1 Redenzione - o Capo (Parte 1) - Amanda Silveira
1 Redenzione - o Capo (Parte 1) - Amanda Silveira
1 Redenzione - o Capo (Parte 1) - Amanda Silveira
Nenhuma parte pode ser reproduzida, apropriada ou publicada sem prévia autorização da detentora
dos direitos da obra (autora). Texto conforme as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
CAPA: LCHAGAS
DIAGRAMAÇÃO: HB DESIGN EDITORIAL
Quando eu pensava sobre a vida, almejava a felicidade.
Pensava se fosse boa o suficiente para ter essa tal felicidade, seria
merecedora dela. Era o que eu pensava quando criança. Quando se cresce
onde cresci, só queremos acordar bem e seguras, principalmente com o pai
que eu tinha.
A minha família atua na máfia italiana há muitos anos. O meu pai é
um dos Caporegimes, o que nos faz ser parte da famiglia.
Dante Bellini nunca foi um homem bom ou o pai dos sonhos, e isso
fez com que eu e as minhas irmãs odiássemos a criatura repugnante que ele
era. Ele sempre nos quebrou e nos moldou da forma que queria, éramos um
objeto sem valor em suas mãos.
A minha mãe, Esther, não tinha descendência italiana, era de uma
família escocesa. Os seus pais se juntaram a máfia quando ela era jovem.
Foi quando ela foi prometida ao meu pai. Como não podia fazer nada para
cancelar essa união, já que o casamento era a forma de unir as famílias, não
houve resistência de ambos.
Isso se tornou os piores anos de sua vida, minha mãe sofreu o
inferno nesse meio tempo ao lado dele.
O meu pai aceitou esse casamento como um meio mais rápido para
gerar o seu herdeiro, um homem da nossa linhagem que levasse a frente
todo o esforço dele pela máfia, mas ele nunca teve um filho homem, a culpa
da falta de um herdeiro digno recaiu sobre minha mãe, já que teve três
filhas mulheres, a mais velha de 26 anos chamada Lisa, eu com 23 anos
sendo filha do meio, e a mais nova, a Kitty, com 9 anos.
Nossa existência não o afetava em nada, o que estivesse ao seu
alcance para deixar toda a responsabilidade para minha mãe ele fez,
principalmente com as leis da máfia ao seu favor.
Como lei, as esposas escolhem o nome das filhas e os maridos dos
filhos. Além de não termos a fisionomia dos italianos, já que herdamos da
nossa mãe os longos cabelos ruivos, nossos nomes também não eram de
origem italiana, o que nos fizeram ser ainda mais excluídas entre as outras
crianças, pois não éramos de "puro sangue". A miscigenação era odiada na
máfia pelos mais devotos, que só queriam italianos envolvidos na famiglia.
Para eles, a minha existência causava repulsa e atraso.
Eu não me incomodava mais com isso, no começo foi difícil, agora
é tolerável. Eu sou conhecida pelas minhas irmãs pela minha paciência, mas
fique presa a vida toda com Dante e entenderá que brigar ou revidar não vai
te ajudar a se ver livre daqui.
Infelizmente, esta era a minha vida.
Não podia contrariar nada que me era proposto, até porque o meu
pai era um sádico cruel que me castigaria da pior forma possível. Então
sempre fui muito introvertida e não me misturava com ninguém, temia que
tudo causasse revolta em meu progenitor.
Estava sempre sob o controle dele, aguardando o dia em que tudo
mudaria e ele pagaria pelo que fez a mim e a minha família. Era nisso que
eu acreditava.
Hoje o dia estava agitado e eu estava correndo contra o tempo.
— Vamos, Kitty! — a chamava, apressando-a.
— O papá vai nos matar! — disse Kitty enquanto corríamos escada
abaixo para chegar no jardim. — Estaremos mortas até o fim do dia.
Hoje, nosso pai receberia pessoas influentes na nossa casa, essas
"reuniões" aconteciam frequentemente, embora dificilmente serem aqui.
Apesar do apoio recebido por meu pai quando ao tratamento dado a nós,
ele, num geral, não era bem aceito pela máfia, seu jeito e ações deixaram
uma grande lista de pessoas que o odiavam e evitavam lhe dirigir palavras,
assim como faziam conosco.
Não nego minha surpresa ao notar que até aqueles que já não vivem
conosco farão parte da reunião. Realmente, era um evento importante. Era
noite, e isso era esperado, esses encontros acontecem sempre nesse horário
ou pela madrugada, um meio de não atrapalhar nos serviços diários da
famiglia.
— Onde vocês estavam? — perguntou minha mãe angustiada ao nos
encontrar no corredor de casa. Ela tinha tanto medo do meu pai quanto nós.
— O zíper do meu vestido emperrou — disse Kitty mostrando para
mamãe.
O vestido em si estava perfeito, mas o zíper estava pela metade e
não subia mais. A roupa ficou muito tempo guardada já que não tínhamos o
costume de sair.
— Ande rápido que eu tento concertar — avisou minha mãe.
Enquanto nós andávamos apressadas para o jardim, mamãe ajeitava
o vestido de Kitty tentando nos acompanhar. Quando chegamos no jardim
onde aconteceria o evento, estava cheio de homens de todas as patentes da
máfia e suas famílias.
A máfia era dividida em três patentes: baixa, média e alta. Existe
essa diferença entre os membros conforme o seu comprimento com o
trabalho. Há poucos membros que não tem patentes, eles são quase
divindades por aqui. Geralmente são a família do líder ou de uma das cinco
grandes famílias.
Olhava os homens grotescos que me encaravam como uma
mercadoria. Os seus olhos deixavam nítido a frieza que os perseguia. Uns
sorriam maliciosamente, me causando pavor.
— O que o papai está tentando fazer hoje? — perguntou Lisa ao se
aproximar de nós. — Oi, mãe!
— Oi, Lisa, senti sua falta também! — falou Kitty de forma
dramática.
— Oi, Kitty! — respondeu Lisa sorrindo, logo a puxando para um
abraço.
— Hoje é a reunião para escolher uma pretendente para o Capo —
respondeu minha mãe depois de ter ajeitado o vestido da Kitty. — O que
parece é que o Capo precisa de uma esposa para ter logo seu herdeiro, já
que ele tem 33 anos e não tem nenhum sucessor. É o que eu escutei o seu
pai conversar ao telefone mais cedo.
— Achava que ele era casado — comentei.
Como ficávamos muito tempo presa dentro de casa, não sabíamos
do que acontecia na famiglia, a não ser pelas informações dadas por Lisa
em suas visitas.
— Era, até a sua filha morrer há 3 anos. Ele se separou da sua
esposa depois disso. Este ano faz 4 anos da morte dela, só sei porque é o
ano do nascimento do Nando — respondeu Lisa. Tive uma breve lembrança
do caos de alguns anos, lembro vagamente de Lisa comentar sobre esse
acontecimento conosco. Depois que minha irmã mais velha se casou com o
Consigliere do Capo, o Enzo Carbone, ela sabia de tudo. — Mas Enzo
nunca entra em muitos detalhes em relação a isso, eu só sei que ela tinha 7
anos.
Apesar de tudo ser reportado aos membros da máfia, certas
informações eram resumidas para não gerar polêmicas e boatos pelo
quartel.
— Melhor mudarmos de assunto antes que o pai veja que estamos
fofocando da vida alheia.
O silêncio reinou por um momento até ser interrompido por Enzo
que se aproximou de nós.
— Oi, sogra! — Ao lado de Enzo estava Fernando, meu sobrinho.
— Oi, vó! — disse Nandinho um pouco sonolento.
— Nossa, como você cresceu! — disse minha mãe espantada,
segurando Nando nos braços.
Nós não podemos nos ver sempre, já que agora a Lisa tem a sua
própria família. Lisa estava grávida de 5 meses do seu segundo filho, mais
um homem. Mamãe disse que ela deu sorte de encontrar um rapaz decente
no meio da máfia, já que Enzo era bem diferente dos rapazes que nos
cercam todos os dias.
— Onde vocês estavam? — perguntou o meu pai, atrapalhando a
nossa conversa, nos fazendo ficar quietas.
— Estávamos aqui, amore mio — disse minha mãe.
Eu sentia nojo quando a minha mãe precisava tratar bem o nosso
pai, como se realmente fosse apaixonada por ele. Presenciar esse teatro de
família feliz era agonizante.
— Vem, Hope, quero falar com você — disse meu pai me
arrastando para o canto, antes mesmo que eu o respondesse. — Você já
deve saber por que o Capo está aqui, não é? — Assenti. — Ele está atrás de
pretendes, você será uma delas, e antes que pense em me interromper, eu
quebro todos os seus dentes.
Me mantive calada, era bem melhor.
— Pois bem, você não é a única. Ele está atrás de belas jovens entre
18 - 25 anos, você se encaixa nessa faixa etária. Tem muitas concorrentes
de renome, então vamos ver o que eu posso fazer para você não estragar
isso. — Falou tocando no meu cabelo com uma repulsa nítida no seu rosto.
— Por algum motivo divino a liderança concordou em deixar você
participar no meio de tantas mulheres melhores, não ouse desperdiçar essa
oportunidade.
Segurei o riso, a forma que ele aumenta a minha autoestima é de
pular de alegria.
— Conheço esses olhos, sei que está debochando — alegou
agarrando no meu braço com toda a sua educação, me encarando. — Se
estragar tudo com essa merda de amor e livre-arbítrio, eu mato você! Não
ache que eu não sou capaz de fazer isso, porque estou pouco me fodendo
com o que te acontece. Não é porque a Lisa agora usa a porra do casamento
para me chantagear, que eu deixarei você fazer o mesmo. Essa é nossa única
chance, então não ferre com tudo, sua pirralha imprestável!
Não duvido nada que venha desse homem, conhecendo seu mau-
caráter, ele usaria até mesmo a Kitty como forma de me atingir. Não estou
surpresa por, mais uma vez, ele tentar controlar a minha vida, se é que
posso chamar isso de viver.
Eu até pensei que poderia ser diferente. Talvez por ter sido enganada
pelos livros de contos de fadas que li quando criança e diziam que, quando
se era boa, você conquistava tudo. Eu era, tentava ser o mais amável
possível, era paciente e obediente, mas nunca recebi gentileza de ninguém,
apenas de minha mãe e de minhas irmãs. Parece que nem tudo é como nos
contos de fadas.
— Eu farei o que precisa ser feito — disse, sendo a filha ideal para
assim conseguir subir a nossa patente.
A pressão era bem maior agora, depois que Lisa se casou com um
homem com o cargo e uma patente tão alta, o meu pai queria que eu e a
Kitty conseguíssemos também, já que pelo seu temperamento estávamos na
última patente da máfia.
Agora ser pretendente do Capo e conseguir ser a esposa dele, essa
pressão ficou ainda maior.
Ele me levou para perto da minha mãe novamente, com um pouco
mais de brutalidade dessa vez.
— Venham, vou apresentar vocês ao Capo — disse, logo tendo a
sua atenção ao Enzo. — Oi, Enzo, você nunca mais apareceu para beber um
whisky com o seu sogro.
— Estava ocupado com o Capo esses dias — respondeu Enzo, agora
olhando para a Lisa. — Vou levar o Fernando ao banheiro.
Enzo não suportava o meu pai.
Errado ele não estava.
Havia um grupo de pessoas a nossa frente, doze para ser exata. Oito
homens e quatro mulheres muito bem-vestidos. Um palpite, elas não eram
esposas de ninguém ali, talvez filhas. Devem estar na mesma situação que
eu, pretendentes de um rapaz que nunca viram.
— Não me envergonhem! — disse meu pai a nós. — Isso será difícil
vindo de vocês, mas fiquem caladas até eu mandar falarem e não fiquem
encarando sem permissão.
Nos dirigimos para o grupo a nossa frente, até que um rapaz
barbudo notou a nossa presença.
— Ei! — disse, levantando a mão para nos chamar.
— Boa noite, senhores! — disse meu pai sorrindo para eles. — Boa
noite, Capo!
Como a nossa patente era a mais baixa, tudo nos era limitado. Havia
boatos que diziam que essa era a forma usada quando não se podia expulsar
um membro, então era feito de tudo para que ele pedisse para sair.
O meu pai era odiado por todos, mas fazia o seu trabalho, então não
poderiam expulsá-lo por isso, tentavam tirá-lo de outra forma. Só que o que
essa liderança não sabia é que o pensamento de meu pai era o oposto, ele
acreditava que, quanto mais trabalho recebia, maior era o seu valor, e que
ele logo subiria de cargo e patente.
— Dante Bellini, há quanto tempo! — disse o rapaz barbudo de
agora há pouco, o reconheci pela sua voz, já que aparentemente o Capo o
ignorou.
— Giovanni D'amico! — falava meu pai com alegria. — Faz um
tempo que não saímos para beber.
Se eu não me engano, o D'amico é um dos Caporegimes, juntamente
com o meu pai.
— E quem são as belas moças? Não acredito que são as suas filhas,
como cresceram! — disse Giovanni surpreso.
Para o azar do meu pai, ele tinha que nos apresentar agora.
— Bem, esta é a minha esposa, Esther — falou, enquanto apontava
para cada uma de nós. — Esta é a minha filha mais velha, Lisa, que é
casada com o Enzo Carbone. — Ele sempre se gabava do cargo do Enzo.
Ele amava o fato de Lisa ser casada com um Consigliere. Era um dos cargos
mais cobiçados. Quem não queria ser o braço direito do Capo? — Mas
apesar da minha esposa só ter me dado crianças do sexo feminino, minha
filha aqui está grávida do segundo filho homem.
Era mais fácil culpar a minha mãe do que a ele mesmo.
— Então quer dizer que as suas filhas são boas para dar herdeiros?
— disse um homem cuja voz eu nunca ouvira.
— Sim, Lucca Ferraro! — respondeu meu pai.
A voz podia ser desconhecida, mas o sobrenome não era, Lucca era
o filho do Sottocapo, Leonel Ferraro, parente do Capo.
— Gostaria muito de conhecer melhor uma de suas filhas — disse
Lucca já muito malicioso.
— Desculpe, mas a única de minhas filhas que atingiram a maior
idade foram a Lisa e a Hope — respondeu meu pai. — Lisa está casada e a
Hope é uma das pretendentes do Capo. — Realmente eu nasci para ver esse
momento, o meu pai falando de mim com algum orgulho. Seria até bom, se
eu não o odiasse. — Enfim, esta é a Hope e a outra é a Kitty. Vamos,
sorriam para os convidados.
Já sabia que ele estava se referindo ao Capo. Ergui o olhar e tive o
prazer de vislumbrar o muro em forma de homem que estava em minha
frente. Seus belos olhos azuis e a sua beleza rara faziam jus aos boatos que
rolavam por aqui.
"Dio in cielo e Capo nel mio letto." (Deus no céu e Capo na minha
cama.)
Apenas sorri fraco para criatura em minha frente, já que ele não
dirigiu a palavra a mim. Ele não parecia gostar muito de falar, sorria
forçadamente para os presentes e optava pelo silêncio na maioria das vezes.
— Vejo que as suas filhas são de uma beleza rara — disse o Capo
forçando simpatia, mas ele sequer aparentava querer estar aqui. — É um
prazer conhecê-las!
Então era assim a voz do famoso Lorenzo Ferraro?
Eles conversavam entre si, mas os membros do que o líder, ele se
mantinha calado. O Capo mexia a cabeça algumas vezes como se estivesse
participando da conversa, mas ignorava qualquer pergunta a ele, apenas
acenando em negação quando não respondia.
Me mantive em silêncio durante toda a conversa. Falavam tanta
baboseira que estava quase pegando a arma de um dos seguranças do Capo,
só para atirar em mim mesma. Suspiro em alívio por ninguém ser capaz de
ler os meus pensamentos, porque se o meu pai soubesse um terço do que eu
pensava, já estaria morta de verdade.
Passei o olho disfarçadamente ao meu redor, observando melhor o
pessoal. Das pretendentes, havia eu e mais uma moça loira que era da
famiglia, as outras eram da máfia russa. Como a aliança com os russos seria
firmada esse ano, como repassado na última reunião, havia muitos membros
por aqui.
Há tempos essa união vinha sendo pautada nas reuniões, mas só
agora foi aceita. Então essa “disputa” entre pretendentes estavam bem
acirrada. Kitty me tirou dos meus pensamentos quando me puxou para mais
perto de si, falando no meu ouvido:
— Quero ir ao banheiro! — falou tão baixo que quase não pude
escutar, mas senti o desespero no seu tom de voz.
— Não pode segurar mais um pouco? — perguntei sussurrando para
ela.
Se nosso pai nos pegasse conversando, ele nos matava.
— Não, bebi muita água.
Me aproximei ainda mais de minha mãe. Lisa estava ao seu lado
com um sorriso tão forçado que me deu vontade de rir. Logo minha irmã
mais velha notou que eu queria conversar com a nossa mãe e se afastou um
pouco para frente, sem que ninguém percebesse.
— Kitty quer ir ao banheiro — sussurrei.
— Se o seu pai nos pega conversando, seremos punidas, você sabe
— respondeu minha mãe em um tom um pouco frio do que o habitual.
Voltei para perto da Kitty e fiz um sinal de negação bem singelo
com a cabeça para não chamar atenção dos outros. Ela apenas abaixou a
cabeça e colocou a mão na barriga.
Me causava revolta essas regras que tínhamos que seguir. Olhava as
famílias que viviam no mesmo lugar que eu, geralmente na mesma patente,
e não tinham um terço das regras impostas em minha casa.
Não posso falar com nenhum homem, até me chamaram para
conversar.
Não posso olhar para nenhum homem, até que ele dirija a palavra a
mim.
Não posso sair, até que me mandem sair.
Regras idiotas! Se estivéssemos em uma patente mais alta, não
precisaria passar por nada disso. Me indignava ter que aceitar um ditador
em casa, que fazia desse lugar o seu império e as suas filhas suas serviçais.
Quando parei de olhar a Kitty, voltei os meus olhos para os rapazes
a nossa frente, logo vi que o Capo me encarava, ciente que eu e a minha
irmã estávamos conversando agora há pouco sem o consentimento de
nenhum homem.
Se ele falar algo ou se contar para o meu pai... Céus!
Quando percebi que o estava encarando de volta sem que ele tivesse
dirigido a palavra a mim, abaixei o olhar, desviando a minha atenção para
os meus pés.
Merda, Hope, você sabe das regras e ainda faz errado. Está
querendo morrer?
— Sinto muito, senhores, tenho que fazer uma ligação importante
agora — disse o Capo. — Depois voltamos a nossa conversa.
Quando ele saiu, todos os outros homens seguiriam seu rumo até as
suas esposas, não tinha mais para que fingir gostar do Capo, já que o
interesse era só agradá-lo para subirem as patentes ou os cargos.
Meu pai, já que é um desgraçado, saiu deixando a minha mãe para
trás, fazendo com que ela corresse atrás dele.
— Kitty, este é o momento que temos — disse. — Se o pai nos
pegar saindo sem a sua permissão, ele nos mata!
— Sim, sim, andiamo! (Vamos) — disse Kitty segurando na minha
mão, me puxando para dentro de casa.
— Vão, qualquer coisa distraio o pai — disse Lisa.
Corremos sem chamar atenção, adentrando na casa pela porta
lateral. Assim que passei pela porta da cozinha, senti o solavanco de um
impacto potente e dei um passo para trás apenas para dar de cara com o
homem que esbarrei, o Capo. Meu desespero ficou evidente quando ele me
encarou com aquela cara nenhum pouco amigável.
Tudo o que eu queria nessa vida era ter um pouquinho de sorte.
— M-me desculpa! — disse olhando para o chão, não conseguindo
encará-lo, totalmente em desespero.
Antes que eu olhasse para a Kitty, ele a dispensou.
— Pode subir, mocinha — disse o Capo à minha irmãzinha, que
logo me deixou sozinha, correndo para o banheiro.
Me largando de cara, assim, de primeira. Nossa, eu salvando a vida
dela e ela me deixando para morrer.
— O seu pai não lhe deu modos? — perguntou o Capo a mim. —
Onde já se viu, uma ragazza (garota) da sua patente conversar quando os
homens estão falando. Sabe das regras?
— Sì, senhor! — respondi.
Era o que eu tinha que dizer, porque se eu falasse o que queria
dizer... Deus que me ajude!
— Então por que não obedece? — questionou elevando o tom de
voz. Não sabia ao certo se o comportamento dele comigo se devia ao fato
de odiar meu pai e ser incapaz de se livrar dele ou só porque estava com
raiva por eu ter quebrado uma das regras, de qualquer forma, as duas
respostas pareciam perfeitas para a ocasião. — As outras moças têm um
semblante digno de uma esposa a altura de um Capo, enquanto você... —
Ele me encarou de cima a baixo.
Não parecia que ele queria que eu respondesse a pergunta, então
fiquei quietinha na minha só esperando a bronca. Ele murmurava e eu só
pensava no meu pai quando descobrisse isso.
Espera, devo implorar para ele não contar?
Não, Hope, isso é muito humilhante.
Segura o choro e aguenta.
Foi quando ele agarrou o meu braço, me assustando de verdade. Ele
apertava tanto que em questão de segundos senti o meu membro ficar
dormente. O sangue nem conseguia circular em meu corpo.
Que força era aquela?
Imagina ser castigada por um homem desses. Eu é que não quero ser
esposa deste... deste... cavalo!
— Preste bem atenção, ragazza! — falou próximo a mim, olhando
nos meus olhos. — Se te tornar a minha esposa, se mantenha na linha,
detestaria quebrar esse belo rosto por uma simples desobediência.
— Sí, Capo!
Soltou meu braço, passando por mim quase levando o meu ombro.
Ai, cretino!
Se o meu pai descobrir isso ... Santo Cristo, gosto nem de pensar.
— Hope! — disse Kitty se aproximando de mim. — Ele me mandou
subir e eu estava apertada, não tinha como ficar aqui.
— Sério, agora? Levei uma bela bronca por sua causa, mocinha. Se
ele conta para o pai, gosto nem de pensar no que ele vai fazer conosco —
disse segurando na sua mão. — Andiamo!
Levei a Kitty de volta ao jardim e fingi normalidade até chegar em
Lisa.
— Por que demoraram tanto? — perguntou ao nos aproximarmos.
— O futuro marido da Hope já deu uma bronca nela antes mesmo de
se casar — disse Kitty tentando segurar o riso, mas era quase impossível. —
Ele nos pegou no flagra quando entramos em casa.
— Não foi nada! — disse. — Deus me livre casar com ele.
Havia várias pretendentes entre a famiglia, muitas delas com uma
beleza de dar inveja. Dou o Capo a elas sem pensar duas vezes.
— Quando isso vai acabar? Quero dormir — disse Lisa.
Lisa que nunca me ouça falando isso, mas essa segunda gravidez
detonou com ela.
— Não sei, mas já estou ficando farta de fingir sorriso para esse
pessoal — disse.
Era uma curiosidade em mim que eu estranhava, geralmente os
membros nos ignoravam.
Nossa atenção foi para Sottocapo, Leonel Ferraro, irmão do pai do
Capo, Diego Ferraro, que logo começou a chamar todos para perto de onde
ele estava.
— É com muita felicidade que anuncio o segundo casamento do
nosso líder. O seu pai, meu irmão, não pôde comparecer, então cuidarei de
tudo daqui para frente — disse o Sottocapo. — Hoje anunciarei as
pretendentes que ocuparão o cargo de esposa do Capo.
Ele chamou a primeira moça, a que é daqui, Luna D’amico, filha do
Giovanni D’amico.
Nunca entendi quando faziam isso de pretendes, se ele quisesse
alguém, se casaria, porém, ser uma das pretendentes aumentaria muito a
credibilidade dos parentes depois, principalmente se uma delas se casasse
com o Capo. Até nisso eles agem como se casar fosse algum negócio.
Ia uma mulher de cada vez, sempre muito charmosas, elegantes, eu
me olhava me sentindo um tanto inferior. Nossas roupas não eram
diferentes, a idade também não, mas não sentia a confiança que elas
pareciam ter.
Quando todos observavam com atenção as pretendentes chamadas
por Sottocapo, tive um vislumbre do Capo em um canto, ele estava todo
assanhado com uma moça.
Ela era familiar, de onde a conhecia?
Depois de um tempo, lembrei de uma reunião que tivemos que ter
com o advogado da família Ferraro. Ela estava lá, era a filha do advogado
dele, Bianca De Santis.
Soltei uma risadinha discreta. Quem for esposa dele vai colecionar
chifres.
Satisfeita com minha percepção pessoal, voltei a atenção ao meu
redor, então notei os olhares sobre mim. Droga, meu nome foi chamado!
Eu tinha uma certa mania de me perder em meus pensamentos, isso
acontecia com mais frequência do que eu gostaria.
— Hope Bellini? — Anunciaram mais uma vez. Andei até o centro
onde estavam as outras pretendentes. — Conhecemos esses cabelos ruivos.
Todos riam já que as únicas ruivas ali éramos eu e minha família.
As moças que se encontravam na frente me olharam com repúdio,
provavelmente por causa da minha patente. No total eram 7 pretendentes,
todas nós tínhamos alguém na família com um cargo na máfia.
O Sottocapo Leonel começou a dizer o que aconteceria de agora em
diante. Nós passaríamos por exames, para verificar se tínhamos mesmo
alguma doença que pudesse afetar a gravidez, entre outras informações, já
que o intuito do casamento era gerar um herdeiro ao líder. Essa era só a
primeira etapa, já que o Capo escolheria quem mais o agradasse. Também
disse que o casamento deveria acontecer o mais breve possível. A cobrança
para ter um herdeiro deve estar lhe enlouquecendo para tanta pressa em se
casar.
Depois disso, voltamos aos nossos lugares. Eu estava cansada e
louca para tirar aquele salto. Já estava de madrugada, fazia frio e parecia
que havia chegado ainda mais convidados, o jardim estava lotado.
— Titia, eu estou com sono — disse Fernando puxando um pouco a
barra do meu vestido.
Olhei para o Enzo, que estava do outro lado do jardim conversando
com alguns homens, não podia ir lá e interromper. Vi que a Lisa já estava
sentada, com certeza descansando um pouco.
— Mãe, vou levar o Fernando para dormir lá no quarto, avisa a Lisa
— disse assim que a minha mãe chegou ao meu lado.
Meu pai foi em direção aos homens com quem o Enzo estava
conversando, nem ligando para nossa existência. Minha mãe assentiu e eu
coloquei Fernando nos braços indo para dentro de casa.
Não via a hora de todos irem embora.
A maioria já estava bêbado, fazendo muito barulho, incomodando o
resto dos membros com as piadas sem graça e o falatório que não acabava
mais.
Santo Cristo!
Coloquei Fernando em minha cama e esperei que adormecesse.
Quando finalmente pegou no sono, eu desci.
Queria tanto ter me deitado com ele, mas se o meu pai me pegasse
aqui no quarto longe dos olhos do Capo, ele me mataria. Tinha que chamar
atenção daquele homem para ser sua escolhida de alguma forma, era assim
que o meu pai pensava. Eu tinha que ser lembrada, acho que o Capo lembra
de mim, não da forma que o meu pai gostaria.
Quando cheguei na porta da cozinha, lá estava ele, o Capo em
pessoa, com um copo vazio na mão, passeando com os olhos pelos
armários.
Eu realmente não tinha sorte. A todo instante esse homem aparece.
Devo fingir que não o vi?
Não, seria difícil não ver um homem desse tamanho, Hope.
Voltei a olhar para o chão, andando cinicamente até a saída,
tentando sair ilesa.
— Onde está a garrafa de whisky? — indagou.
O meu pai deve ter mandado ele aqui de propósito, não acredito que
sou tão azarada. Não o encarei, apenas segui para o armário que estava atrás
dele e abri a porta, tirando a garrafa de lá de dentro.
Vi que ele colocou o copo do balcão e eu o servi. Coloquei a bebida
em seu copo, indo em direção a geladeira pegando uns cubos de gelos, os
mostrando para ver se ele queria que eu colocasse em sua bebida, o meu pai
gostava, apesar de ser um dos poucos homens que eu já vi gostando disso, o
Capo apenas fez um sim com a cabeça e eu coloquei. Para onde eu ia, sentia
o seu olhar passear por meu corpo.
Um arrepio subiu por minha nuca só de imaginá-lo me encarando.
Ele não se esforçava para disfarçar, olhava descaradamente sabendo que eu
estava ciente, como se estivesse me analisando.
Guardei a garrafa de volta no armário e esperei ele me “liberar”. Ele
me encarava em silêncio, logo tomando a sua bebida.
Olhei para outro lugar, não conseguindo deixar os meus olhos
quietos, passando o olhar a cada centímetro do chão, talvez o Capo
chegasse a pensar que perdi algo.
— Levante o olhar — falou, enquanto me observava.
O encarei e eu não tive como negar sua beleza. Seus cabelos bem-
penteado e a barba para fazer o tornavam ainda mais sexy. Lorenzo tinha
algo no olhar que me intrigava. Era estranhamente familiar.
— Obrigado! — disse o Capo saindo da cozinha.
Nossa, ele sabia ser educado.
Fiquei em choque por alguns minutos. Ele mudou a personalidade
em segundos. Bipolar, talvez?
De qualquer forma, eu não ia criar falsas expectativas, ele foi
educado agora, mas não quer dizer que não seja um brutamontes.
Caminhei de encontro as minhas irmãs e logo vi que os convidados
estavam indo embora. Estranhei a pressa de saírem daqui, até ver o Capo
entrando em um dos carros e logo os seus seguranças irem atrás.
Acabou a bajulação, quem eles queriam havia ido embora.
Finalmente podia descansar.
Respirei fundo, logo me desanimando, lembrando que a bagunça
daqui de fora vai sobrar para mim e para a minha mãe.
Que ótimo!
Já havia se passado alguns dias desde a reunião.
Nos últimos dias fui cobrada de forma absurda por meu pai que
queria respostas que eu não sabia dar, como por que ainda não fui
convidada para sair com o Capo. Não o vi desde aquele dia para o
desespero do meu progenitor.
Pelo que ele deixou subtendido, o líder já havia saído com algumas
moças, deixando claro em palavras o fato de eu não ser boa o suficiente e
muito menos atraente, por tanto, não chamei atenção do Capo para ter sido
uma das primeiras.
Então fui atormentada por toda a semana para que eu arrumasse uma
forma de ir ao encontro do Capo. Eu tenho certeza que ele queria que eu
morresse, porque se eu aparecesse para o nosso líder sem ser convidada,
seria castigada ou morta por não obedecer as regras. De qualquer forma,
uma hora ou outra seria a minha vez de sair com ele.
Resolvi parar de pensar nisso, porque me sentia estranha ao cogitar
me casar, principalmente com o Capo. Sabia que um dia aconteceria, mas
não estava preparada da forma que eu achei que estaria.
Estava no meu quarto, o arrumando, já que para o meu pai estar
parada é sinal de preguiça. Organizava a mesinha que havia no canto do
quarto, limpando o que havia ali. Escutei uma gritaria no andar de baixo, já
sabendo que seria mais uma das discussões sem motivo de Dante.
Desci correndo para saber o que houve agora, não gostando de saber
como esse dia terminaria para nós. Assim que cheguei na escada, o vi jogar
os enfeites da mesa nas paredes enquanto olhava seriamente para Kitty.
Ele segurou os documentos perto da sua poltrona, jogando-os no
rosto da filha que deu alguns passos para trás pelo impacto, logo voltando
para o lugar que estava, apenas o olhando.
— QUE PORRA VOCÊ TEM NA CABEÇA, SUA VADIA!? —
Gritou o meu pai, agora a empurrando.
Olhei para o lado e vi a Kitty chorando silenciosamente, certamente
para não incomodar o pai.
Por vezes meu progenitor ficava semanas longe e quando voltava
era sempre assim, qualquer coisa era motivo para brigar conosco. Se um
vento batia mais forte ou se a nossa respiração o incomodasse, tudo era
motivo de gritaria e surra nessa casa. Se um dia esse lugar estiver em
silêncio, é capaz dos vizinhos reportarem no quartel pela surpresa de não
ouvirem discussões o dia inteiro.
— O que houve, Dante? — perguntou minha mãe saindo da cozinha
e se aproximando dele, claramente apavorada pela gritaria.
— CALA BOCA, SUA PUTA! — Ele deu um tapa forte no rosto
pálido da esposa, que com a força do tapa caiu no chão. — Sua filha que
não sabe obedecer e fazer porra nenhuma dentro desta casa. A sua única
obrigação aqui é dar limites a essas garotas e nem isso você faz direito.
Enquanto o meu pai gritava, caminhei para perto da Kitty. Ela
chorava bastante, o rostinho já vermelho e inchado pelo esforço de tentar
conter as emoções, então a abracei.
— O que aconteceu? — sussurrei para ela.
— Sem querer quebrei o troféu do papai hoje cedo — respondeu
baixinho. — Eu ... Eu estava limpando a prateleira, quando ... Quando
descolou o braço. Eu juro, Hope, não foi porque eu quis.
Kitty era a responsável por cuidar de limpar a poeira da casa,
enquanto o resto ficava comigo e com a minha mãe. O meu pai nunca quis
ter alguma doméstica aqui ele achava que limpar era nossa obrigação, já
que somos filhas mulheres.
Aqui em casa tem muita coisa que o meu pai entulha para nos fazer
trabalhar ainda mais. Coisas como milhares de troféus desgastados que ele
não se livrava. Sempre um deles quebrava ou alguma peça despencava por
estar velha, ele brigava conosco.
— F-fui eu que quebrei, pai — menti, quando a sua atenção para
Kitty novamente, esperando que ela discordasse de minha mentira.
Olhei para a Kitty, mandando-a ficar quietinha, enquanto tentava
livrar ela da surra que estava por vir. Achei que ela morreria na última surra
que meu pai lhe deu. Ela mal se recuperou, não podia levar outra, ela com
certeza não aguentaria. O pai pegava muito mais pesado com ela, já que eu
me acostumei e ficava calada sem rebater. Kitty, por outro lado, implorava
para que ele parasse.
— Não queira assumir a culpa da sua irmã, sabe que eu odeio
quando mente — respondeu, aproximando-se de mim, não recebendo a
resposta que queria de Kitty.
Ele sabia que foi Kitty, era ela a responsável pela limpeza das
estantes.
— Hoje eu troquei com ela, pai — insisti. — Eu estava ocupada e
não ia dar tempo de ajudar a mamãe na cozinha. Eu quebrei, mas ia te
contar...
Antes que eu terminasse, ele agarrou meu cabelo e me deu um tapa
no rosto, com a força do impacto, caí para trás, batendo com a testa na mesa
de vidro da sala.
Sentia a minha visão turva, olhando mais a frente uma pessoa se
aproximando de mim, demorei a perceber que era o meu pai.
O vi desamarrar a gravata e já sabia o que vinha pela frente. Ele
tinha a mania assustadora de ranger os dentes quando ia começar a me
bater. O barulho que era quase inadiável, mas ecoava pela minha cabeça,
escutava ele fazer isso todas as vezes que estava em cima de mim, me
surrando. Eu conseguia sentir os tapas e os murros que viriam só por esse
som.
É indescritível como aquilo me aterrorizava absurdamente.
— DIGA A VERDADE! — gritou, segurando no meu cabelo, me
puxando para mais perto dele.
Eu não ia conseguir responder, nunca conseguia falar quando ele me
olhava daquela forma. A sua expressão maldosa que se destacava com as
rugas próximas aos seus olhos, o deixava ainda mais sombrio e assustador.
Ele poderia não estar sorrindo, mas conseguia ver a felicidade dele em me
bater só pelo seu olhar.
Senti um murro que atingiu o meu ouvido esquerdo, logo ouvi um
zumbido. Antes mesmo de conseguir colocar a mão no local, o meu pai
segurou com a outra mão no meu maxilar, apertando tanto que eu não
conseguia fechar a boca.
— Sua traiçoeira, não me engane, Hope, eu já te disse mais de uma
vez — falava enquanto sentia o hálito de bebida barata sair por entre seus
lábios. — Você é uma imprestável, mentirosa!
Ele puxava a minha cabeça para trás, ainda com a mão presa no meu
cabelo enquanto a outra apertava o meu maxilar.
— Vou te surrar até que você se lembre de me dizer a verdade. —
Ele levantou a mão, tirando a do meu rosto, logo fechando o punho.
Quando ele ia começar a me bater, o seu celular tocou. Ele me
soltou, me fazendo cair com as costas no chão, então olhou o visor,
respirando fundo.
— Oi, Enzo... — atendeu, saindo da sala.
Enzo sempre ligava na hora certa, era impressionante. Minha mãe
veio correndo me socorrer, eu estava toda cortada pelo vidro da mesa.
— Fique calada quando ele voltar, eu vou tirar atenção dele de você
— falou, se calando rapidamente quando o meu pai retornou para sala.
— Vou resolver uns assuntos — disse, depois me olhou caída no
chão. — Foi salva pelo meu celular, sua imprestável! Depois terminamos
essa conversa.
Ele saiu de casa sem demora e Kitty veio chorando me abraçar.
— D-desculpa, Hope! — falou em prantos, tentando me ajudar a
levantar.
— Tudo bem, foi só uns cortes, ele já pegou pesado outras vezes —
disse, sentindo o sangue escorrer da minha testa.
Minha visão estava um pouco embaçada, não sei se era pelo sangue
que estava em meu olho ou se foi realmente foi pela pancada, mas me sentia
um pouco tonta.
Hoje poderia ser considerado um dia bom, estou acordada, nem
minha irmã e nem a minha mãe estão machucadas, então o dia não terminou
da forma que eu imaginava quando escutei a gritaria. Caminhamos até o
banheiro, me sentei no vaso sanitário, colocando a mão na cabeça sentindo-
a doer bastante.
Era como se tivesse sendo espremida, abri os olhos incomodava,
abaixar a cabeça aumentava a pressão na dor, até respirar estava doendo.
— Eu te ajudo a limpar — disse Kitty limpando os meus
machucados enquanto tentava parar de chorar para não se atrapalhar.
Era sempre assim, quando começava a chorar, era difícil parar.
Escutava a minha mãe varrer os cacos de vidros e os sons de seus fungados
vindo da sala. Ela tinha que deixar tudo limpo antes que o meu pai
chegasse, se não era capaz dele esfregar o rosto dela no chão.
Eu odiava isso. Odiava saber que tínhamos que agir como se nada
tivesse acontecido no outro dia. Que tinha que fingir que não sinto pânico
toda vez que ele entra por essa porta. Que não percebo o pavor da minha
mãe ao dividir a cama com ele. Odiava ter que ser submissa e odiava ainda
mais ver Kitty e minha mãe sofrerem nas mãos desse desgraçado. Eu já
perdi a conta de quantas vezes assumi a culpa da Kitty porque sabia quais
eram as consequências para ela.
Quando Lisa morava conosco, ela sempre assumia a minha culpa.
Certa vez meu pai bateu tanto em Lisa que ele deslocou o próprio ombro.
Era sempre assim, nunca tinha um fim.
Quando a Kitty terminou de limpar, vi que eu fiquei com um
hematoma roxo no final do meu olho devido a pancada no chão, com um
belo corte na testa e alguns arranhões no pescoço e braços devido aos cacos
de vidro.
Chamei a Kitty para dormir comigo, sabia que ela se culparia pelos
meus machucados. Só esperava que, quando meu pai chegasse, que ele não
descontasse a sua raiva e frustração em minha mãe.
Nos deitamos, eu seguia sentindo incômodo na cabeça.
— Desculpa! — falou Kitty, colocando a cabeça no meu peito.
— Já disse, os seus problemas são os meus problemas, as soluções
vamos encontrando e resolvendo juntas — disse a enrolando com o
cobertor.
— Será que ele vem hoje? — perguntou. — Ele não vai parar, você
sabe, não é!?
— Ele vai demorar, não se preocupe, vamos ficar bem — afirmei.
O seu olhar em mim me fazia querer chorar. Sobreviver a isso,
passar por todas essas situações, era como me sentir mais próxima da
morte.
Não havia escapatória, não havia um final feliz e muito menos uma
chance de esquecer tudo o que passamos. Era doloroso saber que essa era a
minha vida.
Kitty logo adormeceu, esse era o seu talento, dormir tão facilmente
mesmo depois do que passou. Era uma coisa boa aqui, não pensar em nada
que te atormente.
— Ela dormiu? — Indagou minha mãe ao entrar no quarto, eu
assenti.
— Quer um remédio para dor?
— Eu estou bem.
Já passei por dores piores.
— Me desculpa...
— Mãe, por favor, não se culpe, sabe que não é culpa nossa, ele que
é o problema. Não precisa sentir as nossas dores, sabemos lidar — falei.
Ela me deu um beijo na testa e saiu do quarto, mas sabia que minhas
palavras não tinham efeito. Me ajeitei na cama, fechando os olhos. Eu tenho
que pensar em algo para nos tirar daqui. Só queria acordar melhor do que
hoje.
No dia seguinte fui com o Red e mais 6 seguranças até a minha casa.
Kitty ainda estava na casa da Lisa, o que me deixava mais calma.
Já havia colocado as roupas em umas malas, os objetos como
maquiagens, acessórios e livros organizei em caixas que os seguranças logo
começaram a levar, deixando apenas Red e eu no quarto.
— Red, posso fazer uma pergunta? — perguntei e ele assentiu. —
Esse não é seu nome ou é?
— Não, devemos usar codinomes, mas Red já virou, de certa forma,
meu nome verdadeiro. — respondeu.
— Como escolheu “Red”?
— Servi no Afeganistão, sempre que voltava das missões estava
banhado com o sangue dos meus oponentes. Então virou um apelido que
logo usei como meu nome — falou. — É melhor voltarmos, antes que
escureça.
— Posso ficar sozinha um pouco? Não sairei daqui, te esperarei. Só
quero ficar um pouco sozinha e me despedir do meu quarto.
— Vou descer essa caixa e subo para pegar você — disse.
Em pensar que este quarto foi a minha salvação nas diversas vezes
em que meu pai bebia e nos atacava aqui dentro de casa. Olhava o guarda-
roupa, lembrando das inúmeras vezes que eu me escondia com Lisa lá
dentro enquanto o meu pai batia na minha mãe.
São péssimas lembranças as que eu tenho desse lugar. Quando ia
sair dali, a visão de um monstro apareceu e me impediu.
— Não falou com o titio, que falta de educação, Hope — disse Tio
Marco entrando no quarto cheio de sarcasmo na sua voz.
— Não tenho nada para falar com o senhor — falei, tentando sair do
quarto, mas ele colocou a mão na minha frente.
— Está muito linda, Hope, quase não te reconheci — falou,
enquanto me olhava com aquela malícia nos olhos. — Seu corpo... Você
cresceu muito bem. A Lisa nem se fala, cada dia mais atraente. Kitty, minha
querida sobrinha, também vai ser tão maravilhosa quanto vocês?
— Fique longe da minha irmã!
— Ah, eu não irei machucá-la. Você e a Lisa criaram uma visão
errada de mim. Eu não sou um monstro como vocês dizem — falou.
Ele usava o que aconteceu para acabar com o resto da sanidade que
nos restava, como se aquele dia nunca tivesse acontecido.
— Não queira me enlouquecer — falei.— Sei bem o que você nos
fez... — Parei de falar quando notei ele se aproximando. — Nem ouse se
aproximar de mim!
— E vai fazer o quê? Não ache que só porque está se casando com o
Capo que temerei você.
— Pois deveria — declarei. — O Lorenzo é tão problemático
quanto você, principalmente se mexem com algo que ele tem como dele.
Adoraria dizer que você me machucou e me tocou. Ele com certeza
separará uma ala no rifugio só para você.
— Sua garota insolente, acha que não cometeu crime em não
reportar? Será julgada junto comigo por ter sido negligente e ter guardado
esse segredo dos Juízes e dos Conselheiros — disse Tio Marco se
aproximando ainda mais. — Nunca ouse me ameaçar de novo, sua vadia...
— Quando ele levantou o braço para me bater, Red chegou, segurando o
seu braço.
— Algum problema aqui, senhorita Bellini? — perguntou Red.
— Nenhum problema! — respondeu tio Marco soltando o seu braço
da mão do Red.
Red o segurou de novo, apertando-o.
— Não perguntei para você — desdenhou. — Algum problema
aqui, senhorita Bellini?
— Não! — menti, sabendo que se eu falasse algo, ele comentaria
com o meu pai que logo usaria e machucaria a minha mãe para me atingir.
— Vamos! — disse me aproximando de Red e saindo do quarto com ele. —
Obrigada por aparecer!
— Minha função é protegê-la.
— Pode não contar o que aconteceu para o Lorenzo? — perguntei.
Agora eu temia o crime que eu cometi por esconder o que aconteceu.
— Me desculpe, tenho que repassar tudo o que acontecer a ele.
— Já vai, Hope? — perguntou minha mãe aparecendo na sala.
— Sim, mãe! — respondi.
— Nos veremos só no casamento, não é?
— Depois que eu me casar, tudo ficará bem com a senhora e com a
Kitty, mas eu tenho que ir agora, se não Lorenzo ficará bravo depois desse
ataque ele ficou ainda mais surtado do que já é — disse. — Ti amo,
mamma!
— Ti amo, figlia!
Saí acompanhada de Red até o carro, me sentia até mais leve
sabendo que teria sua companhia agora.
— Eu... Bem, serei castigada? — perguntei por via das dúvidas. Sei
lá, ainda não sabia lidar com ele, então fazia tudo como se ainda estivesse
lidando com o meu pai.
— Não — falou, enquanto caminhávamos para dentro do salão. —
Os ignore quando der e não fique sozinha com nenhum deles.
Não disse nada, Lucy já havia me informado sobre isso. Todos já
estavam em suas respectivas mesas, só nos aguardando.
— Daqui a pouco acontecerá a dança dos noivos — disse o
cerimonialista.
— Dança? Que dança? — perguntei assustada ao Lorenzo.
— Suzi não te instruiu sobre isso? — quis saber.
— Não! — disse. — Elas me enganaram até com o meu vestido,
quem dirá com essa dança.
Lorenzo me puxou para mais perto da Suzi, mostrando o quanto seu
humor mudou de uma hora para outra.
— Você não ensaiou a dança com a Hope? — perguntou Lorenzo
agarrando no braço da Suzi.
— Já que o casamento foi antecipado, a senhorita Alessandra disse
que não se incomodaria em ajudá-la, já que ela sabe os passos — falou. Ela
estava mentindo, não sei, não parecia verdade. O vestido eu sabia ter sido
aquela cobra, mas a dança eu tenho certeza que foi ela e agora queria anular
o próprio erro notando que a brincadeira foi longe demais. — Foi o que nós
combinamos, senhor.
— Alessandra cuidou de mais alguma coisa? — perguntou.
— Do vestido de casamento, senhor. — Suzi se tremia, agora
olhando para mim. — A senhora não sabe dançar?
Senhora? Agora ela me tratava educadamente.
— Não! — falei, olhando para o Lorenzo. — Não é como se eu
tivesse tempo para aprender.
Lorenzo me puxou novamente para o centro do salão, respirando
fundo para não surtar ali.
— Tem mais alguma surpresa que eu preciso saber que aconteceu
hoje? — perguntou.
— Que eu lembre, não... — disse, já me lembrando do ocorrido de
mais cedo — Tem sim, na verdade eu meio que expulsei a Suzi e a
Alessandra hoje cedo. Antes que pense algo, o vestido não era do meu
tamanho e não foi o vestido que eu havia escolhido. Pode perguntar ao Red
e a Lucy.
Lorenzo passou a mão no cabelo freneticamente. Ele vai surtar?
Estava começando a ficar apavorada.
Lorenzo chamou o Red e ele se aproximou.
— Pegue Alessandra nem que seja a arrastada pelos cabelos e a leve
para o rifugio — falou e Red assentiu, saindo de perto de nós. Não gostava
da Alessandra e isso era óbvio, mas castigá-la da forma que ele castigava
era um tanto cruel.
— Bem... — disse.
— Não se meta nos meus assuntos — disse Lorenzo me encarando.
Desviei o olhar para minhas mãos, já notando que ia sobrar para mim esse
mau humor. — Esse seu bom coração vai acabar te matando. Guarde suas
preocupações para si.
Calada estava, calada fiquei. O cerimonialista chamou o Lorenzo
para o centro e já sabia que a dança começaria.
Eu não dançava, o que faria? Lorenzo me ergueu, colocando os
meus pés por cima dos seus. Sua sorte era que eu não estava de salto.
Colocou suas mãos em minha cintura, me segurando para me deixar
suspensa no ar e meu não incomodar em seus pés.
Entrelacei meus braços entre o seu pescoço e logo acompanhamos a
melodia da música. Fiquei envergonhada, já que estava nítido a todos que
eu não sabia dançar. Tudo aconteceu bem rápido, já que nós dois não
estávamos com muito saco para prolongar aquilo. Eu e o Lorenzo não
trocamos uma palavra se quer, era até melhor assim.
O que me deixou surpresa foi que ele sabia dançar muito bem
conforme a melodia. Ele deve ser bom em tudo. Assim que a dança de
menos de dois minutos terminou, nos afastamos um do outro sorrindo para
a multidão.
Ele também era um ótimo ator.
— Vou resolver uns assuntos. Não saia do quarto, não aceite nada de
ninguém e muito menos abra a porta sem verificar quem seja. Fique aqui
até eu chegar, mas se der 18:00hrs e eu não tiver voltado, se arrume. Não
precisa usar roupas de festas, é apenas um jantar entre amigos. Red ficará
com você aqui.
— Certo!
Lorenzo saiu do quarto e eu pude fazer uma tour pelo lugar. Red
logo entrou e conversamos sobre muitas coisas. Logo não tinha mais o que
fazer, estava começando a ficar entediada. A noite demoraria para chegar.
— Está tedioso? — perguntou Red.
— Sim!
— Infelizmente a viagem é a negócios, então não muito o que
aproveitar — disse Red.
Lorenzo tinha que levar com ele aonde fosse. Já que eu sou a sua
esposa, precisava fazer parte. As pessoas da máfia precisam ver que
participo do crescimento dela.
— Lorenzo parecia preocupado, aconteceu algo? — perguntei.
— Nada que se preocupe — falou.
É, era fácil falar, já estava preocupada. Fiquei ali sentada na
varanda, esperando a noite chegar. Esperava que estivesse tudo bem. A
brisa era muito boa, o cheiro do mar passava uma tranquilidade, dava até
vontade de dormir. Me deitei no sofá, olhando a praia a minha frente.
Logo senti os meus olhos pesarem e adormeci.
Quando eu acordei já era de noite. Já se passava das 18:00hrs e
nenhum sinal de Lorenzo.
Amanhã nós encontraríamos alguns patrocinadores de algum evento
que o Lorenzo estava organizando. Hoje era apenas um jantar com os seus
amigos da faculdade, estava mais nervosa do que para o evento de amanhã.
Comecei a me arrumar para o jantar, um pouco assustada por não
saber como são esses amigos do Lorenzo. Não tive nenhuma experiência
com pessoas de fora da máfia até agora, só com os membros da famiglia a
minha vida toda.
Optei por um vestido azul, com uma fenda na perna. Calcei a
sandália e esperei o Lorenzo chegar. No último clube do livro comi na casa
da Dona Telma uma carne mal passada e agora eu estava sentindo as
consequências disso.
Estava um pouco tonta, talvez fosse da viagem também, já que ainda
não havia descansado.
Já se passavam das 20:30h e nenhum sinal de Lorenzo. O cretino se
esqueceu de mim?
— Red, Lorenzo deu algum sinal de vida? — perguntei.
— Não, senhora!
Eu não podia ligar para ele porque, como sempre, esqueci o meu
celular. Estava prestes a tirar a roupa e ir dormir, quando o vi entrando no
quarto.
— Que inferno de dia! — disse Lorenzo murmurando, batendo a
porta com força. Tinha um corte bem superficial abaixo de sua sobrancelha
que ainda sangrava um pouco. — Red, pode descansar, depois eu lhe
chamo.
Lorenzo caminhou até o banheiro, ignorando a minha presença. Ele
ficou um tempo lá e eu não sabia se ia atrás dele ou se ficava na minha.
Achei mais seguro ficar na minha. Lorenzo estava bravo com algo e eu que
não me meteria.
— Hope, venha cá! — me chamou.
E lá se vai o meu plano.
— Sì? — disse assim que cheguei na porta do banheiro.
Lorenzo já havia tomado banho, vestido com uma roupa casual.
Uma calça bege com uma camisa branca de botões. Ele apontou para o
corte em sua sobrancelha e eu sabia que era para ajudá-lo com aquilo.
Peguei o kit de primeiros socorros que havia na gaveta da pia. Eu
sabia onde estava, porque vasculhei o quarto inteiro no desespero do tédio.
Enquanto limpava a ferida do Lorenzo, ele abotoava a camisa. Ele
sempre checava o horário, talvez por estarmos atrasados e ele odiava isso.
Lorenzo tirou o celular do bolso, enquanto mandava mensagem para
alguém.
Estava bem difícil cuidar do seu machucado. Ele era muito alto e eu
tinha que ficar de ponta de pé para alcançar o seu corte.
— Você pode se abaixar um pouco? — perguntei.
Já havia limpado o local, só faltava passar uma pomada e colocar
um curativo. Lorenzo apenas me segurou pela cintura, me colocando sobre
a bancada da pia, me deixando um pouco mais alta que ele.
Ele ficou entre as minhas pernas, me dando mais visibilidade para o
seu machucado. Terminei e coloquei o menor band-aid que tinha. Ele ficou
parado sem demonstrar alguma reação de dor ou ardência. Com base nos
machucados que o meu pai me fez ao longo da vida, aquela pomada ardia
demais.
Lorenzo não parava nem por um minuto, se não era mandando
mensagem, era falando com alguém.
E o meu pai que disse que vida de Capo era fácil, que era só dar
ordens... Lorenzo nem dorme sem ser atormentado por milhares de ligações
e mensagens.
— Prontinho! — disse sorrindo para ele, tentando deixá-lo menos
mal-humorado. — Uma recompensa por ter sido um rapaz muito forte. —
Brinquei, dando um beijinho em seus lábios.
Lorenzo me encarou confuso, frazindo o cenho. Logo notei a
besteira que fiz. Lorenzo não era o tipo de homem com o qual eu podia
fazer esse tipo de coisa. Do jeito que ele era sobre demonstração de afeto,
repudiaria minha ação.
— O que foi isso? — perguntou ainda sem entender.
Foi a única coisa que ele disse, já que parecia tão surpreso.
— Bem, eu não pensei antes e... hum... era só para te deixar mais
tranquilo— disse tentando reverter o que eu fiz.
Obrigada, pai, pelos traumas que o senhor me causou.
Lorenzo colocou as suas mãos em cima das minhas coxas, se
aproximando do meu rosto.
— Se for me dar alguma recompensa, me dê pelo menos um... —
Não deixei ele terminar e o beijei.
De duas, uma, ou ele ia falar alguma coisa desagradável ou ia pedir
para dar um beijo de verdade ao invés do selinho. Votei na segunda e nem
pensei antes de beijá-lo. Pensar ultimamente não é algo que eu tenha feito.
Lorenzo colocou uma de suas mãos na minha nuca e eu aproveitei a
proximidade para envolver os meus braços em seu pescoço.
O beijo estava intenso demais, cheio de desejo. Ele começou a
controlar aquele contato, movimentando rapidamente a cabeça para
acompanhar a velocidade que estávamos. Até o seu celular tocar, fazendo
com que nos afastássemos.
— Já estou chegando! — respondeu para a pessoa na outra linha e
logo virou para mim: — Andiamo!
Ele me ergueu novamente, me tirando de cima da pia. Ele não disse
nada depois e eu fiquei na minha. Sabia que o Lorenzo se afastaria, já que
sempre acontecia isso quando nos aproximávamos demais. Saímos do
quarto, indo em direção ao elevador.
Queria saber como o Lorenzo havia feito aquele machucado, mas
como não falamos da nossa vida um para o outro, creio que nunca saberei.
— Por que ficou tão quieta? — estranhou assim que entramos no
elevador.
Ficar quieta era algo que o Lorenzo sempre me mandava ficar e
quando ficava quieta demais, ele estranhava. Ele vai acabar me
enlouquecendo!
— Nada — respondi.
Na verdade, não era isso, estava pensando no que se tornaria o meu
casamento assim que eu engravidasse. Desde a minha conversa com a
Clarice, estava mais pensativa sobre isso.
Como eu teria coragem de colocar uma criança no meio disso. Seria
ainda pior se fosse uma menina. Pelo jeito que todos falam do Lorenzo com
a filha, ele parecia ser um bom pai, mas a questão é que nós dois não temos
nada juntos, essa criança será tão infeliz por nós dois não termos
sentimentos um pelo outro. Eu vi muito isso com os meus pais em casa, não
quero que essa criança passe por isso.
Resolvi parar de pensar nisso. Não estava grávida e muito menos
com a opção de comandar a minha vida no momento. Entramos no carro e
em menos de 10 minutos chegamos em um clube.
Fiquei um pouco receosa de não ter me vestido bem esta noite, mas
assim que entrei, vi pessoas com roupas de banho. O clube tinha uma vibe
muito boa. Lorenzo segurou na minha mão, já que o lugar estava cheio e foi
bom, pois fiquei até com medo de me perder. Fomos para o andar de cima,
que parecia ser a área vip e vi o Harvey e a Clarice no meio de um grupo.
— Atrasado, Lorenzo, isso nunca havia acontecido — disse um
rapaz.
— Estava ocupado fazendo o que ou com quem? — falou outro
rapaz agora.
O sotaque britânico deles não negavam de onde eles eram. Apesar
de nunca ter saído da Itália, o meu pai recebia muitas pessoas em casa,
então era fácil identificar as pessoas pelo jeito que falavam. Não tinha muita
coisa para fazer na minha antiga casa e era uma forma de me entreter.
Lorenzo devia ser mesmo amigo deles para que fizessem esse tipo
de brincadeira. Pena que não sabiam que o amigo era líder de uma máfia,
pior se soubessem o quão louco ele era.
— Fique quieto, Peter! — falou Harvey dando um murro em seu
ombro. — Ele está com a esposa.
— Achava a outra gata, mas essa... — disse Peter me encarando. —
Meu amigo, onde você as encontra que eu quero andar por lá.
— Deixe de importunar a minha esposa — disse Lorenzo. Ele
parecia outra pessoa, com um ar mais brincalhão e bem mais humorado. —
Esta é a Hope.
— É um prazer conhecê-los! — disse.
— Sei que o Lorenzo não deve ter falado sobre a gente para você
antes, então deixe que eu nos apresento. Sou o Peter, este ao meu lado é o
Noah, ao seu lado é Michelly, a Aisha e a Caroline — falou apontando para
todos eles.
— Somos os solteiros do grupo, já que Harvey, o Enzo e o Lorenzo
se casaram e abandonaram a nossa amizade — brincou Noah.
Os olhares das meninas para mim não eram lá muito diferentes do
olhar da Bianca. Não sei se é por gostar do Lorenzo ou do dinheiro dele,
mas percebi que o Lorenzo só se envolvia com este tipo de gente, por isso
que era tão fácil encontrar interesseiras e pessoas amarguradas no seu
convívio.
Sério que Lorenzo já levou meio mundo para sua cama?
Nos sentamos e a Clarice ficou ao meu lado, já que também era
perceptível que as outras meninas não gostavam dela. Eu meio que as
entendo, nós duas éramos intrusas no seu grupo e elas deveriam estar
acostumada a ser apenas eles oito, sem mais pessoas para interferir na
relação com os seus amigos.
Eles começaram a se gabar da vida deles enquanto conversavam.
Quando a conversa era referida a mim ou a Clarice, uma das meninas
sempre fazia questão de cortar o assunto para nos manter longe do falatório.
Elas deveriam ter realmente ciúmes por ter tirado os rapazes do grupo dos
solteirões.
— O que faz da vida, Hope? — perguntou Peter.
— Pare de fazer perguntas para a minha mulher, seu figlio di
puttana! — disse Lorenzo recebendo a risadas dos rapazes, logo sorrindo
em seguida, um sorriso que não era muito visto por mim.
— Gosto de quando fala em italiano conosco — disse Aisha.
Ela tinha um sorriso bem malicioso nos lábios e botou para jogo
aquele par de peitos. Tentei disfarçar o desconforto que ficou no ambiente,
já que todos notaram a sua investida ao meu marido na minha frente.
— Não trabalho — respondi. — Meu tempo agora é para eventos
beneficentes e para abrigos de caridade. — Não estava mentindo, mas
também não estava falando toda a verdade.
— Então é sustenta pelo seu marido? — perguntou Michelly com
uma sobrancelha arqueada. O seu sorriso tentando me colocar para baixo
ficou evidente.
Sei o que eu queria ter respondido: Querida, nem se eu quisesse
trabalhar, eu poderia. Na máfia mulher não tem voz e você não duraria dois
segundos com essa sua arrogância lá. Lide com os Conselheiros e os Juízes,
fora os pais que são extremamente rigorosos, ainda mais com os
casamentos arranjados sem amor.
Mas foi isso que eu respondi:
— Sim, da mesma forma que seu acompanhante deve bancar a sua
noite — disse.
Quando terminei de dizer isso, Lorenzo apertou a minha coxa,
mostrando que eu estava falando demais. Eu já sabia que tinha feito
besteira. Seu olhar crítico sobre mim, mostrou que não gostou muito da
minha resposta.
— Você não sabe o que diz, garota — falou Caroline se mostrando
incomodada pelo meu comentário.
— Agora fiquei curioso, como sabe que ela está com alguém? —
perguntou Harvey.
— Me diga, vidente, como me conhece tão bem? É uma stalker? —
indagou Michelly zombando de mim. Eu não ia dizer, até porque não queria
expô-la, mas a megera estava merecendo.
Resolvi ficar em silêncio, mas o Lorenzo deu mais um apertão na
minha coxa por debaixo da mesa. Acho que até ele se interessou em saber.
— Está com marca de aliança no seu dedo — falei apontando para a
sua mão. — Peter havia deixado bem claro que o grupo era formado por
solteirões e mesmo que ela tivesse tido alguém, ele teria citado, já que
achou ultrajante o Harvey, o Lorenzo e o Enzo terem “saído” do grupo dos
solteirões por casarem. Você tirou a aliança por desconforto, talvez porque
não quisesse que os demais soubessem o que estava fazendo. Se não fosse
algo que a envergonhasse, você não teria tirado a aliança do dedo, o que me
dá um palpite sobre casamento. Mesmo se tivesse terminado há algum
tempo, com o sol daqui, essa marca de aliança já deveria ter sumido.
— Uau! — disse Clarice enquanto batia palmas. — Você é uma boa
observadora.
Com um marido igual o Lorenzo e o pai que eu tinha, eu pisava em
cascas de ovos. Tinha que pensar mais a frente para não cometer erros, mas
mesmo assim, acabei de cometer um erro hoje. E pela apertada na minha
coxa, entendi a desaprovação com o meu showzinho.
Lorenzo sempre tentava passar despercebido, ele mal falava e agora
com a atenção em o medo de eu entregar o seu segredo deveria ser grande
agora.
— Estou sem palavras — disse Noah olhando para o Lorenzo. — Se
não quiser ela, eu quero.
— Você não sabe de nada — disse Michelly cruzando os braços.
Tive a certeza que estava certa só pelo seu mau-humor.
— Vamos mudar de assunto — disse Caroline tirando a amiga do
centro das atenções.
Fiquei calada, mesmo quando um deles falava comigo, apenas dizia
uma ou duas palavras e tentava cortar o assunto. Eu não sabia o que estava
acontecendo comigo.
Como eu pude dar uma vacilada dessas?
— Posso ir ao banheiro? — perguntei próximo ao ouvido do
Lorenzo, já que não achei a segurança dele aqui dentro. Ele estava
disfarçando o mau-humor para as pessoas na mesa.
— Vou levá-la ao banheiro, já volto — falou aos amigos ficando de
pé.
Espera, eu não queria que ele fosse comigo.
Levantamos da mesa e Lorenzo segurou no meu braço, me
acompanhando até o banheiro mais próximo. Ele ignorou a placa de apenas
mulheres e fechou a porta do banheiro verificando se havia alguém ali
dentro. Quando viu que não havia ninguém, me encarou bravo.
— Agora me diga que tipo de merda você acha que tem na sua
cabeça, para ter feito aquilo na frente dos meus amigos? Qual a parte que
você não entendeu que era para ter ficado na sua? — perguntou.
Minha sorte que não estávamos perto de casa. Conhecendo o
Lorenzo, ele teria me levando ao rifugio.
— Eu não pensei... — Lorenzo se aproximou de mim, me
imprensando na parede.
— A sua sorte é que estamos longe de casa. — disse Lorenzo me
encarando furioso. — Quando chegarmos no hotel, terminamos a nossa
conversa.
Droga! Fazia um tempo que eu não era castigada. Foi a primeira
vez que eu fiquei tanto tempo sem ser punida na minha vida inteira.
O medo correu por todo o meu corpo. Lorenzo certamente me daria
uma surra e com a força que esse homem tem, tenho medo de como eu vou
lidar com a dor.
Qual é, Hope, ele pode só apenas te dar uma bronca como as outras
vezes.
Tentava me convencer do contrário, mas não dava para raciocinar
quando se está apavorada. Não disse nada, só continuei o encarando.
— Vai ficar calada agora? — indagou.
— Não vai mudar se eu disser alguma coisa — disse.
Lorenzo poderia estar acostumado com alguns se humilhando para
ele, mas eu não seria assim. Se era para ser castigada, eu seria. Nem com o
meu pai eu implorava, com ele não vai ser diferente. Só espero ter forças
para não dar o gostinho dele me ver chorar.
— Esse seu gênio forte é o que te prejudica ainda mais — falou. —
Faça o que você ia fazer, te espero lá fora.
Lorenzo saiu do banheiro, me deixando sozinha. Me encarei no
espelho e sei que não saberia disfarçar o meu medo na frente dos amigos do
Lorenzo.
Por que eu fui abrir a boca?
Fiquei um tempo parada em frente a pia até uma mulher entrar no
banheiro e me tirar dos meus devaneios. Abri a porta do banheiro e Lorenzo
permanecia ali, com a mesma cara furiosa.
Ele foi na frente e eu apenas o segui.
Havia algo que me livraria do castigo. Não sabia se conseguiria
encenar aquilo, mas tentaria. Dona Telma disse que os castigos não eram
severos quando se estava grávida.
Eu só posso estar louca de fingir gravidez agora.
Tinha o evento da segunda-feira, não poderia aparecer cheia de
hematomas e na terça-feira veria a minha família, se a minha mãe me visse
roxa, saberia que o meu casamento não estava bem e conhecendo a minha
mãe, ela voltaria a morar com o meu pai para que eu não sofresse mais.
Se desse errado, de qualquer forma, eu seria castigada.
Também não estaria mentindo, estava enjoada desde manhã, já que
não havia comido nada a tarde e fora a viagem turbulenta que tivemos.
Qualquer coisa, digo que foi a minha pressão que baixou.
Força, Hope!
Voltamos para a mesa e fiquei na minha. Não sabia quando poderia
começar a encenar o meu mal-estar com sintomas de gravidez. Pensava em
desistir, mas em lembrar da força do tapa que o Lorenzo me deu naquele dia
e olhe que ele não está um terço bravo como está agora, me faz até arrepiar.
— Coma o polvo, está delicioso! — disse Clarice.
É um sinal dos céus, nem fingiria mais. Aquilo era bem nojento.
Frutos do mar não era o meu forte.
— Ah, não! — disse. Olhei com nojo para o bicho que estava no
meu prato. — Vou ficar só no suco mesmo, estou um pouco enjoada desde
cedo.
Clarice se aproximou de mim, me fazendo eu recuar um pouco. Seu
rosto estava com um enorme sorriso.
— Sua menstruação está atrasada? — perguntou bem próxima a
mim, com um olhar fixo no meu.
Aquilo estava me assuntando. Não pensei que ela que cairia na
minha armação. Iria cortar a conversa, mas vi que tinha atenção do
Lorenzo.
Ajoelhou, agora reza!
— Que dia estamos? — perguntei me fazendo de desentendida. —
Bem, ainda não veio.
— Você pode... — falou se empolgando. — Oh, Deus!
— O quê? Acho que não, deve ser só um mal-estar.
— Está sentindo muito sono e mudança de humor? — perguntou.
Eu durmo muito, mas sempre foi assim. Mudança de humor?
Lorenzo está grávido então.
— Sempre fui muito dorminhoca — disse rindo. — Deve ser só o
mal-estar da viagem fazendo efeito agora.
— Também achei quando eu fiquei grávida.
Onde eu fui me meter? Eu estava parecendo a Lisa, impulsiva.
Lorenzo permaneceu calado por todo o resto do jantar. Nos
despedimos do pessoal e seguimos caminho para o carro. Amanhã cedo o
Lorenzo iria encontrar uns patrocinadores do evento que ele daria. Nós
teríamos que acordar bem cedo.
Estava ficando preocupada. Sei que o Lorenzo estava ciente da
minha conversa com a Clarice, mas o silêncio que ele estava me apavorava.
E se ele me levar ao médico? Santo Cristo, onde fui me meter?
Chegamos no hotel, Red e os outros seguranças ficaram na porta.
Lorenzo havia ficado no bar do hotel e eu nem questionei, apenas fiquei no
quarto. Tomei banho e coloquei uma camisola.
Uma coisa é certa, funcionou.
Dona Telma disse que usou desse artificio muito antes de engravidar
dos filhos já que ela não era muito de seguir regras quando jovem.
Logo escutei a voz do Lorenzo do lado de fora, conversando com o
Red. Estava no sofá da varanda, até pensei em correr para cama, mas vai
que ele me pegava no flagra. Fingi que estava dormindo no sofá mesmo.
Imagina se ele não se importa e me castiga mesmo assim? Meu
casamento será igual ao da minha sogra, cheio de encenação? Se for para
não ser punida, sim!
Escutei a porta do quarto sendo aberta e logo senti o cheiro do
Lorenzo tomar conta do lugar. O perfume dele, com aquele cheiro de
whisky, deveria ser uma combinação perfeita. Sabia que ele estava próximo
a mim, pois senti sua respiração no meu rosto.
Lorenzo me pegou nos braços e me levou para cama.
Estava me sentindo culpada por mentir para ele assim, sabendo que
ele sofria muito em relação a filhos depois da morte da sua filha, mas
resolvi tirar essa culpa de mim, melhor do que ser castigada.
Escutei a porta do banheiro se fechando e pude respirar em paz.
Quando percebi, já havia adormecido.
Pela manhã, acordei com o sol no meu rosto. Lorenzo ainda estava
deitado ao meu lado, mas desta vez, eu não havia invadido o seu espaço.
Não sei se foi a encenação toda de ontem, mas havia acordado um pouco
mais enjoada.
Fui ao banheiro e tentei lembrar o que eu havia comido nos últimos
dias. Veio à mente a carne mal passada da minha sogra na nossa reunião do
clube do livro. Não tinha o costume de comer carne assim, deve ter sido
aquilo. Fora a minha péssima alimentação ontem, com apenas o café da
manhã e vários copos de suco ontem à noite.
O suco estava querendo voltar. Sentia o gosto azedo na garganta.
Isso é uma espécie de castigo por que eu menti para o meu marido? Me
ajoelhei, ficando de frente ao vaso sanitário e vomitei até as minhas tripas.
Eu sabia que não podia ser gravidez, já que antes de vir fiz o teste
que Lucy me deu, fora que eu e o Lorenzo não fizemos nada desde quinta-
feira, seria impossível. Fechei a tampa do vaso, dando descarga. Sentei-me
no chão, colocando o cotovelo em cima da tampa, cobrindo o rosto.
— Que mal-estar! — disse.
— Quer ir ao médico? — perguntou Lorenzo me assustando com a
sua voz atrás de mim.
— Já estou bem, deve ser algo que eu comi — respondi.
Já passou a raiva de ontem, não tinha para quê prolongar a minha
encenação. Agora o mal-estar era cem porcento real.
— Vá para a praia com o Red e tome uma água de coco, talvez
melhore — falou.
Quem é você e o que fez com o meu marido? Eu queria não tirar
proveito da sua preocupação, mas não estava dando muito certo.
— Tudo bem! — disse.
Me levantei e tomei logo um banho. Coloquei um biquíni e um short
por baixo. Pelo menos esse mal-estar valeu de alguma coisa.
Lorenzo já havia se trocado e achei bom não precisar acompanhá-lo.
Vai que alguém falasse algo e eu fizesse a mesma besteira de ontem, ou
pior, vomitasse na mesa. Antes de sair do quarto para ir para a praia,
caminhei até o Lorenzo e dei um beijo para me despedir.
Ele estava pensando em algo que não era real, espero que isso não o
deixe ainda mais traumatizado. Antes de eu falar algo, senti o meu
estômago embrulhar de novo, corri para o banheiro e vomitei ainda mais.
Cristo, quando isso vai passar?
— Você não quer realmente ir ao hospital? Red te levará se for o
caso de você não querer que eu te acompanhe — falou.
— Eu estou bem, deve ser a comida que não me caiu bem. Não
estou sentindo nada além de enjoos.
Fui para a pia lavar a minha boca, já que o gosto estava horrível.
— Estou indo! — disse Lorenzo saindo do quarto. Terminei de me
ajeitar no banheiro, saindo em seguida.
Saí do hotel com o Red, indo para a praia, que era perto do hotel.
Assim que chegamos lá, Red estava sem o terno, com uma roupa mais
casual.
— Amigo ou funcionário? — perguntei.
— Os dois hoje — respondeu. — Está realmente bem? O Lorenzo
disse que se passasse mal, a levasse nem que seja pelos cabelos para o
hospital se resistisse.
— É só um enjoo, o Lorenzo que é dramático — disse.
— Até eu estou nervoso — disse Red.
— Eu estou bem, é sério — disse.
Lorenzo se importava, mas não demonstrava. Pelo menos sei que
ele tem coração, nem que seja minimamente minúsculo.
Assim que cheguei no meu escritório, tomei um banho rápido para ir
logo no hospital falar com o Rubens. Sei que poderia muito bem ter feito
isso em casa, mas com a nova inquilina e seu desconforto, talvez isso
gerasse mais problemas, que consequentemente faziam Enzo tomar suas
dores por causa da esposa.
De qualquer forma, para mim não fazia muita diferença,
dificilmente estava em casa, minha vida sempre foi muito agitada desde que
assumi a liderança. Como já estava no quartel, do meu escritório ao hospital
não era tão longe.
Quando adentrei no hospital, alguns médicos paravam para
conversar comigo, muitos não tinham tempo de me ver nos eventos, já que
aqui nunca parava. Entrei no elevador, indo para uma área mais exclusiva,
que requer mais seguranças e menos atenção dos membros.
— Senhor! — disse Rubens assim que eu entrei no quarto, logo se
sentando na cama.
Havia dois seguranças com ele que logo saíram.
— Vejo que está melhor — comentei, andando pelo quarto.
— Tive sorte — falou. — Foi tudo tão rápido.
— Como aconteceu? As câmeras de vigilância foram destruídas no
ato — informei, sabendo que algumas pegaram as partes do que aconteceu
antes de serem destruídas.
— Estava na entrada, recebendo alguns dos nossos clientes mais
generosos, quando vi uma van parando em frente a boate. Corri para apertar
o alarme, mas eles já estavam dentro do local — explicou. — Não sabia
como, mas eles já estavam misturados na multidão da boate. Eles tinham as
pulseiras da entrada, mas ninguém entra na boate se não estivesse na lista.
Seguimos bem as ordens, não sei se entraram com a equipe de garçons ou
da cozinha, mas eles não passaram pela entrada, eu teria lembrado dos seus
rostos. Eu conheço cada cliente nosso, eles nunca puseram os pés lá.
Isso me preocupava, sei que não era pelos seguranças, o Red sempre
foi muito atento a isso com os seus homens, talvez entre os clientes, mas
tinham só os nossos aliados, investidores e os membros da máfia.
Para entrar naquela forma era preciso conhecer bem a boate,
conhecer os pontos cegos, as trocas de seguranças, a entrada dos
caminhões, mas eu conheço muito bem o Rubens, ele realmente lembraria
deles, então alguém passou essa informação, alguém que tenha acesso
aquele lugar.
— Lembra quantos homens eram?
— Doze — respondeu. — Estavam mascarados e eu sei que eu disse
que eu não reconheci nenhum deles, mas esse tipo de homem não entra na
boate, eles vão ao rifugio se divertir. Eles eram altos, grandes, não é o tipo
de clientela que precisa ir em uma boate pagar prostitutas para se aliviar,
eles conseguiriam facilmente qualquer mulher interesseira aqui. Eu tenho
certeza que escutei alguém falando em russo, mas eu não sei, senhor, o
sotaque deles era muito forte, parecia que estavam aprendendo e
misturavam alguns idiomas enquanto conversavam.
Suspeitava que estavam armando para que eu desconfiasse dos
russos, agora isso me dava a certeza disso. Rubens é poliglota, ajudava
muito nos negócios. Estava em uma aliança com os russos, não escolhi
nenhuma das pretendentes russas para ser a minha esposa, então atacar a
minha boate em uma forma de que eu desconfiasse justamente que seriam
os meus novos aliados foi um golpe de mestre, só que existe um grande
porém nessa história, os russos tinham muito a perder com um ataque
desses. Eles precisavam da visibilidade da minha máfia, da minha gestão,
precisava dos meus recursos, poderiam se sair bem com quantidade de
membros, mas de guerras, eles não participam de uma há muitas décadas,
não estão prontos para um ataque se não tiver aliados para ajudarem os seus
homens, digo em experiência, na teórica, são bons, mas na prática, precisam
aprender muito mais. Eu como sou atacado a cada segundo do meu dia,
tenho doutorado em me livrar de problemas.
— Mais alguma coisa para falar? — perguntei.
— Muitos morreram? — indagou temoroso.
Rubens criou um legado na minha boate, ele faz parte dos poucos
homens que eu confiei um cargo, nem a minha família conseguiu algo
assim. Ele honrou o que eu dei, ele é grato por isso. Quando eu o encontrei,
ele não fazia muita questão de participar da máfia, os seus pais haviam
entrado pouco tempo como investidores.
Ele só queria aprontar ao redor do quartel. Ainda não era o Capo,
mas tinha em mente que um dia eu ia precisar dele, não sabia o motivo, mas
eu sabia que ele iria me oferecer bem mais do que achava que viveria aqui.
Anos depois, ele já havia casado e estava fazendo parte da empresa
da família, mas o seu talento eu o vi na primeira reunião que eu tive como
líder, quando fui a empresa só para despistar os curiosos que estranhavam a
minha família não andar diariamente lá além do Pietro. Ele estava lá,
nervoso com tanto Ferraro por metro quadrado.
O olhava e eu sabia que ele precisava de um estímulo maior, então o
convidei para comandar a boate. Ela era o meu orgulho, assim como era o
dele. Acontecer o que aconteceu quando ele justamente estava liderando,
deveria ser decepcionante.
— Os seguranças do lado de fora estão mortos, as pessoas dentro da
boate se machucaram, mas não houve nenhuma morte dentro da boate —
respondi.
— Eu sempre fui rigoroso, não sei como passaram pela polícia e
entraram na boate, eles pareciam já saber onde cada funcionário estava —
disse Rubens. — Eu sei que o senhor me confiou nesse cargo, eu juro pela
minha vida que não fui eu que os coloquei lá dentro.
A boate ficava próximo a um posto de polícia, qualquer ação
suspeita perto da boate, eles iam investigar. Obviamente pagávamos muito
bem, mas para ter deixado uma van passar, vejo que não.
— Bem, eu estou indo, tenho uma audiência e ainda tenho que falar
com o capitão da polícia. — disse olhando as horas no meu relógio. — Se
lembrar de algo, eu quero ser o primeiro a saber, entendido?
— Sim, senhor!
Saí do hospital, indo para a sede dos Juízes.
— Estávamos apenas esperando o senhor — falou um dos Juízes a
mim assim que eu entrei na sala de audiência.
— O dia foi corrido — comentei.
Meu casamento, a visita a Alessandra no rifugio, a minha "lua de
mel", a visita ao Rubens, essa audiência e ainda uma visita ao capitão. É, a
noite será longa para mim.
— Vamos começar! — disse o Conselheiro.
Era uma audiência "rápida" para falar com um homem que foi pego
na nossa área vendendo drogas.
— Me desculpa, vossa excelência... Capo... Como eu devo me
referir ao senhor? — perguntou nervoso.
— Ele é um imbecil! — declarou Leonel ao meu lado.
— Só diga logo quem é o seu fornecedor — disse.
— Eu mesmo — mentiu.
— Eu tenho cara de quem acredita no que diz? — indaguei e ele
negou temeroso. — Que tal parar com a enrolação de tentar acobertar quem
não deve e me diga logo a porra da verdade, caralho!
— Ele vai me matar, s-senhor — gaguejou quase chorando.
— Eu também vou, mas vou te dar a opção de uma morte rápida ou
lenta. Se me ajudar, será rápido, nem vai sentir, mas se continuar a me
enrolar, eu realmente faço questão de te jogar em uma banheira com ácido.
— Os selvaggio — respondeu rapidamente não duvidando que eu
faria aquilo.
De novo esses arrombados.
— Não foram os mesmos de 4 anos atrás? — perguntou o Juiz.
— Sim, devemos visitá-los novamente — falei.
— Eu não vou dizer nada a ninguém, eu posso até ajudar com a
venda se precisarem — disse o figlio di puttana mostrando o seu desespero
por saber que ia morrer.
— Ah, não, obrigado pela oferta, mas já tenho homens de mais para
fazer o serviço para mim, agora vamos voltar para o que interessa — disse,
o encarando. — Eu, Lorenzo Ferraro, com o poder que o meu título de
Capo detêm, o condeno à forca.
— Você disse que seria uma morte rápida — falou, ficando em pé.
— E vai ser, então vamos ter pensamentos positivos para que não
aguente muito tempo e morra rápido — disse, o encorajando cinicamente.
— Fim de julgamento!
Levantei do meu posto, já notando que era de madrugada.
— Vai para casa? — perguntou Enzo, enquanto me seguia até o
estacionamento.
— Tenho uma visita ao capitão da polícia — disse.
— Eu ia lá amanhã, não prefere que eu vá?
— Eu cuido disso, vai para casa — disse.
— Sabe que não está mais sozinho em casa, não é, Lorenzo? —
indagou Enzo. — Agora tem uma família em casa, é difícil a adaptação,
mas agora alguém te espera lá.
— Pode confiar, ela prefere que eu fique fora — disse, parando em
frente ao meu carro. — Deixa as coisas como estão, só nos casamos para ter
um herdeiro, então não tem para quê complicar a minha situação com ela.
Ela não se sente confortável com a minha presença e eu estou sempre
ocupado com o trabalho, vamos deixar isso assim mesmo. Você vai para
casa e fique com a sua esposa e filho, a semana será longa.
Me despedi do Enzo, entrando no meu carro. Acelerei pelas ruas,
sendo acompanhado do carro da minha segurança. Assim que cheguei na
casa do infeliz, entrei silenciosamente a sua procura. Quando cheguei no
quarto, eu o vi deitado na cama.
Me aproximei dele, ligando a luz do abajur. Logo ele começou a se
remexer, incomodado com luminosidade no quarto. Abriu os olhos
lentamente, me encarando perplexo, talvez por conta da minha invasão na
sua residência.
— Acordei você? — perguntei sarcástico. Quando ele ia pegar a
arma debaixo do travesseiro, eu ergui a mão mostrando que ela estava
comigo. — Atrás disso? Que feio, é assim que recebe visitas? Que falta de
educação, capitão.
Olhei para os meus homens, que logo o tiraram da cama, o
colocando na cadeira que estava no canto.
— Bela casa! — disse. — Pagou ela com a propina que eu pago a
vocês ou com o dinheiro que está roubando dos comércios ambulantes?
— Do... Do meu trabalho — respondeu.
— Nem fodendo! — Declarei rindo, me sentando na sua frente. —
Quer que eu acredite nisso? Não posso ser educado com você, que já acha
que pode me enrolar. — Acenei negativamente com a cabeça me mostrando
magoado.
— Eu não fiz nada.
— Exatamente, é por isso que eu estou aqui — falei, colocando uma
luva na minha mão. — Você não fez caralho nenhum.
Tirei a faca da maleta que um dos meus seguranças segurava,
enquanto ele me olhava a cada ação minha.
— Deve ser foda entrar para a polícia, até incompetentes como você
se torna capitão — disse irônico.
— Senhor, eu não sei o que te trouxe aqui... — O interrompi.
— O meu carro, a minha determinação em te matar, isso resume? —
indaguei debochado.
— Eu sou um capitão de polícia, vai te dar problemas — falou
soando como uma ameaça.
— Acha mesmo que eu tenho medo disso? — perguntei, o
encarando. — Meus crimes ao longo da minha vida são sonegações de
impostos, corrupção, contrabando, extorsão, fraudes, jogos de azar, tráfico
de armas, tráfico de informações, tráfico de influências, formação de
milícias e esquadrões da morte, então você acha que matar um policial
merdinha como você, vai me dar mais problema do que os que eu te listei
agora? — Ele ficou em silêncio. — Você realmente é um idiota!
— Eu não sou qualquer policial, agora sou capitão... — o interrompi
novamente.
— Eu não me importo muito com isso, infelizmente eu vou ter que
te matar porque eu não confio mais em você — disse, aparentando tristeza
enquanto falava. — Foi bom nosso momento junto foi bom, mas eu tenho
que matar esse nosso laço, literalmente.
— O senhor está enganado ao meu respeito — falou.
— Estou? — perguntei cínico. — Por que você não me conta onde a
minha imaginação fértil está fugindo da realidade em achar que você estava
me traindo?
— É sobre o ataque na sua boate, não é? Não sei como isso
aconteceu.
— Então como deixaram uma van suspeita passar? Pago você já
para não ter que me preocupar com isso — falei.
— Deve ter ocorrido na hora da troca de turnos dos policiais, eu
apenas comando para não deixar suspeitas na delegacia — falou.
— Então eu não preciso de você vivo, já que a sua existência não
me ajuda em nada.
— O quê? Não... Ei, qual é, eu não trairia o senhor, eu não sou
burro, sei que iria me matar. Me poupe desta vez, isso nunca mais irá se
repetir — implorou.
— Não vai se repetir mesmo não, porque você vai estar morto —
disse, com os olhos fixos no seu. — A sua incompetência me enoja, faz
com que eu não confie na sua lealdade e na sua tarefa bem-feita. O segredo
de eu ainda não ter sido descoberto por ninguém, não é só por pagar a
mídia, mas é porque, diferente de você, eu faço o meu trabalho bem-feito.
Veja por esse lado, eu estou te ajudando, logo descobriram do que você faz
nas ruas. Acha que ninguém nunca vai te denunciar por pegar dinheiro da
população que está ilegal? Um dia vai acontecer e eu não quero estar no
mesmo barco que você, então prefiro te jogar no mar, enquanto assisto você
ser comido pelos tubarões.
— A perícia vai saber quando encontrar o meu corpo que eu fui
assassinado, vão te caçar por matar um policial — me ameaçou.
— Está achando que é o meu primeiro assassinato? — indaguei,
ficando em pé, caminhando lentamente para atrás dele. Coloquei as mãos
no seu ombro e ele ficou assustado, já que eu ainda segurava a faca. —
Como eu te disse, alguém pode te denunciar pelo que faz nas ruas da Itália.
Vou te contar um segredo — disse no seu ouvido. — Um comerciante
apavorado está agora dando parte de um policial corrupto, no depoimento
ele está sendo muito detalhista sobre ameaças que sofreu do homem que
deveria protegê-lo. Não sei se está conseguindo acompanhar o que eu estou
dizendo, já que o seu cérebro não funciona muito bem, mas eu estou
falando de você. Com isso uma investigação será aberta para você e
encontrão o dinheiro que você roubou das verbas enviadas para a delegacia.
— Mas eu nunca roubei nada da delegacia.
— Pois é, eu sei disso — falei, massageando o seu ombro. — Mas
eles não vão acreditar nisso, porque você estava roubando dos mais
necessitados, justamente porque você está endividado. — Ele ia me
interromper, mas eu não deixei. — Eu sei que você não tem dívidas, porém
mexi uns pauzinhos para que a compra dessa casa tenha te deixado a beira
da falência, por isso que roubou das pessoas e da própria delegacia, que
coisa feia, capitão. Eles vão acreditar no seu suicídio. O senhor será a
desonra da delegacia.
— Eu... Por favor... Não... Eles vão saber, nenhum trabalho é bem
feito.
— Quando se paga a perícia, é bem feito sim — disse.
Segurei na sua mão, quando o meu segurança veio com o papel nas
mãos. Todos nós estávamos usando luvas para não ter digitais nossa na
casa.
— Sua carta de suicídio foi impressa aqui no seu computador, só
para caso algum idiota investigar. Me dê sua mãozinha agora. — Coloquei a
folha na sua mão, deixando suas digitais no papel. Aproveitei que algumas
lágrimas caíam dos seus olhos, para deixar mais vestígios que foi ele que
fez. — Isso, está feito.
— Vai me matar como? Esfaqueado?
— O quê? Não, a faca era só para te assustar — disse.
Peguei a corda da maleta, que estava dentro de um saco esterilizado.
Coloquei na sua mão, deixando suas digitais também ali.
O segurança, que tinha a mesma altura que o capitão, colocou a
corda presa na grade de ferro que tinha em cima da cama.
— Só se caso eles recriarem como você fez, é bom não ter erros —
falei.
Houve dificuldade assim que o segurança posicionou a corda já que
ele era um pouco baixo, igual ao capitão, mas logo ele se afastou e deixou a
cadeira abaixo de onde estava a corda.
— Soube que foi escoteiro quando criança, sorte a minha que o meu
tio me ensinou direito como dar um nó igual dos escoteiros. Está fácil
demais a sua morte — comentei.
Dei o nó na corda, deixando o espaço para passar a cabeça dele por
ela. Ele resistiu em andar até lá, ainda dando trabalho para subir nela,
quando colocamos a corda no seu pescoço.
— Viu, isso é um trabalho bem feito, não essa merda que você diz
que faz — disse. — Agora, adeus!
Dei um empurrão nele e o derrubei. Assistia-o se remexendo no ar,
buscando fôlego. O olhava nos olhos, esperando-o morrer de uma vez. Mas
demorou um pouco até ele parar de se remexer, balançando de um lado para
o outro.
— Verifiquem se não tem nenhuma câmera ou algo escondido pela
casa. Não tirem as luvas e muito menos danifiquem as provas que
implantamos sobre o suicídio. Apaguem o que tem que apagar e deixem que
o Enzo faz o resto — avisei.
Saí dali, enquanto eles ficaram para fazer a limpeza caso tenha algo
que nos comprometesse.
Na volta para casa, minha dor de cabeça não havia passado. Sentia meu
corpo enfraquecido, e estava um pouco tonto. Ter ficado a noite inteira na varanda
não foi uma boa ideia.
— Está com dor? — perguntou Hope.
Do jeito que minha cabeça estava doendo, eu descontaria minha dor nela.
— Não! — Respondi. — Thony, não irei para a boate, nos leve para casa.
Já era noite e eu não consegui tirar um cochilo. Minha cabeça doía muito.
Senti alguém se aproximando de mim e sabia pelo cheiro que era a Hope.
— Consigo escutar a sua respiração — disse.
— Só vim ver se estava bem.
— Tire as suas próprias conclusões. — Fiz um gesto para ela me olhar.
— Está péssimo! — declarou. — Sem querer me meter na sua vida, eu
posso fazer uma sopa se quiser, já que não comeu nada o dia todo.
— Faça o que quiser — disse, tentando me mostrar indiferente.
Ela logo abriu um sorriso, saindo do quarto. Com o tempo ela apareceu
novamente com a sopa. Deixou a comida do meu lado da cama, então foi para o
banheiro. Quando eu ia comer, escutei o chuveiro. Me levantei e resolvi tomar
banho com ela. Tirei a minha roupa e entrei no box. A ruiva não escondeu a
surpresa ao me ver ali.
— Você comeu? — perguntou e eu não respondi. Não porque eu não
queria, mas porque estava admirando o seu belo corpo. — A sopa estava quente,
Lorenzo. Se tiver comido vai fazer mal tomar banho agora.
— Não comi, só vim tomar banho — respondi.
Entrei debaixo do chuveiro, observando a bela ruiva lavar o seu corpo.
Apesar de não reparar nessas coisas, Hope era muito atraente. Não estou falando
fisicamente, mas as suas ações a tornam ainda mais interessante. Esses meses
morando com ela consegui enxergar muitas coisas nela.
Seu sorriso é maravilhoso e a forma que seu rosto toma um tom
avermelhado quando está envergonhada, é ainda mais encantador. Quando eu ia
sair do chuveiro, a ruiva me colocou embaixo de novo.
— Fique mais tempo debaixo do chuveiro, sua febre vai diminuir.
— Está muito mandona hoje, Hope — disse.
— Não estou não! — declarou. — Fique aí embaixo e não saia.
Fiz o que ela mandou, logo terminando de tomar o meu banho. Saímos do
banheiro, indo para o closet. Resolvi colocar o meu short de dormir, já que não
sairia hoje para nenhum lugar. Era até estranho, fazia um bom tempo que eu não o
usava.
Tentei tomar um whisky, mas Hope me impediu. Ela realmente era
mandona quando queria. E talvez eu a achasse bem atraente quando ela mandava
em mim.
Me sentei na cama e comecei a comer a sopa. Até que estava boa, seus
dotes culinários estavam sendo revelados aos poucos. Quando bebi o suco não
consegui segurar o nojo de ter colado aquilo na boca.
— Que porra tem aqui dentro?
— Laranja com limão e própolis, ajuda com a sua imunidade. Não é
querendo cuidar da sua vida, mas você não tem uma alimentação regular, não
dorme, mal come e vive bebendo. E antes que me mande cuidar da minha vida, eu
não tenho uma, esqueceu? Vivo por você, não é assim a lei?
Ela estava certa, não tinha uma vida e não teria uma perante a nossa lei.
Tomei aquela gororoba e não nego que logo me senti melhor.
— Não ganho nada por ter tomado tudo? — disse assim que ela pegou a
bandeja do meu lado.
— Você está doente, talvez lhe dê sua recompensa amanhã — respondeu
dando um beijo em minha testa.
Esses pequenos detalhes que me faziam achar minha esposa ainda mais
encantadora. Ela se deitou ao meu lado, sempre respeitando o meu espaço da
cama, mas não adiantava mais, ela predominou tudo.
Pela manhã, acordei e ela ainda estava lá. Fiquei surpreso por ter
acordado só aquela vez de madrugada.
Eu consegui dormir?
Tirei ela de cima de mim delicadamente e fui para o banheiro. Saí,
indo para o closet, ainda confuso do que aconteceu. Quando estava saindo
do quarto, encontrei com Red na porta.
— Sabe como ele entrou? — perguntei sobre o invasor.
— Vi pelas câmeras e os corpos que ele deixou lá fora — falou. —
Ele veio pela lateral, provavelmente da floresta, desceu na rodovia e veio
andando até chegar aqui. Com certeza aproveitou que tínhamos convidados
no rifugio e a nossa atenção estaria mais lá. Esbarrou com alguns
seguranças, os nocauteando com muita facilidade, mostra que é treinado,
creio que não esperava a sua presença no quarto e por isso foi surpreendido
quando o senhor o atacou. Continuando, ele entrou pela janela da escada,
com a ajuda de um equipamento que não é de fácil acesso, equipamento
militar.
— Ou ele teve ajuda ou é um ladrão experiente e já roubou lugares
grandes.
— Voto mais na segunda opção. Ele deve ter roubado algum quartel
do exército e guardou os brinquedinhos para o trabalho que viesse — falou.
— Pois bem, ele chegou a descer para verificar se a havia alguém na casa, a
Lucy estava na cozinha, o mesmo ainda se aproximou dela, mas alguns
seguranças apareceram e ele se escondeu. Como viu que a Lucy
provavelmente não tinha acesso aos andares, por achar que era uma mera
empregada, ele subiu, parando no meio do corredor sem saber por onde
começar. Logo escolheu o seu quarto, não demorou muito e a Hope
apareceu e o resto o senhor sabe.
— Aquele merdinha! — disse. — A equipe médica já tiraram o que
eu pedi?
— Sim, sem anestesia, deixamos que sofresse bastante —
comentou.
— Certo, fique com a Hope, tenho muitos assuntos hoje para cuidar
— falei. — Fique com ela no jardim um pouco, ainda pelas proximidades,
talvez ajude a se acalmar sobre ontem. Ela estava tremendo muito a noite.
Conhecendo a ruiva, ela surtaria se acordasse sozinha no quarto.
Desci para tomar o meu café, pois sabia que o dia seria corrido já que tinha
um convidado no rifugio me esperando.
Logo Hope apareceu, mas foi logo para cozinha. Terminei de tomar
o meu café e ela não havia voltado. Fui até a cozinha e não a vi lá.
Caminhei pela casa e a vi deitada no sofá da sala.
— Não tomou café? — perguntei, me sentando no sofá.
— Tomei um suco na cozinha.
Me deitei por cima dela, admirando aqueles olhos verdes.
— Sabe o que é engraçado nisso tudo? — disse, não esperando ela
responder. — Por três anos, essa foi a única noite que eu consegui dormir
por muito tempo e olha que a minha casa foi invadida.
— Isso é ruim? — perguntou.
— De forma alguma, só estou refletindo sobre isso hoje —
comentei. — Tenho que ir até a boate resolver uns assuntos, então não fique
sozinha, fique sempre perto do Red.
Menti, se ela soubesse que o maldito estava no prédio ao lado, ela
enlouqueceria.
— Lorenzo, tome cuidado.
— Está se preocupando comigo, senhora Ferraro? — indaguei. —
Eu sempre tenho.
Logo Hope me beijou. Sentia uma certa paz quando estava com ela.
Eu sabia que estava começando a me apegar a essa ragazza dos cabelos
acobreados. Tive que interromper o beijo, já que ia no rifugio.
Mesmo depois de horas torturando o maldito, ele ficou em silêncio o
tempo inteiro. Enrico era melhor nisso do que eu, não tenho tanta paciência
para tortura. Triturei o que sobrou da sua mão e o fiz comer como havia
dito, mas ele tinha muita resistência, estava difícil o fazer.
— Acha que quem está te pagando para vir até aqui, te livrará de
mim ou te salvará? — perguntei.
Estava esperando o Josh encontrar algo sobre esse puto para que eu
pudesse usar, foi quando imediatamente meu celular tocou, mostrando no
visor uma mensagem no meu e-mail.
Abri e vi que era um arquivo do Josh.
— Soube que tem família na Tailândia — falei.
Assim que eu disse o homem logo se mostrou apavorado. Tive sorte
dos meus homens terem conseguido alguma informação das digitais da mão
desse maldito. Ele não as tinha mais e sair correndo daqui para ajudar a
família não era mais viável já que não tinha mais as pernas.
Ele logo morreria pela perda de sangue, tinha que agilizar logo isso.
Mesmo que a equipe médica tenha ajudado, ele estava acabado por não ter
se recuperado da cirurgia.
— Não os machuque! — declarou.
— Quer argumentar agora? O tempo está passando, meus homens já
estão perto da casa da sua mãe, lá mora os seus filhos, não é?
— Eu não sei de nada... — falou, respirando fundo.
— Para um ladrão, você parece ser bem experiente. Trabalha com
isso há muito tempo?
— Sim, roubos grandes — falou.
— Viu, não é difícil, eu pergunto e você responde — falei.
— Só me mandaram vir pegar uma caixinha marrom quando você
estivesse ocupado no prédio ao lado. Não sabia que a sua esposa apareceria
na hora, atrapalhando todo o meu plano.
— Quem te mandou? — perguntei.
— Eu não sei, ele me ligou atrás dos meus serviços. Não sei de
nada, o dinheiro caiu na minha conta assim que eu aceitei.
Mantive esse filho da puta vivo para nada? Ele era peixe pequeno e
nem sabia o que estava fazendo. Está acontecendo a mesma coisa de 4 anos
atrás. Mandavam homens que não tinham nada haver para que eu andasse
em círculos tentando encontrar algo.
Estava cansado desse jogo e já sabia o que aconteceria. Eu o
investigaria, não encontraria nada com ligação a quem o pagou, enquanto
isso, eles estavam já tramando algo maior, aproveitando que eu estava
ocupado investigando o último ataque.
— Ter te mantido vivo foi uma perda de tempo — disse.
— Não mate minha família, eu suplico! — implorou.
— Tenho cara de quem mata criança? — indaguei. — Mas para o
seu azar, eu machuco velhinhas, então morrerá sem saber se sua mãe terá o
mesmo fim que você.
Peguei minha arma e atirei na sua cabeça. Eu não tocaria na mãe
dele, não ia deixar aquelas crianças sem a avó, a única parente viva que
cuidava deles, mas ninguém precisava saber disso.
Meu celular tocou e vi que era Red.
— Senhor, sua esposa pediu para que eu fosse a farmácia para ela.
— Fazer o quê, Red?
— Ela me pediu para comprar teste de gravidez.
Aquilo me atingiu em cheio.
— Peça para ela me ligar assim que souber do resultado.
Red assentiu e desligou a chamada. Caminhei para fora do rifugio e
cogitei em subir para ver ela fazer o teste, mas não sei com lidaria com isso.
Tinha que resolver algo na boate, então fui logo para lá.
Assim que cheguei no escritório, não consegui me concentrar em
nada. Quando o meu celular tocou logo atendi.
— Sì? — disse.
— Ah, oi! — disse Hope parecendo nervosa. — Lorenzo, eu fiz o
teste.
— O que deu?
Estava ansioso e ela fazia hora para dizer.
— Bem, deu positivo, eu estou grávida! A moça da farmácia indicou
ir ao hospital para fazer um exame de sangue que é mais confiável, mas
devido eu ter feito 18 tipos de testes aqui em casa, tenho quase certeza de
que eu estou mesmo — fiquei em silêncio processando o que ela havia dito.
— Lorenzo?
Eu seria pai de novo? Não sabia se ficava alegre ou se chorava. Faz
tanto tempo que não sei o que é chorar de felicidade.
Daqui a 9 meses teria um bebê em casa.
Que porra!
O que eu vou fazer?
Será que sei ser um bom pai?
Eu nem sei mais como é ser um.
O que eu tenho que falar e dizer para ela agora?
— Sì! — Falei, caindo em si. — Eu vou marcar uma consulta para
você agora a tarde. Encontro com você no hospital.
Desliguei o telefone, sentindo a minha cabeça aérea. Não pensei
muito e saí do escritório correndo, indo para o escritório do Enzo.
Meu coração estava acelerado e parecia que eu morreria ali mesmo.
O ar faltava nos meus pulmões, eu tentava processar o que poderia
acontecer, pensando nos malefícios que aconteceria quando essa criança
nascesse.
Entrei na sala do Enzo, sem nem bater na porta.
— O que aconteceu, está pálido? — disse Enzo assim que eu entrei,
caminhando até mim.
— Hope está grávida! — disse.
Enzo que tinha um semblante preocupado, veio até mim sorrindo e
me abraçou.
— Parabéns, irmão! — falou. — Que essa criança lhe traga tanta
felicidade como Antonella lhe trouxe.
— E se o bebê morrer por minha causa de novo? Não sei se consigo
ser pai novamente. Quando pensei em ter um herdeiro, nem raciocinei o que
aconteceria depois. Eu vou ter outro filho e os meus inimigos podem fazer
mal a ele. Minha casa foi invadida ontem e essa criança nem nasceu,
imagina o que vai acontecer quando nascer. Lembra de como era difícil?
Ter que ficar apreensivo toda hora que eu saía de casa deixando a minha
filha ...
— Não se culpe pelo que aconteceu com a Antonella — falou,
depois de ter me interrompido. — Você ficará bem! Confie na sua esposa,
confie em si mesmo, você não teve culpa de nada. Antonella deve estar feliz
por ganhar um irmão, sabe como ela fazia a nossa cabeça para ter filhos, só
porque você nunca quis ter outro com a Alessandra.
— É fácil falar — disse, caminhando até a garrafa de whisky e enchi
o meu copo. — Que porra, eu não sei o que fazer!
— Você sabe, só está com medo — falou.
Medo? Eu estava surtando.
Que inferno!
Acordei com um peso de uma mão na minha barriga, com a luz nos
meus olhos. Quando abri os olhos, vi o Lorenzo sentado, encarando a minha
barriga. Fechei os olhos para não ser pega encarando-o, sem entender o que
ele estava fazendo.
— Desculpe por hoje cedo! — sussurrou, mas, mesmo assim, eu
consegui escutar. — Fique bem aí dentro e não se esforce muito. Quando
você nascer, eu prometo não tirar os meus olhos de você. Podemos fazer
uma promessa se quiser. Sua irmã, Antonella, sempre me fazia prometer as
coisas e cumprir o que eu havia prometido. Eu prometo não deixar ninguém
te machucar e de ser um bom pai e, em troca, você fica bem e não suma.
Não sei se o pai... — Respirou fundo, hesitando em continuar. — Não sei
se o pai aqui aguentaria.
Lorenzo ficou parado ainda encarando a minha barriga, mas logo
desligou o abajur e se deitou. Eu fiquei bem emotiva com as suas palavras e
o quanto ele tinha medo de perder mais alguém.
Algumas semanas se passaram rapidamente. Eu continuava a sentir
enjoos. Ontem fui com o Lorenzo para a consulta com a obstetra, ela olhou
os meus exames e estava tudo normal.
Estava com 7 semanas de gravidez e não via a hora da minha barriga
crescer.
Estava sentindo mais enjoos do que o normal e ainda estava
perdendo o apetite, mal estava comendo ultimamente.
A médica disse que era normal, só me passou umas vitaminas e se
continuasse enjoada e sentindo muito mal-estar, fosse ao hospital para
talvez tranquilizar o Lorenzo.
Falando nele, ultimamente não o via com tanta frequência desde
aquela vez que ele cozinhou para mim. Depois da ligação, ele ficou mais na
dele.
Eu não entendia bem, também não perguntaria, Lorenzo era o tipo
de homem que não trazia os problemas para casa e muito menos conversava
sobre eles.
— Fiz um suco — disse Lucy entrando no quarto.
— Não estou com fome — disse, com preguiça de levantar da cama.
Ainda era cedo, acordei porque o Lorenzo resolveu deixar o celular
ligado e alguém o ligou na madrugada. Ele teve que sair e ainda não voltou
— Beba um pouco, minha querida — insistiu Lucy
— Se você não beber esse suco, não irá para casa da sua mãe hoje
— disse Lorenzo entrando no quarto, caminhando para o banheiro.
Achei que ele ficaria o dia todo fora, do jeito que ele ficou quando
atendeu a ligação, parecia ser algo sério. Infelizmente, não sei o que
aconteceu, só acordei depois que ele levantou da cama, colocando o celular
no bolso.
Havia esquecido que hoje era terça-feira.
Peguei o copo de suco de laranja e o cheiro já me deixou enjoada.
— Lucy... — resmunguei, com uma cara de nojo, lhe entregando o
copo
— Beba um pouquinho — disse Lucy me entregando o copo
novamente. Tomei todo líquido de uma vez. Logo, tratei de me arrumar
Esses dias, senti um cheiro de um perfume diferente na cozinha.
Lucy disse que talvez fosse a Bianca, já que ela ainda tinha o privilégio de
andar até a cozinha, e isso estava me incomodando. Lorenzo havia me dito
que não dormia com ninguém, então de quem era o perfume?
Casei sabendo que o Lorenzo não seria fiel e eu realmente pouco me
importava com isso. Fui ensinada a ver e achar “normal”. Por outro lado,
esse casamento valeu de alguma coisa, finalmente me afastei do meu pai.
Havia tanto tempo que eu não o via, que eu estava achando isso excelente.
Fui para o banheiro e o Lorenzo já havia terminado de tomar banho.
— Tomou o suco? — perguntou e eu assenti.
— Lorenzo... — disse, pensando como falar com ele sem parecer
uma esposa ciumenta, o qual eu não me encaixo muito bem. — Você sabe
que eu não sou muito de me meter na sua vida...
— O que foi desta vez, Hope? — disse Lorenzo me interrompendo.
— Só me escuta, tudo bem!? — Enquanto conversava com ele, já
comecei a me despir. — Eu não me importo de você trazer a Bianca para a
cozinha, até porque não eu posso opinar no que você faz ou deixa de fazer,
mas, por favor, peça para ela trocar o maldito perfume. Eu já não estou
comendo e chegar na cozinha com aquele cheiro doce, que só falta não sair,
me deixa ainda mais enjoada.
Eu sei que estava me incomodando de um jeito diferente, porque se
não, eu nunca teria reclamado.
Lorenzo ficou sem entender, já que franziu o cenho confuso com o
meu pedido, mas logo compreendeu o que eu estava tentando dizer.
— Farei algo a respeito.
Lorenzo saiu do banheiro e eu entrei no chuveiro
Tive que mudar o meu shampoo porque até o cheiro dele me
deixava enjoada.
Hoje nenhum mal-estar me venceria.
Queria ver a minha família e também a Lisa, já que ela está com 8
meses e logo poderá entrar em trabalho de parto. Em breve, teremos o
Bernardo aqui conosco.
Entrei no closet e o Lorenzo ainda estava lá. Vesti as minhas peças
íntimas, indo atrás de um vestido.
— Parece uma pochete — zombou de algo.
— O quê? — perguntei confusa.
Não havia entendido a sua risada.
— Sua barriga, o volume dela está mais embaixo, parecendo uma
pochete — falou, apontando para ela.
Tentei não rir, mas quando me olhei no espelho, parecia mesmo.
— Está escutando o que o seu pai disse? — Ri, olhando para a
minha barriga. Olhei para o Lorenzo, que parecia ter ficado surpreso pela
minha ação. Foi a primeira vez que conversei com o bebê na frente do
Lorenzo. — Oh, eu...
— Desça para comer algo que eu te espero no carro — falou, saindo
do closet.
Lorenzo não estava com raiva, mas, por ainda não saber lidar com
isso de ser pai novamente, ele evitava muito. Já havia notado desde aquela
vez que ele estava conversando com o bebê a noite.
A palavra “pai" parecia o assustar muito.
Troquei logo de roupa, usando um vestido mediano e calcei a
rasteirinha. Era tão bom quando eu não era obrigada a estar arrumada
sempre.
Amava a liberdade que eu tinha quando ia para casa da minha mãe.
Quando eu vou para casa da Dona Telma, não consigo ficar tão bem
assim, porque eu tenho medo de esbarrar com o Sr. Diego e ele reclamar de
algo. Fui à cozinha e comi uma torrada à força mesmo. Logo acelerei para
ir encontrar com o Lorenzo no carro.
— Senhora Ferraro, deixei umas sacolas para o caso de não dar
tempo de parar o carro e para a senhora não se preocupar em segurar ou
sujar sua roupa. Também deixei uma garrafa de água que a Dona Lucy deu
para a senhora andar com ela — disse Thony assim que eu entrei no carro.
— Obrigada pela precaução, Thony.
No caminho, até tirei um cochilo rápido, mas logo acordei com a
cabeça encostada no ombro do Lorenzo. Eu estava trocando o dia pela
noite.
— Seu celular tocou e eu atendi — disse Lorenzo assim que eu
acordei. — Era a Giulia nos avisando sobre o aniversário da Sara no
sábado.
Sara era a filha da Giulia e do Pietro, ela estava fazendo 4 anos.
Havia esquecido que ela tinha comentado que faria algo. O seu outro filho,
o Matteo, havia ficado bem feliz em descobrir da minha gravidez, porém
não mais que a Sara, já que ela quer que seja uma menina. O filho da
Emma, Nicolas, disse que tinha que ser um menino, para brincar com ele e
o Matteo.
— O aniversário do Nicolas também está chegando, ele tem a
mesma idade da Sara, não é?
— Sim, o dele, se eu não me engano, é daqui a 2 meses. O do
Matteo que já passou. Ele passou o aniversário todo chorando porque a
Giulia não deu o primeiro pedaço do bolo para a Sarinha.
— Por que a Giulia não deu para ela?
— Sarinha estava meio mal da barriga aquele dia, mas a Giulia
barganhou com o filho e disse que, no aniversário de 3 anos, ele mesmo
cortaria e daria o primeiro pedaço para ela.
Lorenzo lembrava das coisas atentamente. Ele ficava com um brilho
nos olhos sempre que falava dos irmãos ou dos sobrinhos. Ele não parecia
que convivia muito com a família, mas já que esses encontros são
praticamente obrigatórios, como o nosso dever com os nossos parentes, ele
parecia observar tudo.
— Você vai mandar alguém comprar o presente da Sara
— Ela sabe quando eu mando alguém escolher. Ela é bem
espertinha, não se engane.
Ainda não havia conhecido os filhos das meninas, sempre nos
eventos, eles ficavam em casa, já que não era lugar para crianças. Estava
gostando do Lorenzo responder o que eu perguntava, ele sempre evitava
falar.
— Chegamos! — disse Red. — Não ficou enjoada hoje?
— Não!
— Deve ser porque ficou conversando, estava com a mente ocupada
— disse Thony.
Era mesmo.
Lorenzo não saiu do carro e logo o Enzo apareceu.
— Parece uma pochete mesmo — zombou Enzo apontando para a
minúscula barriga que se formava em mim.
Olhei para trás e o Lorenzo ria. Ele já estava repassando os apelidos
para o seu amigo.
Lorenzo era muito fofoqueiro. Ele reclamava do Enzo, mas o Enzo
só sabia porque ele contava.
— Vou já dizer o que aconteceu em uma noite quando você
namorava a Lisa, Enzo — falei, ameaçando-o e logo o seu sorriso se desfez
— Está maldosa! — disse Enzo se afastando de mim. — Irmão, eu
estou com medo da sua esposa
— Agora que a conversa começou a ficar interessante — disse
Lorenzo saindo do carro. — O que aconteceu? Nem com as minhas
ameaças o Enzo ficou desse jeito.
— A Lisa está atrás de você, vai! — disse Enzo me levando para
dentro de casa.
— Você sabe que eu moro com ela, não é? — Escutava Lorenzo
falar. — É questão de horas para eu saber uma boa história para rir de você.
— Vai se foder, Lorenzo! — disse Enzo e eu escutei Lorenzo rindo.
Ele me deixou na frente da porta da casa e logo saiu para encontrar
o Lorenzo, já podia escutar a gritaria de Lisa no andar de cima.
— Olha que lindo, mãe! — disse Lisa. Parece que a Lisa tinha um
megafone na garganta. Era impossível alguém gritar tanto. — Hope! —
Veio me abraçar assim que eu entrei no quarto.
— Escutei você falando lá da minha casa, vim ver se estava tudo
bem com a audição da sua vizinhança
Minha mãe e a Kitty vieram me abraçar em seguida.
— Já está aparecendo — disse minha mãe passando a mão na minha
barriga.
— Sim, ando tão enjoada — choraminguei.
— Depois passa, Hope — disse Lisa. — Quero ver quando acordar
com falta de ar, dor nas pernas, o pé inchado, entre outras coisas que só a
gravidez nos proporciona.
— Você está bem?
— Ficando nervosa, já que o Bernardo está perto de nascer. Será que
darei conta de duas crianças em casa?
— Claro, você será uma ótima mãe, Lisa. Não se preocupe muito.
A tarde com elas era ótima, mas infelizmente passava muito rápido.
A Kitty amava o Red, principalmente quando ele exibia a sua força e
carregava ela e o Nandinho sem protestar.
— Vi o seu pai esses dias quando eu saía do mercado — sussurrou
minha mãe que estava bem tensa. — Kitty não sabe, ela está se adaptando
tão bem, que eu não queria que ela se preocupasse com isso.
— Ele fez algo? — perguntei bastante apreensiva.
— Não fez porque eu saio com os seguranças que o seu marido
contratou.
— O que foi, mãe? Eu sei que não é só isso.
Olhei para a Lisa que estava com uma cara preocupada
— Seu tio vai morar por aqui.
Senti que o meu coração parou de bater por alguns segundos. Por
que esse monstro está querendo morar aqui?
Uma coisa é ele morando do outro lado da cidade, mas aqui, perto
de nós, principalmente perto da Kitty...
Santo Cristo
Dificilmente, eu saio de casa e quando eu saio, é sempre com o
Lorenzo, então eu não me preocupava tanto assim comigo.
Agora, a Lisa fica sozinha o dia todo e a Kitty ia para a escola, não
confio na segurança lá. Fora que a minha mãe está começando a viver
novamente, e isso acontece? Agora ela ficará preocupada com as filhas e eu
sei que ela deve estar tão apreensiva quanto nós.
— Ele está trabalhando com o que aqui?
Tio Marco não era da linha de frente do pessoal do Lorenzo.
Que droga, isso está me deixando nervosa.
Conhecendo um pouco do Lorenzo, sei que ele nunca deixaria o
meu pai ou o tio Marco com algo grande aqui. Do jeito que ele os odeia,
certamente está com outro tipo de trabalho.
— Virará um dos subordinados do seu pai, deve querer crescer na
sua patente.
— Ele vai morar lá em casa?
— Por enquanto sim, a esposa veio junto.
Tia Greta tinha sérios problemas conosco, principalmente depois de
termos acusado o seu marido. Aquilo realmente estragou o meu dia. Sei que
a minha mãe só me disse porque sabia que eu um dia poderia esbarrar com
ele por aí. Eu tinha que me preparar para vê-lo nessas reuniões e eventos
que têm no quartel.
Que droga!
Depois da nossa conversa, fiquei na sala esperando o Lorenzo voltar
com o Enzo.
— Que tamanho o bebê já está, Hope? — perguntou Kitty
encarando a minha barriga.
— Do tamanho de um caroço de feijão.
— É tão pequeno...
— Logo cresce — disse minha mãe a ela.
— Hope, o Capo chegou! — disse Red.
Despedi-me da minha família e saí.
— Boca fechada, Hope — disse Enzo passando por mim um pouco
assustado com o que eu falaria. — Ou devo contar uma das histórias de
quando você saía com a Lisa escondido?
Lisa já havia falado para o Enzo de quando saímos escondidas do
papai para balada. Uma coisa que eu fiz e não aproveitei nada por medo.
Lisa, por outro lado, encheu a cara, pois era a mais intensa de nós. Ela não
pensava, só agia.
— Me ameaçando também? — Ri de nervosa.
Entrei no carro e o Lorenzo me encarava com um olhar de menino
pidão.
— Esperando
— Olhe, Lorenzo, eu não sou x9.
— Não venha com essa para o meu lado, Hope. Enzo sabe de uma
coisa que eu fiz na época da faculdade e eu nunca posso fazer nada além de
ameaçar lhe matar, o que não adianta, já que o figlio di puttana sabe que eu
não faria. Ele gelou assim que você disse que contaria, me diga o que é.
— Não sei se viu, mas ele me chantageou também. Então somos nós
dois nas mãos do Enzo Carbone.
— O que você fez?
— Eu nada, a Lisa que fez e me envolveu. Não falarei mais nada.
— Se eu mandar, você fala — tentou soar autoritário, mas ele assim
não dava medo em ninguém. Que homem fofoqueiro. — Não se esqueça
que eu sou o seu marido e o Capo.
— Não!
O silêncio ficou no ambiente, mas sentia que ele não desistiria assim
facilmente. Chegamos em casa e fui logo para a cozinha.
— Chegou, meu bem!? — disse Lucy me abraçando. — Já jantou?
— Assenti que sim.
Fui pegar um copo de água, quando o Lorenzo entrou na cozinha.
Lucy foi para perto dele e ele a abraçou, dando um beijo na sua testa.
Lorenzo sempre era carinhoso assim com a Lucy, mas não vi tanto
assim com a sua mãe. Ele apenas acenava com a cabeça quando a via,
tentava não manter o contato visual com ela e muito menos com o resto da
família, como se estivessem desconfortáveis uns com os outros ou como se
não soubessem mais como agir.
Comigo era só quando ele queria, mas nada muito parecido com
isso, era só falando sem grosseria mesmo.
— Fui ao shopping com o Enzo hoje e comprei algo para você —
disse Lorenzo entregando algo na mão da Lucy.
— Não precisava! — disse Lucy.
Ela abriu a caixinha e tinha um colar muito bonito.
Meu celular tocou, me impedindo de ver a Lucy experimentando o
presente, logo vi que era a minha mãe no visor.
Aconteceu algo?
Atendi, indo para a sala.
— Oi, mãe! — disse.
Depois de saber que o tio Marco vai permanecer aqui, tudo agora
me assustava.
— É a Kitty. — Ela parecia bem eufórica. — Quero falar com o
Capo, por favor, passe para ele.
Tentei perguntar o que ela queria, mas ela não disse nada.
Quando eu ia voltar para a cozinha, Lorenzo apareceu na sala.
— Minha irmã quer falar com você — disse lhe entregando o
celular.
Lorenzo segurou o telefone, colocando no seu ouvido.
— Oi, princesa! — falou.
Desde quando Lorenzo e a Kitty são próximos?
Pensei no dia do quartel quando eles estavam juntos, também teve o
dia lá em casa quando ele conversou com ela.
Mesmo assim, ainda ficava surpresa.
Lorenzo se aproximou de mim, me entregando o celular.
Droga, fiquei tempo demais aqui de novo, nem consegui escutar a
conversa.
Ele subiu para o quarto e eu estava parada sem entender nada.
— Poderia me explicar o que aconteceu? — perguntei para a Kitty
que ainda estava na ligação
— Agradeci o presente que ele me deu e o Nandinho também
agradeceu o dele.
— Ele deu algo? O que foi?
— Ele me deu uma casa de bonecas e uns livros, Hope. Um
segurança de vocês acabou de deixar aqui e para o Nandinho uma pista de
corrida.
Ele sabia presentear alguém quando quer.
Logo desliguei o telefone, subindo para o quarto.
Estava me sentindo uma criança ciumenta. Lorenzo deu presente
para todos, menos para mim.
Lorenzo estava no banheiro e eu segui para o closet.
Meu celular tocou de novo, mas agora era Lisa.
— Está tudo bem? — perguntei assim que atendi.
Agora não poderia receber nenhuma ligação que eu já me
preocuparia.
— Estou, só que não deu tempo da gente conversar.
— Só espere um pouco, já falo com você — disse, caminhando para
fora do quarto.
Fui para o jardim, até o limite estabelecido pelo Lorenzo. Fiquei na
espreguiçadeira da piscina, olhando céu que estava lindo por sinal.
Alguns seguranças se aproximaram mais, olhando ao redor.
— Você está bem, Lisa? Me diga a verdade, não sou a mamãe e eu
sei quando mente. — disse.
Eu sabia que ela não estava bem com isso do tio Marco.
— Estou com medo, Hope! — confessou. — Aqui eu consigo seguir
a minha vida, mas com ele tão perto ... — Respirou fundo criando coragem
para falar. — Não imaginaria que ele fosse ficar. Tenho medo que ele faça
mal aos meus filhos. A mamãe disse que ele não faria, já que teme o cargo
do Enzo, mas ninguém nunca acreditou em nós, por que acreditariam agora
se eu dissesse que algo aconteceu.
— Vai ficar tudo bem, Lisa! — falei, tentando acalmá-la.
Quem eu estava querendo enganar, eu estava com medo. Temendo
por mim e pela a minha família, principalmente o meu bebê, imagina se for
uma menina.
— Eu sei que você não está bem também. Você sabe que uma hora
ou outra, tanto a Kitty, como os nossos filhos, terão que ter contato com o
papai. Não podemos negar a nossa família. Ele estando lá, isso me
apavorava.
Lisa citava a nossa lei. Eu e ela não servimos mais a lei familiar, já
que nos casamos e a nossa família é a que temos com o nosso marido, mas a
Kitty e o Nandinho não tinham a sua própria família ainda. Não é porque o
meu pai e a minha mãe se separaram que a Kitty não iria mais vê-lo. Meu
pai não se importa com isso, mas um dia ele vai querer ver a Kitty, só para
jogar com a minha mãe.
Tio Marco é outro, ele sabe que eu e a Lisa o evitamos e gosta de
saber que nós o tememos. Ele usa isso, por isso finge que nada aconteceu só
para tentar nos enlouquecer ainda mais.
— Posso falar com o advogado para não deixar a Kitty ir para lá,
talvez marcar algum ponto de encontro para ele ver ela. Nós vamos ficar
bem, Lisa. Sempre damos um jeito, esqueceu!?
— Só se cuida! — falou. — Cuidado nesses eventos e me avise
quando não estiver bem. Não precisa ser forte sempre, Hope. — Não
gostava de vê-la assim. — Nando está me chamando, tenho que desligar.
Beijos e amo você!
— Eu amo mais, Lisa
Coloquei o celular sobre o peito, pensando em como iria falar com o
Federico.
Para falar tinha que contar o que aconteceu e certamente ele não
acreditaria por falta de provas.
Ninguém nunca acreditou, por que ele acreditaria em mim?
— Está frio, entre! — A voz do Lorenzo me tirou dos meus
devaneios.
— Estou indo! — disse, me ajeitando para levantar.
Caminhei para dentro e sentia o olhar do Lorenzo em mim. Apesar
de está alguns passos a sua frente, seu olhar parecia queimar a minha pele.
Entrei no quarto e logo fui para o banheiro. Lorenzo se deitou na
cama em seguida, olhando o celular.
Quando saí do banheiro, vi que o Lorenzo falava com alguém no
telefone.
Ele parecia um pouco preocupado de novo.
Eram muitos problemas e ele sempre quer mostrar a todos que é um
bom Capo.
Fui para o closet me trocar e percebi algo na minha penteadeira.
Me aproximei e havia dois pacotes embrulhados.
Abri o primeiro, encontrando uma roupinha para o bebê. Havia
umas nuvens desenhadas e logo vi que era um pijama. O sorriso que estava
no meu rosto era de orelha a orelha.
O outro eu abri cuidadosamente e vi que era para mim. Um colar e
uns brincos muito bonito por sinal, nenhum pouco chamativo, bem a minha
cara.
Havia um papel dentro dele, que logo reconheci a caligrafia do
Lorenzo que dizia:
Percebi que anda entediada pela casa.
Dei permissão para a Lucy deixar você entrar na biblioteca durante
o dia.
Terá algumas regras que a Lucy lhe informará amanhã, uma delas é
não ficar sozinha lá dentro ou mexer nos documentos.
Segurei o meu grito de felicidade ao ler aquilo.
Lorenzo aos poucos estava me deixando viver.
Mesmo o seu orgulho de não ter me entregado isso em minhas
mãos, sabia que ele não esqueceu de me dar algo, já que não é sua
obrigação.
Me acalmei e voltei para o quarto, como se nada tivesse acontecido.
Me deitei na cama, enquanto Lorenzo ainda estava no celular.
— Obrigada! — disse sem o encará-lo.
Lorenzo não disse nada e eu já sabia que ele não falaria.
Só aproveitaria esse momento.
Acordei no meio da noite com sede. Mesmo sem eu querer, no meio
da noite eu dormia agarrada com o Lorenzo.
Me afastei dele, me sentando na cama, esperando coragem para
descer.
Achei que demoraria a dormir, mas como tudo hoje estava sendo
apenas relapsos de memória, eu apaguei.
— Não venha com essa para o meu lado, Hope. Enzo sabe de uma
coisa que eu fiz na época da faculdade e eu nunca posso fazer nada além de
ameaçar lhe matar, o que não adianta já que o figlio di puttana sabe que eu
não faria. Ele gelou assim que você disse que contaria, me diga o que é.
Faculdade pode ser a melhor época ou a pior. Na nossa formatura,
pela primeira vez, me senti uma pessoa normal. Sem responsabilidades da
máfia ou medo de alguém tentar me matar constantemente. Infelizmente,
exagerei na bebida e o Enzo se aproveitou disso. Tenho certeza que ele me
drogou aquele dia.
O desgraçado me pintou todo, enquanto me carregou nu até a praia
mais próxima, deixando-me lá assim. Ele disse que era um trote, já que
conseguimos ficar vivos para nos formarmos.
Quase o matei depois que voltei a consciência no outro dia.
Fui preso por não estar vestido e o maldito ainda me fez pagar a
minha própria fiança. Para piorar, tem várias fotos minha com um pau
desenhado nas costas.
Tentei pressionar ela, que não cedeu.
Chegamos em casa e acompanhei a ruiva até a cozinha. Fiquei feliz
em entregar o que comprei a Lucy, abraçando-a em seguida. Antes que eu
pudesse entregar o de Hope, ela saiu para atender o celular.
Será que aconteceu algo?
Caminhei até a sala para encontrá-la.
— Minha irmã quer falar com você — disse assim que me viu.
— Oi, princesa! — disse quando peguei o seu celular.
— Queria agradecer o presente.
— Não tem o que agradecer. Você é uma criança encantadora e eu
quis presentear você. Espero que tenha gostado, faz um tempo que eu não
escolho presente para crianças.
— Eu amei, muito obrigada! O Nandinho também gostou.
— Que bom! Tenho que ir. Passarei o celular para a sua irmã —
despedi-me dela.
Entreguei o celular a ruiva e subi para o quarto. Quando estava no
banheiro, escutei um barulho no closet. Devia ser a Hope, mas não a vi
quando saiu. Estava tudo muito quieto. Então, perguntei a um dos
seguranças, que disseram que ela havia saído e estava lá no jardim.
O que ela fazia lá fora uma hora dessas?
Quando cheguei no jardim, Hope estava deitada na espreguiçadeira
olhando o céu.
— Está frio, entre! — disse, tirando-a de seus devaneios.
— Estou indo!
Enquanto subimos, me questionei o que ela fazia ali fora. A ruiva
foi para o banheiro logo em seguida, em silêncio. Não sabia como entregar
o presente que eu havia dado a ela, então optei por deixar na sua
penteadeira.
Quando ela saiu do banheiro, foi direto para o closet. Permiti que ela
fosse a biblioteca, sabia que ela gostaria mais disso do que do colar.
Ela logo voltou para cama. Podia sentir sua felicidade, mesmo
tentando esconder. Deitou-se ao meu lado, sem me encarar.
— Obrigada!
Não disse nada, apenas voltei minha atenção para o celular.
Não era nenhuma reunião importante, mas, como não temos horário,
é sempre o que dava para todos.
Então, aproveitei que ia sair para ir atrás da ruiva.
— Aonde caralhos ela foi? — perguntei a mim mesmo.
— Capo! — disse o meu segurança assim que me viu.
— Viu minha esposa?
— Está na cozinha, senhor.
Rapidamente, corri até lá. Ela estava conversando com bebê,
enquanto comia.
Não consegui não achar aquilo fofo.
— Quer um pedaço de chocolate? Só posso comer um pouco, já que
está tarde. Não tenha o mau hábito alimentar da sua mamãe, tudo bem? Eu
posso, você não. Entenderá quando crescer.
— Me pergunto o que os seguranças devem achar de ver você
falando sozinha — comentei.
— Ah, não tenho com quem conversar e ele parece ser um bom
ouvinte — brincou
— Sábado passaremos o dia na casa do Pietro. O aniversário é só a
noite, mas o meu pai quer que nos reunirmos pela tarde lá.
— Outra reunião de família?
— Não, só quer falar com os filhos, mas não ache que o aniversário
será calmo, pois estarão todos os Ferraro junto. Quero ver você no meio
daquilo, do jeito que é frágil, logo se quebraria — brinquei com o seu
desespero.
— Santo Deus! — resmungou, jogando a cabeça para trás. Achava
muito sexy quando ela fazia isso. Dava-me uma bela visão do seu pescoço.
— Quando vai me contar sobre o Enzo?
— Eu não vou contar.
— Andiamo, se não eu terei que te dar umas palmadas.
Sentei na cadeira, esperando-a me falar por livre espontânea
vontade. Quando vi que isso não funcionaria, levantei indo até ela.
— Queria saber a história do Enzo... — disse, agarrando-a pela
cintura. Ela bocejou algo, aproveitei para beijar o seu pescoço. Eu tinha
minhas artimanhas para tirar isso dela. — Por que não quer me contar?
Ela se negou, logo a coloquei nos meus braços, levando-a para o
nosso quarto.
— Eu não vou dizer!
— Vamos ver quanto tempo aguenta com essa pose de durona.
Coloquei-a na cama, colocando-me por cima dela.
— Lorenzo... — tentou argumentar algo, enquanto eu beijava o seu
pescoço, descendo para os seus seios. Minhas mãos vagavam pelo seu
corpo, até chegar na sua intimidade.
— Nada?
Nem queria mais saber, apenas gostei de brincar com ela.
Ela negou em dizer e vi o quanto eu estava a deixando excitada
— Não seja tão mesquinha, Hope. É apenas uma besteira, Enzo
deve ter feito algo que se envergonhe e eu quero saber. Eu sei que você está
louca para me contar.
— Você morreria se soubesse — falou, certamente se lembrando do
que ele fez, aumentando a minha curiosidade.
Resolvi brincar com os meus dedos em sua intimidade. Ela estava
tão molhada, que eu me segurei para não tirar sua calcinha e fodê-la logo.
— Me conte e eu continuo. — Parei o que eu estava fazendo. A
ruiva me encarou, pedindo mais. — Se me contar, não pararei tão cedo.
Então ela logo decidiu que me contaria depois. Retornei o que
estava fazendo, aproveitando o pouco tempo que eu tinha com ela.
Hoje já era quinta-feira. Já faz quatro dias que eu não via o Lorenzo,
apesar de sempre falarmos duas vezes ao dia, só falamos o essencial. Era
difícil me acostumar com essa nova rotina, já que eu estava acostumada a
ter o Lorenzo dividindo a cama comigo.
Dona Telma e as meninas viriam aqui hoje. Pedi para que elas
trouxessem os seus filhos para brincarem com o Nandinho e a Kitty.
Elas logo chegariam, já que passariam o dia conosco.
— Sua sogra gosta de comida com muito tempero? — perguntou
minha mãe nervosa por receber alguém tão importante em sua casa.
— Mãe, se acalma! — disse. — Quando a senhora conhecê-las, logo
vai notar que não são diferentes da gente.
Não demorou muito e as meninas logo chegaram, então apresentei
elas a minha família, vendo que uma amizade aconteceria ali. Ficamos no
jardim, deitadas perto da piscina.
— Pietro me ligou hoje cedo e parecia um pouco bravo. Queria
saber para onde eles foram — comentou Giulia tão preocupada quanto eu.
— Só sei que o Diego está mais chato do que o normal, tem algo
acontecendo no quartel — disse Dona Telma um pouco cansada. Imagina
aturar o Sr. Diego direto. A minha sorte que o Lorenzo ficava longe quando
estava de mau-humor.
— Enrico disse que dormiu agarrado com o Enzo, daqui a pouco
eles assumem o caso que tem entre eles dois — disse Emma.
Ri, pensando nos dois tentando não se matar dentro do quarto.
— Seu bebê é para quando? — perguntou Giulia para a Lisa.
— Já estou na reta final, só esperando mesmo. Bernardo tem o prazo
de até três semanas para nascer, se não iremos fazer uma cesárea —
respondeu Lisa.
— Será que nascerá ruivo? O Fernando é a cara do pai — disse
Lucy.
— Eu quero que o meu neto nasça ruivo — disse Dona Telma. —
Imagina ser tão lindo quanto a mãe.
Ficava meio tímida com os elogios.
O dia foi ótimo, todas nós nos divertimos. O tempo passava tão
rapidamente, que não dava nem tempo de aproveitar direito.
As meninas já haviam ido embora. Era noite, estava um pouco
enjoada para jantar, então resolvi me deitar mais cedo. Resolvi ligar para o
Lorenzo já que eu ia dormir, mas ele não atendeu. Fiquei meio receosa de
ligar duas vezes e ele achar que algo aconteceu, então fui dormir, bem mais
preocupada que os dias normais.
— Ele deve estar ocupado, não se preocupe — disse Red.
Coloquei um colchão no chão, caso o Red quisesse dormir.
Lorenzo o mandou ficar de olho em mim a cada segundo, só tinha
tempo livre no banheiro, menos mal. Do jeito que o Lorenzo estava, não
duvidaria que ele mandasse até o Red ficar comigo ali dentro.
Estava no quarto junto com o Red. Lorenzo pediu para que Red não
tirasse os olhos de mim, só saísse quando ele estivesse presente. Red não
me contou quase nada, mas aquilo estava me deixando ainda mais
preocupada.
Minha vida se tornou uma montanha russa.
Me casei obrigada, o meu tio era um sádico pedófilo, o meu pai traiu
a própria máfia, eu também não posso esquecer a família deles que são
todos loucos, fora que eu tinha que aturar amantes e muitos ataques. Minha
nossa, entrei nos clichês de trama das novelas.
— Red, já pode descansar — disse Lorenzo entrando no quarto.
Red acenou para mim e retribui com um sorriso. Esperei-o sair e eu
me sentei na cama, olhando para Lorenzo que retirava o sapato sentado na
poltrona perto da cama.
— Lorenzo, amanhã é o velório do meu pai — disse.
— Acho melhor você não ir, mas você quem sabe — falou, indo
para o banheiro.
Fiquei em choque. Se fosse outro dia, Lorenzo teria falado que não
me deixaria ir. Agora ele diz que eu posso escolher se eu vou ou não?
O que fizeram com esse homem?
Caminhei até o banheiro, vendo-o se despir na minha frente.
— O que está acontecendo? — perguntei.
— Nada que eu não possa cuidar — respondeu. — Amanhã irei com
você caso decidir ir, então nem ouse sair daqui sem mim.
Eu não tinha opção, era o meu pai e eu tinha que ir perante a nossa
lei.
— Está bem! — disse.
Antes que eu saísse do banheiro, Lorenzo me impediu.
— Hope, eu quero te fazer uma pergunta — falou. O jeito que o
Lorenzo falou me fez arrepiar. — Quer me contar o que aconteceu com
você e a Lisa na casa do seu tio?
Sabia que o Lorenzo desconfiaria, mas não acredito que ele saiba o
que aconteceu.
Eu e a Lisa não o denunciamos, erramos perante a nossa lei por não
denunciar as torturas e os abusos dele. Se os Juízes ou os Conselheiros
castigarem a Lisa por ter omitido as regras que foram quebradas na primeira
vez que aquilo aconteceu, eles certamente a matariam.
Gosto nem de pensar nessa possibilidade. Não tinha medo do
Lorenzo, mas sim da liderança.
— Não aconteceu nada — menti.
Me soltei dele e saí dali. Eu poderia confiar no Lorenzo? Ele estava
mudando, isso era notório, mas não ao ponto de que eu me sinta confortável
para falar sobre isso com ele. Tinha medo, apesar do Lorenzo ser o meu
marido, ele era líder e o que ele mais prezava era a ordem na máfia.
Me deitei na cama e logo o cansaço me consumiu.
Que porra!
Santo Cristo!
— Vamos cuidar, hoje o dia será ótimo! Pode dormir bebê, a noite
foi longa.
Lorenzo saiu animado do quarto e eu só pensava no que tanto eles
conversaram.
Senhor Diego fala dos filhos, mas tinha muita cara de que fazia o
que a Dona Telma queria.
— Estou bem! Ele saiu agora com o Lorenzo, mas pode deixar que
eu vou avisá-lo.
Conversamos um pouco enquanto eu caminhava até o rifugio.
Avisaria ao Red e sei que ele daria o recado.
Assim que aproximei do rifugio, vi-os parado ali na frente junto do
Red e um rapaz jovem.
Não sei bem o que estava acontecendo pela distância, mas cada vez
que eu me aproximava, um aperto dava no meu peito. Quando me
aproximei mais, já dava para ver como cada um estava.
Pietro abraçava o Enrico que chorava muito. O Sr. Diego e o Leonel
conversavam bem assustados com esse tal rapaz, enquanto o Mark, o Lucca
e o Enzo conversavam algo com o Lorenzo que estava sentado no chão,
passando a mão no cabelo várias vezes, totalmente confuso.
— Como isso é possível? — perguntou Enzo ao rapaz.
— Então foi isso que aconteceu? — perguntou Enrico que chorava
que soluçava.
Assim que aproximava mais, via o Mark limpando o rosto do
Lorenzo.
Ele estava chorando?
Para o Lorenzo está chorando na frente dos outros e principalmente
do pai, isso me deixou bem preocupada.
— Lorenzo? — disse e ele logo me olhou.
O seu rosto estava molhado pelas lágrimas. Ele estava com um
semblante triste e o seu olhar era vago e totalmente desesperador.
Não parecia o Lorenzo, ele estava tão assustado que isso me doeu no
peito.
— Hope... — foi a única coisa que ele disse, até cair em lágrimas
novamente.
O seu choro alto dava para escutar por toda a propriedade.
O que estava acontecendo?!
Lorenzo permanecia ali, sentado no chão chorando. Eu não entendia
o que estava acontecendo. Meu corpo estava parado, sem conseguir chegar
até ele.
A sua tristeza estava me afetando e eu não sabia como tirar aquilo
dele. Tentei chegar até ele, mas um rapaz me parou.
— Está tudo bem, Hope! — Ele me conhece? — Sou o Josh, um
amigo do seu marido.
Josh? Nunca ouvi o Lorenzo falar dele.
— O que está acontecendo? — perguntei.
— Um milagre — disse Leonel.
— Ou uma guerra — completou Sr. Diego.
Ajoelhei-me, ficando lado a lado do Lorenzo.
Só em tocar no seu braço, sentia o seu corpo todo se tremendo. Era
absurdamente estranho ver aquele enorme homem daquele jeito, nem no dia
que eu estava no hospital ele ficou assim.
Lorenzo parecia aéreo, o seu corpo alertava o quanto ele estava
assustado. Ele olhava para os lados como se estivesse tentando buscar
algum sentido para tirar algo que o incomodava aquele momento.
Sua respiração que estava ofegante, acusava que ele estava em uma
crise de pânico.
— Minha... Minha... — Lorenzo não conseguia terminar as palavras
pelas lágrimas e os soluços que estavam aumentando cada vez mais.
— Estou preocupada com você, amor — disse. — O que está
acontecendo?
Ele só me olhava confuso, passava as mãos no cabelo, enquanto
tentava buscar algum rumo para os seus pensamentos que o enlouquecia.
— Que porra! — disse Pietro andando de um lado para o outro. —
Se a gente tivesse investigado mais, isso não teria acontecido.
— Fica calmo! — disse Lucca a ele se mostrando mais nervoso do
que o Pietro estava. — Isso não vai mudar em nada.
Lorenzo segurou a minha mão, enquanto eu o esperava criar
coragem para me dizer.
— Minha filha está viva! — falou.