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BOLETIM | jul-ago-SET/2012 Artigos 3

Alessandra Russo de
Freitas (Partes do texto
Artigos baseadas na tradução
e adaptação do manual
Starting or Strengthening
a Drug Bulletin, da Organi-
zação Mundial da Saúde

Boletins independentes sobre & International Society


of Drug Bulletins (OMS &
ISDB), de 2005, realizadas

medicamentos: história e importância. por Alessandra Russo de


Freitas e Rebeca Stela
Hoefler Gomes)

Medicamentos novos: úteis até que ponto? medicamentos se devem a modificações


de estrutura molecular que, por vezes,
Os medicamentos eram manipulados de for- irão alterar a farmacocinética de modo
ma artesanal, a partir da prescrição médica terapeuticamente favorável.4
individualizada, até o início do século XX. Com Frequentemente, a única informação sobre
o advento da industrialização e da descoberta medicamentos a que os profissionais da saú-
de novos fármacos, os medicamentos come- de têm acesso é fornecida pela indústria far-
çaram a ser disponibilizados, em larga escala, macêutica5, normalmente parcial e induto-
nas farmácias e drogarias.1 ra do uso impróprio desses insumos. Assim,
Na atualidade, são diversas as opções farma- uma das estratégias para a promoção do uso
coterapêuticas para uma mesma doença. A racional dos medicamentos é possibilitar aos
indústria farmacêutica tem lançado novos profissionais da saúde o acesso a informações
medicamentos no mercado a todo o independentes sobre terapêutica, as quais
momento, ainda que nem todos sejam, de devem estar ancoradas nas melhores provas
fato, avanços terapêuticos ou novidades científicas disponíveis.6
realmente vantajosas.2
Avaliação da revista Prescrire3 realizada no Informação independente sobre
ano de 2009, em relação a 104 “novos” medicamentos
fármacos lançados na França, julgou que
apenas 2,8% deles apresentavam alguma Informação independente consiste de dados
vantagem terapêutica. e de sua interpretação produzidos com o
Há uma quantidade excessiva de novos maior grau possível de objetividade. As orga-
registros, formando “famílias” de medicamen- nizações que desenvolvem esta informação
tos da mesma classe farmacológica, em que independente não devem ter interesses co-
uns praticamente não diferem dos outros em merciais (ou outros) na promoção de nenhum
termos de segurança e eficácia (me-toos). tratamento em particular. Seus únicos propó-
As poucas diferenças encontradas nestes sitos devem ser o de otimizar um tratamento
BOLETIM | jul-ago-SET/2012 Artigos 4
de interesse ao paciente e à sociedade.7 ajude clínicos a tomarem decisões sobre o
A informação deverá ser também confiável uso dos medicamentos.9
(fundamentada nas melhores evidências, im- O crescimento da importância da indústria
parcial e atual, com completa transparência durante os anos 50 e 60 foi acompanhado
sobre autoria e financiamento), comparativa por grande aumento da publicidade sobre
(apresentar benefícios e riscos, comparativos, medicamentos. Nesta época, o número de
entre tratamentos disponíveis e fornecer da- médicos críticos e conscienciosos, que dese-
dos sobre prognóstico) e, por fim, adaptada javam ser melhor informados sobre os medi-
aos usuários (compreensível, acessível e cul- camentos, em especial sobre os novos fárma-
turalmente apropriada).8 cos, também aumentou, e estes profissionais
Os Centros de Informação sobre Medicamen- gostariam de poder contar com assessoria
tos (CIMs) e os boletins sobre medicamen- independente daquela fornecida pelos fabri-
tos são duas estratégias recomendadas pela cantes desses produtos.9
Organização Mundial da Saúde (OMS) para Os anos 60 também foram um tempo de
produzir e disseminar informações indepen- crescimento dos movimentos pelos direitos
dentes sobre medicamentos. Os profissionais dos consumidores, que se incorporaram às
envolvidos nessas atividades devem ser isen- políticas de saúde.9
tos de influências externas e declararem a não O primeiro boletim sobre medicamentos, The
existência de qualquer conflito de interesses. Medical Letter on Drugs and Therapeutics,
Além disso, devem se pautar em provas cien- foi publicado nos Estados Unidos, em 1959,
tíficas e deduções transparentes em todas as por Harold Aaron, um médico que havia
recomendações apresentadas.6 assessorado a União de Consumidores (UC),
a mais antiga organização de consumidores
Boletins independentes sobre medicamentos: do mundo, e Kallet Arthur, que havia
o início de uma estratégia para promoção do dirigido a UC. Em 1962, o boletim foi adaptado
uso racional de medicamentos para os médicos do Reino Unido, e a edição
britânica do Medical Letter, publicada pela
Com a finalidade de suprir lacuna em relação Consumers’ Association, se separou um ano
à falta de informação imparcial e de qualidade depois e tornou-se o Drug and Therapeutics
sobre medicamentos, por volta de 1960, co- Bulletin. No mesmo momento, o Ministério da
meçaram a surgir os primeiros boletins sobre Saúde do Reino Unido começou a publicar
medicamentos.9 o Prescribers’ Notes para os médicos que
A época do surgimento dos primeiros bole- trabalhavam no Serviço Nacional de Saúde,
tins sobre medicamentos ocorreu no período que mais tarde tornou-se o Prescribers’
em que a pesquisa farmacêutica levou à in- Journal, não mais publicado.9
trodução de novos fármacos e deu-se início a Pode-se imaginar porque esta atividade ini-
uma verdadeira revolução na prática da Medi- ciou-se nos Estados Unidos e no Reino Unido.
cina. Foi também a época do desastre da tali- Naquela época, as empresas farmacêuticas
domida, evento que forçou o mundo a prestar estavam produzindo novos medicamentos e
atenção aos danos que poderiam ser provo- sua propaganda era feita de forma bastante
cados pelos medicamentos.9 agressiva. Por isso, a atividade de publicação
Publicações das classes médica, farmacêutica, de boletins independentes sobre medicamen-
de enfermagem e outras revistas técnico- tos obteve maior mercado interno nestes, do
-científicas de profissionais da saúde cos- que em outros países. Uma grande quantida-
tumavam publicar artigos sobre fármacos de de médicos críticos perceberam a necessi-
e outros tratamentos médicos, mas estes tra- dade de informação independente mais cedo
balhos acabavam tendo que competir com do que em outros países.9
outros assuntos relacionados a cada uma des- Nos 30 anos seguintes, mais boletins come-
tas profissões, nas publicações institucionais. çaram a ser publicados em vários países da
Por meio de sua formatação específica, Europa e também na Austrália, Ásia, África e
os boletins preenchem uma necessidade América Latina.9
especial: prover informação de modo que Atualmente, cerca de 50 a 100 boletins são
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publicados em todo o mundo (o número exa- No país, também temos iniciativas em termos
to dependerá da definição usada para boletim da elaboração de boletins independentes so-
independente sobre medicamentos).9 bre medicamentos, porém, percebe-se algu-
Esses boletins são muito diferentes quanto ao ma dificuldade no que diz respeito à manu-
público alvo e circulação, tamanho, alcance e tenção de sua periodicidade.
periodicidade. Também apresentam diferen- Um dos mais conhecidos é o da Sociedade
ças quanto ao modo de produção e estilo de Brasileira de Vigilância de Medicamentos (So-
apresentação, quanto às equipes que os pro- bravime). Esta entidade surgiu no inicio da
duzem, suas ligações com instituições e orga- década de 90 com a proposta de, por meio
nizações, e como são financiados.9 de um trabalho técnico-científico, fornecer
O foco de um boletim independente é, na prá- subsídios no sentido de contribuir para a me-
tica, informação comparativa sobre medica- lhoria da vigilância de medicamentos.10
mentos. Isto é um dos aspectos que o define.9 Outra iniciativa nacional em termos de vigilân-
Um aspecto essencial é a independência fi- cia de medicamentos foi a criação, em julho
nanceira e editorial desses boletins, com rela- de 1990, do Grupo de Prevenção ao Uso Inde-
ção às empresas farmacêuticas e associações vido de Medicamentos, o GPUIM. O GPUIM foi
da indústria farmacêutica. Esta independência formado por iniciativa de um grupo de estu-
é base fundamental para o trabalho dos bo- dantes do curso de Farmácia da Universida-
letins sobre medicamentos, nos quais o foco de Federal do Ceará (UFC), cuja existência foi
principal é o fornecimento de informação so- oficializada em 1995, por meio da Resolução
bre tratamentos comparativos para uma con- n.º 8, do Conselho Universitário da UFC.11
dição específica de saúde, avaliando os riscos A partir de 2003, o Ministério da Saúde pas-
e benefícios de um novo medicamento, ou sou a subsidiar importante publicação em for-
discutindo sobre os medicamentos e políticas mato de boletim, com o intuito de promover o
nacionais regulatórias. A Sociedade Interna- uso racional de medicamentos, no país. A esta
cional de Boletins sobre Medicamentos (ISDB série foi dado o título “Uso Racional de Medi-
– International Society of Drug Bulletins) de- camentos: temas selecionados” escritos, na
fine independência a partir da existência de quase totalidade de suas edições, unicamen-
dois componentes principais: te pela Dr.ª Lenita Wannmacher, reconhecida
• Equipe editorial independente, trabalhando médica e autora de livros na área de farmaco-
com uma estrutura organizacional capaz de logia clínica.12
garantir sua autonomia; Na esteira de iniciativas em relação à infor-
• Recurso financeiro que garanta indepen- mação imparcial sobre medicamentos, temos
dência, como financiamento público por meio ainda o surgimento, na última década, de
de um governo nacional ou local, financia- projetos do Ministério da Saúde em relação à
mento de organização não-governamental ou avaliação de tecnologias em saúde (ATS). A
financiamento próprio por meio da assinatura avaliação de tecnologias em saúde é um pro-
de leitores ou taxas de adesão. cesso de investigação das consequências clí-
Boletins sobre medicamentos não dependem nicas, econômicas e sociais da incorporação
da publicidade farmacêutica, diferentemente de medicamentos, equipamentos e procedi-
da maioria das revistas médicas. Revistas mentos técnicos, sistemas organizacionais,
que carregam publicidade de empresas educacionais, de informação e de suporte, e
farmacêuticas são vulneráveis a conflitos de de programas e protocolos assistenciais, aos
interesse e, muitas vezes, não podem publicar cuidados com a saúde da população.13 Em
abertamente comentários críticos, quando isto 2008, foi implantada a Rede Brasileira de Ava-
seria do interesse dos pacientes e prescritores.9 liação de Tecnologias em Saúde (Rebrats),
Assim, a maioria dos boletins é financiada que visa disseminar a cultura de ATS nos ser-
ou pela organização que o publica ou viços de saúde, nas instituições acadêmicas,
por assinantes.9 assim como subsidiar a tomada de decisões
pelos formuladores de políticas e gestores.14
Boletins independentes sobre medicamentos: Do esforço conjunto da Agência Nacional de
iniciativas no Brasil Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacio-
BOLETIM | jul-ago-SET/2012 Artigos 6
nal de Saúde Suplementar (ANS) e da Secre- elaborado um projeto de reestruturação do
taria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estra- mesmo, com a criação, inclusive, de seu Con-
tégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde foi selho Editorial.
publicado pela primeira vez, em 2006, o Bo- Dentro do rol de estratégias do projeto de re-
letim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias estruturação do boletim Farmacoterapêutica,
em Saúde (BRATS). Foram várias as edições foi aplicado aos leitores e potenciais leitores
do BRATS com conteúdo relacionado à ava- do mesmo um questionário, com o intuito de
liação de novos fármacos disponíveis no Bra- obter opinião sobre o conteúdo do boletim.
sil, contribuindo desta forma como mais uma O questionário foi traduzido e adaptado do
fonte de informação segura e imparcial sobre Manual da ISDB Starting or Strengthening a
medicamentos.15 Drug Bulletin,9 e teve a finalidade de apurar,
Percebe-se, no Brasil, que a maioria das enti- em relação ao conteúdo do boletim publica-
dades ligadas à vigilância de medicamentos, do, se o mesmo, de fato, atendia às expecta-
informação sobre medicamentos e segurança tivas por informação relacionada aos medi-
do paciente, surgiu no seio de instituições uni- camentos, de seu público alvo. De maneira
versitárias ou de associações ou em conselhos geral, segundo os resultados do estudo, as
de profissões regulamentadas.16 Os boletins seções contidas no boletim Farmacoterapêu-
sobre medicamentos surgiram, então, como tica atendem à demanda por informação de
estratégia de comunicação pró-ativa institu- seu público.
cional, por vezes orientada por demandas es- Nesta edição, o Cebrim/CFF retoma sua jor-
pecíficas por informação dos CIMs, mantidos nada na publicação do boletim Farmacote-
por estas entidades. rapêutica, muitas vezes atribulada e árdua,
Outras iniciativas brasileiras de elaboração de em contexto onde ainda impera a agressiva e
boletins independentes sobre medicamentos maciça propaganda da indústria farmacêutica
que merecem citação são as das entidades: e onde boa parte da população, sem acesso
Centro Brasileiro de Informação sobre Medi- ao sistema de saúde, recorre à automedica-
camentos, do Conselho Federal de Farmácia ção. Por meio dele, pretende-se contribuir
(Cebrim/CFF); CIM, do Conselho Regional de para a divulgação de informação segura,
Farmácia do Estado do Paraná; Centro Re- imparcial e independente sobre medicamen-
gional de Informação sobre Medicamentos tos, entre farmacêuticos e demais profissio-
(CRIM), da Universidade Federal do Rio de nais da saúde, do Brasil, e de outros países de
Janeiro; Centro de Informação sobre Medica- língua portuguesa.
mentos, do Rio Grande do Sul (CIM-RS), pro-
veniente de um convênio entre a faculdade Referências
de Farmácia da Universidade Federal do Rio 1. Santos MRC. Profissão Farmacêutica no Brasil: história,
Grande do Sul (UFRGS) e o Conselho Regio- ideologia e ensino. Ribeirão Preto: Holos Editora; 1999.
2. Mechmood A. Tips on evaluating New Drug. The
nal de Farmácia do Estado do Rio Grande do
Network’s Newsletter. Association for Rational Use of Me-
Sul (CRF-RS). dication in Pakistan. 1996 Mar; 5 (1). apud “Acion Interna-
cional para la Salud. Evaluación de Nuevos Medicamentos”.
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em revistas médicas: ajudando a promover a boa pres-
durante o ano de 2011, por falta de farmacêu-
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situação administrativa foi regularizada no www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=
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Aproveitando o ensejo da retomada de pu- 10.1590/S1413-81232002000400020.
6. OMS. WHO Policy Perspectives on Medicines: Promo-
blicação do boletim Farmacoterapêutica, foi
ting rational use of medicines: core components. 2002.
BOLETIM | jul-ago-SET/2012 Artigos 7
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11. GPUIM. Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medi- 16. Sismed. Sistema Brasileiro de Informação sobre Medi-
camentos. Boletim GPUIM 18 anos- Edição Especial. [s.d.] camentos. Relatório III Encontro Nacional de Centros de
[citado em 03 Jul 2012]; 1-25. Disponível em: http://www. Informação. 2006.
gpuim.ufc.br/manuais/18anos.pdf.

Amigdalite aguda: é necessário


o tratamento com antibacterianos? Jardel Corrêa
de Oliveira

Introdução Caso clínico


Adolescente feminina de 15 anos,
As infecções respiratórias agudas são um acompanhada da mãe, há dois dias
problema comum em serviços ambulatoriais, com febre de até 39°C, odinofagia
como na atenção primária, e nos de emergên- (dor de garganta ao deglutir), tosse
cia. Um grande desafio para o clínico, na e rinorreia. Há quatro meses, a mãe
atualidade, é decidir pelo uso ou não de an- refere que filha teve um episódio de
tibacterianos, devido ao risco crescente da amigdalite, tratado com azitromicina
resistência bacteriana. O propósito deste ar- por cinco dias. Fez uso de ibupro-
tigo é discutir sobre os possíveis benefícios e feno 300 mg às 23 horas da noite
riscos do uso de antibacterianos diante de um anterior. Nega outros problemas de
caso suspeito de amigdalite aguda. saúde, alergias ou atopia.

Exame físico:
Temperatura axilar 38°C, Peso 42 kg.
Bom estado geral, hidratada, corada.
Oroscopia: hiperemia tonsilar
com exsudato.
Sem linfonodomegalias e sem sinais
meníngeos. Ausculta cardíaca
e pulmonar e exame do abdômen
sem alterações.

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