Magia
Magia
Magia
pos heróicos de companheiros de estrada do progres- setecentista composto por Rafael Bluteau esta distin-
so. Os tempos são diferentes. Sobretudo, a Igreja Ca- ção entre uma forma de magia natural e outra diabó-
tólica em Portugal, aproveitando as condições de lica igualmente se admite, o que deixa supor como
estabilidade, cumpre uma trajectória de renascimen- este entendimento se generalizou. De acordo com
to religioso em múltiplos espaços de apostolado, es- Bluteau, havia três espécies de magia: natural, artifi-
piritualidade e formação do clero, em fiel observân- cial e diabólica. Amagia natural «é a que com cau-
cia às directrizes do Vaticano. Aanimosidade que sas naturais produz efeitos extraordinários», forne-
sofre da parte da oposição política ao regime, a qual cendo Bluteau como exemplos vários minerais,
lhe cria a imagem de alguma conivência como auto- animais e vegetais que tinham virtudes para produzir
ritarismo vigente, terá contribuído para o crescente autênticas maravilhas. Amagia artificial «é a que
azedume que ressurge entre a Igreja e a Maçonaria; e com arte e indústria humana obra coisas que pare-
também para a aceitação das normas do Código do cem superiores às forças da natureza» e a magia
Direito Canónico (art. 2335 e 2336) que a condena- diabólica consiste em «invocar o demónio e fazer
vam. Mais determinante para explicar este fenómeno pacto com ele para com o seu ministério obrar coi-
de distância institucional foi, porém, o movimento sas sobrenaturais» (BLUTEAU - Vocabulario, vol. 5,
de renovação da Igreja - de que a Acção Católica foi p. 246-248). De acordo com esta interpretação, o
o melhor exemplo, cujo dinamismo associativo mo- prodígio alcançado no acto mágico podia ter uma trí-
tivou o laicado para horizontes de ummundo melhor plice origem. Ou era obtido pelas fabulosas virtudes
e mobilizou o clero para desafios apostólicos de lar- de certos elementos naturais, ou pela lucubração e
go alcance pastoral. AMaçonaria terá perdido, com habilidade do homem, ou pela condenável mas po-
certeza, as condições adequadas para gerar motiva- derosa capacidade e saber do Diabo. Havia assim,
ções de adesão e terá entrado numa época em que por um lado, uma magia natural, não proibida, que
privilegia a qualidade de seus obreiros. Otempo que era concebida como a aplicação de princípios natu-
passa vem no sentido de limar as arestas da agressi- rais para produzir efeitos maravilhosos não confli-
vidade. Aalvorada de esperança que surge na Igreja tuantes com a causalidade natural. Era, em suma, a
Católica em cuja alma opera a dinâmica do Concí- capacidade de descodificação dos segredos ocultos
lio Vaticano II (1962-1965), e o espírito de abertura da natureza, que só com grande estudo, inteligência
que a coloca na posição dialogante com o mundo, e auxílio da oração divina alguns iniciados podiam
aparecem como razões principais de aproximação alcançar. Aalquimia ou arte magna (muitas vezes
com todas as estruturas da civilização contemporâ- entendida como a química medieval) e a astrologia
nea. Ademocracia portuguesa reconquistada (1974) são os exemplos mais significativos desta magia na-
estabelece-se como ampla condição do exercício e tural que era admitida e lícita. Deve dizer-se, neste
da vivência da cidadania onde as pessoas podem e contexto, que estava bastante difundida nas escolas
devem lucidamente assumir as diferenças de opi- portuguesas a doutrina de raiz aristotélica que admi-
nião e de credo para conseguir e desenvolver positi- tia a existência de quatro qualidades naturais ele-
vamente o sentido solidário da comunidade nacio- mentares (calor, frio, seco e húmido) e apelidava de
nal. A Igreja e a Maçonaria não têm de fazer ajuste «qualidade oculta» todo o efeito que, apesar de se
de contas. circunscrever dentro dos limites da natureza, se não
ANTÓNIO DO CARMO REIS
sabia qual o princípio que o provocava. Ora, a des-
coberta ou descodificação dessas «ocultas» causali-
BIBLIOGRAFIA: CARVALHO, LUÍS Nandin de - A Maçonaria entreaberta. dades naturais era admitida. Neste sentido, a magia
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ZARO. Pedro Alvarez, coord. - Maçonaria, Igreja e liberalismo. Porto: velado apenas a certos iniciados, e que lhes é trans-
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vol. 18, p. 219-245. SERRÃO, Joel Maçonaria. In DICIONÁRIO de história manipulação dessa mesma natureza. Amagia «natu-
de Portugal. Dir. Joel Serrão. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1971,
vol. 2, p. 870-873.
ral» e a «artificial», que se opõemàs modalidades de
magia consideradas diabólicas, são admitidas como
processos lícitos que o homem pode aplicar com a
MADEIRA. V. FUNCHAL. finalidade de conhecer e transformar a natureza.
Edesta magia natural, autorizada, lícita, que aqui se
MAGIA. Na maioria dos tratados de teologia moral trata (sobre a magia diabólica v. BRUXARIA; SUPERSTI-
que se escreveram ao longo da época moderna a ma- ÇÕES). Apesar de haver lícitas formas de magia, a
gia era apresentada como a arte de produzir prodí- maioria dos teólogos e moralistas aconselhavam pru-
gios, efeitos extraordinários ou maravilhas (,mirabi- dência na sua prática, justificando-o com dois argu-
lia), e considerava-se que podia ser causada quer por mentos. Primeiro, porque uma curiosidade excessiva
meios naturais, isto é, através da aplicação do conhe- sobre a natureza podia degenerar em superstição (a
cimento de certas potencialidades naturais apenas ao magia também era entendida como um modo de su-
alcance de restrito número de homens, quer por po- perstição). Segundo, porque o Diabo tentava sempre
deres diabólicos, ou seja, utilizando umsaber revela- interferir neste tipo de experiências. Ou seja, a práti-
do pelo demónio ou criando ilusões possibilitadas ca da magia natural era vista como perigosa e como
pelo poder desse mesmo demónio. Num dicionário
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