Aula 3 - Due Diligence
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2016v15n33p160
Resumo
O artigo debate como a noção de “Trabalho Decente” proposta pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) está presente nos programas de Responsabilidade Social das Empresas (RSE),
a partir do desenvolvimento das cadeias produtivas globais. Com base em autores da Sociologia
Econômica, discute-se a formação dos Acordos Marco Internacionais (AMIs) que associam o
protagonismo sindical e as empresas para a geração de trabalho decente nas redes de forneci-
mento. O foco empírico da pesquisa foi a multinacional Inditex, do ramo têxtil e de confecções
do vestuário. Realizaram-se entrevistas com atores sociais e econômicos da cadeia produtiva da
empresa em Portugal e no Brasil. Como conclusão, destaca-se que as novas ferramentas de RSE,
como os AMIs, privilegiam as diretrizes do trabalho decente. Contudo, a pesquisa revelou que
sem alterações no modelo de gestão da cadeia produtiva fast fashion, os AMIs têm pouca eficácia
para a redução das sweatshops e da precarização do trabalho.
Palavras-chave: Trabalho decente. Responsabilidade Social das Empresas. Acordo Marco Inter-
nacional. Cadeias Produtivas Globais.
1 Gostaríamos de agradecer aos pareceristas da Revista Política & Sociedade pelos valiosos comentários e
sugestões que contribuíram para a versão final deste artigo. Pós-doutoranda na modalidade CAPES-PNPD
em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Doutora em
Sociologia Política (UFSC). Professora Colaboradora do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento
Socioeconômico (UNESC). E-mail: [email protected]
2 Doutora em Sociologia Economica pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa
(ISEG-UL). Professora da Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected]
3 Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professora Associada da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).E-mail: [email protected]
1 Introdução
As relações de trabalho passaram por significativas transformações a partir
da emergência das cadeias produtivas globais nas últimas duas décadas. De
um lado, a financeirização da economia, a precarização dos postos de tra-
balho, a flexibilização e a presença de estrangeiros e imigrantes na disputa
por vagas de emprego. Por outro, os avanços tecnológicos, o acirramento da
competitividade nas empresas e a formação de extensas redes de fornecimen-
to. Desde essa mesma época, vislumbra-se um intenso debate sobre quais são
as efetivas responsabilidades das instituições econômicas em relação aos(às)
trabalhadores(as) e às vagas de emprego, às comunidades e ao meio ambiente.
Na Europa e nos Estados Unidos, sobretudo, discute-se a importância de re-
gras socioambientais para orientar as estratégias empresariais em um contexto
econômico marcado pela interdependência. O presente artigo discute a emer-
gência de diretrizes do “trabalho decente” nos programas de responsabilidade
social das empresas para a regulação social das cadeias produtivas globais.
O debate sobre a chamada responsabilidade social das empresas (dora-
vante, apenas RSE) emerge concomitantemente às denúncias realizadas pela
mídia impressa e televisiva de ações de desrespeito às legislações trabalhista e
ambiental por parte de grandes corporações4. Organizações multinacionais
criam departamentos internos de RSE associados ao gerenciamento da repu-
tação das marcas e monitoramento de riscos sociais e ambientais relacionados
aos efeitos não previstos da deslocalização produtiva e formação das cadeias
produtivas globais (CPGs).
A empresa que durante boa parte do século XX, no período identifi-
cado por alguns autores como sociedade salarial fordista (CASTEL, 1999;
BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999), possuiu papel central na formação de
identidades individuais e coletivas passa, agora, a ser vista principalmente
como a vilã que se isenta de qualquer responsabilidade com o destino de in-
divíduos e sociedades.
4 O caso mais emblemático ocorreu na década de 1990 com o envolvimento da Nike – empresa de produtos
esportivos com sede principal nos Estados Unidos – na exploração do trabalho infantil e o não pagamento de
tributos trabalhistas de suas empresas terceirizadas na região da Ásia. O caso foi bem documentado no filme
The Big One (1998), do cineasta norte-americano Michael Moore. Nessa produção há uma entrevista com o
presidente da companhia, Phill Knigth, na qual o diretor convida-o para conhecer as fábricas terceirizadas da
Nike na Indonésia e ele se nega.
5 A ideia de terceiro setor não se assemelha com o conceito de sociedade civil, conceito tão caro às ciências
sociais. Trata-se, antes, de uma noção associada à emergência das organizações não governamentais (ONGs),
cujo papel frente às resoluções das questões públicas tem sido crescente diante de políticas neoliberais.
economistas como Milton Friedman (1962; 1970)6. Para o autor, a única res-
ponsabilidade legítima das empresas é a maximização dos lucros em favor dos
proprietários e acionistas. A geração de lucros dentro das regras da concorrên-
cia e do mercado corresponderia à única função social das corporações, e qual-
quer ação desviante corresponderia a um comportamento irresponsável da
alta gerência. Por sua vez, a Sociologia Econômica se esforça em demonstrar
que as empresas são constructos sociais, instituições que integram a sociedade,
sendo ao mesmo tempo seu produto e agentes de transformação (KIRSCH-
NER, 1998; 2006; CAPPELLIN et al., 2002). Contudo, a empresa também
é vista como um lócus de poder inserida em um autêntico “campo de lutas”,
em uma esfera econômica na qual os agentes se afrontam mediante diferentes
níveis de recursos, ou, para usar a terminologia de Bourdieu (2005), diferen-
tes níveis de capitais (financeiro, cultural, político, simbólico etc.). Assim,
ser uma empresa socialmente responsável equivale à produção de um capital
simbólico que permite às empresas diferenciarem-se nos mercados, inclusive
na busca de maior legitimidade ao incorporarem bandeiras que são próprias
dos movimentos sociais, ambientais e das agências multilaterais.
Nesse sentido, vimos o crescente envolvimento de organizações interna-
cionais na promoção da RSE e temas correlatos. A Organização para Coope-
ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Organização das Nações
Unidas (ONU) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) desenvolve-
ram documentos com parâmetros e diretrizes para os países e o setor privado7.
No seio do processo de globalização da economia, empresas multinacionais
6 Dados das instituições que promovem a RSE no campo econômico revelam que: A) O crescimento do número
de empresas que assinaram o Global Compact (Nações Unidas), que promove diretrizes de respeito aos direi-
tos humanos, práticas de anticorrupção e mitigação dos impactos ambientais da produção, passou de 600,
em 2006, para 1.900 em 2011; B) A ampliação no número de companhias europeias que celebraram os cha-
mados “Acordos Marco Internacionais” com as federações sindicais dos trabalhadores, para o estabelecimento
e fortalecimento das normas fundamentais no trabalho (Convenções da OIT) em suas cadeias produtivas,
ampliou de 79 em 2006 para 140 em 2011; C) O aumento no número de membros no grupo “The Business
Social Compliance Initiative”, que promove a melhoria nas condições de trabalho nas cadeias produtivas, de
69 em 2007 para mais de 700 integrantes em 2011; e, por fim, C) O crescimento das publicações dos relatórios
socioambientais pelas empresas, conforme o modelo proposto pelo Global Report Iniciative (GRI), de 207 em
2006 para 850 em 2011 (JACQUES, 2015).
7 O documento Responsabilidade Social de Empresas Multinacionais – Diretrizes da OCDE (2004), o Pacto Glo-
bal e Objetivos do Milênio (ODM, 2010) da ONU e a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Mul-
tinacionais e Política Social (OIT, 2002) são exemplos dos parâmetros da RSE em nível mundial e compõem as
cláusulas dos relatórios socioambientais modelo Global Report Iniciative (GRI).
são orientadas por essas instituições a seguir normas internacionais que va-
lorizam os direitos humanos, o desenvolvimento social, o emprego e o meio
ambiente tanto nas operações de suas matrizes como nas filiais nos vários
países. São políticas e diretrizes de soft regulation que, embora dialoguem com
o direito internacional, estão fortemente associadas com o comprometimento
privado e voluntário das organizações e seus parceiros comerciais.
Nesse cenário, desde 1999 a OIT promove o conceito de “Trabalho De-
cente” e suas diretrizes baseadas nas Convenções Internacionais do Trabalho
para orientar as empresas multinacionais a respeitar os direitos fundamentais
dos trabalhadores e trabalhadoras nas cadeias produtivas globais.8 Embora
nem todas as instituições utilizem explicitamente o termo “responsabilida-
de social empresarial” (como a própria OIT, que prefere o termo “empresas
sustentáveis”), os documentos amplamente divulgados são, em alguns casos,
apropriados pelas corporações com o objetivo de validar social e politicamen-
te suas práticas de RSE. Como bem definiu Barbosa (2002), essas ações são
novas tecnologias gerenciais que, ao serem incorporadas pelas empresas, de-
monstram o peso das agendas sociopolíticas atuais na construção social dos
mercados globalizados.
O objetivo geral do presente artigo é demonstrar de que forma a noção
de “Trabalho Decente” está associada às propostas de RSE das cadeias produ-
tivas globais. Com base nos documentos da OIT e nos autores da Sociologia
Econômica, são introduzidos os conceitos de “Trabalho Decente” e de cadeias
produtivas globais. Em seguida, discute-se como se aproximam os temas da
RSE e do “Trabalho Decente”, ou seja, quais são as novas ferramentas de
RSE que privilegiam as diretrizes que compõem o conceito. Nesse segundo
momento, portanto, apresentam-se as iniciativas bilaterais RSE-Trabalho De-
cente, em particular, pela emergência dos chamados Acordos Marco Interna-
cionais (AMI) negociados entre empresas e sindicatos. Por fim, apresenta-se
um estudo de caso de criação do AMI na rede de fornecedores contratados e
subcontratados de uma das maiores varejistas do ramo têxtil e de confecções
do vestuário, a espanhola Inditex, detentora das marcas Zara, Pull&Bear e
Massimo Dutti. O recorte da pesquisa privilegiou a inserção de Portugal na
8 Ao destacar o termo trabalho decente com o uso das aspas, reforçamos o argumento de que se trata de um
enunciado em constante disputa pelos agentes sociais, políticos e econômicos na esfera mercantil.
2 Notas metodológicas
Do ponto de vista epistemológico, parte-se do pressuposto de que tanto
a retórica do “trabalho decente” como o lema da responsabilidade social das
empresas fazem parte de um conjunto de fatores socioculturais no funciona-
mento da esfera econômica. Portanto, o presente artigo insere-se nas abor-
dagens heterodoxas que compõem o paradigma relacional. O trabalho situa-
-se na fronteira das disciplinas de Sociologia, de Economia, Administração e
Direito, na medida em que leva em conta os aspectos políticos, econômicos,
socioculturais e jurídicos da esfera mercantil.
O conceito de “Trabalho Decente” é aqui apresentado por intermédio
dos documentos institucionais da OIT, desde a chamada Constituição da
Filadélfia (OIT, 1944) até as cartas recentes que expõem a posição da entidade
diante das novas formas de organização do trabalho no cenário da globaliza-
ção dos mercados. Apresenta-se o conceito de cadeias produtivas globais com
base nos autores da Sociologia Econômica, assim como há a preocupação em
discutir as características principais da cadeia produtiva têxtil e de confecções
do vestuário. Essa primeira etapa – de ordem bibliográfica – mostrou-se fun-
damental para compreender as estratégias empresariais de gestão e os impactos
na organização do trabalho.
A discussão sobre as novas ferramentas de RSE associadas às diretrizes de
“trabalho decente” levou em conta artigos científicos que privilegiam a inserção
da RSE nas CPGs do setor têxtil e de confecções do vestuário. O pano de fun-
do geral repousa na emergência e persistência das chamadas “fábricas do suor”
(sweatshops), cujas jornadas de trabalho ultrapassam 15 horas diárias e nas quais
as condições de trabalho põem em risco a segurança dos(as) trabalhadores(as).
Por fim, realizou-se um estudo de caso direcionando entrevistas semiestrutura-
das aos diferentes atores sociais e econômicos que compõem a cadeia produtiva
da Inditex. Os dados obtidos foram organizados e estruturados com o apoio do
software de análises qualitativas Nvivo. O organograma a seguir destaca os atores
que participaram da pesquisa em ordem temporal:
/ŶĚƷƐƚƌŝĂƐĚĞ
ŽŶĨĞĐĕƁĞƐĚŽ
ͻDƵůƚŝŶĂĐŝŽŶĂů/ŶĚŝƚĞdž sĞƐƚƵĄƌŝŽ ͻ&ĞĚĞƌĂĕƁĞƐ^ŝŶĚŝĐĂŝƐĚŽƐ
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ĚĞZŝƐĐŽƐ ͻŵƉƌĞƐĂƐ&ŽƌŶĞĐĞĚŽƌĂƐĞ dġdžƚŝůĞĚĞŽŶĨĞĐĕƁĞƐĚŽ
^ƵďĐŽŶƚƌĂƚĂĚĂƐ ǀĞƐƚƵĄƌŝŽ
ͻ^ŝŶĚŝĐĂƚŽƐZĞŐŝŽŶĂŝƐ
'ĞƐƚŽƌĚĞZ^ ^ŝŶĚŝĐĂƚŽƐ
10 A divulgação anual das informações sobre como se estrutura a cadeia de fornecimento da Inditex nas várias
regiões, os números de fornecedores diretos e subcontratados e, ainda, o total de trabalhadores envolvidos faz
parte de cláusula acordada entre Inditex e IndustriALL, no bojo do processo de negociação do AMI (BOIX,
2013).
O acordo AMI, no contexto como nós o conhecemos, tem a ver com a responsabilidade
social das empresas de Portugal que fornecem e que trabalham para a Inditex, para as
várias marcas do grupo. Este protocolo teve origem na ação sindical concreta de nossos
companheiros sindicais espanhóis e é um protocolo mundial coordenado pela sindical in-
ternacional, é um trabalho de muitos anos que envolve muitos gastos. Por exemplo, se o
sindicato tem de ir à China, Blangadesh, Índia, Camboja, Birmânia, fazer relatórios sobre as
condições de trabalho, não há apoios, é um trabalho que não tem grande visibilidade e tem
muito dispêndio financeiro. Os sindicatos têm de arcar com os custos. Este protocolo parte
do princípio de que a Inditex tem como norma que as empresas que trabalham para eles têm
de seguir as regras mínimas de cada país e, quando não cumprem, nós temos mecanismos
de participação, como o gabinete de responsabilidade social da Inditex em Portugal, nós te-
mos uma ligação direta com esse gabinete. Por exemplo, tivemos uma empresa da região de
Lousada que não pagou o 13º salário, nem o subsídio de férias, mas nós privilegiamos sem-
pre o diálogo, mas depois as pessoas acham que é o sindicato que deve resolver tudo, não
é. Então eu comuniquei ao departamento de RSE: ‘Dr., aí vão os dados da empresa, estão a
produzir as camisas da cor X, referencial X, da controladora espanhola X,’ ele nos contatou
de imediato, depois nós ouvimos o feedback das trabalhadoras: já nos pagaram o que de-
viam. É claro que o empresário não vai dizer que foi a pressão da auditoria. (Informante A).
Quando as empresas que trabalhavam e produziam para o grupo deixaram de estar na Es-
panha e passaram a estar em outros mercados, em outros países, os sindicatos espanhóis
perceberam: aqui há uma concorrência desleal, a empresa está a deslocalizar a produção
não porque nós, espanhóis, não somos bons profissionais, mas na procura de mão de obra
mais barata. Então a luta dos sindicatos espanhóis foi exatamente perceber se, nos países
para onde se deslocalizavam as novas áreas de produção do grupo Inditex, eram respei-
tadas, no mínimo, as normas locais. Portanto, isso começou a ocorrer na parte norte da
África, Marrocos, em outros países e também no norte de Portugal. E então os sindicatos
da Espanha começaram a nos contatar: vocês têm uma série de empresas a trabalhar para
a Inditex. Então os sindicatos das Comissões Obreiras começaram a nos contatar e nós
sabemos que uma grande parte das nossas indústrias trabalha no regime de subcontratação
ou para grandes cadeias de distribuição. E daí os próprios sindicatos espanhóis começaram
a ter uma preocupação. E esse grupo [Inditex] com o peso que foi adquirindo na área do
vestuário, do retalho e da distribuição… Parece-me que eles também têm algum respeito
pelos sindicatos… Então aceitaram o acordo com o sindicato: “eu vou deslocalizar, mas
não vou apenas porque a mão de obra é barata, eu lá cumpro as minhas regras”. Então os
[sindicatos] espanhóis começaram a exigir que se cumprissem as regras. Só que o grupo In-
ditex foi crescendo muito e deixou de produzir em Portugal e Marrocos e passou a produzir
no mundo inteiro, deslocalizou para a China, deslocalizou para a América Latina, para o
bloco do Leste Europeu e, portanto, isto exigiu uma outra coordenação. Os sindicatos das
Comissões Obreiras da Espanha propuseram que a nossa Confederação Sindical Europeia e
a nossa Federação Sindical Internacional dos Têxteis e Calçados assumissem algum prota-
gonismo. Não estamos mais a tratar só de Espanha e Portugal, estamos a tratar em âmbito
global. Portanto, tem de ser uma outra central sindical a tratar. Então a Federação Interna-
cional assumiu, de forma que a gente pudesse trabalhar em um nível global. (Informante B).
Mas de que forma o AMI repercute nas relações laborais no âmbito das
empresas contratadas e subcontratadas pela Inditex em Portugal e no Bra-
sil? Este estudo verificou que a pressão pela redução dos custos e dos prazos
de entrega dos produtos inerentes ao modelo do fast fashion impõe desafios
às empresas subcontratadas na cadeia da Inditex. O ponto-chave ressaltado
tanto pelos sindicatos portugueses como pelo sindicato brasileiro mostra o
papel desempenhado pelas empresas intermediárias na formação da cadeia
produtiva da Inditex. As redes de contratação que formam a CPG da Inditex
estruturam-se a partir da presença de empresas intermediárias, que por um
lado organizam, segmentam e direcionam os pedidos de serviços feitos pela
Inditex para as demais empresas de confecções e, por outro, retêm uma im-
portante margem do lucro. Tais subcontratações ocorrem como um recurso
para responder às demandas de curto prazo, com prazos de produção de uma
Nos últimos anos surgiu com mais intensidade um conjunto de empresas intermediárias
que em rede com as grandes marcas e cadeias de distribuição e retalho impõem às micro
e PMEs das ITVC o esmagamento do valor do minuto, pago nas atividades de produção
em regime de subcontratação pura. Estes intermediários, com um número reduzido de
trabalhadores, funcionam como parasitas na cadeia de valor dos produtos e serviços, ab-
sorvendo uma parte importante do valor em detrimento das micro e pequenas empresas
que desenvolvem a atividade de produção. Entretanto, verificamos que os resultados das
grandes marcas crescem exponencialmente, com lucros superiores a centenas de milhões
de euros anuais. (FESETE, 2013, p. 82, grifos nossos).
Estamos dependentes de uma marca que não é portuguesa, isto é problemático. Ou seja,
são empresas que de um dia para outro podem fechar. E as trabalhadoras vivem uma ins-
tabilidade no emprego, às vezes elas têm mais férias do que trabalho, aí lançam mão do
seguro-desemprego. Quer dizer, trabalham se houver trabalho. Pegamos um exemplo de um
fornecedor: serviços como meter elásticos na roupa, meter botões. Os prazos são aperta-
dos. Se eu quero assumir o pedido, tenho que entregar no prazo e não quero assumir ar de
fraco. Mas quero expandir a minha empresa, eu vou dar a outros. Quando muito, também
quero ganhar um lucro. Aí surgem as empresas clandestinas, a Zara diz: nós não temos
nada a ver com isso. (Informante B).
São pequenas oficinas, mas os prazos têm de ser cumpridos. Então a saída é distribuir,
se eu tenho um pedido de 1.000 peças, eu ponho 200 aqui, 200 ali. Então se o primeiro
leva 4,5 euros, a pessoa a quem ele deu vai receber 4 euros ou 3,5. Nesse cenário, surgem
as empresas de vão de escada. Empresas que nasciam e desapareciam como cogumelos.
São empresas feitas no rés do chão das casas, nas garagens. E as pessoas não conseguem
perceber que ali está uma confecção. A própria estrutura empresarial que temos aqui na
região assenta-se em empregos precários, tudo muito precário, por causa da dependência,
as empresas não têm marca própria, não têm autonomia. (Informante C).
É preciso que se conheça de perto esta desgraça para que se tenha noção do quanto ela
é chocante: o cidadão, na busca por um emprego que lhe permita se alimentar e aos seus
filhos ou pais, aceita um trabalho duro e com alta carga horária. Assim ele já começa o
dia devendo ao patrão e não consegue deixar o trabalho porque não tem jamais condição
de pagar a dívida, que só aumenta. Fugir? Impossível! A escravidão é um crime contra a
humanidade. (CABRAL, 2013).
7 Conclusões
Ao longo dos últimos anos, o debate acerca da RSE passou a englobar a
defesa dos direitos fundamentais dos(as) trabalhadores(as) ao longo das ca-
deias produtivas globais. A deslocalização produtiva com foco nos mercados
laborais de custos menores formou o cenário para novas exigências éticas, tan-
to em relação às multinacionais como nas estratégias sindicais. Nesse cenário,
portanto, novas ferramentas foram criadas e chamaram atenção para os pro-
cessos de diálogo social entre empresas multinacionais e federações sindicais
internacionais. O ponto fundamental repousa nas diferenças das condições de
trabalho entre as matrizes das multinacionais e suas redes de subcontratação.
O conceito de “trabalho decente” é o eixo fundamental para a estrutu-
ração das novas ferramentas de RSE e forma a base normativa dos Acordos
Marco Internacionais (AMIs). A distinção repousa no fato de que os AMIs
são instrumentos negociados entre empresas e sindicatos e levam em conta
as convenções internacionais do trabalho. Portanto, os AMIs não dependem
de iniciativas unilaterais por parte das gerências de RSE. Os sindicatos, no
quadro das negociações coletivas, possuem papel central tanto nos processos
de criação como na implementação dos AMIs.
Com base na literatura e na pesquisa apresentada, pode-se afirmar, de um
lado, que o conceito de “trabalho decente” e suas diretrizes – liberdade sindi-
cal, proibição do trabalho escravo e infantil, entre outras – passa a fazer parte
das ferramentas contemporâneas de RSE, sobretudo com o desenvolvimento
das cadeias produtivas globais. Contudo, a formação dos AMIs deve ocorrer
com base em cláusulas que coíbam a precariedade do trabalho, sobretudo nos
elos finais das cadeias. No caso do setor têxtil e de confecções do vestuário,
os AMIs devem proibir a terceirização recorrente, fator central na formação
das fábricas do suor, ou empresas cogumelo, como no caso português. Nesse
sentido, não basta que as novas ferramentas privilegiem o “trabalho decente”
e suas normativas. O próprio modelo de gestão fast fashion, por se basear na
alta flexibilidade da mão de obra e prazos curtos de produção, torna-se vetor
da precariedade.
Contudo, em Portugal o AMI é resultado de uma parceria estabelecida
entre sindicatos regionais e gerência de RSE da multinacional. Por se basear na
dinâmica do diálogo social, o acordo tem impactos positivos na regulação do
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Abstract
The article discusses how the notion of decent work proposed by the International Labour
Organization (ILO) is present on corporate social responsibility programs since the development
of global commodity chains. Based on Economic Sociology Theory, discusses the formation of
the International Framework Agreements (IFA) involving the union leadership and enterprises to
create decent work in the supply chains. The empirical focus was the multinational Inditex fast
fashion retailier. Interviews have been made with social and economic actors in the production
chain in Portugal and Brazil. In conclusion, it is emphasized that the new corporate social
responsibility tools, such as IFAs, favor the guidelines of decent work. However, the survey
revealed that if there are no changes in the management of productive fast fashion retalier chain,
the IFA has little effectiveness in reducing sweatshops and precarious labour.
Keywords: Decent work. Corporate Social Responsibility. International Framework Agreements.
Global Commodity Chains.