Arran Jos
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Este artigo tem como objetivo analisar arranjos institucionais complexos, recentemente
implementados no Brasil, que têm inovado no desenho de formulação e implementação
das políticas, em busca de promover o envolvimento e a coordenação horizontal (entre
os setores de políticas), vertical (entre entes federativos) ou com outras organizações ou
sociedade para alcançar a efetividade das políticas públicas. A hipótese é de que, embora
ainda não consolidadas, as experiências de novos arranjos apontam para um movimento
de mudança que passa de um formato de gestão baseado em uma visão hierarquizada,
funcional e setorial, para um modelo mais transversal, intersetorial, sistêmico, com algum
grau de participação dos vários atores envolvidos e voltado à efetividade.
Palavras-chave: políticas públicas, modernização administrativa, governabilidade,
inovação, modelo de gestão, gestão horizontal, relações intergovernamentais, parceria
institucional
Este artículo tiene como objetivo analizar los arreglos institucionales complejos
implementados recientemente en Brasil, que han innovado en el diseño de la formulaci-
ón e implementación de las políticas, que buscan promover la participación y la coordina
ción horizontal (entre sectores políticos), vertical (entre las entidades federales) y otras
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Arranjos institucionais de políticas públicas: aprendizados a partir de casos de arranjos institucionais complexos no Brasil
Institutional Arrangements for Public Policy: learning from the Brazilian cases
Introdução
O Brasil viveu, entre 1964 e 1985, sob um regime ditatorial marcado por expressiva
centralização no Governo Federal associada à corrupção, ineficiência e ausência de
participação nos processos decisórios (Arretche, 1996).
O movimento para redemocratização do País trouxe à luz a ideia de descentralização
das políticas públicas como uma das condições para aproximar o Estado dos cidadãos
e, portanto, ampliar a democracia. A Constituição Federal democrática, promulgada
em 1988, transferiu um conjunto expressivo de atribuições e competências de
implementação para níveis subnacionais de governo, especialmente aos municípios.
Assim, durante os anos 1990, o princípio da descentralização foi se concretizando,
no caso brasileiro, com uma série de normativas e legislações que tendiam a passar
aos municípios as competências sobre a execução da maioria dos serviços sociais.
Foi o caso, por exemplo, da saúde e da educação, nas quais grande parte da provisão
dos serviços passou a ser de responsabilidade dos municípios (Arretche, 2002).
Nesse movimento, incentivou-se a responsabilidade dos municípios e estados
sobre a implementação das políticas que antes eram executadas a partir do nível
central. Esse processo, no entanto, não foi acompanhado de uma proporcional
construção de capacidade financeira ou técnica para que os municípios pudessem
dar conta das novas responsabilidades.
Diversos estudos apontam que, a partir desse processo de descentralização, as
políticas sociais passaram a ser providas de maneira desigual entre os municípios
e, muitas vezes, aquém das necessidades da população. Segundo Souza e Carvalho
(1999), as desigualdades existentes no País acabaram se refletindo nas diferentes
capacidades financeiras, técnicas e institucionais dos municípios que, por sua vez,
impactaram a sua capacidade de resposta às demandas sociais. Isso teria levado a um
aumento da dependência dos municípios em relação ao Governo Federal, resultando,
paradoxalmente, na autonomia e na capacidade de atuação dos estados e municípios.
Arretche, no entanto, argumenta que, embora a Constituição de 1988 tenha
transferido uma série de competências de execução de políticas para os municípios,
a própria Constituição também garantiu ao Governo Federal a possibilidade de
iniciar legislação em quase todas as áreas de políticas públicas, de forma a manter
um grau de autoridade regulatória para influir na agenda política dos governos
subnacionais (Arretche, 2012, p. 17).
Essa garantia de centralização regulatória no Governo Federal não é prejudicial à
ideia de descentralização, segundo a autora, para quem o sucesso da descentralização
dependeria não de uma autonomia excessiva e redução da atuação do Governo
Federal, mas, sim, de uma redefinição de seu papel estratégico em um novo arranjo
federativo. Segundo Arretche:
Nesse sentido, diversos autores argumentam que a partir do final dos anos
1990 um novo movimento começou a acontecer, tendendo a modificar a relação
entre o Governo Federal e os entes subnacionais. Embora a literatura dê nomes
e explicações distintas a esse movimento (recentralização ou coordenação), a
tendência é de fortalecimento do Governo Federal no papel de coordenador de
políticas e diretrizes nacionais a serem implementadas pelos municípios e estados,
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Como exemplos temos: Sistema Único de Saúde (SUS), Sistema Único de Assistência Social (Suas), Sistema Único
de Segurança Pública (Susp), Sistema Nacional de Cultura, Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social,
Sistema Nacional de Meio Ambiente, entre outros.
Para as autoras,
O setor público de modo geral tem operado dentro de uma cultura que
pouco valoriza a negociação; o planejamento; os arranjos institucionais
intergovernamentais, intersetoriais e com a sociedade; o monitoramento
e a avaliação das políticas e programas; a flexibilização das regras e
instrumentos de gestão; a criação de novos instrumentos de cooperação e
de contratualização, restringindo-se a convênios; o foco em resultados; o
controle social; a gestão do conhecimento e da informação; a transparência;
e as políticas de recursos humanos (Galvão, Lotta e Bauer, 2012).
Para analisar esse processo, as autoras observam o Plano Brasil Sem Miséria,
iniciativa do Governo Federal que tem buscado estabelecer novas relações entre as
próprias organizações do Governo Federal, em um referencial de intersetorialidade
e, por fim, criando espaços específicos para a participação da sociedade civil,
numa lógica de democratização das tomadas de decisão. Baseando-se na ideia
de resolução de um problema e alcance de resultados, esse tipo de arranjo
institucional busca mobilizar distintos atores (federativos, organizacionais e sociais)
para, em conjunto, darem conta de um problema complexo. Lotta e Favareto (2013)
demonstram, no entanto, que mesmo experiências que buscam aumentar o grau
de intersetorialidade, como o Brasil Sem Miséria, têm problemas para realizarem
formulação conjunta das políticas, criando um foco intersetorial no público a
ser atendido conjuntamente com diversas frentes, mas não necessariamente
conseguindo um desenho integrado dos serviços.
Embora com graus de institucionalização diferentes, essa mesma tentativa de
construção de uma lógica intersetorial está presente em outros programas como
Minha Casa Minha Vida ou Territórios da Cidadania, também do Governo Federal. O
primeiro programa objetiva solucionar problemas de acesso à moradia, mobilizando
diferentes ministérios, bancos, empresas estatais, mercado e entes federativos para
resolver um problema específico e complexo.
Já o Programa Territórios da Cidadania objetivou resolver diversos problemas,
de forma integrada e abrangente, localizados nos territórios considerados
“de exclusão”. Vê-se, aqui, a emergência do território como referencial para a
coordenação de políticas. Esse movimento de eleição do território como eixo para
estruturação de políticas está alinhado ao alargamento do conceito de território que
vem ocorrendo na convergência de vários campos do conhecimento. A definição de
território incorpora a articulação das dimensões espacial, jurídico-administrativa,
econômica, social e cultural, como apontado por Coelho Neto (2013).
O Brasil experimentou, ao longo dos anos 1990 e 2000, o surgimento de várias
experiências de promoção do desenvolvimento e enfrentamento de problemas
Por ser esse um tema novo no debate da literatura nacional, estão ainda sendo
construídas metodologias de análise de novos arranjos institucionais. Este artigo
situa-se nesse processo de construção.
Pires e Gomide (2013) propõem uma análise a partir do que conceituam como
capacidades políticas e capacidades técnico-administrativas dos arranjos institucionais
– considerando as capacidades políticas como as habilidades de inclusão de atores
diversos, negociação e condução de processos decisórios com processamento de
conflitos e capacidades técnico-administrativas como habilidades do Estado para
produzir ações coordenadas e gerar resultados previstos (Pires e Gomide, 2013, p.
8 e 9). A partir dessas duas dimensões, os autores propõem analisar os resultados
das políticas com diferentes arranjos em termos de: capacidade de execução e de
inovação. O cruzamento dessas variáveis (capacidades e produção de resultados)
permite compreender como arranjos com capacidades diferentes tendem a produzir
resultados diferentes (variando em termos de execução e de inovação).
Para analisar inovações nos arranjos institucionais complexos, Lotta e Favareto (2013)
propõem olhar para os três eixos já apresentados aqui: intersetorialidade, relações
federativas e participação; observando o grau e a forma em que são considerados nos
arranjos e que podem contribuir (ou não) para o desenvolvimento territorial.
Neste artigo, não há a pretensão de avaliar o desempenho dos arranjos, verificando
se desenhos diferentes produzem melhores ou piores resultados. Também não foi
desenvolvida uma categorização própria para analisar os diferentes desenhos, embora
se baseie nos três eixos propostos por Lotta e Favareto (2013). O que se pretende é
apontar algumas inovações que têm sido produzidas recentemente nos arranjos. Para
tanto, a opção metodológica foi utilizar a análise do ciclo de políticas públicas.
O ciclo de políticas públicas é um instrumento analítico utilizado para analisar
as políticas públicas. Embora seja um instrumento analítico que não corresponda
exatamente à realidade, seu uso ajuda a compreender alguns aspectos importantes
das políticas públicas. Neste caso, foi utilizado o recurso do ciclo de políticas públicas
para analisar como esses novos arranjos institucionais propostos influenciam
as diversas fases das políticas públicas e que inovações os arranjos institucionais
complexos estão desenvolvendo em cada uma das fases.
Agenda e formulação
Implementação
Monitoramento e avaliação
ponto de vista analítico, observa-se quem são os atores envolvidos nessa fase, quem
deve executá-la, quem responde por ela e quais as consequências da avaliação (em
contraposição ao que foi planejado).
Do ponto de vista dos arranjos institucionais complexos, analisar a fase de
monitoramento e avaliação significa observar em que medida esses arranjos
consideram essa fase, como incorporam essas atividades no próprio arranjo e quais as
consequências do monitoramento e da avaliação para o próprio arranjo institucional.
Analisando os novos modelos em curso, percebe-se que se busca construir formas
mais eficazes de acompanhar como as ações são implementadas e os resultados
gerados. Assim, os novos arranjos buscam também suprir uma lacuna dos modelos
tradicionais (como descentralização ou setorialização), que têm dificuldades para
conseguir construir monitoramentos ou avaliações mais abrangentes.
Neste sentido, no bojo desses novos modelos, sejam eles federativos ou
programáticos, o processo de monitoramento e avaliação ganha espaço importante,
buscando construir formas mais integradas de olhar para os resultados alcançados e
de acompanhar as ações colocadas em prática.
No caso especificamente dos sistemas – como os sistemas SUS e Suas –, o
monitoramento e a avaliação ainda são centrais, na medida em que garantem a
observância das condicionalidades para repasse de recursos. Assim, por exemplo,
são propostos sistemas de informação e diversos indicadores que consigam fazer
o Governo Federal acompanhar o que é executado pelos estados e municípios. É
a partir dessa observação que o repasse de recursos pode ser executado. Esses
sistemas ainda têm como benefício a construção de bases de dados unificadas que
contemplam vários programas ou mesmo várias organizações.
Em outros arranjos institucionais complexos, a questão do monitoramento e
avaliação também aparece de forma relevante para garantir uma centralização no
acompanhamento das ações, não necessariamente em uma lógica de controle para
repasse de recursos – especialmente quando as ações são executadas por diversas
organizações ou entes federativos. O monitoramento é tomado como aposta central
para a eficácia das políticas (Favareto e Lotta, 2013).
É o caso, por exemplo, do Plano Brasil Sem Miséria, no qual, como já foi dito, o
grupo gestor formula, o grupo executivo implementa e há um grupo interministerial
de acompanhamento que deve repassar todas as informações dos diversos
executores para que o grupo gestor possa avaliar e tomar decisões.
Esse modelo de centralização de informações também foi aplicado no caso do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em seu modelo de gestão, foram
construídas as Salas de Situação, responsáveis por acompanhar e alimentar as
informações nos sistemas de monitoramento de cada um dos temas e áreas do
Conclusões
Referências bibliográficas