Jorge Ribeiro Diacópulos - DISSERTAÇÃO
Jorge Ribeiro Diacópulos - DISSERTAÇÃO
Jorge Ribeiro Diacópulos - DISSERTAÇÃO
Campo Grande/MS
2022
JORGE RIBEIRO DIACÓPULOS
Campo Grande/MS
2022
COMUNIDADE QUILOMBOLA TIA EVA (CAMPO GRANDE/MS): MEMÓRIA,
ENSINO DE HISTÓRIA E EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA
BANCA EXAMINADORA
A minha família, em especial para a minha esposa Katiane, por ter estado presente e
dado todo o suporte junto aos nossos filhos quando minha ausência se fez necessária, você
soube compreender, apoiar, incentivar e, principalmente, se emocionar com essa trajetória. Eu
nunca esquecerei. A minha mãe, Rosemary, mulher de pouca escolaridade, mas muita
sabedoria, que sempre apoiou incondicionalmente os estudos do seu filho. Aos meus irmãos,
Mychelle e Victor, que sempre acompanharam meus passos nessa travessia. Sou grato pelo
carinho, afeto, amor e compreensão de todos nesses últimos dois anos, este trabalho pertence
a vocês.
E como a vida também nos presenteia com irmãos de coração, agradeço aquele que foi
diretamente responsável pelo meu ingresso neste mestrado. Quando eu já havia desistido de
fazer a prova do processo seletivo para o mestrado, em cidade distante cerca de 320 km de
onde moro, com uma filha recém-nascida, meu cunhado Luiz Antônio se dispôs a dirigir na
madrugada de sábado para domingo para que pudesse realizar a prova. Graças a sua
disposição e insistência, pude concretizar o sonho de fazer esse mestrado e por isso sou
eternamente grato.
Ao programa de Pós-graduação Stricto Sensu de Mestrado em Ensino de História
(PROFHISTÓRIA/UEMS), em especial aos professores do programa que contribuíram com
muitos ensinamentos, direcionamentos e incentivos, que serviram tanto para a trajetória como
pesquisador, quanto para a prática docente no ensino de História na educação básica. A
Capes, pelo auxílio financeiro oferecido, possibilitando custear despesas da pesquisa.
Aos colegas do mestrado, pela camaradagem e apoio mútuo no percurso do mestrado,
que foi seriamente afetado pelas restrições provocadas pela pandemia do novo coronavírus.
Mesmo diante de um convívio virtual, em praticamente todo o curso, procuramos nos
mantermos unidos e solidários uns aos outros.
A Associação Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus, presidida pelo
senhor Ronaldo Jeferson da Silva, que recebeu, autorizou e apoiou a realização desta
pesquisa. Agradeço também aos entrevistados no trabalho de campo, com destaque para as
contribuições do Seu Michel, do Seu Tuti (in memoriam), Dona Neuza, Dona Adair e Dona
Vânia Lúcia.
A banca de qualificação, composta pela Profa. Martha Abreu (UFF), uma referência
para a minha pesquisa, e pelo Prof. Diogo Roiz (UEMS). Sem dúvida, as contribuições de
ambos foram de suma importância para que a pesquisa fosse afinada no sentido de atingir os
objetivos propostos da melhor maneira possível. Foi uma honra tê-los na minha banca.
A minha orientadora, Profa. Manuela Areias, minha eterna gratidão e admiração. Na
primeira conversa entre nós, ocorrida no intervalo da aula inaugural do mestrado, na qual
apresentei algumas vagas intenções de pesquisa, tive a certeza de quem eu gostaria que fosse
a orientadora da pesquisa, tive sorte em ter sido aceito pela senhora tempo depois dessa
conversa. Por meio de suas mãos, fui introduzido a novas leituras e discussões, que
despertaram minha predileção com as temáticas correlacionadas com o objeto de pesquisa.
Foram inúmeras reuniões virtuais, incontáveis versões de projeto e texto de dissertação,
valiosas e minuciosas correções e sugestões para a pesquisa. Em meio ao processo, sua
disciplina Ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira, teve relevante
contribuição para a minha prática docente. Obrigado pela sensibilidade, disponibilidade,
espírito aberto ao diálogo, segurança, profissionalismo e paciência. Sei que não foi tarefa
simples orientar um mestrando que estava tanto tempo afastado da academia, defasado em
relação aos ritos metodológicos, escrita científica, entre outros. Guardarei sempre na memória
todos os seus ensinamentos e exemplos, obrigado por tudo.
DIACÓPULOS, Jorge Ribeiro. Comunidade Quilombola Tia Eva (Campo Grande/MS):
Memória, Ensino de História e Educação Antirracista. 2022. 150f. Dissertação (Mestrado
Profissional em Ensino de História - PROFHISTÓRIA) - Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul, Campo Grande/MS, 2022.
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo discutir o protagonismo negro e quilombola no estado
de Mato Grosso do Sul, com enfoque na Comunidade Quilombola Tia Eva, localizada no
município de Campo Grande. Para tanto, foram realizadas entrevistas em trabalho de campo,
enfatizando as memórias e as narrativas de seus moradores, que resultaram na criação de um
website, hospedado no endereço: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br.
Pretendeu-se por meio desse instrumento pedagógico alcançar o professor de História e o
estudante da educação básica primordialmente, mas também o público em geral, de modo a
contribuir para o reconhecimento e a valorização do protagonismo da Comunidade
Quilombola Tia Eva no ensino de História, destacando sua relevância histórica e cultural na
genealogia do município de Campo Grande. O website é composto por dez seções, dispostas
com imagens e títulos, que funcionam como hiperlinks de conexão ao conteúdo das
respectivas páginas. Tais seções abrangem a formação histórica da comunidade, o patrimônio
histórico material e imaterial, as memórias do protagonismo e da liderança exercida por tia
Eva, a trajetória das comunidades quilombolas em Mato Grosso do Sul, a divulgação de
pesquisas, publicações e produções audiovisuais sobre a comunidade, o acesso à visitação
virtual na comunidade e ao jogo virtual em formato de quiz, além de sugestões de planos de
aula para a utilização do website no ensino de História. Cabe ressaltar que esta pesquisa vai ao
encontro das demandas presentes na Lei 10.639, de 2003, e nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana, de 2004, que orientam o ensino de História a abranger, entre outras
temáticas, a história e as manifestações culturais das associações que se identificam como
organizações negras, como as comunidades remanescentes de quilombos, evidenciando parte
da história local.
ABSTRACT
The present research had as objective and contestant the black quilombola protagonism in the
state of Mato Grosso do Sul, focusing on the Quilombola Tia Eva Community, located in the
municipality of Campo Grande. For that, interviews were carried out in field work,
emphasizing both memories and narratives, which resulted in the creation of a website, hosted
at the address: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br. It is intended, through this
pedagogical instrument, to reach the History teacher and the basic education student
primarily, but also the public in a way to contribute to the recognition and appreciation of the
protagonism of the Quilombola Tia Eva Community in teaching, highlighting its History and
culture in the genealogy of the municipality of Campo Grande. The website is composed of
ten, has images and titles, which work as hyperlinks connecting the content of the exclusive
pages. Such historical actions of the work community and historical heritage, cover the
historical formation and the community of the South, the historical formation of research,
publications and audiovis on the formation of Mato Grosso. community, access to the virtual
visitation in the community and the virtual game in the form of a quiz, in addition to
suggestions for lesson plans for using the website in the history website. It should be noted
that this research meets the demands present in Law 10,639, of 2003, and in the National
Curriculum Guidelines for the Education of Ethnic-Racial Relations for the Teaching of Afro-
Brazilian and African History and Culture, of 2004, which guide the History of History
covering, among other topics, cultural manifestations of associations that identify themselves
as black organizations, as remnants of quilombos, highlighting part of the local history.
KEYWORDS: Teaching History. Memory spaces. Anti-racist education. Law No. 10.639/03.
Quilombola community.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Tia Eva, seu Adão e as três filhas na migração para Campo Grande ...................... 67
Figura 2 - A imagem de São Benedito que veio com a tia Eva para Campo Grande ............... 72
Figura 3 - A igreja de São Benedito ......................................................................................... 73
Figura 4 - Busto de Eva Maria de Jesus ................................................................................... 74
Figura 5 - Localização das igrejas de São Benedito (Tia Eva) e Nossa Senhora do Rosário e
São Benedito ............................................................................................................................. 75
Figura 6 - Árvore genealógica parcial da Comunidade Quilombola Tia Eva .......................... 77
Figura 7 - Túmulo de Eva Maria de Jesus no interior da igreja de São Benedito .................... 80
Figura 8 - Programação da 93ª Festa de São Benedito ............................................................. 83
Figura 9 - Mastro de São Benedito ........................................................................................... 85
Figura 10 - Procissão de São Benedito ..................................................................................... 86
Figura 11 - Área cedida para realização do torneio de futebol amador Tia Eva ...................... 88
Figura 12 - Quadro geral da Festa de São Benedito de Tia Eva............................................... 89
Figura 13 - Danos no forro da igreja de São Benedito ............................................................. 91
Figura 14 - Danos nas alvenarias internas da igreja de São Benedito ...................................... 92
Figura 15 - Projeto de restauração da igreja de São Benedito .................................................. 93
Figura 16 - Cartaz de divulgação do curso "Políticas Públicas e Comunidades Quilombolas
em Mato Grosso do Sul"......................................................................................................... 100
Figura 17 - Registro do domínio do website sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva ....... 101
Figura 18 - Etapas de construção do website.......................................................................... 102
Figura 19 - Página inicial do Website (Parte superior) ........................................................... 103
Figura 20 - Banner do Website .............................................................................................. 104
Figura 21 - Barra de Menu do Website ................................................................................... 105
Figura 22 - Seção 1: Localização e formação......................................................................... 106
Figura 23 - Seção 2: Memórias de tia Eva ............................................................................. 107
Figura 24 – Conteúdo parcial da seção “Memórias de “tia Eva”” ......................................... 109
Figura 25 - Seção 3: Igreja de São Benedito .......................................................................... 109
Figura 26 - Seção 4: Festa de São Benedito ........................................................................... 110
Figura 27 - Conteúdo parcial do histórico da Festa de São Benedito, localizado na seção
“Festa de São Benedito” ......................................................................................................... 111
Figura 28 - Conteúdo parcial das principais etapas da celebração da Festa de São Benedito,
localizada na seção "Festa de São Benedito" ......................................................................... 112
Figura 29 - Seção 5: Comunidades Quilombolas em Mato Grosso do Sul ............................ 113
Figura 30 - Tabela com os nomes das comunidades e respectivas regiões onde estão inseridas,
localizada na seção "Comunidades Quilombolas em MS" ..................................................... 114
Figura 31 - Seção 6: Sugestões didáticas................................................................................ 114
Figura 32 - Seção 7: Passeio virtual 360º ............................................................................... 115
Figura 33 - Passeio virtual em 360º, no interior da igreja de São Benedito ........................... 116
Figura 34 - Seção 8: Teste seus conhecimentos jogando ....................................................... 117
Figura 35 - Informativos sobre o jogo virtual da Comunidade Quilombola Tia Eva ............. 118
Figura 36 - Tela de introdução ao jogo virtual da Comunidade Quilombola Tia Eva ........... 119
Figura 37 - Tela do tabuleiro do jogo virtual ......................................................................... 120
Figura 38 - Tela da roleta do jogo virtual ............................................................................... 120
Figura 39 - Primeira questão do jogo virtual .......................................................................... 121
Figura 40 - Quadro geral das etapas do jogo virtual............................................................... 122
Figura 41 - Seção 9: Pesquisas e publicações sobre a comunidade ....................................... 122
Figura 42 - Seção 10: Vídeos sobre a comunidade ................................................................ 123
Figura 43 - Página inicial do website (parte inferior)............................................................. 124
Figura 44 – Localização das estações do conhecimento ........................................................ 141
LISTA DE MAPAS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
CAPÍTULO I - A LEI 10.639/03 COMO AGENDA ANTIRRACISTA: IMPACTOS E
DESAFIOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA .................................................................. 25
CAPÍTULO II - COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO BRASIL E EM MATO
GROSSO DO SUL .................................................................................................................. 43
CAPÍTULO III - FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA
TIA EVA.................................................................................................................................. 62
CAPÍTULO IV – O QUILOMBO DA TIA EVA POR MEIO DE UM WEBSITE:
ENSINO DE HISTÓRIA, TECNOLOGIAS DIGITAIS E MEMÓRIA ........................... 94
4.1 O processo de construção do Website ......................................................................... 95
4.2 Apresentação do Website: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br/ .. 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 125
FONTES ................................................................................................................................ 129
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 131
ANEXO .................................................................................................................................. 137
APÊNDICES ......................................................................................................................... 139
INTRODUÇÃO
1
Este projeto de pesquisa irá utilizar “tia Eva” quando se referir a pessoa Eva Maria de Jesus, enquanto que “Tia
Eva” será utilizado em referência a Comunidade Quilombola.
16
dimensão propositiva, pois estabelece relação direta com o ensino de História e a comunidade
a ser pesquisada.
A delimitação do objeto a ser pesquisado e a proposta de oferecer um instrumento
pedagógico que possa contribuir para a educação básica levantam a seguinte questão
norteadora: como as memórias e a história da Comunidade Quilombola Tia Eva podem ser
trabalhadas e valorizadas no ensino de História?
Para atingir a dimensão propositiva, essa pesquisa resultará na produção de um
website 2, cujo endereço de domínio é: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br,
direcionado aos docentes de História no ensino básico, servindo como instrumento de
visibilidade das memórias e da história da Comunidade Quilombola Tia Eva para o público
em geral na internet. Situar o foco de estudos sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva se
justifica pelo dever da memória e da reparação histórica. O resultado obtido ao longo do
percurso, desenvolvido no PROFHISTÓRIA, propiciará um novo instrumento pedagógico
que contribuirá para o ensino dessa disciplina. Ensinar a história e cultura dessa comunidade
se constitui em uma política de reparação no ensino, oferecendo um lugar de visibilidade,
reconhecimento e valorização, em consonância com as demandas apresentadas na Lei nº
10.639/03 e nas “Diretrizes Curriculares Nacionais das Relações Étnico-Raciais”, de 2004.
Quanto aos motivos que me levaram a desenvolver esta pesquisa com foco na
Comunidade Quilombola Tia Eva, cabe aqui ressaltar meu lugar de fala 3 nesta dissertação.
Sou negro, nasci na periferia de Campo Grande/MS, estudei em escolas públicas e me graduei
na UCDB. Atuo como professor de História há vinte anos, leciono em estabelecimentos de
ensino privado e público, em diferentes níveis de escolaridade, que vão dos anos finais do
ensino fundamental até o ensino médio. Por toda essa trajetória, seja como estudante da
educação básica ou na formação como professor de História, pude constatar o silenciamento
em torno da relevância histórica e cultural da tia Eva.
Desde que iniciei à docência em História, as temáticas das relações étnico-raciais
sempre tiveram uma maior predileção, por envolverem questões relacionadas a minha
identidade negra. Entretanto, a realização de práticas didáticas em sala de aula que envolviam
a História da África e Cultura Afro-brasileira esbarravam na falta de materiais didáticos, bem
como na lacuna deixada na graduação, que não contemplava esses assuntos no currículo de
formação de professores de História, seja em disciplinas obrigatórias ou optativas.
2
Website (também conhecido por “site” ou sítio) é o conjunto de páginas web (lugar na internet) num
determinado endereço. Logo, quando falamos “website”, estamos falando de um “lugar na rede” (MORAIS,
Carlos Tadeu Queiroz de; LIMA, José Valdeni de; FRANCO, Sérgio R. K. Conceitos sobre Internet e Web.
Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2012).
3
Lugar de fala é um conceito com múltiplas origens e usado em diferentes contextos. Na análise do discurso, é
utilizado por autores influenciados pela vertente francesa, como Pierre Bourdieu, Michel Foucalt, Judith Butler
e Eni Orlandi. Estes autores falam das relações de poder presentes nos diferentes tipos de discurso de acordo
com seus enunciadores, e a posição ocupada enquanto o discurso é enunciado. No Brasil, o termo foi
popularizado pela filósofa negra Djamila Ribeiro (2017), em seu livro O que é um lugar de fala? Segundo a
autora, embora não negue o aspecto individual, o lugar de fala confere ênfase ao lugar social ocupado pelos
sujeitos numa matriz de dominação e opressão, dentro das relações de poder, ou seja, as condições sociais que
autorizam ou negam o acesso de determinados grupos a lugares de cidadania.
18
Minha formação na graduação em História ocorreu entre os anos de 1999 e 2002, pela
UCDB. Mesmo a universidade estando geograficamente muito próxima da comunidade, há
cerca de três quilômetros de distância, estudei todos esses anos sem conhecer a história ou ter
algum contato de pesquisa ou trabalho de campo com a Comunidade Quilombola Tia Eva.
O meu primeiro contato com a Comunidade Quilombola Tia Eva ocorreu no ano de
2007, já como docente de História na educação básica. Naquela ocasião, a Secretaria
Municipal de Educação (SEMED), por meio do núcleo de formação continuada em história,
promoveu uma aula de campo com os professores na comunidade. O objetivo dessa formação
era pensar como a história e o patrimônio cultural da comunidade poderiam ser direcionados
ao ensino. A partir dessa experiência, no ano seguinte, participei de um projeto pedagógico
interdisciplinar intitulado “Diálogos sobre reconhecimento, valorização e diversidade”, que
integrava as disciplinas de História, Língua Portuguesa e Arte. O público-alvo foram os
discentes do oitavo ano do ensino fundamental da Escola Municipal Prof. Múcio Teixeira
Júnior, que tinham em seu currículo escolar noções, conceitos e habilidades relacionadas ao
ensino de História local e a Educação Patrimonial.
O projeto se iniciou com a pesquisa sobre os quilombos no Brasil, com o objetivo de
produzir um verbete sobre a escravidão e resistência dos escravizados. Após o período de
pesquisa e apresentações dos trabalhos, o projeto culminou em uma visita à Comunidade
Quilombola Tia Eva. Na visita, os alunos conheceram a igreja de São Benedito 4 e
conversaram com Seu Sérgio Antônio da Silva, popularmente conhecido como Seu Michel, e
ouviram as memórias do bisneto da tia Eva. Nesses diálogos, foi possível perceber que muitos
deles desconheciam a existência de uma comunidade quilombola em sua cidade, ficaram
surpresos e sensibilizados com as histórias narradas. Após esse encontro, o projeto
pedagógico terminou com a exposição dos trabalhos produzidos pelos alunos, que atuaram
como multiplicadores dessa experiência.
A invisibilidade da comunidade no ensino de História local, somada à falta de
materiais didáticos para o ensino dessa temática, foi a grande motivação pela escolha da
Comunidade Quilombola Tia Eva como objeto de pesquisa. Considerando a escassez de
trabalhos que abordam a temática, sobretudo no âmbito do ensino de História, a presente
pesquisa e seus desdobramentos pretende oferecer, por meio do website, um instrumento
pedagógico que colabore para o reconhecimento e valorização da história da comunidade.
Além disso, esse instrumento pode promover um sentimento de pertencimento dos estudantes
negros e quilombolas, contribuindo para o fortalecimento e afirmação identitária dos alunos e
das alunas sul-mato-grossenses.
A historiadora Hebe Mattos defende que “[...] dizer-se negro ainda é basicamente
assumir a memória da escravização inscrita na pele de milhões de brasileiros. Essa é a base
que empresta consciência histórica à discussão sobre políticas de ação afirmativa no Brasil”
(MATTOS, 2006, p. 111). Nesta perspectiva, o ensino de História pode ser um importante
4
Foi tombada pelo decreto municipal nº 3523, de 15 de junho de 1996. Dois anos depois, o Estado de Mato
Grosso do Sul realizou o tombamento da igreja de São Benedito por meio da Resolução/SECE, de 07 de maio
de 1998.
19
No caminho para Campo Grande, tia Eva, ainda com a ferida na perna que não
cicatrizava, fez uma promessa a São Benedito: caso ele a curasse, construiria no
lugar de moradia uma igreja em homenagem ao santo, como relata Seu Otávio
Gomes de Araújo: “Ela tinha uma ferida muito grande na perna, e aquela ferida
ficou crônica. Aí ela fez uma promessa: lá em Mato Grosso, quando eu chegar, eu
vou me instalar, se eu sarar dessa perna, eu vou fazer uma capela de São Benedito.
Ela era devota de São Benedito” (PLÍNIO DOS SANTOS, 2010, p. 164).
Considerando que a comunidade foi fundada com base na tradição oral e tendo em
conta a escassez de fontes e documentos escritos relacionados ao objeto e recorte temporal
5
Em trabalho de campo realizado na comunidade, entre o final de 2020 e início de 2021, alguns descendentes
que foram entrevistados se referem à igreja de São Benedito como “igrejinha”. Esse termo assume uma
conotação afetuosa nas entrevistas, além do fato de a igreja possuir dimensões modestas (cerca de 29 metros
quadrados) em comparação a outras edificações religiosas da cidade.
6
O projeto de Lei nº 9.333/19 instituiu no calendário oficial do município de Campo Grande a festa de São
Benedito, comemorada anualmente na segunda semana do mês de maio, com duração de dez dias consecutivos.
20
desta pesquisa, a memória coletiva terá papel fundamental na investigação da trajetória de tia
Eva e a fecunda comunidade que se desenvolveu em seu entorno. As memórias e narrativas
dos membros da comunidade serão os “fios condutores” para a construção do website.
A questão das fontes (ausência muitas vezes) não pode constituir obstáculos. A
memória do campesinato negro e a organização de milhares de micro-sociedades são
reveladoras destas simbioses e conexões das várias experiências pretéritas dos
quilombolas entrelaçadas com migrações, doações e práticas costumeiras de acesso a
terra no pós-abolição (YABETA; GOMES, 2013, p. 110).
pesquisa e seus desdobramentos voltados para o ensino de História, pude perceber uma boa
recepção naquele momento, já que a comunidade enuncia sua relevância histórica e se articula
em favor de políticas públicas. Nesse sentido, a pesquisa poderia contribuir para promover a
visibilidade, reconhecimento e valorização em um outro campo.
Tão logo obtive a autorização para a realização da pesquisa de campo, assim como a
permissão para o registro do domínio do website por parte da associação, iniciei os primeiros
contatos para a realização de entrevistas. As entrevistas foram realizadas seguindo roteiro
prévio de perguntas 7. Em ressalva, é mister destacar que parte dessas perguntas seguiram os
roteiros propostos nas Fichas do Inventário 8, elaborados e publicados pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Os indivíduos que foram entrevistados
validaram um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual foram apresentados os
objetivos da realização da entrevista. Em nota, e para devidos esclarecimentos, o protocolo de
biossegurança estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) foi adotado como
medida de saúde coletiva. As entrevistas, previamente agendadas, foram realizadas com
distanciamento social, uso de máscaras, higienização das mãos com o uso de álcool em gel,
em virtude na pandemia do novo coronavírus.
A escolha dos entrevistados por esta pesquisa, limitado ao número de seis pessoas em
virtude da pandemia do novo coronavírus, ocorreu de acordo com a disponibilidade e
disposição do entrevistado com a pesquisa, obedecendo três critérios metodológicos. O
primeiro era o maior grau de parentesco com tia Eva, no qual se encaixaram os bisnetos Seu
Michel, Seu Otávio Gomes de Araújo (in memoriam) e Dona Adair Jerônima e a tataraneta
Dona Neuza Jerônima. O segundo critério foi a liderança política no interior da comunidade,
exercida na figura do presidente da associação, o senhor Ronaldo Jeferson, enquanto o
terceiro método foi entrevistar alguém da comunidade que se relacionasse com a educação, no
qual se condisse Dona Vânia Lúcia, graduada em História e coordenadora pedagógica da
Escola Estadual Antonio Delfino Pereira, localizada na comunidade. A realização das
entrevistas teve como objetivo a coleta de memórias sobre o protagonismo e liderança de tia
Eva que pudessem subsidiar a criação do website.
Para Michael Pollak (1989), o campo da memória é marcado por disputas, conflitos e
competição. De acordo com Pollak, esse cenário ocorre com mais frequência nas relações
entre a sociedade englobante e grupos minoritários, entre memória oficial e dominante e as
memórias subterrâneas. Em meio a esse cenário de disputas, as memórias sobre o
protagonismo da tia Eva, que durante muito tempo foram silenciadas, ganharam um
importante impulso na direção do reconhecimento e da valorização partir da Lei nº 10.639/03.
Sobretudo depois de 2003, pesquisas em diferentes campos procuraram dar visibilidade às
7
Disponível no anexo e no apêndice.
8
A metodologia adotada para a construção das entrevistas seguem os roteiros propostos nas Fichas do
Inventário, categoria “Celebrações”, que constam no Manual de Aplicação de Educação Patrimonial para o
Programa Mais Educação, elaborado e publicado em 2013 pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), p. 25-29.
22
9
Interface significa comunicação. Desta forma, seu objetivo é realizar uma conexão entre dois elementos que,
diretamente, não poderiam se conectar. Por exemplo, quando utilizamos um computador, estamos diante de
uma interface que interage entre o sistema operacional e os comandos realizados pelo usuário.
10
O hiperlink ou hiper ligação é um elemento contido em uma página da web que faz a referência a outro texto,
outra página ou outra seção. O hiperlink se apresenta como elemento clicável, que faz a ligação de um lugar a
outro.
24
11
Quiz é o nome de um jogo de questionários, que tem como objetivo fazer uma avaliação dos conhecimentos
sobre um determinado assunto. O quiz sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva será virtual, estando alocado
em uma das seções da página sobre a comunidade.
12
O endereço virtual do site da comunidade já teve o seu domínio registrado. A utilização do nome da
comunidade contou com a autorização da Associação Beneficente dos Descendentes de Tia Eva. O endereço
registrado na web é: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br.
25
[...] uma história que partisse da mistura das três raças para explicar a formação da
nacionalidade brasileira, ressaltando o elemento branco e sugerindo um possível
branqueamento como caminho seguro para a civilização. Uma vez produzida, essa
história deveria ser conhecida por todos e a melhor maneira de fazê-lo seria pela
escola (FONSECA, 2006, p. 46).
Desde o período colonial, as cores hierarquizavam não apenas livres e escravos, mas
uma crescente população livre descendente de antigos escravizados que se
alforriavam das mais diversas maneiras. Silenciar sobre elas foi uma das formas
históricas encontradas para tentar negar essas hierarquias (2008, p. 10).
A escola e o ensino de História foram espaços onde o “mito da democracia racial” foi,
de acordo com Lourival dos Santos (2019), repetido à exaustão. Desde as séries iniciais até o
final da educação básica, tal narrativa reforçava a ideia de harmonia no processo de formação
da sociedade brasileira, difundindo a ideia de que no Brasil a sociedade é aberta para todas as
culturas, sendo livre de tensões raciais observadas em outros países. Segundo Santos, “[...] a
percepção que temos de nossa história é de um colonizador branco ativo que toma a iniciativa
da empreitada civilizadora e que enfrenta a resistência de índios perigosos e de negros
rebeldes, ambos preguiçosos, indolentes” (2019, p. 146).
Para Santos, a repetição do “mito da democracia racial” no ensino de História
contribuiu para a negação do racismo em relação ao negro e reforçou estereótipos. De acordo
com Gomes, o “mito da democracia racial” pode ser entendido como uma corrente ideológica,
construída com a finalidade de negar o racismo e perpetuar estereótipos, preconceitos e
discriminações.
O mito da democracia racial pode ser compreendido, então, como uma corrente
ideológica que pretende negar a desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil
como fruto do racismo, afirmando que existe entre estes dois grupos raciais uma
situação de igualdade de oportunidade e de tratamento. Esse mito pretende, de um
lado, negar a discriminação racial contra os negros no Brasil, e, de outro lado,
perpetuar estereótipos, preconceitos e discriminações construídos sobre esse grupo
racial. Se seguirmos a lógica desse mito, ou seja, de que todas as raças e/ou etnias
existentes no Brasil estão em pé de igualdade sócio racial e que tiveram as mesmas
oportunidades desde o início da formação do Brasil, poderemos ser levados a pensar
que as desiguais posições hierárquicas existentes entre elas devem-se a uma
incapacidade inerente aos grupos raciais que estão em desvantagem, como os negros
e os indígenas. Dessa forma, o mito da democracia racial atua como um campo fértil
para a perpetuação de estereótipos sobre os negros, negando o racismo no Brasil,
mas, simultaneamente, reforçando as discriminações e desigualdades raciais
(GOMES, 2005, p. 57).
Inglaterra, a denominada “história vista de baixo” proposta por Edward P. Thompson, que
ressaltava a valorização, percepção e atuação dos indivíduos nos processos históricos; a
Micro-história italiana, representada, principalmente, por Giovanni Levi e Carlo Ginzburg,
pautada na análise de elementos históricos em escala reduzida, com o objetivo de realizar a
compreensão de um panorama mais amplo a partir dessa escala de análise; a História Social
do sul dos Estados Unidos, a partir dos trabalhos de Hebert Gutman e Eugene Genovese, que
analisaram as ações autônomas dos escravizados no âmbito da vida familiar e cultural.
No contexto da renovação de estudos sobre a escravidão, abolição e pós-abolição,
questionou-se a história hegemônica, impulsionando a realização de pesquisas, artigos,
dissertações e teses em diálogo com uma bibliografia estrangeira. De acordo com Anderson
Oliva, o referido processo de mudanças, também apontadas por Areias Costa (2018),
ocorreram nas duas últimas décadas do século XX.
Se num primeiro momento a nova história a ser ensinada nas escolas apoiava-se
teoricamente no materialismo histórico – e o momento político favoreceu, sem
dúvida, essa escolha -, logo no final dos anos 80 e início dos 90 a historiografia
brasileira acelerava um significativo processo de renovação, expondo a influência
cada vez mais nítida da chamada “nova história” (FONSECA, 2006, p. 65).
também partiu de pressões do Movimento Negro contra narrativas racistas. De acordo com
Pereira e Roza, a renovação evidenciou
Além das mudanças no ensino de História com base nas novas tendências da
historiografia, os anos 1990 foram marcados por uma agenda social demandada por diversos
movimentos ocorridos no país, como os movimentos indígena e negro, que reivindicavam um
ensino com respeito à diversidade cultural e histórica. Assim, as políticas educacionais do
Brasil foram impactadas, a partir desta década, com a promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996. “Constata-se que houve mudanças
significativas pela introdução de novos conteúdos históricos com base em seu compromisso
de formação de uma cidadania democrática” (BITTENCOURT, 2018, p. 142).
A partir das pautas de reivindicação dos movimentos sociais e com a renovação da
historiografia da escravidão e do pós-abolição, questões que envolvem a educação das
relações étnico-raciais começaram a ser discutidas e percebidas no ensino de História. Esse
processo teve como base metodológica ouvir as memórias dos indivíduos colocados à
margem da história, na tentativa de reconhecer uma identidade, valorizando manifestações e
protagonismos próprios de uma cultura que se formou no período escravista, mas que não
deixou de existir no período pós-abolição. O ensino de História assumiu, nesse momento, uma
posição importante e desafiadora pois, “tocar no campo dos valores, das identidades, mexe
com questões delicadas e subjetivas e nos leva a refletir sobre diversos temas presentes no
campo educacional” (GOMES, 2005, p. 149).
Silva argumentou que a educação das relações étnico-raciais é uma temática que não
só interessava ao negro, mas a toda a sociedade em geral. De acordo com a autora
a educação das relações étnico-raciais, pois, tem papel vital na construção das
sociedades democráticas que visam garantir, a todos os grupos sociais, iguais
direitos, poder e autoridade. Para tanto, é indispensável, a cada cidadã e cidadão,
conhecer e valorizar as histórias e culturas dos povos que originaram e têm
consolidado as nações (SILVA, 2013, p. 9).
Amílcar Araújo Pereira argumentou que a introdução da educação das relações étnico-
raciais no ensino não estava pautada na desconstrução de estereótipos para a imposição de
outros, mas sim na perspectiva de uma pedagogia multicultural e pluriétnica. Segundo o autor,
positiva com a pluralidade cultural, para que seja possível a construção de uma
“autêntica democracia racial” (2012, p. 116).
O primeiro passo na consolidação dessa temática no ensino de História foi a lei federal
nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que alterou a LDB de 1996, com acréscimo dos artigos 26-
A, 79-A e 79-B (BRASIL, 2003a). O primeiro artigo dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino
de História e Cultura Afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares. Este dispositivo legal apresenta dois parágrafos orientativos: um deles
deixa claro que os conteúdos referentes a temática da lei devem ser ministrados no âmbito de
todo o currículo escolar, em especial na disciplina de História. Já o outro parágrafo delimita
que o conteúdo programático deve incluir:
[...] o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil (BRASIL, 2003a).
Antes de ser sancionada, a lei sofreu dois vetos no que se referia ao conteúdo do artigo
79-A. De acordo com Márcia Moreira Pereira e Maurício Silva (2012), o primeiro veto foi em
relação ao quantitativo de dez por cento do conteúdo programático anual à temática africana e
afro-brasileira, o argumento para o veto foi que este percentual era inconstitucional. Já o
segundo veto, “[...] relacionava-se à proposta referente aos cursos de capacitação para
professores, que deveriam contar com a participação de entidades do movimento afro-
brasileiro, das universidades e outras instituições de pesquisa” (PEREIRA; SILVA, 2012, p.
8). O veto sobre esse dispositivo considerou que o artigo continha matéria estranha ao seu
objeto, ou seja, o artigo mencionava cursos de capacitação dentro da LDB, que não faziam
nenhuma menção em seu conteúdo sobre a capacitação para professores.
32
A Lei 10.639/03 levou cerca de cinco anos, entre tramitações em comissões da Câmara
dos Deputados e Senado Federal, para ser sancionada. O projeto de Lei nº 259 de 1999 que
originou a alteração na LDB apresentava como justificativas
Segundo Sales Augusto dos Santos (2005, p. 34), “a lei federal, simultaneamente,
indica uma certa sensibilidade às reivindicações e pressões históricas dos movimentos negro e
antirracistas brasileiros, como também indica uma certa falta de compromisso vigoroso na sua
execução”. A principal crítica de Santos (2005), foi em relação à falta de obrigatoriedade dos
cursos de graduação, em especial no campo da licenciatura, para preparar os professores da
educação básica a lecionar a temática determinada pela lei. Desta forma, esta seria uma
dificuldade para a implementação da lei no ensino de História, uma vez que na visão de
Santos (2005) a responsabilidade para a implementação da lei recaía exclusivamente sobre os
professores e gestores das instituições de ensino.
De acordo com José Ricardo Oriá Fernandes (2005), a Lei nº 10.639/03 representou
um grande avanço para o ensino de História no Brasil, pois foi pensada na perspectiva da
pedagogia multicultural, com respeito à diversidade étnica e cultural do país. Por outro lado,
Fernandes (2005) também identificou gargalos que dificultam a implementação da normativa
no ensino. Para o autor, a maioria dos docentes não são preparados adequadamente para
lecionar temáticas relacionadas à História da África e da Cultura Afro-brasileira, assim como
faltam materiais pedagógicos que possam dar o suporte para o processo de ensino-
aprendizagem dessa temática.
Para Anderson Ribeiro Oliva (2003), as mudanças na historiografia e no ensino de
História não se refletiram nas temáticas relacionadas à História da África. Para o autor, um
dos obstáculos para a inserção dessa temática no ensino está na formação de professores, pois
muitos cursos de graduação não possuem disciplinas sobre a referida temática. Para a
superação desses problemas, Oliva argumenta ser necessário,
pela História do Continente que o Atlântico nos liga. Talvez assim, em um esforço
coletivo, as coisas tendam a mudar (OLIVA, 2003, p. 456).
Segundo Munanga (2015), o 13 de maio de 1888 é uma data histórica importante, mas
que apresenta uma certa ambiguidade. De um lado a Lei Áurea aboliu a escravidão no campo
jurídico, mas não materializou a inclusão social do liberto. “Por isso o Movimento Negro
investe hoje na data de 20 de novembro, que tem a ver com o processo de mudança”
(MUNANGA, 2015, p. 28). De acordo com Domingues, o 13 de maio de 1888 possui
múltiplos significados e sentidos. O autor argumenta que se a abolição não conferiu ao negro
a cidadania plena, a data passou a orientar “[...] as ações de muitos negros, conferindo sentido
à sua vida cotidiana, aos seus mitos, ritos e ideais” (2011, p. 42). Assim, mesmo diante da
ação do Movimento Negro em estabelecer o 20 de novembro como data cívica, diversas
comunidades, como o exemplo da Comunidade Quilombola Tia Eva, realizam festas e
comemorações no 13 de maio.
O estabelecimento de datas cívicas, como o 20 de novembro, como instrumento para
construção de uma identidade encontra uma série de críticas. Uma delas, de Pereira e Roza
(2012), considera que a abordagem da História e Cultura Afro-brasileira somente em datas
comemorativas ajuda a reforçar estereótipos. Para evitar isso, Abreu e Mattos, sugerem que as
datas comemorativas, como o 20 de novembro (Dia da Consciência Negra no Brasil), o 13 de
maio (Dia da Abolição da Escravatura no Brasil) ou o 21 de março (Dia Internacional contra a
Discriminação Racial) sejam abordadas de maneira a:
13
De acordo com Petrônio Domingues (2007), a data da morte de Zumbi de Palmares, ocorrida em 20 de
novembro de 1695, passou a ser utilizada como marco simbólico da luta coletiva da população negra no Brasil
em 1971, no Rio Grande do Sul com o Grupo Palmares. Com a criação do Movimento Negro Unificado
(MNU), em 1978, ocorreu o processo de nacionalização da data pelo movimento negro como dia de reflexão
e/ou protesto, substituindo o 13 de maio (dia da assinatura da Lei Áurea em 1888) como efeméride de luta e
resistência da população afro-brasileira.
34
Partindo do exposto acima, nem mesmo a abolição da escravatura criou condições para
inclusão social do liberto. Para Abreu e Mattos (2008), a Lei Áurea de 1888 encerrava a
história de um povo que passou por silenciamentos e apagamentos no período do pós-
abolição. Em razão disso, Florestan Fernandes (1955) defendeu ser necessária uma “segunda
abolição” no país. Enquanto a “primeira abolição” libertou o negro da escravidão, a segunda
consistia na inclusão do negro na sociedade por meio do acesso à educação 14. Nesse sentido, o
Movimento Negro, sob influência da Escola Paulista de Sociologia, passou a defender que a
educação seria a forma de superação das desigualdades sociais no Brasil, configurando o que
Fernandes (1955) definiu como “segunda abolição”.
A valorização da educação formal foi uma das várias técnicas sociais empregadas
pelos negros para ascender de status. Houve uma propensão dos negros em valorizar
a escola e a aprendizagem como um “bem supremo” e uma espécie de “abre-te
sésamo” da sociedade moderna. A escola passou a ser definida socialmente pelos
negros como um veículo de ascensão social [...] o Jornal Quilombo, dirigido pelo
intelectual e militante negro Abdias do Nascimento, já indicava a necessidade de
educação formal para os negros como uma condição necessária à superação da
exclusão socio-racial a que estavam submetidos (SANTOS, 2005, p. 21).
14
No Brasil, desde o período colonial, o estado sempre permitiu, fomentou e legitimou legislações que
dificultaram e proibiram o acesso e a permanência das populações negra e indígena no sistema educacional.
Destacam-se o Decreto nº 1.331/1854, que não admitia negros/as na escola, e o Decreto nº 7.031/1878, que só
permitia a essa população estudar no período noturno (MOCELIN; GROSSI, 2020, p. 231).
35
em seu interior, nesse contexto houve a denúncia do “mito da democracia racial”. Na “Carta
de Princípios” do Movimento Negro Unificado (MNU) de 1978 havia importante demanda do
movimento: “[...] a luta pela reavaliação do papel do negro na história do Brasil” (PEREIRA,
2012, p. 113).
De acordo com Domingues (2007), a demanda do Movimento Negro, citada no
parágrafo anterior, foi construída na terceira fase de sua história, ocorrida entre o final da
década de 1970 e os anos 2000. Para Domingues,
15
Artigos 275 e 288 da Constituição do Estado da Bahia, de 05 de outubro de 1989.
16
Lei Orgânica do município de Belo Horizonte, de 21 de março de 1990.
17
Lei nº 6.889 do município de Porto Alegre, de 5 de setembro de 1991.
18
Lei nº 7.685 do município de Belém, de 17 de janeiro de 1994.
36
Aracajú 19 em 1994, São Paulo 20e Brasília 21 em 1996 e Teresina 22 em 1998 (SANTOS, 2005).
Assim, os debates e as reflexões provocados pelo Movimento Negro, as consequentes
revisões da historiografia sensíveis à História e Cultura dos Afro-brasileiros culminaram na
promulgação Lei nº 10.639/03. Ainda que feita com um enorme atraso histórico, esSa medida
deu início à política de reparação no ensino.
Com o objetivo de dar continuidade à pauta de políticas afirmativas no ensino, iniciada
com a Lei nº 10.639/03, foi criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (SEPPIR) 23 pelo MEC. Esta secretaria visava a implementação de “[...] de
um conjunto de medidas e ações com o objetivo de corrigir injustiças, eliminar discriminações
e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro”
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 5).
De acordo com Abreu e Mattos (2008), a partir da década de 1990 as determinações
legais voltadas para o ensino, tais como a LDB e os PCNs, tiveram como pressupostos a
“vontade de democratização e correção das desigualdades históricas na sociedade brasileira”
(ABREU; MATTOS, 2008, p. 6). Com o intuito de estabelecer diretrizes para os contornos
delineados pela Lei nº 10.639/03, a SEPPIR ficou encarregada pela elaboração das “Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais”, que ocorreu no ano de
2004.
[...] mudanças nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as
pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas,
explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial
na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não
atingem os mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de
19
Lei nº 2.221 do município de Aracaju, de 30 de setembro de 1994.
20
Lei nº 11.973 do município de São Paulo, de 4 de janeiro de 1996.
21
Lei nº 1.187 da capital da república brasileira, de 13 de setembro de 1996.
22
Lei nº 2.639 do município de Teresina, de 16 de março de 1998.
23
Foi criada em 2003 com o objetivo de incorporar a perspectiva da igualdade racial nas políticas
governamentais, articulando ministérios e demais órgãos federais, Estados, o Distrito Federal e os municípios.
Em 2015 a secretaria foi extinta e sua pauta passou a integrar o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e
dos Direitos Humanos. Em 2016, durante o governo Michel Temer, passou a ser vinculada à pasta dos Direitos
Humanos.
37
[...] o incentivo ao trabalho com a história local, buscando conhecer a história das
associações que se identificam enquanto organizações negras [...] o foco do trabalho
escolar sobre essas associações pode se colocar sobre sua historicidade, destacando
exatamente o processo histórico de construção da identidade negra do grupo, e as
diversas matrizes culturais (africanas, portuguesas, norte-americanas etc.) por ele
acionadas (ABREU; MATTOS, 2008, p. 15).
24
De acordo com Circe Maria Fernandes Bittencourt, a história local tem sido indicada como necessária para o
ensino por possibilitar a compreensão do aluno, identificando o passado sempre presente nos vários espaços de
convivência – escola, casa, comunidade, trabalho e lazer – e igualmente por situar os problemas significativos
da história do presente (BITTENCOURT, 2004, p. 168).
38
apontados pelas “Diretrizes” em direção a esse reconhecimento é por meio do ensino de suas
manifestações culturais. Abreu e Mattos concordam com essa estratégia, mas advertem que a
historicidade sobre as organizações negras não deve mumificar suas manifestações culturais,
mas sim abordar sempre que possível essas expressões como “[...] culturas vivas, ligadas a
lutas políticas e sociais atuais e, portanto, sujeitas a transformações de significados ao longo
do tempo” (2008, p. 16).
O texto das “Diretrizes” também apresenta uma relação de temáticas de ensino sobre a
História da África, que se conectam com as experiências dos afro-brasileiros. A intenção
dessa proposta é “[...] uma perspectiva de não vitimização do continente a ponto de negar-lhe
a capacidade de protagonismo histórico” (ABREU; MATTOS, 2008, p. 16). Nesse sentido, as
“Diretrizes” recomendam que o ensino da História da África pode tratar da história da
ancestralidade e religiosidade africana, das contribuições das civilizações africanas para o
desenvolvimento da humanidade, do papel dos africanos e europeus no tráfico dos
escravizados, da ocupação colonial na perspectiva dos africanos, as lutas pela independência
política dos países africanos, das relações entre culturas e das histórias dos povos do
continente africano e os da diáspora e da diversidade da diáspora nos dias atuais
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 22).
Entretanto, essas recomendações levantam a seguinte questão: Por que ensinar a
História da África e a Cultura Afro-brasileira no Brasil? O pesquisador Kabengele Munanga
(2015) inicia a discussão dessa pergunta a partir de outra reflexão: É possível ensinar a
História do Brasil sem incluir a História de todos os grupos étnico-raciais que aqui se
encontraram em condições históricas diferentes e desiguais? Ainda de acordo com Munanga,
a discussão sobre a diáspora negra no Brasil deve ter como ponto de partida a História da
África, que necessita ter mais espaço no currículo do ensino de História.
Para Munanga, durante muito tempo a historiografia negou ao continente africano uma
história. Predominou a narrativa de que a história no continente começava a partir do contato
dos povos africanos com os colonos europeus. “Foram os ocidentais, por questões ideológicas
e políticas que acabaram alienando a personalidade coletiva do africano. Como o fizeram?”
(2015, p. 25).
De acordo com o referido autor, o silenciamento da História e Cultura da África, passa
pela interpretação e influência do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) sobre
o continente africano. Para Hegel, boa parte da África era fechada em torno de si,
desinteressada da sua própria história e em estado de barbárie e selvageria. Para o influente
filósofo, viver na história e ter consciência de viver na história são coisas distintas, sendo que
39
a África negra estaria condenada a primeira opção até que o europeu levasse a civilização ao
continente.
Partindo desses diferentes traços que determinam o caráter dos negros, Hegel
conclui que a África é um mundo histórico não desenvolvido, inteiramente preso ao
espírito natural e por isso mesmo se encontra ainda no começo da história universal.
E como se encontrava ainda no começo da história universal, isto é, da história geral
da Humanidade a África foi rechaçada fora dela (MUNANGA, 2015, p. 26).
Reconhecer que a África tem história é o ponto de partida para discutir a história da
diáspora negra que na historiografia dos países beneficiados pelo tráfico negreiro foi
também ora negada, ora distorcida, ora falsificada. Como é que os negros da
diáspora poderiam ter uma história e uma identidade se o continente de onde foram
oriundos não as tinham? (MUNANGA, 2015, p. 28).
Para José Ricardo Oriá Fernandes (2005), ao negro foi negado a participação na
construção da história e cultura no Brasil, uma vez que o mesmo não possuía história antes de
ser escravizado no Brasil. Mesmo tendo relevância na produção da riqueza nacional, em
diferentes momentos predominaram esquecimentos ou silenciamentos em relação ao afro-
brasileiro. A narrativa histórica associava à preguiça, malandragem, libidinagem e
vagabundagem do negro como justificativas para a escravização dos mesmos (MUNANGA,
2015).
Nem mesmo as grandes mudanças observadas na historiografia, ao longo da história,
resultaram em mudanças nos estereótipos construídos historicamente. Para Oliva (2003), no
que se refere ao estudo da História da África, o mesmo processo de mudanças não foi
observado. Para o autor, um dos obstáculos para a inserção dessa temática no ensino consistia
no fato de que muitos professores, em sua formação, nunca tiveram, na sua graduação,
contato com disciplinas específicas sobre a História da África.
Para a superação desses problemas, Oliva argumenta ser necessário,
O esforço coletivo para a superação das dificuldades apontadas por Oliva também é
mencionado no texto das “Diretrizes” de 2004. Além das diretrizes voltadas para o ensino das
relações étnico-raciais no Brasil, tendo como possibilidades o ensino de iniciativas e
organizações negras, tais como as comunidades remanescentes de quilombos, a utilização de
40
datas significativas para valorização, discussão e debate, o ensino da História da África e suas
conexões com o Brasil, as manifestações culturais na diáspora africana, as contribuições
científicas e filosóficas da cultura africana e a atuação e protagonismo negro em diferentes
áreas, o texto chama atenção para a necessidade de ação conjunta entre estabelecimentos de
ensino, público e privado, de diferentes níveis da educação básica, professores, cursos de
graduação e pós-graduação e o mercado editorial para o “[...] comprometimento solidário dos
vários elos do sistema de ensino brasileiro” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 26). É
possível compreender que as “Diretrizes” apontam para dimensões normativas e reguladoras
em relação ao ensino das relações étnico-raciais. Entretanto, o texto foi construído de forma a
destacar inúmeras possibilidades para o ensino dessa temática, sem estabelecer ações
uniformes e fechadas sobre o ensino.
Partindo da orientação estabelecida pelas “Diretrizes”, de que o ensino de História
deve abranger “[...] remanescentes de quilombos, que têm contribuído para o
desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões” (MINISTÉRIO
DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 21), o currículo de História da educação básica tem contemplado
conteúdos relacionados à temática dos quilombos e remanescentes de quilombos. O novo
organizador curricular das escolas públicas do estado de Mato Grosso do Sul, elaborado em
2020 e ainda em caráter provisório, traz a referida temática no currículo de História do
segundo e terceiro anos do ensino médio. No segundo ano, o documento propõe a reflexão
sobre as práticas e saberes agroextrativistas e agropastoris relacionados às comunidades
quilombolas, articulando os componentes curriculares de História e Geografia em torno da
questão fundiária no estado. Já no terceiro ano, o referencial curricular estabelece como
conteúdo da grade os quilombolas no Brasil e em Mato Grosso do Sul, desde os tempos
coloniais até os dias atuais. As escolas públicas de ensino fundamental, em sua maioria
geridas pela prefeitura municipal de Campo Grande, também dedicam conteúdos relacionados
à temática dos quilombos. Também em versão preliminar, datada de 2020, para o oitavo ano
do ensino fundamental, o currículo de História propõe o entendimento sobre a distribuição
espacial das comunidades quilombolas em Mato Grosso do Sul, assim como a reflexão sobre
as condições atuais dessa população no estado.
Apesar de o currículo propor o trabalho com essa temática, nota-se a falta de material
didático para ser trabalhado em sala de aula. Os livros didáticos adotados na maioria das
escolas não contemplam as temáticas propostas no currículo do ensino de História. Além
disso, observa-se uma ausência de formação continuada para professores, voltada para
oferecer aportes teóricos e metodológicos para o ensino dessa temática na sala de aula. Muitos
docentes da educação básica não tiveram formação em História da África e Cultura Afro-
brasileira na época em que se graduaram. Soma-se a isso o fato de muitos professores
desconhecerem os quilombos em Mato Grosso do Sul ou a história da escravidão negra no
estado, bem como as manifestações culturais.
A inserção da temática quilombola no ensino de História na educação básica indica a
sensibilidade das políticas públicas educacionais em inserir as discussões relacionadas às
41
Até março de 2008, a comunidade composta pelos descendentes de tia Eva recebia
diversas denominações, sendo que entre elas se destacavam: Comunidade de São Benedito de
Tia Eva, Comunidade Tia Eva Maria de Jesus e Vila de São Benedito. A partir daquele ano, a
comunidade foi reconhecida e certificada pela Fundação Cultural Palmares (FCP) como
remanescente de quilombo, abrindo a possibilidade para o acesso a políticas públicas de
reparação para os descendentes de tia Eva.
A construção da identidade quilombola relacionada ao protagonismo de tia Eva na
formação de uma comunidade negra em Mato Grosso do Sul é um movimento recente na
história. As últimas décadas do século XX foram marcadas por uma mobilização política e
social a favor de políticas públicas de reparação para as comunidades negras rurais espalhadas
pelo Brasil. Este movimento coincidiu com o fim da ditadura civil-militar, o processo de
redemocratização e as discussões em torno da elaboração de uma nova constituição para o
país. De acordo com a historiadora Hebe Mattos, “quase não se discutiu formas de reparação
aos ex-escravos nos meses finais da monarquia [...] que incluíssem algum tipo de acesso à
terra aos recém-libertos” (MATTOS, 2006, p. 108). Portanto, as políticas públicas voltadas
para as comunidades negras ocorreram com enorme atraso histórico, ganhando espaço
somente a partir da década de 1980.
De acordo com os historiadores Petrônio Domingues e Flávio Gomes, o contexto
histórico de mobilização descrita no parágrafo anterior foi marcado por
Para a historiadora Maria Beatriz Nascimento (1994), o termo quilombo possui uma
variedade de significados adotados ao longo da história. Desde sua origem na África
angolana, até as conotações do termo no Brasil colonial e no pós-abolição, a definição de
quilombo passou por mudanças e ressignificações. De acordo com Nascimento, a origem do
termo quilombo está relacionada à sociedade Imbangala, variando seu significado como ritual
de iniciação de jovens de várias linhagens na mesma sociedade guerreira ou até mesmo
território ou campo de guerra (acampamento).
Outro significado, ainda, dizia respeito ao local, casa sagrada onde se processava o
ritual de iniciação. O acampamento de escravos fugitivos era kilombo. Da mesma
forma, quando alguns Imbangala praticavam o comércio negreiro com os
portugueses, chamava-se o grupo de kilombo. Mais tarde, no século XIX, as
caravanas do comércio em Angola recebiam essa denominação (NASCIMENTO,
2018, p. 280).
Conforme Moura (1981), onde houve escravidão existiu resistência, sendo que a
experiência e formação de quilombos foi um dos movimentos mais fortes de reação à
escravidão no país. A formação das comunidades quilombolas não foi um fenômeno
exclusivo do Brasil. Este tipo de luta e resistência à escravidão ocorreu por toda a América
escravista, recebendo diferentes tipos de denominações. As “[...] comunidades de fugitivos
que receberam diferentes nomes, como cumbes na Venezuela e palenques na Colômbia [...]
no restante do Caribe inglês e no Sul dos EUA, foram chamados de marrons” (GOMES,
2018, p. 367).
Para Daniela Yabeta e Flávio Gomes, “[...] em diversas áreas, na escravidão e no pós-
abolição, quilombos e aquilombados (termo sugestivo) podiam significar territórios
movediços de complexas redes sociais, envolvendo práticas econômicas com interesses
multifacetados” (2013, p. 107). Assim, os quilombos no Brasil guardavam uma característica
singular em relação aos outros exemplos da América: nunca houve isolamentos, pois os
quilombos se articulavam das mais variadas formas com outras sociedades ao longo da
história (DOMINGUES; GOMES, 2013).
como formas de resistência cultural, contra a opressão dos senhores. Segundo essa visão, os
quilombos eram formas de preservação da identidade cultural africana. A outra vertente é
denominada como materialista, elaborada sob forte influência do marxismo, que entendia a
formação de quilombos como uma forma de luta contra o escravismo no Brasil
(DOMINGUES; GOMES, 2013).
expectativas dos abolicionistas” (2008, p. 111). O fim da escravidão no Brasil não foi
acompanhado de indenização, como queriam os escravistas, e nem por políticas públicas de
inclusão social e política, como desejavam escravizados e alguns abolicionistas.
[...] o ato legal de abolição definitiva da escravidão no Brasil se fez por uma lei
assinada pela princesa regente, que simplesmente declarava abolida a escravidão no
Brasil e revogava as disposições em contrário, em 13 de maio de 1888 (Lei Áurea).
Após a lei, e durante alguns anos, os ex-senhores continuaram a se organizar
politicamente demandando indenização pela perda de sua propriedade em escravos
(MATTOS, 2006, p. 106).
Discussões sobre políticas públicas a favor de uma maior democracia rural, como um
complemento da abolição da escravidão, foram organizadas por setores abolicionistas no final
do Império no Brasil (MATTOS, 2006). Entretanto, a política conservadora, latifundiária,
monocultora e exportadora, consolidada no Brasil desde os tempos coloniais, representava um
poderoso foco de resistência aos projetos de reforma agrária e de acesso a terras aos libertos e
seus descendentes. “Muitas comunidades negras rurais tiveram partes de seus territórios
tomadas por processos violentos de expropriação” (DOMINGUES; GOMES, 2013, p. 14).
Foi nesse contexto histórico, ou seja, no período do pós-abolição que Eva Maria de
Jesus liderou uma comitiva composta por negros e negras, que saiu do sul de Goiás em
direção ao sul do Maro Grosso, na passagem do século XIX ao início do século XX. Tal
processo não se consistiu como uma fuga, mas na migração de libertos do 13 de maio, em
busca do que Nascimento definiu como “[...] território de liberdade” (RATTS, 2006, p. 59
apud NASCIMENTO, 1985).
As lutas pela conquista de terra e a formação de outras comunidades negras rurais no
pós-abolição, como o exemplo da comunidade fundada por tia Eva, não cessaram diante da
pressão da elite aristocrática e a omissão do Estado. Quanto aos processos de formação das
comunidades quilombolas no período da escravidão e no pós-abolição, Domingues e Gomes
salientam que
comunidades. De acordo com Rios, havia um primeiro tipo definido como “campesinato
itinerante”, caracterizado por grupos de libertos que percorriam o país em busca de terra e
trabalho. Outra experiência foi denominada pela historiadora como “pacto paternalista”, na
qual um certo grupo de libertos permaneciam nas terras de seu antigo senhor. Por último, as
chamadas “terras de preto” 27, regiões ocupadas por ex-escravos e seus descendentes em áreas
doadas por fazendeiros (RIOS apud GOMES, 2015, p. 123).
De acordo com a tipologia elaborada pela historiadora Ana Rios, a gestação da
Comunidade Quilombola Tia Eva pode estar relacionada ao conceito de “campesinato
itinerante”. Eva Maria de Jesus, acompanhada de outros libertos de Goiás e Minas Gerais,
migraram em direção ao sul do Mato Grosso para se fixar em terras devolutas 28. Seria esse
processo de luta pela terra e pela liberdade uma reminiscência em relação ao conceito
ideológico de quilombo?
Para Mattos (2006), o período do pós-abolição foi marcado pela luta constante pelo
reconhecimento da posse de terras para as comunidades negras rurais. Mas nem sempre essa
luta relacionava a identidade destas comunidades com os quilombos do período escravista. De
acordo com Gomes (2015), as comunidades negras isoladas no período do pós-abolição
careciam de saúde, educação, transporte, moradia, comunicação, não eram considerados
cidadãos e passavam despercebidas dos censos agropecuários realizados no período
republicano. Além disso, setores agroexportadores passaram a investir contra esses territórios
ocupados pelas comunidades negras rurais.
Esse cenário começou a ser alterado somente em meados do século XX, a partir da
necessidade da construção de identidade das comunidades negras rurais, tendo como
paradigma o conceito de “remanescentes de quilombolas”. “Atualizada, a retórica do
quilombo tornou-se um libelo contra todas as formas de opressão no Brasil [...] sua mística foi
reforçada com a entrada em cena das chamadas comunidades remanescentes de quilombos”
(DOMINGUES; GOMES, 2013, p. 13).
a análise deste como sistema alternativo, serviu de símbolo principal para a trajetória do
movimento” (NASCIMENTO, 2018, p. 291). O quilombo, enquanto símbolo político de luta
e resistência do povo negro, serviu de referência para diversas mobilizações do Movimento
Negro na década de 1970. Por meio de palestras, debates, pesquisas, publicações, atividades
promovidas em escolas, peças de teatro, músicas e filmes o quilombismo 29 era transformado
em símbolo. “Quilombo adquiriu diversos sentidos: de resistência e liberdade; rebeldia e
solidariedade; esperança e insurgência por uma sociedade igualitária e, no limite, sentido de
povo negro” (DOMINGUES; GOMES, 2013, p. 10).
Segundo Domingues e Gomes (2013), entre as décadas de 1970 e 1980, o debate
intelectual entre as áreas da Antropologia, da História e do Direito, em articulação com o
Movimento Negro, tomaram os quilombos como referenciais identitários para os libertos e
seus descendentes que formaram comunidades negras rurais.
29
Abdias do Nascimento sistematizou sob o termo quilombismo as experiências de resistência cultural negra e
suas respectivas formas de organização social e política ao longo da história (CARMO, 2020, p. 50).
30
“Memórias do cativeiro” consiste em um termo aplicado a uma metodologia desenvolvida pela historiadora
Hebe Maria Mattos, que se utiliza do campo da História Oral para receber, arquivar, de forma apropriada, de
entrevistas produzidas em projetos de história com camponeses negros, nascidos ainda nas primeiras décadas
do século passado e portadores de uma memória familiar da escravidão no antigo sudeste cafeeiro. Ver projeto
LABHOI, disponível em: http://www.labhoi.uff.br/. Acessado em: 16/06/2021.
51
31
As denominadas terras de preto compreendem domínios doados, entregues ou adquiridos, com ou sem
formalização jurídica, às famílias de ex-escravos, a partir da desagregação de grandes propriedades
monocultoras. Os descendentes de tais famílias permanecem nessas terras há várias gerações sem proceder ao
formal de partilha e sem delas de apoderar individualmente (Censo Agropecuário, IBGE, 1980).
53
pela FCP, que “lutam por reconhecimento, cidadania, terras e políticas públicas de educação e
saúde” (GOMES, 2015, p. 129). A identificação e certificação constitui o primeiro passo em
direção às políticas públicas de reparação.
A localização dos quilombos do estado de Mato Grosso do Sul não foge das
características geográficas citadas acima por Gomes. As comunidades negras se fixaram no
estado a partir do final do século XIX até meados do século XX, em processo migratório na
direção as terras devolutas da região. Essas populações se deslocaram para a região com
recursos modestos, ocupando áreas “escondidas” ou “enfurnadas”, que eram inadequadas para
a criação de gado ou o plantio da erva mate e, por esta razão, possuíam baixo valor
econômico.
O processo de identificação dos territórios quilombolas no estado sul-mato-grossense
contou com o aporte de pesquisas, estimuladas pelo Movimento Negro e as legislações
estabelecidas no período da redemocratização no Brasil. “As novas pesquisas trouxeram a
formação de quilombos não somente a partir de fugas e insurreições, mas de diversos outros
contextos [...] como pela compra da alforria e manutenção de um território próprio e a
produção autônoma” (CARRIL, 2017, p. 543).
De acordo com Lourival dos Santos (2017), a formação das comunidades negras em
Mato Grosso do Sul está relacionada à Guerra do Paraguai e ao movimento de camponeses
itinerantes, que saíram especialmente dos estados de Goiás e Minas Gerais em busca de terra
e trabalho no então sul do Mato Grosso 32.
32
Cabe ressaltar que em outubro de 1977 ocorreu o processo de divisão territorial do antigo estado de Mato
Grosso em duas áreas: sendo Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
33
Disponível no endereço eletrônico http://www.palmares.gov.br/?page_id=37551. Acesso em: 16/06/2021.
54
(Maracaju); Família Bispo (Sonora); Família Jarcem (Rio Brilhante); Furnas dos Baianos
(Aquidauana); Comunidade Negra Ribeirinha das Águas (Bonito); Santa Tereza/Família
Malaquias (Figueirão); Ourolândia (Rio Negro) e Dos Pretos (Terenos). Dentre essas
comunidades, apenas a Colônia de São Miguel, a Chácara Buriti e Furnas Boa Sorte se
encontram no estágio de titulação parcial de suas terras tradicionais (INCRA, 2018).
Para João Batista Alves de Souza (2021), a formação das comunidades quilombolas de
Mato Grosso do Sul ocorreu no período do pós-abolição, a partir de movimentos migratórios
vindos do Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. O mapa 2 mostra que
uma onda de deslocamento de pessoas partiu de dentro do Mato Grosso, partindo das regiões
55
de Cuiabá e Poconé, enquanto outra onda migratória ocorreu de forma externa, vinda de
outras províncias. É possível observar que a maior onda migratória externa saiu de Minas
Gerais e que a Comunidade Quilombola Tia Eva possuiu ligação de parentesco e compadrio
com outras comunidades do estado.
Mapa 2 - Trajetória das famílias quilombolas de Mato Grosso do Sul - ondas migratórias
interna e externa
abrigando cento e trinta e seis famílias descendentes de tia Eva (DIÁRIO OFICIAL DA
UNIÃO, 2018). De acordo com Carlos Alexandre Barboza Plínio dos Santos (2010), no
território da comunidade predominava o uso comum da terra, sem a divisão de lotes
individuais entre os indivíduos. Nesta área os integrantes da comunidade plantavam roças de
hortaliças e criavam pequenos animais no início do século XX. Esta característica começou a
ser alterada a partir da década de 1940, como apontou Plínio dos Santos:
No ano de 1941, foi assinado pelo prefeito de Campo Grande, Eduardo Olímpio
Machado, o Decreto nº39, de 31 de janeiro de 1941, que dividiu a cidade em zonas
de construção: zona central, a industrial, a residencial e as zonas mistas. [...] Como
consequência desse decreto, teve início o parcelamento de terras que eram utilizadas
pelos descendentes de tia Eva para moradia e várias atividades, como plantar, coletar
lenha, realizar corridas de cavalo e para moradia (2010, p. 302).
sendo esse o maior obstáculo para a titulação definitiva da área reivindicada no processo de
identificação e certificação do território quilombola.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, cabe ao INCRA a titulação do
território da Comunidade Quilombola Tia Eva, pois parte dessa área incide em áreas
particulares (Decreto nº 4887/2003). Sendo assim, é papel do Estado notificar e indenizar tais
proprietários particulares para na sequência devolver essas áreas para a posse da comunidade.
O processo de identificação e delimitação do território, com Relatório Técnico de
Identificação e Delimitação (RTID), foi concluído em abril de 2018. Desde então, o INCRA
tem notificado os proprietários particulares para apresentação de contestação em relação ao
RTID, sendo que o último edital de notificação foi expedido em agosto de 2020 (DIÁRIO
OFICIAL DA UNIÃO, 2020).
Para Lourdes de Fátima Bezerra Carril (2017), o processo de titulação dos territórios
quilombolas é lento demais em todo o Brasil. Apesar dos avanços contidos na Constituição de
1988 em relação às políticas de reparação para a população afro-brasileira, apenas 8,6% das
comunidades quilombolas receberam titulação definitiva de suas terras até o ano de 2015. De
acordo com Carril,
[...] o processo de titulação tem sido longo, pois a definição dos limites territoriais é
bastante complexa, tendo em vista os processos históricos e políticos envolvidos. Há
sobreposição de títulos de propriedade, demandando ações individuais na justiça
federal, incidência de parques e reservas ambientais, dificultando demarcações
(2017, p. 549).
Segundo Urquiza e Santos (2017), durante muito tempo persistiu um debate no Estado
de Mato Grosso do Sul em torno da definição ou não das comunidades negras do estado como
59
Para Plínio dos Santos (2010), o parecer acima gerou grande impacto nas comunidades
negras rurais e urbanas em Mato Grosso do Sul. Este parecer alimentou o discurso contrário à
causa quilombola pela luta por políticas públicas. Ainda de acordo com Plínio dos Santos
(2010), o parecer quilombolas foi utilizado para legitimar o discurso de entidades ligadas ao
agronegócio que são contrárias ao processo de regularização das terras tradicionais das
comunidades quilombolas em Mato Grosso do Sul, colaborando para o atraso nas
certificações, delimitações e, principalmente, titulações.
Valendo-se do parecer do IHG/MS, a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato
Grosso do Sul (FAMASUL), emitiu um documento que se posicionava contra o
reconhecimento das comunidades negras no estado como remanescentes de quilombos. No
ofício a FAMASUL defendeu que
parecer quilombolas. Como apontado por Plínio dos Santos, a seguir, o conceito clássico de
quilombo está preso a uma análise de um documento do século XVIII.
De acordo com Plínio dos Santos, a análise e interpretação sobre essas comunidades
deve “descongelar” o conceito clássico de quilombo, a partir de um estudo que leve em
consideração a contribuição de diferentes campos de pesquisa:
[...] o conceito atual de quilombo se refere não somente às comunidades que têm
vínculo histórico e social com os quilombos conceituados classicamente, mas
também comunidades, descendentes de escravos negros e ex-escravos libertos, que
em um território (em terras obtidas por meio de doação, de compra, ou da simples
posse) desenvolveram um modo próprio de resistência e de reprodução social. Como
conceituado pela Associação Brasileira de Antropologia/ABA, quilombo é toda
comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo de atividades
agrícolas e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado (2010,
p. 22).
Como apontado anteriormente, Eva Maria de Jesus tinha o “dom” de benzedeira o que
fez dela uma liderança respeitada entre os escravizados. Foi na fazenda Ariranha, de
propriedade de José Manoel Vilela, onde a tia Eva nasceu e foi criada desde cedo para
desempenhar os afazeres domésticos na propriedade. De acordo com Seu Waldemar Bento de
Arruda 34, “[...] ela trabalhava pros Vilela desde pequena. Lá onde ela morava em Jataí,
naquele tempo do cativeiro [...] aí tia Eva era especialista em fazer doce, cada uma fazia
alguma coisa, cada uma das escravas” (PLÍNIO DOS SANTOS, 2010, p. 251).
Ainda de acordo com o relato de Seu Waldemar, concedido ao antropólogo Plínio dos
Santos (2012), a violência, os abusos e os maus-tratos aos escravizados eram constantes na
fazenda onde tia Eva era escrava.
Nessa fazenda (Ariranha), onde tia Eva foi escrava, tinha os dias dos escravos
apanharem, porque naquele tempo era assim eles iam marcando a carne da pessoa,
[...], mas tinha um que falava que tal pessoa ia apanhar porque tal dia ele fez isso,
fez aquilo, fez aquilo outro. [...] É isso aí, a tia Eva contava, ela não cansava de falar
isso nas histórias que contava. Naquele tempo tinha um costume de que, quando ia
surgindo a lua, principalmente a lua cheia, as pessoas ficavam tudo sentado na beira
da cozinha escutando essas histórias (PLÍNIO DOS SANTOS, 2012, p. 157).
34
Seu Waldemar Bento de Arruda, nascido na Mata do Segredo, região do Cascudo, Campo Grande em 1919,
filho de Dona Maria Gregória, amiga de tia Eva. Foi entrevistado em 2008 pelo pesquisador Carlos Alexandre
Barboza Plínio dos Santos (2010).
63
Para Plínio dos Santos (2010), a experiência vivida por Eva no tempo do cativeiro era
contada por ela nas noites de lua cheia aos seus descendentes, materializando o que a
historiadora Hebe Mattos definiu como “memórias do cativeiro”. De acordo com Myleide
Meneses Oliveira Machado e Josemar de Campos Maciel (2017), as “memórias do cativeiro”
transmitidas oralmente por tia Eva tiveram grande importância no quilombo formado por ela,
na afirmação da identidade de seus moradores e construção de sentimento de pertencimento à
comunidade.
As vidas dos libertos e seus descendentes negros estão presentes, como sabemos,
nos registros da memória e da oralidade, a perene forma de expressão humana. Cada
ex-escravo e afrodescendente traz consigo um leque de histórias repletas de
momentos de alegria, dor, esperanças que entremearam sua história pessoal à
história social abrangente (MACHADO; MACIEL, 2017, p. 150).
Por volta do ano de 1870, tia Eva deu à luz a sua primeira filha, chamada Sebastiana.
Ainda na fazenda Ariranha e na condição de escravizada, nasceram as outras filhas, Joana e
Lázara. De acordo com o relato oral de Seu Waldemar, as filhas de tia Eva eram de pais
diferentes, pois “[...] tinha uma que era clara e outra escura” (PLÍNIO DOS SANTOS, 2012,
p. 158). No espaço de tempo entre os nascimentos das filhas e a migração para o sul de Mato
Grosso, ocorreram dois acontecimentos relevantes na história da tia Eva. Ainda de acordo
com o relato de Seu Waldemar, um acidente ocorrido na cozinha possui ligação direta entre
tia Eva e a promessa a São Benedito 35.
35
“Muito cultuado no Brasil pelos escravizados, foi beatificado em 1743, canonizado e santificado em pleno
regime escravista em 25 de maio de 1807. [...] Seu culto teria sido levado pelos franciscanos enraizando-se em
Angola com facilidade [...] Bem antes de Nossa Senhora Aparecida emergir nas águas do rio Paraíba, São
Benedito apresentava-se como protetor dos negros das regiões sul-americanas engolfadas no tráfico de
africanos” (CIRINO, 2012, p. 156).
64
[...] caiu banha quente na perna dela, da tia Eva. Então ela ficou com aquele
queimado sem cicatrizar, e ficou com mau cheiro a perna dela, porque eles eram
muito enjoado, então ela ficou trabalhando fazendo sabão [...] fizeram um ranchinho
para ela lá no fundo do quintal da casa da fazenda (PLÍNIO DOS SANTOS, 2010, p.
254).
Essa é uma memória coletiva que ainda é reproduzida pelos descendentes de tia Eva
no tempo presente. Nas entrevistas realizadas em trabalho de campo, Seu Sérgio Antônio da
Silva, bisneto de tia Eva, conhecido como Seu Michel, relatou que “[...] ela tinha uma ferida
na perna, a minha mãe contava essa história” 36, destacando a memória da ferida como um
elemento ancestral para a formação da comunidade. Para Machado e Maciel, a memória sobre
a ferida da tia Eva é um elemento que ajuda a tecer a identidade da comunidade. “A partir dos
relatos e histórias contadas, do recorte da oralidade presente na história daqueles sujeitos,
pode-se abordar e perceber a constituição duma identidade para aquele grupo, imerso em um
âmbito urbano” (2017, p. 161).
De acordo com Dona Neuza Jerônima Rosa dos Santos 37, bisneta de tia Eva, a ferida
da perna conecta-se à religiosidade, por meio da fé em São Benedito, e à migração para o sul
de Mato Grosso. Dona Neuza destaca em seu relato o protagonismo de tia Eva,
[...] a história dela é uma história fantástica porque ela tinha marido, mas quem
gerenciava a vida dela era ela mesma, ela era quem tomava as posições das coisas.
Diz-se que ela tinha uma ferida na perna, (erisipela) e ela sempre falava, pedia para
São Benedito e Nossa Senhora da Aparecida, que ajudassem ela a sarar daquela
ferida, ela iria vir embora para Mato Grosso do Sul, para Mato Grosso, aqui não era
Mato Grosso do Sul nessa época.
A tia Eva foi muito devota de São Benedito. Por causa da escravidão ela fez um
pedido para São Benedito, por isso ela veio pra cá. Ela fez um pedido a São
Benedito assim, um dia eles tinham apanhado lá, ela viu as pessoas apanhando, ela
fez um pedido se São Benedito ajudasse que ela saísse de lá para vim pra cá pro
Mato Grosso, ela ia arrumar um lugar para criar só as pessoas da cor dela, mas que
não iriam mais ser escravos. Iam viver independentes, fazer sua casa, fazer farinha,
lavar roupa, fazer óleo de mamona, um local para passar toda a vida (PLÍNIO DOS
SANTOS, 2010, p. 258).
Por isso, a devoção e fé em São Benedito e o sonho em ocupar uma terra, fizeram da
tia Eva uma importante liderança entre os escravizados da fazenda Ariranha e regiões
vizinhas. Além da liderança, o reconhecimento também ocorreu por conta da sua atuação
36
Bisneto de tia Eva, atualmente com 85 anos, foi entrevistado pelo autor dessa dissertação, no dia 26/01/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
37
Bisneta de tia Eva, atualmente com 71 anos, foi entrevistada pelo autor dessa dissertação, no dia 02/02/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
65
como benzedeira, curandeira e parteira (PLÍNIO DOS SANTOS, 2010). Segundo Seu
Waldemar,
A tia Eva tinha um dom de benzer, porque o dom quem dá é Deus, a pessoa já nasce
com o dom de alguma coisa, naquele tempo benziam ventre virado, cobreiro, pasto,
roça, aquela coisa toda, e ela era terrível nisso daí. Muita gente buscava ela, tinha até
branco, o pessoal começou chamar ela de tia Eva, era tia Eva pra lá e tia Eva pra cá
(PLÍNIO DOS SANTOS, 2010, p. 258).
Em torno da tia Eva, surgiu uma rede social de laços de solidariedade entre os negros,
que se conectavam pelos mesmos anseios por liberdade, por meio da fé comum no santo preto
ou até mesmo o “dom” de curandeira e benzedeira. De acordo com Vanda Moraes (2003, p.
8), tia Eva “conhecia muito das ervas que curam, com elas fazia remédios, benzia males e
doenças”. Em um tempo e espaço onde a presença de religiosos e médicos era muito escassa,
os saberes da tia Eva atraíam a atenção de pessoas das mais variadas classes sociais.
Nesse sentido, Seu Sérgio Antônio (Seu Michel) destaca que “[...] a tia Eva foi uma
grande liderança. Era parteira, sabia ler e escrever. Receitava remédio de médico alemão. E as
pessoas curavam.” (PLÍNIO DOS SANTOS, 2012, p. 171). Havia também boatos de milagres
em nome da tia Eva, conforme relatou Seu Waldemar a Plínio dos Santos, “ela curou a minha
irmã, minha irmã tinha uma dor de cabeça terrível. Quem foi pegar a água no córrego fui eu, e
ela pôs a água num copo e depois colocou na cabeça dela. Aí tia Eva benzeu a minha irmã e a
água ferveu [...] e nunca mais minha irmã teve dor de cabeça” (PLÍNIO DOS SANTOS, p.
172). Tal fama e reconhecimento, rendeu a tia Eva uma procura constante pelos seus serviços
religiosos, bem como devoção em torno de São Benedito.
Talvez pelas razões explicitadas anteriormente, muitos se referiam a Eva Maria de
Jesus com o termo “tia”. Para Plínio dos Santos (2010), a utilização do termo “tia” se
constituía numa categoria honorífica entre os escravizados e libertos, solidificando as redes
sociais entre pessoas de diferentes regiões.
[...] a tia Eva foi idealizada como uma liderança religiosa. Os sacrifícios vividos por
tia Eva no cativeiro, as promessas que fez a São Benedito e o seu “dom” de benzer e
curar doenças, formaram uma imagem de tia Eva ligada diretamente ao campo do
sagrado. Como que revivendo o mito judaico-cristão da terra prometida, tia Eva
pediu a São Benedito uma terra onde os negros poderiam viver em liberdade [...]
(PLÍNIO DOS SANTOS, 2010, p. 264).
38
Tataraneta de tia Eva, atualmente com 46 anos, foi entrevistada pelo autor dessa dissertação, no dia
01/02/2021 em sua residência, localizada na comunidade.
66
39
Em reconhecimento a sua luta, o dia 25 de junho foi instituído no Brasil como o Dia Nacional de Teresa de
Benguela e da Mulher Negra, pela Lei nº 12.987/14. Até a sanção da lei em 2014, o Brasil era o único país da
América Latina que não comemorava oficialmente o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e
Caribenha, proposto em 1992, durante o I Encontro de Mulheres Afro-latinoamericanas e Caribenha.
67
Sendo assim, uma comitiva formada no sul de Minas Gerais se somou a tia Eva e seus
familiares. Juntas, as duas comitivas de negros realizaram a travessia que durou vários meses.
O transporte foi realizado por carros de boi, durante a viagem as pessoas da comitiva faziam
pequenas roças em alguns trechos do trajeto para a alimentação do grupo (MACHADO, 2019;
PLÍNIO DOS SANTOS, 2010).
[...] quando tia Eva iniciou os preparativos para a viagem, chegou a Jataí um grupo
de ex-escravos de Uberaba que estavam migrando para o Mato Grosso. Esse grupo
era composto por Maria Antônio, nascida na África, acompanhada de seus filhos
Jerônimo Antônio “Vida” da Silva, Luis José da Silva e Maria Antônia de Jesus, que
estava com seu esposo Custódio Antônio Nortório; José da Silva; Domingos
Francisco Borges com sua esposa Maria Rita de Jesus; Dionísio Antônio Martins e
sua esposa Luíza Joana Generosa de Jesus (PLÍNIO DOS SANTOS, 2010, p. 262).
Figura 1 - Tia Eva, seu Adão e as três filhas na migração para Campo Grande
Mapa 4 - Trajeto da viagem de tia Eva e sua comitiva para Campo Grande/MS
68
Os libertos que realizaram a travessia entre Goiás e Mato Grosso, foram obrigados a
parar em um posto de fiscalização 40 para serem cadastrados. A maioria das pessoas desse
grupo não possuíam sobrenomes e tiveram que inventá-los. “Desse modo, surgiram os
“Borges”, os “Custódio”, os “Silva”, os “Martins”, os “Souza” e os “Pinto”. Tia Eva, suas
filhas e outras mulheres que não tinham laços consanguíneos assumiram o sobrenome “de
Jesus” (PLÍNIO DOS SANTOS, 2010, p. 263).
O grupo de migrantes libertos, unidos simbolicamente por laços de irmandade e
compadrio, oriundos do interior de Minas Gerais e Goiás, estabeleceram-se em terras isoladas
e pouco valorizadas para a criação de gado na Vila de Santo Antônio de Campo Grande.
Nesta região, além dos grupos mencionados, somaram-se outros negros camponeses que
viviam na área antes da chegada da comitiva de tia Eva. Na região, os membros da
comunidade se dedicaram ao plantio de roças, fabricação de doces e artesanatos, como citado
no trecho a seguir.
Na região onde Tia Eva se fixou, todos tentavam amarrar a produção do campo, o
trabalho na roça com outras atividades como a manufatura, a produção de doces, de
artesanatos. O papel das mulheres era dividido: algumas iam para o centro da vila
com as crianças para vender doces e outros produtos feitos e colhidos (hortaliças,
mandioca...) na Comunidade, enquanto outras trabalhavam como lavadeiras,
cozinheiras e empregadas domésticas. Os homens faziam serviço da roça,
trabalhavam como carpinteiros, pedreiros e peões de fazenda. Essas famílias de
negros eram a força de trabalho para a Vila de Campo Grande (MACHADO, 2019,
p. 32).
40
Estabelecimento público que tinha a função de cadastrar pessoas que entravam e saíam dos estados, além de
cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias.
69
A chegada de tia Eva e sua comitiva na região onde está situada Campo Grande é um
ponto sensível de conflito entre a memória oficial e dominante e a memória subterrânea. De
acordo com Michael Pollak (1989), a memória é uma operação coletiva dos acontecimentos e
interpretações do passado, que ajuda a definir, delimitar e reforçar a coesão dos grupos em
torno da memória. As disputas nesse campo se referem à memória da fundação da cidade de
Campo Grande, na qual o protagonismo de tia Eva ocupa um espaço desvalorizado na história
do município.
A memória oficial e dominante sobre essa temática considera que o mineiro José
Antônio Pereira liderou uma comitiva que se instalou, de forma pioneira, na região onde está
situada a cidade de Campo Grande em agosto de 1875. “A ação de José Antônio Pereira
estimulou o processo de fixação de várias famílias, em pouco tempo Campo Grande já se
tornava um vilarejo em franco desenvolvimento” (NEVES, 2011, p. 66). De acordo com
Eurípedes Barsanulfo Pereira (2001), “[...] esses sítios da então província de Mato Grosso, ao
tempo da chegada de José Antônio Pereira, era solo de ninguém, área devoluta e sem
habitantes” (PEREIRA, 2001, p. 21). Essa memória, presente nos livros de história da
fundação de Campo Grande, que se expressa, inclusive, nos materiais didáticos, tornou-se
hegemônica e silenciou a memória em torno da migração da comitiva da tia Eva para a região.
71
Para Ronaldo Jeferson da Silva 41, tataraneto de tia Eva, a comunidade fundada pela
matriarca luta contra o esquecimento da memória do protagonismo da matriarca. Para ele, um
dos instrumentos de luta, resistência e representação da comunidade diante dos entes públicos
é a atuação da Associação Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus, da qual
cumpre mandato como presidente.
E a história da tia Eva é assim, confunde-se com a criação de Campo Grande. O José
Pereira chegou daquele outro lado de lá, fazendeiro, um burguês, e ela chegou do
lado de cá. Diz a história de José Pereira que quando ele chegou já havia uma
comunidade ribeirinha na beira do rio aqui, então a gente entende que essa
comunidade era a comunidade Tia Eva. Quer dizer, ele chegou e a tia Eva já estava.
Mas como ele chegou com um poder de construção maior, se tornou fundador de
Campo Grande. E a comunidade hoje luta para que a memória de tia Eva não fique
no esquecimento. A gente tente, assim, de todos os lados e com o pouco de apoio
que tem, manter e tentar mostrar para as outras comunidades, para quem não
conhece a história de tia Eva.
A história oral admite que José Antônio Pereira não é o primeiro desbravador a
instalar moradia na confluência dos córregos Prosa e Segredo, ela aponta também, a
existência de uma comunidade negra, no Cascudo, hoje Bairro São Francisco,
contemporânea à chegada dos primeiros desbravadores descendentes de portugueses
(WEINGÄRTNER, 1995, p. 4).
A chegada de tia Eva em Campo Grande, no ano de 1905, coincidiu com a cicatrização
da ferida em sua perna, adquirida no tempo do cativeiro. A partir daí os esforços da matriarca
se concentraram na construção de uma igreja ao santo devoto, para pagamento da promessa
pela graça alcançada. A primeira versão da igreja a São Benedito, chamada pelos membros da
comunidade como “igrejinha”, foi de pau-a-pique.
41
Foi entrevistado no dia 02/02/2021. Tataraneto de tia Eva, atualmente com 41 anos, foi entrevistado pelo autor
dessa dissertação, no dia 02/02/2021 em sua residência, localizada na comunidade.
72
Figura 2 - A imagem de São Benedito que veio com a tia Eva para Campo Grande
“[...] tia Eva conseguiu muita ajuda para erguer uma igreja melhor. As pessoas
doavam material de construção e ajudavam com esmolas [...] depois de muito
trabalho e com ajuda de muita gente, ficou pronta a igreja de São Benedito. Feita de
tijolo e saibro, tinha as torres de madeira, num arranjo que formava escamas. Na
fachada foi inscrito o ano: 1919 (2003, p. 08).
42
Esmola é o termo utilizado pelos entrevistados da comunidade para se referir a qualquer doação em benefício
da reforma da igreja e também para realização da festa de São Benedito.
73
liderança, porque naquele tempo aqui não tinha padre. E ela fazia o trabalho como se fosse
um sacerdote [...] quando nascia e quando morria só dava tia Eva” (RIBEIRO, 2014, p. 17),
conforme relatou Seu Sérgio Antônio da Silva em entrevista à Priscila Ribeiro (2014).
A igrejinha de São Benedito, ao longo dos anos, foi passando por algumas
modificações que não alteraram a sua característica arquitetônica inicial desde 1919.
O documento de tombamento da prefeitura de Campo Grande – MS caracteriza-a
como uma construção simples de 4,50m x 6,50m com uma janela de madeira e duas
de vidro (tipo basculante) e três portas de madeira. O interior da igrejinha é
composto por um altar mais elevado, onde está colocada a imagem de São Benedito
esculpida em madeira trazida por tia Eva de sua terra natal. Esse altar é revestido
com pisos cerâmicos vermelhos na dimensão 15cm x 15cm. O piso mais baixo é de
cerâmica vermelha na dimensão 20cm x 20cm onde estão colocados oito bancos de
madeira. No fundo da igrejinha estão enterrados, numa urna, os restos mortais de tia
Eva e um dos seus netos (NEVES, 2011, p. 76).
43
A edificação religiosa mais antiga da cidade é a igreja de Santo Antônio, padroeiro da cidade, construída no
final do século XIX (PEREIRA, 2001).
74
Em frente à “igrejinha”, encontra-se ao centro o busto de tia Eva (figura 4), símbolo da
comunidade, elaborado pela artista plástica Maria de Oliveira. Inaugurado em 18 de maio de
2003, o busto da matriarca foi esculpido com base na imagem da bisneta de tia Eva, de nome
Nadir Antônia da Silva. De acordo com descrições feitas pelos mais velhos da comunidade, a
fisionomia da Dona Nadir era a que mais se assemelhava com a tia Eva (MACHADO, 2019;
NEVES, 2011). Com base nas memórias dos mais velhos o busto de tia Eva, localizado em
frente à igreja de São Benedito, caracteriza o esforço dos descendentes da matriarca em
construírem “lugares de memória” 44.
Na edificação religiosa erguida por tia Eva e seus descendentes, não havia a presença
de sacerdotes católicos. A liderança religiosa foi exercida primeiramente por Eva Maria de
Jesus. Ela atuava como benzedeira, curandeira e parteira, sendo reconhecida por toda a cidade
em uma época em que não havia médicos e sacerdotes pela região. Em seu relato oral, Seu
Sérgio Antônio (Seu Michel) 45 citou que a partir de sua mãe, neta de tia Eva, ouvia as
memórias relacionadas à liderança e ao protagonismo de tia Eva já em solo sul-mato-
grossense, “as memórias que carrego são as seguintes, [...] mamãe contava muito que ela era
44
“Lugar de memória” é um conceito histórico proposto por Pierre Nora (1993). Um lugar de memória pode
variar desde a um objeto material, como no caso do busto de tia Eva, até um evento abstrato. De acordo com
Nora, os lugares de memória “[...] nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é
preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres,
notariar atas” (NORA, 1993, p. 13). Ou seja, a criação de um lugar de memória está associada a uma memória
coletiva de um certo grupo social.
45
Bisneto de tia Eva, atualmente com 85 anos, foi entrevistado pelo autor dessa dissertação, no dia 26/01/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
75
parteira, e naquele tempo aqui não tinha maternidade, então daqueles mais humildes aos mais
altos da sociedade procurava tia Eva”.
A aproximação da igreja Católica com a comunidade ocorreu por conta do interesse no
território onde a comunidade estava instalada. Padres salesianos, interessados em adquirir
terras para a construção de um colégio de freiras e um seminário na região do Cascudo,
obtiveram certas parcelas de terras dos descendentes de tia Eva. “Com a construção do
Seminário, a região do Cascudo começou a ser denominada administrativamente de bairro
São Francisco, logo depois passou a ser bairro Jardim Seminário” (PLÍNIO DOS SANTOS,
2010, p. 302).
Nesse contexto de expansão salesiana sobre a comunidade, a igreja Católica passou a
administrar a igreja e a festa de São Benedito por cerca de 15 anos, entre os anos 1960 e 1975
(PLÍNIO DOS SANTOS, 2010). Após meados da década de 1970, o controle da igreja e da
festa de São Benedito voltou para os descendentes de tia Eva. Com a saída da igreja Católica
da comunidade, a Diocese construiu a igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, fora
do território da comunidade e a poucos metros da igreja fundada por tia Eva. Na figura 5 a
seguir, é possível perceber a pequena distância que separa as duas igrejas.
Figura 5 - Localização das igrejas de São Benedito (Tia Eva) e Nossa Senhora do Rosário e
São Benedito
Para Pedro Henrique Gomes Pereira (2016), a nova igreja fundada pela Diocese
representou uma espécie de cisma entre os católicos, colocando em oposição a igreja Católica
76
Ao nominar a igreja com santos cultuados pelos descendentes de tia Eva, a igreja
católica tinha como objetivo tirar fiéis que frequentavam a igrejinha e marcar sua
posição de detentora “oficial” da fé cristã assim como das edificações cristãs. Desse
modo, as missas e outras atividades ecumênicas, que eram realizadas na igrejinha,
foram transferidas para a nova igreja da Diocese (Ibid., p. 65).
Essa promessa da tia Eva, que chegasse aqui e ia ser feliz, chegou com Joana,
Lázara e Sebastiana. E no momento que ela fez essa promessa, que ela chegou aqui e
comprou essa área de terra em 1910, pagando 85 mil réis [...] mas a tia Eva
chegando aqui, comprou esse terreno, chamava-se Nilo Javary Barem que deu o
título de terra, essa foto é desse Nilo Javary Barem, eu tenho. Então ele administrou
de 10 de setembro até 20 de outubro, esse Nilo Javary Barem que deu esse título de
terra para ela 49.
46
De acordo com Plínio dos Santos (2010, p. 276), a quantia era equivalente a três sacos de 60 kg de farinha de
mandioca ou cerca de cinco sacos de 60 kg de milho.
47
Foi intendente da comarca de Campo Grande entre 10/09/1910 à 19/10/1910. Arquivo histórico de Campo
Grande, disponível em: http://www.campogrande.ms.gov.br/arca/artigos/prefeitosintendentes. Acessado em:
12/03/2021.
48
Seu Sérgio Antônio da Silva foi o fundador e presidente por diversos mandatos da Associação Beneficente dos
Descendentes de Eva Maria de Jesus. Grande parte de documentos, registros históricos, pesquisas e
publicações a respeito da comunidade se encontram em sua residência. A sala de entrada de sua residência
funciona como uma espécie de “memorial”, sendo que boa parte das paredes estão cobertas com fragmentos
desses arquivos. Foi entrevistado pelo pesquisador, no local descrito, no dia 26/01/2021.
49
Bisneto de tia Eva, atualmente com 85 anos, foi entrevistado pelo autor dessa dissertação, no dia 26/01/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
77
momento da migração de tia Eva, a ferida que obteve em Goiás, a promessa e a festa em
homenagem a São Benedito. Esses seriam os elementos de coesão e identidade da
comunidade. Na figura 6, a seguir, apresento a árvore genealógica parcial da Comunidade
Quilombola Tia Eva, destacando os indivíduos que foram entrevistados em trabalho de
campo. Entre eles estão os bisnetos de tia Eva, Dona Adair Jerônima, Seu Sérgio Antônio
(conhecido como “Seu Michel”) e Seu Otávio Gomes (conhecido como “Seu Tuti”); Dona
Neuza Jerônima, uma das lideranças religiosas da comunidade; Vânia Lúcia, historiadora e
coordenadora pedagógica da Escola Estadual Antônio Delfino Pereira; Ronaldo Jeferson,
presidente da Associação Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus.
Para Pierre Nora (1993), a memória definida por Pollak (1989), pode ser dividida em
duas categorias, a memória tradicional e a outra a memória transformada em história. Na
medida que a memória tradicional desaparece ou se enfraquece pela passagem do tempo,
50
A elaboração da árvore genealógica parcial foi feita com base nas entrevistas realizadas em trabalho de campo,
assim como no trabalho de Vanda Moraes (2003).
78
51
De acordo com Machado (2019, p. 50), a Associação Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus
funcionou durante muito tempo na informalidade. Somente na década de 1990, a entidade civil foi registrada
em cartório.
79
Seu Sérgio Antônio 52 (Seu Michel), “[...] você já ouviu falar de Irany Caovilla 53? Ela falou:
Michel, eu estava doente e vi uma entrevista sua na televisão, falando dos milagres de tia Eva,
aí ela fez um voto que se sarasse iria fazer a doação de um terreno para fazer um colégio”.
Seu Otávio Gomes de Araújo, conhecido na comunidade como Seu Tuti, foi um dos
responsáveis por depositar os restos mortais de tia Eva dentro da “igrejinha”. De acordo com
o relato de Seu Otávio Gomes (Seu Tuti) 54,
52
Bisneto de tia Eva, atualmente com 85 anos, foi entrevistado pelo autor dessa dissertação, no dia 26/01/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
53
Dona Irany Pereira Caovilla comprou o lote de 2.870 m² que pertencia ao Seu Otacílio Antônio dos Santos
(bisneto de tia Eva), no final da década de 1990. Após a compra, Dona Irany doou o lote para a prefeitura
municipal de Campo Grande. Neste espaço foram construídas a escola Antônio Delfino Pereira e a creche Eva
Maria de Jesus no início dos anos 2000 (PLÍNIO DOS SANTOS, 2010, p. 324).
54
Bisneto de tia Eva, tinha 83 anos quando foi entrevistado pelo autor dessa dissertação. Faleceu meses depois
da entrevista. A entrevista foi realizada em sua residência, no dia 01/02/2021.
80
Além da construção da igreja, tia Eva instituiu uma celebração anual para o santo
devoto. A partir do ano de 1919, ao renovar os votos de fé ao santo e reformar a “igrejinha”,
tia Eva prometeu realizar a festa de São Benedito na comunidade. Esta tradição iniciada pela
matriarca ainda é realizada anualmente pelos descendentes de tia Eva. As práticas dessa
celebração compõem o patrimônio cultural da comunidade e fazem parte do calendário de
festas 55 da cidade de Campo Grande, mas ainda sem ser reconhecida oficialmente como
patrimônio cultural pelo poder público, colocando em risco a salvaguarda da celebração.
De acordo com Moraes, a primeira festa a São Benedito ocorreu no ano de 1919,
quando foi concluída a reforma da “igrejinha”. A primeira “[...] festa em homenagem a São
Benedito foi muito grande. Durou o tempo de uma novena, com reza, terço, muita música,
dança, comida, bebida, e três fogos ao subir da bandeira do santo no alto do mastro, na hora
do Salve Rainha” (2003, p. 8). Essa primeira celebração foi realizada com recursos doados
por devotos do santo e admiradores da tia Eva.
A tradição iniciada por tia Eva continua sendo mantida graças a um pedido da
matriarca aos seus familiares. De acordo com Seu Otávio Gomes (Seu Tuti) 56 “ela falou que,
enquanto tivesse um descendente dela vivo, queria que continuasse a festa”. A exceção a essa
tradição ocorreu no ano de 2020, pois as celebrações foram interrompidas em razão da
pandemia do novo coronavírus. Mas, mesmo diante desse contexto, foi realizada uma pequena
55
O projeto de Lei nº 9.333/19 instituiu no calendário oficial do município de Campo Grande a festa de São
Benedito, comemorada anualmente na segunda semana do mês de maio, com duração de dez dias consecutivos.
56
Bisneto de tia Eva, tinha 83 anos quando foi entrevistado pelo autor dessa dissertação. Faleceu meses depois
da entrevista. A entrevista foi realizada em sua residência, no dia 01/02/2021.
81
celebração em maio daquele ano, como aponta Seu Sérgio Antônio da Silva 57, “esse ano com
esse negócio do coronavírus a festa não aconteceu, mas saíram com o santinho de casa em
casa rezando o terço”. Em maio de 2021, a 102ª festa de São Benedito ocorreu de forma
online, transmitida no canal do Youtube 58 da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de
Campo Grande.
As lideranças políticas da comunidade se organizaram para realizar a celebração
religiosa, mesmo em um contexto pandêmico. Conforme Ronaldo Jeferson da Silva 59,
Este ano, a gente conseguiu fazer, para não dizer que a gente não fez a festa, a gente
fez a parte religiosa. Como foi feita com a covid a parte religiosa? O santo que está
na igreja, que veio com tia Eva, o de madeira, ele foi nas casas. Então assim, você é
descendente e quer fazer o terço na sua casa? É só comunicar no grupo, que aí a
gente fez uma escala das casas. Aí higienizava o santo e passava para a outra casa.
[...] uma celebração religiosa, que ela começa com a promessa da tia Eva né? Como
eu já disse anteriormente, a cura e a graça que ela recebeu ao santo negro que já era
sua devoção, tanto é que essa como eu já disse anteriormente que ela recebeu. Ela já
vem de lá do interior de Goiás com santo né? A imagem São Benedito e ela recebe
essa graça que ela acredita a São Benedito e passa a realizar a festa e a festa e a
capela pra São Benedito. Então era como no início da festa saíam um mês antes nas
fazendas, nas chácaras daqui da região. Arrecadando doce, galinha, prenda. As
coisas para a realização dessa festa e eles acabaram recebendo, eu me lembro
quando eu era criança, vinha gente de Rio Negro pra pagar promessa, crianças ali
com roupas específicas religiosa de apresentação a São Benedito. Então ela é uma
festa religiosa, só que ela ficou maior, porque ela trouxe aquilo que muitas vezes é a
alegria do povo negro, né? Então desde que inicia a festa com a tia Eva, ela já inicia
com um bailinho a tia Eva tocava a sanfona pé de bode e animava os bailinhos da
festa aqui, e aí se dá a festa de São Benedito.
Como mostra o relato acima, a festa idealizada por tia Eva mistura o sagrado com o
profano, constituindo-se em uma oportunidade para renovar a fé no santo e também estreitar
laços familiares e de compadrio. A entrada da imagem de São Benedito no salão da
comunidade, ao som de tambores, representa um ritual de sincretismo da matriz africana
durante a celebração. De acordo com Ribeiro (2014, p. 21), “[...] missas, terços, procissão,
apresentações culturais, torneio de futebol e almoço integram a programação”, que tem a
duração de nove dias.
A preparação da festa de São Benedito iniciava-se muito tempo antes de sua
realização. “Todos os anos, meses antes da festa, tia Eva saía com outros parentes,
empunhando o mastro de São Benedito, para ir às casas e às fazendas com o objetivo de pedir
57
Bisneto de tia Eva, atualmente com 85 anos, foi entrevistado pelo autor dessa dissertação, no dia 26/01/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
58
Transmissão da festa disponível no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=lpOJkDkaX3g. Acessado
em: 11/06/2021.
59
Foi entrevistado no dia 02/02/2021. Tataraneto de tia Eva, atualmente com 41 anos, foi entrevistado pelo autor
dessa dissertação, no dia 02/02/2021 em sua residência, localizada na comunidade.
60
Tataraneta de tia Eva, atualmente com 46 anos, foi entrevistada pelo autor dessa dissertação, no dia 01/02/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
82
doações ao evento” (PLÍNIO DOS SANTOS, 2012, p. 170). A festa atraía pessoas de toda a
cidade, assim como parentes que se deslocaram de outras regiões, “a festa tinha início com as
novenas durante o dia. À noite havia os bailes embaixo da mangueira próxima à igreja, pois
ainda não havia o salão comunitário” (MACHADO, 2019, p. 35).
Naquela época para angariar fundos para os festejos, ela fazia a “Folia da Bandeira”
quando se caminhava com a bandeira do santo pelas vizinhanças pedindo esmolas e
prendas, de porta em porta, para serem revertidos em almoço com direito a doces
servidos aos pobres [...] na maioria das vezes eram as mulheres e devotos quem
desempenhavam essa tarefa (MATOS, 2004, p. 30).
Conforme o relato da Dona Adair Jerônima, nas festas de São Benedito do passado
havia um sorteio para escolher o organizador da festa, conhecido como festeiro. Segundo
Dona Adair Jerônima 61, “[...] antigamente nas festa tinha um sorteio de qual ia ser o festeiro
do ano”, que ficava encarregado da organização dos bailes. Após a criação da Associação
Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus, em 1984, a organização da festa passou
a ser coordenada pelo presidente e diretores dessa associação.
A criação da associação também possibilitou uma maior aproximação com o poder
público municipal e estadual, que passou a atuar na limpeza, iluminação, contratação de
músicos e divulgação da festa de São Benedito. Um dos exemplos dessa articulação é o
material de divulgação (figura 8) da 93ª festa de São Benedito, ocorrida no ano de 2012, no
qual percebe-se na parte inferior o apoio da Fundação Municipal de Cultura de Campo
Grande (FUNDAC), da Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS (PMCG), do deputado
federal Edson Giroto, que foi candidato a prefeito da capital no mesmo ano e a realização da
Associação Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus.
61
Bisneta de tia Eva, atualmente com 87 anos, foi entrevistada pelo autor dessa dissertação, no dia 02/02/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
83
Embora em todo mundo a festa de São Benedito seja celebrada no dia 4 de abril, data de sua morte, no Brasil
62
ela é celebrada, desde 1983, em 5 de outubro, por especial deferência canônica concedida à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Disponível em: https://franciscanos.org.br/vidacrista/calendario/sao-
benedito/#gsc.tab=0. Acessado em: 01/06/2021.
84
uma lei que não criou condições para incluir o negro na sociedade brasileira. Ainda de acordo
com Fraga (2018, p. 352), “a aprovação da lei gerou manifestações muito parecidas e quase
simultâneas nas diversas capitais das províncias do Brasil” e não ficaram restritas somente ao
dia 13 de maio de 1888, em alguns casos as comemorações se estenderam além da data.
Como aponta Fraga (2018), celebrações da abolição nos redutos negros parecem ter
sobrevivido ao esquecimento.
Conforme argumentou Areias Costa (2016), que pesquisou a trajetória do maestro
abolicionista Manoel Tranquilino Bastos, na cidade de Cachoeira, Recôncavo Baiano,
Durante as missas que acompanhei nas festas de São Benedito, observei que naquele
espaço havia uma baixa presença de jovens da comunidade, sendo predominante a
presença dos descendentes mais velhos. Nas duas missas de abertura que estive
presente, observei que [...] foram utilizados instrumentos pouco convencionais nesse
tipo de solenidade religiosa, como tambores (Ibid., p. 38).
dois grupos: (Canto 1) ladainha a São Benedito e o (Canto 2) Cantos Marianos (PEREIRA,
2016). A organização da celebração religiosa no interior da festa conta com a organização de
um grupo intitulado como Legião de Maria, composto por mulheres descendentes de tia Eva.
Esse é um traço característico da comunidade, no qual a liderança religiosa sempre esteve a
cargo das mulheres, tendo sido iniciada com Eva Maria de Jesus e passado pelas mãos de suas
descendentes Sebastiana Maria de Jesus (filha), Catarina Vida (neta) e Narzira da Cruz Barros
(bisneta). Na atualidade, a Legião de Maria conta com as lideranças da Dona Neuza Jerônima,
filha da dona Narzira, e da Dona Adair Jerônima (bisneta de tia Eva).
No último dia de novena, que ocorre no segundo sábado da festa, os devotos de São
Benedito erguem o mastro com a bandeira do santo, registrado na figura 9 a seguir, e acendem
a fogueira no pátio situado em frente à “igrejinha”, em meio a três fogos de artifício. Esse
momento é marcado pela renovação de votos ao santo padroeiro da comunidade, bem como
pela realização da promessa iniciada com tia Eva.
festa é de toda a sociedade”, aponta Vânia Lúcia Batista Duarte 63. O tradicional churrasco é
gratuito a qualquer visitante, seja ele devoto do santo ou não. A comunidade aproveita a
oportunidade para vender artesanatos, pratos típicos, doces e bebidas em espaços provisórios,
como barracas montadas nas calçadas, ou em espaços permanentes, tais como o bar do Sabiá.
[...] só pra colocar um exemplo aqui, no começo aqui, quando eram os salesianos,
terminava o terço, a missa, "Vamos embora cada um pra casa", falava que o baile era
coisa do diabo, mas se você fazer uma festa e não tiver baile segurar o pessoal,
terminou, vai todo mundo embora, vai vender o que? Então teve festeiro também
que não queria baile, não queria nada, era armado aqui na minha casa, não tinha
nada, não tinha música, foi todo mundo embora, ficava a mercadoria, e começou a
voltar, mas não tem jeito, tem coisa que se você não fizer... e você precisa, você tem
compromisso [...]
63
Tataraneta de tia Eva, atualmente com 46 anos, foi entrevistada pelo autor dessa dissertação, no dia 01/02/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
64
Bisneto de tia Eva, atualmente com 85 anos, foi entrevistado pelo autor dessa dissertação, no dia 26/01/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
87
Os bailes, principalmente no que se refere aos gêneros musicais, foi um dos pontos
que sofreram e sofrem novos significados a partir do choque entre gerações no interior da
comunidade. Atualmente, os ritmos que embalam os bailes da festa são o pagode e o
sertanejo, que disputam o espaço com o funk. “Os gêneros musicais que ocorriam durante as
noites do baile indicavam diferentes situações sociais. Na rua, prevalecia o funk nos carros de
som. No salão comunitário, se tocava pagode e sertanejo” (PEREIRA, 2016, p. 48).
De acordo com Pereira esta mudança está relacionada
[...] com uma série de valores sociais, parâmetros musicais, estéticos, religiosos e
culturais, contexto locais, familiares e geracionais. No âmbito da festa de São
Benedito, o que ocorre é um processo em que estilos musicais (culturalmente e
historicamente aceitos) adquirem novos significados de acordo com novos processos
históricos e culturais ou até novos estilos passam a ocupar espaço que pertencia a
outros estilos (2016, p. 50).
65
Bisneta de tia Eva, atualmente com 87 anos, foi entrevistada pelo autor dessa dissertação no dia 02/02/2021,
em sua residência, localizada na comunidade.
66
De acordo com Pereira (2016), o torneio de sinuca foi incorporado à festa a partir de 2016. O torneio ocorre no
bar do Sabiá, localizado na rua Eva Maria de Jesus.
88
de um dos filhos do Seu Sérgio Antônio (Seu Michel), o Seu Eurides Antônio da Silva,
conhecido na comunidade como Bolinho. “O torneio Tia Eva de Futebol começou por volta
dos anos 60. Nós tivemos esse torneio em oito campos de futebol, é uma história, é uma
tradição” relatou Bolinho em entrevista para Pereira (2016, p. 51).
A partida da final do torneio de futebol amador ocorre no último domingo da festa de
São Benedito, paralelamente à realização da procissão de São Benedito. Atualmente, os jogos
do torneio de futebol são disputados em um espaço de propriedade particular cedida à
comunidade. Esta área, visível na figura 11, é reivindicada pela comunidade no RTID. A
Associação Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus pretende transformar o local
em área de lazer quando este estiver sob a posse da comunidade.
Figura 11 - Área cedida para realização do torneio de futebol amador Tia Eva
67
Tataraneta de tia Eva, atualmente com 46 anos, foi entrevistada pelo autor dessa dissertação, no dia 01/02/2021
em sua residência, localizada na comunidade.
89
[...] a cultura ela não é estática. Então ela sempre sofre algumas modificações. Eu
acho que o nosso olhar não é nem que positivo ou negativo, mas é todo um processo
de construção e organização de uma sociedade interfere no cotidiano, então acho que
a existência da festa, do ritual, da questão religiosa, da vivência da comunidade é
mais importante.
Ainda que a mudança seja encarada como um processo natural, como apontado no
relato de Vânia Lúcia, nesse mesmo trecho ela destaca as permanências, que seriam a
celebração religiosa e a festa como um espaço de convivência. Em outro relato de um
membro da comunidade, Seu Sérgio Antônio (Seu Michel) 68 avalia que “[...] as coisas
mudam, mas o que não pode mexer é a parte religiosa”.
A memória de tia Eva é compartilhada especialmente na celebração religiosa em torno
de São Benedito. Nesse campo, há uma maior resistência às mudanças, em nome da tradição
iniciada com a matriarca, tais como a realização da festa de São Benedito e a celebração em
torno do santo devoto, elementos essenciais da identidade do grupo. No campo da resistência,
os idosos assumem o papel de guardiões das tradições, garantindo que o passado esteja
presente nos lugares de memória.
Já no campo do profano, as mudanças foram verificadas de maneira mais contundente
nas entrevistas de trabalho de campo. Uma delas foi percebida em relação aos espaços
destinados ao baile, que no passado ocorria embaixo dos pés de manga sob a iluminação da
lua cheia, e hoje transcorre em dois espaços distintos: o salão comunitário e a rua Eva Maria
de Jesus. A partir de escolhas e opções da própria comunidade, novos ritmos musicais, como
o funk, ou a incorporação de atividades esportivas na celebração, como o futebol e o jogo de
sinuca, são exemplos de que a festa de São Benedito está em constante movimento. Na figura
12, a festa de São Benedito foi resumida em uma visão geral. No quadro abaixo os principais
momentos da festa foram fragmentados de modo a facilitar a distinção entre os campos, mas
na prática a celebração é marcada pela simbiose entre o sagrado e o profano.
68
Bisneto de tia Eva, atualmente com 85 anos, foi entrevistado pelo autor dessa dissertação no dia 26/01/2021,
em sua residência, localizada na comunidade.
90
Eva Maria de Jesus faleceu aos 78 anos, no ano de 1926. A notícia de sua morte se
espalhou, e “a cidade toda parou e vieram pessoas de toda a região para homenageá-la”
(MACHADO, 2019, p. 35). Após a morte de tia Eva, a festa de São Benedito continuou sendo
organizada anualmente pelos descendentes da matriarca, desde o ano de 1919.
O espaço físico da “igrejinha”, as “memórias do cativeiro” compartilhadas, a
religiosidade e a fé da tia Eva se constituíram em elementos fundamentais para coesão entre
os membros da comunidade. Nesse sentido, Machado defende que “[...] a história dessa
Comunidade nos aponta que a memória do passado, associada ao local e à religião, são
aspectos culturais de relevância para a construção da identidade e, ao mesmo tempo, para a
manutenção da presença lúdica de tia Eva” (2019, p. 38). A festa de São Benedito se tornou
“passado presente” 69 para os membros da Comunidade Quilombola Tia Eva, símbolo da
identidade dos seus integrantes, patrimônio cultural quilombola em Mato Grosso do Sul e
bandeira de lutas por reparação de direitos. Como afirmam Abreu e Mattos (2013), expressões
culturais em geral, consideradas como patrimônios quilombolas, são bandeiras de luta por
direitos, conquistas de espaços públicos e afirmação identitária.
Na década de 1970, a principal via urbana que corta a comunidade foi batizada com o
nome da Eva Maria de Jesus. Em 1996, a tia Eva recebeu o título de cidadã campo-grandense
(Decreto Legislativo nº 368, de 27/06/1996). Nos anos de 1996 e 1998, a “igrejinha” de São
Benedito foi tombada como parte do patrimônio público, respectivamente, pelo município e
estado. Nos anos 2000, a escola estadual Antônio Delfino Pereira e a creche Eva Maria de
Jesus iniciaram suas atividades pedagógicas, atendendo crianças e adolescentes da
comunidade e região. Além disso, a comunidade é assistida pela Unidade Básica de Saúde da
Família São Benedito (UBSF), que não foi fechada no ano de 2018 por conta da mobilização
dos moradores da comunidade.
Em julho de 2021, foi apresentado o projeto de restauração da igreja de São Benedito e
requalificação de seu entorno imediato à comunidade. O projeto surgiu de uma parceria entre
estado e município, uma vez que a “igrejinha” foi tombada por ambos os poderes, teve a
69
Expressão empregada por Hebe Mattos, Martha Abreu e Milton Guran no projeto Passados Presentes,
elaborado a partir do Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos
Africados Escravizados no Brasil, no Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal
Fluminense (LABHOI/UFF), com o apoio do Projeto Rota de Escravos, da Unesco, em 2014. Disponível em:
http://passadospresentes.com.br/site/Site/index.php/principal/index. Acessado em: 18/04/2020.
91
70
Foi entrevistado no dia 02/02/2021. Tataraneto de tia Eva, atualmente com 41 anos, foi entrevistado pelo autor
dessa dissertação, no dia 02/02/2021 em sua residência, localizada na comunidade.
94
Ao longo do primeiro semestre de 2020, quando foi definido o objeto desta pesquisa
em torno do protagonismo exercido por Eva Maria de Jesus na formação de uma comunidade
negra cofundadora do município de Campo Grande, levantou-se a questão que norteou toda
esta dissertação: como as memórias e a história da Comunidade Quilombola Tia Eva podem
ser trabalhadas e valorizadas no ensino de História? Essa indagação provocou a escolha do
instrumento escolhido, o website, como dimensão propositiva voltada ao ensino de História.
Tendo como premissa esse problema, essa dissertação teve como ponto de partida o
levantamento de pesquisas que se debruçaram sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva. A
partir desse levantamento, esta pesquisa identificou dois traços importantes: o primeiro foi a
pequena quantidade de pesquisas no campo da História, visto que os trabalhos dentro desse
campo são recentes em Mato Grosso do Sul; o segundo traço verificado, intimamente ligado
às justificativas desta pesquisa dentro do campo do ensino de História, foi a ausência de
materiais didáticos sobre a história de Eva Maria de Jesus na educação básica.
A partir dessas duas constatações, a pesquisa começou a ser desenvolvida ao longo do
ano de 2020, mas sem uma clara definição de qual seria o material didático definido pelo
trabalho. Inicialmente, o primeiro formato de material didático pensado foi um livro
paradidático sobre a tia Eva e a comunidade fundada por ela. Tendo em vista que as atuais
gerações de estudantes são muito mais audiovisuais do que leitoras e que o alcance de uma
tiragem de livros físicos ficaria restrito a um certo local, a opção pelo livro paradidático foi
deixada de lado à medida que o projeto da pesquisa foi sendo delineado.
Somado a isso, o advento da pandemia do novo coronavírus apresentou, ao mesmo
tempo, dificuldades e possibilidades que poderiam ser aproveitadas na definição do material
didático sobre o objeto desta pesquisa. O contexto pandêmico interrompeu as aulas
presenciais nas escolas públicas e privadas de Campo Grande a partir de março de 2020. A
partir desse contexto, uma dificuldade se escancarou para docentes e estabelecimentos de
ensino: como realizar a operação de ensino-aprendizagem à distância? As primeiras semanas
após a suspensão das aulas presenciais foram de incertezas e total desarticulação de políticas
públicas que direcionassem essa nova realidade.
Os esforços para minimizar os impactos causados pela interrupção das aulas
presenciais partiram de iniciativas de docentes, estabelecimentos de ensino e comunidade
escolar, num emaranhado de modelos que variavam conforme a realidade de cada escola, de
cada corpo discente e de cada professor. A partir desse contexto, as TDICs, presentes no
contexto escolar antes do período mencionado assumiram importante papel no ensino de
História, auxiliando na continuidade das atividades escolares durante o período de suspensão
de aulas presenciais.
Ainda que o acesso e o domínio das TDICs não sejam igualitários e democráticos para
professores e alunos no interior da educação básica, essas ferramentas se tornaram em maior
ou menor grau, essenciais para a realização das aulas remotas. Foi a partir dessa experiência
96
que ocorreu o amadurecimento em torno do tipo de material didático que seria construído por
esta pesquisa. Assim sendo, o potencial em torno das TDICs no ensino de História se
apresentava como uma possibilidade a ser explorada e desenvolvida para a construção do
material didático propositivo.
De acordo com Sandra Regina Santana Costa, Barbara Cristina Duqueviz e Regina
Lúcia Sucupira Pedroza, o termo TDICs é utilizado para abranger “[...] computador, tablet,
celular, smarthphone e qualquer outro dispositivo que permita a navegação na internet”
(2015, p. 604). Ou seja, o conjunto de recursos tecnológicos usados para a transmissão da
informação e auxílio na comunicação pode ser entendido como TDICs, e o seu uso se aplica
nos mais variados campos da sociedade, tais como o ensino de História.
Para Alexandre Martins dos Anjos e Glaucia Eunice Gonçalves da Silva, o uso de
TDICs possibilita novas estratégias para os processos educativos, num cenário onde as
tecnologias da informação e comunicação, presentes na sociedade contemporânea, pressionam
a escola e o ensino para a sua efetiva e eficaz introdução. Ainda de acordo com os
pesquisadores,
estabelecendo diálogo com a História Oral, com a memória, com o patrimônio, entre outros;
no Brasil, a História Pública vem se expandindo rapidamente, tendo seu principal foco na
incorporação de tecnologias digitais da informação e da comunicação na divulgação da
pesquisa científica, focalizando a ampliação de audiências para fora do meio acadêmico.
Ainda que a História Pública possa ter assumido diferentes significados em variados
processos históricos, as recentes inovações tecnológicas da informação e comunicação têm
aproximado esse campo ao grande público. Além disso, conforme argumentou Carvalho, a
presença dos historiadores na esfera pública pode contribuir no combate à desinformação
presente na internet:
A presença dos historiadores nas redes sociais na Internet é ainda mais desejável
porque esses espaços são frequentemente inundados por conteúdos de história de má
qualidade, incompletos, imprecisos, errôneos e até mesmo mal-intencionados.
Ocupar estes espaços com editores comprometidos com a circulação e a recepção
responsável do saber histórico é fundamental para combater a entropia que ameaça
boa parte da Internet (2016, p. 41).
Segundo Carvalho, a História Pública não está interessada apenas em divulgar o saber
histórico por meio das novas tecnologias de informação e comunicação, mas sim possibilitar
uma dimensão democrática, inclusiva e colaborativa, possibilitando o reconhecimento e a
valorização do “[...] depoimento do indivíduo, suas experiências e memórias como
constitutivas de uma história efetivamente social, dando visibilidade a camadas sociais que
frequentemente eram apagadas das narrativas históricas” (2016, p. 43). Delineava-se a partir
dessas referências a intenção dessa pesquisa em se apropriar das TDICs, com base na
perspectiva da História Pública, para desenvolver uma ferramenta de alcance para o ensino de
História.
Foi justamente a partir das TDICs, que se apresentaram como importante ferramenta
de ensino no período pandêmico, que surgiu uma possibilidade a ser aproveitada nesta
pesquisa: aliar a produção do material didático relacionado ao ensino de História à uma
tecnologia digital da informação e comunicação, que pudesse alcançar um grande público.
Nesse contexto, o formato de material didático a ser desenvolvido na pesquisa foi definido em
torno do website. Nele foi possível divulgar o conteúdo referente à história de Eva Maria de
Jesus, promover a visibilidade das memórias dos descendentes da matriarca, possibilitar a
visitação virtual nos principais espaços e bens da comunidade quilombola, propor planos de
aula que possam ser utilizados pelos professores de história na educação básica com base na
temática, utilizar o recurso de jogos virtuais como instrumento avaliativo de saberes, divulgar
outras pesquisas sobre a comunidade e viabilizar a comunicação entre usuários e a página.
Antes mesmo de iniciar o desenvolvimento do website sobre a Comunidade
Quilombola Tia Eva e a trajetória de sua fundadora, toda a questão técnica que envolve a
construção desse instrumento foi apresentado à comunidade, a fim de obter a autorização para
o registro e desenvolvimento dessa ferramenta. As intenções da pesquisa foram apresentadas à
diretoria da Associação Beneficente dos Descendentes de Eva Maria de Jesus em trabalho de
campo. O projeto de pesquisa e a intenção do desenvolvimento da construção do website
98
71
“A web é a versão multimídia da Internet. Tecnicamente o termo Web designa uma sub-rede da Internet,
formada por computadores que oferecem serviços baseados na tecnologia Web. Enquanto na Internet a
informação textual sempre reinou absoluta, na Web as imagens e cores estão sempre presentes” (MORAIS;
LIMA; FRANCO, 2012, p. 58).
72
É um nome de propriedade, pessoa ou organização. É constituído de uma sequência alfabética ou alfanumérica
seguida de um sufixo indicando o domínio de alto nível (.com, .net, .com.br, entre outros). Os domínios são
usados como endereços de websites na internet, servindo de ponto entre usuários e o servidor com os dados e
informações armazenadas (Ibid., 2012).
99
73
O cadastro e registro do domínio foi realizado no endereço: https://www.registro.br. Acessado em 10 de
janeiro de 2022.
74
O registro da reunião de apresentação da pesquisa na CMCG está disponível no endereço:
https://www.camara.ms.gov.br/noticias/projeto-de-mestrado-quer-dar-visibilidade-e-reconhecimento-a-
comunidade-tia-eva/190216#.YgBb9d7HD6g.whatsapp. Acessado em 06 de fevereiro de 2022.
100
Com o apoio obtido por meio do poder público, foi possível viabilizar o
desenvolvimento das tecnologias digitais, registrar o domínio do endereço na web e contratar
uma empresa responsável pela hospedagem do banco de dados do website. Destes custos,
serão permanentes a manutenção do registro e hospedagem, sendo necessário o pagamento
anual 75 para que a ferramenta esteja disponível na internet. Na figura 17 a seguir, nota-se que
o registro com o domínio “comunidadequilombolatiaeva.com.br” não se encontra disponível
na plataforma responsável pelos registros de nomes e marcas na internet.
75
Por conta do apoio obtido com a CMCG, foi possível viabilizar o registro e a hospedagem do website até
dezembro de 2026.
101
Fonte: https://www.registro.br.
empresa que oferecesse o recurso de forma gratuita na internet e que também tivesse os
processos de construção do website de forma intuitiva, simples e objetiva.
A plataforma de base selecionada para abrigar conteúdos, mídias e informações e que
se encaixou nos critérios apresentados anteriormente foi a WordPress 80. Este programa se
mostrou versátil e confiável, de fácil manipulação e com código aberto, permitindo alterações
nos modelos de layouts disponíveis no sistema. O processo de construção do website descrito
nessa seção, pode ser observado na figura 18 de forma resumida, sintetizando as quatro
principais etapas de construção da página sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva.
80
É o nome da plataforma de base adotada para construir o website sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva.
103
O website foi construído com uma interface dividida em dez seções, compostas por
imagem e título que funcionarão como um hiperlink capaz de levar o usuário a um
determinado conteúdo na página. Este tipo de estrutura, visível na figura 19, possui uma “[...]
navegação com muitos links e imagens interligando textos, além de que possam delimitar
conteúdos restritos ou mesmo trabalhar concorrentemente as mais diversas áreas do
conhecimento” (op. cit. p. 29). Os conteúdos de visitação serão organizados nas seguintes
seções: 1) Formação e Localização; 2) Memórias de tia Eva; 3) Igreja de São Benedito; 4)
Festa de São Benedito; 5) Comunidades Quilombolas em Mato Grosso do Sul; 6) Sugestões
Didáticas; 7) Passeio Virtual em 360º; 8) Teste seus conhecimentos jogando - Quiz virtual; 9)
Pesquisas e Publicações sobre a Comunidade; 10) Vídeos sobre a Comunidade.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
81
Banners são imagens incorporadas em uma página da web, que podem servir para fazer a exposição de um
produto, marca, anunciante ou título da página.
104
busto de tia Eva e à direita a igreja de São Benedito, como os principais elementos ligados à
memória e ao protagonismo de Eva Maria de Jesus. Entre esses dois elementos, está
destacado o título da página, Comunidade Quilombola Tia Eva. Além disso, o banner também
possui a identificação das instituições ligadas ao desenvolvimento desta pesquisa, na parte
inferior esquerda, sendo elas a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), o
Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA) e a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O banner também cumpre a função
de link de acesso a página principal sempre que o usuário clicar sobre a imagem.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Abaixo da imagem destacada acima, está a barra de menu do website, que é dividida
em três agrupamentos distintos, conforme pode ser observado na figura 21. O primeiro
agrupamento contém os links de acesso a páginas sobre quilombos na rede, sendo elas: 1)
“Atlas Observatório Quilombola”. Nesta página é possível conhecer a origem do nome da
comunidade, um breve histórico, a localização, o número de famílias, a situação fundiária e as
condições socioeconômicas de comunidades espalhadas pelo Brasil. Tudo isso com fotos,
vídeos, acervo e depoimentos dos quilombolas. Os dados foram reunidos a partir de múltiplas
fontes, entre elas as pesquisas de Koinonia 82, organização que trabalha pela garantia dos
direitos quilombolas desde 1999; 2) “Geoquilombolas” 83, este website tem como proposta
realizar o mapeamento da produção espacial das 22 comunidades quilombolas no estado de
Mato Grosso do Sul, bem como oferecer maior visibilidade para os eventos, comemorações
culturais e o patrimônio histórico imaterial dessas comunidades; 3) “INCRA/Quilombola”,
página vinculada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que
apresenta dados nacionais referentes aos territórios quilombolas, etapas de titulação de
território e acompanhamento dos processos de regularização fundiária quilombola; 4) “Mapas
Quilombolas”, página relacionada ao Ministério Público Federal, que reúne informações
básicas sobre as comunidades quilombolas de Mato Grosso do Sul; 5) “Fundação Cultural
82
Fundada em 1994, Koinonia Presença Ecumênica e Serviço é uma organização sediada no Rio de Janeiro (RJ),
com atuação nacional e internacional. A missão de Koinonia é mobilizar a solidariedade ecumênica e prestar
serviços a grupos histórica e culturalmente vulneráveis e em processo de emancipação social e política; além de
promover o movimento ecumênico e seus valores libertários. Disponível em: https://kn.org.br/. Acessado em
janeiro de 2022.
83
O website é fruto de um projeto do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do
Sul (IFMS), desenvolvido pelos professores João Batista Alves de Souza, Luiz Felipe de Souza Jimenez, Ana
Paula Macedo Cartapatti Kaimoti, Samara Melo Valcacer e pelos estudantes Samyra Jamilli Prestes e Isadora
de Matos Morais.
105
Palmares”, website da entidade pública que tem como missão a promoção e preservação da
cultura negra e afro-brasileira no país; 6) “CONAQ”, página da Coordenação Nacional de
Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, que atua na defesa pelo uso
coletivo do território, pela implantação de projetos de desenvolvimento sustentável, pela
implementação de políticas públicas levando em consideração a organização das comunidades
de quilombo; por educação de qualidade e coerente com o modo de viver nos quilombos; o
protagonismo e autonomia das mulheres quilombolas; pela permanência do jovem no
quilombo e, acima de tudo, pelo uso comum do território, dos recursos naturais e pela
harmonia com o meio ambiente. O usuário que clicar em qualquer um dos links listados
anteriormente permanece na página sobre a comunidade, mas possibilita a abertura de nova
janela de navegação com a referida página.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
84
Tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira na educação básica.
85
Instituiu o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.
106
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino
de História da África e da Cultura Afro-brasileira e Africana.
As principais informações do website, oriundas do percurso da pesquisa, encontram-se
nas dez seções da região central da página principal. O usuário que se deslocar pelo conteúdo
dos hiperlinks poderá orientar-se por meio da localização das imagens e título das respectivas
páginas. O layout desenvolvido para a identidade visual do website se baseou nas cores da
igreja de São Benedito, destacando o azul e o branco como as cores predominantes da página.
As figuras foram produzidas com base na técnica de pintura aquarela, pela artista
plástica Marina Zeni Rizzi, que se orientou em fotografias da jornalista Priscila de Oliveira
Ribeiro, publicadas no livro Retratos da Comunidade Tia Eva (2014), para elaborar as figuras
das quatro primeiras seções. As demais figuras do website foram produzidas conforme o
conteúdo de cada página, cumprindo uma função didática de relacionar a imagem de capa
com o assunto específico de cada seção, como por exemplo, a figura do professor escrevendo
na lousa, na seção seis, vinculada aos planos de aula sugeridos na página, ou a figura de uma
mulher segurando um celular em frente a “igrejinha”, na seção sete, relacionada com o acesso
a essa edificação por meio de dispositivos móveis, utilizando a tecnologia de visitação virtual
em 360º.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
A primeira seção do website sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva apresenta como
imagem de capa a perspectiva da igreja de São Benedito vista pela região sul, tendo ao fundo
as casas dos bairros que cercam a comunidade. Na figura 22, é possível verificar a topografia
da região onde está localizada a comunidade, que possui vista privilegiada da cidade de
Campo Grande. Esta característica geográfica coincide com a localização de muitas
comunidades quilombolas espalhadas pelo Brasil, presentes em locais de topografia
acidentada e elevada, tais como serras e chapadas, para facilitar a defesa e controle da região.
O usuário que clicar no título ou na imagem da seção terá acesso ao conteúdo
relacionado à geografia da área onde está inserida a comunidade, além de obter informações
86
Regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
terras ocupadas por remanescentes de quilombos.
107
sobre a gênese da comunidade fundada por tia Eva. Para situar o leitor diante das informações
da seção, esta página contém mapas e imagem de satélite da região, relacionando os campos
da História e da Geografia com o objeto desta pesquisa.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
segunda seção do website procurou aproximar o usuário da página com a comunidade, por
meio das memórias de tia Eva. Desta forma, a conexão entre a História Pública e o ensino de
História possibilita novos sentidos para a história da escravidão e do pós-abolição, como
evidenciam Abreu, Mattos e Grinberg no trecho a seguir.
87
As perguntas realizadas na entrevista em trabalho de campo se encontram no anexo e apêndice desta
dissertação.
109
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
entorno da “igrejinha” que está em andamento. O usuário que navegar por esta página tem a
possibilidade de acessar o passeio virtual sobre a edificação religiosa, por meio de um link no
final da página.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Figura 28 - Conteúdo parcial das principais etapas da celebração da Festa de São Benedito,
localizada na seção "Festa de São Benedito"
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
113
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
88
Localizado na página 52 desta dissertação.
89
Localizado na página 53 desta dissertação.
114
Figura 30 - Tabela com os nomes das comunidades e respectivas regiões onde estão
inseridas, localizada na seção "Comunidades Quilombolas em MS"
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
90
Os planos de aula estão na seção apêndices desta dissertação.
115
que dá acesso a esses planos de aula traz a representação de um educador escrevendo em uma
lousa, conforme é possível observar na figura 31.
Os planos de aula foram elaborados com base nos referenciais curriculares da
Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul (SED/MS) e da Secretaria
Municipal de Educação de Campo Grande (SEMED). O primeiro plano de aula aborda a
história da Comunidade Quilombola Tia Eva e o uso de jogos virtuais como estratégia de
avaliação, enquanto o segundo plano de aula trata sobre o patrimônio cultural da comunidade,
passeio virtual e educação patrimonial. Embora ambos os planos apresentem uma
metodologia para atingir seus objetivos, as sugestões didáticas são propostas flexíveis, que
podem ser alteradas de acordo com a realidade de cada escola, de cada professor e de cada
corpo discente.
De acordo com Luvizotto, Fusco e Scanavacca, websites educacionais devem
estabelecer um nível de interatividade entre usuários e a página.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Esta página poderá ser acessada por meio do computador, celular ou tablet. A
tecnologia empregada possibilita ao usuário o deslocamento no local fotografado ao clicar nos
círculos piscantes, permitindo a visualização de imagens no interior da “igrejinha”, assim
como na casa do Seu Michel, bisneto de tia Eva, que mantém um acervo de reportagens,
fotografias e pesquisas sobre a comunidade no interior de sua residência. Além dessas duas
estruturas, o navegador poderá acessar o interior do Centro de Difusão da Cultura Afro-
brasileira Tia Eva, local de festas, celebrações, palestras, reuniões, entre outros, o antigo
espaço onde ocorria a festa de São Benedito e a rua principal da comunidade. Na figura 33, é
possível notar os círculos piscantes, indicados com setas na cor amarela, que viabilizam o
deslocamento do usuário para as regiões e edificações mapeadas por meio dessa tecnologia.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
A seção de número oito do website, cujo título é “teste seus conhecimentos jogando”,
traz a plataforma de um jogo virtual sobre a temática da página. Ao clicar no título ou na
imagem de capa, o usuário terá acesso a uma nova aba de navegação, com acesso ao jogo
virtual desenvolvido de acordo com as fontes e informações distribuídas ao longo das
primeiras cinco seções do website. A figura 34, que é a imagem de capa dessa seção e
hiperlink com acesso ao jogo virtual, tem como destaque a palavra quiz 91 rodeada de vários
pontos de interrogação, fazendo uma referência a perguntas e questionamentos sobre o
conteúdo da página sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva. Dessa forma, o jogo virtual
pode ser utilizado tanto como instrumento de sondagem acerca de conhecimentos prévios
sobre a temática, bem como forma de avaliação de conhecimentos adquiridos.
De acordo com Guilherme da Costa Nunes, os jogos virtuais que incorporam em suas
narrativas acontecimentos históricos são denominados como history games. Essa categoria de
jogos virtuais pode ser dividida em dois tipos, “[...] os desenvolvidos sem nenhuma finalidade
pedagógica, voltado exclusivamente para o mercado comercial, e os idealizados e
desenvolvidos para a educação, chamado de serious games” (2018, p. 5). Baseado na
tipologia apresentada por Nunes, o jogo virtual sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva
pode ser definido como um serious game voltado para o ensino de História, pois o enredo e as
atividades foram elaborados com uma finalidade pedagógica.
A utilização desse tipo de ferramenta, dentro de um website voltado para o ensino,
atende uma das principais dimensões práticas que deve compor o desenvolvimento de um
website educacional. De acordo com Luvizotto, Fusco e Scanavacca,
91
Quiz é o nome de um jogo de questionários, que tem como objetivo fazer uma avaliação dos conhecimentos
sobre um determinado assunto.
118
O jogo virtual sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva foi desenvolvido pela
empresa Infinity Deer, sediada na cidade de Curitiba/PR. O enredo do jogo, banco de dados
com as informações, figuras, artes e atividades propostas foram desenvolvidas com base no
percurso da pesquisa bibliográfica e de campo. O projeto contou com o financiamento da
CAPES, entidade de fomento desta dissertação, assim como o apoio da Câmara Municipal de
Vereadores de Campo Grande (CMCG). O desenvolvimento do jogo virtual teve início do
mês de julho de 2021, com a entrega da versão final tendo ocorrido no mês de dezembro do
mesmo ano.
A ferramenta foi concebida como um jogo de tabuleiro em duas dimensões (2D), no
qual o deslocamento no tabuleiro será permitido em caso de acerto de uma pergunta sobre a
Comunidade Quilombola Tia Eva. O usuário que acessar o jogo irá visualizar, em primeiro
lugar, uma breve descrição dos objetivos do jogo, conforme é possível visualizar na figura 35.
Após avançar a primeira tela, o navegador irá se deparar com a tela de abertura do jogo. Sobre
a constituição da arte da tela de abertura, visível na figura 36, optou-se por utilizar a imagem
do busto da tia Eva do lado direito e a arte da igreja de São Benedito do lado esquerdo, ao
fundo um cenário urbano, uma vez que a comunidade quilombola está inserida dentro de
Campo Grande, na região central o título do jogo seguido dos botões de comando para iniciar
ou se retirar da ferramenta.
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
119
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
92
As questões elaboradas estão na seção apêndices desta dissertação.
120
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
De forma geral, o jogo virtual sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva obedece às
cinco etapas progressivas. O jogo, que pode ser acessado de forma livre pelo usuário do
website, ou de forma direcionada pelo professor de História que for utilizar a página e o plano
de aula 1 no ensino de História, tem uma dinâmica linear e rígida. Sempre que for acessado, o
usuário irá se deparar com as etapas demonstradas no quadro geral, conforme a figura 40 a
seguir.
122
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
93
É um componente que pode ser utilizado em computadores, celulares e outros aparelhos eletrônicos para
simplificar o acesso a um outro programa, aplicativo ou sistema. Eles geralmente contêm janelas, botões,
menus entre outras funcionalidades (MORAIS; LIMA; FRANCO, 2012).
124
Fonte: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br
125
1. CONSIDERAÇÕES FINAIS
casos de José Antônio Pereira e tia Eva, a história oficial admite apenas o protagonismo do
primeiro e silencia as contribuições da matriarca da comunidade pesquisada nesta dissertação.
E onde se encontram as memórias do protagonismo de tia Eva na genealogia de
Campo Grande? Como é possível acessá-las para o ensino de História pautado no respeito e
valorização à diversidade? De acordo com as historiadoras Martha Abreu, Hebe Mattos e
Keila Grinberg (2019), uma estratégia para responder estas questões seria levar a escola até a
comunidade, trabalhando com saberes e histórias que não estão nos conteúdos e livros
escolares, por meio dos diálogos, conversas e visitas. “O diálogo estabelecido entre detentores
de patrimônios culturais [...] jovens e crianças em idade escolar, tem o poder de modificar a
visão dos ouvintes ou visitantes sobre o papel desempenhado pela população negra” (Ibid., p.
30). Outro caminho para viabilizar esse diálogo seria levar a comunidade até a escola, por
meio do uso de novas tecnologias de comunicação e informação.
Foi partindo desse pressuposto, ou seja, levar a comunidade até a escola, que a
dimensão propositiva desta pesquisa foi pensada através de uma ferramenta virtual. Constado
o silenciamento em torno da relevância histórica e cultural da tia Eva no ensino, justamente
pela falta de materiais didáticos que promovam o reconhecimento e valorização, e sendo esse
um dos principais obstáculos para a implementação da Lei 10.639/2003, é que esta pesquisa
se propôs a construir um material didático sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva. O foco
da pesquisa sobre a comunidade se justificou pelo dever à memória e o direito à história,
assim sendo uma política de reparação no ensino. Nesse sentido, a memória da diáspora
africana, inserida no protagonismo de tia Eva, foi pensada a partir da perspectiva da
positivação histórica e cultural na concepção da relação entre a pesquisa e o ensino. Sendo
assim, o reconhecimento e a valorização foram as “cláusulas pétreas” para a construção do
material pedagógico sobre Eva Maria de Jesus.
Pensando em atingir um maior número de escolas, estudantes e professores possíveis,
o tipo de material didático elaborado nesta pesquisa foi um website. Por meio desse recurso, a
visibilidade das memórias e história de tia Eva pode alcançar um variado grupo de pessoas,
seja por dispositivos móveis, tais como celulares e tablets ou dispositivos fixos como
computadores. Além disso, o website enquanto recurso pedagógico pode oferecer uma
variedade de ferramentas tecnológicas de informação e comunicação voltadas para o ensino.
Aproveitando o potencial técnico que o website pode proporcionar como recurso
pedagógico, o material didático incorporou a tecnologia de visitação virtual em 360º e a
utilização de um jogo virtual como instrumento avaliativo. Tais recursos foram produzidos no
campo ensino de História, estando intimamente ligados com a prática docente por meio de
planos de aula alocados no website.
Esse recurso foi construído de modo que o usuário possa navegar com facilidade, por
meio de uma interface intuitiva, na qual o navegador possa ter acesso rápido e fácil as seções
do website. Todo o banco de dados, assim como a hospedagem da página, foi planejado para
que o acesso a esse material não exija a utilização de aparelhos de última geração nem um
grande pacote de dados de internet. O desenvolvimento desse instrumento pedagógico levou
128
FONTES
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Ribeiro Diacópulos. Campo Grande/MS, 05 de fevereiro de 2021.
DUARTE, Vânia Lúcia Baptista. Memórias de Tia Eva. Entrevista concedida a Jorge
Ribeiro Diacópulos. Campo Grande/MS, 01 de fevereiro de 2021.
130
SANTOS, Neuza Jerônima Rosa dos. Memórias de Tia Eva. Entrevista concedida a Jorge
Ribeiro Diacópulos. Campo Grande/MS, 02 de fevereiro de 2021.
SILVA, Adair Jerônima da. Memórias de Tia Eva. Entrevista concedida a Jorge Ribeiro
Diacópulos. Campo Grande/MS, 02 de fevereiro de 2021.
SILVA, Ronaldo Jeferson da. Memórias de Tia Eva. Entrevista concedida a Jorge Ribeiro
Diacópulos. Campo Grande/MS, 02 de fevereiro de 2021.
SILVA, Sérgio Antônio da (Seu Michel). Memórias de Tia Eva. Entrevista concedida a
Jorge Ribeiro Diacópulos. Campo Grande/MS, 26 de janeiro de 2021.
131
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PEREIRA, Pedro Henrique Gomes. A festa de São Benedito: rito e sociabilidade em uma
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do Pantanal Sul-Mato-grossense [livro eletrônico] – 1. Ed. – Porto Alegre, RS:
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compêndio da produção do PPGG-UFGD de 2017 a 2020 – 1. Ed. – Porto Alegre, RS:
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TOMAZ, Marcio de Fátimo. Informática e ensino de História: construindo uma nova cultura
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136
ANEXO
Ficha Celebrações 94
- Nome da celebração
Qual é o nome mais comum e outros nomes pelos quais a celebração é conhecida?
- Imagem
Possui fotos da celebração?
- O que é
Conte de forma resumida o que é a celebração.
- Onde é
Localize a celebração a partir das referências mais fáceis e conhecidas. (Informe onde ela
ocorre e como é o local).
- Períodos importantes
Quais são os momentos ou datas importantes associadas à celebração? (Informe a data ou
época da celebração e a sua duração).
- História
Conte sobre as origens e transformações da celebração ao longo do tempo.
- Significados
Quais os significados e funções têm as celebrações para a comunidade?
- Descrição:
Como a celebração ocorre?
- Programação
Quais são os eventos ou etapas que fazem parte da celebração?
- Pessoas envolvidas
Quais são as pessoas que organizam e participam da celebração e o que elas fazem?
- Comidas e Bebidas
Há alimentos especiais para esta celebração? Caso sim, quais são eles? Quem são as pessoas
responsáveis por fazê-los?
- Roupas e acessórios
Há vestimentas e acessórios específicos utilizados para a celebração? Caso sim, quais são e
para que servem? Quais são as pessoas que as usam? Quem são as pessoas que se
caracterizam para a celebração? Quem é responsável por produzir as indumentárias? Há
algo de especial na sua produção?
94
A metodologia utilizada para a construção das entrevistas em trabalho de campo seguem os roteiros propostos
nas Fichas do Inventário, categoria Celebrações, que constam no “Manual de Aplicação de Educação
Patrimonial para o Programa Mais Educação”, elaborado e publicado em 2013 pelo IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), p. 25-29.
138
- Avaliação
Indique os principais pontos positivos e negativos para que a celebração continue sendo uma
referência cultural. As pessoas dão importância à celebração? Elas se organizam para esse
fim? Como? Ou a celebração está perdendo o significado que justifica sua preservação?
- Recomendações
O que poderia ser feito para melhorar as condições de existência, realização e transmissão
da celebração?
139
APÊNDICES
- Identificação
Nome do entrevistado:
Idade:
-Gostaria que o Sr/Sra. contasse um pouco sobre a sua história com a sua família, começando
pela origem de seus pais e avós, se sempre moraram aqui ou se vieram de outros lugares. Qual
é a sua relação com este lugar?
-O que sabe sobre o processo de fundação desta comunidade? Quando surgiu? De que forma?
-Quais os motivos que levaram as primeiras pessoas virem morar na comunidade? Quem
foram eles/elas?
responder as questões, podendo ser em meio físico, como caderno ou cartolina, ou meio
digital, como bloco de notas ou demais plataformas digitais).
Observe na imagem a seguir a localização das estações do conhecimento no website
sobre a Comunidade Quilombola Tia Eva:
Cada estação terá uma questão norteadora, que será respondida coletivamente pelo
grupo com base na análise das fontes dispostas no website. A seguir, observe as questões para
cada estação:
• Estação 1: Eva Maria de Jesus, após receber a alforria, liderou a migração de negros
libertos em direção ao sul de Mato Grosso. Como era a cidade de Campo Grande no
início do século XX? Como as terras onde a comunidade se instalou foram adquiridas?
Como está a relação entre o território e a comunidade atualmente?
• Estação 2: Entende-se por "Memória" o compartilhamento de lembranças e discursos
sobre o passado, uma memória compartilhada, um olhar para o passado ancorado nos
interesses e visões de mundo do presente. Apresente duas memórias compartilhadas
entre os membros da comunidade que foram entrevistados.
142
MACHADO, Myleide de Souza Meneses Oliveira. Comunidade Tia Eva: bairro de negros
e herança de fé. 134f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Grande
Dourados, Dourados, 2019.
SANTOS, Lourival dos. Por uma História do negro no sul do Mato Grosso: história oral
de quilombolas de Mato Grosso do Sul e a (re)invenção da tradição africana no cerrado
brasileiro. Revista de Pesquisa Histórica – CLIO (Recife), n. 35, p.239-259, Jul-Dez, 2017.
143
PEREIRA, Pedro Henrique Gomes. A festa de São Benedito: rito e sociabilidade em uma
comunidade negra. 73f. Monografia (Bacharel em Ciências Sociais com habilitação em
Antropologia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2016.
144
Tema: Patrimônio Cultural da Comunidade Quilombola Tia Eva: A Igreja de São Benedito
Componente curricular: História.
Nível de ensino: Anos finais do Ensino Fundamental.
Objetivos:
• Definir o significado de Patrimônio Cultural;
• Conhecer o protagonismo de Eva Maria de Jesus e sua relação com a igreja de São
Benedito;
• Reconhecer e valorizar o Patrimônio Cultural local;
• Compreender a diferença entre o olhar e o ver;
Quantidade de aulas: 3 horas-aula.
Recursos:
• Computadores, celulares ou tablets com acesso à internet.
• Caderno pessoal para anotações.
• Folha de sulfite em branco.
• Lápis de cor.
Material didático: https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br/
Metodologia:
1ª aula - Contato com a temática e observação do patrimônio cultural.
• Inicie o encontro com a turma indagando os estudantes com as seguintes questões: O
que é Patrimônio Cultural? Quais são as diferenças entre patrimônio material e
imaterial? Você conhece algum patrimônio cultural de sua cidade ou bairro?
• A partir das inferências, o professor(a) regente desenvolverá um mapa de conceitos na
lousa, utilizando ou não, a participação dos alunos. No mapa conceitual, o docente
poderá definir o conceito de patrimônio cultural e apresentar suas categorias, com
ênfase no material e imaterial. É importante, nessa etapa, destacar alguns bens
culturais do estado, reconhecidos como Patrimônio Cultural pelo poder público, como
o tereré, a cerâmica terena e o Banho de São João (Patrimônio Cultural Imaterial de
Mato Grosso do Sul) e a igreja de São Benedito (Patrimônio Cultural Material de
Mato Grosso do Sul).
• Após esse momento inicial, peça para que os estudantes acessem o link
(https://www.comunidadequilombolatiaeva.com.br/passeio-igreja/). Esta etapa poderá
ser feita em pequenos grupos ou individualmente.
• Oriente os estudantes a realizar o passeio virtual sobre a igreja de São Benedito. Peça
para observarem todos os detalhes e elementos por alguns minutos. Utilizando o
cursor e clicando nos círculos em destaque, os estudantes poderão navegar pelo
interior da igreja pelo entorno da edificação.
• Nos últimos minutos da aula, peça aos alunos para desligarem os computadores,
celulares ou tablets do acesso ao passeio virtual. Promova uma roda de conversa com
145
Questão 1
Eva Maria de Jesus, popularmente conhecida como tia Eva, foi a protagonista da migração e
formação da comunidade que leva seu nome, sendo cofundadora da capital do Mato Grosso
do Sul. Antes de chegar a Campo Grande/MS, tia Eva foi:
a) Escravizada no interior de Minas Gerais.
b) Escravizada no interior de Goiás.
c) Escravizada no interior de São Paulo.
d) Escravizada no interior do Amapá.
Questão 2
No final do século XIX, Eva Maria de Jesus recebeu a alforria e organizou a migração rumo
ao sul do Mato Grosso (o estado de Mato Grosso do Sul ainda não existia naquela época). Tia
Eva chegou em 1905 em Campo Grande, acompanhada de três filhas. Quais eram os nomes
das filhas da fundadora da comunidade?
a) Maria, Joana e Sebastiana.
b) Sebastiana, Lázara e Joana.
c) Joana, Lázara e Maria.
d) Britney, Maria e Rosana.
Questão 3
A Migração da comitiva de negros libertos para o sul de Mato Grosso, partindo do interior de
Goiás levou meses para ser realizada. Essa travessia foi realizada com qual meio de
transporte?
a) Carros de boi.
b) Transporte ferroviário.
c) Transporte rodoviário.
d) Barcos e canoas.
Questão 4
Tia Eva, suas filhas, genro, neto, seu companheiro Adão e outros libertos se instalaram em
uma região no sul do Mato Grosso em 1905. Em uma área de mata próximo ao córrego
Segredo (inicialmente denominada como Olho D’água e posteriormente Cascudo) situada
onde está localizada a cidade de Campo Grande/MS. Essa área, naquela época, era pouco
valorizada porque:
a) Era inadequada para a criação de gado (principal atividade econômica).
b) Era uma área distante do acesso a água.
c) Estava localizada em área rochosa.
95
As alternativas destacadas em negrito são as respostas corretas de cada questão.
147
Questão 5
Nos tempos em que foi escravizada no interior de Goiás, tia Eva feriu uma das pernas com
banha quente enquanto cozinhava na sede da fazenda Ariranha. A ferida demorou a cicatrizar
e, nesse contexto, ela fez uma promessa para obter a cura. A promessa foi feita a qual santo?
a) São Sebastião.
b) São José.
c) São Benedito.
d) São Cristóvão
Questão 6
Ao chegar em Campo Grande, a ferida na perna da tia Eva cicatrizou. Por conta da graça
alcançada, tia Eva pagou a promessa ao santo devoto. Qual foi o pagamento da promessa?
a) Tia Eva construiu uma igreja a São Benedito.
b) Tia Eva realizou uma novena a São Benedito.
c) Tia Eva construiu uma igreja a São Sebastião.
d) Tia Eva realizou uma novena a São Sebastião.
Questão 7
A igreja de São Benedito foi tombada nos anos de 1996 e 1998, respectivamente pelo
município de Campo Grande e o Estado de Mato Grosso do Sul. O que significa um edifício
ser tombado?
a) É o ato de derrubar (tombar) o velho para construir o novo.
b) É o ato realizado pelo poder público para preservar bens de valores históricos.
c) É o ato realizado pelo poder público que permite alterações totais em edifícios antigos.
d) É o ato realizado pelo poder público para reinventar bens de valores históricos.
Questão 8
As terras onde tia Eva e sua família se estabeleceram foram regularizadas perante a autoridade
política da comarca de Campo Grande/MS, no ano de 1910. Pelo valor de 85 mil réis, as
terras foram adquiridas por tia Eva. Como foi possível que tia Eva reunisse essa quantia?
a) Tia Eva recebeu uma enorme doação da família Vilela, proprietária da fazenda onde
ela foi escravizada.
b) Tia Eva reuniu essa quantia graças a criação de gado, que era a principal atividade
econômica de Campo Grande/MS.
c) A quantia foi reunida por conta do trabalho na roça, e comercialização das
hortaliças, produção de doces e a atividade de parteira e benzedeira de tia Eva.
d) Tia Eva reuniu essa quantia graças a criação de peixes, que era a principal atividade
econômica de Campo Grande/MS.
148
Questão 9
O protagonismo de tia Eva, uma mulher negra e mãe de três filhas, uma das pioneiras a chegar
a Campo Grande e fundadora da comunidade composta pelos seus descendentes era
conhecida na cidade por conta de:
a) Realizar partos e possuir do “dom” de benzer, numa época que não existia padre
ou médicos na região.
b) Realizar construção de casas.
c) Criar gado e fornecer leite e carne para a cidade.
d) Ensinar a ler e escrever as crianças de Campo Grande/MS.
Questão 10
As memórias da tia Eva, que incluem seu protagonismo e liderança na formação da
comunidade, são transmitidas:
a) Por meio dos livros de História de Campo Grande.
b) Por meio da tradição oral.
c) Por meio de documentos escritos.
d) Por meio de jogos eletrônicos.
Questão 11
No ano de 1919, a igreja de São Benedito (2ª edificação religiosa mais antiga da cidade)
passou por uma reforma, mudando a estrutura de pau-a-pique para material de alvenaria.
Além da reforma na igrejinha (como é carinhosamente chamada), este ano marcou o início da:
a) Festa de São Benedito.
b) Festa da Tia Eva.
c) Folia de Reis.
d) Festa do Boi.
Questão 12
A festa de São Benedito é celebrada todos os anos, sempre no mês de maio. Essa festa
tradicional dura quantos dias?
a) Dez dias.
b) Doze dias.
c) Dezoito dias.
d) Dois dias.
Questão 13
A festa de São Benedito envolve celebrações religiosas e festividades profanas (estranhas à
religião e ao sagrado). Entre as celebrações religiosas, não se inclui:
a) A procissão dos devotos de São Benedito e Nossa Senhora Aparecida.
149
Questão 14
A festa de São Benedito envolve celebrações religiosas e festividades profanas (estranho à
religião e ao sagrado). Entre as festividades profanas, não se inclui:
a) Hasteamento do mastro de São Benedito.
b) O almoço gratuito realizado no último dia da festa.
c) Os bailes realizados no são comunitários.
d) As novenas.
Questão 15
No último dia da festa de São Benedito, ocorre a procissão dos devotos com as imagens de
__________________ e Nossa Senhora Aparecida. Quando o santo chega com os devotos no
salão comunitário, é realizada a ________ de encerramento. Após esse rito religioso a
comunidade realiza um _________ para os membros da comunidade e visitantes da festa.
Quais são os termos que preenchem corretamente as lacunas?
a) São Sebastião; novena; jantar.
b) São Benedito; missa; almoço.
c) São Benedito; novena; almoço.
d) São Sebastião; novena; almoço.
Questão 16
A festa de São Benedito é celebrada na Comunidade Quilombola Tia Eva desde 1919. As
festividades em torno do santo devoto de tia Eva ocorrem na lua cheia mais próxima do dia 13
de maio. O 13 de maio:
a) É a data que marca a chagada de tia Eva em Campo Grande.
b) É a data em que se celebra o dia da consciência negra.
c) É a data em que ocorreu a abolição na escravidão no Brasil.
d) É a data que marca a chegada de São Benedito em Campo Grande.
Questão 17
A Comunidade Quilombola Tia Eva não é a única comunidade reconhecida como quilombo
em Mato Grosso do Sul. Até o ano de 2021, quantas comunidades foram reconhecidas no
estado sul-mato-grossense?
a) Dez comunidades.
b) Vinte e duas comunidades.
c) Apenas a Comunidade Quilombola Tia Eva foi reconhecida no estado.
d) Duzentas e dez comunidades.
150
Questão 18
A partir da Constituição de 1988, com cem anos de atraso, foram estabelecidas as primeiras
políticas de reparação para a população afro-brasileira. Para as comunidades negras,
reconhecidas como quilombos, a legislação prevê qual direito a essas comunidades?
a) Garantia o direito à terra.
b) Garantia o acesso a escolarização básica.
c) Garantia o direito ao voto.
d) Garantia o atendimento a atendimento médico.
Questão 19
Eva Maria de Jesus, conhecida como tia Eva, é a matriarca que empresta seu nome à
comunidade negra que se formou em Campo Grande no início do século XX. Em Mato
Grosso do Sul, qual é o outro exemplo de uma liderança feminina que dá o seu nome a uma
comunidade negra?
a) Colônia São Miguel.
b) Furnas dos Baianos.
c) Família Maria Theodora Gonçalves de Paula.
d) Colônia São Benedito
Questão 20
Os nomes das comunidades quilombolas de Mato Grosso do Sul estão relacionadas, no geral,
a três questões: santos padroeiros, localização geográfica ou nomes das lideranças. Qual das
comunidades abaixo foram denominadas conforme sua localização geográfica?
a) Comunidade Quilombola Tia Eva.
b) Comunidade Quilombola Águas do Miranda.
c) Comunidade Quilombola Família Bulhões.
d) Colônia Quilombola São Benedito.