Jornalismo em Convergc3aancia
Jornalismo em Convergc3aancia
Jornalismo em Convergc3aancia
CURSO DE JORNALISMO
MATHEUS PANNEBECKER
JORNALISMO EM CONVERGÊNCIA
Porto Alegre
2011
MATHEUS PANNEBECKER
JORNALISMO EM CONVERGÊNCIA
Porto Alegre
2011
MATHEUS PANNEBECKER
JORNALISMO EM CONVERGÊNCIA
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________
Orientadora: Profª. Ms. Maria Lúcia Patta Melão
_____________________________________________________
Léo Flores Vieira Nuñez
_____________________________________________________
Lisete Ghiggi
Para Clara Maria Machado Meira, porque palavras não são suficientes para expressar minha
eterna gratidão e paixão.
Para Clarissa Meira Ferreira, pelo afeto, força e carinho, que me inspiram a viver.
Para Telmo Olson Pinto (in memoriam), porque as lembranças me deixam muito mais forte
para continuar.
Para Luiz Onofre Machado Meira, meu exemplo de como podemos alcançar objetivos.
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros e inestimáveis agradecimentos primeiramente à vida, por ter me dado força e
determinação para chegar até aqui.
Para Vinicius Vier Vieira, não apenas pelo importante auxílio neste trabalho, mas também por
sempre me despertar o valioso desejo de ser uma pessoa melhor.
Para Acauã Brondani, pela importância em minha vida e pela amizade mais do que
incondicional no início, hoje e sempre.
Para Maria Lúcia Patta Melão, minha fonte de inspiração e orientação para a realização desta
pesquisa e também para minha formação de jornalista.
Para Carolina Luft, que, por coincidências da vida e pelo laço de amizade construído, sempre
me proporciona lembranças e momentos especiais.
Para Lisete Ghiggi, pelos momentos de apoio e ensinamento desde o meu primeiro dia como
estudante de Jornalismo.
Somos não apenas pessoas cultas de bom gosto.
Somos também pessoas comuns com sentimentos comuns.
E nossos sentimentos comuns não são todos ruins.
PAULINE KAEL
RESUMO
1INTRODUÇÃO........................................................................................................... 09
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA................................................................................... 09
1.2 HIPÓTESE................................................................................................................ 10
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA................................................................................... 10
1.3.1 Objetivo geral........................................................................................................ 10
1.3.2 Objetivos específicos............................................................................................. 10
1.4 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA........................................................................... 10
1.5 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO.............................................................................. 11
2 REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................... 12
2.1 O QUE É CULTURA?.............................................................................................. 12
2.2 O JORNALISMO CULTURAL................................................................................ 13
2.3 JORNALISMO CULTURAL EM REVISTA........................................................... 15
2.4 A REVISTA VEJA.................................................................................................... 17
2.5 JORNALISMO CULTURAL EM OUTROS VEÍCULOS DE
COMUNICAÇÃO........................................................................................................... 17
2.6 JORNALISMO NA INTERNET E PRODUÇÃO DE CONTEÚDO....................... 19
2.7 WEB 2.O: NOVOS MEIOS DE COMUNICAR...................................................... 20
2.8 LINGUAGEM: FORMA E MATÉRIA DE QUALQUER COMUNICAÇÃO....... 21
2.9 CONVERGÊNCIA E CIBERCULTURA................................................................ 23
2.10 A TELEVISÃO CONVENCIONAL E A CONVERGÊNCIA PARA A
INTERNET...................................................................................................................... 25
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................ 28
3.1 AMOR SEM ESCALAS: O VIDEOCAST.............................................................. 30
3.2 72 HORAS: O VIDEOCAST.................................................................................... 37
3.3 AMOR SEM ESCALAS: O TEXTO EM REVISTA............................................... 41
3.4 72 HORAS: O TEXTO EM REVISTA..................................................................... 44
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA.................................................... 46
5 CONCLUSÃO E SUGESTÕES................................................................................ 48
REFERÊNCIAS............................................................................................................ 51
ANEXOS........................................................................................................................ 54
1 INTRODUÇÃO
1.2 HIPÓTESE
a) Analisar a linguagem que Isabela Boscov utiliza na crítica da revista VEJA e nos
videocasts postados no site da publicação;
b) Comparar as linguagens utilizadas nas duas mídias.
um dia, planejamos levar como profissão: a crítica cinematográfica. Nada mais justo, então,
do que dedicar uma detalhada pesquisa a uma de nossas principais paixões: o cinema.
A partir da relevância pessoal para esse estudo, também surge, consequentemente, a
relevância profissional. O jornalismo cultural é um interessante objeto de estudo, pois
desenvolve uma abordagem bem diferente do jornalismo convencional. Estamos falando de
informação com opinião, e não apenas de informação (abordagem essa que é típica no
Jornalismo “clássico”). Além disso, a área a ser estudada – cinema – não é um assunto
corriqueiro e muito menos popular nesse meio. Ao contrário da crítica literária, por exemplo,
a cinematográfica não costuma ser objeto de análise.
Para a execução dessa pesquisa, incluem-se, claro os textos da jornalista Isabela
Boscov para a revista VEJA e os videocasts produzidos por ela que estão disponibilizados no
endereço eletrônico da publicação. Como referencial teórico, usamos a obra “Jornalismo
Cultural”, de Daniel Piza, a fim de recolher histórico e características desse estilo de
Jornalismo. Utilizamos também “O Verbal e o Não Verbal”, de Vera Teixeira de Aguiar, para
compreendermos as questões de linguagem. Na sequência, Vera Paternostro com “O Texto na
TV”, como base para refletirmos teorias sobre a televisão. Por fim, diversos artigos compõem
as informações sobre internet e convergência.
Surge, dessa maneira, então, a oportunidade de: a) explorar a área do jornalismo
opinativo com enfoque diferenciado, b) estudar um tema pouco abordado tanto no Jornalismo
em geral quanto nesse segmento e c) unir interesse pessoal e acadêmico no estudo. Mais
especificamente, a pesquisa tem como foco as críticas cinematográficas da jornalista Isabela
Boscov – tanto para a revista (mídia impressa) quanto para os videocasts (mídia eletrônica).
Não apenas na construção da linguagem, mas também na forma como os textos da revista se
convergem para os vídeos publicados na internet. Desenvolve-se, então, a necessidade de
discutir as principais diferenças de linguagem que existem entre essas duas mídias. A
pesquisa, portanto, apresenta significativa relevância, mostrando-se um necessário
instrumento para aprofundamento de questões pessoais (o interesse pela cultura e pelo
cinema) e acadêmicas (a linguagem de revista e vídeo na web).
2 REFERENCIAL TEÓRICO
desde sempre, foram tratados como anexos, vistos apenas como dicas para passatempos ou
sugestões de atividades e lazer. Na tentativa de alcançar a popularidade do jornalismo
clássico, o cultural decidiu tomar algumas decisões para alcançar o mesmo êxito. De acordo
com Piza (2004, p. 65):
Decidiu-se, por exemplo, que os títulos deveriam ter verbos, sempre que possível;
que a crítica seria sempre um item à parte, raramente apta a abrir a seção ou mesmo
uma página interna; que a diagramação também não seria muito diferenciada; que
os parágrafos deveriam ser curtos, etc.
alterações com o tempo. Enfim, existe a crítica impressionista, definida como um trabalho
onde: “o autor descreve suas reações mais imediatas diante da obra, lançando adjetivos para
qualificá-la” (PIZA, 2004, p. 70).
Independente do estilo impressionista, estruturalista, informativo ou conteudista, a
crítica exerce o papel de formar o leitor, em qualquer assunto possível. Ela precisa, ainda
conforme o Piza (2004), levar o leitor para a reflexão, fazendo-o perceber detalhes que, antes,
não havia percebido. O crítico precisa saber defender suas escolhas. Não é de serventia,
assim, adjetivar ou classificar com avaliações de números ou estrelas a obra. Uma crítica
precisa ir além do gostar ou não gostar. O principal é fundamentar a avaliação. Afinal, o
crítico nada mais é do que um representante do público e do homem comum.
Representando a esfera pública1, Piza (2004) aponta que a crítica é considerada a
espinha dorsal do jornalismo cultural. Tanto, que ela não ilustra somente cadernos de
periódicos. Na França, a crítica tem constante presença em qualquer publicação – possuindo,
até mesmo, revistas especializadas no assunto. Como exemplos, podemos citar Le Monde de
la Musique, Magazine Littéraire e Cahiers du Cinéma, conceituadas publicações que servem
de referência no ramo e que trazem críticas sobre música, literatura e cinema,
respectivamente.
1
A esfera pública, de acordo com Barros (2008), é apresentada pelo filósofo alemão Jürgen Haberman, em uma
reformulação atual, como uma rede de comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões. A esfera
pública é: “um espaço de discussão, fundamento na capacidade de confrontar argumentos racionais com a
opinião baseada na razão” (BARROS, 2008, p. 28).
16
notícias” (SCALZO, 2004, p. 13). Informa? Sim. Mas também tem como missão prioritária o
entretenimento e o envolvimento com seu leitor, que, como já citado, procura aspectos
específicos ao comprar a publicação.
As revistas tiveram sua importância ao lançar nomes no mercado jornalístico e,
principalmente, ao construir esse cenário. Nos Estados Unidos, de acordo com Piza (2004), a
New Yorker, uma obrigatória referência, foi a responsável por veicular nomes de destaque na
editoria, como Pauline Kael, Dwight Macdonald e James Agee (todos críticos de cinema),
Keneth Tyran (o célebre criador da revista Spectator, uma das precursoras do jornalismo
cultural) e Truman Capote (premiado e cultuado autor de grandes reportagens e obras de não-
ficção como A Sangue Frio).
Nos anos 1920, o número de revistas culturais cresce em grande escala no mercado
editorial brasileiro e as seções de mesma temática passam a ser essenciais entre os periódicos
vigentes a partir dos anos 50. As revistas, segundo Piza (2004, p. 44):
De acordo com Coelho (2006), a revista Klaxon foi uma das responsáveis por
desempenhar importante papel na formação do jornalismo cultural, uma vez que representou a
geração da semana da Arte Moderna, que incluía Oswald de Andrade, Mário de Andrade,
entre outros. Neste momento de grande agitação cultural no Brasil, Monteiro Lobato escreve
“Paranoia e Mistificação?”, que fazia uma negativa análise das telas da pintora Anita Malffati.
Além de apresentar o exercício da crítica, o texto trouxe polêmica e ajudou a popularizar
esses textos como formadores de opinião e referência jornalística.
O Cruzeiro foi, também, um dos grandes fenômenos do mercado editorial brasileiro2.
Abordando com maior destaque o fotojornalismo, a publicação foi criada pelo jornalista Assis
Chateaubriand e, de acordo com Scalzo (2004), permaneceu mais de 40 anos no mercado,
deixando de circular na década de 70, quando não conseguia mais competir com revistas
como Manchete, que valorizavam mais os setores gráficos e fotográficos para atrair o leitor.
O conteúdo da revista, como a sua própria história e características apontam, é
segmentado. Isso traz uma importante missão para os jornalistas que atuam no veículo:
2
A publicação, conforme Scalzo (2004), chegou a vender aproximadamente 700 mil exemplares por semana na
década de 1950.
17
De acordo com informações oficiais cedidas por Civita (2011)3, a primeira edição da
revista VEJA foi apresentada ao mercado no ano de 1968, e lançou-se, a princípio, no formato
de outra publicação vinda dos EUA, a Time. A resistência contra a ditadura e os problemas
com os prejuízos não abalaram a VEJA que, a partir de 1971, passou a ser comercializada
também por assinaturas, o que aumentou o número de vendas. Conforme os dados de 2011, a
revista tem hoje 80% da venda de seus 1.200.000 (valor aproximado) exemplares derivados
de assinatura. É a terceira revista de informação mais vendida no mundo, atrás apenas das
estrangeiras Time e Newsweek. Para o editor Civita (2011), a VEJA: “existe para que os
leitores entendam melhor o mundo em que vivemos.” A publicação, além de apresentar
matérias sobre o Brasil e o mundo, também aposta no jornalismo cultural e desenvolve a
seção de “Artes & Espetáculos”, que abrange cinema, teatro, literatura e televisão, entre
outros.
3
Obtidas através de contato por email com a revista VEJA no dia 05/09/2011, que nos forneceu informações e
comentários do editor Roberto Civita. Fonte: CIVITA, Roberto. Entrevista. 2011. [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por [email protected] em 05 set. 2011.
18
alguns momentos de suas programações para músicas mais seletas, como a MPB ou a erudita.
Com a explosão da musicalidade pop nos anos 2000, as rádios limitam-se apenas a veicular
música, excluindo programas que analisem ou comentem o momento musical. Na Europa, por
outro lado, ainda se conserva muito do espírito cultural no mundo radiofônico. A britânica
BBC proporciona, até hoje, programas sobre livros ou debates em geral – algo extinto na
programação brasileira.
A TV comercial segue o mesmo caminho, abordando a cultura apenas em casos mais
urgentes e noticiosos, como a morte de alguma celebridade ou um grande evento envolvendo
alguém de mais importância. O Globo Repórter, programa semanal da Rede Globo, certa vez,
conforme Piza (2004), apresentou um programa temático sobre a vida e obra de Tom Jobim.
Com a exibição, teve ótima audiência e, inclusive, recebeu prêmios internacionais. Ainda
assim, mesmo com tais atrativos, programações culturais não são prioridades.
Se a TV e o rádio também não são conhecidos por dar grande destaque para o
jornalismo cultural, este segmento vem recebendo cada vez mais destaque no mundo da
internet. Para Piza (2004), o interesse pelo assunto aparece na significativa quantidade de
endereços eletrônicos inteiramente dedicados à cultura. Não só a internet, mas também outras
mídias conseguem resgatar e, consequentemente, arquivar o passado cultural. A própria web
começou a se tornar cada vez mais valiosa por ser uma infinita e acessível biblioteca de
cultura – inclusive para canais de TV pagos que utilizam materiais retirados desta fonte para
formar sua programação.
Contudo, apesar do boom de inúmeras publicações chegando ao mercado, o jornalismo
cultural nunca obteve o mesmo destaque dos outros tipos de jornalismo, mas consolidou-se
como um dos mais festejados. São desses cadernos que: “o leitor, muitas vezes, extrai suas
referências afetivas, suas pontes cativas com a publicação” (PIZA, 2004, p. 63). Ou seja, a
cultura tem papel essencial na hora de aproximar o leitor da publicação.
Em suma, o jornalista cultural continua com mesma missão de sempre: expandir os
horizontes de seus leitores. Ele é o responsável para que o jornalismo cultural deixe de ser
assunto secundário entre os periódicos em circulação. Os jornalistas e críticos culturais,
segundo Piza (2004, p. 68):
Desta maneira, a união entre cultura e jornalismo ainda permanece como uma das
menos valorizadas no meio profissional. Todavia, acumula inúmeros seguidores e continua a
ser uma das principais opções entre os acadêmicos que pretendem seguir o jornalismo.
Quebrado essa barreira, Piza (2004) indica que teremos, então, não só um tipo de jornalismo
mais valorizado, mas, também, uma população que adquire conhecimento em progressão
geométrica.
A expansão do jornalismo cultural, no entanto, ainda deve ir além da mera tentativa de
aproximação do público com a cultura. Falta um elo mais forte, visto que, nas perspectivas de
Cardoso e Golin (2010, p. 194), “o consumo cultural expressa hierarquias, hábitos e
distinções sociais e, no caso brasileiro, parece ser privilégio, sobretudo, de segmentos
elitizados da população”. Para tal mudança, agora a comunicação conta com a presença da
internet, que, através das mais variadas plataformas, ajuda na disseminação da cultura e da
informação.
O início da internet foi marcado pela proliferação dos computadores, que basicamente
serviam apenas para envio de e-mails e acesso a bancos de dados. Barcellos (2009) aponta
que as informações eram feitas por bases de dados e servidores de arquivo. Era a Web 1.0, que
também deu início ao conceito de colaboração em rede, definida pelo surgimento da World
Wide Web, na década de 1990. A socialização das informações na Web 1.0 “se dá pelos
websites, sistemas de busca por palavra-chave e diretórios. A proposta dessa web é conectar
informações que estão em servidores, databases, websites, portais de conteúdo, portais
corporativos e sistemas de busca” (BARCELLOS, 2010, p. 74). Posteriormente, a Web 2.0
inverteria essa lógica de apenas conectar informações e transformaria os computadores em
ferramentas para difusão e criação de conteúdo, onde o protagonista é o internauta.
Com o surgimento da internet, o processo de inserção do jornalismo no mundo online4
começou por volta dos anos 1980, nos Estados Unidos. A princípio, o que existia era apenas
um “espelho online” de tudo o que podia ser conferido, por exemplo, na edição impressa do
jornal – o que foi alterado depois. Segundo Martins (2008), o Jornal do Brasil teve
importância fundamental na mudança deste cenário, pois foi o primeiro jornal brasileiro que
4
Esta é a grafia que utilizaremos para a palavra, que só terá variações em citações de autores ou, então, em
referências.
20
dedicou uma cobertura completa e exclusiva para sua edição online, em maio de 1995. Já no
ano seguinte, foi a vez da Folha de São Paulo inovar: o Universo On Line, portal derivado da
publicação impressa, lançou o primeiro jornal online da América Latina em língua
portuguesa.
Oliveira (2010) aponta que o conteúdo, na internet, pode ser personalizado, onde
qualquer pessoa tem a possibilidade de transmitir a informação de acordo com sua opinião,
sem restrições, em um discurso direto e parcial. Entre blogs e celebridades que surgem no
mundo online, qualquer pessoa consegue, por exemplo, por meio da publicação de um texto
(e, consequentemente, da interação com leitores), alcançar certo reconhecimento. O mesmo se
aplica para os jornalistas, que possuem espaço garantido na web – de forma gratuita e com
público confirmado. Assim, eles e o público se encontram em um único lugar, onde, segundo
Oliveira (2010, p. 6): “o importante não é o alcance em termos quantitativos essencialmente,
mas a informação transmitida com pessoalidade e sem influência de poderes estatais ou
mercado”.
Vivemos, como aponta Barcellos (2010), na era da Web 2.0, que teve sua origem no
início do século XXI. O computador é considerado o meio de ingresso para a vida digital,
trazendo o que o autor chama de “social media”. Ou seja, a internet agora tem o poder de
conectar as pessoas das mais variadas formas: desde emails até mensagens instantâneas.
Encaramos o aumento de produtividade, onde a
Castells (2006) aponta a internet como um marco na comunicação, uma vez que:
Ela capta em seu domínio a maioria das expressões culturais em toda a sua
diversidade. Seu advento é equivalente ao fim da separação e até da distinção entre
mídia audiovisual e mídia impressa, cultura popular e cultura erudita,
entretenimento e informação, educação e persuasão. Todas as expressões culturais,
da pior à melhor, da mais elitista à mais popular, vêm juntas nesse universo digital
[...] Fazem da virtualidade nossa realidade (CASTELLS, 2006, p. 458).
21
Por fim, esse novo sistema de comunicação, segundo o autor, é caracterizado pela
inclusão. A internet, independente de ser 2.0 ou, em breve, 3.0, mostra que as mensagens
funcionam de acordo com a presença ou ausência no sistema multimídia de comunicação.
Caso não estejam presentes, “todas as outras mensagens são reduzidas à imaginação
individual ou às subculturas resultantes de contato pessoal, cada vez mais marginalizadas”
(CASTELLS, 2006, p. 461). Desta maneira, conclui-se que a internet define um novo jeito de
comunicar. Um jeito que, cada vez mais, com o passar do tempo, torna-se fundamental. Estar
conectado é, necessariamente, estar comunicando.
No mundo da Web 2.0, onde jornais precisam elaborar conteúdos diferentes para
plataformas diferentes, surgem os desafios relacionados à linguagem. De acordo com Aranha
(2009), não é possível dialogar com todos utilizando o mesmo estilo. O autor define que,
antes, o esquema era: uma linguagem, uma mensagem e múltiplos meios. Tal definição se
alterou, transformando-se em: múltiplas linguagens, uma mensagem e múltiplos meios. Por
fim, não apenas as plataformas são alteradas, mas, também, a forma como a mensagem deve
ser transmitida.
Como vimos, o advento da internet trouxe novas formas de comunicar. Por isso, a
discussão sobre linguagem e suas variáveis se torna cada vez mais fundamental. Mas, afinal, o
que define uma boa linguagem? Ou, melhor, do que ela é constituída? Linguagem nada mais é
do que um conjunto de sistemas que precisa ser aceito e conhecido pelas comunidades que
vão utilizá-lo. É saber comunicar algo; e a linguagem precisa se dirigir a alguém. A partir do
momento em que o público aceita e, mais importante, compreende a mensagem, o processo de
comunicar é concluído com êxito. Neste contexto, a comunicação se baseia no esquema
criado por Roman Jakobson (2005):
A linguagem, segundo Aguiar (2004), vai além do que um mero reflexo da realidade:
ela precisa criar uma realidade. Ou seja, não apenas refletir determinado assunto, mas também
construi-lo com o objetivo de que ele possa ser plenamente compreendido. Seguindo esse
parâmetro, o mais importante na hora de comunicar é o bom desenvolvimento da forma e da
matéria. As principais características do indivíduo que consegue conversar bem são:
Dessa forma, conclui-se que a essência da comunicação em qualquer meio, seja ele
jornal, rádio, TV, ou internet, é a mesma. O processo de comunicação não é alterado
(continua existindo o remetente o destinatário, etc), mas sim os sistemas e as formas utilizadas
para completar o processo de comunicação. As variações ocorrem de acordo com o meio
utilizado. Os diferentes tipos de linguagens nunca serão excluídos. Pelo contrário, “as
linguagens comunicam-se entre si. Há entre elas uma relação de complementariedade, uma
predominando sobre a outra, e não de exclusão e imposição” (AGUIAR, 2004, p. 39).
A comunicação é divida em códigos, e o homem se vale de linguagens verbais e não
verbais. A verbal é aquela que utiliza palavras, organizando-se “na linguagem articulada, que
forma a língua” (AGUIAR, 2004, p. 25). É um tipo de linguagem que, ainda segundo a
autora, é: “definidora, cerebral, lógica e analítica, voltada para a razão, a ciência, a
interpretação e a explicação” (AGUIAR, 2004, p. 28). Já o outro grupo, apontado como mais
difícil de definir por se apropriar imagens e metáforas, refere-se ao não verbal, que utiliza:
“imagens sensoriais várias, como as visuais, auditivas, cinestéticas, olfativas e gustativas”
(AGUIAR, 2004, p. 25). Tais linguagens surgiram da necessidade do indivíduo comunicar
transmitindo algum significado para o grupo que integra. Verbais (palavras escritas ou
faladas) ou não verbais (gestos, músicas, cores, etc), utilizamos essas linguagens para atribuir
significados e sermos compreendidos.
Os sistemas de linguagens apontados pela autora também são formados por elementos
chamados de signos. De acordo com ela, os primeiros estudos relacionados a eles foram feitos
pelo professor Ferdinand de Saussure, que os definiu como: “a união de um significante e um
significado” (AGUIAR, 2004, p. 40). Portanto, os significantes podem ser considerados as
ferramentas usadas para se transmitir uma mensagem, enquanto o significado é, justamente, o
que essa mensagem transmite. Aguiar (2004) utiliza o exemplo do semáforo: a cor vermelha é
23
Agora, nos processos midiáticos, estamos mais participativos, uma vez que podemos
transmitir informações. Estamos, segundo Rüdiger (2011), vivenciando uma revolução
cultural, onde podemos presenciar a expansão de mídias digitais interativas. As perspectivas
de convergência, de acordo com Oliveira (2010), ainda estão se construindo, especialmente
por serem mais recentes no cenário da comunicação. O que se conclui, até agora, é que a
internet é onde: “são desenvolvidos aplicativos que permitem maior interação com seus
espectadores, leitores e usuários, levando-os a enviar seus conteúdos para divulgação”
(OLIVEIRA, 2010, p. 9). A informação, no mundo online, não se restringe ao textual –
estende-se ao hipermidiático, trabalhando texto, áudio e vídeo. Desta maneira, a internet
representa o ambiente da chamada cibercultura, definida como: “a exploração do pensamento
cibernético e de suas circunstâncias” (RÜDIGER, 2011, p. 10).
Para Martins (2008), a facilitação do acesso à informação é uma das características da
cibercultura e, consequentemente, do ciberjornalismo. Conforme o autor, existe uma
24
linguagem específica para os portais de publicações que disponibilizam conteúdo online, além
da multimidialidade, que oferece outras ferramentas para a complementação de conteúdo, tais
como áudio e vídeo - representados, respectivamente, pelo podcast5 e videocast6. No cenário
brasileiro desse segmento, destacam-se o Folha On Line, Portal G1 e Último Segundo, portais
que utilizam a multimidialidade como principal ferramenta e como uma “forma de atrair o
consumidor de notícias e oferecer mais recursos para difundir a informação” (MARTINS,
2008, p. 10). A revista VEJA, hoje, também produz materiais especiais para sua versão
online, a exemplo das críticas de cinema da jornalista Isabela Boscov, que são produzidas em
vídeos.
O início dessa era de convergência, no entanto, não tem uma data bem definida.
Porém, é certo que “a necessidade de Convergência de Serviços Digitais está intrinsecamente
ligada aos grandes anseios da sociedade do século XXI, cada vez mais ávida pelo
conhecimento” (YAMAMURO, 2009, p. 16), principalmente por ser um retrato da
comunicação da geração Y7. A necessidade dessa geração é de opções tecnológicas que
acompanhem o seu ritmo e que, claro, adaptem-se a suas rotinas. É nesse cenário que a
convergência da comunicação se instala. Agora, para Costa (2009, p. 25):
5
Esta ferramenta é utilizada desde 2004 e, em linhas gerais, apresenta-se como um programa de rádio
personalizado. Os podcasts: “[...] podem ser guardados no computador e/ou disponibilizados na Internet,
podendo ainda ser vinculados a um arquivo de informação (feed) que permite que se assinem os programas,
recebendo o utilizador as informações sem precisar ir ao site do produtor” (BOTTENTUIT JUNIOR; LISBÔA;
COUTINHO, 2009).
6
Seguindo os padrões de programa personalizado, o videocast segue basicamente a mesma linha dos podcasts
com a básica diferença que não trabalha somente com áudio. O videocast: “[...] Corresponde à comunicação de
vídeos através da Internet” (BOTTENTUIT JUNIOT; LISBÔA; COUTINHO, 2009).
7
Para Fiorentini Jr., jovens que nasceram entre o final dos anos 1970 e início dos 1980 e que cresceram
desenvolvendo uma forte relação com recursos tecnológicos.
25
até mesmo políticas. Assim como o jornal impresso sofreu alterações com o rádio e o rádio
com a TV, todos os suportes tradicionais que conhecemos serão transformados pela internet e
pelas novas tecnologias. Transformados, nunca eliminados. É a era do socialcast8, onde a
velocidade, durabilidade e ausência de restrições de suporte material para opiniões são
características que se destacam.
Desta forma, a convergência das mídias “parece estar tomando forma e espaços cada
vez mais amplos” (OLIVEIRA, 2010, p. 1). Rádios não fazem mais transmissão apenas pelo
meio convencional. É comum que algumas emissoras também façam sua transmissão pela
internet. Isso também se estende para TV, onde a Rede Globo, assim como outras emissoras,
disponibiliza seu conteúdo na íntegra para se assistir na web. A convergência, então, refere-se
a: “[...] um encontro entre velhas mídias analógicas e novas mídias digitais, produzindo
interconexões e possibilidade entre elas, gerando novos produtos e meios de obter
informações” (OLIVEIRA, 2010, p. 2).
Não se sabe ao certo quando surgiu a televisão. Pesquisadores como Charles Jenkins,
Maurice Le Blanc e Vladimir Zworykin são alguns dos nomes apontados para se referir a
estudos da criação deste meio de comunicação. No século passado, enquanto novas
tecnologias eram incorporadas umas às outras na medida em que surgiam, o ritmo acelerado
da sociedade impediu a possibilidade de se fazer uma definição clara de quando surgiu a
televisão. Contudo, Paternostro (1987) estabelece que, em 1940, o sistema que deu origem à
TV já era totalmente eletrônico. Mas só foi entre o final desta década e o início dos anos 1950
que esse meio de comunicação começou a entrar em todos os países, consolidando-se como
um verdadeiro veículo de massa.
Da primeira transmissão internacional em cores na década de 1950 até o
estabelecimento da alta definição das televisões de hoje, muito aconteceu: programas
radiofônicos migraram para a TV (este, por exemplo, um caso de convergência), surgimento
das novelas, presença obrigatória de telejornais, entre outros. Ou ainda pode ser definida em
três fases, de acordo com Machado (1988): televisão “ao vivo”, televisão com recursos de
pré-gravação e televisão caracterizada por imagens que podem ser manipuladas. Assim, ao
passo que o rádio revolucionou ao trazer uma nova ferramenta para comunicar (a voz), a TV
8
Coutinho (2008) indica que não é a comunicação broadcast de apenas “um para muitos”, mas uma nova
comunicação que é de “muitos com muitos”.
26
mudou a comunicação com a imagem. A sua diferença: mexe simultaneamente com dois
sentidos do público, a visão e a audição. E, segundo Paternostro (1987, p. 36), “a TV mostra e
o espectador vê. Unindo mensagem visual à mensagem auditiva, o telespectador tem maior
possibilidade de receber conhecimento”.
Não podemos falar sobre a televisão sem mencionar a influência da evolução técnica
neste meio. Os primeiros registros das tecnologias da TV começaram com o russo Vladimir
Zworykin: em 1923, ele inventou o iconoscópio, que conseguia fazer uma análise eletrônica
de imagens. Com o surgimento das antenas (a França, em 1931, construiu a sua no alto da
Torre Eiffel) e das câmeras fazendo transmissões em vários países, como a Inglaterra e os
Estados Unidos, Paternostro (1987), indica que a televisão já havia se tornado uma realidade.
Outra revolução foi o sistema de transmissão via satélite. Segundo Paternostro (1987),
eles permitem que vários pontos da Terra possam se comunicar simultaneamente. A primeira
transmissão nesse formato aconteceu em 1962, entre os Estados Unidos e a Europa. Surge,
então, o conceito de rede. A revolução na TV também teve o marco do videoteipe, que,
conforme Machado (1988), não tem uma data bem certa de surgimento, podendo ser 1952 ou
1956. O videoteipe, ou VT, não limita mais a televisão apenas a transmissões ao vivo.
Segundo Clark (1991), ele possibilita que programas sejam gravados e copiados – também:
“[...] introduziu um novo ritmo de corte nos programas, muito mais ágil, mais rápido”
(CLARK, 1991, p. 114).
A TV traz um grande desafio. Além de lidar com o texto, o jornalista também tem a
missão de comandar as imagens. Paternostro (1987) indica que as palavras precisam servir de
suporte às imagens. Ambos precisam estar em sincronia, já que é através da imagem que a TV
vence o jornal e o rádio. Por isso: “[...] é preciso respeitar a força da informação visual e
descobrir como uni-la à palavra, porque a TV funciona a partir da relação texto/imagem”
(PATERNOSTRO, 1987, p. 41).
É uma importante missão para quem chega nesse meio de comunicação, pois aqui o
jornalista age como intermediário, precisando rever conceitos ao procurar a maneira mais
eficiente de não apenas informar o espectador, mas também de envolvê-lo em vários sentidos.
Apenas palavras não bastam. Esse é um princípio básico da televisão: ela não existe sem
imagens. A imagem pode comunicar por si só e, para Paternostro (1987), ela é capaz de
transmitir emoção e, claro, informações sem o uso de palavras. Só que, como sabemos, TV
não se constrói somente através de imagens ou somente através de textos. A meta de todo
jornalista é conseguir com que o texto e a imagem andem juntos sem competir.
27
O receptor deve ‘pegar a informação de uma vez’. Se isso não acontece, o objetivo
de quem está escrevendo – transmitir a informação – fracassa. Vamos partir então
do princípio de que esta é a diferença básica entre o texto do jornal impresso e o
texto do telejornal. O jornalista é o mesmo, a lauda (o papel em branco que ele tem
que preencher) é semelhante, a intenção de passar a notícia é igual. O que é
diferente: a forma de transmitir a informação.
A TV, hoje, também encontra suporte na internet. Ela deixou de ser apenas parte do
aparelho tradicional, podendo ser encontrada no computador e em dispositivos móveis. Com a
inserção da TV no ciberespaço, ela adquire novas tecnologias e modos de funcionamento.
Agora, como aponta Capanema (2008), não estamos mais falando de espectadores e sim de
interatores. O modelo solidificado de programação não existe mais, pois a televisão está cada
vez mais segmentada – característica essa, também, da própria internet. Capanema (2008)
define essa inserção da TV na internet como uma era pós-televisiva, onde vivemos “um
período de adaptações das práticas, linguagens e plataformas audiovisuais” (CAPANEMA,
2008, p. 199) e não a exclusão desse veículo de comunicação.
É essa união de meios que Pase (2006) define como uma das grandes características da
era da convergência. A partir do momento em que a TV passa a ter suporte online, sua
estrutura básica é alterada: “a digitalização dos vídeos via internet e na produção do material
aumenta [...] A produção para TV cada vez mais utiliza técnicas digitais e abandona padrões
analógicos de edição, redação e armazenamento.” (PASE, 2006, p.7). Existe também o
benefício do arquivamento. Se antes, por exemplo, uma reportagem só podia ser assistida na
hora do telejornal, agora está disponível na internet para que o público veja a qualquer
momento. A TV, portanto, encontrou no ciberespaço um “centro de mídia doméstico” (PASE,
2006, p. 8). E essa mudança da televisão é histórica, já que, segundo Pase (2006), ela não
tinha alteração desde a entrada de imagens com cores nas décadas de 60 e 70.
No que diz respeito à questão do fazer televisivo para a internet, o que podemos notar
é que não existe ainda uma forma específica de produção dos vídeos. A exemplo, do que
ocorreu com a televisão no momento do seu surgimento, em que houve a transposição pura e
28
simples do que se fazia em rádio, o mesmo está ocorrendo na internet. Tal constatação é
nossa, por observações do que está publicado, e, também, por conta da dificuldade em
encontrar estudos e pesquisas específicas em relação ao assunto, inclusive no que diz respeito
à própria definição do que é videocast.
Em função de tal fato, vamos trabalhar com uma definição construída por nós.
Videocast, tendo como base o vídeo produzido para televisão, é um produto que utiliza
imagem e texto para a transmissão de uma mensagem, de uma informação, sendo que esses
dois elementos precisam caminhar juntos para um melhor entendimento por parte do usuário.
Também vamos partir do princípio de que tal usuário, apesar de ter condições de assistir
quantas vezes quiser a um videocast, pode promover apenas um acesso, sendo necessário,
então, que o produto seja claro e objetivo, e as imagens sejam relacionadas com o que está
sendo falado.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A natureza da pesquisa será qualitativa, uma vez que o estudo é calcado na linguagem
dos textos sobre cinema da jornalista Isabela Boscov, algo não mensurável. A esfera avaliada
é a de emissão, pois o estudo parte do ponto de vista de quem produz os textos, não de quem
os lê. O método de pesquisa aplicado é o de Análise de Conteúdo, normalmente usado na
crítica literária, onde permite destacar os traços característicos do estilo de um autor, além de
ocupar-se da análise de mensagens. Segundo Lozano (Lozano 1994 apud FONSECA
JÚNIOR, 2005, p. 286):
[...] considera que o mais importante não é o número de vezes em que certas
palavras, temas ou tipos de personagens aparecem numa mensagem, mas sim como
eles estão organizados entre si, ou seja: o que está associado a quê? (FONSECA
JÚNIOR, 2005, p. 302).
22/12/2010, sobre 72 Horas. Antes de qualquer movimento, tivemos que identificar de que
forma poderíamos trabalhar com duas mídias diferentes, no sentido de respondermos à
questão que nos fez iniciar esta pesquisa: afinal, em qual veículo de comunicação a jornalista
Isabela Boscov desenvolve melhor e com maior qualidade de comunicação a sua opinião
sobre determinados filmes? Entendemos que a melhor forma seria partir do que caracteriza a
construção de cada texto nas duas mídias, no sentido de compreendermos se cumprem com os
seus objetivos, no que diz respeito à transmissão da informação, da mensagem. O nosso
primeiro movimento foi promover a análise dos vídeos, em especial das inserções de imagens,
trabalhando o contexto da relação entre texto e imagem. Foi uma estratégia que os próprios
produtos audiovisuais nos ofereceram, a partir de um olhar mais crítico em cima dos mesmos.
Retomemos, então, alguns princípios básicos da TV já estudados anteriormente
(utilizaremos teorias da TV em função da dificuldade em encontrar materiais específicos
sobre a linguagem do videocasts). No que diz respeito à linguagem verbal adotada, ela precisa
ser clara e objetiva, utilizando a coloquialidade como principal ferramenta. Ainda conforme
Paternostro (1987), a televisão não existe sem imagens. Mas imagens não são o suficiente:
elas precisam dialogar com o texto, formando uma coerente relação. Assim, a TV utiliza as
duas linguagens apontadas por Aguiar (2004): a verbal e a não-verbal. Isabela Boscov, no
entanto, não segue alguns princípios básicos da TV ao produzir seus vídeos. Um exemplo é a
relação entre texto e imagem, frequentemente mal explorada em seus videocasts. Tais teorias,
assim como outras já apresentadas, nos servem de suporte para a análise dos videocasts e dos
textos da Revista9.
9
Os textos da Revista Veja estão disponíveis nos anexos.
31
que pode representar muito bem o tipo de relação que Ryan procura. Amor Sem Escalas teve
seis indicações ao Oscar, incluindo melhor filme.
Na primeira inserção apresentada no videocast, acompanhamos Ryan falando ao
microfone, possivelmente em uma palestra. A utilização do vídeo, com uma cena qualquer do
filme, mostra-se adequada para ilustrar o comentário da jornalista, já que as palavras dela
ainda não são exatamente conclusivas ou informativas sobre a sua análise. Qualquer imagem
do filme serviria aqui.
Num segundo momento, encontramos Natalie chorando nos braços de Ryan e outros
momentos de personagens interagindo (uma noiva está cercada de pessoas e dois personagens
aparecem conversando), ao mesmo tempo em que a voz do personagem expressa uma teoria
sobre relacionamentos. Boscov, antes desta cena, havia comentado que o filme é perfeito. Ou
seja, não fez qualquer abordagem sobre a questão de relacionamentos que foi explicitada nas
imagens. Portanto, já podemos constatar aqui a primeira incoerência entre texto e imagem.
A terceira inserção de vídeo utilizada de maneira correta é a terceira, quando as
imagens, pela primeira vez no videocast, servem de suporte para cobrir uma fala da jornalista.
No momento em que ela diz: “o elenco é todo perfeito para os papeis que vai desempenhar”,
cenas que mostram vários dos atores atuando no filme começam a ilustrar o comentário de
Boscov.
No entanto, na quarta inserção, encontramos o erro anterior se repetindo: a falta de
conexão entre o texto e a imagem, isto é, a imagem não está contextualizada. O “investimento
coletivo” citado por Boscov não é definido pelas cenas usadas posteriormente à sua fala.
Pessoas no aeroporto e um casal dançando nada dizem sobre a afirmação dela, especialmente
por causa da voz em off de Ryan afirmando que: “quanto mais devagar vamos, mais rápido
morremos”. O uso indevido do sobe som, que é usado para complementar ou detalhar uma
informação, não segue as regras fundamentais do vídeo.
Após, encontramos um dos acertos da jornalista, que aparece no Quadro 1 abaixo:
Quadro 1 - O diretor Jason Reitman
IMAGEM TEXTO
Quadro 2 - Demissões
IMAGEM TEXTO
(texto antes e durante o vídeo) “O George Clooney
interpreta um sujeito chamado Ryan, que tem um
emprego muito curioso, pra não dizer trágico. Ele é
um especialista em demissões, funcionário de uma
empresa que é contratada por outras empresas ou
corporações para fazer demissões quando há
(01:52 – 02:06) grandes cortes de pessoal. Então, esse sujeito que
nunca viu as pessoas que ele vai demitir...”.
Fonte: Dados da pesquisa
33
Boscov utiliza cenas que, a princípio, serviriam de suporte para ilustrar seu comentário
sobre as demissões que o personagem de George Clooney faz. Para quem viu o filme, é
sabido que as figuras mostradas são aquelas que o personagem demite. Já para os leigos, são
apenas cenas que mostram alguns personagens desconhecidos tomando café, tirando papeis
violentamente da mesa ou empurrando cadeiras. Nunca acompanhamos, de fato, Ryan na
frente deles fazendo uma demissão. Um sobe som conseguiria mudar essa situação. Podemos
deduzir, mas as cenas não deixam isso claro. Principalmente porque, no final, mostram Ryan
sentado numa mesa de reunião com várias pessoas e com Natalie aparecendo na tela no exato
momento em que Boscov fala “sujeito” (referindo-se a Ryan).
Na nona inserção, um caso crítico: Boscov comenta que Ryan estará na frente das
pessoas que vai demitir e dizer que o cargo delas não está mais disponível. Em seguida,
mostra Natalie falando ao celular e dizendo: “Não sei quanto tempo vai durar esse exercício.
Não, não penso nele dessa forma. Ele é velho!”. Ryan, ao ouvir o comentário de Natalie, vira
para o espelho para ver se realmente está velho. Ou seja, uma situação cômica para dar
continuidade a um comentário que fala sobre demissões. Não temos apenas a falta de
concordância entre texto e imagem, mas também uma brusca mudança de abordagem: do
drama para a comédia em segundos.
Na sequência, Boscov diz que a América está afundando e que esse é o momento de
um profissional como Ryan. Após, utiliza o off10: “Mostre a ela a sua mágica, ensine algumas
coisas” e o vídeo mostra o personagem interagindo com Natalie no aeroporto. Pulou de um
assunto para outro quando inseriu imagens. Nada aqui prova que a América está afundando. A
jornalista, no entanto, acerta na sua próxima inserção, que está ilustrada abaixo (Quadro 3):
10
O off acontece quando não aparece quem está falando, apenas a voz, que é coberta com imagens.
34
O diálogo entre texto e imagem foi bem sucedido. Por mais que as cenas não mostrem
Ryan dentro de um avião, indicam exatamente aquilo que o texto aponta: o vai-e-vem do
personagem. O vídeo traduz o cotidiano de Ryan: ele faz a mala, sai do quarto de um hotel,
faz check-in no aeroporto e bebe whisky em mais um quarto de hotel.
Na décima-segunda utilização de vídeo, a cena apresentada logo após o comentário de
Boscov, novamente, não se relaciona com o que recém foi comentado. A “tortura”
mencionada pela jornalista e a situação “perdida” do personagem não são trabalhadas no
momento em que Ryan diz: “Eu sou como a minha mãe, classifico pessoas em estereótipos. É
mais rápido”.
Na inserção de número 13, as imagens até que concordariam com o que a jornalista
acabara de dizer. Mostrando Ryan num bar e conversando com uma mulher, esses momentos
ilustrariam a ideia de que o personagem gosta de bebidas e bares impessoais. O problema é o
uso do sobe som. “Isso é muito sexy. Quantas pessoas ficam excitadas com o status de elite
nas milhas?” não representa esta ideia de independência do personagem. A falta de relação
continua (Quadro 4):
(03:43 – 03:48)
Fonte: Dados da pesquisa
Boscov mostra o personagem interagindo várias vezes com uma mulher: sentado num
barco, conversando pessoalmente ou por celular. O texto, contudo, indica que ele prega a
ideia de que relacionamentos impedem que as pessoas vivam. O sobe som, com Natalie
perguntando “Que tipo de relacionamento você tem?” dá apenas uma pincelada nesta
afirmação, mas é breve demais para causar qualquer efeito. Ou seja, as imagens contradizem o
que foi dito pela jornalista, mas o sobe som, de certa forma, concorda. Confusão de
abordagens.
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Aqui, as demissões trágicas e o filme triste mencionado pela jornalista são ilustrados
com cenas de pessoas conversando e, também, por um momento em que um personagem está
sorrindo ao beijar o ombro do outro. Tal erro se repete na inserção 19, onde uma cena e um
diálogo de humor sarcástico não criam “a pessoa muito triste” que Isabela Boscov citou em
seu comentário.
O diálogo escolhido na vigésima inserção para dar continuidade ao comentário da
jornalista não explica o que são as “certas coisas” que “não têm mais solução”. Inserção
desnecessária para a conclusão que Boscov começou a construir para o videocast. Na 21ª, as
cenas de personagens se beijando, tirando fotos ou correndo no aeroporto não definem os
momentos que passaram, as decisões irrevogáveis, as ilusões vãs e a impossibilidade de se
36
consertar as coisas como declarou Boscov no verbal. Por fim, após o último comentário,
aparecem momentos quaisquer do filme para acompanhar os créditos com a ficha técnica do
longa.
Num balanço final, o que podemos constatar neste vídeo é a ausência da correta
utilização da narrativa televisiva. Logo na primeira inserção de vídeo do videocast, notamos
que a utilização da cena do filme em questão se revela aleatória (ou desnecessária?),
contrariando a definição de Paternostro (1987) de que a TV parte do diálogo entre
texto/imagem. Estamos falando também da multimidialidade na internet. Ou seja, a união de
várias ferramentas, como vídeo, texto e imagens deveriam ser ainda melhor exploradas, já que
a convergência apresentada pelo mundo online marca o encontro entre várias mídias
analógicas e digitais.
Assim, a jornalista Isabela Boscov peca diversas vezes ao não relacionar as imagens
que utiliza com o texto que apresenta nos comentários do longa-metragem Amor Sem Escalas.
Existem casos particularmente preocupantes, como na inserção #9, em que a jornalista
comenta que alguém vai dizer que “o seu cargo não está mais disponível”, para, depois,
mostrar uma cena cômica envolvendo o personagem de George Clooney e Anna Kendrick.
A multimidialidade está aí para atrair consumidores e oferecer mais recursos para
propagar informação. Por isso, no primeiro videocast da jornalista em 2010, podemos
constatar que ela ainda precisava aprender a comandar melhor as ferramentas que tinha em
mãos, mesmo já ocupando um espaço na web há dois anos. As imagens não criaram uma
realidade, como sugere Aguiar (2004), assim como a utilização do sobe som, que, ao invés de
complementar a informação recém dada pela jornalista, apenas ilustrou momentos do filme
sem conexão com o verbal.
Quanto ao texto, o estilo de Isabela Boscov se aproxima muito do da crítica
impressionista apontado por Piza (2004). Seus comentários sobre o filme Amor Sem Escalas
seguem o estilo apontado pelo autor, que, em linhas gerais, resume-se à ação de descrever as
reações perante uma obra, utilizando adjetivos para qualificá-la. O videocast, nesse sentido,
deixa claro o quanto a jornalista apreciou o filme.
No entanto, em termos de estrutura textual, percebe-se o uso da coloquialidade como,
às vezes, sinônimo de repetição e pobreza na construção de frases. Na inserção #3, ela é
redundante em vários momentos, comentando que o diretor escolhe bem o assunto, para
depois dizer que ele trata bem o assunto e por fim comentar que o filme é bem escrito.
A coloquialidade do texto televisivo e online, que deve ser como uma conversa com o
espectador/usuário, também abre espaço para momentos que propiciam essas redundâncias.
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Os cortes repentinos para conectar comentários claramente gravados mais de uma vez, bem
como o uso do “éés”ou do “ããs”, por exemplo, servem para disfarçar o tempo em que Boscov
está fazendo uma pausa para pensar de que forma concluir seu pensamento. Isso indica que
não houve a preparação de um texto prévio para leitura, sendo o mesmo construído na medida
em que era falado.
O videocast de Amor Sem Escalas, no final das contas, representa uma Isabela Boscov
que ainda está tentando se adaptar ao mundo dos vídeos online. Tanto o cenário cheio de
informações visuais quanto os enquadramentos e a forma como o comentário é desenvolvido,
com uma coloquialidade frágil, mostram que ela não domina a mídia. O próprio texto também
precisa ser lapidado, já que ainda traz traços do rejeitado estilo limitado de “espelho online”
apontado por Martins (2008). Num balanço geral, se formos contabilizar número de erros e
acertos, Boscov acerta em apenas sete das 22 inserções de vídeos.
Ainda que pudesse utilizar momentos de algum filme de Russell Crowe que
expressasse todas as características que recém citou (a “capacidade de ser ultra econômico”),
Boscov acertou ao relacionar uma imagem do ator dando entrevista para mostrar de quem ela
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estava falando. Já no segundo momento que utiliza cenas do filme para acompanhar seu texto,
a jornalista peca por não relacionar o texto com a imagem. O vídeo em nada está relacionado
com o comentário da jornalista. Ao mostrar John brincando com o filho e, depois, ao utilizar o
sobe som para ilustrar um momento da felicidade de sua família, a cena do filme não
consegue exemplificar para o espectador o porquê do filme ser envolvente e tenso como
indicado pela jornalista.
Nas duas seguintes inserções, quando cita o longa-metragem No Vale das Sombras e a
atriz Elizabeth Banks, utiliza imagens de ambos para apresentá-los ao usuário. São relações
corretas e que auxiliam na hora de construir a imagem deles: imagens servindo de suporte
para o texto, apostando na complementaridade. No caso da cena de Elizabeth Banks, como
fala que a atriz está numa rara chance de fazer bem um papel dramático, poderia colocá-la
numa cena do filme que evidenciasse esse aspecto. No entanto, a atriz dando entrevista já
trabalha a ideia da relação imagem/texto. Já na terceira inserção de vídeo, além de Boscov
acertar nas imagens, também alcança resultado positivo ao selecionar uma cena do filme que
mostra exatamente o que ela acaba de acompanhar (Quadro 7):
O acerto volta a aparecer logo em seguida, na sétima inserção, quando, utilizando uma
cena em que John comenta que viu as provas e que acredita que sua mulher é inocente, a
jornalista ilustra seu comentário de que o personagem quer tirá-la da cadeia. No oitavo
momento, Boscov continua com suas corretas escolhas. Na realidade, o ideal seria mostrar
cenas do veredito, mas as utilizadas também, de certa forma, dialogam com o que acaba de ser
visto: a personagem Lara dentro da prisão e, depois, acompanhada do marido e do filho que
foram fazer uma visita acompanham esta ideia de que ela, de fato, ficará presa.
Na nona inserção, mais uma vez, a escolha de imagens se mostra adequada, mostrando
o tal “desespero” do personagem numa cena em que ele monta uma arma e vai até a prisão
para colocar um plano em ação. O diálogo da cena também amplia a ideia, quando mostra
John dizendo que não tem outra escolha a não ser executar aquela medida desesperada.
Outro problema aparece na décima primeira inserção, e não é relacionado à escolha de
imagens, mas sim à sua organização. Acompanhando o comentário da jornalista sobre o
personagem do ator Liam Neeson e sua importância na história, a imagem do ator não aparece
na hora que Boscov menciona o seu nome. Quem aparece é o personagem de Russell Crowe
para só depois mostrar Liam Neeson. Ou seja, a ideia foi válida, mas a montagem deveria ter
organizado melhor a distribuição. O comentário sobre Neeson poderia ter se conectado com o
da próxima inserção, que está ilustrada abaixo (Quadro 8):
Aqui temos mais um exemplo de como não apenas as imagens se relacionam com o
texto, mas também o próprio diálogo delas. Seguindo a ideia apresentada por Boscov de que o
personagem de Liam Neeson dá diretrizes para o de Russell Crowe sobre como proceder num
plano, a cena mostra exatamente isso: Neeson fala sobre a importância de ter coragem ao
matar um homem, abandonar um filho, etc. (Quadro 9):
isso. E, finalmente, na última inserção, cenas aleatórias apenas para mostrar vários momentos
do filme.
Ao contrário do videocast de Amor Sem Escalas, o de 72 Horas consegue utilizar
melhor as regras definidas por Paternostro (1987) para a relação de texto e imagem. Logo nas
primeiras inserções de vídeo, quando a jornalista fala dos atores (colocando vídeos de Russel
Crowe e Elizabeth Banks ao falar deles), já podemos notar que o videocast une o verbal com
o não-verbal.
O próprio texto e a forma de Boscov comunicar estão mais à vontade, muito ajudados
pelo cenário mais limpo e pelos enquadramentos que colocam mais dinâmica para o
videocast, além de ficar claro de que o texto foi construído com antecedência, sendo lido por
Boscov. Com a jornalista mais livre, confirma-se a necessidade apontada por Castells (2008)
de a internet ter que reproduzir o face a face, com o tom de voz e a linguagem corporal são
mais explorados.
O não-verbal se torna muito presente, já que quase todas as inserções de vídeo servem
de suporte para o texto. Um bom exemplo é a inserção #12, que mostra o personagem de
Russel Crowe fazendo exatamente aquilo que Boscov recém havia comentado: colocando
mapas e fazendo anotações na parede.
Comparado com o videocast analisado anteriormente, o de 72 Horas confirma a ideia
de Capanema (2008) de que precisamos nos adaptar a novas linguagens e plataformas. Em um
ano de trabalho, a partir do primeiro e do último videocast de 2010 analisados, podemos
perceber uma evolução da jornalista na forma de utilizar a multimidialidade e a própria
linguagem. Tanto que, aqui, a proporção de acertos em relação ao número de inserções
aumentou. De 17 vezes que a jornalista utiliza trechos do filme para ilustrar seus comentários,
dez são utilizados de forma correta.
O texto De Porto em Porto, escrito por Isabela Boscov, fala sobre o filme Amor Sem
Escalas. O lead, “no triste, engraçado e excepcional Amor Sem Escalas, George Clooney é
um homem sem amarras que começa a ansiar por algo de estável”, já indica a opinião da
jornalista, ao mesmo tempo em que resume, em poucas palavras, sobre o que se trata o filme.
Logo, apoiando-se muito no estilo de jornalismo literário, abre a crítica com uma descrição
minuciosa de uma cena do filme:
42
“Em uma sequência fabulosamente bem montada, Amor Sem Escalas (Up in the Air, Estados
Unidos, 2009) comprime em uns poucos minutos o ritual que seu protagonista, Ryan
Bingham, executa mais de 320 dias ao ano: roupas e pertences são milimetricamente
acomodados em uma mala pequena; Ryan aperta o botão da alça, puxa-a para cima, roda com
a mala para fora de mais um quarto de hotel. Aperta o botão, recolhe a alça, põe a mala no
carro, vai até o aeroporto. Aperta o botão, puxa a alça, check-in. Aperta o botão, recolhe a
alça, tira os sapatos, passa pelo raio-x. Aperta o botão, puxa a alça, roda até o portão, embarca
– tudo em cadências ritmadas, como se cada etapa fosse um compasso de uma música.”
“Mas Ryan, interpretado por George Clooney com nuances que ele vem tornando mais
sugestivas a cada filme, não é um autômato. É um homem que se compraz nesse ritual,
orgulha-se da precisão a que nele chegou e, principalmente, ama o que ele significa: mais um
dia no ar, rumo a mais uma cidade que pouco significa para quem não mora nela – Tulsa, Des
Moines, Wichita, Kansas City – para mais um dia de trabalho que ele desempenha com
maestria, em todo o seu trágico exotismo”.
Aqui, Boscov faz comentários a partir do princípio de Golin e Cardoso (2010) de que
o jornalismo cultural se constrói a partir de uma plataforma interpretadora. Isso quer dizer
que, neste momento, ela apresenta não apenas um texto informativo e que consegue mostrar o
filme para o leitor, mas também uma interpretação do que Amor Sem Escalas quer dizer
especificamente com o seu protagonista, Ryan Bingham. Ao invés de apenas fazer um mero
relato da personalidade dele, Boscov faz uma definição de sua vida, dizendo que ele não é
“autômato”, mas que é um homem que se orgulha do que faz e que desempenha o seu papel
43
cheio de “trágico exotismo” com maestria. Tal parágrafo, então, como já citado, é uma
plataforma interpretadora e não meramente informativa. O texto, logo após, segue com um
parágrafo que explica a função de Ryan e o que ele interpreta sobre as demissões que efetua.
Uma análise sintética dos fatos (demissões) que constroem o cunho emocional do filme.
Posteriormente, Isabela Boscov comenta:
“Amor Sem Escalas toma personagens frequentes na iconografia americana, aquelas pessoas
que compensam a paralisia emocional com a eficiência profissional. Cuida, então, de expô-las
no que tem de mais tenro e terno. Cada demissão efetuada por Ryan é uma pequena tragédia
distinta: não importa qual o estereótipo apresentado, se o da executiva carreirista ou do
funcionário tarefeiro – Reitman descobre, sob cada um deles, um íntimo repleto e palpitante.
O que se tem aqui, portanto, é uma visão ampliada das agonias pessoais deflagradas pela
depressão econômica.”
“Este é um filme sobre como alguém vive o presente; e, nele, Ryan subitamente ganha essas
duas âncoras, uma figura conjugal e uma figura filial, e contra suas próprias convicções,
começa a gostar de arrastá-las para cá e para lá. Ambas as atrizes, Anna Kendrick e Vera
Farmiga, são sensacionais. Mas é com Vera que Clooney tem a oportunidade de oferecer um
espetáculo magnífico: o de um homem se apaixonando e, pouco a pouco, com surpresa e com
mais alegria do que imaginaria, percebendo estar apaixonado. Mas, em que pesem seu humor
vivaz e seus momentos tão jubilosos, Amor Sem Escalas é de uma tristeza profunda. Uma vez
rompido seu isolamento, Ryan estará desprotegido tanto da possibilidade de ser feliz quanto,
claro, de ser infeliz – porque a vida tem momentos-chave e poucos daqueles que se deixou
passar podem ser recuperados; porque algumas decisões são incanceláveis; e porque, quando
duas pessoas baixam a guarda uma para a outra, a indefinição é a única certeza. Tudo, de fato,
fica no ar. Menos esse belíssimo filme de Reitman, que tem a cabeça nas nuvens, mas os pés
plantados bem firmes no chão.”
Boscov, na finalização do texto, retoma algo que parece recorrente em seus textos (a
interpretação do filme) e ainda utiliza a forma da crítica impressionista para deixar o leitor
informado de suas impressões do filme ao adjetivar vários aspectos dele. A crítica
impressionista, a exemplo do que já foi estudado, é exatamente isso: caracterizar as
impressões imediatas de uma pessoa perante uma obra utilizando adjetivos para qualificá-la.
Encerrando o texto de Amor Sem Escalas, Boscov define as atrizes como “sensacionais” e
categoriza o filme como “belíssimo” e com “os pés plantados bem firmes no chão”, referindo-
se ao realismo apresentado pelo resultado final do longa-metragem.
Temos em De porto em porto, por fim, um texto que reflete uma autora que sabe
defender as suas escolhas com maestria, fazendo o leitor leigo construir o filme com as
palavras e, também, ajudando aqueles que já assistiram ao filme perceber aspectos que
possam não ter sido analisados por eles antes. É um texto que cumpre aquilo que Piza (2004)
firma como essencial: a formação do leitor. Isabela Boscov alcançou esse feito na bem
arquitetada estrutura de seu texto, que transita entre interpretações de personagens,
adjetivações e análises socioculturais da população norte-americana.
O texto Nascidos um para o outro, escrito por Isabela Boscov, fala sobre o filme 72
Horas e inicia assim:
45
“Entre todos os atores capazes de interpretações por vezes magníficas – e eles não são tão
poucos assim -, é difícil encontrar quem se compare a Russell Crowe quando ele está no papel
certo, no filme certo [...] é felicíssima, então, a parceria de Crowe com Paul Haggis, outro
sujeito que gosta de puxar pela emoção da plateia nos roteiros que escreve (Menina de Ouro e
Cartas Para Iwo Jima, por exemplo, para Clint Eastwood) e nos filmes que ele mesmo dirige:
Crash – No Limite, embora não o merecesse, se enquadrou tão bem com os sentimentos dos
membros da Academia que tirou de Brokeback Mountain o Oscar dado como certo; e No Vale
das Sombras, um trabalho de safra superior, merecia, por outro lado, mais consideração pela
maneira desadornada com que narrava a busca de um ex-militar por seu filho, um combatente
do Iraque que some sem dar baixa.”
“Na primeira cena, John e Lara (Crowe e Banks, muito bem em um raro papel dramático)
jantam com o irmão e a cunhada. Lara brigou feio com a chefe, e continua a briga tolamente
com a cunhada. Por meio das intervenções do marido na discussão, Haggis desenha em
detalhe um casamento genuíno – um bom casamento. Mas, na manhã seguinte, na presença do
filho pequeno do casal, a polícia prende Lara pelo assassinato de sua chefe. Que Haggis deixe
aí boa margem para dúvida (Lara não parece ser do tipo homicida, mas as provas contra ela
são irrefutáveis) é um dos lances inspirados da trama: só o marido acredita de fato na
inocência da mulher; e, quando o último recurso em favor dela é recusado pelo tribunal, o
roteiro lhe dá todos os pretextos para agir como agem as pessoas que se sentem solitárias em
46
uma crença e acuadas pelo ceticismo alheio – com desespero e sem ponderação.”
Neste outro momento, bem como fez no texto de Amor Sem Escalas, a jornalista
constrói a realidade do filme para o leitor. Ainda que utilize essa definição de Aguiar (2004)
de forma menos complexa (no texto anterior observamos uma narrativa mais inovadora),
alcança os mesmos objetivos. Desta forma, conseguimos saber como o filme começa, afinal, a
primeira cena é comentada por Boscov, e todos os fatos que são encadeados por este momento
inicial de 72 Horas. Ao mesmo tempo em que reflete e constrói para o espectador o longa-
metragem, também já analisa sutilmente alguns aspectos do filmes, a exemplo de como o
protagonista age perante a condenação da esposa ou da definição do casamento “genuíno” dos
dois. Para finalizar seus comentários, escreve:
“Mas diretor e ator não perdem a mão: ancorando cada desdobramento em uma atuação
secundária sólida (quatro exemplos estupendos: Brian Dennehy como o pai de John, Liam
Neeson como o fugitivo profissional, Daniel Stern como o advogado de Lara e o
desconhecido Tyrone Giordano como um motoqueiro surdo), eles cumprem uma tarefa
desafiadora: pôr o mais lapidado realismo a serviço da mais completa inverossimilhança – e
da mais deliciosa e enervante excitação, daquelas que fazem o espectador se retorcer na
poltrona e prender o fôlego”.
Aqui, numa análise objetiva, resume em poucas frases o resultado de 72 Horas. Por se
tratar de um texto que ocupara menor espaço na VEJA (teve apenas uma página, enquanto
Amor Sem Escalas teve três), é considerável positiva a forma como a jornalista sintetizou
tanto as informações do filme quanto suas análises sobre ele, apontando qualidades e defeitos
que justificam sua opinião. Confirma, portanto, a ideia de Scalzo (2004) de que revistas
possuem informações mais pessoais nos textos, ajudando o leitor no seu cotidiano. Como
representante do homem comum, o crítico tem o papel de formar o leitor e de servir de
suporte para as decisões de consumo cultural destas pessoas, conforme afirma Melo (2009).
Nesse sentido, Boscov cumpre a sua função.
jornalista Isabela Boscov desenvolve melhor sua opinião, apresentando maior qualidade de
comunicação. Após estudos relativos a jornalismo cultural, TV, linguagem e Web, bem como
uma análise de cada um dos produtos (textos impressos e vídeos no site da VEJA),
concluímos que ela desenvolve melhor sua opinião sobre determinado filme nos textos da
revista. Dessa forma, não confirmamos a nossa hipótese de que seria nos videocasts.
No videocast, identificamos a falha de comunicação que Isabela Boscov apresenta ao
não utilizar de forma correta as imagens para ilustrar seus textos. Não obedecendo durante
boa parte do tempo as definições de Paternostro (1987) para a construção da narrativa
audiovisual, a jornalista acaba dependendo, como na revista, de suas próprias palavras. Ou
seja, as imagens pouco lhe auxiliam e o fator verbal se torna o protagonista dos vídeos. Só
que até mesmo no verbal podemos algumas diferenças: é perceptível que a “coloquialidade” é
reflexo de uma construção verbal que é feita no momento de gravação do vídeo. Assim,
mesmo na coloquialidade, é recomendável um preparo ou algum procedimento que possibilite
a estruturação do pensamento para evitar hesitações ou erros sob os holofotes.
Constatamos também, como já mencionado em nossa análise, que, em um ano de
trabalho, Isabela Boscov aprimorou sua qualidade nos videocasts – ainda que não na dosagem
necessária para alcançar pleno êxito do ponto de vista teórico audiovisual. Os erros
diminuíram e as inserções de vídeos foram utilizadas de maneira mais correta com maior
frequência. No entanto, erros como a falta de relação entre as imagens continuam a se repetir,
impedindo que a correta forma da linguagem televisiva se apresente para quem está
assistindo. Vale lembrar que, apesar de estarmos trabalhando com uma análise televisiva, os
videocasts se encaixam na Web 2.0. Portanto, ainda que seja possível o usuário assistir ao
videocast mais de uma vez para compreender certos aspectos, essa prática não é
necessariamente uma verdade absoluta – uma vez que a própria TV acostumou o público a
captar informações com apenas uma exibição.
Já quando analisamos os textos publicados na revista, podemos constatar que Boscov
trabalha com extrema facilidade os aspectos citados por Piza (2004) como fundamentais para
um bom texto de jornalismo cultural. Ao construir sua narrativa com plataformas
informativas, também podemos notar a forte presença de interpretações no trabalho da
jornalista. Ela faz uma excelente dosagem entre esses dois aspectos, também refletindo alguns
aspectos culturais que envolvem a produção do vídeo e, principalmente, fazendo com que os
filmes comentados fiquem construídos na mente do leitor. O maior exemplo disso é a
descrição minuciosa que faz do cotidiano do personagem Ryan no início do texto De porto em
porto.
48
A comparação entre as análises dos dois meios de comunicação não confirma a nossa
hipótese inicial de que Isabela Boscov desenvolveria com melhor comunicação a sua opinião
sobre filmes no videocasts. Conforme constatamos, nos videocasts ela não utiliza de forma
satisfatória as regras dos padrões televisivos, utilizando inserções de vídeos que não
comunicam ou que, então, passam informações incoerentes quando comparadas com o verbal.
Neste sentido, os videocasts se mostram falhos por não conseguir fazer o fundamental: uma
união entre texto e imagem. Os textos, por outro lado, são repletos de acertos. Não só por
estarem de acordo com o estilo do jornalismo cultural ou com a própria construção da
linguagem verbal, mas também por comunicarem com mais clareza, eficiência e qualidade a
opinião da jornalista.
Concluímos, portanto, que Isabela Boscov alcança melhor resultados nos textos que
publica na revista. Em sua recente empreitada no mundo online, precisa melhorar vários
aspectos (lembrando que nossa análise é limitada ao ano de 2010, podendo haver mudanças
no trabalho da jornalista posteriormente). Já na revista, mostra-se muito segura do que
apresenta. É uma conclusão que tiramos, como já dito, a partir de duas etapas: primeiro da
análise individual de cada veículo. E se as análises individuais por elas mesmas já se
mostrariam definitivas, a comparação torna nossa afirmação ainda mais consistente. Em
suma, adotar as características principais das linguagens de determinado veículo se mostra
fundamental para uma boa comunicação.
Nossa hipótese não foi confirmada. Por outro lado, alcançamos os nossos objetivos
com esta pesquisa. Ao longo do nosso trabalho, conseguimos identificar quais elementos e
recursos que a crítica de cinema da revista VEJA, Isabela Boscov, utiliza em seus textos na
mídia impressa e também no site da publicação, para desenvolver suas percepções sobre os
filmes (na nossa amostragem, Amor Sem Escalas e 72 Horas). Também conseguimos analisar
as linguagens que a crítica de cinema Isabela Boscov utiliza na revista VEJA e também nos
videocasts postados no site da publicação. E, por fim, comparamos essas mídias.
5 CONCLUSÃO E SUGESTÕES
comunicação, alterando o cenário estratificado dos meios onde cada veículo atua
independente um do outro: agora, todos se encontram em um único lugar.
É esse leque de possibilidades que faz a internet ser tão bem sucedida: mídias
analógicas e digitais se unem, a liberdade autoral está mais presente (agora, como já estudado,
qualquer pessoa pode publicar seus textos sem restrições e gratuitamente) e o espaço para
conteúdo é infinito. É um trabalho árduo para os profissionais da comunicação, que recém
estão se adaptando a esse novo cenário, que se mostra recente e pouco teorizado (referências
sobre esse assunto, por exemplo, estão longe de alcançar a consistência do que existe sobre os
outros veículos). Mais do que um trabalho árduo, também é um momento de transição,
adaptação e, principalmente, inclusão para as linguagens e para os jornalistas.
Por isso mesmo, é necessário um preparo consistente dos profissionais que desejam
atuar nesse meio. Isso se torna verdade no momento em que se define a necessidade dos
jornalistas serem multimídia. Ou seja, que devem atuar em todos os meios de comunicação,
sejam eles jornal, rádio, TV ou internet. Assim, o profissional deve não apenas se apropriar
dos procedimentos técnicos de cada veículo, mas também da própria linguagem de cada um
deles. O jornalista do Grupo RBS, Rodrigo Lopes, em entrevista concedida a este
pesquisador, no dia 31 de agosto de 2011, no Centro Universitário Metodista - IPA, confirma
essa ideia. Para ele, o grande desafio da convergência do jornalismo para a internet é a
linguagem, já que, nela, o internauta não aceita apenas as repetições do que já viu no jornal,
por exemplo. Ele aponta que, além do jornalista ter que se adaptar a novas linguagens e a
diferentes públicos, o terreno da internet ainda é muito incerto, onde constantemente as
novidades variam. O que ele garante, por outro lado, é que, enquanto o jornalista souber
contar uma história, independente da plataforma, os desafios serão vencidos.
No entanto, o que podemos constatar com nossa pesquisa, que tinha como objetivo
identificar e analisar os recursos e linguagens que a jornalista Isabela Boscov utiliza na revista
e nos vídeos da internet para falar sobre cinema, é que essa necessidade do jornalista ser
multimídia não é tão simples assim. A própria Isabela Boscov é um exemplo disso:
extremamente clara em seus textos para a mídia impressa (que é onde tem suas origens,
atuando desde 1999 na VEJA e com experiências prévias em outros jornais e revistas), mas
ainda se adaptando no que diz respeito à construção da linguagem de vídeos. Tal constatação
nos faz pensar que é fundamental que haja uma preparação, um treinamento para que os
jornalistas tenham condições de transitar por várias mídias com a mesma naturalidade com
que atuam naquelas que mais dominam, que atuam há mais tempo.
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REFERÊNCIAS
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52
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FONSECA JÚNIOR, Wilson Corrêa da. Análise de Conteúdo. In: DUARTE, Jorge;
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PASE, André Fagundes. Uso do vídeo online como sintoma de alternativa para a TV na
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jul. 2011.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
ANEXOS
De porto em porto
No triste, engraçado e excepcional Amor Sem Escalas, George Clooney é um homem sem
amarras que começa a ansiar por algo de estável
Em uma sequência fabulosamente bem montada, Amor Sem Escalas (Up in the Air,
Estados Unidos, 2009) comprime em uns poucos minutos o ritual que seu protagonista, Ryan
Bingham, executa mais de 320 dias ao ano: roupas e pertences são milimetricamente
acomodados em uma mala pequena; Ryan aperta o botão da alça, puxa-a para cima, roda com
a mala para fora de mais um quarto de hotel. Aperta o botão, recolhe a alça, põe a mala no
carro, vai até o aeroporto. Aperta o botão, puxa a alça, check-in. Aperta o botão, recolhe a
alça, tira os sapatos, passa pelo raio-x. Aperta o botão, puxa a alça, roda até o portão, embarca
– tudo em cadências ritmadas, como se cada etapa fosse um compasso de uma música. Mas
Ryan, interpretado por George Clooney com nuances que ele vem tornando mais sugestivas a
cada filme, não é um autômato. É um homem que se compraz nesse ritual, orgulha-se da
precisão a que nele chegou e, principalmente, ama o que ele significa: mais um dia no ar,
rumo a mais uma cidade que pouco significa para quem não mora nela – Tulsa, Des Moines,
Wichita, Kansas City – para mais um dia de trabalho que ele desempenha com maestria, em
todos o seu trágico exotismo.
É preciso recorrer a um neologismo para descrever a atividade de Ryan. No filme que
estreia no país na próxima sexta-feira, ele é um “demissor”. Trabalha para uma empresa que é
contratada por outras empresas quando há corte de pessoal a fazer. Ryan viaja, senta-se em
um escritório no qual nunca esteve e demite pessoas que nunca viu antes. No seu entender, ele
desempenha uma espécie de serviço social. Com suavidade e ciência, impele essas pessoas a
interpretar esse momento catastrófico como a chance de recomeçar ou de se tornarem o que
sempre estiveram destinadas a ser. Ryan sabe que poucas vezes o enunciado vai se provar
verdadeiro. Mas, como um agente funerário, compreende que o consolo de um rito de
passagem é essencial. É um homem tão compassivo, paradoxalmente, que sua própria
impessoalidade é um gesto de piedade. Nunca diga ao demitido quanto é desagradável demiti-
lo, ensina a Natalie, sua pupila: o seu incômodo nada significa diante do sofrimento de perder
o sustento e o respeito, e ninguém deveria ser solicitado a pensar nas emoções alheias em um
instante como esse.
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Dirigido por Jason Reitman, que despontou com Obrigado por Fumar e Juno e agora
confirma que nada houve de acidental em seu sucesso, Amor Sem Escalas é um parêntese no
progressivamente infantilizado e pasteurizado cinema americano. Não um parêntese no
sentido em que Bastardos Inglórios, Sangue Negro ou mesmo Avatar o são – filmes
concebidos a partir de visões desafiadoramente pessoais por cineastas que têm uma ambição
feroz de serem únicos. Amor Sem Escalas toma personagens frequentes na iconografia
americana, aquelas pessoas que compensam a paralisia emocional com a eficiência
profissional. Cuida, então, de expô-las no que tem de mais tenro e terno. Cada demissão
efetuada por Ryan é uma pequena tragédia distinta: não importa qual o estereótipo
apresentado, se o da executiva carreirista ou do funcionário tarefeiro – Reitman descobre, sob
cada um deles, um íntimo repleto e palpitante. O que se tem aqui, portanto, é uma visão
ampliada das agonias pessoais deflagradas pela depressão econômica. E, como só em um
roteiro superlativo como este seria possível (Reitman é coautor do script, a partir do romance
homônimo de Walter Kirn, publicado pela Record), cada pequena história revela algum novo
detalhe sobre Ryan, sobre Alex (Vera Farmiga), a mulher madura com quem ele inicia um
relacionamento que se pretende apenas casual e sexual, e sobre Natalie (Anna Kendrick), a
novata que tem o plano de tornar as demissões mais econômicas – e impessoais -, realizando-
as via internet.
Vale dizer que o título nacional nada significa; o original, Up in the Air, além de
mencionar o modo de vida itinerante do protagonista, quer dizer que as coisas estão “no ar”,
indefinidas. Diz respeito, também, a jogar tudo para o alto e agir de maneira que se julgue
livre ou inconsequente. Ryan, porém, é a autocontenção em pessoa; é um homem que cortou
suas amarras, uma a uma, com deliberação, e defende em palestras motivacionais que
qualquer posse material ou vínculo pessoal é peso extra a carregar. Por que ele se tornou
assim, felizmente, o roteiro não explica. Este é um filme sobre como alguém vive o presente;
e, nele, Ryan subitamente ganha essas duas âncoras, uma figura conjugal e uma figura filial, e
contra suas próprias convicções, começa a gostar de arrastá-las para cá e para lá. Ambas as
atrizes, Anna Kendrick e Vera Farmiga, são sensacionais. Mas é com Vera que Clooney tem a
oportunidade de oferecer um espetáculo magnífico: o de um homem se apaixonando e, pouco
a pouco, com surpresa e com mais alegria do que imaginaria, percebendo estar apaixonado.
Mas, em que pesem seu humor vivaz e seus momentos tão jubilosos, Amor Sem Escalas é de
uma tristeza profunda. Uma vez rompido seu isolamento, Ryan estará desprotegido tanto da
possibilidade de ser feliz quanto, claro, de ser infeliz – porque a vida tem momentos-chave e
poucos daqueles que se deixou passar podem ser recuperados; porque algumas decisões são
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incanceláveis; e porque, quando duas pessoas baixam a guarda uma para a outra, a indefinição
é a única certeza. Tudo, de fato, fica no ar. Menos esse belíssimo filme de Reitman, que tem a
cabeça nas nuvens, mas os pés plantados bem firmes no chão.
No suspense 72 Horas, Russell Crowe e o diretor Paul Haggis formam uma dupla das
mais afinadas.
Entre todos os atores capaz de interpretações por vezes magníficas – e eles não são tão
poucos assim -, é difícil encontrar quem se compare a Russell Crowe quando ele está no papel
certo, no filme certo. Nascido para a câmera, que detecta aquelas expressões mínimas que o
olho nu não consegue ver e que compõe sua imensa expressividade, Crowe faz de uma
sugestão de sorriso, de um quase imperceptível baixar de olhos ou de um milimétrico arquear
de sobrancelhas gestos de eloquência tão volumosa que só precisa deles para tornar seus
personagens pessoas inteiras, vivas e verdadeiras, e ganhar para eles a lealdade indivisível do
espectador – não raro partindo também seu coração. É felicíssima, então, a parceria de Crowe
com Paul Haggis, outro sujeito que gosta de puxar pela emoção da plateia nos roteiros que
escreve (Menina de Ouro e Cartas Para Iwo Jima, por exemplo, para Clint Eastwood) e nos
filmes que ele mesmo dirige: Crash – No Limite, embora não o merecesse, se enquadrou tão
bem com os sentimentos dos membros da Academia que tirou de Brokeback Mountain o
Oscar dado como certo; e No Vale das Sombras, um trabalho de safra superior, merecia, por
outro lado, mais consideração pela maneira desadornada com que narrava a busca de um ex-
militar por seu filho, um combatente do Iraque que some sem dar baixa. Crowe e Haggis não
são imunes a erros. Mas acertar – e de um jeito em que acertam melhor do que ninguém – é só
o que eles fazem em 72 Horas (The Next Three Days, Estados Unidos, 2010), que estreia no
país, neste dia 24. Tanto que se pode avisar que o enredo sofre de grave implausibilidade sem
que isso se torne ressalva: é, aliás, parte do que o torna tão envolvente.
Na primeira cena, John e Lara (Crowe e Banks, muito bem em um raro papel
dramático) jantam com o irmão e a cunhada. Lara brigou feio com a chefe, e continua a briga
tolamente com a cunhada. Por meio das intervenções do marido na discussão, Haggis desenha
em detalhe um casamento genuíno – um bom casamento. Mas, na manhã seguinte, na
presença do filho pequeno do casal, a polícia prende Lara pelo assassinato de sua chefe. Que
Haggis deixe aí boa margem para dúvida (Lara não parece ser do tipo homicida, mas as
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provas contra ela são irrefutáveis) é um dos lances inspirados da trama: só o marido acredita
de fato na inocência da mulher; e, quando o último recurso em favor dela é recusado pelo
tribunal, o roteiro lhe dá todos os pretextos para agir como agem as pessoas que se sentem
solitárias em uma crença e acuadas pelo ceticismo alheio – com desespero e sem ponderação.
Ato contínuo, John arma um plano de fuga para Lara. Um plano extraordinário
demais, diga-se, para sair da cabeça de um professor que nunca cometeu uma contravenção. E
que, ademais, depende de um número aterrador de variáveis (mais engenhosa ainda é a parte
do plano que só se começa a entender à medida que ele é posto em execução). Mas diretor e
ator não perdem a mão: ancorando cada desdobramento em uma atuação secundária sólida
(quatro exemplos estupendos: Brian Dennehy como o pai de John, Liam Neeson como o
fugitivo profissional, Daniel Stern como o advogado de Lara e o desconhecido Tyrone
Giordano como um motoqueiro surdo), eles cumprem uma tarefa desafiadora: pôr o mais
lapidado realismo a serviço da mais completa inverossimilhança – e da mais deliciosa e
enervante excitação, daquelas que fazem o espectador se retorcer na poltrona e prender o
fôlego.