Fronteiras Do Brasil Volume1 Cap12

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CAPÍTULO 12

O PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO


E AS FRONTEIRAS
Maria Nunes1

1 INTRODUÇÃO
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi criado em 2007,2 como
uma estratégia que propunha como macro-objetivos a promoção do crescimento
econômico, o aumento do emprego e a melhoria das condições de vida da população
brasileira. Para favorecer as condições de desenvolvimento do país, o PAC criou
um conjunto de instrumentos para viabilizar maciços investimentos voltados à
execução de projetos de infraestrutura para atender a todas as regiões brasileiras.
O que impulsionou a criação do PAC foi o contexto econômico e político,
uma vez que, desde 2004, o país apresentava um crescimento consistente. Dentro
das dimensões que integraram as circunstâncias de criação do programa de
investimento, destacam-se algumas considerações que se assentaram na retórica
de que os mecanismos de mercado eram insuficientes para garantir uma trajetória de
crescimento positiva e sustentável. A partir disso, o Poder Executivo federal
considerou que, para destravar a economia e impulsionar o desenvolvimento,
seria necessário pensar com profundidade a relação entre o Estado e o mercado.
Assim, o programa fundamentou-se na ideia de que o investimento público atrairia
para a economia o investimento privado real, ou seja, parte da premissa de que os
investimentos públicos, associados à geração de infraestruturas – logística (incluindo
transportes), comunicações, energia, equipamentos sociais e urbanísticos – e à
formação de capital humano, impulsionariam e ampliariam a atratividade dos
investimentos produtivos privados e o desenvolvimento de todas as regiões brasileiras.
Para tanto, a proposta estratégica do PAC foi a elaboração de um conjunto
de medidas institucionais e de políticas macroeconômicas, somadas a expressivos
investimentos em infraestruturas desenvolvidos pelo governo federal, com o

1. Pesquisadora do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD), na Diretoria de Estudos e Políticas
Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea.
2. Instituído pelo Decreto no 6.025/2007 e alterado pelo Decreto no 7.470/2011, que instituiu o PAC 2. Já a Lei
no 11.578/2007 foi o dispositivo que instituiu a transferência obrigatória de recursos financeiros para a execução de ações
do PAC pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios. O Decreto no 7.470/2011 criou a Secretaria do Programa
de Aceleração do Crescimento (Sepac), no âmbito do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP).
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objetivo de retomar o crescimento, entre as quais: i) investimentos na expansão da


infraestrutura brasileira;3 ii) estímulo ao crédito e ao financiamento; iii) melhora
do ambiente de investimento; iv) desoneração e aperfeiçoamento da administração
tributária; e v) adoção de medidas fiscais de longo prazo. Nesse sentido, os resultados
da implementação desses instrumentos deveriam proporcionar: a aceleração do
desenvolvimento sustentável com a eliminação dos gargalos para o crescimento da
economia; o aumento de produtividade; e a superação dos desequilíbrios regionais
e das desigualdades sociais (Brasil, 2007a).
A execução dos investimentos do programa, entretanto, afigurou-se como uma
política setorial cuja configuração apresentava pouca interlocução com o território,
sobretudo, na primeira edição do programa. Isso revela uma mudança fundamental
no caminho traçado para as ações estruturantes da gestão pública federal, como
a proposta do Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 (Plano Brasil de Todos),4 que
tinha como um de seus macro-objetivos a superação das desigualdades regionais.
Para alçar tal estratégia, consignava que
a estratégia regional contempla, em especial, as potencialidades econômicas do
Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste; e dá atenção diferenciada às zonas deprimidas,
cuja integração à dinâmica de crescimento nacional é um dos desafios centrais para
a desconcentração da renda (Brasil, 2004, p. 35).
Assim sendo, a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR),5
criada em 2003 e instituída em 2007, possuía um papel estratégico na coordenação
das diferentes políticas setoriais6 nas áreas priorizadas em sua tipologia, como é
possível inferir do texto do decreto que propunha
a redução das desigualdades, de nível de vida entre as regiões brasileiras e a promoção
da equidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento, e deve orientar os
programas e ações federais no território nacional, atendendo ao disposto no inciso
III do art. 3o da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 2007b).

3. No primeiro momento, o planejamento do PAC destinou os investimentos para recuperar a infraestrutura econômica
existente, com forte potencial para gerar desenvolvimento econômico e social e estimular a sinergia entre os projetos,
visando alcançar resultados mais rápidos no âmbito da estrutura produtiva (Brasil, 2007a).
4. Lei no 10.933/2004, incluída pela Lei no 11.318/2006.
5. Criada em 2003, com o objetivo de reverter a trajetória das desigualdades regionais e explorar os potenciais endógenos
da diversa base regional brasileira, e institucionalizada pelo Decreto no 6.047/2007, que instituiu a PNDR, e define a
faixa de fronteira (FF) como área de tratamento prioritário (§ 4o do art. 3o do Decreto no 6.047/2007). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6047.htm>. As estratégias da PNDR consistiam
na identificação e regulação do fenômeno das desigualdades inter e intrarregionais e propunha que, para superar tais
desigualdades, o poder público deveria dispor de um conjunto de ações aportadas em critérios territoriais, destinadas
aos recortes regionais mapeados como áreas de tratamento prioritário para a alocação de ações e de recursos federais,
com o objetivo de melhoria das condições de vida das pessoas e de promover o desenvolvimento socioeconômico das
regiões historicamente estagnadas e que foram definidas na tipologia da PNDR.
6. Como o PAC, o Plano Brasil Maior, o Plano Nacional de Logística Integrada (PNLI), o Plano Nacional de Energia
(PNE), entre outras ações públicas.
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Apesar da afirmação do papel da PNDR como fio condutor e estratégico da


coordenação das diferentes políticas setoriais, a articulação territorial não ficou clara
no PAC, sobretudo na execução dos investimentos do programa que considerava os
diferentes recortes territoriais como um conjunto de localidades. Essas constatações
acirraram as críticas acerca do viés regional adotado pelo conteúdo programático
do PAC, que, mesmo promovendo investimentos distribuídos por todas as regiões
brasileiras, apresentava um descolamento entre a política e o território.
Tendo em vista as problemáticas citadas, a seção 2 relaciona os aspectos
normativos e organizacionais do PAC e suas edições, a estruturação programática
dos eixos de investimentos, destacando algumas ações do programa.
Já a seção 3 apresenta as contradições regionais na distribuição dos recursos
do programa, tendo como base as transferências de recursos para as regiões e suas
respectivas participações no produto interno bruto (PIB) brasileiro, com destaque
para as macrorregiões fronteiriças. Aponta, também, contradição na distribuição
dos investimentos e políticas públicas que acabam por beneficiar mais os recortes
territoriais que possuem maior capacidade de investimentos próprios.
A seção 4 avalia os investimentos do programa na implantação do Sistema
Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). A partir disso, busca-se avaliar
a eficiência na distribuição dos recursos e na execução dos investimentos do PAC
por meio das respectivas fases de implantação do sistema de monitoramento, bem
como a sua expressão no recorte fronteiriço.
Neste capítulo, o recorte territorial utilizado para a análise envolve a
área integrante da FF,7 que compreende aproximadamente 27% do território
brasileiro. Essa imensa área é marcada por heterogeneidades, dada a expressão
continental do território e a relação com nove países sul-americanos e um
território ultramarino da França. A diversidade dos contatos no limite territorial,
aliada à legislação e à atuação das instituições de controle e segurança e ao
papel da fronteira como invólucro do território nacional, formatam dinâmicas
distintas das demais partes do território brasileiro.
Para o desenvolvimento do capítulo foram utilizadas tanto fontes primárias
(relatórios, peças técnicas, documentos, estudos e diagnósticos oficiais, leis e
mensagens do governo e sistemas de informação pública) e levantamentos do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o programa, como
também fontes secundárias, que se constituíram em estudos e pesquisas que

7. No desenvolvimento do capítulo foi utilizada a definição dos agrupamentos regionais fronteiriços de: arcos Norte,
Central e Sul, metodologicamente definidas na Proposta de Reestruturação para o Programa de Desenvolvimento
da Faixa de Fronteira (PDFF), estudo publicado pelo Ministério da Integração Nacional (MI), em 2005 (Brasil, 2005).
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acompanharam e analisaram a execução de investimentos públicos federais, tais


como artigos, teses e outras publicações relacionadas ao PAC.
Por fim, parte-se da hipótese de que a implementação dos instrumentos do
PAC e a execução das primeira e segunda edições contribuiu para o aumento de
investimentos em infraestruturas, distribuídos por todas as regiões brasileiras. Apesar
disso, o crescimento econômico e sustentável que pretendiam seus respectivos programas
ainda está longe de proporcionar mudanças consistentes à população que vive distante
dos grandes centros urbanos e que, comumente, possui menor oferta de serviços públicos
e de infraestrutura urbanística. Além disso, ressaltam-se os desafios e contradições no
itinerário do PAC, em função da magnitude do programa que foi apresentado como
um dos eixos estruturantes do desenvolvimento brasileiro no período de 2007-2014.

2 DESENHO POLÍTICO E INSTITUCIONAL DO PAC


A postura política para a criação do PAC assentou-se na ideia do protagonismo do
Estado na reativação de instrumentos de planejamento estratégico e da importância
do investimento público como forma de estimular a expansão da economia brasileira.
Nesse sentido, as premissas do programa consistiram em: criação de condições
para a aceleração do crescimento sustentável de médio e longo prazos; aumento da
produtividade; ampliação dos empregos; e superação dos desequilíbrios regionais
e das desigualdades sociais (Brasil, 2007a).
As condições projetadas para o crescimento da economia se fundamentaram na
melhoria da infraestrutura dos setores estratégicos, em parte financiada pelos investimentos
públicos, particularmente das estatais federais, para eliminar os gargalos existentes e
com isso possibilitar a ampliação da eficiência do setor produtivo. Já os investimentos
privados seriam estimulados por medidas do poder público, como aumento do crédito,
desoneração tributária de determinados setores estratégicos e mudanças no ambiente
regulatório, entre outros mecanismos.
Assim, o PAC assentou-se sob um conjunto de medidas8 legais, institucionais e
regulatórias e as consequentes alterações e aprimoramentos que foram posteriormente
introduzidos conforme a necessidade do programa. As medidas legais e suas
alterações e aperfeiçoamentos foram agrupados em: i) desoneração tributária;

8. O conjunto de medidas e as alterações normativas e regulatórias adotadas para o assentamento do PAC consistiram em:
criação do Comitê Gestor e do Grupo Executivo do PAC (Decreto no 6.025/2007); criação do Fundo de Investimento
em Infraestrutura (Lei no 11.478/2007) e do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Lei
no 11.491/2007); criação do regime especial de incentivos para o desenvolvimento (Lei n o 11.488/2007); criação da
transferência obrigatória de recursos do PAC (Lei no 11.578/2007); extinção da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA),
Lei no 11.483/2007; criação da Receita Federal do Brasil (RFB), Lei no 11.457/2007; instituição do Programa Nacional de
Dragagem Portuária e Hidroviária (Lei no 11.610/2007) e do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria
de Semicondutores (Lei no 11.484/2007); implementação de medidas tributárias (Lei no 11.482/2007); e instituição do
Fórum Nacional de Previdência Social (Decreto no 6.019/2007) (Relatório e Parecer Prévio sobre as Contas do Governo da
República/Exercício de 2007. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/auditoria-e-fiscalizacao/avaliacao-da-gestao-
dos-administradores/prestacao-de-contas-do-presidente-da-republica/arquivos/2007/relatorio-e-parecer-previo-2007>.
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ii) aperfeiçoamento do sistema tributário; iii) estímulo ao crédito e ao financiamento;


iv) melhoria do ambiente de negócios e investimentos; v) gestão; e vi) fiscais de
longo prazo (Brasil, 2010; 2014a).9
O desenho institucional do PAC configurou-se como uma ação de amplitude
interministerial sob a coordenação geral da Casa Civil. As principais ferramentas do
programa envolviam reunir investimentos em infraestrutura, melhorar o ambiente
de investimento e elaborar medidas institucionais e regulatórias. O aumento
dos benefícios sociais para todas as regiões do país era uma proposta ligada à
implementação desses instrumentos. Assim, o PAC foi consignado como um dos
eixos estruturantes do desenvolvimento brasileiro, cujo itinerário de crescimento
já vinha sendo consolidado com outras medidas públicas.
Na prática, a execução dos investimentos iniciais do PAC10 assentou sua
carteira de projetos, agrupando as demandas que se encontravam dispersas pelos
diversos ministérios, e apresentando como medida principal os investimentos
em infraestruturas. Dessa forma, a primeira edição do PAC objetivou consolidar
substanciais recursos voltados para o eixo de infraestrutura, logística, energética e
social e urbana (gráfico 1).

GRÁFICO 1
Investimentos do PAC distribuídos pelos quadriênios 2007-2010, 2011-2014 e 2015-2018
(Em R$ bilhões correntes)

539,4 519,9
457,9 462,2

300,1
275,7

107,4
81,6 68,6

PAC PAC 2 PAC 3

Logística Energia Social e urbana

Fonte: Brasil (2007a; 2014a e 2016).


Elaboração da autora.

9. A relação completa das medidas institucionais encontra-se nas duas edições dos balanços globais quadrienais do
PAC (Brasil, 2010; 2014a).
10. Os períodos de execução dos investimentos foram divididos por quadriênios: PAC (2007-2010) e PAC 2 (2011-2014)
e PAC 3. Os programas das duas primeiras fases já se encontram consolidados, e o PAC 3 (2015-2018) encontra-se
em andamento (gráfico 1).
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As edições do PAC e do PAC 2 evidenciaram a grande capacidade de


redimensionamento e ajustamento dos programas ao longo da execução de seus
investimentos. Os redimensionamentos dos recursos se tornaram evidentes com
o aumento dos montantes observados ao término do programa se comparados
com o investimento inicial destinado aos setores. No PAC, o montante de
recursos inicial foi de R$ 503,9 bilhões e, ao longo da execução do programa,
consolidou-se em R$ 657,4 bilhões.11 Já para a execução do PAC 2, o montante
de recursos iniciais foi de R$ 955 bilhões e se consolidou em R$ 1,104 trilhão
ao final de sua realização.
Com a expansão do crédito e do mercado de capitais, o eixo de estímulo ao
crédito e ao financiamento já estava sendo implementado e foi aprofundado no
PAC, sobretudo com a ampliação do crédito habitacional e do crédito de longo
prazo para investimentos em infraestruturas. Entre as principais medidas do
eixo estão: a redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e a redução dos
spreads12 do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
a concessão de crédito à Caixa Econômica Federal (Caixa), para investimento em
saneamento e habitação; a ampliação do limite de crédito do setor público; e a
criação de fundo de investimentos em infraestrutura com recursos do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) (Brasil, 2007a).
No eixo de melhoria do ambiente de investimentos, as medidas objetivaram
facilitar a concretização dos investimentos de incentivo ao desenvolvimento
regional. Para tanto, destaca-se a recriação das superintendências macrorregionais: a
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam)13 e a Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene),14 cujas medidas de implementação
já estavam previstas antes do PAC. Já a implementação da Superintendência de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco)15 ocorreu somente em 2009. Outra
medida importante do eixo foi a cooperação entre a União e os diferentes entes
federativos, já prevista na regulamentação do art. 23 da CF/1988. No PAC, a
ampliação do diálogo interfederativo16 foi fundamental no planejamento e na
execução dos investimentos, o que influenciou positivamente a execução dos
empreendimentos do programa nos estados e municípios.
As medidas do eixo da desoneração e o aperfeiçoamento do sistema tributário
objetivaram o incentivo ao aumento do investimento privado. Apesar dos resultados

11. No PAC, os recursos iniciais voltados ao programa foram provenientes dos orçamentos das empresas estatais, do
orçamento fiscal e da Seguridade Social e da iniciativa privada (Brasil, 2007a).
12. Consiste na diminuição da diferença entre a taxa de juros que um banco paga e a taxa de juros que é aplicada por
esse mesmo banco às pessoas que requerem um empréstimo.
13. Recriada pela Lei Complementar (LC) no 124/2007 e pelo Decreto no 6.218/2007.
14. Recriada pela LC no 125/2007 e pelo Decreto no 6.219/2007.
15. Recriada pela LC no 129. Entretanto, passou a existir com o Decreto Presidencial no 7.471/2011.
16. Projeto de Lei Complementar no 388/2007.
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positivos desse eixo, na primeira edição do programa, ele não alcançou as metas
previstas, que correspondiam ao investimento de R$ 216,9 bilhões, mas que
se consolidaram em apenas R$ 128,0 bilhões.17 O quinto eixo do programa
trata das medidas fiscais de longo prazo, que foram subdivididas em três grupos:
i) sustentabilidade fiscal; ii) aperfeiçoamento da Previdência Social; e iii) gestão
pública (Brasil, 2007a).
Na primeira parte do PAC, os investimentos voltados às obras de infraestruturas
no eixo urbano e social apresentaram algumas contradições para atender aos objetivos
do programa voltados à execução de recursos para diminuir as desigualdades
regionais. Nessa fase, a maior parte dos recursos do eixo foi destinada, maciçamente,
aos projetos de mobilidade urbana e de revitalização de assentamentos precários
nos grandes centros urbanos; a outra parte foi para o programa Luz para Todos.
Além da concentração dos recursos em poucos setores, o detalhamento da
execução dos investimentos do PAC evidencia que as transferências dos recursos se
centralizaram nos centros urbanos maiores e que, durante a segunda fase de execução,
a partir de 2009, foi incluído nos investimentos do eixo o programa Minha Casa
Minha Vida (MCMV), que congregou as ações da política de habitação que já
vinham sendo implementadas e também iniciou os projetos de saneamento. No PAC,
antes do MCMV,18 já havia ações voltadas a empreendimentos habitacionais dentro
do eixo urbano e social e que atendiam aos centros urbanos menores, inclusive
com investimentos em saneamento.19
Entre os argumentos que consolidaram a primeira edição do PAC e que
pavimentaram a continuidade do programa, destaca-se que o crescimento do
investimento se apresentou significativamente superior ao do PIB do país. Enquanto
este cresceu em média 4,6% ao ano, o investimento total aumentou 12,2%, passou
de 16,4%, em 2006, para 18,4%, em 2010, atingindo um pico de 19,1%, em
2008, impulsionando assim a atividade econômica junto com o consumo das
famílias. Dessa forma, o PAC, como um dos eixos estruturantes do projeto de
desenvolvimento brasileiro, consolidou “investimentos maciços” em infraestruturas,
o que colaborou para a ampliação e manutenção do crescimento no período.
Diante disso, a aplicação e execução dos investimentos resultantes do PAC
configurou-se como um dos objetivos do PAC 2, com vistas a dar continuidade às
ações iniciadas na primeira fase do programa, o que se reflete no slogan de lançamento
da nova fase do programa, O Brasil Vai Continuar Crescendo. O PAC 2 teve início

17. O valor destacado consiste no valor total previsto na execução do programa em 31 de dezembro de 2010 (Brasil, 2010).
18. Antes da criação do MCMV, já havia várias ações e políticas de habitação em andamento. Entre elas destacam-se:
a criação do Ministério das Cidades, em 2003; o estabelecimento da Política Nacional de Habitação (PNH), em 2004,
e o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), em 2005.
19. A Lei no 11.445/2007 alterou as leis anteriores e estabeleceu diretrizes nacionais para o saneamento básico.
388 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

“(...) com a mesma orientação estratégica, mas incorporando aprimoramentos


acumulados pelos anos de experiência da fase anterior, mais recursos e mais parcerias
com estados e municípios” (Brasil, 2016, p. 4).
Nas edições do PAC, os entes federativos, além de definirem as necessidades
de suas regiões, desempenharam importantes papéis na execução dos projetos,
assumindo a responsabilidade pela realização das obras do programa. Em relação à
divisão de papéis, couberam aos estados a condução da execução dos investimentos
e o acompanhamento das intervenções e da gestão das grandes obras de eixos
viários que não são federais; a construção de equipamentos sociais (de educação,
saúde, cultura, lazer e de geração de trabalho e renda) e de unidades habitacionais.
Aos municípios coube a execução das principais intervenções internas às áreas
urbanas e rurais, como os investimentos em saneamento básico, construção de
creches e postos de atendimento à saúde e à família e parte das obras de habitação.
Entre as mudanças que o PAC 2 apresentou em relação ao PAC, podem ser
citadas as ampliações do volume global de investimentos e do leque de temas da
carteira de projetos nas áreas sociais e urbanas e os investimentos em equipamentos
sociais que auferem maior rebatimento interno aos centros urbanos.
O PAC 2 estruturou-se a partir de seis eixos de investimentos: PAC Comunidade
Cidadã; PAC Cidade Melhor; PAC MCMV; PAC Energia; PAC Transportes; e PAC
Água e Luz para Todos. Nessa edição, o programa de investimentos contempla, “além
dos benefícios alcançados com a disponibilização de infraestrutura física, também
as dimensões sociais, urbanas e culturais” (Brasil, 2016). Nesse sentido, “são ações
que impactam a vida cotidiana das pessoas, famílias, comunidades, cidades e regiões,
com reflexo no desenvolvimento econômico, na promoção do bem-estar social e na
garantia de direito” (Brasil, 2012a). As melhorias referem-se a investimentos para
os segmentos de moradia e mobilidade urbana, redes de água e esgoto, instituições
de ensino, empreendimentos na área da saúde, instalações de segurança e de água e
luz, que são fundamentais para a promoção da igualdade de acesso às oportunidades
econômicas e a elevação do nível de qualidade de vida das pessoas.
Outra evidência dessas mudanças encontra-se no relatório global do PAC 2
(Brasil, 2014a), que apontou maior abrangência espacial dos recursos, pois
possibilitou a inclusão, nos eixos de investimentos, dos municípios menores, os
quais, apesar de comporem a maior parcela do território brasileiro,20 não possuíam
os critérios exigidos para acessar algumas linhas de investimentos do programa.
É nesses municípios, comumente, que as carências de equipamentos sociais e de
oportunidades econômicas se reproduzem com mais consistência e que a população
mais se ressente da precariedade dos serviços públicos essenciais.

20. A maior parte dos municípios brasileiros é composta de população inferior a 50 mil habitantes, com perfil
predominantemente urbano (IBGE, 2011).
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 389

No plano social, a relação das ações do programa nas duas edições consolidadas
e apresentadas nos relatórios globais (Brasil, 2010; 2014a) evidencia mudanças
estruturais. O mercado de trabalho foi dinamizado com a execução das grandes
obras do PAC, colaborando para a ampliação da oferta de vagas de emprego
no período. Os dados apontam, ainda, um significativo aumento da taxa de
formalização dos empregos, que teve uma ampliação de mais de 10% no período
de 2006 a 2014 (IBGE, 2015). Essas variáveis atuaram diretamente na redução
da taxa de desocupação, que já vinha em uma trajetória de decréscimo consistente
desde 2006 e foi alterada em 2008 e 2009, com a deflagração da crise mundial de
2008 (gráfico 2), mas seguiu em decréscimo nos anos seguintes, mesmo diante de
um cenário econômico mundial adverso.

GRÁFICO 2
Taxas anuais de desocupação no Brasil (2007-2014)
(Em %)
10
9,3

7,9 8,1
8
6,7
6
6 5,5 5,4
4,9

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Fonte: IBGE (2015); Brasil (2014a).


Elaboração da autora.

Apesar de não ter mantido a trajetória de queda das taxas de desocupação


em 2009, o desempenho da economia brasileira no período permitiu uma rápida
reação da expansão dos empregos nos anos que se seguiram. Esse movimento
permitiu também, “a expansão da renda do trabalho e da massa de rendimentos,
evolução real do salário mínimo, redução das desigualdades entre os estratos de
renda” (IBGE, 2015, p. 59). O empuxo dos investimentos no período contribuiu,
também, para que a redução das desigualdades seguisse consistente no período
de 2006-2014 (gráfico 3).
390 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

GRÁFICO 3
Brasil: evolução do índice de Gini1 (2006-2014)
0,55
0,544
0,54
0,531
0,53 0,531
0,521 0,521
0,52

0,51 0,506 0,505


0,501
0,50 0,407

0,49

0,48

0,47

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Fonte: IBGE (2015); Brasil (2014a).


Elaboração da autora.
Nota: 1 Varia de 0 a 1, onde 0 corresponde a situação de total igualdade na renda; e 1, completa desigualdade, uma pessoa
detém toda a renda.

No plano macroeconômico, as metas propostas nas edições consolidadas do


PAC envolveram a expansão significativa da taxa de investimento, que incluiu o
setor produtivo privado (empresas, fundos de investimento do mercado financeiro,
fundos de pensão, empreiteiras), em parceria com o setor público (gráfico 4).

GRÁFICO 4
Brasil: execução financeira das edições do PAC e PAC 2, por fontes de financiamento
(2007-2014)
(Em R$ bilhões correntes)
1.200
1.008,7
1.000

800

600 559,6

426,6
400
261,2
175,9 185,7 197,8
200 119,9 114,9
51,2
6,2 17,7 8,6 2,5
0

Total geral Estatal Setor privado Orçamento Financiamento Financiamento Contrapartida


Fiscal e da ao setor público a PF dos estados e
Seguridade municípios

PAC: 31/10/2010 PAC 2: 31/10/2014

Fonte: Brasil (2010; 2014a).


Elaboração da autora.
Obs.: PF – Pessoa Física.
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 391

Das fontes de financiamento relacionadas no gráfico 4, destacam-se as rubricas


de investimentos direto das empresas estatais e os investimentos diretamente
financiados pelo Orçamento Geral da União (OGU),21 em oposição ao desembolso
do setor privado. Além disso, também se evidenciam os valores associados aos
financiamentos habitacionais à pessoa física do MCMV, que mais do que duplicaram
no PAC 2, em relação ao PAC (Brasil, 2014a).
O desembolso das duas primeiras edições do PAC resultou na execução do
montante de R$ 1,7 trilhão, segundo ressaltam os dados da Secretaria do Programa
de Aceleração do Crescimento (Sepac). Entretanto, quando agregada a parte dos
investimentos do PAC 3, os resultados dos nove anos de implementação do programa,
até dezembro de 2016, somaram R$ 2,3 trilhões, enquanto os empreendimentos
concluídos no mesmo período, conforme relacionados pela Sepac (Brasil, 2016),
alcançaram o montante de R$ 1,8 trilhão.

2.1 Principais empreendimentos concluídos no PAC


Os empreendimentos do PAC se espalharam por todo o território nacional e, dessa
forma, a FF encontra-se incluída nos projetos. No eixo de logística (infraestrutura
econômica), os empreendimentos concluídos foram de aproximadamente 11.836 km
de rodovias, 2.160 km de ferrovias e 54 empreendimentos em portos brasileiros.22
Segundo a Sepac, os investimentos realizados nos portos permitiram o aumento da
movimentação portuária em cerca de 33%, passando de 755 milhões de toneladas,
em 2007, para 998 milhões de toneladas, em 2016,23 conforme mostram os dados
do setor. Foram concluídos 34 empreendimentos em hidrovias, enquanto no setor
aeroportuário 54 novos empreendimentos foram incorporados entre terminais de
passageiros, pistas e pátios para aeronaves, ampliando a capacidade em mais de
70 milhões de passageiros por ano.
Outra importante ação dentro do eixo, no âmbito do PAC 2, foi a distribuição
de 15.191 máquinas e equipamentos (retroescavadeiras, motoniveladoras e caminhões
tipo caçamba e pipa)24 para atender a municípios com menos de 50 mil habitantes,
com o objetivo de recuperar estradas vicinais para viabilizar o escoamento da produção
e no combate à estiagem e à seca. Na área da FF, o rebatimento da ação foi significativo,
já que 541 dos 588 municípios eram aptos a receber os kits de máquinas.

21. O OGU é composto pelos Orçamentos Fiscal, da Seguridade Social e de Investimento das Empresas Estatais Federais.
22. Em agosto de 2012, o governo federal criou o Programa de Investimentos em Logística (PIL), que se juntou ao
PAC na tarefa de atacar os gargalos de infraestrutura exis­tentes no país. A meta programática objetiva aumentar a
integração entre rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos, assim como a articulação desses modais com as
cadeias produtivas. A nova etapa do programa, lançada em junho de 2015, teve investi­mentos da ordem dos R$ 198,4
bilhões (Brasil, 2016).
23. Anuário Estatístico Aquaviário 2016, publicado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Disponível
em: <http://web.antaq.gov.br/Anuario2016/>.
24. O emprego dos equipamentos pelas prefeituras era condicionado a critérios e definições do programa, coordenado
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), responsável pela fiscalização.
392 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

No eixo de infraestrutura energética, os investimentos do PAC voltados para


a geração e transmissão de energia elétrica, bem como para a ampliação da matriz
energética resultaram em uma produção energética apontada como uma das mais
limpas e renováveis do mundo, sobretudo em função da implantação de parques de
energia eólica, térmica a biomassa e gás natural, solar (fotovoltaica) e nucleares. Entre
os empreendimentos de geração de energia renovável na FF, destacam-se o complexo
eólico implantado em Santa Vitória do Palmar, Chuí e Santana do Livramento e as usinas
de Biomassa instaladas em Caarapó (Mato Grosso do Sul) e São Sepé (Rio Grande do
Sul). Entre os empreendimentos de usinas hidrelétricas na FF, destacam-se as de Jirau e
Santo Antônio, construídas em Rondônia e que envolveram R$ 36,5 bilhões do PAC.
A capacidade do parque gerador energético brasileiro, depois do início das
operações de grandes empreendimentos como as usinas hidrelétricas de Belo
Monte (Pará), Santo Antônio e Jirau (Rondônia), e Teles Pires (Mato Grosso) foi
ampliada em 31.976 MW. Para a expansão do Sistema de Interligação Nacional
foram construídas linhas de transmissão, que totalizam 26.029 km de extensão, e
subestações, incluindo grandes obras, como a interligação Tucuruí-Macapá-Manaus.
A tecnologia de exploração e refino de petróleo e gás natural foi aprimorada.
Para garantir o aumento da produção no setor, foram construídas e entraram em
operação 31 novas plataformas. No refino, que é um problema estruturante, a
refinaria Abreu e Lima (Pernambuco) iniciou suas operações em 2014, com o
primeiro conjunto de unidades (trem I) ampliando a capacidade de refino do país
em cerca de 100 mil barris/dia. Por sua vez, a contratação de navios-plataformas
e sondas construídos no Brasil foi fundamental para a revitalização da indústria
naval no país antes da crise.
No eixo de infraestrutura social e urbana, o programa que mais se destacou
foi o MCMV, que contratou 4,1 milhões de unidades habitacionais até dezembro
de 2015 e entregou 2,5 milhões de unidades. Segundo o relatório da Sepac de
2016, as obras do programa têm impulsionado as economias locais e cumprido
funções sociais importantes como a ampliação e a distribuição de renda e
inclusão social. Na FF, em 31 de dezembro de 2016, as contratações e entregas
das unidades do MCMV foram distribuídas da seguinte forma: no arco Norte,
foram contratadas 24.980 unidades e entregues 18.257 unidades; no arco Central,
das 74.149 contratadas, foram entregues 49.784 unidades; e no arco Sul, das
190.223 unidades contratadas foram entregues 166.925 unidades, local em que
o estágio do programa de habitação encontra-se bem próximo de 90% das obras
concluídas (MCidades).25 Ainda no eixo urbano e social, foram concluídos 2.349
empreendimentos de urbanização de assentamentos precários, envolvendo 1.710
municípios e beneficiando 273 mil famílias. O programa Luz para Todos realizou

25. Dados e informações disponibilizados pelo MCidades, via correio eletrônico.


O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 393

mais de 3,2 milhões de ligações elétricas, atendendo a mais de 15,6 milhões de


moradores em áreas rurais.
Já os projetos de saneamento, que incluem obras de abastecimento de água,
de esgotamento sanitário e de resíduos sólidos, foram implementados em 2.137
municípios, com 4.653 empreendimentos, beneficiando mais de 8,4 milhões de
famílias. A gestão do programa de saneamento foi classificada por grupos: os grupos 1
e 2 são coordenados pelo MCidades; e o grupo 3, lançado na terceira etapa do PAC 2,
envolveu municípios com menos de 50 mil habitantes e ficou sob a coordenação da
Fundação Nacional de Saúde (Funasa), ligada ao Ministério da Saúde, cuja ação é
voltada às áreas urbanas e rurais e também às comunidades indígenas e quilombolas.
Em relação aos investimentos das ações, obras e intervenções de prevenção em
áreas de risco, o objetivo era reduzir a vulnerabilidade da população aos desastres
naturais em períodos chuvosos, e o programa conseguiu beneficiar 847 mil famílias.
No escopo dos investimentos voltados à área social, foram realizados
investimentos na implantação de infraestruturas necessárias para garantir o acesso
aos serviços de saúde, educação, qualificação profissional, atividades esportivas
e culturais, entretenimento e inclusão digital. No período, foi concluído um
total de 10.416 empreendimentos de um conjunto de 31 mil já contratados que
incluem estabelecimentos de: Unidades Básicas de Saúde (UBS); Unidades de
Pronto Atendimento (UPAs); quadras esportivas; creches e pré-escolas; centros
de Artes e Esportes Unificados (CEU); Centros de Iniciação ao Esporte (CIE); e
cidades digitais.26 Com relação aos investimentos do PAC 2 em empreendimentos
de saúde básica na FF, foram construídas 365 novas UBS e 252 ampliações e
reformas das já existentes, enquanto os investimentos em UPAs geraram dezoito
novas unidades construídas na FF, as quais já estavam incluídas na carteira de
projetos do programa.
Em 2013, o PAC 2 criou uma linha de financiamento destinada a restauração
de sítios urbanos históricos protegidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan). Desses investimentos, treze obras foram concluídas
até dezembro de 2015 e mais de 70 obras de restauração e requalificação de
patrimônios públicos encontram-se em execução em 44 cidades (Brasil, 2016).
Segundo detalhamento do programa,27 na FF, apesar da importância arquitetônica
de vários municípios, somente Corumbá (Mato Grosso do Sul), Jaguarão (Rio
Grande do Sul) e São Miguel das Missões (Rio Grande do Sul) foram incluídos
nessa linha de financiamento.

26. Ação voltada ao atendimento a cidades com até 50 mil habitantes, com o objetivo de melhorar a qualidade da
gestão e dos serviços públicos por meio da instalação de redes de fibra óptica, pontos públicos de acesso à internet,
sistemas de governo eletrônico e capacitação de servidores públicos (Brasil, 2014a).
27. Informações disponíveis em: <http://www.pac.gov.br/>.
394 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

No geral, a relação dos empreendimentos executados pelo PAC ao longo


dos nove anos de sua implementação evidencia que a infraestrutura brasileira foi
ampliada e que esses investimentos, aliados a outras políticas públicas, colaboraram
para o fortalecimento dos setores produtivos e, também, para a ampliação de
acesso dos cidadãos aos serviços básicos e aos aparelhos públicos. As críticas ao
direcionamento programático do PAC e à condução das políticas públicas abrangem
vários pontos, entre os quais se destacam a insuficiência de recursos para que ocorra
um crescimento sustentável e o questionamento sobre a estratégia territorial do
programa no tratamento dos desequilíbrios regionais.

2.2 A questão regional do PAC e suas controvérsias


Em consenso ao que vem sendo postulado em termos de políticas regionais e
em relação à formulação de estratégias e de políticas com abordagem territorial,
as mensagens e publicações oficiais justificam que os investimentos do PAC se
dispõem a responder as desigualdades regionais. O relatório global da primeira fase
do programa assevera: “A distribuição dos empreendimentos concluídos do PAC
por todas as regiões brasileiras confirma um dos objetivos originais do programa,
de promover a descentralização dos investimentos, combatendo as desigualdades
regionais” (Brasil, 2010, p. 34). O levantamento da distribuição dos recursos
evidencia, entretanto, que o fato de o PAC ter investimentos distribuídos por todo
o território não é suficiente para combater o complexo problema das desigualdades
regionais brasileiras. Sobre isso, Leitão (2009, p. 224) afirma que, “(...) reduzir as
desigualdades regionais por meio das ações do programa limita-se meramente a
prever investimentos em todas as regiões do país”.
Apesar de o programa propor como um de seus objetivos a distribuição dos
investimentos por todo território nacional, argumentando que essa seria uma forma
de superar as desigualdades regionais, fica claro nas duas primeiras edições do PAC
que o programa não se caracteriza por um investimento territorial igualitário.
No PAC, o montante de recursos transferidos para a região Sudeste consolidou-se
em 54% do total dos recursos do programa, enquanto o Nordeste abarcou 19%,
a região Sul ficou com 12% e o Norte e o Centro-Oeste, com 7% cada região
(Brasil, 2010). Já no PAC 2, houve pouca alteração no desenho das transferências
de recursos em relação às transferências realizadas no PAC. No PAC 2, couberam
ao Sudeste 47%, ao Nordeste, 21%, ao Sul, 12%, e ao Norte e ao Centro-Oeste,
10% dos recursos, cada (Brasil, 2014a).
A alteração para baixo no montante de recursos destinados ao Sudeste no
PAC 2 ampliou o volume de investimentos voltados às regiões Norte e Nordeste, que
saíram de um total de 26% dos recursos recebidos no PAC e avançaram para o total
de 33% dos recursos do PAC 2 (Brasil, 2010; 2014). A ampliação nas transferências
de recursos para essas regiões pode ser atribuída ao novo redimensionamento do
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 395

programa, voltado à inclusão de novas linhas de investimentos e à ampliação


de programas de grande envergadura dentro do PAC, como os novos critérios
adotados pelo eixo do MCMV,28 que possibilitaram maior pulverização espacial
das ações do programa.
Mesmo com uma maior pulverização dos investimentos no PAC 2, não houve,
no entanto, alteração na posição em que a questão territorial tem ocupado no escopo
do programa. Sobre a questão territorial no PAC, o pesquisador Carlos Vainer, em
palestra realizada em maio de 2007, na XII Encontro da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), na mesa
redonda intitulada O PAC e seus impactos na política de desenvolvimento urbano e
regional,29 asseverou que, para o programa, o território configura-se como mero
local de investimento, pois sua carteira de projetos não tem uma proposta para
resolver os problemas territoriais, como as desigualdades regionais e a concentração
de renda que tende à fragmentação.
De fato, apesar de os dados do PAC 2 evidenciarem que houve alteração
na distribuição e no volume de recursos transferidos para as regiões em relação
ao PAC, os investimentos do programa ainda se encontravam significativamente
concentrados. As regiões Sudeste e Nordeste auferiram 70% do total do volume dos
recursos nas duas primeiras edições do PAC, e a região Sudeste, sozinha, ficou com
50% dos recursos. De um lado, há de se considerar que nessas regiões se encontra a
maior parcela da população, em 62,2% dos municípios brasileiros (IBGE, 2011),
e também se concentra a maior parte das áreas metropolitanas. De outro lado, não
foi considerada a participação dessas regiões na produção das riquezas do país, o
que coloca os centros urbanos do Sudeste como maiores detentores da capacidade
de resposta ao deficit de infraestruturas, principalmente infraestruturas urbanas.
Dessa forma, o investimento territorial do PAC é proporcional à participação
da região no PIB nas edições de 2010 e 2014. Da relação dos dez estados que
receberam os maiores volumes de recursos nas duas primeiras edições do programa,
oito deles estavam relacionados entre as dez primeiras colocações na participação
do PIB (IBGE, 2012; 2015).
No que tange à participação das regiões no PIB, há uma desconcentração
regional em curso. A participação do Nordeste aumentou pouco, passando de 13,5%,
em 2010, para 13,9%, em 2014, crescimento que também pode ser observado
na participação da região Centro-Oeste, que foi de 9,3% para 9,4% no mesmo
período. A participação da região Norte no PIB permaneceu inalterada em 5,3%,
enquanto o Sul e o Sudeste decresceram de 16,5% para 16,4% e de 55,4% para

28. Portaria do Ministério das Cidades no 363/2013, que ampliou a cobertura do programa para municípios com menos
de 50 mil habitantes.
29. Disponível em: <http://www.naea.ufpa.br/folhadonaea/anteriores/folha_6ed.htm#pac>. Acesso em: 21 nov. 2016.
396 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

54,9%, respectivamente (IBGE, 2012; 2015). Apesar da tímida desconcentração


do PIB apresentada nas macrorregiões no período levantado, o Sudeste ainda
concentra mais da metade da produção nacional.
Alguns fatores têm influenciado na desconcentração do PIB, entre os quais
se destacam: as pressões por maior competitividade, dada a abertura da economia
na década de 1990; o contínuo crescimento das commodities do agronegócio, da
agroindústria e da indústria extrativa mineral; os incentivos fiscais; a melhoria
da infraestrutura econômica (rodovias, portos, aeroportos etc.); o conjunto de
políticas públicas sociais; e a retomada dos investimentos em infraestrutura nos
anos recentes, a exemplo das ações do PAC e do PIL, que desempenham um
papel desconcentrador. Além das diferenças inter-regionais observadas no recorte
fronteiriço, há as diferenças intrarregionais, como a desconcentração da economia
apresentada no arco Norte, em parte conferida ao Pará, o único estado da região
que apresentou crescimento no PIB, no período analisado.
A desconcentração da produção é também alavancada pelas ações das políticas
públicas. Em 2014, os investimentos do PAC 2 distribuídos entre as regiões Norte
e Nordeste se apresentaram superiores a suas respectivas expressões no PIB nacional
(gráfico 5)30 (Brasil, 2012a).

GRÁFICO 5
Distribuição de investimentos por segmentos e participação no PIB das macrorregiões
(Em %)
70

60 54,2
50

40

30

20 14,2 16,4
9,5
10 5,4
0

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul

PAC Cidade Melhor PAC Água e Luz para todos


PAC Comunidade Cidadã PAC Transportes
PAC MCMV PIB

Fonte: Brasil (2014a); IBGE (2015).


Elaboração da autora.

30. Não foram considerados na análise os investimentos em energia, pois estes têm características diferentes: encontram-se,
em sua maioria, distribuídos por mais de uma região.
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 397

Apesar do aspecto desconcentrador dos investimentos apresentado no


gráfico 5, o total de investimentos transferidos para as macrorregiões evidencia
que as maiores parcelas dos recursos do PAC MCMV, do PAC Transportes e
do PAC Cidade Melhor foram concentradas na região Sudeste. Além disso, a
participação do Sudeste na produção das riquezas31 do país demonstra também
que a região possui maior capacidade de assumir papéis mais decisivos na
promoção e execução de investimentos em infraestruturas com recursos próprios
se comparada com as demais regiões do país.
Entretanto, apesar dos ativos que a região auferiu com a concentração de
riquezas ao longo da história, e que resultaram na construção da melhor malha
viária32 do país e na maior concentração de serviços nos centros urbanos, fatos que
contribuíram para a formação das grandes aglomerações urbanas, a região acumulou
grande deficit de infraestruturas, sobretudo em relação a equipamentos sociais e
infraestruturas urbanas. Assim, a região possuía as características relevantes dentro
da visão estratégica do programa, sobretudo no planejamento do PAC, que buscava
atender, por meio de infraestruturas, as áreas metropolitanas, de acordo com uma
lógica de tendência em apostar nos territórios vencedores e que já concentravam os
principais ativos estratégicos (Brasil, 2012a). Essa visão planejada na primeira edição
do PAC ficou bem evidente dentro do eixo urbano e social, cuja concentração dos
recursos para os maiores centros urbanos apresentava como justificativa o fato de
que esses investimentos deveriam servir ao enfrentamento dos desafios das grandes
cidades, mediante ações de mobilidade urbana, urbanização de assentamentos
precários, habitação e saneamento.
Se, por um lado, há a opção de transferir o maior volume de recursos para atender
ao maior número de pessoas, por outro, há de se considerar que essa opção para a
definição dos investimentos decretou a exclusão de aproximadamente 88,5% dos
municípios brasileiros. Dos 5.570 municípios,33 4.932 (88,5%) deles têm população
igual ou inferior a 50 mil habitantes (IBGE, 2016). Além disso, há diversas áreas
onde a baixa densidade populacional é maior, como no recorte fronteiriço, em que,
dos 588 municípios que compõem a FF, 553 possuem população igual ou inferior a
50 mil habitantes, o que representa 94% dos municípios do recorte, sendo que 335
possuem população inferior a dez mil habitantes (IBGE, 2016).

31. A concentração de riquezas do Sudeste, principalmente em São Paulo, foi resultado dos investimentos e ações públicas
que criaram as condições para a expansão econômica da região, e uma dessas ações resultou na malha viária da região.
Essa configuração é um reflexo da história do desenvolvimento produtivo brasileiro liderado por São Paulo e que foi
fundamental para a integração da estrutura produtiva ao mercado, mas que aprofundou as desigualdades regionais.
32. Das rodovias com pista dupla, e consequentemente de melhor qualidade, 60,7% estão localizadas na região
Sudeste e 16,1% na região Sul. Na região Nordeste concentram-se 11,7%, na região Centro-Oeste, 9,4%, e na
região Norte, apenas 2% (CNT, 2011).
33. Incluídos os municípios criados em 1o de janeiro de 2013: Pescaria Brava e Balneário Rincão (Santa Catarina);
Mojuí dos Campos (Pará); Pinto Bandeira (Rio Grande do Sul); e Paraíso das Águas (Mato Grosso do Sul). Informação
disponível em: <www.cnae.ibge.gov.br>. Acesso em: 12 set. 2016.
398 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

A baixa densidade populacional desses municípios retirou-os de várias linhas


de investimentos do PAC 1 e, de alguma forma, manteve a desigualdade entre as
regiões brasileiras, inclusive na FF, segundo o quadro concentrador que vinha se
desenvolvendo na execução dos investimentos do programa (tabela 1).

TABELA 1
Recursos do PAC repassados aos estados fronteiriços e participação no PIB

Investimento do PAC nos estados fronteiriços Participação no PIB


População
(Em R$ milhões correntes) (%)

Arcos Unidade da Federação (UF) 2007-2010 2011-2014 UF FF 2007 2014


Acre 1.856,4 2.019,8 733.559 733.559 0,2 0,2
Amapá 819,6 5.442,8 669.526 102.267 0,2 0,2
Norte Amazonas 10.358,6 15.176,6 3.483.985 477.538 1,6 1,4
Pará 9.947,9 45.901,1 7.581.051 206.544 1,9 2,3
Roraima 1.176,9 2.545,9 450.479 450.479 0,2 0,2
Rondônia 14.657,5 32.531,5 1.562.409 930.364 0,6 0,6
Central Mato Grosso 9.398,5 27.798,7 3.035.122 479.294 1,6 1,8
Mato Grosso do Sul 7.323,4 12.650,7 2.449.024 1.074.297 1,1 1,4
Paraná 20.791,8 38.460,0 10.444.526 2.360.626 6,1 6,1
Sul Santa Catarina 15.071,2 26.665,1 6.248.436 828.368 3,9 4,1
Rio Grande do Sul 27.297,0 65.948,6 10.693.929 3.147.027 6,6 6,2
Estados fronteiriços total 118.698,8 275.140,8 47.352.046 10.790.363 24,0 24,5

Fonte: Brasil (2010; 2014); IBGE (2011; 2015).


Elaboração da autora.

Em relação à avaliação das transferências dos recursos do PAC para o recorte


fronteiriço, em face da participação de cada macrorregião no PIB, fica evidente o
destaque do recorte sul, tanto na produção das riquezas como na captação da maior
parcela dos recursos do PAC no período de 2007-2014 (tabela 1).
No geral, a distribuição do montante de recursos do PAC transferidos para
os estados que compõem a FF foi marcada pelas diferenças entre as sub-regiões.
Assim, há regiões que foram mais beneficiadas em detrimento de outras que
tiveram menos acesso às linhas de investimentos do programa. Os dados da
tabela 1 permitem a visualização do repasse do montante de recursos aos estados
que compõem o arco Norte, que totalizou R$ 95.245,6 milhões nas duas primeiras
edições do PAC. Se comparado ao montante transferido somente para o estado
do Rio Grande do Sul, no valor de R$ 93.245,6 milhões, observa-se que os cinco
estados que compõem o arco Norte obtiveram recursos em 2,1% superior aos que
foram transferidos para o estado sulista. Entretanto, se o quantitativo dos repasses
for comparado ao quantitativo da população, no arco Norte ela é 18% superior à
população do estado do Rio Grande do Sul.
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 399

Ainda na tabela 1, ao se comparar os recursos do PAC e PAC 2, distribuídos


aos estados da FF, pode-se observar que, na edição do PAC 2, a distribuição foi
superior ao dobro do montante repassado no PAC. De toda forma, as mudanças
no alcance dos programas de investimentos no PAC 2 foram importantes para que
os recortes regionais que possuíssem bolsões de pobreza pudessem ampliar a grade
de investimentos nas áreas sociais e assistenciais de seus municípios.
No quesito da pobreza, observou-se que os municípios fronteiriços apresentam
valores superiores de grupos de população em situação de extrema pobreza quando
comparados à média total dos estados que compõem a FF (IBGE, 2012b). Entre
os fatores que envolvem as elevadas taxas de pobreza e extrema pobreza na área de
fronteira, destacam-se as grandes distâncias dos centros regionais e de decisão do
país, a baixa densidade populacional de parte dos municípios, a baixa capacidade
de investimentos dos municípios, a restrição da oferta de serviços e equipamentos
sociais e assistenciais e a configuração de espaços de segurança, defesa e controle,
fatores que limitam o desenvolvimento da região.
No que tange à distribuição espacial da pobreza na FF, os estados que compõem o
arco Norte se destacam pelas altas taxas de extrema pobreza, cuja média é de 17,02%,
e de suas respectivas áreas fronteiriças, com média de 31,59%. Nos estados que
compõem o recorte sul da FF foi de 2,4%, e nas áreas fronteiriças da região foram
encontradas as menores médias de extrema pobreza da FF, com um índice de 5,06%.
Esse quadro evidencia que o recorte da fronteira brasileira é composto de bolsões de
pobreza em oposição a áreas em que o desenvolvimento já se encontra consolidado.
As áreas em que a média do grupo da população em situação de extrema pobreza
é elevada se caracterizam pelo êxodo do grupo jovem da população para outras regiões
do país em busca de maiores oportunidades de emprego e de estudo, o que contribui
para a formação dos vazios populacionais. Essas dinâmicas favorecem a manutenção do
estigma de fronteira como o “fim do território” e não como um espaço que possibilita
a integração com os vizinhos sul-americanos e de possibilidade de desenvolvimento da
região. Além disso, a situação de extrema pobreza favorece dinâmicas transfronteiriças
ilegais, pois amplia a possibilidade de aliciamento da população para essas atividades.
Dessa configuração e das dinâmicas transfronteiriças, cabe destacar que a
implementação de políticas de segurança pública e de defesa são de suma importância
para se pensar no desenvolvimento sustentável da região. Dessa forma, entre os
investimentos que o Brasil vinha desenvolvendo nos setores de defesa e segurança,
foi lançado, no âmbito do Plano Estratégico de Fronteiras (PEF),34 o projeto do
Sisfron,35 especificamente para o recorte da fronteira.

34. Instituído pelo Decreto no 7.496/2011 e revogado pelo Decreto no 8.903/2016.


35. O Sisfron é um sistema de sensoriamento, de apoio à decisão e de atuação operacional, cujo propósito é fortalecer
a presença e a capacidade de ação do Estado na FF.
400 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

3 SISFRON: CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES DO PAC NA POLÍTICA DE


SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA DO TERRITÓRIO
Para a implantação do Sisfron, foram consideradas as diferentes variáveis que,
comumente, alteram o cotidiano de vários pontos da fronteira brasileira. Entre elas,
as questões que mais acirram os conflitos em determinados pontos das fronteiras
terrestres são a segurança e o controle das dinâmicas desenvolvidas, juntamente com
as interferências ditadas pelas decisões dos países vizinhos que poderão aumentar
o trânsito na fronteira, inclusive da população fronteiriça.
O trânsito de produtos em alguns pontos da fronteira brasileira é intenso dos
dois lados do limite internacional. Dos produtos que saem do Brasil, destacam-se o
tráfico de minérios no extremo norte, sobretudo de nióbio, que sai pelas fronteiras
da Guiana, da Guiana Francesa e do Suriname; e também o tráfico de animais,
que, além de ocorrer mais intensamente na região Norte, é um crime registrado
em toda extensão da fronteira. Para as autoridades em segurança pública e defesa,
o tráfico de animais incrementa o caixa das organizações criminosas.
Já entre os produtos que entram no Brasil pelas fronteiras terrestres,
destacam-se as drogas ilegais, as armas e munições e os contrabandos. 36
Nessa questão, o relatório do TCU, que realizou o levantamento da efetividade das
políticas públicas na fronteira brasileira, concluiu que essas regiões se encontram
vulneráveis a esses crimes (Brasil, 2015).
Devido à complexidade das atividades transfronteiriças e também à grande
extensão do limite com diferentes países, o recorte fronteiriço exige atuação e
presença constantes e consistentes do Estado ao longo da fronteira, e isso leva à
necessidade de investimentos na implementação e aprimoramento de instrumentos
que possam ampliar o monitoramento da área.
Do conjunto de questões que envolvem a segurança e o controle da fronteira,
e justificam a necessidade da presença do Estado no recorte fronteiriço, tem-se
investido na implementação de tecnologias que incluem instrumentos estratégicos
voltados às três Forças Armadas, conforme diretrizes estratégicas dos eixos da
Estratégia Nacional de Defesa (END).37
Dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres, nos limites das águas
jurisdicionais brasileiras, e impedir-lhes o uso do espaço aéreo nacional; organizar
as Forças Armadas sob a égide do trinômio monitoramento/controle, mobilidade
e presença; desenvolver as capacidades de monitorar e de controlar o espaço aéreo,

36. Em publicações do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social (Idesf), encontram-se dados acerca de
contrabando que estão disponíveis em: <http://www.idesf.org.br>.
37. Lançado em 2008, pelo Decreto no 6.703/2008, e revisado em 2012, o documento estabeleceu que cada Força
Armada elaborasse seus planos de estruturação e de equipamentos a serem entregues no prazo estipulado no decreto.
Assim, o Exército entregou seu plano, denominado Estratégia Braço Forte, que totalizava 823 projetos, entre os quais
a utilização do Sisfron.
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 401

o território e as águas jurisdicionais brasileiras; adensar a presença de unidades do


Exército, da Marinha e da Força Aérea nas fronteiras e capacitar a indústria nacional
de material de defesa para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis
à defesa (Brasil, 2012b, p. 47-60).
No contexto dos investimentos que vinham sendo feitos junto às Forças
Armadas, destacam-se os recursos destinados ao desenvolvimento de tecnologias
e de programas voltados para suprir as necessidades de suas instituições na área de
defesa, segurança e controle, como a aquisição de supercaças para a Força Aérea e
de submarinos para a Marinha. O Exército Brasileiro, por sua vez, apresentou o
Sisfron38 e passou, também, a contar com um projeto de grande impacto e recursos
orçamentários de R$ 11,9 bilhões, dos quais quase R$ 10 bilhões são do PAC 2.
A implementação de sistemas de monitoramento encontra-se entre as diretrizes
do PEF, que justifica sua necessidade “(...) para o fortalecimento da prevenção,
controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços e dos delitos praticados
na faixa de fronteira brasileira” (Brasil, 2011). Além disso, a implementação de
sistemas integrados de monitoramento da fronteira brasileira alinha-se à orientação
da Política Nacional de Defesa (PND), que estipula que
o sistema integrado de Comando e Controle de Defesa deverá ser capaz de
disponibilizar, em função de seus sensores de monitoramento e controle do espaço
terrestre, marítimo e aéreo brasileiro, dados de interesse do Sistema Nacional de
Segurança Pública, em função de suas atribuições constitucionais específicas. De forma
recíproca, o Sistema Nacional de Segurança Pública deverá disponibilizar ao sistema
de defesa nacional dados de interesse do controle das fronteiras, exercido também
pelas Forças Armadas, em especial no que diz respeito às atividades ligadas aos crimes
transnacionais fronteiriços (Brasil, 2012b, p. 133).
A implementação do Sisfron dialoga, também, com os objetivos do Programa
de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF),39 que enfatizou a importância das
ações de prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transnacionais
e ambientais na FF, e cuja diretriz principal é a atuação integrada dos órgãos de

38. O Sisfron é um Projeto Estratégico do Exército (PEE), contemplado no PPA 2012-2015, Plano Mais Brasil. É um
sistema de sensoriamento que objetiva viabilizar o monitoramento contínuo e permanente da área da fronteira terrestre
brasileira, cujo detalhamento consiste em: contribuir com o esforço governamental de manter efetivo controle sobre a
FF, atendendo ao trinômio monitoramento/controle, mobilidade e presença, enfatizado nas diretrizes da END; facilitar
o cumprimento das missões do Exército decorrentes da destinação constitucional prevista no art. 142 da Constituição
Federal de 1988 (CF/1988) e, particularmente, na Lei Complementar no 97/1999, alterada pelas Leis Complementares
no 117/2004 e no 136/2010, no tocante às ações preventivas e repressivas na FF terrestre; apoiar a execução do PEF,
estabelecido de acordo com o Decreto no 7.496, de 8 de junho de 2011, que se destina a prevenção, controle, fiscalização
e repressão de delitos transfronteiriços, por meio da atuação integrada dos órgãos de segurança pública, Forças Armadas,
RFB e outros órgãos governamentais; contribuir para o aumento da capacitação tecnológica e da autonomia da base
industrial de defesa, particularmente no que diz respeito a manutenção, ampliação e perene atualização do sistema,
bem como proporcionar a diversificação da pauta de exportação nacional, com a adição de itens de alto valor agregado,
e a geração de empregos e de renda nos setores de infraestrutura e tecnologia (Brasil, 2014b, p. 109).
39. Dadas as diretrizes propostas no novo marco legal, instituídas no Decreto no 8.903/2016, o PPIF extingue o PEF,
que foi criado pelo Decreto no 7.496/2011.
402 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

segurança pública, das Forças Armadas e da RFB, além de outras agências federais,
estaduais e municipais, que seriam auxiliadas pelo sistema de monitoramento
integrado (Decreto no 8.903/2016).
A atuação operacional 40 do Sisfron, portanto, objetiva fortalecer a
presença e a capacidade de ação do Estado na FF, agilizar os levantamentos e
a disponibilização dos dados para as bases de policiamento de fronteira, bem
como atuar em ações de defesa ou contra delitos transfronteiriços e ambientais
por meio do emprego de equipamentos de comunicação de alta tecnologia
e, assim, fortalecer a presença do Estado e a capacidade de ação das forças
de segurança e defesa ao longo dos 16.886 mil km de extensão do limite
internacional e dos 150 km de largura que compõem a FF.
Segundo o Relatório de Gestão do Estado-Maior do Exército/2014 (Brasil,
2014b), para o Sisfron alcançar as finalidades propostas, o sistema possui três
componentes principais, conforme descrito a seguir.
1) Subsistema de sensoriamento: destina-se a vigiar a FF coletando e
transmitindo dados que possibilitem a detecção, a identificação e o
monitoramento remoto de eventos de interesse. Compreende, entre
outros meios, sensores ópticos e optrônicos, radares de vigilância terrestre
e de vigilância aérea de baixa altura, sensores de sinais eletromagnéticos,
sistemas de veículos aéreos remotamente pilotados e aeróstatos.
2) Subsistema de apoio à decisão: destina-se a produzir e difundir
conhecimentos necessários à realização de operações na FF. Compreende,
entre outros recursos, centros de planejamento, coordenação,
acompanhamento e controle de operações, programas (software) de apoio
à decisão e à infraestrutura de tecnologia da informação e comunicações
(inclusive com infovias de longo alcance, dotadas de redes terrestres de
micro-ondas e meios de comunicação por satélite).
3) Subsistema de atuadores: destina-se a realizar ações de defesa e segurança
e de prevenção e repressão contra delitos transfronteiriços e ambientais na
FF. Compreende meios operacionais do Exército empregados na FF, com
ênfase na atuação com as demais Forças Armadas (operações conjuntas) e
com os órgãos federais, estaduais e municipais (operações interagências).

40. “Além de ampliar a operacionalidade da Força Terrestre, o Sisfron pretende impulsionar o desenvolvimento da
indústria nacional em busca da autonomia em tecnologia de defesa. Prevê-se que o Sistema representará significativa
janela de oportunidades para as empresas nacionais, tendo em vista, dentre outros aspectos, o montante considerável de
investimentos estimados, o prolongado ciclo de vida previsto para o Sistema e a diversidade e o caráter dual dos produtos
e serviços necessários para sua implantação e operação. O Sisfron deverá, ainda, estimular a geração de empregos na
indústria nacional, em especial, na indústria de Defesa, havendo uma expectativa de mais de doze mil empregos anuais.
Deverá criar, também, oportunidade de sustentabilidade tecnológica, por meio da venda de produtos e de serviços de
uso dual e da diversificação da pauta de exportações” (Brasil, 2014b, p. 6).
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 403

Já o organograma funcional do PEE Sisfron estrutura-se em três subprojetos:


i) Sensoriamento e Apoio à Decisão (SAD); ii) obras de infraestrutura; e iii) apoio à
atuação do sistema (Brasil, 2016, p. 108). A elaboração do projeto básico consistiu na
primeira fase e foi realizada em 2010 e 2011. Essa primeira fase estabeleceu a concepção
geral e a arquitetura inicial do Sisfron e definiu o período de implementação do sistema
em dez anos, a partir de 2013, a um valor estimado de R$ 11,9 bilhões,41 distribuído
entre os três subprojetos que compõem o sistema: para o Subprojeto de Sensoriamento
e Apoio à Decisão, ficou definido que o valor destinado seria de R$ 5,9 bilhões (49,5%
do orçamento total); para o Subprojeto de Obras de Infraestrutura, R$ 3,0 bilhões
(25,0%); e para o Subprojeto de Apoio à Atuação do Sistema, R$ 3 bilhões (25,5%)
(Brasil, 2014b).
Do montante de R$ 11,9 bilhões envolvidos no projeto do Sisfron,
R$ 9,7 bilhões foram incluídos na carteira do PAC 2, de modo que o programa
ficou responsável por aproximadamente 80% dos recursos relacionados à
implementação do projeto. Entretanto, segundo o Estado-Maior do Exército,42
no atual estágio de execução do Sisfron, o PAC 2 desembolsou somente R$ 903,5
milhões, o que equivale a menos de 10% do valor total a ser repassado pelo
programa para a execução total do sistema de monitoramento, inicialmente
previsto para ser concluído em dez anos (2022).
Sobre o estágio em que se encontra a implementação do sistema, o Exército
esclareceu que, atualmente, o projeto-piloto é o único que integra o Sisfron.43
O projeto se encontra em fase de testes e diagnósticos de materiais e sistemas,
no âmbito do Comando Militar do Oeste,44 e se estende às regiões de fronteira
do estado do Mato Grosso do Sul, do Mato Grosso e de Rondônia. As obras de
adequação física dos espaços para receber o projeto-piloto envolveram o montante
de R$ 50,9 milhões e foram realizadas no período de 2013 a 2016. A maioria das
obras foi executada nos estados do arco Central (Brasil, 2016).
Os impasses na execução do projeto decorreram das restrições orçamentárias
e, conforme levantado no relatório da auditoria do TCU (Brasil, 2014b, p. 16),
resultam também da “carência de pessoal especializado para a execução do Projeto
em todos os níveis”. Sobre as indefinições nos repasses de recursos para o Sisfron, o
comando do Exército aponta os significativos atrasos no cronograma de execução dos
subprojetos do sistema. Segundo o Estado-Maior do Exército, para a execução das
demais fases do projeto serão necessários novos planejamentos.45

41. A composição do orçamento envolve oper­ações de crédito externo, parce­rias público-privadas e do BNDES.
42. Respostas vinculadas ao Protocolo no 03950001631201751 (Serviço de Informações ao Cidadão do Exército
Brasileiro – SIC-EB).
43. Lançado oficialmente em 13 de novembro de 2014.
44. Subordinada à 4a Brigada de Cavalaria Mecanizada, localizada em Dourados (Mato Grosso do Sul).
45. Dados fornecidos pelo SIC-EB, Protocolo no 03950001631201751.
404 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

A partir dessas constatações, a auditoria46 do Tribunal de Contas da União


(TCU), por meio da matriz de avaliação de riscos da gestão do Projeto Sisfron, levantou
o total de 42 ameaças à execução do projeto, relacionadas à gestão da integração, do
escopo, do tempo, de custos, de qualidade, de recursos humanos, de comunicações,
de riscos, de aquisições e de transferência de tecnologia (Brasil, 2014b).
As indefinições no ritmo da implementação do Sisfron podem influir na
efetividade do sistema, visto que os atrasos podem incorrer no investimento de
tecnologias que estarão defasadas quando o projeto for concluído. Os atrasos
podem resultar, também, em prejuízos para a segurança e o controle fronteiriço,
que exigem maior contingente do Estado para tentar inibir e controlar os crimes
transfronteiriços. Ainda podem diminuir a capacidade de enfrentamento dos
crimes ambientais e de controle mais sistemático do volume de produtos ilegais
que atravessam a linha do limite internacional, os quais, comumente, vão circular
nos grandes centros urbanos brasileiros.
Ao tratar do alcance dos resultados do Sisfron, o Exército afirma que os
primeiros resultados da implementação do sistema na área da 4a Brigada de Cavalaria
Mecanizada foram a melhoria na capacidade operacional das tropas contempladas
pelo programa e o sensoriamento remoto de amplitude estratégica que está em
desenvolvimento. O Exército ressalta, entretanto, que a capacidade atual do sistema
está longe de suas potencialidades.47
Essa difícil equação entre a dinâmica ilícita transfronteiriça e a capacidade
do Estado em coibir as ações delituosas no limite internacional brasileiro releva a
necessidade de constantes aprimoramentos de instrumentos tecnológicos empregados
na extensão do limite.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES


A partir da discussão proposta neste capítulo, foi possível constatar que o PAC
é um modelo de planejamento, gestão e execução de investimentos públicos e
privados e medidas institucionais. Na primeira fase do programa (2007-2010),
os investimentos foram voltados aos projetos com forte potencial para gerar
desenvolvimento econômico e social e para estimular o setor produtivo (Brasil,
2007a). Já no PAC 2 (2011-2014), os investimentos continuaram a demandar a
ampliação das infraestruturas, como energia e transportes, por meio de incentivos
ao setor produtivo, além disso, o programa avançou no sentido de destinar parte
dos investimentos para eixos com especificação clara, visando atender as áreas sociais
e assistenciais nos municípios. A nova definição dos recursos do PAC resultou

46. O objetivo da auditoria do TCU foi avaliar os riscos que afetam a gestão do Projeto Sisfron (TCU, 2014b).
47. Protocolo no 60502001948201718 do SIC-EB.
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 405

da visão de que a ampliação dos equipamentos públicos nos municípios possui


potencial para o estímulo do desenvolvimento regional e contribui para aderência
de investimentos privados.
Apesar de incluída entre os macro-objetivos do programa, a questão regional
não tem demonstrado um padrão claro de sinergia com o território, uma vez que os
investimentos das duas primeiras edições do PAC não alcançaram a superação dos
desequilíbrios regionais e das desigualdades sociais. A expansão dos investimentos
com infraestruturas alimentou um ciclo de crescimento com desconcentração
regional. Alia-se a isso a dinâmica dos empregos e da renda gerados pelos grandes
empreendimentos de infraestruturas, que demandam maior impacto na dinamização
das regiões com economias estagnadas do que naquelas mais desenvolvidas e que
já possuem economias que concentram os principais ativos estratégicos.
Nesse sentido, apesar de o PAC ter destinado linhas de investimentos às
regiões menos dinâmicas, o programa não tem dado prioridade ao nivelamento
inter-regional e não apresenta confluência com os espaços elegíveis dentro da
tipologia da PNDR. Além dos critérios dessa política, a execução dos investimentos
do PAC não demonstra considerar as influências históricas e socioeconômicas dos
diferentes espaços e nem como estas contribuem para que o ritmo de crescimento
ocorra de forma desigual no território brasileiro.
Outra questão que aparece na formulação da maioria das ações públicas é a
pouca importância atribuída às diversidades populacional e produtiva que caracterizam
os diversos recortes regionais brasileiros, e o PAC não foge a essa regra. Assim,
o programa não considera as particularidades do recorte fronteiriço, dadas pelo
intenso grau de contato entre os diferentes territórios nacionais, que, alheios aos
ditames de suas nacionalidades, estreitaram seus laços pelos longos anos de trocas
comerciais, compadrio e parentescos. Essas relações estabelecem uma dinâmica própria
que é compartilhada pelos dois lados do limite. Inclusive, quando há mudanças
empreendidas por um dos países vizinhos, o outro lado sofre o impacto rapidamente,
seja ele de ordem ambiental, social, política, econômica, cambial, legal ou de outro tipo.
Apesar de as decisões de um lado da fronteira influírem no cotidiano do outro lado,
por conta dos relacionamentos estabelecidos, elas não encontram compatibilidade nas
ações públicas entre os dois lados para garantir o bem-estar da população fronteiriça
e construir um cotidiano de integração com os vizinhos.
Assim, quando se tratar de investimentos do PAC voltados para o
desenvolvimento urbano e social, fica evidente que os municípios com maior
capacidade de reservas de recursos e de estoques de equipamentos públicos se
destacam em comparação com os municípios que possuem menor capacidade
de reter recursos próprios no que diz respeito à obtenção de maiores volumes de
capital. Na área da fronteira brasileira, observa-se a pulverização de pequenos
406 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

municípios que recebem poucos investimentos e, por consequência, apresentam


limitações orçamentárias para a ampliação de equipamentos públicos. Além disso,
há a questão da disponibilidade de serviços mais complexos, que, de alguma forma,
reflete a capacidade de manutenção da população na região, principalmente no
grupo de jovens, criando, sobretudo, no arco Norte, os vazios populacionais que
caracterizam vários pontos da fronteira.
O arco Norte destaca-se, também, pelas longas distâncias entre os aglomerados
urbanos e entre os que possuem maior concentração de serviços e de comércio.
Essa particularidade contribui para estabelecer e reforçar a condição de isolamento
e manutenção das elevadas taxas de extrema pobreza que se encontram presentes
também em outros pontos do recorte fronteiriço brasileiro. A partir disso, pode
ser observado que a distribuição desigual de investimentos em equipamentos
públicos e da disponibilidade de redes assistenciais, de certa forma, mantém a
condição de pobreza nessas áreas.
Entre as mudanças propostas pelo PAC, como executor de políticas públicas,
é possível citar o estímulo a uma maior aproximação e integração dos entes
federados na proposição de projetos e na execução das obras e ações do programa.
Entretanto, os critérios colocados e as contrapartidas exigidas costumam excluir
os municípios menores de algumas ações do programa, o que deixa evidente
o descompasso na interface dos investimentos do PAC com o território.
Um exemplo aparece na definição das metas de investimento do MCMV e de
parte do MCMV 2, mensuradas sob o deficit habitacional apurado pelas UFs e que
não consideraram o contingente populacional proporcionalmente afetado por esse
deficit. Essa definição da meta do programa habitacional baseado no deficit para
a construção de conjuntos habitacionais fez com que os maiores investimentos
do programa aparecessem em centros urbanos mais densamente povoados.
Se, de um lado, esses centros urbanos acumularam deficit de equipamentos
públicos devido ao longo período sem investimentos, de outro, são os que
possuem maior capacidade de investimentos próprios.
O resultado da distribuição espacial do programa habitacional foi a concentração
da maioria dos empreendimentos nos grandes centros urbanos. Além disso, essas
escolhas fizeram com que poucos investimentos fossem realizados no recorte
fronteiriço, dado que a maior parte dos municípios dessa região não se incluía no
limite de população estabelecido nos critérios do programa. Apesar de a maior parte
dos municípios fronteiriços não ter sido contemplada com as infraestruturas urbanas
que acompanham a implantação dos conjuntos habitacionais, o fortalecimento da
capacidade de compra e o acesso facilitado às linhas de financiamentos habitacionais
elevaram o preço dos imóveis urbanos, acompanhando a tendência nacional de
valorização dos seus preços.
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 407

Entre os investimentos do PAC que mais se destacaram, o saneamento voltou


à agenda da gestão pública com a criação da Lei no 11.445/2007, conhecida como
a Lei do Saneamento. Apesar de os investimentos no setor terem sido significativos e
apresentarem mudanças em grande parte dos municípios brasileiros quanto ao acesso
dos domicílios a esgotamento sanitário, água encanada e coleta de lixo no período de
2010 a 2016,48 os recursos voltados ao setor continuaram abaixo das necessidades do
país. O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), implantado em 2014
pela Presidência da República, apresentava como objetivo que todos os domicílios
brasileiros fossem atendidos com os serviços de água tratada, coleta e tratamento de
esgotos.49 Para tanto, seriam necessários investimentos na ordem de R$ 304 bilhões.
No PAC 2, o eixo PAC Comunidade Cidadã definiu investimentos em
equipamentos sociais para construção de novos estabelecimentos e reforma e
ampliação das unidades de atendimento primário de saúde, cuja linha de
investimento foi responsável por parte significativa da ampliação de estabelecimentos
de UBS e UPAs nos municípios fronteiriços. Entretanto, o aumento numérico dos
empreendimentos nos municípios fronteiriços não foi acompanhado na mesma
proporção pela cobertura das Equipes de Saúde da Família (ESFs), o que se reflete
na precariedade dos serviços de saúde oferecidos aos cidadãos.
Já dos investimentos do PAC voltados à área de segurança e controle fronteiriço,
destaca-se o Sisfron, que foi concebido por iniciativa do Exército e representou
a preocupação da Defesa com as fronteiras brasileiras, sobretudo pela dimensão
territorial, que exige maior presença do Estado no limite e na região fronteiriça.
Nesse sentido, o conjunto de ações e instrumentos de monitoramento do Sisfron
objetiva incrementar a integração das informações entre as forças de segurança e
controle e demais agências que atuam na fronteira, com a produção mais rápida de
dados para as tomadas de decisões. Apesar da importância e magnitude do Sisfron
para a região de fronteira, dada a indefinição dos repasses dos recursos, o projeto
ficou circunscrito ao projeto-piloto e necessita de um redimensionamento para a
efetivação das demais fases.
Apesar do cabedal de problemas identificados nas ações do PAC, e diante
dos vieses político e administrativo do programa, a magnitude dos investimentos
tem conseguido resultados positivos na ampliação das infraestruturas em vários
setores, a exemplo da ampliação de portos, aeroportos, rodovias, hidrovias, ferrovias,
hidrelétricas, obras de habitação, saneamento, equipamentos públicos, entre outras

48. Disponível em: <http://Tabnet.datasus.gov.br/>. Acesso em: 6 de out. 2016.


49. O Instituto Trata Brasil retrata as condições de saneamento no Brasil e o acesso da população ao sistema de
esgotamento sanitário. A população com acesso a sistemas de esgotamento sanitário era de 42% em 2007; e em 2015
passou para 50,3%. Apesar de esses números serem tímidos, a região Norte apresenta indicadores significativamente
abaixo da média nacional, registrando que a população atendida por esgotamento sanitário ficou em 8,7% em face
dos 77,2% auferidos na região Sudeste.
408 | Fronteiras do Brasil: uma avaliação de política pública

ações que impulsionaram o desenvolvimento econômico e social, por meio da


redução dos gargalos logísticos, e ampliaram a capacidade da produção e de acesso
aos mercados interno e externo.
Além disso, a execução das ações do PAC nos dois primeiros quadriênios
ampliou o acesso da população aos serviços públicos, aos equipamentos urbanos e
ao mercado de trabalho. Levantamentos feitos pelo IBGE mostram que a execução
dos investimentos do PAC aqueceu o mercado de trabalho entre 2010 e 2014,
sobretudo com a ampliação do quadro de empregos formais, dado que a execução
dos investimentos impulsionou setores que se utilizam de grandes volumes de mão
de obra em toda sua cadeia produtiva. Aliam-se a esse quadro outras medidas de
incentivos fiscais e de investimentos que já vinham sendo implementadas antes da
institucionalização do programa.
Desse contexto, ressalta-se que as políticas públicas federais que vinham
sendo desenvolvidas foram decisivas para a redução da pobreza, repercutindo,
com efeito, na redução das taxas de extrema pobreza auferidas ao longo da última
década, conforme aponta o estudo A década inclusiva (2001-2011) (Ipea, 2012).50
A avaliação das ações do PAC evidencia que, nos dois primeiros quadriênios
do programa, a execução dos investimentos não conseguiu superar os desequilíbrios
regionais devido ao papel que desempenhou no território nacional e que tem sido
muito aquém do seu potencial de transformação das regiões menos dinâmicas.
A partir dessa constatação, a primeira recomendação é voltada para a formulação
de políticas públicas e programas que almejem diminuir as disparidades regionais:
devem ser consideradas as referências territoriais e as influências históricas e
socioeconômicas do espaço no planejamento das ações e dos investimentos públicos.
Outro ponto de destaque na formulação de programas da magnitude do PAC,
e que articulem políticas públicas, é de considerar no planejamento as diversas
escalas de decisão. Apesar das parcerias entre os entes da federação, tanto para
apresentação das solicitações e projetos quanto na execução dos investimentos do
PAC e na composição dos recursos, por meio das contrapartidas para as ações, a
definição dos critérios de elegibilidade nas linhas de investimentos do programa
ficou no nível mais alto da esfera pública. Entretanto, como a população vive
nos municípios, logo, seria nessa escala que deveriam ser tomadas as decisões e
proposições de ações a serem efetivadas em seus locais de moradia e regiões.
Parte dos municípios brasileiros, em especial os menores, pode, contudo,
possuir capacidade técnica limitada na proposição de ações e na formulação
de políticas públicas. Em questionário aplicado aos municípios fronteiriços,

50. As implicações na ruptura do itinerário de crescimento ocorrido em finais de 2014 e início de 2015 não fazem parte
do levantamento realizado para a elaboração deste capítulo.
O Programa de Aceleração do Crescimento e as Fronteiras | 409

demonstrou-se que vários municípios não possuíam corpo técnico com capacidade
de elaborar peças técnicas básicas, como projetos com a finalidade de concorrer
a recursos (públicos, privados, de organismos internacionais e outros), que são
disponibilizados para a execução de ações pontuais em diferentes regiões. Também
apresentam dificuldades para atender às exigências e aos critérios que, em muitos
casos, são definidos para se ter acesso às ações públicas federais. Essas dificuldades
vão desde a restrição de servidores até o caráter transitório de alguns cargos em
confiança da gestão municipal, que se renova periodicamente e tem servidores que
vêm de setores externos à gestão pública, e mesmo assim assumem postos-chaves
na administração municipal.
A partir disso, outros níveis da gestão pública, bem como das representações
classistas, deveriam manter cursos periódicos de capacitação voltada aos temas de
necessidade da administração municipal, com objetivo de atender às especificidades
regionais. Parte desses cursos poderia ser oferecida em instituições já estabelecidas,
como a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), que já possui uma
extensa variedade temática de formação voltada à gestão pública e disponibilizada em
plataforma de ensino a distância (EAD). Outra plataforma disponível é administrada
pelo Senado Federal, que também oferece diversos cursos voltados à gestão pública por
meio da plataforma do Instituto Legislativo Brasileiro (IBL). O programa formativo
é voltado ao Legislativo, mas há oferta de cursos e programas relacionados a outros
segmentos da sociedade, tanto na plataforma EAD, quanto na modalidade presencial.
Sendo assim, a formação continuada de gestores municipais pode contribuir para
que esses entes estejam aptos para exercer em igualdade de condições a tomada de
decisões e intervenções na formulação e planejamento de ações e políticas públicas.
Dito isso, entende-se que a maior atuação dos municípios nas decisões políticas,
além de ações públicas da abrangência e magnitude do PAC, poderia criar maiores
possibilidades de investimentos públicos em recortes territoriais que exercem pouca
atração aos investimentos privados. Assim, as políticas e ações públicas poderiam,
de fato, desempenhar seu papel no território, que é o de constituir-se em amplas
janelas de oportunidades para a população, com o oferecimento de ações públicas
que possam contribuir para maior atratividade de novos investimentos, sobretudo
nos recortes territoriais estagnados.

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