “redação”
eram excluídas e as poucas atividades desse bloco que eram rea-
lizadas correspondiam a produções orais ou produções coletivas.
De acordo com a docente, as crianças ainda não escreviam textos,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 51


porque o trabalho estava mais voltado para a leitura. Desse modo,
as atividades de escrita restringiam-se à escrita de palavras ou fra-
ses, geralmente “treinadas”.
Havia também outras atividades que a professora realizava com
materiais que não faziam parte do Programa, como, por exemplo,
textos de diferentes gêneros. Em cada mês, ela reservava um gênero
para ser abordado: no mês de agosto, o gênero “receita culinária”,
cujo trabalho culminou com a montagem de um livro de recei-
tas retiradas de embalagens de alimentos; no mês de setembro, o
gênero “fábula”, que, ao final do período, foi transformado em peça
teatral e apresentado a toda a escola; no mês de outubro, o gênero
“entrevista”, quando as crianças entrevistaram diferentes membros
da escola e da comunidade (a visitante/pesquisadora, professores da
escola e as avós das crianças ou de amigos). Essa proposta constituía
uma iniciativa da própria escola, na qual a própria professora atu-
ava, não fazendo parte, portanto, das orientações do Programa.
Além das atividades com diferentes gêneros textuais a cada
mês, as crianças, uma vez por semana, tinham acesso ao acervo de
livros infantis da biblioteca da sede da escola. A bibliotecária visi-
tava o anexo (a escola onde a docente atuava era um anexo) com
uma caixa de livros, que as crianças podiam ler à vontade e, inclu-
sive, fazer empréstimos, levando o livro para ler com seus fami-
liares em casa. Para isso, elas possuíam uma carteirinha de leitor,
com a data de empréstimo e devolução, assinada pelos responsá-
veis. Os livros eram os mais variados: histórias infantis, poemas,
histórias em quadrinhos, revistas infantis, livros com muitas ou
poucas ilustrações, de diferentes formas e tamanhos etc.
É possível observar, portanto, nas práticas de alfabetização
dessa docente, tentativas de inserir os alunos em práticas letra-
das de leitura, ao permitir que eles tivessem contato com textos de
circulação social, os quais se distinguiam da maioria absoluta dos
pseudotextos apresentados pelo Programa, que continham léxico
extremamente controlado, incluindo apenas palavras com os fone-
mas já estudados e as vogais.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 52


Na maioria das aulas observadas, percebemos que a docente
fazia uso também de outros materiais, entre eles o livro Porta
aberta, de Isabella Carpaneda e Angiolina Bragança (2011), além
de atividades que, segundo a docente, foram retiradas da inter-
net. Embora atendesse, na maioria das vezes, às orientações do
Programa, abordando os fonemas, as atividades adicionais propos-
tas por essa docente, que envolviam, por exemplo, a composição
de palavras a partir de unidades silábicas, tomavam a sílaba e não o
fonema como unidade principal de trabalho.

Práticas de alfabetização da professora C


A Professora C, embora tenha conduzido todas as suas aulas com
base no livro didático Aprender a ler, o que atendia a uma exigên-
cia do Programa Alfa e Beto (ver Quadro 4), realizava algumas
mudanças tanto na proposta do Programa, quanto nas atividades
apresentadas pelo livro didático.

Quadro 4. Materiais didáticos utilizados nas aulas observadas


da professora C
Material

2ª aula

Total
5ª aula
4ª aula
3ª aula
1ª aula

Livro didático 5

Minilivros 1

Grafismo e
caligrafia (letras
1
cursiva e de
imprensa)

Outros 1

Fonte: Elaboração própria.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 53


Tais mudanças puderam ser percebidas, por exemplo, nas ativi-
dades de ditado, que foram desenvolvidas em todas as cinco aulas
observadas, atividade essa cuja realização era, segundo a docente,
uma exigência do Programa. Essa professora sempre realizava
a atividade de ditado ao final da aula, pois todas as palavras dita-
das eram compostas pelo fonema que havia sido estudado no dia.
Contudo, ao ditar as palavras, a professora referia-se ao nome da
letra e não ao fonema, contrariando a prescrição do Programa.
Segue um extrato de aula que ilustra esse procedimento:

P – Agora coloca o nome DITADO no caderno. Primeira palavra do ditado:


BOLA.
A – Oh, tia, quem não souber faz de qualquer jeito?
P – Faz do jeito que sabe.
P – Segunda palavrinha: BOTA.
P – Terceira palavrinha: ABA.
P – Quarta palavrinha: BETE. Se fala BETI, mas escreve BETE, como a letra “E”.
P – Outra palavrinha: BICO. É a palavrinha das letrinhas “B” e “C”.
P – Agora só falta uma: BOI.
P – Agora traz pra eu corrigir.

Essa ênfase na letra também era perceptível nas atividades


de identificação de fonemas em diferentes posições em palavras.
Nessas atividades, os alunos eram solicitados, por exemplo, a cir-
cular ou assinalar um X nos nomes que apresentassem o fonema
em questão ou a bater palmas quando ouvissem a pronúncia do
fonema. No entanto, percebemos que havia, por parte dessa pro-
fessora, uma ênfase maior na letra, provavelmente porque o tra-
balho com essa unidade seria mais acessível às crianças que o isola-
mento e a pronúncia antinatural de fonemas, conforme aludimos
antes. É muito provável, também, que, em seu próprio processo
de alfabetização, a docente tenha sido alfabetizada por meio de
letras e sílabas e não de fonemas. A seguir, um extrato de aula que
demonstra a orientação presente no livro didático (ver Figura 1) e o
modo como a docente conduziu a atividade:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 54


Figura 1. Exemplo de atividade de reconhecimento de fonemas em palavras

Fonte: Oliveira e Castro (2012, p. 198).

P – […] Vamos bater palmas quando ouvir os “B” (a professora dizia as


palavras e os alunos batiam palmas nas que tinham a letra “B”. Alguns se
confundiram e bateram em palavras que não tinham o “B”).
P – O problema é que vocês não têm consciência. Fazem as coisas
aleatoriamente. Tem que acompanhar a leitura no livro e ver se tem a
letra “B”.
P – Vamos prestar atenção. Eu vou ler as mesmas palavrinhas (a docente
copiou as palavras no quadro e, à medida que lia, apontava para a
palavra e os alunos batiam palmas).

Conforme vimos, a orientação solicitava que os alunos identi-


ficassem o fonema /b/ e não a letra “B”, como direcionou a docente.
Essa ênfase no trabalho no nível da letra também pôde ser obser-
vada nas atividades de leitura de palavras e frases. Nessa situação, a
professora parecia aproximar-se do método da soletração, que toma
a letra como unidade privilegiada e tem o objetivo de ensinar a com-
binatória de letras, a partir de seus nomes, para constituição de síla-
bas e palavras (o conhecido “bê-á-bá”). Desse modo, assim como a
professora A, essa docente solicitava que os alunos realizassem a
leitura das palavras da seguinte maneira: B + O = BO; L + A = LA;
BO + LA = BOLA.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 55


Entretanto, embora se distanciasse das orientações do Programa,
também eram perceptíveis as tentativas que essa docente realizava
para seguir as prescrições dele. Tais tentativas puderam ser visuali-
zadas, por exemplo, nas atividades de contagem de fonemas e grafe-
mas em palavras. Na primeira aula em que foi desenvolvida, a ativi-
dade apresentava um quadro com seis palavras e pedia que os alunos
realizassem a contagem de letras e de sons de cada uma delas. Já na
segunda, essa contagem se restringiu a apenas uma palavra que foi
retirada de trava-língua presente em uma atividade do livro didático.
Após a leitura desse texto, realizada pela professora, ela focou em
uma única palavra (“Cacá”) e questionou com que letra essa palavra
começava, qual o som que ela representava e quantas letras tinha.
Nessas situações, a docente procurou seguir as prescrições da
atividade e do Programa, uma vez que estimulou os alunos a iden-
tificarem a quantidade de letras das palavras apresentadas, como
também a quantidade de sons ouvidos na pronúncia (os fonemas).
Embora a docente não mencione em nenhum momento a palavra
fonema e remeta-se, em muitas ocasiões, à letra, percebemos que
havia a tentativa de tratar as unidades sonoras mínimas, uma vez
que em todas as palavras ela estimulava os alunos a perceberem a
quantidade de sons existentes. O extrato de aula abaixo evidencia
essa preocupação em identificar as letras e os fonemas, estes últi-
mos tratados pela docente por “sons”:

P – Veja bem. Vamos ler comigo? Conte os sons […] JÁ, AJA, GIA, AGIU, JACA,
JEGUE (a professora leu o enunciado da atividade e as palavras).
P – Vamos ler comigo cada som. Que letra é essa?
A – “J”.
P – Que som eu formei?
A – JÁ.
P – Ouçam direito para usar a consciência fonêmica. A consciência
fonêmica vocês ouvem os sons das letras. Vocês escutam quantos sons na
palavra JÁ? Vocês escutam o som das duas letras?
A – Sim. Dois sons.
P – Então a gente tem duas letras e dois sons. […]

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 56


Percebemos, assim, que a docente fazia modificações ao reali-
zar algumas atividades do livro didático, mas sem perder de vista
a perspectiva central do Programa: o trabalho com o fonema. Isso
evidencia que as maneiras de fazer da professora estavam atentas
tanto às estratégias, ou seja, ao instituído pelo Programa, quanto
às tramas de sua sala de aula.

Práticas de alfabetização da professora D


A professora D também utilizava o livro didático do Programa para
nortear as suas ações em sala. Essa docente também usava outros
materiais do Programa, como os minilivros, o caderno de caligra-
fia e o alfabeto móvel (ver Quadro 5). Em uma das aulas, a profes-
sora recorreu a outros materiais que não faziam parte do Programa,
não se guiando, portanto, única e exclusivamente por ele. Com isso,
a professora D não atendia às prescrições, que estipulavam o uso
exclusivo de seus materiais e não admitiam adaptações ou recria-
ções das atividades presentes no livro.

Quadro 5. Materiais didáticos utilizados nas aulas observadas


da professora D
Material

4ª aula
2ª aula

Total
3ª aula

5ª aula
1ª aula

Livro didático 3
Minilivros 4
Grafismo e caligrafia (letras
2
cursiva e de imprensa)
Alfabeto móvel 2
Outros 1

Fonte: Elaboração própria.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 57


Esse não atendimento às orientações do Programa ocorria, por
exemplo, quando a docente propunha, em algumas situações, ati-
vidades mais próximas dos métodos silábico e da soletração. Tal
distanciamento do método fônico implicava, assim, uma maneira
diferenciada de exercer sua prática docente ante às prescrições.
Conforme discutimos anteriormente, a aproximação a esses méto-
dos de alfabetização pode ser explicada, por um lado, pela maior
familiaridade com eles e, por outro, pelo fato de ser mais simples
abordar letras ou sílabas do que fonemas.
Ao desenvolver a atividade de identificação de fonemas em pala-
vras, por exemplo, a professora procurava seguir as instruções do
livro – marcar a única palavra cujo som começava com /k/ e identi-
ficar o /d/ em um título de um texto e em palavras que deveriam ser
lidas pela docente. Entretanto, embora estivesse trabalhando com
a proposta do método fônico, em nenhum desses momentos a pro-
fessora abordou os fonemas de forma isolada, provavelmente pelo
fato de que “[…] a exigência dos propositores de métodos fônicos –
levar o aprendiz a pronunciar isoladamente cada um dos fonemas
de uma palavra – é antinatural, inaceitavelmente complexa para
quem não fez um curso de fonética ou fonologia em nível de gradu-
ação” (MORAIS, 2006a, p. 11).
Esse distanciamento da proposta do Programa também estava
presente nas atividades de reconhecimento de fonemas em pala-
vras a partir de figuras, que solicitavam aos alunos a identificação
de imagens cujos nomes apresentassem os fonemas que estavam
sendo estudados. Embora o foco dado fosse ao fonema, o que ficou
notório foi a opção da docente pela exploração de letras e famílias
silábicas, distanciando-se, assim, de um trabalho pautado no iso-
lamento e identificação dos fonemas, conforme propunha a ativi-
dade do livro didático (Figura 2). Eis, a seguir, um extrato de obser-
vação que explicita essa prática:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 58


Figura 2. Exemplo de atividade de reconhecimento de fonemas
em palavras a partir de figuras

Fonte: Oliveira e Castro (2012, p. 185).

P – Eu vou dizer as figuras. Vocês vão colocar o “D” dentro do


quadradinho em que as figuras têm o som /d/. São 3 aí.
P – Prestem atenção aqui. Todo mundo olhando para o quadro. Nós temos
aqui a família silábica do “D”: DA, DE, DI, DO, DU, DÃO. Quando eu junto
essas duas letras, eu formo um som: DA, DE, DI... Vocês estão confundindo
com o som do “T”, que é TA.
P – Vamos ver aí, quando eu digo a palavra “macaco”, tem o som do “D” aí?
A – Não.
P – Eu quero que vocês me digam como se escreve a palavra macaco?
A – “M”,“A”, “C” ,“A”, “C” ,“O”.
P – Tem algum “D” na palavra?
A – Não.
P – Então, não marca. A próxima figura é “tatu”. Como se escreve?
A – “T”, “A”, “T”, “U”.
P – Tem a letra “D”?
A – Não.
P – A próxima figura é a “rede”. Como se escreve a palavra rede?
A – “R”, “E”, “D”, “E”.
P – Tem o “D”?
A – Tem.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 59


P – Então, marca a figura. Coloca um “D”.
P – Telhado, tem “D” aqui?
A – Tem.
P – Marca também.
P – Avental não tem.
P – Na palavra carro tem?
A – Não...

Percebemos, a partir desse extrato de observação, que a pro-


fessora se afastava da proposta do Programa e recorria a uma
perspectiva diferente de alfabetização da que era pensada por ele.
Interpretamos com isso que a docente procurava instituir uma
metodologia “própria” para alfabetizar, utilizando como referência
outros modelos de alfabetização mais familiares (o método da sila-
bação e a soletração), associados ao método fônico.
Essa ênfase no trabalho com a letra e com a sílaba também era
notória quando a professora, ao realizar atividades de revisão, tra-
balhava com a identificação de letras do alfabeto e das famílias silá-
bicas. Nas duas aulas em que esse trabalho foi realizado, a docente
procedeu da seguinte maneira: em uma delas, mostrava placas
com as letras do alfabeto e questionava os alunos sobre o nome da
letra, além de pedir que dissessem a família silábica a ela corres-
pondente. Na outra aula, utilizou o quadro para escrever todo o
alfabeto e solicitar que os alunos fizessem a identificação da letra
que estava sendo indicada por ela. Apesar de afastar-se da proposta
do Programa, chamamos atenção para a base empirista e associa-
cionista dessas atividades, que é a mesma do Programa em tela.
Contudo, embora essa professora se desvinculasse de algumas
orientações do Programa, percebemos que ela também procurava
seguir algumas de suas prescrições, tendo em vista que a leitura
dos minilivros era uma constante em suas aulas. Os minilivros
são livros de “histórias” compostos por pseudotextos, preparados
com vistas única e exclusivamente à sua decodificação, conforme
podemos observar no exemplo a seguir (Figura 3). Nesse material

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 60


didático de extração fônica, as crianças são submetidas “a textos
surrealmente artificiais e limitados, contribuindo para a deforma-
ção das competências envolvidas na leitura e na produção de textos”
(MORAIS, 2006b, p. 11).

Figura 3. Exemplo de pseudotexto do minilivro

Fonte: Oliveira (2011).

Percebe-se, assim, que havia também, nas práticas da profes-


sora D, adaptações, modificações e invenções cotidianas, com vis-
tas a encontrar a melhor maneira de alfabetizar. A professora,
diante das prescrições do Programa, exercia sua autonomia em
sala de aula e instituía ações que considerava mais pertinentes para
os seus, independentemente de seu valor teórico.

Considerações finais
Os resultados deste estudo evidenciaram que, de modo geral, as
práticas de alfabetização das professoras eram organizadas em
torno dos materiais didáticos do Programa Alfa e Beto, principal-
mente do livro didático, conforme prescrito no próprio Programa.
Esses dados coincidem com os de Coutinho-Monnier (2009), que

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 61


também analisou as práticas de alfabetização de professoras que
integravam o Programa Alfa e Beto em outro estado do país.
Por outro lado, percebemos que as docentes modificavam as ati-
vidades propostas, explorando, por exemplo, letras em vez de fone-
mas, e acrescentavam outras propostas e materiais, alguns deles
inspiradas no método silábico e, outros, na perspectiva do letra-
mento – ou, até mesmo, não realizavam alguns exercícios presen-
tes no livro didático. Esses dados evidenciaram, portanto, que as
professoras, mesmo estando submetidas à orientação de seguir o
Programa à risca, construíam suas maneiras de alfabetizar pautan-
do-se não apenas pelas orientações e materiais do programa, mas,
também, por outros materiais e experiências que constituíam o
seu repertório de saberes.
Nesse sentido, as docentes instituíam, por meio dos saberes da
ação, as suas maneiras de alfabetizar, reformulando as prescrições,
as regras, ou seja, “as estratégias” a elas dirigidas, utilizando-as
conforme suas necessidades, o que poderíamos caracterizar como
“táticas” (CERTEAU, 1995). Com isso, percebemos que os professores,
ao modificarem, resistirem, inventarem e burlarem as prescrições
estabelecidas, evidenciam que, embora estejam em uma situação
de menos poder, não se encontram numa posição de passividade.
Essas invenções cotidianas que acontecem na escola e na sala de
aula são um exemplo dessa não submissão docente, pois represen-
tam as diferentes maneiras de se ajustarem às políticas que estão
sendo impostas.
Em suma, tais resultados evidenciam que, a despeito das pres-
crições e do controle da sua execução por parte de instâncias supe-
riores, as professoras encontravam maneiras de reinventar as
determinações do Programa, (re)construindo suas maneiras de
alfabetizar no cotidiano da sala de aula.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 62


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REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 64


3 ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS
E USO DE OBRAS COMPLEMENTARES:
RECURSOS DIDÁTICOS
EM DISCUSSÃO

Edenice Cavalcanti Soares


Erika Souza Vieira
Telma Ferraz Leal

Dentre as muitas temáticas que têm ocupado pesquisadores que


tratam sobre o ensino, o uso de recursos didáticos no processo
de alfabetização tem sido recorrente. Tal assunto também tem
sido objeto de preocupação de gestores e coordenadores peda-
gógicos no âmbito das unidades escolares, secretarias de educa-
ção e Ministério da Educação. Consequentemente, iniciativas do
Governo Federal relativas ao desenvolvimento de programas que
envolvem políticas de ampliação de recursos didáticos para as esco-
las públicas do país têm se ampliado nas últimas décadas, como é
o caso do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que se des-
tina a selecionar e distribuir livros didáticos para as escolas, a par-
tir de escolhas prévias dos professores.
Além dos livros didáticos, o PNLD, desde 2010, passou a distribuir
livros variados, denominados no programa como “Obras Comple-
mentares”, para uso nas turmas dos Anos Iniciais do Ensino Fun-
damental, com o objetivo de apoiar o processo de alfabetização ini-
cial e possibilitar a introdução de temas referentes às três grandes
áreas do conhecimento: Ciências da Natureza e Matemática, Ciên-
cias Humanas e Linguagens e Códigos.
Na área de Linguagens e Códigos, os livros destinam-se, segundo
o documento de encaminhamento dos livros (BRASIL, 2009, 2012),

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 65


a introduzir experiências com diferentes linguagens no campo da
arte (música, pintura, escultura, teatro, dança etc.), assim como
colaborar para ampliar o contato das crianças com os diferentes
gêneros textuais1 que circulam na sociedade (livros instrucionais,
tais como as receitas culinárias, instruções de como desenhar, bio-
grafias, contos, entre outros) e contribuir para a apropriação dos
conhecimentos relativos ao sistema de escrita alfabética.
A disponibilização dessa variedade de livros é um avanço em ter-
mos de condições de trabalho dos professores alfabetizadores. Resta,
no entanto, discutir se esses materiais estão sendo utilizados em
sala de aula e como estão sendo usados. É esse o tema desse capítulo.
Tal escolha temática foi motivada pelo pressuposto de que o
modo como os livros podem estar sendo inseridos nas atividades
de sala de aula tem relação clara com as concepções dos professo-
res acerca do que é a alfabetização e de como alfabetizar. A refe-
rida questão despertou nosso interesse, por temos constatado, por
meio de observações assistemáticas, que muitos livros oriundos de
programas de ampliação de recursos didáticos que chegam às esco-
las encontram-se empilhados na sala da coordenação e, portanto,
longe da sala de aula. Restava, então, a indagação sobre se esses
materiais também estariam sendo subutilizados.
Além do questionamento acerca do uso, ou não, dos livros, como
já foi dito, buscamos também entender como eles estariam sendo
usados pelos docentes, pois, segundo consta no documento orien-
tador do programa (BRASIL, 2009, 2012), o objetivo do Ministério
da Educação seria favorecer a alfabetização das crianças, em uma
perspectiva do letramento2.

1 De acordo com Schnewuly e Dolz (1999, p. 7): “Gêneros textuais são formas rela-
tivamente estáveis tomadas pelos enunciados em situações habituais, entidades
culturais intermediárias que permitem estabilizar os elementos formais e rituais
das práticas de linguagem”.
2 Alfabetização na perspectiva do letramento é uma abordagem em que se defende
que a pessoa alfabetizada é aquela que domina o sistema de escrita alfabética e
é capaz de ler e escrever textos de diferentes gêneros para interagir em variadas

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 66


Sabe-se, no entanto, que embora o discurso da alfabetização na
perspectiva do letramento esteja muito difundido hoje, os estudos
recentes mostram que ainda estão presentes nas salas de aula, com
frequência, práticas pautadas em métodos sintéticos, especifica-
mente o fônico, com ênfase na memorização de padrões silábicos e
uso de textos cartilhados, que não circulam fora do contexto esco-
lar (CABRAL, 2008; OLIVEIRA, 2004; MOURA, 2001).
Desse modo, neste capítulo, objetivamos discutir como os pro-
fessores investigados utilizam as Obras Complementares (PNLD)
no 1º ciclo do Ensino Fundamental, a partir dos dados coletados
em uma pesquisa. No entanto, não serão expostas reflexões sobre
as diferentes dimensões da alfabetização. O foco da investigação
recaiu no ensino do sistema de escrita alfabética. Os objetivos espe-
cíficos desse estudo foram analisar a frequência com que as obras
complementares do PNLD eram utilizadas por professores para
ensinar o sistema de escrita alfabética; identificar os tipos de ati-
vidades desenvolvidos por professores para o ensino do sistema de
escrita alfabética em situações de uso das Obras Complementares;
e analisar os princípios didáticos subjacentes às atividades de
ensino do sistema de escrita em que eram utilizadas obras comple-
mentares do PNLD.

Concepções de alfabetização: pressupostos básicos


O conceito de alfabetização no desenvolvimento histórico e social
brasileiro já sofreu várias mudanças, assim como a concepção
acerca das metodologias adequadas para alfabetizar os estudan-
tes. De acordo com Soares (2004), em 1940, era considerado alfa-
betizado o indivíduo que soubesse escrever o próprio nome; em
seguida, era considerado alfabetizado aquele capaz de ler e escrever

situações em que a escrita está presente. Desse modo, as práticas de alfabetização


contemplam um ensino simultâneo do funcionamento do sistema de escrita e a
inserção em esferas sociais variadas de interação social.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 67


um bilhete simples. Nos dois casos, o foco de avaliação era o reco-
nhecimento/produção de palavras.
Segundo a autora citada, durante muito tempo a alfabetização
esteve relacionada apenas ao domínio do suposto código da escrita.
Não havia a consideração de que tais conhecimentos não seriam sufi-
cientes para garantir a autonomia do sujeito para lidar com situações
de leitura e escrita. Os sujeitos, assim, eram considerados alfabetiza-
dos, mesmo que não compreendessem os textos “decodificados”.
Essa concepção de alfabetização como ensino das chamadas
habilidades de codificação e decodificação era comum nos métodos
tradicionais de alfabetização que utilizavam atividades pautadas na
memorização de sílabas e/ou palavras e/ou frases soltas. Tais méto-
dos foram divididos em sintéticos, analíticos e analítico-sintéticos.
Nos métodos sintéticos, concebe-se que a aprendizagem ocorre
por meio da memorização e repetição de letras e padrões silábicos.
Segundo Morais, Albuquerque e Leal (2005, p. 18):
Propostas de ensino baseadas nesses métodos partem do pres-
suposto de que a aprendizagem é mais fácil quando se parte de
unidades mais elementares e simples (em geral sem sentido),
para, em seguida, apresentar unidades inteiras e significativas.

Assim, nesse método ensina-se primeiro o alfabeto (letra por


letra), depois as sílabas, as palavras, as frases e, finalmente, os tex-
tos. Em algumas propostas, precedem as atividades com padrões
silábicos algumas atividades de treino fonêmico.
O método analítico faz o caminho inverso do método sinté-
tico, pois começa por unidades maiores (palavras, frases, “peque-
nos textos”) até chegar às unidades menores (sílabas, letras e fone-
mas). Inicialmente, o aprendiz memoriza um determinado grupo
de palavras para depois voltar sua atenção para as sílabas, letras e
os sons que essas representam. Nessa abordagem, concebe-se que,
se o aluno conhecer determinado número de palavras, irá estabe-
lecer relações entre elas e descobrir o funcionamento do código. Os

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 68


textos, por seu lado, eram criados para as atividades de memoriza-
ção propostas.
O método analítico-sintético também parte de unidades maio-
res para depois decompô-las em letras e sílabas, porém estabelece
seu foco nas fases de análise-síntese. No entanto, predominam
ainda atividades repetitivas e centradas apenas nas unidades letra/
sílaba/palavra, sem atenção às práticas sociais de uso da escrita.
Tais métodos, que têm sido denominados de tradicionais, têm
em comum um pressuposto de que a aprendizagem se dá por repe-
tição de procedimentos e, também, uma crença em processos line-
ares em que primeiro se ensina “o código” para depois promover o
ensino de leitura e produção de textos mais complexos, comuns na
vida extraescolar.
Em decorrência da constatação de que havia grande quantidade
de pessoas que repetiam inúmeras vezes os primeiros anos esco-
lares, evadiam-se da escola, e de pessoas que conseguiam apren-
der o código, mas não conseguiam lidar com ele em situações de
uso social em ambientes extraescolares, foi introduzida uma nova
expressão para tratar sobre alfabetização: analfabetismo funcional.
A partir da década de 1990, o termo analfabeto funcional começou a
ser difundido pela mídia para designar o sujeito que sabe estabele-
cer as correspondências grafofônicas, mas não consegue fazer uso
da escrita em diferentes contextos sociais.
A partir de tal debate, ocorreram alterações no ensino da lín-
gua materna: “Verifica-se, então, uma progressiva extensão do
conceito de alfabetização em direção ao conceito de letramento: do
saber ler e escrever ao ser capaz de fazer uso da leitura e da escrita”
(SOARES, 2004, p. 7).
Diferentemente do que é proposto nos métodos de alfabetiza-
ção ditos tradicionais, a abordagem da alfabetização na perspectiva
do letramento, bastante difundida por pesquisadores no início do
século XXI, considera que o processo de alfabetização se dá a partir
de um ensino em que as crianças possam refletir sobre a dimensão

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 69


sonora e gráfica das palavras, baseadas em sua notação escrita, ao
mesmo tempo em que possam desfrutar e conviver com práticas
de leitura e escrita e seus usos sociais. Emergem, então, debates
acerca dessas duas dimensões do processo escolar. Segundo Soares
(1999, p. 47):

Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não insepa-


ráveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja:
ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da
leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao
mesmo tempo, alfabetizado e letrado.

Nessa perspectiva, é importante o convívio, desde muito cedo,


de crianças e adultos, em processo de alfabetização, com os diver-
sos gêneros textuais que circulam na sociedade, sendo preciso con-
siderar os usos e as funções da língua escrita com base no desen-
volvimento de atividades significativas de leitura e escrita. É
necessário também proporcionar aos alunos momentos de refle-
xão sobre a dimensão sonora e gráfica das palavras, pois também
há estudos que evidenciam que só o contato com os diversos gêne-
ros textuais não garante que os alunos se apropriem da escrita alfa-
bética (MORAIS, 2012).
Alguns princípios didáticos vêm sendo considerados entre os
adeptos da abordagem da alfabetização na perspectiva do letra-
mento, os quais emergem de concepções sociointeracionistas de
aprendizagem e de língua: desde o início da escolarização é neces-
sário inserir as crianças em contextos de uso dos textos orais e escri-
tos, considerando os elementos da cultura em que os estudantes
estão inseridos; os estudantes precisam ser considerados ativos no
processo de aprendizagem, de modo que sejam inseridos em situa-
ções problematizadoras, desafiadoras; o professor é um mediador
do processo de aprendizagem, devendo favorecer experiências de
interação significativas aos alunos; o ensino da base alfabética deve
acontecer de forma sistemática; dentre outros.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 70


A prática alfabetizadora baseada na perspectiva do letramento,
portanto, não se dá por meio do treino de padrões silábicos, pois
“[…] é possível, sim, alfabetizar sem o tradicional bá, bé, bi, bó, bu,
a partir do desenvolvimento de atividades que não só envolvam a
leitura e produção de diferentes gêneros, mas que também levem
os alunos a refletir sobre as características do nosso sistema de
escrita” (ALBUQUERQUE, 2005, p. 106), tal como será tratado no
tópico a seguir.

Apropriação do Sistema de Escrita Alfabética


De acordo com Ferreiro e Teberosky (1984), o Sistema de Escrita
Alfabética (SEA) é um sistema notacional, pois registra aspectos
distintos da linguagem, como as sequências sonoras que consti-
tuem as palavras. No processo de alfabetização, o estudante precisa
aprender como esse sistema funciona. Leal, Albuquerque e Morais
(2005) alertam que os professores precisam compreender as pro-
priedades e especificidades do SEA para planejar ações problemati-
zadoras que ajudem os estudantes a refletir sobre a lógica própria
das relações entre a pauta sonora e o registro das letras.
Tal modo de entender a apropriação do sistema de escrita alfa-
bética teve influência dos postulados teóricos difundidos pelas
autoras Ferreiro e Teberosky (1984). Os estudos dessas autoras evi-
denciaram que, durante a aprendizagem do sistema de escrita alfa-
bética, as crianças, os jovens e os adultos elaboram diferentes hipó-
teses sobre o funcionamento do sistema de escrita, denominadas
pelas autoras como fases “pré-silábica”, “silábica”, “silábico-alfabé-
tica” e “alfabética”.
Na fase pré-silábica, segundo as autoras supracitadas, os apren-
dizes ainda não compreendem que há relações entre a escrita e
pauta sonora. Eles muitas vezes acreditam que escrever é o mesmo
que desenhar. Quando compreendem que a escrita é outra forma
de representação, buscam entender como é essa representação.
Eles passam por um processo em que utilizam números e letras

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 71


indistintamente, ou que usam letras, mas sem estabelecer critérios
que evidenciem reflexões sonoras das palavras. Nessa fase, a escrita
de uma palavra pode ocupar toda a página ou ser feita com apenas
uma letra ou várias letras sem uma correspondência quantitativa
e nem qualitativa com as partes que compõem a escrita convencio-
nal. Nesse estágio, muitas crianças acreditam que a escrita da pala-
vra tem relação com o tamanho ou o formato dos objetos.3
Gradativamente, as crianças começam a perceber que precisam
refletir sobre as relações entre o som e a escrita para entender como
funciona o SEA. A criança, então, começa a descobrir que a quanti-
dade de letras com que se vai escrever uma palavra pode ter corres-
pondência com a quantidade de partes que se reconhece na emissão
oral. Percebendo que as palavras são constituídas de sílabas, passam
a realizar segmentação silábica e atribuir uma letra para cada uma
dessas partes da palavra. Segundo Ferreiro e Teberosky (1984), nessa
fase a criança pode pensar apenas do ponto de vista da quantidade
de letras a serem utilizadas, colocando aleatoriamente uma letra
para cada sílaba, ou pode realizar algumas análises qualitativas, uti-
lizando letras que fazem parte das sílabas que pretende representar.
Posteriormente, as crianças começam a entender que as sílabas
contêm mais de uma letra, embora não sejam consistentes nessa
representação, oscilando entre representar algumas sílabas com
uma letra e outras com mais de uma letra. Esse estágio de transi-
ção é chamado de silábico alfabético.
Por fim, o aprendiz evolui para a fase alfabética. Nesse momento,
ele é capaz de realizar relações mais consistentes entre a escrita e a
pauta sonora, embora possa cometer erros ortográficos.
Tal percurso evidencia que a apropriação do sistema de escrita
alfabética por parte dos aprendizes envolve duas grandes questões
conceituais, em que o estudante terá que descobrir o que a escrita

3 Tais tipos de hipóteses têm sido denominados como realismo nominal, pois as
crianças que as apresentam acreditam que o número de letras na palavra tem
relação com as características dos objetivos que as palavras representam.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 72


representa/nota e como a escrita representa/nota. Assim, Ferreiro
e Teberosky (1984) difundiram uma teoria em que os sujeitos
aprendizes são ativos no processo de aprendizagem da escrita, ela-
borando e testando hipótese, construindo gradativamente conhe-
cimentos acerca da base alfabética.
Partindo dos pressupostos de que há, de fato, uma atividade do
aprendiz para compreender o funcionamento do sistema de escrita;
que tal atividade é mais complexa do que supunham os adeptos das
abordagens tradicionais já citadas; e que cabe ao professor favore-
cer situações de aprendizagem problematizadoras para auxiliar os
estudantes, Leal e Morais (2010) defendem que os professores pre-
cisam delimitar claramente os objetivos didáticos específicos rela-
tivos a esse objeto de aprendizagem: o Sistema de Escrita Alfabética.
Esses autores alertam que os docentes precisam planejar atividades
que ajudem os estudantes a entender que:

1. Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que


têm um repertório finito e que são diferentes de números e
de outros símbolos.
2. As letras têm formatos fixos e pequenas variações produ-
zem mudanças em sua identidade (p, q, b, d), embora uma
letra assuma formatos variados (P, p, P, p).
3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser
mudada.
4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em
diferentes palavras, ao mesmo tempo em que distintas
palavras compartilham as mesmas letras.
5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no inte-
rior das palavras e nem todas as letras podem vir juntas de
quaisquer outras.
6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras
que pronunciamos e nunca levam em conta as característi-
cas físicas ou funcionais dos referentes que substituem.
7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas
orais que pronunciamos.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 73


8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem
mais de um valor sonoro e certos sons poderem ser nota-
dos com mais de uma letra.
9. Além de letras, na escrita de palavras, usam-se, também,
algumas marcas (acentos) que podem modificar a tonici-
dade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem.
10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre con-
soantes e vogais (CV, CCV, CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC…),
mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV
(consoante – vogal), e todas as sílabas do português con-
têm, ao menos, uma vogal. (LEAL; MORAIS, 2010, p. 35-36).

É importante ressaltar que, com é afirmado por Morais (2005),


tais aprendizagens não são simples e

[…] sua complexidade fica mais evidente se nos dermos conta


de que a compreensão (ou reconstrução) dessas propriedades
são fundamentais para o domínio da lógica da notação alfabé-
tica que precisa ser feita internamente pelo aprendiz. (MORAIS,
2005, p. 43).

Assim, é a concepção de aprendizagem da base alfabética como


apropriação de um sistema complexo que está subjacente à abor-
dagem da alfabetização na perspectiva do letramento. Segundo
Morais (2005), se o educador compreende a escrita como um
código, isso influenciará seu trabalho em sala de aula, acarretando
uma intervenção didática com ênfase em atividades de memoriza-
ção de letras e sílabas e não em propostas de atividades reflexivas
em que tais conhecimentos sejam mobilizados. Esses dois modos
de conceber a alfabetização (aprendizagem de um código x com-
preensão de um sistema de escrita que ocorre de modo simultâneo
à inserção em práticas de leitura e escrita de textos) acarretam sele-
ção de diferentes recursos didáticos e diferentes modos de utilizá-
-los em sala de aula.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 74


PNLD (Obras Complementares) como recurso didático
para o processo de alfabetização
Atualmente, diferentes recursos didáticos têm chegado às esco-
las, como os jogos, os livros didáticos, os livros de literatura e as
Obras Complementares. Os professores podem lançar mão, ou
não, desses materiais para alfabetizar e podem utilizá-los de dife-
rentes maneiras, dependendo de suas concepções sobre os proces-
sos de aprendizagem, pois, como afirmam Leal e Silva (2011, p. 4),
os recursos didáticos são a materialização da prática docente:
As escolhas dos materiais que vamos utilizar em sala de aula
estão intrinsecamente relacionadas aos nossos objetivos didá-
ticos, às nossas concepções sobre quais são as melhores situ-
ações de ensino. Os recursos didáticos não são acessórios de
nossa ação docente, são a materialização dela.

Para subsidiar o trabalho do professor, oferecendo mais opções


de materiais, o Ministério da Educação (MEC), por meio do PNLD
(Obras Complementares), destinou obras pedagógicas às crianças
que pertencem aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Em 2010,
o programa atendia ao 1° e 2° anos e, em 2013, ao 1º, 2º e 3º anos.
Em 2010, o programa distribuiu 150 títulos de livros, divididos,
segundo Leal e Rodrigues (2011), em seis tipos: livros de biografias,
livros instrucionais, livros de cantigas, parlendas, trava-línguas e
jogo de palavras, livro de palavras, de imagens e histórias com foco
em conteúdos curriculares. No PNLD (Obras Complementares)
voltado para o ano de 2013, foram escolhidos 180 livros, formando
seis acervos contendo 30 obras cada.
Como já foi anunciado, diferentes objetivos são visados com a
seleção e a distribuição das obras complementares, como promover
o contato das crianças com as práticas sociais na sociedade letrada;
possibilitar, por meio de atividades realizadas pelos docentes, que
os alunos compreendam o sistema alfabético e suas convenções; e
promover a interdisciplinaridade, pois os livros abordam diferen-
tes temáticas, envolvendo os diversos componentes curriculares.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 75


A alfabetização, portanto, é vista como um processo dinâ-
mico em que os estudantes estão se apropriando da base alfabé-
tica, ampliando suas experiências de letramento e aprendendo por
meio dos textos.
Desse modo, está clara a concepção de que todos os livros podem
contribuir para a alfabetização das crianças. No entanto, no docu-
mento orientador do programa se reconhece que há algumas espe-
cificidades da aprendizagem do sistema alfabético de escrita e que
há alguns recursos que podem favorecer a construção dos conheci-
mentos das crianças sobre a lógica constituinte do nosso sistema de
escrita. O manual do referido programa destaca, então, que:

Em qualquer um dos seis diferentes acervos disponíveis há


sempre, entre os livros da área de “Linguagens e códigos”,
alguns que podem prestar excelentes serviços para a reflexão
que o aluno deve fazer sobre a escrita, no processo de apropria-
ção do sistema alfabético. (BRASIL, 2012, p. 25).

Há, portanto, nos acervos, alguns livros que propiciam análise


de semelhanças e diferenças entre palavras, assim como ressaltam
aspectos relativos à dimensão sonora das palavras e suas corres-
pondências gráficas, como os livros de palavras, que, como é expli-
cado no manual que acompanha as obras,

[…] trazem, em ordem alfabética, listas de vocábulos seguidas


de suas respectivas ilustrações – e, algumas vezes, também de
outros termos da mesma família, permitindo comparações
sistemáticas entre os aspectos sonoros, gráficos e semânticos
responsáveis pelas semelhanças e diferenças que se estabele-
cem entre elas. (BRASIL, 2012, p. 25).

Os livros de cantigas, parlendas e trava-línguas também favo-


recem bastante as reflexões sobre as relações entre escrita e pauta
sonora, por darem destaque aos recursos estéticos relativos à sono-
ridade das palavras, o que contribui muito para o desenvolvimento

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 76


da consciência fonológica e a compreensão do funcionamento do
sistema de escrita.
Outros livros que não têm tais configurações também podem
contribuir para a aprendizagem do sistema de escrita, por propiciar
o desenvolvimento da fluência de leitura ou por motivar as crian-
ças a tentarem ler sozinhas.
Enfim, os livros dos acervos do PNLD (Obras Complementares),
além de favorecerem a ampliação cultural das crianças, a fruição
estética dos textos e a reflexão sobre a realidade que as cerca, tam-
bém pode ajudar os estudantes a se apropriarem do sistema de
escrita alfabética.
Albuquerque (2011, p. 24) ressalta, então, que o

[…] uso desses materiais em sala de aula permite uma reflexão


e um rompimento com as práticas cristalizadas nos contextos
de alfabetização, pois são apresentados como um recurso que
possibilita um diálogo entre as diversas áreas de conhecimento.

Para discutir sobre essas expectativas, relativas ao uso desses


recursos, e alguns modos como estariam sendo atendidas, apre-
sentaremos, a seguir, uma pesquisa que investigou tal uso.

O uso das obras complementares por uma professora


alfabetizadora: relato de uma pesquisa
Como foi exposto anteriormente, realizamos um estudo para
investigar os usos de Obras Complementares por uma professora
dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental4. Buscamos compreen-

4 Esse estudo constitui-se como um subprojeto de um projeto integrado, coor-


denado pelas professoras Ana Cláudia Rodrigues Pessoa, Ester Calland Rosa e
Telma Ferraz Leal, que objetiva analisar o processo de formação de professores
no âmbito do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), que é um
programa do Governo Federal voltado para a formação de professores alfabetiza-
dores, que contempla encontros de formação continuada, distribuição de recur-
sos didáticos e avaliação dos estudantes.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 77


der como a professora utilizava as Obras Complementares (PNLD)
no 1º ciclo do Ensino Fundamental, com foco na investigação do
trabalho voltado para o ensino do Sistema de Escrita Alfabética.
Para tal, foi utilizada uma abordagem qualitativa, pois, de acordo
com Minayo (2007, p. 22-23), ela:

Trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,


crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos
que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

O campo de pesquisa foi uma escola pública do município


de Camaragibe, localizado na Região Metropolitana de Recife,
Pernambuco, tendo como sujeito uma professora do 1º ano do
1º ciclo do Ensino Fundamental, que estava participando do Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). A opção por
tal etapa de escolaridade foi feita porque é no 1º ano do Ensino
Fundamental que as professoras iniciam, de modo mais sistemá-
tico, o ensino do sistema de escrita alfabética. Neste nível de escola-
ridade, a maioria das crianças das escolas públicas brasileiras ainda
não se apropriou dos conhecimentos relativos à base alfabética.
A seleção da professora foi feita por meio de uma consulta a um
grupo de professoras que estavam participando de um encontro de
formação do Pacto Nacional pela Alfabetização (Pnaic).
Foi feita uma breve exposição dos objetivos da pesquisa e, com
base nessa exposição, as pessoas interessadas em participar se apre-
sentaram. Foi, então, escolhida a professora que estava atuando
em uma turma do 1º ano, pois tínhamos o interesse de observar
uma turma que estivesse iniciando o processo de alfabetização.
Nesta pesquisa foram realizadas observações de aulas, que possi-
bilitaram, como afirmam Mazzotti e Gewandsznajder (2001, p. 164),
“[…] identificar comportamentos não-intencionais ou inconscientes”.
Foram realizadas observações de dez aulas nos meses de junho,
julho e agosto, as quais ocupavam todo o turno de aula. No final das

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 78


aulas eram realizadas entrevistas, para aprofundamento da com-
preensão das intenções da professora nas aulas.
Após a realização das entrevistas e observações, que eram grava-
das, foram elaborados relatórios de aula. Com base na leitura repe-
tida desses relatórios, foram construídas as categorias, organizadas
em quadros que eram preenchidos e interpretados. Tais procedi-
mentos tinham, como ponto de partida, os princípios expostos por
Bardin (1979, p. 105) para a pesquisa de análise de conteúdo, que
“[…] consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a
comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição pode sig-
nificar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”.
Considerando os objetivos da pesquisa, foram criadas três cate-
gorias gerais: a frequência com que as Obras Complementares do
PNLD foram utilizadas para ensinar o Sistema de Escrita Alfabética;
os tipos de atividades desenvolvidos no ensino do SEA em situação
de uso dos Acervos Complementares; e os princípios didáticos sub-
jacentes às atividades de ensino do SEA a partir do uso dos Acervos
Complementares.
Com base nos relatórios de aula, foi possível verificar que, em
90% das aulas, a docente realizou atividades de leitura de textos
e atividades que possibilitaram a reflexão sobre a base alfabética.
Tanto para o ensino da compreensão de textos quanto para o traba-
lho mais focado nas reflexões sobre o funcionamento do sistema de
escrita alfabética foram utilizados materiais didáticos diversifica-
dos, tendo havido, em muitos momentos, articulação entre esses
dois eixos de ensino. As obras complementares foram utilizadas
em oito das dez aulas. Em quatro das oito aulas, além da aborda-
gem dos sentidos do texto, foram também realizadas atividades de
reflexão sobre os princípios do sistema de escrita alfabética.
No Quadro 1, a seguir, estão descritos quais recursos foram uti-
lizados em cada aula para o ensino dessa dimensão da alfabetização.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 79


Quadro 1. Recursos didáticos utilizados para o ensino do sistema de escrita
alfabética

Ficha de atividade
complementares

Livro didático
alfabetização
Jogos de

Outros
Obras
Aula

10

Percentual de aulas
em que os recursos 40% 20% 90% 50% 40%
foram utilizados

Fonte: Elaboração própria.

Como foi dito anteriormente, em 80% das aulas, as obras com-


plementares foram utilizadas. O foco principal era a compreensão
de textos, mas, em quatro aulas (40% do total), foram realizadas
reflexões sobre a constituição das palavras, como pode ser visto no
Quadro 2, a seguir.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 80


Quadro 2. Aulas em que foram utilizadas obras complementares

Aula Obra complementar Eixo de ensino enfocado

1 Título: Histórias para contar Compreensão de textos


Autora: Ana Paula Perovano
Editora: Globo

2 Título: A, E, I, O, U Compreensão de textos


Autores: Ângela- Lago e Zoé Rios Apropriação do SEA
Editora: RHJ

3 Título: Ossos do ofício Compreensão de textos


Autor: Gilles Eduar Apropriação do SEA
Editora: Companhia das Letrinhas

Título: Encontro com Portinari Compreensão de textos


Autores: Rosane Acedo e Cecília Aranha
/ Imagem: Marina Toledo
Editora: Formato

4 Título: Marcelo, marmelo, martelo e Compreensão de textos


outras aventuras Apropriação do SEA
Autora: Ruth Rocha
Editora: Salamandra

5 Não foi utilizada nenhuma obra


complementar

6 Título: Aves Compreensão de textos


Autores: Gusthavo Sezerban e Rafael Apropriação do SEA
Sezerban
Editora: Ayamará

7 Título: Encontro com Portinari Compreensão de textos


Autores: Rosane Acedo e Cecília Aranha
Imagem: Marina Toledo
Editora: Formato

Título: Marcelo, marmelo, martelo e Compreensão de textos


outras aventuras
Autora: Ruth Rocha
Editora: Salamandra

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 81


Aula Obra complementar Eixo de ensino enfocado

8 Título: Marcelo, marmelo, martelo e Compreensão de textos


outras aventuras
Autora: Ruth Rocha
Editora: Salamandra

9 Título: Macaco danado Compreensão de textos


Autora: Julia Donaldson
Editora: Brinque Book

10 Não foi utilizada nenhuma obra


complementar

Fonte: Elaboração própria.

Como foi dito anteriormente, em todas as aulas foram condu-


zidas atividades de reflexão sobre o funcionamento do sistema de
escrita, com uso de diferentes recursos didáticos. Em quatro dessas
aulas foram utilizadas Obras Complementares tanto para a refle-
xão sobre os sentidos textuais quanto para a reflexão sobre a com-
posição das palavras (aulas 2, 3, 4 e 6).
Das obras escolhidas, apenas uma delas era do tipo indicado no
documento orientador do programa (BRASIL, 2009, 2012) como
mais especificamente voltada para o ensino do sistema de escrita
(livros de palavras ou que induziam reflexões sobre a composi-
ção de decomposição de palavras). Isto é, em apenas um dos livros
havia ênfase no uso de recursos linguísticos pelos autores para
explorar a dimensão sonora e gráfica das palavras.
Em três das quatro aulas, as obras foram utilizadas como ponto
de partida para atividades de apropriação do SEA, ainda que o texto
lido não ressaltasse aspectos relativos ao funcionamento do sis-
tema de escrita. Isso revela que, nessas aulas, na seleção das obras,
o eixo de apropriação do SEA não foi tomado como central e, sim,
os temas tratados.
Nessas aulas, a docente utilizou, além das obras complementa-
res, outros recursos, como os livros didáticos e as fichas de leitura,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 82


além de ter levado textos como parlendas, músicas e poemas. Ela
também se preocupou em articular algumas atividades em fichas
com os textos lidos, que serão discutidas a seguir.
Para categorizar os tipos de atividade utilizados pelas docentes
nas situações de uso das obras complementares, foram tomadas
as categorias de atividades elaboradas em estudo prévio de Leal e
Morais (2010), expostas no Quadro 3, a seguir.

Quadro 3. Tipos de atividades de ensino do sistema de escrita alfabética


em situações de uso das obras complementares

martelo e outras histórias

Encontro com Portinari


Histórias para contar
Tipos de atividade

Marcelo, marmelo,

Macaco danado
Ossos do ofício
A, E, I, O, U

Aves

Atividade de
familiarização
com as letras

Atividades que
objetivam a
construção de
palavras estáveis

Atividades de
reflexão fonológica

Atividades de
composição e
decomposição de
palavras

Atividades de
comparação entre
palavras escritas

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 83


martelo e outras histórias

Encontro com Portinari


Histórias para contar
Tipos de atividade

Marcelo, marmelo,

Macaco danado
Ossos do ofício
A, E, I, O, U

Aves
Atividades de escrita
de palavras através
do preenchimento
de lacunas

Atividades de
permuta, inserção
ou retirada de
letras e sílabas para
formação de novas
palavras

Atividade de
ordenação de letras
e sílabas

Atividades de leitura
de palavras

Atividades de escrita
de palavras

Fonte: Elaboração própria.

Um dado relevante facilmente reconhecido no Quadro 2 é que,


embora a professora só tenha realizado atividades de ensino do
Sistema de Escrita Alfabética com uso de Obras Complementares
em quatro aulas, houve diversidade de tipos de atividade. Seis tipos
de atividade foram identificados: atividades de reflexão fonoló-
gica; atividades de comparação entre palavras escritas; ativida-
des de escrita de palavras através do preenchimento de lacunas;

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 84


atividades de permuta, inserção ou retirada de letras e sílabas para
formação de novas palavras; atividades de leitura de palavras; ati-
vidades de escrita de palavras.
Na aula em que foi realizada a leitura do livro A, E, I, O, U, a cada
página lida, a docente refletia sobre a formação das novas palavras.
Escrevia no quadro e perguntava para os alunos, por exemplo:
“Como transformar PASTAS em PESTES?”. A professora, então,
escrevia no quadro a palavra PASTAS e perguntava às crianças
que letras elas mudariam para transformar na palavra PESTES. O
mesmo fez com outras palavras como PAPA/PIPA e ÉGUA/ÁGUA.
Podemos considerar que esse trabalho de permuta e inserção de
letras para formação de novas palavras já era facilitado pela pró-
pria obra, classificada pelo estudo prévio de Leal e Rodrigues (2011)
como um livro de palavras que possibilita, através de intervenções
sistemáticas do professor, a reflexão sobre a base alfabética.
Nessa mesma aula, a docente pediu que os estudantes escreves-
sem palavras correspondentes às imagens e depois pintassem as
letras que se repetiam. Desse modo, ela, além de estimular a escrita
de palavras, fazia com que as crianças comparassem palavras, bus-
cando regularidades tanto em relação à dimensão sonora quanto
gráfica. É importante salientar que, na obra, tal tipo de recurso já
existia, com destaque às vogais e às consoantes que se repetiam.
A professora também realizou outra atividade para que as crian-
ças completassem com as consoantes que faltavam para formar
as palavras, como por exemplo, PATO/GATO/RATO, em que as
mesmas vogais aparecem nas três palavras. Tal atividade ressalta
as semelhanças sonoras entre as palavras.
Na aula 3, após a leitura da obra Ossos do ofício, a professora
explorou o tema “profissões” e depois entregou uma ficha de ativi-
dades em que as crianças deveriam escrever os nomes das profissões.
Nessa atividade, a tentativa de escrita, sem dúvida, mobilizava,
entre as crianças, conhecimentos que elas precisavam socializar no
trabalho de escolha das letras a serem utilizadas. Também tiveram

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 85


como tarefa uma brincadeira de cruzadinha. Nessa última ativi-
dade, as crianças visualizavam a figura que representava a profis-
são e, depois, tinham de completar as lacunas, o que se torna um
desafio, demandando análise de cada parte da palavra para escre-
vê-la. A articulação entre tais atividades e a obra lida era feita por
meio da seleção lexical, pois foram utilizadas palavras presentes na
obra ou do mesmo campo semântico.
A partir da leitura do livro Marcelo, marmelo, martelo, foram
realizadas ações de permuta, inserção ou retirada de letras e sílabas
para formação de novas palavras, pois a docente escreveu as pala-
vras MARCELO, MARMELO, MARTELO no quadro, e pergun-
tou: Essas palavras são parecidas? Por que elas se parecem? Para
transformar MARCELO em MARMELO, qual letra que mudo? E
MARMELO em MARTELO?
Ainda nessa aula, a professora entregou uma ficha com as ima-
gens de alguns objetos, para as crianças escreverem as palavras e
depois escreverem outras palavras inventadas para as mesmas
imagens. É interessante frisar que, no conto lido, o personagem
brincava de inventar nomes. As crianças, então, foram convidadas
a entrar na brincadeira do personagem da história.
Na sexta aula, partindo da leitura da obra Aves, as crianças pre-
senciaram a professora escrever no quadro características das aves,
ditadas pelas crianças, e depois fizeram uma tarefa em que tinham
de identificar, entre três palavras, qual era a que designava o nome
de cada ave desenhada, como, por exemplo, no trio TUTANO/
TUCANO/TUTANDO. As crianças tinham de comparar as pala-
vras que possuíam semelhanças sonoras e gráficas, sendo desafia-
das a encontrar pistas para escolher a palavra correta.
Tais análises mostraram que em todas as quatro aulas as crian-
ças tinham de refletir sobre as palavras, tanto em relação à dimen-
são sonora quanto gráfica, estimulando-se, dessa forma, o desen-
volvimento da consciência fonológica que, segundo Morais (2012,
p. 107), é muito importante na alfabetização:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 86


Promover a consciência fonológica num quadro mais amplo
de atividades de reflexão sobre as palavras e sobre suas partes
orais e escritas nos parece uma solução inteligente, adequada e
prazerosa, para ajudar nossas crianças a “desvendar a esfinge” e,
se apropriarem do alfabeto.

As reflexões expostas evidenciam que a docente planejava suas


aulas de modo a contemplar o trabalho com textos e o trabalho de
apropriação do Sistema de Escrita Alfabética. As estratégias didá-
ticas eram pertinentes ao que se denomina hoje como alfabetiza-
ção na perspectiva do letramento, que tem como referencial teó-
rico principal o sociointeracionismo.
Para analisar nas aulas os princípios didáticos subjacentes à
condução da docente, buscou-se novamente realizar releitura dos
relatórios e identificar quais dos princípios elencados por Lima
(2011), que realizou uma síntese dos pressupostos didáticos presen-
tes entre teóricos sociointeracionistas, eram evidentes na prática
da professora.

Quadro 4. Princípios didáticos presentes nas aulas observadas


contemplado
Aulas
Percentual
nas aulas

Princípios
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Ensino reflexivo 100%

Ensino centrado na
100%
problematização

Ensino centrado
na interação em 20%
pares e em grupos

Ensino centrado
na explicitação 100%
verbal

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 87


contemplado
Aulas

Percentual
nas aulas
Princípios
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Favorecimento da
70%
argumentação
Sistematização dos
90%
saberes

Valorização dos
conhecimentos 100%
dos alunos

Incentivo à
participação dos 100%
alunos
Diversificação
de estratégias 90%
didáticas
Ensino centrado
100%
na progressão

Fonte: Elaboração própria.

A partir dos dados coletados, podemos afirmar que a prática da


docente está pautada na teoria sociointeracionista de ensino, uma
vez que em todas as aulas princípios elencados por Lima (2011)
foram contemplados, como pode ser ilustrado na análise da aula 2,
exposta a seguir.
No segundo dia de observação, a docente iniciou a aula escre-
vendo um roteiro com as atividades no quadro. Depois, retomou a
atividade da aula anterior sobre os dias da semana e meses do ano.
Nesse momento, ela faz várias indagações, como: “Quantos dias
têm a semana?”, “Quais são os meses?”, “Quem faz aniversário em
janeiro?”, “Em fevereiro?”, “Em março?”, “Quem faz em novem-
bro?”, “Quais são os meses que têm 31 dias?”, “E quais têm 30 dias?”.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 88


Na sequência, a docente entregou uma ficha com atividade
sobre os meses do ano, a fim de sistematizar essa temática. Nessa
primeira parte da aula, pelo menos, três princípios foram contem-
plados, como o incentivo à participação dos alunos, uma vez que a
docente fazia perguntas às crianças, a fim de que as mesmas parti-
cipassem da aula; a explicitação verbal, pois as crianças respondiam
às perguntas feitas pela professora explicando as respostas dadas;
e a sistematização dos saberes, pois, além de a docente fazer as per-
guntas, ela também sistematizava os conhecimentos oralmente e
por meio da ficha de atividades.
Depois, a docente realizou uma atividade em que explorou a
capa da obra complementar Delícias e gostosuras (atividade pre-
sente no livro didático de língua portuguesa), realizando as estra-
tégias de leitura, a partir das seguintes perguntas: “Para que serve a
capa de um livro?”, “Quais informações estão na capa?”, “Qual será
o assunto que ele deve tratar?”, “Para quem ele foi escrito?”, “Qual
é o título?”, “Quem escreveu?”, “Quem fez o desenho?”.
Na sequência, a professora fez a chamada com as crianças e,
depois, liberou-as para o recreio. Na volta, as crianças participa-
ram da roda de histórias, com a leitura da obra literária Bom dia,
todas as cores, de Ruth Rocha. Nesse momento, as estratégias de lei-
tura também foram realizadas da mesma forma como aconteceu
na atividade anterior, só que desta vez lendo, de fato, a obra.
Nesses momentos de leitura das obras, a professora estimulou
as crianças a participarem da aula, realizando perguntas e provo-
cando-as a antecipar os sentidos. Desse modo, contemplou princí-
pios diversos, como o da reflexão e da problematização, explicita-
ção verbal, interação no grupo para exploração das obras.
Depois desse momento, a docente dividiu a turma em dois gru-
pos (meninos e meninas) para brincar com o jogo de alfabetização
Troca letra. Inicialmente, ela explicou as regras do jogo e, na sequ-
ência, iniciou a brincadeira. Ressaltamos que nesse momento, ela
utilizou em sua prática outro princípio, o do ensino centrado na inte-
ração em grupos, pois cada grupo deveria se unir para responder os

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 89


comandos da brincadeira. Eles também precisavam refletir sobre o
funcionamento do sistema de escrita para participar da brincadeira.
A leitura do livro A, E, I, O, U aconteceu também nesse dia.
Inicialmente, a docente realizou as estratégias de leitura de modo
semelhante ao que ocorreu com a obra anterior e, na sequência,
refletiu sobre a escrita das palavras. Ressaltamos, nesse momento,
que essa obra complementar tem uma articulação com o jogo rea-
lizado na seção anterior, trabalhando habilidades do sistema alfa-
bético. Nesse caso, as crianças foram motivadas a perceber que a
mudança de uma letra em uma palavra pode transformá-la em
outra palavra. Esse mesmo conhecimento sobre o sistema de
escrita era mobilizado no jogo Troca Letras. Elencamos, então, a
presença da diversificação de estratégias didáticas adotada pela pro-
fessora a fim de que as crianças refletissem sobre a base alfabética,
uma vez que fez uso de variados recursos que apresentavam níveis
diferentes de dificuldades, contemplando também a progressão.
Em seguida, a docente aplicou uma ficha de atividade em que as
crianças tinham de escrever as letras que faltavam para completar as
palavras. Na ficha tinha a figura e embaixo uma lacuna para escrever
a letra que completava a palavra. Nessa mesma atividade, as crian-
ças ainda tinham que pintar as letras que se repetiam em cada linha,
por exemplo, BOLA/MOLA/COLA. O desafio das crianças era com-
pletar com as consoantes e depois pintar as vogais (A, O). Podemos
dizer que essa atividade foi aplicada com o objetivo de sistematizar e
complementar as atividades realizadas com o jogo de alfabetização e
a obra A, E, I, O, U. Essas três atividades estavam articuladas. Com
base nessa articulação, pode-se afirmar que a prática realizada pela
professora está pautada no princípio reflexivo, centrada no ensino que
problematiza e que valoriza os conhecimentos dos alunos, uma vez que
propõe às crianças pensarem que letras são necessárias para comple-
tar as palavras, por meio de perguntas que possibilitam a construção
da aprendizagem sobre o sistema de escrita, considerando o aluno
como um sujeito ativo nesse processo. Segue o extrato que exempli-
fica esse momento:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 90


P – Qual o nome desse livro? Quem sabe?
A – A, E, I, O, U, “A” - “E” - “I” - “O” - “U”…
P – Quem escreveu esse livro foram duas pessoas, chamadas Ângela Laber
e Zoé Rios.
P – Quem sabe que símbolo é esse aqui?
A – Não sei.
P – Esse símbolo aqui é o símbolo de interrogação… Quando a gente vai
fazer uma pergunta.
P – Interrogação.
P – Tava perguntado aqui… Olha, vê… Esse livro aqui também é de troca,
tá certo?
P – Que trocava as letrinhas…
P – Só que nesse livro aqui são outras palavrinhas, certo?
P – Esse aqui tá dizendo assim: como fazer uma égua virar água? Quem
sabe como é que faz?
P – Alguém sabe como é que faz uma égua ficar toda derretida e virar
água?
P – Quem sabe?
A – Qual o nome?
P – Olha o nome: égua.
P – Se eu quisesse transformar égua numa água como eu faço?
A – Égua…
P – Quem consegue?
A – Égua… do “A”.
A – Bota o “A”… Água!
P – É só eu trocar; tira o “E” e bota um “A”… Água.
P – Aí aqui ele tá dizendo assim: como fazer a égua se derreter todinha?
P – Pega a égua olha bota o “A” tira o “E” bota o “E” e vira uma água.
A – Água.
P – Vamos ver o outro.
P – Como fazer um papa…
A – PAPA.
A – P-A, P-A.
P – Como fazer um papa voar?
P – Quem sabe?
P – Como fazer um papa voar, olha só como é que faz.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 91


P – Tira o “A” de papa, tira esse “A” daqui e bota o “I” por cima. Formou que
nome?
A – PIPA!
P – Pipa voa?
A – Voa!
P – Então a gente transformou papa em pipa, não foi?
P – Como fazer uma mala pular, quem sabe?
P – MA-LA!
A – LA: L-A.
P – Como fazer uma mala pular?
A – Tira o “A” e bota “O”.
P – Tira o “A” e bota “O” e bota o “A” no lugar do “O”. Ficou que nome?
A – MO-LA.
A – MOLA.
P – E mola pula?
A – PULA.
P – Ficou assim… MO-LA! Tirou o “A” e botou o “O”.
P – Como o céu acaba e começa o universo?
P – Vejam… CÉU… O “U” de céu termina olha… Tá vendo? É a ultima letra de
CÉU. E é a primeira letra de…
A – UNIVERSO.
P – E é a primeira de UNIVERSO.
P – Agora como fazer pastas virar PESTES?
P – PAS-TAS… Como eu faço para fazer PESTES?
A – Tira o “A” e bota o “E”.
P – Tira esse “A” e bota o “E”.
P – Virou PESTES?
A – Virou.
P – Ainda não.
A – Tira o “S”.
P – Tira o “S”?
A – Tira o “A” e bota o “E”.
P – Tira o outro “A” e bota o “E”. Virou o quê agora? PESTES.
A – PESTES!
P – Outra aqui olha… PASTAS. Tirou o “E” e tirou o “S” e formou o nome
PASTA.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 92


No momento do jogo Troca Letra o desafio das crianças foi escre-
ver a palavra que a docente solicitava e depois dizer que letra era
necessária para transformar, por exemplo, MOLA em GOLA. Já
no momento da leitura do livro foram lançados alguns questio-
namentos às crianças, como, por exemplo, “Como fazer o PAPA
voar?”. E, na página seguinte, havia a palavra PIPA (juntamente
com a ilustração representando esse brinquedo). Nesse momento,
as crianças percebem que a troca de letras – nesse caso, as vogais –
pode transformar uma palavra em outra. No jogo Troca Letra a
permuta foi feita apenas com as consoantes. Então, com o objetivo
de finalizar a atividade de permuta, inserção ou retirada de letras
para formação de novas palavras, foi realizada uma atividade apre-
sentada em uma ficha em que as crianças teriam de completar as
letras – nesse caso, as consoantes – que faltavam para formar pala-
vras (sempre com auxílio das figuras). Depois da escrita das letras,
os alunos pintaram as letras que se repetiam em cada linha.
A partir da descrição feita acima, é possível também identifi-
car o princípio da progressão presente na aula, pois a docente refle-
tiu sobre o sistema alfabético de forma gradativa, por meio de um
processo contínuo e de atividades e recursos variados que apresen-
tam diferenciados níveis de dificuldade. Por último, pode-se, ainda,
afirmar que foi contemplado o princípio do favorecimento da argu-
mentação, pois as crianças tinham que argumentar sobre as previ-
sões de leitura ou sobre as respostas que davam para as perguntas
da professora, justificando o que diziam.

Conclusões
A partir das reflexões anteriores é possível concluir que a docente
utilizou recursos variados para trabalhar o Sistema de Escrita
Alfabética. Em sua prática, torna-se notória a presença do ensino
sistemático do SEA de modo simultâneo ao trabalho com textos.
A concepção de alfabetização adotada pela docente é pau-
tada na perspectiva do alfabetizar letrando, pois, durante as aulas

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 93


observadas, vivenciamos momentos em que a professora explo-
rava os textos, discutindo sobre os temas, e momentos em que refle-
tia com as crianças sobre os princípios e convenções da língua, por
meio de fichas de atividades, livros didáticos, jogos de alfabetização
e Obras Complementares.
Quanto às Obras Complementares, é possível afirmar que
foram utilizadas como recursos importantes para concretizar as
intenções educativas da professora, tanto em relação à dimensão
do funcionamento do sistema de escrita quando à dimensão do tra-
balho de reflexão sobre os sentidos dos textos.
Apenas uma obra escolhida (A, E, I, O, U) tinha o foco mais
direto na apropriação do Sistema de Escrita Alfabética, por se tra-
tar de um livro de palavras, que, conforme afirma Leal e Rodrigues
(2011), favorece a exploração do funcionamento do SEA. Os recur-
sos estéticos e lúdicos utilizados pelos autores da obra inspiraram
as outras atividades da docente. Desse modo, além de a própria
obra suscitar reflexões sobre os princípios da base alfabética, as ati-
vidades planejadas pela docente, articuladas à proposta da obra,
também tinham tal característica.
As outras obras, mesmo não lançando mão de recursos estéti-
cos ou lúdicos voltados para a dimensão sonora ou gráfica das pala-
vras de forma mais direta também possibilitaram à docente rea-
lizar diversas atividades, a partir das histórias lidas. Nesses casos,
as obras serviam de ponto de partida, e as palavras inseridas nos
textos ou seus temas eram introduzidos nas atividades expostas de
fichas de atividades ou no próprio quadro, de modo coletivo.
Nas aulas observadas foi possível identificar estratégias didáticas
que em muito se distanciavam de métodos tradicionais, tanto por
promoverem um ensino reflexivo, problematizador, sobre o sistema
de escrita, quanto por articularem tal ensino ao trabalho com textos
de circulação social – além de favorecerem a interdisciplinaridade.
Enfim, concluímos que a professora conduziu suas aulas a par-
tir do pressuposto de que é importante incentivar, desde cedo, as
crianças a participarem das práticas de letramento, possibilitando

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 94


interação social e proporcionando situações em que as mesmas pos-
sam refletir sobre o sistema de escrita por meio dos diversos gêneros
textuais. Percebemos que as Obras Complementares foram impor-
tantes recursos para a efetivação dessa concepção, pois permitiram
aos alunos o acesso ao mundo da escrita ao mesmo tempo que des-
frutaram de momentos prazerosos de leitura e de aprendizagem
dos conteúdos curriculares das diferentes áreas de conhecimento.
Tais conclusões são extremamente importantes porque evi-
denciam possibilidades de um trabalho pedagógico diversificado,
em que as obras complementares podem favorecer o processo de
alfabetização na perspectiva do letramento. Por meio de um caso
específico, ilustramos alguns modos de inserir as crianças em um
ensino problematizador, em que os sujeitos aprendizes são ativos.

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REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 97


4 JOGOS ORTOGRÁFICOS
COMO RECURSOS PEDAGÓGICOS
PARA PROMOVER A APRENDIZAGEM
DAS REGULARIDADES DIRETAS

Tarciana Pereira da Silva Almeida


Artur Gomes de Morais

O ensino de língua portuguesa tem avançado bastante nas últi-


mas duas décadas. A adoção de uma perspectiva construtivista da
aprendizagem fez com que vários professores passassem a conside-
rar seus alunos como protagonistas de suas próprias aprendizagens,
assumindo, então, o papel de mediadores do conhecimento.
Podemos verificar que houve uma grande ênfase na promoção
dos comportamentos leitores e escritores dos alunos. Não pode-
mos dizer o mesmo quanto ao ensino da ortografia. Esse aspecto
da língua portuguesa ainda se desenvolve muito timidamente,
pois ainda não tem sido tomado como um objeto de conhecimento
pelos professores.
Apesar de ter sido bastante discutida por diversos autores
(LEMLE, 1986; NUNES, 1992; MORAIS, 1995, 1998, 1999; PESSOA,
2007; SILVA, 2008), a ortografia parece ser um apêndice no ensino
da língua portuguesa, pois muitos professores ainda não sabem
como as crianças delas se apropriam dela e desconhecem didáticas
promotoras da tomada de consciência sobre a norma. Dessa forma,
acabam por assumir uma postura persecutória frente aos alunos
que cometem erros ortográficos ou passam a criticar a preocupação
com as regras ortográficas.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 98


Alguns princípios didáticos podem orientar o professor quanto
ao ensino desse objeto de conhecimento, bem como alguns recur-
sos didáticos podem ser adotados para auxiliar os aprendizes a
tomar consciência sobre a norma ortográfica.
Nesse capítulo, temos como objetivo apresentar um recurso didá-
tico que pode potencializar a aprendizagem da ortografia pelas crian-
ças: o jogo ortográfico. Sabemos que o jogo é um recurso didático e
que, para que seja usado em favor da construção dos conhecimentos
dos alunos, é preciso que o professor tenha uma intenção educativa
com o mesmo. Cabe ao docente planejar situações de uso dos jogos e
fazer mediações necessárias para que a aprendizagem ocorra.
Apresentaremos, a seguir, como a norma ortográfica da língua
portuguesa é organizada, discutiremos alguns princípios que orien-
tam a prática docente e discorreremos sobre como o jogo pode ser
um recurso favorecedor das aprendizagens, apresentando evidên-
cias empíricas de seu uso na aprendizagem das regularidades diretas.

Como está organizada a norma ortográfica


do português?
Devido ao fato de as relações entre sons e letras não serem biunívo-
cas, surgiu a necessidade da normatização da escrita, a necessidade
de fazer acordos ortográficos para fixar essa escrita.
Segundo Morais (1998, p. 19), “[…] a ortografia serviu como um
recurso capaz de ‘cristalizar’ na escrita as diferentes maneiras de
falar dos usuários de uma mesma língua. Escrevendo de forma
unificada, podemos nos comunicar mais facilmente”. Percebemos,
então, que a ortografia foi fruto de acordos e, sendo assim, não pode-
mos esperar que a criança “sozinha” descubra como ela funciona.
Acontece, no entanto, que a ortografia nem sempre é tratada
pelos docentes como um objeto de conhecimento e ainda existe
bastante confusão quanto a sua organização e ensino. Adotamos,
aqui, a classificação da norma ortográfica realizada por Morais

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 99


(1995, 1998), que divide as relações som/letra em correspondências
fonográficas regulares e irregulares.
Entre as correspondências fonográficas regulares encontramos:

a. regularidades diretas – incluem as relações letra-som na gra-


fia dos chamados pares mínimos “P/B”, “T/D” e “F/V”, assim
como o M e o N em início de sílaba. Nesses casos, verificamos
que não há “competição” entre letras, já que, para cada som,
há em nossa língua uma única letra para notá-lo. É comum
verificarmos erros sobre o uso desses grafemas na escrita de
crianças que ainda estão aprendendo as convenções do sis-
tema alfabético;
b. regularidades contextuais – nesse tipo de regularidade é o con-
texto (posição) dentro da palavra que vai definir que letra
ou dígrafo vai ser utilizado. A letra usada para notar aquele
valor sonoro da letra é definida pela posição que esta ocupa
na sílaba ou na palavra, ou pelas letras que a circundam.
Podemos enumerar alguns desses contextos: o uso do “M” ou
“N” no final de sílabas (pombo e ponte); o uso do “R” ou “RR”
(rede, carta, serrote, honra, pirata, grade); o emprego de “G”
ou “GU” (gato, guerreiro); o emprego de “C” ou “QU” (cabelo e
quilombo), o uso de “O” ou “U”, “E” ou “I” no final de palavras
(bambo e bambu, pede e pedi);
c. regularidades morfológico-gramaticais – implicam na relação
letra/som definida pela categoria gramatical das palavras. Na
maioria dos casos, essas regras envolvem partes internas das
palavras (morfemas), principalmente os sufixos que indicam
a “família gramatical”, sejam sufixos de derivação ou que for-
mam as flexões (verbais, numerais, por exemplo). Como
exemplos, temos a escrita de substantivos que indicam o local
de origem e terminam em “ÊS” (japonês, inglês), substanti-
vos coletivos terminados em “L” (milharal, cafezal); adjeti-
vos escritos com “S” (dengoso, carinhoso). Há ainda os que são
presentes nas flexões verbais, como o emprego dos verbos: na

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 100


3ª pessoa do singular do pretérito perfeito escreve-se com “U”
no final (saiu, falou), na 3ª pessoa do plural do futuro do pre-
sente terminando com “ÃO” (sairão, falarão), todas as outras
3as pessoas do plural de todos os tempos verbais terminando
com “AM” (saíram, falaram, cantavam, falam); o uso do “SS”
no imperfeito do subjuntivo; a escrita do “R” no fim das pala-
vras no infinitivo (sair, cantar). (MORAIS, 1998).

As regularidades ortográficas possuem um princípio gerativo,


ou seja, possuem uma regra que determina sua escrita e é passí-
vel de ser compreendida, especialmente, quando é promovido um
ensino que leve o aluno a refletir sobre essas escritas.
Em nossa norma há também as irregularidades, em que não há
regras que determinem as relações som/grafia das palavras, porque
estas foram definidas por questões etimológicas ou apenas pela tra-
dição de uso. Alguns exemplos são as várias formas de notar o som
do S na maioria dos vocábulos (seguro, cigarra, piscina, caçador,
nariz, nascença, exceto, passeio, auxílio, exsudar, cresça), o som do
“G” (girassol e jiló), o som do “Z” (zebu, casa e exílio), o som do “X”
(enxada e chave), entre outras.
Nesses casos não há “lógica” que oriente suas escritas. Devido
à especificidade dessas diferentes correspondências fonográficas, é
preciso que o professor oriente de forma distinta a aprendizagem
das mesmas. Isso é o que discutiremos a seguir.

“Entendi como a norma se estrutura. E agora?”


A partir do momento em que compreendemos que há diferentes
classificações nas correspondências fonográficas, nos colocamos
frente a um desafio. Começam a surgir questionamentos: o que
fazer para que meu aluno avance em seu conhecimento ortográ-
fico? Como ensinar as regularidades e irregularidades? Que princí-
pios didáticos devem orientar meu ensino da ortografia?

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 101


Para que o aluno avance na aquisição da escrita ortográfica, é
adequado não só que o professor conheça como se estrutura a
norma, mas, também, que estabeleça metas para o ensino da orto-
grafia, a cada ano, e que planeje uma ação didática capaz de levar os
aprendizes à tomada de consciência sobre a norma ortográfica e de
monitorar as aprendizagens dos alunos (MORAIS, 1998).
Sabendo que há várias classificações nas correspondências
fonográficas, o docente passa a perceber que precisa ministrar um
ensino diferenciado sobre as mesmas, pois há especificidades no
ensino de cada regra, e também tem que dar conta de possibilitar
ao aluno escrever palavras que fogem às regularidades ortográficas.
As regularidades ortográficas podem ser trabalhadas a partir
da reflexão sobre a escrita, com atividades de classificação de pala-
vras (reais ou inventadas) e escrita de palavras (reais ou inventa-
das), a partir de palavras ou textos. Já o ensino das irregularida-
des ortográficas vai exigir do professor que invista em um trabalho
de memorização e pesquisa, com construção de listas de palavras,
consultas a dicionários, entre outras alternativas (MORAIS, 1998).
Ao propor atividades como essas, o professor possibilita que
o aluno reflita sobre a escrita, criando hipóteses para justificar o
emprego de tal ou qual letra ou dígrafo, de modo que o aprendiz, de
fato, vá se apropriando da norma ortográfica.
Conforme dissemos no começo do capítulo, o ensino da orto-
grafia precisa evoluir, pois, infelizmente, ainda é tratado por mui-
tos professores como um apêndice da língua portuguesa, que apa-
rece em sala de aula apenas quando há indicação do livro didático
ou apenas para constar em um determinado dia da semana.
Precisamos considerar que, para que o ensino se efetive, a rea-
lização de um trabalho sistemático mostra-se imprescindível, seja
em que área do conhecimento for. Com a ortografia não poderia ser
diferente! Conforme Melo (2001), a sistematicidade no ensino de
ortografia favoreceria a melhoria do desempenho ortográfico dos
alunos nas regularidades de nossa norma (MELO, 2001). A explo-
ração esporádica da ortografia não traz resultados significativos e,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 102


assim sendo, é preciso que tenhamos um planejamento para o seu
ensino e façamos uso de didáticas que possibilitem o avanço dos
alunos, de forma a escreverem cada vez mais conforme a norma
de nossa língua.
Pesquisas apontaram que o uso de didáticas promotoras da
tomada de consciência sobre a norma pode possibilitar um signi-
ficativo avanço na aprendizagem da norma ortográfica pelos alu-
nos (MELO; REGO, 1998; MORAIS, 1999; MOURA, 1999; MELO, 2001).
Sendo assim, quando o professor faz uso dessas didáticas, ele pos-
sibilita aos aprendizes momentos de reflexão sobre a escrita, insta-
lando neles a dúvida e a oportunidade de investigar se há ou não um
princípio gerativo por trás das restrições ortográficas (MORAIS, 1998).
Assim, o aluno começa a perceber quando a palavra obedece a uma
regra e quando nada justifica sua notação com tal ou qual grafema.
Continuamos defendendo que alguns princípios didáticos devem
orientar o professor, de modo a construir um trabalho mais efetivo
com a ortografia. Os princípios gerais são: a) promoção do convívio
das crianças com modelos de escrita de acordo com a norma ortográ-
fica; b) a promoção de situações em que os alunos explicitem seus
conhecimentos sobre a ortografia; e c) o estabelecimento de metas
para o rendimento ortográfico dos alunos (MORAIS, 1988).
Chamamos atenção para o segundo princípio, pois, ao explicita-
rem seus conhecimentos, os alunos vão tomando uma maior cons-
ciência das regras que estão por trás da escrita das palavras.
Defendemos, também, princípios específicos para promover
essa tomada de consciência: a) a reflexão constante sobre a ortogra-
fia (o professor deve semear a dúvida nos alunos); b) a permissão da
escrita espontânea pelas crianças; c) a ausência da nomenclatura
gramatical como requisito para aprendizagem das regularidades
da norma; d) a promoção da discussão coletiva dos conhecimen-
tos ortográficos e o registro das descobertas (esse recurso é bastante
importante, pois os alunos podem criar hipóteses para uso de letras
ou dígrafos e discutirem se essas hipóteses se confirmam ou não,
durante as aulas); e) o trabalho em duplas ou grupos para fomentar

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 103


o debate; e f) a consideração do rendimento heterogêneo dos alu-
nos (MORAIS, 1998).
Atentando para esses princípios, o professor pode pensar em
diferentes formas de promover a reflexão, bem como eleger dife-
rentes recursos didáticos com essa finalidade. Um recurso que vem
sendo utilizado com êxito nas salas de aula é o jogo. Vejamos, pois,
porque o jogo vem se tornando cada vez mais presente nas escolas
de educação básica.

Jogar na sala de aula? Para quê?


Segundo Kishimoto (1994), a palavra “jogo” tem vários sinônimos,
tais como brinquedo e brincadeira, o que dificultaria a sua conceitu-
ação. Quando falamos em jogo, muitos o associam apenas a uma
situação lúdica, desvinculada de finalidades “mais nobres”.
Contudo, dentro da perspectiva sócio-histórica, o jogo:

[…] deve ser considerado uma atividade social humana base-


ada em um contexto sociocultural a partir do qual a criança
recria a realidade utilizando sistemas simbólicos próprios.
Ela é, portanto, além de uma atividade psicológica, uma ati-
vidade cultural. (CERISARA, 2002, p. 130).

Vemos, assim, que jogar implica apropriar-se de formas cultu-


rais, que, por sua vez, auxiliam o indivíduo na construção de sis-
temas simbólicos, o que vai ajudar as crianças no seu processo de
compreensão de mundo e não deve ser negligenciado.
Consideramos o jogo como um recurso que pode auxiliar nas
aprendizagens dos indivíduos e que deve estar presente nas salas
de aula. Ao entrar na escola, verifica-se a presença de dois tipos de
jogos: educativos e didáticos.
Kishimoto (1994) defende que o jogo pode ser entendido em um
sentido amplo, quando a atividade desencadeada e orientada pelo
professor permite a livre exploração do material, pensando no

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 104


desenvolvimento geral da criança (jogo pedagógico), ou em um sen-
tido restrito, quando as atividades são direcionadas para a aquisição
ou aplicação de conceitos e habilidades intelectuais (jogo didático).
Muitas vezes, o uso de jogos ficava restrito às salas de Educação
Infantil e eram utilizados como mero passatempo nas turmas de
Ensino Fundamental. Isso acontecia porque o jogo ainda era com-
preendido como “perda de tempo”, como se “[…] não fosse um
bom recurso para realmente promover a aprendizagem de con-
ceitos e raciocínios tidos como centrais para o sucesso escolar”
(FITTIPALDI, 2009).
Sabemos, contudo, que os estudos sobre o jogo, como atividade
psicológica constitutiva do ser humano, não são uma novidade.
Teóricos como Piaget e Vygotsky já apontavam para o papel do jogo
na promoção das aprendizagens. Enquanto Piaget (1978) falava
sobre o jogo como um instrumento que possibilita a assimilação de
novos esquemas cognitivos, Vygotsky (1987) afirmava que o jogo
favorece o desenvolvimento da zona de desenvolvimento proximal.
Esses teóricos há tempos defendiam o uso de jogos para desenvol-
ver estruturas cognitivas dos aprendizes.
Tomando como base uma perspectiva construtivista, percebe-
mos que o jogo tem, sim, seu papel de potencializador de aprendi-
zagens e que os professores podem fazer uso do mesmo. Para utili-
zá-lo, no entanto, é preciso conhecer um pouco mais sobre ele.
Conforme vimos acima, há diferenças entre o jogo educativo
e o jogo didático. Esse último “[…] tem claramente uma intenção
de ensinar algum conteúdo curricular às crianças” (SILVA; MORAIS,
2011, p. 14). Assim sendo, ele exige que o professor tenha bem deli-
mitada sua intenção didática, que ele tenha clareza dos conteú-
dos que pretende abordar através do jogo, podendo explorar ao
máximo a sua potencialidade no auxílio de construção de concei-
tos, regras etc.
Sabendo que o professor é o responsável por organizar situações
didáticas que favoreçam a aprendizagem de seus alunos, julgamos
que cabe a ele realizar um planejamento cuidadoso, conhecer com

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 105


antecedência os jogos que pretende usar, quais os materiais neces-
sários, conhecer as regras, verificar em que lugar esse jogo vai ser
utilizado, de que tempo vai dispor para o mesmo e o tempo neces-
sário para a sistematização da(s) regra(s) trabalhada(s).
Avaliamos, também, que ele deve propor jogos “[…] bem adap-
tados aos conteúdos, à faixa etária e aos conhecimentos prévios dos
alunos” (PESSOA; MELO, 2011, p. 33). Deve-se oferecer aos alunos
jogos que não sejam muito fáceis (para não os desestimular), nem
tão difíceis (para não os frustrar).
Com esses cuidados, entendemos que o/a docente vai poder
mediar melhor as situações de aprendizagem de forma mais ajus-
tada às necessidades de seus alunos.
Segundo Pessoa e Melo (2011), o jogo é um recurso produtivo
que o professor utiliza para auxiliá-lo no trabalho com conteúdos
de difícil assimilação, bem como uma importante ferramenta de
aprendizagem para o aluno, quando o leva a pensar, refletir, ana-
lisar, lançar hipóteses, testá-las e avaliá-las. Como a ortografia é
um objeto de conhecimento que exige reflexão, podemos, em sala
de aula, fazer uso de jogos ortográficos, considerando que é “[…]
importante ter clareza de que ensinar ortografia através do brincar
com jogos didáticos é um ótimo recurso, desde que seja bem explo-
rado e tenha objetivo claro e coerente” (PESSOA; MELO, 2011, p. 33).
Entendemos que é preciso que o professor sistematize os con-
teúdos trabalhados e os conceitos mobilizados durante o jogo,
pois o jogo, por si só, não promove aprendizagens. Temos, atual-
mente, evidências de pesquisas (CURVELO; MEIRELES; CORREA,
1998; OLIVEIRA; MELO, 2010) que revelaram que jogos de ortografia
podem levar as crianças a refletirem e avançarem em seu desempe-
nho ortográfico e de que a mediação docente, favorecendo a refle-
xão e a verbalização das crianças, assume um lugar importante
em tal aprendizagem (ALMEIDA, 2013). Por esse motivo, defen-
demos que o uso de jogos ortográficos, nas salas de aula, torna-se
importante tão logo os alunos tenham se apropriado do sistema
de escrita alfabético, utilizando a quase totalidade das letras com

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 106


valor sonoro convencional (e cometendo naturais erros ortográfi-
cos). Vejamos, a seguir, uma pesquisa com o uso de jogos ortográfi-
cos que exploraram as regularidades diretas de nossa norma.

Jogos ortográficos e aprendizagem


das regularidades diretas
Conforme vimos anteriormente, na organização de nossa norma
ortográfica, encontramos um primeiro tipo de restrição fonográ-
fica a que chamamos de regularidades diretas. Vimos, também, que
quando estão recém-alfabetizados, é comum nossos alunos rea-
lizarem trocas entre letras, como o “P” pelo “B”, o “T” pelo “D”, o
“F” por “V” e “M” e “N” (nesse último caso, no início de sílabas). À
medida que conseguem consolidar todas essas relações, passam a
preocupar-se com outras restrições ortográficas.
A pesquisa que aqui apresentamos foi um estudo de intervenção
realizado com crianças de 3º e 4º anos em uma escola municipal de
Recife, onde adotamos os cuidados de uma pesquisa experimental.
Aplicamos um ditado de diagnóstico em duas turmas de alu-
nos, para verificar quais eram suas dificuldades ortográficas. Esse
ditado consistiu em um texto lacunado, que deveria ser comple-
tado com as palavras ditadas pela pesquisadora e que continham
palavras com regularidades ortográficas diretas (relativas aos pares
mínimos “P/B”, “T/D” e “F/V”). Ele foi aplicado no início da pesquisa
(fevereiro) e ao final das sessões de aplicação dos jogos (abril).
Após o ditado inicial, foram selecionados os alunos que possu-
íam um maior número de dificuldades nas regularidades diretas.
Nessas turmas existiam poucos alunos com dificuldade na escrita
de palavras com regularidades diretas, então foram selecionadas
apenas 6 (seis) crianças que apresentavam dificuldades em mais de
um dos contextos investigados.
A partir dessas dificuldades, foram elaborados e selecionados
jogos de ortografia. Criamos quatro jogos para cada uma das 3 (três)

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 107


regularidades diretas (“P/B”, “T/D”, “F/V”), sendo 2 (dois) jogos de
classificação de palavras e 2 (dois) de escrita de palavras.
Os jogos de classificação eram:

a. Completando a frase: nesse jogo, os alunos recebiam 5 (cinco)


fichas com palavras que completariam frases a serem lidas
pela professora/pesquisadora. O objetivo era ler e “descartar”
as fichas recebidas, mais rapidamente que seu oponente, colo-
cando as palavras corretas (por exemplo, foto ou voto) na frase;
b. Jogo da memória: jogo em que os alunos teriam que classificar
palavras em duas colunas quanto à letra inicial (por exemplo,
“P” ou “B”), a partir da recordação dos nomes de figuras e usando
a memória para localizá-las. O objetivo era retirar, no tabuleiro,
as 8 (oito) cartas com mesma letra, antes de seu adversário;

Já os jogos de escrita eram:

c. Corrida das palavras: jogo em que as crianças recebiam uma


cartela com figuras com o par mínimo a ser trabalhado (por
exemplo, “T” ou “D”) e uma caixa de letras móveis. O obje-
tivo era escrever, corretamente e em menos tempo, as pala-
vras dessa cartela;
d. Em busca das palavras: jogo no qual, com um alfabeto de letras
móveis, as crianças precisariam escrever, evocando de memó-
ria, palavras com o par mínimo trabalhado. Quem escrevesse
corretamente e em menos tempo ganharia o jogo.

Todas as crianças participaram de todos os jogos propostos, que


eram aplicados fora da sala de aula, em uma sala ociosa da escola.
Eles então jogavam em duplas e com a mediação da pesquisadora.
Cada dupla participou de 12 (doze) sessões de jogos, sendo que
4 (quatro) sessões eram destinadas a cada tipo de dificuldade, ou
seja, 4 (quatro) sessões com jogos com “P/B”, 4 (quatro) com jogos
de “T/D” e 4 (quatro) com “F/V”. Os alunos foram divididos por

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 108


turma. A turma do 3º ano era composta por 4 (quatro) alunos ou
duas duplas (que não eram fixas) e a turma do 4º ano possuía ape-
nas uma dupla de alunos. A diferença entre os números de alunos
parece revelar o que outras pesquisas já apontaram: que a escolari-
dade é um fator positivo na aprendizagem da norma.
Os jogos foram videogravados, pois, segundo Belei e outros
(2008, p. 194), “[…] com a filmagem pode-se reproduzir a fluência
do processo pesquisado, ver aspectos do que foi ensinado e apreen-
dido, observar pontos que muitas vezes não são percebidos” (BELEI
et al., 2008, p. 194).
Durante os jogos, os alunos eram estimulados a explicitarem
o porquê de suas jogadas, tornando-os conscientes das decisões
tomadas durante o jogo, realizando-se, assim, uma instrução direta
ou tutorada (BEZERRA, 2008).
Ao final da pesquisa, os alunos realizaram novamente o ditado
de diagnóstico, no qual foi possível verificar seus avanços.
Foi observado que, durante a aplicação dos jogos, os alunos
demonstravam-se bastante interessados e motivados, revelando
ansiedade pela chegada da pesquisadora que os acompanhava. Era
evidente o envolvimento dos alunos na atividade, de modo que
sentimentos de euforia ou de frustração apareciam de acordo com
o movimento do jogo (ganho ou perda).
Percebemos, também, que alguns jogos pareciam oferecer um
maior grau de dificuldade, que os alunos revelavam mais dificul-
dades nos jogos de escrita, especialmente aqueles nos quais tinham
de evocar palavras de seu repertório ou léxico mental (como o jogo
“Em busca das palavras”).
Durante a aplicação dos jogos, não houve nenhuma intenção
em transmitir informações prontas sobre o emprego correto das
letras. Confirmando nossa hipótese sobre o potencial de uma didá-
tica reflexiva, também no âmbito da ortografia, verificamos que
seis dos alunos conseguiram avançar, quando comparamos seus
desempenhos inicial e final, conforme vemos a seguir:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 109


Tabela 1. Desempenho ortográfico inicial dos alunos: quantidade de erros

Regularidade/Ano P B T D F V

3º ano 1 3 2 0 2 0

4º ano 1 2 0 1 1 0

TOTAL 2 5 2 1 3 0

Fonte: Elaboração própria.

Verificamos que, no começo, havia 2 (duas) crianças com


dificuldades no emprego de “P”, 5 (cinco) no “B”, 2 (duas) no T,
1 (uma) no “D”; 3 (três) no “F” e nenhuma se atrapalhava quanto
ao uso do “V”.

Tabela 2. Desempenho ortográfico final dos alunos: quantidade de erros

Regularidade/Ano P B T D F V

3º ano 0 0 1 0 0 0

4º ano 0 0 0 0 0 0

TOTAL 0 0 1 0 0 0

Fonte: Elaboração própria.

Foi constatada uma grande diferença entre os desempenhos ini-


cial e final dos alunos. Apenas uma criança continuou com dificul-
dade no emprego do “T”.
Após as sessões de jogos, os resultados evidenciaram que quase
todos os alunos conseguiram avançar em seus conhecimentos orto-
gráficos referentes às regularidades diretas.
Interpretarmos que o período de reflexão sobre a escrita das pala-
vras (durante o jogo) e a explicitação da escolha da letra promoveu
nos alunos um avanço cognitivo, no que diz respeito ao emprego

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 110


das regularidades diretas. Por acreditar que os alunos já estavam
alfabetizados, dominando a maioria das relações som/grafia, pos-
sivelmente as docentes não realizavam atividades de reflexão sobre
palavras nas quais havia os pares mínimos regulares diretos que
priorizamos. Dessa forma, os momentos de jogos, que criamos,
parecem ter contribuído para o avanço no desempenho ortográfico.
No entanto, precisamos salientar que as aulas das professoras não
foram observadas, o que não nos permite assegurar, sem margem
para dúvidas, que elas não promoviam nenhuma reflexão sobre as
regularidades diretas. Mas tudo indica que não o fizeram.
Os resultados evidenciaram que todos os alunos conseguiram
avançar em seus conhecimentos ortográficos referentes às regula-
ridades diretas. Havia, ainda, em seus ditados, erros de ortografia,
mas eram de outra ordem e não mais os que envolviam as regulari-
dades diretas investigadas.

Comentários finais
Discutimos, ao longo desse capítulo, que o ensino da ortografia
ainda tem que avançar bastante. Os professores precisam conhe-
cer os princípios didáticos que orientam o ensino desse objeto de
conhecimento. A intencionalidade docente, o planejamento e o
monitoramento são essenciais para uma aprendizagem efetiva da
norma ortográfica pelos alunos.
Numa perspectiva lúdica, na pesquisa aqui apontada, as crian-
ças conseguiram avançar em suas escritas, mesmo sem ter sido ofe-
recido um ensino transmissivo. Elas foram colocadas para expor,
para explicitar os motivos pelos quais empregaram tal ou qual letra
e, assim, passaram a tomar consciência de que deveriam ficar aten-
tas às relações entre letra e som.
Esclarecemos que, apesar de reconhecermos que os jogos po-
dem, sim, potencializar as aprendizagens de regularidades e ir-
regularidades de nossa norma, a opção por tais recursos não eli-
mina outras formas de tratamento desse objeto de estudo que

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 111


também sejam significativas para as crianças e que as levem a re-
flexões sobre a ortografia.
Finalizamos convidando os docentes para a construção de uma
prática de ensino da ortografia que leve os alunos a refletirem sobre
a escrita das palavras, tornando-se usuários cada vez mais compe-
tentes de nossa língua portuguesa. Cremos que os jogos aqui ana-
lisados podem ser um bom recurso, quando empregados com a
intencionalidade e os cuidados que buscamos descrever.

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REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 114


Parte III

REFLEXÕES
SOBRE O FAZER
PEDAGÓGICO
DE PROFESSORAS
ALFABETIZADORAS

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 115


5 OS RECURSOS DIDÁTICOS
A SERVIÇO DA TAREFA
DE ALFABETIZAR

Suely Maria de Souza


Jaciane Alves de Araújo
Leila Nascimento da Silva

A escola hoje tem ao menos dois grandes desafios na área de lin-


guagem: o primeiro é garantir que, até os oito anos, todas as crian-
ças tenham se apropriado do sistema de escrita alfabética, de forma
consolidada; o segundo seria inserir essas crianças na cultura
escrita, ajudando-as a se tornarem leitores e escritores que partici-
pam ativamente das práticas sociais.
A realidade de nossas redes de ensino, no entanto, tem eviden-
ciado o quão grandes são estes desafios. As avaliações nacionais,
a exemplo do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), e
internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (Pisa), nos mostram que uma importante parcela de
nossos alunos não consegue compreender textos ao final do Ensino
Fundamental. Há aqueles que não conseguem sequer entender os
princípios que regem o nosso sistema de escrita e, logo, não conse-
guem ler convencionalmente; outros até chegam a fazer a relação
entre som e grafia, mas não desenvolveram a capacidade de atri-
buir os sentidos necessários ao que estão lendo.
Reconhecemos, porém, que desde a década de 1980 a leitura
e a escrita, enquanto objetos de ensino, vêm sofrendo alterações
significativas nas várias tentativas de reverter essa situação e

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 116


contribuir para que os desafios acima listados possam ser supera-
dos o quanto antes.
Essas alterações aconteceram (e acontecem) por influência
de diferentes aspectos, tais como: o progresso científico-acadê-
mico na área, advindo, por exemplo, da divulgação da Teoria da
Psicogênese e dos estudos sobre consciência fonológica e letra-
mento; as mudanças nas práticas sociais que fizeram surgir novas
demandas de leitura e escrita na sociedade; o desenvolvimento tec-
nológico; as mudanças pedagógicas (material pedagógico, livros
didáticos e demais recursos), entre outros pontos.
Nesse mesmo período, sentiu-se a necessidade de se ampliar
a discussão sobre alfabetização, partindo da reflexão sobre o uso
da leitura e da escrita nas diversas práticas sociais, até, gradual-
mente, o conceito de alfabetização estender-se em direção ao con-
ceito de letramento. Emergiu, assim, a defesa de que a apropriação
do sistema de escrita alfabética precisa estar vinculada às práticas
reais de leitura e produção de texto, a fim de que o sujeito possa
viver uma aprendizagem significativa não só da notação alfabética,
mas também da linguagem que usa ao ler e escrever (LEAL, 2005;
SOARES, 1998; MORAIS, 2012).
A mudança de perspectiva de como alfabetizar e do que se espera
de um sujeito alfabetizado no mundo atual, sem dúvida, passou a
exigir ainda mais de nós, professores. Leal (2005, p. 90) elenca, ao
menos, cinco tipos de saberes necessários para um professor alfa-
betizador: 1) dominar o conceito de alfabetização na perspectiva
do letramento; 2) conhecer o objeto de ensino, o sistema de escrita
alfabética, assim como “[…] compreender o que é texto, gênero tex-
tual e ter a concepção clara sobre os princípios gerais que se adota
nos processos de ensino e de aprendizagem”; 3) ter conhecimentos
acerca das “[…] hipóteses que os alunos elaboram e, consequente-
mente, o que sabem e não sabem ainda sobre a escrita alfabética” e
sobre instrumentos de avaliação; 4) saber identificar as estratégias
de aprendizagem utilizadas pelos alunos; e, por fim, 5) conhecer

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 117


diferentes formas de intervenção didática e as consequências da
utilização dessas para a aprendizagem dos alunos.
Nota-se, portanto, o quanto se faz necessário que reflitamos
sobre nossas ações em sala de aula. Acreditamos que o planeja-
mento do ensino é um dos meios para que tal reflexão aconteça,
pois, a partir dele, traçamos as metas a serem alcançadas e escolhe-
mos os caminhos a serem percorridos.
Nesse planejar, um dos aspectos a se refletir é em relação à esco-
lha dos recursos didáticos que vão nos ajudar em nossa tarefa. Dada
a relevância do tema para o fazer docente, é nossa intenção, neste
capítulo, discutir sobre os diversos recursos didáticos que podem
contribuir para o trabalho de alfabetizar e apresentar experiências
de ensino que façam uso de alguns desses recursos de forma provei-
tosa, adotando a perspectiva do alfabetizar letrando.

Os diferentes recursos didáticos e suas potencialidades


no trabalho com alunos em processo de alfabetização
De acordo com Souza (2007, p. 111), “[…] recurso didático é todo
material utilizado como auxílio no ensino-aprendizagem do con-
teúdo proposto para ser aplicado pelo professor a seus alunos”. Os
materiais utilizados na realização das aulas não podem ser consi-
derados acessórios da ação docente, pois, como bem afirmam Leal
e Silva (2011, p. 5), eles, na verdade, materializam a prática, e, por-
tanto, refletem o modo como concebemos o ensino:
As escolhas dos materiais que vamos usar em sala de aula
estão intrinsecamente relacionadas aos nossos objetivos didá-
ticos, às nossas concepções sobre o que é mais importante de
ser aprendido, às nossas concepções sobre quais são as melho-
res situações de ensino.

Em uma das publicações do Ministério da Educação, Manual dos


acervos de obras complementares (BRASIL, 2012, p. 17), são apresen-
tados alguns tipos de recursos didáticos essenciais no ciclo de alfa-
betização. São eles:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 118


1. Livros do universo literário;
2. Livros diversificados, exemplares dos que são encontrados
na sociedade (de divulgação do saber científico, biografias,
dicionários, livros de receitas, dentre outros);
3. Livros de palavras;
4. Revistas e jornais;
5. Livros didáticos;
6. Jogos de alfabetização;
7. Materiais que estimulem a reflexão sobre palavras (abece-
dários, pares de fichas de palavras/figuras, envelopes com
figuras e letras, dentre outros);
8. Materiais que circulam nas ruas (panfletos, cartazes edu-
cativos, embalagens, dentre outros);
9. Televisão, rádio;
10. Computador.

Alguns desses materiais são produzidos ou selecionados pelos


próprios professores. Outros, porém, são distribuídos pelas Secre-
tarias de Educação e/ou Ministério da Educação (MEC).
Nota-se que tal distribuição de recursos didáticos para as esco-
las, pelo poder público, vem se efetivando cada vez mais. Temos
assistido ao surgimento ou consolidação de vários programas fede-
rais que visam oportunizar aos professores diferentes materiais
para subsidiar seu trabalho, entre eles, podemos citar, o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), o mais antigo dos programas
voltados à avaliação e distribuição de obras didáticas aos estudantes
e professores da rede pública de ensino brasileiro. O Programa tem
por objetivo “[…] prover as escolas públicas de ensino fundamen-
tal e médio com livros didáticos e acervos de obras literárias, obras
complementares e dicionários” (BRASIL, 2011).
O acesso a materiais escritos é de suma importância na amplia-
ção do letramento de nossos alunos. Através dos textos, eles podem
vivenciar práticas variadas de leitura. O livro, sem dúvida, pode ser
considerado uma das principais fontes de conhecimento disponí-
veis para os alunos. No caso, especificamente, dos livros didáticos,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 119


eles também são um dos materiais mais utilizados pelos professo-
res para orientar o seu fazer.
Albuquerque e Morais (2011) são estudiosos que pesquisam
sobre as mudanças ocorridas nos livros didáticos destinados ao
ciclo de alfabetização. Segundo esses autores, os novos livros se dis-
tanciam bastante das antigas cartilhas e vêm melhorando, signifi-
cativamente, depois que o governo federal implantou a política de
avaliação desse importante recurso.
Os pesquisadores analisaram várias obras de língua portuguesa,
dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, aprovadas em 2010, e
constataram a presença de textos autênticos e de variados gêneros
textuais. Além disso, o trabalho com o eixo da compreensão lei-
tora vem garantindo a exploração de diferentes estratégias de lei-
tura, tais como: a localização de informações explícitas e implí-
citas, o levantamento de conhecimentos prévios, a antecipação e
checagem de hipóteses, entre outras.
Em relação aos eixos da produção textual e oralidade, embora
tenham avançado em menor proporção quando comparados à lei-
tura, as atividades vêm melhorando a cada avaliação.
Por fim, no que tange ao trabalho com a alfabetização, Albu-
querque e Morais (2011) puderam perceber que as obras avaliadas
em anos anteriores (PNLD 2004 e PNLD 2007) tendiam a não equili-
brar as atividades que envolviam a dimensão da apropriação do sis-
tema de escrita (SEA) e aquelas que contribuíam para os alunos se
tornarem leitores e escritores de textos. E como as discussões sobre
letramento estavam tendo grande destaque no cenário nacional, os
novos livros de alfabetização passaram a contemplar muito mais o
contato das crianças com a cultura escrita do que atividades que ex-
plorassem o sistema de escrita. Os professores, por sua vez, perce-
beram essas lacunas, e muitos passaram a criticar esses materiais,
chegando a evitar o seu uso em sala de aula.
Em 2010, diante desse panorama, o PNLD passou a exigir um
maior equilíbrio interno das obras e, com isso, as coleções de livros
aprovadas demonstraram buscar contemplar as duas dimensões

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 120


do processo de alfabetização: a apropriação do SEA e a imersão dos
alunos em práticas sociais de leitura e escrita.
Mas, além dos livros didáticos, nós, professores, podemos con-
tar com outros tipos de livros, como é o caso dos acervos de obras
complementares e literárias. Em relação às obras complementares,
trata-se de materiais que, segundo os manuais de orientação do uso
dos livros (BRASIL, 2012; 2009), têm por função “[…] oferecer a pro-
fessores e alunos alternativas de trabalho e formas de acesso a con-
teúdos curriculares que as coleções didáticas não trazem”. Também
são conhecidos como livros paradidáticos.
Leal e Rodrigues (2011) realizaram a análise de 936 livros sub-
metidos ao PNLD/Obras Complementares e selecionaram 150, na
intenção de construir uma possível taxonomia desses livros. Elas
puderam encontrar sete categorias de obra. São elas:

1. Livros de divulgação do saber científico / Obras didáticas: são


livros mais expositivos, que trazem temáticas variadas,
tais como meio ambiente, números, cultura africana e
indígena, teatro etc. Predomina uma linguagem mais téc-
nica, mas com uma abordagem lúdica.
2. Biografias: trazem a história de vida de compositores, can-
tores, atores, políticos, personagens históricos, dentre
outros. Na escola, tais livros podem enriquecer o trabalho
dos professores, por conterem conteúdos ricos, que ensi-
nam sobre a vida em sociedade.
3. Livros instrucionais: apresentam como conteúdo receitas,
manual de instruções, de montagem; instruções de jogos
etc., gêneros textuais importantes para as nossas vivências
em sociedade.
4. Livros de cantigas, parlendas, trava-línguas, jogos de pala-
vras: são textos relevantes tanto por constituírem o nosso
acervo cultural quanto por possibilitarem, por meio da
brincadeira, a manipulação de características relevantes
da língua, tais como a consciência fonológica.
5. Livros de palavras: trazem, em ordem alfabética, listas de
palavras seguidas de suas respectivas ilustrações – e, algu-
mas vezes, também de outras palavras da mesma família,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 121


permitindo comparações sistemáticas entre os aspectos
sonoros, gráficos e semânticos.
6. Livros de imagens: podem ser usados pelos professores tanto
para motivar discussões e projetos relativos às temáticas
tratadas quanto para desenvolver habilidades e conheci-
mentos relativos à apreciação artística.
7. Livros de histórias, com foco em conteúdos curriculares: são
materiais que conseguem conjugar a elaboração da lingua-
gem literária com a inserção de temáticas a serem tratadas
nos diferentes componentes curriculares.

Verifica-se o quanto todos esses tipos de obras podem enriquecer


o trabalho em sala de aula. Contudo, como vínhamos salientando,
é preciso, primeiro, que analisemos os nossos objetivos didáticos
ao utilizarmos tais recursos e também como faremos uma media-
ção de qualidade. No capítulo escrito por Edenice Cavalcanti, Erika
Souza e Telma Ferraz, nesta mesma obra, o uso dos acervos do
Programa Obras Complementares também foi foco de discussão.
As autoras puderam acompanhar como uma professora alfabetiza-
dora utiliza tais livros em prol do trabalho de alfabetizar seus alu-
nos e verificaram o quanto a docente aproveitou esse acervo para
impulsionar suas aprendizagens de seus alunos.
No que tange ao livro literário, que também será foco de discus-
sões no capítulo oito dessa obra, trata-se de um importante recurso
didático, uma vez que há, no texto literário, um grande trabalho
inferencial ou um jogo de palavras que permite ao leitor ter acesso a
uma forma qualitativamente diferenciada de explorar a realidade.
Oliveira (2010, p. 42) ainda esclarece que “[…] a literatura infan-
til aponta para outras maneiras de ser, outros caminhos a serem
percorridos, que no plano real seria quase impossível”. Tal tipo de
obra proporcionaria ao leitor, então, experimentar diversas sensa-
ções que não costuma desfrutar em seu dia a dia, possibilitando-
-lhe o desenvolvimento cognitivo, além da ampliação de suas expe-
riências leitoras.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 122


Portanto, a leitura de livros literários pode provocar nos ou-
vintes o interesse de ler cada vez mais, de manusear o livro, de se
tornar um leitor ativo. Para tanto, faz-se necessário que o texto
lido na sala esteja associado à leitura cotidiana dos discentes, e
seja adequado aos interesses infantis e ao contexto vivenciado
fora do ambiente escolar, estando inserido em situações comuni-
cativas significativas.
Outro recurso também distribuído pelo MEC desde 2010 são
os jogos de Alfabetização. Esses materiais constituem poderosos
recursos para a criança, pois, através deles, crianças de todas as
idades podem se divertir e aprender, já que elas não os veem como
uma tarefa escolar, mas como uma brincadeira pueril.
Oliveira (2010, p. 8) ressalta que,
Entre tantas estratégias de ensino capazes de contribuir para
a formação de crianças leitoras, o jogo, por seu caráter lúdico,
permite que os objetivos pretendidos possam ser alcançados
com criatividade e alegria. Por meio do jogo, a criança se comu-
nica com o mundo e traduz seus sentimentos mais genuínos.

Através dos jogos didáticos, o educador pode, intencionalmente,


iniciar um conteúdo, aprofundar um saber ou, ainda, consolidar
uma habilidade. Esta estratégia pode ser utilizada várias vezes, no
decorrer do ano letivo, e entrar na rotina de sala de aula como uma
atividade permanente. O importante é sempre utilizar esse recurso
tão rico, envolto de significações e aprendizagens.
Oliveira (2010, p. 8) destaca que,
Ao educador compete ampliar e adequar o jogo proposto às
necessidades de seu grupo/classe, criando e recriando regras
de organização, estabelecendo novas alternativas de uso dos
materiais produzidos, selecionando palavras, frases e textos a
serem explorados.

Ou seja, não é simplesmente utilizar o jogo pelo jogo. O educador


faz seu papel de mediador elaborando estratégias para o momento

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 123


da utilização desse material, de modo a permitir que a criança reflita
sobre a língua, adquirindo, com o tempo, as habilidades necessárias
para avançar em suas hipóteses de escrita e conseguir usar seus co-
nhecimentos no mundo letrado.
No papel de mediadores, nós, professores, precisamos elaborar
alguns questionamentos a serem feitos aos alunos no decorrer da
utilização do jogo didático, questionamentos simples que ajudem
a criança a refletir sobre o sistema de escrita alfabética. Podem ser
feitas perguntas como “Quantas letras e sílabas?”, “Com que letra
começa e termina uma determinada palavra do jogo?”, se “Alguma
palavra começa igual a seu nome próprio ou ao nome de algum
colega de sala?”.
Aos mais avançados, no nível de apropriação do sistema alfabé-
tico, pode-se solicitar comparações entre palavras do jogo: “Qual
palavra começa igual a essa?”, entre outros questionamentos possí-
veis, para consolidar uma aprendizagem, diagnosticar o que o aluno
já sabe ou não sabe e ajudar na reelaboração do nosso planejamento.
Além dos recursos citados até o momento, não podemos nos
esquecer de mencionar o uso da televisão, rádio, celular, computa-
dores, entre outras tecnologias que fazem parte do nosso dia a dia e
que também podem fazer parte do cotidiano escolar.
Para Santos e Barbosa (2011, p. 56), “[…] a discussão acerca da
introdução das novas tecnologias na escola faz-se necessária na
medida em que cada vez mais o conhecimento e domínio dessas
tecnologias é um fator de diferenciação e distinção social”. Assim,
se é papel da escola formar cidadãos para o mundo, tais recursos
tecnológicos precisam adentrar nossas salas de aula, sempre que
possível (e estiverem disponíveis).
Na continuidade do nosso capítulo, vamos abrir espaço para o
chão da sala de aula e verificar como professores vêm mobilizando
os diversos recursos didáticos em sua tarefa de alfabetizar.
O primeiro relato de experiência que será socializado foi viven-
ciado pela professora Suely Maria de Souza. A docente fez uso
de obras literárias e jogos didáticos com a intenção de ajudar um

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 124


grupo de alunos a avançarem na apropriação do sistema de escrita
alfabética e a desenvolverem suas capacidades como leitores e pro-
dutores de textos.

A utilização de livros literários e jogos didáticos


como recurso para alfabetizar crianças: o relato
de uma experiência numa escola pública
Em 2013, decidi elaborar um projeto para o desenvolvimento da lei-
tura e escrita de alunos da Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima,
no município de Jaboatão dos Guararapes, focando nos alunos que
ainda não haviam se apropriado do sistema de escrita alfabética.
Esse projeto surgiu para atender às necessidades de professoras
do 3º ano da referida escola, que tinham um número significativo
de crianças com essa dificuldade, e almejavam vê-las alfabetizados.
Tive como objetivo que essas crianças se apropriassem do sis-
tema de escrita alfabética e pudessem participar de forma autônoma
das práticas de leitura e escrita, como diriam Leal, Albuquerque
e Morais (2007, p. 81): “Alfabetizar letrando é um desafio perma-
nente. Implica refletir sobre as práticas e as concepções por nós
adotadas ao iniciarmos nossas crianças e nossos adolescentes no
mundo da escrita […]”.
No primeiro momento, denominei o projeto de “Analfabetismo
Funcional: nunca mais!”. Após alguns encontros de formação do
Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), no
qual atuo como orientadora de estudo, decidi mudar o título para
“Leitura: prática que liberta!”, pois percebi que, assim, retratava
melhor minhas convicções e conceitos como alfabetizadora. Isso
me remetia a lembranças de minha infância, na qual fiquei des-
lumbrada ao ser alfabetizada aos meus 7, 8 anos, quando aquelas
letras, antes estranhas para mim, como símbolos que eu enxer-
gava, mas aos quais não atribuíam sentido algum, passaram a fazer
parte de minha vida, como se eu estivesse sendo “liberta”, ou como
se alguém me estivesse tirando um grande fardo dos ombros.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 125


A partir desta data, passei a enxergar o mundo de outra forma.
A partir daí, através da leitura que fazia das placas, faixas, letreiros
em paredes, ou mesmo quando estava no ônibus e, toda contente,
lia tudo o que conseguia enquanto o coletivo se movimentava, eu
demonstrava a todos que já sabia ler.
Para esse projeto, procurei pensar e, também, descrever situa-
ções didáticas práticas e lúdicas que ajudassem as professoras da
escola em que eu atuava como supervisora a realizá-las mais facil-
mente em suas salas de aula, e que ajudassem, também, os alunos
a aprender brincando.
Num primeiro momento, pedi às professoras que listassem os
nomes dos alunos que, segundo elas, tinham mais dificuldades
de leitura e escrita. Quando a lista chegou nas minhas mãos, per-
cebi que havia 25 alunos de duas salas, com 37 alunos em média
cada uma.
Em meio a esse processo de indicação de alunos, a professora do
5º ano me procurou, relatando que, em sua sala, também havia um
estudante com distorção série/idade e dificuldades de ler e escrever.
Diante da situação, resolvemos inserir esse aluno no projeto, tota-
lizando, assim, 26 crianças e adolescentes atendidos.
Marquei um dia com as docentes para fazer uma avaliação diag-
nóstica. Para tanto, fiz um ditado-mudo, utilizando as seguintes pala-
vras: lapiseira, tesoura, cola, giz, e a frase “O aluno perdeu a lapiseira”.
Comecei pelas palavras polissílabas, pois, se começarmos esse
tipo de ditado pelas palavras menores, corremos o risco de, ao che-
garmos às maiores, os alunos já estarem fadigados e, ao final do
ditado, não queiram mais escrever, dificultando nosso objetivo.
Também foi uma ótima oportunidade de percebermos como as
crianças escreviam palavras de vários tamanhos e combinações
silábicas diferentes.
Ao término dessa etapa do processo, analisei os ditados, identifi-
cando em que nível de escrita estava cada criança. Para isso, utiliza-
mos as hipóteses de escrita sistematizadas por Ferreiro e Teberosky
(1999). Eis o quadro inicial dos alunos:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 126


Tabela 1. Diagnose inicial das turmas

3º ano A 3º ano B 5º ano TOTAL


Pré-silábico 6 2 - 8
Silábico quantitativo - 3 1 4
Silábico qualitativo 4 5 - 9
Silábico alfabético 5 - - 5
Alfabético - - - -

Fonte: Elaboração própria.

Observando a tabela acima, percebi que ainda havia muitos alu-


nos no nível inicial de escrita (pré-silábico) e nenhuma criança
estava no nível alfabético. Tendo em vista esse resultado, eu as
dividi em grupos produtivos de trabalho por aproximação do nível
de escrita: Grupo 1: pré-silábicos e silábicos quantitativos; Grupo 2:
silábicos qualitativos e silábicos-alfabéticos. Esses grupos foram
sendo refeitos à medida que elas avançavam para outro nível de
escrita, pois o grande objetivo do grupo produtivo de trabalho é que
as crianças se ajudem mutuamente, e não respondam pelos cole-
gas, mas respondam os desafios lançados nas sequências didáticas.
Em seguida, ficou determinado que, três vezes por semana, eu
retiraria da sala o Grupo 1, sempre após o intervalo da merenda e por
um período de uma hora a uma hora e meia. Já o Grupo 2 sairia duas
vezes por semana, pois, em relação ao outro, estava mais avançado.
Como instrumento de avaliação, utilizamos, além dos dita-
dos, registros semanais dos avanços e do que as crianças precisa-
riam avançar, observando o processo de aprendizagem para futu-
ras intervenções. Desse modo, teríamos como montar estratégias
pensando em cada grupo produtivo e na escuta da leitura indivi-
dual realizada pelas crianças.
Comecei o trabalho com eles seguindo a metodologia proposta
no projeto, aproveitando a maioria das situações didáticas previs-
tas. Iniciei o trabalho tendo a sensibilidade de elaborar sequências

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 127


didáticas nas quais era feita a leitura de uma obra literária e o uso
de jogos de alfabetização distribuídos pelo MEC. Relatarei a seguir
uma dessas experiências vividas em meio ao processo ensino-
-aprendizagem no projeto:
Trabalhei, em roda de leitura, com a obra literária O cravo brin-
cou com a rosa, de Antônio Carlos Barreto, com ilustrações de
Antônio Cedraz. Utilizei algumas estratégias de leitura, tais como
a antecipação do tema do livro através do título, visualização dos
elementos da capa, se o título lembrava algo que as crianças conhe-
ciam, localização de informações explicitas e implícitas e o reco-
nhecimento da finalidade do texto.
Sentei em roda com as crianças e pedi que olhassem a capa do
livro e descrevessem tudo o que estavam vendo. Então, elas res-
ponderam: “Tem um coração partido, dois bonecos, uma casa, ca-
pim, muro”. Quando disseram “dois bonecos”, intervi e perguntei:
“Eles são pessoas?”. Todos disseram: “Não!”. Intervi novamente:
“Então o que são?”. Todos ficaram em silêncio, até que João Vítor
disse: “Flores!”. Respondi: “Muito bem!”. Li o título do livro, per-
guntando: “Um texto com esse nome vai falar de que?”. “Do cravo e
da Rosa!”, responderam.
Lancei outro desafio: “Vocês já escutaram outro texto com esse
nome?”. Um dos alunos se lembrou da música de roda. Então, pedi
que cantassem a música, batendo palmas. A intenção, mais adiante,
era comparar a cantiga com a história contada no livro.
Em seguida, li a história na íntegra, sem suprimir partes, palavras
e/ou expressões. Procedendo assim, eu tinha o intuito de propiciar à
criança a familiarização com os textos literários, ampliar o repertó-
rio textual, apropriar-se da linguagem escrita, atentando para dife-
rentes recursos expressivos e estéticos. Em seguida, perguntei se
eles escutaram alguma palavra que não conheciam. Alguns citaram
as palavras: desencantada, reflexão, curado, contentamento, har-
moniosa e quadras. Devolvi a pergunta à turma, a fim de saber se
alguém conhecia o significado das palavras. Como ninguém se habi-
litou, comecei a ler as estrofes que possuíam a palavra citada.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 128


De acordo com o contexto no qual a palavra estava inserida,
alguns conseguiram entender o seu significado. Para aquelas pala-
vras que não ficaram compreensíveis, atribuí definições práti-
cas. Logo percebi que um aluno estava com dúvida na expressão
“cumpririam o dever”, associando a tarefas escolares. Reli a estrofe
várias vezes até que um dos alunos disse que “cumprir o dever” se
tratava de “ter algo para fazer e não desistir, ir em frente até o fim”.
Tratei de levantar a questão da música, interrogando-os sobre
quais as semelhanças e diferenças encontradas entre os dois gêne-
ros. Eles perceberam que algumas partes mudaram. Por exemplo,
em vez do Cravo e da Rosa brigarem embaixo de uma sacada, as
personagens brigaram numa praia ensolarada. Na música, a Rosa
não pede o cravo em casamento, pois isso só acontece na história.
Além de outros detalhes, na obra o cravo envia um e-mail para a
rosa. Esse elemento inserido no texto gerou interesse na turma, pois,
tem tudo a ver com a vivência do cotidiano de muitas das crianças.
Convidei as crianças a desenharem e pintarem o Cravo e a Rosa, e,
rapidamente, elas me disseram que não sabiam desenhar, pedindo
o livro para cobrir. Expliquei que todos desenham diferentes e que,
se eles o cobrissem, não seria uma criação deles e, sim, uma cópia.
Depois de muita conversa consegui fazer com que eles desenhassem
de seu jeito. Eles aceitaram o desafio e começaram a produzir.
Para essas atividades, elenquei os seguintes direitos de apren-
dizagens de Leitura e Oralidade, de acordo com o que está apre-
sentado nos materiais do Programa Nacional de Alfabetização na
Idade Certa (BRASIL, 2012, p. 33-37):

• Compreender textos lidos por outras pessoas, de diferentes


gêneros e com diferentes propósitos.
• Antecipar sentidos e ativar conhecimentos prévios relativos aos
textos a serem lidos pelo professor ou pelas crianças.
• Realizar inferências em textos de diferentes gêneros e temáticas,
lidos pelo professor ou outro leitor experiente.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 129


• Estabelecer relações lógicas entre partes de textos de diferentes
gêneros e temáticas.
• Interpretar frases e expressões em textos de diferentes gêneros e
temáticas, tendo outros leitores experientes como ledores.
• Estabelecer relações de intertextualidade entre textos.
• Escutar com atenção textos de diferentes gêneros, sobretudo os
mais formais, comuns em situações públicas, analisando-os
criticamente.

Terminada essa etapa, disse a eles que íamos produzir um


reconto escrito da história lida; ou seja, um texto coletivo, tendo a
professora como escriba. O texto original era composto por rimas
e nós escreveríamos em prosa. Do gênero cordel para conto con-
temporâneo. Escrevi o título do texto e fui perguntando quem lem-
brava como a história tinha começado.
À medida que os alunos iam contando a história, eu ia fazendo
perguntas sobre o contexto e relendo o que já tínhamos escrito para
que eles pudessem perceber se a ideia que estavam tendo cabia na-
quele momento. Várias vezes quiseram antecipar a história, então
lhes perguntava: “Antes dessa parte não aconteceu algo?”. Eles pen-
savam, eu lia novamente o livro e, depois, chegavam à conclusão
de que tínhamos pulado certa parte.
Em meio à produção do texto, chamei a atenção das crianças
para os sinais de pontuação presentes no final de cada frase, pergun-
tando-lhes os nomes e se elas sabiam o “porquê” de estarem naquela
posição. Alguns conheciam certos sinais e conseguiam nomeá-
-los – como vírgula, interrogação e ponto final. Quanto ao nome
daqueles sinais desconhecidos por eles, fui falando e, de acordo com
o contexto, esperava que as crianças percebessem a sua utilização.
Quando isso não acontecia, falava seus nomes, relendo o parágrafo
no qual estavam e ajudando-as a refletirem sobre a pontuação.
Aproveitei também o momento para trabalhar a grafia das pala-
vras, perguntando às crianças como se escrevia uma determinada

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 130


palavra. Pedia que falassem devagar as letras, para que eu as fosse
registrando, depois eu falava, pausadamente, as partes que eu
estava escrevendo.
Todos gostaram de participar, pois sempre tinham algo a dizer,
acrescentar e/ou mudar. Percebi que elas se apropriaram do voca-
bulário que escutaram durante a leitura do livro, uma vez que, por
várias vezes, utilizaram palavras que não eram de seu cotidiano.
Fiz a leitura da história que criamos. Depois pedi que lessem
individualmente, com minha ajuda, passando o dedo no texto.
Aproveitei o momento para destacar algumas palavras do texto e
perguntar quantas letras e sílabas possuíam, com que letra elas
começavam e terminavam, onde começava e terminava cada pala-
vra, quantas palavras havia no título do texto, entre outras inter-
venções. Terminado o texto, passamos a história construída para
um cartaz, que foi enfeitado com os desenhos produzidos pelos
alunos no começo da sequência.
O texto elaborado pelos alunos ficou assim:

O Cravo brigou com a Rosa

Numa praia ensolarada, o cravo brigou com a rosa. Os dois ficaram


tristes e foram para casa. Chegando em casa o Cravo ligou seu computador
e mandou um e-mail para a Rosa dizendo que a amava.
Quando recebeu o e-mail a Rosa ficou feliz e disse ao cravo:
- É teu o meu coração!
O Cravo ficou doente, a Rosa foi visitar, deu um beijo nele, ele ficou
curado e a Rosa cantou.
Algum tempo depois a Rosa pediu o Cravo em casamento e viveram
felizes.

Turma do projeto: Leitura: prática que liberta!

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 131


Abaixo, alguns direitos de aprendizagens relacionados à pro-
dução de textos escritos, oralidade e análise linguística que foram
contemplados nesta intervenção:

• Planejar a escrita de textos considerando o contexto de produ-


ção: organizar roteiros, planos gerais para atender a diferentes
finalidades, com a ajuda de um escriba.
• Produzir textos de diferentes gêneros, atendendo a diferentes
finalidades, por meio da atividade de um escriba.
• Organizar o texto, dividindo-os em tópicos e parágrafos.
• Pontuar o texto, favorecendo a compreensão do leitor.
• Revisar coletivamente o texto durante o processo de escrita em
que o professor é escriba, retomando as partes já escritas e pla-
nejando os trechos seguintes.
• Participar de interações orais em sala de aula, questionando,
sugerindo, argumentando, e respeitando os turnos de fala.
• Relacionar fala e escrita, tendo em vista a apropriação do sis-
tema de escrita, as variantes linguísticas e os diferentes gêne-
ros textuais.
• Analisar a adequação de um texto (lido, escrito ou escutado) aos
interlocutores e à formalidade do contexto ao qual se destina.
• Reconhecer gêneros textuais e seu contexto de produção.
• Conhecer e fazer uso das grafias de palavras com correspondên-
cias regulares diretas entre letras e fonemas.

Em virtude de o livro O Cravo brigou com a Rosa ser um cordel


ilustrado e estar escrito de forma rimada, decidi brincar com os
nomes dos alunos, produzindo rimas a partir deles.
Perguntei o nome de cada aluno individualmente e fui escre-
vendo em uma tira de ofício. Mostrava o nome a eles e pedia que re-
petissem. Escrevia em outra tira palavras que rimassem com o nome
deles, da seguinte forma: Diego/galego, Sara/cara, Tauan/Kauan, La-
rissa/Raíssa. Pedi que lessem novamente e assim, sucessivamente,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 132


até que eles perceberam que o seu nome e a outra palavra termina-
vam com o mesmo som e com as mesmas letras.
Fui mostrando as duas tiras de papel com as palavras escritas,
circulando os finais. Quando perguntei a um aluno qual era o seu
nome e ele respondeu “Manasses”, de forma muita rápida, uma das
alunas, Larissa, disse: “Manasses rima com pastéis!”. A dinâmica
estava funcionando. Então, sugeri que procurássemos no livro lido
palavras que terminassem iguais.
O momento funcionou assim: eu lia as estrofes do texto, e per-
guntava que palavras rimavam. “Que linda declaração / Minha
querida Rosinha / Eu também te quero muito / Disse o Cravo à
princesinha.” Questionava em seguida: “Rosinha termina igual a
que palavra?”. Eles respondiam. Quando não conseguiam achar as
rimas, eu repetia a estrofe várias vezes, até que alguém reconhe-
cesse uma rima na estrofe. Se mesmo assim as crianças não conse-
guissem identificar as rimas, eu pronunciava as duas palavras que
rimavam enfatizando o final e pedindo que repetissem.
Depois de algum tempo, a atividade ficou fácil. Quando eles
descobriam as rimas, fui registrando as palavras aos pares em uma
cartolina, questionando-os sobre como eles achavam que se escre-
viam as palavras. “Como se escreve a palavra DEVER?”. Eles res-
pondiam: “Com D!”. E depois: “D que letra falta?”. “Letra E!”. “E
agora VÊR”, falava enfatizando o som da letra R. Ao final dessa ati-
vidade, lemos todas as palavras que rimaram. Foram elas:

ENSOLARADA DESENCANTADA
COMPUTADOR DOR
REFLEXÃO CORAÇÃO
ROSINHA PRINCESINHA
NAMORAR VESTIBULAR
SOFRER DEVER
BEIJAR CANTAR
APROVADOS ADVOGADOS
NAMORADOS APAIXONADOS
FIZ FELIZ

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 133


Com essa parte da sequência, contemplamos os seguintes direi-
tos de aprendizagem, relativos aos eixos da Oralidade e Análise
Linguística/Apropriação do SEA:

• Participar de interações orais em sala de aula, questionando,


sugerindo, argumentando, e respeitando os turnos de fala.
• Compreender que palavras diferentes compartilham certas
letras.
• Perceber que palavras diferentes variam quanto ao número,
repertório e ordem de letras.
• Segmentar oralmente as sílabas de palavras e comparar pala-
vras quanto ao tamanho.
• Identificar semelhanças sonoras em sílabas e em rimas.
• Reconhecer que as sílabas variam quanto a sua composição.
• Perceber que as vogais estão presentes em todas as sílabas.
• Ler, ajustando a pauta sonora ao escrito.
• Dominar as correspondências entre letras ou grupo de letras e
seu valor sonoro, de modo a ler palavras e textos.
Para investir um pouco mais no trabalho com rimas, resolvi
explorar também o jogo Caça Rimas, distribuído para as escolas
pelo Ministério da Educação. Como utilizei esse jogo já na aula
seguinte, li a história novamente para a turma. Também li, inte-
gralmente, as regras do jogo.
Após a leitura, perguntei se havia restado alguma dúvida, e as
crianças responderam que não. Separei, então, as duplas, fiz a lei-
tura das peças das cartelas de cada um, para que não confundissem
as figuras na hora do jogo, e expliquei como eles iriam procurar as
palavras que rimavam.
De vez em quando um aluno queria arrumar as peças pela pri-
meira letra. Não tinham se apropriado do conceito de rima. Só visu-
alizavam a letra e automaticamente procuravam na cartela uma
palavra que começasse com a mesma letra que possuía. Intervi,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 134


utilizando a estratégia de pedir que elas repetissem as palavras que
eu citava, enfatizando o som da última sílaba, assim “denTE, tem o
mesmo som final de presenTE, agora procure em sua cartela”. Depois,
eu pegava uma ficha, por exemplo, com a palavra mamadeira e per-
guntava que outra figura terminava igual a mamadeiRA. Eles obser-
vavam, pensavam e diziam que a figura correta seria cadeira.
Depois de algum tempo de jogo, as crianças sentiram-se felizes
e realizadas, pois já conseguiam achar palavras que terminassem
com o mesmo som das palavras de sua cartela. Algumas até conse-
guiam ajudar os colegas com mais dificuldades.
Com essa vivência de jogos, pude abordar os seguintes direitos
de aprendizagens para essa atividade de leitura e análise linguís-
tica/apropriação do SEA:
• Compreender textos lidos por outras pessoas, de diferentes
gêneros e com diferentes propósitos.
• Identificar semelhanças sonoras em sílabas e em rimas.
• Dominar as correspondências entre letras ou grupo de letras e
seu valor sonoro, de modo a ler palavras e textos.
Este foi apenas um exemplo do que acontecia ao longo do pro-
jeto. No final da intervenção, realizamos uma diagnose e pudemos
perceber avanços significativos na aprendizagem dos alunos:

Tabela 2. Diagnose final das turmas

3º ano A 3º ano B 5º ano TOTAL

Pré-silábico 0 1 - 1

Silábico quantitativo 2 2 - 4

Silábico qualitativo 4 4 1 9

Silábico alfabético 2 3 - 5

Alfabético 7 0 - 7

Fonte: Elaboração própria.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 135


A partir da leitura dos quadros inicial e final de diagnose, perce-
bemos que o grupo acompanhado chegou ao final do ano com ape-
nas um aluno no nível pré-silábico. E se antes não se tinha nenhum
aluno em nível alfabético, ao fim da intervenção sete alunos já esta-
vam nesse nível de escrita.
Esses avanços deram-se através da participação dos alunos em
atividades bem planejadas e sistemáticas realizadas no projeto e,
também, por suas professoras, dentro de suas salas de aula, pois
sempre mantínhamos um diálogo sobre como poderíamos traba-
lhar para que determinado aluno avançasse em suas aprendiza-
gens. Foi, de fato, uma grande parceria.
Como vimos, mesmo os alunos com mais dificuldades podem
avançar em suas aprendizagens. Porém, para isso, todos os seg-
mentos escolares – educadores, professores, pais, gestores, entre
outros – precisam se reunir e trabalhar em prol de um objetivo
comum. Neste caso, a aprendizagem significativa do aluno.
A seguir, apresentaremos mais um relato de experiência. Neste,
a professora Jaciane também fez uso de jogos didáticos para ajudar
seus alunos no processo de alfabetização e pôde contar com o apoio
de outra professora, no ano seguinte, para continuar o trabalho
iniciado por ela.

Os jogos como possibilidade para o processo


de ensino-aprendizagem na alfabetização:
relatando uma experiência
O educador desempenha um papel fundamental no processo de
ensino e aprendizagem, pois quando as opções didático-pedagógi-
cas não são adequadas, as consequências tomam proporções que
perduram por toda a vida escolar. Por isso, faz-se necessário que o
professor alfabetizador planeje suas intervenções pedagógicas ade-
quadamente a fim de que as crianças desenvolvam suas habilida-
des no tempo adequado.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 136


Porém, ao acompanharmos os resultados da educação, ape-
sar de todos os seus projetos, notamos que eles continuam muitas
vezes insatisfatórios. Percebo a necessidade de mudanças urgen-
tes no âmbito educacional. Por esse motivo, já faz um tempo que
resolvi inserir os jogos didáticos em sala de aula. Acredito que eles
interferem na aprendizagem do educando de forma muito signifi-
cativa. No caso do ciclo de alfabetização, o ensino com jogos opor-
tuniza a ampliação dos conhecimentos dos alunos sobre o Sistema
de Escrita Alfabética, ajudando-os a avançarem em suas hipóteses
sobre o funcionamento da língua.
As primeiras experiências que tive foram com uma turma de
4ª série (5º ano), da Escola Municipal Professor Fausto Cordeiro,
município de Jupi/PE, localizada no espaço rural Povoado Colônia,
no ano de 2011. Na ocasião, havia na turma vários alunos ainda não
alfabetizados, e isso gerou grande preocupação. Tínhamos receio
de que as crianças não conseguissem desenvolver suas habilida-
des leitoras e escritas nos Anos Iniciais e, consequentemente, que
chegassem ao segundo ciclo com sérias dificuldades. Observei, na
ocasião, que os alunos necessitavam de estímulos para desenvolver
suas capacidades. Comecei, então, a trabalhar com jogos em sala e
os resultados foram muito bons.
Já em 2012, lecionei em uma turma de 1º ano e desejava que
todos se alfabetizassem, justamente para evitar que chegassem ao
5º ano com grandes lacunas. Senti, então, a necessidade de intro-
duzir os jogos didáticos ao longo de todo o ano letivo, pois através
deles as crianças aprenderiam brincando. Vale ressaltar que se tra-
tava de uma turma pequena, com quinze alunos, e trabalhar nessa
perspectiva seria mais fácil do que inserir jogos na alfabetização em
uma turma lotada, com trinta ou trinta e cinco alunos.
Entre os meus quinze alunos, apenas um não tinha passado
pela Educação Infantil. Era seu primeiro ano escolar. Com a idade
que tinha, ingressou diretamente no primeiro ano, mas os demais
já estavam na escola, pelo menos, há dois anos seguidos; portanto,
tinham já desenvolvido várias habilidades nos diferentes eixos de
ensino da língua.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 137


De início, fiquei muito preocupada com aquele menino, que mal
conseguia pegar no lápis, não tinha coordenação motora e apresen-
tava muita dificuldade em relacionar-se com os demais estudantes
da turma. Suas atividades eram diferentes daquelas entregue aos
demais – nem das atividades orais ele conseguia participar. Com
isso, durante um bom tempo, eu tive uma grande apreensão em
relação à aprendizagem cognitiva daquele garoto. No desenrolar
das atividades lúdicas, na maioria das vezes usando jogos distribuí-
dos pelo MEC e os jogos contidos no Projeto “Trilhas”, desenvolvido
nas turmas do 1º ano em nosso município, eu percebia a empol-
gação dos alunos “ao brincar”. Eles nem percebiam que estavam
desenvolvendo habilidades estabelecidas para tal ano escolar. Eu
ficava imensuravelmente feliz quando um ou outro aluno lia uma
palavra apresentada em determinado jogo, quando eles escreviam
suas primeiras palavras corretamente.
Nesses momentos, se tornava claro o quão importante era um
bom planejamento, uma organização na rotina de uma sala de aula.
Estava claro que aulas planejadas com jogos, brincadeiras pedagógi-
cas e coerentes com o currículo da turma davam resultado na apren-
dizagem de cada um. Aos poucos, aqueles pequenos começaram
a ler e produzir frases e pequenos textos. Voltando a falar daquele
aluno com dificuldades, que mal conseguia pegar no lápis, ele che-
gou ao fim do ano letivo soletrando palavras. Ainda não produzia
textos com autonomia, todavia já conseguia escrever várias palavras.
Minha satisfação em relação a ele foi grande, pois podia ver naquela
criança um trabalho árduo, mas que surtia efeito aos poucos.
O uso dos jogos de cunho pedagógico facilita o processo de
ensino. Acredito que ensinar o aluno a criar suas próprias estra-
tégias é importante, pois são elas que possibilitam que eles viven-
ciem as situações, articulando conteúdos e estabelecendo relações
de naturezas distintas. Ou seja, os jogos também podem ajudar na
autonomia de cada estudante. É claro que isso pode acontecer se o
mediador, nesse caso o professor, estiver preparado para trabalhar
com esse recurso.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 138


Eu preparava, no mínimo, três aulas por semana com uso dos
jogos. Utilizava-os de forma interdisciplinar e todos os jogos e brin-
cadeiras eram inseridos com objetivos bem definidos. Geralmente
o jogo entrava na aula após explicação do conteúdo. Ele vinha com
o intuito de aprofundar a compreensão daquelas crianças que, por
algum motivo, não entenderam o que fora dito. Durante o uso do
mesmo, os alunos soletravam palavras, escreviam em situações
corriqueiras, isso sem qualquer forma de pressão. Muitas vezes eles
nem percebiam que estavam reconhecendo grafemas e fonemas.
Geralmente a turma era dividida em grupos no momento dos
jogos. Fazia questão de separar os alunos, colocando os alunos que
tinham mais dificuldades com aqueles que apresentavam uma maior
facilidade na aprendizagem. Dependendo dos objetivos e da quanti-
dade do jogo selecionado, dividia a turma em duplas e trios e agru-
pava os alunos, nesses casos, por proximidade de níveis de escrita.
Durante o uso dos jogos, eu estava sempre ali presente, orien-
tando o passo a passo quando algum grupo mostrava maior dificul-
dade. A minha presença servia também para tornar o tempo mais
produtivo, evitando a dispersão dos alunos.
Assim, entre os alunos que estavam no primeiro ano comigo,
apenas um, no momento desse esse relato, ainda apresentava di-
ficuldades nos eixos leitura e escrita. Os demais liam e compre-
endiam textos verbais e não verbais em diferentes suportes, isso
quando não eram textos muito complexos; identificavam as finali-
dades dos textos sem muita dificuldade e produziam textos.
Para que, de fato, essa aprendizagem significativa acontecesse,
foi necessário planejamento por parte do professor. Aula com
jogo não é simples, como alguns podem pensar; requer agilidade,
atenção, compromisso e planejamento – caso contrário, as crian-
ças acabam brincando/jogando apenas por jogar, sem propósito
algum. Dessa forma, o jogo não surtirá o efeito que se espera. No
segundo ano, outra professora assumiu a turma, porém o trabalho
com jogos continuou. Ela também acreditava na importância da
vivência dos jogos como estratégia de ensino. É válido ressaltar que

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 139


ela estava inserida no Programa Nacional Alfabetização na Idade
Certa (Pnaic), que vem contribuindo bastante para que nós educa-
dores realizemos uma reflexão sistemática sobre nossa prática.

Considerações finais
Como vem sendo discutido, atualmente, na escola pública, o pro-
fessor conta com diversos materiais distribuídos pelo Ministério
da Educação ou pelas próprias secretarias de educação. Todavia, ter
à sua disposição não significa, necessariamente, fazer uso desses
recursos em sala de aula. Muitos professores não utilizam, porque
não têm acesso a eles livre nas escolas. Outros sequer conhecem tais
materiais disponibilizados. Há ainda aqueles que os conhecem, mas
não se sentem seguros para realizar um trabalho em sala de aula.
Enfim, a utilização dos recursos didáticos é um tema que precisa ser
amplamente discutido nos cursos de formação inicial e continuada.
Os relatos apresentados acima mostram o trabalho pedagógico
de duas professoras que se lançaram ao desafio de utilizar variados
recursos didáticos a serviço da alfabetização.
Nesse trabalho, as professoras evidenciam a importância de se
planejar uma intervenção voltada para as necessidades dos alunos.
Contudo, contemplar as especificidades de cada estudante não é
tarefa fácil para o professor, por isso ele precisa de ajuda para pen-
sar estratégias para lidar com alunos de vários níveis de aprendiza-
gem da leitura e escrita e garantir que todos progridam.
No primeiro relato, entrou em cena a supervisora, que trouxe
consigo uma proposta de diferenciação do ensino. Acreditamos
que todos os demais atores da escola (supervisores, gestores, pais
de alunos etc.) também são responsáveis pelo desenvolvimento
dos discentes. Assim, não é apenas papel da professora, regente da
sala, pensar estratégias para superar as dificuldades dos alunos. Foi
essa a compreensão que teve a supervisora da escola, que logo ela-
borou um plano de ação, envolvendo materiais didáticos que, de
fato, pudessem atrair a atenção dos alunos (jogos e livros literários).

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 140


Em uma perspectiva de trabalho que contemple a heterogenei-
dade da turma, um primeiro passo é, justamente, conhecer o que
os alunos já sabem e o que precisam aprender. A professora Suely
reconheceu isso logo de início, elaborou e aplicou uma diagnose
para sondar quais eram as reais dificuldades das crianças.
Para Silva e Andrade (2005, p. 131),
Os diagnósticos são instrumentos que cumprem, ao menos,
duas funções: a) servir como instrumento de acompanha-
mento da evolução dos alunos em determinado domínio do
conhecimento; b) subsidiar o planejamento das atividades a
serem desenvolvidas em sala de aula.

De posse dos resultados, organizou os alunos em dois grupos,


conforme a proximidade dos níveis de leitura e escrita, e plane-
jou atividades diferentes para eles. Trata-se do que Onrubia (1996)
denominou de “Ensino ajustado”.
Vimos que a supervisora se utilizou de vários recursos didáticos
nesse trabalho (livros literários, jogos didáticos, quadro e fichas
com os nomes dos alunos) e conseguiu contemplar os vários eixos
de ensino da língua portuguesa. Ela, porém, deu grande ênfase à
apropriação do SEA, uma vez que os alunos não estavam no nível
alfabético.
Na sua intervenção, um dos aspectos importantes a serem des-
tacados foi a exploração da consciência fonológica através de ativi-
dades de identificação e produção de rimas. A turma se envolveu
na proposta, brincou aprendendo e os resultados foram sendo per-
cebidos, para a satisfação de todos.
Por tal fato, corroboramos as palavras de Cortesão (1999, p. 14)
quando o mesmo afirma que
A atividade produtiva dos alunos não é, aliás, fácil de conse-
guir senão através de um trabalho que se lhes apresenta como
minimamente interessante. Assim sendo, o professor tem de
descobrir formas de abordar as questões que sejam mais esti-
mulantes do que a simples “explicação” das matérias. Não se

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 141


trata de “motivar” artificialmente os alunos. Trata-se de desco-
brir modos de ir ao encontro de um potencial que está lá, den-
tro de cada aluno, às vezes bem oculto por detrás do desinte-
resse, de aparentes incapacidades ou até de comportamentos
perturbadores. Por isso se tem defendido que o professor tem
de ser um pouco um investigador que olha atentamente os
seus alunos com um olhar “não daltónico”.

No segundo relato também encontramos uma professora preo-


cupada em ajudar os alunos a progredirem em suas aprendizagens
de maneira prazerosa e significativa. A professora Jaciane inseriu
os jogos didáticos de alfabetização para contribuir com a compre-
ensão do sistema de escrita pelas crianças. É interessante perce-
ber que, assim como Suely, Jaciane organizava a turma de forma
variada, de acordo com os objetivos que traçava para aquela aula.
Ora agrupava os alunos para que um pudesse ajudar o outro na ati-
vidade, ora agrupava estudantes do mesmo nível para que os desa-
fios fossem maiores.
Esperamos que esse capítulo e outros que compõem essa obra
possam suscitar reflexões acerca dos usos de recursos didáticos em
sala e de como tais materiais podem ajudar o professor a garantir
que todos os alunos de sua turma possam ser alfabetizados.

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REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 145


6 ESCOLHAS PRÉVIAS
E INTENCIONALIDADES PEDAGÓGICAS
NA ALFABETIZAÇÃO

Adriétt de Luna Silvino Marinho


Sônia Virginia Martins Pereira

O estudo de um objeto escolar, no pensamento de Chartier


(CHARTIER, 2000, p. 160), conduz o pesquisador, necessariamente,
a situá-lo no interior de uma estratégia de ensino, qualquer que seja
o objeto de estudo investigado. Isso decorre do fato de que, para o
professor ensinar, ele precisa escolher um percurso; por isso, neste
texto, tomamos como objeto as escolhas metodológicas – mais pre-
cisamente, o uso de atividades sequenciais por uma alfabetizadora
em seus objetivos de ensinar especificidades da leitura e do sistema
alfabético de escrita a seus alunos. A proposta deste texto é, por-
tanto, a apresentação de reflexões sobre a escola, na escola; onde
são descritas práticas docentes – fazeres cotidianos, habituais, re-
petíveis –, focalizando-se as proposições didático-pedagógicas que,
por um lado, estão a serviço da aprendizagem dos alunos e, por ou-
tro, revelam as práticas pedagógicas em seus encaminhamentos
metodológicos, por meio dos quais os professores desenvolvem o
processo de ensino e aprendizagem das crianças.
Ao lidarmos com escolhas prévias de professores em seu ofí-
cio de ensinar, estamos alocando tais escolhas em uma organiza-
ção geral do seu trabalho pedagógico, que requer planejamento e
ação. Dentre as diversificadas maneiras de o professor agir peda-
gogicamente a partir de um trabalho planejado, com intenções e

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 146


meios definidos, corroboramos a posição Leal (2010) em seu estudo
sobre o planejamento no cotidiano docente, que, além de resgatar
a importância do planejamento, “que antecede qualquer ato inten-
cional” (LEAL, 2010, p. 93), nos faz compreender a importância das
rotinas de trabalho para a organização das atividades escolares. Na
condução da rotina escolar, a autora aponta formas de organiza-
ção de situações didáticas, que podem auxiliar o professor em seu
percurso metodológico, nas quais aponta as atividades permanen-
tes, atividades sequenciais e atividades esporádicas, além de desta-
car, especificamente, os projetos didáticos e as sequências didáticas.
Além disso, como gesto pedagógico anterior às decisões por for-
mas de organização do ensino, do professor se requer escolhas pré-
vias, pois, “[…] no planejamento da rotina pedagógica, é impor-
tante considerar tanto a natureza dos objetos de ensino, quanto os
conhecimentos e habilidades que os estudantes precisam aprender
[…]” (LEAL, 2010, p. 100). Essas escolhas, conjugadas às finalidades
claras sobre o aprendizado dos alunos, contribuem significativa-
mente para a alfabetização da criança.
Entendemos, assim, que os saberes ensinados, para que se tor-
nem saberes aprendidos, dependem bastante dos encaminhamen-
tos metodológicos desenvolvidos pelo professor, especialmente
quando se pensa em crianças do ciclo de alfabetização. Em decor-
rência disso, nos apoiaremos no relato de uma professora alfabeti-
zadora, em sua descrição sobre a sequência de atividades desenvol-
vidas, a fim de tecer algumas considerações sobre a importância de
um trabalho planejado para o alcance das aprendizagens dos alunos.

Diferentes objetos de ensino, diferentes


encaminhamentos: a sequência didática
como metodologia
Neste tópico do texto, buscamos desenhar um quadro sobre as
teorizações relativas às concepções de situação didática, sequên-
cia didática e outras nomeações similares que recobrem essa

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 147


metodologia, usual em vários contextos escolares. Atenção espe-
cial, entretanto, será dada à teoria das situações didáticas, pensada
por Guy Brousseau em sua tese de doutorado, defendida em 1986,
e que se volta para a área da Educação Matemática. Nessa teoria, o
foco encontra-se nas relações entre aspectos epistemológicos, cog-
nitivos e sociais, o que possibilita entender as interações entre alu-
nos e professores, bem como as condições e formas de construção
de conhecimentos presentes em sala de aula, destacando-se que o
controle das condições contextuais pode vir a favorecer a reelabora-
ção e a otimização dos processos de construção de conhecimentos.
Embora os estudos de Brousseau estejam inseridos na Didática
da Matemática e destaquem o conhecimento escolar matemático, a
contribuição de suas pesquisas para outras áreas de conhecimento
é inquestionável, especialmente, quando se percebe que a ideia de
situação e sequência didática tem motivado boa parte dos profes-
sores alfabetizadores a traçarem suas metas para a aprendizagem
dos alunos, com apoio em estratégias de ensino variadas, entre as
quais reconhecemos a sequência didática.
Nos termos apresentados por Brousseau, uma situação didática
é um conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou impli-
citamente entre um aluno ou um grupo de alunos, um meio, onde
podem estar inseridos instrumentos e objetos, e um sistema edu-
cativo, no caso, representado pelo professor, visando favorecer aos
alunos um saber constituído ou em via de constituição. Tais situ-
ações precisam ser criadas a fim de estimular que os alunos expo-
nham seus conhecimentos por meio de respostas espontâneas ou
não. Nas situações, a princípio, as intenções didáticas, que são do
domínio do professor em seu planejamento prévio dos momentos
de ensino, não precisam estar visíveis para os alunos, até porque
elas nascem das situações corriqueiras da sala de aula.
Com relação à sequência didática propriamente dita, no inte-
rior da teoria que descrevemos, em linhas gerais, ela é constituída
por uma série de situações distribuídas organizadamente ao longo
de uma quantidade de aulas previamente estabelecidas, em que

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 148


as situações estruturadas visam facilitar ao aluno a construção de
saberes específicos, no trabalho com objetos de ensino que não se
esgotam na sequência didática desenvolvida. Tendo-se esse princí-
pio do não esgotamento dos assuntos, a opção do professor por uma
sequência didática deve considerar, também, aspectos imprevistos,
em decorrência de necessidades e dificuldades apresentadas pelos
alunos no percurso.
É provável que as escolhas feitas pelo professor para o delinea-
mento e estruturação de uma sequência didática possam ter influ-
ência sobre o aluno, no que tange à construção de sentidos sobre
o que ele deve aprender. Compreendendo esta questão e influen-
ciado por ela, o aluno tem a oportunidade de (re)elaborar os obje-
tos de ensino trabalhados, uma vez inserido na situação didática
que lhe foi apresentada; o que também permite ao professor reali-
zar sua intervenção pedagógica de forma a atender mais de perto a
necessidade daquele aluno.
A teoria de Brousseau dá bases para a configuração de um pro-
cesso de ensino e aprendizagem por meio de situações contínuas,
que seriam as situações didáticas, nas quais estariam fatores neces-
sários para o desenvolvimento do comportamento dos alunos com
relação a determinado objeto de ensino. Desse modo, o objeto cen-
tral da teoria é a situação didática, na qual são identificadas as inte-
rações entre professor, aluno e saber.
Entendemos que os processos de aprendizagem vão sempre
requerer algum tipo de interação e mediação entre sujeitos – o que
aprende e o que ensina. Assim, na ausência das interações, torna-
-se mais difícil que as aprendizagens ocorram; por isso acredita-
mos que haja a necessidade de um trabalho pedagógico planejado,
com metodologias e recursos metodológicos que sejam facilitado-
res dessa mediação entre os sujeitos do processo de ensino e apren-
dizagem e os saberes tomados como objetos de ensino. A sequên-
cia didática (SD) é mais uma entre tantas estratégias metodológicas,
com seus recursos peculiares, que podem contribuir para o alcance
dos objetivos do processo, como o relato da professora, a ser apre-
sentado posteriormente, nos mostra.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 149


A narrativa da professora e a professora na sua narrativa:
o relato da SD
Neste tópico destacamos a escrita da professora alfabetizadora, no
que ela relata sobre seus procedimentos metodológicos. O foco é
na sua escrita, uma vez que não realizamos um estudo em sala de
aula, observando sua prática pedagógica. Daí a importância da nar-
rativa da docente, pois ela traz consigo um memorial que permite a
reflexão sobre o seu fazer pedagógico. O estudo sobre as práticas de
escrita de professores já vem despertando há algum tempo o inte-
resse de pesquisadores, visto que refletir sobre a própria prática,
relatando-a, pode ser um bom caminho para uma tomada de cons-
ciência que crie novas potencialidades para ajustes dos esquemas
de ação no ensino. Conforme Leal, “[…] é na reflexão sobre nossa
prática que nos renovamos, que nos profissionalizamos cotidiana-
mente” (LEAL, 2010, p. 94).
Na análise da narrativa, trazemos à tona fundamentos gerais
sobre a proposta de SD como dispositivo metodológico e refletimos
sobre as formas de “transposição” dos conhecimentos sobre a metodo-
logia e as formas próprias de uso da ferramenta pedagógica pela pro-
fessora. Nisso, ressaltamos a ressignificação dos procedimentos pelas
intenções subjetivas da docente, que marcam o desenvolvimento da
sequência, nas situações didáticas que ela propõe, buscando o apren-
dizado das crianças sobre o sistema de escrita alfabética (SEA).
O relato, tomado como objeto de estudo, na medida em que nos
proporcionou analisar os gestos pedagógicos próprios da docente na
condução da SD que planejou, também nos permitiu entender que
certas práticas culturais escolares exercem grande influência sobre
as interações entre os atores que compõem o universo escolar e, par-
ticularmente, a sala de aula – professora e alunos. Em vista disso, o
destaque é para a autoria da alfabetizadora, na escrita de seu relato,
que, além de “contar” suas escolhas didático-pedagógicas, evidencia
que a narrativa docente pode ser um caminho para revisitar a prática,
pensando-a criticamente, a fim de que seja reorganizada.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 150


PRÁTICAS SISTEMÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA NA ALFABETIZAÇÃO
Adriétt de Luna Silvino Marinho

Introdução
Este relato tem o objetivo de refletir e discutir sobre os efeitos de uma prá-
tica de ensino voltada para a alfabetização, por meio da realização de
sequências didáticas que sejam devidamente planejadas e que abordem
os conteúdos de forma sistemática. Para isso, faremos uma breve contex-
tualização do tema alfabetização e de algumas posturas teóricas as quais
fundamentam nossa prática. Em seguida, descreveremos o trabalho reali-
zado em uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental I, da Rede Municipal
de Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana do Recife, no ano de
2013. Finalmente, discutiremos os impactos que as atividades tiveram sobre
os aprendizes e algumas implicações didáticas que podem favorecer tanto
a reflexão sobre a escrita e suas propriedades quanto o desenvolvimento
da leitura.
Quando se fala em turmas de alfabetização, muitas concepções e prá-
ticas pedagógicas surgem com o intuito de ditar melhores “métodos” de se
ensinar a ler e a escrever. No entanto, muito se tem estudado nas duas últi-
mas décadas, a respeito dos conhecimentos dos sujeitos sobre a escrita e a
leitura. Entre esses estudos, Ferreiro e Teberosky (1999) demonstraram que
sujeitos não alfabetizados já formulavam ideias sobre o funcionamento da
língua escrita, antes mesmo de frequentar a escola. Essas teorias internas
que o aprendiz formula evoluem por meio de reflexões que ele próprio faz
sobre o sistema de escrita ao longo do tempo (e ninguém pode fazer por
ele) e também por meio das interações que realiza com as informações que
o ambiente lhe oferece. Trata-se de uma evolução conceitual e não exclu-
sivamente gráfica.
Se voltássemos um pouco no tempo encontraríamos um período no
qual, ao se falar sobre alfabetização, pensava-se em termos como “pron-
tidão”, “habilidades psiconeurológicas”, dentre outros. Nesta perspectiva, a
aprendizagem da leitura e da escrita resultaria de um “amadurecimento”
de certas habilidades, de modo que o “ensino” estaria condicionado a um
“desabrochar natural” que, supostamente, deveria ocorrer por volta dos seis
ou sete anos (BRANDÃO; ROSA, 2010). Com os avanços dos estudos sobre o
desenvolvimento da linguagem oral e escrita e com base, sobretudo, nos

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 151


estudos impulsionados pela Teoria da Psicogênese (FERREIRO; TEBEROSKY,
1999), aprendemos que não existe “prontidão” para a alfabetização e que,
ao invés de excluir os alunos que não apresentem determinadas habilida-
des, devemos partir do ponto em que as crianças se encontram, ainda que
haja muita heterogeneidade dentro da classe (MORAIS, 2012).
Por este motivo, o trabalho com turmas de alfabetização deve ocor-
rer de modo sistemático, tendo-se clareza sobre os objetivos primordiais
a serem alcançados durante esta fase. Sendo assim, não se trata de um
método eficaz, e sim, de um bom planejamento das atividades a serem
propostas em sala de aula de modo que estas tenham sentido para o
aprendiz e possam ajudá-lo a construir novas hipóteses sobre a escrita
alfabética. É necessária, ainda, uma boa gestão do tempo pedagógico, de
modo que se contemplem as diversas habilidades envolvidas na compre-
ensão do Sistema de Escrita Alfabética (SEA) e nos demais conteúdos curri-
culares que são propostos para cada ano escolar.
Dessa forma, em minha turma passei a desenvolver uma prática que
procurasse integrar habilidades relativas à compreensão de leitura e à
reflexão sobre a escrita atrelada aos demais conteúdos. Em vista disso, as
aulas decorriam tendo como prioridade os 4 eixos de ensino da língua por-
tuguesa: oralidade, leitura, escrita e análise linguística.
Durante todo o ano letivo, investi de modo especial em atividades que
ajudassem os alunos a desenvolver as habilidades ligadas à consciência
fonológica (identificar, segmentar, contar e comparar), pois, considerando
a escrita alfabética um sistema notacional, e não um código, acredito que
distintas habilidades metafonológicas podem assumir um papel importan-
tíssimo no processo de apropriação do sistema de escrita alfabética (MORAIS,
2005), uma vez que possibilitam ao indivíduo refletir sobre a escrita.
Por meio dessas atividades, podemos perceber quais conhecimentos
o aluno já tem e que conflitos está enfrentando, à medida que avança em
suas hipóteses. Tendo tais conhecimentos, o professor pode planejar ativida-
des que intervenham de modo específico, auxiliando as crianças a supera-
rem suas dúvidas. Por este motivo, ênfase especial foi dada às atividades de
reflexão fonológica e análise das propriedades do SEA, tendo em vista que
não é da noite para o dia e nem recebendo informações prontas pelo adulto
que a criança irá, instantaneamente, passar a usar letras para escrever ou ler
palavras que não tenha memorizado (MORAIS, 2012).
Priorizei, nesse sentido, momentos em que as crianças pudessem
pensar sobre a escrita e construir suas próprias hipóteses sobre o SEA ao

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 152


mesmo tempo que participavam de situações de leitura e produção textual,
além de desfrutar do contato com diversos materiais, a fim de lhes garantir
a diversidade de gêneros textuais circulando em sala de aula. Afinal, consi-
dero que não seja necessário que se controle o acesso da criança às pala-
vras e aos textos, porque isso não assegura em nada seu avanço. Se o indi-
víduo ainda não compreendeu o que as letras representam e como a escrita
funciona, restringir o repertório de letras não garantirá que ele saberá usar
convencionalmente os conhecidos “padrões silábicos” tão valorizados no
ensino proposto nas cartilhas (MORAIS, 2012).
Compreendendo isto, durante as formações do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), a formadora nos incentivava a ela-
borar atividades as mais diversificadas, de modo que todos os alunos tives-
sem iguais oportunidades de aprendizado, a fim de se garantir o atendi-
mento à heterogeneidade do grupo.
A Unidade 6, do caderno de Língua Portuguesa do Pacto destinava-se ao
tema “Planejando a alfabetização, integrando diferentes áreas do conheci-
mento – projetos didáticos e sequências didáticas” e oferecia diversas opor-
tunidades de se planejar um ensino diversificado, que pudesse auxiliar todos
os alunos em suas especificidades.
Diante dos estudos realizados e de algumas necessidades identifica-
das na minha turma, vi no ensino por meio de sequências didáticas uma
grande estratégia para lidar com a heterogeneidade do grupo, pois aquele
procedimento metodológico se mostrava bem propício para o alcance das
finalidades pedagógicas que me direcionavam, mais especificamente, por
se configurarem como um conjunto de atividades ordenadas e articuladas
com a finalidade de atingir determinados objetivos (ZABALA, 1998).
Dessa forma, em uma das formações do Pacto, a orientadora de estudos,
professora Marta Oliveira, sugeriu que planejássemos uma sequência didá-
tica cujo foco fosse o ensino do sistema de escrita, partindo das dificuldades
diagnosticadas em nossa sala de aula. O próximo tópico apresentará o per-
fil da turma e as etapas do desenvolvimento da sequência didática realizada.

Caracterização da turma
A turma era composta por 20 alunos, sendo 12 meninos e 8 meninas, todos
com faixa etária entre 6 e 7 anos. Um dos alunos havia sido diagnosti-
cado com necessidades educacionais especiais, pois tinha comprometi-
mento cognitivo, psicomotor e na linguagem; ainda assim, ele foi imerso

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 153


nas atividades juntamente com os demais, respeitando-se suas limitações,
mas tendo em vista seu aperfeiçoamento e a superação das suas neces-
sidades educacionais. Sabíamos, no entanto, que o trabalho seria árduo,
uma vez que não havia estagiária de apoio, e atender a todos os alunos
em suas dificuldades já é, por natureza, uma atividade bastante intensa.
Mesmo assim, acreditávamos que todos deveriam ter acesso às estratégias
didáticas planejadas para a sequência didática a ser iniciada.
Considerando o conhecimento que tinham sobre a escrita, trazemos
aqui os dados referentes às hipóteses de escrita que os estudantes tinham
em fevereiro de 2013. Para o diagnóstico, utilizamos um ditado semelhante
ao proposto por Ferreiro (1981), através do qual detectamos que, dos 20
alunos, 15 estavam na hipótese pré-silábica, 1 na silábica quantitativa, 2
na silábica qualitativa, 1 na silábica alfabética e 1 na alfabética. Ferreiro
& Teberosky (1999) explicam que estas hipóteses de escrita revelam que o
aprendiz está continuamente formulando ideias sobre o funcionamento da
escrita, com o objetivo de responder a duas questões fundamentais: o que
a escrita nota? Como ela nota?
Diante deste quadro, dei bastante ênfase ao trabalho com jogos de lin-
guagem, principalmente aqueles que buscavam desenvolver a consciên-
cia fonológica explorando a relação som-grafia e que ajudavam o aluno
a perceber que as palavras podem ser segmentadas em unidades meno-
res (sílabas e letras).
Embora a habilidade da escrita de palavras seja importante, o ensino
na alfabetização deve estar pautado, também, em outras competências
a ela relacionadas, como contagem de letras e sílabas de palavras, parti-
ção escrita de palavras em letras, partição escrita de palavras em sílabas e
comparação de palavras quanto à presença de sílabas iguais/diferentes e
à identificação de palavras em textos.
Recentemente, no campo das pesquisas sobre linguagem, há auto-
res que defendem que a consciência fonológica está intimamente ligada
ao processo de alfabetização, não como uma capacidade uniforme, mas
como um conjunto de habilidades que permitem ao ser humano operar
sobre segmentos sonoros (GOUGH; LARSON, 1995).
Além do que já foi exposto, verifiquei também que, na avaliação insti-
tucional do Pnaic, a turma tinha revelado algumas necessidades específi-
cas que poderiam também ser trabalhadas durante a sequência didática
(escrita do nome próprio, conhecimento do nome das letras e da ordem

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 154


alfabética, utilização de letras na escrita de palavras). Sendo assim, idealizei
uma sequência que pudesse ajudar tanto os alunos que estavam em níveis
mais elementares como aqueles que já haviam alcançado hipóteses mais
adiantadas e desenvolvido habilidades mais sofisticadas. Nesse caso, as ati-
vidades deveriam girar tanto em torno da apropriação do sistema de escrita,
como da leitura e produção de textos, da leitura e do trabalho com jogos.
Seria necessário, portanto, incentivar os alunos a observarem certas
propriedades do sistema (como a ordem, a estabilidade e a repetição de
letras nas palavras), ao mesmo tempo que pudessem refletir e analisar
aspectos como a quantidade de partes faladas e de partes escritas, além
das semelhanças sonoras (MORAIS; LEITE, 2005; MORAIS, 2005).
Descreveremos, a seguir, uma sequência didática em que priorizamos
o trabalho com obras do Programa Nacional do Livro Didático (Acervos
Complementares) e com jogos pedagógicos do Centro de Estudos em
Educação e Linguagem (Ceel/UFPE).
A caixa de jogos pedagógicos do Ceel é um excelente recurso didático
que auxilia o professor a melhor desenvolver sua prática pedagógica, con-
tribuindo para que as crianças compreendam a natureza do SEA. Contém
10 jogos e em cada um há Orientações para o professor que retomam a
discussão sobre os princípios do SEA e os modos como as crianças se apro-
priam desse objeto do saber.

Figura 1. Sequência didática com base na obra De avestruz a zebra

Fonte: Pacto Nacional... (2016).

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 155


A sequência ocorreu no mês de agosto e teve a duração de dois dias
consecutivos. Os principais objetivos didáticos do trabalho pedagógico
realizado foram possibilitar ao aluno: participar de situações significativas
de leitura e escrita; explorar a ordem alfabética; perceber a relação som-
-grafia; estudar as relações entre sons e letras, letras e sons; operar cons-
cientemente sobre os segmentos sonoros da língua.
Apresentamos a seguir o detalhamento das atividades realizadas a fim
de alcançar os objetivos propostos, assim como os instrumentos de avalia-
ção utilizados e, por fim, os resultados obtidos em termos de aprendiza-
gem dos estudantes.

1º dia de atividades – explorando a ordem alfabética e aprendendo os


nomes das letras

Para iniciar esta sequência, foi escolhido o livro De avestruz a zebra (CARRIL;
FRANK, 1988). No primeiro momento, após as atividades de rotina (acolhida,
cantigas, contagem dos alunos), dei início à roda de leitura explorando
os elementos da capa e convidando as crianças a elaborarem hipóteses
sobre o conteúdo do livro. Essas estratégias de leitura (SOLÉ, 1998) ajudam
as crianças a controlarem a própria leitura e regulá-la, gerando hipóteses
sobre o que se vai ler.
Diante das expectativas das crianças, expliquei para a turma que não
se tratava de uma história, mas sim de um texto informativo sobre os ani-
mais, escrito “como se fosse um dicionário”, pois cada bicho aparecia na
ordem alfabética. Todos quiseram saber quem eram os autores e ilustra-
dores e, além desses aspectos, informei também o ano de publicação e a
cidade onde o livro foi escrito.
Após a fase de exploração do suporte, iniciei a leitura, que foi inter-
rompida com frequência para comentários dos alunos, dúvidas ou curio-
sidades sobre os animais do livro e identificação das rimas presentes nas
descrições dos animais. Este aspecto deixou a atividade ainda mais rica e
lúdica, pois a turma se divertiu com as rimas durante a leitura e participou
ativamente de cada momento.
Logo após a leitura, a turma participou de um jogo idealizado por
mim. O mesmo tinha a finalidade de ajudar aqueles alunos que ainda não
dominavam a ordem alfabética e não reconheciam todas as letras por
seus nomes; para isso, utilizei um alfabeto com letras móveis. Cada aluno

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 156


recebeu uma cartela com uma letra, sendo convidado a dizer o nome desta
letra para a turma. A criança deveria pensar no nome de um animal que
começasse com a letra que recebeu.
Em seguida, a criança ia à lousa e escrevia (na hipótese em que estava)
o nome do animal que havia ditado. Feito isso, solicitava que a criança lesse
mostrando com o dedo a palavra que havia escrito. Esta estratégia foi uma
tentativa de perceber como as crianças estavam pensando sobre aquilo
que registravam na hora de escrever.
A turma foi convidada a pensar sobre a escrita dos colegas, apontando
sugestões de reescrita e agregando outros nomes de bichos que começa-
vam parecidos (produção de palavras com letra inicial igual). Quando a
escrita se distanciava muito do modo convencional, eu colocava a “legenda”
abaixo do nome que a criança tinha escrito (para que eles pudessem ter a
escrita convencional como um modelo em comparação à própria escrita).
Em outro momento, fiz uma reflexão sobre as letras K, Y, W e o porquê
de não encontrarmos no livro nomes de bichos com essas letras. Expliquei
para eles que antes estas letras não faziam parte do nosso alfabeto e que
apenas recentemente o uso das mesmas se tornou comum em nossa língua.
Verificamos a lista de nomes da turma e percebemos que muitos nomes dos
alunos tinham em sua composição as letras K, W, Y. Aproveitei e refleti com
eles sobre a composição de seus próprios nomes. Lemos a lista da turma e
solicitei que alguns alunos tentassem identificar nomes de outros colegas
que se parecessem com o seu.
Após esse momento, as crianças pensaram e tentaram criar nomes de
possíveis bichos cujos nomes pudessem começar com tais letras. A conclu-
são desse momento se deu com a cópia da lista de nomes de animais, em
ordem alfabética, que a turma produziu na lousa.
Após esta atividade, permiti que a turma brincasse livremente com as
letras móveis e depois solicitei que colocassem as letras na ordem alfabé-
tica novamente. Neste dia, pude perceber que as crianças que ainda não
conheciam todas as letras nem sua ordem dentro do alfabeto tiveram mui-
tas oportunidades de refletir e explorar esta ordem ao interagir com seus
pares. Houve bastante entusiasmo e barulho neste momento, mas tivemos
a chance de ajudar as crianças que ainda não dominavam esta habilidade,
de uma forma lúdica.
Aproveitei este momento de alegria e chamei a atenção das crian-
ças para o fato de que, para escrevermos todas as palavras que tínhamos

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 157


trabalhado naquele dia, foram utilizadas letras e que em cada sílaba havia
pelo menos uma vogal. Também ajudei os estudantes a perceberem que
certas sílabas eram compostas por uma única letra (o que causou estra-
nheza em algumas crianças) e ressaltei que esta única letra sempre seria
uma vogal, porque, se não fosse assim, seria impossível ler uma palavra
feita só por consoantes.

2º dia de atividades – refletindo sobre as relações letra-som brin-


cando com as palavras

No dia seguinte, demos continuidade às atividades referentes à sequên-


cia didática. Após as atividades de rotina, iniciei uma leitura deleite com o
poema “A casa e seu dono”, de José de Nicola. O poema é cheio de rimas e
os personagens são animais, o que chamou muita atenção das crianças e
as fez relembrar o livro lido no dia anterior.
Primeiro, eu li em voz alta para as crianças; depois, elas mesmas soli-
citaram que fosse feita uma releitura. Dessa vez, pedi que todos lessem
comigo enquanto eu apontava as palavras com o dedo. Aquelas crianças
que ainda não liam autonomamente tiveram a chance de participar do
momento, uma vez que o poema é facilmente memorizado, justamente
pelas rimas que traz. Dessa forma, a turma se divertiu e se envolveu com a
leitura, e até mesmo os alunos que ainda não conseguiam ler convencio-
nalmente participaram ativamente desta atividade.
O trabalho com rimas sempre me impulsiona, principalmente quando
se trata das turmas de alfabetizandos, pois esta forma de linguagem, além
de proporcionar momentos de ludicidade (crianças pequenas gostam de
brincar com as palavras), possibilita ao aluno entender como as letras fun-
cionam, repetindo-se em diferentes palavras, pois os aprendizes precisam
estar atentos para semelhanças sonoras entre segmentos das palavras
(MORAIS, 2012, p. 87).
Vi claramente isto durante a leitura do poema, quando, às vezes, eu
parava no meio da frase a fim de que a turma a completasse com as pala-
vras que rimavam; e, num dado momento, lancei para a turma: “Essa casa é
de caco, quem mora nela é o...” A turma respondeu euforicamente: “Macaco!”.
Rapidamente, alguns alunos perceberam que “dentro” da palavra MACACO,
estava “escondida” a palavra CACO. Mostrei essa relação graficamente, na
lousa, circulando a palavra caco dentro da palavra macaco.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 158


Evidentemente, esta habilidade se desenvolveu mediante o trabalho
que já vinha sendo realizado de modo sistemático, principalmente com o
jogo “Palavra dentro de palavra”. Percebi que até mesmo os alunos que
não dominavam o sistema de escrita conseguiram entender a relação
entre as duas palavras destacadas, mesmo não fazendo essa manipula-
ção dos segmentos sonoros sozinhos. O registro escrito no quadro os aju-
dou nesse momento.
É importante mencionar que não houve um “passo de mágica” ou um
método miraculoso que tirou os alunos da obscuridade e os trouxe à luz;
tudo o que ocorreu neste momento resultou de um trabalho articulado,
devidamente planejado e sistemático. Usar o jogo “Palavra dentro de
palavra” uma vez no ano não ajudaria os aprendizes a perceberem cer-
tas propriedades do sistema alfabético, muito menos a ousar identificar
outras palavras fora do repertório das cartelas do jogo. De igual modo,
no dia em que esses episódios aconteceram, foram necessários muitos
minutos de investimento cognitivo por parte das crianças e minhas inter-
venções pedagógicas, até que todos os alunos chegassem a este nível de
análise fonológica.
Em seguida, os alunos foram solicitados a formar grupos para realizar
uma atividade, na qual deveriam continuar a brincadeira do poema, cons-
truindo novas rimas, como, por exemplo: “essa casa é de telha, quem mora
nela é a ovelha”. Ao terminarem de escrever, os alunos coloriram as figu-
ras e fizeram colagem para enfeitar a atividade; também foram convida-
dos a realizar a escrita dos nomes próprios. Como ainda havia alunos que
não conseguiam escrever o nome completo com a letra cursiva, eles o fize-
ram com auxílio das fichas.
Em seguida, pedi que, oralmente, as crianças evocassem em seu reper-
tório mental outras palavras que rimassem com “telha” e a turma ditou:
ovelha, abelha e orelha. Escrevi as quatro palavras no quadro e fizemos
uma breve análise das mesmas, comparando-as quanto à quantidade de
sílabas, à presença de letras iguais (focalizando as rimas). Chamei atenção
da turma para o fato de que apenas as duas letras iniciais mudavam, mas
quando elas eram trocadas davam origem a outra palavra.
Após esse momento, reorganizei os alunos em grupos, sendo estes for-
mados a partir das hipóteses de escrita em que se encontravam. A pró-
xima atividade foi desenvolvida com os jogos Batalha de Palavras, Trinca
Mágica, Palavra Dentro de Palavra e Quem Escreve Sou Eu.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 159


Assim, formaram-se 4 grupos de alunos com hipóteses de escrita iguais
ou aproximadas: para o jogo Batalha de Palavras foram escolhidos os alu-
nos pré-silábicos. Como este jogo já era bastante conhecido da turma, não
foi necessário reler o manual de jogos. Neste momento, os alunos que ainda
não percebiam a pauta sonora das palavras foram convidados a refletir
sobre os “pedacinhos” que falavam e a comparar as palavras com relação
ao número de sílabas. Percebi que algumas crianças tendiam a “esticar” os
monossílabos para burlar a regra de que ganha quem tem a figura com
mais pedacinhos falados (Exemplo: Tre-em, Pé-é, mãu-ô). Este fato me fez
intervir, de modo que o grupo pensasse sobre a composição das palavras
e a sua relação com a pauta sonora. Houve boa interação entre os partici-
pantes deste grupo, composto por 6 crianças.
O jogo Trinca Mágica foi executado pelos alunos que estavam na hipó-
tese silábica quantitativa e aqueles que tinham atingido a silábica qualita-
tiva, mas de modo bem inicial. Foi realizada a leitura do manual dos jogos
para que as crianças se apropriassem das regras. Como este jogo não
apresenta a forma escrita das palavras, as crianças se sentiram à vontade
para “arriscar” nas partidas, e realizaram trocas interessantes de conheci-
mento, de modo que aqueles que haviam compreendido mais facilmente
as regras e a lógica do jogo prestaram ajuda aos colegas. Por exemplo,
Glayce e Tamara dialogavam entre si:
“Tamara: A gente tem que achar os três que se parecem!
Glayce: Le-ão tem dois, é junto com...
Tamara: Não, esse aqui é pra achar o som parecido e não os pedacinhos”.
No exemplo citado, percebe-se que a aluna Glayce ainda não havia
compreendido que este jogo colocava um desafio além do proposto no
jogo Batalha de palavras, e a colega, que tinha hipótese de escrita muito
aproximada à dela, contribuiu para que ela pensasse no som das palavras
(no caso, nas rimas). Dessa forma, o grupo não teve grandes dificuldades
para identificar as rimas sem a correspondência escrita. O grupo era com-
posto por 5 alunos.
No jogo Palavra Dentro de Palavra, as crianças puderam fazer uma
análise sobre a relação som/grafia e manipular as palavras de modo a
parti-las e identificar as palavras “ocultas” dentro das outras palavras.
Para este jogo, foram escolhidas as crianças que estavam na hipótese silá-
bica de qualidade e silábica alfabética. Neste grupo, não foi preciso ler o
manual, uma vez que a turma já havia jogado em outros momentos. Após

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 160


terminar a jogada, convidei os alunos a fazerem uma breve reflexão no
quadro, mostrando outros pares de palavras graficamente e chamando-
-os a circular as palavras escondidas dentro das outras. Ao todo, participa-
ram dessa atividade 5 crianças.
O último grupo brincou com jogo Quem Escreve Sou Eu. Para este jogo
foram escolhidas as crianças que estavam oscilando entre a escrita silá-
bica alfabética e a alfabética e aquelas que já haviam chegado a uma
hipótese alfabética. Através desse jogo, as crianças puderam refletir sobre
a escrita, de modo significativo, à medida que tinham a oportunidade de
escrever e reescrever as palavras através das letras móveis. Este grupo foi
composto por 4 alunos.
O trabalho em pequenos grupos me proporcionou realizar intervenções
específicas para cada dificuldade que surgia, além de facilitar a troca de
experiências entre os alunos. Quando acabou o momento dos jogos, expli-
quei que cada grupo contaria para a turma toda sobre o seu jogo. Então
realizamos a socialização dos jogos para o grande grupo. Dei exemplos de
como cada jogo funcionava escrevendo algumas palavras utilizadas nos
jogos, no quadro, para que a turma pudesse observar sua forma gráfica e
analisá-las fonologicamente.

Resultados e discussão
A avaliação dos alunos durante a execução da sequência foi realizada
mediante a observação de sua participação nas atividades e por meio do
ditado de palavras, no qual as crianças eram convidadas a ler, apontando
com o dedo, o que tinham acabado de escrever. No dia seguinte ao término
da sequência, realizei a segunda avaliação institucional do Pnaic, através
da qual também pude verificar os avanços da turma nas áreas que privi-
legiei no trabalho pedagógico desenvolvido. Logo após a sequência, tam-
bém realizei um novo diagnóstico para identificar as hipóteses de escrita.

Palavras finais
Ao longo deste relato busquei demonstrar minhas estratégias metodológi-
cas quanto às práticas de leitura e escrita, por meio da execução de uma
sequência didática em que priorizei o uso de livros do acervo disponibili-
zado pelo MEC e dos jogos pedagógicos do Ceel. Além desses instrumen-
tos, percebi que seria produtivo trabalhar com poemas, brincar com rimas

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 161


e desenvolver atividades em que as crianças tivessem a chance de pensar
sobre como a escrita funciona e a perceber que ela nota aquilo que fala-
mos e lemos. Percebi, ainda, a necessidade de incluir na rotina de minha
classe a leitura de histórias e textos que fazem parte do cotidiano infantil.
Por meio do contato com diversos gêneros textuais, o aluno começa a per-
ceber como se organizam os textos e a que nos serve a diversidade destes.
Sendo assim, considero necessário integrar atividades que envolvam lei-
tura, escrita e reflexão sobre a língua, a partir de um planejamento prévio
no qual eu tenha a clareza sobre os objetivos que desejo atingir quanto à
aprendizagem dos meus alunos.

Uma “radiografia” da sequência didática relatada


Neste tópico, a discussão estará voltada para a análise da SD relatada,
numa confrontação entre os objetivos de ensino (que são as capaci-
dades a serem desenvolvidas pelas crianças, ou seja, os “direitos de
aprendizagem”1) e os objetos de ensino selecionados para o alcance
de tais objetivos. O procedimento metodológico adotado, por meio
do qual se revela a prática docente, integra objetivos e objetos de
ensino, no entrecruzamento entre o que a docente quer atingir
com os processos de ensino-aprendizagem das crianças e o modo
como ela age pedagogicamente para atingi-los.
Já na introdução de seu relato, a professora expõe seu objetivo de
refletir sobre os efeitos de um planejamento na prática pedagógica,
com vistas ao trabalho com objetos de ensino, de forma sistemá-
tica. Entre o planejamento e a abordagem dos objetos ensináveis,

1 A nomenclatura “direitos de aprendizagem” está relacionada aos conhecimen-


tos e capacidades básicas sobre a língua portuguesa que devem ser desenvolvi-
dos no Ciclo de Alfabetização pelas crianças e consta nos cadernos de formação
da Unidade 1 do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Chama-nos
a atenção o valor semântico da expressão – ao qual nos aliamos – por entender-
mos que os alunos têm o direito de construir conhecimentos e desenvolver habi-
lidades sobre a língua materna. Direitos esses que, em muitos casos, têm-lhes
sido negados.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 162


a professora elege a sequência didática como procedimento orga-
nizador de suas práticas, a partir das quais intenciona desenvolver
habilidades básicas da linguagem escrita nos seus alunos.
A descrição dos fundamentos teóricos que a alfabetizadora
adota na condução do seu fazer pedagógico mostra que algumas
teorias, mais do que outras, contribuem para certa efetivação da
prática docente, visto que, além de fornecerem bases conceituais
para se entender as hipóteses que a criança alfabetizanda levanta
sobre a língua escrita, seus meios de investigação, igualmente,
contribuem para que haja uma “aplicação” de estratégias em sala
de aula. Esse é o caso da psicogênese da língua escrita, que subsi-
dia as ações da professora, numa junção entre teoria e prática bas-
tante frutífera, que vai do ditado aplicado para a compreensão dos
estágios de escrita nos quais as crianças se encontravam, às formas
de intervenção sobre aqueles, a partir de alguns princípios que se
constituem nos achados da teoria.
Ao tomar a psicogênese da língua escrita como suporte teórico-
-metodológico, a professora ressignifica a teoria no seu trabalho
cotidiano, destacando três aspectos que lhe parecem necessários
para que os alunos possam avançar em suas hipóteses de escrita:
definição de objetivos, planejamento de atividades e gestão do
tempo pedagógico. Em seu trajeto, ela destaca, como seus objetos
de ensino na SD, a reflexão fonológica e a análise de propriedades
do SEA, por meio dos quais objetiva desenvolver as capacidades dos
alunos de identificar, segmentar, contar e comparar a fim de que
estes se apropriem da língua escrita.
A professora também ressalta a importância da realização de
atividades que atendam aos fins pedagógicos estabelecidos, com a
finalidade de conhecer o que as crianças têm de já aprendido e têm,
ainda, a aprender sobre o sistema de escrita. Além disso, ela faz
projeções sobre novos desafios que virão a proporcionar aprendiza-
gens que vão além da apropriação do SEA.
Ponto fundamental no relato da professora sobre suas escolhas
pedagógicas relaciona-se à sua compreensão sobre a necessidade de

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 163


que as práticas pedagógicas na alfabetização sejam graduais, siste-
máticas e rotineiras, pois, conforme defende, não é de forma ins-
tantânea e nem utilizando, uma única vez no ano, um jogo peda-
gógico, por exemplo, que a criança será alfabetizada. Os saberes da
experiência profissional da professora lhe asseguram que agir de
modo planejado, retomando deliberadamente os objetos de ensino
por meio de diferentes procedimentos didáticos, retroalimentam
os processos de ensino e facilitam o aprendizado dos alunos.
Essa postura metodológica da alfabetizadora revela uma auto-
nomia requerida de todos os professores, pois, assim, eles
[…] dão provas, em seus atos cotidianos, de uma competência
significativa diante das condições e das consequências de seu
trabalho, o que lhes possibilita tirar partido dele, a maior parte
do tempo, para atingir seus objetivos. (TARDIF, 2000, p. 12).

Para a composição da SD, com suas atividades ordenadas e arti-


culadas, a alfabetizadora se apoiou no diagnóstico sobre as hipó-
teses de escrita nas quais os alunos se encontravam no início do
ano letivo e projetou suas ações didático-pedagógicas, a fim de que
eles alcançassem outras aprendizagens sobre a linguagem escrita e
fossem, gradualmente, sendo alfabetizados. Articulado a um diag-
nóstico consistente acerca dos conhecimentos das crianças sobre o
SEA, observamos o uso efetivo de recursos e materiais didáticos que,
de fato, serviram de apoio para a concretização dos objetivos peda-
gógicos da professora.
Certamente que uma SD desenvolvida em dois dias não foi o
único encaminhamento didático-pedagógico da professora na pro-
moção da alfabetização dos seus alunos; afinal, em um ano letivo
cabem muitos outros gestos pedagógicos que devem estimular o de-
senvolvimento de habilidades de leitura e escrita das crianças. En-
tretanto, podemos pensar que a SD relatada representa uma amos-
tra das escolhas prévias da docente, em suas intenções pedagógicas
com sua turma. Nessa amostragem, veem-se diferentes modos de
organização de atividades específicas, visando a fins específicos.
Assim, temos:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 164


a. No primeiro dia, o objeto de ensino “ordem alfabética” sendo
estudado em atividades que ramificam esse objeto central em
outros, mas que, na articulação entre as atividades propos-
tas, retornam ao objeto principal. Daí a escolha da alfabetiza-
dora por um livro paradidático que favorecesse o encaminha-
mento do ensino, para os saberes a serem aprendidos pelos
alunos sobre o objeto em pauta. Notamos que a sequência de
atividades ampliou o campo conceitual trabalhado, não o res-
tringindo à memorização da ordem alfabética, mas agregando
outros princípios do SEA nas situações didáticas, como o refe-
rente à presença de uma vogal na formação de qualquer sílaba.
b. No segundo dia, as relações grafofonêmicas foram o foco
do processo de ensino- aprendizagem por meio da SD, o que
requisitou da professora diferentes maneiras de trabalhar
a relação letra/som no interior de atividades diversas, mas,
especialmente, as que exploravam rimas. O percurso meto-
dológico da alfbetizadora estabeleceu um continuum para
o desenvolvimento de capacidades sobre o objeto de ensino,
que foi desembocar nos agrupamentos necessários para aten-
der à heterogeneidade de sua turma, no que dizia respeito aos
níveis de escrita em que os alunos se encontravam.

Ao longo de sua narrativa, a alfabetizadora reflete sobre suas


ações pedagógicas e retraduz alguns de seus fazeres, justificando
suas intervenções e avaliando os progressos das crianças em cada
atividade. Essa atitude de “autoconfrontação” que o ato de narrar a
prática pedagógica oportuniza à alfabetizadora constitui um gesto
reflexivo que permite caracterizar suas escolhas pedagógicas e nos
permite conhecer em qual metodologia ela se inscreve.
Entretanto, as diferentes atitudes e decisões anteriores, tomadas
pela docente e que fazem parte do cotidiano do professor, que esca-
pam às observações externas e, ocasionalmente, ao próprio docente,
podem ser determinantes para a adoção ou desenvolvimento de uma
metodologia própria. Quanto a isso, trazemos o posicionamento de
Chartier (2000), com o qual fechamos esse tópico:

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 165


Aquilo que constitui as práticas como práticas pedagógicas não
é racionalmente observável por um terceiro: as preparações fei-
tas fora da classe, as decisões concernentes ao ritmo durante
um ano escolar e à dinâmica evolutiva das atividades no curso
de um ano (modalidade e conteúdo dos exercícios) em fun-
ção da aquisição da classe; os critérios destinados a orientar as
intervenções sobre o campo na direção de tal ou tal aluno; a
maneira de encadear as sessões e de fazer funcionar nas situa-
ções de ação, de fala, a convocação explícita ou tácita de outras
situações de fala e de ação; tudo isso são táticas praticadas […]
que não são imediatamente manifestadas nos comportamen-
tos. (CHARTIER, 2000, p. 161, grifo nosso).

Relacionando o caminho metodológico traçado pela alfabetiza-


dora à Teoria das Situações Didáticas pensada por Brousseau (1986),
pudemos visualizar o que o teórico denomina contrato didático, no
tocante às relações professor-saber-aluno estabelecidas na sala de
aula, com base nas situações propostas e gerenciadas pela profes-
sora. As práticas pedagógicas desenvolvidas por meio das atividades
sequenciais possibilitaram autonomia dos alunos na re(construção)
de saberes escolares, sob a mediação da alfabetizadora. Assim, a SD
proporcionou condições favoráveis à professora para, entre outras
ações pedagógicas, elaborar desafios para as crianças, aplicar ativi-
dades de escrita, acompanhar o desempenho dos alunos e realizar
análises sobre o processo de ensino e aprendizagem desenvolvido.

Considerações finais
Para além do que não pode ser observado por terceiros ou dos gestos
pedagógicos que não são manifestados imediatamente, como asse-
gura Chartier na citação anterior, as estratégias metodológicas ado-
tadas pelos professores podem não ser escolhidas por seus subsídios
teóricos, mas, possivelmente, pelos aspectos práticos que venham
a contribuir para a realização do trabalho docente. Certas metodo-
logias, por não contemplarem, de alguma forma, esses critérios

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 166


práticos, sofrem ajustes para satisfazer as necessidades do profes-
sor ou são abandonadas, por não atenderem a tais necessidades.
No interior de situações didáticas, onde são desenvolvidas as
sequências didáticas, é o professor quem providencia situações
favoráveis que possibilitam ao aluno ações efetivas sobre o saber,
para que este seja transformado em conhecimento, como pressu-
põe Brousseau (1986). Desse modo, as situações de ensino devem
ser estabelecidas pelo professor, com vistas à aproximação entre o
aluno e o saber, de modo a favorecer a sua apropriação. Talvez por
isso certos atos docentes não sejam resultado de escolhas pensadas
“racionalmente”. São os saberes da ação ou os saberes da experiên-
cia, às vezes, silenciados, sem os próprios docentes atentarem para
sua existência.
Um dos aspectos importantes desses saberes “desconhecidos”
é seu caráter pragmático, que impulsiona o professor a construir
suas metodologias em função da evolução das aprendizagens dos
alunos. Sendo assim, as decisões do professor, nas condições obje-
tivas e subjetivas que envolvem os processos de ensino-aprendiza-
gem na alfabetização, ganham muito em eficácia quando ancora-
das em um trabalho previamente planejado, em que as proposições
metodológicas estejam claras e facilitem o acesso das crianças à
apropriação da língua escrita.

Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão


Educacional. Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa. Planejando
a alfabetização, integrando diferentes áreas do conhecimento: projetos didá-
ticos e sequências didáticas. ano 01, unidade 06. Brasília: MEC, SEB, 2012.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 167


BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão
Educacional. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: Direitos
de aprendizagem no ciclo de alfabetização. Brasília: MEC, SEB, 2012. Ano 2,
Unidade 1, p .27-35.

BROUSSEAU, G. Fondements et méthodes de la didactique des mathéma-


tiques. Recherches em Didactique des Mathématiques, n. 7, p. 33-115, 1986.

CARRIL, M.F.; FRANK, R. De avestruz à zebra. São Paulo: Editora Atica,


1988.

CHARTIER, Anne-Marie. Fazeres ordinários da classe: uma aposta para


a pesquisa e para a formação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.26, n. 2,
p. 157-168, jul./dez. 2000.

FERREIRO, E. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 1981.

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:


Artes Médicas, 1999.

FREITAS, J. L. M. Situações didáticas. In: MACHADO, S. D. A. (Org.). Edu-


cação Matemática: uma (nova) introdução, São Paulo: Educ, 2008.

PACTO NACIONAL pela Alfabetização na Idade Certa. Equipe PNAIC


19/04/2016 OE. Disponível em: https://docplayer.com.br/55489903-Pacto-
nacional-pela-alfabetizacao-na-idade-certa-equipe-pnaic-19-04-2016-oe-
s-carla-denise-e-nanci.html. Acesso em: 17 dez. 2021

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 168


7 O LETRAMENTO LITERÁRIO ATRAVÉS
DE PROJETO TEMÁTICO ENVOLVENDO
O GÊNERO TEXTUAL POEMA

Alcione Medeiros de Souza


Roselma da Silva Monteiro

O conceito de letramento também vem sendo aplicado à litera-


tura. Essa afirmativa parte da convicção de que existe uma especi-
ficidade na leitura literária. Sendo a leitura uma prática social de
construção de sentido que decorre de um processo e de uma relação
entre autor e leitor mediado pelo texto (TERRA, 2014), entendemos
que a adjetivação “literária” dá à dimensão do ato de ler uma espe-
cificidade e objetividade para a leitura, uma vez que a linguagem
adotada no texto literário apresenta características próprias que a
diferencia das demais.
Há, como nos fala Terra (2014), graus de fruição do texto literá-
rio que são relativos aos objetivos de leitura. Se o objetivo pelo qual
se lê um texto literário for simplesmente passar o tempo, como na
leitura de um romance; ou ainda tomar contato com experiências
de vida de outros, como a leitura de uma biografia; ou, ainda, a lei-
tura sem compromisso de poemas, o ato de ler pode ser realizado
por puro prazer, mas há situações de leitura que são “compulsó-
rias”; ou seja, muitas vezes, na escola ou em exames vestibulares, é
necessário ler um texto literário para fins avaliativos – quando essa
leitura passa a ser cobrada, a fruição passa a ser mínima e pode até
nem ocorrer, tornando a leitura desestimulante. Motivos variados

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 169


requerem variadas estratégias de leitura e, na leitura do texto lite-
rário, a ativação dessas estratégias é bem específica.
Recursos como ritmo, rimas, sonoridade das palavras e metáfo-
ras são sempre presentes na leitura de um poema. Este tipo de texto
traz em sua composição uma linguagem especial. As palavras se
revestem de significações não usuais e o texto muitas vezes traz um
viés lúdico. Os meios de circulação do texto poético é que são escas-
sos diante de um histórico de país de não leitores, apesar do con-
traste com a indústria editorial que cresce cada vez mais no Brasil.
De qualquer forma, trata-se de um tipo diferenciado de leitura.
A escola se apresenta como uma das instituições onde circula
o texto literário e essa relação entre literatura e escola ou o uso do
livro na sala de aula tem sua razão de ser. Podemos dizer que há
uma razão formativa, já que tanto a literatura quanto a escola cola-
boram para a formação do indivíduo. Encontramos, também, uma
razão histórica, já que, durante o século XVIII, pedagogos e profes-
sores assinaram os primeiros textos literários escritos para crian-
ças, permeados de intenções comunicativas (ZILBERMAN, 2003).
Desde então, são muitos os esforços dos que encabeçam a literatura
infantil para desviá-la de seu viés pedagogizante.
Neste capítulo, trataremos do gênero poema e de como, em
meio a um projeto didático que divide seu espaço com as tarefas de
alfabetizar e letrar, é possível mobilizar alunos e comunidade, ele-
vando-lhes o nível de letramento e colaborando para a alfabetiza-
ção das crianças, algumas delas estigmatizadas pela repetência no
3º ano, e por não terem se apropriado do sistema de escrita alfabé-
tica. O texto a seguir também busca refletir sobre o texto literário
na sala de aula e como ele pode ser potencializado. Abre-se, ainda,
uma discussão sobre o conceito de literatura, a classificação dos
gêneros literários, leitura, intertextualidade, interdisciplinaridade
e formação do leitor, considerando políticas públicas de fomento à
leitura na escola através de programas como o Programa Nacional
de Biblioteca na Escola (PNBE).

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 170


Desafios e possibilidades para literatura na sala de aula
No trabalho com a literatura, há desafios e possibilidades. Apesar de
serem muitos os entraves de se vivenciar práticas de letramento lite-
rário na escola (resultantes de estrutura física deficiente, e da subu-
tilização ou ausência de bibliotecas), um importante esforço nesse
sentido, com projetos de leitura literária na sala de aula, são inicia-
tivas apoiadas por políticas públicas de aquisição de livros, sem as
quais dificilmente poderiam se efetivar. O acesso aos livros está cada
vez mais fácil, mas é preciso que haja propostas de mediação de lei-
tura para que o trabalho com o letramento literário realmente acon-
teça. Sem essa mediação, corre-se o risco de se utilizar o texto apenas
como pretexto para o ensino de normas gramaticais ou para o traba-
lho interpretativo, com fins de mera avaliação escolar.
É preciso considerar que um trabalho, de fato, voltado para o
texto literário e as competências leitoras advindas da manipulação
desses textos requer o atendimento de três condições básicas: a) o
acesso ao e o uso do suporte original em que a literatura infantil é
veiculada, que é o livro; b) o papel mediador do professor nesse pro-
cesso, que é, ao mesmo tempo, formativo e de encantamento; e, por
fim, c) a constituição de acervos das bibliotecas escolares pela via
da recente política pública de distribuição de livros. Compatíveis
com essas condições estão, portanto, postos três eixos que se inter-
-relacionam: 1) o enfrentamento desse desafio; 2) a sistematização
de possibilidades concretas de trabalho e 3) a discussão do acesso à
literatura no contexto escolar (TERRA, 2014).
No que tange a esse desafio, entendemos que, embora a tecno-
logia e a cultura digital tenham apresentado formas cada vez mais
fluidas de lidar com a leitura, o suporte livro foi e ainda é cultu-
ralmente um elemento importante quando se trata do sentimento
afetivo e no que se refere à relação leitor-livro. Deliciar-se com uma
leitura, tendo a oportunidade de tocar na versão impressa do mate-
rial (livro, revista etc.) é uma sensação que dificilmente será substi-
tuída pelo meio digital. Contudo, o acesso ao e o uso do livro no seu

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 171


formato impresso ou digital precisam estar na agenda de reivindi-
cação da população e, ao mesmo tempo, nos interesses dos nossos
governantes, que podem e devem contribuir com a formulação de
políticas públicas que incentivem e possibilitem essa prática.
Ao mesmo tempo, é preciso que a prática de leitura e a manipu-
lação de livros de literatura infantil sejam uma realidade na escola.
Uma atividade de rotina, um trabalho sistematizado e intencional
de formação de um hábito que deveria ser tão comum como escre-
ver ou calcular, conversar ou ouvir. Para algumas dessas ativida-
des precisamos aprender, para outras, precisamos nos permitir
desempenhá-las naturalmente. Para ambas é preciso as condições
propícias no espaço escolar.
Como já mencionamos, a literatura infantil nasceu fortemente
comprometida com a educação, mas há, entre os que a produzem
hoje, uma preocupação de reafirmar sua condição artística, trans-
gressora, lúdica e menos moralizante, ou educativa. Torna-se
imperioso conhecer a história da literatura, pois assim compreen-
demos não só as formas de circulação do livro literário e sua depen-
dência histórica do universo escolar como, também o conjunto de
sua produção e as variadas tendências, na atualidade, que abrem
espaço para as possibilidades de um efetivo trabalho em sala de aula.
Historicamente, a literatura era tida como um instrumental pedagó-
gico, pois, segundo Zilberman (2003, p. 16), os textos tinham
[…] marcante intuito educativo. E, até hoje, a literatura infan-
til permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe causa
grandes prejuízos: não é aceita como arte, por ter uma finali-
dade pragmática; e a presença do objetivo didático faz com que
ela participe de uma atividade comprometida com a domina-
ção da criança.

A infância nem sempre foi vista como hoje a observamos. Esse


conceito veio se constituindo ao longo dos anos, sofrendo modifi-
cações a partir das transformações históricas, filosóficas e sociais.
“A infância tem-se constituído em um campo emergente de estudos

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 172


para várias áreas do saber, porém focados em divergentes aborda-
gens, enfoques e métodos, os quais determinaram distintas ima-
gens sociais sobre as crianças” (ANDRADE, 2010, p. 47).
A produção de material didático de cunho cultural – destinado,
portanto, a esse público – por muito tempo quase não existiu. Com
a modernidade, essa produção foi difundida, e o gênero literário
dirigido ao jovem passou a ser produzido, a princípio, com forte
objetivo educativo, o que levou as obras literárias a um processo de
didatização e escolarização.
O caráter limitador do adjetivo “infantil” que acompanha o
substantivo “literatura” tem sido contestado por aqueles que que-
rem atribuir-lhe, independentemente do público-alvo, o esta-
tuto estético e artístico das obras literárias em geral. Na verdade, a
Literatura Infantil, com o potencial renovador que lhe é caracterís-
tico, pode proporcionar a ampliação da visão de mundo e um refi-
namento na compreensão de vivências por parte das crianças. Mas
o discurso atual é: “Que lugar a literatura deve ocupar nas escolas,
já que são múltiplos os textos e, hoje, a escolarização dos variados
gêneros textuais que circulam socialmente?”. Essa multiplicidade
é marcada, também, pela presença da imagem e de produtos cultu-
rais e audiovisuais. Se, por um lado, o viés pedagógico prejudica a
relação dos jovens com as obras e suas intenções de caráter literá-
rio, por outro lado, a escola é um local privilegiado para suscitar o
gosto pela leitura.
Quais seriam, contudo, os critérios para a conceituação do que
seja um texto literário? Não há um consenso nem entre estudio-
sos da área, mas podemos apontar duas perspectivas de maneira
mais geral: uma que admite que os textos literários devam ter prio-
ritariamente a característica da literariedade, ou seja, um conjunto
de textos com propriedades específicas, pois a linguagem literária
é, segundo essa definição, especial, e se distanciaria da linguagem
comum, ordinária e habitual. Os textos teriam uma estrutura e
formas próprias. Dessa corrente fazem parte os formalistas e estru-
turalistas, que aplicaram os estudos da linguística ao estudo dos

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 173


textos literários (EAGLETON, 2006). A outra perspectiva não toma
o texto em si como fonte de análise e de caracterização, mas sim
o seu entorno, os elementos externos, tais como aspectos sociais,
culturais, ideológicos e históricos. Para ser legitimada como obra
literária, esta precisaria ser institucionalizada, quer dizer, perten-
cer a uma instituição, dela fazer parte, a ela se reportar e por ela ser
identificada. Mas o que seria realmente a característica da literarie-
dade de um texto?
Os livros que contém textos literários, mas que não atendem
necessariamente aos critérios de literariedade são os chamados
paradidáticos. Eles são compostos por narrativas em prosa, com
enredo, personagens e outros elementos que constituem uma his-
tória. Além disso, são comumente utilizados na escola como pre-
textos para abordar temas moralizantes ou assuntos de ordem
socioambiental. Apesar de esse tipo de produção ser denominada
pelos editores como literatura infantil, na verdade ele não o é, pois
lhe faltam elementos de recursos expressivos da linguagem, diver-
sidade temática na interação ficcional e o elemento da poética.
Esse tipo de texto, apesar de possuir todos esses aspectos que pode-
mos nomear de características da literariedade, talvez não atenda
muito bem aos objetivos do professor, muitas vezes voltados para o
trabalho com a leitura, buscando atender às exigências curricula-
res, e sendo, por isso, desprezado em sala de aula.
Para que o professor possa trabalhar adequadamente o texto
literário na sala de aula, seria necessário que a seleção dos livros
de literatura a serem lidos correspondesse aos objetivos de leitura e
levasse ao desenvolvimento do letramento literário.
Mas o que distingue a leitura de textos diversos da leitura do
texto literário ou da leitura literária? Em primeiro lugar, o fato
de que a leitura, como prática e como evento social, não deveria,
necessariamente, estar vinculada a uma atividade escolar. Como
prática social, ela se configura como uma herança cultural e uma
ação social – o ato de ler. Porém, a aquisição da leitura e seu ensino
estão fortemente vinculados a uma atribuição escolar. A escola

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 174


historicamente toma para si a tarefa de ensinar a ler e a escre-
ver e essas práticas sociais passam a ser eminentemente escola-
res (FERREIRO, 2002). Quando o texto literário começa a entrar na
escola via programas de política de acesso a livros e a leitura em
geral, as práticas escolares de leitura, tais como “tomar a leitura”;
“ler para o professor”; “teste de fluência e de interpretação textual”,
passam a ter como objeto dessas práticas, a literatura infantil e o
que poderia ser fruição passa a ser atividade de leitura, pois o texto
literário está presente no livro didático, nas folhas mimeografa-
das ou xerocadas, no quadro de giz ou branco transcrito com piloto
pelo professor para os alunos copiarem. Esses suportes concorrem
com o livro e chamam atenção para uma reflexão importante: o
fato de a literatura infantil estar presente em suportes variados
determina, portanto, diferentes práticas da leitura literária.
Assim, percebe-se que diferentes concepções de texto literário e
leitura literária estão sendo reforçados em sala de aula. Percebe-se
também que, diante das práticas, no tratamento com textos literá-
rios, nos mais diversos suportes, estão sendo desenvolvidas algu-
mas habilidades em detrimento de outras. Por exemplo: quando
o texto literário está no suporte do quadro negro (ou branco),
ou, ainda, em folhas de papel xerocadas, é comum que em sala
de aula o professor peça aos alunos que ele seja lido em voz alta.
Notadamente, não são as mesmas habilidades que estão sendo
desenvolvidas, quando o aluno lê individualmente e em silên-
cio. A leitura na sala muitas vezes está atrelada a um momento de
avaliação – o momento de mostrar a “boa leitura”, se está “lendo
bem”, ou seja, com boa fluência. O texto literário, nesse contexto,
acaba sendo subutilizado, e muito do seu potencial é desperdiçado,
quando poderia ser aproveitado, de forma articulada, no ensino
de outros componentes curriculares de Língua Portuguesa, como
a análise linguística ou a produção textual. Para isso é preciso que
ele seja trabalhado também no seu suporte original, que é o livro, a
partir de práticas de manipulação desse artefato cultural que possi-
bilitarão o conhecimento de aspectos paratextuais, como a autoria,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 175


as informações sobre a editora, o projeto gráfico, a relação imagem/
texto etc. Essa experiência só se tem com o contato direto com o
livro enquanto suporte, ampliando assim o que podemos chamar
de letramento literário. Afinal de contas, a formação do leitor lite-
rário inclui o conhecimento dos elementos todos que compõem o
objeto livro.
Classificar um texto como literário, no entanto, não é algo pací-
fico, apesar de, via de regra, o termo “literatura” ser atribuído a um
grande número de obras. É por isso que se ouve falar em “sublite-
ratura”, “paraliteratura”, “literatura de massa”, “literatura de con-
sumo”, entre outros. A tarefa de trabalhar com a literatura infantil
é, portanto, por tudo que foi dito, bastante desafiadora. Podemos
dizer que é preciso expor os alunos a uma gama variada de textos –
distintos quanto ao gênero, aos temas que abordam e aos suportes
em que circulam –; afinal, a o avanço da tecnologia e o advento
do texto em rede, do hipertexto e da cibercultura colocam nova-
mente no centro a discussão sobre os novos desafios e trazem à tona
questões problematizadoras, que envolvem novas posturas diante
dos textos e das novas práticas de leitura. A ideia é que os estudan-
tes expostos a essa diversidade venham a criar um modo próprio
de se relacionar com esses textos, e que desenvolvam novos gos-
tos e prazeres. Para isso, é necessário que lhes sejam oportuniza-
dos momentos em que eles possam manifestar o que entenderam
de seus textos e exprimir juízos de valor sobre eles; mas, acima de
tudo, é importante que eles sejam tocados e divirtam-se enquanto
leem. Esse parece um desafio nada fácil diante das tantas atribui-
ções dos professores, que também realizam o trabalho de alfabeti-
zar crianças que se encontram em diferentes hipóteses de compre-
ensão da escrita.
Os gêneros literários manifestam-se em prosa ou em verso.
Quando são expressos sem métrica e ritmo regular, geralmente apre-
sentam-se como conto, romance ou novela. Quando apresentam
métrica regular ou rimas, como a poesia, estabelecem as caracterís-
ticas básicas para serem considerados um texto poético. Na verdade,

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 176


poesia designa o ato de criar, de fazer e poema, o produto do fazer poé-
tico (TERRA, 2014). Sendo escrito em versos, o poema exerce uma
função de produção de significados com base nos signos verbais ou
não verbais. A forma como os poemas aparecem dispostos na folha
de papel, ou em outro suporte qualquer, facilitam visualmente a sua
identificação como um poema, e não é difícil os alunos identificarem
esse tipo de texto, uma vez expostos a ele.
Essa antecipação na leitura, identificando o gênero a partir
da visualização de como ele se apresenta, ou seja, de sua estru-
tura composicional, é uma hipótese que pode ser confirmada ou
não quando passamos à leitura do texto propriamente dito, pois
o mesmo pode, apesar de apresentar a forma de um poema, não
sê-lo. Ou seja, não são as características visuais que determina-
riam a qualificação de um texto como poético, sua função signi-
ficante (TERRA, 2014). Apresentar rimas e estar escrito em versos
não garante ainda que um texto seja considerado poético, parlen-
das apresentam essa característica e, no entanto, é definida como
um gênero literário.
A poesia concreta levou ao extremo o uso de recursos tipográfi-
cos e a experimentação com a disposição gráfica do texto na página.
Quais seriam então esses critérios para a classificação de um texto
poético? Assim como o texto literário, o poético não tem uma clas-
sificação definida consensualmente pelos estudiosos da área.
O que faz, por exemplo, a obra de Machado de Assis ser consi-
derada literatura e a de Paulo Coelho não? Estão em questão cri-
térios como o belo e o literário, e esses, nos parece, não são absolu-
tos. No caso do poema podemos dizer que ele deve necessariamente
conter poesia como característica e ser da ordem do subjetivo, do
individual, da emoção. Mesmo quando o poema expressa questões
da realidade objetiva, deve estar presente no enredo das palavras
usadas no texto um “eu lírico”, reclamado pela natureza artística
desse tipo de obra. É por isso que não é incomum que um poema
seja musicado e gravado por artistas do campo da música. Assim,
temos aí uma forma de enunciação que caracteriza marcadamente

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 177


o texto poético. Outra característica presente nesse gênero é a não
temporalidade. Tem caráter estático e, embora num poema haja
relato de fatos e acontecimentos, eles não têm uma relação tempo-
ral, diferentemente das narrativas presentes nos romances, con-
tos ou novelas em que o encadeamento de fato está marcadamente
situado no tempo e no espaço. No poema, é o recurso da sonoridade
das palavras que se destaca e não seu conteúdo informativo.
Quando a escola decide trabalhar poemas em um projeto didá-
tico, está implicada, nessa atividade, não apenas uma reflexão
sobre a linguagem poética, com a identificação de suas característi-
cas e com instruções sobre como ela se apresenta e pode ser escrita.
Na verdade, esse exercício acaba envolvendo uma série de ativida-
des que dizem respeito, também, à ativação de uma sensibilidade
ao belo, provocada pelos elementos que compõem a obra: ritmo,
sonoridade, o eu lírico, a aliteração, a assonância etc., e o resultado
disso na fruição a partir da leitura caracteriza bem como deve ser
o contato e a relação dos alunos com o texto poético. Ele não pode
ser simplesmente imposto, ou dele cobrado. O ideal é que não haja
uma vinculação entre as atividades com poesia e processos avalia-
tivos; tampouco deve haver a obrigatoriedade da declamação de
poemas. Cantado, declamado ou, apenas, lido, o poema exerce sua
função, enquanto gênero, quando toca as pessoas e significa mais
do que o sentido literal, ou denotativo, de suas palavras.
Como gênero textual, o poema se inscreve como um texto que
deve levar em conta o sentimento e a subjetividade para as suas tema-
tização e construção, assim como a realidade e o contexto social que
os cercam – possuidores, ambos, de grande importância na manifes-
tação expressiva do autor/poeta. Tem-se notado uma forte tendência
reflexiva nos poemas modernos, em que são destacados os proble-
mas e desequilíbrio sociais, bem como as denúncias sobre a reali-
dade que os cerca. Na contemporaneidade, os escritores comumente
manifestam em suas obras questões sociais voltadas para as camadas
populares. O texto poético, assim, rompe com a tradição da norma
padrão culta e incorpora a diversidade linguística assumindo uma
diversidade cultural nacional (LAJOLO, 1982).

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 178


É preciso destacar que o texto poético não serve apenas como
entretenimento. Mais do que isso, ele pode levar a importantes re-
flexões sobre a realidade que nos cerca, tornando-nos mais prepa-
rados para vivenciar diferentes situações do cotidiano. Frequente-
mente, contudo, a prática de leitura do texto poético na escola tem
sido abordada de forma superficial e em segundo plano. Os aspec-
tos relativos à textualidade precisam ser considerados, assim como
alguns, aqui já destacados, que vale a pena retomar: ritmo, sono-
ridade, melodia, métrica, rimas e metáforas, por estarem parti-
cularmente presentes no texto poético e por sua estreita relação
com o campo da arte, pois trata-se, também, de um objeto artís-
tico, que possibilita diversos meios de compreensão e interpretação.
Cada pessoa, com seu repertório de experiências leitoras ou vivi-
das, confere, no momento da leitura, novos tratamentos e inten-
ções ao texto poético.
No trabalho de alfabetização, a escola deve oferecer as condições
de acesso à palavra, mas não só a ela. Deve, também, apresentar os
diversos modos de dizê-la; e o texto poético é, por sua própria natu-
reza, o modo mais prazeroso deles. Ao incluir a sua leitura desde as
séries iniciais e antes mesmo da consolidação da apropriação do sis-
tema de escrita alfabética, nas práticas vivenciadas na escola, abre-
-se a oportunidade ao letramento e à difusão do conhecimento; e,
além disso, projeta-se a formação de um leitor ativo, interpretante
e tocado pela arte literária – pois é também função da escola for-
mar o leitor, já que ela se apresenta como um ambiente privile-
giado para garantir o contato com os livros.
A literatura exerce certo poder de conquista e é na escola, mui-
tas vezes, que se dão os primeiros contatos com o texto literário. As
salas de aula, no entanto não são consideradas “celeiros de leitores”.
Salvo algumas exceções de que temos notícias, o contato dos estu-
dantes com livros costuma seguir um roteiro pouco atrativo e que
acaba virando conteúdo avaliativo.
Na próxima seção veremos quais são os modos de leitura possí-
veis na escola.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 179


Modos de ler
Em tempos remotos, ainda na sociedade feudal, a leitura – ou o ato
de ler – era vista como uma atividade associada ao ócio. As cama-
das privilegiadas da sociedade que realizavam a prática da leitura
tinham o destaque e status social, pois a leitura passou a ser consi-
derada forma de ascensão social. Lia quem não precisava trabalhar
e não saber ler era a confirmação de um fracasso social.
Ao refletirmos sobre os modos de ler, considerando o campo da
escola e da sociedade de modo geral, percebemos que o termo “lei-
tura” apresenta uma polissemia quanto ao que se espera do resul-
tado do ato de ler. Desde sempre a escola se viu diante de dois tipos
de leitura: a literal (para não dizer, exatamente, “a decodificadora”)
e a interpretativa (a nível inferencial). A leitura como identifica-
ção de sinais gráficos, “letra a letra”, prende o leitor ao sentido lite-
ral do texto, ou seja, o mesmo não tem poder sobre outros sentidos
que o texto pode ter.
Ler “ao pé da letra” pressupõe manter fidelidade à superfície
do texto, concebendo-o como portador de um único significado,
direto, imediato e comum. Essa concepção, contudo, não é satisfa-
tória se passarmos a analisar o texto como um produto da língua e
considerarmos o aspecto interacionista na construção de sentido, a
partir de outro modo de ler. A construção de sentido é um processo
complexo e não se confunde com a simples “decodificação”.
O outro tipo de leitura se inscreve, justamente, nesse ponto
da construção de sentido, ou seja, a leitura precisa ter seu caráter
interpretativo. No processo de leitura, outros conhecimentos, além
do dos signos gráficos, são acionados, tais como os conhecimen-
tos enciclopédico, linguístico, textual e interacional. Terra (2014),
citado por Marcuschi (1999, p. 96), afirma que: “[…] como um jogo
com avanço de predições, recuos para correções, não se faz linear-
mente, progride em pequenos blocos ou fatias e não produz com-
preensões definitivas”. Os conhecimentos mobilizados de antecipa-
ção, vinculação com os conhecimentos prévios e reformulação de

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 180


hipóteses estão presentes na leitura interpretativa, e dela a escola
demorou a se apropriar.
Durante muito tempo “tomamos a leitura” na escola para avaliar
fluência e a aquisição da decifração de sinais gráficos. Hoje, passa a
ter lugar na escola um modo de leitura interpretativa, um modo de
interpretação alegórica, próximo ao da tradição grega, segundo o
qual procura-se, na leitura, conferir sentido ao texto, ir além da obs-
curidade. O oculto passa a ser desvendado e o velado, exposto pela
nossa interpretação; ou seja, é preciso descobrir o verdadeiro signi-
ficado, “o que o autor quis dizer”, o que o texto diz nas entrelinhas.
O dicionário de Ferreira (2001) define leitura como: 1. Ato ou
efeito de ler; 2. Arte de ler. De fato, não há como explicar leitura
sem pressupor uma ação prévia que é o ato de ler. Ler é uma habili-
dade humana historicamente construída e, uma vez institucionali-
zada pela escola, adquire valor social, estando presente nas culturas
letradas. A tarefa da escola é o ensino da leitura, sendo a aprendiza-
gem uma evidência independente dos métodos e das “modas peda-
gógicas”. O fracasso ou a não efetivação da leitura nos primeiros
anos de escolaridade costumava ser atribuído ao aluno (HÉBRARD,
2001). Hoje, a escola, em toda sua conjuntura – corpo docente, prá-
ticas pedagógicas – já divide essa responsabilidade, pois admite
que, afinal, como diz o autor supracitado, sob os diferentes verni-
zes das pedagogias, “trata-se apenas de colocar na memória, à força
de repetições, uma combinatória elementar e transformar os sig-
nos escritos em sons e vice-versa” (HÉBRARD, 2001, p. 35). Dessa
forma mecânica de encarar o ato de ler resulta a ausência de criti-
cidade ante texto lido, e – o que é pior – a ausência de atribuição de
significado. Há, assim, uma crença ilusória, e esta procede da ideia
de que não se trata de uma questão de método: a de que, no final
das contas, “o aluno lê”.
Assim definido, o ato de ler parece culturalmente neutro, mas
não o é. Em sociedades alfabetizadas, adquirir essa tecnologia
significa inserir-se e efetivar-se como cidadão. Da mesma forma,
quem pensa esse ensino o faz ideologicamente, apresentando ao

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 181


aprendiz formas de posicionar-se diante das leituras. A atitude pas-
siva ante a leitura pressupõe um leitor decifrador de caracteres, ou
um “decodificador”, como estamos acostumados a nomear. Já uma
atitude ativa pressupõe o exercício, de fato, da leitura.
Outros modos são a essa atitude agregados, tais como os modos
de escrever e a diversidade de formas tecnologicamente marcadas,
que podem e devem ser consideradas. São esses os temas tratados
na próxima seção.

Modos de escrever
A escola tomou para si as tarefas de ensinar a ler e a escrever. Desse
modo, adquirir essas tecnologias passa também a ser a via de acesso
a um status social que viabilizaria outros objetivos.
Desde a escola grega, a escrita registrava o que antes era man-
tido pela tradição oral. O registro garantiu a preservação da mensa-
gem no que diz respeito ao tempo e à sua distribuição, socializando
um produto que é fruto de formulações individuais ou grupais. Na
escola, depois do processo de apropriação do sistema de escrita, os
indivíduos registram mensagens no caderno e obtêm conhecimen-
tos por meio dos registros contidos nos livros, práticas estas incor-
poradas em um cotidiano escolar que estimula a transcrição. Mas
esta é apenas uma das dimensões da escrita: o registro, a reprodu-
ção, a repetição. Outra função da escrita pode ser concebida como
a constituição de mensagens escritas que envolvem a dimensão da
criação, ou seja, a produção de textos. Apesar de a escola viver o tri-
vial da reprodução, da cópia, ela exalta a criação, e é possível ver,
no escriba, seja professor ou aluno, categorias básicas de discursos
que, no dizer de Curi (2002), constituem as chamadas “reprodução,
paráfrase e criação”, operando-se com os gêneros escolares tradi-
cionais, que contém as tipologias da descrição, narração e disserta-
ção. A produção textual, por sua vez, implica um processo de cons-
trução, de elaboração, e esse processo pode se iniciar desde a mais
tenra idade.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 182


Antes mesmo de aprender a ler e a escrever, as crianças formu-
lam hipóteses sobre a escrita alfabética que se fundamentam na
gênese dos processos de construção interna, e que estão associa-
das a experiências com as práticas sociais de leitura e escrita que
elas têm. Partindo dessa consideração, podemos dizer que apresen-
tar a escrita à criança no processo inicial de escolarização não lhe
é algo novo, ainda que não seja comum à sua vivência, pois ela vai
começar a perceber a necessidade de utilizar aquele conhecimento
e a modificá-lo, testando hipóteses e construindo, por tentativas e
erros, uma escrita cada vez mais convencional, que atenda às suas
necessidades de comunicação e de interação.

A intertextualidade
Ao produzir um texto por meio de um processo criador, o produto
da criação, o texto, será sempre fruto da relação com outros textos.
Tanto na leitura como na produção textual a competência de domi-
nar o conhecimento linguístico não é suficiente. Para ler e escrever
com proficiência é preciso conhecer outros textos e estar imerso nas
relações intertextuais, pois um texto nasce de/em outros textos. A
essa relação que se estabelece entre textos e que alcança níveis mais
ou menos elevados, implícitos ou explícitos, chamamos de inter-
textualidade. Observamos que, geralmente, a intertextualidade
é tratada na leitura, sendo também comum na produção escrita.
Como ferramenta, ela se apresenta como um caminho para mon-
tar o texto e para a busca da construção de sentido. No tocante às
práticas escolares, possibilitar, apresentar e permitir esse diálogo
entre textos é uma prática que advém, também, do recente traba-
lho com os gêneros textuais.

A interdisciplinaridade
A escola, em toda sua dimensão, e no trabalho educativo que rea-
liza, é disciplinar. A organização do currículo e das formas de lidar

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 183


com o conhecimento ainda está atrelada a uma prática voltada
para ações disciplinares que prezam pela compartimentalização
dos assuntos em partes menores, mais simples – e que estariam
atrelados a um currículo fechado de determinadas áreas de conhe-
cimento. Apesar de a perspectiva interdisciplinar datar da década
de 1970, quando apareceu pela primeira vez no texto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1971), e de ser reforçada
pela nova LDB (9.394/96) e pelos PCNs (Parâmetros Curriculares
Nacionais), de fato, ela só passou a ser utilizada para o desenvol-
vimento de um trabalho de integração dos conteúdos escolares
algum tempo depois; e essas integração e interação entre distin-
tas disciplinas se configuram como uma maneira de formular um
saber crítico e reflexivo, pois os conteúdos passaram a ser vistos a
partir de variados focos e pontos de vistas.
Tendo em vista a discussão tida até agora sobre os desafios e pos-
sibilidades para um trabalho de literatura em sala de aula, apresen-
taremos, a seguir, o relato de um projeto didático sobre o gênero
poema, desenvolvido por uma professora do 3o ano do Ensino
Fundamental de uma escola municipal da cidade de Olinda, onde
será possível observar o trabalho com a leitura e a escrita, bem como
a preocupação com a intertextualidade e interdisciplinaridade.
Este relato suscita algumas reflexões sobre o trabalho com o
letramento literário, considerando o caráter lúdico do gênero lite-
rário escolhido.

PROJETO SOLETRANDO E CRIANDO COM VINICIUS DE MORAES

O objetivo do projeto era homenagear o grande escritor Vinicius de Moraes


(1913-1980), que faria cem anos em 2013 e que escreveu uma obra imortal:
A arca de Noé, composta de trinta e dois poemas, todos falando de animais,
e que viraram canção na voz de intérpretes brasileiros.
No projeto, houve uma pesquisa sobre a vida de Vinicius de Moraes
com atividades de leitura e o trabalho com o gênero poema, além de
música, interdisciplinaridade lúdica e declamação.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 184


A proposta foi familiarizar os estudantes com a obra de Vinicius de Moraes,
observando a capacidade de valorizar o estilo dos poemas, bem como a
importância da rima, para que, assim, ganhassem autonomia em leitura e
produção de textos com intervenções lúdicas, construindo, através do brincar,
situações que possibilitassem o despertar do interesse por belas criações e
composições – além de ampliar o conhecimento acerca dos gêneros textuais,
em especial o poema, e valorizar as práticas de leitura e escrita.
Ao iniciar o ano letivo, a turma em questão era 3º ano do 1º ciclo e
apresentava o seguinte perfil, com relação aos níveis de compreensão
da escrita alfabética: nove alunos retidos em 2012 estavam no nível pré-
silábico, e se encontravam utilizando nas suas escritas letras ou numerais
indistintamente; dez estudantes encontravam-se na fase alfabética, com
razoável domínio de algumas regras contextuais e gramaticais; cinco, na
fase alfabética, realizando muitas trocas de letras; e um aluno especial, na
fase inicial da silabação, estando na hipótese de escrita silábica quantitativa.

Para início de conversa

Durante a festividade do Carnaval da Paz, projeto que foi vivenciado por


todos da comunidade escolar, os alunos do 3º ano da manhã apresentaram
um jogral que abordava o “Soneto de Carnaval”, de Vinicius de Moraes, que
faz parte do livro Poemas, sonetos e baladas. Em seguida, esse texto foi
ensaiado, interpretado e cantado.
Assim, um dos estudantes da turma, após pesquisa da biografia de
Vinicius de Moraes, representou, através de um seminário, sua vida e obras.
Para isso, fez-se necessário usar uma caricatura (máscara) do autor e
compositor – máscara que foi, em seguida, exposta em um mural junto com
os poemas lidos e socializados, mostrados na sala para apresentar as fases
da vida do poeta.
Em conversa dirigida sobre a história do nome, introduzimos o apelido
do poeta, que se intitulava O poetinha. Vinicius de Moraes e seus parceiros
foram apresentados através de mostra de vídeos oriundos da internet,
livros e DVDs. Assim, foram localizadas algumas canções conhecidas para
eles aprenderem juntos e, em seguida, apresentamos aos alunos o livro A
arca de Noé, como referência para os estudos sobre a pluralidade cultural
tão em voga nos seus poemas e músicas.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 185


Desenvolvendo nossa prática pedagógica

Com atividades na rotina da sala e nas datas comemorativas, a alegria


do aprender tornou-se uma constante. Elaboramos algumas sequências
didáticas, e uma delas incorporou os componentes curriculares de Língua
Portuguesa e Matemática. Em Língua Portuguesa, estudamos fichas com
os títulos dos poemas de A a Z, de Vinicius de Moraes, e fizemos a contagem
das letras. Fizemos a interdisciplinaridade com Matemática construindo
um gráfico de barras, trabalhando com o tratamento da informação. Isso
aconteceu da seguinte forma: a criança recebia uma ficha e íamos para
o quadro. Em seguida, reescrevíamos o título do poema contido naquela
ficha, contávamos as letrinhas e, com essa informação, montávamos o
gráfico de barra, associando a quantidade de letras de uma palavra com
outra. Essa atividade com o gráfico nos permitiu fazer uma diagnose inicial
da turma, verificando seus conhecimentos sobre as letras.
Propusemos também atividades dinâmicas com uso de dicionário pelos
alunos, visto que a escola dispunha desse tipo de material. Ainda houve
atividade de pesquisa proposta para o aluno, e este foi à internet para obter
mais informações da vida e da obra do poetinha. Houve, ainda, produção
de painéis e portfólio individual, uso de jogos e dinâmicas, tudo trabalhado
com exercícios em data show. Junto a toda proposta de atividade acima
citada, ainda fizemos uso dos livros do PNLD, que foram bem articulados.
Para apoiar o projeto, fizemos uso de outras atividades atrativas, como:
desenhos dos poemas (animais), atividades que relacionavam o gênero
narrativo com a leitura e a escrita, além da discussão sobre a informação
social contida nos poemas e pesquisa de fotos na internet. Os alunos
puderam analisar e interpretar texto, além de fazer inferências associando
a leitura poética ao seu conhecimento de mundo.
Houve ainda um autoditado utilizando gravuras com as palavras dos
poemas e a realização de cruzadinhas com as crianças. Neste momento, o
prazer e a alegria foram contagiantes, pois o que estava sendo estudado
envolvia adivinhações sobre os animais contidos nos poemas lidos. Em outro
momento direcionamos algumas atividades artísticas em que também foi
proposta a confecção de dobraduras, origamis e pinturas de telas.
Com o projeto, incentivamos a oralidade e a desenvoltura de nossas
crianças ao ajudar e acompanhar alguns alunos, mesmo os menores, que
vinham à frente da sala de aula e conseguiam vencer a timidez, lendo os

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 186


poemas e vencendo o desafio da leitura. Assim, aos poucos, a vontade
de ler e de se fazer ouvir ia sendo estimulada. Outro desafio lançado
para a turma neste projeto foi o de saber apreciar o conto e demonstrar
criatividade no reconto, observando como as crianças se expressavam, se
faziam uso de imitação (gestos, entonação de voz), e como declamavam
alguns dos poemas que falavam desses animais.
Para incentivar a socialização entre as crianças, apresentamos
uma cantata com as músicas do CD de Vinicius de Moraes para toda a
escola. Para que isso ocorresse, houve visitas à biblioteca da escola com a
finalidade de conhecer algumas palavras lidas e destacadas nos poemas.
Ao apreciar algumas canções, foi trabalhado o respeito ao próximo
para conseguirmos criar situações favoráveis à fala e à escuta, ou seja, à
socialização e à vitória sobre a timidez que existia em algumas crianças
no instante das representações poéticas.
Foi produzido um portfólio de forma individual e em grupo, em que
os estudantes construíram as ilustrações dos animais existentes no poema,
respeitando a ordem alfabética como: “as abelhas”, “as borboletas”, “a
casa”, “o girassol” e assim, até a letra Z, última do alfabeto.
A essa altura, todos já se encontravam na plenitude do convívio com
os poemas e assim puderam realizar a peça teatral A arca de Noé, em
parceria com o Programa Mais Educação, que muito apoiou o projeto. Os
estudantes também tiveram que conhecer melhor a biografia do escritor
homenageado no nosso projeto. Assim, as crianças participaram de
uma gincana poética que ocorreu da seguinte forma: com dramatização
representando a vida do poeta, foi lançado o desafio de ver quem
conseguiria vencer na dramatização sobre o compositor e sua obra e vida.
Para esse desafio, a pontuação máxima foi de três pontos. Outro desafio
foi propor que trouxessem o maior número de animais visto na poesia de
Vinicius; esta ação valia mais dois pontos. Quem dramatizasse um poema
com música ao mesmo tempo ganharia mais dois pontos. Para encerrar as
ações da gincana, os estudantes foram desafiados a produzir um mural
poético, com uso de pesquisa, revistas, jornais.
Através do acesso à cultura escrita, com os poemas do poetinha, e
mobilizando os estudantes nas áreas de conhecimento com um trabalho
interdisciplinar, reforçamos a prática pedagógica de forma significativa.
Com uma intervenção precisa e positiva foram criados, neste projeto,
os caminhos para uma melhor oralidade e escrita voltadas para o ciclo
de alfabetização.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 187


Momento avaliativo
Ao avaliar o projeto, notei que os estudantes avançaram na oralidade, e
isto se deu provavelmente por conta da proposta de leitura feita na turma
para aqueles que escolhessem livros envolvendo animais, e até os livros
do PNLD (Plano Nacional do Livro Didático).
As poesias estudadas serviram para aperfeiçoar as escritas dos
estudantes, para desenvolver o prazer em ouvir o outro, o que auxiliou
muitos a vencerem a timidez através da dramatização e dos seminários,
tornando-os sujeitos ativos do processo de ensino e envolvendo-os no
projeto e nas sequências didáticas planejadas, usando os gêneros textuais
em suas atividades.
Eles soletravam alguns nomes dos personagens das poesias de Vinicius
de Moraes e relacionavam algumas poesias do portfólio individual ao
conteúdo trabalhado do dia, fortalecendo a construção alfabética e o avanço
dos estudantes. Sendo assim, em uma turma de vinte e sete estudantes, vinte
e quatro deles conseguiram articular a leitura e escrita satisfatoriamente,
produzindo frases e textos. Quanto ao estudante de Atendimento Educacional
Especializado (AEE), este avançou para a fase silábica qualitativa, e apenas
dois avançaram pouco em relação aos demais.
A partir desse projeto, os estudantes revelaram perceber nas poesias
e nas músicas de Vinicius um mundo de palavras que as cercam, palavras
essas existentes até na sala de aula, e, até, no seu local de convívio, ou seja,
em casa junto à família.
Esse foi um ano de muito trabalho e que envolveu empenho e dedicação
em prol da alfabetização, pois acreditar nela é conseguir criar um ambiente
alfabetizador e ver que, trabalhando com essa turma, tivemos o percentual
de quase cem por cento de aproveitamento. Esta situação foi vivenciada
com alegria, pois a construção de sentido ocorria à medida que os próprios
alunos dialogavam uns com os outros e com a educadora, mostrando
prazerosamente suas leituras. Além disso, com as músicas em ritmo de
bossa nova mostravam, ainda, como compreendiam o mundo e como
podiam expressar suas emoções, valorizando os ritmos vivenciados.
Então houve o entendimento de que “é por meio da leitura e da escrita
que podemos expressar emoções” (dito meu), e, ainda, de que é necessário

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 188


dar importância aos diferentes ritmos que participam da nossa cultura e de
nossas cadências, bem como de nossa multiplicidade étnica. Esse foi um
novo “leque” que se abriu. Para que isso ocorra, contudo, o texto precisa ser
sentido, percebido e saboreado – precisa, na verdade, ter vida e transmitir
vida. A leitura é uma atividade vital, plena de significação, e não uma mera
atividade escolar mecânica. Ela deve ser prazerosa, fonte de experiências e
deve acompanhar-nos pelo resto da vida.
Ler é uma diversão de tempo indeterminado, é um lazer que pode
ser feito a qualquer hora, sozinho ou acompanhado, viajando com os
personagens da história, vistos nos poemas e músicas do poetinha. Desta
forma, precisamos estar em constante processo de reflexão, buscando
possíveis mudanças sobre a prática escolar e otimizando uma leitura
fundamentada no contexto sociocultural do educando, a fim de construir
com ele uma leitura crítica em interação com o mundo. Para isso, o
professor deve ser um mediador desse processo.
Com todo este projeto foi possível constatar a importância de um
fazer pedagógico significativo, pois, assim, venho enriquecendo minha
prática e (res)significando, junto às crianças na sala de aula, conteúdos
que possam envolver o prazer de ler e revelar os valores sociais e os
processos comunicativos. A cada oportunidade, deve-se procurar sempre
estar atualizado com as perspectivas do alfabetizar letrando: tudo para
fazer valer as formações continuadas de que tenho participado e, assim,
produzir saber com compromisso e responsabilidade profissional.

Considerações finais
Muitas vezes o resultado de um trabalho como o acima relatado não
é visivelmente percebido em um curto espaço de tempo, mas é ine-
gável que ele corrobora a boa formação do indivíduo, a ampliação
do nível de letramento e uma alfabetização muito mais prazerosa.
Atualmente, a discussão sobre o lugar da literatura na escola
se amplia, ao considerarmos a multiplicidade de textos e de obje-
tos culturais envolvidos. As políticas públicas têm reconhecido a
necessidade da criação de acervos escolares para tornar acessível
ao aluno o maior número possível de objetos literários. Assim, o

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 189


Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE) aparece no cená-
rio nacional como um meio de democratizar o acesso dos alunos
à cultura literária. Quando surgiu, o programa visava à promo-
ção do acesso à cultura e ao incentivo à leitura entre os alunos e
professores, por meio da distribuição de acervos de obras de litera-
tura, de pesquisa e de referência e por meio do atendimento feito
em anos alternados para as escolas de Educação Infantil, de Ensino
Fundamental (Anos Iniciais) e de Educação de Jovens e Adultos. No
ano seguinte, são atendidas escolas de Ensino Fundamental (nos
finais e médio), sendo requisito, receber o acervo do programa, a
escola estar cadastrada no Censo Escolar.
Contudo, não seriam suficientes políticas públicas, livros na
escola e bibliotecas instaladas, se, nas práticas e em sala de aula,
não fosse viabilizado um trabalho sistemático, a partir de escolhas
prévias, de obras pensadas em projetos didáticos que, de forma
interdisciplinar e dialogando com vários textos, estabelecesse, no
trato com o texto literário, letramentos e a construção de uma
autonomia que alguns vão chamar de “busca de identidade”. Busca
essa que só se constrói no contato e na relação com as práticas de
escrita, seja pela leitura, pela oralidade, pela interpretação ou para
pela alfabetização. Sobre a importância de um trabalho como esse,
além dos objetivos didáticos, está envolvida a construção de uma
identidade leitora, apontada por Maria Silvia Cintra Martins neste
livro, destacando a relevância e a importância de projetos de letra-
mento com vistas à promoção de um protagonismo infantil na
busca de autonomia, seja na apropriação do sistema alfabético, seja
no uso dessa tecnologia nas práticas cotidianas.

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REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 192


AUTORES(AS)

Adriétt de Luna Silvino Marinho é formada em Pedagogia pela


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especialista em
Psicopedagogia pela Faculdade Escritor Osman da Costa Lins
(FACOL) e Mestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Desenvolve pesquisas relacionadas
à alfabetização inicial das crianças, às práticas docentes e à com-
preensão de textos na educação infantil. Atua desde o ano de 2010
na educação básica, atualmente enquadrada em duas redes muni-
cipais: Moreno (em turmas da Educação Infantil) e Jaboatão dos
Guararapes (no ciclo alfabetizador).

Alcione Medeiros de Souza é professora do Ensino Fundamental/


Anos Iniciais do município de Olinda/PE, graduada em peda-
gogia pela Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire), pós-gradu-
ada em Administração Escolar e Planejamento Educacional pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e está cursando o
Mestrado em Psicanálise Educacional na União de Instituições para
o Desenvolvimento Educacional Religioso e Cultural (Uniderc) e
a Especialização em Educação Especial Inclusiva na Universidade
Norte do Paraná (Unopar).

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 193


Alexsandro da Silva é graduado em Pedagogia (2000), Mestre
(2003) e Doutor (2008) em Educação pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), com período sanduíche no Institut National
de Recherche Pédagogique (INRP), em Paris (2007). Pós-Doutor, na
área de Didática da Língua, pela Université Sorbonne-Nouvelle –
Paris 3, em Paris (2015-1016). Atualmente, é professor associado
do Núcleo de Formação Docente do Centro Acadêmico do Agreste
(CAA) da UFPE, onde atua no curso de Graduação em Pedagogia e
no Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea. É
também docente permanente do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGEdu) do Centro de Educação (CE) e membro do
Centro de Estudos em Educação e Linguagem (Ceel) da mesma
universidade. Participa, ainda, dos grupos de pesquisa Didática
da Língua Portuguesa e Práticas de Leitura e Escrita na Educação
Infantil, ambos da UFPE. Tem experiência na área de Educação,
dedicando-se, principalmente, ao estudo de temas relativos à alfa-
betização e ao ensino de língua portuguesa.

Artur Gomes de Morais é professor titular do Centro de Educação


(CE) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutor em
Psicologia pela Universidade de Barcelona, fez pós-doutorados
na mesma universidade, no Institut National de la Rercherche
Pédagogique (Paris) e na Université Paris XII. É pesquisador do CNPq
desde 1997. Na UFPE, atua nos cursos de graduação e pós-graduação
e é membro do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (Ceel).
Pesquisa nas áreas de psicolinguística, didática da língua e formação
de professores alfabetizadores. Colaborou com o MEC em diferentes
programas (PCN em Ação, PNLD, PNLA, Provinha, ANA, Pnaic).

Edenice Cavalcanti Soares é graduada em Pedagogia pela UFPE.


Atualmente é aluna do curso de MBA em Gestão com Pessoas da
Faculdade de Administração e Direito (FCAP) da Universidade
de Pernambuco (UPE) e trabalha no setor administrativo de uma
empresa privada. Desenvolve atividades que contribuam para o
desenvolvimento de pessoas, como capacitação e treinamentos.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 194


Erika Souza Vieira é professora da Rede Municipal de Ensino do
Recife/PE. Graduada em Pedagogia e Mestre em Educação pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente é douto-
randa no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) pela
UFPE, onde desenvolve pesquisas envolvendo os saberes e práticas
docentes e os usos dos recursos didáticos na alfabetização.

Jaciane Alves de Araújo trabalha na Escola Municipal Professor


Fausto Cordeiro, no município de Jupi/PE. Atua como professora
do Ensino Fundamental I (do 1º ao 5º ano). Graduada em Pedagogia
pela Universidade de Pernambuco (UPE), está concluindo um curso
em Psicopedagogia Institucional. Fez parte de alguns minicursos
na área de Alfabetização e letramento, incluindo o PACTO.

Leila Nascimento da Silva é Graduada em Pedagogia, Doutora


em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
e Professora Adjunta da Universidade Federal do Agreste
Pernambuco (UFAPE). Atua também como membro do Centro de
Estudos em Educação e Linguagem (Ceel/UFPE) e tem participado
de vários cursos de formação de professores de redes públicas de
ensino como o Programa Pacto pela Alfabetização na Idade Certa
(Pnaic). Além disso, realiza outros trabalhos técnicos relacionados
à área de Língua Portuguesa, tais como a elaboração de pareceres
para o PNLD e a construção de material didático para a formação
de professores. Desenvolve pesquisas referentes à prática docente e
ensino de Língua Portuguesa, com ênfase no ciclo de Alfabetização.

Maria Silvia Cintra Martins é professora sênior do Departamento


de Letras (DL) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atua
no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da UFSCar e no
Programa de Pós-Graduação em Letras Estrangeiras e Tradução
(PPG-LETRA) da Universidade de São Paulo (USP). É autora de vários
livros, artigos e capítulos de livros, destacando-se “Oralidade,
escrita e papeis sociais na infância” (Mercado de Letras), que faz

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 195


parte do acervo PNBE. É também roteirista e coordenadora na mon-
tagem do game/aplicativo “A caça ao tigre-de-Bengala e outros ani-
mais em extinção”, apropriado para crianças em idade pré-esco-
lar ou do primeiro ciclo do Ensino Fundamental (disponível no
AppStore e no GooglePlay). É pesquisadora PQ /CNPq.

Nayanne Nayara Torres da Silva é graduada em Pedagogia (2011)


e Mestra em Educação Contemporânea (2014) pela Universidade
Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste (UFPE/
CAA). Doutora em Educação (2019) pela UFPE, em cotutela com
a Université Lumière Lyon 2. Atualmente, é professora assis-
tente da Universidade de Pernambuco, Campus Petrolina, e mem-
bro do Núcleo de Extensão e Pesquisa em História, Educação,
Linguística e Literatura (NEPHEL), coordenando a linha de pes-
quisa Alfabetização, Letramento e Estágio na Formação Inicial
(ALEF). Seus principais temas de interesse são: alfabetização e
ensino de língua portuguesa, com ênfase em aspectos como conhe-
cimentos dos aprendizes e saberes e práticas dos professores.

Roselma da Silva Monteiro é pedagoga, Especialista em Lin-


guagem e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Per-
nambuco (UFPE). Professora na rede municipal do Jaboatão dos
Guararapes/PE e na Universidade de Pernambuco (UPE), respecti-
vamente. Na UPE, leciona no Curso de Pedagogia e nos cursos de
licenciatura, atuando na formação de professores. Integra o grupo
de pesquisa Competências: aprendizagens necessárias e currículo.
Na rede municipal trabalha com formação de professores, desem-
penhando atualmente a função de supervisora escolar desenvol-
vendo projetos escolares e pedagógicos.

Sônia Virginia Martins Pereira é professora do Departamento de


Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFRPE) e mem-
bro do Conselho Deliberativo do Centro de Estudos em Educação
e Linguagem (Ceel/UFPE), atuando em cursos de formação de

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 196


professores na área de linguagem. Desenvolve pesquisas sobre
gêneros textuais/discursivos, gêneros e letramentos acadêmicos,
ensino de língua portuguesa, livros didáticos de língua portuguesa
e formação de professores de línguas. É Doutora em Letras pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de
Pernambuco (PPGL/UFPE).

Suely Maria de Souza é formada em Letras pela Universidade


Salgado de Oliveira (Universo) e Especialista em Formação de
Educadores (UFRPE), com pesquisas na área de linguagem com
ênfase em alfabetização e letramento. com pesquisas na área
de linguagem com ênfase em alfabetização e letramento. Atua
como Coordenadora Pedagógica pela Prefeitura de Jaboatão dos
Guararapes/PE, professora de Educação de Jovens e Adultos pelo
município do Cabo de Santo Agostinho/PE. Foi orientadora de estu-
dos do Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).

Tarciana Pereira da Silva Almeida é doutoranda do Núcleo de


Educação e Linguagem (UFPE) e atua como professora dos Anos
Iniciais da Prefeitura da Cidade do Recife/PE, há 20 anos. Integrante
do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (Ceel), participa
de ações de formação continuada de professores.

Telma Ferraz Leal é professora do Centro de Educação (CE) da


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atua como pro-
fessora do Curso de Graduação de Pedagogia e na Pós-Graduação
em Educação (PPGEdu), onde orienta dissertações e teses na área
de Educação e Linguagem. É integrante do Centro de Estudos em
Educação e Linguagem (Ceel), desenvolvendo ações de formação
de professores, avaliação e produção de recursos didáticos para o
ensino da Língua Portuguesa.

REFLEXÕES SOBRE FAZERES EM ALFABETIZAÇÃO 197


Título Reflexões sobre fazeres em alfabetização
Organização Leila Nascimento da Silva
Roselma da Silva Monteiro
Sônia Virginia Martins Pereira
Formato E-book (PDF)
Tipografia Edita (texto) e Sofia Pro (títulos)
Desenvolvimento Editora UFPE

Rua Acadêmico Hélio Ramos, 20 | Várzea, Recife-PE


CEP: 50740-530 | Fone: (81) 2126.8397
E-mail: [email protected] | Site: www.editora.ufpe.br

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