Supremacia Quântica - Michio Kaku

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SINTESE

O sucesso do processador de microchip pode estar ao


fim. Mas o computador quântico, que usa o poder e a
complexidade do reino atómico, já promete ser tão
revolucionário como foram outrora o transístor e o
microchip. As suas vantagens sem precedentes na
computação anunciam avanços que podem mudar
todos os aspeto do nosso dia a dia. Empresas
automóveis, investigadores na área da medicina e
empresas de consultoria estão a apostar na
computação quântica, na expetativa de conseguirem
explorar o seu poder para conceber veículos mais
eficientes, criar novos fármacos que permitam salvar
mais vidas e dinamizar indústrias para revolucionar a
economia. Mas isto é apenas o começo.

Os computadores quânticos poderiam permitir-nos


finalmente criar reatores de fusão nuclear capazes de
gerar energias limpas e renováveis sem resíduos
radioativos. Podem ajudar-nos a decifrar os processos
biológicos para produzir fertilizantes naturais e
baratos, permitindo-nos alimentar a cada vez mais
numerosa população mundial. E poderiam revelar a
dobragem de proteínas que está no cerne de doenças
até aqui incuráveis como o Alzheimer, a Sida e a
SUPREMACIA QUÂNTICA doença de Parkinson, ajudando-nos a viver mais e
A Revolução da Computação Quântica que Mudará o melhor. Contada com clareza e entusiasmo de Kaku, a
Mundo. Supremacia Quântica é a história desta excitante
fronteira e da corrida para reivindicar o futuro da
humanidade.

Digitalizado, Corrigido e Adaptado por


Gullan Greyl
http://www.gullangreyl.pt

1ª Edição, 2023

30-11-2023
Índice
PARTE 1 – A ASCENSÃO DOS COMPUTADORES QUÂNTICOS – ................................................................... 1
CAPÍTULO 1 – FIM DA ERA DO SILÍCIO – ................................................................................................... 1
Supremacia Quântica............................................................................................................................. 5
Fim da Lei de Moore .............................................................................................................................. 6
Por Que São Tão Potentes? ................................................................................................................... 8
Travões Aos Computadores Quânticos ................................................................................................. 9
Revolucionar a Economia .................................................................................................................... 10
Outras Aplicações dos Computadores Quânticos ............................................................................... 12
Alimentar o Planeta ............................................................................................................................. 13
O Nascimento da Medicina Quântica .................................................................................................. 14
CAPÍTULO 2 – FIM DA ERA DIGITAL – ..................................................................................................... 18
Computadores Quânticos: A Simulação Definitiva.............................................................................. 20
Babbage e a Máquina Diferencial........................................................................................................ 20
Estará a Matemática Completa? ......................................................................................................... 22
Alan Turing: Pioneiro da Ciência Computacional ................................................................................ 23
Os Computadores e a Guerra .............................................................................................................. 26
Turing e a Criação da IA ....................................................................................................................... 28
CAPÍTULO 3 – ASCENSÃO DO QUANTUM – ............................................................................................ 31
Nascimento da Teoria Quântica .......................................................................................................... 32
Nascimento da Equação de Onda........................................................................................................ 35
O Átomo Quântico ............................................................................................................................... 37
Ondas de Probabilidade ...................................................................................................................... 38
O Gato de Schrödinger ........................................................................................................................ 40
Micromundo vs. Macromundo ............................................................................................................ 42
Entrelaçamento ................................................................................................................................... 44
A tragédia da Guerra ........................................................................................................................... 46
CAPÍTULA 4 – ALVORADA DOS COMPUTADORES QUÂNTICOS – ........................................................... 49
O Nascimento do Transístor ................................................................................................................ 50
Génio em Ação .................................................................................................................................... 51
O Nascimento da Nanotecnologia ....................................................................................................... 52
O Integral de Caminho de Feynman .................................................................................................... 54
Soma Quântica sobre Caminhos.......................................................................................................... 56
Máquina de Turing Quântica ............................................................................................................... 58
Universos Paralelos ............................................................................................................................. 59
Muitos Mundos ................................................................................................................................... 61
Os Muitos Mundos de Everett............................................................................................................. 62
Renascimento dos Universos Paralelos ............................................................................................... 64
Universos Paralelos na Nossa Sala de Estar ........................................................................................ 64
Sumário da Teoria Quântica ................................................................................................................ 66
A Descoberta de Shor .......................................................................................................................... 68
A Derrota do Algoritmo de Shor .......................................................................................................... 70
Internet por Laser ................................................................................................................................ 71
CAPÍTULO 5 – COMEÇA A CORRIDA – ..................................................................................................... 73
1 - Computador Quântico Supercondutor........................................................................................... 74
2 - Computador Quântico de Iões Presos ............................................................................................ 76
3 - Computadores Quânticos Fotónicos .............................................................................................. 77
4 - Computadores Fotónicos de Silício ................................................................................................ 79
5 - Computadores Quânticos Topológicos .......................................................................................... 80
6 - Computadores Quânticos D-Wave ................................................................................................. 81
PARTE 2 – COMPUTADORES QUÂNTICOS E A SOCIEDADE – ..................................................................... 83
CAPÍTULO 6 – A ORIGEM DA VIDA – ....................................................................................................... 83
Dois Avanços........................................................................................................................................ 84
O Que É A Vida? ................................................................................................................................... 85
Física e Biotecnologia .......................................................................................................................... 87
Três Fases na Biotecnologia................................................................................................................. 89
O Paradoxo da Vida ............................................................................................................................. 90
Química Computacional e Biologia Quântica ...................................................................................... 92
CAPÍTULO 7 – UM MUNDO MAIS VERDE –............................................................................................. 95
A Mecânica Quântica da Fotossíntese................................................................................................. 97
Fotossíntese Artificial .......................................................................................................................... 98
Folha Artificial ...................................................................................................................................... 99
CAPÍTULO 8 – ALIMENTAR O PLANETA – .............................................................................................. 103
Excesso Populacional e Fome ............................................................................................................ 104
Ciência para a Guerra e para a Paz .................................................................................................... 105
ATP: A Bateria da Natureza ............................................................................................................... 107
Catálise: O Atalho da Natureza .......................................................................................................... 108
CAPÍTULO 9 – DAR ENERGIA AO MUNDO –.......................................................................................... 112
Revolução Solar? ............................................................................................................................... 113
História da Bateria ............................................................................................................................. 114
A Revolução do Lítio .......................................................................................................................... 115
Para Além das Baterias de Iões de Lítio............................................................................................. 116
A Indústria Automóvel e os Computadores Quânticos ..................................................................... 118
PARTE 3 – MEDICINA QUÂNTICA – ........................................................................................................... 121
CAPÍTULO 10 – SAÚDE QUÂNTICA – ..................................................................................................... 121
O Surgimento de Germes Resistentes aos Medicamentos ............................................................... 122
Como Funcionam os Antibióticos ...................................................................................................... 123
O Papel da Medicina Quântica .......................................................................................................... 124
Vírus Assassinos ................................................................................................................................. 125
A Pandemia de Covid ......................................................................................................................... 126
Sistema de Aviso Antecipado ............................................................................................................ 127
Decifrar o Sistema Imunitário ............................................................................................................ 128
O Vírus Ómicron ................................................................................................................................ 129
O Futuro............................................................................................................................................. 130
CAPÍTULO 11 – EDIÇÃO GENÉTICA E A CURA DO CANCRO –................................................................ 131
Biópsias Líquidas ................................................................................................................................ 132
Farejar Cancros .................................................................................................................................. 134
Imunoterapia ..................................................................................................................................... 137
O Paradoxo do Sistema Imunitário.................................................................................................... 138
CRISPR ................................................................................................................................................ 140
Terapia Genética CRISPR ................................................................................................................... 142
O Paradoxo de Peto ........................................................................................................................... 144
CAPÍTULO 12 – IA E COMPUTADORES QUÂNTICOS –........................................................................... 146
Máquinas de Aprendizagem Automática .......................................................................................... 148
Problema do Senso Comum .............................................................................................................. 151
Enovelamento de Proteínas .............................................................................................................. 152
O Nascimento da Biologia Computacional ........................................................................................ 154
Priões e Doenças Incuráveis .............................................................................................................. 158
Versões «boa» e «má» da Proteína Amiloide ................................................................................... 160
ELA ..................................................................................................................................................... 161
Doença de Parkinson ......................................................................................................................... 163
CAPÍTULO 13 – IMORTALIDADE – ......................................................................................................... 165
Segunda Lei da Termodinâmica......................................................................................................... 166
O Que É o Envelhecimento? .............................................................................................................. 167
Prever Quanto Tempo Podemos Viver .............................................................................................. 168
Reiniciar o Relógio Biológico ............................................................................................................. 169
Restrição Calórica .............................................................................................................................. 170
A Chave para o Envelhecimento: Reparação do ADN ....................................................................... 172
Reprogramar as Células para a Juventude ........................................................................................ 173
A Loja do Corpo Humano................................................................................................................... 175
Engenharia de Tecidos....................................................................................................................... 176
O Papel dos Computadores Quânticos .............................................................................................. 178
Imortalidade Digital ........................................................................................................................... 179
PARTE 4 – MODELAR O MUNDO E O UNIVERSO – .................................................................................. 183
CAPÍTULO 14 – AQUECIMENTO GLOBAL – ........................................................................................... 183
CO2 e Aquecimento Global ................................................................................................................ 185
Previsões para o Futuro ..................................................................................................................... 186
O Metano como Gás de Estufa .......................................................................................................... 187
Implicações Militares ......................................................................................................................... 188
Vórtice Polar ...................................................................................................................................... 189
O Que Fazer? ..................................................................................................................................... 189
Computadores Quânticos e Simulação Meteorológica ..................................................................... 192
Incertezas........................................................................................................................................... 192
CAPÍTULO 15 – ENGARRAFAR O SOL – ................................................................................................. 195
Por Que Brilha o Sol? ......................................................................................................................... 195
Vantagens da Fusão ........................................................................................................................... 196
Construir Um Reator de Fusão .......................................................................................................... 197
Por quê a Demora? ............................................................................................................................ 199
ITER .................................................................................................................................................... 200
Designs Concorrentes ........................................................................................................................ 202
Fusão a Laser ..................................................................................................................................... 203
Problemas da Fusão........................................................................................................................... 205
Fusão Quântica .................................................................................................................................. 205
CAPÍTULO 16 – SIMULAR O UNIVERSO – .............................................................................................. 208
Asteroides Assassinos ........................................................................................................................ 209
Exoplanetas ....................................................................................................................................... 212
ET no Espaço? .................................................................................................................................... 213
Evolução Estelar................................................................................................................................. 214
Evento Carrington.............................................................................................................................. 216
Explosões de Raios Gama .................................................................................................................. 218
Buracos Negros .................................................................................................................................. 219
Matéria Escura ................................................................................................................................... 221
Modelo Padrão de Partículas ............................................................................................................ 223
Para Além do Modelo Padrão............................................................................................................ 224
Teoria das Cordas .............................................................................................................................. 225
Os Computadores Quânticos Podem Ter a Chave............................................................................. 227
CAPÍTULO 17 – UM DIA NO ANO 2050 – .............................................................................................. 228
Epílogo ........................................................................................................................................................... 236
ENIGMAS QUÂNTICOS ............................................................................................................................... 236
Deus teve escolha? ............................................................................................................................ 237
O Universo como Simulação .............................................................................................................. 239
Universos Paralelos ........................................................................................................................... 240
Será o Universo um Computador Quântico?..................................................................................... 243
PARTE 1
– A ASCENSÃO DOS
COMPUTADORES QUÂNTICOS –
CAPÍTULO 1
– FIM DA ERA DO SILÍCIO –

Aproxima-se uma revolução.

Em 2019 e 2020, o mundo da ciência foi abalado por duas bombas. Dois
grupos anunciaram ter alcançado a supremacia quântica, o lendário ponto no
qual um tipo de computador radicalmente novo, chamado computador
quântico, conseguiria superar de forma decisiva um supercomputador digital
comum em tarefas específicas. É o princípio de uma convulsão capaz de alterar
o panorama da computação e virar de pernas para o ar todos os aspetos da
nossa vida quotidiana.

Primeiro, a Google revelou que o seu computador quântico, o Sycamore,


conseguia resolver em 200 segundos um problema matemático que demoraria
10.000 anos a resolver no supercomputador mais rápido do mundo. Segundo a
publicação Technology Review do MIT, a Google considerou que tal era uma
conquista extraordinária. Compararam-na ao lançamento do Sputnik ou ao
primeiro voo dos irmãos Wright. Era «o limiar de uma nova Era de máquinas
que fariam com que o computador mais potente dos nossos dias parecesse um
ábaco». 1

Depois, o Instituto de Inovação Quântica na Academia Chinesa de


Ciências foi um passo mais além. Alegaram que o seu computador quântico era
cem biliões de vezes mais veloz do que um supercomputador comum.

O vice-presidente da IBM, Bob Sutor, ao comentar a ascensão meteórica


dos computadores quânticos, afirmou sem rodeios: «Creio que será a
tecnologia de computação mais importante deste século.» 2

Os computadores quânticos foram já denominados de «o Computador


Final», um salto tecnológico decisivo com implicações profundas para todo o
mundo: Ao invés de computarem com transístores minúsculos, computam com
o objeto mais ínfimo possível, os próprios átomos, e assim conseguem
facilmente superar a potência do nosso maior supercomputador. Os
computadores quânticos podem introduzir uma Era totalmente nova na
economia, na sociedade e na nossa forma de vida.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

Porém, os computadores quânticos são mais do que apenas outro


2

computador potente. São um novo tipo de computador capaz de atacar


problemas que os computadores digitais nunca conseguiriam resolver, nem
mesmo com uma quantidade infinita de tempo. Por exemplo, os computadores
digitais nunca poderão calcular com exatidão como os átomos se combinam
para criar reações químicas cruciais, especialmente aquelas reações que
tornam possível a vida. Os computadores digitais só podem computar em fita
digital, que consiste numa série de 0s e 1s, um sistema demasiado grosseiro
para descrever as ondas delicadas de eletrões a dançarem nas profundezas de
uma molécula. Por exemplo, ao computar fastidiosamente os caminhos
seguidos por um rato num labirinto, um computador digital tem de analisar
morosamente cada caminho possível, um após outro. Um computador
quântico, contudo, analisa simultaneamente todos os caminhos possíveis ao
mesmo tempo, a uma velocidade estonteante.

Isso, por sua vez, reforçou uma rivalidade intensa entre gigantes da
computação concorrentes, os quais correm agora para criar o computador
quântico mais poderoso do mundo. Em 2021, a IBM revelou o seu próprio
computador quântico, chamado Eagle, que assumiu a liderança, com maior
capacidade de computação do que todos os modelos anteriores.

Mas esses recordes são como massa de tarte — feitos para serem
quebrados.

Tendo em conta as profundas implicações desta revolução, não é


surpreendente que muitas das principais corporações a nível mundial estejam
a investir fortemente nesta nova tecnologia. Google, Microsoft, Intel, IBM,
Rigetti e Honeywell estão todas a construir protótipos de computadores
quânticos. Os líderes de Silicon Valley compreendem que, se não
acompanharem esta revolução, depressa ficarão para trás.

A IBM, a Honeywell e a Rigetti Computing colocaram os seus


computadores quânticos de primeira geração na Internet, para aguçar o
apetite de um público curioso, de modo que as pessoas possam ter uma
primeira exposição direta à computação quântica. Podemos testemunhar em
primeira mão esta nova revolução quântica se nos ligarmos a um computador
quântico na Internet. Por exemplo, a «IBM Q Experience», lançada em 2016,
disponibiliza ao público, através da Internet e gratuitamente, 15 computadores
quânticos. A Samsung e a JPMorgan Chase contam-se entre os seus
utilizadores. Há já 2000 pessoas, desde estudantes a professores, a usá-los
todos os meses.

Em Wall Street gerou-se um forte interesse por esta tecnologia. A IonQ


foi a primeira grande companhia de computação quântica a tornar-se empresa
pública, angariando 600 milhões de dólares na sua Oferta Pública de Venda em
2021. Ainda mais sensacional, a rivalidade é de tal forma intensa que uma
nova start-up, a PsiQuantum, sem qualquer protótipo comercial no mercado
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

nem historial de produtos anteriores, disparou de súbito em Wall Street para


3

uma avaliação de 3,1 mil milhões de dólares, com a capacidade de captar 665
milhões de dólares em financiamento quase de um dia para o outro. Os
analistas de negócios escreveram que raramente haviam visto algo assim, uma
companhia nova a elevar-se a tais alturas nas asas da especulação febril e de
manchetes sensacionais.

A Deloitte, uma empresa de consultoria e contabilidade, estima que o


mercado para computadores quânticos deve alcançar as centenas de milhões
de dólares ao longo da década de 2020 e as dezenas de milhares de milhões
de dólares na de 2030. Ninguém sabe quando é que os computadores
quânticos entrarão no mercado comercial e alterarão o panorama económico,
mas as previsões são constantemente revistas de acordo com a rapidez sem
precedentes das descobertas científicas nessa área. Christopher Savoie, diretor
executivo da Zapata Computing, ao falar sobre a ascensão meteórica dos
computadores quânticos, diz: «Já não é uma questão de se, mas sim de
quando.» 3

Até o Congresso dos Estados Unidos manifestou um forte interesse em


ajudar com o arranque desta nova tecnologia quântica. Ao perceber que outras
nações estavam já a financiar generosamente a investigação na área dos
computadores quânticos, em dezembro de 2018 o Congresso aprovou a Lei de
Iniciativa Nacional Quântica para fornecer capital inicial e ajudar a avançar
com novas investigações. Determinou a formação de dois a cinco Centros
Nacionais de Investigação Científica de Informação Quântica com um
financiamento anual de 80 milhões de dólares.

Em 2021, o governo dos Estados Unidos anunciou ainda um investimento


de 625 milhões de dólares em tecnologias quânticas, a supervisionar pelo
Departamento de Energia. Corporações gigantes como a Microsoft, a IBM e a
Lockheed Martin contribuíram também para este projeto com uns adicionais
340 milhões.

A China e os Estados Unidos não são os únicos que usam fundos


governamentais para acelerar esta tecnologia. O governo do Reino Unido está
neste momento a construir o Centro Nacional de Computação Quântica, que
servirá como unidade de pesquisa em computação quântica, a ser construído
no Laboratório Harwell do Conselho de Serviços Científicos e Tecnológicos em
Oxfordshire. Incentivadas pelo governo, tinham sido fundadas 30 start-ups de
computadores quânticos no Reino Unido até ao final de 2019.

Os analistas da indústria reconhecem que é uma jogada de biliões de


dólares. Não há quaisquer garantias nesta área tão competitiva. Apesar dos
impressionantes avanços técnicos feitos pela Google e por outros, em anos
recentes, um computador quântico funcional, capaz de resolver problemas do
mundo real, encontra-se ainda a muitos anos de distância. Temos ainda
perante nós uma montanha de trabalho árduo. Alguns críticos alegam mesmo
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

que pode não passar de um empreendimento vão. No entanto, as companhias


4

de computadores compreendem que, a menos que consigam pôr o pé na


porta, esta pode bem fechar-se-lhes na cara.

Ivan Ostojic, sócio na firma de consultoria McKinsey, diz: «As empresas


em indústrias onde o quantum tenha maior potencial de uma revolução total,
devem envolver-se no quântico imediatamente.» 4 Áreas como química,
medicina, petróleo e gás, transportes, logística, banca, farmacêuticas e
cibersegurança estão preparadas para mudanças revolucionárias. Acrescenta
ele: «Em princípio, o quântico será relevante para todos os diretores
executivos de informação, uma vez que pode acelerar soluções para um vasto
leque de problemas. Essas companhias precisam de se tornar detentoras de
funcionalidades quânticas.»

Vern Brownell, ex-diretor executivo da D-Wave Systems, uma companhia


canadiana de computação quântica, observa: «Acreditamos estar na iminência
de poder oferecer funcionalidades que não são possíveis obter com a
computação clássica.»

Muitos cientistas creem que estamos agora a entrar numa Era


completamente nova, com ondas de choque comparáveis às criadas pela
introdução do transístor e do microchip. Companhias sem ligações diretas à
produção de computadores, como a gigante da indústria automóvel Daimler,
proprietária da Mercedes-Benz, estão já a investir nesta nova tecnologia,
adivinhando que os computadores quânticos podem abrir caminho a novos
desenvolvimentos nas suas próprias indústrias. Julius Marcea, um executivo na
empresa rival, BMW, escreveu: «Estamos empolgados para investigar o
potencial transformador da computação quântica na indústria automóvel, e
comprometidos em alargar os limites do desempenho da engenharia.» 5 Outras
grandes companhias, como a Volkswagen e a Airbus, criaram as suas próprias
divisões de computação quântica para explorar de que forma isso pode
revolucionar o seu negócio.

As companhias farmacêuticas observam também atentamente os


desenvolvimentos nesta área, conscientes de que os computadores quânticos
podem conseguir simular processos químicos e biológicos complexos que estão
muito para além da capacidade de computadores digitais. Instalações enormes
dedicadas à testagem de milhões de drogas podem um dia ser substituídas por
«laboratórios virtuais» que testam essas mesmas drogas no ciberespaço. Há
quem tenha manifestado receios de que isso possa talvez, um dia, substituir os
químicos profissionais. Mas Derek Lowe, que gere um blogue sobre descoberta
de substâncias, diz: «As máquinas não vão substituir os químicos. Os químicos
que usam as máquinas é que substituirão aqueles que não as usam.» 6

Até o Grande Colisor de Hadrões nos arredores de Genebra, na Suíça, a


maior máquina científica do mundo, que faz colidir protões a 14 biliões de
eletrões-volt para recriar as condições nos primórdios do Universo, utiliza
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

agora computadores quânticos para ajudar a analisar montanhas de dados.


5

Num segundo, conseguem analisar até um bilião de bytes gerados por cerca de
mil milhões de colisões de partículas. Talvez um dia os computadores
quânticos possam vir a desvendar os segredos da criação do Universo.

Supremacia Quântica
Em 2012, quando o físico John Preskill do Instituto de Tecnologia da
Califórnia cunhou pela primeira vez a expressão «supremacia quântica»,
muitos cientistas abanaram a cabeça. Faltariam décadas, se não mesmo
séculos, pensaram, até que os computadores quânticos conseguissem superar
o desempenho de um computador digital. Afinal de contas, a computação em
átomos individuais, em vez de em pastilhas de chips de silício, era considerada
diabolicamente difícil. A mais ligeira vibração ou ruído pode afetar a delicada
dança de átomos num computador quântico. Porém, estas proclamações
assombrosas de supremacia quântica têm vindo a deitar por terra as previsões
mais sombrias dos opositores. Agora, a preocupação começa a virar-se para a
rapidez com que a área está a desenvolver-se.

Os abalos causados por estes feitos extraordinários sacudiram também


administrações e agências de inteligência top secret por todo o mundo.
Documentos revelados por denunciantes revelaram que a CIA e a Agência de
Segurança Nacional dos Estados Unidos acompanham de perto os
desenvolvimentos neste campo. Isto porque os computadores quânticos são
tão potentes que, em princípio, conseguiriam quebrar todos os cibercódigos
conhecidos. O que significa que os segredos cuidadosamente protegidos pelos
governos, que são as suas joias da coroa, contendo as informações mais
confidenciais, estão vulneráveis a ataques, tal como os segredos mais bem
guardados de corporações e até mesmo indivíduos. A situação é de tal forma
urgente que até o Instituto Nacional de Normas e Tecnologia (NIST) dos
Estados Unidos, que determina as políticas e normas nacionais, emitiu
recentemente linhas de orientação para ajudar as grandes corporações e
agências a formular planos para a transição inevitável desta nova Era. O NIST
anunciou já que esperam que, até 2029, os computadores quânticos sejam
capazes de quebrar a encriptação AES de 128-bits, o código utilizado por
muitas companhias.

Ali El Kaafarani, num artigo para a Forbes Magazine, observou que «é


uma perspetiva muito aterrorizadora para qualquer organização que tenha
informações confidenciais para proteger». 7

Os chineses gastaram dez mil milhões de dólares no seu Laboratório


Nacional Científico de Informação Quântica porque estão determinados a estar
na linha da frente desta área vital e em rápido desenvolvimento. As nações
gastam dezenas de milhares de milhões para guardar ciosamente esses
códigos. Um hacker, armado com um computador quântico, poderia, em
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

teoria, entrar em qualquer computador digital no planeta, afetando assim


6

indústrias e até mesmo organizações militares. Toda a informação confidencial


ficaria ao dispor de quem fizesse a oferta mais elevada. Os mercados
financeiros também mergulhariam no caos se os computadores quânticos
penetrassem no santuário interior de Wall Street. Os computadores quânticos
podem ainda desbloquear a blockchain, criando alvoroço no mercado de
bitcoin. A Deloitte calculou que cerca de 25 por cento das bitcoins estão
potencialmente vulneráveis a hacking por um computador quântico.

«Aqueles que gerem projetos de blockchain estarão provavelmente a


vigiar com algum nervosismo os progressos da computação quântica», conclui
um relatório da CB Insights, uma companhia informática de software de
dados. 8

Assim, o que está em jogo é, nada mais, nada menos, a economia


mundial, que está fortemente aliada à tecnologia digital. Os bancos em Wall
Street usam computadores para registar e seguir transações de milhares de
milhões de dólares. Os engenheiros usam computadores para desenhar
arranha-céus, pontes e foguetões. Os artistas dependem dos computadores
para dar vida aos blockbusters de Hollywood. As companhias farmacêuticas
usam computadores para desenvolver a próxima droga maravilha. As crianças
precisam de computadores para jogar os mais recentes videojogos com os
amigos. E dependemos de forma crucial dos telemóveis para ter notícias
instantâneas de amigos, colegas e familiares. Todos nós passámos já pela
experiência de entrar em pânico quando não encontramos o telemóvel. Na
verdade, é extremamente difícil nomear uma atividade humana que não tenha
sido virada de pernas para o ar pelos computadores. Estamos tão dependentes
deles que se, de alguma forma, todos os computadores no mundo deixassem
subitamente de funcionar, a civilização mergulharia no caos. É por isso que os
cientistas acompanham com tanta atenção os desenvolvimentos dos
computadores quânticos.

Fim da Lei de Moore


O que está por trás de toda esta agitação e controvérsia?

A ascensão dos computadores quânticos é um sinal de que a Era do


Silício se aproxima gradualmente do fim. No último meio século, a explosão da
potência computacional tem sido descrita pela Lei de Moore, batizada com o
nome do fundador da Intel, Gordon Moore. A Lei de Moore diz que a potência
computacional duplica a cada 18 meses. Esta lei enganadoramente simples
tem acompanhado o extraordinário aumento exponencial da potência
computacional, algo sem precedentes na história humana. Não existe qualquer
outra invenção que tenha tido um impacto tão universal em tão curto período
de tempo.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

Os computadores passaram por muitas fases ao longo da sua história,


7

aumentando de cada vez a sua potência e causando importantes alterações


sociais. Na verdade, a Lei de Moore pode ser aplicada já desde o século XIX, a
Era dos computadores mecânicos. Nessa época, os engenheiros utilizavam
cilindros giratórios, rodas dentadas, engrenagens e rodas para efetuar simples
operações aritméticas. Na viragem do século passado, estas calculadoras
começaram a usar eletricidade, substituindo as engrenagens por relés e cabos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os computadores utilizavam vastos
conjuntos de tubos de vácuo para decifrar códigos governamentais secretos.
Na época do pós-guerra, fez-se a transição de tubos de vácuo para
transístores, que podiam ser miniaturizados para tamanhos microscópicos,
facilitando avanços continuados em termos de velocidade e potência.

Na década de 50, os computadores mainframe só podiam ser adquiridos


por grandes corporações e agências governamentais como o Pentágono e
bancos internacionais. Eram potentes (por exemplo, o ENIAC conseguia fazer
em 30 segundos aquilo que podia demorar 20 horas a um ser humano).
Porém, eram também caros, volumosos, e ocupavam muitas vezes um piso
inteiro de um edifício. O microchip veio revolucionar todo este processo,
diminuindo de tamanho ao longo das décadas até que um chip típico, do
tamanho de uma unha, pode hoje conter cerca de mil milhões de transístores.
Nos nossos dias, os telemóveis usados pelas crianças para jogos são mais
potentes do que uma sala cheia desses dinossauros massivos, em tempos
usados pelo Pentágono. O telemóvel que trazemos no bolso excede a potência
dos computadores utilizados durante a Guerra Fria, e no entanto tomamo-lo
por garantido.

Tudo passa. Cada transição no desenvolvimento do computador tornou


obsoleta a tecnologia anterior, num processo de destruição criativa. A Lei de
Moore já está a abrandar e pode, a dada altura, estacar. Isto porque os
microchips são tão compactos que a camada mais fina de transístores tem
uma espessura de cerca de 20 átomos. Quando chegarem aos cinco átomos de
espessura, a localização dos eletrões torna-se incerta e estes podem escapar e
provocar um curto-circuito no chip, ou gerar tanto calor que os chips
derreterão. Por outras palavras, segundo as leis da física, a Lei de Moore tem,
mais cedo ou mais tarde, de sucumbir, se continuarmos a utilizar
essencialmente silício. Podemos estar a assistir ao fim da Era do Silício. O
próximo salto no progresso pode ser a Era pós-Silício ou Era Quântica.

Como disse Sanjay Natarajan, da Intel: «Estamos convencidos de ter


espremido tudo o que é possível espremer dessa arquitetura» 9

Silicon Valley pode vir a tornar-se o próximo Cinturão da Ferrugem*.

Embora as coisas pareçam calmas por enquanto, mais cedo ou mais


tarde este novo futuro despontará. Como diz Hartmut Neven, diretor do
laboratório de Inteligência Artificial da Google: «Parece que não está a
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

acontecer nada, não está a acontecer nada, e depois, oops, de repente


8

estamos num mundo diferente.» 10

Por Que São Tão Potentes?


O que torna os computadores quânticos tão potentes, ao ponto de lançar
as nações do mundo numa corrida para dominar esta nova tecnologia?

Essencialmente, todos os computadores modernos se baseiam em


informação digital, que pode ser codificada numa série de 0s e 1s. A unidade
mais pequena de informação, um único dígito, chama-se bit. Esta sequência de
0s e 1s é introduzida num processador digital, que efetua o cálculo e produz
então um resultado. Por exemplo, a sua ligação à Internet pode medir-se em
termos de bits por segundo, ou bps, o que significa que mil milhões de bits são
enviados para o seu computador a cada segundo, dando-lhe acesso
instantâneo a filmes, e-mails, documentos, etc.

Contudo, em 1959, Richard Feynman, o físico galardoado com um Nobel,


viu uma abordagem diferente à informação digital. Num ensaio profético e
revolucionário intitulado «There's Plenty of Room at the Bottom» [Há muito
espaço lá em baixo] e artigos subsequentes, perguntou: por que não substituir
esta sequência de 0s e 1s por estados de átomos, criando assim um
computador atómico? Por que não substituir os transístores pelo objeto mais
pequeno possível, o átomo?

Os átomos são como piões. Num campo magnético, podem alinhar-se


quer para cima, quer para baixo relativamente ao campo magnético, o que
corresponde a um 0 ou a um 1. A potência de um computador digital está
relacionada com o número de estados (os 0s ou 1s) que há no computador.

Contudo, devido às estranhas leis do mundo subatómico, os átomos


podem também girar em qualquer combinação dos dois. Por exemplo,
podemos ter um estado em que o átomo gira para cima 10 por cento do tempo
e gira para baixo 90 por cento do tempo. Ou gira para cima 65 por cento do
tempo e gira para baixo 35 por cento do tempo. Na verdade, há um número
infinito de formas como um átomo pode girar. Isto aumenta vastamente o
número de estados possíveis. Assim, o átomo pode transportar muito mais
informação, não apenas um bit, mas um qubit, ou seja, uma mistura
simultânea dos estados para cima e para baixo. Os bits digitais só conseguem
transportar um bit de informação de cada vez, o que limita a sua potência,
mas os qubits, ou bits quânticos, têm uma potência quase ilimitada. Ao facto
de, ao nível atómico, os objetos poderem existir simultaneamente em
múltiplos estados, chama-se sobreposição. (Isto significa também que as
familiares leis do senso comum são violadas de forma rotineira ao nível
atómico. A essa escala, os eletrões podem estar em dois lugares ao mesmo
tempo, o que não é verdade para objetos maiores.)
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

Adicionalmente, estes qubits podem interagir uns com os outros, o que


9

não é possível com os bits comuns. A isto chama-se entrelaçamento. Enquanto


os bits digitais têm estados independentes, de cada vez que adicionamos outro
qubit ele interage com todos os qubits anteriores, duplicando assim o número
de interações possíveis. Portanto os computadores quânticos são de modo
inerente exponencialmente mais potentes do que os computadores digitais,
porque duplicamos o número de interações de cada vez que adicionamos mais
um qubit.

Por exemplo, os computadores quânticos atuais podem ter mais de cem


qubits. Isto significa que são 2100 vezes mais potentes do que um
supercomputador com apenas um qubit.

O computador quântico da Google, o Sycamore, que foi o primeiro a


alcançar a supremacia quântica, tem capacidade de processar 72 triliões de
bytes de memória, com a sua potência de 53 qubits. Assim, um computador
quântico como o Sycamore deixa muito para trás um computador
convencional.

As implicações comerciais e científicas são enormes. Enquanto


transitamos de uma economia mundial digital para uma economia quântica, o
que está em jogo é de uma importância extraordinária.

Travões Aos Computadores Quânticos


A próxima pergunta essencial é: o que nos impede de comercializar já
hoje computadores quânticos potentes? Por que razão nenhum inventor mais
empreendedor revelou ainda um computador quântico capaz de decifrar
qualquer código conhecido?

O problema que os computadores quânticos enfrentam foi também


previsto por Richard Feynman aquando da formulação inicial do conceito. Para
que os computadores quânticos funcionem, os átomos têm de estar dispostos
de forma muito precisa, de modo que vibrem em uníssono. A isto chama-se
coerência. No entanto, os átomos são objetos extraordinariamente pequenos e
sensíveis. A mais ínfima impureza ou perturbação proveniente do mundo
exterior pode fazer com que esse conjunto de átomos perca a coerência,
arruinando todo o cálculo. Esta fragilidade é o principal problema dos
computadores quânticos. Assim, a pergunta bilionária é: conseguiremos
controlar a decoerência?

De modo a minimizar a contaminação proveniente do mundo exterior, os


cientistas recorrem a equipamentos específicos de modo a baixar a
temperatura para perto do zero absoluto, onde as vibrações indesejadas são
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

reduzidas ao mínimo. Porém, para alcançar essas temperaturas, são


10

necessárias bombas e tubagens especiais e dispendiosas.

Vemo-nos, no entanto, perante um mistério. A Mãe Natureza usa a


mecânica quântica à temperatura ambiente sem qualquer problema. Por
exemplo, o milagre da fotossíntese, um dos processos mais importantes na
Terra, é um processo quântico, e contudo decorre a temperaturas normais. A
Mãe Natureza não precisa de uma sala cheia de aparelhos exóticos, a
funcionarem perto do zero absoluto, para executar a fotossíntese. Por motivos
que não são bem compreendidos, no mundo natural é possível manter a
coerência mesmo num dia de sol quente, em que as perturbações do mundo
exterior deviam criar o caos ao nível atómico. Se pudéssemos um dia perceber
como é que a Mãe Natureza faz a sua magia à temperatura ambiente, então
talvez conseguíssemos dominar o quantum e, quiçá, a própria vida.

Revolucionar a Economia
Embora, a curto prazo, os computadores quânticos representem uma
ameaça para a cibersegurança das nações, têm também vastas implicações
práticas a longo prazo, detendo o poder de revolucionar a economia mundial,
criar um futuro mais sustentável e introduzir uma Era de medicina quântica
para ajudar a curar doenças até então incuráveis.

São muitas as áreas em que os computadores quânticos podem


ultrapassar os computadores digitais convencionais:

1. Motores de busca

No passado, a riqueza podia medir-se em termos de petróleo ou ouro.

Hoje, cada vez mais, mede-se em dados. As companhias costumavam


deitar fora os seus próprios dados financeiros, mas agora esta informação é
reconhecida como sendo mais valiosa do que metais preciosos. Porém, analisar
montanhas de dados pode sobrecarregar um computador digital convencional.
É aqui que entram em cena os computadores quânticos, para encontrar a
agulha no palheiro. Os computadores quânticos serão capazes de analisar as
finanças de uma companhia de modo a isolar o punhado de fatores específicos
que a impede de crescer.

Na verdade, a JPMorgan Chase aliou-se recentemente à IBM e à


Honeywell na análise dos seus dados, com o objetivo de fazer melhores
previsões de risco e de incerteza financeira e aumentar a eficiência das suas
operações.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

2. Otimização
11

Depois de os computadores quânticos terem utilizado motores de busca


para identificar os fatores cruciais nos dados, a próxima questão é como os
ajustar de modo a maximizar certos fatores, tais como o lucro. No mínimo, as
grandes corporações, universidades e agências governamentais utilizarão os
computadores quânticos para minimizar as despesas e maximizar a eficiência e
o lucro. Por exemplo, as receitas líquidas de uma companhia dependem de
centenas de fatores, tais como salários, vendas, despesas e por aí fora, e
todos eles mudam rapidamente com o tempo. Um computador tradicional
digital seria incapaz de encontrar a combinação certa, nesta miríade de
fatores, para maximizar a margem de lucro. Entretanto, uma empresa da área
financeira terá interesse em usar computadores quânticos pata prever o futuro
de certos mercados financeiros que lidam com milhares de milhões de dólares
em transações, diariamente. É aqui que os computadores quânticos podem
ajudar, ao fornecer a potência computacional necessária para otimizar os
resultados.

3. Simulação

Os computadores quânticos são também capazes de resolver equações


complexas que estão para além da capacidade dos computadores digitais. Por
exemplo, as empresas de engenharia podem usar computadores quânticos
para calcular a aerodinâmica de jatos, aviões e carros, com o objetivo de
encontrar a forma ideal que reduz a fricção, minimiza os custos e maximiza a
eficiência. Ou os governos podem usar computadores quânticos para prever o
tempo, quer seja para determinar a trajetória de um furacão monstruoso, quer
para calcular de que forma o aquecimento global afetará a economia e o nosso
modo de vida daqui a décadas. Ou os cientistas recorrerão a computadores
quânticos para encontrar a configuração ideal de ímanes em máquinas de
fusão nuclear gigantes, de modo a rentabilizar o poder da fusão de hidrogénio
e «engarrafar o Sol».

Porém, o maior benefício talvez seja usar os computadores quânticos


para simular centenas de processos químicos cruciais. O sonho seria poder
prever o desfecho de qualquer reação química ao nível atómico sem usar
químico algum, apenas com computadores quânticos. Este novo ramo da
ciência, a química computacional, determina as propriedades químicas, não
através da experiência, mas simulando-as num computador quântico, o que
pode um dia vir a eliminar testagens dispendiosas e demoradas. A biologia, a
medicina e a química seriam reduzidas à mecânica quântica. Isso significa criar
um «laboratório virtual» no qual podemos rapidamente testar novas drogas,
terapias e curas na memória de um computador quântico, eliminando a
necessidade de décadas de experimentação e erro e de testes laboratoriais
lentos e fastidiosos. Em vez de levar a cabo milhares de experiências químicas
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

complexas, dispendiosas e demoradas, poderíamos somente carregar no botão


12

num computador quântico.

4. Fusão entre IA e Computadores Quânticos

A Inteligência Artificial (IA) destaca-se pela sua extraordinária


capacidade de aprender com os erros, pelo que consegue desempenhar tarefas
progressivamente mais difíceis. Já provou o seu valor na indústria e na
medicina. Contudo, uma limitação da IA é que as vastas quantidades de dados
que tem de processar podem facilmente ultrapassar os limites de um
computador digital convencional. Todavia, a capacidade de analisar montanhas
de dados é um dos pontos fortes dos computadores quânticos. Assim, a
sinergia entre IA e computadores quânticos pode aumentar de forma
significativa a sua potência para resolver todo o tipo de problemas.

Outras Aplicações dos Computadores Quânticos


Os computadores quânticos têm capacidade de vir a alterar indústrias
inteiras. Por exemplo, os computadores quânticos podem, finalmente,
introduzir a — há muito esperada — Era Solar. Há décadas que futuristas e
visionários preveem que as energias renováveis substituirão gradualmente os
combustíveis fósseis, solucionando o problema do efeito de estufa que causa o
aquecimento do planeta. Exércitos destes pensadores e sonhadores têm vindo
a enaltecer as virtudes das energias renováveis.

No entanto, a Era Solar continua adiada.

Embora os custos de turbinas eólicas e painéis solares tenham caído,


estes representam ainda apenas uma reduzida fração da produção total de
energia a nível mundial. A questão é: o que aconteceu? Todas as novas
tecnologias têm de confrontar o mesmo aspeto crucial: custos. Após décadas a
engrandecer as energias eólica e solar, os apoiantes têm de aceitar o facto de
que continuam a ser um pouco mais dispendiosas, em média, do que os
combustíveis fósseis. A razão é evidente. Quando o sol não brilha e os ventos
não sopram, a tecnologia de energias renováveis fica ali parada, a ganhar pó.

O problema-chave da Era Solar é, muitas vezes, esquecido; trata-se da


bateria. Mal-habituados a que a potência computacional cresça a uma
velocidade exponencial, partimos inconscientemente do princípio de que o
mesmo ritmo de desenvolvimento se aplica a toda a tecnologia eletrónica.

A potência computacional explodiu, em parte, porque podemos usar


comprimentos de onda de radiação ultravioleta mais curtos para gravar
transístores minúsculos num chip de silício. Porém, as baterias são diferentes;
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

são confusas, utilizando uma série de produtos químicos exóticos numa


13

interação complexa. A potência das baterias cresce lenta e fastidiosamente,


por meio de experimentação e erro, e não por meio do uso sistemático de
comprimentos de onda de luz UV cada vez mais curtos para fazer gravações.
Além do mais, a energia armazenada numa bateria é uma ínfima fração da
energia armazenada na gasolina.

Os computadores quânticos têm potencial para alterar esta situação.


Poderão modelar milhares de possíveis reações químicas sem que tenham de
ser testadas em laboratório, de modo a encontrar o processo mais eficiente
para uma superbateria, introduzindo assim a Era Solar.

Companhias de serviços públicos e de automóveis já estão a recorrer aos


computadores quânticos de primeira geração da IBM para atacar o problema
das baterias. Pretendem aumentar a capacidade e velocidade de
recarregamento da próxima geração de baterias de lítio-enxofre. Essa, todavia,
é apenas uma das formas como o clima será afetado. Além disso, a ExxonMobil
está a usar os computadores quânticos da IBM para criar novos produtos
químicos, para processamento de baixa energia e captura de carbono. Em
particular, querem que os computadores quânticos sejam capazes de simular
materiais e determinar a sua natureza química, tal como a sua capacidade de
aquecimento.

Jeremy O'Brien, fundador da PsiQuantum, realça que esta revolução não


é para construir computadores mais rápidos. É, sim, para atacar problemas,
como reações químicas e biológicas complexas, que nenhum computador
convencional poderia resolver, por mais tempo que lhe déssemos.

Diz ele: «Não estamos a falar de fazer as coisas mais depressa ou


melhor... estamos a falar de as conseguir fazer, ponto final... Estes problemas
estão inevitavelmente para além do alcance de qualquer computador
convencional que pudéssemos vir a construir... mesmo que pegássemos em
todos os átomos de silício no mundo e os transformássemos num
supercomputador, ainda assim não conseguiríamos resolver estes problemas
difíceis.» 11

Alimentar o Planeta
Outra aplicação crucial dos computadores quânticos poderá ser alimentar
uma população mundial em crescimento. Certas bactérias conseguem, sem
qualquer esforço, retirar nitrogénio do ar e convertê-lo em amoníaco, que por
sua vez é transformado em produtos químicos para criar fertilizantes. Este
processo de fixação de nitrogénio é a razão pela qual a vida prospera na Terra,
possibilitando o crescimento de vegetação que alimenta humanos e animais. A
Revolução Verde foi desencadeada quando os químicos duplicaram esta proeza
pelo processo Haber-Bosch. Contudo, esse processo requer uma vasta
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

quantidade de energia. Na verdade, o processo consome uns extraordinários 2


14

por cento de toda a produção energética mundial.

A ironia é essa. As bactérias fazem, de graça, algo que consome uma


enorme fração da energia mundial.

A questão é: conseguirão os computadores quânticos solucionar esse


problema da produção eficiente de fertilizantes, criando assim uma Segunda
Revolução Verde? Se não ocorrer outra revolução na área da produção
alimentar, alguns futuristas preveem uma catástrofe ecológica, à medida que
se tornar cada vez mais difícil alimentar uma população mundial em constante
expansão, o que poderia causar fome generalizada e motins alimentares por
todo o mundo.

Cientistas na Microsoft fizeram já algumas das primeiras tentativas de


usar computadores quânticos para aumentar a produção de fertilizantes e
desvendar o segredo da fixação de nitrogénio. No fim, os computadores
quânticos podem ajudar a salvar a civilização humana de si própria. Outro
milagre da natureza é a fotossíntese, pela qual a luz do sol e o dióxido de
carbono são convertidos em oxigénio e glucose, que formam então a base de
quase toda a vida animal. Sem a fotossíntese, a cadeia alimentar cairia por
terra e a vida neste planeta depressa definharia.

Os cientistas passaram décadas a tentar identificar todos os passos por


trás desse processo, molécula a molécula. Mas converter luz em açúcar é um
processo de mecânica quântica. Após anos de trabalho, os cientistas isolaram
os pontos onde os efeitos quânticos dominam o processo, e todos estão fora
do alcance de computadores digitais. Assim, criar uma fotossíntese sintética
com o potencial de ser ainda mais eficaz do que a natural continua a estar
para além das capacidades dos nossos melhores químicos.

Os computadores quânticos talvez possam ajudar a criar uma


fotossíntese sintética mais eficaz, ou, quem sabe, métodos totalmente novos
de captar o poder da luz solar. Talvez o futuro do nosso abastecimento
alimentar dependa disso.

O Nascimento da Medicina Quântica


Assim, os computadores quânticos têm a capacidade de rejuvenescer o
ambiente e a vida vegetal. Mas podem também curar os doentes e
moribundos. Não só os computadores quânticos são capazes de analisar
simultaneamente a eficácia de milhões de potenciais medicamentos mais
depressa do que qualquer computador convencional, como também de
desvendar a natureza da própria doença.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

Espera-se que os computadores quânticos respondam a perguntas como:


15

o que faz com que células saudáveis se tornem de súbito cancerosas, e como
as travar? O que causa a doença de Alzheimer? Por que são incuráveis a
doença de Parkinson e a ELA? Mais recentemente, o coronavírus provou ser
capaz de mutações, mas até que ponto serão perigosos cada um destes vírus
mutantes, e como reagirão ao tratamento?

Duas das grandes descobertas na história da medicina são os antibióticos


e as vacinas. Todavia, os novos antibióticos são descobertos em grande
medida por experimentação e erro, sem compreendermos precisamente como
funcionam ao nível molecular, e as vacinas apenas estimulam o corpo humano
a produzir substâncias químicas para atacar um vírus invasor. Em ambos os
casos, os mecanismos moleculares exatos continuam a ser um mistério, e é
possível que os computadores quânticos nos proporcionem uma perspetiva de
como desenvolver melhores vacinas e antibióticos.

Quando falamos de compreender o corpo, o primeiro passo de gigante foi


o Projeto do Genoma Humano, que elencou todos os três mil milhões de pares
base e 20.000 genes que formam o mapa do corpo humano. No entanto, isto é
apenas o princípio. O problema é que os computadores digitais são usados
essencialmente para pesquisar em vastas bases de dados de códigos genéticos
conhecidos, mas são impotentes quanto a explicar de forma precisa como o
ADN e as proteínas executam os seus milagres dentro do corpo. As proteínas
são objetos complexos, frequentemente compostas por milhares de átomos,
que se dobram numa pequena bola, de formas específicas e inexplicáveis,
quando põem em prática a sua magia molecular. Ao nível mais fundamental,
toda a vida é mecânico-quântica, logo, fica para além das capacidades dos
computadores digitais.

Mas os computadores quânticos abrirão caminho para a próxima fase,


quando decifrarmos os mecanismos ao nível molecular que nos dirão como
funcionam as proteínas, permitindo aos cientistas criar novos caminhos
genéticos, novas terapias, novas curas para conquistar doenças até então
incuráveis.

Por exemplo, algumas corporações farmacêuticas, incluindo empresas


como a ProteinQure, a Digital Health 150, a Merck e a Biogen, estão já a
montar centros de investigação para estudar de que forma os computadores
quânticos afetarão a análise de medicamentos.

É assombroso para os cientistas como a Mãe Natureza conseguiu criar


um tão vasto arsenal de mecanismos moleculares que tornam possível o
milagre da vida. Porém, estes mecanismos são um derivado do acaso e do
trabalho da seleção natural aleatória ao longo de milhares de milhões de anos.
É por isso que ainda sofremos com certas doenças incuráveis e com o processo
de envelhecimento. Quando compreendermos o funcionamento destes
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

mecanismos moleculares, poderemos usar computadores quânticos para os


16

melhorar ou criar novas versões dos mesmos.

Por exemplo, com o ADN genómico, usamos computadores para


identificar genes como o BRCA1 e o BRCA2, que têm fortes probabilidades de
causar cancro da mama. No entanto, os computadores digitais são inúteis para
determinar exatamente como é que estes genes defeituosos causam o cancro.
E são também impotentes para travar o cancro depois de este se espalhar pelo
corpo. Mas os computadores quânticos, ao decifrarem as complexidades
moleculares do nosso sistema imunitário, podem conseguir criar novos
medicamentos e terapias para combater estas doenças.

Outro exemplo é a doença de Alzheimer, que alguns acreditam ser a


«doença do século», com o envelhecimento da população mundial. Através dos
computadores digitais conseguimos demonstrar que há mutações em certos
genes, como o gene ApoE4, que estão associadas à doença de Alzheimer.
Contudo, os computadores digitais não conseguem explicar-nos porquê.

Uma das teorias principais é que a doença de Alzheimer é causada por


priões, uma certa proteína amiloide incorretamente dobrada no cérebro.
Quando a molécula renegada colide com outra molécula da proteína, faz com
que essa molécula se dobre também da maneira errada. Assim, a doença
alastra por contacto, apesar de não haver envolvimento de vírus nem
bactérias. Suspeita-se que os priões renegados possam ser os responsáveis
por doenças como Alzheimer, Parkinson, ELA, e uma série de outras doenças
incuráveis que afetam os mais velhos.

Assim, o problema da dobragem das proteínas é uma das grandes áreas


não cartografadas da biologia. Na verdade, pode encerrar o segredo da própria
vida. Porém, determinar exatamente como uma molécula de proteína se
dobra, ultrapassa as capacidades de qualquer computador convencional. Os
computadores quânticos, por outro lado, podem fornecer novos caminhos a
partir dos quais se podem neutralizar as proteínas renegadas e oferecer novas
terapias.

Além disso, a já mencionada fusão entre IA e computadores quânticos


pode muito bem vir a ser o futuro da medicina. Programas de IA como o
AlphaFold conseguiram já cartografar a estrutura atómica pormenorizada de
uns espantosos 350.000 tipos diferentes de proteínas, incluindo o conjunto
completo das proteínas que compõem o corpo humano. O próximo passo é
usar os métodos únicos dos computadores quânticos para descobrir como é
que estas proteínas fazem a sua magia, e usá-las para criar a próxima geração
de medicamentos e terapias.

Os computadores quânticos estão já a ser ligados a redes neuronais para


criar a próxima geração de máquinas com capacidade de aprendizagem,
capazes de literalmente se reinventarem a si próprias. O computador que tem
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era do Silício

na sua secretária, em contraste, nunca aprende. Não é mais potente hoje do


17

que era o ano passado. Só recentemente, com novos avanços na


aprendizagem profunda, é que os computadores começaram a dar os primeiros
passos no reconhecimento de erros e aprendizagem. Os computadores
quânticos poderiam acelerar exponencialmente esse processo e ter um impacto
singular na medicina e na biologia.

O diretor executivo da Google, Sundar Pichai, compara a chegada dos


computadores quânticos ao histórico voo dos irmãos Wright em 1903. O teste
original não foi muito extraordinário, por si só, porque o voo durou apenas uns
modestos 12 segundos. Contudo, este curto voo foi o fator impulsionador da
aviação moderna, que, por sua vez, alterou o rumo da civilização humana.

Aquilo que está em jogo é, nem mais nem menos, o nosso futuro. Está
tudo à disposição de quem conseguir construir e utilizar um computador
quântico. Porém, para compreender verdadeiramente o impacto que esta
revolução poderá vir a ter na nossa vida quotidiana, vale a pena rever algumas
das corajosas tentativas feitas no passado de realizar o sonho de usar
computadores para simular e compreender o mundo à nossa volta.

E tudo começou com uma misteriosa relíquia com dois mil anos,
encontrada no fundo do Mediterrâneo.

1 Gordon Lichfield, «Inside the Race to Build the Best Quantum Computer on Earth», MIT Technology Review, 26 de fevereiro de
2020, 1-23.
2 Yuval Boger, entrevista com o Dr. Robert Sutor, The Qubit Guy’s Podcast, 27 de outubro de 2021;
https://www.classiq.io/insights/podcast-with-dr-robert-sutor.
3 Matt Swayne, «Zapata Chief Says Quantum Machine Learning Is a When, Not an If», The Quantum Insider, 16 de julho de 2020;
https://thequantuminsider.com/.
4 Daphne Leprince-Ringuet, «Quantum Computers Are Coming, Get Ready for Them to Change Everything», ZD Net, 2 de novembro
de 2020; https://www.zdnet.com/.
5 Dashveenjit Kaur, «BMW Embraces Quantum Computing to Enhance Supply Chain», Techwire/Asia, 1 de fevereiro 2021;
https://techwireasia.com/.
6 Cade Metz, «Making New Drugs with a Dose of Artificial Intelligence», The New York Times, 5 de fevereiro de 2019;
https://www.nytimes.com/.
7 Ali El Kaafarani, «Four Ways That Quantum Computers Can Change the World», Forbes, 30 de julho de 2021;
https://www.forbes.com/.
8 «How Quantum Computers Will Transform These 9 Industries», CB Insights, 23 de fevereiro de 2021;
https://www.cbinsights.com/.
9 Matthew Hutson, «The Future of Computing», ScienceNews; http://www.sciencenews.org/century/computer-ai algorithm-
moore-law-ethics.
* Rust Belt, em inglês, é uma região dos EUA que abrange estados do nordeste, dos Grandes Lagos e do centro-oeste. A expressão
ganhou relevância a partir da década de 80 quando a região, anteriormente conhecida como Manufacturing Belt («Cinturão da
Manufatura») pela sua pujança industrial, iniciou o seu declínio económico e populacional. [N. do Ed]
10 James Dargan, «Neven's Law: Paradigm Shift in Quantum Computers», Hackernoon, 1 de julho de 2019;
https://hackernoon.com/nevens-law-paradigm-shift-in-quantum-computers-e6c429ccd1fc.
11 Nicole Hemsoth, «With $3.1 Billion Valuation, What's Ahead for PsiQuantum?», The Next Platform, 27 de julho de 2021;
http://www.nextplatform.com/2021/07/27/with-3-1b-valuation-whats-ahead-for-psiquantum/.
CAPÍTULO 2
– FIM DA ERA DIGITAL –

Do fundo do Mar Egeu emergiu um dos enigmas mais intrigantes e


fascinantes do mundo antigo. Em 1901, alguns mergulhadores conseguiram
recuperar um estranho artefacto perto da ilha de Anticítera. Por entre cacos de
cerâmica, moedas, joias e estátuas espalhadas por um naufrágio, os
mergulhadores encontraram um objeto curiosamente diferente. Ao princípio,
parecia apenas uma pedra vulgar, incrustada de corais.

Porém, após terem sido removidas várias camadas de detritos, os


arqueólogos começaram a aperceber-se de que tinham em mãos um tesouro
único, extraordinariamente raro. O objeto estava repleto de engrenagens,
rodas e estranhas inscrições, uma máquina de um design complexo e
minucioso.

Após datação dos artefactos encontrados no naufrágio, foi estimado que


o objeto teria sido criado entre 150 e 100 a.C. Alguns historiadores acreditam
que estava a ser transportado de Rodes para Roma, com o intuito de ser
oferecido a Júlio César para um desfile triunfal.

Em 2008, com recurso a tomografia de raio X e digitalização de


superfície de alta resolução, os cientistas conseguiram penetrar no interior
deste objeto intrigante. E ficaram chocados ao compreender que se
encontravam perante um antigo aparelho mecânico inacreditavelmente
avançado.

Em lado algum, nos registos antigos, se encontrava menção a um


mecanismo tão sofisticado. Aperceberam-se de que aquela máquina magnífica
devia ter sido o pináculo do conhecimento científico do mundo antigo. Era uma
supernova brilhante que os fitava através dos milénios. Era o computador mais
antigo do mundo, um aparelho que não voltaria a ser duplicado senão dois mil
anos mais tarde.

Os cientistas começaram a construir reproduções mecânicas deste


aparelho extraordinário. Com o girar de uma manivela, uma série de rodas e
engrenagens complexas foi posta em movimento pela primeira vez em
milhares de anos. O aparelho tinha, pelo menos, 37 engrenagens de bronze.
Num dos conjuntos de engrenagens, eram calculados os movimentos da Lua e
do Sol. Outro conjunto de engrenagens conseguia prever o próximo eclipse do
Sol. O instrumento era tão sensível que até conseguia calcular pequenas
irregularidades na órbita da Lua. Traduções das inscrições no aparelho
registam os movimentos de Mercúrio, Vénus, Marte, Saturno e Júpiter, os
planetas conhecidos dos antigos, mas crê-se que uma outra parte do
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

instrumento, nunca encontrada, conseguia de facto calcular os movimentos


19

dos planetas no firmamento.

Figura 1: O mecanismo de Anticítera.

Há dois mil anos, os gregos criaram o Anticítera, o primeiro de uma longa linha evolucionária de
computadores, aqui representado por um modelo baseado no aparelho original. Se o mecanismo de
Anticítera representa o princípio da tecnologia de computação, o computador quântico pode vir a
representar o ponto mais elevado da sua evolução.

Desde então, os cientistas criaram modelos elaborados do interior do


aparelho, o que proporcionou aos historiadores uma perspetiva inaudita do
conhecimento e da mente dos antigos. O aparelho foi precursor do nascimento
de um ramo inteiramente novo da ciência, que recorre a instrumentos
mecânicos para simular o Universo. Aquele era o computador analógico mais
antigo do mundo — um aparelho capaz de fazer cálculos através de
movimentos mecânicos contínuos.

Assim, o objetivo do primeiro computador do mundo era simular os


corpos celestes, reproduzir os mistérios do cosmos num aparelho que uma
pessoa podia segurar nas mãos. Em vez de se limitarem a admirar, com
assombro, o céu noturno, esses cientistas antigos queriam compreender o seu
funcionamento pormenorizado, obtendo assim uma perspetiva sem
precedentes do movimento dos corpos celestes no firmamento.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

Computadores Quânticos: A Simulação Definitiva


20

Os arqueólogos descobriram que o Anticítera representava o pináculo das


tentativas de simular o cosmos na Antiguidade. Na verdade, essa mesma ânsia
ancestral por simular o mundo que nos rodeia é uma das forças motrizes por
trás do computador quântico, que representa o derradeiro esforço nesta
viagem de dois mil anos para simular tudo, desde o cosmos ao próprio átomo.

A simulação é um dos desejos humanos mais profundos. As crianças


recorrem à simulação com figuras de brincar para compreender o
comportamento humano. Quando brincam aos polícias e ladrões, professores e
alunos, ou médicos e pacientes, as crianças estão a simular uma parte da
sociedade adulta para compreender relações humanas complexas.

Infelizmente, só muitos séculos mais tarde os cientistas conseguiriam


construir máquinas de complexidade suficiente para simular o nosso mundo
tão bem como o mecanismo de Anticítera era capaz de fazer.

Babbage e a Máquina Diferencial


Com a queda do Império Romano, o progresso científico em muitas
áreas, incluindo a simulação do Universo, estagnou.

Só no século XIX esse interesse foi gradualmente reavivado. Nessa


altura, havia questões práticas e urgentes que só podiam ser respondidas por
computadores mecânicos analógicos.

Por exemplo, os navegadores dependiam de mapas e cartas


pormenorizadas para traçar as rotas dos seus navios. Precisavam de aparelhos
para ajudar a que esses mapas fossem tão exatos quanto possível.

Eram também necessárias máquinas de crescente complexidade para


acompanhar os negócios e o comércio, à medida que as pessoas começavam a
acumular riqueza em quantidades cada vez maiores. Os contabilistas viam-se
forçados a compilar à mão grandes tabelas matemáticas, de taxas de juro e
hipotecárias. Porém, os humanos cometiam frequentemente erros
dispendiosos e cruciais. Assim, havia um forte interesse pela criação de
máquinas calculadoras mecânicas que não cometessem esses mesmos erros.
Conforme as máquinas de calcular se tornavam mais complexas, surgiu uma
competição informal entre inventores arrojados para ver quem conseguia
construir a mais avançada.

Talvez um dos mais ambiciosos desses projetos tenha sido o liderado


pelo excêntrico inventor e visionário inglês Charles Babbage, muitas vezes
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

chamado o Pai do Computador. Babbage fez incursões por uma variedade de


21

áreas, incluindo a arte e até a política, mas os números sempre o fascinaram.


Felizmente, nascera numa família abastada, e o pai, banqueiro, podia ajudá-lo
a seguir muitos desses interesses distintos.

O sonho dele era criar a máquina de computação mais avançada do seu


tempo, uma máquina que pudesse ser usada por banqueiros, engenheiros,
marinheiros e forças militares para executar de modo infalível cálculos
enfadonhos mas essenciais. Babbage tinha dois objetivos. Como membro
fundador da Real Sociedade Astronómica, tinha interesse em criar uma
máquina capaz de seguir o movimento dos planetas e corpos astronómicos
(seguindo, essencialmente, o mesmo trajeto pioneiro que os construtores do
Anticítera). Tinha também a preocupação de produzir cartas de navegação
precisas para a indústria marítima. A Inglaterra era uma grande potência
marítima e erros nas cartas de navegação podiam originar desastres
dispendiosos. A sua ideia era criar o computador mecânico mais potente do
seu género, de modo a conseguir antecipar o movimento de tudo, fossem os
planetas, os navios em mar alto ou as taxas de juro.

Mostrou-se bastante persuasivo no recrutamento de seguidores


interessados em ajudá-lo com o progresso do seu ambicioso projeto. Entre
esses seguidores contava-se Lady Ada Lovelace, uma aristocrata e filha de
Lord Byron. Era também uma estudante dedicada de matemática, algo raro
para as mulheres na época. Quando ela viu um pequeno modelo funcional do
projeto de Babbage, ficou intrigada com aquele programa empolgante.

Lovelace ficou conhecida por ter ajudado Babbage a introduzir vários


conceitos novos na computação. Regra geral, um computador mecânico
precisava de um conjunto de engrenagens e rodas dentadas para, lenta e
meticulosamente, calcular os números, um a um. Porém, para gerar tabelas
completas com milhares de números matemáticos de uma vez (como
logaritmos, taxas de juro e cartas de navegação) era necessário um conjunto
de instruções para guiar a máquina através de muitas iterações. Por outras
palavras, era preciso software para guiar a sequência de computações no
hardware. Assim, ela escreveu uma série de instruções pormenorizadas pelas
quais a máquina podia gerar sistematicamente aquilo a que se chama números
de Bernoulli, algo essencial para os cálculos que efetuava.

Lovelace foi, de certa forma, a primeira programadora do mundo. Os


historiadores concordam que Babbage estava provavelmente ciente da
importância do software e programação, mas as notas pormenorizadas de
Lovelace redigidas em 1843 representam o primeiro registo publicado de um
programa de computador.

Ela reconheceu também que o computador não era somente capaz de


manipular números, como Babbage pensava, mas podia também ser
generalizado para descrever conceitos simbólicos num amplo leque de áreas. O
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

autor Doron Swade escreve: «Ada viu algo que Babbage, de certa forma, não
22

conseguiu ver. No mundo de Babbage, os seus motores eram limitados pelo


número. O que Lovelace viu... foi que o número podia representar outras
entidades que não a quantidade. Assim, depois de termos uma máquina para
manipular números, se esses números representassem outras coisas, letras,
notas musicais, então a máquina podia manipular símbolos dos quais os
números eram apenas um caso, segundo as regras.» 12

Como exemplo, Lovelace escreveu que o computador podia ser


programado para criar peças musicais. Escreveu ela: «O motor podia compor
peças de música elaboradas e científicas de qualquer grau de complexidade ou
extensão» 13 Assim, o computador não servia apenas para analisar números,
era mais do que uma máquina de calcular sofisticada.. Podia ser usado para
explorar também ciência, arte, música e cultura. Infelizmente, porém, antes
que pudesse desenvolver estes conceitos revolucionários, Ada Lovelace morreu
de cancro aos trinta e seis anos de idade.

Entretanto, uma vez que Babbage sofria de uma falta de fundos crónica
e estava constantemente envolvido em disputas com outros, o seu sonho de
criar o computador mecânico mais avançado do seu tempo nunca se
concretizou. Quando ele morreu, muitos dos seus planos e ideias morreram
consigo.

Todavia, desde então, os cientistas tentaram estudar exatamente quão


avançadas eram as máquinas de Babbage. Os planos de um dos seus modelos
inacabados continham 25.000 peças. Quando construído, pesaria quatro
toneladas e teria dois metros e meio de altura. Ele estava tão avançado em
relação ao seu tempo que essa máquina poderia ter manipulado mil números
de 50 dígitos. Uma quantidade tão assombrosa de memória só seria duplicada
por outra máquina em 1960.

Cerca de um século após a sua morte, engenheiros do Museu de Ciências


de Londres, seguindo os seus designs em papel, conseguiram terminar um dos
seus modelos e colocá-lo em exposição. E funcionava, tal como Babbage
previra cem anos antes.

Estará a Matemática Completa?


Enquanto os engenheiros construíam computadores mecânicos de
crescente complexidade para responder às exigências de um mundo cada vez
mais industrial, os matemáticos puros faziam outra pergunta. Sempre fora um
dos sonhos dos geómetras gregos demonstrar que todas as afirmações
verdadeiras na matemática podiam ser rigorosamente provadas.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

Extraordinariamente, contudo, esta simples ideia frustrou matemáticos


23

ao longo de dois mil anos. Durante séculos, os estudantes da obra de Euclides,


Elementos, debater-se-iam para provar teorema após teorema sobre objetos
geométricos. Ao longo do tempo, pensadores brilhantes conseguiram provar
um conjunto cada vez mais elaborado de afirmações verdadeiras. Ainda hoje,
os matemáticos passam a vida inteira a compilar inúmeras afirmações
verdadeiras que podem ser provadas matematicamente. Porém, no tempo de
Babbage, começaram a fazer uma pergunta ainda mais fundamental: estará a
matemática completa? As regras da matemática garantirão que todas as
afirmações verdadeiras podem ser provadas, ou haverá afirmações verdadeiras
capazes de escapar até às mentes mais excecionais da raça humana porque,
na verdade, são impossíveis de provar?

Em 1900, o grande matemático alemão David Hilbert elencou as


questões matemáticas não provadas mais importantes da altura e desafiou os
maiores matemáticos do mundo. Este extraordinário conjunto de questões por
resolver guiaria então a agenda dos matemáticos durante o século seguinte à
medida que, um a um, os teoremas iam sendo provados. Ao longo das
décadas, vários jovens matemáticos encontrariam fama e glória ao
conquistarem um dos teoremas inacabados de Hilbert.

Havia, no entanto, uma ironia. Um dos problemas por solucionar


catalogados por Hilbert era o antigo problema de provar todas as afirmações
verdadeiras em matemática a partir de um conjunto de axiomas propostos. Em
1931, numa conferência onde Hilbert discutia o seu programa, um jovem
matemático austríaco, Kurt Gödel, provou que tal era impossível.

Ondas de choque propagaram-se pela comunidade matemática. Dois mil


anos de pensamento grego estavam, completa e irrevogavelmente, destruídos.
Matemáticos por todo o mundo viram-se reduzidos à mais perfeita
incredulidade. Tinham de aceitar o facto de a matemática não ser o conjunto
de teoremas perfeito, arrumado, completo e provável em tempos postulado
pelos gregos. Até a matemática, que formava a base para compreender o
mundo físico à nossa volta, era complicada e incompleta.

Alan Turing: Pioneiro da Ciência Computacional


Alguns anos mais tarde, um jovem matemático inglês, intrigado pelo
famoso teorema da incompletude de Gödel, encontrou uma forma engenhosa
de reformular toda a questão. E, com isso, alteraria para sempre o caminho da
ciência computacional.

A capacidade excecional de Alan Turing foi reconhecida bem cedo. A


diretora da escola primária que frequentou escreveria que, entre os seus
alunos, tinha «meninos inteligentes e meninos trabalhadores, mas o Alan é um
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

génio». 14 Ficaria posteriormente conhecido como pai da ciência computacional


24

e da inteligência artificial.

Turing possuía uma determinação feroz para dominar a matemática,


apesar de forte oposição e dificuldades. Na verdade, o reitor tentaria
ativamente desencorajar o seu interesse pela ciência, alegando que ele estava
«a perder tempo numa escola pública». No entanto, esta oposição serviu
apenas para inflamar ainda mais a sua determinação. Quando tinha catorze
anos de idade, houve uma greve geral que paralisou grande parte do país, mas
ele queria tanto estudar que percorreu quase cem quilómetros de bicicleta,
sozinho, para estar na escola quando ela abrisse.

Em vez de construir máquinas de calcular cada vez mais complexas,


como o motor diferencial de Babbage, Alan Turing acabou por fazer a si próprio
uma pergunta diferente: haverá um limite matemático para o que um
computador mecânico pode fazer?

Por outras palavras, poderá um computador provar tudo?

Para responder a esta questão, ele tinha de trazer rigor ao campo da


ciência computacional que, até então, não era mais do que uma coleção solta
de ideias desligadas e invenções de engenheiros excêntricos. Não existia uma
maneira sistemática de discutir questões como o limite daquilo que é
computável. Assim, em 1936, ele introduziu o conceito daquilo a que se chama
hoje uma máquina de Turing universal, um aparelho enganadoramente simples
que captava a essência da computação, permitindo que todo esse campo
assentasse sobre uma firme base matemática. Hoje, as máquinas de Turing
são a base de todos os computadores modernos. Tudo, desde os
supercomputadores gigantes do Pentágono, ao telemóvel no seu bolso, são
exemplos de máquinas de Turing. Não é exagero dizer que quase toda a
sociedade moderna se desenvolveu a partir das máquinas de Turing.

Turing imaginou uma fita infinitamente longa, que continha uma série de
quadrados ou células. Dentro de cada quadrado, podíamos colocar um 0 ou um
1, ou podíamos deixá-lo vazio.

Depois um processador lia a fita e podia executar apenas seis operações


simples sobre ela. Basicamente, podia substituir um 0 por um 1, ou vice-versa,
e deslocar o processador um quadrado para a esquerda ou para a direita:

1 - Pode ler o número no quadrado

2 - Pode escrever um número no quadrado

3 - Pode avançar um quadrado para a esquerda


Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

4 - Pode avançar um quadrado para a direita


25

5 - Pode alterar o número no quadrado

6 - Pode parar

(A máquina de Turing é escrita em linguagem binária e não de base 10.


Em linguagem binária, o número um é representado por 1, o número dois é
representado por 10, o número três é representado por 11, o número quatro
por 100, e assim sucessivamente. Existe também uma memória onde os
números podem ser armazenados.) Depois o resultado numérico final emerge
do processador como produto.

Por outras palavras, a máquina de Turing pode pegar num número e


transformá-lo noutro, seguindo as ordens precisas do software. Turing, assim,
reduziu a matemática a um jogo: ao substituir sistematicamente 0 por 1 e
vice-versa, seria possível codificar toda a matemática.

Figura 2: Máquina de Turing.

Uma máquina de Turing consiste (a) numa fita digital de inserção infinitamente longa, (b) numa fita digital
de resultado, e (c) num processador que converte a informação inserida num resultado, de acordo com um
conjunto fixo de regras. É a base de todos os computadores digitais modernos.

No artigo onde apresentou estas ideias, Turing mostrou, com um


conjunto de instruções conciso, que seria possível utilizar a sua máquina para
executar todo o tipo de manipulações aritméticas, ou seja, podia somar,
subtrair, multiplicar e dividir. Usou então este resultado para provar alguns dos
problemas mais difíceis da matemática, reformulando tudo do ponto de vista
da computabilidade. A soma total de toda a matemática estava a ser reescrita
do ponto de vista da computação.

Por exemplo, vejamos como 2 + 2 = 4 se faz numa máquina de Turing, o


que demonstra como é possível codificar toda a aritmética. Começa-se a fita
com a inserção dada pelo número dois, ou 010. Depois avança-se para a célula
do meio, onde há um 1, e substitui-se por um 0. Depois avança um passo para
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

a esquerda, onde está um 0, e substitui-se por um 1. Na fita diz agora 100,


26

que equivale a quatro. Se generalizarmos estes comandos, é possível executar


qualquer operação que envolva adição, subtração e multiplicação. Com um
pouco mais de trabalho é também possível dividir números.

Turing fez então a si próprio uma pergunta simples mas importante:


poderia o infame teorema da incompletude de Gödel, que envolvia matemática
de grau mais elevado, ser provado com a sua máquina de Turing, que era
muito mais simples, mas, ainda assim, captava a essência da matemática?

Turing começou por definir aquilo que é computável. Disse,


essencialmente, que um teorema é computável se puder ser provado numa
quantidade de tempo finita por uma máquina de Turing. Se um teorema
precisar de uma quantidade de tempo infinita numa máquina de Turing, então,
para todos os efeitos, o teorema não é computável e não sabemos se esse
teorema está correto ou não. Logo, não seria provável.

Em termos simples, Turing expressou a questão levantada por Gödel de


forma concisa: existirão afirmações verdadeiras que não possam ser
computadas numa quantidade de tempo finita por uma máquina de Turing, a
partir de um conjunto de axiomas?

Tal como o trabalho de Gödel, Turing mostrou que a resposta é sim.

Uma vez mais, isso veio estilhaçar o antigo sonho de provar a


completude da matemática, mas de uma forma intuitiva e simples. Significava
que, mesmo com o computador mais potente do mundo, nunca seria possível
provar todas as afirmações verdadeiras na matemática numa quantidade finita
de tempo a partir de um conjunto de axiomas.

Os Computadores e a Guerra
Era evidente que Turing provara ser um génio matemático do mais alto
calibre. A sua pesquisa, contudo, foi interrompida pela Segunda Guerra
Mundial. Para contribuir para o esforço de guerra, Turing foi recrutado para
efetuar trabalho confidencial nas instalações militares britânicas em Bletchley
Park, nos arredores de Londres. Aí, procuravam descodificar os códigos
secretos dos nazis. Os cientistas nazis tinham criado uma máquina, chamada
Enigma, capaz de pegar numa mensagem, reescrevê-la com um código
impossível de decifrar, e depois enviar a mensagem codificada para a máquina
de guerra nazi global. Nesse código eram transmitidos os conjuntos de
instruções mais sensíveis do mundo: os planos de guerra das forças nazis, em
particular das forças navais. O destino da civilização podia depender de
decifrar o código da Enigma.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

Turing e os colegas lançaram-se ao problema crucial desenhando


27

máquinas de calcular capazes de decifrar sistematicamente esses códigos


impenetráveis. O seu primeiro progresso, chamado Bombe, assemelhava-se de
certa forma ao motor diferencial de Babbage. Em vez de utilizar mecanismos
movidos a vapor, como máquinas anteriores, cujas rodas e engrenagens eram
lentas, difíceis de fazer e encravavam com frequência, a Bombe funcionava
com rotores, cilindros e relés, todos alimentados por eletricidade.

Turing, porém, estava envolvido também noutro projeto, o Colossus,


com um design ainda mais engenhoso. Os historiadores creem que se tratou
do primeiro computador eletrónico digital programável do mundo. Em vez de
partes mecânicas, como o motor diferencial ou a Bombe, usaram tubos de
vácuo, que conseguem enviar sinais elétricos quase à velocidade da luz. Os
tubos de vácuo podem ser comparados com válvulas que controlam o fluxo de
água. Ao rodar uma pequena válvula, é possível fechar o fluxo de água num
cano muito maior, ou deixá-la correr sem impedimento. Isto, por sua vez,
pode representar o número 0 ou 1. Assim, um sistema de canos de água e
válvulas pode representar um computador digital, onde a água é como a
corrente de eletricidade. Nas máquinas em Bletchley Park, um vasto número
de tubos de vácuo podia executar cálculos digitais a velocidades
extraordinárias, ao ligar e desligar a corrente de eletricidade nos tubos de
vácuo. Assim, o trabalho de Turing e outros substituiu o computador analógico
por um computador digital. Uma das versões do Colossus continha 2400 tubos
de vácuo e ocupava uma sala inteira.

— Além de serem mais rápidos, os computadores digitais têm outra


grande vantagem sobre os sistemas analógicos. Pense em usar uma
fotocopiadora para duplicar repetidamente uma imagem. De cada vez que
recicla a imagem e a copia, perde alguma informação. Se reciclar a mesma
imagem uma e outra vez, por fim ela acabará por ficar cada vez mais clara e
indistinta, até que desaparece por completo. Assim, os sinais analógicos são
propensos a introduzir erros de cada vez que a imagem é copiada.

(Agora, em vez disso, digitalize a imagem de modo a convertê-la numa


série de 0s e 1s. Quando digitaliza a imagem pela primeira vez, perderá
alguma informação. Contudo, uma imagem digital pode ser copiada vezes sem
conta sem perder praticamente informação nenhuma a cada ciclo. Assim, os
computadores digitais conseguem ser muitíssimo mais precisos do que os
computadores analógicos.)

(Além disso, é fácil editar sinais digitais. Os sinais analógicos, como uma
imagem, são extraordinariamente difíceis de alterar. Mas os sinais digitais
podem ser alterados por um toque num botão, com recurso a simples
algoritmos matemáticos.)

Sob a pressão imensa do tempo de guerra, Turing e a sua equipa


conseguiram finalmente decifrar o código nazi, por volta de 1942, o que
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

ajudou a derrotar a frota naval nazi no Atlântico. Pouco depois, os Aliados


28

conseguiam penetrar nos planos mais secretos das forças militares nazis. Os
Aliados podiam ouvir secretamente as instruções dos nazis para as suas forças
e antecipar os seus planos de guerra. O Colossus ficou concluído em 1944, a
tempo da invasão final da Normandia, para a qual os nazis não estavam
adequadamente preparados. E isso selou o destino do império nazi.

Tratava-se de progressos de proporções monumentais, alguns dos quais


foram imortalizados no filme de 2014, O Jogo da Imitação. Sem estes sucessos
notáveis e cruciais, a guerra podia ter-se arrastado durante anos, causando
sofrimento e miséria inimagináveis. Historiadores como Harry Hinsley
calcularam que o trabalho de Turing e outros em Bletchley Park encurtou a
duração da guerra em cerca de dois anos e salvou mais de 14 milhões de
vidas. O mapa do mundo, e as vidas de um número incalculável de inocentes,
foram irrevogavelmente alterados por este trabalho pioneiro.

Nos Estados Unidos, os trabalhadores que construíram a bomba atómica


foram celebrados e considerados heróis de guerra e prodígios, mas um destino
diferente aguardava Turing no Reino Unido. Devido às leis nacionais de sigilo,
os seus feitos ficaram classificados como confidenciais durante décadas e,
assim, ninguém soube do seu enorme contributo para o esforço de guerra.

Turing e a Criação da IA
Depois da guerra, Turing regressou ao antigo problema que o intrigara
na juventude: a inteligência artificial. Em 1950, iniciou o seu trabalho de
referência sobre o tema com a frase: «Proponho levar em consideração a
seguinte questão: serão as máquinas capazes de pensar?»

Ou, para colocar a questão de outra forma, será o cérebro uma espécie
de máquina de Turing?

Alan Turing estava saturado de todas as discussões filosóficas que


remontavam a séculos passados sobre o significado de consciência, de alma e
daquilo que nos torna humanos. No final de contas, pensava ele, toda essa
discussão era inútil, porque não havia nenhum teste ou prova padrão
definitivos para a consciência.

Assim, Turing criou o famoso teste de Turing. Ponha-se um humano


numa sala fechada e um robô noutra. Podemos fazer a ambos quaisquer
perguntas, por escrito, e ler as suas respostas. O desafio é: seremos capazes
de determinar em qual das salas está o humano? Ele chamava a este teste o
jogo da imitação.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

No seu artigo, escreveu: «Creio que dentro de aproximadamente


29

cinquenta anos será possível programar computadores, com uma capacidade


de armazenamento de cerca de 109, para os fazer jogar o jogo da imitação tão
bem que um interrogador comum não terá mais do que 70 por cento de
hipóteses de fazer a identificação correta após cinco minutos de
interrogatório» 15

O teste de Turing substitui o debate filosófico interminável com um teste


simples e reproduzível, para o qual há uma simples resposta de sim ou não. Ao
contrário de uma questão filosófica, para a qual não existe muitas vezes
resposta, este teste tem resolução.

Além do mais, evita a questão traiçoeira do «pensamento», ao comparar


simplesmente com aquilo que os humanos são capazes de fazer. Não há
necessidade de definir aquilo que entendemos como «consciência»,
«pensamento» ou «inteligência». Por outras palavras, se algo parece um pato
e age como um pato, talvez seja um pato, independentemente de como o
definirmos. Turing deu uma definição operacional de inteligência.

Até agora, nenhuma máquina conseguiu passar de forma consistente no


teste de Turing. De poucos em poucos anos, fazem-se manchetes quando o
teste de Turing é levado a cabo, mas de todas as vezes os juízes conseguiram
distinguir entre um humano e uma máquina, ainda que esta possa mentir e
inventar factos.

Porém, um incidente infeliz poria fim a todo o trabalho revolucionário de


Turing.

Em 1952, alguém assaltou a residência de Turing. Quando a polícia foi


investigar, encontraram evidências de que Turing era gay. Foi assim detido e
condenado, ao abrigo da Lei de Alteração do Direito Penal de 1885. O castigo
foi bastante pesado. Deram-lhe a escolher entre ser preso ou sujeitar-se a um
tratamento hormonal. Quando escolheu este último, foi-lhe administrado
dietilestilbestrol, uma forma sintética da hormona sexual feminina estrogénio,
em resultado do qual lhe cresceram os seios e se tornou impotente. Os
tratamentos controversos duraram um ano. Então, um dia, Turing foi
encontrado morto em casa. Morreu de uma dose fatal do veneno cianeto.
Disse-se que tinha ao seu lado uma maçã envenenada, meio comida, com
algumas pessoas a especular que fora esse o método por ele eleito para se
suicidar.

É uma tragédia que um dos criadores da revolução computacional, que


ajudou a salvar milhões de vidas e a derrotar o fascismo, tenha, de certa
forma, sido destruído pelo seu próprio país.
Supremacia Quântica 1ª Parte Fim da Era Digital

Porém, o seu legado sobrevive em cada computador digital no planeta.


30

Hoje, todos os computadores no mundo devem a sua arquitetura à máquina de


Turing. A economia mundial depende do trabalho pioneiro desse homem.

Isto, no entanto, é apenas o princípio da nossa história. O trabalho de


Turing baseia-se em algo chamado determinismo, ou seja, a ideia de que o
futuro é determinado antecipadamente. Significa que, se introduzíssemos um
problema numa máquina de Turing, obteríamos sempre a mesma resposta.
Tudo, neste sentido, é previsível.

Assim, se o Universo fosse uma máquina de Turing, todos os eventos


futuros teriam sido determinados no instante em que o Universo nasceu.

Todavia, outra revolução na forma como entendemos o mundo viria


derrubar esta ideia. O determinismo cairia por terra. Da mesma forma que
Gödel e Turing ajudaram a mostrar que a matemática é incompleta, talvez os
computadores do futuro tenham de lidar com a incerteza fundamental
introduzida pela física.

Assim, os matemáticos focar-se-iam numa pergunta diferente: será


possível construir uma máquina de Turing quântica?

12 «Our Founding Figures: Ada Lovelace», Tetra Defense, 17 de abril de 2020; https://arcticwolf.com/tetra-defense/.
13 «Ada Lovelace», Computer History Museum [Museu da História do Computador];
https://www.computerhistory.org/babbage/adalovelace/.
14 Colin Drury, «Alan Turing: The Father of Modern Computing Credited with Saving Millions of Lives», The Independent, 15 de
julho de 2019; http://www.independent.co.uk/news/uk/home-news/alan-turing-ps50-note-computers-maths-enigma-
codebreaker-ai-test-a9005266.html.
15 Alan Turing, «Computing Machinery and Intelligence», Mind 59 (1950): 433-60; https://courses.edx.org/asset-
v1:MITx+24.09x+3T2015+type@asset+block/ 5_turing_computing_machinery_and_intelligence.pdf.
CAPÍTULO 3
– ASCENSÃO DO QUANTUM –

Max Planck, o criador da teoria quântica, era um homem de muitas


contradições. Por um lado, era extremamente conservador. Talvez porque o
pai era professor de Direito na Universidade de Kiel e a família tinha uma longa
e distinta tradição de serviço público. Tanto o avô como o bisavô haviam sido
professores de Teologia, e um dos seus tios era juiz.

Planck era cauteloso no trabalho, impecável em maneiras e um pilar da


sociedade. A avaliar pelas aparências, este homem afável seria a última pessoa
que julgaríamos capaz de vir a tornar-se um dos maiores revolucionários de
sempre, deitando por terra todas as preciosas noções de séculos passados ao
abrir as comportas ao quantum. Mas foi precisamente isso que ele fez.

Em 1900, os principais cientistas estavam firmemente convencidos de


que o mundo à sua volta podia ser totalmente explicado pelo trabalho de Isaac
Newton, cujas leis descreviam os movimentos do Universo, e de James Clerk
Maxwell, que descobriu as leis da luz e do eletromagnetismo. Tudo, desde o
movimento de planetas gigantes no espaço, a balas de canhão e relâmpagos,
podia ser explicado por Newton e Maxwell. Dizia-se que o Gabinete de Patentes
dos Estados Unidos chegara até a ponderar o encerramento, porque tudo o
que podia ser inventado já fora inventado.

Segundo Newton, o Universo era um relógio que trabalhava de acordo


com as suas três leis do movimento, de forma precisa e predeterminada. A isto
chamava-se determinismo newtoniano, e foi a teoria dominante durante
séculos. (Por vezes é também chamado física clássica, para se distinguir da
física quântica.)

Contudo, havia um problema aborrecido. Restavam ainda alguns fios


soltos e, se os puxássemos, esta elaborada arquitetura newtoniana acabaria
por se desmanchar.

Os artesãos da Antiguidade sabiam que, se aquecessem o barro a


temperaturas suficientemente elevadas numa fornalha, ele emitiria um brilho
intenso. Começaria por ficar vermelho incandescente, depois amarelo
incandescente e finalmente de um tom branco-azulado incandescente. Vemo-lo
de cada vez que acendemos um fósforo. A parte de cima da chama, a mais
fria, é avermelhada. No centro, a chama é amarelada. E, nas condições certas,
a parte inferior da chama é branca-azulada.

Os físicos tentaram derivar esta bem conhecida propriedade dos objetos


quentes e fracassaram estrondosamente. Sabiam que o calor não era mais do
que átomos em movimento. Quanto maior a temperatura de um objeto, mais
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

depressa os átomos se movem. Sabiam também que os átomos têm eles


32

próprios cargas elétricas. Se movimentarmos um átomo com carga a


velocidade suficiente, ele emana uma radiação eletromagnética (como rádio ou
luz), segundo as leis de James Clerk Maxwell. A cor de um objeto quente indica
a frequência da radiação.

Assim, usando a teoria de Newton aplicada ao átomo, e a teoria da luz


de Maxwell, é possível calcular a luz emitida por um objeto quente. Até aqui,
tudo muito bem.

Porém, quando o cálculo é realmente efetuado, depara-se-nos um


desastre. Descobrimos que a energia emitida pode tornar-se infinita em
frequências elevadas, o que é impossível. A isto chama-se a catástrofe de
Rayleigh-Jeans e veio mostrar aos físicos que existia uma lacuna evidente na
mecânica newtoniana.

Um dia, Planck tentou derivar a catástrofe de Rayleigh-Jeans para a sua


aula de física, mas com um método estranho e inédito. Estava farto de o fazer
sempre da mesma maneira antiquada e assim, por motivos unicamente
pedagógicos, fez uma suposição bizarra. Supôs que a energia emitida por um
átomo só podia encontrar-se em minúsculos pacotes discretos de energia, a
que se chama quanta. Tratava-se de uma heresia, pois as equações de Newton
afirmavam que a energia devia ser contínua, não em pacotes. Porém, quando
Planck postulou que a energia ocorria em pacotes de um certo tamanho,
encontrou precisamente a curva correta a ligar a temperatura e a energia para
a luz.

Foi uma descoberta que ficaria para a história.

Nascimento da Teoria Quântica


Era o primeiro passo num longo processo que, por fim, acabaria por
resultar no computador quântico.

A perspetiva revolucionária de Planck significava que a mecânica


newtoniana estava incompleta e era necessária a emergência de uma nova
física. Tudo o que julgávamos saber sobre o Universo teria de ser
completamente reescrito.

Porém, sendo um conservador assumido, Planck avançou com a sua ideia


cautelosamente, afirmando de modo diplomático que, se introduzíssemos esse
truque dos pacotes de energia como exercício, seria possível reproduzir
exatamente a curva de energia encontrada na natureza.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Para fazer o cálculo, teve de introduzir um número representativo do


33

tamanho do quantum de energia. Chamou-lhe h (também conhecido como


constante de Planck, 6,62... x 10-34 joules-segundo), que é um número
extraordinariamente pequeno. No nosso mundo, nunca vemos efeitos
quânticos porque h é tão pequeno. Contudo, se pudéssemos de alguma forma
variar o h, seria possível passar de forma contínua do mundo quântico para o
nosso mundo quotidiano. Quase como quem roda o botão sintonizador de um
rádio, podíamos rodá-lo todo para baixo, de modo que h = 0, e teríamos o
mundo do senso comum de Newton, onde não existem efeitos quânticos. Mas
se o rodássemos em sentido contrário, teríamos o mundo bizarro e subatómico
do quantum, um mundo que, como os físicos em breve viriam a descobrir, se
assemelhava ao Limiar da Realidade.

Isto é também passível de ser aplicado a um computador. Se deixarmos


que o h chegue a zero, temos a clássica máquina de Turing. Mas se deixarmos
que o h aumente, então começam a vir ao de cima os efeitos quânticos e, aos
poucos, a máquina de Turing clássica converte-se num computador quântico.

Embora a sua teoria se ajustasse indiscutivelmente aos dados


experimentais e abrisse um ramo inteiramente novo da física, Planck foi
perseguido durante anos por crentes obstinados e reacionários na ideia
newtoniana clássica. Planck escreveu, descrevendo esta saraivada de
oposição: «Uma nova verdade científica não triunfa por convencer os seus
adversários e os fazer ver a luz, mas sim porque os adversários acabam por
morrer e uma nova geração cresce familiarizada com ela.»16

Porém, por mais feroz que fosse a oposição, as evidências começaram a


acumular-se em confirmação da teoria quântica. Estava incontestavelmente
correta.

Por exemplo, a luz, quando atinge um metal, pode remover um eletrão,


criando uma pequena corrente elétrica, o que é conhecido como efeito
fotoelétrico. É isso que possibilita que um painel solar absorva luz e a converta
em eletricidade. (É também algo vulgarmente utilizado em muitos aparelhos,
como as calculadoras solares, que trocam as pilhas por células solares, e as
câmaras digitais modernas, que convertem a luz do objeto em sinais elétricos.)

O homem que explicou finalmente esse efeito era um físico desconhecido


e falido, que trabalhava sozinho num obscuro gabinete de patentes em Berna,
Suíça. Em estudante, faltara a tantas aulas que os seus professores lhe
escreveram cartas de recomendação pouco lisonjeiras, o que levou a que fosse
rejeitado em todos os cargos no ensino a que se candidatou depois de se
formar. Era frequente encontrar-se desempregado e passou por uma série de
trabalhos variados, como explicador e vendedor. Chegou mesmo a escrever,
numa carta aos pais, que talvez tivesse sido melhor se nunca tivesse nascido.
Por fim, acabou como funcionário de nível inferior no gabinete de patentes. A
maior parte das pessoas considerá-lo-ia um fracassado.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

O homem que explicou o efeito fotoelétrico foi Albert Einstein, e fê-lo


34

com recurso à teoria de Planck. Na sequência do trabalho de Planck, Einstein


afirmou que a energia luminosa podia ocorrer em pacotes discretos ou quanta
de energia (mais tarde, viriam a chamar-se fotões) capazes de remover
eletrões de um metal.

Assim, começou a emergir um novo princípio físico. Einstein introduziu o


conceito de «dualidade», ou seja, que a energia luminosa tem uma natureza
dual. A luz podia agir como uma partícula, o fotão, ou como uma onda, como
na ótica. De alguma maneira, a luz tinha duas formas possíveis.

Em 1924, um jovem estudante de doutoramento, Louis de Broglie,


usando as ideias de Planck e Einstein, deu o próximo grande salto. Se a luz
pode ocorrer tanto em forma de partícula como de onda, então por que não a
matéria? Talvez os eletrões possuíssem também dualidade.

Tratava-se de uma afirmação herética, uma vez que se acreditava que a


matéria era composta por partículas chamadas átomos, uma ideia introduzida
por Demócrito dois mil anos antes. Porém, uma experiência inteligente
acabaria por deitar por terra essa convicção.

Quando atiramos pedras a um lago, formam-se ondas que se expandem


e colidem umas com as outras, criando assim na superfície do lago um padrão
de interferência semelhante a uma teia. Isto explica as propriedades das
ondas, mas acreditava-se que a matéria tinha por base partículas
corpusculares, que não possuem um padrão de interferência como as ondas.

Mas agora tomemos duas folhas de papel paralelas. Na primeira folha,


abre-se dois pequenos cortes e através dos cortes faz-se incidir um raio de luz.
Uma vez que a luz tem propriedades ondulatórias, o que surge na segunda
folha é um padrão distinto de linhas verticais claras e escuras. À medida que
as ondas passam pelos dois cortes, interferem umas com as outras na segunda
folha, amplificando-se e cancelando-se mutuamente, criando estas faixas
conhecidas como padrões de interferência. Isso era bem conhecido.

Agora, modifique-se a experiência substituindo o raio de luz por um raio


de eletrões. Se um raio de eletrões fosse disparado através dos dois cortes na
primeira folha de papel, seria de esperar ver duas faixas luminosas distintas na
outra folha. Isto porque se julgava que o eletrão era uma partícula
corpuscular, que passaria ou pelo primeiro corte ou pelo segundo, mas não por
ambos.

Quando esta experiência foi reproduzida com eletrões, os investigadores


encontraram um padrão ondulatório, semelhante ao efeito do raio de luz. Os
eletrões estavam a comportar-se como se fossem ondas, não meras partículas
corpusculares. Há muito que se pensava que os átomos eram a derradeira
unidade de matéria. Agora, estavam a dissolver-se em ondas, como a luz.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Estas experiências demonstravam que os átomos podiam agir como uma onda
35

ou como uma partícula.

Figura 3: Experiência do duplo corte.

Se um raio de eletrões atingir uma barreira com dois cortes, em vez de formar uma imagem com dois cortes
distintos, forma um padrão de interferência ondulatório complexo. Isto é também verdade se for disparado
apenas um eletrão. Em certo sentido, um eletrão atravessou ambos os buracos. Ainda hoje, os físicos
debatem como pode um eletrão estar em dois lugares ao mesmo tempo.

Um dia, o físico austríaco Erwin Schrödinger estava a discutir com um


colega a ideia da matéria como onda. Mas, perguntou o colega, se a matéria
pode agir como uma onda, então qual é a equação a que tem de obedecer?

Schrödinger ficou intrigado com a questão. Os físicos estavam


familiarizados com ondas, uma vez que eram úteis no estudo das propriedades
óticas da luz, e muitas vezes analisadas sob a forma de ondas do oceano ou
ondas de som, na música. Assim, Schrödinger dedicou-se a procurar a equação
de ondas para os eletrões. Era uma equação que viria revolucionar
completamente o nosso entendimento do Universo. Em certo sentido, todo o
Universo, com todos os seus elementos químicos, incluindo você e eu, somos
soluções da equação de onda de Schrödinger.

Nascimento da Equação de Onda


Hoje, a equação de onda de Schrödinger é a base da teoria quântica,
ensinada em qualquer curso de física avançada. Constitui o âmago da teoria
quântica. Por vezes, passo um semestre inteiro na Universidade da Cidade de
Nova Iorque a ensinar as implicações desta única equação.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Desde então, os historiadores têm-se esforçado por compreender o que


36

Schrödinger estava a fazer no preciso instante em que descobriu a famosa


equação, a base da teoria quântica. Quem ou o que ajudou a inspirar uma das
maiores criações do século?

Há muito que os biógrafos sabem que Schrödinger era conhecido por ter
inúmeras namoradas. (Acreditava no amor livre e tinha um caderno onde
registava todas as suas amantes, com símbolos secretos a indicar cada
encontro. Muitas vezes surpreendia os visitantes por viajar acompanhado da
mulher e da amante.)

Pela análise dos apontamentos de Schrödinger, os historiadores


concordam que, no fim de semana em que ele descobriu a sua famosa
equação, estava com uma das namoradas na Villa Herwig nos Alpes. Alguns
historiadores consideraram-na a musa que inspirou a revolução quântica.

A equação de Schrödinger foi uma bomba. Constituiu um sucesso


imediato e avassalador. Anteriormente, físicos como Ernest Rutherford
julgavam que o átomo era como um sistema solar, com minúsculos eletrões
corpusculares que giravam em torno de um núcleo. Todavia, esta imagem era
demasiado simplista, pois não dizia nada sobre a estrutura do átomo e o
porquê de haver tantos elementos.

Porém, se o eletrão fosse uma onda, então a onda formaria ressonâncias


discretas de frequências definidas ao circular em torno do núcleo. Ao catalogar
as ressonâncias que um eletrão podia fazer, encontrava-se um padrão
ondulatório que encaixava na perfeição na descrição do átomo de hidrogénio.

Como é que isso funciona? Quando cantamos no duche, apenas algumas


das ondas da nossa voz conseguem ressoar entre as paredes, o que produz um
som agradável. De súbito, quando cantamos no duche, tornamo-nos grandes
cantores de ópera. Outras frequências, que não encaixam corretamente no
duche, acabam por morrer e se desvanecer. De forma semelhante, se
tocarmos um tambor, ou um trompete, apenas certas frequências conseguem
vibrar na superfície do tambor ou nos tubos do trompete. É esta a base da
música.

Ao compararmos as ressonâncias previstas pelas ondas de Schrödinger


com elementos concretos, encontrou-se uma correspondência direta
extraordinária. Os físicos, que há décadas estavam paralisados na tentativa de
compreender o átomo, eram agora capazes de espreitar para dentro do próprio
átomo. Ao comparar estes padrões ondulatórios com a cerca de centena de
elementos químicos encontrados na natureza por Dmitri Mendeleev e outros,
era possível explicar as propriedades químicas dos elementos usando
matemática pura.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Tratava-se de um feito assombroso. O físico Paul Dirac escreveria,


37

profeticamente: «As leis fundamentais necessárias para o tratamento


matemático de grande parte da física e de toda a química ficam, assim,
completamente conhecidas, e a única dificuldade encontra-se no facto de a
aplicação destas leis conduzir a equações demasiado complexas para serem
resolvidas.» 17

O Átomo Quântico
A tabela periódica dos elementos, meticulosamente compilada pelos
químicos ao longo dos séculos, podia agora ser explicada apenas com uma
equação, por meio da compreensão das ressonâncias de ondas de eletrões
conforme elas orbitam o núcleo do átomo.

Para ver como a tabela periódica emerge da equação de Schrödinger,


imaginemos o átomo como um hotel. Cada piso tem um número diferente de
quartos, e cada quarto pode acolher até dois eletrões. Mais ainda, cada quarto
tem de ser ocupado em determinada ordem, ou seja, o quarto do primeiro
andar tem de estar ocupado antes que o segundo piso possa ser reservado. No
primeiro piso, temos um quarto ou «orbital» chamado 1S, com capacidade
para um ou dois eletrões. O quarto 1S corresponde ao hidrogénio, no caso de
um eletrão, e ao hélio, no caso de dois eletrões.

No segundo piso, temos dois tipos de quartos, chamados as orbitais 2S e


2P. No quarto 2S, podemos acomodar dois eletrões, mas temos também três
quartos P, classificados como Px, Py e Pz, e cada um contém dois eletrões. Isto
significa que podemos ter até oito eletrões no segundo piso. Estes quartos,
quando ocupados, correspondem por sua vez a lítio, berílio, boro, carbono,
nitrogénio, oxigénio, flúor e néon.

Quando um eletrão não está emparelhado no seu quarto, pode ser


partilhado entre hotéis diferentes que tenham quartos disponíveis. Assim,
quando dois átomos se aproximam um do outro, a onda de um eletrão
desemparelhado pode ser partilhada entre átomos, e a onda do eletrão salta
para trás e para a frente entre os dois. Isto cria uma ligação, formando uma
molécula.

As leis da química podem ser explicadas à medida que enchemos os


quartos de hotel. No nível mais baixo, se tivermos dois eletrões na orbital S,
então a orbital 1S está cheia. Isso significa que o hélio, que tem apenas dois
eletrões, não pode formar ligações químicas, portanto é quimicamente inerte e
não forma moléculas. Da mesma forma, se tivermos oito eletrões no segundo
nível, então preenchemos todas as orbitais, pelo que o néon também não pode
formar moléculas. Desta forma, é possível explicar por que existem gases
inertes como o hélio, o néon e o crípton.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Isso ajuda também a explicar a química da vida. O elemento orgânico


38

mais importante é o carbono, que tem quatro ligações e, portanto, pode criar
hidratos de carbono, que são os blocos de construção da vida. Se olharmos
para a tabela, vemos que o carbono tem quatro orbitais vazias no segundo
nível, o que lhe permite ligar-se a quatro outros átomos de oxigénio,
hidrogénio, etc., para formar proteínas e até ADN. As moléculas do nosso
corpo são derivados deste simples facto.

A questão é que, ao determinar quantos eletrões há em cada nível, é


possível prever de forma simples e elegante muitas das propriedades químicas
da tabela periódica, usando matemática pura. Assim, toda a tabela periódica
pode ser, em grande medida, prevista a partir dos primeiros princípios. Todos
os mais de cem elementos da tabela podem ser grosseiramente descritos pelos
eletrões em várias ressonâncias, em torno do núcleo, como se enchêssemos
quartos de hotel, piso a piso.

Foi avassalador compreender que uma única equação podia explicar os


elementos que compõem todo o Universo, incluindo a própria vida. De súbito,
o Universo era mais simples do que qualquer pessoa pensava.

A química fora reduzida a física.

Ondas de Probabilidade
Por mais espetacular e poderosa que fosse a equação de Schrödinger,
havia ainda uma questão importante, embora embaraçosa. Se o eletrão era
uma onda, o que está a ondular?

A solução dividiria ao meio a comunidade da física, virando os físicos uns


contra os outros durante décadas. Desencadearia um dos debates mais
controversos na história da ciência, desafiando a nossa própria noção de
existência. Ainda hoje há conferências a debater todas as nuances
matemáticas e implicações filosóficas dessa divisão. E um dos derivados do
debate viria a ser o computador quântico.

O físico Max Born acendeu o rastilho dessa explosão quando propôs que
a matéria consiste em partículas, mas a probabilidade de encontrar essa
partícula é dada por uma onda.

Isto dividiu de imediato a comunidade da física em duas, com os


fundadores da «velha» guarda de um lado (incluindo Planck, Einstein, de
Broglie e Schrödinger, todos contra esta nova interpretação), e Werner
Heisenberg e Niels Bohr do outro, criando assim a escola de mecânica quântica
de Copenhaga.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Esta nova interpretação era ir longe demais, até mesmo para Einstein.
39

Significava que podiam apenas calcular probabilidades, nunca certezas. Nunca


saberíamos precisamente onde estava uma partícula; podíamos apenas
calcular a probabilidade de que ali estivesse. Em certo sentido, os eletrões
podem estar em dois lugares ao mesmo tempo. Werner Heisenberg, que
propôs uma formulação alternativa mas equivalente da mecânica quântica,
chamaria a isto o princípio da incerteza.

Toda a ciência estava a ser virada de pernas para o ar perante os seus


olhos. Antes, os matemáticos haviam sido forçados a confrontar o teorema da
incompletude, e agora os físicos tinham de confrontar o princípio da incerteza.
A física, tal como a matemática, estava de certa forma incompleta.

Assim, com esta nova interpretação, os princípios da teoria quântica


podiam finalmente ser expressos. Eis um resumo (muito simplificado) das
bases da mecânica quântica:

1 - Começa-se com a função de onda Ψ(x), que descreve um eletrão


localizado no ponto x.

2 - Insere-se a onda na equação de Schrödinger HΨ(x) =


i(h/𝜋𝜋)𝜕𝜕tΨ(x). (H, que é conhecido como hamiltoniano, corresponde
à energia do sistema.)

3 - Cada solução desta equação é rotulada como um índice n, assim,


em geral, Ψ(x) é uma soma de sobreposição de todos estes
estados múltiplos.

4 - Quando é efetuada uma medição, a função de onda «colapsa»,


deixando apenas um estado Ψ(x)n , ou seja, todas as outras ondas
são postas a zero. A probabilidade de encontrar o eletrão neste
estado é dada pelo valor absoluto de Ψ(x)n.

Estas regras simples podem, em princípio, derivar tudo o que se conhece


sobre química e biologia. O que é controverso quanto à mecânica quântica está
contido nas terceira e quarta afirmações. A terceira afirmação diz que, no
mundo subatómico, um eletrão pode existir simultaneamente como a soma de
diferentes estados, o que é impossível na mecânica newtoniana. Na verdade,
antes que seja feita uma medição, o eletrão existe, neste submundo, como
uma coleção de estados diferentes.

Porém, a alegação mais crucial e chocante é a número quatro, que


afirma que apenas depois de ser efetuada uma medição é que a onda
finalmente «colapsa» e produz a resposta certa, dando a probabilidade de
encontrar o eletrão nesse estado. Não temos como saber em que estado o
eletrão está enquanto não for efetuada uma medição.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

A isto, chama-se o problema da medição.


40

Para refutar a última afirmação, Einstein diria: «Deus não joga aos dados
com o Universo.» Porém, reza a lenda que Niels Bohr ripostou: «Pare de dizer
a Deus o que pode ou não pode fazer.»

São precisamente os postulados 3 e 4 que tornam possíveis os


computadores quânticos. O eletrão é agora descrito como a simultânea soma
de diferentes estados quânticos, o que dá aos computadores quânticos a sua
potência de cálculo. Enquanto os computadores clássicos apenas somam sobre
0s e 1s, os computadores quânticos somam sobre todos os estados quânticos
Ψ(x)n, entre 0 e 1, o que aumenta vastamente o número de estados e, por
consequência, o seu alcance e potência.

Ironicamente, Schrödinger, cujas equações deram início ao movimento


da mecânica quântica, começou a rejeitar esta versão da sua própria teoria.
Lamentava o facto de ter tido alguma coisa que ver com ela. Considerava que
um simples paradoxo, que demonstrava o absurdo desta interpretação radical,
a destruiria para sempre, e tudo começou com um gato.

O Gato de Schrödinger
O gato de Schrödinger é o animal mais famoso do mundo da física.
Schrödinger acreditava que podia derrubar de uma vez por todas essa heresia.
Imaginem, escreveu ele, que há um gato numa caixa fechada, que contém
também um frasco de gás venenoso. O frasco está ligado a um martelo, que
está ligado a um contador Geiger, ao lado de uma certa quantidade de urânio.
Se um átomo do urânio se desintegrar, ativa o contador Geiger, que solta o
martelo, libertando assim o veneno e matando o gato.

Figura 4: O gato de Schrödinger.

Na mecânica quântica, para descrever um gato fechado numa caixa com um frasco de gás venenoso, e um
martelo ativado por um contador Geiger, é preciso adicionar a função de onda de um gato morto à de um
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

gato vivo. Antes de abrir a caixa, o gato não está morto nem vivo. O gato encontra-se numa sobreposição de
41

ambos os estados. Até hoje os físicos continuam a debater a questão de como pode o gato estar morto e vivo
ao mesmo tempo.

Ora aqui está a questão que tem desconcertado os maiores físicos a nível
mundial no último século: Antes de abrirmos a caixa, o gato está morto ou
vivo?

Um newtoniano diria que a resposta é óbvia: o senso comum diz que o


gato está vivo ou morto, mas não ambas as coisas. Só é possível haver um
estado de cada vez. Mesmo antes de a caixa ser aberta, o destino do gato
estava já predeterminado.

Contudo, Werner Heisenberg e Niels Bohr tinham uma interpretação


radicalmente diferente.

Dizem eles que a melhor representação do gato é pela soma de duas


ondas: a onda do gato vivo e a do gato morto. Quando a caixa ainda está
fechada, o gato só pode existir como a sobreposição ou soma das duas ondas,
representando simultaneamente um gato vivo e um gato morto.

Mas está o gato vivo ou morto? Enquanto a caixa estiver fechada, esta
pergunta não faz qualquer sentido. No micromundo, as coisas não existem em
estados definidos, mas apenas como a soma de todos os estados possíveis.
Finalmente, quando a caixa se abrir e observarmos o gato, a onda colapsa
miraculosamente e revela o gato como estando vivo ou morto, mas não
ambos. Assim, o processo de medição une o micromundo e o macromundo.

Isto tem profundas implicações filosóficas. Os cientistas passaram muitos


séculos a argumentar contra algo chamado solipsismo, a ideia, defendida por
filósofos como George Berkeley, de que os objetos não existiam realmente
enquanto não os observássemos. A filosofia em questão pode ser resumida
como «Ser é ser percebido.» Se uma árvore caísse na floresta, mas não
estivesse lá ninguém para a ouvir cair, então talvez a árvore não tivesse
realmente caído. A realidade, neste quadro, é uma idealização humana. Ou,
como disse uma vez o poeta John Keats: «Nada é real até ser experimentado.»

A teoria quântica, porém, veio complicar esta situação. Na teoria


quântica, antes de olharmos para uma árvore, ela pode existir em todos os
estados possíveis, como por exemplo lenha, tábuas, cinzas, palitos, uma casa
ou serradura. Contudo, quando olhamos efetivamente para a árvore, todas as
ondas representativas destes estados colapsam miraculosamente num único
objeto, a árvore comum.

Todavia, como um observador requer consciência, isso significa que, em


certo sentido, a consciência determina a existência. Os seguidores de Newton
ficaram chocados por o solipsismo estar de novo a insinuar-se na física.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Einstein detestava essa ideia. Tal como Newton, Einstein acreditava em


42

«realidade objetiva», o que significa que o objeto existe em estados concretos


e bem definidos, ou seja, não é possível estar em dois lados ao mesmo tempo.
Isto é também conhecido como determinismo newtoniano, a ideia de que, tal
como já vimos antes, é possível determinar exatamente o futuro usando as leis
fundamentais da física.

Einstein troçava frequentemente da teoria quântica. Sempre que tinha


visitas em casa, pedia-lhes que olhassem para a Lua. Será que a Lua existe,
perguntava ele, porque um rato olha para ela?

Micromundo vs. Macromundo


O matemático John von Neumann, que ajudou a desenvolver a física da
teoria quântica, acreditava na existência de uma «parede» invisível que separa
o micromundo do macromundo. Cada um desses mundos obedecia a leis da
física diferentes, mas era possível provar que se podia deslocar à vontade essa
parede, para trás e para a frente, e o desfecho de qualquer experiência
permaneceria igual. Por outras palavras, o micromundo e o macromundo
obedeciam a dois conjuntos diferentes de leis da física, mas tal não afeta as
medições porque não importa exatamente onde se opta por colocar a
separação entre micro e macromundo.

Quando lhe pediam para esclarecer melhor o significado dessa parede,


ele dizia: «Uma pessoa acaba por se habituar.»

Porém, por mais louca que parecesse ser a teoria quântica, o seu
sucesso experimental era indiscutível. Muitas das suas previsões (ao prever as
propriedades de eletrões e fotões naquilo a que se chama eletrodinâmica
quântica) condiziam com os dados com uma precisão de uma parte em dez mil
milhões, o que a tornava na teoria de maior sucesso de todos os tempos. O
átomo, em tempos o objeto mais misterioso do Universo, revelava-nos de
súbito os seus segredos mais profundos. A geração seguinte a acolher a teoria
quântica foi galardoada com dezenas de Prémios Nobel. Nem uma única
experiência violou a teoria quântica.

O Universo era, inegavelmente, um Universo quântico.

Einstein, no entanto, resumiu os sucessos da teoria quântica desta


maneira: «Quanto mais bem-sucedida se torna a teoria quântica, mais
disparatada parece.»

Aquilo a que os críticos da mecânica quântica mais se opunham era essa


separação artificial entre o macromundo em que vivemos e o estranho e
bizarro mundo do quantum. Os críticos diziam que devia haver um contínuo
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

entre o micromundo e o macromundo. Na realidade, não existe nenhuma


43

«parede».

Se conseguíssemos hipoteticamente viver num mundo completamente


quântico, isso significaria que tudo aquilo que sabemos sobre o senso comum
estaria errado. Por exemplo:

 Podemos estar em dois sítios ao mesmo tempo.

 Podemos desaparecer e reaparecer noutro lado.

 Podemos atravessar paredes e penetrar em barreiras sem


dificuldade, algo a que se chama «efeito de túnel».

 As pessoas que morreram no nosso Universo podem estar vivas


noutro.

 Quando atravessamos uma sala, na verdade estamos a seguir


simultaneamente, por mais bizarro que pareça, todos os infinitos
caminhos possíveis através da sala.

Como diria Bohr: «Quem não se sentir chocado pela teoria quântica, é
porque não a compreendeu.»

Tudo isto dá um jeitão a séries como A Quinta Dimensão. Porém,


miraculosamente, é precisamente aquilo que os eletrões fazem, só que o
fazem essencialmente no interior do átomo, onde não os conseguimos ver
nessas acrobacias. É por isso que temos lasers, transístores, computadores
digitais, a Internet. Isaac Newton ficaria chocado se conseguisse de alguma
forma observar todas as contorções atómicas que os eletrões efetuam para
tornar possíveis os computadores e a Internet. Mas o mundo moderno
desabaria se baníssemos a teoria quântica e colocássemos a zero a constante
de Planck. Todos os miraculosos aparelhos eletrónicos nas nossas salas de
estar são possíveis precisamente porque os eletrões são capazes destes
truques fantásticos.

No entanto, nunca vemos esses efeitos na nossa vida, porque somos


formados por biliões e biliões de átomos, onde esses efeitos quânticos se
equilibram e anulam, e porque o tamanho dessas flutuações quânticas é a
constante de Planck h, que é um número muito pequeno.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Entrelaçamento
44

Em 1930, Einstein estava farto. Na sexta Conferência de Solvay, em


Bruxelas, Einstein decidiu desafiar diretamente Niels Bohr, o principal
proponente da mecânica quântica. Seria o Embate de Titãs, com os maiores
físicos da época a debaterem o destino da física e a natureza da realidade. O
que estava em jogo era o significado da própria existência. O físico Paul
Ehrenfest escreveria: «Nunca esquecerei a imagem dos dois adversários a
saírem do clube da universidade. Einstein, uma figura majestosa, a caminhar
calmamente, com um leve sorriso irónico, e Bohr a trotar ao seu lado,
extremamente aborrecido.» 18 Bohr ficou tão abalado que, mais tarde, foi visto
a resmungar consigo próprio: «Einstein... Einstein... Einstein...»

O físico John Archibald Wheeler recordaria: «Foi o maior debate de que


tenho conhecimento na história intelectual. Em trinta anos, não ouvi falar de
um outro debate entre dois homens de estatura superior, durante um período
de tempo tão longo, sobre uma questão tão profunda, com maiores
consequências para a compreensão deste nosso estranho mundo.» 19

Einstein bombardeou Bohr com os paradoxos da teoria quântica, um


após outro. Foi um ataque implacável. Bohr ficava temporariamente aturdido
com cada saraivada de críticas, mas no dia seguinte organizava os
pensamentos e dava uma resposta convincente e à prova de bala. A dada
altura, Einstein apanhou Bohr em mais um paradoxo relacionado com a luz e a
gravidade. Parecia que Bohr estava finalmente derrotado. Porém,
ironicamente, Bohr conseguiu encontrar a falha no raciocínio de Einstein
citando-lhe a sua própria teoria da gravidade.

O veredicto da maioria dos físicos foi que Bohr conseguira refutar com
êxito todos os argumentos avançados por Einstein nessa famosa Conferência
de Solvay. Mas Einstein, quiçá ferido por este revés, tentaria ainda uma vez
mais deitar por terra a teoria quântica.

Cinco anos mais tarde, Einstein lançou o seu contra-ataque final. Com os
seus estudantes Boris Podolsky e Nathan Rosen, fizeram uma última e corajosa
tentativa de esmagar de uma vez por todas a teoria quântica. O artigo EPR, as
iniciais dos seus autores, pretendia ser o golpe de misericórdia contra a teoria
quântica.

Um derivado imprevisto deste desafio fatídico seria o computador


quântico.

Imagine-se, disseram eles, dois eletrões coerentes entre si, o que


significa que vibram em uníssono, ou seja, com a mesma frequência mas
modificados por uma fase constante. É bem sabido que os eletrões têm
rotação (motivo pelo qual existem os ímanes). Se tivermos dois eletrões com
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

uma rotação total de zero, e se deixarmos um eletrão girar, por exemplo, no


45

sentido dos ponteiros do relógio, então os outros eletrões giram no sentido


contrário porque a rotação líquida é zero.

Agora, separemos os dois eletrões. A soma das rotações dos dois


eletrões tem de continuar a ser zero, mesmo que um dos eletrões se encontre
agora no lado oposto da galáxia. Porém, não temos forma de saber como está
a girar antes de efetuarmos uma medição. Estranhamente, contudo, se
medirmos a rotação de um eletrão e virmos que gira no sentido dos ponteiros
do relógio, então sabemos instantaneamente que o seu par, do outro lado da
galáxia, deve estar a girar no sentido contrário. Esta informação viajou
instantaneamente entre os dois eletrões, mais depressa do que a velocidade
da luz. Por outras palavras, ao separarmos estes dois eletrões, surge um
cordão umbilical invisível entre eles, permitindo que a comunicação viaje
através desse cordão mais depressa do que a velocidade da luz.

Figura 5: Entrelaçamento.

Quando dois átomos estão lado a lado, podem vibrar de forma coerente, em uníssono, com a mesma
frequência mas modificada por uma fase constante. Porém, se os separarmos e agitarmos um deles, mantêm
a coerência e a informação da agitação pode viajar entre eles mais depressa do que a velocidade da luz. (Mas
isto não viola a relatividade, uma vez que a informação que quebra a barreira da luz é aleatória.) É um dos
motivos pelos quais os computadores quânticos são tão potentes, porque computam simultaneamente em
todos estes estados mistos.

Mas, afirmava Einstein, uma vez que nada se pode deslocar mais
depressa do que a velocidade da luz, isto violava a relatividade especial e,
portanto, a mecânica quântica está incorreta. Esse era o argumento mortífero
que refutava a teoria quântica, julgava Einstein. Encerrou a discussão. A «ação
fantasmagórica à distância» criada pelo entrelaçamento não passava de uma
ilusão, alegou.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Einstein acreditava ter desferido o golpe de misericórdia que esmagaria


46

de uma vez por todas a teoria quântica. Apesar de todo o sucesso


experimental da teoria quântica, o chamado paradoxo EPR ficou por resolver
durante décadas, uma vez que era demasiado difícil de executar em
laboratório. Com o passar dos anos, contudo, a experiência acabou finalmente
por ser feita de várias formas, em 1949, 1975 e 1980, e de cada uma das
vezes se provou que a teoria quântica estava correta.

(Quererá isto dizer, contudo, que a informação pode viajar mais


depressa do que a luz, violando a relatividade especial? Aqui, foi Einstein quem
riu por último. Não, embora a informação que viajou entre os dois eletrões
tenha sido transmitida instantaneamente, era também informação aleatória e,
por consequência, inútil. Isto significa que não é possível enviar códigos úteis,
com uma mensagem, a velocidades superiores à da luz através da experiência
EPR. Se analisarmos efetivamente o sinal EPR, encontraremos apenas uma
algaraviada incoerente. Assim, a informação pode viajar instantaneamente
entre partículas coerentes, mas informação útil, que transporte uma
mensagem, não pode deslocar-se mais depressa do que a luz.)

Hoje, chama-se a este princípio entrelaçamento, a ideia de que, quando


dois objetos são coerentes entre si (vibrando da mesma maneira),
permanecem coerentes, mesmo que separados por vastas distâncias.

Isto tem importantes implicações nos computadores quânticos. Significa


que, mesmo que os qubits num computador quântico se separem, podem
ainda assim interagir uns com os outros, o que é responsável pela fantástica
capacidade computacional dos computadores quânticos.

Chegamos assim à essência do porquê de os computadores quânticos


serem tão únicos e úteis. Um computador digital comum, de certa forma, é
como vários contabilistas a trabalharem independentemente num escritório,
cada um a fazer os seus cálculos de forma separada, passando as respostas
entre si. Um computador quântico, no entanto, é como uma sala cheia de
contabilistas em interação, cada um a computar e, mais importante ainda, a
comunicar simultaneamente com os outros por via do entrelaçamento.
Dizemos assim que estão a resolver o problema juntos coerentemente.

A tragédia da Guerra
Infelizmente, este vibrante debate intelectual foi interrompido pela maré
crescente da guerra mundial. De súbito, as discussões eruditas sobre teoria
quântica tornaram-se mortalmente sérias, quando tanto a Alemanha nazi como
os Estados Unidos instituíram programas intensivos para desenvolver a bomba
atómica. A Segunda Guerra Mundial teria consequências devastadoras na
comunidade da física.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum

Planck, ao assistir à migração em massa de físicos judeus da Alemanha,


47

encontrou-se pessoalmente com Adolf Hitler e suplicou-lhe que pusesse cobro


à perseguição aos físicos judeus, que estava a destruir a física na Alemanha.
Hitler, contudo, enfureceu-se com Planck e gritou com ele.

Posteriormente, Planck diria que «é impossível falar com um homem


assim». Infelizmente, um dos filhos de Planck, Erwin, envolver-se-ia mais
tarde num plano para assassinar Hitler. Foi apanhado e torturado. Planck
tentou salvar a vida do filho, apelando diretamente a Hitler. Não obstante,
Erwin foi executado em 1945.

Os nazis puseram a cabeça de Einstein a prémio. O seu retrato foi


publicado na capa de uma revista nazi, com a legenda «Ainda não enforcado».
Einstein fugiu da Alemanha em 1933 e nunca mais voltou.

Erwin Schrödinger, ao ver um homem judeu ser espancado pelos nazis


nas ruas de Berlim, tentou pôr fim ao ataque e acabou por ser ele próprio
espancado pelas SS. Abalado, deixou a Alemanha e aceitou um cargo na
Universidade de Oxford. Aí, contudo, causou controvérsia porque chegou com
a mulher e a amante. Foi-lhe então oferecido um lugar em Princeton, mas os
historiadores conjeturam que o recusou devido à sua situação doméstica pouco
ortodoxa. Por fim, acabou por se instalar na Irlanda.

Niels Bohr, um dos fundadores da mecânica quântica, teve de fugir para


os Estados Unidos para salvar a vida, e quase morreu durante a fuga.

Werner Heisenberg, possivelmente o maior físico quântico da Alemanha,


foi colocado pelos nazis à frente do trabalho de desenvolvimento da bomba
atómica. Contudo, o seu laboratório teve de mudar várias vezes de local por
ser bombardeado pelos Aliados. Depois da guerra, foi aprisionado pelos
Aliados. (Felizmente, Heisenberg desconhecia um número essencial, a
probabilidade de cisão do átomo do urânio, e por isso teve dificuldade em
construir a bomba atómica e os nazis não chegaram a conseguir desenvolver
uma arma nuclear.)

No trágico rescaldo da guerra, as pessoas começaram a compreender o


poder enorme do quantum, o qual foi libertado nos céus sobre Hiroshima e
Nagasaki. De súbito, a mecânica quântica não era apenas uma brincadeira dos
físicos, mas sim algo capaz de desvendar os segredos do Universo e de ditar o
destino da raça humana.

Porém, das cinzas da guerra, erguia-se no horizonte uma nova invenção


quântica que viria alterar o próprio tecido da civilização moderna: o transístor.
Talvez o poder enorme do átomo pudesse ser utilizado para alcançar a paz.

16 Peter Coy, «Science Advances One Funeral at a Time, the Latest Nobel Proves It», Bloomberg, 10 de outubro de 2017;
http://www.bloomberg.com/news/articles/2017-10-10/science-advances-one-funeral-at-a-time-the-latest-nobel-proves-it.
Supremacia Quântica 1ª Parte Ascensão do Quantum
48

17 BrainyQuote; https://www.brainyquote.com/quotes/paul_dirac_ 279318.


18 Jim Martorano, «The Greatest Heavyweight Fight of All Time», TAP into Yorktown, 24 de agosto de 2022;
https://www.tapinto.net/towns/yorktown/articles/the-greatest-heavyweight-fight-of-all-time.
19 Citado em Denis Brian, Einstein (Nova Iorque: Wiley, 1996), 516.
CAPÍTULA 4
– ALVORADA DOS COMPUTADORES QUÂNTICOS –

O transístor é um paradoxo.

Geralmente, quanto maior é uma invenção, mais poderosa é a mesma.


Enormes jatos de dois andares transportam carradas de passageiros de um
lado ao outro do mundo numa questão de horas. Os foguetões, hoje em dia,
são invenções gigantescas capazes de enviar cargas de várias toneladas para
Marte. O Grande Colisor de Hadrões, com os seus 27 quilómetros de
comprimento, custou mais de dez mil milhões de dólares e pode um dia vir a
desvendar o segredo do Big Bang. A sua circunferência é tão vasta que grande
parte da cidade de Genebra caberia no interior do perímetro da máquina.

E, no entanto, o transístor, talvez a mais importante invenção do século


XX, é tão pequeno que caberiam milhares de milhões deles numa das nossas
unhas. Não é exagero dizer que veio revolucionar todos os aspetos da
sociedade humana.

Assim, por vezes, quanto mais pequeno, melhor. Por exemplo, assente
em cima dos nossos ombros temos o objeto mais complexo no Universo
conhecido, o cérebro humano. Consiste em cem mil milhões de neurónios,
cada um deles ligado a cerca de 10.000 outros neurónios e, na sua
complexidade, o cérebro humano excede tudo o que a ciência conhece.

Assim, tanto um microchip feito de milhares de milhões de transístores


como o cérebro humano caberiam na nossa mão, e contudo são os objetos
mais sofisticados que conhecemos.

Porquê? O seu tamanho incrivelmente reduzido esconde o facto de


podermos armazenar e manipular dentro deles vastas quantidades de
informação. Mais ainda, a forma como esta informação é armazenada
assemelha-se a uma máquina de Turing, dando-lhes uma tremenda potência
computacional. O microchip é o coração de um computador digital com uma
fita de introdução finita (embora as máquinas de Turing, em princípio, possam
ter uma fita infinita). E o cérebro é uma máquina capaz de aprendizagem, ou
rede neuronal, que se modifica constantemente à medida que aprende coisas
novas. Uma máquina de Turing também pode ser modificada de modo a ter
capacidade de aprender, como uma rede neuronal.

No entanto, se a potência do transístor deriva do facto de ser


microscópico, então a próxima pergunta é: até onde podemos reduzir o
tamanho de um computador? Qual é o mais pequeno transístor?
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

O Nascimento do Transístor
50

Três físicos receberam o Prémio Nobel em 1956 pela criação deste


aparelho maravilhoso: os cientistas da Bell Laboratories, John Bardeen, Walter
Brattain e William Shockley. Hoje, uma réplica do primeiro transístor do mundo
encontra-se em exposição numa vitrina no Museu Smithsonian em
Washington. É um aparelho tosco, de aparência rudimentar, mas sabemos que
delegações de cientistas de todo o mundo se aproximam desse transístor com
uma reverência silenciosa e alguns até se curvam perante ele, como se fosse
uma divindade. Bardeen, Brattain e Shockley usaram uma nova forma de
matéria quântica, chamada semicondutor. (Os metais são condutores, o que
permite a livre circulação de eletrões. Os materiais isoladores, como vidro,
plástico ou borracha, não conduzem eletricidade. Os semicondutores
encontram-se entre uma coisa e outra e conseguem tanto transportar como
interromper a circulação de eletrões.)

O transístor explora esta propriedade crucial. É o sucessor do velho tubo


de vácuo que foi utilizado de modo tão engenhoso por Turing e outros. Tal
como já vimos, tanto um tubo de vácuo como um transístor podem ser de
certa forma comparados a uma válvula que controla o fluxo de água num
cano. Com uma pequena válvula, é possível controlar um fluxo de água muito
maior a circular pelo cano. Podemos fechar a válvula, o que corresponde ao
zero, ou deixá-la aberta, o que corresponde ao um. Assim, conseguimos
controlar com precisão a circulação de água numa série complexa de canos. Se
agora substituirmos a válvula por um transístor, e os canos de água por fios
que conduzem eletricidade, podemos criar um computador digital
transistorizado.

Contudo, embora um transístor se assemelhe a um tubo de vácuo nesse


sentido, as semelhanças ficam-se por aí. Os tubos de vácuo são conhecidos
por serem rudimentares e temperamentais. (Quando era criança, lembro-me
de ter de desmontar a minha velha televisão, remover todos os tubos à mão e
testar meticulosamente cada um, no supermercado, para ver qual deles tinha
rebentado.) Eram volumosos, pouco fiáveis e estragavam-se rapidamente.

Um transístor, por outro lado, feito de finas pastilhas de silício, é


robusto, barato e de dimensões microscópicas. Podem ser produzidos em
massa, da mesma forma que são feitas as t-shirts hoje em dia.

Normalmente, as t-shirts são produzidas a partir de um molde de


plástico, no qual está recortada a imagem pretendida. O molde é colocado
sobre a t-shirt e depois um spray de tinta pinta por cima do molde. Quando
este é retirado, a imagem foi transferida para a t-shirt.

Um transístor é criado de forma semelhante. Primeiro, começa-se com


um molde no qual foi recortada a imagem dos circuitos pretendidos. Depois o
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

molde é colocado sobre a pastilha de silício. Aplica-se então um raio de


51

radiação ultravioleta sobre o molde, para que a imagem no mesmo seja


transferida para a pastilha de silício. O molde é então retirado e adiciona-se
ácido. O chip de silício leva um tratamento químico especial de modo que,
quando o ácido é aplicado, queima na pastilha a imagem pretendida.

A vantagem é que estas imagens podem ser tão pequenas como o


comprimento de onda da luz ultravioleta, que é apenas um pouco maior do que
um átomo. O que significa que um chip típico, utilizado atualmente num
computador, pode ter mil milhões de transístores. Hoje, a produção de
transístores é um grande negócio que afeta as economias de nações inteiras.
As fábricas de produção de transístores mais avançadas têm um custo de
milhares de milhões de dólares.

Em certo sentido, um microchip pode ser comparado com as estradas


numa grande cidade. A circulação constante de carros é como eletrões a
percorrer os circuitos gravados. Os sinais de trânsito que regulam o fluxo do
tráfego correspondem aos transístores. Um semáforo vermelho que interrompe
o trânsito é como um 0, e um semáforo verde que permite a circulação é como
um 1.

Quando gravamos mais e mais transístores num chip, é como se


estivéssemos a encolher o tamanho de cada quarteirão da cidade para
aumentar o número de carros e semáforos. No entanto, há um limite para o
número de estradas que é possível enfiar em determinada área. A dada altura,
o quarteirão é tão pequeno que os carros começam a espalhar-se para os
passeios. Isto equivale a curto-circuitos, se as camadas de silício se tornarem
demasiado finas.

À medida que a espessura dos componentes de um chip de silício se


aproxima do tamanho de um átomo, entra em ação o princípio da incerteza de
Heisenberg e as posições dos eletrões tornam-se incertas, o que faz com que
escapem e causem um curto-circuito. Mais ainda, o calor gerado por tantos
transístores acumulados no mesmo espaço é suficiente para fazer com que o
chip derreta.

Por outras palavras, tudo passará, incluindo a Era do Silício. Podemos


estar a assistir à alvorada de uma nova Era: a Era Quântica.

E foi um dos físicos mais famosos do século XX que abriu o caminho.

Génio em Ação
Richard Feynman era um indivíduo único. Provavelmente nunca existirá
outro físico como ele.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

Por um lado, Feynman era um entertainer carismático, que gostava de


52

divertir o seu público com histórias chocantes do seu passado e das suas
aventuras bizarras. Com um sotaque grosseiro, fazia lembrar um camionista
enquanto contava histórias coloridas da sua vida.

Orgulhava-se de ser especialista em abrir todo o tipo de fechaduras e em


arrombar cofres, tendo inclusive conseguido abrir o cofre que continha o
segredo da bomba atómica quando trabalhava em Los Alamos (causando com
isso um alarme colossal). Sempre interessado em experiências novas e
bizarras, uma vez fechou-se numa câmara hiperbárica para descobrir se
conseguia sair do seu próprio corpo e ver-se a flutuar à distância. E adorava
tocar bongos a qualquer hora.

Quem o ouvisse não podia acreditar que ele recebera o Prémio Nobel da
Física em 1965 e era, provavelmente, um dos maiores físicos da sua geração,
tendo criado os complexos alicerces de uma teoria relativista de eletrões em
interação com fotões. Esta teoria, chamada eletrodinâmica quântica ou QED,
tem uma precisão de uma parte em cem mil milhões; assim, de todas as
várias medições quânticas que têm sido feitas, é a mais bem-sucedida. Os
outros físicos bebiam todas as suas palavras, na esperança de absorverem os
conhecimentos que poderiam conquistar-lhes também fama e glória.

O Nascimento da Nanotecnologia
Acima de tudo, Feynman era um visionário.

Feynman percebeu que os computadores estavam a ficar cada vez mais


pequenos. Assim, fez a si próprio uma simples pergunta: até onde podemos
reduzir o tamanho de um computador?

Ele percebeu que, no futuro, os transístores se tornariam tão pequenos


que chegariam, por fim, ao tamanho de átomos. Na verdade, conjeturou ele, a
fronteira seguinte da física podia ser criar máquinas tão pequenas como
átomos, desbravando assim o caminho para um campo em crescimento a que
se chama hoje nanotecnologia.

Que limite impõe a mecânica quântica a pinças, martelos e chaves


inglesas que sejam do tamanho de átomos? Qual é a derradeira limitação para
um computador que computa em transístores do tamanho de átomos?

Feynman percebeu que, no reino atómico, são possíveis invenções novas


e fantásticas. As atuais leis da física que usamos à macroescala tornam-se
obsoletas à escala atómica, e temos de abrir a mente a possibilidades
totalmente novas. Feynman deu voz às suas ideias pela primeira vez num
discurso que deu na Sociedade Americana de Física na Caltech em 1959,
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

intitulado «There's Plenty of Room at the Bottom» [Há muito espaço lá em


53

baixo] antecipando assim o nascimento de uma nova ciência.

Nesse artigo pioneiro, ele perguntava: «Por que não podemos colocar
todos os 24 volumes da Enciclopédia Britânica na cabeça de um alfinete?»

A ideia básica era simples: criar máquinas minúsculas capazes de


«arrumar os átomos como quisermos». Qualquer ferramenta utilizada nas
nossas oficinas seria miniaturizada até ao tamanho das partículas
fundamentais. A Mãe Natureza manipula os átomos constantemente. Por que
não poderíamos fazer o mesmo?

Resumiu a sua ideia de computadores quânticos da seguinte maneira: «A


natureza não é clássica, caramba, e se quiserem fazer uma simulação da
natureza, é melhor torná-la quântica.»

É uma observação profunda. Os computadores digitais clássicos, por


mais potentes que sejam, nunca poderão simular com êxito um processo
quântico. (Bob Sutor, vice-presidente da IBM, gosta de fazer esta comparação:
para um computador clássico recriar uma simulação, de um-para-um, de uma
simples molécula, como a cafeína, precisaria de 1048 bits de informação. Esse
número astronómico é 10 por cento do número de átomos que compõem o
planeta Terra. Assim, os computadores clássicos não podem simular nem
mesmo moléculas simples.)

No seu artigo, Feynman introduziu uma série de ideias espantosas.


Propôs um robô tão pequeno que poderia flutuar na corrente sanguínea de
uma pessoa e tratar de problemas médicos. Feynman chamou-lhe «engolir o
médico». Funcionaria como um glóbulo branco, percorrendo o corpo à procura
de vírus e bactérias para liquidar. Efetuaria também cirurgias enquanto
circulava pelo corpo. Assim, a medicina seria praticada pelo interior do corpo,
não pelo exterior. Nunca seria preciso cortar a pele, evitando preocupações
com dor e infeções, porque a cirurgia seria feita pelo interior.

Era uma visão profética, e ele chegou até a afirmar que um dia seria
possível inventar um supertelescópio para «ver» átomos. (Na verdade, viria a
ser inventado mais tarde, em 1981, algumas décadas depois de ele ter feito
essa previsão, na forma de microscópios de varrimento por efeito túnel.)

A sua visão era tão fantástica que o discurso foi em grande medida
ignorado durante as décadas seguintes. Uma pena, já que ele estava muito à
frente da sua época. No entanto, hoje em dia, muitas das previsões de
Feynman acabaram por se concretizar.

Ele até ofereceu um prémio de mil dólares a quem conseguisse inventar


uma de duas coisas: o primeiro desafio era miniaturizar a página de um livro
ao ponto de apenas um microscópio eletrónico a conseguir ver. O segundo
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

prémio de mil dólares era para a criação de um motor elétrico que coubesse
54

num cubo de 1/64 de polegada. (Dois inventores reivindicariam posteriormente


ambos os prémios, apesar de não terem preenchido exatamente os requisitos
do Concurso.)

Outra das suas previsões foi tornada possível com a descoberta de


nanomateriais como o grafeno, que consiste numa folha de carbono de apenas
um átomo de espessura. O grafeno foi descoberto por dois cientistas russos
que trabalhavam em Manchester, Inglaterra, Andre Geim e Konstantin
Novoselov, quando repararam que a fita-cola conseguia arrancar uma fina
camada de grafite. Ao repetir várias vezes este processo perceberam que
conseguiam arrancar uma única camada de carbono com um átomo de
espessura. Por esta descoberta simples mas admirável, receberam o Prémio
Nobel em 2010. Uma vez que os átomos de carbono estão dispostos de forma
tão compacta, numa disposição simétrica, é a substância mais forte conhecida
da ciência, mais forte até do que diamantes. Uma folha de grafeno é tão forte
que se equilibrássemos um elefante na ponta de um lápis, e equilibrássemos o
lápis numa folha de grafeno, esta não se rasgaria.

Pequenas quantidades de grafeno são fáceis de fabricar, mas a produção


de grafeno puro em grande escala é extremamente difícil. Em teoria, porém, o
grafeno puro seria forte o suficiente para construir um arranha-céus, ou uma
ponte tão fina que seria invisível. Uma longa fibra de grafeno podia ser forte o
suficiente para suportar um elevador espacial que nos levasse até ao espaço
com o pressionar de um botão, como um elevador para os céus. (O elevador
espacial estaria suspenso num cabo de grafeno que, como se rodássemos uma
bola na ponta de um fio, nunca cai porque gira em volta da Terra devido à
rotação do planeta.) Além disso, o grafeno é condutor de eletricidade. Na
verdade, alguns dos mais pequenos transístores do mundo podem ser feitos de
quantidades ínfimas de grafeno.

Feynman compreendeu também os extraordinários progressos que


seriam possíveis com um computador quântico, que teria uma potência
computacional enorme. Mais atrás, vimos que, se adicionarmos apenas um
qubit a um computador quântico, a sua potência duplica. Assim, um
computador feito de 300 átomos teria 2300 mais potência do que um
computador quântico com um qubit.

O Integral de Caminho de Feynman


Outro dos sucessos de Feynman viria a alterar o rumo da física. Ele
encontrou uma forma nova e surpreendente de reformular toda a teoria da
mecânica quântica.

Tudo começou quando estava na escola secundária. Feynman adorava


fazer cálculos e resolver problemas. Uma das suas imagens de marca era
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

calcular rapidamente a resposta para um problema de várias formas


55

diferentes. Se encalhava numa direção, sabia truques matemáticos para


resolver o problema de outra forma. Ficou famoso por dizer que o objetivo de
cada físico era «tentar provar o mais rapidamente possível que estamos
errados». Por outras palavras, engolir o orgulho e admitir que aquilo que está
a fazer pode ser um beco sem saída, e prová-lo o mais depressa possível de
modo a poder avançar para a ideia seguinte.

(Enquanto físico de investigação, na verdade penso muitas vezes nesta


afirmação. A dada altura, os físicos podem ser forçados a admitir que talvez a
sua ideia preferida esteja errada, e que deviam ser rápidos a tentar uma nova
abordagem.)

Uma vez que o jovem Feynman estava sempre à frente da sua turma em
ciências, o professor procurava formas inteligentes de o manter entretido para
que não se aborrecesse. O professor costumava desafiá-lo com lições de física
curiosas mas profundas.

Um dia, apresentou-lhe algo chamado o princípio da ação mínima, que


permite uma reinterpretação radical de toda a física clássica. O professor
disse-lhe que, se uma bola rebolar por uma encosta abaixo, há um número
infinito de formas como pode rebolar, mas apenas um caminho que a bola
realmente segue. Como sabe que caminho seguir?

Trezentos anos antes, Newton resolvera esta questão. Ele diria: calcule-
se as forças que estão a agir sobre a bola em cada instante, e use-se as suas
equações para determinar para onde ela irá no instante seguinte. Depois
repita-se o processo. Se costurássemos todos esses instantes sucessivos no
tempo, microssegundo após microssegundo, era possível determinar todo o
trajeto da bola. Ainda hoje, trezentos anos mais tarde, é assim que os físicos
preveem o movimento das estrelas, planetas, foguetões, balas de canhão e
bolas de basebol. É a base fundamental da física newtoniana. Quase toda a
física clássica é feita desta maneira. E a matemática de somar todos esses
movimentos incrementais chama-se cálculo, também inventado por Newton.

Mas depois o professor introduziu uma forma bizarra de olhar para a


questão. Disse-lhe para traçar todos os possíveis caminhos que a bola poderia
seguir, por mais estranhos que fossem. Alguns destes caminhos podiam
parecer absurdos, como fazer uma viagem à Lua ou a Marte. Alguns caminhos
podiam mesmo ir até aos confins do Universo. Para cada um, calcule-se aquilo
a que se chama a ação. (A ação é semelhante à energia do sistema. É a
energia cinética menos a energia potencial.) Então o trajeto da bola será
aquele que tem menor valor para a ação. Por outras palavras, a bola, de
alguma forma, «fareja» todos os caminhos possíveis, mesmo os mais loucos, e
depois «decide» seguir o caminho de ação mínima.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

Quando fazemos as contas, obtemos precisamente a mesma resposta


56

que Newton. Feynman ficou estupefacto. Nessa simples demonstração, era


possível resumir toda a física newtoniana sem equações diferenciais
complicadas — bastava encontrar o caminho com a ação mínima. Feynman
ficou deleitado porque agora tinha duas formas equivalentes de resolver toda a
mecânica clássica.

Por outras palavras, no quadro newtoniano antigo, o trajeto de uma bola


é determinado apenas pelas forças que agem sobre a bola naquele ponto
preciso de espaço e tempo. Pontos distantes não afetam a bola de maneira
nenhuma. Mas, neste novo quadro, a bola subitamente está «consciente» de
todos os caminhos possíveis que pode seguir, e «decide» seguir aquele que
minimiza a ação. Como pode a bola «saber» como analisar esses milhares de
milhões de caminhos e selecionar precisamente o correto?

(Por exemplo, por que é que uma bola cai para o chão? Newton diria que
há uma força gravitacional a empurrar a bola para o chão, microssegundo a
microssegundo. Outra explicação é dizer que a bola, de alguma forma, fareja
todos os caminhos possíveis e depois decide seguir o caminho de ação ou
energia mínima, que é para baixo, a direito.)

Anos mais tarde, quando Feynman estava a trabalhar no que viria a


conquistar-lhe um Prémio Nobel, regressaria a esta abordagem da escola
secundária. O princípio de ação mínima resultava com a física clássica,
newtoniana. Por que não generalizar este estranho resultado à teoria quântica?

Soma Quântica sobre Caminhos


Feynman apercebeu-se de que, num computador quântico, isso teria
uma potência computacional tremenda. Imagine-se um labirinto. Se um rato
clássico fosse colocado num labirinto, tentaria fastidiosamente experimentar
muitos caminhos possíveis, um após outro, em sequência, o que é
extremamente lento. Contudo, se pusermos um rato quântico num labirinto,
ele fareja simultaneamente todos os caminhos possíveis ao mesmo tempo. Se
aplicado a um computador quântico, este princípio aumenta exponencialmente
a sua potência.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos
57

Figura 6: Soma sobre caminhos.

Um rato num labirinto clássico tem de decidir para que lado virar em cada passo, uma decisão de cada vez.
Mas um rato quântico num labirinto pode, em certo sentido, analisar simultaneamente todos os caminhos
possíveis. É um dos motivos pelos quais os computadores quânticos são exponencialmente mais potentes do
que os computadores clássicos comuns.

Assim, Feynman reescreveu a teoria quântica em termos do princípio de


ação mínima. Nesta visão, as partículas subatómicas «farejam» todos os
caminhos possíveis. Em cada caminho, ele colocou um fator relacionado com a
ação e a constante de Planck. Depois somou ou integrou todos os caminhos
possíveis. A isto chama-se, hoje, a abordagem do integral de caminho, porque
estamos a somar as contribuições de todos os caminhos que um objeto pode
seguir.

Para seu choque, Feynman descobriu que podia derivar a equação de


Schrödinger. Na verdade, descobriu que conseguia resumir toda a física
quântica em termos desse simples princípio. Assim, décadas depois de
Schrödinger apresentar a sua equação de onda como que por magia, sem
derivação, Feynman conseguiu unificar a totalidade da mecânica quântica,
incluindo a equação de Schrödinger, usando esta abordagem do integral de
caminho.

Geralmente, quando ensino mecânica quântica aos estudantes de


doutoramento em física, começo por apresentar a equação de Schrödinger
como se tivesse simplesmente surgido do nada, como que retirada da cartola
de um mágico. Quando os estudantes me perguntam de onde veio essa
equação, limito-me a encolher os ombros e digo que a equação simplesmente
existe. No entanto, mais adiante no curso, quando discutimos finalmente os
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

integrais de caminho, explico aos estudantes que toda a teoria quântica pode
58

ser reformulada com recurso aos integrais de caminho de Feynman, ao somar


a ação por todos os caminhos possíveis, por mais bizarros que sejam.

Não só uso os integrais de caminho de Feynman no meu trabalho


profissional, como também penso neles em casa, por vezes, ao atravessar uma
divisão. Quando caminho sobre a carpete, é uma sensação estranha e sinistra
saber que muitas cópias de mim próprio estão a caminhar sobre a mesma
carpete, e cada uma pensa que é a única pessoa a atravessar a sala. Algumas
dessas cópias foram mesmo até Marte e voltaram.

Enquanto físico, trabalho com versões relativistas da equação de


Schrödinger, que se chama teoria quântica de campo, ou seja, a teoria
quântica das partículas subatómicas a altas energias. A primeira coisa que faço
quando calculo a teoria quântica de campo é seguir Feynman e começar pela
ação. Depois calculo todos os caminhos possíveis para obter a equação de
movimento. Assim, a abordagem de integral de caminho de Feynman, em
certo sentido, engoliu toda a teoria quântica de campo.

Mas esta formulação não é apenas um truque; tem também profundas


implicações para a vida na Terra. Vimos anteriormente que os computadores
quânticos têm de ser mantidos perto do zero absoluto. Mas a Mãe Natureza
consegue executar reações quânticas maravilhosas à temperatura ambiente
(como a fotossíntese e a fixação de nitrogénio para fertilizantes). Na física
clássica, há tanto ruído e atropelo de átomos à temperatura ambiente que
muitos processos químicos deviam ser impossíveis nessas condições. Por
outras palavras, a fotossíntese viola as leis de Newton.

Então como é que a Mãe Natureza resolve o problema da decoerência, o


mais difícil dos problemas nos computadores quânticos, para possibilitar a
fotossíntese à temperatura ambiente?

Somando todos os caminhos. Tal como Feynman mostrou, os eletrões


conseguem «farejar» todos os caminhos possíveis para levar a cabo o seu
trabalho miraculoso. Por outras palavras, a fotossíntese e, por consequência, a
própria vida, podem ser um derivado da abordagem do integral de caminho de
Feynman.

Máquina de Turing Quântica


Em 1981, Feynman destacou que apenas um computador quântico pode
verdadeiramente simular um processo quântico. Porém, não desenvolveu como
poderia precisamente ser construído um computador quântico. A próxima
pessoa a pegar no testemunho foi David Deutsch da Universidade de Oxford.
Entre outros sucessos, ele conseguiu dar resposta à questão: será possível
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

aplicar mecânica quântica a uma máquina de Turing? Feynman aludira a este


59

problema, mas nunca escrevera as equações para uma máquina de Turing


quântica. Deutsch viria a preencher todos os pormenores. Até concebeu um
algoritmo capaz de ser executado nessa máquina de Turing hipotética.

Uma máquina de Turing, como já vimos, é um simples aparelho clássico,


baseado num processador, que transforma o número numa fita de
comprimento infinito noutro número e, assim, executa uma série de operações
matemáticas. A beleza de uma máquina de Turing é que reúne todas as
propriedades de um computador digital numa forma simples e compacta, que
pode então ser rigorosamente estudada por matemáticos. O passo seguinte é
adicionar a teoria quântica à invenção de Turing, o que permitiria aos
cientistas estudar as propriedades bizarras dos computadores quânticos de
forma rigorosa. Numa máquina de Turing quântica, pensou Deutsch, substitui-
se um bit clássico por um qubit quântico. Isso introduz várias alterações
importantes.

Primeiro, as manipulações básicas da máquina de Turing (por exemplo,


substituir um 0 por um 1 e vice-versa, e avançar com a fita para a frente ou
para trás) mantêm-se mais ou menos as mesmas. Mas os bits são
radicalmente alterados. Já não são 0 ou 1. Na verdade, podem usar a bizarra
propriedade quântica da sobreposição (a capacidade de estar em dois estados
distintos ao mesmo tempo) para criar um qubit, que pode assumir valores
entre 0 e 1. E, como todos os qubits numa máquina de Turing quântica estão
entrelaçados, o que acontece a um qubit influencia outros qubits mesmo que
estejam afastados. Por fim, para obter um número no final do cálculo, é
preciso «colapsar a onda», para que os qubits nos devolvam de novo uma
coleção de 0s ou 1s. Assim, é possível extrair números e respostas reais do
computador quântico.

Da mesma forma que Turing conseguiu trazer rigor ao campo dos


computadores digitais com a introdução das regras precisas das máquinas de
Turing, Deutsch ajudou a tornar rigorosas as bases dos computadores
quânticos. Ao isolar a essência de como os qubits são manipulados, ajudou a
uniformizar o trabalho nos computadores quânticos.

Universos Paralelos
Contudo, Deutsch não é conhecido apenas por desenvolver o conceito de
computadores quânticos, mas também por levar a sério as profundas questões
filosóficas por eles levantadas. Na habitual interpretação de Copenhaga da
mecânica quântica, é preciso fazer uma observação para determinar
finalmente onde um eletrão está. Antes de ser efetuada uma observação, o
eletrão encontra-se numa mistura difusa de vários estados. Mas quando se
mede o estado do eletrão, a função de onda «colapsa» como que por magia
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

num único estado físico. É assim que se extraem respostas numéricas de um


60

computador quântico.

Porém, este «colapso» assombra os físicos quânticos há um século. Este


processo de «colapso» da onda parece tão estranho, tão forçado e artificial, e
contudo é o processo crucial que nos permite deixar o mundo quântico e entrar
no nosso mundo macroscópico. Por que é que entra em ação apenas quando
decidimos olhar para ele? É a ponte entre o micro e o macromundo, mas uma
ponte com enormes buracos filosóficos.

Apesar disso, funciona. Ninguém o pode negar.

Todavia, é motivo de inquietação para muitos que todo o nosso


conhecimento do mundo assente nestes alicerces tão incertos, como areia em
movimento que pode, um dia, ser levada pelo vento. Ao longo das últimas
décadas, foram apresentadas inúmeras propostas para clarificar o problema.

Em 1956, o estudante de doutoramento Hugh Everett fez aquela que


será talvez a mais escandalosa dessas propostas. Recordemos aqui que a
teoria quântica pode ser resumida em aproximadamente quatro princípios. O
último é o ponto de contenção, onde «colapsamos» a função de onda para
decidir em que estado o sistema se encontra. A proposta de Everett era
ousada e controversa: a sua teoria diz apenas para afastar a última afirmação
que diz que a onda «colapsa», de modo que isso nunca aconteça. Cada
possível solução continua a existir na sua própria realidade, produzindo, como
a teoria ficou conhecida, «muitos mundos».

Tal como um rio que se bifurca em muitos afluentes mais pequenos, as


várias ondas do eletrão continuam a propagar-se alegremente, dividindo-se e
voltando a dividir-se, uma e outra vez, ramificando-se em outros Universos
para todo o sempre. Por outras palavras, há um número infinito de universos
paralelos, nenhum dos quais alguma vez colapsa. Cada ramificação deste
multiverso parece tão real como qualquer outra, mas representam todos os
estados quânticos possíveis.

Desta forma, o microcosmos e o macrocosmos obedecem às mesmas


equações, uma vez que deixa de haver qualquer colapso ou «parede» a
separá-los.

Por exemplo, imagine uma onda no oceano. Na realidade, ela é


constituída por milhares de ondas mais pequenas. A interpretação de
Copenhaga significa selecionar apenas uma dessas ondas mais pequenas e pôr
de lado o resto. Porém, a interpretação de Everett diz: deixemos todas as
ondas existir. Assim, as ondas continuarão a ramificar-se em ondas mais
pequenas, que por sua vez se ramificam ainda em mais ondas.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

Esta ideia é muito conveniente. Não precisamos de nos preocupar com o


61

«colapso» das ondas porque isso nunca acontece. Assim, esta formulação é
mais simples do que a interpretação padrão de Copenhaga. É organizada,
elegante e admiravelmente simples.

Muitos Mundos
Todavia, as teorias de Everett e Deutsch desafiam a natureza da própria
realidade. A teoria dos muitos mundos derruba a nossa conceção da existência
em si mesma. As suas consequências são avassaladoras.

Por exemplo, pense em todas as vezes em que teve de tomar uma


decisão crucial na sua vida, por exemplo a que emprego se candidatar, com
quem casar, ter ou não ter filhos. Uma pessoa pode passar horas, numa tarde
de ócio, a pensar em todas as coisas que poderiam ter sido. A teoria dos
muitos mundos diz que existe um universo paralelo com uma cópia de cada
um de nós, a viver uma história de vida completamente diferente. Num
Universo, a pessoa pode ser um bilionário a planear a sua próxima aventura
extraordinária. Noutro Universo, a mesma pessoa pode ser um indigente que
não sabe de onde virá a próxima refeição. Ou talvez tenha uma vida algures
no meio, labutando num emprego aborrecido e enfadonho, com um
rendimento certo mas modesto e sem quaisquer perspetivas de futuro. Em
cada Universo, insistirá que o seu Universo é que é o real, e todos os outros
são falsos. Agora imagine isto ao nível quântico. Cada ação atómica individual
divide o nosso Universo em múltiplos de si próprio.

No poema de Robert Frost, «A Estrada Não Percorrida», ele escreveu


sobre algo em que todos já pensámos nas nossas fantasias. Perguntamo-nos o
que poderia ter acontecido nas épocas da nossa vida em que efetuámos uma
escolha essencial. Estas decisões importantes podem afetar as nossas vidas
daí em diante. Escreveu ele:
Duas estradas divergiam num bosque dourado
E triste por não poder percorrer ambas
Sendo um só viajante, ali me demorei
Mirando uma delas, até onde a vista alcançava
Vendo-a curvar e desaparecer na vegetação.*

Ele termina o poema concluindo que a decisão teve consequências épicas


na sua vida, que a estrada menos percorrida foi um ponto de viragem. Conclui:
Contá-lo-ei com um suspiro, no fim
Em alguma época longínqua:
Duas estradas divergiam num bosque e, eu...
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

Segui pela menos percorrida,


62

E isso fez toda a diferença.**

Isto estende-se não só à nossa vida, mas a todo o mundo. Na série


televisiva O Homem do Castelo Alto, baseada no romance de Philip K. Dick, o
Universo dividiu-se ao meio. Num Universo, um assassino tentou matar
Franklin D. Roosevelt, mas a arma encravou e FDR sobreviveu e conduziu os
Aliados à vitória na Segunda Guerra Mundial. Porém, noutro Universo, a arma
funcionou bem e o presidente foi morto. O cargo é então ocupado por um vice-
presidente fraco e os Estados Unidos são derrotados. Os nazis ocupam a Costa
Leste dos Estados Unidos e o Exército Imperial Japonês apodera-se da Costa
Oeste.

O que separa estes Universos divergentes e muito diferentes é uma


única bala que ficou entalada no cano da arma. Mas as balas podem não
disparar devido a imperfeições ínfimas no explosivo químico, talvez causadas
por defeitos quânticos na estrutura molecular do explosivo. Assim, estes dois
Universos podem estar separados por um evento quântico.

Infelizmente, a ideia de Everett era tão radical, tão fora deste mundo,
que foi ignorada consistentemente pelos físicos durante décadas. Só
recentemente assistiu a um ressurgimento, quando os físicos redescobriram o
trabalho dele. 20

Os Muitos Mundos de Everett


Hugh Everett III nasceu em 1930, numa família com tradição militar. O
pai, que ajudou a criá-lo após o seu divórcio, era tenente-coronel ao serviço de
um general durante a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, o pai ficou
destacado na Alemanha Ocidental, onde Hugh se juntou a ele.

Desde cedo que demonstrou interesse pela física. Chegou mesmo a


escrever uma carta a Einstein, que respondeu à sua pergunta sobre um antigo
problema filosófico da seguinte maneira:
Caro Hugh,
Não existem forças irresistíveis e corpos inamovíveis. Porém, parece
existir um rapaz muito teimoso que abriu caminho vitoriosamente através
de estranhas dificuldades que ele próprio criou com esse intuito.
Atenciosamente,
Einstein
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

Em Princeton, dedicou-se finalmente aos seus interesses científicos, que


63

se centravam em duas áreas. Primeira, como a ciência poderia afetar as


questões militares, por exemplo, usando a teoria dos jogos para compreender
a guerra. E a segunda era tentar compreender os paradoxos da mecânica
quântica. O seu orientador de doutoramento era John Archibald Wheeler, o
mesmo orientador de tese que foi mentor de Richard Feynman. Wheeler era
um dos grandes nomes da física, e trabalhara com Bohr e Einstein.

Everett não estava satisfeito com a interpretação de Copenhaga


tradicional da mecânica quântica, pela qual a função de onda «colapsa»
misteriosamente e determina o estado do macromundo no qual vivemos.

A sua solução era radical e, ao mesmo tempo, simples e elegante.


Wheeler apercebeu-se de imediato da importância do trabalho do seu
estudante, mas era também um realista. Sabia que a teoria seria
completamente arrasada pelo sistema estabelecido. Assim, em várias ocasiões,
Wheeler pediu a Everett para atenuar a teoria de modo que não parecesse tão
escandalosa. A ideia não agradava nada a Everett, mas como era apenas um
estudante de doutoramento, acedeu a fazer essas revisões. Wheeler tentava
por vezes discutir a teoria do seu estudante com outros físicos preeminentes,
mas obtinha, regra geral, uma reação pouco calorosa.

Em 1959, Wheeler conseguiu mesmo apresentar Everett ao próprio Niels


Bohr, em Copenhaga. Era a última tentativa da parte de Wheeler para
conseguir algum reconhecimento para o trabalho do seu estudante. Este,
contudo, era como um cordeiro a entrar no covil do leão. O encontro foi um
desastre. O físico belga Léon Rosenfeld, que estava presente, disse que Everett
era «indescritivelmente estúpido e não compreendia as coisas mais simples da
mecânica quântica». 21

Everett recordaria mais tarde que este encontro estava «condenado ao


inferno desde o princípio». Até mesmo Wheeler, que tentara dar à teoria de
Everett uma oportunidade justa entre os físicos de topo, acabou por abandonar
a teoria, dizendo que tinha «demasiada bagagem».

Com todos os grandes nomes da física aliados contra ele, era altamente
improvável que conseguisse trabalho na área da física teórica, e assim Everett
regressou aos seus estudos militares e conseguiu um lugar no Grupo de
Avaliação de Sistemas de Armamento do Pentágono. Aí, faria investigações
secretas sobre mísseis Minuteman, guerra nuclear e poeiras radioativas, e
sobre as aplicações militares da teoria dos jogos.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

Renascimento dos Universos Paralelos


64

Entretanto, durante os anos em que trabalhou na área da guerra nuclear,


as suas ideias foram-se infiltrando lentamente na comunidade da física. Um
problema surgiu quando os físicos tentaram aplicar a mecânica quântica ao
Universo inteiro, ou seja, criar uma teoria da gravidade quântica.

Na mecânica quântica, começamos com uma onda, que descreve como


um eletrão pode estar em muitos estados paralelos ao mesmo tempo. No fim,
o observador efetua uma medição a partir do exterior e colapsa a função de
onda. Porém, quando aplicamos este processo ao Universo inteiro encontramos
problemas.

Einstein visualizou o Universo como uma espécie de esfera em expansão.


Nós vivemos na superfície desta esfera. A isto, chama-se a teoria do Big Bang.
No entanto, se aplicarmos a teoria quântica a todo o Universo, isso significa
que o Universo, tal como o eletrão, tem de existir em estados paralelos.

Assim, se tentarmos aplicar a sobreposição ao Universo inteiro,


acabaremos necessariamente com universos paralelos, tal como Everett
previu. Por outras palavras, o ponto de partida da mecânica quântica é que o
eletrão pode estar em dois estados ao mesmo tempo. Quando aplicamos a
mecânica quântica ao Universo inteiro, isso significa que o Universo tem
também de existir em estados paralelos, isto é, em universos paralelos. Assim,
os universos paralelos são inevitáveis.

Desta forma, quando tentamos descrever todo o Universo em termos


quânticos, emergem necessariamente universos paralelos. Em vez de eletrões
paralelos, temos agora universos paralelos.

Isto, todavia, deixa em aberto a próxima questão: poderemos visitar


esses universos paralelos? Por que não vemos essa coleção infinita de
universos paralelos, alguns dos quais talvez semelhantes ao nosso, enquanto
outros podem ser bizarros e absurdos? (E uma questão que oiço muitas vezes
é: significa isto que o Elvis está vivo noutro Universo? A ciência moderna diz:
talvez.)

Universos Paralelos na Nossa Sala de Estar


Steve Weinberg, um físico galardoado com o Prémio Nobel, explicou-me
uma vez como pensar na teoria dos muitos mundos de modo que não nos
expluda a cabeça. Imagine, disse ele, estar sentado sossegado na sua sala de
estar, com o ar repleto de ondas de rádio de várias estações de rádio de todo o
mundo. Em princípio, há centenas de sinais de diversas estações de rádio na
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

sua sala. No entanto, o seu rádio está sintonizado apenas numa frequência; só
65

consegue apanhar uma estação, porque já não está a vibrar em sintonia com
outras estações de rádio. Por outras palavras, o seu rádio está em
«decoerência» com as outras ondas de rádio que enchem o ar na sala. A sua
sala de estar está cheia de estações de rádio diferentes, mas não as consegue
ouvir porque não está sintonizado nelas, ou coerente com elas.

Agora, disse-me ele, substitua as ondas de rádio por ondas quânticas de


eletrões e átomos. Na sua sala de estar, existem também as ondas de
universos paralelos, isto é, as ondas de dinossauros, extraterrestres, piratas,
vulcões. Contudo, não pode interagir com elas porque não se encontra
coerente com elas. Já não vibra em uníssono com as ondas dos dinossauros.
Esses universos paralelos não estão necessariamente no espaço sideral ou
noutra dimensão. Podiam estar na sua sala de estar. Assim, é possível entrar
num universo paralelo, mas, se calcularmos as probabilidades de que isso
aconteça, percebemos que seria preciso aguardar uma quantidade de tempo
astronómica para que tal sucedesse.

As pessoas que morreram no nosso Universo podem na verdade estar


vivas e de boa saúde num universo paralelo, ali mesmo na nossa sala de estar.
Porém, é praticamente impossível interagir com elas porque já não estamos
coerentes com elas. Assim, o Elvis pode estar vivo, mas está a cantar os seus
sucessos noutro universo paralelo.

A probabilidade de entrar nestes universos paralelos é quase zero. A


palavra-chave é «quase». Na mecânica quântica, tudo é reduzido a uma
probabilidade. Por exemplo, para os nossos estudantes de doutoramento, por
vezes pedimos-lhes que calculem a probabilidade de acordarem em Marte no
dia seguinte. Usando a física clássica, a resposta é nunca, porque não
podemos escapar à barreira gravitacional que nos mantém presos à Terra.
Porém, no mundo quântico, é possível calcular a probabilidade de «tunelar» e
assim ultrapassar a barreira gravitacional e acordar em Marte. (Quando
fazemos efetivamente os cálculos, descobrimos que teríamos de esperar mais
tempo do que o tempo de vida do Universo para que isso acontecesse,
portanto o mais provável é que acorde na sua cama amanhã.)

David Deutsch leva estes conceitos desconcertantes muito a sério. Por


que é que os computadores quânticos são tão potentes? pergunta. Porque os
eletrões estão a calcular simultaneamente em universos paralelos. Estão a
interagir e a interferir uns com os outros via entrelaçamento. Assim, depressa
podem deixar para trás um computador tradicional que computa apenas num
Universo.

Para o demonstrar, ele recorre a uma experiência com um laser portátil


que guarda no seu escritório. Consiste unicamente numa folha de papel com
dois buracos. Ele aponta um laser através de ambos os orifícios e encontra do
outro lado um bonito padrão de interferência. Isto acontece porque a onda
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

passou através de ambos os buracos em simultâneo, e interferiu consigo


66

própria do outro lado, dando origem ao padrão de interferência.

Isso não é nada de novo.

Mas agora, diz ele, vamos reduzir a intensidade do raio laser até chegar
quase a zero. No final, não teremos uma onda mas apenas um único fotão a
passar através dos dois orifícios. Mas como pode um único fotão de luz passar
por dois orifícios em simultâneo?

Pela interpretação de Copenhaga habitual, antes de medir o fotão ele


existe na realidade como a soma de duas ondas, uma para cada orifício. Isolar
um único fotão não tem significado enquanto não o medirmos. Assim que o
medimos, sabemos por que buraco ele passou.

Everett não gostava deste panorama, porque significava que nunca seria
possível responder à pergunta: por qual orifício entrou o fotão antes de o
medirmos? Agora, apliquemos isto aos eletrões. Na teoria dos muitos mundos
de Everett, o eletrão é uma partícula corpuscular que, na verdade, passou
apenas através de um buraco, mas havia um eletrão gémeo num universo
paralelo que atravessou pelo outro buraco. Esses dois eletrões, em dois
Universos diferentes, interagiram então um com o outro, por meio de
entrelaçamento, para alterar a trajetória do eletrão e criar o padrão de
interferência.

Em conclusão, um único fotão pode passar através de apenas um orifício,


e ainda assim criar um padrão de interferência porque o fotão consegue
interagir com o seu homólogo que se desloca num universo paralelo.

(Extraordinariamente, os físicos ainda hoje discutem as várias


interpretações do «colapso» da função de onda. Porém, hoje em dia, não são
apenas os físicos mas também os jovens que adoram esta ideia, porque muitos
dos seus super-heróis preferidos da banda desenhada vivem no multiverso.
Quando um super-herói está em apuros, por vezes o seu homólogo num
universo paralelo vem em seu auxílio. Assim, a mecânica quântica tornou-se
um tema em voga até para os miúdos.)

Sumário da Teoria Quântica


Vamos agora apresentar um sumário de todas as características bizarras
da teoria quântica que tornam possíveis os computadores quânticos.

1 - Sobreposição. Antes de observarmos um objeto, ele existe em


muitos estados possíveis. Assim, um eletrão pode estar em dois
locais ao mesmo tempo. Isto aumenta extraordinariamente a
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

potência de um computador, pois temos mais estados com os quais


67

calcular.

2 - Entrelaçamento. Quando duas partículas estão coerentes e as


separamos, podem ainda assim influenciar-se uma à outra. Esta
interação tem lugar instantaneamente. Isto permite aos átomos
comunicarem entre si, mesmo quando separados. Significa,
portanto, que a potência computacional aumenta
exponencialmente à medida que são adicionados cada vez mais
qubits capazes de interagir uns com os outros, muito mais
depressa do que os computadores comuns.

3 - Soma sobre caminhos. Quando uma partícula se move entre dois


pontos, soma todos os possíveis caminhos que ligam esses dois
pontos. O caminho mais provável é o caminho clássico, não
quântico, mas todos esses outros caminhos contribuem também
para o trajeto quântico final da partícula. Isto significa que mesmo
caminhos que são extremamente improváveis podem tornar-se
reais. Talvez os trajetos das moléculas que criaram a vida se
tenham tornado reais devido a este efeito, possibilitando assim a
origem da vida.

4 - Tunelamento. Quando se lhe depara uma grande barreira


energética, normalmente uma partícula não a consegue penetrar.
Mas na mecânica quântica há uma probabilidade pequena mas
finita de podermos «tunelar» ou penetrar através da barreira.
Talvez seja por isso que as complexas reações químicas da vida
podem decorrer à temperatura ambiente, mesmo sem vastas
quantidades de energia.

Figura 7: Tunelamento.

Normalmente, uma pessoa não consegue atravessar uma parede de tijolo. No entanto, na mecânica quântica,
existe uma probabilidade pequena mas finita de se poder «tunelar» através dela. No mundo subatómico, o
tunelamento é algo comum e talvez explique como podem ocorrer as reações químicas exóticas que
possibilitam a vida.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

A Descoberta de Shor
68

Até à década de 90, os computadores quânticos eram ainda, em grande


medida, um brinquedo de teóricos. Existiam nas mentes de um núcleo
pequeno mas brilhante de cientistas, de verdadeiros crentes e de académicos.

Porém, o trabalho de Peter Shor na AT&T no início dos anos 90 veio


mudar tudo. Longe de serem uma nota de rodapé pouco importante, discutidos
nas pausas para café em tom casual, os computadores quânticos estavam
subitamente na agenda de importantes governos em todo o mundo. De súbito,
pedia-se a analistas de segurança, que não têm forçosamente necessidade de
possuir formação em física, que decifrassem os mistérios da teoria quântica.

Qualquer pessoa que tenha visto um filme de James Bond sabe que o
mundo, com tantos interesses concorrentes e até mesmo interesses nacionais
hostis, está cheio de espiões e códigos secretos. Talvez seja um exagero de
Hollywood, mas as joias da coroa destas agências de segurança são os códigos
que usam para proteger os seus mais valiosos segredos nacionais. Recordamos
que o sucesso de Turing a decifrar o código da máquina nazi Enigma foi um
ponto de viragem histórico, tendo ajudado a abreviar a guerra e alterado o
rumo da história humana.

Até então, o trabalho em computadores quânticos era altamente


especulativo e do domínio dos engenheiros elétricos mais esotéricos. Mas Shor
mostrou que é possível um computador quântico decifrar qualquer código
digital atualmente em uso, colocando assim em risco a economia mundial, que
requer segredo absoluto quando envia milhares de milhões de dólares através
da Internet.

O principal código para transmissões secretas chama-se padrão RSA e


baseia-se na decomposição em fatores de um número muito grande. Por
exemplo, começamos com dois números, cada um com cem dígitos. Se os
multiplicarmos um pelo outro, obtemos um número com quase 200 dígitos.
Multiplicar dois números é tarefa fácil.

Mas se alguém nos desse esse número de 200 dígitos como ponto de
partida, e nos pedisse para o fatorizar (encontrar os dois números que,
multiplicados um pelo outro, o obtêm como resultado) poderia demorar
séculos, ou mais, para o fazer com um computador digital. A isto, chama-se
uma função de sentido único. Numa direção, quando se multiplica os dois
números, a função é trivial. Mas na outra direção é muito difícil. Tanto os
computadores clássicos como os computadores quânticos conseguem fatorizar
um grande número. Na verdade, um computador clássico consegue, em
princípio, computar tudo o que um computador quântico consegue computar, e
vice-versa, mas se os dados forem demasiado complexos, podem assoberbar
os computadores clássicos.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

A vantagem crucial de um computador quântico é o tempo. Embora tanto


69

os computadores clássicos como os computadores quânticos possam executar


certas tarefas, o tempo que os computadores clássicos demoram a resolver um
problema difícil pode torná-lo impraticável.

Assim, o tempo que um computador clássico demora a fatorizar um


número grande é proibitivamente longo, tornando impraticável decifrar os
nossos segredos. Mas um computador quântico pode desvendar o código após
um dado período de tempo, ainda longo, mas talvez reduzido o suficiente para
que seja praticável.

Desta forma, quando os hackers tentam entrar num computador, o


computador pedir-lhes-á que fatorizem um número, talvez com 200 dígitos.
Tendo em conta o tempo que esse processo demora, os hackers podem acabar
por desistir. No entanto, se queremos que o destinatário pretendido leia a
transmissão, basta que lhe sejam dados os dois números mais pequenos
adiantadamente. Assim poderá desbloquear facilmente o programa de
computador que protege a mensagem.

O algoritmo RSA parece seguro, para já, mas no futuro talvez seja
possível, com os computadores quânticos, fatorizar esse número de 200
dígitos.

Para ver como isto funciona, examinemos o algoritmo de Shor. Ao longo


dos séculos, os matemáticos criaram algoritmos para os ajudar a fatorizar um
número nos seus fatores primos, ou seja, números cujos fatores são apenas 1
e eles próprios. Por exemplo, 16 = 2 x 2 x 2 x 2, uma vez que 2 só pode ser
dividido por si próprio e por 1.

O algoritmo de Shor começa com estas técnicas padrão, conhecidas dos


matemáticos clássicos para fatorizar um número arbitrário. Depois, mais para
o fim do processo, executa-se aquilo a que se chama uma transformada de
Fourier. Isto envolve somar sobre um fator complexo, pelo que o cálculo
prossegue normalmente. Mas no caso quântico, temos de somar sobre muitos,
muitos mais estados, E portanto temos de executar uma transformada de
Fourier quântica. O resultado final mostra que o cálculo pode ser feito em
tempo recorde porque temos muito mais estados com que trabalhar.

Por outras palavras, tanto um computador clássico como um computador


quântico fatorizam essencialmente da mesma forma, exceto que o computador
quântico computa sobre muitos estados em simultâneo, o que acelera
grandemente o processo.

Tome-se N para representar o número que pretendemos fatorizar. Para


um computador digital comum, a quantidade de tempo que leva a fatorizar um
número aumenta exponencialmente, como t ~ eN, vezes alguns fatores não
importantes. Assim, o tempo de cálculo pode subir rapidamente para números
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

astronómicos, comparáveis à idade do Universo. Tal faz com que a fatorização


70

de um grande número seja possível mas altamente impraticável num


computador convencional.

Porém, se efetuarmos o mesmo cálculo com um computador quântico, o


tempo para fatorizar aumenta apenas como t ~ Nn, ou seja, como um
polinómio, porque os computadores quânticos são astronomicamente mais
rápidos do que um computador digital.

A Derrota do Algoritmo de Shor


Assim que a comunidade de informações ganhou plena consciência das
implicações deste avanço, começou a dar passos para lidar com ele.

Primeiro, o Instituto Nacional de Normas e Tecnologia, que determina as


normas e padrões técnicos para o governo dos Estados Unidos, emitiu uma
declaração sobre computadores quânticos, dizendo que a verdadeira ameaça
dos computadores quânticos está ainda a muitos anos de distância. Todavia, a
altura para começar a pensar neles é aqui e agora. No futuro, talvez seja tarde
demais para adaptar toda uma indústria, de um momento para o outro,
quando os computadores quânticos começarem a decifrar os nossos códigos.

A seguir, sugeriu uma simples medida que pode ser levada a cabo pelas
companhias para responder parcialmente a essa ameaça. A forma mais fácil de
lidar com o algoritmo de Shor é simplesmente aumentar o número que tem de
ser fatorizado. Mais cedo ou mais tarde os computadores quânticos poderão
ainda assim decifrar um código RSA modificado, mas isso atrasará qualquer
hacker e talvez torne proibitivamente dispendioso fazê-lo.

Porém, a forma mais direta de abordar o problema é criar funções de


sentido único mais sofisticadas. O algoritmo RSA é demasiado simples para ser
um entrave a um computador quântico, e por isso o memorando do NIST
mencionava vários novos algoritmos mais complexos do que o código RSA
original. Contudo, essas novas funções de sentido único não são fáceis de
implementar. Resta saber se conseguirão travar os computadores quânticos.

O governo incentivou as companhias e agências a tomar medidas de


preparação para este cataclismo digital. Nos Estados Unidos, o NIST emitiu um
conjunto de linhas orientadoras sobre como criar as bases para combater esta
nova ameaça à segurança nacional, Porém, se o pior acontecer, governos e
grandes instituições podem utilizar um último recurso, que é recorrer à
criptografia quântica para derrotar os computadores quânticos, ou seja, usar o
poder do quantum contra si próprio.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos

Internet por Laser


71

No futuro, é possível que as mensagens confidenciais sejam enviadas por


um canal de Internet separado, transportadas por raios laser e não por cabos
elétricos. Os raios laser são polarizados, o que significa que as ondas vibram
apenas num plano. Quando um criminoso tenta aceder ao raio laser, isto altera
a direção da polarização do laser, o que é imediatamente detetado por um
monitor. Desta forma é possível saber, pelas leis da teoria quântica, que
alguém tentou aceder à comunicação em causa.

Assim, se um criminoso tentar intercetar uma transmissão, fará


inevitavelmente soar os alarmes. No entanto, isto exige uma Internet
separada, com base em lasers, para transportar os segredos nacionais mais
importantes, e essa pode ser uma solução dispendiosa.

Quer isto dizer que, no futuro, é possível que venham a existir duas
camadas na Internet. Algumas organizações, como bancos, grandes
corporações e governos, terão a possibilidade de pagar um valor acrescido
para enviar mensagens por uma Internet à base de laser, garantidamente
segura, enquanto todos os restantes usarão a Internet comum, que não tem
essa camada extra e dispendiosa de proteção.

Este problema de segurança está também a levar ao surgimento de uma


nova tecnologia chamada distribuição de chaves quânticas (QKD), que
transfere chaves de encriptação utilizando qubits entrelaçados, de modo que
seja imediatamente possível detetar se alguém tentou aceder à rede. A
companhia japonesa Toshiba já previu que o método de QKD pode vir a gerar
até três mil milhões de dólares de receitas no final da década.

Assim, por enquanto, é um jogo de espera. Muitos têm esperança de que


a ameaça tenha sido exagerada. No entanto, tal não impediu as principais
corporações a nível mundial de se lançarem numa corrida para ver que
tecnologia dominará o futuro.

Se olharmos para além da ciberameaça, há mundos completamente


novos a conquistar com os computadores quânticos, e as companhias
debatem-se agora para obter a supremacia nesta tecnologia emergente e
empolgante.

O vencedor pode bem vir a moldar o futuro.

* Tradução livre do poema original, The Road Not Taken. [N. da T.]
** Ibid.
Supremacia Quântica 1ª Parte Alvorada dos Computadores Quânticos
72

20 Ver Michio Kaku, Parallel Worlds: The Science of Alternative Universes and Our Future in the Cosmos (Nova Iorque: Anchor,
2006). Em português, Mundos Paralelos, Uma Viagem Através da Criação, Dimensões Superiores e Futuro do Cosmos (Lisboa:
Bizâncio, 2006).
21 Stefano Osnaghi, Fabio Freitas, Olival Freire Jr., «The Origin of the Everettian Heresy», Studies in History and Philosophy of
Modern Physics 40, n.º 2 (2009): 17.
CAPÍTULO 5
– COMEÇA A CORRIDA –

Alguns dos maiores nomes em Silicon Valley estão agora a apostar em


qual dos cavalos vencerá esta corrida. É demasiado cedo para saber quem
será, nesta altura, mas aquilo que está em jogo é, nada mais, nada menos, do
que o futuro da economia mundial.

Para compreender como a corrida está a evoluir, é importante perceber


que existe mais do que uma arquitetura computacional que funcionará.
Recordemos que a máquina de Turing se baseia em princípios gerais que
podem ser aplicados a um vasto leque de tecnologias. Assim, é possível fazer
um computador digital de canos de água e válvulas. Os ingredientes essenciais
são um sistema capaz de transportar informação digital caracterizada por uma
série de 0s e 1s, e uma forma de processar essa informação.

Da mesma forma, os computadores quânticos têm também um vasto


leque de designs possíveis. Basicamente, qualquer sistema quântico capaz de
sobrepor estados de 0s e 1s e entrelaçá-los de modo que possam processar
essa informação pode tornar-se um computador quântico. Eletrões e iões que
girem para cima ou para baixo podem servir este propósito, ou fotões
polarizados que girem no sentido dos ponteiros do relógio ou no sentido
contrário. Uma vez que a teoria quântica governa toda a matéria e energia no
Universo, existem potencialmente milhares de formas de construir um
computador quântico. Numa tarde de ócio, um físico pode conceber dezenas de
formas de representar a sobreposição de 0s e 1s para criar um computador
quântico completamente novo.

Então que aspeto têm esses vários designs e quais são as vantagens e
desvantagens de cada um? Tal como já vimos, companhias e governos estão a
investir milhares de milhões nesta tecnologia, e a opção de design escolhida
pode influenciar quem virá a dominar esta corrida. Até agora, a IBM vai na
frente do pelotão com 433 qubits, mas, tal como numa corrida de cavalos, a
classificação exata pode mudar a qualquer momento.
Nome Produtor Qubits

Osprey IBM 433

Jiuzhang China 76

Bristlecone Google 72

Sycamore Google 53
Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida

Tangle Lake Intel 49


74

Na altura de publicação deste livro, a IBM lançou o computador quântico


de 433-qubits, Osprey, e apresentará o computador quântico de 1121-qubits,
Condor, em 2023. Dario Gil, vice-presidente sénior e diretor da divisão de
investigação da IBM, diz: «Acreditamos que conseguiremos alcançar uma
demonstração da vantagem quântica — algo com valor prático — nos próximos
anos. É essa a nossa missão.» Na verdade, a IBM declarou publicamente que o
seu objetivo é, eventualmente, construir um computador quântico de um
milhão de qubits. 22

Então como funciona o design líder na indústria, e o que há em termos


de concorrência?

1 - Computador Quântico Supercondutor


No presente, o computador quântico supercondutor estabeleceu a
fasquia para a potência computacional. Em 2019, a Google foi a primeira
companhia a lançar-se, anunciando que alcançara a supremacia quântica com
o seu computador quântico supercondutor, o Sycamore.

Contudo, a IBM não vinha muito atrás e acabou mesmo por assumir a
liderança com o seu processador quântico Eagle, que quebrou a barreira dos
100-qubits em 2021, tendo, desde então, desenvolvido o processador Osprey,
de 433-qubits.

Figura 8: Computador quântico.


Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida

Um computador quântico, como aquele mostrado na imagem, assemelha-se frequentemente a um grande


75

candelabro. A maior parte do hardware complexo nesta fotografia consiste em tubos e bombas necessários
para arrefecer o núcleo até perto do zero absoluto. O coração propriamente dito de um computador quântico
não é maior do que uma moeda e encontra-se na parte inferior da imagem.

Os computadores quânticos supercondutores têm uma grande vantagem:


podem utilizar tecnologia já disponível, introduzida pela indústria do
computador digital. As companhias de Silicon Valley tiveram décadas para
aperfeiçoar a arte de gravar circuitos minúsculos em pastilhas de silício. Em
cada chip, é possível representar os números 0 e 1 pela presença ou ausência
de eletrões no circuito.

O computador quântico supercondutor assenta também nesta tecnologia.


Ao reduzir a temperatura até uma fração de grau acima do zero absoluto, os
circuitos tornam-se mecânico-quânticos, ou seja, tornam-se coerentes, pelo
que a sobreposição de eletrões não é afetada. Então, ao unir vários circuitos, é
possível entrelaçá-los de modo a tornar possível os cálculos quânticos.

Porém, a desvantagem desta abordagem é que torna necessário um


conjunto elaborado de tubos e bombas para arrefecer a máquina. Isto eleva
também os custos e introduz a possibilidade de novas complicações e erros. A
mais ligeira vibração ou impureza podem quebrar a coerência dos circuitos.
Uma pessoa a espirrar nas imediações pode arruinar uma experiência.

Os cientistas medem esta sensibilidade por algo a que chamam tempo de


coerência, isto é, o período de tempo em que os átomos permanecem a vibrar
coerentemente juntos. Em geral, quanto mais baixa a temperatura, mais lento
o movimento dos átomos no ambiente e maior o tempo de coerência. Arrefecer
as máquinas para temperaturas ainda mais baixas do que as que se encontram
no espaço intergalático maximiza o tempo de coerência.

Todavia, como é impossível alcançar realmente o zero absoluto, é


inevitável que se insinuem erros nos cálculos. Enquanto um computador digital
comum não tem de se preocupar com isso, torna-se uma grande dor de cabeça
com os computadores quânticos. Significa que não podemos confiar
plenamente nos resultados. É um problema grave se o que está em jogo são
transações de milhares de milhões de dólares.

Uma solução para esse problema é suplementar cada qubit num conjunto
de qubits, o que cria redundância e reduz os erros no sistema. Por exemplo,
digamos que um computador quântico faz um cálculo com três qubits a
suplementar cada qubit, e produz a sequência de números 101; uma vez que
os valores não coincidem todos, o mais provável é que o dígito central esteja
errado e deva ser substituído por um 1. A redundância pode reduzir os erros
no resultado final, mas às custas de aumentar em muito o número de qubits
no sistema.
Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida

Foi sugerido que talvez sejam necessários mil qubits para suplementar
76

um único qubit, de modo que esta coleção de qubits possa corrigir os erros que
se insinuem no cálculo. Isto significa, porém, que para um computador
quântico de 1000-qubits precisaríamos de um milhão de qubits. É um número
muito elevado, que levará a tecnologia ao limite, mas a Google calcula que
será possível alcançar um processador de um milhão de qubits dentro de dez
anos.

2 - Computador Quântico de Iões Presos


Outro concorrente é o computador quântico de iões presos. Quando
pegamos num átomo neutro em termos elétricos e lhe retiramos alguns
eletrões, obtemos um ião com carga positiva. É possível suspender um ião,
preso numa série de campos elétricos e magnéticos, e ao introduzirmos
múltiplos iões eles vibram como qubits coerentes. Por exemplo, se o eixo do
eletrão gira para cima, então o estado é um 0. Se gira para baixo, é um 1.
Assim, o resultado, devido aos estranhos efeitos do mundo quântico, é uma
mistura sobreposta de dois estados.

Figura 9: Computador quântico de iões.


Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida

Os átomos podem girar como um pião e alinhar-se num campo magnético. Se um átomo girar para cima,
77

pode representar o número 0. Se girar para baixo, pode ser um 1. Mas os átomos podem também existir
numa sobreposição destes dois estados. O cálculo é feito ao atingir estes átomos com um laser, que pode
alterar as rotações e permutar os 0s e 1s, efetuando assim um cálculo.

Então é possível atingir estes iões com raios laser ou de micro-ondas,


virando-os e causando uma alteração de estado. Estes raios, portanto, agem
como um processador, transformando uma configuração de átomos noutra, tal
como um CPU num computador digital alterna os transístores entre os estados
ligado e desligado.

Esta é, assim, talvez a forma mais transparente de ver como um


computador quântico emerge de uma coleção de eletrões aleatórios. A
Honeywell é uma das principais proponentes deste modelo.

Num computador quântico de iões presos, os átomos são mantidos num


estado de quase-vácuo, suspensos por um complexo conjunto de campos
elétricos e magnéticos que conseguem absorver movimentos aleatórios. O
tempo de coerência pode, assim, ser muito mais longo do que num
computador quântico supercondutor, e o computador de iões é capaz até de
funcionar a temperaturas mais elevadas do que os seus rivais. Um problema,
contudo, é o redimensionamento, ou seja, quando se tenta aumentar o
número de qubits. O redimensionamento é bastante difícil, uma vez que é
preciso reajustar continuamente os campos elétricos e magnéticos para manter
a coerência, o que é um processo complexo.

3 - Computadores Quânticos Fotónicos


Pouco depois de a Google afirmar ter atingido a supremacia quântica, os
chineses anunciaram ter quebrado uma barreira ainda maior, executando em
200 segundos um cálculo que levaria um computador digital a demorar 500
milhões de anos a resolver.

Quando o físico quântico Fabio Sciarrino da Universidade Sapienza em


Roma ouviu as notícias, recordou: «A minha primeira impressão foi, uau!» Este
computador quântico, ao invés de computar em eletrões, computa em raios de
luz laser. 23

O computador quântico fotónico explora o facto de a luz poder vibrar em


diferentes direções, ou seja, em estados polarizados. Por exemplo, um raio de
luz pode estar a vibrar verticalmente para cima e para baixo, ou talvez de
lado, para a esquerda e para a direita. (Qualquer pessoa que compre óculos de
sol com lentes polarizadas para reduzir o brilho do sol na praia está a
aproveitar-se disto. Por exemplo, os seus óculos polarizados podem ter uma
série de sulcos paralelos na direção vertical, que bloqueiam o sol a vibrar na
Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida

direção horizontal.) Assim, os números 0 ou 1 podem ser representados pela


78

luz a vibrar em diferentes direções polarizadas.

O computador quântico fotónico começa por disparar um raio laser para


um divisor de raios, que é apenas um pedaço de vidro muito bem polido, num
ângulo de 45 graus. Quando o atinge, o raio laser cinde-se em dois, com
metade a seguir em frente e a outra metade sendo refletida de lado. O ponto
importante, aqui, é que os dois raios são, cada um deles, coerentes, a vibrar
em uníssono um com o outro.

Depois os dois raios coerentes podem atingir dois espelhos polidos, que
refletem os dois raios de volta para um ponto comum, onde os dois fotões
podem entrelaçar-se um no outro. Desta forma, é possível criar um qubit.
Logo, o raio resultante é agora uma sobreposição de dois fotões entrelaçados.
Agora imagine-se o tampo de uma mesa coberto de talvez centenas de
divisores de raios e espelhos, que entrelaçam uma série de fotões coerentes. É
assim que o computador quântico ótico executa os seus feitos miraculosos. O
computador fotónico chinês conseguiu calcular com 76 fotões entrelaçados a
moverem-se em cem canais.

Todavia, os computadores fotónicos têm uma desvantagem grave: são


um conjunto deselegante de espelhos e divisores de raios que pode facilmente
preencher um espaço amplo. Para cada problema, esse grupo complexo de
espelhos e divisores de raios tem de ser reajustado em posição diferente. Não
se trata de uma máquina para todos os fins, que possamos programar para
efetuar cálculos instantâneos. Após cada cálculo, é preciso desmanchá-la e
reorganizar os componentes com toda a precisão, algo que é moroso. Além do
mais, uma vez que os fotões não interagem facilmente com outros fotões, é
difícil criar qubits de complexidade crescente.

Contudo, há vários benefícios no uso de fotões em vez de eletrões num


computador quântico. Enquanto os eletrões reagem fortemente com a matéria
vulgar porque têm carga (e, daí, as perturbações provenientes do meio
ambiente poderem ser bastante grandes), os fotões não têm carga, e portanto
encontram muito menos ruído do ambiente. Na verdade, os raios de luz
conseguem passar através de outros raios de luz, com perturbações mínimas.
Os fotões são também muito mais rápidos do que eletrões, viajando dez vezes
mais depressa do que os sinais elétricos.

Porém, a grande vantagem do computador fotónico, que poderá a dada


altura pesar mais do que outros fatores, é que consegue funcionar à
temperatura ambiente. Não são necessárias tubagens e bombas dispendiosas
para reduzir a temperatura quase ao zero absoluto, algo que depressa faz
disparar os custos.

Uma vez que os computadores fotónicos trabalham à temperatura


ambiente, o seu tempo de coerência é bastante reduzido. No entanto, isso é
Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida

contrabalançado pelo facto de os raios laser possuírem energia elevada, pelo


79

que os cálculos podem ser feitos muito mais depressa do que o tempo de
coerência, e assim as moléculas no ambiente parecem estar a mover-se em
câmara lenta. Isso reduz a quantidade de erros criados por interações com o
ambiente. A longo prazo, as vantagens de taxas de erro mais baixas e custos
reduzidos podem ultrapassar as de outros designs.

Mais recentemente, uma start-up canadiana chamada Xanadu


apresentou o seu computador quântico fotónico, que tem uma distinta
vantagem. Baseia-se num chip minúsculo (e não numa mesa cheia de
equipamento ótico) que manipula uma luz laser de infravermelhos através de
um labirinto microscópico de divisores de raios. Ao contrário do design chinês,
o chip da Xanadu é programável e o seu computador está disponível na
Internet. Contudo, tem apenas oito qubits, e ainda requer alguns
refrigeradores supercondutores. Porém, como disse Zachary Vernon da
Xanadu: «Durante muito tempo, a área da fotónica foi considerada o parente
pobre na corrida da computação quântica... Com estes resultados... começa a
tornar-se claro que a fotónica não é um concorrente inferior, mas na realidade
um dos líderes da competição.» O tempo o dirá. 24

4 - Computadores Fotónicos de Silício


Recentemente, uma nova companhia juntou-se à corrida e causou
considerável controvérsia. A PsiQuantum, uma start-up recente, convenceu os
investidores dos méritos do design do seu computador fotónico de silício e
chocou Wall Street ao ser avaliada nuns extraordinários 3,1 mil milhões de
dólares. Fê-lo sem sequer apresentar um protótipo ou um projeto de
demonstração que comprovasse que realmente funcionava.

A grande vantagem dos computadores fotónicos de silício seria que


podem usar métodos comprovados pela experiência e aperfeiçoados pela
indústria dos semicondutores. Na verdade, a PsiQuantum está em sociedade
com a GlobalFoundries, que é uma das três mais avançadas fabricantes de
chips a nível mundial. Esta joint venture com uma companhia tecnológica
estabelecida conquistou ao jovem empreendimento reconhecimento imediato
em Wall Street.

Um dos motivos pelos quais a PsiQuantum gerou tanto interesse


mediático, é porque apresentou o plano para o futuro mais ambicioso até ao
momento. Afirmam que, em meados deste século, terão criado um
computador ótico de silício de um milhão de qubits com aplicações práticas.
Consideram que as empresas concorrentes, que se concentraram em
computadores quânticos de cerca de cem qubits, estão a ser demasiado
conservadoras por estarem a focar-se em avanços reduzidos e progressivos.
Têm esperança de conseguir dar passos gigantescos no futuro, ultrapassando
esses rivais mais cautelosos e tímidos.
Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida

Uma das chaves do seu programa é a natureza dual do silício. Não só


80

pode ser utilizado para fabricar transístores e, assim, controlar o fluxo de


eletrões, como pode também ser utilizado para transmitir luz, uma vez que é
transparente a certas frequências de radiação de infravermelhos. Esta
natureza dual é crucial para o entrelaçamento de fotões.

Um grande atrativo é que resolve o problema da correção de erros. Uma


vez que os erros se infiltram em qualquer cálculo devido a interações com o
ambiente, pretende-se redundância incluída no sistema, com a criação de
qubits redundantes. E, com um milhão de qubits, eles consideram que podem
começar a controlar esses erros, para que seja possível efetuar no computador
cálculos reais e práticos.

5 - Computadores Quânticos Topológicos


O candidato mais improvável nesta corrida é o design da Microsoft, que
utiliza processadores topológicos.

Tal como já vimos, um dos principais problemas de vários dos designs


anteriores é que a temperatura tem de ser mantida perto do zero absoluto.
Porém, de acordo com a teoria quântica, há outra forma, além de iões presos e
sistemas fotónicos, de criar um computador quântico. Um sistema pode
permanecer estável à temperatura ambiente se mantiver certas propriedades
topológicas especiais que sejam sempre preservadas. Pense num pedaço de
corda circular com um nó. Se não pudermos cortar a corda, então, por mais
que nos esforcemos, é impossível remover o nó. A topologia da corda (a
forma, neste caso o nó) não pode ser alterada por qualquer manipulação
exceto se for cortada. De forma semelhante, os físicos tentaram encontrar
sistemas físicos que preservem a topologia do sistema, seja qual for a
temperatura. Se os encontrarem, isso reduziria em muito o custo e aumentaria
a estabilidade de um computador quântico. Com um sistema desses, seria
possível criar qubits coerentes a partir dessas configurações topológicas.

Em 2018, os físicos na Universidade de Tecnologia de Delft nos Países


Baixos anunciaram ter descoberto um material com essas propriedades,
nanofios de antimoneto de índio. Este material emergiu de uma complexa
série de interações de muitas substâncias constituintes, e era portanto
«emergente». Foi considerada uma quase-partícula de Majorana de modo zero.
A comunicação social apregoou-a como um material mágico que permaneceria
estável mesmo à temperatura ambiente. A Microsoft até abriu generosamente
os cordões à bolsa e começou a montar um novo laboratório quântico no
campus.

Precisamente quando parecia que tivera lugar um avanço de magnitude


fantástica, outro grupo anunciou ter sido incapaz de duplicar os resultados.
Após exame mais atento, o grupo da Delft anunciou que talvez se tivessem
Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida

precipitado na interpretação dos resultados e retrataram-se das afirmações


81

feitas.

A parada é tão elevada que até os físicos começam a acreditar nos seus
próprios comunicados de imprensa. Contudo, continuam a ser estudados
outros objetos topológicos, como os aniões, pelo que esta abordagem é ainda
considerada viável.

6 - Computadores Quânticos D-Wave


Existe atualmente um último tipo de computação quântica, chamado
recozimento quântico, a ser trabalhado pela companhia canadiana D-Wave.
Embora não use o pleno poder dos computadores quânticos, a D-Wave afirma
poder produzir máquinas capazes de alcançar os 5600 qubits, muito acima dos
valores encontrados em outros designs concorrentes, e tem planos para
oferecer computadores com mais de 7000 qubits dentro de poucos anos, Até
agora, várias companhias conhecidas adquiriram computadores D-Wave, que
estão a ser vendidos no mercado por valores entre os 10 e os 15 milhões de
dólares. Estas companhias incluem a Lockheed Martin, a Volkswagen, a NEC no
Japão, o Laboratório Nacional de Los Alamos e a NASA. Aparentemente, os
computadores D-Wave destacam-se especialmente numa área, a otimização.
Companhias interessadas em otimizar certos parâmetros do seu negócio (como
reduzir o desperdício, maximizar a eficiência, aumentar o lucro) investiram
nesta tecnologia. Os computadores D-Wave conseguem otimizar dados com
recurso a campos elétricos e magnéticos para manipular as correntes em fios
supercondutores, até alcançarem o seu estado energético mais baixo.

Em suma, existe uma competição intensa entre corporações e até


governos para ganhar um avanço nesta nova tecnologia. O ritmo do progresso
na área tem sido espantoso. Todas as grandes companhias de computadores
têm o seu próprio programa de computadores quânticos. Os protótipos já
estão a demonstrar o seu valor e até a serem comercializados.

Porém, o próximo grande desafio para os computadores quânticos é


resolver problemas práticos do mundo real capazes de alterar a trajetória de
indústrias inteiras. Os cientistas e engenheiros estão a concentrar-se em
problemas que se encontram muito para além do alcance de computadores
digitais. O objetivo é utilizar os computadores quânticos na resolução dos
grandes problemas da ciência e da tecnologia.

Um dos focos da investigação é decifrar a mecânica quântica por trás da


origem da vida, o que ajudará a desvendar o mistério da fotossíntese, a
alimentar o planeta, a fornecer energia à sociedade e a curar doenças
incuráveis.
Supremacia Quântica 1ª Parte Começa a Corrida
82

22 Stephen Nellis, «IBM Says Quantum Chip Could Beat Standard Chips in Two Years», Reuters, 15 de novembro de 2021;
https://www.reuters.com/.
23 Emily Conover, «The New Light-Based Quantum Computer Jiuzhang Has Achieved Quantum Supremacy», Science News, 3 de
dezembro de 2020; https://www.sciencenews.org/article/new-light-based-quantum-computer-jiuzhang-supremacy.
24 «Xanadu Makes Photonic Quantum Chip Available Over Cloud Using Strawberry Fields & Pennylane Open-Source Tools Available
on Github», Inside Quantum Technology News, 8 de março de 2024; https://www.insidequantumtechnology.com/.
PARTE 2
– COMPUTADORES QUÂNTICOS
E A SOCIEDADE –
CAPÍTULO 6
– A ORIGEM DA VIDA –

Todas as culturas têm o seu mito preferido quanto ao princípio da vida.


Sempre nos questionámos sobre o que poderia explicar a gloriosa abundância
e diversidade na Terra. Na Bíblia, por exemplo, Deus criou os céus e a Terra
em seis dias. Criou o homem à Sua imagem, feito do pó da terra, e depois
conferiu-lhe o sopro da vida. Criou todas as plantas e animais para serem
dominados por nós.

Na mitologia grega, ao princípio existia apenas o Caos informe e o nada,


Porém, desse vazio imenso nasceram os deuses, como Gaia, deusa da Terra,
Eros, a deusa do amor, e Éter, deus da luz. Da união entre Gaia e Úrano, o
deus do céu noturno, surgiram então as criaturas que habitaram a Terra.

A origem da vida é, talvez, um dos maiores mistérios de todos os


tempos. Esta questão dominou, como nenhuma outra, as discussões religiosas,
filosóficas e científicas. Ao longo da história, muitos dos pensadores mais
profundos acreditaram na existência de uma misteriosa «força vital», capaz de
animar o que era inanimado. Muitos cientistas, na verdade, acreditavam em
algo chamado geração espontânea, ou seja, que a vida podia surgir
magicamente, por si mesma, em matéria inanimada.

No século XIX, os cientistas conseguiram encaixar muitas pistas sobre a


origem da vida. Experiências meticulosas levadas a cabo por Louis Pasteur e
outros mostraram de forma decisiva que a vida não podia ser gerada
espontaneamente, como era crença comum. Ele demonstrou que, ao ferver
água, era possível criar um meio ambiente estéril que impediria que os
organismos se desenvolvessem de modo espontâneo.

Ainda hoje existem muitas lacunas no nosso entendimento de como a


vida surgiu inicialmente na Terra, há quase quatro mil milhões de anos. Na
verdade, os computadores digitais são inúteis para a análise dos processos
biológicos e químicos fundamentais, ao nível atómico, que poderão esclarecer
este problema. Até o mais simples processo molecular consegue superar por
completo a capacidade de um computador digital. Contudo, a mecânica
quântica talvez possa ajudar a explicar muitas dessas lacunas e a desvendar
os mistérios da vida. Os computadores quânticos são perfeitamente talhados
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

para esse problema e estão a começar a descobrir alguns dos segredos mais
84

profundos da vida ao nível molecular.

Dois Avanços
Nos anos 50 tiveram lugar duas descobertas monumentais que
estabeleceram a agenda para posteriores investigações quanto à origem da
vida. A primeira aconteceu em 1952, quando um estudante de doutoramento,
Stanley Miller, a trabalhar sob a orientação de Harold Urey na Universidade de
Chicago, fez uma simples experiência. Começou com um frasco de água e
adicionou-lhe uma mistura tóxica de substâncias químicas que incluía metano,
amoníaco, água, hidrogénio e outros compostos que ele julgava simularem a
atmosfera agreste nos primórdios da Terra. De modo a adicionar energia ao
sistema (simulando talvez relâmpagos ou a radiação ultravioleta do Sol), ele
adicionou uma pequena faísca elétrica. E depois deixou a experiência durante
uma semana.

Quando regressou, encontrou dentro do frasco um líquido vermelho.


Após um exame cuidadoso, percebeu que a coloração era causada por
aminoácidos, que são os constituintes básicos das proteínas no nosso corpo.
Por outras palavras, os ingredientes básicos da vida formaram-se sem
qualquer intervenção exterior.

Desde então, esta simples experiência foi repetida e modificada centenas


de vezes, proporcionando aos cientistas uma perspetiva reveladora das antigas
reações químicas que podem ter gerado a vida. É possível imaginar, por
exemplo, que os químicos tóxicos existentes em respiradouros hidrotérmicos
no fundo dos oceanos pudessem ter fornecido os elementos básicos
necessários para criar os primeiros químicos da vida e que esses respiradouros
vulcânicos podem ter então proporcionado a energia necessária para
transformar tais químicos nos aminoácidos essenciais para a vida. De facto,
algumas das células mais primitivas na Terra encontram-se perto desses
respiradouros vulcânicos subaquáticos.

Hoje, sabemos como é fácil criar os blocos de construção da vida. Já


foram encontrados aminoácidos em nuvens de gás distantes, a muitos anos-
luz de nós, ou no interior de meteoritos vindos do espaço. Aminoácidos à base
de carbono podem formar as sementes da vida por todo o Universo. E tudo isto
graças às simples propriedades aglutinantes de hidrogénio, carbono e oxigénio,
tal como prevê a equação de Schrödinger.

Assim, deveria ser possível aplicar a mecânica quântica para descobrir,


passo a passo, os processos quânticos que originaram a vida na Terra. A teoria
quântica elementar ajuda-nos a compreender por que razão a experiência de
Miller foi tão bem-sucedida, e pode indicar o caminho para descobertas mais
profundas, no futuro.
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

Primeiro, utilizando a mecânica quântica, é possível calcular a energia


85

necessária para quebrar as ligações químicas de metano, amoníaco, etc., de


modo a criar aminoácidos. As equações da mecânica quântica mostram que
uma faísca elétrica como a que Miller usou na sua experiência tem energia
suficiente para o fazer. Mais ainda, mostra-nos que, se a energia de ativação
necessária para quebrar essas ligações químicas fosse, de alguma forma,
muito maior, a vida nunca teria surgido.

Segundo, vemos que o carbono tem seis eletrões. Dois encontram-se na


orbital de primeiro nível, e os outros quatro encontram-se individualmente nos
quatro espaços das orbitais do segundo nível. Isto deixa espaço para quatro
ligações químicas. É raro encontrar um elemento com quatro ligações entre os
elementos químicos da tabela periódica. Porém, as regras da mecânica
quântica permitem que essa estrutura crie cadeias longas e complexas de
carbono, oxigénio e hidrogénio, criando assim os aminoácidos.

Terceiro, estas reações químicas ocorrem na água, H2O, que funciona


como um cadinho onde as diferentes moléculas se encontram e formam
elementos químicos mais complexos. Através da mecânica quântica,
descobrimos que a molécula da água tem a forma de um L, e podemos calcular
que os dois átomos de hidrogénio formam um ângulo de 104,5 graus
relativamente um ao outro. Isto, por sua vez, significa que a molécula de água
tem uma carga elétrica líquida distribuída de forma desigual pela molécula. E
esta carga elétrica é grande o suficiente para quebrar as ligações fracas de
outros elementos químicos, pelo que a água consegue dissolver muitos
elementos químicos.

Desta forma, vemos que a mecânica quântica pode criar as condições


para a vida. A questão seguinte, no entanto, é: poderemos ir além da
experiência de Miller e ver se a teoria quântica pode criar ADN? E, para além
disso, poderão os computadores quânticos ser aplicados ao genoma humano
para decifrar os segredos de doenças e do envelhecimento?

O Que É A Vida?
O segundo avanço derivou diretamente da mecânica quântica. Em 1944,
Erwin Schrödinger, já famoso pela sua equação de onda, escreveu uma obra
seminal, What Is Life? [O que é a Vida?]. Nela, fez a extraordinária afirmação
de que a vida em si mesma é um derivado da mecânica quântica, e que o
mapa da vida está codificado numa molécula desconhecida. Numa Era em que
muitos cientistas ainda acreditavam que uma misteriosa «força vital» animava
toda a matéria viva, ele alegou que era possível explicar a vida através de uma
aplicação da mecânica quântica. Ao examinar soluções da sua equação de
onda, conjeturou ele, a vida podia surgir da matemática pura, na forma de um
código transmitido por essa molécula misteriosa.
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

Era uma ideia chocante. Porém, dois jovens cientistas, o físico Francis
86

Crick e o biólogo James Watson, viram-na como um desafio. Se era possível


encontrar a base da vida numa molécula, então a sua missão seria encontrar
essa molécula e provar que ela transportava o código da vida.

«Desde o momento em que li What Is Life? de Schrödinger, que me senti


muito motivado pela ideia de descobrir o segredo do gene», recorda Watson. 25

Concluíram que a molécula da vida, tal como fora idealizada por


Schrödinger, devia estar escondida no material genético do núcleo da célula,
grande parte do qual é formado por um químico chamado ADN. Porém, uma
vez que as moléculas orgânicas como o ADN são tão minúsculas (ainda mais
pequenas do que o comprimento de onda da luz visível), elas são invisíveis, e
a tarefa parecia desencorajadora. Optaram por um método indireto, usando o
processo baseado na teoria quântica da cristalografia de raio X, para encontrar
essa molécula mítica.

Os raios X, ao contrário da luz visível, podem ter um comprimento de


onda tão pequeno como os átomos. Se os raios X forem então disparados
através de um cristal formado por biliões e biliões de moléculas dispostas num
padrão simétrico, a difração dos raios X forma um padrão de interferência
distinto, passível de ser fotografado. Numa análise meticulosa, um físico
experiente consegue estudar as placas fotográficas e determinar que padrão
cristalizado criou as imagens.

Ao olhar para as fotografias de raio X de ADN tiradas por Rosalind


Franklin, Crick e Watson viram um padrão que identificaram como tendo sido
criado por uma dupla hélice. Sabendo que a estrutura geral do ADN era uma
dupla hélice, como duas escadas enroladas uma na outra, eles conseguiram
montar toda a estrutura do ADN, átomo a átomo.

A mecânica quântica deu-lhes os ângulos formados pelas ligações


contendo átomos de carbono, hidrogénio e oxigénio. Assim, como crianças a
construir com peças de Lego, eles conseguiram reconstruir a estrutura atómica
completa do ADN e explicar como este conseguia fazer cópias de si próprio e
transmitir as instruções de todo o desenvolvimento biológico.

Isto, por sua vez, alterou a própria natureza da biologia e da medicina.


No século anterior, Charles Darwin conseguira esboçar a Árvore da Vida, com
todos os ramos a representar a rica diversidade de formas. Essa Árvore da
Vida enorme fora colocada em movimento por uma única molécula. E, tal como
Schrödinger imaginara, tudo isso podia ser deduzido como uma consequência
da matemática.

Quando decifraram a molécula de ADN, descobriram que ela era


composta por quatro aglomerados de átomos, chamados ácidos nucleicos.
Estes quatro ácidos nucleicos, chamados A, C, T e G, estão dispostos numa
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

sequência linear de modo a formar duas longas linhas paralelas, que se


87

entrelaçam então como uma escada para criar a molécula de ADN. (Uma
cadeia de ADN é invisível, mas se fosse desenrolada, esta única molécula
mediria cerca de 1,80m.) Quando é altura de se reproduzirem, as duas cadeias
de ADN desenrolam-se e separam-se em dois fios de ácidos nucleicos. Cada
um desses fios funciona então como um molde, apanhando outros átomos pela
ordem correta para que cada fio separado possa voltar a ser um fio duplo. E,
assim, a vida consegue reproduzir-se.

Dispúnhamos agora da arquitetura pela qual criar a molécula de ADN


usando a matemática da teoria quântica. Porém, determinar a forma básica da
molécula de ADN era, de certa forma, a parte mais fácil. A parte difícil é
decifrar os milhares de milhões de códigos escondidos no interior da molécula.

É como se tentássemos compreender a música e conseguíssemos


finalmente martelar algumas notas nas teclas de um piano. Isso, porém, não
nos transforma num Mozart. Aprender algumas notas é somente o princípio de
uma longa viagem.

Física e Biotecnologia
Uma pessoa que esteve na vanguarda deste esforço para sequenciar
todos os nossos genes foi o bioquímico galardoado com o Prémio Nobel, Walter
Gilbert. Quando o entrevistei, ele admitiu que esse campo de investigação não
fazia parte dos seus planos originais. Na verdade, começou a trabalhar em
Harvard como professor de Física, a estudar o comportamento de partículas
subatómicas criadas em potentes aceleradores. Trabalhar em biologia não
podia estar mais longe dos seus planos.

Porém, começou a mudar de ideias. Primeiro, apercebeu-se de como


seria difícil tornar-se efetivo em Harvard, com tanta concorrência. O campo da
física de partículas tinha muitos investigadores brilhantes com quem seria
forçado a competir. Por um golpe do acaso, a mulher dele trabalhava com
James Watson, que ele conhecera anteriormente, na Universidade de
Cambridge, e assim estava familiarizado com o trabalho pioneiro a ser
desenvolvido na nova área da biotecnologia, que na altura fervilhava com
ideias e descobertas. Intrigado, deu por si a dividir o seu tempo entre as
equações obscuras das partículas elementares e a meter as mãos na massa na
área da biologia.

Fez assim a jogada mais arriscada da sua carreira.

Enquanto professor de Física, deu um salto brutal, trocando a física de


partículas elementares pela biologia. Todavia o risco compensou, porque em
1980 recebeu o Prémio Nobel da Química. Entre outros feitos, foi um dos
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

primeiros a desenvolver uma técnica rápida para ler a molécula de ADN, gene
88

a gene.

Os seus antecedentes na área da física foram, na verdade, úteis.


Tradicionalmente, a maioria dos departamentos de biologia estava preenchido
com pessoas especializadas num animal ou planta. Algumas passavam a vida
toda a descobrir e a dar nomes a espécies recém-descobertas. Porém, de
súbito, começavam a ser feitos grandes avanços por físicos quânticos através
de cálculos avançados. A fluência na linguagem abstrusa da mecânica quântica
ajudou-o a fazer o avanço que alterou o nosso entendimento das bases
moleculares da vida.

Ajudou então a criar ímpeto para o Projeto do Genoma Humano. Em


1986, durante uma palestra em Cold Spring Harbor, Nova Iorque, ele fez uma
estimativa do custo desse empreendimento ambicioso e sem precedentes: três
mil milhões de dólares. «O público ficou estupefacto», recordou Robert Cook-
Deegan, autor de The Gene Wars [A Guerra dos Genes]. «As projeções de
Gilbert provocaram um tumulto.» Muitas pessoas consideraram que este era
um valor extraordinariamente baixo. Na altura em que ele fez essa previsão
surpreendente, tinham sido sequenciados apenas meia dúzia de genes. Muitos
cientistas julgavam até que o genoma humano estaria para sempre fora do
nosso alcance.

Não obstante, esse valor seria o orçamento aprovado pelo Congresso dos
Estados Unidos para o Projeto do Genoma Humano. A tecnologia estava a
avançar tão rapidamente que o projeto ficou concluído antes do previsto e
abaixo do orçamento, algo inédito em Washington. (Perguntei-lhe como
chegou a esse número. Ele sabia que havia três mil milhões de pares de bases
no nosso ADN e calculou que custaria cerca de um dólar sequenciar cada par.)

Gilbert previu até que, no futuro, «será possível ir a uma farmácia e


obter a nossa sequência de ADN num CD, que poderemos analisar depois em
casa no nosso Macintosh... poderemos tirar um CD do bolso e dizer: “Eis um
ser humano: sou eu!”»

Uma pessoa que foi profundamente influenciada por tudo isto foi Francis
Collins, o ex-diretor dos Institutos Nacionais de Saúde. É, atualmente, um dos
médicos mais influentes na medicina. Milhões de pessoas viram-no na
televisão a falar sobre os mais recentes desenvolvimentos durante a pandemia
de covid-19.

Perguntei a Collins como se interessara por biologia, apesar de ter


começado a sua especialização na área da química. Ele confessou-me que a
biologia sempre lhe parecera muito «desorganizada», com tantos nomes
arbitrários para tantos animais e plantas. Não havia lógica nenhuma, pensava
ele. Na química, via ordem, disciplina e padrões que podiam ser estudados e
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

duplicados. Assim, ensinava físico-química, usando a equação de Schrödinger


89

para explicar o funcionamento interno das moléculas.

Contudo, acabou por perceber que estava na área errada. A físico-


química estava bem estabelecida, com princípios e conceitos comprovados.

Começou então a reconsiderar a biologia. Enquanto, na biologia, os


cientistas davam estranhos nomes gregos a insetos e animais obscuros, o
campo da biotecnologia estava a rebentar de novas ideias e conceitos
inovadores. Era uma área não cartografada, território virgem para os recém-
chegados.

Consultou outros, incluindo Walter Gilbert que lhe contou como fizera a
transição da física de partículas elementares para o sequenciamento de ADN e
encorajou Collins a fazer o mesmo.

Assim, Collins deu o salto e nunca se arrependeu. Recorda:


«Compreendi, “Oh, meu Deus, é aqui que está a ter lugar a verdadeira época
dourada.” Temia ver-me a ensinar termodinâmica a uma data de alunos que
odiavam visceralmente o tema. E, na verdade, aquilo que se passava na
biologia parecia a mecânica quântica nos anos 20... Fiquei completamente
assombrado.»

Collins ganhou muito rapidamente reputação na área. Em 1989,


descobriu a mutação genética responsável pela fibrose cística. Descobriu que é
causada pela ausência de apenas três pares de bases no nosso ADN (do
ATCTTT ao ATT).

Por fim, tornou-se o principal administrador médico do país. Levou no


entanto o seu estilo pessoal para Washington. Ia trabalhar de motorizada. E
nunca teve receio de assumir as suas crenças religiosas pessoais. Até escreveu
um bestseller: A linguagem de Deus: A ciência apresenta provas para a fé.

Três Fases na Biotecnologia


Gilbert e Collins, em certo sentido, representam algumas das fases no
desenvolvimento desta área.

Fase Um: Cartografar o Genoma

Na Fase Um, Walter Gilbert e outros conseguiram completar o Projeto do


Genoma Humano, um dos mais importantes empreendimentos científicos de
todos os tempos. No entanto, o catálogo do genoma humano é como um
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

dicionário com 20.000 rubricas e nenhuma definição. Por si só, é um feito


90

monumental, mas inútil.

Fase Dois: Determinar a Função dos Genes

Na Fase Dois, Francis Collins e outros tentaram preencher as definições


desses genes. Ao sequenciarem doenças, tecidos, órgãos, etc., é possível
compilar meticulosamente a forma como os genes funcionam. É um processo
penosamente lento, mas, aos poucos, o dicionário está a compor-se.

Fase Três: Modificar e Melhorar o Genoma

Estamos agora a entrar gradualmente na Fase Três, em que podemos


usar esse dicionário para nos tornarmos nós próprios escritores. Significa isto
usar computadores quânticos para decifrar como os genes funcionam ao nível
molecular, de modo a criar novas terapias e novos instrumentos para atacar
doenças incuráveis. Assim que compreendermos como elas infligem os seus
estragos ao nível molecular, talvez possamos usar esse conhecimento com o
objetivo de idealizar novas técnicas para neutralizar ou curar essas doenças.

O Paradoxo da Vida
Na tentativa de identificar a origem da vida, vemo-nos ainda perante um
paradoxo flagrante. Como poderiam acontecimentos químicos aleatórios criar
as moléculas extraordinariamente complexas da vida e num tão curto período
de tempo?

Os geólogos acreditam que a Terra tem 4,6 mil milhões de anos. Durante
quase mil milhões de anos, a Terra esteve liquefeita e demasiado quente para
sustentar vida. Devido a repetidos impactos de meteoros e erupções
vulcânicas, os antigos oceanos provavelmente ferveram e evaporaram-se em
várias ocasiões, tornando impossível a existência de vida. Porém, há 3,8 mil
milhões de anos, a Terra já arrefecera gradualmente o suficiente para permitir
a formação de oceanos. Uma vez que se julga que o ADN teve origem há cerca
de 3,7 mil milhões de anos, isso significa que em apenas 200 milhões de anos
o ADN surgiu, do nada, incluindo os processos químicos que lhe permitem
utilizar energia e reproduzir-se.

Alguns cientistas afirmaram não acreditar que tal tenha sido possível.
Fred Hoyle, um dos grandes pioneiros da cosmologia, sustentava que, tendo
em conta a rapidez com que o ADN parecia ter surgido, não houvera pura e
simplesmente tempo suficiente para que a vida se tivesse formado na Terra,
pelo que devia ter vindo do espaço. Sabemos que há rochedos e nuvens de gás
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

no espaço profundo que contêm aminoácidos, portanto talvez as origens da


91

vida estivessem noutro lugar.

A isto chama-se teoria da panspermia e, recentemente, novas evidências


reacenderam o interesse nela. Ao examinar o conteúdo mineral e as
minúsculas bolhas de ar presas no interior de meteoritos, encontramos uma
equivalência exata com as rochas encontradas em Marte pelas nossas sondas
espaciais. Dos 60.000 meteoritos descobertos até agora, pelo menos 125
foram identificados de forma conclusiva como sendo provenientes de Marte.

Por exemplo, um meteoro chamado ALH 84001 caiu no Polo Sul há


13.000 anos. Terá sido provavelmente projetado para o espaço pelo impacto
de um meteoro há 16 milhões de anos, e depois pairou à deriva até, por fim,
aterrar na Terra. A análise microscópica do interior do meteoro mostra
evidências de estruturas semelhantes a vermes. (Ainda hoje se debate se
essas estruturas são antigas criaturas multicelulares fossilizadas ou um
fenómeno natural.) Se as rochas conseguem viajar entre Marte e a Terra, por
que não o ADN?

Acredita-se agora que pode haver dezenas de meteoros a pairar entre


Marte, Vénus, a Lua e a Terra, onde os impactos meteóricos foram
suficientemente potentes para projetar rochas para o espaço que, a dada
altura, acabaram por aterrar noutro planeta. Não podemos excluir a
possibilidade de o ADN poder ter vindo de outro lugar que não a Terra.

Contudo, existe outra explicação para este mistério.

Tal como já vimos, a teoria quântica permite a existência de vários


mecanismos que aceleram muitíssimo um processo químico. O integral de
caminho discutido anteriormente soma todos os possíveis caminhos numa
reação química, incluindo os mais improváveis. Caminhos que são
efetivamente proibidos pelas habituais regras newtonianas podem na verdade
ser possíveis pela mecânica quântica. Alguns deles poderiam levar à criação de
estruturas moleculares complexas.

Sabemos também que as enzimas aceleram os processos químicos. São


capazes de unir os elementos químicos de modo que reajam rapidamente, e
depois reduzem o limiar de energia para poderem tunelar através da barreira
energética. Isto significa que até reações químicas altamente improváveis
podem tornar-se realidade. Reações que, aparentemente, violam o princípio da
conservação de energia, podem ser permitidas ao abrigo da teoria quântica.

Assim, por outras palavras, a mecânica quântica pode ser a razão pela
qual a vida começou tão cedo no planeta Terra. Com a chegada dos
computadores quânticos, espera-se que possam vir a ser colmatadas muitas
das lacunas por preencher no nosso entendimento da vida.
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

Química Computacional e Biologia Quântica


92

Os rápidos avanços nos computadores quânticos estão a dar origem a


novas ciências, chamadas química computacional e biologia quântica.
Finalmente, os computadores quânticos estão a possibilitar a criação de
modelos de moléculas realistas, oferecendo aos cientistas a capacidade de ver,
átomo a átomo, nanossegundo a nanossegundo, como decorrem as reações
químicas.

Por exemplo, imagine usar um livro de culinária para criar uma refeição.
É conveniente seguir simplesmente as instruções, passo a passo, mas não
fazemos ideia de como os sabores e ingredientes interagem para criar uma
refeição deliciosa. Se nos afastarmos da receita, passa a ser uma questão de
experimentação e erro, e de palpites. É moroso e conduz a demasiados becos
sem saída. No entanto, é basicamente assim que se faz química hoje em dia.

Agora imagine que podia analisar todos os ingredientes ao nível


molecular. Em princípio, seria possível criar receitas novas e deliciosas a partir
dos primeiros princípios, sabendo como as moléculas interagem entre si. É
esta a esperança que nos trazem os computadores quânticos, poder
compreender a interação de genes, proteínas e químicos ao nível molecular.

A investigadora Jeannette M. Garcia da IBM diz: «À medida que as


moléculas se tornam maiores, escapam muito rapidamente ao reino daquilo
que é possível simular com computadores clássicos.» 26

Garcia escreveu também que «prever com uma precisão total o


comportamento até mesmo de moléculas simples está para além das
capacidades dos computadores mais potentes. É aqui que a computação
quântica oferece a possibilidade de fazermos avanços significativos nos
próximos anos». Ela observa ainda que os computadores digitais só podem
calcular de forma fiável o comportamento de apenas um ou dois eletrões. Para
além disso, o cálculo ultrapassa as capacidades de qualquer computador
clássico, a menos que se façam aproximações drásticas. 27

Acrescenta ela ainda: «Os computadores quânticos encontram-se agora


no ponto em que podem começar a modelar a energia e as propriedades de
pequenas moléculas, como o hidreto de lítio — oferecendo a possibilidade de
modelos que fornecerão caminhos mais claros para as descobertas do que
aqueles de que dispomos hoje.»

Linghua Zhu, da Virginia Tech, diz: «Os átomos são quânticos, o


computador é quântico, estamos a usar o quantum para simular o quantum.
Quando usamos métodos clássicos, recorremos sempre a aproximações, mas
com um computador quântico é possível saber exatamente como cada átomo
está a interagir com os outros.» 28
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

Por exemplo, imaginemos um artista a tentar fazer uma cópia da Mona


93

Lisa. Se dermos ao artista apenas palitos, a imagem resultante será uma


figura básica e rudimentar. As linhas retas não bastam para capturar a
complexidade da forma humana. Porém, se lhe dermos uma caneta de ponta
fina com várias cores, é possível criar um manancial de formas curvas capazes
de formar uma cópia razoável do famoso quadro. Por outras palavras, são
necessárias linhas curvas para simular linhas curvas. Da mesma forma, apenas
um computador quântico pode capturar a complexidade de sistemas quânticos,
como os elementos químicos e os blocos de construção da vida.

Para ver como isto funciona, regressemos à equação de onda de


Schrödinger, mencionada no Capítulo Três. Se bem se lembram, introduzimos
uma quantidade chamada H (o hamiltoniano) que representa a energia total do
sistema objeto de estudo. Isso significa que, para moléculas grandes, essa
quantidade consiste na soma de um grande número de termos, como:

• A energia cinética de cada eletrão e núcleos

• A energia eletrostática de cada partícula

• A interação entre todas as várias partículas

• Os efeitos da rotação

Se estivermos a estudar o sistema mais simples possível — o átomo de


hidrogénio, com apenas um eletrão e um protão — então isto pode ser
resolvido com exatidão em qualquer cadeira do primeiro ano do curso de
Física. A derivação requer pouco mais do que cálculos que se aprendem no
terceiro ano. Ainda assim, para um sistema tão simples, obtemos uma
autêntica mina de resultados, por exemplo, todo o conjunto de níveis de
energia do átomo de hidrogénio.

Porém, mesmo que tenhamos apenas dois eletrões, representando o


átomo de hélio, as coisas complicam-se muito depressa, uma vez que temos
agora interações complexas entre os dois eletrões. Para três eletrões ou mais,
a questão depressa dispara e escapa ao controlo dos computadores digitais.
Assim, é preciso fazer um grande número de aproximações para obter
resultados razoavelmente precisos. Os computadores quânticos podem ser
benéficos para isto.

Como exemplo, em 2020, anunciou-se que o computador da Google,


Sycamore, estabelecera um novo recorde; era agora capaz de simular com
exatidão uma cadeia de 12 átomos de hidrogénio utilizando 12 qubits.

«Estamos bastante empolgados com esse resultado, porque é mais do


dobro do número de qubits e do número de eletrões em qualquer simulação
Supremacia Quântica 2ª Parte A Origem da Vida

química quântica anterior, e com o mesmo nível de precisão», diz Ryan


94

Babbush, que fez parte da equipa que estabeleceu o novo recorde.29

O computador quântico conseguiu também modelar uma reação química


envolvendo hidrogénio e nitrogénio, mesmo que a localização de um dos
átomos de hidrogénio fosse alterada. Babbush acrescenta: «Mostra que, na
verdade, este aparelho é um computador digital quântico completamente
programável que pode ser usado para qualquer tarefa que se pretenda.»

Garcia conclui: «Os computadores de construção clássica não podem,


pura e simplesmente, lidar com o nível de complexidade de substâncias tão
vulgares como a cafeína.» Para ela, o futuro é quântico.

Porém, estes progressos iniciais apenas abriram o apetite dos cientistas


quânticos. Estes estão mais do que prontos para atacar projetos cada vez mais
ambiciosos, como a fotossíntese, que é a base da vida na Terra. O segredo de
como usar a luz do Sol para criar a abundância de frutos e vegetais que vemos
à nossa volta pode um dia vir a ser desvendado pelos computadores quânticos.
Assim, o alvo seguinte pode ser a fotossíntese, um dos processos quânticos
mais importantes do planeta.

25 Walter Moore, Schrödinger: Life and Thought (Cambridge University Press, 1989), 403.
26 Leah Crane, «Google Has Performed the Biggest Quantum Chemistry Simulation Ever», New Scientist, 12 de dezembro de 2019;
https://www.newscientist.com/article/2227244-google-has-performed-the-biggest-quantum-chemistry-simulation-ever/.
27 Jeannette M. Garcia, «How Quantum Computing Could Remake Chemistry», Scientific American, 15 de março de 2021;
https://www.scientificamerican.com/article/how-quantum-computing-could-remake-chemistry/.
28 Crane.
29 Ibid.
CAPÍTULO 7
– UM MUNDO MAIS VERDE –

Quando me embrenho por uma floresta densa num dia luminoso de


primavera, não consigo deixar de me sentir deslumbrado pela vegetação
exuberante e viçosa que me rodeia, e pela explosão de flores delicadas por
todo o lado. Para onde quer que olhe, vejo esse arco-íris de cores vivas. Vejo a
vida a despontar em todas as direções, com as plantas a absorverem
avidamente a luz solar e, de alguma forma, a converterem essa energia em
tamanha abundância.

No entanto, fascina-me também saber que estou a assistir a um drama


que se desenrola há mais de três mil milhões de anos, um processo que,
literalmente, torna possível a existência de vida complexa na Terra. Aquilo que
impulsiona a vida neste planeta é a fotossíntese, o processo enganadoramente
simples pelo qual as plantas convertem dióxido de carbono, luz solar e água,
em açúcar e oxigénio. É assombroso constatar que a fotossíntese cria 15.000
toneladas de biomassa por segundo, sendo responsável por cobrir a Terra de
vegetação verde.

A vida seria inimaginável sem a fotossíntese e, contudo, de forma


extraordinária e apesar de todos os nossos avanços na ciência, os biólogos
ainda não têm a certeza de como ocorre precisamente este processo vital.
Alguns biólogos acreditam que, como a captura de um fotão de energia pela
fotossíntese é quase 100 por cento eficaz, deve ser mecânico-quântico.
(Todavia, se calcularmos a eficácia geral de transformar luz no produto final —
combustível e biomassa —, que requer uma série de passos complexos e
reações químicas intrincadas, então a eficácia final cai para 1 por cento.) Se,
um dia, os computadores quânticos conseguissem resolver o segredo da
fotossíntese, seria possível fabricar células fotovoltaicas com uma eficácia
próxima da perfeição, tornando realidade a Era Solar. Poderíamos também
aumentar a produção das colheitas para alimentar um planeta esfomeado.
Talvez fosse possível modificar a fotossíntese para que as plantas medrassem
mesmo em ambientes agrestes. Ou, se um dia iniciarmos a colonização de
Marte, poderíamos modificar a fotossíntese de modo que a vegetação vicejasse
no planeta vermelho.

Uma via de investigação extraordinária, a chamada fotossíntese artificial,


pode um dia vir a dar-nos uma «folha artificial», uma forma mais versátil de
fotossíntese capaz de tornar as plantas, em geral, mais eficientes. Por vezes
esquecemo-nos de que a fotossíntese é o produto final de milhares de milhões
de anos de processos totalmente aleatórios e caóticos, e que foi apenas por
mero acaso que desenvolveu as suas propriedades notáveis. Assim, quando os
computadores quânticos desvendarem o mistério da fotossíntese ao nível
quântico, talvez seja possível melhorar e modificar a forma como as plantas
Supremacia Quântica 2ª Parte Um Mundo Mais Verde

crescem. Milhares de milhões de anos de evolução vegetal podem ser


96

comprimidos em alguns meses, num computador quântico.

Por exemplo, Graham Fleming do Instituto Kavli de Energia e


Nanociência em Berkeley diz: «Quero realmente saber como é que a natureza
trabalha nos primeiros passos da fotossíntese. Então poderemos usar esse
conhecimento para criar sistemas artificiais com todas as características
positivas dos sistemas naturais e sem o fardo de terem de produzir sementes,
sustentar a vida, ou defender-se contra insetos que querem comê-los.» 30

Ao longo da história, as plantas sempre foram um mistério. Pareciam


florescer por si só e precisavam apenas de um pouco de água de vez em
quando. Desde tempos antigos que se acreditava que as plantas, para crescer,
comiam de alguma forma o solo. Só em meados do século XVII é que esta
ideia se modificou. Jan van Helmont, um cientista belga, mediu o peso de uma
planta com o respetivo solo. Para sua surpresa, descobriu que o peso do solo
não se alterava ao longo do tempo. Concluiu assim que as plantas cresciam
por causa da água.

Então, o químico Joseph Priestley conduziu experiências mais


pormenorizadas, incluindo uma em que colocava uma planta num frasco de
vidro, com uma vela acesa. Descobriu que a vela se extinguia rapidamente se
estivesse sozinha, mas continuava a arder na presença da planta, uma vez que
a planta consumia o dióxido de carbono no ar e fornecia oxigénio à vela.

Em inícios do século XIX, os biólogos começavam a encaixar as peças e a


compreender que as plantas precisavam de luz solar, água e dióxido de
carbono, e que produziam oxigénio nesse processo.

A fotossíntese é tão vital para a Terra que reformulou literalmente a


atmosfera do planeta. Nos primórdios, quando a Terra se formou, a sua
atmosfera era composta predominantemente por dióxido de carbono,
proveniente da desgaseificação de antigos vulcões. Vemos o mesmo nas
atmosferas de Marte e Vénus, que são formadas por dióxido de carbono quase
puro devido aos seus vulcões.

Porém, quando a fotossíntese surgiu na Terra, converteu o dióxido de


carbono no oxigénio que respiramos hoje. Assim, a cada respiração, sou
recordado desta transição monumental que teve lugar há milhares de milhões
de anos.

Nos anos 50, os cientistas completaram aquilo que ficou conhecido como
ciclo de Calvin, os complexos processos químicos através dos quais o dióxido
de carbono e a água se transformam em hidratos de carbono. Com recurso a
várias técnicas, incluindo a análise com carbono-14, eles conseguiram seguir o
movimento de certas substâncias químicas específicas à medida que viajavam
pela planta.
Supremacia Quântica 2ª Parte Um Mundo Mais Verde

Desta forma, os biólogos conseguiram ir compreendendo lentamente a


97

história da vida das plantas. Todavia, um passo sempre lhes escapou. Como é
que as plantas capturam a energia de fotões de luz? O que dá início a esta
longa cadeia de acontecimentos, que começa com a captura da energia da luz
solar? Até hoje, é um mistério. Porém, os computadores quânticos podem
ajudar a desvendá-lo.

A Mecânica Quântica da Fotossíntese


Muitos cientistas acreditam que a fotossíntese é um processo quântico.
Começa quando os fotões, pacotes discretos de luz, atingem uma folha que
contém clorofila. Essa molécula especial absorve a luz vermelha e azul, mas
não a verde, que é difundida de novo para o meio ambiente. Assim, a cor
verde das plantas deve-se ao facto de o verde não ser absorvido. (Se a
natureza tivesse criado plantas que absorvessem toda a luz possível, as
plantas seriam pretas e não verdes.)

Quando a luz atinge uma folha, seria de esperar que se difundisse em


todas as direções e se perdesse para sempre. Porém, é aqui que acontece a
magia quântica. O fotão de luz afeta a clorofila, o que cria vibrações de energia
na folha, chamadas excitões, que de alguma maneira se deslocam sobre a
superfície da folha. Por fim, estas excitações entram naquilo a que se chama o
centro de reação na superfície da folha, onde a energia do excitão é usada
para converter o dióxido de carbono em oxigénio.

De acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, quando a energia se


converte, de uma forma para outra, muita dessa energia perde-se no
ambiente. Assim, seria de esperar que boa parte da energia do fotão se
dissipasse ao atingir a molécula de clorofila e, assim, se perdesse durante este
processo, como calor de escape.

Ao invés, miraculosamente, a energia do excitão é transportada para o


centro de reação sem que haja praticamente nenhuma perda de energia. Por
razões que ainda não compreendemos, este processo tem uma eficácia de
quase 100 por cento.

Este fenómeno, mediante o qual os fotões criam excitões que se


acumulam nos centros de reação, é como se, num torneio de golfe, cada
golfista atirasse uma bola aleatoriamente, em todas as direções. Depois, como
que por magia, todas estas bolas mudariam de direção, de alguma forma, e
acertariam à primeira no buraco, de todas as vezes. Não devia estar a
acontecer, mas é algo que conseguimos de facto medir em laboratório.

Uma teoria diz que são os integrais de caminho que tornam possível esta
viagem do excitão, uma ideia que, como vimos atrás, foi introduzida por
Supremacia Quântica 2ª Parte Um Mundo Mais Verde

Richard Feynman. Se bem se lembram, Feynman reescreveu as leis da teoria


98

quântica em termos de caminhos. Quando um eletrão se move de um ponto a


outro, «fareja» de alguma forma todos os caminhos possíveis entre esses dois
pontos. Depois calcula uma probabilidade para cada trajeto. Assim, o eletrão
está de certa forma «consciente» de todos os caminhos possíveis que unem
esses dois pontos. Significa portanto que o eletrão «escolhe» o caminho de
maior eficiência.

Existe aqui ainda um segundo mistério. O processo da fotossíntese


decorre à temperatura ambiente, onde os movimentos aleatórios de átomos no
ambiente deviam destruir qualquer coerência entre os excitões. Normalmente,
os computadores quânticos têm de ser arrefecidos até perto do zero absoluto
para minimizar estes movimentos caóticos, e no entanto as plantas funcionam
perfeitamente à temperatura ambiente. Como é possível?

Fotossíntese Artificial
Uma forma de provar ou refutar experimentalmente a existência de
efeitos quânticos é procurar indicações de coerência, o sinal revelador de
efeitos quânticos que se verifica quando os átomos vibram em uníssono.
Normalmente esperar-se-ia encontrar uma confusão de vibrações individuais,
sem som nem tom, mas se detetássemos algumas vibrações em fase com
outras, isto assinalaria de imediato a presença de efeitos quânticos,

Em 2007, Graham Fleming declarou ter visto este fenómeno esquivo.


Pôde anunciar a descoberta de coerência na fotossíntese porque estava a usar
um espetroscópio multidimensional especial, ultrarrápido, capaz de gerar
pulsos de luz com a duração de um femtossegundo (um milésimo de um
bilionésimo de segundo). Precisou destes lasers excecionalmente rápidos para
detetar raios de luz coerentes antes que as colisões aleatórias com o ambiente
destruíssem a coerência. Do ponto de vista do laser, os átomos do ambiente
estavam quase congelados no tempo e, portanto, podiam em grande medida
ser ignorados. Conseguiu assim demonstrar que é possível as ondas de luz
existirem simultaneamente em dois ou mais estados quânticos. Isso significa
que a luz poderia explorar múltiplos caminhos ao mesmo tempo até ao centro
de reação. Assim, explicar-se-ia como os excitões encontram o centro de
reação quase 100 por cento das vezes.

K. Birgitta Whaley, colega de Fleming em Berkeley, acrescenta: «O


excitão “escolhe” efetivamente o trajeto mais eficaz... de um menu quântico
de caminhos possíveis. Isto requer que todos os estados possíveis da partícula
viajante sejam sobrepostos num estado quântico singular e coerente por
décimos de femtossegundos.» 31
Supremacia Quântica 2ª Parte Um Mundo Mais Verde

Pode explicar também como a fotossíntese tem lugar à temperatura


99

ambiente, sem todos os canos e tubagens que se encontram num laboratório


de física.

Os computadores quânticos são perfeitamente talhados para efetuar


esses cálculos quânticos. Se esta abordagem com os integrais de caminho for
válida, significa então que podemos alterar a dinâmica da fotossíntese para
resolver uma variedade de problemas. Em lugar de efetuar milhares de
experiências com plantas, o que demora uma quantidade desmesurada de
tempo, essas experiências poderiam ser feitas de forma virtual.

Por exemplo, talvez fosse possível cultivar colheitas mais eficientes, ou


produzir mais frutas e legumes, aumentando assim o rendimento dos
agricultores.

Além disso, a alimentação humana depende crucialmente de meia dúzia


de cereais, como o arroz e o trigo, pelo que uma praga súbita que ataque os
nossos cereais poderia afetar toda a cadeia alimentar. Estaríamos impotentes
se a produção de apenas um dos nossos alimentos de base fosse subitamente
interrompida.

O novo foco dos cientistas na criação de uma «folha artificial» com


fotossíntese artificial ajudar-nos-ia a estar menos dependentes deste
importante processo natural.

Folha Artificial
Quando discutimos os maiores problemas do mundo, o CO2 é, regra
geral, descrito como um dos vilões da história. O CO2 captura a energia do Sol
e faz com que a Terra aqueça. E se conseguíssemos reciclar este gás de estufa
de modo a torná-lo inofensivo? Talvez então pudéssemos criar produtos
químicos com valor comercial a partir do CO2 reciclado. Os cientistas propõem
que a luz do Sol possa fazer exatamente isso. Esta nova tecnologia retiraria o
CO2 do ar, combinando-o então com luz solar e com água para criar
combustível e outros produtos químicos valiosos, de certo modo como faria a
folha de uma planta, mas de forma artificial. Queimar esse combustível criaria
mais CO2, que se recombinaria então com luz solar e água para criar mais
combustível, num processo contínuo de reciclagem, sem ganho líquido de CO2.
Desta forma, o CO2, que tem sido apresentado como o vilão, torna-se um
recurso útil.

Para que esta reciclagem funcionasse, passaria por dois passos.

Primeiro, a luz solar seria usada para decompor a água em hidrogénio e


oxigénio. O hidrogénio produzido podia então ser utilizado em células de
Supremacia Quântica 2ª Parte Um Mundo Mais Verde

combustível para alimentar veículos movidos a hidrogénio limpo. Um dos


100

problemas dos carros elétricos é que usam baterias que, por sua vez, vão
buscar a energia essencialmente a centrais que funcionam a carvão e petróleo.
Embora a bateria elétrica consuma energia limpa, a eletricidade,
originalmente, vem de indústrias poluidoras. Assim, existe atualmente um
preço oculto na utilização de baterias elétricas. As células de combustível, por
outro lado, queimam hidrogénio e oxigénio, o que produz água como resíduo.
Assim, as células de combustível queimam de forma limpa, sem recorrer a
combustíveis fósseis. Contudo, a infraestrutura industrial baseada nas células
de combustível está muito menos desenvolvida, em comparação com a bateria
elétrica.

Segundo, o hidrogénio produzido pela decomposição da água pode ser


combinado com CO2 para produzir combustível e hidrocarbonetos valiosos.
Este combustível pode, por sua vez, ser queimado, voltando a produzir CO2,
sendo este de novo recombinado com hidrogénio e, portanto, reciclado. Criar-
se-ia assim um novo ciclo no qual o CO2 poderia ser continuamente reutilizado
sem que se acumulasse na atmosfera, estabilizando a quantidade existente
deste gás de estufa e fornecendo, ao mesmo tempo, energia.

«O nosso objetivo é fechar o ciclo do combustível de carbono», diz Harry


Atwater, diretor do Centro Conjunto de Fotossíntese Artificial JCAP), um ramo
do Departamento de Energia que financia a fotossíntese artificial. «É um
conceito audaz.» 32

Se for bem-sucedido, provocaria uma alteração de paradigma na batalha


contra o aquecimento global. O CO2 passaria a ser visto apenas como uma
engrenagem numa máquina mais vasta que mantém a sociedade em
movimento. Os computadores quânticos podem vir a desempenhar um papel
decisivo no advento da reciclagem de carbono. Na revista Forbes, o
investigador quântico Ali El Kaafarani diz que «os computadores quânticos
podem conseguir acelerar a descoberta de novos catalisadores de CO2 capazes
de garantir uma reciclagem eficiente do dióxido de carbono, produzindo ao
mesmo tempo gases úteis como o hidrogénio e o monóxido de carbono». 33

Embora possa parecer um sonho, o primeiro passo nesse sentido foi


dado em 1972, quando Akira Fujishima e Kenichi Honda demonstraram que a
luz podia ser usada para dividir a água em hidrogénio e oxigénio, usando um
elétrodo feito de dióxido de titânio e outro feito de platina. Embora tivesse
uma eficiência de apenas 0,1 por cento, esta prova de princípio mostrou que
era possível criar uma folha artificial.

Desde então, os químicos tentaram modificar essa experiência para


reduzir os custos, uma vez que a platina é muito cara. No JCAP, por exemplo,
os químicos conseguiram usar a luz para dividir a água com uma eficiência de
10 por cento, utilizando um elétrodo feito de um semicondutor e catalisadores
feitos de níquel.
Supremacia Quântica 2ª Parte Um Mundo Mais Verde

A parte mais difícil é, agora, completar o passo final e encontrar uma


101

forma barata de combinar hidrogénio com CO2 para criar combustível. Isso é
difícil porque o CO2 é uma molécula extraordinariamente estável. Daniel
Nocera, um químico de Harvard, pensa ter encontrado uma forma viável de
alcançar esse objetivo. Usa uma bactéria, Ralstonia entropha, que consegue
combinar hidrogénio com CO2 para criar combustível e biomassa com uma
eficiência de 11 por cento. Nocera diz: «Fizemos uma fotossíntese artificial que
é dez a cem vezes melhor do que a natureza... Já não é, necessariamente, um
problema de química. Nem sequer é um problema de tecnologia.» Para ele, o
principal problema está resolvido. É agora apenas uma questão económica, ou
seja, se a indústria e o governo apoiarão a reciclagem de CO2, tendo em conta
os custos. 34

Pamela Silver, de Harvard, que trabalha neste projeto, diz que usar
micróbios para completar o ciclo do carbono pode parecer estranho ao
princípio, mas os micróbios são já usados, à escala industrial, para fermentar o
açúcar na indústria vinícola.

Entretanto, Peidong Yang, químico na Universidade da Califórnia em


Berkeley, usa também bactérias modificadas por bioengenharia, mas de modo
diferente. Ele usa a luz para dividir a água em hidrogénio e oxigénio através de
minúsculos nanofios semicondutores, e depois cultiva bactérias nesses
nanofios, que utilizam então o hidrogénio para criar vários produtos químicos
úteis como butanol e gás natural.

Os computadores quânticos podem levar essa tecnologia ao nível


seguinte. Até agora, grande parte dos progressos na área têm sido alcançados
através de experimentação e erro, o que exige centenas de experiências com
produtos químicos exóticos. Por exemplo, o processo de usar hidrogénio para
fixar o CO2 em combustível é um processo molecular complexo, que requer a
transferência de muitos eletrões e a quebra de muitas ligações. Os
computadores quânticos poderão replicar esses processos químicos numa
simulação e permitir aos cientistas criar novos caminhos quânticos
alternativos. Por exemplo, o CO2 é o produto final de uma série de reações de
oxidação. Os computadores quânticos poderão talvez modelar formas de
quebrar as ligações do CO2 de modo a efetuarem a recombinação com o
hidrogénio para criar combustível.

Se os computadores quânticos possibilitarem esse passo final na criação


da fotossíntese artificial e da folha artificial, tal pode abrir as portas a
indústrias totalmente novas, capazes de fornecer formas inovadoras de células
solares eficientes, formas de colheitas alternativas e novas formas de
fotossíntese. Nesse processo, talvez seja possível usar os computadores
quânticos para encontrar maneiras de reciclar o CO2, o que representaria um
importante progresso no esforço para combater as alterações climáticas.
Supremacia Quântica 2ª Parte Um Mundo Mais Verde

Assim, os computadores quânticos podem vir a desempenhar um papel


102

crucial no domínio do poder da fotossíntese, que converte a energia da luz


solar em comida e nutrientes. Porém, para que seja possível criar uma
abundância de comida, o passo seguinte é ter fertilizante para alimentar as
colheitas e as ajudar a medrar. Uma vez mais, os computadores quânticos
poderão ter o papel decisivo na conclusão deste último passo, crucial para
alimentar o planeta.

Ironicamente, o homem que esteve na vanguarda deste derradeiro


passo, possibilitando alimentar milhares de milhões de pessoas e o advento da
civilização moderna, é por vezes descrito não como um dos maiores cientistas
de todos os tempos, mas como um criminoso de guerra.

30 Alan S. Brown, «Unraveling the Quantum Mysteries of Photosynthesis», Fundação Kavli, 15 de dezembro de 2020; www.
kavlifoundation.org/news/unraveling-the-quantum-mysteries-of-photosynthesis.
31 Peter Byrne, «In Pursuit of Quantum Biology with Birgitta Whaley», Quanta Magazine, 30 de julho de 2013;
https://www.quantamagazine.org/in-pursuit-of-quantum-biology-with-birgitta-whaley-20130730/.
32 Katherine Bourzac, «Will the Artificial Leaf Sprout to Combat Climate Change?», Chemical & Engineering News, 21 de novembro
de 2016; https://cen.acs.org/articles/94/i46/artificial-leaf-sprout-combat-climate.html.
33 Ali El Kaafarani, «Four Ways Quantum Computing Could Change the World», Forbes, 30 de julho de 2021;
http://www.forbes.com/sites/forbestechcouncil/2021/07/30/four-ways-quantum-computing-could-change-the-
world/?sh=398352d14602.
34 Katharine Sanderson, «Artificial Leaves: Bionic Photosynthesis as Good as the Real Thing», New Scientist, 2 de março de 2022;
http://www.newscientist.com/article/mg25333762-600-artificial-leaves-bionic-photosynthesis-as-good-as-the-real-thing/.
CAPÍTULO 8
– ALIMENTAR O PLANETA –

Na história moderna, houve um homem responsável por salvar mais


vidas do que qualquer outra pessoa à face da Terra, e contudo o seu nome é
basicamente desconhecido do grande público. Calcula-se, de forma bastante
credível, que cerca de metade da humanidade está hoje viva graças às
descobertas desse homem, e no entanto não existem biógrafos nem
documentários a louvá-lo. Fritz Haber, um químico alemão, tocou nas vidas de
todos os seres humanos no planeta. Haber foi o homem que descobriu como
produzir fertilizantes artificiais. Cinquenta por cento de toda a comida que
ingerimos está diretamente relacionada com a sua investigação pioneira, e
contudo as contribuições por ele feitas raramente são celebradas pelos
historiadores.

Haber lançou a Revolução Verde, desvendando os segredos da natureza


e fabricando quantidades quase ilimitadas de fertilizantes que ajudam a
alimentar o planeta hoje. Alterou a história do mundo quando descobriu o
processo químico crucial pelo qual é possível extrair nitrogénio do ar para criar
fertilizantes. Onde, até então, os camponeses tinham de trabalhar arduamente
em solos áridos para mal conseguirem sobreviver, hoje em dia temos
quilómetros de campos de colheitas verdejantes, até onde a vista alcança. Em
vez de nações esfaimadas, com campos secos e sem vida, temos quintas
viçosas que produzem uma abundância tremenda.

Não obstante, o seu papel na história ficou maculado pelo facto de a sua
descoberta extraordinária poder ser usada também para criar armas químicas
devastadoras, incluindo explosivos potentes e gás venenoso. Embora milhares
de milhões de pessoas neste planeta devam a sua existência a este homem, o
seu trabalho matou também milhares, que pereceram devido à destruição que
as suas descobertas causaram no campo de batalha.

Mais ainda, temos de viver com o facto de o processo Haber-Bosch,


como ficou conhecida a técnica que ele desenvolveu, consumir tanta energia
que coloca uma pressão enorme sobre o abastecimento energético,
exacerbando a poluição e até as alterações climáticas.

O problema, contudo, é que em cem anos ninguém conseguiu melhorar o


processo Haber-Bosch, por ser tão complicado ao nível molecular. A esperança
é, portanto, que os computadores quânticos nos deem alternativas melhores,
ou modificações ao Haber-Bosch, para que possamos alimentar o planeta sem
consumir tanta energia e sem criar problemas ambientais.

Porém, para apreciar devidamente o trabalho pioneiro de Haber e a


importância de as suas descobertas virem a ser melhoradas pelos
Supremacia Quântica 2ª Parte Alimentar o Planeta

computadores quânticos, é necessário compreender a enorme contribuição que


104

ele fez para escaparmos ao destino sombrio em tempos previsto por Malthus.

Excesso Populacional e Fome


Em 1798, Thomas Robert Malthus previu que, um dia, a população da
raça humana excederia a comida disponível, o que resultaria em fome
generalizada e mortes em massa. Para ele, todos os animais estavam
envolvidos numa eterna luta de vida ou morte e, sempre que os seus números
ultrapassassem a capacidade do habitat, muitos morreriam de fome. Os
humanos não são diferentes. Também nós estamos limitados por esta lei
inflexível, de que a humanidade só pode prosperar enquanto houver comida
suficiente para a alimentar. Porém, uma vez que as populações têm crescido
de forma exponencial, enquanto o abastecimento de comida avança apenas
lentamente, é possível que, a dada altura, a população ultrapasse o
abastecimento alimentar disponível. Isso significa a possibilidade de haver
motins, fome generalizada e guerras brutais, com as nações a lutarem pelos
recursos existentes.

No século XIX tornou-se cada vez mais evidente que esta temida profecia
podia vir a tornar-se realidade. Embora a população humana se tivesse
mantido relativamente estável (cerca de um milhão de pessoas), durante
milhares de anos, na altura vivia-se uma explosão populacional de proporções
inauditas. A chegada da Revolução Industrial e da Era da Máquina tornou
possível uma expansão rápida da população.

(Vi uma ilustração gráfica disto quando andava na escola primária. Numa
experiência, pegámos numa placa de Petri cheia de nutrientes e colocámos
algumas bactérias no meio da placa. Em poucos dias, vimos que as bactérias
se tinham multiplicado exponencialmente e criado uma grande colónia circular
de células, mas depois o crescimento cessou subitamente. Por que teriam as
bactérias parado de crescer? perguntei-me. Comecei então a entender que a
colónia de bactérias crescera rapidamente ao consumir todos os nutrientes, e
depois morrera em consequência de ter esgotado as reservas alimentares.
Assim, esta luta de vida ou morte por alimento e crescimento, era uma luta
malthusiana numa placa de Petri.)

Hoje em dia, o abastecimento mundial de comida depende fortemente


dos fertilizantes. O ingrediente essencial do fertilizante é o nitrogénio, que se
encontra nas nossas proteínas e moléculas de ADN. O nitrogénio,
ironicamente, é o elemento químico mais abundante no ar que respiramos,
formando quase 80 por cento deste. Por alguma razão misteriosa, bactérias
simples, que crescem nas raízes das leguminosas (p. ex., de amendoins e
feijões) conseguem extrair nitrogénio do ar e «fixá-lo» com moléculas de
carbono, oxigénio e hidrogénio para criar amoníaco, o ingrediente essencial
para o fabrico de fertilizante.
Supremacia Quântica 2ª Parte Alimentar o Planeta

Essas bactérias, de alguma forma, dominaram um processo químico


105

desconcertante. Embora bactérias comuns consigam sem qualquer esforço


extrair nitrogénio do ar para criar fertilizantes essenciais à vida, os químicos
ainda não foram capazes de duplicar a Mãe Natureza de forma tão eficiente.

A razão é que o nitrogénio que respiramos no ar é, na verdade, N2, ou


seja, dois átomos de nitrogénio unidos de maneira extremamente resistente,
com três ligações químicas covalentes. Essas ligações são tão fortes que não
podem ser quebradas por processos químicos normais. Assim, os químicos
veem-se limitados por este dilema obstinado. O ar que respiramos está cheio
de nitrogénio vital, que, em princípio, torna possível o fabrico de fertilizante,
mas que se encontra na forma errada e, portanto, é inútil.

É como a história do homem a morrer de sede num oceano de água


salgada, rodeado de água, mas sem uma gota para beber.

É fácil ver o problema se olharmos para o átomo de Schrödinger. O


nitrogénio tem sete eletrões, que podem preencher os dois espaços disponíveis
nas orbitais 1S do primeiro nível de energia, e cinco eletrões no segundo nível.
Para preencher todas as orbitais dos primeiros dois níveis, são precisos dez
eletrões. (Se bem se lembra, os eletrões orbitam em pares e o primeiro piso
do hotel tem um quarto que leva dois eletrões, e o segundo piso tem quatro
quartos, cada um para dois eletrões.) Isto significa que, no segundo nível, há
dois eletrões na orbital 2S, e os restantes três encontram-se, individualmente,
nas orbitais Px, Py e Pz. Há, portanto, três eletrões desemparelhados. Quando
combinados com um segundo átomo de nitrogénio, isto dá-nos três eletrões
partilhados entre dois átomos, atingindo os dez eletrões necessários para
preencher as primeiras duas orbitais e, mais importante ainda, dando-nos uma
tripla ligação, que é extremamente forte.

Ciência para a Guerra e para a Paz


É aqui que entra em cena o trabalho de Fritz Haber. Já em criança ele
tinha um fascínio pela química, fazendo muitas vezes experiências de moto
próprio. O pai era um mercador próspero que importava tintas e pigmentos e
Fritz costumava ajudar o pai na fábrica de químicos. Pertencia a uma geração
de judeus europeus bem-sucedidos nos negócios e na ciência, mas acabaria
por se converter ao cristianismo. Porém, acima de tudo, era um nacionalista,
fortemente empenhado em ajudar a Alemanha com os seus conhecimentos de
química.

Concentrou-se numa série de mistérios da química, incluindo como


explorar o nitrogénio existente no ar e transformá-lo em produtos úteis, quer
fertilizantes, quer explosivos. Viu que a única forma de dividir os dois átomos
de hidrogénio era mediante a aplicação de uma pressão e temperatura
enormes. Formulou a teoria de que, pela força bruta, era possível quebrar as
Supremacia Quântica 2ª Parte Alimentar o Planeta

ligações do nitrogénio. E fez história quando encontrou a combinação mágica


106

certa no laboratório. Se aquecesse o nitrogénio gasoso que se encontrava no


ar até 300ºC e o comprimisse com a pressão de 200 a 300 vezes a pressão
atmosférica, então conseguia finalmente quebrar a molécula de nitrogénio e
recombiná-la com hidrogénio para formar amoníaco, que é NH3. Pela primeira
vez na história, foi possível usar a química para alimentar uma população
mundial em crescimento.

Receberia o Prémio Nobel em 1918 por este trabalho pioneiro. Hoje em


dia, cerca de metade das moléculas de nitrogénio no nosso corpo são uma
consequência direta da descoberta de Haber, pelo que o legado duradouro por
ele deixado ficou gravado nos nossos átomos. A população mundial ultrapassa
atualmente os oito mil milhões de pessoas, e nunca conseguiríamos alimentar
esta população sem o trabalho dele.

Porém, o processo em si devora tanta energia, necessária para


comprimir o nitrogénio sob tamanha pressão e o aquecer a temperaturas tão
elevadas, que consome 2 por cento da produção energética mundial.

Não era só em fertilizantes que Haber estava a pensar. Sendo um


nacionalista alemão, foi apoiante entusiástico do exército alemão durante a
Primeira Guerra Mundial, e a energia armazenada na molécula de nitrogénio
podia ser aproveitada tanto para criar fertilizante vital, como explosivos letais.
(Até mesmo terroristas amadores têm conhecimento desse processo. Uma
bomba de fertilizante, capaz de arrasar um prédio inteiro, consiste em
fertilizantes comuns, saturados de óleo combustível.) Assim, Haber usou outro
derivado do seu processo, os nitratos, para contribuir para a vasta máquina de
guerra alemã, criando armas químicas explosivas, além do gás venenoso que
tiraria tantas vidas inocentes.

Assim, ironicamente, o homem cujo domínio da química expandiu a


população mundial, condenou à morte milhares de inocentes. Ele é também
conhecido como o Pai da Guerra Química.

Há todavia também um aspeto trágico na sua vida. A mulher de Haber,


uma pacifista, viria a suicidar-se, talvez por se opor às investigações do marido
na área da guerra química e do gás venenoso. Apesar das décadas de trabalho
em apoio do governo e das forças militares alemãs, Haber sentiu a vaga de
antissemitismo que varreu o país na década de 30. Embora fosse um judeu
que se convertera ao cristianismo, deixou o país em busca de refúgio e
acabaria por morrer devido a problemas de saúde em 1934. Durante a
Segunda Guerra Mundial, o exército nazi utilizaria o gás Zyklon, um gás
venenoso desenvolvido e aperfeiçoado por Haber, para matar muitos dos
próprios familiares dele nos campos de concentração.
Supremacia Quântica 2ª Parte Alimentar o Planeta

ATP: A Bateria da Natureza


107

Os cientistas, que estão ansiosos por poder aplicar os computadores


quânticos ao problema de substituir o pouco eficiente processo Haber-Bosch,
sabem que têm de compreender como é que a Mãe Natureza fixa o nitrogénio.

Para quebrar a ligação do nitrogénio, o método de Haber era aplicar


temperaturas elevadas e uma pressão enorme a partir do exterior. É isso que o
torna tão pouco eficiente. A natureza, contudo, fá-lo à temperatura ambiente,
sem fornalhas de altas temperaturas nem compressores. Como é possível que
uma mísera planta de amendoim faça aquilo que normalmente requer uma
enorme fábrica química?

Na natureza, a fonte de energia fundamental encontra-se numa molécula


chamada ATP (trifosfato de adenosina) que é a besta de carga da vida, a
bateria da natureza. Sempre que fletimos os músculos, respiramos ou
digerimos comida, estamos a usar a energia da ATP para alimentar os tecidos.
A molécula ATP é tão elementar que se encontra em quase todas as formas de
vida, indicando que evoluiu há milhares de milhões de anos. Sem a ATP, a
maior parte da vida na Terra morreria.

A chave para compreender o segredo da molécula de ATP é analisar a


sua estrutura. Esta molécula consiste em três grupos de fosfatos dispostos
numa cadeia, cada grupo consistindo num átomo fosforoso rodeado por
oxigénio e carbono. A energia da molécula é armazenada num eletrão
localizado no último grupo de fosfato. Quando o corpo precisa de energia para
executar as suas funções biológicas, usa a energia armazenada no eletrão do
último grupo.

Ao analisar o processo de fixação de nitrogénio nas plantas, os químicos


descobriram que são precisas 12 moléculas de ATP para fornecer a energia
necessária para quebrar uma única molécula de N2. Vemos assim
imediatamente o problema. Regra geral, os átomos simplesmente colidem
entre si, um a um. Se tivermos vários átomos a colidir com vários outros
átomos, vemos que isso tem de ocorrer por fases, porque os átomos colidem
uns nos outros sequencialmente, não todos de uma vez. O processo da ATP a
quebrar o N2 passa assim por muitos, muitos passos intermédios.

Na natureza, aproveitar a energia de 12 moléculas de ATP a partir de


colisões aleatórias pode levar anos. Obviamente, isso é demasiado lento para
tornar possível a vida. Assim, é necessário uma série de atalhos para acelerar
bastante o processo.

Os computadores quânticos podem ajudar a resolver esse enigma.


Poderiam decifrar este processo ao nível molecular e, talvez, melhorar o
processo de fixação de nitrogénio ou encontrar um processo alternativo.
Supremacia Quântica 2ª Parte Alimentar o Planeta

Como se pode ler na revista CB Insights: «Usar os supercomputadores


108

atuais para identificar as melhores combinações catalíticas para produzir


amoníaco demoraria séculos. Contudo, um computador quântico potente podia
ser usado para analisar de forma muito mais eficiente as várias combinações
catalíticas — mais uma aplicação da simulação de reações químicas — e ajudar
a encontrar uma forma melhor de criar amoníaco.» 35

Catálise: O Atalho da Natureza


A chave, acreditam os cientistas, é algo chamado catálise, que será
possível analisar com computadores quânticos. Uma catálise é como um
espectador. Não participa diretamente num processo químico, mas de alguma
forma, pela sua presença, facilita uma reação.

Normalmente, as reações químicas que se encontram no corpo são


bastante lentas, demorando por vezes longos períodos de tempo. De vez em
quando acontece algo mágico para acelerar esses processos, de modo a terem
lugar em frações de segundo. É aqui que entram os catalisadores. Para o
processo de fixação de nitrogénio, há um catalisador chamado nitrogenase. Tal
como um maestro, o seu objetivo é orquestrar os muitos passos necessários
para combinar 12 moléculas de ATP com nitrogénio de modo a quebrar a tripla
ligação. Assim, a nitrogenase é a chave para criar uma Segunda Revolução
Verde. No entanto, infelizmente, os nossos computadores digitais são
demasiado primitivos para desvendar os seus segredos. Um computador
quântico, porém, pode estar perfeitamente talhado para esta importante
tarefa.

Os agentes catalíticos, como a nitrogenase, funcionam em duas fases.


Primeiro, unem dois reagentes. O catalisador e os reagentes encaixam como
peças de um puzzle, permitindo que os dois reagentes se liguem. Segundo, a
energia necessária para a ocorrência de uma reação, chamada energia de
ativação, é por vezes demasiado elevada para que os reagentes interajam
entre si. O catalisador, contudo, reduz a energia de ativação de modo que a
reação possa ter lugar. Os reagentes podem então combinar-se para criar um
novo químico, deixando o catalisador intacto.

Para compreender como funciona um catalisador, pense numa alcoviteira


que tenta juntar um potencial casal, em que os elementos vivem em cidades
diferentes. Normalmente, as hipóteses de um encontro puramente aleatório
entre essas duas pessoas seriam muitíssimo reduzidas, uma vez que se
movimentam em círculos completamente diferentes, separadas por muitos
quilómetros. Porém, uma alcoviteira pode estabelecer contacto com ambas as
partes e juntá-las, aumentando em grande medida as hipóteses de que algo
aconteça entre elas. Quase todos os processos químicos importantes no corpo
são mediados por algum catalisador.
Supremacia Quântica 2ª Parte Alimentar o Planeta

Vamos agora introduzir uma alcoviteira quântica, que se apercebe de


109

que por vezes é preciso dar um empurrãozinho ao casal para que se forme
uma ligação. Por exemplo, talvez uma das pessoas seja tímida, reticente, ou
nervosa. Algo os impede de quebrar o gelo. Por outras palavras, têm de
ultrapassar uma barreira de ativação antes de poderem dar início à relação. É
isso que a alcoviteira quântica faz, quebrar o gelo ou ajudá-los a ultrapassar a
barreira que os separa. Chama-se a isto tunelamento, uma característica
bizarra da teoria quântica pela qual é possível penetrar em barreiras
aparentemente impenetráveis. O tunelamento é a razão pela qual elementos
radioativos como o urânio conseguem emitir radiação, porque a radiação passa
através de uma barreira nuclear para alcançar o mundo exterior. O processo
de decaimento radioativo, que aquece o centro da Terra e impulsiona a deriva
continental, fica a dever-se ao tunelamento. Assim, da próxima vez que vir a
erupção de um vulcão gigante, o que está a ver é o poder do tunelamento
quântico. Da mesma forma, as moléculas de ATP podem conseguir «tunelar»
magicamente através dessa barreira energética para completar a reação
química.

Veremos ainda que quase todas as reações-chave que tornam possível a


vida requerem catalisadores, e a própria origem da vida pode dever-se à
mecânica quântica.

Infelizmente, a nitrogenase e a fixação de nitrogênio são tão complexas


que o progresso, embora constante, tem sido lento. Apesar de os cientistas
disporem agora de um diagrama molecular completo da molécula da
nitrogenase, é tão complicado que ninguém sabe exatamente como funciona.
Todo esse processo é tão problemático que não há a menor possibilidade de
um computador digital desvendar os seus segredos. É aqui que os
computadores quânticos poderão brilhar, preenchendo todos os passos que
tornam isto possível.

Uma companhia que está a investigar este projeto ambicioso é a


Microsoft. No encalço do sucesso de empreendimentos comerciais como a
Xbox, a companhia tem-se debruçado sobre projetos mais arriscados, mas
potencialmente lucrativos. Já em 2005 a Microsoft se interessava por projetos
sem aplicações claras como os computadores quânticos. Nessa altura, a
Microsoft criou uma companhia chamada Station Q para investigar problemas
como a fixação de nitrogénio e a computação quântica.

«Creio que nos encontramos num ponto de inflexão no qual estamos


prontos para passar da investigação ao desenvolvimento», diz Todd Holmdahl,
vice-presidente do programa quântico da Microsoft. «É preciso correr um certo
grau de risco para causar um grande impacto no mundo, e penso que estamos
na altura em que há a oportunidade de o fazer.» 36

Ele gosta de comparar a situação com a invenção do transístor. Na


altura, os físicos andaram confusos durante algum tempo, à procura de
Supremacia Quântica 2ª Parte Alimentar o Planeta

aplicações práticas para a sua invenção. Alguns julgavam que o transístor seria
110

útil apenas para comunicar com navios em alto-mar. Da mesma forma, a


criação do computador quântico da Microsoft, que o New York Times comparou
com «ficção científica», pode também vir a transformar a sociedade de formas
inesperadas.

A Microsoft é uma companhia que mal pode esperar por resolver o


problema da fixação do nitrogénio. Já está a utilizar computadores quânticos
de primeira geração para ver se é possível desvendar o mistério do processo.
As implicações são profundas, com o potencial de criar uma Segunda
Revolução Verde e alimentar uma população mundial em expansão com
reduzidos custos energéticos. O insucesso, por outro lado, poderá ter efeitos
colaterais desastrosos, como já vimos, conduzindo talvez a motins, fome e
guerras.

Recentemente, a Microsoft viu-se perante um revés, quando alguns


resultados experimentais em qubits topológicos não se revelaram corretos,
mas para os verdadeiros crentes nos computadores quânticos tal não passa de
uma contrariedade momentânea.

Na verdade, o diretor executivo da Microsoft, Sundar Pichai, afirmou


recentemente que está convencido de que os computadores quânticos
conseguirão melhorar o processo Haber no espaço de uma década.37

Os computadores quânticos serão essenciais para a análise deste


importante processo químico de várias formas:

• Os computadores quânticos podem ajudar a clarificar este processo


complexo, átomo a átomo, ao resolver a equação de onda das
várias componentes no interior da nitrogenase. Isto ajudará a
esclarecer os muitos passos em falta no processo de fixação de
nitrogénio.

• Podem testar virtualmente várias formas de quebrar a ligação do


N2, além da força bruta ou da catálise.

• Podem modelar o que aconteceria se substituíssemos vários


átomos e proteínas por alternativas, para ver se, com outros
químicos, é possível tornar o processo de fixação de nitrogénio
mais eficiente, menos intensivo em termos energéticos e menos
poluente.

• Os computadores quânticos podem testar vários novos


catalisadores numa tentativa de acelerar o processo.
Supremacia Quântica 2ª Parte Alimentar o Planeta

• Os computadores quânticos podem testar diferentes versões da


111

nitrogenase, com diversas disposições de cadeias proteicas, para


ver se é possível melhorar as suas propriedades catalíticas.

Assim, se a Microsoft e outras companhias conseguirem resolver o


mistério da fixação de nitrogénio, isso teria um impacto enorme no
abastecimento de comida. Porém, os cientistas têm outros sonhos para os
computadores quânticos. Não querem somente resolver o problema de uma
produção de comida energeticamente eficiente, querem compreender a
natureza da própria energia. Poderão os computadores quânticos resolver a
crise energética?

35 «What Is Quantum Computing? Definition, Industry Trends, & Benefits Explained», CB Insights, 7 de janeiro de 2021;
https://www.cbinsights.com/research/report/quantum-
computing/?utm_source=CB+Insights+Newsletter&utm_campaign=0df1cb4286-
newsletter_general_Sat_20191115&utm_medium=email&utm=0_9dc0513989-0df1cb4286-88679829.
36 Allison Lin, «Microsoft Doubles Down on Quantum Computing Bet», Microsoft, The AI Blog, 20 de novembro de 2016;
https://blogs.microsoft.com/ai/microsoft-doubles-quantum-computing-bet/.
37 Stephen Gossett, «10 Quantum Computing Applications and Examples», Built In, 25 de março de 2020;
https://builtin.com/hardware/quantum-computing-applications.
CAPÍTULO 9
– DAR ENERGIA AO MUNDO –

À primeira vista, poder-se-ia suspeitar de que os titãs da indústria do


século XX, Thomas Edison e Henry Ford, eram rivais ferozes. Afinal de contas,
Edison foi a incansável força motriz por trás da eletrificação da indústria e da
sociedade. Com 1093 patentes registadas, revolucionou o nosso modo de vida
com inúmeras invenções que vemos hoje como garantidas, alimentadas pela
eletricidade. Já Ford, por outro lado, ganhou milhões com o Model T, que era
movido a combustíveis fósseis. Ajudou a criar a infraestrutura industrial
moderna, alicerçada no petróleo. Para ele, seria através da queima de petróleo
e gasolina que o futuro avançaria.

Na realidade, Edison e Ford eram bons amigos. Aliás, quando era jovem,
Ford idolatrava Edison. Durante anos tiraram férias juntos e apreciavam a
companhia um do outro. Talvez se tenham aproximado tanto porque ambos
criaram companhias de classe mundial através de pura força de vontade.

Para se divertirem, Edison e Ford faziam apostas, tentando adivinhar


qual seria a fonte de energia que alimentaria o futuro. Edison preferia a bateria
elétrica, enquanto Ford acreditava na gasolina. Para quem ouvisse esta aposta,
a resposta podia parecer incontestável. Decerto Edison venceria facilmente. As
baterias elétricas eram silenciosas e seguras. O petróleo, em contraste, era
ruidoso, tóxico e até mesmo perigoso. A ideia de ter um posto de
abastecimento de gasolina de poucos em poucos quarteirões era considerada
ridícula.

Em muitos aspetos, os críticos do petróleo estavam certos. Os vapores


emitidos pelo motor de combustão interna podem causar doenças respiratórias
e acelerar o aquecimento global, e os carros movidos a gasolina ainda hoje são
ruidosos.

No entanto, acabaria por ser Ford o vencedor da aposta.

Porquê?

Para começar, a energia acumulada numa bateria é uma fração ínfima da


energia contida num galão de gasolina. (As melhores baterias conseguem
armazenar cerca de 200 horas-watt por quilograma de energia, enquanto a
gasolina consegue armazenar 12.000 horas-watt.)

E quando se descobriram enormes jazidas de petróleo no Médio Oriente,


no Texas e em outros locais, o preço da gasolina caiu a pique, colocando o
automóvel ao alcance da classe média americana.
Supremacia Quântica 2ª Parte Dar Energia ao Mundo

O sonho de Edison começou a ficar esquecido. A bateria elétrica, pouco


113

eficiente, pouco prática e fraca, não conseguia competir com o combustível


barato de elevadas octanas criado para uma população esfaimada de energia.

Uma vez que a lei de Moore revolucionou a economia mundial com a


potência computacional barata, há uma tendência para supor que tudo
obedece a essa lei. Assim, achamos desconcertante que a eficiência da
potência das baterias não tenha evoluído durante tantas décadas. Esquecemo-
nos de que a lei de Moore só se aplica a chips de computador e que as reações
químicas, como as que alimentam as baterias, são notoriamente impossíveis
de prever. Antecipar novas reações químicas capazes de aumentar a eficiência
de uma bateria é um empreendimento de monta.

Em vez de testar fastidiosamente centenas de diferentes produtos


químicos para verificar o seu desempenho numa bateria, no futuro será muito
mais fácil e barato simular esse desempenho com um computador quântico.
Tal como as simulações que poderão ajudar a desvendar os segredos da
fotossíntese ou da fixação natural do nitrogénio, a «química virtual» pode um
dia vir a substituir nos laboratórios químicos o árduo método de
experimentação e erro.

Revolução Solar?
Este desafio de aumentar o desempenho das baterias tem implicações
económicas tremendas. Na década de 50, os futuristas previam que as nossas
casas seriam um dia alimentadas por energia solar. Vastas quantidades de
células solares, complementadas por moinhos de vento potentes, captariam a
energia do sol e do vento para fornecer energia fiável e barata. Energia
gratuita. Esse era o sonho.

Contudo, a realidade não foi bem assim. Os custos da energia renovável


têm vindo a baixar ao longo das décadas, mas a uma lentidão agonizante. A
chegada da Era Solar tem demorado mais do que as pessoas antecipavam.

Em parte, o problema encontra-se nas limitações das baterias modernas.


Quando o sol não brilha e o vento não sopra, a energia proveniente das fontes
renováveis cai para zero. O elo mais fraco na cadeia da energia renovável é o
armazenamento — como guardar energia para um dia de chuva. Enquanto a
velocidade computacional aumenta de forma exponencial à medida que
miniaturizamos sistematicamente os chips de silício, a potência das baterias só
aumenta quando descobrimos novos rendimentos ou até novos compostos
químicos. Atualmente, ainda se utilizam reações químicas que já eram
conhecidas no século passado. Se fosse possível construir uma superbateria
com eficiência e potência aumentadas, tal poderia acelerar grandemente a
transição para um futuro de energia sem carbono e travar o aquecimento
global.
Supremacia Quântica 2ª Parte Dar Energia ao Mundo

História da Bateria
114

Se olharmos para trás, vemos que a história da bateria tem avançado a


passo de caracol ao longo dos séculos. Em tempos antigos, já era bem sabido
que se caminhássemos por cima de uma carpete podíamos apanhar um
choque elétrico ao tocar na maçaneta da porta. Isto, contudo, não era mais do
que uma curiosidade, até que se fez história em 1786 quando o físico Luigi
Galvani estava a esfregar um pedaço de metal contra as pernas decepadas de
uma rã. Reparou, para sua grande surpresa, que as pernas se moveram por si
só.

Foi uma descoberta crucial, porque os cientistas podiam agora


demonstrar que a eletricidade conseguia causar o movimento dos nossos
músculos. Num instante, os cientistas compreenderam que não era preciso
recorrer a alguma «força vital» mítica para explicar como objetos inanimados
se tornavam animados. A eletricidade era a chave para compreender como os
nossos corpos podiam mover-se sem espíritos. Porém, os estudos pioneiros de
Galvani sobre eletricidade inspiraram também um dos seus intrépidos colegas.

Em 1799, Alessandro Volta construiu a primeira bateria e mostrou que


conseguia criar uma reação química que reproduzia esse efeito. Criar
eletricidade em laboratório e a pedido era uma descoberta sensacional. A
notícia espalhou-se rapidamente: era agora possível gerar esta estranha força
à vontade.

Infelizmente, a bateria não mudou muito em mais de duzentos anos. A


bateria mais simples começa com duas varas de metal, ou elétrodos, colocadas
em recipientes distintos. Em ambos encontra-se um químico chamado
eletrólito, que permite a ocorrência de uma reação química. A ligar os dois
recipientes há um tubo, pelo qual os iões podem passar de um recipiente para
o outro.

Por causa da reação química no eletrólito, os eletrões saem de um


elétrodo, chamado ânodo, e passam para o outro elétrodo, chamado cátodo. O
movimento das cargas elétricas tem de ser equilibrado, e assim, enquanto
eletrões de carga negativa passam do ânodo para o cátodo, existe também um
movimento de iões positivos através do tubo que liga os eletrólitos. O fluxo
destas correntes cria eletricidade.

Este design básico não mudou em vários séculos. Aquilo que mudou foi,
essencialmente, a composição química dos vários componentes. Os químicos
fizeram experiências meticulosas com diferentes metais e eletrólitos de modo a
maximizar a voltagem elétrica ou aumentar o conteúdo energético.

Uma vez que era convicção generalizada que não existia mercado para
carros elétricos, a pressão para melhorar a tecnologia não era muita.
Supremacia Quântica 2ª Parte Dar Energia ao Mundo

A Revolução do Lítio
115

Na Era do pós-guerra, a tecnologia das baterias era uma área estagnada.


O progresso estacou porque havia relativamente pouca procura de veículos
elétricos e aparelhos eletrónicos portáteis. Contudo, a crescente preocupação
com o aquecimento global, bem como a explosão no mercado da eletrónica,
despertaram um interesse renovado na investigação sobre a tecnologia de
baterias.

Devido à ameaça da poluição e do aquecimento global, o público


começou a exigir ação. Sob a pressão crescente no sentido da transição para
carros elétricos, os inventores correram a criar baterias mais potentes.
Gradualmente, as baterias foram-se tornando competitivas com a gasolina.

Uma história de sucesso foi a introdução da bateria de iões de lítio, que


depressa conquistou o mercado. Estas baterias encontram-se hoje em quase
todo o tipo de aparelhos eletrónicos, telemóveis, computadores e até em
grandes jatos. Aquilo que as torna tão omnipresentes é o facto de terem maior
capacidade energética do que qualquer outra bateria disponível e, no entanto,
serem portáteis, compactas, fiáveis e eficientes. São o produto final de
décadas de investigação, após análise meticulosa das propriedades elétricas de
centenas de produtos químicos diferentes.

Aquilo que as torna tão convenientes é a natureza do átomo de lítio. Se


olharmos para a tabela periódica dos elementos, vemos que é o mais leve de
todos os metais, algo que se torna importante quando o que pretendemos
obter é baterias leves para carros e aviões.

Vemos também que tem três eletrões na órbita do núcleo. Os primeiros


dois eletrões preenchem o nível de energia mais baixo do átomo, o 1S, e por
isso o terceiro eletrão, numa órbita superior, tem uma ligação fraca, o que o
torna fácil de remover para dar energia à bateria. É uma das razões pelas
quais é tão fácil gerar uma corrente elétrica com a bateria de lítio.

A bateria de iões de lítio é assim composta por um ânodo feito de grafite,


um cátodo feito de óxido de cobalto de lítio, e um eletrólito feito de éter. O
impacto das baterias de iões de lítio foi de tal forma revolucionário que o
Prémio Nobel da Química foi atribuído a vários cientistas que as aperfeiçoaram:
John B. Goodenough, M. Stanley Whittingham e Akira Yoshino.

Contudo, uma característica indesejável das baterias de iões de lítio é


que, embora possuam a densidade energética mais elevada de qualquer
bateria atualmente no mercado, ainda têm apenas 1 por cento da energia
armazenada na gasolina. Se queremos entrar numa Era livre de carbono,
precisamos de uma bateria com uma densidade energética mais próxima da do
combustível fóssil com o qual rivaliza.
Supremacia Quântica 2ª Parte Dar Energia ao Mundo

Para Além das Baterias de Iões de Lítio


116

Devido ao enorme sucesso comercial da bateria de iões de lítio, que se


encontra hoje por todo o lado na sociedade moderna, está em curso uma
busca frenética por um substituto ou uma melhoria para a geração seguinte de
baterias. Uma vez mais, os engenheiros veem-se limitados pela abordagem de
experimentação e erro.

Uma das candidatas é a bateria de lítio-ar. Ao contrário de outras


baterias, que são completamente seladas, esta permite a entrada de ar. O
oxigénio do ar interage com o lítio, libertando os eletrões da bateria (e criando
peróxido de lítio).

A grande vantagem da bateria de lítio-ar é que a sua densidade


energética é dez vezes superior à da bateria de iões de lítio, aproximando-se
assim um pouco mais da densidade energética da gasolina. (Isto acontece
porque o oxigénio é obtido do ar sem qualquer custo, em vez de ter de ser
armazenado dentro da própria bateria.)

Apesar deste enorme reforço de densidade energética encontrado nas


baterias de lítio-ar, uma série de problemas técnicos impede que essa bateria
notável funcione na prática. Em particular, tem uma vida extremamente curta,
de apenas cerca de dois meses. Os cientistas que têm fé nesta tecnologia
acreditam que, através de experiências com dezenas de tipos de produtos
químicos diferentes, será possível resolver muitos destes problemas técnicos.

Em 2022, o Instituto Nacional Japonês de Ciência de Materiais,


trabalhando em conjunto com a companhia de investimentos SoftBank,
anunciou um promissor novo tipo de bateria de lítio-ar com uma densidade
energética muito superior à da bateria de iões de lítio comum. Contudo, os
pormenores ainda não estão disponíveis para que possamos ver se
conseguiram de facto ultrapassar a série de problemas com que esta
tecnologia promissora se defrontava.

Um aborrecimento persistente para os proprietários de carros elétricos é


o tempo que demora a carregar a bateria, que pode ir de várias horas a um dia
inteiro. Assim, outra tecnologia a ser estudada é a SuperBattery, um sistema
híbrido criado pela Skeleton Technologies e pelo Instituto de Tecnologia
Karlsruhe na Alemanha, que promete conseguir carregar um veículo elétrico
em 15 segundos.

Por um lado, usa uma bateria de iões de lítio comum. Porém, aquilo que
a torna inovadora é que a SuperBattery combina a bateria de iões de lítio com
um capacitador para reduzir o tempo de carregamento. (Um capacitador
armazena energia estática. Na sua forma mais simples, consiste em apenas
duas placas paralelas, uma com carga positiva e outra com carga negativa. A
Supremacia Quântica 2ª Parte Dar Energia ao Mundo

grande vantagem dos capacitadores é que conseguem armazenar energia


117

elétrica e depois libertá-la muito rapidamente.) O uso de supercapacitadores


com o objetivo de oferecer carregamentos rápidos atraiu também outras
empresas. A Tesla adquiriu recentemente a Maxwell Technologies para
enveredar por esta via. Assim, esta tecnologia híbrida já se encontra no
mercado e poderia melhorar muitíssimo a conveniência de possuir um carro
elétrico.

Uma vez que as potenciais recompensas são enormes, vários grupos


empreendedores estão a trabalhar arduamente na tecnologia que se sucederá
às baterias de iões de lítio. Estas incluem as seguintes tecnologias
experimentais:

• A NAWA Technologies afirma que o seu Elétrodo de Carbono Ultra


Rápido, com recurso a nanotecnologia, pode aumentar dez vezes a
capacidade da bateria e aumentar cinco vezes a sua vida útil. Alega
que a autonomia de um carro elétrico passaria para os mil
quilómetros, com um tempo de carregamento de apenas cinco
minutos para alcançar os 80 por cento de carga de bateria.

• Cientistas na Universidade do Texas alegam que conseguirão


remover um dos componentes mais indesejáveis das suas baterias,
o cobalto. O cobalto é caro e tóxico e afirmam que é possível
substituí-lo por manganésio e alumínio.

• O fabricante chinês de células de bateria, SVOLT, anunciou poder


também substituir o cobalto das suas baterias. Afirmam conseguir
aumentar a autonomia dos veículos elétricos para 800 quilómetros
e melhorar a vida da bateria.

• Cientistas na Universidade do Leste da Finlândia desenvolveram


uma bateria de iões de lítio com um ânodo híbrido, usando
nanotubos de silício e carbono, que afirmam aumentar o
desempenho da bateria.

• Outro grupo que está a debruçar-se sobre o potencial do silício é


formado por cientistas da Universidade da Califórnia, em Riverside.
Usam a bateria de iões de lítio básica, mas substituem o ânodo de
grafite por silício.

• Os cientistas da Universidade de Monash, na Austrália,


substituíram a bateria de iões de lítio por uma bateria de lítio-
enxofre. Alegam que a sua bateria consegue alimentar um
smartphone durante cinco dias, ou um veículo elétrico durante mil
quilómetros.
Supremacia Quântica 2ª Parte Dar Energia ao Mundo

• A IBM Research, e outros, estão a estudar a substituição de bateria


118

de iões de lítio, por água do mar. A IBM afirma que uma bateria de
água do mar seria mais barata e teria uma densidade energética
superior.

Embora tenham sido feitas melhorias graduais à bateria de iões de lítio,


a estratégia básica, introduzida há duzentos anos por Volta, ainda se mantém.
Espera-se que os computadores quânticos possam possibilitar aos cientistas a
sistematização deste processo, tornando-o mais barato e mais eficiente, de
modo que possam ser conduzidas virtualmente milhões de experiências.

O problema é que as reações químicas complexas que se encontram


dentro de uma bateria não obedecem a uma lei simples, como a mecânica
newtoniana. Mas os computadores quânticos poderão em princípio fazer o
trabalho mais pesado, simulando reações químicas complexas sem ter de as
executar efetivamente.

Não é portanto de admirar que a indústria automóvel esteja a investir


em computadores quânticos para ver se será possível criar uma superbateria
através de matemática pura. Uma bateria supereficiente poderia remover o
principal estrangulamento que impede o advento da Era Solar: o
armazenamento de eletricidade.

A Indústria Automóvel e os Computadores Quânticos


Uma companhia que vê o potencial dos computadores quânticos para
revolucionar a sua indústria é a gigante automóvel, Daimler, a proprietária da
Mercedes-Benz. Já em 2015 a Daimler tinha criado a Quantum Computing
Initiative para se manter a par dos acontecimentos nesta área em rápido
desenvolvimento.

Ben Boeser, que faz parte do grupo de Investigação e Desenvolvimento


da Mercedes-Benz para a América do Norte, diz: «É uma atividade muito
alicerçada na investigação, analisar as coisas que acontecerão daqui a dez ou
quinze anos, mas queremos compreender os aspetos básicos na criação de um
novo Universo — e, enquanto companhia, tencionamos fazer parte dele» A
Daimler vê a computação quântica não só como uma curiosidade científica,
mas como algo que contribuirá para os seus resultados financeiros. 38

Holger Mohn, editor da revista online da Daimler, aponta outros


benefícios da computação quântica, além de encontrar novos designs de
baterias. Escreve ele: «Pode tornar-se a melhor maneira de descobrir
tecnologias novas e mais eficientes, de simular formas aerodinâmicas para
melhor eficiência de combustível e uma condução mais suave, ou para otimizar
processos de fabrico com uma miríade de variáveis.» 39 Em 2018, a Daimler
Supremacia Quântica 2ª Parte Dar Energia ao Mundo

reuniu uma rede de engenheiros de topo para trabalharem de perto com a


119

Google e a IBM no desenvolvimento da tecnologia necessária para resolver


alguns destes problemas desconcertantes. Eles estão já a escrever códigos e a
carregá-los para a nuvem, no sentido de se familiarizarem com a computação
quântica.

Por exemplo, as equações básicas da aerodinâmica são bem conhecidas.


Porém, ao invés de efetuar testes dispendiosos em túneis de vento para
reduzir a fricção do ar sobre os carros, é muito mais barato e conveniente
colocar os carros num «túnel de vento virtual», ou seja, testar a eficiência do
design das viaturas na memória de um computador quântico. Isto permitirá
uma análise rápida para reduzir a resistência.

A Airbus está a utilizar um computador quântico para criar um túnel de


vento virtual com o intuito de calcular o caminho mais eficiente em termos de
combustível para a subida e descida dos seus aviões. E a Volkswagen está
também a recorrer a esta tecnologia para calcular o caminho ideal para
autocarros e táxis numa cidade congestionada.

Desde 2018 que a BMW se virou para os computadores quânticos na


tentativa de resolver uma série de problemas, utilizando para tal o mais
recente computador quântico Honeywell. As vias que estão a estudar incluem:

• Criação de uma bateria automóvel melhor

• Determinar os melhores locais para instalar estações de


carregamento elétrico

• Encontrar formas mais eficientes de adquirir os vários


componentes dos carros BMW

• Aumentar o desempenho aerodinâmico e a segurança

Em particular, a BMW está a contar com os computadores quânticos para


ajudar com programas de otimização, ou seja, reduzir custos e aumentar o
desempenho.

Porém, os computadores quânticos não são úteis apenas para criar


baterias e carros mais inovadores, mais baratos e mais potentes sem destruir
o ambiente. Os computadores quânticos podem um dia vir a libertar-nos
também dos perigos de doenças temidas e incuráveis que atormentam a
humanidade desde a alvorada dos tempos. Vejamos agora como os
computadores quânticos podem causar uma revolução na medicina.

A Fonte da Juventude, em lugar de ser uma nascente mítica de vida


eterna, pode bem vir a revelar-se um computador quântico.
Supremacia Quântica 2ª Parte Dar Energia ao Mundo
120

38 Holger Mohn, «What's Behind Quantum Computing and Why Daimler Is Researching It», Mercedes-Benz Group, 20 de agosto de
2020; https: //group.mercedes-benz.com/company/magazine/technology-innovation/quantum-computing.html.
39 Ibid.
PARTE 3
– MEDICINA QUÂNTICA –
CAPÍTULO 10
– SAÚDE QUÂNTICA –

Quanto tempo podemos viver?

Durante a maior parte da história da humanidade, a esperança de vida


média dos seres humanos andou entre os vinte e os trinta anos. A vida era
frequentemente curta e miserável. As pessoas viviam no medo constante da
próxima peste ou fome.

Histórias da Bíblia e de outros textos antigos estão repletas de casos de


pestilência e doença. Mais tarde, estas histórias encheram-se de órfãos e
madrastas cruéis, porque era frequente que os pais não vivessem tempo
suficiente para criar os próprios filhos.

Infelizmente, ao longo da história, os médicos eram pouco mais do que


curandeiros e charlatães, oferecendo pomposamente «curas» que, em muitos
casos, ainda deixavam o paciente em pior estado. Os ricos podiam pagar a
médicos particulares, que guardavam ciosamente as suas poções inúteis,
enquanto os pobres morriam frequentemente na miséria, em hospitais
imundos e apinhados. (Tudo isto foi parodiado pelo dramaturgo francês Moliêre
na peça hilariante Le Médicin Malgré Lui, ou Médico Contra Vontade, na qual
um pobre camponês é confundido com um médico conhecido e engana toda a
gente com palavras elaboradas e inventadas em latim para dar conselhos
médicos disparatados.)

Contudo, vários progressos históricos prolongaram a nossa esperança de


vida. O primeiro foi a chegada de melhores condições sanitárias. As cidades
antigas eram autênticas fossas de comida podre e dejetos humanos. Era
normal as pessoas atirarem o lixo para o meio da rua. As estradas das cidades
antigas assemelhavam-se a uma pista de obstáculos nauseabunda, terreno
fértil para a proliferação de doenças. Porém, no século XIX, os cidadãos
começaram a revoltar-se contra estas condições pouco higiénicas, o que levou
à criação de um sistema de esgotos e melhores condições sanitárias,
eliminando assim dezenas de doenças mortíferas transmitidas pela água e
adicionando uns quinze ou vinte anos à nossa esperança de vida.

A revolução seguinte teve lugar por causa das guerras sangrentas que
assolaram o continente europeu no século XIX. Havia tantos soldados a morrer
de ferimentos sofridos em batalha que reis e monarcas decretaram que todas
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

as curas que realmente resultassem seriam regiamente recompensadas. De


122

súbito, médicos ambiciosos, em vez de se limitarem a tentar impressionar os


clientes ricos com mistelas inúteis, começaram a publicar artigos sobre
terapias que ajudavam realmente os pacientes. As publicações médicas
multiplicaram-se, documentando avanços baseados em prova experimental e
não apenas na reputação do autor.

Com esta nova orientação entre médicos e cientistas, estava preparado o


terreno para avanços revolucionários, como antibióticos e vacinas, que
acabariam por vencer um bestiário de doenças mortíferas, adicionando talvez
mais dez a quinze anos à esperança de vida média. Melhor nutrição, cirurgia, a
Revolução Industrial e outros fatores contribuíram também para o aumento da
esperança de vida. Assim, a esperança de vida média atual em muitos países
encontra-se na casa dos setenta anos.

Infelizmente, muitos desses progressos na medicina moderna ficaram a


dever-se à sorte e não a cuidadosa premeditação. Não houve nada de
sistemático na descoberta de curas para essas doenças, que ocorreu,
essencialmente, por acasos fortuitos.

Por exemplo, em 1928, quando Alexander Fleming observou


inadvertidamente que as partículas do bolor do pão conseguiam matar
bactérias que cresciam numa placa de Petri, desencadeou uma revolução nos
cuidados de saúde. Os médicos, em lugar de verem os seus pacientes morrer
de enfermidades comuns sem nada poder fazer por eles, podiam agora dar-
lhes antibióticos como a penicilina que, pela primeira vez na história humana,
conseguia realmente curar o paciente. Em pouco tempo tínhamos antibióticos
contra a cólera, o tétano, a febre tifoide, a tuberculose e uma série de outras
doenças. No entanto, a maioria destas curas foi encontrada por
experimentação e erro.

O Surgimento de Germes Resistentes aos


Medicamentos
Os antibióticos são tão eficazes, e receitados com tanta frequência, que
os germes estão agora a dar luta. Não é uma questão académica, pois os
germes resistentes aos medicamentos são um dos maiores problemas de
saúde que a sociedade atual enfrenta. Doenças mortíferas que tinham já sido
afastadas, como a tuberculose, estão a regressar lentamente, em formas
virulentas e incuráveis. Estas «superbactérias» são muitas vezes imunes aos
mais recentes antibióticos, deixando a população em geral indefesa perante
elas.

Além disso, à medida que a humanidade se expande para áreas


anteriormente inexploradas e desabitadas, expomo-nos a novas doenças
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

contra as quais não possuímos imunidade. Assim, existe um manancial de


123

doenças desconhecidas à espera para infetar a humanidade.

Há quem acredite que a utilização em grande escala de antibióticos nos


animais acelerou esta tendência. As vacas, por exemplo, são terreno fértil para
a proliferação de germes resistentes a medicamentos porque os criadores
muitas vezes administram um excesso de antibióticos para aumentar a
produção de leite e carne.

Uma vez que a ameaça representada por estas doenças pode voltar, e
mais forte do que nunca, há a necessidade urgente de uma nova geração de
antibióticos suficientemente baratos para justificarem o custo. Infelizmente, há
trinta anos que não se verifica qualquer desenvolvimento em novas classes de
antibióticos. Os antibióticos que os nossos pais usavam são os mesmos que
usamos hoje em dia. Um problema é que têm de ser experimentados milhares
de químicos para isolar meia dúzia de medicamentos promissores. Por este
método, custa cerca de dois a três milhares de milhões de dólares o
desenvolvimento de uma nova classe de antibióticos.

Como Funcionam os Antibióticos


Com recurso à tecnologia moderna, os cientistas foram deduzindo
gradualmente como funcionam certos tipos de antibióticos. A penicilina e a
vancomicina, por exemplo, interferem com a produção de uma molécula
chamada peptidoglicano, que é essencial para criar e fortalecer a parede
celular das bactérias. Estes medicamentos, assim, fazem com que as paredes
das bactérias se desfaçam.

Outra classe de medicamentos, chamados quinolonas, interfere com a


química da reprodução das bactérias, de tal modo que o seu ADN deixa de
funcionar como deve e, em consequência, não se reproduzem.

Outra, que inclui a tetraciclina, afeta a capacidade da bactéria sintetizar


uma proteína essencial. Outra classe ainda impede as células de produzirem
ácido fólico o que, por sua vez, interfere com a capacidade da bactéria de
controlar os químicos que atravessam a parede celular.

Dados estes avanços, a que se deve o estrangulamento?

Para começar, estes novos antibióticos demoram muito tempo a ser


desenvolvidos, muitas vezes mais de dez anos. Têm de ser cuidadosamente
testados para garantir a sua segurança, um processo moroso e dispendioso. E,
depois de uma década de trabalho árduo, o produto final muitas vezes nem
sequer paga as contas. O ponto crucial para muitas empresas farmacêuticas é
que as vendas devem compensar o custo de produção desses medicamentos.
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

O Papel da Medicina Quântica


124

O problema é que, tal como o design das baterias desde o tempo de


Volta, a estratégia básica não se alterou muito desde a época de Fleming,
Basicamente, continuamos a testar cegamente os vários candidatos contra os
germes no interior de uma placa de Petri. Hoje em dia, graças à automação, à
robótica e às linhas de montagem mecanizadas, é possível expor milhares de
placas de Petri com diferentes tipos de doenças a uma variedade de
medicamentos promissores, ao mesmo tempo, num arremedo da abordagem
básica de que Fleming foi pioneiro há cem anos.

Desde então, a nossa estratégia tem sido:

Testar substância promissora → determinar se mata bactérias →


identificar o mecanismo

Os computadores quânticos podem vir a revolucionar completamente


este processo e acelerar a busca de novos medicamentos salvadores de vidas.
São potentes o suficiente para poderem um dia conduzir-nos sistematicamente
a novas formas de destruir bactérias. Em vez de perder muito tempo a
experimentar diferentes substâncias ao longo de muitas décadas, talvez
consigamos criar rapidamente novos medicamentos na memória de um
computador quântico.

Isto significa inverter a ordem da estratégia:

Identificar o mecanismo → determinar se mata bactérias → testar


substância promissora

Se, por exemplo, o mecanismo básico pelo qual esses antibióticos


conseguem matar os germes for desvendado ao nível molecular, é possível
utilizar tal conhecimento para criar novos medicamentos. Isto significa que,
primeiro, partimos do mecanismo que desejamos, como desfazer a parede
celular das bactérias, e depois usamos os computadores quânticos para
determinar como o fazer, ao identificar pontos fracos na parede das bactérias.
A seguir, testamos então as diferentes substâncias capazes de executar essa
função e, finalmente, podemos concentrar-nos nas poucas que efetivamente
funcionam contra a bactéria.

Por exemplo, se quiséssemos modelar a molécula da penicilina com um


computador convencional, deparar-se-nos-ia um problema inultrapassável.
Para o fazer, seriam necessários 1086 bits de memória computacional, muito
para além das capacidades de qualquer computador digital. No entanto, está
dentro das capacidades de um computador quântico. Assim, tentar descobrir
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

novos medicamentos pela análise do seu comportamento molecular pode vir a


125

ser um dos principais alvos para os computadores quânticos.

Vírus Assassinos
Da mesma forma, a ciência moderna conseguiu atacar os vírus com
vacinas, mas apenas até certo ponto. As vacinas funcionam indiretamente, ao
estimularem o sistema imunitário do corpo, e não atacando de forma direta o
vírus, pelo que o progresso para curar doenças causadas por vírus tem sido
lento.

Um dos maiores assassinos da história é a varíola, que matou 300


milhões de pessoas só desde 1910. A varíola já era conhecida na Antiguidade.
Sabia-se também que se alguém tivera a doença e recuperara, era possível
triturar as crostas das suas lesões e administrá-las a uma pessoa saudável,
através de cortes na pele. Essa pessoa ficaria inoculada contra a doença.

Em 1796, esta técnica foi refinada e usada com sucesso em Inglaterra. O


médico Edward Jenner retirou pus de algumas mulheres ordenhadeiras que
haviam recuperado da varíola bovina, uma doença semelhante à varíola.
Injetou então o pus em indivíduos saudáveis, que adquiriram imunidade contra
a varíola.

Desde então, as vacinas têm sido usadas contra um grande número de


doenças antes incuráveis, como a poliomielite, a hepatite B, o sarampo, a
meningite, a papeira, o tétano, a febre amarela e muitas outras. Há milhares
de possíveis vacinas que podem ter valor terapêutico, mas sem um
entendimento de como o sistema imunitário do corpo funciona, à escala mais
ínfima, é impossível testá-las a todas.

Em vez de testar cada vacina experimentalmente, poderíamos «testá-


las» no interior de um computador quântico. A beleza deste método é que a
busca por novas vacinas pode ter lugar rapidamente, de forma barata e
eficiente, sem serem necessários ensaios clínicos complicados, morosos e
caros.

No capítulo seguinte, exploraremos como os computadores quânticos


podem modificar e reforçar os nossos sistemas imunitários, protegendo-nos
contra o cancro e talvez até curando doenças atualmente incuráveis, como as
doenças de Alzheimer e Parkinson. Primeiro, porém, há mais uma forma como
os computadores quânticos podem ajudar a defender-nos contra o próximo
vírus causador de uma pandemia global.
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

A Pandemia de Covid
126

Uma forma de ver o poder dos computadores quânticos é pensar na


tragédia da pandemia de covid, que matou cerca de um milhão de pessoas nos
Estados Unidos, até agora, e mergulhou milhares de milhões de pessoas por
todo o mundo na aflição e numa situação económica difícil. Os computadores
quânticos, porém, podem dar-nos um sistema de aviso antecipado para
detetar vírus emergentes antes que estes causem uma pandemia mundial.

Sessenta por cento de todas as doenças, segundo se pensa, vem do


reino animal. Assim, existe um vasto reservatório de novos germes capazes de
gerar uma série de novas doenças. E, à medida que a civilização humana se
expande para áreas anteriormente menos desenvolvidas, ficamos expostos a
novos animais e respetivas doenças.

Por exemplo, através da análise genética, é possível determinar que o


vírus da gripe tem origem, maioritariamente, nas aves. Muitos vírus da gripe
emergem na Ásia, onde os agricultores praticam aquilo a que se chama
policultura, que envolve viver na proximidade de porcos e aves. Embora o
vírus tenha origem nas aves, os porcos comem frequentemente os dejetos das
aves e os humanos comem os porcos. Assim, os suínos funcionam como uma
misturadora, na qual se combina o ADN de aves e porcos para criar novos
vírus.

Da mesma forma, o vírus da sida foi associado ao vírus da


imunodeficiência símia (VIS), que infeta os primatas. Através da genética, os
cientistas formularam a conjetura de que alguém em África comeu a carne de
um primata, algures entre 1884 e 1924, que se combinou então com o ADN de
um humano para criar o VIH, uma versão modificada do VIS capaz de atacar
pessoas.

Com os avanços nos transportes, o aumento das viagens pelo globo veio
acelerar a disseminação de doenças, como a peste na Idade Média. Os
historiadores seguiram os rumos tomados pelos antigos marinheiros, de cidade
em cidade, levando assim a peste até costas distantes. Ao comparar quando os
navios atracavam em determinado porto com a ocorrência de surtos da
doença, é possível ver como a peste se espalhou pelo Médio Oriente e Ásia,
saltando de cidade em cidade. Hoje, temos aviões a jato que podem espalhar
uma doença entre continentes numa questão de horas.

Assim, é apenas uma questão de tempo antes que o mundo seja


apanhado por outra pandemia, espalhada pelas viagens internacionais.

Porém, graças aos extraordinários avanços na área da genómica, em


2020 os cientistas conseguiram sequenciar o material genético do vírus da
covid-19 em poucas semanas. Isto permitiu a criação de vacinas que
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

estimulariam o sistema imunitário do corpo a atacar o vírus. No entanto, isso


127

era apenas ajustar o sistema imunitário para que conseguisse defender-se.


Aquilo que faltava era uma forma sistemática de derrotar o próprio vírus
mortífero.

Sistema de Aviso Antecipado


Há várias formas pelas quais os computadores quânticos podem ajudar a
travar a próxima pandemia. No mínimo, precisamos de um sistema de aviso
antecipado para detetar o vírus quando este surgir, em tempo real. A partir do
momento em que surge uma nova versão do vírus da covid-19, são precisas
semanas até se poder emitir um alerta. Durante esse período, o vírus pode
escapar, sem que se dê por ele, para o ecossistema humano. Um atraso de
poucas semanas pode permitir que o vírus alastre para milhões de pessoas.

Um método para rastrear epidemias é colocar sensores em sistemas de


esgotos por todo o mundo. É fácil identificar um vírus ao analisar os esgotos,
especialmente em zonas urbanas de maior densidade populacional. Testes
rápidos de antigénio podem identificar a eclosão de um vírus em cerca de 15
minutos. Contudo, os dados provenientes de milhões de sistemas de esgotos
facilmente ultrapassariam a capacidade dos computadores digitais. No entanto
os computadores quânticos notabilizam-se por serem capazes de analisar
montanhas de dados e encontrar a agulha no palheiro. Há já certas
comunidades nos Estados Unidos que estão a introduzir sensores nas redes de
esgotos como sistema de aviso antecipado.

Outro sistema de aviso antecipado foi demonstrado pela companhia


Kinsa, que fabrica termómetros ligados à Internet. Ao examinar as febres que
se declaram pelo país, é possível detetar anomalias importantes. Por exemplo,
em março de 2020, os hospitais no sul dos EUA foram inundados de estranhos
relatos de milhares de pessoas atacadas por um novo vírus. Muitas morreram.
Os hospitais estavam assoberbados.

Uma teoria diz que os festejos do Mardi Gras em finais de fevereiro de


2020, em Nova Orleães, foram um evento superdisseminador que expôs
centenas de milhares de pessoas ao vírus sem que o soubessem. E, na
verdade, ao analisar as leituras dos termómetros logo a seguir ao Mardi Gras,
é possível ver um súbito pico nas temperaturas dos pacientes no Sul.
Infelizmente, como os médicos não tinham experiência com o novo vírus,
foram precisas semanas depois do Mardi Gras para alertar os médicos para a
pandemia. Muitas pessoas morreram devido a este atraso crítico na
identificação do vírus, cujo surgimento apanhou de surpresa todo o sistema de
saúde.

De futuro, com uma vasta rede de instrumentos médicos como os


termómetros e sensores ligados à Internet, poderá ser possível obter uma
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

leitura instantânea da temperatura do que se passa em todo o país, analisada


128

por computadores quânticos. Com um mero olhar ao mapa do país,


identificaremos os pontos críticos que representam um potencial novo evento
superdisseminador.

Outra forma de criar um sistema de aviso antecipado é utilizar as redes


sociais, que, melhor do que qualquer outra coisa, nos permitem medir o pulso,
em tempo real, ao que se passa pelo país. Por exemplo, os algoritmos do
futuro estariam preparados para procurar publicações anómalas na Internet.
Se, por exemplo, as pessoas começarem a dizer coisas como «Não consigo
respirar» ou «Não consigo cheirar», os computadores quânticos conseguem
identificar estas frases anómalas. Os profissionais de saúde darão então
seguimento a esses incidentes de modo a perceber se são causados por uma
doença transmissível.

Da mesma forma, os computadores quânticos podem conseguir detetar


surtos do vírus na altura em que ocorrem. É possível o desenvolvimento de
sensores capazes de detetar aerossóis do vírus a flutuar no ar. No início da
epidemia, as autoridades governamentais afirmaram que manter uma
distância de dois metros das outras pessoas era suficiente para prevenir a
disseminação do vírus. A transmissão, alegavam, ocorria essencialmente
através de gotículas maiores, quando as pessoas tossiam ou espirravam.

Pensa-se agora que isso estava, provavelmente, incorreto. Estudos


recentes do vírus mostram que as partículas aerossolizadas depois de um
espirro, por exemplo, conseguem transportar o vírus através de seis metros ou
mais. Na verdade, julga-se que uma das principais formas de proliferação do
vírus é através de aerossóis gerados simplesmente por falar. Estar sentado ao
lado de pessoas que estejam a cantar ou a falar alto, em espaços fechados,
durante mais de 15 minutos, é uma forma de acelerar a disseminação do vírus.

Assim, de futuro, uma rede de sensores colocados em espaços fechados


pode conseguir detetar aerossóis no ar e enviar os dados para computadores
quânticos, que analisarão então esta vasta quantidade de informação para
identificar os primeiros sinais de aviso da próxima pandemia.

Decifrar o Sistema Imunitário


As vacinas provaram já que o sistema imunitário do próprio corpo é uma
poderosa defesa contra doenças infeciosas. No entanto, os cientistas sabem
muito pouco sobre a forma como esse sistema realmente funciona.

Ainda estamos a descobrir aspetos novos e surpreendentes do sistema


imunitário. Por exemplo, os cientistas sabem agora que muitas doenças não
atacam diretamente o corpo. A gripe espanhola de 1918 matou mais pessoas
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

do que todas as que morreram na Primeira Guerra Mundial. Infelizmente, não


129

foram conservadas quaisquer amostras do vírus, pelo que é difícil analisá-lo e


determinar como matava as pessoas. Porém, há alguns anos, os cientistas
tiveram oportunidade de visitar o Ártico e examinar os corpos de pessoas
mortas pelo vírus e conservadas no pergelissolo.

Aquilo que encontraram é interessante. A doença não matava


diretamente a sua vítima. O que fazia era sobre-estimular o sistema imunitário
do próprio corpo, que começava então a inundar o corpo com substâncias
químicas perigosas, numa tentativa de matar o vírus. Esta tempestade de
citocinas era o que acabava por matar o paciente. Assim, o agente letal era, na
realidade, o sistema imunitário descontrolado do próprio corpo.

Verificou-se uma história semelhante com a covid-19. Quando as


pessoas são internadas, a situação, ao princípio, pode não parecer demasiado
grave. Porém, nas fases mais avançadas da doença, quando é desencadeada a
tempestade de citocinas, as substâncias químicas perigosas que invadem o
corpo acabam por causar a falência dos órgãos. Se não for tratada, a condição
leva muitas vezes à morte.

No futuro, os computadores quânticos podem dar-nos uma perspetiva


inédita da biologia molecular do sistema imunitário, o que talvez nos mostre
várias formas de desligar ou reduzir o sistema imunitário para que não nos
mate em caso de infeção grave. Discutiremos o sistema imunitário de forma
mais pormenorizada no próximo capítulo.

O Vírus Ómicron
Os computadores quânticos podem também revelar-se cruciais na
determinação das propriedades de um vírus à medida que passa por mutações.
Por exemplo, a variante ómicron da covid-19 surgiu por volta de novembro de
2021. O seu genoma foi sequenciado e fez disparar de imediato os alarmes.
Tinha 50 mutações, o que o tornava mais transmissível do que o vírus Delta.
No entanto, os cientistas não conseguiram determinar precisamente o grau de
perigosidade que estas mutações lhe conferiam. Permitiriam que as proteínas
spike, penetrassem nas células humanas muito mais depressa do que antes,
espalhando assim o caos pela raça humana? Tudo o que podiam fazer era
esperar e ver. De futuro, os computadores quânticos podem conseguir
determinar quão letal é determinado vírus, analisando as mutações nas suas
proteínas spike, em vez de sermos forçados a esperar durante semanas e
rezar pelo melhor.

Assim que conhecermos a estrutura deste e de outros vírus, será


possível prever o seu trajeto. Os computadores digitais dos nossos dias são
demasiado primitivos para simular de que forma um vírus como o ómicron
poderia atacar o corpo humano. Porém, assim que conhecermos a estrutura
Supremacia Quântica 3ª Parte Saúde Quântica

molecular exata do vírus, poderemos usar computadores quânticos para


130

simular os efeitos específicos do vírus no corpo, de modo a sabermos com


antecedência a que ponto ele é perigoso e como o combater.

Felizmente, temos a evolução do nosso lado. Muitas doenças antigas que


mataram uma grande parte da raça humana, como o vírus da gripe espanhola
de 1918, provavelmente ainda se encontram entre nós, mas sob uma forma
modificada, sendo agora uma doença endémica e não pandémica. Segundo a
teoria evolucionária, as diferentes estirpes de um vírus competem entre si.
Assim, existe uma pressão evolucionária para se tornarem mais infeciosos de
modo a levarem a melhor sobre a concorrência. Por este motivo, cada geração
de mutações pode ser mais infeciosa do que a anterior. No entanto, se o vírus
matar demasiadas pessoas, não terá anfitriões suficientes para continuar a
alastrar. Existe também, portanto, uma pressão evolucionária para ser menos
mortífero.

Por outras palavras, para se manterem em circulação, muitos vírus


evoluem de modo a tornarem-se mais infeciosos, mas menos letais. É, pois,
possível que tenhamos simplesmente de aprender a viver com o vírus da
covid, embora numa forma menos mortífera.

O Futuro
Os antibióticos e as vacinas são as bases da medicina moderna. Porém,
os antibióticos são descobertos geralmente por meio de experimentação e
erro, e as vacinas apenas estimulam o sistema imunitário a criar anticorpos
para combater um vírus. Um dos objetivos da medicina moderna é, por
conseguinte, desenvolver novos antibióticos, e outro é compreender a resposta
imunitária do corpo, a nossa primeira defesa contra os vírus e também contra
um dos maiores assassinos de todos os tempos, o cancro. Se o mistério em
torno do nosso sistema imunitário for resolvido com recurso a computadores
quânticos, teremos então também uma forma de atacar algumas das grandes
doenças incuráveis, como certas formas de cancro, as doenças de Alzheimer e
Parkinson e a ELA. Estas doenças causam danos ao nível molecular, que
apenas os computadores quânticos são capazes de decifrar e ajudar a
combater. No capítulo seguinte, investigaremos como os computadores
quânticos podem revelar novas perspetivas do nosso sistema imunitário e,
possivelmente, vir até a fortalecê-lo.
CAPÍTULO 11
– EDIÇÃO GENÉTICA E A CURA DO CANCRO –

Em 1971, com grande fanfarra, o presidente Richard Nixon anunciou a


Guerra ao Cancro. A medicina moderna, declarou, poria finalmente fim a este
grande flagelo.

Porém, anos mais tarde, quando os historiadores avaliaram esse esforço,


o resultado foi claro: o cancro vencera. Sim, havia alguns progressos em
termos do combate ao cancro por meio de cirurgia, quimioterapia e radiação,
mas o número de mortes causadas pela doença permanecia obstinadamente
elevado. O cancro é ainda a segunda maior causa de mortes nos Estados
Unidos, a seguir às doenças cardiovasculares. A nível mundial, matou 9,5
milhões de pessoas em 2018.

O problema fundamental da Guerra ao Cancro é que os cientistas não


sabiam o que o cancro realmente era. Debatia-se acaloradamente se esta
temida doença era causada por um fator único ou por uma coleção confusa de
fatores, como alimentação, poluição, genética, vírus, radiação, tabaco ou
simplesmente azar.

Várias décadas mais tarde, os avanços nas áreas da genética e da


biotecnologia revelaram finalmente a resposta. Ao nível mais fundamental, o
cancro é uma doença dos nossos genes, mas pode ser desencadeado por
venenos ambientais, radiação e outros fatores — ou simplesmente por azar.
Na verdade, o cancro não é de maneira nenhuma uma doença, mas sim
milhares de tipos diferentes de mutações nos nossos genes. Temos hoje
enciclopédias dos vários tipos de cancro, que fazem com que células saudáveis
comecem subitamente a proliferar e matem o anfitrião.

O cancro é uma doença extraordinariamente diversificada e universal.


Encontra-se em múmias com milhares de anos. A referência médica mais
antiga remonta a 3000 a.C., no Egito. Mas o cancro não se encontra apenas
nos seres humanos. Encontra-se por todo o reino animal. O cancro, de certa
forma, é o preço que pagamos por ter formas de vida complexas na Terra.

Para criar uma forma de vida complexa, que envolve biliões de células a
executar complicadas reações químicas de modo sequencial, algumas células
têm de morrer quando outras ocupam o seu lugar, permitindo assim que o
corpo cresça e se desenvolva. Muitas das células de um bebé têm de morrer,
mais cedo ou mais tarde, de modo a abrir caminho para as células de um
adulto. O que significa que as células estão geneticamente programadas para
morrer por necessidade, sacrificando-se para criar novos tecidos complexos e
órgãos. Chama-se a isto apoptose.
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

Embora a morte celular programada seja parte do desenvolvimento


132

saudável do corpo, por vezes há erros que podem desligar acidentalmente


esses genes, pelo que a célula continua a reproduzir-se e a proliferar
descontroladamente. Essas células não conseguem parar de se reproduzir e,
nesse sentido, as células cancerígenas são imortais. Na verdade, é por isso que
nos matam, crescendo de forma descontrolada e criando tumores que acabam
por interromper funções corporais essenciais.

Por outras palavras, as células cancerígenas são células normais que se


esqueceram de como se morre.

São, normalmente, precisos muitos anos ou décadas para que se forme


um cancro. Por exemplo, se sofreu queimaduras solares graves em criança,
pode vir a ter um cancro da pele nesse mesmo local décadas mais tarde. Isto
porque é necessária mais do que uma mutação para causar cancro.
Frequentemente são necessários anos ou décadas para que se acumulem
várias mutações, que finalmente desativarão a capacidade de a célula controlar
a sua própria reprodução.

Mas, se o cancro é assim tão mortífero, por que é que a evolução não se
livrou desses genes defeituosos há milhões de anos, por meio de seleção
natural? A resposta é que o cancro se espalha maioritariamente depois de
ultrapassados os nossos anos reprodutivos e, como tal, existe menor pressão
evolucionária para eliminar os genes do cancro.

Esquecemo-nos por vezes de que a evolução progride através de seleção


natural e acaso. Assim, embora os mecanismos moleculares que tornam
possível a vida sejam, de facto, maravilhosos, eles são na realidade resultado
de mutações aleatórias ao longo de milhares de milhões de anos de
experimentação e erro. Desta forma, não podemos esperar que o nosso corpo
monte uma defesa perfeita contra doenças mortíferas. Tendo em conta o
número assombroso de mutações envolvidas no cancro, talvez sejam
necessários computadores quânticos para analisar essa montanha de
informação e identificar as causas na base da doença. Os computadores
quânticos estão idealmente aptos para atacar uma doença que se manifesta de
tantas formas confusas. Podem até vir a dar-nos todo um novo campo de
batalha no qual enfrentar doenças incuráveis como o cancro, as doenças de
Alzheimer e Parkinson, a ELA e outras.

Biópsias Líquidas
Como sabemos se temos cancro? Infelizmente, muitas vezes não
sabemos. Os sinais de cancro são, por vezes, ambíguos ou difíceis de detetar.
Por exemplo, quando um tumor se forma, pode haver já milhares de milhões
de células cancerígenas a crescerem no corpo. Quando é encontrado um tumor
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

maligno, o médico recomendará imediatamente cirurgia, radiação ou


133

quimioterapia. Por vezes, no entanto, é tarde demais.

Mas como seria se pudéssemos travar a disseminação do cancro,


detetando células anómalas antes da formação de um tumor? Os
computadores quânticos podem desempenhar um papel crucial nesse
empreendimento.

Hoje, numa consulta de rotina, fazemos análises ao sangue e somos


considerados saudáveis. Contudo, mais tarde, podem vir a manifestar-se
sintomas reveladores do cancro. Podemos então perguntar, por que não é
possível detetar o cancro numa simples análise ao sangue?

O motivo é que o nosso sistema imunitário, geralmente, não consegue


detetar as células cancerígenas. Elas passam por baixo do radar. As células
cancerígenas não são invasores do exterior, facilmente reconhecidos como tal
pelo sistema imunitário. São as nossas próprias células, embora avariadas, e
portanto conseguem passar despercebidas. Por isso, as análises ao sangue que
estudam as reações imunitárias não reconhecem a presença de cancro.

Todavia, sabe-se já há mais de cem anos que os tumores cancerígenos


largam células e moléculas para os fluidos corporais. Por exemplo, é possível
detetar células e moléculas cancerígenas no sangue, na urina, no fluido
cerebrospinal e até na saliva.

Infelizmente, isto só é possível quando há já milhares de milhões de


células cancerígenas a crescer no corpo. Nessa altura, a cirurgia é geralmente
necessária para remover o tumor. Porém, mais recentemente, a engenharia
genética deu-nos finalmente a capacidade de detetar células cancerígenas a
flutuar na corrente sanguínea ou noutros fluidos corporais. Um dia, este
método poderá ser sensível o suficiente para detetar apenas algumas centenas
de células cancerígenas, dando-nos anos para agir antes da formação de um
tumor.

Contudo, só nos últimos anos foi possível criar um sistema antecipado de


deteção de cancros para uma pessoa normal. Uma via de investigação
promissora chama-se biópsia líquida, que é um método rápido, conveniente e
versátil de detetar um cancro, e que pode vir a criar uma revolução nessa
área.

«Em anos recentes, o desenvolvimento clínico de biópsias líquidas para o


cancro, um instrumento de rastreio revolucionário, tem gerado grande
otimismo», escrevem Liz Kwo e Jenna Aronson no American Journal of
Managed Care. 40
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

Atualmente, as biópsias líquidas conseguem detetar até 50 tipos de


134

cancro diferentes. Uma visita de rotina ao médico pode vir a possibilitar a


deteção de cancros anos antes de estes se tornarem letais.

De futuro, até a sanita na nossa casa de banho pode ter a sensibilidade


necessária para detetar sinais de células, enzimas e genes cancerígenos em
circulação nos fluidos corporais, de modo que o cancro não seja mais mortífero
do que uma constipação. De cada vez que for à casa de banho será
automaticamente rastreado para a presença de cancro. A «sanita inteligente»
pode vir a ser a nossa primeira linha de defesa.

Embora sejam milhares as mutações distintas causadoras de cancro, os


computadores quânticos podem aprender a identificá-las de modo que uma
simples análise ao sangue consiga detetar dezenas de possíveis cancros.
Talvez o nosso genoma possa ser lido diária ou semanalmente e analisado por
computadores quânticos distantes para encontrar evidências de mutações
prejudiciais. Não é uma cura para o cancro, mas permite-nos impedi-lo de
alastrar, tornando-o assim não mais perigoso do que uma constipação comum.

Muitas pessoas fazem uma pergunta simples: «Por que é que não
conseguimos curar uma constipação comum?» Na verdade, conseguimos.
Porém, como existem mais de 300 tipos de rinovírus causadores de
constipações, e como estes sofrem mutações constantes, não faz sentido
desenvolver 300 vacinas para tentar acertar neste alvo em movimento
contínuo. Limitamo-nos a viver com ele.

Pode ser esse o futuro da investigação do cancro. Em vez de ser uma


sentença de morte, poderá vir a ser visto apenas como um aborrecimento.
Uma vez que existem tantos genes cancerígenos, não será talvez prático criar
curas para todos. No entanto, se conseguirmos detetá-los com computadores
quânticos anos antes de se disseminarem, quando são apenas uma pequena
colónia de umas centenas de células cancerígenas, então talvez seja possível
travar a sua progressão.

Por outras palavras, no futuro, é possível que continuemos a ter cancro,


mas talvez o cancro raramente mate alguém.

Farejar Cancros
Outra forma de apanhar o cancro nas suas fases iniciais pode ser a
utilização de sensores para detetar os leves odores emitidos pelas células
cancerígenas. Um dia, talvez o nosso telemóvel, com acessórios sensíveis a
odores e ligado a um computador quântico na nuvem, possa ajudar a
defender-nos não só contra o cancro mas contra uma variedade de outras
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

doenças. Os computadores quânticos analisariam os resultados de milhões de


135

«narizes robóticos» em todo o país para travar a progressão do cancro.

A análise de odores é uma técnica de diagnóstico comprovada. Por


exemplo, há cães que estão a ser treinados para detetar o coronavírus em
aeroportos. Enquanto os resultados de um típico teste PCR para deteção do
vírus podem demorar alguns dias, cães com treino especial conseguem fazer
uma identificação com uma precisão de aproximadamente 95 por cento em
cerca de dez segundos. Isto está já a ser utilizado para rastrear os passageiros
no aeroporto de Helsínquia e em outros locais.

Já foram treinados cães para identificar cancro do pulmão, da mama, dos


ovários, da bexiga e da próstata. Na verdade, os cães têm uma taxa de
sucesso de 99 por cento na deteção do cancro da próstata ao cheirarem uma
amostra de urina do paciente. Num estudo, os cães conseguiram detetar
cancro da mama com uma precisão de 88 por cento e cancro do pulmão com
uma precisão de 99 por cento.

Isto é possível porque eles têm 220 milhões de recetores nasais


olfativos, enquanto os humanos têm apenas cinco milhões. Assim, o olfato dos
cães é muitíssimo mais apurado do que o dos humanos. De tal forma que
conseguem detetar concentrações de uma parte por bilião, o equivalente a
detetar uma única gota de líquido em 20 piscinas olímpicas. E a área do seu
cérebro dedicada à análise dos cheiros é muito maior do que a área
correspondente nos cérebros humanos.

Contudo, um inconveniente é que se demoram meses a treinar um cão


para reconhecer o coronavírus ou cancro, e há uma quantidade limitada de
cães treinados com essa especialização. Não poderíamos efetuar essas análises
com a nossa tecnologia, a uma escala capaz de salvar milhões de vidas?

Pouco depois do 11 de Setembro, fui convidado por uma companhia de


televisão para um almoço especial com o intuito de discutir as tecnologias do
futuro. Tive o privilégio de me sentar ao lado de um oficial da DARPA (Agência
de Projetos Avançados de Investigação para a Defesa), um ramo do Pentágono
famoso pela invenção das tecnologias do futuro. A DARPA tem um longo
historial de histórias de sucesso espetaculares, como a NASA, a Internet, o
automóvel sem condutor e o bombardeiro furtivo.

Assim, fiz-lhe uma pergunta que sempre me incomodara: por que é que
não podemos desenvolver sensores para detetar explosivos? Os cães
conseguem executar facilmente proezas que nem as nossas máquinas mais
avançadas conseguem.

Ele fez uma breve pausa e depois explicou-me lentamente a diferença


entre os cães e os nossos sensores mais avançados. A DARPA, na verdade,
estudara cuidadosamente essa questão e observara que os nervos olfativos
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

dos cães são tão sensíveis que conseguem apanhar até moléculas individuais
136

de certos odores. Os sensores artificiais desenvolvidos nos nossos melhores


laboratórios não conseguiam sequer aproximar-se desse nível de sensibilidade.

Alguns anos depois dessa conversa, a DARPA patrocinou uma competição


para ver se algum laboratório conseguia criar um nariz robótico semelhante ao
de um cão.

Uma das pessoas que ouviu falar desse desafio foi Andreas Mershin, do
MIT. Fascinava-o a capacidade quase miraculosa dos cães detetarem uma
variedade de doenças e enfermidades. Mershin interessara-se pela questão
enquanto estudava os métodos de deteção do cancro da bexiga. Um dos cães
identificara de forma persistente determinado paciente como tendo cancro,
apesar de este ter sido examinado várias vezes sem que fosse encontrado
qualquer sinal disso. Havia alguma coisa errada. O cão nunca vacilou. Por fim,
o paciente acedeu a novos exames e descobriu-se que tinha cancro da bexiga
numa fase muito inicial, antes de poder ser detetado pelos exames
laboratoriais normais.

Mershin queria replicar esse sucesso espantoso. O seu objetivo era criar
um «nanonariz», com microssensores capazes de detetar o cancro e outras
doenças e de alertar a pessoa através do telemóvel. Hoje, os cientistas do MIT
e da Universidade Johns Hopkins desenvolveram microssensores que são 200
vezes mais sensíveis do que o nariz de um cão.

Porém, como se trata ainda de uma tecnologia experimental, custa cerca


de mil dólares analisar apenas uma amostra de urina para procurar cancro.
Ainda assim, Mershin imagina um dia em que essa tecnologia será tão comum
como as câmaras dos nossos telemóveis. Devido à quantidade avassaladora de
dados que chegariam de centenas de milhões de telemóveis e sensores,
apenas computadores quânticos teriam a capacidade de processar essa
abundância de informação. Poderiam então usar inteligência artificial para
analisar os sinais, localizar marcadores cancerígenos e enviar a informação de
novo para a pessoa, talvez anos antes da formação de qualquer tumor.

De futuro, talvez haja várias formas de detetar o cancro, fácil e


silenciosamente, antes que represente uma ameaça séria. As biópsias líquidas
e os detetores de odores podem conseguir enviar dados para um computador
quântico, que conseguirá então identificar dezenas de variedades de cancro.
Na verdade, é mesmo possível que a palavra «tumor» venha a desaparecer do
discurso médico habitual, da mesma forma que já não falamos em «sangrias»
ou «sanguessugas» nesse contexto.

Todavia, o que acontece se o cancro já se formou? Poderão os


computadores quânticos ajudar a curar o cancro depois de ele ter começado a
atacar o corpo?
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

Imunoterapia
137

De momento, existem pelo menos três formas principais de atacar o


cancro assim que este é detetado: cirurgia (para extrair o tumor), radiação
(para matar as células cancerígenas com raios X ou raios de partículas) e
quimioterapia (para envenenar as células cancerígenas). Porém, com o
desenvolvimento da engenharia genética, uma nova forma de terapia começa
a ser utilizada de forma generalizada: a imunoterapia. Há várias versões deste
tratamento, mas, de uma maneira geral, todas tentam recrutar a ajuda do
sistema imunitário do próprio corpo.

As células cancerígenas, como já discutimos, infelizmente não são


facilmente identificadas pelo sistema imunitário do corpo. As células B e T, por
exemplo, estão programadas para identificar e posteriormente matar um
grande número de antigénios estranhos, mas as células cancerígenas não
fazem parte da biblioteca de antigénios que os glóbulos brancos são capazes
de reconhecer. Assim, passam por baixo do radar do nosso sistema imunitário.
O truque é reforçar de modo artificial o poder do nosso próprio sistema
imunitário para que consiga reconhecer e atacar o cancro.

Num dos métodos, o genoma do cancro é sequenciado de modo que os


médicos saibam precisamente o tipo de cancro a ser estudado e como este se
desenvolve. A seguir, são extraídos glóbulos brancos do sangue da pessoa
enquanto os genes do cancro são processados. A informação genética do
cancro é então introduzida nos glóbulos brancos através de um vírus (que foi
tratado de modo a ser inofensivo). Desta forma, os glóbulos brancos são
reprogramados para identificar essas células cancerígenas. Por fim, os glóbulos
brancos recalibrados voltam a ser injetados no corpo.

Até agora, este método tem-se mostrado muito promissor em termos de


atacar formas incuráveis de cancro, mesmo em fases adiantadas, quando já se
espalhou pelo corpo. Alguns pacientes, a quem fora dito não haver esperança
para o seu caso, viram os seus cancros desaparecer de forma súbita e
extraordinária.

A imunoterapia tem vindo a ser usada para o cancro da bexiga, do


cérebro, da mama, do colo do útero, do cólon, do teto, do esófago, do rim, do
fígado, do pulmão, linfático, melanoma, do ovário, do pâncreas, da próstata,
dos ossos, do estômago e leucemia, com variados graus de sucesso.

Existem, no entanto, obstáculos. Este método só se encontra disponível


para alguns cancros, e existem milhares de tipos diferentes. Por outro lado,
como a genética dos glóbulos brancos é alterada artificialmente, por vezes a
modificação não é perfeita. Isto pode causar efeitos secundários indesejados.
Na verdade, esses efeitos podem por vezes ser fatais.
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

Os computadores quânticos, no entanto, podem ajudar a aperfeiçoar


138

esta terapia. Em última análise os computadores quânticos estarão aptos a


analisar esta enorme quantidade de dados em bruto para identificar a genética
de cada célula cancerígena. Uma tarefa tão monumental estaria fora do
alcance de um computador clássico. Cada pessoa no país teria o seu genoma
analisado, silenciosa e eficazmente, várias vezes por mês, através de uma
análise dos seus fluidos corporais. Todo o genoma seria sequenciado,
catalogando mais de 20.000 genes por pessoa. Isto seria então comparado
com os milhares de possíveis genes do cancro que já foram estudados. Seria
necessária uma vasta infraestrutura de computadores quânticos para analisar
estas quantidades de dados em bruto. Os benefícios, no entanto, seriam
enormes: a diminuição deste temido assassino.

O Paradoxo do Sistema Imunitário


Desde há muito que existe um mistério sobre o sistema imunitário. Para
que o corpo possa destruir antigénios invasores, deve primeiro ser capaz de os
identificar. Uma vez que existe um número essencialmente ilimitado de
possíveis vírus e bactérias, como é que o sistema imunitário sabe a diferença
entre os perigosos e os amistosos? Como é que sabe a diferença quando nunca
se lhe deparou determinada doença antes? É como se a polícia soubesse quem
prender numa multidão de pessoas que nunca viu antes.

De início, tal parece impossível. Existe, em princípio, um número infinito


de tipos de doenças diferentes, pelo que não é claro de que modo o sistema
imunitário é capaz de encontrar as certas, como que por magia.

Porém, a evolução criou uma maneira inteligente de resolver este


problema. O glóbulo branco B, por exemplo, contém recetores de antigénio em
forma de Y projetados para o exterior da parede celular. O objetivo do glóbulo
branco é prender as pontas do seu recetor Y a um antigénio perigoso, para que
seja destruído ou fique marcado para destruição posterior. É assim que
identifica antigénios ameaçadores.

Quando o glóbulo branco nasce, os códigos genéticos nas pontas dos


recetores Y que correspondam aos recetores de antigénios específicos são
misturados aleatoriamente. Esta é a chave. Assim, em princípio, quase todos
os códigos que o corpo possa encontrar estão já contidos no interior dos vários
recetores Y aleatórios, quer os bons, quer os maus. (Para termos uma noção
de como um pequeno grupo de aminoácidos pode criar números enormes de
códigos genéticos, vejamos um exemplo hipotético. Começamos pelo facto de
que há 20 aminoácidos diferentes no corpo humano. Imaginemos que
criávamos uma cadeia de dez aminoácidos, com 20 aminoácidos possíveis em
cada espaço. Temos então 20 x 20 x 20 x... = 2010 possíveis disposições de
aminoácidos. Comparemos isto com o número efetivo de possíveis recetores B,
que tem cerca de 1012 combinações possíveis. Este número astronómico
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

contém quase todos os antigénios possíveis que poderá alguma vez


139

encontrar.)

Contudo, depois de os recetores Y estarem aleatoriamente selecionados,


os recetores que contêm os códigos genéticos dos aminoácidos do próprio
corpo são gradualmente removidos. O que fica para trás são, assim, os
recetores Y que contêm apenas o código genético dos antigénios perigosos.
Desta forma, os recetores Y podem atacar antigénios perigosos mesmo que
nunca os tenham encontrado antes.

É como se a polícia tentasse encontrar um criminoso numa enorme


multidão. Primeiro a polícia eliminaria todas as pessoas que já se sabia
previamente serem inocentes. Saberia então que os criminosos só podiam
estar entre aqueles que sobravam.

Uma vez que vivemos num oceano invisível de milhares de milhões de


bactérias e vírus, o sistema funciona surpreendentemente bem. Contudo, por
vezes, o tiro sai pela culatra. Por exemplo, acontece que, ao eliminar os
códigos genéticos que se encontram no corpo, o corpo não os elimina a todos.
Alguns dos códigos bons ficam então para trás e são atacados pelo sistema
imunitário. Por outras palavras, a polícia não elimina todos os suspeitos
inocentes e alguns inocentes ficam, acidentalmente, para trás. Assim, quando
chega a altura de interrogar os suspeitos, alguns inocentes encontram-se entre
eles.

Isto significa que o corpo se atacará a si mesmo, criando uma série de


doenças autoimunes. Talvez seja por isto que temos artrite reumatoide, lúpus,
diabetes tipo 1, esclerose múltipla, etc.

Por vezes acontece também o inverso. O sistema imunitário não só


remove os códigos bons, como elimina também alguns códigos maus, por
acidente. Nesses casos o sistema imunitário não consegue identificar os
perigosos, que podem causar doenças.

É isso que pode acontecer por vezes com certos tipos de cancro, quando
o corpo é incapaz de detetar os antigénios com os genes errados.

Todo o processo de identificação de antigénios perigosos é puramente


um processo mecânico-quântico. Os computadores digitais são incapazes de
reproduzir a complexa sequência de eventos que tem de ter lugar ao nível
molecular para que o sistema imunitário funcione devidamente. No entanto, os
computadores quânticos podem ter potência suficiente para desvendar,
molécula a molécula, a forma como o sistema imunitário faz a sua magia.
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

CRISPR
140

As aplicações terapêuticas dos computadores quânticos podem ser


aumentadas quando em combinação com uma nova tecnologia chamada
CRISPR (repetições palindrómicas curtas agrupadas e regularmente
interespaçadas), que permite aos cientistas cortar e colar genes. Os
computadores quânticos podem ser usados para identificar e isolar doenças
genéticas complexas, e a CRISPR pode ser usada para as curar.

Nos anos 80, gerou-se um enorme entusiasmo em relação à terapia


genética, ou seja, reparar genes defeituosos. Há pelo menos 10.000 doenças
genéticas conhecidas que afetam a raça humana. Acreditava-se que a ciência
nos permitiria reescrever o código da vida, corrigindo os erros da Mãe
Natureza. Dizia-se até que a terapia genética podia possibilitar também a
melhoria da raça humana, reforçando a nossa saúde e inteligência ao nível
genético.

Grande parte da investigação inicial centrava-se num alvo fácil: atacar as


doenças genéticas que são causadas por um erro em poucas letras do nosso
genoma. Por exemplo, a anemia de células falciformes (que afeta muitos afro-
americanos), a fibrose cística (que afeta muitos norte-europeus) e a doença de
Tay-Sachs (que afeta as pessoas de origem judaica) são causadas por erros
em apenas uma ou poucas letras do nosso genoma. Havia a esperança de que
os médicos conseguissem curar estas doenças simplesmente reescrevendo o
nosso código genético.

(Devido à endogamia, estas doenças genéticas eram tão predominantes


nas famílias reais da Europa que os historiadores acreditam que afetaram
mesmo a história mundial. O rei Jorge III de Inglaterra sofria de uma doença
genética que o levou à loucura. Os historiadores têm especulado que talvez
tenha sido essa loucura que conduziu à Revolução Americana. Também o filho
de Nicolau II da Rússia sofria de hemofilia, que a família real acreditava só
poder ser tratada pelo místico Rasputin. Isto paralisou a monarquia e adiou
reformas muito necessárias, o que pode ter contribuído para a Revolução
Russa de 1917.)

Estes ensaios de engenharia genética foram conduzidos de forma


semelhante à imunoterapia. Primeiro, o gene pretendido era introduzido num
vírus inofensivo, modificado de modo a não atacar o anfitrião. Depois, o vírus
era injetado para infetar o paciente com o gene pretendido.

Infelizmente, depressa surgiram complicações. Por exemplo, o corpo


reconhecia frequentemente o vírus e atacava-o, causando efeitos secundários
indesejados para o paciente. Muitas das esperanças na terapia genética caíram
por terra em 1999 quando um paciente morreu após um ensaio clínico. Os
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

fundos começaram a secar. Os programas de investigação foram


141

drasticamente reduzidos. Os ensaios foram interrompidos ou reexaminados.

Porém, mais recentemente, os investigadores fizeram progressos quando


começaram a analisar mais atentamente a forma como a Mãe Natureza ataca
os vírus. Por vezes, esquecemo-nos de que os vírus não atacam apenas
pessoas, mas também bactérias. Assim, os médicos fizeram uma simples
pergunta: como é que as bactérias se defendem do ataque dos vírus? Para sua
grande surpresa, descobriram que, ao longo de milhões de anos, as bactérias
criaram formas de cortar os genes do vírus invasor. Se um vírus tenta atacar
uma bactéria, a bactéria, para contra-atacar, liberta uma vaga de químicos
que dividem os genes do vírus em pontos exatos, travando assim a infeção.
Este poderoso mecanismo foi isolado e depois usado para cortar códigos
genéticos virais em determinados pontos. Emmanuelle Charpentier e Jennifer
Doudna receberam o Nobel em 2020 pelo seu trabalho pioneiro no
aperfeiçoamento desta tecnologia revolucionária.

Este processo tem sido comparado ao processamento de texto.


Antigamente, as máquinas de escrever tinham de escrever cada letra
sucessivamente, num processo demorado e repleto de erros. Mas com os
processadores de texto, passou a ser possível escrever um programa que nos
permitia editar manuscritos inteiros, removendo e reorganizando as suas
partes. Da mesma forma, um dia, talvez a tecnologia CRISPR possa ser
aplicada à engenharia genética, cujo sucesso ao longo dos anos tem tido altos
e baixos. Isto abriria as comportas da engenharia genética.

Um alvo particular da terapia genética pode vir a ser o gene p53. Quando
sofre mutações, está envolvido em cerca de metade dos cancros mais comuns,
como cancro da mama, do cólon, do fígado, do pulmão e dos ovários. Talvez
uma razão pela qual esteja tão vulnerável a tornar-se canceroso seja o facto
de ser um gene excecionalmente longo e, assim, haver muitos sítios onde
podem desenvolver-se nele as mutações. É um gene supressor de tumores, o
que o torna crucial para travar o crescimento dos cancros. Por esse motivo, é
frequentemente conhecido como «O Guardião do Genoma».

Todavia, quando sofre mutações, torna-se um dos genes subjacentes


mais comuns nos cancros humanos. Na verdade, as mutações em
determinados locais do mesmo estão muitas vezes correlacionadas com
cancros específicos. Por exemplo, os fumadores de longa data desenvolvem
frequentemente cancros em três mutações especificas ao longo do p53, o que
pode ser usado para provar que o cancro do pulmão dessa pessoa deriva muito
provavelmente do fumo de cigarros.

No futuro, usando os avanços na terapia genética e na CRISPR, talvez


seja possível corrigir os erros no gene p53 com recurso a imunoterapia e
computadores genéticos, curando assim muitas formas de cancro.
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

Recordamos que a imunoterapia tem efeitos secundários, incluindo, em


142

casos raros, a morte do paciente. Parte da razão para que isto aconteça é que
o corte e colagem dos genes cancerígenos não é exato. O p53, por exemplo, é
um gene muito longo, pelo que os erros ao cortar este gene podem ser
comuns. Os computadores quânticos ajudarão a reduzir esses efeitos
secundários letais. Têm o potencial de decifrar e cartografar as moléculas no
interior dos genes de uma certa célula cancerígena. Depois a CRISPR pode
conseguir cortar o gene em pontos precisos com exatidão. Assim, mediante
uma combinação de terapia genética, computadores quânticos e CRISPR,
talvez seja possível cortar e unir genes com uma precisão inédita, reduzindo o
problema dos efeitos secundários letais.

Terapia Genética CRISPR


Clara Rodríguez Fernández escreve na Labiotech: «Em teoria, a CRISPR
poderia permitir-nos a edição de qualquer mutação genética, para curar
qualquer doença de origem genética.» As doenças genéticas que envolvem
uma única mutação estão a ser visadas em primeiro lugar. «Com mais de
10.000 doenças causadas por mutações num único gene humano, a CRISPR
oferece esperança de cura para todas elas, através da correção do erro
genético na origem das mesmas.» De futuro, conforme a tecnologia se for
desenvolvendo, as doenças genéticas causadas por múltiplas mutações em
vários genes poderão ser também estudadas. 41

Por exemplo, eis uma lista de algumas das doenças genéticas que são
atualmente tratadas pela CRISPR:

1. Cancro

Na Universidade da Pensilvânia, os cientistas conseguiram usar a CRISPR


para remover três genes que permitem às células cancerígenas escapar ao
sistema imunitário do corpo. Depois acrescentaram outro gene que pode
ajudar o sistema imunitário a reconhecer tumores. Os cientistas descobriram
que o método era seguro, mesmo quando usado em pacientes com cancro
avançado.

Além do mais, a CRISPR Therapeutics está a efetuar um ensaio clínico


em 130 pacientes com cancro do sangue. Esses pacientes estão a ser tratados
com imunoterapia, que usa a CRISPR para modificar o seu ADN.
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

2. Anemia Falciforme
143

A CRISPR Therapeutics está também a colher células estaminais da


medula em pacientes com anemia falciforme. A CRISPR altera então essas
células para produzirem hemoglobina fetal. As células tratadas voltam depois a
ser introduzidas no corpo.

3. Sida

Há um número reduzido de indivíduos que nasce com imunidade natural


à sida devido a uma mutação no gene CCR5. Normalmente, a proteína
produzida por este gene cria um ponto de entrada para o vírus da sida entrar
numa célula. Contudo, nestes raros indivíduos, o gene CCR5 sofreu uma
mutação que impede o vírus da sida de penetrar na célula. Para as pessoas
que não têm esta mutação, os cientistas estão a editar deliberadamente o
gene CCR5 com a CRISPR para que o vírus não consiga entrar nas células.

4. Fibrose Cística

A fibrose cística é uma doença respiratória relativamente comum. Os


indivíduos que sofrem desta doença raramente sobrevivem para além dos
quarenta anos de idade. É causada por uma mutação no gene CFTR. Nos
Países Baixos, os médicos conseguiram usar a CRISPR para reparar esse gene
sem causar efeitos secundários. Outros grupos, como a Editas Medicine, a
CRISPR Therapeutics e a Beam Therapeutics, estão também a planear tratar a
fibrose cística com a CRISPR.

5. Doença de Huntington

Esta doença genética causa demência, doença mental, deficiências de


cognição e outros sintomas debilitantes. Crê-se que algumas das pessoas
perseguidas e acusadas de bruxaria nos julgamentos de Salem em 1692
sofriam desta doença. Resulta de uma repetição do gene de Huntington ao
longo do ADN. Os cientistas no Hospital Pediátrico de Filadélfia estão a usar a
CRISPR para tratar essa doença.

Embora doenças causadas por mutações mínimas sejam alvos


relativamente fáceis para a CRISPR, doenças como a esquizofrenia podem
envolver um maior número de mutações, além de interações com o ambiente.
Mais uma razão pela qual os computadores quânticos serão necessários.
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

Para compreender como estas mutações podem criar uma doença, ao


144

nível celular, será preciso recorrer a toda a potência dos computadores


quânticos. Depois de conhecermos o mecanismo molecular pelo qual certas
proteínas causam doenças genéticas, poderemos então modificá-las ou
encontrar tratamentos mais eficazes.

O Paradoxo de Peto
No entanto, isto traz também ao de cima um paradoxo relativamente ao
cancro. O biólogo Richard Peto, de Oxford, observou algo curioso em relação
aos elefantes. Devido ao seu grande tamanho, seria de esperar que tivessem
mais cancros do que animais muito mais pequenos. Afinal de contas, uma
massa maior significa que mais células estão constantemente a dividir-se e a
introduzir a possibilidade de erros genéticos como o cancro. Porém,
surpreendentemente, os elefantes têm uma taxa de incidência de cancro
relativamente baixa. Isto ficou conhecido como paradoxo de Peto.

Ao analisarmos o reino animal, encontramos esta situação por todo o


lado. A taxa de incidência de cancro não corresponde ao peso corporal. Mais
tarde, veio a saber-se que os elefantes têm 20 cópias do gene p53, enquanto
os humanos têm apenas uma. Pensa-se que estas cópias extra do p53
trabalham com outro gene chamado LIF para dar aos elefantes uma vantagem
contra o cancro. Assim, crê-se que genes como o p53 e o LIF contribuem para
suprimir os cancros em animais grandes.

No entanto, a história pode não acabar aí. Por exemplo, as baleias têm
apenas uma cópia do p53 e uma versão do LIF, e contudo a taxa de incidência
de cancro entre as baleias é baixa. Isto significa que as baleias têm
provavelmente outros genes, que os cientistas ainda não descobriram, que as
protegem contra o cancro. Na verdade, pensa-se que pode existir um grande
número de genes que impedem que os grandes animais sejam vítimas de
taxas elevadas de cancro. Certos tubarões podem também ter alguma
vantagem genética obtida através da evolução. Os tubarões-da-gronelândia
podem viver até aos quinhentos anos, algo que é possível, provavelmente,
graças a um gene ainda desconhecido.

«A esperança é que, sabendo como a evolução encontrou uma maneira


de prevenir o cancro, possamos traduzir isso numa melhor prevenção contra o
cancro. Todos os organismos que desenvolveram um tamanho corporal de
grandes dimensões têm uma solução distinta para o paradoxo de Peto. Há uma
série de descobertas à nossa espera na natureza, onde a natureza nos está a
mostrar o caminho para prevenir o cancro», diz Carlo Maley, que estudou o
gene p53 no reino animal. E os computadores quânticos podem revelar-se
muito importantes na descoberta destes misteriosos genes anticancro. 42
Supremacia Quântica 3ª Parte Edição Genética e a Cura do Cancro

Há muitas formas pelas quais os computadores quânticos ajudariam na


145

guerra contra o cancro. Um dia, as biópsias líquidas podem vir a detetar


células cancerígenas anos ou décadas antes da formação de tumores. Na
verdade, um dia os computadores quânticos talvez possibilitem a existência de
um gigantesco repositório nacional de dados genómicos atualizados ao minuto,
usando as nossas casas de banho para rastrear toda a população em busca
dos primeiros sinais de células cancerígenas.

No entanto, se o cancro chegar a formar-se, através dos computadores


quânticos serão possíveis modificações ao nosso sistema imunitário que lhe
darão a possibilidade de atacar centenas de tipos diferentes de cancro. Uma
combinação de terapia genética, imunoterapia, computadores quânticos e
CRISPR tem potencial de vir a cortar e editar os genes cancerígenos com uma
extraordinária precisão molecular, ajudando a reduzir os efeitos secundários,
frequentemente letais, da imunoterapia. Mais ainda, talvez um punhado de
genes, como o p53, estejam envolvidos na grande maioria desses cancros,
pelo que a terapia genética, combinada com novas perspetivas dadas pelos
computadores quânticos, pode conseguir travá-los antes que se desenvolvam
mais.

Todos estes avanços no tratamento do cancro, com as biópsias líquidas e


a imunoterapia, levaram a que o presidente Joseph Biden anunciasse, em
2022, o Cancer Moonshot, uma iniciativa com o objetivo de reduzir a taxa de
morte por cancro em pelo menos 50 por cento nos próximos vinte e cinco
anos, a nível nacional. Tendo em conta os rápidos avanços na biotecnologia, é
sem dúvida um objetivo possível.

Embora possamos um dia vir a ter a capacidade de curar completamente


um número cada vez mais vasto de cancros, com recurso a esta tecnologia, é
provável que continuemos a sofrer de algumas formas de cancro,
simplesmente porque há várias maneiras de um cancro se poder formar.
Porém, no futuro, talvez o cancro venha a ser tratado como uma constipação
comum, um aborrecimento evitável. Todavia, outra poderosa combinação de
novas tecnologias, que exploraremos no capítulo seguinte, talvez nos
proporcione uma linha de defesa contra a doença. A inteligência artificial e os
computadores quânticos poderão também dotar-nos da capacidade de criar
proteínas sintéticas, das quais os nossos corpos são compostos. Juntos,
poderão possibilitar-nos curar doenças incuráveis e reformular a própria vida.

40 Liz Kwo and Jenna Aronson, «The Promise of Liquid Biopsies for Cancer Diagnosis», American Journal of Managed Care, 11 de
outubro de 2021; www.ajmc.com/view/the-promise-of-liquid-biopsies-for-cancer-diagnosis.
41 Clara Rodríguez Fernández, «Eight Diseases CRISPR Technology Could Cure», Labiotech, 18 de outubro de 2021;
https://www.labiotech.eu/best-biotech/crispr-technology-cure-disease/.
42 Viviane Callier, «A Zombie Gene Protects Elephants from Cancer», Quanta Magazine, 7 de novembro de 2017;
www.quantamagazine.org/a-zombie-gene-protects-elephants-from-cancer-2017107.
CAPÍTULO 12
– IA E COMPUTADORES QUÂNTICOS –

Serão as máquinas capazes de pensar?

Esta foi a pergunta que dominou a histórica Conferência de Dartmouth


em 1956, na qual teve origem um campo totalmente novo da ciência, chamado
«inteligência artificial». Começou com uma ousada proposta que dizia: «Far-
se-á uma tentativa para descobrir como é que as máquinas usam a linguagem,
formam abstrações e conceitos, resolvem o tipo de problemas agora
reservados para os humanos e se melhoram a si próprias.» Previa-se ser
«possível fazer avanços significativos... se um grupo cuidadosamente
selecionado de cientistas trabalhar no assunto, em conjunto, durante um
verão». 43

Muitos verões depois, alguns dos cientistas mais brilhantes do mundo


continuam a trabalhar obstinadamente neste problema. Um dos líderes nessa
conferência era o professor Marvin Minskey do MIT, que foi considerado o Pai
da Inteligência Artificial.

Quando lhe perguntei sobre esse período, ele disse-me que foram
tempos embriagantes. Parecia que em poucos anos seria possível criar uma
máquina com inteligência correspondente à de um ser humano. Talvez fosse
apenas uma questão de tempo até que os robôs conseguissem passar no teste
de Turing.

Parecia que todos os anos aconteciam progressos no campo da IA. Pela


primeira vez, computadores digitais conseguiam jogar damas, e até vencer
humanos em jogos simples. Havia computadores capazes de resolver
problemas de álgebra ao nível de um jovem estudante. Criaram-se braços
mecânicos que conseguiam identificar e apanhar blocos. No Instituto de
Investigação de Stanford, os cientistas construíram o Shakey, um
minicomputador em forma de caixa, montado sobre lagartas, com uma câmara
em cima. Podia ser programado para se deslocar por uma divisão e identificar
os objetos no seu caminho. Era capaz de se orientar sozinho e de evitar
obstáculos. (O nome vinha do barulho e vibração da sua deslocação.)*

A comunicação social perdeu a cabeça. O homem mecânico estava a


nascer defronte dos nossos olhos, gritaram. Os cabeçalhos nas revistas
científicas anunciaram a chegada do robô doméstico, que poderia aspirar o
chão, lavar a loiça e aliviar-nos das tarefas domésticas. Os robôs seriam um
dia baby-sitters ou até membros de confiança da nossa família. Até a indústria
militar abriu os cordões à bolsa para financiar robôs para utilização no campo
de batalha, como o Smart Truck, que poderia um dia andar sem condutor,
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

efetuar missões de reconhecimento por trás das linhas inimigas, socorrer


147

soldados feridos e regressar à base, tudo de forma autónoma.

Os historiadores começaram a escrever que estávamos à beira de


realizar um sonho antigo. O deus grego, Vulcano, criara uma frota de robôs
para fazer trabalhos no seu castelo. Pandora, que abrira uma caixa mágica e,
sem o saber, libertara assim uma catástrofe sobre a raça humana, era na
realidade um robô construído por Vulcano. E até o polímata Leonardo da Vinci,
em 1495, construiu um cavaleiro mecânico capaz de movimentar os braços,
levantar-se, sentar-se e erguer a viseira, operado por uma série de cabos e
roldanas ocultos.

Mas depois instalou-se «o inverno da IA». Apesar de todos os


comunicados de imprensa empolgados, a IA fora vendida à comunicação social
de forma exagerada, e as nuvens negras do pessimismo surgiram. Os
cientistas começaram a perceber que os seus aparelhos de IA eram como
mágicos que só sabiam um truque. Cada um era capaz de efetuar apenas uma
simples tarefa. Os robôs eram ainda aparelhos desastrados que mal
conseguiam orientar-se numa sala. A ideia de criar uma máquina
multifuncional que estivesse à altura da inteligência de um ser humano parecia
inacreditavelmente avançada.

As forças militares começaram a perder interesse. O financiamento secou


e os investidores perderam uma fortuna. Desde então, passámos por vários
invernos da IA, em que o ciclo sucesso-fiasco gerava um entusiasmo enorme e
publicidade descarada, apenas para voltar a desabar. Os cientistas foram
obrigados a encarar a dura realidade: a IA era mais difícil de desenvolver do
que tinham julgado.

Tendo em conta que Marvin Minsky viu passar tantos invernos da IA,
perguntei-lhe se tinha alguma previsão sobre quando um robô poderia alcançar
uma inteligência equivalente ou superior à humana. Ele sorriu e disse-me que
já se deixou desse tipo de previsão quanto ao futuro. Já não se dedica a
estudar bolas de cristal. Foram demasiadas as vezes, admitiu, em que as
pessoas se deixaram levar pelo entusiasmo.

O problema, explicou-me ele, é que os investigadores na área da IA


sofrem de algo a que chamou «inveja da física», o desejo de encontrar um
tema único, unificador e abrangente para a IA. Os físicos, disse ele, procuram
uma teoria de campo unificada que dará uma imagem coerente e elegante do
Universo, mas a IA é diferente. É uma manta de retalhos complexa, com
demasiados caminhos divergentes e até contraditórios dados pela evolução.

É preciso explorar novas ideias e novas estratégias. Uma via promissora


poderá ser a união da IA com os computadores quânticos, a fusão do poder
destas duas disciplinas para atacar o problema da inteligência artificial. No
passado, a IA estava colada aos computadores digitais, pelo que existiam
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

limites frustrantes quanto ao que um computador podia fazer. Mas a IA e os


148

computadores quânticos complementam-se mutuamente. A IA tem a


capacidade de aprender tarefas novas e complexas, e os computadores
quânticos podem fornecer-lhe a potência computacional de que precisa.

Um computador quântico pode ter uma potência formidável, mas não


aprende necessariamente com os seus próprios erros. Porém, um computador
quântico equipado com redes neuronais será capaz de melhorar os seus
cálculos a cada iteração, podendo resolver problemas mais depressa e de
modo mais eficiente através da descoberta de novas soluções. Da mesma
forma, os sistemas de IA podem estar equipados para aprender com os seus
erros, mas a capacidade computacional total de que dispõem é demasiado
reduzida para resolver problemas de grande complexidade. Assim, uma IA
apoiada pela potência computacional de um computador quântico poderia
atacar problemas mais difíceis.

No fundo, a união de IA e computadores quânticos poderá vir a abrir vias


totalmente novas de investigação. Talvez a chave da inteligência artificial se
encontre na teoria quântica. Na verdade, a fusão de ambas pode revolucionar
todos os ramos da ciência, alterar o nosso estilo de vida e modificar de forma
radical a economia. A IA dar-nos-á a capacidade de criar máquinas capazes de
aprendizagem e, assim, de copiar as competências humanas, enquanto os
computadores quânticos podem fornecer a potência computacional para,
finalmente, criar uma máquina inteligente. 44

Tal como disse o diretor-executivo da Google, Sundar Pichai: «Penso que


a IA pode acelerar a computação quântica e a computação quântica pode
acelerar a IA »

Máquinas de Aprendizagem Automática


Um cientista que refletiu longamente sobre o futuro da IA é, ex-diretor
do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT, que foi fundado por Marvin
Minsky.

Brooks acredita que a IA pode ter sido concebida de forma demasiado


limitada. Por exemplo, disse-me, imaginemos uma mosca. A mosca consegue
executar proezas de navegação extraordinárias, que ultrapassam as
capacidades das nossas melhores máquinas. Por si só, é capaz de voar
habilmente por uma divisão, manobrar, evitar obstáculos, localizar comida,
encontrar parceiros para acasalar e esconder-se, tudo isto com um cérebro do
tamanho da ponta de um alfinete. É verdadeiramente uma maravilha de
engenharia biológica.
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

Como é possível? Como pode a Mãe Natureza criar uma máquina


149

voadora capaz de envergonhar as nossas melhores aeronaves?

Ele começou a perceber que talvez a área da IA tivesse feito as


perguntas erradas em 1956. Na altura, presumia-se que o cérebro era uma
espécie de máquina de Turing, um computador digital. Se transcrevêssemos as
regras completas do xadrez, da álgebra, de caminhar, etc., para um software
gigantesco, e depois o introduzíssemos no computador digital, este começaria
subitamente a pensar. «Pensar» fora reduzido a software e, assim, a
estratégica básica era evidente: escrever software cada vez mais sofisticado
para guiar a máquina.

Uma máquina de Turing, recordemos, tem um processador que executa


as instruções que lhe são transmitidas. É apenas tão inteligente como a
programação que implementa. Assim, um robô andante tem de ter todas as
leis do movimento de Newton programadas nele para guiar os movimentos dos
seus membros, microssegundo a microssegundo. Para tal, são necessários
programas de computador gigantescos, com milhões de linhas de código, para
algo tão simples como atravessar uma sala.

As máquinas de IA até então, disse-me Brooks, baseavam-se em


programar todas as leis da lógica e do movimento desde o início, o que se veio
a revelar uma tarefa árdua. Chamava-se a isto a abordagem «de cima para
baixo», pela qual os robôs eram programados para dominar qualquer
competência desde o princípio. Porém, os robôs desenhados desta forma eram
patéticos. Se pegarmos no Shakey, ou num robô militar avançado da mesma
época, e o colocarmos na floresta, o que é que ele faz? O mais provável é que
se perca ou tombe. Não obstante, o mais pequeno inseto, com o seu cérebro
minúsculo, consegue deslocar-se rapidamente pela mesma área, encontrar
comida, parceiros para acasalar e abrigo, enquanto o nosso robô se debate,
impotente, caído de costas.

Não foi assim que a Mãe Natureza concebeu as suas criaturas.

Na natureza, apercebeu-se Brooks, os animais não são programados


para caminhar desde o início. Aprendem da maneira mais difícil, pondo uma
perna em frente da outra, caindo e recomeçando. Experimentação e erro é o
método da natureza.

Isto leva-nos também ao conselho que todos os professores de música


dão ao aluno promissor. Como chegar ao Carnegie Hall? A resposta é: praticar,
praticar, praticar.

Por outras palavras, a Mãe Natureza concebe criaturas que são máquinas
de aprendizagem por reconhecimento de padrões, que recorrem a
experimentação e erro para navegar o mundo. Cometem erros, mas a cada
iteração aproximam-se mais do sucesso.
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

Esta é uma abordagem «de baixo para cima», e começa simplesmente


150

por ir contra as coisas. Por exemplo, os bebés aprendem por imitação dos
adultos. Se pusermos um gravador num berço durante a noite, ouviremos os
bebés a balbuciar constantemente. O que estão a fazer, na realidade, é a
praticar os sons que ouvem, uma e outra vez, até aprenderem a duplicá-los
corretamente.

Assim, guiado por esta ideia, Brooks criou uma frota de «insetoides» ou
bugbots. Estes aprendem a andar tal como a Mãe Natureza pretende, indo
contra as coisas. Pouco tempo depois, havia robôs semelhantes a insetos a
rastejar pelo chão no MIT, a colidir com as coisas, mas a ultrapassar
rapidamente em inteligência os robôs desastrados, mais tradicionais, que
seguem regras rígidas, mas esfolam as paredes ao passar. Porquê reinventar a
roda?

Brooks disse-me: «Quando era miúdo, tinha um livro que descrevia o


cérebro como uma rede telefónica. Livros anteriores descreviam-no como um
sistema hidrodinâmico ou um motor a vapor. Depois, nos anos 60, tornou-se
um computador digital. Nos anos 80, tornou-se um computador digital de
computação paralela. Provavelmente existe por aí algum livro infantil que diz
que o cérebro é tal e qual como a World Wide Web.»

Assim, talvez o cérebro seja, na realidade, uma máquina de


aprendizagem por reconhecimento de padrões, baseada naquilo a que se
chama redes neuronais. Em ciência computacional, as redes neuronais
exploram algo conhecido como regra de Hebb. Uma versão desta regra diz
que, ao repetir constantemente uma tarefa e aprendendo com erros
anteriores, cada iteração se aproxima mais do caminho correto. Por outras
palavras, os caminhos elétricos corretos para essa tarefa são reforçados, no
cérebro do sistema de IA, após repetidas iterações.

Por exemplo, quando uma máquina de aprendizagem tenta identificar um


gato, não lhe é dada a descrição matemática das características básicas de um
gato. Ao invés, são-lhe mostradas dezenas de fotografias de gatos, em todo o
tipo de situações — a dormir, a andar, a saltar, à caça, etc. Depois, o
computador determina por si mesmo a aparência de um gato em diferentes
ambientes, por meio de experimentação e erro. A isto chama-se aprendizagem
profunda.

Os sucessos da abordagem de aprendizagem profunda são bastante


notáveis. A AlphaGo da Google, uma IA criada para jogar o antigo jogo de
tabuleiro Go, conseguiu vencer o campeão mundial em 2017. Foi uma proeza
extraordinária, uma vez que existem 10170 posições possíveis no tabuleiro de
19 x 19 do jogo. É mais do que todos os átomos no Universo conhecido. A
AlphaGo aprendeu a jogar, não só ao defrontar os melhores jogadores
humanos, mas também jogando contra si própria, quando conseguia concluir
os jogos quase à velocidade da luz.
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

Problema do Senso Comum


151

As máquinas de aprendizagem ou redes neuronais podem vir a resolver


um dos problemas mais persistentes da inteligência artificial: o «problema do
senso comum». Coisas que os humanos tomam como certas, que até uma
criança compreende, estão para além das capacidades dos nossos
computadores mais avançados. Até um robô conseguir resolver o problema do
senso comum, será incapaz de funcionar na sociedade humana.

Por exemplo, um computador digital pode não compreender um conjunto


de observações simples, tais como:

• A água é molhada, e não seca

• As mães são mais velhas do que as filhas

• As cordas podem puxar, mas não empurrar

• Os paus podem empurrar, mas não puxar

Numa única tarde, é possível escrever dezenas de factos «óbvios» sobre


o nosso mundo que estão para além da capacidade de compreensão dos
computadores digitais. Isto porque os computadores não vivenciam o mundo
como nós.

As crianças aprendem estes factos de senso comum porque vão de


encontro a essas coisas. Aprendem ao fazer. Sabem que as mães são mais
velhas do que as filhas porque o viram através da sua experiência. Mas um
robô é uma tábua rasa, sem qualquer entendimento prévio do que o rodeia.

Tal como discutimos em relação à abordagem «de cima para baixo», os


cientistas tentaram programar senso comum no software de um computador.
Instantaneamente, este saberia como se movimentar e funcionar na sociedade
humana. Contudo, todas as tentativas de o fazer terminaram em fracasso. Há,
pura e simplesmente, demasiadas noções de senso comum, que até uma
criança de quatro anos compreende, que se encontram fora do alcance dos
nossos computadores digitais.

Assim, talvez a fusão das abordagens «de cima para baixo» e «de baixo
para cima», e a fusão da IA com os computadores quânticos, possam vir a
concretizar o sonho dos primeiros investigadores de IA e abrir caminho ao
futuro.

À medida que a lei de Moore abranda, conforme vimos mais atrás,


devido ao facto de os transístores estarem a aproximar-se do tamanho de
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

átomos, os microchips serão inevitavelmente substituídos por computadores


152

mais avançados, como os computadores quânticos.

A IA, por sua vez, estagnou devido à falta de potência computacional. As


suas capacidades em máquinas de aprendizagem, reconhecimento de padrões,
motores de busca e robótica estão circunscritas por este limite. Os
computadores quânticos podem acelerar de forma extraordinária o progresso
em cada uma dessas áreas, pois conseguem processar simultaneamente
vastas quantidades de informação. Enquanto os computadores digitais
computam um bit de cada vez, os computadores quânticos computam uma
série imensa de qubits ao mesmo tempo, ampliando exponencialmente a sua
potência.

Assim, vemos como a IA e os computadores quânticos se podem


beneficiar mutuamente. Os computadores quânticos têm a ganhar com a
possibilidade de aprender novas tarefas, como numa rede neuronal, e a IA
beneficiará da vasta potência computacional dos computadores quânticos.

Enovelamento de Proteínas
Os sistemas de aprendizagem profunda de IA estão agora a debruçar-se
sobre um dos maiores problemas de toda a biologia e medicina: descodificar o
segredo das moléculas de proteína. Embora o ADN contenha as instruções da
vida, são as proteínas que na realidade fazem o trabalho de pôr o corpo a
funcionar. Se compararmos o nosso corpo com um estaleiro de construção, o
ADN contém as plantas, mas as proteínas fazem o trabalho duro do capataz e
dos construtores. Uma planta de nada serve sem um exército de operários que
a ponha em prática.

As proteínas são as bestas de carga da biologia. Não só compõem os


músculos que dão energia ao corpo, como também digerem a nossa comida,
atacam os germes, regulam as funções corporais e executam muitas outras
tarefas cruciais. Assim, os biólogos questionaram-se: como é que a molécula
de proteína desempenha todas essas funções miraculosas?

Nas décadas de 50 e 60, os cientistas usaram cristalografia de raios X


para cartografar a estrutura de várias moléculas de proteína, que são
formadas por exatamente 20 aminoácidos dispostos em longas cadeias,
criando novelos complexos. Para sua grande surpresa, os cientistas
descobriram que é precisamente o feitio da molécula de proteína que torna
possível a sua magia. Os cientistas dizem que, neste caso, «a função segue a
forma», ou seja, é a configuração de uma molécula de proteína, com todos os
seus nós e torcidos intrincados, que cria as propriedades características dessa
proteína.
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

Por exemplo, pensemos no vírus da covid-19, cujo formato sabemos ser


153

comparável à coroa solar, com muitos espigões de proteína a projetarem-se da


superfície. Esses espigões* são como chaves que abrem as «fechaduras»
específicas localizadas na superfície das células dos nossos pulmões. Ao abrir
essas fechaduras, a proteína spike pode então injetar o seu material genético
nas células dos nossos pulmões, onde rapidamente produz cópias de si própria,
multiplicando-se. A célula morre e liberta então estes vírus mortíferos que vão
infetar ainda mais células saudáveis nos pulmões. Estes espigões são o motivo
pelo qual a economia mundial quase implodiu em 2020-22.

Assim, é a forma da proteína, mais do que qualquer outra coisa, que


determina como a molécula se comporta. Se soubéssemos a forma de cada
molécula de proteína, seria um passo gigantesco para entender como ela
funciona.

A isto chama-se o «problema de enovelamento de proteínas», a tarefa


de cartografar o formato de todas as proteínas importantes, e pode vir a
desvendar o segredo de muitas doenças incuráveis.

A cristalografia de raio X tem-se revelado essencial na determinação da


forma de uma molécula de proteína, mas trata-se de um processo demorado e
enfadonho. Os cientistas começam por, primeiro, isolar e purificar
quimicamente as proteínas que querem analisar, que têm então de ser
cristalizadas. A proteína cristalizada é inserida numa máquina de difração de
raio X, que dispara raios X através do cristal e forma um padrão de
interferência numa película fotográfica. Ao princípio, a fotografia de raio X
parece um emaranhado sem sentido de pontos e linhas. Porém, através de
intuição, sorte e física, os cientistas tentam então decifrar a estrutura da
proteína a partir das imagens de raio X.

Figura 10: Enovelamento de proteínas.


Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

As proteínas consistem numa longa cadeia de 20 aminoácidos, que pode dobrar-se de formas complexas. O
154

formato da molécula de proteína dobrada sobre si própria determina como ela funciona. Os computadores
quânticos talvez possibilitem aos cientistas analisar e depois criar proteínas completamente novas com
propriedades estranhas mas úteis, abrindo assim um novo ramo da biologia.

O Nascimento da Biologia Computacional


Assim, um dos objetivos de uma área emergente chamada biologia
computacional é usar computadores para decifrar a estrutura 3D de uma
proteína, olhando apenas para os seus constituintes químicos. Talvez todos os
anos de trabalho árduo para compreender a estrutura de uma molécula de
proteína pudessem passar a ser feitos com o pressionar de um botão num
computador a executar um programa de IA.

Para ajudar a estimular a investigação nesta área difícil mas crucial, os


cientistas experimentaram uma nova estratégia. Criaram um concurso
chamado CASP (Avaliação Crítica de Previsão de Estrutura), para ver quem
tinha o melhor programa de computador que resolvesse o problema da
determinação da estrutura das proteínas.

Foi um ponto de viragem, uma vez que deu aos jovens cientistas um
objetivo concreto e empolgante. Podiam conquistar fama e o reconhecimento
dos seus pares utilizando a IA para solucionar o problema do enovelamento
das proteínas, o que podia levar a terapias capazes de salvar milhares de
vidas.

As regras do concurso eram simples. Os concorrentes recebiam pistas


mínimas sobre a natureza de determinada proteína, como a sequência de
aminoácidos. Depois cabia ao programa de computador preencher todos os
detalhes sobre o modo como ela se dobra sobre si própria. Uma forma de
abordar o problema era utilizar o princípio de ação mínima de que Richard
Feynman foi pioneiro. Se bem se lembram, Feynman, ainda aluno de liceu,
conseguiu determinar que caminho uma bola seguiria ao minimizar a sua ação
(a energia cinética menos a energia potencial).

É possível aplicar o mesmo método às moléculas de proteínas. O objetivo


é descobrir a configuração de aminoácidos que cria o estado mais baixo de
energia. Este processo foi comparado a descer uma montanha para encontrar
o ponto mais baixo de um vale. Primeiro, dá-se passos pequenos e hesitantes
em todas as direções. A seguir, movemo-nos apenas na direção que reduz
ligeiramente a nossa altura. Recomeçamos então o processo e damos o passo
seguinte, para ver se é possível baixar ainda mais, e assim sucessivamente até
chegar ao fundo do vale.

Da mesma forma, é possível descobrir que configuração de aminoácidos


tem a energia mais baixa. Eis uma maneira de o fazer:
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

Antes de começar, são efetuadas uma série de aproximações. Uma vez


155

que uma molécula tem muitas funções de onda a descrever eletrões e núcleos,
todas a interagir entre si de modos complexos, o cálculo excede rapidamente a
capacidade de um computador convencional. Assim, retiram-se alguns termos
complexos, relativamente pequenos (por exemplo, a interação de eletrões com
núcleos pesados, e certas interações entre eletrões), na esperança de que isso
não crie demasiados erros.

Agora que o programa está preparado, o primeiro passo é ligar os


aminoácidos uns aos outros numa longa cadeia. Isto cria um esqueleto ou
«modelo de brincar» da possível estrutura da molécula de proteína. Uma vez
que conhecemos os ângulos de ligação quando certos átomos se unem uns aos
outros, isto dá-nos uma aproximação inicial, por alto, da possível estrutura da
proteína.

Em segundo lugar, calcula-se a energia dessa configuração de


aminoácidos, porque sabemos a energia das suas várias cargas e como as
ligações podem mover-se.

Terceiro, torce-se e dobra-se essas ligações, para ver se a nova


configuração aumenta ou diminui a energia da proteína. É o equivalente aos
tais passos hesitantes na montanha, à procura do passo que baixa a nossa
altura.

Quarto, afastam-se todas as configurações que aumentam a energia,


conservando apenas aquelas que a baixam. O computador «aprende» por
experimentação e erro como o movimento dos átomos pode reduzir a energia
da molécula.

E, por fim, recomeça-se tudo de novo, torcendo as ligações químicas ou


reorganizando os aminoácidos. A cada iteração, reduz-se a energia por meio
de ajustes na localização e posição dos aminoácidos, até finalmente alcançar a
configuração com a energia mais baixa. Normalmente, este processo de ajuste
constante da posição dos átomos seria impossível para um computador digital.
Porém, uma vez que se parte de uma série de aproximações, pondo de lado
termos complexos que são relativamente pequenos, um computador consegue
resolver a versão simplificada numa questão de horas ou dias.

De início, os resultados foram risíveis. Quando se comparava a forma da


molécula prevista pelo computador com a forma concreta da molécula obtida
através de cristalografia de raio X, verificou-se que os modelos de computador
eram extraordinariamente diferentes. Porém, com o passar dos anos, os
programas de aprendizagem tornaram-se mais potentes e os modelos foram
ficando mais precisos.

Em 2021, os resultados foram espetaculares. Mesmo com todas estas


aproximações, a companhia de computadores DeepMind, afiliada da Google,
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

que desenvolveu o AlphaGo, anunciou que o seu programa de IA, chamado


156

AlphaFold, decifrara a estrutura aproximada de um número assombroso de


proteínas: 350.000. Mais ainda, identificara 250.000 formas até então
desconhecidas. Decifrou a estrutura 3D de todas as 20.000 proteínas listadas
no Projeto do Genoma Humano. Até desvendou a estrutura de proteínas
encontradas no rato, na mosca da fruta e na bactéria E. coli. Mais tarde, os
criadores da DeepMind anunciaram que em breve publicariam uma base de
dados de mais de cem milhões de proteínas, que viria a incluir todas as
proteínas conhecidas da ciência.

O mais notável é que, mesmo com todas essas aproximações, os seus


resultados finais são praticamente equivalentes aos da cristalografia de raio X.
Apesar de terem afastado vários termos na equação de onda de Schrödinger,
conseguiram obter resultados surpreendentemente bons.

«Estávamos encalhados neste problema — como é que as proteínas se


dobram sobre si próprias — há quase cinquenta anos. Ver a DeepMind
apresentar uma solução, depois de ter trabalhado pessoalmente no problema
durante tanto tempo e depois de tantos avanços e recuos, sem saber se
alguma vez lá chegaríamos, é um momento muito especial», diz John Moult,
cofundador do CASP. 45

Esta abundância de informação já teve consequências imediatas. Por


exemplo, está a ser utilizada para identificar 26 proteínas diferentes
encontradas no coronavírus, na esperança de descobrir os seus pontos fracos e
criar novas vacinas. No futuro, deverá ser possível descobrir rapidamente a
estrutura de milhares de proteínas cruciais. «Conseguimos criar proteínas
neutralizadoras do coronavírus em poucos meses. Mas o nosso objetivo é fazer
esse tipo de coisa numa questão de semanas», diz David Baker do Instituto de
Design de Proteínas na Universidade de Washington. 46

Isto, no entanto, é apenas o princípio. Tal como já realçámos, a função


segue a forma. Ou seja, o modo como as proteínas fazem o seu trabalho é
determinado pela sua estrutura. Da mesma maneira que uma chave encaixa
numa fechadura, uma proteína faz a sua magia ao, de alguma forma, encaixar
noutra molécula.

Mas descobrir como as proteínas se dobram sobre si próprias foi a parte


fácil. Agora começa a parte difícil, usar computadores quânticos para
determinar a estrutura completa de uma proteína, sem as aproximações, e
como uma proteína em particular se une a outras moléculas para desempenhar
a sua função, quer seja fornecer energia, agir como catalisador, fundir-se com
outras proteínas, unir-se a outras proteínas para criar novas estruturas, dividir
outras moléculas e muito mais. Assim, o enovelamento das proteínas é apenas
o primeiro passo de uma longa viagem que contém os segredos da própria
vida.
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

No futuro, o entendimento do programa de enovelamento de proteínas


157

progredirá em várias fases, semelhantes às fases na criação da genómica.

Fase Um: Cartografar as Proteínas Dobradas

Estamos neste momento na Fase Um, a criar um imenso dicionário com


centenas de milhares de rubricas correspondentes ao enovelamento de várias
proteínas. Cada entrada neste dicionário é uma imagem dos átomos individuais
que se combinam para formar uma proteína complexa. Esses diagramas, por
sua vez, vêm do estudo de fotografias de raio X. Este livro gigantesco tem
como que o nome correto de cada proteína, mas de resto está vazio, sem as
definições. Baseia-se numa série de aproximações que permitem aos
computadores digitais fazer esse cálculo. É bastante surpreendente que, com
tantas aproximações, os cientistas consigam ainda assim obter resultados tão
precisos.

Fase Dois: Determinar a Função das Proteínas

Na próxima fase, na qual estamos agora a entrar, os cientistas tentarão


determinar como a forma geométrica da molécula de proteína determina a sua
função. A IA e os computadores quânticos poderão identificar como certas
estruturas atómicas numa proteína dobrada lhe permitem executar certas
funções no corpo. Por fim, teremos uma descrição completa das funções
corporais e como estas são controladas pelas proteínas.

Fase Três: Criar Novas Proteínas e Medicamentos

O derradeiro passo é usar esse dicionário para criar versões novas e


melhoradas, que nos permitirão desenvolver novos medicamentos e terapias.
Para tal, teremos de abandonar as aproximações e determinar a mecânica
quântica concreta das moléculas. E só os computadores quânticos podem fazê-
lo.

A evolução criou uma abundância de proteínas, através de interações


puramente aleatórias, para executarem diversas tarefas. Contudo, precisou de
milhares de milhões de anos para o fazer. Usando a memória de um
computador quântico como «laboratório virtual», deverá ser possível melhorar
a evolução e criar novas proteínas para aperfeiçoar a sua função no corpo.

Este processo tem um vasto leque de aplicações, incluindo a descoberta


de drogas completamente novas. Para começar, algumas pessoas estão a
estudar como isto ajudaria a limpar o meio ambiente. O exemplo mais simples
de momento é o trabalho dos cientistas que trabalham para encontrar formas
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de decompor os 150 milhões de toneladas de garrafas de refrigerante que se


158

encontram nos oceanos, nas lixeiras e no nosso quintal. A chave seria usar
esta base de dados de proteínas para examinar a estrutura 3D de certas
proteínas, as enzimas capazes de dividir moléculas de plástico, tornando-as
inofensivas. Este trabalho está já a ser feito no Centro de Inovação de Enzimas
na Universidade de Portsmouth, em Inglaterra.

Pode também ter aplicações médicas imediatas, já que várias doenças


incuráveis estão relacionadas com proteínas mal dobradas. Uma via
promissora é compreender a natureza dos priões, que estão potencialmente
relacionados com uma série de doenças incuráveis que podem afetar as
pessoas mais velhas, como as doenças de Alzheimer, de Parkinson e a ELA.
Assim, a pista para encontrar curas para essas doenças incuráveis pode vir dos
computadores quânticos.

As fronteiras da medicina, as doenças incuráveis, podem bem vir a ser a


próxima frente de batalha para os computadores quânticos.

Priões e Doenças Incuráveis


Tradicionalmente, qualquer manual diz que as doenças são disseminadas
por bactérias e vírus.

No entanto, é provável que a história não se fique por aí. Há vários


séculos que sabemos que os animais estão sujeitos a doenças estranhas,
distintas das que afetam os humanos. As ovelhas com tremor epizoótico
comportam-se de forma estranha, esfregam as costas em postes e recusam-se
a comer. É uma doença incurável e sempre fatal. A doença das vacas loucas
(encefalopatia espongiforme bovina) é uma doença semelhante, que afeta o
gado, e na qual os animais têm dificuldade em andar, ficam nervosos e até se
tornam violentos.

Nos seres humanos, há uma doença exótica chamada kuru, que se


encontra entre certas tribos na Nova Guiné. Aí, algumas tribos têm um ritual
fúnebre que envolve comer o cérebro do morto. Alguns desses indivíduos
começaram a sofrer de demência, alterações de humor, dificuldades de
locomoção e outros sintomas, devido a uma nova doença que se encontrava no
cérebro dos seus familiares.

Stanley B. Prusiner da Universidade da Califórnia em São Francisco foi


contra a corrente do pensamento médico convencional ao concluir que tudo
isto era evidência de um novo tipo de doença. Em 1982, anunciou ter
purificado e isolado a proteína que causava essa doença. Em 1997, recebeu o
Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina pela descoberta dos priões.
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Um prião é uma proteína que se dobrou da forma errada. Não se


159

propagam da forma como as doenças alastram habitualmente, mas sim ao


estabelecer contato com outras proteínas. Quando um prião entra em contato
com uma molécula de proteína normal, o prião, de alguma maneira, força a
proteína normal a dobrar-se de modo incorreto. Assim, a doença priónica
espalha-se rapidamente pelo corpo.

Atualmente, embora exista ainda algum desacordo, há cientistas que


acreditam que muitas das doenças fatais que atingem os idosos podem ser
também causadas por priões. Entre elas, a doença de Alzheimer, que já foi
considerada «a doença do século». Sabe-se que seis milhões de americanos
sofrem de Alzheimer, muitos dos quais acima dos sessenta e cinco anos de
idade. Um em cada três cidadãos seniores morre de Alzheimer ou demência.
Neste momento, é a sexta principal causa de morte nos Estados Unidos e o
número de casos continua a subir progressivamente. Calcula-se que cerca de
metade das pessoas que vivem até depois dos oitenta anos poderão a dada
altura sucumbir a esta doença.

A doença de Alzheimer é particularmente trágica porque ataca o que


temos de mais pessoal e valioso: as memórias e a noção de quem somos.
Ataca primeiro o cérebro em áreas perto do centro, como o hipocampo, que
guarda as memórias de curto prazo. Assim, os primeiros sinais de Alzheimer
são esquecer o que acabou de acontecer. Podemos recordar com uma nitidez
extraordinária coisas que aconteceram há sessenta anos, mas esquecemo-nos
de coisas que aconteceram há seis minutos. Porém, com a progressão, alastra
ao resto do cérebro, e até as memórias mais antigas se perdem nas areias do
tempo. É sempre fatal.

A minha mãe morreu de Alzheimer. Foi devastador ver as suas memórias


desaparecerem lentamente, até já não saber quem eu era.

Mais tarde, não sabia sequer quem ela própria era. Sabe-se que a
doença de Alzheimer tem uma componente genética. As pessoas que têm uma
mutação no gene APOE4 são mais suscetíveis à doença. Numa série da BBC-TV
que apresentei, a câmara focou-se no meu rosto enquanto me perguntavam se
estava disposto a fazer o teste ao APOE4 para saber se possuía uma tendência
genética para a doença. O que diria eu se descobrisse que estava de facto
condenado a sofrer de Alzheimer? Pensei nisso e por fim disse que queria
ainda assim fazer o teste, porque é sempre melhor estar preparado para o
futuro, o que quer que este nos reserve. (Felizmente, o meu teste foi
negativo.)

Infelizmente, a causa exata da doença de Alzheimer é ainda


desconhecida. A única forma de confirmar se alguém sofria de Alzheimer é
através de uma autópsia. Os médicos descobrem frequentemente que os
cérebros das pessoas com Alzheimer têm dois tipos de proteína «pegajosa»,
chamadas proteína beta-amiloide e proteína tau. Porém, há décadas que os
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médicos debatem se estas proteínas pegajosas são a causa da doença de


160

Alzheimer ou talvez apenas um produto derivado da doença, sem qualquer


importância. O problema é que as autópsias mostraram que algumas pessoas
têm grandes depósitos amiloides no cérebro apesar de não exibirem qualquer
sintoma da doença. Assim, não existe uma relação causa-efeito direta entre a
doença de Alzheimer e as placas amiloides, em muitos casos.

Uma pista para este mistério foi revelada recentemente. Alguns


cientistas na Alemanha descobriram uma correlação direta entre pessoas com
proteínas disformes e pessoas com doença de Alzheimer. Em 2019, fizeram a
extraordinária revelação de que as pessoas com uma proteína amiloide mal
dobrada no sangue, mesmo que ainda livres de sintomas, tinham uma
probabilidade 23 vezes maior de vir a sofrer de Alzheimer. Era possível
confirmar essa ligação até catorze anos antes de haver um diagnóstico clínico.

Isto significa que, talvez anos antes do desenvolvimento dos sintomas da


doença de Alzheimer, uma simples análise ao sangue poderá dar-nos as
probabilidades de virmos a sofrer da doença, ao rastrear a presença dessa
proteína amiloide disforme.

Stanley Prusiner, numa investigação recente que dirigiu, disse: «Acredito


que isto mostra, sem qualquer sombra de dúvida, que as proteínas beta-
amiloide e tau são ambas priões, e que a doença de Alzheimer é um distúrbio
de duplo prião na qual estas proteínas imprevisíveis, juntas, destroem o
cérebro... Precisamos de uma mudança estrutural na investigação sobre a
doença de Alzheimer.» 47

Um dos autores do relatório, Klaus Gerwert, sublinhou que este avanço


poderá levar a novos tratamentos para a doença de Alzheimer, para a qual não
existe de momento tratamento algum: «A medida de beta-amiloide disforme
no sangue pode, assim, dar um importante contributo para a descoberta de
um medicamento contra a doença de Alzheimer.» 48

Hermann Brenner, da Alemanha, outro dos autores, acrescentou ainda:


«Todos depositamos agora as nossas esperanças na utilização de novas
abordagens de tratamento durante a fase inicial da doença, ainda antes dos
sintomas, de modo a dar passos preventivos.» 49

Versões «boa» e «má» da Proteína Amiloide


Outra descoberta feita em 2021 pode dizer-nos precisamente como
decorre esse processo. Na Universidade da Califórnia, os cientistas
descobriram que é possível distinguir versões boas e más da proteína amiloide
com um mero olhar à sua estrutura. Descobriram que as moléculas de
proteína, por serem feitas de uma longa cadeia de aminoácidos enovelada,
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têm muitas vezes aglomerados de átomos que formam espirais numa direção
161

ou noutra, ou no sentido dos ponteiros do relógio ou no sentido inverso.

Na proteína amiloide normal, o formato é «esquerdino», ou seja, as


espirais e reviravoltas da molécula seguem uma orientação. Contudo, a outra
proteína amiloide associada à doença de Alzheimer é dextra. Se esta teoria se
comprovar, que um certo tipo de proteína disforme é responsável pela doença
de Alzheimer, pode representar um caminho completamente novo para a
investigação.

Primeiro, temos de criar imagens pormenorizadas em 3D desses dois


tipos de proteína amiloide. Usando computadores quânticos, será possível ver,
ao nível atómico, precisamente como é que a molécula de Alzheimer disforme
consegue propagar-se, ao colidir com moléculas saudáveis, e por que causa
tantos danos no cérebro.

Depois, estudando a estrutura da proteína, poderemos determinar como


afeta os neurónios do nosso sistema nervoso. Quando esse mecanismo for
conhecido, abrem-se várias possibilidades. Uma delas é isolar os defeitos
nessa proteína e usar terapia genética para criar uma versão correta do gene.
Ou talvez, um dia, seja possível criar drogas capazes de bloquear o
crescimento da proteína dextra, ou até ajudar a eliminá-la mais rapidamente
do sistema.

Por exemplo, sabemos que essas moléculas disformes só existem no


cérebro durante cerca de 48 horas antes de serem naturalmente expelidas.
Quando compreendermos a estrutura molecular da proteína dextra, podemos
criar outra molécula que agarre nessa molécula anormal e a desfaça,
neutralizando-a de modo que já não seja perigosa, ou se una a ela para que
seja expelida mais depressa do sistema. Os computadores quânticos podem
ser úteis na descoberta dos pontos fracos da molécula.

Em suma, os computadores quânticos poderão identificar muitas


abordagens, ao nível molecular, com potencial de neutralizar ou eliminar o
prião mau, algo que não conseguimos ainda fazer com a abordagem de
experimentação e erro e os computadores digitais.

ELA
Outro alvo para os computadores quânticos é a esclerose lateral
amiotrófica (ELA), também conhecida como doença de Lou Gehrig, uma
doença fatal que reduz o corpo a uma massa paralisada de tecidos e afeta pelo
menos 16.000 pessoas só nos Estados Unidos. A mente permanece intacta,
mas o corpo vai definhando. Esta doença ataca o sistema nervoso, desligando
o cérebro dos músculos, em certo sentido, e acaba por causar a morte.
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

A vítima mais famosa desta doença foi o cosmólogo Stephen Hawking. O


162

seu caso foi invulgar, uma vez que viveu até aos setenta e seis anos de idade,
enquanto a maioria dos pacientes morre rapidamente. As vítimas desta temida
doença vivem, regra geral, apenas dois a cinco anos após o diagnóstico.

Hawking convidou-me uma vez para dar uma palestra na Universidade


de Cambridge sobre a teoria das cordas. Fiquei estupefacto quando o visitei
em sua casa. Estava repleta de engenhocas que lhe permitiam funcionar
apesar da doença debilitante. Tinha um aparelho mecânico no qual se colocava
uma publicação sobre física, carregava-se num botão e o aparelho virava a
página automaticamente.

Durante o tempo que tive o gosto de passar com ele, fiquei


profundamente impressionado com a sua força de vontade e o seu desejo de
ser produtivo e de participar na comunidade da física. Apesar de estar quase
completamente paralisado, continuava determinado a prosseguir com a sua
investigação e a interagir com o público. Essa determinação, perante os
obstáculos monumentais que enfrentava, era um testamento da sua coragem e
motivação.

A nível profissional, o seu trabalho estava relacionado com a aplicação da


teoria quântica à teoria da gravidade de Einstein. A esperança é de que, um
dia, a teoria quântica retribua o favor e encontre uma forma de os
computadores quânticos poderem curar esta doença horrível. De momento,
sabe-se pouco sobre ela porque é relativamente rara. Porém, o estudo do
historial familiar dos pacientes mostra que há uma série de genes envolvidos.

Até ao momento, descobrimos cerca de 20 genes associados com a ELA,


mas quatro deles estão presentes na maioria dos casos: C9orf72, SOD1, FUS e
TARDBP. Quando estes genes se avariam, estão associados à morte dos
neurónios motores no tronco cerebral e medula.

O gene SOD1 é particularmente interessante.

Crê-se que os erros no dobramento das proteínas causados pelo SOD1


estão implicados na ELA. O gene SOD1 produz uma enzima chamada
superóxido dismutase, que decompõe moléculas de oxigénio com carga,
chamadas radicais superóxido, e que são potencialmente perigosas. Porém,
quando o SOD1 falha de alguma forma na eliminação desses radicais
superóxido, as células nervosas podem ficar danificadas. Assim, os erros de
dobragem da proteína criados pelo SOD1 podem ser um dos mecanismos que
causa a morte dos neurónios.

Conhecer o caminho molecular seguido por estes genes defeituosos


talvez seja a chave para curar a doença, e os computadores quânticos podem
vir a desempenhar um papel crucial. Usando os genes como modelo, é possível
recriar uma versão 3D da proteína defeituosa produzida por esse gene. Então,
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos

ao estudar a estrutura da proteína, determinar-se-á como esta afeta os


163

neurónios no nosso sistema nervoso. Se conseguirmos determinar como a


proteína defeituosa funciona, ao nível molecular, talvez seja possível encontrar
uma cura.

Doença de Parkinson
Outra doença debilitante que envolve mutações em proteínas no cérebro
é a doença de Parkinson, que afeta cerca de um milhão de pessoas só nos
Estados Unidos. O representante mais famoso desta doença é Michael J. Fox,
que usou o seu estatuto de celebridade para angariar mil milhões de dólares
para a combater. Normalmente, a doença causa tremores incontroláveis nos
membros, mas inclui também outros sintomas, como dificuldades de
locomoção, perda do olfato e perturbações do sono.

Foram feitos alguns progressos quanto a esta doença. Os cientistas


descobriram, por exemplo, que com exames imagiológicos do cérebro é
possível identificar a localização exata onde os neurónios disparam de forma
excessiva, causando por exemplo tremores nas mãos. Esta forma da doença
de Parkinson pode então ser parcialmente tratada, mediante a introdução de
uma agulha no cérebro onde se encontra a hiperatividade. Assim, ao
neutralizar os neurónios que disparam de modo errático, é possível travar
parte dos tremores.

Infelizmente, ainda não existe cura. Foram, todavia, isolados alguns dos
genes associados à doença de Parkinson. É possível sintetizar as proteínas
associadas a estes genes, cuja estrutura 3D poderá vir a ser decifrada por
computadores quânticos. Dessa forma, talvez seja possível descobrir como as
mutações nesse gene causam a doença de Parkinson, e clonar então a versão
correta da proteína alterada e injetá-la de novo no corpo.

Assim, os computadores quânticos abrirão toda uma nova forma de


abordagem a estas doenças incuráveis que afetam os mais velhos. Talvez
possam atacar até um dos maiores problemas médicos de sempre: o
envelhecimento. Se conseguirmos curar o processo de envelhecimento,
curaremos simultaneamente uma série de doenças a ele associadas.

Se os computadores quânticos conseguirem um dia descobrir curas para


os idosos, significará isso que não teremos de morrer nunca?

43 Gil Press, «Artificial Intelligence (AD) Defined», Forbes, 27 de agosto de 2017;


https://www.forbes.com/sites/gilpress/2017/08/27/artificial-intelligence-ai-defined/.
* Shakey deriva de shake, tremer. [N. da T.]
44 Stephen Gossett, «10 Quantum Computing Applications and Examples», Built In, 25 de março de 2020;
https://builtin.com/hardware/quantum-computing-applications.
Supremacia Quântica 3ª Parte IA e Computadores Quânticos
164

* No original, spike. [N. da T.]


45 «AlphaFold: A Solution to a 50-Year-Old Grand Challenge in Biology», DeepMind, 30 de novembro de 2020;
http://www.deepmind.com/blog/alphafold-a-solution-to-a-50-year-old-grand-challenge-in-biology.
46 Cade Metz, «London A.I. Lab Claims Breakthrough That Could Accelerate Drug Discovery», The New York Times, 30 de novembro
de 2020; https://www.nytimes.com/2020/11/30/technology/deepmind-ai-protein-folding.html.
47 Ron Leuty, «Controversial Alzheimer's Disease Theory Could Pinpoint New Drug Targets», San Francisco Business Times, 6 de
maio de 2019; http://www.bizjournals.com/sanfrancisco/news/2019/05/01/alzheimers-disease-prions-amyloid-ucsf-prusiner.html.
48 German Cancer Research Center, «Protein Misfolding as a Risk Marker for Alzheimer's Disease», ScienceDaily, 15 de outubro de
2019; www.sciencedaily.com/releases/2019/10/191015140243.htm.
49 «Protein Misfolding as a Risk Marker for Alzheimer's Disease — Up to 14 Years Before the Diagnosis», Bionity.com, 17 de
outubro de 2019; www.bionity.com/en/news/1163273/protein-misfolding-as-a-risk-marker-for-alzheimers-disease-up-to-14-years-
before-the-diagnosis.html.
CAPÍTULO 13
– IMORTALIDADE –

A mais antiga demanda de todas, que remonta até aos primórdios da


pré-história, é a busca pela imortalidade. Por mais poderoso que seja um rei
ou imperador, nenhum conseguiu eliminar as rugas que via no seu reflexo,
sinal a antecipar a morte inevitável.

Uma das lendas mais antigas de que temos conhecimento, anterior até a
partes da Bíblia, chama-se Épico de Gilgamesh (o antigo guerreiro da
Mesopotâmia) e consiste numa crónica das suas proezas heroicas enquanto
percorria o mundo antigo. Teve muitas aventuras corajosas e atravessou
planícies e desertos, tendo até encontrado um sábio que testemunhara o
Grande Dilúvio. Gilgamesh embarcou na sua viagem porque decidiu dedicar-se
a uma missão grandiosa: encontrar o segredo da vida eterna. Por fim,
encontrou a planta que era a fonte da imortalidade. Todavia, mesmo antes que
pudesse comê-la, uma cobra arrebatou-lha subitamente das mãos e devorou-
a. Os humanos não estavam destinados a ser imortais.

Na Bíblia, Deus baniu Adão e Eva do Jardim do Éden porque


desobedeceram às Suas ordens e comeram a maçã proibida. Mas o que
haveria de tão perigoso numa inocente maçã? Essa maçã era o fruto proibido
do conhecimento.

Além disso, Deus temia que, ao comerem a maçã da árvore da vida,


Adão e Eva se tornassem «como um de nós... e vivam para sempre» — ou
seja, tornar-se-iam imortais.

O imperador Qin Shi Huang, o homem que acabaria por unir toda a China
por volta de 200 a.C., era obcecado com a ideia de imortalidade. Reza uma
lenda famosa que ele mandou a sua formidável frota naval em busca da
lendária Fonte da Juventude. Deu-lhes apenas uma ordem: se não
encontrarem a Fonte, escusam de voltar. Aparentemente, nunca encontraram
a Fonte, mas, proibidos de voltar à China, acabaram por descobrir a Coreia e o
Japão.

Segundo a mitologia grega, Aurora, a deusa da alvorada, apaixonou-se


um dia por um mortal, Titono. Uma vez que os mortais acabavam por morrer
um dia, Aurora implorou ao deus Zeus que concedesse a imortalidade ao seu
amante. Zeus concedeu-lhe esse desejo. Porém, Aurora cometeu um erro
fatal. Esqueceu-se de pedir também juventude eterna. Infelizmente, a cada
ano que passava, Titono ficava mais velho e cada vez mais decrépito, sem
nunca poder morrer. Assim, se pedirmos a imortalidade aos deuses, não
podemos esquecer-nos nunca de lhes pedir também que nos mantenham
jovens para sempre.
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

Hoje, armados com os avanços da medicina moderna, talvez tenha


166

chegado a altura de revisitar este desejo ancestral, mas de uma nova


perspetiva. Ao analisar as montanhas de dados genéticos sobre
envelhecimento, e identificando a base molecular da própria vida, talvez seja
possível usar os computadores quânticos para resolver o problema do
envelhecimento. Na verdade, os computadores quânticos poderão criar dois
tipos de imortalidade, a imortalidade biológica e a imortalidade digital. Assim,
talvez a Fonte da Juventude não seja uma fonte propriamente dita mas um
programa de computador quântico.

Segunda Lei da Termodinâmica


Armados da física moderna, podemos olhar para esta antiga demanda de
uma perspetiva atualizada. A física do envelhecimento pode ser explicada com
recurso às leis da termodinâmica, ou seja, as leis do calor. Há três leis da
termodinâmica. A Primeira Lei diz apenas que a quantidade total de matéria e
energia é uma constante. Não podemos obter algo a partir de nada. A Segunda
Lei diz que, num sistema fechado, o caos e a decomposição aumentam
sempre. A Terceira Lei diz que é impossível alcançar uma temperatura de zero
absoluto.

É Segunda Lei que domina as nossas vidas. Trata-se de uma lei da física
que determina que tudo acabará, mais cedo ou mais tarde, por enferrujar,
desintegrar-se e morrer. Isto significa que a entropia, que é uma medida do
caos, aumenta sempre. Parece que esta lei de ferro proíbe a imortalidade
porque, no fim, tudo se desfaz. A física parece incluir uma sentença de morte
para toda a vida na Terra.

Porém, há uma lacuna na Segunda Lei. O facto de tudo ter de se


desfazer só se aplica a um sistema fechado. Porém, num sistema aberto, onde
a energia possa penetrar vinda do mundo exterior, o aumento do caos pode
inverter-se.

Por exemplo, de cada vez que nasce uma nova forma de vida, como um
bebé, a entropia diminui. Uma nova forma de vida representa uma vasta
quantidade de dados montados de forma precisa, até ao nível molecular. A
vida, portanto, parece contradizer a Segunda Lei. Mas há energia a fluir, vinda
do exterior, sob a forma de luz solar. Assim, a energia do Sol é responsável
pela criação da vasta diversidade de vida na Terra e pela inversão da entropia
local.

Desta forma, a imortalidade não viola as leis da física. Não há nada na


Segunda Lei que proíba uma forma de vida de viver para sempre, desde que
continue a haver energia vinda do exterior. No nosso caso, essa energia é a luz
solar.
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

O Que É o Envelhecimento?
167

Então o que é o envelhecimento?

De acordo com a Segunda Lei, o envelhecimento é causado,


essencialmente, pela acumulação de erros ao nível molecular, genético e
celular. Mais cedo ou mais tarde, a Segunda Lei apanha-nos. Acumulam-se
erros nas nossas células e ADN. As células da pele perdem a elasticidade e
formam-se rugas. Os órgãos deixam de funcionar devidamente e entram em
falência. Os neurónios falham e esquecemo-nos das coisas. Por vezes,
desenvolvem-se cancros. Em suma, envelhecemos e acabamos por morrer.

Vemo-lo acontecer no reino animal, o que nos fornece indicações quanto


ao envelhecimento. As borboletas vivem apenas alguns dias. Os ratos podem
viver uns dois anos. Mas os elefantes vivem sessenta ou setenta anos. E o
tubarão-da-gronelândia pode chegar aos quinhentos anos.

Qual é o denominador comum? Os animais mais pequenos perdem calor


rapidamente, em comparação com os animais grandes. Assim, a taxa
metabólica de um rato na sua correria para escapar a um predador é bastante
elevada, em comparação com um elefante pachorrento a comer com toda a
calma a sua refeição. No entanto, uma taxa metabólica mais elevada significa
também uma taxa de oxidação mais elevada, o que acumula erros nos nossos
órgãos.

O nosso carro é um bom exemplo disto. Onde é que ocorre o


envelhecimento num carro? Essencialmente, no motor, onde temos oxidação
devido à combustão de combustível, e também o desgaste das engrenagens
em movimento. Mas onde é o motor da célula?

A maior parte da energia da célula tem origem na mitocôndria.


Suspeitamos, portanto, que é na mitocôndria que se acumula grande parte dos
danos do envelhecimento. É provável que seja possível inverter o
envelhecimento se nos esquivarmos à Segunda Lei, adicionando energia vinda
do exterior, sob a forma de um estilo de vida melhor e mais saudável, e
também de engenharia genética para reparar os genes danificados.

Agora, imagine um carro abastecido com combustível de elevadas


octanas. O carro funciona na perfeição. Até um carro mais antigo pode
trabalhar melhor com gasolina de maior carga. Isto, por sua vez, é semelhante
ao que as hormonas como o estrogénio e a testosterona fazem ao corpo
humano. Em certo sentido, são como o elixir da vida, dando-nos energia e
vitalidade para além dos nossos anos. Há quem acredite que o estrogénio é
uma das razões pelas quais as mulheres vivem, em média, mais tempo do que
os homens. No entanto, há um preço a pagar por essa quilometragem extra. E
esse preço é o cancro. O desgaste extra significa também que se acumulam
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

mais erros, entre eles os genes do cancro. Assim, em certo sentido, o cancro
168

representa a Segunda Lei da Termodinâmica a acabar por nos apanhar.

Esses erros no nosso ADN acontecem constantemente. Lesões no ADN ao


nível molecular, por exemplo, acontecem 25 a 115 vezes por minuto no nosso
corpo, ou cerca de 36.000 a 160.000 vezes por célula, por dia. Temos também
um mecanismo de reparação de ADN no corpo, mas o envelhecimento acelera
quando esses mecanismos de reparação são sobrecarregados com a grande
quantidade de erros no ADN. O envelhecimento tem lugar quando o acumular
de erros excede a nossa capacidade de os reparar.

Prever Quanto Tempo Podemos Viver


Se o envelhecimento está relacionado com erros no ADN e nas células,
talvez seja então possível alcançar um princípio numérico aproximado que
preveja quanto tempo podemos viver.

O Instituto Wellcome Sanger em Cambridge, Inglaterra, levou a cabo um


estudo intrigante. Se o envelhecimento está relacionado com danos genéticos,
é possível prever que, quanto mais danos um animal tem, mais curta será a
sua esperança de vida. E, de facto, esses cientistas de Cambridge encontraram
uma relação inversa após analisarem 16 espécies de animais: quanto mais
danos genéticos, mais curta a esperança de vida.

Encontraram correlações notáveis entre animais muito diferentes. O


minúsculo rato-toupeira-nu sofre 93 mutações por ano e pode viver entre vinte
e cinco e trinta anos. Por sua vez, a gigantesca girafa pode sofrer 99 mutações
por ano ao longo de uma esperança de vida média de vinte e quatro anos. Se
multiplicarmos estes dois números, o resultado é cerca de 2325 mutações
totais para o rato-toupeira e 2376 para a girafa, valores extraordinariamente
aproximados. Embora estes dois mamíferos sejam diferentes de formas
significativas, acumulam aproximadamente o mesmo número de mutações ao
longo da vida.

Isto dá-nos uma fórmula que pode prever, de forma aproximada, a


esperança de vida dos seres humanos, através da análise dos dados de muitos
animais. Quando analisaram os ratos, descobriram que tinham 793 mutações
por ano, ao longo de uma esperança de vida média de 3,7 anos, num total de
2934,1 mutações totais.

Os números para os seres humanos são um pouco mais complicados,


uma vez que variam entre culturas e localizações. Os humanos, segundo se
crê, têm 47 mutações por ano. A maioria dos mamíferos, em média, sofre
3200 mutações ao longo da vida. Isso significaria que, num primeiro palpite,
os humanos teriam uma esperança de vida de cerca de setenta anos. (Com um
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

conjunto de princípios-base diferente, é possível obter também um resultado a


169

rondar os oitenta anos.)

Os resultados deste cálculo simples são extraordinários. Indicam a


importância dos erros genéticos no ADN e células, apresentando-os como um
dos principais fatores por trás do envelhecimento e, por fim, da morte.

Até agora, todos estes resultados foram obtidos em animais na natureza,


no seu estado natural. Mas o que acontece quando sujeitamos os animais a
diversas condições externas? Será possível alterar artificialmente a sua
esperança de vida?

A resposta parece ser sim.

Reiniciar o Relógio Biológico


Com intervenção médica (por exemplo, engenharia genética, mudanças
de estilo de vida) talvez seja possível alargar a esperança de vida humana ao
corrigir os danos causados pela Segunda Lei.

Há várias possibilidades. Uma delas é reiniciar o «relógio biológico».


Quando uma célula se reproduz, os cromossomas ficam ligeiramente mais
curtos. Nas células da pele, após cerca de 60 reproduções, as células começam
a envelhecer, o que se chama senescência, e acabam por morrer. Este número
é conhecido como o limite de Hayflick. É uma das razões pelas quais as células
morrem, porque têm um relógio embutido que lhes diz quando o fazer.

Entrevistei uma vez Leonard Hayflick sobre o seu famoso limite. Ele
mostrou-se contudo cauteloso, por considerar que algumas pessoas podiam
tirar várias conclusões precipitadas sobre este relógio biológico. Estamos
apenas a começar a compreender o processo de envelhecimento, disse-me ele.
Lamentou o facto de o campo da biogerontologia, a ciência do envelhecimento,
ter de lidar com tanta informação errada a circular entre o público,
principalmente as modas alimentares.

O limite de Hayflick ocorre porque há uma espécie de proteção na


extremidade do cromossoma, chamada telómero, que fica mais curta a cada
reprodução. Porém, tal como acontece com as pontas dos nossos atacadores
depois de demasiadas manipulações, a proteção desgasta-se e os atacadores
começam a esgaçar. Após cerca de 60 reproduções, os telómeros gastam-se, o
cromossoma esgaça E a célula entra em senescência e morte.

No entanto, também é possível «parar o relógio». Há uma enzima,


chamada telomerase, capaz de impedir o encurtamento progressivo dos
telómeros. À primeira vista, pensar-se-ia que esta pode ser a cura para o
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

envelhecimento. Na verdade, os cientistas conseguiram aplicar a telomerase


170

em células da pele humana, de modo que estas se dividam centenas de vezes


e não apenas 60. Essa pesquisa permitiu-nos «imortalizar» pelo menos uma
forma de vida.

Há, contudo, perigos envolvidos. Parece que as células cancerígenas


também usam a telomerase para obter a imortalidade. Na verdade, foi
detetada a presença de telomerase em 90 por cento de todos os tumores
humanos. É preciso ter cuidado ao manipular os telómeros no corpo, para não
convertermos acidentalmente células saudáveis em células cancerosas.

Assim, se alguma vez encontrarmos a Fonte da Juventude, a telomerase


pode fazer parte da solução, mas apenas se conseguirmos curar os seus
efeitos secundários. Os computadores quânticos podem conseguir resolver o
mistério de como a telomerase faz com que uma célula se torne imortal, mas
não cancerosa. Assim que este mecanismo molecular for descoberto, talvez
seja possível modificar a célula de modo que tenha uma esperança de vida
mais alargada.

Restrição Calórica
Apesar de todas as curas e terapias de charlatães que, ao longo dos
séculos, alegaram ser capazes de nos prolongar a vida, um só método resistiu
ao teste do tempo e parece resultar em todos os casos. A única forma
comprovada de prolongar a esperança de vida de um animal é a restrição
calórica. Por outras palavras, se ingerirmos 30 por cento menos calorias,
podemos viver aproximadamente 30 por cento mais tempo, conforme o animal
estudado. Esta regra geral foi posta à prova numa vasta série de espécies,
desde insetos, ratos, cães e gatos, até aos macacos. Os animais que ingeriram
menos calorias viveram mais tempo do que os seus homólogos que se
empanturraram. Têm menos doenças e sofrem menos frequentemente dos
problemas da velhice, como cancro e endurecimento das artérias.

Embora isto tenha sido testado no reino animal, há um animal, contudo,


que não foi até agora sujeito a uma análise sistemática neste sentido: o Homo
sapiens. (Provavelmente porque vivemos muito tempo e nos queixaríamos se
tivéssemos de nos sujeitar a uma dieta espartana, tão restrita que deixaria até
um eremita esfomeado.) Ninguém sabe precisamente como isto funciona, mas
uma teoria propõe que comer menos reduz a taxa de oxidação, abrandando
assim o processo de envelhecimento.

Um resultado experimental que parece confirmar esta teoria encontra-se


em vermes como o C. elegans. Quando estes vermes são geneticamente
alterados de modo a reduzir a taxa de oxidação, a sua esperança de vida
média é multiplicada muitas vezes. Na verdade, os cientistas deram a alguns
destes genes nomes como Age-1 e Age-2.* Ao que parece, reduzir a taxa de
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

oxidação ajuda as células a reparar os danos. Assim, parece fazer sentido que
171

a restrição calórica funcione por diminuir a taxa de oxidação do corpo, o que


reduz a acumulação de erros.

No entanto, isto deixa uma questão em aberto: por que é que alguns
animais exibem comportamentos de restrição calórica, afinal? Comerão
conscientemente menos para viver mais? (Uma teoria diz que os animais, no
seu estado natural, têm duas opções. Por um lado, podem reproduzir-se e ter
crias. Isto, porém, requer um abastecimento constante e abundante de
comida, o que é raro. O mais comum é a maioria dos animais estar sempre
num estado a raiar a fome, constantemente à caça e à procura de comida.
Assim, em tempos de maior escassez, que são mais a regra do que a exceção,
os animais evoluíram de modo a comer menos, instintivamente, para
conservar energia e viver mais tempo, até chegar a altura em que a comida é
de novo abundante e poderão reproduzir-se.)

Os cientistas que estudaram a restrição calórica acreditam que pode


funcionar através do produto químico resveratrol, que por sua vez é produzido
pelo gene sirtuína. O resveratrol encontra-se no vinho tinto. (Isto criou uma
minimoda em torno do resveratrol e do vinho tinto, mas ainda não é certo que
o resveratrol possa de facto prolongar a vida humana.)

Porém, em 2022, estudos feitos na Universidade de Yale terão finalmente


solucionado parte do enigma relativamente ao porquê de a restrição calórica
realmente funcionar. Eles concentraram-se na glândula timo, localizada entre
os pulmões, que fabrica células T, um ator importante entre os nossos glóbulos
brancos, que ajuda a defender contra a doença. Repararam que essas células T
provenientes do timo envelhecem mais depressa do que as células T normais.
Por exemplo, quando chegamos aos quarenta anos de idade, 70 por cento do
timo é apenas gordura não funcional. Vishwa Dep Dixit, um dos principais
autores deste artigo, diz: «À medida que envelhecemos, começamos a sentir a
ausência de novas células T porque aquelas que nos restam já não são grande
coisa no combate a novos agentes patogénicos. É um dos motivos pelos quais
as pessoas idosas correm maior risco de adoecer.» Se for verdade, isto pode
explicar por que motivo os idosos têm maior tendência para envelhecer e
morrer.50

Tendo em conta este resultado, efetuaram outra experiência que


envolveu colocar um grupo de pessoas numa dieta de restrição calórica
durante dois anos. Foi uma surpresa descobrir que, ao fim dos dois anos, este
grupo tinha menos gordura e mais células funcionais na glândula timo. Trata-
se de um resultado extraordinário.

Dixit acrescenta: «O facto de este órgão poder ser rejuvenescido é, na


minha opinião, assombroso, porque existem muito poucas evidências de que
tal possa acontecer nos seres humanos. O facto de tal ser sequer possível é
muito empolgante.»
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

O grupo de Yale começou a compreender que estavam à beira de algo


172

importante. Em seguida, tinham de investigar a causa base: como é que, ao


nível molecular, a restrição calórica fortalece o sistema imunitário?

Conseguiram por fim identificar uma proteína chamada PLA2G7, que está
envolvida no processo de inflamação, outro fenómeno associado à idade.
«Estas descobertas demonstram que a PLA2G7 é um dos motores dos efeitos
da restrição calórica. Identificar estes motores ajuda-nos a compreender como
o sistema metabólico e o sistema imunitário falam um com o outro, o que pode
indicar-nos potenciais alvos capazes de melhorar a função imunitária, reduzir a
inflamação e, potencialmente, até prolongar uma vida saudável, diz Dixit.

O passo seguinte seria usar computadores quânticos para descobrir


como, ao nível molecular, esta proteína reduz a inflamação e retarda o
processo de envelhecimento. Quando compreendermos este processo, talvez
seja possível manipular a PLA2G7 e colher os benefícios da restrição calórica
sem termos de nos sujeitar a uma dieta rigorosa.

Dixit conclui afirmando que o seu estudo sobre as proteínas e genes


relevantes pode alterar o rumo da investigação sobre o processo de
envelhecimento. «Penso que nos dá esperança», diz.

A Chave para o Envelhecimento: Reparação do ADN


Todavia, isto levanta outra questão: como é que a restrição calórica
repara os danos moleculares causados pela oxidação? A restrição calórica pode
abrandar o processo de oxidação, possibilitando ao corpo reparar naturalmente
os danos causados, mas como é que o corpo repara danos no ADN?

Esta questão está a ser estudada na Universidade de Rochester, onde os


cientistas investigam se é possível compreender o mecanismo de reparação do
ADN através da observação do reino animal. Mais especificamente, poderão os
mecanismos de reparação do ADN explicar por que motivo alguns animais
vivem mais tempo? Existirá uma Fonte da Juventude genética?

Analisaram a esperança de vida de 18 espécies de roedores e


encontraram algo interessante. Os ratos podem viver apenas dois a três anos,
mas o castor e o rato-toupeira-nu vivem por vezes até à idade
extraordinariamente avançada de vinte e cinco ou trinta anos. A teoria é que
os roedores que vivem mais tempo têm um mecanismo de reparação de ADN
mais forte do que os roedores de vida curta.

Para investigar esta possibilidade, concentraram-se no gene sirtuína-6,


que está envolvido na reparação de ADN e ao qual se chama por vezes o
«gene da longevidade». Descobriram que nem todas as proteínas da sirtuína-6
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

são iguais. Há cinco tipos diferentes de proteínas criadas pela sirtuína-6, e


173

cada uma tem diferentes níveis de atividade. Observaram também que os


castores têm proteínas de sirtuína-6 mais potentes do que as proteínas criadas
pelos ratos, exceção feita ao rato-toupeira-nu. Pode ser essa, alegaram, a
razão para a longa vida dos castores.

Para provar a sua teoria, injetaram as várias proteínas da sirtuína-6 em


diferentes animais para ver se afetava a sua esperança de vida. As moscas da
fruta com a proteína de sirtuína-6 de castor viviam mais tempo do que as
moscas da fruta nas quais fora injetada a proteína de rato.

Encontraram um efeito semelhante nas células humanas. As células que


receberam a proteína sirtuína-6 do castor sofriam menos danos no ADN do que
as células com a proteína do rato. Vera Gorbunova, uma das investigadoras,
diz: «Se as doenças ocorrem por causa de ADN que se torna desorganizado
com a idade, podemos usar investigações como esta para definir intervenções
capazes de adiar o cancro e outras doenças degenerativas.» 51

Isto é importante, porque reparar os danos no ADN regulados por genes


como a sirtuína-6 pode ser a chave para inverter o processo de
envelhecimento. Poderemos então usar computadores quânticos para
determinar precisamente de que forma é que a sirtuína-6 consegue melhorar
os mecanismos de reparação de ADN ao nível molecular.

Quando este processo for desvendado, talvez seja possível encontrar


maneiras de o acelerar, ou de encontrar novos caminhos moleculares capazes
de estimular os mecanismos de reparação de ADN. Assim, se os danos de ADN
são um dos motores do processo de envelhecimento, é crucial compreender
como pode ser invertido, ao nível molecular, através da utilização de
computadores quânticos.

Reprogramar as Células para a Juventude


O perigo, no entanto, é que existe muita charlatanice quando falamos de
tentar viver mais tempo. Há sempre a «moda do mês»: a mais recente
vitamina, planta ou «cura miraculosa». Contudo, há uma organização séria que
tem recebido muita publicidade no que diz respeito ao processo de
envelhecimento.

O multimilionário russo Yuri Milner, que fez fortuna com o Facebook e o


Mail.ru, reuniu um grupo de académicos galardoados de topo para estudar a
questão da inversão do envelhecimento. Ele é uma figura conhecida em Silicon
Valley, dando três milhões de dólares por ano no seu Breakthrough Prize para
físicos, biólogos e matemáticos excecionais.
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

As atenções estão viradas para um novo grupo chamado Altos Labs, que
174

pretende usar a ciência de «reprogramação» para, talvez, rejuvenescer células


envelhecidas. Até Jeff Bezos se conta entre os investidores abastados que
fazem fila para apoiar a Altos. Segundo um artigo publicado pela Altos, a
companhia, apesar de muito recente, já angariou 270 milhões de dólares.

De acordo com a Technology Review do MIT, a ideia por trás deste


projeto é reprogramar o ADN de células envelhecidas de modo que regressem
a uma forma anterior. Isto foi testado, experimentalmente, pelo japonês
galardoado com o Nobel, Shinya Yamanaka, que será presidente do conselho
científico da Altos.

Yamanaka é uma autoridade mundial em células estaminais, que são as


mães de todas as células. As células estaminais embrionárias têm a
extraordinária capacidade de conseguirem transformar-se em qualquer célula
do corpo humano. O que Yamanaka descobriu foi uma forma de reprogramar
células adultas de modo a reverterem ao seu estado embrionário, para que
possam, em teoria, criar órgãos completamente novos do zero.

A pergunta-chave é: será possível reprogramar uma célula envelhecida


de modo que seja de novo jovem? O que está por trás do interesse na Altos é
que a resposta é, aparentemente, sim — sob certas circunstâncias, há quatro
proteínas (chamadas agora de fatores de Yamanaka) que conseguem executar
o processo de reprogramação.

Em certo sentido, a reprogramação de células envelhecidas é algo


comum. Basta pensar em como a Mãe Natureza pode pegar nas células de um
adulto e reprogramá-las para que se transformem nas células estaminais de
um embrião. Portanto, a reprogramação não é ficção científica; é um facto da
vida. Este processo de rejuvenescimento acontece em cada geração, quando o
embrião é concebido.

Não é portanto de admirar que várias start-ups, sempre atentas à


próxima grande revolução, tenham saltado para este comboio, incluindo a Life
Biosciences, a Turn Biotechnologies, a AgeX Therapeuthics e a Shift Bioscience.
«Se vemos algo à distância que parece uma montanha de ouro, é melhor
corrermos depressa», diz Martin Borch Jensen, da Gordian Biotechnologies. Na
verdade, ele está a financiar com 20 milhões de dólares para acelerar a
investigação. 52

David Sinclair, professor em Harvard, disse: «Há centenas de milhões de


dólares a serem angariados para investir em reprogramação, com o intuito
específico de rejuvenescer todo o corpo humano ou partes dele.» Sinclair
conseguiu usar esta técnica de reprogramação de células para devolver a visão
a ratos. Acrescenta: «No meu laboratório, estamos a estudar um a um os
principais órgãos e tecidos, por exemplo a pele, os músculos e o cérebro, para
ver quais conseguimos rejuvenescer.» 53
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

Alejandro Ocampo da Universidade de Lausanne na Suíça diz: «Podemos


175

pegar numa célula de uma pessoa de oitenta anos e, in vitro, reverter essa
idade até aos quarenta anos. Não há nenhuma outra tecnologia capaz de o
fazer.» 54

Um grupo independente na Universidade de Wisconsin-Madison trabalhou


com amostras de fluido sinovial (um líquido espesso que se encontra nas
articulações do corpo) que contém certas células estaminais chamadas MSCs
(células estromais mesenquimais). Já se sabia anteriormente que é possível
reprogramar as células MSC para se tornarem mais novas. Mas a forma como
este rejuvenescimento ocorre é desconhecida.

Conseguiram então preencher muitos dos passos em falta. As células


MSC convertem-se em células estaminais pluripotentes induzidas (chamadas
iPSCs), e reconvertem-se de novo em células MSC. Depois desta viagem de ida
e volta, os cientistas descobriram que as células MSC reprocessadas foram
rejuvenescidas. Mais importante ainda, conseguiram identificar o caminho
químico específico que levava as células MSC nesta viagem. Havia uma série
de proteínas envolvidas neste processo, chamadas GATA6, SHH e FOXP.

Trata-se de avanços extraordinários que se julgavam em tempos serem


impossíveis. Assim, os cientistas começam a compreender como as células
envelhecidas podem tornar-se de novo jovens.

Porém, há motivos para sermos cautelosos. Já vimos anteriormente que


os métodos para atrasar ou inverter o envelhecimento incluem efeitos
secundários como o cancro. O estrogénio pode manter as mulheres férteis
durante muitos anos, até à menopausa, mas o cancro é um dos efeitos
secundários possíveis dessa hormona. Da mesma forma, a telomerase pode
parar o relógio do envelhecimento celular, mas introduz também um risco
acrescido de cancro.

Um dos perigos da reprogramação das células é, igualmente, o cancro. A


investigação tem de prosseguir cuidadosamente, para não descarrilar por
efeitos secundários perigosos. Os computadores quânticos podem revelar-se
úteis neste esforço. Primeiro, ao conseguirem decifrar o processo de
rejuvenescimento ao nível molecular e descobrir os segredos por trás das
células estaminais embrionárias; segundo, para controlar alguns dos efeitos
secundários deste processo, como o cancro.

A Loja do Corpo Humano


Outra experiência despertou o interesse no rejuvenescimento celular.
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

Na abordagem original de Yamanaka, as células da pele eram expostas


176

aos quatro fatores de Yamanaka durante 50 dias para reverterem a um estado


embrionário. Contudo, os cientistas no Instituto Babraham em Cambridge,
Inglaterra, expuseram essas células durante meros 13 dias e depois deixaram-
nas crescer normalmente.

As células de pele originais foram retiradas a uma mulher de cinquenta e


três anos de idade. Os cientistas ficaram chocados ao descobrir que as células
de pele rejuvenescidas aparentavam pertencer a uma pessoa de 23, e
comportavam-se como tal.

«Lembro-me do dia em que recebi os resultados e não quis acreditar que


algumas das células eram trinta anos mais jovens do que deviam ser... Foi um
dia muito empolgante», disse Diljeet Gill, um dos cientistas que conduziram o
estudo. 55

Os resultados são sensacionais. Se este resultado se confirmar,


representa, aparentemente, a única ocasião na história da medicina em que os
cientistas conseguiram, com êxito, rejuvenescer células envelhecidas, de modo
que estas se comportassem como se fossem décadas mais novas.

No entanto, os cientistas envolvidos no estudo tiveram o cuidado de


mencionar possíveis efeitos secundários. Devido às enormes alterações
genéticas envolvidas no rejuvenescimento, tal como acontece com tantos
tratamentos promissores, o cancro continua a ser uma consequência possível.
Assim, toda esta abordagem tem de prosseguir com grande cautela.

No entanto, existe uma segunda forma de criar órgãos jovens, sem o


perigo do cancro: a engenharia de tecidos, onde os cientistas literalmente
constroem peças humanas do zero.

Engenharia de Tecidos
Se uma célula adulta regressar a um estado embrionário, rejuvenesce,
de facto, mas apenas ao nível celular. Significa isso que não se pode
rejuvenescer todo o corpo e viver para sempre. Quer apenas dizer que certas
linhagens de células se tornam imortais, pelo que órgãos específicos podem
ser regenerados, mas não o corpo inteiro.

Um dos motivos para que assim seja é que as células estaminais, se as


deixarmos por sua conta, criam por vezes uma massa informe de tecido
aleatório. As células estaminais necessitam frequentemente de indicações das
células vizinhas para crescerem corretamente, em sequência, e criarem o
órgão final.
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

A solução para este problema pode ser a engenharia de tecidos, que


177

significa colocar células estaminais numa espécie de molde para que cresçam
de modo organizado.

Esta abordagem está a ser liderada por Anthony Atala, da Universidade


de Wake Forest na Carolina do Norte, e outros. Tive a honra de entrevistar
Atala para a BBC-TV. Ao percorrer o seu laboratório, fiquei estupefacto por ver
grandes frascos com órgãos humanos, como fígados, rins e corações. Quase
me senti como se tivesse entrado num filme de ficção científica.

Perguntei-lhe como é feita a sua investigação. Ele disse-me que,


primeiro, cria um molde especial, feito de fibras de plástico minúsculas, na
forma do órgão que pretende cultivar. Depois introduz no molde células do
órgão retiradas do paciente. Em seguida, aplica um cocktail de fatores de
crescimento para estimular essas células. As células começam a crescer nas
fibras do molde. Por fim, o molde, que é biodegradável, desaparece e deixa
para trás uma cópia quase perfeita do órgão. O órgão artificial é então
colocado no interior do corpo do paciente, onde começa a funcionar. Uma vez
que as células são feitas a partir dos tecidos do próprio paciente, não existe
mecanismo de rejeição, que é um dos principais problemas enfrentados no
transplante de órgãos. Não há também risco de cancro, uma vez que não se
manipula a genética delicada no interior da célula.

Ele disse-me que a maior parte dos órgãos que foram construídos com
sucesso consistem em apenas alguns tipos de células. Isto inclui pele, osso,
cartilagem, vasos sanguíneos, bexigas, válvulas cardíacas e traqueias. O fígado
é mais difícil, disse-me, porque consiste em vários tipos diferentes de células.
E o rim, por consistir em centenas de pequenos tubos e filtros, ainda é um
trabalho em curso.

A sua abordagem pode também ser combinada com células estaminais,


para que um dia venha a ser possível regenerar órgãos inteiros do corpo à
medida que se vão desgastando. Por exemplo, uma vez que as doenças
cardiovasculares são a principal causa de morte nos Estados Unidos, talvez um
dia seja possível cultivar um coração inteiro em laboratório. Seria como criar
uma «loja do corpo humano».

Há outros grupos a fazer experiências com impressão 3D para criar


órgãos humanos. Da mesma forma que uma impressora de computador pode
disparar gotículas de tinta minúsculas para formar uma imagem, pode ser
modificada para disparar células cardíacas humanas individuais, criando assim
tecido cardíaco, célula a célula. Se o rejuvenescimento de células for bem-
sucedido na criação de linhagens de células jovens, então a engenharia de
tecidos poderá cultivar qualquer órgão do corpo com recurso a células
estaminais.

E, assim, evitaremos o problema que Titono enfrentou.


Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

O Papel dos Computadores Quânticos


178

Os computadores quânticos podem ter um impacto direto nestes


empreendimentos. No futuro próximo, a maior parte da população humana
terá o seu genoma sequenciado e incluído num banco de genes global gigante.
Este imenso armazém de informação genética será avassalador para um
computador digital convencional, mas analisar quantidades incríveis de dados é
precisamente o tipo de tarefa em que os computadores quânticos se destacam.
Isto pode permitir aos cientistas isolarem os genes afetados pelo processo de
envelhecimento.

Por exemplo, os cientistas já conseguem analisar os genes dos jovens e


dos idosos e compará-los. Assim, foram identificados cerca de cem genes onde
parece estar concentrado o envelhecimento. Muitos desses genes, ao que
parece, estão envolvidos no processo de oxidação. De futuro, os computadores
quânticos analisarão uma massa ainda maior de dados genéticos, o que nos
ajudará a compreender onde se acumula a maior parte dos erros genéticos e
celulares, mas também que genes podem efetivamente controlar aspetos do
processo de envelhecimento.

Os computadores quânticos não só podem isolar os genes onde tem


lugar a maior parte do envelhecimento, como podem também fazer o oposto:
isolar os genes que se encontrem em pessoas excecionalmente velhas, mas
saudáveis. Os demógrafos sabem que existem os «supervelhos», ou seja,
indivíduos que parecem ter vencido as probabilidades, levando uma vida
saudável e robusta muito mais longa do que seria de esperar. Assim, os
computadores quânticos, analisando esta massa de dados em bruto, talvez
encontrem os genes que indicam um sistema imunitário excecionalmente
saudável que permite aos mais velhos alcançar uma idade avançada, evitando
as doenças que os poderiam derrubar.

Claro que existem também indivíduos que envelhecem tão rapidamente


que morrem de velhice em crianças. Doenças como a síndrome de Werner e a
progéria são um pesadelo, com as crianças a envelhecerem praticamente
perante os nossos olhos. Estas pessoas raramente vivem para além dos vinte
ou trinta anos. Os estudos demonstram que, entre outros problemas, têm
telómeros curtos, o que pode contribuir parcialmente para o envelhecimento
acelerado. (Da mesma forma, estudos com judeus asquenazes encontraram o
oposto, que os indivíduos de vida mais longa tinham uma versão hiperativa da
telomerase, o que pode explicar a vida longa.)

Além do mais, testes em pessoas acima dos cem anos mostram que
estas têm um nível significativamente mais elevado de proteína de reparação
do ADN, chamada poli (ADP-ribose) polimerase (PARP), do que os indivíduos
mais jovens entre os vinte e os setenta anos. Isto indica que os indivíduos que
vivem mais tempo têm mecanismos de reparação de ADN mais fortes para
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

inverter os danos genéticos e, em consequência, vivem mais tempo. Esses


179

centenários têm também células que se assemelham a células retiradas de


pessoas muito mais jovens, indicando que o envelhecimento abrandou. Isto,
por sua vez, talvez explique o curioso facto de aqueles que chegam aos oitenta
terem uma probabilidade acima do normal de chegar aos noventa e mais além.
Talvez porque as pessoas com sistemas imunitários fracos morrem antes de
chegar aos oitenta, enquanto aquelas que sobrevivem até lá têm mecanismos
de reparação de ADN mais fortes, capazes de lhes prolongar a vida até aos
noventa ou mais.

Assim, os computadores quânticos podem conseguir isolar genes


essenciais em várias categorias:

• Nos idosos que são excecionalmente saudáveis para a idade

• Em indivíduos com sistemas imunitários capazes de combater


doenças comuns, prolongando assim a vida

• Em indivíduos que acumularam erros nos seus genes que


aceleraram o envelhecimento

• Em indivíduos que se desviam de forma significativa da norma,


como aqueles que envelheceram extraordinariamente depressa
devido a doenças como síndrome de Werner e progéria

Quando os genes associados ao envelhecimento forem isolados, talvez a


CRISPR consiga reparar muitos deles. O objetivo é reparar os genes onde tem
lugar a maior parte do envelhecimento, usando computadores quânticos para
isolar os mecanismos moleculares exatos desse processo.

De futuro, talvez venha a ser desenvolvido um cocktail de diferentes


drogas e terapias que consiga abrandar e possivelmente até reverter o
envelhecimento. O efeito combinado de diferentes intervenções médicas, a agir
de forma concertada, pode ser capaz de fazer andar para trás os ponteiros do
tempo.

A chave é que os computadores quânticos conseguirão atacar o processo


de envelhecimento no lugar em que ocorre: ao nível molecular.

Imortalidade Digital
Além da imortalidade biológica, existe a possibilidade real de virmos a
alcançar a imortalidade digital através dos computadores quânticos.
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

A maior parte dos nossos antepassados viveu e morreu sem deixar


180

traços da sua existência. Talvez haja uma linha nos registos de alguma igreja
ou templo a documentar onde nasceram e uma segunda linha a documentar
onde morreram. Ou talvez exista uma lápide partida num cemitério deserto
com o nome de um dos nossos antepassados.

E nada mais.

Uma vida inteira de memórias e experiências preciosas reduzida a duas


linhas num livro e uma pedra gravada. As pessoas que usam o ADN para
estudar a sua linhagem chegam frequentemente à conclusão de que os rastos
depressa desaparecem ao fim de um século ou por volta disso. Toda a sua
história familiar é reduzida a pó depois de uma ou duas gerações.

Hoje, porém, deixamos uma pegada digital formidável. Só as nossas


transações com cartões de crédito podem dar um vislumbre razoável da nossa
história e personalidade, daquilo que gostamos e não gostamos. Cada compra,
férias, eventos desportivos ou presentes são registados em algum computador.
Sem sequer nos darmos conta disso, a nossa pegada digital cria um reflexo de
quem somos. No futuro, esta abundância de informação pode dar-nos uma
recriação digital da nossa personalidade.

Há já quem fale em ressuscitar figuras históricas e indivíduos conhecidos


através de um processo de digitalização que os disponibilizará ao público.
Hoje, podemos ir à biblioteca procurar uma biografia de Winston Churchill. No
futuro, poderemos talvez falar com ele. Todas as suas cartas, memórias,
biografias, entrevistas, etc. serão digitalizadas e disponibilizadas. Poderemos
falar com uma imagem holográfica do ex-primeiro ministro e passar uma tarde
agradável numa conversa reveladora com ele.

Pessoalmente, adoraria poder conversar com Einstein, fazer-lhe


perguntas sobre os seus objetivos, aquilo que alcançou, e a sua filosofia da
ciência. O que pensaria ele, se visse que as suas teorias deram origem a
grandes disciplinas científicas como o Big Bang, os buracos negros, as ondas
gravitacionais, a teoria de campo unificado, entre outras? O que pensaria de
como a teoria quântica evoluiu com o tempo? Einstein deixou uma coleção
extraordinariamente vasta de cartas e correspondência pessoal que revelam o
seu verdadeiro carácter e pensamentos.

É possível que, mais cedo ou mais tarde, qualquer pessoa normal possa
alcançar também a imortalidade digital. Em 2021, William Shatner, estrela da
série televisiva Caminho das Estrelas, alcançou uma forma de imortalidade
digital. Perante uma câmara, durante quatro dias, respondeu a centenas de
perguntas pessoais sobre a sua vida, os seus objetivos, a sua filosofia. Depois
um programa de computador analisou todo esse material e organizou-o
cronologicamente, por tema, por local, etc. No futuro, poderemos fazer
perguntas pessoais diretamente a esse Shatner digitalizado e ele responderá
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

de forma coerente e racional, como se estivesse a falar connosco na nossa


181

sala.

No futuro, nem será preciso sentarmo-nos em frente de uma câmara de


filmar para sermos digitalizados. Inconscientemente, sem sequer pensarmos
nisso, usamos as câmaras dos nossos telemóveis para registar as nossas vidas
e atividades quotidianas. Na verdade, muitos adolescentes criaram já uma
enorme pegada digital ao documentarem as suas partidas, piadas e palhaçadas
(algumas das quais viverão para todo o sempre na Internet).

Normalmente, pensamos na nossa vida como uma série de acidentes,


coincidências e experiências aleatórias. Porém, com IA melhorada,
conseguiremos um dia editar esta abundância de memórias e arrumá-las por
uma determinada ordem. E os computadores quânticos ajudarão a organizar
esse material, utilizando motores de busca para encontrar partes em falta e
editando a narrativa.

De certa forma, o nosso eu digital nunca morrerá.

Assim, talvez o nosso legado precioso de memórias pessoais, e aquilo


que alcançámos, não tenha de se dissipar e dispersar com as areias do tempo
depois da nossa morte. Talvez os computadores quânticos nos possam
conceder uma forma de imortalidade.

Em suma, os cientistas começam agora a identificar alguns dos caminhos


envolvidos no prolongamento da vida humana. Ainda é um mistério, contudo,
como esses caminhos efetivamente funcionam ao nível molecular. Por
exemplo, como é que certas proteínas aceleram a reparação molecular do
ADN? Os computadores quânticos podem desempenhar um papel decisivo,
porque apenas um sistema quântico será capaz de explicar completamente
outro sistema quântico como as interações moleculares funcionam. Quando
conhecermos os mecanismos exatos de coisas como a reparação de ADN,
talvez possamos melhorá-los para adiar ou mesmo travar o processo de
envelhecimento.

Os computadores quânticos podem também dar-nos a capacidade de


viver para sempre digitalmente. Em combinação com a inteligência artificial,
deverá ser-nos possível criar uma cópia digital de nós próprios que reflita de
forma fiel quem somos. Já estão a ser dados passos para aperfeiçoar esse
processo.

Porém, a próxima fronteira para os computadores quânticos não é


apenas a aplicação da mecânica quântica ao espaço interior do nosso corpo,
mas aplicar os computadores quânticos ao mundo exterior, resolvendo
problemas prementes como o aquecimento global, aproveitar o poder do Sol e
decifrar os mistérios do mundo à nossa volta.
Supremacia Quântica 3ª Parte Imortalidade

O próximo objetivo é usar os computadores quânticos para compreender


182

o Universo.

* Age significa idade. [N. da T]


50 Mallory Locklear, «Calorie Restriction Trial Reveals Key Factors in Enhancing Human Health», Yale News, 10 de fevereiro de
2022; http://www.news.yale.edu/2022/02/10/calorie-restriction-trial-reveals-key-factors-enhancing-human-health. (Não funciona)
51 Kashmira Gander, «”Longevity Gene” That Helps Repair DNA and Extend Life Span Could One Day Prevent Age-Related Diseases
in Humans», Newsweek, 23 de abril de 2019; http://www.newsweek.com/longevity-gene-helps-repair-dna-and-extend-lifespan-
could-one-day-preventage-1403257.
52 Antonio Regalado, «Meet Altos Labs, Silicon Valley's Latest Wild Bet on Living Forever», MIT Technology Review, 4 de setembro
de 2021; http://www.technologyreview.com/2021/09/04/1034364/altos-labs-silicon-valleys-jeff-bezos-milner-bet-living-forever/.
53 Ibid.
54 Antonio Regalado, «Meet Altos Labs, Silicon Valley's Latest Wild Bet on Living Forever», MIT Technology Review, 4 de setembro
de 2021 https://www.technologyreview.com/2021/09/04/1034364/altos-labs-silicon-valleys-jeff-bezos-milner-bet-living-forever/.
55 Allana Akhtar, «Scientists Rejuvenated the Skin of a 53 Year Old Woman to That of a 23 Year Old's in a Groundbreaking
Experiment», Yahoo News, 8 de abril de 2022; http://www.yahoo.com/news/scientists-rejuvenated-skin-53-old-175044826.html.
PARTE 4
– MODELAR O MUNDO
E O UNIVERSO –
CAPÍTULO 14
– AQUECIMENTO GLOBAL –

Dei uma vez uma palestra na Universidade de Reiquiavique, a capital da


Islândia.

Conforme o avião se aproximava do aeroporto, olhei para aquela


paisagem vulcânica e árida, quase totalmente desprovida de vegetação.
Pareceu-me estar a voltar atrás no tempo. A área nas imediações do aeroporto
era tão desolada que se tornava o local perfeito para espreitar para o passado,
milhões de anos antes.

Posteriormente, ofereceram-me uma visita guiada à universidade e achei


interessantíssimo ver a investigação de núcleos de gelo, que possibilita fazer
uma crónica das condições meteorológicas ao longo de milhares de anos.

O laboratório deles ficava numa grande sala que fazia lembrar uma arca
frigorífica gigante e era igualmente fria. Reparei que havia algumas varas de
metal compridas dispostas sobre uma mesa. As varas tinham pouco menos de
quatro centímetros de diâmetro e vários metros de comprimento, e cada uma
delas continha uma amostra de gelo retirada das profundezas. Algumas das
varas estavam abertas e via-se que continham longos cilindros de gelo branco.
Arrepiei-me ao compreender que estava a ver gelo que caíra sobre o Ártico
milhares de anos antes. Era uma cápsula do tempo que remontava a uma
altura muito antes de haver registos históricos.

Ao observar cuidadosamente esses núcleos de gelo, consegui ver uma


série de faixas horizontais finas e castanhas ao longo do gelo. Os cientistas
disseram-me que cada uma dessas faixas fora criada pela fuligem e cinzas
libertadas por antigas erupções vulcânicas.

Ao medir o espaço entre as várias faixas, era possível determinar a sua


idade, comparando-as com as erupções vulcânicas conhecidas.

Disseram-me também que no interior dos núcleos de gelo existem bolhas


de ar microscópicas que são como um instantâneo da atmosfera há milhares
de anos. Ao determinar o seu conteúdo químico, é fácil determinar a
quantidade de CO2 que existia na altura.
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

(Calcular a temperatura de quando os núcleos de gelo se formaram é


184

mais difícil, e faz-se de modo indireto. A água consiste em hidrogénio e


oxigénio, como H2O. No entanto existe uma versão mais pesada de água, na
qual os átomos O-16 e H-1 são substituídos por um isótopo com neutrões
extra, criando assim O-18 e H-2. A versão mais pesada de H2O evapora-se
mais depressa quando o tempo está relativamente quente. Assim, ao medir a
razão entre as moléculas de água mais pesadas e a molécula normal, é
possível calcular a temperatura de quando o gelo se formou. Quanto mais água
pesada existir, mais frio estava na altura da queda inicial de neve.)

Por fim, vi os resultados daquele trabalho, moroso mas revelador. Num


gráfico, a temperatura e o conteúdo de CO2 ao longo dos séculos eram como
um par de montanhas-russas, subindo e descendo em uníssono. É evidente
que havia uma correlação forte e importante entre a temperatura do planeta e
o conteúdo de CO2 no ar. (Hoje, esses núcleos de gelo podem ir ainda mais
longe no tempo. Em 2017, os cientistas conseguiram extrair núcleos de gelo
na Antártica que tinham 2,7 milhões de anos, proporcionando aos cientistas
acesso à história até então desconhecida do nosso planeta.)

Várias coisas me impressionaram ao analisar aquele gráfico. Primeiro,


verificam-se alterações brutais de temperatura. Pensamos na Terra como algo
muito estável. No entanto, de vez em quando, somos recordados de que ela é
um objeto dinâmico, com grandes flutuações de temperatura e clima.

Segundo, sabemos que o último período glaciar terminou há cerca de


10.000 anos, quando grande parte da América do Norte estava sepultada sob
quase 800 metros de gelo sólido. Porém, desde então, tem-se verificado um
aquecimento gradual da atmosfera, o que possibilitou o desenvolvimento da
civilização humana. Uma vez que provavelmente teremos outro período glaciar
daqui a mais ou menos 10.000 anos, isso significa que o desenvolvimento da
civilização humana ocorreu porque, por coincidência, entrámos num período
interglacial entre dois períodos glaciares. Sem esse degelo, ainda viveríamos
em pequenos bandos nómadas de caçadores-recoletores, a vaguear pelo gelo,
desesperadamente à procura de comida.

Contudo, o que me chamou mais a atenção foi o facto de se ter


verificado uma subida lenta e gradual da temperatura desde o final do último
período glaciar, há 10.000 anos, mas depois um salto brusco nos últimos cem
anos, o que coincide com a chegada da Revolução Industrial e o início da
queima de combustíveis fósseis.

Na verdade, através de uma análise das temperaturas no planeta, os


cientistas concluíram que os anos de 2016 e 2020 ficaram registados como os
mais quentes de sempre, desde que há registos históricos. Aliás, o período
entre 1983 e 2012 foi o período de trinta anos mais quente dos últimos 1400
anos. Assim, este recente aquecimento da Terra não é causado pelo
aquecimento normal do período interglacial, mas sim uma situação altamente
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

anormal. O principal candidato para a causa da mesma, entre muitos fatores, é


185

o desenvolvimento da civilização humana.

O nosso futuro pode estar dependente da capacidade de prever padrões


meteorológicos e delinear rumos de ação realistas. Estamos já a forçar os
limites daquilo que os computadores convencionais conseguem alcançar, e por
isso precisaremos de recorrer a computadores quânticos para nos darem uma
medida precisa do aquecimento global e «boletins meteorológicos virtuais» de
possíveis futuros, permitindo-nos variar certos parâmetros e perceber como
afetarão o clima.

Um desses boletins meteorológicos virtuais pode bem guardar a chave


para o futuro da civilização humana.

Como escreve Ali El Kaafarani na revista Forbes: «Os computadores


quânticos encerram também um potencial imenso de uma perspetiva
ambiental, e os especialistas preveem que, através de simulações quânticas,
eles terão um papel muito importante para ajudar as nações a cumprirem os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. 56

CO2 e Aquecimento Global


Acima de tudo, precisamos de medições exatas do efeito de estufa e de
saber como a atividade humana para ele contribui.

A luz do Sol consegue penetrar facilmente na atmosfera da Terra. Porém,


quando se reflete na superfície do planeta, perde energia e torna-se calor de
radiação infravermelha. E uma vez que a radiação infravermelha não penetra
muito bem no CO2, o calor fica preso na Terra, aquecendo-a assim. 80 por
cento da energia a nível mundial, em 2018, veio da queima de combustíveis
fósseis, que produz CO2 como derivado. Assim, o súbito aumento de
temperatura no último século é provavelmente causado por vários fatores,
especialmente a acumulação de CO2 em resultado da Revolução Industrial.

O rápido aquecimento da Terra nos últimos cem anos tem sido também
confirmado por uma fonte completamente diferente, não a partir do espaço
interior, de núcleos de gelo subterrâneos, mas a partir do espaço exterior.
Desse ponto vantajoso, os efeitos do aquecimento global são bastante
dramáticos em termos visuais.

Por exemplo, os satélites meteorológicos da NASA conseguem calcular a


quantidade total de energia que a Terra recebe do Sol. Esses satélites são
também capazes de determinar a quantidade total de energia que a Terra
envia de novo para o espaço. Se a Terra estivesse em equilíbrio, essa entrada
e saída de energia seriam aproximadamente equivalentes. Depois de
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

cuidadosamente pesados todos os fatores, vemos que a Terra absorve mais


186

energia do que aquela que irradia de novo para o espaço, causando assim um
aquecimento. Se analisarmos então a quantidade líquida de energia capturada
pela Terra, verificamos que é mais ou menos a mesma que a quantidade de
energia gerada pela atividade humana. Assim, o principal responsável por este
recente aumento no aquecimento do planeta parece ser a atividade humana.

Fotografias de satélite revelam as consequências desse aquecimento. As


fotografias de hoje podem ser comparadas com outras tiradas há décadas,
revelando as alterações nítidas na geologia da Terra. Vemos que todos os
principais glaciares diminuíram ao longo das décadas.

Desde a década de 50 que o Polo Norte é visitado por submarinos.


Determinaram que o gelo durante os meses de inverno se tornou 50 por cento
mais fino nos últimos cinquenta anos, diminuindo em espessura cerca de 1 por
cento por ano. (As crianças, no futuro, talvez não percebam por que é que os
pais dizem que o Pai Natal vem do Polo Norte, quando já não existir
praticamente gelo polar nenhum.) Segundo os cientistas da NASA, em meados
deste século o oceano Ártico estará completamente livre de gelo durante o
verão.

A atividade dos furacões pode também mudar. Estes começam por ser
um vento tropical ao largo da costa de África e migram depois através do
oceano Atlântico. Assim que chegam às Caraíbas, são como bolas de bólingue.
Se acertarem precisamente no ângulo certo, conseguem entrar pelas águas
quentes do Golfo do México e depois crescer de intensidade até se tornarem
tempestades monstruosas. A intensidade, frequência e duração dos furacões
que atingem a Costa Oeste dos Estados Unidos aumentaram desde a década
de 80, provavelmente devido a aumentos da temperatura da água. Assim, é
provável que vejamos furacões cada vez mais intensos e devastadores no
futuro.

Previsões para o Futuro


As projeções de computador para o futuro do clima terrestre são
bastante desoladoras. Os níveis da água do mar aumentaram globalmente 20
centímetros desde 1880. (Isto acontece porque a temperatura dos oceanos
está a aumentar, o que faz com que o volume total da água dos oceanos se
expanda.) Muito provavelmente, subirão entre 30 centímetros e 2,4 metros até
ao ano de 2100. Os mapas mundiais para o período entre 2050 e 2100
mostram uma alteração dramática nas áreas costeiras.

«O aumento do nível do mar devido às alterações climáticas é um risco


claro e presente para os Estados Unidos, hoje e nas próximas décadas e
séculos», declara um relatório da NASA e da NOAA, a Administração Nacional
Oceânica e Atmosférica. 57
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

Porém, para cada centímetro que se perde verticalmente, as áreas


187

costeiras podem perder um metro horizontalmente em termos de linha costeira


utilizável. Assim, o próprio mapa da Terra está a mudar gradualmente. Mais
ainda, os níveis do mar continuarão a subir até ao século XXII, devido à
enorme quantidade de calor que já circula na atmosfera. No mínimo, isto
significa que as áreas costeiras sofrerão cheias em larga escala, à medida que
as ondas dos oceanos começarem a avançar para além de diques e barreiras.

Bill Nelson, administrador da NASA, comenta em relação ao recente


relatório meteorológico da NASA/NOAA: «Este relatório apoia estudos
anteriores e confirma aquilo que há muito sabemos: os níveis do mar
continuam a subir a uma velocidade alarmante, pondo em perigo comunidades
por todo o mundo… É necessária ação urgente para mitigar uma crise climática
já em curso. 58

As cidades costeiras por todo o mundo terão de lidar com a subida das
águas. Veneza já fica submersa em certas alturas do ano. Partes de Nova
Orleães já se encontram abaixo do nível do mar. Todas as cidades costeiras
precisarão de planos para lidar com a subida do nível do mar nas próximas
décadas, tais como comportas, diques, represas, zonas de evacuação,
sistemas de aviso de furacão e por aí fora.

O Metano como Gás de Estufa


O metano é atualmente acima de 30 vezes mais potente do que o
dióxido de carbono como gás de estufa. O perigo é que as regiões do Ártico
perto do Canadá e da Rússia, que contêm vastas extensões de tundra, podem
estar a derreter, libertando gás metano.

Dei uma vez uma palestra em Krasnoyarsk, na Sibéria. Os residentes no


local disseram-me que na verdade não estão preocupados com o aquecimento
global, já que isso significaria que as suas casas não estariam constantemente
congeladas. Contaram-me também um facto curioso: carcaças enormes de
mamutes, que morreram há dezenas de milhares de anos, estão a emergir do
gelo à medida que as temperaturas sobem.

Embora os residentes locais da Sibéria possam não se importar com o


tempo mais ameno, o verdadeiro perigo é para o resto do globo, onde a
libertação do gás metano pode causar um efeito em cascata descontrolado.
Quanto mais a Terra aquecer, mais a tundra derrete e liberta metano. O
metano, por sua vez, aquece ainda mais a Terra e o ciclo recomeça. Assim,
quanto mais a tundra derrete, mais o nosso planeta aquece. Uma vez que o
metano é um gás de estufa potente, isso significa que muitas projeções de
computador para o futuro podem na verdade estar a subestimar a verdadeira
magnitude do aquecimento global.
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

Implicações Militares
188

Vemos os efeitos do aquecimento global em todo o lado. Os agricultores,


por exemplo, estão em sintonia com os ciclos das estações e têm perfeita
consciência de que os verões são, em média, uma semana mais longos do que
antigamente. Isto afeta a altura de plantar as sementes e que plantas cultivar
nesse ano.

Vários insetos, como os mosquitos, estão também a avançar para norte,


talvez levando consigo doenças tropicais como o vírus do Nilo Ocidental.

Uma vez que a energia que circula com o tempo está a aumentar, isso
significa alterações meteorológicas mais violentas, e não apenas uma subida
progressiva das temperaturas. Assim, podemos esperar que incêndios
florestais, secas e cheias se tornem cada vez mais comuns. A expressão
«tempestades seculares» descrevia em tempos eventos muito raros mas
violentos, que agora parecem ocorrer cada vez com mais frequência. Em 2022,
a Europa e os Estados Unidos foram atingidos por temperaturas
particularmente elevadas que bateram recordes em boa parte do planeta,
criando incêndios florestais enormes, o desaparecimento de lagos e mortes por
desidratação, entre outras consequências graves.

De forma assustadora, os polos, que exercem uma influência enorme no


tempo, aqueceram mais depressa do que outras regiões do planeta. A
quantidade de degelo na Gronelândia, só nos últimos vinte anos, criou água
líquida que seria suficiente para cobrir toda a área dos Estados Unidos com
meio metro de água.

Entretanto, desenvolveram-se nos lençóis de gelo da Antártica rios


subterrâneos de neve derretida. Parece agora evidente que os polos não são
tão estáveis como em tempos se acreditou.

Um relatório recente da NASA/NOAA debruçou-se sobre o possível


colapso do Glaciar Thwaites na Antártica, conhecido como o «glaciar do Juízo
Final. «A plataforma de gelo oriental provavelmente vai estilhaçar-se em
centenas de icebergues. Pode simplesmente acontecer de repente», diz Erin
Pettit, glacióloga na Universidade Estatal do Oregon. 59

Isto tem também implicações geopolíticas e militares. O Pentágono


delineou uma vez o pior cenário possível, caso o aquecimento global se torne
descontrolado. Identificou um dos pontos quentes mais mortíferos: a fronteira
entre a Índia e o Bangladesh. Com a subida do nível das águas e as cheias
devastadoras, o aquecimento global pode, um dia, forçar milhões de pessoas
no Bangladesh a fugir e forçar as fronteiras com a Índia. Esta massa de
pessoas desesperadas poderia facilmente dominar os guardas fronteiriços.
Haveria então uma pressão crescente sobre o governo indiano para rechaçar
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

vagas e vagas de refugiados que tentavam escapar às cheias. Em último


189

recurso, as forças militares indianas podiam receber ordens para recorrer a


armas nucleares para proteção das suas fronteiras.

Este era o cenário mais pessimista, mas ilustra de modo gráfico o que
poderá acontecer se as coisas se descontrolarem.

Vórtice Polar
Algumas pessoas apontam para as recentes tempestades de neve
monstruosas que assolaram grandes áreas dos Estados Unidos como indicador
de que a ameaça do aquecimento global é grandemente exagerada.

Todavia, é preciso olhar para a razão para esta instabilidade no tempo de


inverno. Sempre que há uma tempestade de inverno enorme, os boletins
meteorológicos seguem o movimento da corrente de jato no seu trajeto
descendente desde o Alasca e do Canadá, trazendo consigo o tempo gelado.

A corrente de jato, por sua vez, acompanha os movimentos do vórtice


polar, um estreito cilindro rotativo de ar superfrio centrado sobre o Polo Norte.
Recentemente, fotografias de satélite do vórtice polar mostram que está a
tornar-se instável, deslocando-se mais e lançando a corrente de jato mais para
sul, criando assim essas anomalias de tempo frio.

Alguns meteorologistas sugeriram que a instabilidade do vórtice pode ser


explicada pelo aquecimento global. Normalmente, o vórtice polar é
relativamente estável e não se desloca muito. Isto porque a diferença de
temperatura entre o vórtice polar e as latitudes inferiores é relativamente
ampla, o que aumenta a força do vórtice polar e o torna mais estável. Porém,
se as temperaturas das regiões polares subirem mais depressa do que nos
climas mais temperados, a diferença de temperatura diminui, reduzindo a
força do vórtice. Isto, por sua vez, empurra a corrente de jato mais para sul,
criando padrões meteorológicos anormais até ao Texas e ao México.

Assim, ironicamente, o aquecimento global pode ser responsável por


algum tempo gélido no Sul.

O Que Fazer?
Então o que podemos fazer a esse respeito?

Podemos ter esperança de que as energias renováveis e as medidas de


conservação vão reduzindo gradualmente a dependência da nossa civilização
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

relativamente aos combustíveis fósseis. Talvez uma superbateria ajudasse a


190

introduzir uma Era Solar com carros elétricos mais eficientes. Talvez as nações
comecem a levar a sério o combate ao problema. E talvez, em meados do
século, a energia de fusão esteja ativa.

Porém, se tudo o mais falhar, um plano de recurso é tentar recorrer a


geoengenharia para resolver o problema. Estas são soluções a serem usadas
no pior cenário possível.

1. Sequestro de carbono

A abordagem mais conservadora é o sequestro de carbono, ou seja,


separar o CO2 na refinaria de petróleo e depois enterrá-lo no solo. Em pequena
escala, até já foi ensaiado. Outra ideia é separar o CO2 e eliminá-lo,
misturando-o com basalto encontrado em rochas vulcânicas. A ideia é séria,
mas o problema é económico. O sequestro de carbono custa dinheiro e uma
companhia tem de justificar tal empreendimento. Assim, muitas companhias
estão a optar por uma posição de «esperar para ver» quanto ao sequestro de
carbono. Ainda não há certezas de que funcione e se será alguma vez
economicamente viável.

2. Modificação Meteorológica

Quando o Monte de Santa Helena entrou em erupção, em 1980, os


cientistas conseguiram calcular a quantidade de cinza vulcânica que foi
projetada para o ambiente, e qual o seu efeito subsequente na temperatura. O
escurecimento da atmosfera no rescaldo da erupção, ao que parece, refletiu
mais luz solar de novo para o espaço, causando um efeito de arrefecimento.
Poder-se-ia calcular quanta matéria particular seria necessária para uma
redução global da temperatura.

No entanto, há perigos associados. Dada a escala da operação, seria


muito difícil testar a ideia. E mesmo que uma erupção vulcânica baixe
temporariamente a temperatura em alguns graus, é insuficiente para evitar
uma catástrofe climática em grande escala.

3. Eflorescência Algal

Outra possibilidade é fertilizar os oceanos, o que pode absorver CO2. As


algas, por exemplo, alimentam-se de ferro. E, por sua vez, as algas absorvem
CO2. Assim, se fertilizássemos os oceanos com ferro, poderia ser possível usar
as algas para conter o CO2. O problema neste caso é estarmos a brincar com
formas de vida que não controlamos. As algas não são estáticas, e podem
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

reproduzir-se de modos imprevistos. E não é possível mandar para a sucata


191

uma forma de vida como se faria com um carro avariado.

4. Nuvens de Chuva

Outros sugeriram modificar o tempo com recurso a uma técnica antiga:


cristais de iodeto de prata. Enquanto os povos na Antiguidade tentavam
chamar a chuva com danças e encantamentos, várias nações e forças militares
tentaram-no através do lançamento de químicos na atmosfera. Os cristais de
iodeto de prata, por exemplo, podem acelerar a condensação de vapor de
água, talvez induzindo as nuvens de chuva a formar trovoadas. Acredita-se
que este método foi investigado pela CIA durante a guerra do Vietname, como
forma de derrotar as tropas inimigas durante a época de monções, ao causar
cheias que os forçassem a abandonar os seus santuários.

Outra variação chama-se cloud brightening, ou fertilizar as nuvens de


modo que reflitam mais energia solar de volta para o espaço.

Infelizmente, as modificações meteorológicas são sempre muito locais,


influenciando apenas uma pequena área, quando a superfície da Terra é muito
grande. E os resultados de fertilização de nuvens de chuva não têm sido muito
bons. É uma técnica muito imprevisível.

5. Plantar Árvores

Pode ser possível alterar geneticamente as plantas de modo que


absorvam mais CO2 do que o normal. Esta será talvez a abordagem mais
segura e razoável, mas é duvidoso que seja possível remover CO2 suficiente
para inverter o aquecimento global em todo o planeta. E uma vez que grande
parte dos terrenos florestais do planeta é controlada por uma manta de
retalhos de nações, cada uma das quais com os seus interesses, seria
necessária a vontade política de muitos países, a trabalharem juntos, para
embarcar num plano tão ambicioso.

6. Boletim Meteorológico Virtual

Tendo em conta a enormidade daquilo que está em jogo, espera-se que


os computadores quânticos possam calcular a melhor opção. A tarefa mais
importante é compilar todos os dados para formular previsões o mais exatas
possível.
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

Computadores Quânticos e Simulação Meteorológica


192

Todos os modelos meteorológicos de computador começam por dividir a


superfície da Terra em pequenos quadrados ou grelhas de células. Na década
de 90, os modelos de computador começaram com grelhas de células de cerca
de 500 quilómetros de lado. Com o aumento da potência computacional, este
tamanho tem vindo sempre a diminuir. (Para o Quarto Relatório de Avaliação
do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Alterações, Climáticas, em 2007, o
tamanho das grelhas de células era de 109 quilómetros.)60

A seguir, estas grelhas são alargadas para a terceira dimensão,


tornando-se blocos quadrados que descrevem as várias camadas da
atmosfera. Normalmente, a atmosfera é dividida em dez blocos verticais.

Depois de toda a superfície e a atmosfera da Terra estarem divididas


nestes blocos discretos, o computador analisa então os parâmetros no interior
de cada bloco (humidade, luz solar, temperatura, pressão atmosférica, etc.).
Utilizando as equações termodinâmicas conhecidas para a atmosfera e energia,
calculam então como a temperatura e a humidade variam ao longo de células
adjacentes, até toda a Terra estar abrangida.

Desta forma, os cientistas podem dar-nos uma estimativa aproximada do


tempo no futuro. Para verificar os resultados, estes podem ser «testados» por
aquilo a que se chama previsão inversa. O programa de computador pode
correr para trás no tempo e ver se, a partir do comportamento atual das
condições meteorológicas, é possível «prever» o tempo no passado, altura em
que as condições meteorológicas eram conhecidas com exatidão.

A previsão inversa tem mostrado que estes modelos de computador,


embora não sejam perfeitos, conseguem «prever» corretamente o padrão
meteorológico global nos últimos cinquenta anos. No entanto o volume de
dados é enorme, levando ao limite as capacidades dos computadores normais.
Uma vez que os computadores digitais acabarão por ser ultrapassados pela
crescente complexidade da tarefa, aquilo de que precisamos é de transitar
para computadores quânticos.

Incertezas
Por mais potente que seja o nosso programa de computador, há sempre
o problema dos fatores desconhecidos e inesperados, difíceis de modelar.
Talvez a incerteza mais séria seja a presença de nuvens, que podem refletir a
luz solar de volta para o espaço, reduzindo assim um pouco o efeito de estufa.
Uma vez que até 70 por cento da superfície da Terra está, em média, coberta
por nuvens, este é um fator importante.
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

O problema é que a formação de nuvens muda de minuto para minuto,


193

tornando assim muito incertas as previsões a longo prazo. As nuvens são


imediatamente afetadas por alterações rápidas na temperatura, na humidade,
na pressão do ar, nas correntes de vento e outros fatores. Os meteorologistas,
para compensar esta incerteza, fazem uma estimativa grosseira daquilo que
julgam que será a atividade das nuvens, tendo em conta os dados do passado.

Outra fonte de incerteza é a já mencionada corrente de jato. Quando


vemos o boletim meteorológico, as fotografias de satélite perto do Ártico
mostram uma massa de ar frio que se desloca em torno do globo, regra geral
confinada ao Norte, mas que pode por vezes descer até ao México. Uma vez
que é difícil prever qual será o trajeto exato seguido pela corrente de jato, os
meteorologistas fazem uma estimativa aproximada das alterações de
temperatura causadas pela corrente de jato.

A questão é que há um limite para aquilo que os computadores digitais


podem fazer, tendo em conta as incertezas. Os computadores quânticos,
contudo, poderão resolver as maiores origens de incerteza. Primeiro, os
computadores quânticos conseguem calcular o que acontecerá, se reduzirmos
o tamanho dos blocos para tornar as previsões mais exatas. O tempo pode
mudar rapidamente ao longo de um ou dois quilómetros, e, apesar disso, estes
blocos têm muitos quilómetros de lado, o que introduz erros. Um computador
quântico, contudo, será capaz de lidar com um bloco de tamanho muito mais
reduzido.

Segundo, estes modelos estimam fatores como a corrente de jato e as


nuvens em níveis fixos. Os computadores quânticos terão a capacidade de
incluir quantidades variáveis para esses parâmetros, de modo que seja
possível alterá-los com o mero rodar de um botão. Assim, os computadores
quânticos poderão construir boletins meteorológicos virtuais com parâmetros
variáveis cruciais.

Temos noção dos limites daquilo que se pode fazer com os computadores
convencionais quando vemos na televisão o trajeto calculado de um furacão.
Surgem no ecrã estimativas feitas por diferentes modelos de computador, e é
possível ver o quanto diferem umas das outras. Previsões importantes feitas
por programas de computador diferentes, por exemplo quando e onde é que o
furacão entrará em terra e até onde penetrará, diferem muitas vezes em
centenas de quilómetros.

Porém, estas incertezas, que custam muitas vezes milhões de dólares e


as vidas de inocentes, serão grandemente reduzidas quando fizermos a
transição para os computadores quânticos.

Melhores boletins meteorológicos, gerados por computadores quânticos,


dar-nos-ão projeções melhores, o que nos ajudará a preparar para possíveis
cenários.
Supremacia Quântica 4ª Parte Aquecimento Global

No entanto, uma vez que a queima de combustíveis fósseis é um dos


194

principais fatores por trás do aquecimento global, é importante investigar


fontes de energia alternativas. Uma fonte de energia barata e importante no
futuro pode vir a ser a energia de fusão, ou seja, aproveitar a energia do Sol
na Terra. E a chave para a energia de fusão pode ser a computação quântica.

56 Ali El Kaafarani, «Four Ways Quantum Computing Could Change the World», Forbes, 30 de julho de 2021;
http://www.forbes.com/sites/forbestechcouncil/2021/07/30/four-ways-quantum-computing-could-change-the-
world/?sh=398352d14602.
57 Doyle Rice, «Rising Waters: Climate Change Could Push a Century's Worth of Sea Rise in US by 2050, Report Says», USA Today,
15 de fevereiro de 2022; https://www.usatoday.com/story/news/nation/2022/02/15/ussea-rise-climate-change-noaa-
report/6797438001/.
58 «U.S. Coastline to See up to a Foot of Sea Level Rise by 2050» National Oceanic and Atmospheric Administration, 15 de fevereiro
de 2022; https://www.noaa.gov/news-release/us-coastline-to-see-up-to-foot-of-sea-level-rise-by-2050.
59 David Knowles, «Antarctica's “Doomsday Glacier” Is Facing Threat of Imminent Collapse, Scientists Warm, Yahoo News, 14 de
dezembro de 2021; https://news.yahoo.com/antarcticas-doomsday-glacier-is-facing-threat-of-imminent-collapse-scientists-warn-
220236266.html.
60 Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, Climate Change 2007 Synthesis Report: A Report of the
Intergovernmental Panel on Climate Change; http://www.ipcc.ch.
CAPÍTULO 15
– ENGARRAFAR O SOL –

Desde tempos antigos que as pessoas veneravam o Sol como aquele que
traz vida, esperança e prosperidade. Os gregos acreditavam que Hélio, o deus
do Sol, atravessava orgulhosamente o céu no seu carro luminoso puxado por
cavalos, iluminando o mundo e levando calor e conforto aos mortais lá em
baixo.

Porém, mais recentemente, os cientistas tentaram capturar o segredo do


Sol e trazer para a Terra a sua energia ilimitada. O principal candidato para o
conseguir fazer chama-se fusão, que algumas pessoas dizem ser como
engarrafar o Sol. Em teoria, parece ser a solução ideal para todos os nossos
problemas energéticos. Conseguiria gerar energia ilimitada para sempre, sem
muitos dos problemas associados aos combustíveis fósseis e à energia nuclear.
E, uma vez que é neutra em carbono, pode salvar-nos do aquecimento global.

Parece um sonho realizado.

Infelizmente, os físicos apregoaram demais esta tecnologia. Há uma


piada que diz que de vinte em vinte anos os físicos afirmam que a energia de
fusão será realidade daí a vinte anos. Atualmente, no entanto, as principais
nações industriais proclamam que a energia de fusão está finalmente ao nosso
alcance e que estará à altura das promessas de fornecer energia ilimitada
praticamente de graça.

Hoje em dia, os reatores de fusão ainda são tão caros e complexos que a
comercialização desta tecnologia está provavelmente a algumas décadas no
futuro. Contudo, com a chegada dos computadores quânticos, muitos
cientistas esperam que alguns dos problemas persistentes que impedem a
produção de energia de fusão possam ser resolvidos, abrindo caminho a que
os reatores de fusão se tornem uma realidade — prática e económica. Os
computadores quânticos poderão vir a revelar-se uma tecnologia crucial para
ajudar a trazer a energia de fusão para as nossas casas e cidades.

A esperança é que a energia de fusão venha a ser comercializada antes


que o aquecimento global aqueça o planeta de modo irreversível.

Por Que Brilha o Sol?


As pessoas sempre questionaram o que alimenta o Sol. A sua energia
parece ilimitada e até mesmo divina. Houve quem especulasse que o Sol devia
ser uma espécie de fornalha gigantesca no céu. Porém, um simples cálculo
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

mostra que a queima de combustível duraria apenas alguns séculos ou


196

milénios, e também que, no vácuo do espaço, qualquer fogo se extinguiria


imediatamente.

Então por que brilha o Sol?

O segredo do Sol foi finalmente desvendado pela famosa equação de


Einstein, E = mc2. Os físicos perceberam que o Sol, maioritariamente
composto por hidrogénio, ia buscar a sua imensa energia ao fundir os núcleos
de hidrogénio para formar hélio. Quando se comparou o peso do hidrogénio
original com o peso do hélio, faltava uma massa ínfima. Uma pequena fração
da massa original perdia-se no processo de fusão. Este défice de massa, na
fórmula de Einstein, torna-se a energia imensa que ilumina o sistema solar.

O público ganhou consciência da enorme potência que o átomo de


hidrogénio encerra quando esta foi libertada pela detonação da bomba de
hidrogénio. Um pedaço do Sol, de certa forma, foi trazido para a Terra, com
implicações de enorme significado.

Vantagens da Fusão
Existem atualmente duas formas de libertar este fogo nuclear. Podemos
unir o hidrogénio, via fusão, para formar hélio, ou podemos separar o átomo
de urânio ou plutónio para libertar a energia nuclear, via fissão. Em cada um
dos processos, quando comparamos o peso dos ingredientes com o peso do
produto final, verificamos que desapareceu uma porção ínfima de massa, que
se encontra na forma de energia nuclear.

Embora todas as centrais nucleares comerciais obtenham a sua energia


através de fissão nuclear, a fusão tem algumas vantagens notáveis.

Primeiro, ao contrário das centrais de fissão, a fusão não cria


quantidades copiosas de resíduos nucleares mortíferos. Num reator de fissão, o
núcleo do urânio divide-se, libertando energia, mas pode também criar uma
cascata de centenas de produtos de fissão radioativos, como isótopo de
estrôncio, iodo-131, césio-137, e outros. Alguns destes resíduos radioativos
serão radioativos durante milhões de anos, e requerem lixeiras nucleares
gigantescas que terão de ser protegidas durante muito tempo. Uma única
central de fissão comercial, por exemplo, gera 30 toneladas de resíduos
nucleares de alta atividade em apenas um ano. Os aterros de resíduos
nucleares são como mausoléus gigantescos. A nível mundial existem 370.000
toneladas de resíduos de fissão mortíferos que têm de ser cuidadosamente
monitorizados.
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

As centrais de fusão, pelo contrário, produzem como resíduo o gás hélio,


197

que na realidade tem valor comercial. Parte do aço irradiado numa central de
fusão pode também tornar-se radioativo após décadas de uso, mas seria
facilmente eliminado e enterrado.

Em segundo lugar, ao contrário das centrais de fissão, as centrais de


fusão não podem sofrer acidentes nucleares. Numa central de fissão, os
resíduos continuam a gerar grandes quantidades de calor mesmo quando o
reator é desligado. Quando se perde a água de arrefecimento, num acidente
numa central nuclear de fissão, a temperatura pode disparar até o reator
atingir os 2760 ºC e começar a derreter, criando explosões desastrosas. Em
Chernobyl, em 1986, por exemplo, explosões de vapor e hidrogénio
rebentaram com o telhado do reator, libertando cerca de 25 por cento dos
materiais radioativos do núcleo para a atmosfera e sobre a Europa. Foi o mais
grave acidente nuclear comercial da história.

Em contraste, se um reator de fusão sofrer um acidente, o processo de


fusão simplesmente é interrompido. Deixa de se gerar calor e o acidente
passou.

Em terceiro lugar, o combustível para um reator de fusão é ilimitado. O


urânio, por outro lado, é um recurso limitado e requer todo um ciclo de
mineração, tratamento e enriquecimento para produzir combustível de urânio
utilizável. Já o hidrogénio, pode ser extraído da água do mar.

Em quarto lugar, a fusão é muito eficiente na libertação da energia do


átomo. Um grama de hidrogénio pesado pode produzir 90.000 quilowatts de
energia elétrica, o equivalente a 11 toneladas de carvão.

Por último, as centrais de fusão e de fissão não criam dióxido de carbono


e, portanto, não vêm exacerbar o aquecimento global.

Construir Um Reator de Fusão


São dois os ingredientes básicos para uma máquina de fusão. Primeiro, é
preciso uma fonte de hidrogénio aquecido a muitos milhões de graus — na
verdade, a uma temperatura mais quente do que o Sol — para o transformar
em plasma, que é o quarto estado da matéria (depois de sólidos, líquidos e
gases). Um plasma é um gás tão quente que alguns dos eletrões lhe foram
arrancados. É a forma de matéria mais comum no Universo, da qual são feitas
as estrelas, o gás interestelar e até os relâmpagos.

Segundo, é preciso uma forma de conter o plasma aquecido. Nas


estrelas, a gravidade comprime o gás. Mas na Terra a gravidade é demasiado
fraca para o fazer, pelo que usamos campos elétricos e magnéticos.
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

O design mais popular de um reator de fusão chama-se tokamak e é um


198

design russo. Começa com um cilindro, completamente rodeado por bobinas


de fio. Os dois extremos do cilindro unem-se, formando um donut. Depois,
injeta-se gás hidrogénio no donut e em seguida lança-se uma corrente elétrica
através do cilindro, que aquece o gás a temperaturas muito elevadas. Para
conter esse plasma quente, são transmitidas quantidades gigantescas de
energia elétrica às bobinas que rodeiam o donut, contendo assim o plasma
com um poderoso campo magnético e impedindo-o de atingir as paredes do
reator.

Figura 11: Tokamak.

Num reator de fusão, as bobinas envolvem uma câmara em forma de donut, criando um poderoso campo
magnético que confina um plasma superaquecido. A chave do tokamak é aquecer o gás de modo que essa
fusão liberte vastas quantidades de energia. No futuro, os computadores quânticos poderão ser usados para
alterar e até mesmo melhorar a configuração exata do campo magnético, aumentando assim a sua potência e
eficiência e reduzindo em muito os custos.

Finalmente, depois de a fusão começar, os núcleos de hidrogénio


combinam-se para formar hélio, libertando vastas quantidades de energia.
Num dos designs, fundem-se dois isótopos de hidrogénio, deutério e trítio,
criando energia, hélio e um neutrão. Esse neutrão, por sua vez, transporta a
energia de fusão para fora do reator, onde atinge um cobertor de material em
volta do tokamak.

Este cobertor, geralmente feito de berílio, cobre e aço, aquece, fazendo


com que a água nos canos do cobertor ferva. O vapor assim criado empurra as
pás de uma turbina, fazendo girar ímanes gigantes. Este campo magnético,
por sua vez, pressiona os eletrões na turbina, gerando a eletricidade que
acabará na sua sala.
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

Por quê a Demora?


199

Com todas estas vantagens à nossa espera, o que está por trás dos
atrasos da energia de fusão? Passaram setenta anos desde a construção das
primeiras centrais de fusão, por quê a demora? O problema não tem que ver
com a física, mas sim com engenharia.

O gás hidrogénio tem de ser aquecido a muitos milhões de graus, mais


quente do que o Sol, para que os núcleos de hidrogénio se combinem para
formar hélio e libertar energia. Porém, aquecer um gás a essas temperaturas é
difícil. O gás fica frequentemente instável e a reação de fusão interrompe-se.
Os físicos passaram décadas a tentar conter o hidrogénio de modo que fosse
possível aquecê-lo a essas temperaturas estelares.

Em retrospetiva, os físicos compreendem agora como é relativamente


fácil para a natureza libertar energia de fusão no coração de uma estrela. As
estrelas começam por ser uma bola de hidrogénio que é comprimida
uniformemente pela gravidade. À medida que essa bola se torna cada vez mais
pequena, as temperaturas sobem até atingirem os muitos milhões de graus e o
hidrogénio começar a fundir-se e a estrela se incendiar.

Veja-se que este processo ocorre naturalmente, por si só, porque a


gravidade é monopolar, ou seja, parte-se de um polo (e não dois), pelo que a
bola de gás original colapsa sobre si própria, sob a sua própria gravidade. Em
resultado, as estrelas são relativamente fáceis de formar e é por isso que
vemos milhares de milhões delas com os nossos telescópios.

Contudo, a eletricidade e o magnetismo são diferentes. São bipolares.


Um íman, por exemplo, tem sempre um polo norte e um polo sul. Não
podemos usar um martelo para isolar um dos polos. Se partirmos um íman ao
meio, o que obtemos são dois ímanes mais pequenos, cada um deles com o
seu polo norte e o seu polo sul.

Assim, eis o problema. É extraordinariamente difícil criar um campo


magnético potente o suficiente para comprimir o gás hidrogénio
superaquecido, em forma de um donut, durante tempo suficiente para criar
fusão. Para compreendermos este grau de dificuldade, imagine-se um balão
comprido, daqueles que se usam para fazer animais. Agora, una as
extremidades do balão de modo a formar um donut. Depois tente espremê-lo
uniformemente. Por mais que aperte o balão, o ar consegue sempre deslocar-
se para outra parte. É extraordinariamente difícil apertá-lo de modo que o ar
no interior se comprima uniformemente.
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

ITER
200

Com o fim da Guerra Fria e a conclusão de que construir um reator de


fusão era proibitivamente dispendioso, as nações do mundo começaram a
reunir recursos para o aproveitamento pacífico do átomo. Em 1979, ganhou
força nos corredores do poder a intenção de construir um reator de fusão
internacional. Os presidentes Ronald Reagan e Mikhail Gorbachov
encontraram-se e ajudaram a firmar o acordo.

O ITER (Reator Internacional Termonuclear Experimental) é um exemplo


desta colaboração internacional. Há 35 nações envolvidas no financiamento
deste ambicioso projeto, incluindo a União Europeia, os Estados Unidos, o
Japão e a Coreia.

Para medir a eficiência de um reator de fusão, os físicos introduziram a


quantidade denominada Q, que é a energia gerada pelo reator, dividida pela
energia que consome. Quando Q = 1, atingimos o balanço energético,
produzindo tanta energia como consome. De momento, o recorde mundial
para uma central de fusão ronda Q = 0,7. As projeções apontam para que o
ITER atinja o balanço energético em 2025. Porém, foi criado para, a dada
altura, alcançar Q = 10, gerando muito mais energia do que aquela que
consome.

O ITER é uma máquina monstruosa, que pesa mais de 5000 toneladas,


sendo um dos instrumentos científicos mais sofisticados de todos os tempos, a
par da Estação Espacial Internacional e do Grande Colisor de Hadrões. Em
comparação com anteriores reatores de fusão, o ITER tem o dobro do tamanho
e é 16 vezes mais pesado. O seu toro é gigantesco, com quase 20 metros de
diâmetro e 11 metros de altura. Para confinar o plasma, os seus ímanes geram
um campo magnético 280.000 vezes mais forte do que o campo magnético da
Terra.

O ITER é o projeto de fusão mais ambicioso do mundo. Foi pensado para


produzir 450 milhões de watts de energia líquidos, mas não será ligado à rede
elétrica. Será ligado para testes em 2025 e talvez esteja a funcionar em pleno
em 2035. Se for bem-sucedido, abrirá caminho ao reator de fusão de próxima
geração, chamado DEMO, que se pensa estar concluído até ao ano de 2050. O
DEMO pretende alcançar Q = 25 e produzir dois gigawatts de energia.

Assim, o objetivo é ter energia de fusão comercial antes do meio do


século. Contudo, os analistas realçam que a energia de fusão não resolverá de
imediato a crise do aquecimento global. «A fusão não é uma solução para
chegarmos a 2050 com neutralidade total. É uma solução para alimentar a
sociedade na segunda metade do século», diz Jon Amos, correspondente
científico da BBC News.61
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

A chave para o funcionamento do ITER são os enormes campos


201

magnéticos, tornados possíveis por algo chamado supercondutividade, que é o


ponto em que toda a resistência elétrica desaparece a temperaturas
superbaixas, possibilitando assim campos magnéticos mais fortes. Reduzir a
temperatura até perto do zero absoluto reduz a resistência à eletricidade,
elimina o calor residual e aumenta a eficiência do campo magnético.

A supercondutividade foi descoberta pela primeira vez em 1911, quando


se arrefeceu o mercúrio até 4,2 ºK, perto do zero absoluto. Na altura,
acreditava-se que os movimentos atómicos aleatórios ficariam praticamente
estáticos no zero absoluto, pelo que os eletrões poderiam por fim viajar
livremente sem qualquer resistência. Assim, era considerado estranho que
várias substâncias se tornassem supercondutoras a temperaturas mais
elevadas. Era um mistério.

Seria apenas em 1957 que John Bardeen, Leon Cooper e John Schrieffer
finalmente criariam uma teoria quântica da supercondutividade. Eles
descobriram que, sob certas condições, os eletrões podem formar aquilo a que
se chama pares de Cooper e depois deslizar pela superfície de um
supercondutor sem qualquer resistência. A teoria previa que a temperatura
máxima para um supercondutor era 40 ºK.

Mesmo antes de os ímanes do ITER serem ligados, versões semelhantes


mas mais pequenas do ITER provaram que o design básico do tokamak está
correto. O design do ITER sofreu um tremendo avanço em 2022, quando se
anunciou que duas versões mais pequenas do mesmo, uma nos arredores de
Oxford, na Inglaterra, e outra na China, tinham conseguido estabelecer um
novo recorde.

O reator de fusão de Oxford, chamado JET (Toro Europeu Conjunto)


conseguiu alcançar Q = 0,33 durante cinco segundos, batendo o recorde que
esse mesmo reator estabelecera vinte e quatro anos antes. É
aproximadamente o equivalente a 11 megawatts de energia, ou energia
suficiente para aquecer 60 chaleiras de água.

«As experiências do JET deixam-nos um passo mais perto da energia de


fusão», diz Joe Milnes, um dos diretores do laboratório. «Demonstrámos que
conseguimos criar uma miniestrela no interior da nossa máquina e mantê-la
durante cinco segundos e obter um elevado desempenho, o que nos leva
realmente para um outro mundo.» 62

Arthur Turrell, uma autoridade em energia de fusão, diz: «É um marco


porque eles conseguiram demonstrar a maior quantidade de energia produzida
por reações de fusão em qualquer aparelho na história.» 63

Contudo, os chineses anunciaram, alguns meses depois, terem


conseguido sustentar a fusão durante 17 minutos ao aquecer o plasma até 158
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

milhões de graus Celsius. O seu reator de fusão, chamado EAST (Tokamak


202

Supercondutor Experimental Avançado), baseia-se, tal como o seu homólogo


britânico, no design original do tokamak, o que indica que o ITER está,
provavelmente, no caminho certo.

Designs Concorrentes
Tendo em conta a importância do que está em jogo, e porque os campos
magnéticos são notoriamente difíceis de manipular, têm sido propostas muitas
ideias novas para conter o plasma. Na verdade, há cerca de 25 novas
empresas a apresentar a sua versão de um reator de fusão.

Em geral, todos os designs de tokamak de fusão usam supercondutores,


criados pelo arrefecimento das bobinas até perto do zero absoluto, ponto em
que a resistência elétrica quase desaparece. Porém, em 1986, encontrou-se
por meio de experimentação e erro uma nova classe de supercondutores, o
que foi uma descoberta sensacional. Consegue alcançar a fase de
supercondução à amena temperatura de 77 ºK. (Esta nova classe de
supercondutores, chamados supercondutores a alta temperatura, baseava-se
no arrefecimento de cerâmicas como óxido de ítrio, bário e cobre.) Foi uma
notícia assombrosa, porque significava que havia sido descoberta uma nova
teoria quântica de supercondutores, e que a cerâmica podia tornar-se
supercondutora com nitrogénio líquido comum. É importante porque o
nitrogénio líquido custa praticamente o mesmo que o leite e, portanto, seria
possível baixar consideravelmente o custo dos superímanes. (O gelo seco, ou
dióxido de carbono solidificado, custa cerca de dois dólares o quilo. O
nitrogénio líquido custa aproximadamente oito dólares o quilo. O hélio líquido,
que é o que a maior parte dos supercondutores usa como refrigerante, custa
200 dólares o quilo.)

Pode não parecer uma melhoria muito significativa para as pessoas


comuns, mas para um físico abre uma mina de oportunidades. Uma vez que o
componente mais complexo de um reator de fusão são os ímanes, isto altera
todo o aspeto económico e, por consequência, as perspetivas da tecnologia.

Embora a descoberta dos supercondutores cerâmicos tenha chegado


demasiado tarde para ser incorporada no ITER, abriu a possibilidade de usar
essa tecnologia para a geração seguinte de reatores de fusão.

Um projeto promissor que utiliza este novo método é o reator SPARC,


que foi anunciado em 2018 e atraiu rapidamente a atenção (e a carteira) de
multimilionários famosos como Bill Gates e Richard Branson, permitindo ao
SPARC angariar mais de 250 milhões de dólares num curto espaço de tempo.
(O que, em comparação com os 21 mil milhões que já foram gastos no ITER,
não passa de trocos.)
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

O reator ultrapassou um marco muito significativo em 2021, quando


203

testou com sucesso os seus ímanes supercondutores a altas temperaturas,


capazes de gerar um campo magnético 40.000 vezes mais forte do que o
campo magnético da Terra.

«Este íman vai alterar a trajetória tanto da ciência como da energia de


fusão e, estamos convictos disso, mais cedo ou mais tarde o panorama
energético a nível mundial, diz Dennis Whyte do MIT. 64 «É muito importante.
Não é mera publicidade, é a realidade», diz Andrew Holland, diretor executivo
da Associação da Indústria de Fusão. 65 O SPARC pode alcançar o balanço
energético Q = 1 em 2025, mais ao menos em simultâneo com o ITER, mas
por uma fração do custo e do tempo.

O SPARC por si só não vai gerar energia elétrica comercial. Porém, o seu
sucessor, o reator ARC, poderá fazê-lo. Se tiver êxito, deve deslocar o centro
de gravidade da investigação sobre fusão, forçando a próxima geração de
reatores de fusão a adotar as tecnologias mais recentes, tais como avanços em
supercondutores de altas temperaturas e talvez computadores quânticos, que
seriam necessários para melhorar a estabilidade crucial do campo magnético
para que consiga conter o plasma.

No entanto, a ciência dos supercondutores ficou bastante baralhada com


a recente notícia de que fora finalmente alcançado um supercondutor de
temperatura ambiente. Normalmente, a criação de um supercondutor de
temperatura ambiente seria anunciada como o Santo Graal da física de baixa
temperatura, o produto final de décadas de trabalho árduo. Todavia esta
descoberta tinha um enorme problema. Os físicos criaram finalmente um
supercondutor de temperatura ambiente, mas apenas se o comprimirmos a 2,6
milhões de vezes a pressão atmosférica. Até a mais simples experiência, com
essas pressões astronómicas, requer maquinaria altamente especializada, que
nem toda a gente tem. Assim, os físicos optaram por esperar para ver se é
possível reduzir essa pressão de modo que os supercondutores de temperatura
ambiente possam vir a tornar-se uma alternativa útil.

Fusão a Laser
O Departamento de Energia dos Estados Unidos optou por seguir uma
abordagem completamente diferente, utilizando raios laser gigantescos em vez
de ímanes potentes para aquecer o hidrogénio. Num programa de televisão
que apresentei na BBC-TV, visitei a NIF (Infraestrutura Nacional de Ignições),
uma instalação enorme no Laboratório Nacional de Livermore na Califórnia,
que custou 3,5 mil milhões de dólares.

Uma vez que se trata de uma instalação militar onde são criadas ogivas
nucleares, tive de passar por várias verificações de segurança antes de poder
visitar as instalações. Por fim, passei pelos últimos guardas armados e fui
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

conduzido à sala de controlo da NIF. Mesmo depois de ver as plantas da NIF


204

em papel, é esmagador quando vemos em pessoa o tamanho assombroso da


máquina. É verdadeiramente gigantesca, do tamanho de três campos de
futebol americano, com dez andares de altura, reduzindo qualquer pessoa que
dela se aproxime à sua insignificância.

À distância, vi o trajeto seguido pelos 192 raios laser de alta potência,


que estão entre os mais potentes do planeta. Quando estes raios laser são
disparados, durante uma ínfima fração de segundo, atingem 192 espelhos.
Cada um destes espelhos está cuidadosamente posicionado para refletir o raio
sobre o alvo, que é uma pequena bolinha do tamanho de uma ervilha contendo
deutereto de lítio, que é rico em hidrogénio.

Isto faz com que a superfície da bolinha se vaporize e desfaça, elevando


a temperatura a dezenas de milhões de graus. Quando aquecida e comprimida
a esse nível, ocorre a fusão e são emitidos os neutrões que o indicam.

O objetivo, eventualmente, é gerar energia comercial através da fusão a


laser. Quando o alvo é vaporizado, são emitidos neutrões, que serão depois
enviados através de um cobertor. Tal como no tokamak, espera-se que esses
neutrões de alta energia transfiram a energia para o cobertor, que aquece e
ferve água, que é então conduzida para uma turbina para gerar energia
comercial.

Em 2021, a NIF alcançou um marco importante. Conseguiu produzir dez


mil biliões de watts de energia em cem bilionésimos de segundo, a cem
milhões de graus Kelvin, batendo o anterior recorde. Comprimiu a bolinha de
combustível a 350 mil milhões de vezes a pressão atmosférica.

E finalmente, em dezembro de 2022, a NIF fez cabeçalhos em todo o


mundo com a sensacional notícia de que conseguira, pela primeira vez na
história, alcançar Q maior do que 1, ou seja, gerou mais energia do que aquela
que consumiu. Foi realmente um evento histórico, indicando que a fusão era
um objetivo possível de alcançar. Porém, os físicos acautelaram também de
que este era apenas o primeiro passo. O segundo seria aumentar a escala do
reator de modo a poder alimentar uma cidade inteira. Depois disso, teria de
ser reproduzido de modo lucrativo e espalhado pelo mundo. Resta saber se a
NIF conseguirá ser comercializada de modo a criar quantidades práticas de
energia. Entretanto, o design do tokamak continua a ser o mais avançado e o
mais comum.
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

Problemas da Fusão
205

Embora a energia de fusão tenha capacidade de alterar a forma como


consumimos energia na Terra, problemas persistentes têm levado a falsas
esperanças e sonhos despedaçados.

Muitos esforços anteriores para aproveitar a energia de fusão foram


desapontantes. Desde a década de 50 houve mais de cem reatores de fusão,
mas nenhum deles produziu mais energia do que aquela que consumiu. Muitos
acabaram por ser abandonados. Um problema fundamental é a configuração
toroidal (em forma de donut) do design do tokamak. Resolve um problema (a
capacidade de conter o plasma a elevadas temperaturas) mas causa outro
(instabilidade).

Por causa da natureza toroidal do campo magnético, é difícil sustentar


um processo de fusão estável durante tempo suficiente para cumprir o critério
de Lawson, que requer uma certa temperatura, densidade e duração para criar
a reação de fusão.

Se houver irregularidades minúsculas no campo magnético do tokamak,


o plasma pode tornar-se instável.

O problema é agravado pela interação entre o plasma e o campo


magnético. Mesmo que o campo magnético externo possa, inicialmente, conter
o plasma, o próprio plasma tem o seu campo magnético, que pode interagir
com o campo magnético maior do reator e tornar-se instável.

O facto de as equações do plasma e do campo magnético estarem


fortemente ligadas, cria efeitos de cascata. Se houver uma ligeira
irregularidade nas linhas do campo magnético no interior do donut, isso, por
sua vez, pode causar irregularidades no plasma dentro do donut. Porém, como
o plasma tem o seu próprio campo magnético, pode ainda reforçar a
irregularidade original. Assim, pode verificar-se um efeito de bola de neve,
com a irregularidade a tornar-se cada vez maior de cada vez que os dois
campos magnéticos se reforçam mutuamente. Essas irregularidades tornam-se
por vezes tão grandes que podem tocar nas paredes do reator e abrir
efetivamente um buraco nelas. Assim, esta é a razão fundamental pela qual
tem sido tão difícil satisfazer os critérios de Lawson e sustentar o processo de
fusão estável tempo suficiente para criar um reator autossustentável.

Fusão Quântica
É aqui que entram em cena os computadores quânticos. As equações do
campo magnético e do plasma são ambas conhecidas. O problema é que estas
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

duas equações estão unidas uma à outra e, portanto, interagem de modos


206

complexos. Pequenas oscilações imprevisíveis podem, subitamente, ser


ampliadas. Porém, enquanto os computadores digitais têm dificuldade em
computar nessa situação, os computadores quânticos serão capazes de efetuar
cálculos nestas condições complexas.

Hoje, se um reator de fusão tiver o design errado, é proibitivamente


difícil começar de novo e redesenhar o reator do zero. Contudo, se todas as
equações estiverem dentro de um computador quântico, torna-se uma simples
questão de usar o computador quântico para calcular se o design é o ideal ou
se poderá haver designs mais estáveis ou eficientes.

Alterar os parâmetros num programa de computador quântico é


drasticamente mais barato do que redesenhar um íman de reator de fusão
completamente novo, que custou milhares de milhões de dólares.

Uma vez que um reator pode custar entre dez e vinte mil milhões de
dólares, o resultado serão poupanças astronómicas. Os novos designs podem
ser criados e testados virtualmente porque o computador quântico consegue
calcular as suas propriedades. Além do mais, um computador quântico pode
facilmente jogar com uma série de novos designs virtuais para ver se
melhoram o desempenho do reator.

A potência dos computadores quânticos também será ampliada se for


aliada à inteligência artificial. Os sistemas de IA podem variar a força dos
vários ímanes de um reator de fusão. Depois, os computadores quânticos
analisarão o fluxo de dados deste processo, de modo a aumentar o fator Q. Por
exemplo, o programa de IA DeepMind já foi usado para modificar o reator de
fusão operado pelo Instituto Federal de Tecnologia Suíço em Lausanne, na
Suíça.

«Penso que a IA virá a desempenhar um grande papel no controlo futuro


dos tokamaks e da ciência de fusão em geral», diz Federico Felici do Instituto
Suíço. «Há um enorme potencial de aplicar a IA para obter um melhor controlo
e perceber como operar tais aparelhos de modo mais eficaz», acrescenta.66

Assim, a IA e os computadores quânticos podem trabalhar em conjunto


para aumentar a eficiência dos reatores de fusão, que por sua vez poderão vir
a criar a energia do futuro e ajudar a reduzir o aquecimento global.

Outra aplicação dos computadores quânticos é decifrar como funcionam


os supercondutores cerâmicos de alta temperatura. Tal como mencionámos, de
momento ninguém sabe como possuem essa propriedade mágica. Estas
cerâmicas de alta temperatura existem há mais de quarenta anos, e contudo
não existe consenso. Foram propostos modelos teóricos, mas não passam
disso mesmo: teóricos.
Supremacia Quântica 4ª Parte Engarrafar o Sol

Um computador quântico, contudo, pode alterar as coisas. Uma vez que


207

o computador quântico é, ele próprio, mecânico-quântico, poderá calcular a


distribuição de eletrões nas camadas bidimensionais dentro do supercondutor
cerâmico, e assim determinar qual das teorias está correta.

Além disso, já vimos que a criação de supercondutores ainda é feita por


meio de experimentação e erro. É possível que se descubram novos
supercondutores por acaso. No entanto isso significa que é preciso criar
experiências completamente novas de cada vez que se testa um novo material.
Não existe uma forma sistemática de encontrar novos supercondutores. Um
computador quântico, porém, conseguirá criar um laboratório virtual no qual
testar novas propostas para um supercondutor. Será possível testar
rapidamente dezenas de substâncias interessantes numa única tarde, em vez
de demorar anos e gastar milhões para examinar cada uma delas.

Assim, os computadores quânticos podem encerrar a chave para uma


energia futura não poluente, barata e fiável.

Todavia, se conseguirmos resolver as equações de fusão num


computador quântico, talvez possamos resolver também a equação de fusão
que se encontra no coração das estrelas, de modo a desvendar o segredo das
fornalhas nucleares internas espalhadas pelo céu da noite, perceber como
essas estrelas explodem em supernovas e como, por fim, se tornam no mais
misterioso dos objetos do Universo, os buracos negros.

61 Jonathan Amos, «Major Breakthrough on Nuclear Fusion Energy», BBC News, 9 de setembro de 2022;
http://www.bbc.com/news/science-environment-60312633.
62 Claude Forthomme, «Nuclear Fusion: How the Power of Stars May Be Within Our Reach», Impakter, 10 de fevereiro de 2022;
http://www.impakter.com/nuclear-fusion-power-stars-reach/.
63 Jonathan Amos, «Major Breakthrough on Nuclear Fusion Energy», BBC News, 9 de setembro de 2022;
http://www.bbc.com/news/science-environment-60312633.
64 «Multiple Breakthroughs Raise New Hopes for Fusion Energy», Global BSG, 27 de janeiro de 2022;
http://www.globalbsg.com/multiple-breakthroughs-raise-new-hopes-for-fusion-energy/.
65 Catherine Clifford, «Fusion Gets Closer with Successful Test of a New Kind of Magnet at MIT Start-up Backed by Bill Gates»,
CNBC, 8 de setembro de 2021; http://www.cnbc.com/2021/09/08/fusion-gets-closer-with-successful-test-of-new-kind-of-
magnet.html.
66 «Nuclear Fusion Is One Step Closer with New AI Breakthrough», Nation World News, 13 de setembro de 2022;
http://www.nationworldnews.com/nuclear-fusion-is-one-step-closer-with-new-ai-breakthrough/.
CAPÍTULO 16
– SIMULAR O UNIVERSO –

Em 1609, Galileu Galilei espreitou pelo telescópio que ele próprio


construíra e viu maravilhas que ninguém vira antes. Pela primeira vez na
história, a verdadeira glória e majestade do Universo eram desvendadas.

Galileu ficou fascinado com o que via com os seus próprios olhos,
deslumbrado por uma nova e assombrosa imagem do Universo que lhe era
revelada todas as noites. Foi o primeiro a ver que a Lua tinha crateras
profundas, que o Sol tinha minúsculos potinhos negros, que Saturno tinha uma
espécie de «orelhas» (hoje sabemos que são anéis), que Júpiter tinha quatro
luas próprias e que Vénus tinha fases como a Lua, o que lhe provou que era a
Terra que girava à volta do Sol e não o contrário.

Galileu até organizou festas de observação dos céus, nas quais a elite de
Veneza podia contemplar com os seus próprios olhos o verdadeiro esplendor
do Universo. Porém, tal imagem gloriosa não condizia com a que era
transmitida pelo poder religioso, e assim pagou um preço elevado por essa
revelação cósmica. A Igreja ensinava que os céus eram formados por esferas
perfeitas, eternas e celestiais, um testamento da glória de Deus, enquanto a
Terra era atormentada pelo pecado carnal e pela tentação. No entanto, Galileu
via com os seus próprios olhos que o Universo era rico, variado, dinâmico e em
constante mutação.

Na verdade, alguns historiadores acreditam que o telescópio pode ser


considerado talvez o instrumento mais sedicioso alguma vez introduzido na
história da ciência, porque desafiou os poderes instituídos e alterou para
sempre a relação da humanidade com o mundo à nossa volta.

Galileu, com o seu telescópio, estava a deitar por terra tudo o que se
pensava conhecer sobre o Sol, a Lua e os planetas. Por fim, Galileu foi preso,
julgado, e recordado de forma contundente de que o antigo monge, Giordano
Bruno, ainda meros trinta e três anos antes fora queimado vivo nas ruas de
Roma por ter afirmado que podia haver outros sistemas solares no espaço,
talvez até com vida em alguns.

A revolução desencadeada pelo telescópio de Galileu alterou para sempre


a forma como vemos as glórias do Universo. Os astrónomos já não são
queimados vivos. Hoje, lançam satélites gigantes como os Telescópios Hubble
e James Webb para desvendar os mistérios do Universo. (E até há uma estátua
de Bruno na praça Campo de Fiori em Roma, precisamente no local onde foi
queimado vivo. Todos os dias, Bruno é vingado quando encontramos novos
planetas na órbita de estrelas distantes.)
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

Hoje em dia, os satélites na órbita da Terra têm uma visão sem paralelo
209

dos céus. Esses instrumentos, como o Telescópio Espacial Webb, que se


encontra a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, abriram novos horizontes para
a astronomia do seu ponto de vantagem cósmico.

A ciência tem sido tão bem-sucedida que os cientistas se veem


atualmente esmagados sob montanhas de dados, e serão necessários os
computadores quânticos para organizar e analisar esta avalanche de
informação. Os astrónomos já não tiritam, sozinhos, ao frio, a contemplar as
noites solitárias pelos seus telescópios e a registar meticulosamente os
movimentos de cada planeta. Hoje, programam telescópios robóticos gigantes
que varrem automaticamente o céu noturno.

As crianças fazem muitas vezes uma simples pergunta: quantas estrelas


há no céu? É uma pergunta de difícil resposta, mas a nossa galáxia, a Via
Láctea, tem na ordem dos cem mil milhões de estrelas. Todavia, o Telescópio
Hubble consegue, à partida, detetar cem mil milhões de galáxias. Assim,
estima-se que existam por volta de cem mil milhões vezes cem mil milhões =
1022 estrelas no Universo conhecido.

Isto, por sua vez, significa que uma enciclopédia de todos os planetas,
que catalogasse a sua localização, tamanho, temperatura, etc., esgotaria a
memória de um supercomputador. Portanto serão necessários os
computadores quânticos para que se tenha uma verdadeira medida do
Universo.

Um computador quântico conseguirá analisar esta torre astronómica de


dados e selecionar características cruciais dos objetos celestes. Conseguirá
identificar dados essenciais e extrair conclusões vitais dessa massa caótica,
com o mero pressionar de um botão.

Além disso, ao calcularem a fusão nas profundezas de uma estrela, os


computadores quânticos talvez possam prever quando a próxima grande
erupção solar paralisará a rede elétrica. Os computadores quânticos poderão
também resolver as equações que descrevem os movimentos de asteroides
renegados, as explosões de estrelas, a expansão do Universo e o que existe
dentro de um buraco negro.

Asteroides Assassinos
Existe uma razão prática para analisarmos esses corpos celestes, que
nos toca pessoalmente. Alguns deles podem, na verdade, ser perigosos,
capazes de destruir a Terra que conhecemos. Há 66 milhões de anos, um
objeto com cerca de dez quilómetros de diâmetro atingiu a Península do
Yucatán, no México. A explosão libertou tanta energia que criou uma cratera
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

com cerca de 320 quilómetros de diâmetro, gerando um tsunami com mais de


210

um quilómetro e meio de altura e alagando o golfo do México. Libertou


também uma tempestade de meteoros ardentes, que atearam incêndios
infernais por toda a área. Quando as densas nuvens de poeira taparam a luz
do Sol e mergulharam a Terra na penumbra, as temperaturas caíram a pique,
até que os dinossauros deixaram de conseguir caçar ou encontrar comida.
Talvez 75 por cento de todas as formas de vida pereceram em resultado do
impacto deste asteroide.

Os dinossauros, infelizmente, não tinham um programa espacial, e por


isso não estão aqui para discutir o assunto. Mas nós temos, e um dia talvez
venhamos a precisar dele, se surgir um objeto extraterrestre em rota de
colisão com a Terra.

Até aqui, o governo e as forças militares identificaram e seguem


cuidadosamente cerca de 27.000 asteroides. São objetos próximos da Terra
(NEO), cuja trajetória cruza a da Terra e que, por isso, representam uma
ameaça a longo prazo para o planeta. Muitos deles variam, em tamanho, entre
um campo de futebol e vários quilómetros de dimensão. Porém, mais
preocupantes são as dezenas de milhões de asteroides mais pequenos do que
um campo de futebol e que não são sequer vigiados. Esses podem aparecer
sem serem detetados e causar danos consideráveis se atingirem a Terra. Outro
perigo vem dos cometas de longo período, cuja localização para além de Plutão
é desconhecida e que podem um dia aproximar-se da Terra sem se fazerem
anunciar e sem serem detetados. Assim, infelizmente, apenas uma fração de
objetos com potencial de serem perigosos é, atualmente, seguida pelos
investigadores.

Entrevistei uma vez o astrónomo Carl Sagan, famoso pelos seus


programas televisivos de divulgação de ciência. Perguntei-lhe sobre o futuro da
humanidade. Ele respondeu que a Terra se encontra no meio de «uma carreira
de tiro cósmica», e que portanto era apenas uma questão de tempo até, um
dia, sermos confrontados com um asteroide gigante capaz de destruir a Terra.
É por isso, disse-me ele, que temos de nos tornar uma «espécie de dois
planetas». É esse o nosso destino. Devíamos explorar o espaço, disse ele, não
só para descobrir novos mundos, mas para encontrar outro refúgio seguro nos
céus.

Um asteroide que está a ser cuidadosamente vigiado como potencial


ameaça, é o Apophis, que mede aproximadamente 300 metros de diâmetro e
roçará a atmosfera da Terra em abril de 2029.

Passará a 10 por cento da distância entre a Terra e a Lua. Na verdade,


passará tão perto da Terra que será visível a olho nu, passando abaixo de
alguns dos nossos satélites.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

Uma vez que roçará a nossa atmosfera, encontrará condições


211

atmosféricas imprevisíveis, pelo que é impossível saber ao certo qual será a


sua trajetória mais tarde, em 2036, quando fizer a passagem seguinte em
torno da Terra. É provável que não atinja o planeta em 2036, mas isto não
passa de um palpite.

A questão, aqui, é que os computadores quânticos podem vir a ser


necessários para seguir e calcular melhores aproximações das trajetórias de
asteroides potencialmente perigosos. Um dia, um asteroide passará perto da
Terra, causando o pânico de massas, enquanto os cientistas tentam
determinar se atingirá o planeta ou passará de forma inofensiva. É aqui que os
computadores quânticos podem fazer a diferença.

No pior cenário possível, pode haver um cometa distante no espaço


profundo a iniciar uma longa viagem até ao nosso sistema solar. Sem uma
cauda, será invisível para os nossos telescópios. Quando der a volta por trás
do nosso Sol, a luz solar aquecerá finalmente o gelo do cometa para formar
uma cauda. Quando emergir subitamente de trás do Sol, os nossos telescópios
detetarão finalmente a cauda do cometa e avisar-nos-ão antes do impacto
catastrófico. Mas que tempo de aviso nos poderão dar os nossos telescópios?
Talvez algumas semanas.

Infelizmente, não podemos esperar que Bruce Willis parta para nos
salvar no vaivém espacial. Em primeiro lugar, o programa do vaivém espacial
foi cancelado, e o substituto do vaivém não consegue alcançar o espaço
profundo. Porém, ainda que conseguisse, seria impossível intercetar um
asteroide e desviá-lo ou destruí-lo a tempo.

Em 2021, a NASA enviou a sonda DART (Teste de Redirecionamento de


Asteroide Duplo) para o espaço, com o intuito de efetivamente intercetar um
asteroide. Pela primeira vez na história, um objeto de fabrico humano
conseguiu alterar fisicamente a trajetória de um asteroide. Este impacto
poderá, esperamos, responder a muitas perguntas. Um asteroide é um
conjunto de tochas soltas, que se desfaz facilmente? Ou uma massa dura e
sólida que permanece intacta? Se tiver êxito, outras missões como a DART
poderão visar asteroides distantes, como ensaio para o que poderá acontecer
um dia.

No fim, caberá provavelmente aos computadores quânticos detetar


asteroides perigosos, capazes de matar planetas, e identificar a sua trajetória
exata, porque existem potencialmente milhões deles capazes de causar graves
danos na Terra, muitos dos quais por detetar.

Precisamos também dos computadores quânticos para modelar o próprio


impacto, de modo a obter uma estimativa de quão perigosos esses objetos
podem ser se efetivamente atingirem a Terra. Podemos esperar que um
asteroide atinja a Terra a velocidades na ordem dos 250.000 quilómetros por
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

hora, e sabemos muito pouco sobre como calcular a devastação causada por
212

um impacto a tais velocidades supersónicas. Os computadores quânticos


podem ajudar a preencher as lacunas, para sabermos o que esperar se a Terra
acabar na mira de um asteroide assassino que não consigamos desviar ou
destruir.

Exoplanetas
Olhando para além do nosso sistema solar, há outra razão para usar
computadores quânticos, que é catalogar todos os planetas na órbita de outras
estrelas. O telescópio espacial Kepler e outros satélites e telescópios em terra
já detetaram cerca de 5000 exoplanetas só aqui no nosso pedacinho da galáxia
Via Láctea. Isto significa que, em média, cada estrela que vemos no céu à
noite tem um planeta na sua órbita. Talvez cerca de 20 por cento de todos os
exoplanetas são planetas tipo-Terra, pelo que a nossa própria galáxia pode ter
milhares de milhões de planetas semelhantes à Terra para além daqueles que
já identificámos.

Quando eu andava na escola primária, recordo vividamente que um dos


meus primeiros livros de ciências era sobre o sistema solar. Depois de uma
deslumbrante visita guiada por Marte, Saturno, Plutão e mais além, o livro
dizia que decerto há outros sistemas solares na galáxia, e que o nosso será
provavelmente um sistema típico. É de esperar que todos os sistemas solares
tenham planetas rochosos perto de um sol e gigantes gasosos mais afastados,
como Júpiter, todos a orbitar o seu sol numa trajetória circular.

Hoje sabemos como eram erradas essas suposições. Sabemos que há


sistemas solares de todos os tamanhos e feitios. O nosso sistema solar, na
verdade, é até invulgar. Encontrámos sistemas solares com planetas em
órbitas altamente elípticas. Encontrámos gigantes gasosos maiores do que
Júpiter em órbitas extremamente próximas do seu sol. Encontrámos sistemas
solares com múltiplos sóis.

Assim, um dia, quando tivermos uma enciclopédia dos planetas da


galáxia, ficaremos assombrados com a sua rica variedade. Se conseguir
imaginar um planeta estranho, provavelmente ele existe, algures. Vamos
precisar de um computador quântico para identificar e seguir todos os
possíveis caminhos que descrevem a evolução planetária. Conforme lançarmos
mais telescópios para o espaço, esta enciclopédia de planetas explodirá em
tamanho, requerendo uma potência computacional imensa para analisar as
suas atmosferas, composição química, temperatura, geologia, padrões de
vento e outras características, que irão produzir montanhas de dados.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

ET no Espaço?
213

Um objetivo no qual os computadores quânticos se concentrarão é a


busca por outras formas de vida inteligentes. Levanta-se uma questão
embaraçosa: como reconheceremos uma inteligência que pode ser
completamente diferente da nossa? Como reconheceremos uma forma de vida
alienígena ainda que esteja mesmo à nossa frente? Podemos precisar dos
computadores quânticos para reconhecer padrões que talvez estejam
totalmente ocultos dos computadores convencionais.

O astrónomo Frank Drake, na década de 50, criou uma equação que


tentava fazer uma estimativa de quantas civilizações avançadas poderão existir
na galáxia. Começamos pelos cem mil milhões de estrelas da galáxia e
reduzimos esse número através de uma série de suposições razoáveis.
Reduzimo-lo pela fração das estrelas que têm planetas, a fração que tem
planetas com atmosferas, a fração que tem planetas com atmosferas e
oceanos, a fração que tem planetas com vida microbiana, etc. Sejam muitas
ou poucas as suposições razoáveis que fizermos sobre estes planetas, o
número final é geralmente na casa dos milhares.

E no entanto o projeto SETI (Busca por Inteligência Extraterrestre)


nunca encontrou evidências de qualquer sinal de rádio inteligente proveniente
do espaço sideral. Absolutamente nenhum. Os seus poderosos radiotelescópios
em Hat Creek, nas imediações de São Francisco, registam apenas silêncio
absoluto ou estática. Assim, vemo-nos reduzidos ao paradoxo de Fermi: se a
probabilidade de vida alienígena no Universo é tão elevada, onde é que eles
estão?

Os computadores quânticos podem ajudar a responder a essa pergunta.


Uma vez que se destacam pela sua capacidade de analisar quantidades
enormes de dados para encontrar pistas ocultas, e a inteligência artificial se
destaca pela sua capacidade de encontrar coisas novas pela identificação de
padrões, em conjunto talvez possam aprender a analisar quantidades imensas
de dados para encontrar o que neles se oculta, mesmo que seja algo bizarro
ou completamente inesperado.

Tive uma amostra disto mesmo quando apresentei um programa sobre


inteligência alienígena para o Science Channel, no qual analisámos a
inteligência de não-humanos, como o golfinho. Colocaram-me numa piscina
com vários golfinhos brincalhões. O objetivo era pô-los a comunicar uns com
os outros para ver se conseguíamos medir a sua inteligência. Na água havia
sensores que registariam todos os seus sons.

Como pode um computador encontrar sinais de inteligência naquela


algaraviada de barulho e sons sem sentido? Este tipo de gravações pode ser
analisado por um programa de computador criado para procurar padrões
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

específicos. Por exemplo, a letra do alfabeto usada mais frequentemente na


214

língua inglesa é o «e». Ao examinarmos algo escrito por determinada pessoa,


é possível classificar cada letra pela frequência com que é usada. Esta
classificação das letras do alfabeto, com base na frequência de uso, é
específica dessa pessoa. Duas pessoas diferentes utilizarão uma ordenação
ligeiramente diferente de letras. Na verdade, isto pode ser utilizado para
encontrar falsificações. Por exemplo, se passarmos as obras de Shakespeare
por este programa, é possível saber se alguma das suas peças foi escrita por
outra pessoa.

Quando as gravações dos golfinhos foram analisadas pelo computador,


ao início ouvia-se apenas uma cacofonia aleatória de sons. Porém, o programa
fora especificamente criado para descobrir como certos sons eram ouvidos. E o
computador acabou por concluir que havia uma lógica por trás de todos os
guinchos e trinados.

Outros animais foram testados da mesma maneira e há uma quebra no


nível de inteligência à medida que passamos para organismos mais primitivos.
Na verdade, quando chegamos aos insetos, esses sinais de inteligência baixam
para quase zero.

Os computadores quânticos podem analisar esta vasta coleção de dados


em busca de sinais interessantes, e os sistemas de IA podem ser treinados
para procurar padrões inesperados. Por outras palavras, a IA e os
computadores quânticos, a trabalhar em conjunto, talvez consigam encontrar
evidências de inteligência mesmo numa cacofonia de sinais caóticos
provenientes do espaço.

Evolução Estelar
Outra aplicação imediata dos computadores quânticos é preencher as
lacunas no nosso entendimento da evolução estelar e do ciclo de vida das
estrelas, desde o nascimento até à morte final.

Quando estava a fazer o meu doutoramento em Física Teórica na


Universidade da Califórnia, em Berkeley, o meu colega de quarto estava a
fazer o doutoramento em Astronomia. Todos os dias ele me dizia até logo e
declarava que ia cozinhar uma estrela. Eu julgava que era uma brincadeira.
Ninguém pode cozinhar estrelas. Muitas são maiores do que o nosso Sol.
Assim, um dia, perguntei-lhe finalmente o que queria dizer com aquilo. Ele
pensou um pouco e depois disse-me que as equações que descrevem a
evolução estelar não estão completas, mas são boas o suficiente para poderem
simular o ciclo de vida de uma estrela, do nascimento à morte.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

De manhã, ele introduzia no computador os parâmetros de uma nuvem


215

de poeira de hidrogénio (tamanho, teor de gás, temperatura do gás). Depois o


computador calculava como essa nuvem de gás evoluiria. À hora de almoço, a
nuvem tinha colapsado sob a gravidade, aquecera e inflamara-se, tornando-se
uma estrela. À tarde, arderia durante milhares de milhões de anos e agiria
como um forno cósmico, fundindo ou «cozinhando» o hidrogénio e criando
elementos cada vez mais pesados, como hélio, lítio e boro.

Aprendemos muito com esse tipo de simulações. No caso do nosso Sol,


após cinco mil milhões de anos ele terá esgotado a maior parte do seu
combustível de hidrogénio e começará a queimar hélio. Nessa altura, iniciará
uma expansão radical, tornando-se numa gigante vermelha tão grande que
encherá o céu e se estenderá ao longo de todo o horizonte. Engolirá os
planetas todos até Marte. O céu será de fogo. Os oceanos ferverão, as
montanhas derreterão e tudo regressará ao Sol. Viemos da poeira das estrelas,
e à poeira das estrelas regressaremos.

Como escreveu um dia o poeta Robert Frost:


Há quem diga que o mundo acabará em fogo
Outros dizem que será em gelo.
Pelo que do desejo pude provar,
Junto-me aos que preferem o fogo.
Porém, se duas vezes o mundo perecer
Acho que sei o suficiente de ódio
Para dizer que o gelo, para destruição
É igualmente grandioso
E será quanto baste.*

A dada altura, o Sol esgotará também o hélio e encolherá, tornando-se


uma estrela anã branca, que é apenas do tamanho da Terra mas pesa quase
tanto como o Sol original. À medida que arrefece, tornar-se-á uma estrela
morta, uma anã negra. Assim, é esse o futuro do nosso Sol, morrer em gelo e
não em fogo.

Contudo, quando se trata de estrelas verdadeiramente enormes, na fase


de gigante vermelha, essas continuarão a fundir elementos mais e mais
elevados, até chegarem por fim ao elemento ferro, que tem tantos protões que
eles se repelem uns aos outros e, assim, interrompe-se finalmente a fusão.
Sem fusão, a estrela colapsa sob a gravidade e as temperaturas podem
disparar para os biliões de graus. Nesse ponto, a estrela explode numa
supernova, um dos maiores cataclismos da natureza.

Assim, uma estrela gigante pode morrer em fogo e não em gelo.


Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

Infelizmente, ainda existem muitas lacunas no nosso entendimento do


216

ciclo de vida das estrelas, desde mera nuvem de gás a supernova. Mas com os
computadores quânticos a modelar o processo de fusão, talvez seja possível
colmatar muitas delas.

Esta pode revelar-se uma evidência crucial quando nos preparamos para
mais uma ameaça funesta: uma erupção solar monstruosa que poderá fazer
com que a civilização regrida centenas de anos. Para prever a ocorrência de
uma erupção solar mortífera, é preciso compreender as dinâmicas nas
profundezas das estrelas, o que ultrapassa em muito as capacidades de um
computador convencional.

Evento Carrington
Por exemplo, sabemos muito pouco sobre o interior do nosso Sol, e por
isso estamos vulneráveis a erupções catastróficas de energia solar que
projetam quantidades enormes de plasma superaquecido para o espaço. Em
fevereiro de 2022, fomos recordados do pouco que sabemos do Sol quando
uma gigantesca erupção de radiação solar atingiu a atmosfera da Terra e
liquidou 40 dos 49 satélites de comunicações colocados em órbita pela SpaceX
de Elon Musk. Foi o maior desastre solar da história moderna, e é muito
provável que volte a acontecer, já que temos muito a aprender sobre estas
descargas maciças provenientes da coroa do Sol.

A maior tempestade solar de que há registo, conhecida como Evento


Carrington, teve lugar em 1859. Na altura, esta erupção solar monstruosa fez
com que os fios de telégrafo em grande parte da Europa e da América do Norte
se incendiassem. Criou perturbações atmosféricas por todo planeta, com
auroras boreais a encobrirem o céu sobre Cuba, México, Havai, Japão e China.
Nas Caraíbas, era possível ler o jornal em plena noite, com a luz da aurora. Em
Baltimore, a aurora foi mais luminosa do que uma noite de lua cheia. Um
mineiro de ouro, C. F. Herbert, escreveu o seguinte testemunho gráfico desse
evento histórico:

Apresentou-se-me uma cena de beleza quase


indizível... Luzes de todas as cores imagináveis
surgiram nos céus a sul, uma cor desvanecendo-se
apenas para dar lugar a outra, se possível, ainda mais
bela do que a anterior... Uma imagem inesquecível, e
que foi considerada na altura a maior aurora de que
havia registo... O racionalista e o panteísta viram a
natureza nas suas vestes mais deslumbrantes... O
supersticioso e o fanático viram augúrios funestos, e
acreditaram que se tratava de um aviso do
Armagedão e da destruição final. 67
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

O Evento Carrington aconteceu quando a Era da Eletricidade estava


217

ainda na sua infância. Desde então, foram feitas tentativas de reconstruir os


dados e calcular o que aconteceria se tivesse lugar outro Evento Carrington
nos tempos modernos. Em 2013, investigadores da Lloyd's de Londres e da
Investigação Atmosférica e Ambiental (AER) nos Estados Unidos, concluíram
que outro Evento Carrington podia causar até 2,6 biliões de dólares de
prejuízos.

A civilização moderna ficaria subitamente paralisada. Um evento dessa


natureza deitaria abaixo os nossos satélites e a Internet, provocaria curto-
circuitos em cabos de energia, paralisaria todas as comunicações financeiras e
causaria apagões globais. Seríamos projetados talvez cento e cinquenta anos
para o passado. As equipas de salvamento e reparação não poderiam vir em
nosso auxílio porque também elas seriam apanhadas pelo apagão global. Com
os alimentos perecíveis a apodrecer, isso podia acabar por causar motins
alimentares devastadores e uma desintegração da ordem social e até dos
governos, com as pessoas a lutarem desesperadamente por comida.

Voltará a acontecer? Sim. Quando poderá acontecer? Ninguém sabe.


Talvez seja possível encontrar pistas em anteriores eventos semelhantes.
Alguns estudos analisaram a concentração de carbono-14 e berílio-10 em
núcleos de gelo, na esperança de encontrar evidências de erupções solares
pré-históricas. Esses estudos encontraram possíveis erupções dessas em 774-
75 d.C. e em 993-94 d.C. Na verdade, os dados do núcleo de gelo quanto ao
evento de 774-75 d.C. indicam que terá sido talvez dez vezes mais energético
do que o Evento Carrington. (E a erupção solar de 993-94 d.C. foi tão intensa
que deixou a sua marca em madeira antiga, que os historiadores utilizaram
para datar as primeiras povoações vikings nas Américas.) Porém, nessa altura,
antes da alvorada da Era da Eletricidade, a civilização mal terá dado por isso.

A maior erupção solar da história recente teve lugar em 2001. Uma


enorme ejeção de massa coronal foi projetada para o espaço a mais de sete
milhões de quilómetros por hora. Felizmente, a erupção não atingiu a Terra.
Caso contrário, teria espalhado danos comparáveis ao Evento Carrington por
todo o planeta.

Os cientistas alegam que talvez seja possível prepararmo-nos para o


próximo Evento Carrington se alocarmos fundos para reforçar os nossos
satélites, proteger instrumentos eletrónicos mais delicados e construir centrais
elétricas redundantes. Seria um dispêndio ínfimo para prevenir uma perda
catastrófica de todo o nosso sistema elétrico. Porém, regra geral, estes avisos
são ignorados.

Os físicos sabem que as descargas de massa coronal ocorrem quando as


linhas de força magnéticas na superfície do Sol se cruzam, cuspindo
quantidades enormes de energia para o espaço. Porém, ninguém sabe o que
acontece dentro do Sol para criar essas condições. Conhecemos as equações
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

básicas de plasmas, termodinâmica, fusão, convecção, magnetismo e por aí


218

fora, mas resolvê-las conforme acontecem no interior do Sol ultrapassa a


capacidade dos computadores modernos.

Assim, talvez um dia os computadores quânticos possam resolver as


complexas equações no interior do Sol e ajudar a prever quando a próxima
grande erupção solar colocará em risco a civilização. Sabemos que devem
existir enormes correntes de convecção de plasma superaquecido em
movimento nas profundezas do Sol, mas não fazemos ideia de quando poderá
irromper a próxima tempestade solar, nem mesmo se atingirá a Terra. Assim,
se um computador quântico puder «cozinhar» estrelas na sua memória, talvez
consigamos preparar-nos para o próximo Evento Carrington.

No entanto, os computadores quânticos podem ir ainda mais além,


resolvendo até mesmo o maior cataclismo do Universo. O Evento Carrington
talvez paralisasse um continente, mas uma explosão de raios gama faria muito
pior, incinerando um sistema solar inteiro.

Explosões de Raios Gama


Em 1967, desenrolou-se um mistério no espaço sideral. O satélite Vela,
que foi especificamente lançado pelos Estados Unidos para detetar detonações
não autorizadas de bombas nucleares, apanhou uma estranha radiação
proveniente de uma enorme explosão de raios gama. Esta explosão gigantesca
tinha origem desconhecida, e pôs em curso um jogo de adivinhas mortalmente
sério. Estariam os russos a testar uma arma desconhecida de potência sem
paralelo? Haveria alguma nação em vias de desenvolvimento a testar uma
nova arma? Estar-se-ia perante uma falha devastadora dos serviços secretos
dos Estados Unidos?

Os alarmes soaram no Pentágono. De imediato, os principais cientistas


foram chamados para tentar identificar a anomalia e determinar de onde
provinha. Pouco tempo depois, foram detetadas mais explosões de raios gama.
Os planeadores no Pentágono suspiraram de alívio quando finalmente a origem
foi identificada. Não vinham da União Soviética, mas sim de galáxias distantes.
Para espanto dos cientistas, estas explosões duravam meros segundos, mas
libertavam mais radiação do que uma galáxia inteira. Na verdade, libertavam
mais energia do que o Sol produzirá em todos os seus dez mil milhões de anos
de vida. Eram as maiores explosões de todo o Universo, a seguir ao próprio Big
Bang.

Uma vez que estas explosões de raios gama geralmente duram apenas
alguns segundos antes de se dissiparem, significava que seria difícil criar um
sistema de aviso antecipado. Por fim, criou-se uma rede de satélites
preparados para detetar esses eventos assim que ocorressem, e alertar de
imediato os detetores na Terra para os apanhar em tempo real.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

Há muitas falhas no nosso entendimento das explosões de raios gama,


219

mas a principal teoria é que são ou colisões entre estrelas de neutrões e


buracos negros, ou estrelas a caírem em buracos negros. Podem representar
as fases finais da vida das estrelas. Assim, talvez sejam necessários
computadores quânticos para explicar precisamente por que razão as estrelas
libertam tanta energia quando atingem o ponto final do seu ciclo de vida.

Nem todos os potenciais perigos da explosão de estrelas estão muito


longe da Terra. Na verdade, alguns dos átomos do seu corpo podem ter sido
«cozinhados» por uma antiga supernova há milhares de milhões de anos. Tal
como já mencionámos, as estrelas como o nosso Sol, por si só, não têm calor
suficiente para criar elementos para além do ferro, tais como zinco, cobre,
ouro, mercúrio e cobalto. Esses elementos foram criados no calor de uma
explosão de supernova que teve lugar milhares de milhões de anos antes de o
nosso Sol ter nascido. Assim, a mera presença desses elementos no nosso
corpo é prova de que houve uma supernova na nossa região da galáxia. Na
verdade, alguns cientistas especularam que a extinção do Ordovícico, há 500
milhões de anos, que eliminou 85 por cento de toda a vida aquática na Terra,
foi causada por uma explosão de raios gama relativamente próxima.

Mais perto de casa, a gigante vermelha Betelgeuse, que fica a 500-600


anos-luz da Terra, está instável e, mais cedo ou mais tarde, passará por uma
explosão de supernova. É a segunda estrela mais brilhante da constelação de
Orion. Quando finalmente explodir, estará suficientemente perto para,
provavelmente, brilhar mais do que a Lua à noite, ao ponto de projetar
sombra. Recentemente, a estrela sofreu alterações notáveis de claridade e
forma, causando alguma especulação de que poderá estar prestes a explodir,
embora tal seja ainda alvo de debate aceso.

A questão, no entanto, é que há muita coisa que não compreendemos


sobre supernovas, e essas falhas podem vir a ser colmatadas com os
computadores quânticos. Um dia, talvez os computadores quânticos possam
explicar toda a história de vida das estrelas, incluindo o Sol, e também de
estrelas instáveis potencialmente perigosas nas nossas imediações.

Contudo, o que tem vindo a gerar muito interesse é o produto final de


uma supernova — os buracos negros.

Buracos Negros
Simular os buracos negros depressa esgota a potência computacional de
um supercomputador digital comum. Para uma estrela grande, talvez 10 a 50
vezes mais maciça do que o nosso Sol, existe a possibilidade de vir a explodir
numa supernova, transformar-se numa estrela de neutrões e talvez colapsar
num buraco negro. Ninguém sabe realmente o que acontece quando uma
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

estrela enorme colapsa gravitacionalmente, porque as leis de Einstein e a


220

teoria quântica começam a falhar e é certamente necessária uma nova física.

Por exemplo, se seguirmos simplesmente a matemática de Einstein, o


buraco negro irá colapsar por trás de uma misteriosa esfera escura chamada
horizonte de acontecimentos. Este foi fotografado em 2021, unindo a luz de
uma série de radiotelescópios em todo o globo para criar assim um
radiotelescópio, na prática, do tamanho do próprio planeta. Revelou que o
horizonte de acontecimentos no coração da galáxia chamada M87, a cerca de
53 milhões de anos-luz da Terra, era uma esfera escura rodeada por gases
luminosos superaquecidos.

Figura 12: Computadores quânticos e buracos negros.

De acordo com a relatividade, um buraco negro giratório pode colapsar num anel de neutrões, unindo duas
regiões diferentes do espaço-tempo pela criação de um wormhole ou uma passagem entre dois Universos.
Talvez seja necessário um computador quântico para determinar a estabilidade dos mesmos sob correções
quânticas.

O que se encontra dentro do horizonte de acontecimentos? Ninguém


sabe. Em tempos julgou-se que um buraco negro poderia vir a colapsar numa
singularidade, um ponto supercompacto de densidade inimaginável. Mas o
panorama mudou, uma vez que vemos buracos negros a girar a velocidades
tremendas. Em vez de um ponto singular, os físicos acreditam agora que os
buracos negros podem colapsar num anel de neutrões giratório, onde os
conceitos habituais de espaço e tempo são invertidos. A matemática diz que,
se cairmos através desse anel, podemos na realidade não morrer mas sim
entrar num universo paralelo. Assim, o anel giratório torna-se um wormhole,
uma passagem para outro Universo para além do buraco negro.

O anel giratório funciona mais ou menos como o espelho da Alice. De um


lado, temos a província tranquila de Oxford. Mas se passarmos para o outro
lado do espelho, entramos no universo paralelo do País das Maravilhas.

Infelizmente, a matemática dos buracos negros não é fiável, porque é


preciso incluir também os efeitos quânticos. Talvez os computadores quânticos
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

possam dar-nos simulações da teoria de Einstein e da teoria quântica quando


221

tempo e espaço estão distorcidos no centro de um buraco negro. Nessas


condições, as equações estão altamente ligadas. Primeiro, temos a energia
devida à gravidade e à dobragem do espaço-tempo. Depois temos a energia
devida às várias partículas subatómicas. Mas estas partículas, por sua vez, têm
o seu próprio campo gravitacional, que se mistura com o campo original de
formas complexas. Assim, há um emaranhado de equações, cada uma a afetar
as outras, numa mistura altamente intrincada que está fora do alcance dos
computadores convencionais, mas talvez não dos computadores quânticos.

Os computadores quânticos talvez possam ainda ajudar a responder a


uma pergunta ancestral e algo embaraçosa: de que é feito o Universo, afinal?

Matéria Escura
Após dois mil anos de especulação e incontáveis experiências, ainda não
conseguimos responder à simples pergunta feita pelos gregos: de que é feito o
mundo?

A maioria dos manuais da escola primária diz que o Universo é feito


essencialmente de átomos. Porém, sabemos hoje que essa afirmação está
errada. O Universo, na realidade, é essencialmente feito de matéria e energia
escuras, invisíveis e misteriosas. A maior parte do Universo é escura, para
além da capacidade de observação e estudo dos nossos telescópios, e fora da
capacidade de deteção dos nossos sentidos.

A primeira pessoa que teorizou a matéria escura foi lorde Kelvin, em


1884. Ele reparou que a quantidade de massa necessária para justificar a
rotação da galáxia era muito superior à massa concreta das estrelas. Concluiu
que a maioria das estrelas era, na verdade, escura, que essas estrelas não
eram luminosas. Mais recentemente, astrónomos como Fritz Zwicky e Vera
Rubin confirmaram essa estranha observação, verificando que a galáxia e os
aglomerados estelares estão a girar demasiado depressa e, de acordo com as
nossas equações, deviam portanto desfazer-se. Na verdade, a nossa galáxia
gira dez vezes mais depressa do que seria de esperar. Porém, devido à enorme
fé que os astrónomos têm na teoria da gravidade de Newton, este resultado
foi, em grande medida, ignorado.

Ao longo das décadas, descobriu-se que não só a Via Láctea mas todas
as galáxias exibiam este mesmo fenómeno curioso. Os astrónomos começaram
a perceber que as galáxias continham matéria escura invisível que as mantinha
unidas. Este halo era muitas vezes mais maciço do que a própria galáxia. A
maior parte do Universo, ao que parecia, era feita desta misteriosa matéria
escura.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

(Ainda mais misteriosa é a energia escura, que é uma estranha forma de


222

energia que preenche o vácuo do espaço e até faz com que o Universo se
expanda. Embora a energia escura forme até 68 por cento do teor conhecido
de matéria/energia do Universo, não sabemos quase nada sobre ela.)

Este quadro resume os mais recentes dados quanto ao que os cientistas


pensam sobre a composição do mundo:
Energia Escura 68 por cento

Matéria Escura 27 por cento

H e He 5 por cento

Elementos mais Elevados 1 por cento

Sabemos agora que muitos dos elementos que compõem o nosso corpo
representam apenas 0,1 por cento do Universo. Somos verdadeiramente
anomalias. Porém, aquilo que forma a maior parte do Universo possui
propriedades estranhas. Uma vez que a matéria escura não interage com a
matéria comum, se a segurássemos na mão passaria através dos nossos dedos
e cairia para o chão. E não se ficaria por aí; continuaria a cair através de terra
e cimento, como se a Terra não estivesse ali. Atravessaria a crosta do planeta
e chegaria à China. Aí, inverteria lentamente a sua direção devido à atração
gravitacional da Terra e voltaria para trás pelo mesmo caminho, até chegar de
novo à nossa mão. Depois oscilaria para trás e para a frente através do
planeta.

Hoje, temos mapas desta matéria invisível. A maneira como


determinamos a presença de matéria escura invisível é a mesma pela qual
sabemos que os nossos óculos têm lentes. O vidro distorce a luz, e por isso
conseguimos observar os seus efeitos. A matéria escura distorce a luz
praticamente da mesma maneira. Assim, se efetuarmos correções para a
refração da luz através da matéria escura, conseguimos gerar mapas 3D da
mesma. E, tal como previsto, descobriu-se que a matéria escura se concentra
em torno das galáxias, mantendo-as coesas.

Porém, embaraçosamente, não sabemos do que é feita a matéria escura.


Ao que parece, é feita de uma substância nunca antes vista, algo que fica de
fora do Modelo Padrão de partículas subatómicas.

Assim, a chave para resolver o mistério da matéria escura talvez seja


compreender o que está para além do Modelo Padrão de partículas.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

Modelo Padrão de Partículas


223

Os computadores quânticos, tal como vimos, exploram as leis


contraintuitivas da mecânica quântica para efetuarem os seus cálculos. Mas a
mecânica quântica propriamente dita não tem estado parada. Tem vindo a
evoluir, à medida que grandes aceleradores de partículas lançam protões uns
contra os outros para descobrir os constituintes básicos da matéria. De
momento, o acelerador mais poderoso do mundo é o Grande Colisor de
Hadrões (LHC), nos arredores de Genebra, Suíça, a maior máquina científica
alguma vez construída. É um tubo com 27 quilómetros de circunferência, com
ímanes tão potentes que conseguem projetar protões a 14 biliões de eletrões-
volt.

Visitei o LHC para uma série que apresentei na BBC e até toquei no tubo
que se encontra no coração do acelerador, quando estava ainda a ser
construído. Foi uma experiência avassaladora, saber que, dali a poucos anos,
haveria protões a serem projetados com energias inimagináveis no interior
daquele tubo.

Depois de décadas de trabalho árduo no LHC, os físicos convergiram


finalmente em algo a que se chama o Modelo Padrão ou a Teoria de Quase
Tudo. A velha equação de Schrödinger, como vimos, explicava a interação dos
eletrões com a força eletromagnética. O Modelo Padrão, todavia, unifica a
força eletromagnética também com as forças nucleares forte e fraca.

Assim, o Modelo Padrão de partículas representa a versão mais avançada


da teoria quântica. É o culminar do trabalho de dezenas de galardoados com o
Prémio Nobel, e o produto final de milhares de milhões de dólares gastos em
gigantescos colisores de átomos. Devia ser, para todos os efeitos, um marco
cintilante do mais nobre feito alcançado pela mente humana.

Infelizmente, é uma trapalhada.

Em vez de ser o mais delicado produto da inspiração divina, é uma


grosseira salgalhada de partículas. Consiste numa coleção desconcertante de
partículas subatómicas que não parece ter grande lógica. Tem 36 quarks e
antiquarks, mais de 19 parâmetros livres que podem ser ajustados à vontade,
três gerações de partículas idênticas e uma data de partículas exóticas
chamadas gluões, bosões W e Z, bosões de Higgs e partículas de Yang-Mills,
entre outras.

É uma teoria que só uma mãe conseguiria amar. É como juntar um


oricterope, um ornitorrinco e uma baleia com fita-cola e chamar-lhe a criação
mais perfeita da natureza, produto de milhões de anos de evolução.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

Pior ainda, a teoria não faz qualquer menção à gravidade e não consegue
224

explicar a matéria escura e a energia escura, que compõem a vasta maioria do


Universo conhecido.

Só há um motivo para que os físicos estudem esta teoria confrangedora:


funciona. Descreve inegavelmente o mundo de baixa energia das partículas
subatómicas como mesões, neutrinos, bosões W e por aí fora. O Modelo
Padrão é tão desastrado e feio que a maioria dos físicos pensa que é apenas
uma aproximação de baixa energia a uma teoria mais bela que existirá em
energias mais altas. (Parafraseando Einstein, quando vemos a cauda de um
leão, desconfiamos de que mais cedo ou mais tarde aparecerá um leão.)

Porém, durante os últimos cinquenta anos, os físicos não viram qualquer


desvio do Modelo Padrão.

Até agora.

Para Além do Modelo Padrão


A primeira indicação de uma fenda no Modelo Padrão veio do Laboratório
Nacional de Aceleração Fermi, nos arredores de Chicago, em 2021. O enorme
detetor de partículas aí existente encontrou um ligeiro desvio nas propriedades
magnéticas dos mesões mu (que se costumam encontrar nos raios cósmicos).
Foi preciso analisar uma quantidade imensa de dados para encontrar este
desvio ínfimo, mas, caso se confirme, pode assinalar a presença de novas
forças e interações para além do Modelo Padrão.

Pode significar que estamos a obter um vislumbre do mundo para além


do Modelo Padrão, de onde poderá emergir uma nova física, talvez a teoria das
cordas.

Os computadores quânticos destacam-se como motores de busca


capazes de encontrar a esquiva agulha no palheiro. Muitos físicos acreditam
que os nossos aceleradores de partículas acabarão por encontrar evidências
conclusivas de partículas para além do Modelo Padrão, que revelarão a
verdadeira simplicidade e beleza do Universo.

Os físicos já estão a usar computadores quânticos para compreender as


dinâmicas misteriosas das interações de partículas. No LHC, dois raios de
protões de alta energia são projetados um contra o outro a uma energia de 14
biliões de eletrões-volt, criando energias que não se viam desde o princípio do
Universo. Esta colisão titânica cria uma chuva gigantesca de detritos
subatómicos. Nessa colisão colossal, são criados uns assombrosos bilião de
bytes por segundo de dados, que são depois analisados por um computador
quântico.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

Além disso, os físicos estão já a formular planos para um substituto do


225

Grande Colisor de Hadrões, chamado Colisor Circular do Futuro, que será


construído no CERN, na Suíça. Com cem quilómetros de circunferência, deixará
muito para trás os 27 quilómetros do LHC. Custará 23 mil milhões de dólares e
alcançará a energia astronómica de cem biliões de eletrões-volt. Será, de
longe, a maior máquina científica no planeta.

Se for realmente construído, este colisor recriará as condições presentes


no nascimento do Universo. Deve levar-nos tão perto quanto é humanamente
possível da derradeira teoria, a Teoria de Tudo, que Einstein procurou nos
últimos trinta anos da sua vida. Nenhum computador convencional conseguiria
lidar com a enchente de dados proveniente dessa máquina. Por outras
palavras, talvez o segredo da própria criação possa vir a ser desvendado por
um computador quântico.

Teoria das Cordas


Até agora, a principal (e única) candidata a uma teoria quântica para
além do Modelo Padrão é a teoria das cordas.68 Todas as teorias concorrentes
se revelaram divergentes, anómalas, inconsistentes ou com aspetos cruciais da
natureza em falta. Qualquer um destes defeitos seria fatal para uma teoria
física.

(Recebo muitos e-mails de pessoas que alegam ter encontrado, por fim,
a Teoria de Tudo. Digo-lhes que há três critérios a que essa teoria tem de
obedecer:

1 - Tem de incluir toda a teoria da gravidade de Einstein.

2 - Tem de incluir o Modelo Padrão de partículas completo, com todos


os seus quarks, gluões, neutrinos, etc.

3 - Tem de ser finita e livre de anomalias.

Até agora, a única teoria que consegue satisfazer estes três simples
critérios é a teoria das cordas.)

A teoria das cordas diz que todas as partículas elementares não são mais
do que notas musicais em minúsculas cordas que vibram. Tal como um elástico
que pode oscilar em diferentes frequências, a teoria das cordas diz que cada
vibração deste minúsculo elástico corresponde a uma partícula, de modo que
os eletrões, quarks, neutrinos e todos os outros participantes do Modelo
Padrão são apenas notas musicais diferentes. A física corresponde então às
harmonias que é possível tocar nessas cordas. A química corresponde às
melodias criadas pelas cordas em vibração. O Universo pode ser comparado a
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

uma sinfonia de cordas. E, por último, a «mente de Deus» sobre a qual


226

Einstein escreveu, corresponderia à música cósmica a ressoar pelo Universo.

Admiravelmente, quando calculamos a natureza dessas vibrações,


encontramos a gravidade, a força cuja ausência é notória no Modelo Padrão.
Assim, a teoria das cordas dá-nos uma razão credível para acreditar que pode
ser a Teoria de Tudo. (Na verdade, se Einstein nunca tivesse nascido, a
relatividade geral teria sido descoberta como produto derivado da teoria das
cordas, apenas uma das notas mais baixas na corda em vibração.)

Porém, se esta teoria pode unificar tanto a teoria da gravidade como as


forças subatómicas, por que estão os galardoados com o Nobel divididos em
relação à teoria, com alguns a dizerem que é um beco sem saída, enquanto
outros dizem que esta pode ser a teoria que escapou a Einstein? Um dos
problemas é o seu poder de previsão. Não só contém o Modelo Padrão de
partículas, como inclui muito mais. Na verdade, pode ter um número infinito de
soluções, uma abundância de tesouros. Se assim é, qual das soluções descreve
o nosso Universo?

Por um lado, sabemos que todas as grandes equações têm um número


infinito de soluções. A teoria das cordas não é exceção. Até a teoria de Newton
consegue explicar um número infinito de coisas, como bolas de basebol,
foguetões, arranha-céus, aviões, etc. É preciso especificar adiantadamente
aquilo que vamos investigar, ou seja, é preciso especificar as condições
iniciais.

Mas a teoria das cordas é uma teoria de todo o Universo. Assim, é


preciso especificar as condições iniciais do Big Bang. Só que ninguém sabe
quais as condições que desencadearam a explosão cósmica inicial que criou o
Universo.

A isto chama-se o problema da paisagem, o facto de parecer haver um


número infinito de soluções para a teoria das cordas, criando uma vasta
paisagem de possibilidades. Cada ponto nessa paisagem corresponde a um
Universo inteiro. Um desses pontos pode explicar as características do nosso
Universo.

Mas qual deles é o nosso? Será a teoria das cordas uma teoria de tudo,
ou uma teoria de qualquer coisa?

De momento, não há consenso para a resolução deste problema. Uma


solução pode ser a criação de uma nova geração de aceleradores de partículas,
como o Colisor Circular do Futuro já mencionado, o Colisor Circular Eletrónico
de Positrões que a China propôs, ou o Colisor Linear Internacional do Japão.
Não há, contudo, qualquer garantia de que mesmo esses projetos ambiciosos
solucionem esta questão importante.
Supremacia Quântica 4ª Parte Simular o Universo

Os Computadores Quânticos Podem Ter a Chave


227

O meu ponto de vista é que talvez os computadores quânticos possam


oferecer a derradeira resposta a esta questão. Vimos anteriormente como, na
fotossíntese, a natureza usa a teoria quântica para estudar uma vasta coleção
de caminhos pelo princípio de ação mínima. Um dia, talvez seja possível
introduzir a teoria das cordas num computador quântico para selecionar o
caminho correto. Talvez muitos dos caminhos que se encontram na paisagem
sejam instáveis e se decomponham rapidamente, deixando apenas a solução
correta. Talvez o nosso Universo surja como o único Universo estável.

Assim, os computadores quânticos podem ser o passo final para


encontrar a Teoria de Tudo.

Há precedentes para tal. A teoria que melhor descreve a teoria da força


nuclear forte chama-se cromodinâmica quântica (QCD). É uma teoria de
partículas subatómicas que une os quarks para criar o neutrão e o protão.
Originalmente, pensava-se que os físicos seriam inteligentes o suficiente para
resolver completamente a QCD usando matemática pura. Isto provou ser uma
ilusão.

Hoje, os físicos praticamente desistiram de tentar resolver a QCD à mão,


e contam em vez disso com supercomputadores gigantescos para resolver
essas equações. A isto chama-se QCD na rede, e divide o espaço e o tempo
em milhares de milhões de cubos minúsculos, formando uma rede. Resolvem-
se as equações de um dos cubos minúsculos, usa-se isso para resolver as
equações do cubo adjacente, e repete-se o processo para todos os seguintes.
Assim, o computador acabará por resolver para todos os cubos adjacentes, um
após outro.

De forma semelhante, talvez sejamos obrigados a recorrer aos


computadores quânticos para resolver todas as equações da teoria das cordas.
Esperemos que a verdadeira teoria do Universo possa surgir desse processo.
Assim, os computadores quânticos podem ter a chave para a própria criação.

* Tradução livre do poema original, Fire and Ice. [N. da T.]


67 «The World Should Think Better About Catastrophic and Existential Risks», The Economist, 25 de junho de 2020;
http://www.economist.com/briefing/2020/06/25/the-world-should-think-better-about-catastrophic-and-existential-risks.
68 Para uma discussão sobre a teoria das cordas, ver Michio Kaku, The God Equation: The Quest for a Theory of Everything (Nova
Iorque: Anchor, 2022), em português, A Equação Divina: A busca inacabada por uma teoria de tudo e o futuro da física (Lisboa:
Bertrand, 2021)
CAPÍTULO 17
– UM DIA NO ANO 2050 –

Janeiro de 2050, 6 da manhã

O seu despertador está a tocar e você acorda com uma dor de cabeça
terrível.

Molly, a sua assistente robótica pessoal, aparece subitamente no ecrã da


parede. Anuncia em voz animada:

— São seis horas da manhã. Pediu-me para o acordar.

Ensonado, você responde:

— Oh, dói-me a cabeça. O que é que fiz ontem à noite para merecer
isto?

Molly diz:

— Lembra-se, esteve na festa para celebrar a abertura do novo reator de


fusão. Deve ter bebido demasiado.

Aos poucos, começa a recordar-se de tudo. Lembra-se de que é


engenheiro na Quantum Technologies, uma das maiores companhias de
computadores quânticos do país. Os computadores quânticos estão por todo o
lado, ou assim parece, e a festa na noite anterior foi para celebrar a abertura
do mais recente reator de fusão, um marco tornado possível pelos
computadores quânticos.

Lembra-se de um repórter na festa lhe perguntar:

— Por quê este entusiasmo todo, tanto alarido por causa de gás
aquecido?

E você respondeu:

— Os computadores quânticos finalmente determinaram como estabilizar


o gás quente no interior de um reator de fusão, de modo a podermos extrair
quantidades quase ilimitadas de energia da fusão do hidrogénio em hélio. Pode
ser a chave para resolver a crise energética.
Supremacia Quântica 4ª Parte Um Dia no Ano 2050

Isso significa que há dezenas de reatores de fusão a serem inaugurados


229

por todo o mundo, e muitas festas onde beber demais. Abriu-se uma nova Era
de energia barata e renovável, graças aos computadores quânticos.

Mas agora está na hora de ver as últimas notícias.

— Molly — pede —, por favor mostra-me as notícias desta manhã sobre


desenvolvimentos na ciência.

O ecrã na parede acende-se subitamente. Sempre que ouve as últimas


notícias, você gosta de fazer um jogo consigo próprio. Depois de ouvir cada
notícia de ciência, tenta identificar quais dessas notícias, se é que há alguma,
que não foi possível graças aos computadores quânticos.

A apresentadora do vídeo declara:

— O governo aprovou uma nova frota de jatos supersónicos, reduzindo


assim em muito o tempo necessário para atravessar os oceanos Pacífico e
Atlântico.

Claro que foram os computadores quânticos que, através do recurso a


túneis de vento virtuais, encontraram o design aerodinâmico ideal para
eliminar o som dos estrondos sónicos, o que ajudou a tornar possível esta
nova enchente de jatos comerciais supersónicos.

A seguir, a apresentadora anuncia:

— Os nossos astronautas em Marte conseguiram construir um grande


painel solar e um conjunto de superbaterias para armazenar energia para a
colónia no planeta vermelho.

Você sabe que isto só foi possível porque os computadores quânticos


criaram a superbateria que alimenta o posto avançado em Marte, e que
reduziu também a nossa dependência do carvão e de centrais a petróleo na
Terra.

A seguir, a apresentadora anuncia:

— Médicos em todo o mundo anunciaram um novo medicamento para a


doença de Alzheimer, capaz de impedir a acumulação da proteína amiloide que
causa esta doença fatal. O resultado pode afetar milhões de vidas.

Sente-se orgulhoso porque a sua companhia esteve na vanguarda da


utilização de computadores quânticos para isolar o tipo específico de proteína
amiloide responsável pela doença de Alzheimer.
Supremacia Quântica 4ª Parte Um Dia no Ano 2050

Ao ouvir as notícias de ciência, sorri para consigo, porque, uma vez mais,
230

todas as notícias de ciência foram possibilitadas, direta ou indiretamente, pelos


computadores quânticos.

Depois de ouvir as notícias, arrasta-se até à casa de banho, toma um


duche e lava os dentes. Enquanto vê a água desaparecer pelo ralo, sabe que a
sua água residual está a ser silenciosamente enviada para um laboratório
biológico, onde é analisada em busca de células cancerígenas. Milhões de
pessoas ignoram ditosamente que fazem um checkup médico completo várias
vezes por dia, com um computador quântico silenciosamente ligado à sua casa
de banho.

Uma vez que os computadores quânticos conseguem agora identificar


células cancerígenas anos antes da formação de um tumor, o cancro foi
reduzido a algo ao nível da constipação comum. Como há historial de cancro
na sua família, você pensa: «Felizmente o cancro já não é o assassino que foi
em tempos.»

Por fim, enquanto se veste, o ecrã ilumina-se de novo. Desta vez, é a


imagem do seu médico de IA que surge na parede.

— O que se passa desta vez, doutor? Boas notícias, espero?

Robo-doc, o seu médico robótico pessoal, diz:

— Bom, tenho boas notícias e más notícias. Primeiro, as más. Ao analisar


as células nas suas águas residuais da semana passada, foi determinado que
tem cancro.

— Oh, se essas são as más notícias, quais são as boas? — pergunta,


ansioso.

— As boas notícias são que localizámos a origem e encontrámos apenas


algumas centenas de células cancerígenas a crescer no seu pulmão. Não é
motivo de preocupação. Analisámos a genética das células cancerígenas e
vamos dar-lhe uma injeção para reforçar o sistema imunitário e derrotar este
cancro. Acabámos de receber a mais recente remessa de células imunitárias
geneticamente modificadas, criadas por computadores quânticos da sua
empresa para atacar este tipo de cancro em particular.

Que alívio. Faz-lhe então outra pergunta:

— Diga-me a verdade. Se os computadores quânticos não tivessem


detetado as células cancerígenas nos meus fluidos corporais, o que teria
acontecido há, digamos, dez anos?
Supremacia Quântica 4ª Parte Um Dia no Ano 2050

Robo-doc responde:
231

— Há algumas décadas, antes de os computadores quânticos se terem


generalizado, nesta altura já teria milhares de milhões de células cancerígenas
a formar um tumor no seu corpo e morreria em menos de cinco anos.

Você engole em seco. É um orgulho trabalhar para a Quantum


Technologies.

De súbito, Molly interrompe o Robo-doc.

— Acaba de chegar uma mensagem. Tem uma reunião urgente na sede.


A sua presença é necessária, imediatamente, em pessoa.

Oh-oh, pensa com os seus botões. Normalmente, as tarefas mais


mundanas são feitas online. Mas desta vez convocaram toda a gente, em
pessoa. Deve ser uma reunião importante.

— Cancela os outros compromissos e chama o meu carro — pede a


Molly.

O seu carro, um veículo autónomo sem condutor, chega minutos depois,


para o levar ao escritório. O trânsito não está mau, porque há milhões de
sensores embutidos na estrada e ligados a computadores quânticos que
ajustam cada semáforo, segundo a segundo, para eliminar engarrafamentos.

Quando chega, sai do carro e diz:

— Vai estacionar. E prepara-te para me vir buscar mais logo, assim que
eu te chamar.

O carro liga-se ao computador quântico que monitoriza todo o tráfego na


cidade e identifica o lugar de estacionamento vago mais próximo.

Entra na sala de reuniões e, na sua lente de contato, vê as biografias das


pessoas sentadas à volta da mesa. Os mandachuvas da companhia estão lá
todos. Deve ser uma reunião importante.

O presidente da companhia dirige-se àquele distinto grupo de executivos.

— É com choque que anuncio que, esta semana, os nossos


computadores quânticos detetaram um vírus nunca antes visto. A nossa rede
internacional de sensores em sistemas de esgotos, a primeira linha de defesa
contra vírus mortíferos, detetou um novo vírus perto da fronteira da Tailândia.
Este vírus apanhou-nos desprevenidos. É altamente letal e muitíssimo
Supremacia Quântica 4ª Parte Um Dia no Ano 2050

contagioso, provavelmente originário em alguma espécie de ave. Não tenho de


232

vos recordar que a última pandemia nos custou mais de um milhão de vidas só
nos Estados Unidos e quase arrasou a economia mundial. Selecionei um grupo
dos nossos melhores funcionários para ir imediatamente até à Ásia analisar a
ameaça. Temos o transporte supersónico pronto para descolar. Alguma
pergunta?

Várias mãos erguem-se no ar. Muitas das perguntas são em línguas


estrangeiras, mas a sua lente de contato traduz tudo para inglês.

E você que estava a planear um belo fim de semana sossegado. Todos


esses planos caíram por terra. Desta vez, é um carro voador que o leva ao
aeroporto, onde o aguarda um transporte supersónico. Toma o pequeno-
almoço em Nova Iorque, almoça sobre o Alasca e janta em Tóquio, após o que
se segue uma reunião. «Os jatos supersónicos são uma grande melhoria em
relação aos jatos convencionais, com aquelas viagens agonizantes de treze
horas entre Nova Iorque e Tóquio», pensa com os seus botões.

Depois lembra-se de que, na escola primária, leu nos manuais de


História sobre o pesadelo causado pela Pandemia de 2020, quando o mundo foi
apanhado totalmente despreparado para lidar com um vírus desconhecido. Na
verdade, esse vírus matou algumas pessoas da sua família. Desta vez, porém,
todas as peças estão nos seus lugares.

No dia seguinte, é posto a par dos desenvolvimentos. O seu gerente diz:

— Felizmente, os computadores quânticos conseguiram identificar a


genética deste vírus, localizar os seus pontos fracos ao nível molecular e
produzir planos para vacinas que serão eficazes contra a doença. Tudo isto foi
feito em tempo recorde graças aos computadores quânticos, que conseguiram
analisar também os registos aéreos e ferroviários para ver de que forma o
vírus poderá ter-se já espalhado a nível internacional. Os sensores em todos os
principais aeroportos e estações de comboio foram calibrados para identificar o
cheiro específico deste novo vírus.

Depois de uma semana de visita aos laboratórios da companhia, regressa


a Nova Iorque confiante de que a sua equipa tem o novo vírus controlado.
Orgulha-se de os seus esforços poderem salvar alguns milhões de vidas e
impedir o colapso da economia mundial.

Em casa, pergunta a Molly quais são os seus compromissos imediatos.

— Bom, desta vez temos um pedido de entrevista por parte de uma das
maiores revistas do planeta. Vão publicar uma reportagem sobre
computadores quânticos. Posso fazer a marcação?
Supremacia Quântica 4ª Parte Um Dia no Ano 2050

Fica agradavelmente surpreendido quando a jornalista chega ao seu


233

escritório. Sarah está bem preparada, é culta e muito profissional.

Sarah diz:

— Parece que os computadores quânticos estão em todo o lado, nos dias


que correm. Os antigos computadores digitais, como dinossauros, estão a ir
para a sucata. Para onde quer que me vire, vejo os computadores quânticos a
substituírem a anterior geração de computadores de silício. Sempre que falo ao
telemóvel, dizem-me que estou na realidade a falar com um computador
quântico algures na nuvem. Mas diga-me, como é que todo este progresso
ajudará a resolver os problemas sociais mais prementes? Quer dizer, sejamos
francos. Por exemplo, ajudará a alimentar os pobres?

Você responde sem hesitar:

— Bom, na verdade a resposta é sim. Os computadores quânticos


desvendaram o segredo de como extrair nitrogénio do ar que respiramos todos
os dias e de como convertê-lo em ingredientes para fertilizantes. Isto está a
criar uma Segunda Revolução Verde. Os mais pessimistas diziam que, com a
explosão populacional, haveria fome, guerras, migrações em massa, motins
alimentares e por aí fora. Nada disso aconteceu, graças aos computadores
quânticos...

— Espere aí — interrompe Sarah. — E os problemas de aquecimento


global? Basta pestanejar e a Internet na minha lente de contato só tem
imagens de incêndios florestais enormes, secas, furacões, cheias... O tempo
parece ter enlouquecido.

— Sim — admite você —, a indústria lançou para a atmosfera


quantidades enormes de CO2 ao longo do último século, e estamos finalmente
a pagar o preço. Todas as previsões se realizaram. No entanto, estamos a
contra-atacar. A Quantum Technologies tem estado na vanguarda dos esforços
para criar uma superbateria capaz de armazenar vastas quantidades de
energia elétrica, diminuindo em muito o custo da energia e ajudando a
introduzir a tão aguardada Era Solar. Já conseguimos ter energia quando o Sol
não brilha e os ventos não sopram. A energia de tecnologias renováveis,
incluindo as centrais de fusão que estão a abrir por todo o mundo, é hoje mais
barata do que a energia dos combustíveis fósseis, pela primeira vez na
história. Estamos a virar uma nova página na questão do aquecimento global.
Esperemos ainda ir a tempo.

— Muito bem, deixe-me fazer-lhe uma pergunta pessoal. Como é que os


computadores quânticos afetaram a sua família e entes queridos? — pergunta
Sarah.

Você responde, tristemente:


Supremacia Quântica 4ª Parte Um Dia no Ano 2050

— A minha família foi muito afetada pela doença de Alzheimer. Assisti a


234

esse sofrimento em primeira mão, com a minha mãe. De início, esquecia-se de


coisas que tinham acontecido minutos antes. Depois, aos poucos, perdeu a
noção da realidade e falava sobre coisas que nunca tinham acontecido. A
seguir, esqueceu-se dos nomes de todos aqueles que amava. Por fim,
esqueceu-se até de quem era. Mas orgulho-me de dizer que os computadores
quânticos estão a resolver o problema. Ao nível molecular, os computadores
quânticos isolaram a proteína amiloide defeituosa específica que afeta o
cérebro. A cura para a doença de Alzheimer não tardará.

A seguir, ela pergunta:

— Eis uma pergunta meramente hipotética. Fala-se muito sobre a


possibilidade de os computadores quânticos estarem perto de descobrir uma
forma de abrandar ou travar o processo de envelhecimento. Diga-me, esses
boatos são verdadeiros? Estão mesmo prestes a encontrar a Fonte da
Juventude?

— Bem — responde você —, ainda não temos todos os pormenores, mas


sim, é verdade: os nossos laboratórios conseguiram usar terapia genética,
CRISPR, e computadores quânticos para corrigir os erros causados pelo
envelhecimento. Sabemos que o envelhecimento é um acumular de erros nos
nossos genes e células. E agora estamos a descobrir o método de corrigir
esses erros e, por consequência, abrandar e talvez até inverter o processo de
envelhecimento.

— Isso leva-me à minha última pergunta. Se pudesse ter mais uma vida,
o que gostaria de ser? Por exemplo, eu, como jornalista, adorava ter mais uma
vida em que pudesse ser escritora. E o senhor?

— Bom — responde —, viver várias vidas já não é uma possibilidade


assim tão disparatada. Mas se eu tivesse mais uma vida, gostaria de aplicar os
computadores quânticos para resolver a derradeira questão sobre o Universo.
De onde é que veio? Por que é que ocorreu o Big Bang? O que aconteceu
antes? Nós, humanos, somos demasiado primitivos para resolver estas
questões fantásticas, mas aposto que, um dia, os computadores quânticos
poderão encontrar a resposta.

— Descobrir o sentido do Universo? Uau, é uma grande ambição. Mas


não tem medo do que os computadores quânticos poderão encontrar? —
pergunta ela.

— Lembra-se do que aconteceu no fim de À Boleia pela Galáxia? Depois


de muita antecipação e entusiasmo, um supercomputador gigante finalmente
calculou o sentido do Universo e a resposta era o número 42. Bom, estamos a
falar de uma obra de ficção. Hoje em dia, contudo, creio que poderemos usar
os computadores quânticos para solucionar o problema. A sério — responde.
Supremacia Quântica 4ª Parte Um Dia no Ano 2050

Depois da entrevista, despede-se com um aperto de mão e um


235

agradecimento a Sarah pela conversa fantástica. E, depois, convida-a


discretamente para jantar consigo. O artigo é um grande sucesso, informando
milhões de pessoas sobre como os computadores quânticos mudaram a
economia, a medicina e o nosso modo de vida. Outro bónus foi ter
oportunidade de conhecer melhor Sarah.

É com grande satisfação que descobrem ter muito em comum. Ambos


são pessoas muito motivadas e bem informadas. Mais tarde, convida-a para
visitar o novo salão de videojogos da Quantum Technologies, onde os mais
poderosos computadores quânticos criam os jogos virtuais mais realistas
possível. Divertem-se muito a jogar jogos engraçados, que criam cenas
fantásticas e exóticas através das poderosas simulações dos computadores
quânticos. Num deles, exploram o espaço sideral. Noutro, uma estância à
beira-mar. A seguir, o cume da montanha mais alta. É espantoso como são
realistas, ao mais pequeno pormenor. Mas a sua viagem preferida é ver a lua
cheia erguer-se sobre as montanhas distantes. Ao ver a Lua iluminar a
floresta, não consegue deixar de se sentir perto da natureza.

Diz a Sarah:

— Sabes, foi graças ao programa lunar, ao ver os astronautas


começarem a explorar o Universo, que me interessei por ciência.

Sarah responde:

— Eu também, mas para mim o que me empolgava era saber que um dia
poderia ver mulheres a caminhar na Lua.

Por fim, à medida que se aproximam mais e mais, você finalmente pede-
a em casamento e, para sua felicidade, ela aceita.

Mas onde ir passar a lua de mel?

Com todas as notícias sobre a queda dos custos das viagens espaciais e
voos comerciais para o espaço, ela pede autorização à revista para fazer outra
reportagem.

— Sei o sítio ideal para a nossa lua de mel — diz Sarah. — Quero ir de
lua de mel para a Lua.
Epílogo
ENIGMAS QUÂNTICOS
O cosmólogo Stephen Hawking disse uma vez que os físicos são os
únicos cientistas que podem dizer a palavra «Deus» sem corar. No entanto, se
quiser mesmo ver um físico corar, pode colocar-lhe perguntas filosóficas
profundas para as quais não há respostas concretas.

Eis uma curta lista de perguntas que deixarão sem palavras a maioria
dos físicos, uma vez que se encontram na fronteira entre filosofia e física.
Todas elas afetam a existência dos computadores quânticos, e vamos
debruçar-nos sobre cada uma delas.

1. Deus teve realmente uma escolha na criação do Universo?

Einstein considerava que esta era a pergunta mais profunda e reveladora


que podíamos fazer. Poderia Deus ter criado o Universo de outra forma
qualquer?

2. O Universo é uma simulação?

Seremos apenas autómatos que vivem num videojogo? Será tudo aquilo
que vemos e fazemos um derivado de uma simulação de computador?

3. Os computadores quânticos computam em universos


paralelos?

Poderemos resolver o problema de medição dos computadores quânticos


se introduzirmos um multiverso de Universos?

4. Será o Universo um computador quântico?

Poderá tudo aquilo que nos rodeia, desde partículas subatómicas a


aglomerados galácticos, ser evidência de que o próprio Universo é um
computador quântico?
237
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

Deus teve escolha?


Einstein passou grande parte da sua vida a perguntar a si próprio se as
leis do Universo eram únicas ou apenas uma de várias possibilidades. Quando
ouvimos falar pela primeira vez de computadores quânticos, o seu
funcionamento interno parece bizarro e louco. Parece incrível que, a um nível
fundamental, os eletrões possam exibir um comportamento tão irreconhecível,
como estar em dois sítios ao mesmo tempo, tunelar através de barreiras
sólidas, transmitir informação mais rápido do que a luz e analisar
instantaneamente um número infinito de caminhos entre dois pontos.
Perguntamos a nós próprios, o Universo tem mesmo de ser assim tão
estranho? Se tivéssemos escolha, não conseguiríamos voltar a organizar as leis
da física de modo que fossem mais lógicas e sensatas?

Quando Einstein se via preso num problema, costumava dizer: «Deus é


subtil, mas não é malicioso.» Porém, perante os paradoxos da mecânica
quântica, Einstein pensava, por vezes: «Talvez Deus seja malicioso afinal de
contas.»

Ao longo da história, os físicos contemplaram a possibilidade de


Universos imaginários, obedecendo a um conjunto diferente de leis
fundamentais, para ver se as leis da natureza são únicas e para ver se é
possível criar um Universo melhor a partir do zero.

Até os filósofos se debateram com esta questão cósmica. Afonso, o


Sábio, disse, uma vez: «Se eu tivesse estado presente na Criação, teria dado
algumas sugestões úteis para uma melhor organização do Universo.»

O juiz e crítico escocês, lorde Jeffrey, queixava-se de todas as


imperfeições do nosso Universo. Dizia: «Malfadado sistema solar. Má
iluminação, planetas demasiado distantes, atormentado por cometas; um
esquema muito fraco; eu próprio teria feito [um Universo] melhor.»

Contudo, os cientistas, por mais que se esforçassem, nunca conseguiram


melhorar as leis da mecânica quântica. Geralmente, chegam à conclusão de
que as alternativas à mecânica quântica produzem Universos instáveis ou
sofrem de alguma falha oculta e fatal.

Para responder a esta questão filosófica que fascinou Einstein, os físicos


começam frequentemente por elencar as qualidades que queremos que um
Universo tenha.

Primeiro, e acima de tudo, queremos que o nosso Universo seja estável.


Não queremos que se desfaça nas nossas nãos, deixando-nos sem nada.
238
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

Surpreendentemente, este critério é extremamente difícil de alcançar. O


ponto de partida mais simples seria assumir que vivemos num mundo
newtoniano de senso comum. Este é o mundo com o qual estamos
familiarizados. Partamos do princípio de que esse mundo é feito de pequenos
átomos, que são como sistemas solares em miniatura, com eletrões a girar em
torno de um núcleo, em obediência às leis de Newton. Este sistema solar
estaria estável se os eletrões se movessem em círculos perfeitos.

Porém, se perturbássemos ligeiramente um dos eletrões, este podia


começar a oscilar e assumir trajetórias imperfeitas. Significa que, mais cedo ou
mais tarde, os eletrões colidiriam uns nos outros ou cairiam para o núcleo.
Muito rapidamente o átomo colapsa e há eletrões a voar em todas as direções.
Por outras palavras, um modelo newtoniano do átomo é inerentemente
instável.

Imagine-se o que aconteceria com as moléculas. Num mundo governado


apenas pela mecânica clássica, uma órbita à volta de dois núcleos é altamente
instável e rapidamente colapsará mal seja perturbada. Assim, não poderiam
existir moléculas num mundo newtoniano, pelo que não existiriam compostos
químicos complexos. Este Universo, sem átomos e moléculas estáveis, acaba
por se tornar uma neblina informe de partículas subatómicas aleatórias.

Todavia, a teoria quântica resolve este problema, porque o eletrão é


descrito por uma onda, e apenas ressonâncias discretas dessa onda podem
oscilar em torno do núcleo. Ondas nas quais esses eletrões colidam e se
dispersem não são permitidas pela equação de Schrödinger, portanto o átomo
é estável. Num mundo quântico, as moléculas também são estáveis porque se
formam quando as ondas de eletrões são partilhadas entre dois átomos
diferentes e se cria uma ressonância estável que une dois átomos. Isto fornece
a cola que consegue manter a molécula coesa.

Assim, de certa forma, há um «objetivo» ou uma «razão» para a


mecânica quântica e as suas estranhas características. Por que é que o mundo
quântico é tão bizarro? Aparentemente, para tornar a matéria estável e sólida.
Caso contrário, o nosso Universo desintegrar-se-ia.

Isto, por sua vez, tem uma consequência importante para os


computadores quânticos. Se tentarmos modificar a equação de Schrödinger,
que é a base do computador quântico, esperamos que o computador quântico
modificado produza resultados absurdos, tais como matéria instável. Assim,
por outras palavras, a única forma de os computadores quânticos criarem
Universos estáveis é começar pela equação de Schrödinger. Um computador
quântico é único. Pode haver muitas maneiras de a matéria se unir para criar
um computador quântico (p. ex., com diferentes tipos de átomos), mas há
apenas uma maneira pela qual o computador quântico consegue efetuar os
seus cálculos e ainda assim descrever matéria estável.
239
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

Assim, se queremos um computador quântico que manipule eletrões, luz


e átomos, resta-nos provavelmente uma única arquitetura possível para um
computador quântico.

O Universo como Simulação


Qualquer pessoa que tenha visto o filme Matrix sabe que Neo é o Eleito.
Tem superpoderes. Consegue voar pelos céus. Consegue desviar-se de balas
ou travá-las em pleno ar. Consegue aprender instantaneamente karaté com
um toque num botão. E consegue atravessar espelhos.

Tudo isto é possível porque Neo, na realidade, vive numa simulação


fictícia, gerada por computador. Tal como viver num videojogo, onde a
«realidade» é, na verdade, um mundo imaginário.

Isto, no entanto, levanta a questão: com a potência computacional a


crescer de forma exponencial, será possível que o nosso mundo seja na
realidade uma simulação, e que a «realidade» que conhecemos seja um
videojogo a ser jogado algures? Seremos apenas linhas de código, até que
alguém carregue finalmente no botão de delete e ponha fim a esta charada? E
se um computador clássico não é poderoso o suficiente para simular a
realidade, poderia um computador quântico fazê-lo?

Façamos primeiro uma pergunta mais simples: poderia um Universo


clássico como o descrito acima ser uma simulação newtoniana?

Consideremos por um momento uma garrafa de vidro vazia. O ar no


interior da garrafa pode conter mais de 1023 átomos. Para o modelarmos com
exatidão num computador clássico, precisaríamos de manipular 1023 bits de
informação, muito para além daquilo que um computador clássico é capaz de
fazer. Para criar uma simulação perfeita dos átomos nessa garrafa, teríamos
também de conhecer a posição e velocidade de todos esses átomos. Agora
imagine tentar simular as condições meteorológicas na Terra. Seria preciso
saber a humidade, pressão do ar, temperatura e velocidade do vento em todo
o planeta. Muito rapidamente esgotaríamos a capacidade de memória de
qualquer computador clássico conhecido.

Por outras palavras, o objeto mais pequeno que consegue simular o


tempo, é o próprio tempo.

Outra maneira de ver o problema é considerar aquilo a que se chama o


efeito borboleta. Se uma borboleta bater as asas, cria uma onda de ar que, se
as condições forem as certas, pode crescer e transformar-se num vento
poderoso. Este, por sua vez, pode tocar no ponto crucial de uma nuvem e
causar uma chuvada. É um resultado da teoria do caos, que diz que, embora
240
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

as moléculas do ar possam obedecer às leis newtonianas, os efeitos


combinados de biliões de moléculas de ar são caóticos e imprevisíveis. Assim,
é quase impossível prever a probabilidade exata de que se possa formar uma
tempestade. Embora seja possível determinar a trajetória de uma única
molécula, o movimento coletivo de biliões de moléculas de ar está fora do
alcance das capacidades de qualquer computador digital. Uma vez mais, uma
simulação é impossível.

Mas, e se estivermos a falar de computadores quânticos?

A situação torna-se muito pior se tentarmos modelar o tempo com um


computador quântico. Se tivermos um computador quântico com 300 qubits,
então temos 2300 estados no computador quântico, um número maior do que
os estados do Universo. Decerto um computador quântico tem memória
suficiente para codificar toda a «realidade» tal como a conhecemos.

Não necessariamente. Pense numa molécula de proteína complexa, que


pode ter milhares de átomos. Para um computador quântico simular uma só
molécula de proteína sem qualquer aproximação, temos de ter muitos mais
estados do que existem no Universo. E o nosso corpo pode ter milhares de
milhões dessas moléculas de proteína. Assim, para verdadeiramente simular
todas as moléculas de proteína que se encontram no nosso corpo, precisamos,
em princípio, de milhares de milhões de computadores quânticos. Uma vez
mais, o Universo mais pequeno que pode simular o Universo, é o próprio
Universo. É pura e simplesmente impraticável montar milhares e milhares de
milhões de computadores quânticos para simular um fenómeno quântico
complexo.

A única «realidade» que poderia efetivamente ser simulada é uma


realidade que não é perfeita, com muitas falhas e imperfeições. Isto poderia
reduzir o número de estados que têm de ser simulados. Se a simulação não for
perfeita, então pode realmente existir. Por exemplo, a simulação pode ter
áreas incompletas. O «céu que vemos sobre nós pode ter buracos e rasgões,
como um antigo cenário de cinema, ou, para quem mergulhar em águas
profundas, pode achar que o seu mundo é o oceano inteiro, até colidir com
uma parede de vidro, apercebendo-se então de que o seu mundo é apenas
uma pequena simulação do oceano. Assim, um Universo com simulações deste
tipo seria certamente possível.

Universos Paralelos
Antigamente, Hollywood e a banda desenhada conseguiam criar
Universos imaginários e excitantes ao levar as suas personagens para o espaço
sideral. Porém, uma vez que já enviamos foguetões para o espaço há mais de
cinquenta anos, isso tornou-se desatualizado. Assim, os escritores de ficção
científica precisam de um campo novo e empolgante para os seus enredos
241
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

fantásticos, e hoje em dia esse campo é o multiverso. Muitos sucessos de


bilheteira recentes passam-se em universos paralelos, onde o super-herói ou o
vilão existem em múltiplas realidades.

No passado, sempre que via um filme de ficção científica, eu costumava


contar quantas leis da física estavam a ser violadas. Deixei de o fazer quando
me lembrei das palavras de Arthur C. Clarke: «Qualquer tecnologia
suficientemente avançada é indistinguível de magia» Assim, se um filme
parecia ter violado alguma lei da física conhecida, talvez essa lei da física
viesse um dia a provar estar incorreta ou incompleta.

Agora, contudo, com os filmes a entrarem no multiverso de universos


paralelos, tenho de pensar bem para ver se há leis físicas a serem violadas.
Neste caso, os filmes estão na verdade a seguir os passos dos físicos teóricos,
que começam a levar muito a sério a ideia do multiverso.

A razão para tal é que a teoria dos muitos mundos de Hugh Everett está
a ter um ressurgimento. Tal como já mencionámos, a teoria dos muitos
mundos de Everett é, talvez, a forma mais simples e mais elegante de resolver
o problema da medição. Se simplesmente afastarmos o último postulado da
mecânica quântica, que a função de onda que descreve o comportamento
quântico colapsa sob observação, a teoria dos muitos mundos é a maneira
mais rápida de resolver o paradoxo que isso coloca.

Porém, há um preço a pagar por permitirmos que a onda de eletrões


prolifere. Se a onda de Schrödinger se puder mover livremente por si só, sem
colapsar, então dividir-se-á um número infinito de vezes, criando uma cascata
infinita de possíveis Universos. Assim, em vez de colapsar num só Universo,
deixamos que um número infinito de universos paralelos se divida
constantemente.

Não existe um consenso universal entre os físicos quanto a estes


universos paralelos. Por exemplo, David Deutsch acredita que esta é a razão
essencial pela qual os computadores quânticos são tão poderosos, porque
calculam simultaneamente em universos paralelos diferentes. Isto leva-nos de
novo ao velho paradoxo de Schrödinger, em que um gato numa caixa pode
estar simultaneamente morto e vivo.

Stephen Hawking, sempre que lhe faziam alguma pergunta sobre este
problema frustrante, dizia: «Sempre que oiço o gato de Schrödinger, pego na
minha arma.»

No entanto, há uma teoria alternativa também a ser considerada,


chamada teoria da decoerência, que afirma que as interações com o ambiente
exterior fazem com que a onda colapse, ou seja, a onda colapsa por si mesma
quando toca no ambiente, porque o ambiente já está decoerente.
242
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

Por exemplo, isto significa que o paradoxo de Schrödinger pode ser


resolvido de forma simples. O problema original era que, antes de abrir a
caixa, era impossível dizer se o gato estava vivo ou morto. A resposta
tradicional é que o gato não está vivo nem morto até abrirmos a caixa. Esta
nova teoria diz que os átomos do gato já estão em contacto com os átomos
aleatórios que pairam na caixa, portanto o gato já entrou em decoerência
mesmo antes de a caixa ser aberta. Assim, o gato já está morto ou vivo (mas
não ambas as coisas).

Por outras palavras, de acordo com a interpretação tradicional de


Copenhaga, o gato entra em decoerência apenas quando se abre a caixa e se
efetua uma medição. Pela abordagem da decoerência, contudo, o gato já está
decoerente porque as moléculas do ar tocaram na onda do gato, fazendo com
que esta colapsasse. A causa do colapso da onda na abordagem da
decoerência, substitui o observador que abre a caixa pelo ar no interior da
caixa.

Geralmente, os debates na física resolvem-se por meio de uma


experiência. A física, em última análise, não se baseia em especulação e
conjetura. O fator decisivo são evidências concretas. Mas imagino que daqui a
décadas os cientistas ainda debaterão esta questão, porque não há nenhuma
experiência decisiva que possa excluir uma destas interpretações, pelo menos
por enquanto.

Porém, pessoalmente tenho a convicção de que há uma falha na


abordagem da decoerência. Esta abordagem tem de fazer uma distinção entre
o ambiente, ou seja, o ar (que é decoerente) e o objeto alvo de estudo (o
gato). Na abordagem de Copenhaga, a decoerência é introduzida pelo
observador que faz a experiência. Na abordagem da decoerência, é introduzida
por interações com o ambiente.

Contudo, assim que introduzimos a teoria quântica da gravidade, a


unidade mais pequena que quantificamos é o próprio Universo. Não há
qualquer distinção entre o observador, o ambiente e o gato. Todos fazem parte
de uma gigantesca função de onda, a função de onda do Universo, que não
pode ser separada em várias partes. Nesta abordagem da gravidade quântica,
não existe uma verdadeira distinção entre ondas que são coerentes e ondas no
ar que são decoerentes. A diferença é somente de grau. (Por exemplo, no Big
Bang, o Universo inteiro era coerente antes da explosão. Assim, ainda hoje,
13,8 mil milhões de anos mais tarde, existe um pouco de coerência que
conseguimos ainda encontrar entre o gato e o ar.)

Esta abordagem, portanto, afasta a decoerência e reverte à interpretação


de Everett. Infelizmente, não existe qualquer experiência capaz de diferenciar
estas várias abordagens. Ambas as abordagens dão o mesmo resultado
mecânico-quântico. Diferem apenas na interpretação do resultado, que é
filosófica.
243
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

Significa isto que quer usemos a abordagem de Copenhaga, a


abordagem da decoerência, ou a teoria dos muitos mundos, obtemos os
mesmos resultados experimentais, pelo que as três abordagens são
experimentalmente equivalentes.

Uma possível diferença entre estas abordagens é que, na interpretação


dos muitos mundos, pode ser possível a deslocação entre diferentes universos
paralelos. Contudo, se fizermos os cálculos, a probabilidade de o conseguir
fazer é tão pequena que não podemos verificá-la experimentalmente. Regra
geral, temos de esperar mais tempo do que o tempo de vida de um Universo
para entrar noutro universo paralelo.

Será o Universo um Computador Quântico?


Analisemos agora se o Universo é, ele próprio, um computador quântico.

Recordemos que Babbage colocou uma pergunta bem definida: qual o


limite de potência de um computador analógico? Até onde poderemos
computar com engrenagens e alavancas mecânicas?

Turing alargou a questão, perguntando a si mesmo: qual o limite de


potência de um computador digital? Até onde poderemos computar com
componentes eletrónicos?

Assim, é natural que a pergunta seguinte seja: qual o limite de potência


de um computador quântico? Até onde poderemos computar se conseguirmos
manipular átomos individuais? E, uma vez que o Universo é feito de átomos:
será o Universo ele próprio um computador quântico?

O físico que propôs esta ideia é Seth Lloyd do MIT. É um de entre um


punhado de físicos que se encontrava presente no início, quando os
computadores quânticos começaram a ser criados.

Perguntei a Lloyd como é que se envolveu com computadores quânticos.


Ele disse-me que, quando era rapaz, tinha um fascínio por números.
Interessava-o particularmente o facto de, com apenas alguns números, ser
possível descrever uma vasta quantidade de objetos do mundo real pelas
regras da matemática.

Quando foi fazer o doutoramento, contudo, deparou-se-lhe um problema.


Por um lado, havia alunos de física brilhantes, a trabalhar em teoria das cordas
e física de partículas elementares. Por outro lado, havia alunos a trabalhar em
ciências computacionais. Ele estava apanhado no meio, porque queria
trabalhar em informação quântica, que se encontrava entre a física de
partículas e a ciência computacional.
244
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

Na física de partículas elementares, a derradeira unidade de matéria é a


partícula, como o eletrão. Na teoria da informação, a derradeira unidade de
informação é o bit. Assim, ele debruçou-se sobre a relação entre partículas e
bits, o que nos leva aos bits quânticos.

A sua ideia controversa é que o Universo é um computador quântico. À


primeira vista, pode parecer absurdo. Quando pensamos no Universo,
pensamos em estrelas, galáxias, planetas, animais, pessoas, ADN. E quando
pensamos num computador quântico, pensamos numa máquina. Como podem
ser a mesma coisa?

Na verdade, existe uma profunda relação entre os dois. É possível criar


uma máquina de Turing capaz de conter todas as leis newtonianas do
Universo.

Pensemos, por exemplo, num comboio de brincar numa linha de


miniatura. A linha está dividida numa longa sequência de quadrados, nos quais
podemos colocar o número 0 ou 1. O número 0 significa que não há comboio
nessa linha, e o 1 significa que o comboio de brincar está nessa linha. Agora
avancemos o comboio, quadrado a quadrado. De cada vez que deslocarmos o
comboio um quadrado, substituímos o 0 por 1. Assim, o comboio pode
deslocar-se facilmente pela linha. O número 1 localiza a posição do comboio de
brincar.

Agora, substituamos a linha ferroviária por uma fita digital com 0s e 1s.
Em vez do comboio de brincar, temos um processador. De cada vez que o
processador se desloca um quadrado, trocamos o 0 por um 1.

Assim, podemos pegar num comboio de brincar e convertê-lo numa


máquina de Turing. Por outras palavras, uma máquina de Turing pode simular
as leis do movimento de Newton, que são a base da física clássica.

Podemos também modificar um comboio de brincar para descrever


acelerações e movimentos mais complexos. De cada vez que movermos o
comboio, podemos aumentar a separação entre os 1s, o que significa que o
comboio está a acelerar. Podemos também generalizar o comboio a deslocar-
se por uma linha em 3D, ou grelha. Desta forma, é possível codificar todas as
leis da mecânica newtoniana.

Conseguimos então estabelecer uma ligação precisa entre uma máquina


de Turing e as leis de Newton. É possível codificar um Universo clássico com
uma máquina de Turing.

A seguir, podemos generalizar isto aos computadores quânticos. Em vez


de um comboio de brincar, que contém 0s e 1s, substituímo-lo por um
comboio de brincar que leva uma bússola. A agulha pode apontar para norte,
onde lhe chamamos 1, ou para sul, onde lhe chamamos 0, ou para um ângulo
245
Supremacia Quântica Epílogo - Enigmas Quânticos

entre os dois, onde representa a sobreposição de norte e sul. Assim, à medida


que o comboio de brincar se movimenta pela linha, a agulha move-se em
direções diferentes, de acordo com a equação de Schrödinger.

(Se quisermos incluir o entrelaçamento, basta adicionar várias bússolas


ao comboio de brincar. Todas as agulhas dessas bússolas podem mover-se de
maneiras diferentes conforme o comboio se desloca pela linha, de acordo com
as regras do processador.)

Quando o comboio se movimenta, a agulha da bússola começa a girar. O


movimento da agulha segue a informação contida na equação de onda de
Schrödinger. Desta forma, conseguimos derivar a equação de onda com este
comboio de brincar.

O que importa aqui é que uma máquina de Turing quântica pode


codificar as leis da mecânica quântica que, por sua vez, governam o Universo.
Neste sentido, um computador quântico pode codificar o Universo. Assim, a
relação entre um computador quântico e o Universo é que o primeiro pode
codificar o segundo. Portanto, rigorosamente falando, o Universo não é um
computador quântico, mas todos os fenómenos no Universo podem ser
codificados por um computador quântico.

Porém, uma vez que todas as interações ao nível microscópico são


governadas pela mecânica quântica, isso significa que os computadores
quânticos podem simular qualquer fenómeno do mundo físico, desde as
partículas subatómicas e o ADN, até aos buracos negros e ao Big Bang.

O reino de ação dos computadores quânticos é o próprio Universo.


Assim, se conseguirmos verdadeiramente compreender uma máquina de
Turing quântica, talvez consigamos também compreender verdadeiramente o
Universo.

Só o tempo o dirá.
Agradecimentos

Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, ao meu agente literário, Stuart Krichevsky,


que está ao meu lado há tantos anos, a ajudar-me a conduzir os meus livros do rascunho
ao mercado. Confio no seu discernimento infalível em todas as questões literárias. Os
seus bons conselhos têm ajudado os meus livros a alcançar o sucesso.

Quero agradecer também ao meu editor, Edward Kastenmeier. Sempre me deu


pareceres sensatos em todas as questões editoriais. A sua ajuda ao longo de todo o
caminho permitiu uma maior clareza no objetivo do livro e que este se tornasse mais
acessível.

Queria ainda agradecer aos muitos galardoados com o Prémio Nobel que consultei
ou entrevistei e que me deram conselhos valiosos:

Richard Feynman

Steven Weinberg

Yoichiro Nambu

Walter Gilbert

Henry Kendall

Leon Lederman

Murray Gell-Mann

David Gross

Frank Wilczek

Joseph Rotblat

Henry Pollack

Peter Doherty

Eric Chivian

Gerald Edelman

Anton Zeilinger

Svante Pääbo

Roger Penrose
247
Supremacia Quântica Agradecimentos

Gostava também de agradecer a estes cientistas de renome, líderes de investigação


científica ou diretores em importantes laboratórios científicos, e que tão generosamente
partilharam comigo a sua sabedoria:

Marvin Minsky

Francis Collins

Rodney Brooks

Anthony Atala

Leonard Hayflick

Carl Zimmer

Stephen Hawking

Edward Witten

Michael Lemonick

Michael Shermer

Seth Shostak

Ken Croswell

Brian Greene

Neil deGrasse Tyson

Lisa Randall

Leonard Susskind

Por último, o meu agradecimento aos mais de 400 cientistas que entrevistei ao longo
dos anos, e cujas perspetivas foram de um valor incalculável na escrita deste livro.

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