1 - Paixà o e Liberdade
1 - Paixà o e Liberdade
1 - Paixà o e Liberdade
Crownover, Jay
Paixão e liberdade [livro eletrônico] / Jay Crownover; tradução Carolina Caires Coelho. ‒ 1. ed. ‒ São
Paulo: V&R Editoras, 2017. ‒ (Série Saints of Denver; 2)
2 mb; ePub
Título original: Built: a Saints of Denver novella
ISBN: 978-85-507-0131-8 (e-book)
1. Ficção erótica 2. Ficção norte-americana I. Título II. Série.
17-05980 CDD-813
— Winston Churchill
PRÓLOGO
E U A CONHECI EM UM BAR.
Ela segurava uma garrafa de cerveja, apesar de bebericar champanhe de
uma taça chique ser mais a sua cara, e isso, de um modo inexplicável, me
excitou. Ela era bonita e parecia totalmente deslocada naquele bar simplório,
sentada diante de um de meus amigos mais antigos, seu irmão perdido. Por
causa dele estava ali. No milésimo de segundo em que pus os olhos naquela
mulher, quis ser o motivo pelo qual ela ficaria.
Eu sabia que isso era rude e que os dois precisavam de um tempo juntos,
um tempo para entender o que eram um para o outro, agora que ela havia
entrado na vida do irmão sem aviso-prévio. Se eu fosse um amigo melhor,
teria deixado os dois sozinhos. Mas caminhei até a pequena mesa e me sentei.
Eu estava coberto de serragem e tinha pasta de drywall grudada nos cabelos e
no rosto, mas ela não hesitou nem se retraiu quando, de propósito, invadi o
encontro dos dois e me sentei o mais perto dela que consegui, sem chegar a
tocá-la.
Enquanto nos apresentava, meu amigo Rowdy St. James ergueu as
sobrancelhas ao me ver encará-la. Sayer Cole. Até seu nome era elegante e
sofisticado. Ela era um enigma, uma mulher linda que dava a impressão de que
deveria estar em qualquer lugar, menos naquele bar com nós dois. Ela havia
aparecido do nada, dois meses antes, dizendo ser meia-irmã, de Rowdy, que
os dois eram filhos do mesmo pai, afirmando que ela só queria fazer parte da
vida dele e ter uma família para chamar de sua. Ela parecia delicada demais
para ser tão corajosa. Dava a impressão de ser certinha demais para ter dito
“que se foda”, para ter alterado toda sua vida e se mudado para um lugar
desconhecido, sem saber como seria recebida. Ela parecia seda, mas, se eu
estivesse certo, essa seda cobria aço.
Por sorte, Rowdy era um sujeito legal. Após o choque de descobrir que não
estava sozinho no mundo, e após se dar conta de que tinha alguém ligado a ele,
para sempre, com laços de sangue, o rapaz havia se afeiçoado à ideia de ter
uma irmã e ficou feliz por essa irmã ser Sayer.
Eu gostava muito de Rowdy. Ele era muito solícito, um bom amigo. Mas
tinha a sensação de que eu gostaria ainda mais de sua irmã recém-descoberta.
Com meu modo normalmente grosseiro, interroguei meu amigo, sem olhar
diretamente para a loira estonteante.
– Então você tem uma irmã? Uma irmã gostosa e toda elegante? – uma irmã
que também era advogada, linda e inteligente.
Esperei que ela risse ou revirasse os olhos diante do comentário fora de
hora, mas o que recebi foi um olhar incrédulo. Seus olhos arregalados, do azul
mais azul do que qualquer coisa que eu já tivesse visto na vida, dançaram
entre mim e seu irmão, como se ela não soubesse bem como agir ou reagir
diante de meu interesse explícito.
Pensei ter ido longe demais, ter forçado a bela desconhecida para fora de
sua zona de conforto. Eu sou um sujeito grande e sei que pareço muito mais
grosseiro e exagerado do que de fato sou. Imaginei que isso podia ser demais
para uma mulher já em uma situação nova e difícil.
Mas Sayer me surpreendeu, e vi que também surpreendeu Rowdy pelo
modo como ele ficou tenso. Apesar de não agir de modo supersimpático e
caloroso, ela me perguntou sobre meu atual projeto, após Rowdy explicar que
eu era empreiteiro e que havia reformado o novo estúdio de tatuagem no qual
trabalhava. A moça pareceu interessada de verdade e, quando contei que
minha especialidade era reformar casas antigas e lhes dar vida nova, seus
olhos brilharam na minha direção. Eu queria senti-la para saber se ela era tão
tranquila e polida como parecia. Queria deixar seu rosto sujo de poeira para
marcar o fato de eu tê-la tocado, de ela ter me permitido tocá-la. Uma reação
primitiva e visceral que eu não conseguia explicar, mas gostei da sensação.
Gostei da pressão em minha corrente sanguínea, apesar de saber que a
sensação não seria recíproca.
Ela me contou sobre uma casa vitoriana fantástica, mas velha, que havia
comprado e que estava caindo aos pedaços. Então me pediu um cartão de
visita, e vi Rowdy ficar tenso do outro lado da mesa. Suspirei e passei a mão
pelos cabelos já bagunçados. Observei Sayer me olhando, enquanto uma
nuvem fina de poeira escapava das minhas mechas. Eu era ótimo no meu
trabalho, adorava o que fazia, mas não poderia fazer nada com ela ou por ela
sem colocar tudo em risco. Muito menos com Rowdy me olhando com jeito de
quem queria me matar.
Peguei um cartão de dentro da carteira e, ao lhe entregar, nossos dedos se
tocaram. Vi seus olhos se arregalarem e seus lábios se entreabrirem um pouco.
Quando sorri na sua direção, ela pareceu meio assustada.
– Pegue este cartão, mas saiba que o homem que o está entregando tem um
passado.
Ela me olhou com hesitação e pigarreou.
– Que tipo de passado?
Nada que eu gostasse de contar a uma mulher bonita assim que a conhecia.
Era algo que eu gostava de contar após certa preparação, a fim de provar que
já era coisa do passado, mas parecia que, com ela, eu não teria essa chance.
– Conto a todos para quem realizo algum tipo de trabalho ou que pensam
em me contratar para um projeto que tenho passagem pela polícia. Passei
alguns anos na cadeia e, apesar de não me orgulhar disso, não tenho como
negar que aconteceu. Eu era um sujeito de cabeça quente, e isso me rendeu
problemas, mas sou o melhor no que faço, por isso espero que isso não a
desanime quando pensar em me ligar – e esperava que ela me ligasse para
algo além de uma reforma.
Normalmente, a pessoa me olhava com preocupação e depois fazia cem
perguntas sobre o motivo de minha prisão. A loira maravilhosa não fez nada
disso. Inclinou a cabeça para o lado e ficou me olhando em silêncio por muito
tempo, até estender a mão e enfiar o cartão na bolsa. Eu podia jurar que, no
mínimo, havia solidariedade em seu rosto quando ela disse baixinho:
– Vejo isso todos os dias, de perto. Às vezes, o sistema simplesmente erra –
ela esboçou um leve sorriso, e senti vontade de me inclinar para a frente e
beijá-la. – As pessoas cometem erros. E torcemos para que aprendam com
eles.
Não sei se minha reação seria errada ou inoportuna, mas, ao ver que ela
não me julgava nem censurava, senti vontade de abraçá-la e não a soltar mais.
Eu havia cometido um grande erro, enorme, o qual teria que carregar para
sempre, mas tinha aprendido com ele, ainda estava aprendendo. Aquele tipo
de compreensão vinda de uma desconhecida era algo muito raro, sobretudo de
alguém da área jurídica. Eu não estava acostumado a encontrar pessoas que me
olhavam e me viam apenas em minha essência, em vez de um fracassado ex-
detento, após contar onde havia estado. Era muito revigorante e atraente. Eu
não entendia as mulheres muito bem, mas aproveitaria toda oportunidade que
Sayer me desse para entendê-la. Em relação à sua atitude externamente
perfeita e íntegra, senti vontade de tocá-la com mãos e atitudes sujas, e havia
algo no modo como ela me observava, no modo como ela se virou para mim
como quem se sente atraída, que me fez pensar que talvez eu não estivesse
sozinho naquela atração inexplicável.
Rowdy foi embora, e ela ficou.
Tomamos mais algumas cervejas e conversamos sobre a casa e o que ela
queria que fosse feito. Sayer já havia contratado um empreiteiro, mas achava
que o sujeito a estava roubando no valor cobrado. Isso acontecia muito no
mercado de construção, então eu não ficaria surpreso se o homem de fato a
estivesse enganando. Ficar com ela era gostoso. Sayer tinha um papo divertido
e uma aparência agradável. Eu queria muito colocar a mão na massa, em sua
casa e nela, e senti que ela talvez estivesse, de certo modo, do mesmo jeito
que eu, quando então cometi o erro de perguntar sobre seu passado.
Perguntei onde ela morava antes de descobrir sobre Rowdy e decidir se
mudar para Denver a fim de conhecê-lo. Fiquei curioso para saber que tipo de
vida ela tinha que a permitia deixar tudo para trás e não fazer falta em lugar
nenhum. Eu queria mesmo era saber se ela tinha namorado ou marido em
alguma parte, mas essa simples pergunta deve ter sido invasiva. Quando me
dei conta, ela havia pago a minha conta e a dela e desaparecido pela noite.
Havia passado de animada e calorosa a frígida e intocável em um piscar de
olhos.
Imaginei ter estragado as coisas sendo direto demais, como sempre.
Imaginei que ela devia ter alguém em sua vida e que havia sido simpática e
educada só porque eu era amigo de seu irmão. Pensei que nunca mais saberia
dela e fiquei surpreso ao perceber que pensar nisso fazia meu peito doer e meu
coração pesar duas toneladas.
Imagine minha surpresa quando, uma semana depois, ela me ligou e me
contratou para reformar sua casa, sem pedido de orçamento, sem contrato, sem
sequer saber se eu era tão bom quanto dizia ser.
Claro que aceitei, mas percebi que, assim que estivesse dentro, precisaria
derrubar e reformar mais do que as paredes da casa para conseguir algo lindo
e duradouro.
“O amor é uma amizade que pegou fogo.
Sayer
–N A pergunta em voz ?baixa fez com que a taça de vinho branco na qual eu
ÃO CONSEGUE DORMIR
Zeb
V IREI A CABEÇA QUANDO UM DOS RAPAZES DE MINHA EQUIPE CHAMOU MEU NOME E ME
arrependi imediatamente da falha na concentração. Atrás da máscara de
filtro, que eu usava para proteger meus pulmões de toda a poeira prejudicial
que saía das paredes em casas velhas como aquela, despejei um monte de
palavrões quando o martelo que usava caiu e bateu sem dó em meu polegar.
Acontecia esse tipo de coisa em meu trabalho, mas, ultimamente, acidentes
idiotas e possíveis de prevenir estavam se tornando cada vez mais frequentes,
porque minha cabeça andava nas nuvens e fixa em meu último trabalho, ou
melhor, na loira maravilhosa que havia me contratado para trabalhar para ela.
Julio, um dos homens mais jovens de minha equipe, se assustou ao ver
minha cara de ódio e como minha mão tremia. Ele ergueu as próprias mãos em
um gesto de rendição, antes mesmo de eu dizer alguma coisa. Eu estava com a
paciência mais curta do que o normal, e os rapazes da equipe obviamente
haviam notado. Isso fez com que eu me sentisse um idiota, mas não havia muito
o que fazer a esse respeito. Não parava de pensar em Sayer Cole, em suas
pernas compridas e em seu comportamento frio, e nada que eu fazia conseguia
mudar isso.
– O que foi? – tirei a máscara do rosto e me forcei a perguntar com um tom
de voz calmo, em vez de vociferar como queria. Apertei o dedo que latejava
com o indicador e xinguei ao senti-lo arder como se estivesse pegando fogo.
Havia martelado com vontade.
– Tem uma mulher lá na frente à sua procura – demorei um pouco para
entender as palavras carregadas de sotaque de Julio. Ergui a sobrancelha e
coloquei o martelo no espaço reservado para ele no cinto de couro de
ferramentas na altura de minha cintura.
– Está à minha procura por quê? É da guarda municipal? Ou um dos
vizinhos?
Quando eu começava a desmontar casas históricas a fim de devolver sua
glória original, os fiscais da prefeitura sempre passavam para checar se tudo
estava em ordem. Eu era muito bom em transformá-las em algo novo e
fantástico, mas ainda precisava das permissões e de todas as licenças para
fazer isso.
Julio coçou a nuca e corou de leve.
– Não perguntei. Ela é bem bonita, viu? – o menino era jovem, ainda
adolescente, mas um ótimo trabalhador e muito habilidoso, por isso, ainda que
nem sempre fosse o mais esperto da equipe, eu sabia que ele tinha muito tempo
para aprender e crescer. Só precisava de chance e de alguém que não
desistisse dele.
Passei as mãos pelos cabelos e resmunguei quando uma nuvem de pó de
gesso de séculos atrás subiu com o movimento. Fiquei coberto de poeira de
construção... Sempre ficava.
– As fiscais podem ser mulheres e atraentes, Julio.
O garoto remexeu os pés e olhou para o chão que havíamos passado o dia
anterior todo arrumando, naquela casa dos anos 1870, meu mais novo projeto
de reforma.
– Eu sei. Ela perguntou se Zebulon Fuller estava aqui, e eu disse que sim.
Ela partiu em direção à porta da frente, sem capacete, nem máscara, nem nada
assim, então eu disse que a casa não era segura. Não acho que ela seja agente
nem nada do tipo. Ela me parece meio... – ele remexeu o dedo perto da cabeça
indicando que achava a mulher meio doida.
Suspirei. Se ela não era agente, provavelmente era uma vizinha irada
querendo reclamar do barulho da construção ou da bagunça. Isso acontecia o
tempo todo, mas, ao longo dos anos, eu tinha me tornado muito bom em manter
a paz, e minha empresa foi crescendo e se expandindo, levando minha fama e
meu nome com ela.
– Certo, cuido disso. Pode terminar de limpar a parede e tirar o gesso para
podermos passar o drywall amanhã? Use uma máscara. Essa tinta velha não
faz bem, é perigosa.
Eu lidava tanto com remoção de tinta com chumbo dessas casas antigas que
precisei tirar um certificado de empreiteiro apto a realizar o serviço. O que eu
fazia nunca era fácil, e sempre havia muitas etapas a vencer, mas eu vivia pelo
senso de vitória que sentia ao salvar prédios caindo aos pedaços, para que não
acabassem condenados nem detonados. Adorava oferecer algo que ninguém
mais queria ou em que não acreditava mais.
Bati o resto da poeira de meus cabelos e passei a mão pela barba para tirar
o que estivesse preso ali também. Tenho certeza de que parecia ter rolado em
talco de bebê ou coisa assim, mas não havia muito o que pudesse fazer a esse
respeito. Estava no meio de um dia de trabalho e não tinha tempo para visitas
indesejadas... nem pessoalmente nem na minha cabeça. Aquela visita que me
assombrava na forma de uma linda advogada já era distração demais. Meu
polegar ainda dolorido era prova disso.
Saí pelo buraco na frente da casa, onde a porta original há muito tinha sido
derrubada no chute e inutilizada por vândalos, e de imediato vi uma jovem
morena, muito bonita e andando de um lado para o outro no gramado seco. Ela
mantinha os braços cruzados diante do peito e se movimentava de um jeito
obviamente agitado. Eu soube que, independentemente do que quisesse tratar
comigo ali, não seria divertido. Lancei um olhar sinistro para a placa no
quintal, na qual se lia Empreiteira Fuller, com meu nome e meu número de
telefone. Não seria muito difícil descobrir quem era o responsável pelo
projeto. Me obriguei a abrir um sorriso agradável e profissional e deixar de
lado o mau humor ao me aproximar da mulher.
– Soube que você talvez esteja à minha procura. Sou Zeb Fuller, como
posso ajudá-la?
A mulher parou de caminhar tensa, e vi seus olhos se arregalarem quando
ela me olhou. Eu percebia muito essa reação de homens e mulheres, então não
me surpreendi. Eu sou um sujeito grande, bem grande, e ter um monte de
tatuagens dos dois lados do pescoço e nas costas das duas mãos costumava dar
às pessoas a impressão de que era muito maior e muito mais durão do que sou.
A barba e o fato de eu passar a impressão de poder levantar a casa com
minhas mãos obviamente a incomodavam.
A moça descruzou os braços e ergueu uma mão tremula para cobrir a boca.
Foi minha vez de arregalar os olhos quando ela, de repente, começou a
chorar. Não eram lágrimas silenciosas, mas soluços grandes, de chacoalhar o
corpo, soluços que balançavam seu corpo magro da cabeça aos pés. Dei um
passo à frente por instinto, e isso fez com que ela desse um passo para trás na
mesma hora. Levantei as mãos à minha frente a fim de mostrar que não queria
assustá-la e também dei um passo para trás lhe oferecendo um pouco de
espaço.
– Ei, você estava me procurando. Está no meu local de trabalho. Vim ver
em que posso ajudar – detestava ver mulher chorando. Isso acabava comigo.
Na infância, éramos eu, minha irmã mais velha e minha mãe. Meu pai foi
embora quando eu era novo demais para me lembrar de sua fisionomia, então,
por isso, sempre fui o homem da casa. Não deixava ninguém fazer a mulher
que eu amava chorar, por isso, quando aquela começou a lacrimejar, assumi
uma postura protetora. – Sinto muito se assustei você.
Ela se inclinou para a frente e apoiou as mãos nos joelhos, enquanto puxava
o ar ruidosamente. Os cabelos encaracolados desceram à frente do rosto e o
cobriram, e vi que seus ombros ainda tremiam. Estava ficando bem
preocupado, quando então ela levantou uma das mãos e disse:
– Espere um minuto. Você se parece com ele, e isso me desestabilizou um
pouco – ela ainda respirava com dificuldade e não dizia coisa com coisa. Foi
a minha vez de cruzar os braços diante do peito, enquanto a observava se
recuperar. Demorou muito.
– Não entendi. Com quem me pareço?
A mulher voltou a se endireitar e passou a mão pelos cabelos
encaracolados. Correu o olhar do topo de minha cabeça até a ponta de minhas
botas surradas e, ao terminar, balançou a cabeça. Não era bem a reação de
uma mulher ao me observar, mas aceitaria se as lágrimas parassem.
– Sei que estou dando a impressão de ser uma doida, mas juro que não sou.
Precisei de alguns dias para te encontrar, porque não tinha um nome nem nada
para começar. Você me pegou de surpresa. Sinto muito por ter perdido a
estribeira desse jeito. Não era a primeira impressão que eu queria causar.
Já estava irritado e impaciente. Não tinha tempo nem paciência para lidar
com o labirinto de palavras no qual aquela mulher queria me enfiar.
– Moça, não sei do que está falando e preciso voltar ao trabalho logo. A
reforma não se faz sozinha. Preciso que me diga em que posso ajudar ou vou
embora.
Ela pigarreou e deu um passo, aproximando-se de mim. Notei que ela
estava escolhendo as palavras com muito cuidado. Então disse:
– Meu nome é Echo Hemsley. Minha melhor amiga da vida era uma mulher
chamada Halloran Bishop – ela fez uma pausa como se um daqueles nomes ou
as mulheres a quem eles se referiam fossem significar alguma coisa para mim.
Não respondi, então ela prosseguiu, e vi seus lábios tremerem e suas mãos
ficarem desajeitadas.
– Halloran teve uma vida difícil. Fez muitas escolhas ruins, tinha dedo
podre para homens e usava um monte de coisas horrorosas na tentativa de
lidar com os problemas.
A mulher respirou fundo e vi seus olhos ficarem marejados.
– Ela também era a mulher mais gentil e boa que conheci, e nunca perdi a
esperança de que um dia ela conseguisse retomar o controle de sua vida.
Franzi a testa.
– Certo, mas ainda não sei por que essas coisas trouxeram você aqui. Não a
conheço e não conheço sua amiga.
Bem, conheci muitas mulheres... MUITAS... mas consigo me lembrar de
todas elas e nunca fui para a cama com alguém cujo nome eu não sabia.
Gostava de ser solteiro e de ter liberdade para ficar com quem quisesse, mas
nunca agi como um idiota. Para ser bem sincero, minha cama estava bem
vazia, e minhas noites andavam muito normais desde que uma certa advogada
de pernas compridas havia se tornado o centro de todas as minhas fantasias e
meus devaneios. Eu a desejava. Só queria ela, e ninguém mais serviria. Isso
era péssimo, porque, até aquele momento, por mais que eu demonstrasse
interesse, ela não correspondia. Parecia totalmente alheia a tudo.
Isso ou talvez ela estivesse mantendo nossa relação apenas profissional e
casual, por saber que era muito para mim.
Meus negócios estavam indo muito bem, considerando o pouco tempo
desde sua abertura, e eu estava ganhando uma grana, mas, mesmo com tudo o
que havia conquistado em tão pouco tempo, eu sempre seria um ex-detento e
um trabalhador braçal, nunca teria sangue azul.
Confesso ter ficado impressionado e um pouco encantado ao ver que meu
passado nunca foi problema entre nós, pelo menos não achava que fosse
problema, até tentar expressar meu interesse por ela. Me senti irracionalmente
decepcionado quando ela me deu um gelo após, aparentemente, ter aceitado
minha revelação sobre o passado com tranquilidade. Pensei que ela fosse
diferente, compreensiva, e que não julgasse as pessoas, mas, no fundo, Sayer
era como qualquer outra pessoa que não conseguia ver além das barras da
cadeia depois que sabia da história toda. Ela fingia, como se não me
percebesse observando seus gestos, como se não sentisse o clima pesar entre
nós sempre que estávamos juntos. Ela ignorava todos os elogios que eu fazia e
ignorava qualquer insinuação minha. Por fim, percebi que ela gostava de eu
trabalhar para ela, mas sair com ela e levá-la para a cama eram coisas que não
aconteceriam. Sayer não estava a fim de mim como eu estava a fim dela e, por
mais que eu tentasse, ela não cederia. A tudo isso se devia o humor do cão que
me acompanhava nas últimas semanas.
– Você tem razão. Você não me conhece, e é possível que não se lembre de
Halloran, pois só passou uma noite com ela. Você se lembra de um bar
chamado Jack and Jill’s? – olhei fixamente para a mulher que inexpressiva só
fez um bico e enrugou a testa. – Talvez se você se lembrar do dia em que saiu
da prisão, sua memória traga esse fato de volta.
Ergui a cabeça ao ouvir isso e estreitei os olhos.
Cinco anos antes, eu havia sido solto depois de cumprir pena de dois anos e
meio por lesão corporal. Me recusei a deixar que minha mãe ou minha irmã,
Beryl, me encontrassem no dia em que saí. Na verdade, nem tinha contado à
minha família o dia em que sairia.
Na época, estava irritado, amargurado, e ainda tinha tanto ressentimento e
tanta hostilidade acumulados pelos motivos que levaram à minha prisão e à
pena imposta, que sabia que precisava liberar um pouco da pressão e colocar
a cabeça nos trilhos antes de ver alguém que me amava. Precisava de alguns
dias para voltar a ser o homem que eles conheciam, e não aquele em que a
prisão e a vida encarcerada tinham me transformado.
Podia não lembrar do nome do bar, mas me lembrava de ter andado à toa
por alguns quarteirões, assim que desci do ônibus no primeiro ponto em
Denver. A prisão estadual ficava a muitos quilômetros dali, em Canon City, e
juro até hoje que o trajeto de ônibus de volta para casa demorou dias, não só
algumas horas.
– Pode ser que eu me lembre de ter encontrado um bar naquele dia, mas
ainda não me lembro de conhecer ninguém chamado Halloran.
Eu tinha uma sensação ruim em relação ao rumo dessa conversa. Não
escondia meu passado, é verdade, mas esse não era meu assunto preferido. E
era irritante aquela desconhecida parecer saber tanto a meu respeito.
Aquele dia estava longe de ser um dos meus melhores.
Claro, eu estava livre e foi bom ser solto, mas a moça por quem eu estava
apaixonado quando fui preso havia encontrado outra pessoa. Ela me deixou
menos de seis meses depois da prisão. Enquanto isso, o imbecil que eu quase
matei com as próprias mãos ainda estava solto e impune, podendo fazer o que
quisesse, mesmo que fosse agredir mulheres. A injustiça me corroía e fazia de
mim uma bomba-relógio prestes a estourar de novo.
Minha raiva estava sempre engatilhada, sempre esperando o tiro. Para
acalmar a fúria explosiva que ainda me tomava por dentro e matar a vontade
que os dois anos sem bebida e sem mulheres haviam arraigado em mim,
imaginei que o melhor lugar para extravasar seria o primeiro boteco que
encontrasse. Beberia meu uísque e pegaria uma mulher que estivesse a fim e,
então, poderia encarar Beryl e minha mãe me sentindo mais como era antes.
– Ela era mais ou menos desta altura – a mulher ergueu a mão alguns
centímetros acima da própria cabeça. – Loira, tinha olhos azuis, muito linda e,
como eu disse, um doce.
Não deixei de notar o verbo no passado: “era”. Era a segunda vez que ela
se referia à amiga daquele modo.
– Era?
As lágrimas surgiram de novo, e a mulher envolveu o corpo com os braços
como se abraçasse a si mesma.
– Como eu disse, Halloran tinha hábitos péssimos e dedo podre para
homens. Essas duas coisas se uniram no último fim de semana. Ela foi morta a
tiros por causa de um acordo que não deu muito certo, na East Colfax. O atual
namorado era um traficante e achou seguro levá-la a uma boca de fumo.
Halloran sabia como as coisas são, mas nunca pensava muito bem nelas. Os
dois foram atacados por um traficante rival e pela gangue dele. Halloran levou
onze tiros, o namorado levou mais de vinte.
A mulher mal conseguia falar, e eu não podia mais ficar parado enquanto
ela chorava daquele jeito em meu local de trabalho. Me aproximei dela e a
abracei, apesar de se tratar de uma desconhecida que não estava dizendo coisa
com coisa. Ela precisava de alguém que a confortasse, e eu era a única pessoa
ali para fazer isso.
– Sinto muito por sua amiga.
Ela não retribuiu o abraço, mas assentiu com a cabeça encostada em meu
peito. Respirou fundo outra vez e se afastou de mim, enquanto secava o rosto
com as costas da mão.
– Pode ser que você não se lembre, ela mesma me disse que, na noite em
que vocês ficaram juntos, você estava muito bêbado, muito bravo e também
meio triste. Ela estava no bar porque o namorado da época a havia mandado
embora depois de usá-la por um tempo, e ela não tinha para onde ir. Disse que
vocês dois começaram a trocar histórias de horror. Você contou tudo sobre o
sujeito que agrediu sua irmã e como acabou preso por tê-lo impedido. Ela
ficou encantada. Você foi corajoso, defendeu alguém que não podia se
defender e... bem, olhe para você – ela fez um gesto na minha direção, e cenas
daquele dia começaram a encher meu cérebro de lembranças.
Sempre tive uma queda por loiras. Com um toque de tragédia e de uísque na
situação, havia uma boa chance de eu ter me deixado levar pela bebida e pelo
sexo e, agora, não conseguia me lembrar de nada. Me lembrava vagamente de
ter ficado no bar enquanto alguém com um perfume doce e que me olhava com
olhos azuis e tristes ocupava o banquinho ao meu lado. Me lembrava de
palavras pesadas e de beijos intensos. Me lembrava de toques suaves e de
decisões movidas à bebida. Me lembrava até do cobertor áspero de um motel
qualquer no qual havia acordado, de bruços, morrendo de ressaca.
Não conseguia me lembrar da mulher, de seu nome nem de sua aparência,
mas me lembrava de ela ter feito com que eu me sentisse melhor por um
momento e de ter sentido vontade de bater em quem a havia deixado tão triste.
– Você está tentando me dizer que dormi com sua amiga? – não podia negar
que havia uma forte possibilidade e que o motivo pelo qual aquela mulher me
procurava agora, depois de tanto tempo, me deixava com muito medo. Eu
acompanhava o caminho pelo qual ela me levava sem pistas. O destino
simplesmente não parecia possível.
– Sim. Vocês dois ficaram juntos, mas, como sempre, Halloran tomou a
decisão errada e voltou para o sujeito que a agredia. Ela me contou que foi
embora do motel na manhã seguinte sem sequer dizer como se chamava – a
mulher que havia me dito para chamá-la de Echo prendeu uma mecha dos
cabelos encaracolados atrás da orelha e me olhou com olhos castanhos
cansados.
– Ela viu você na TV quando fizeram aquela matéria sobre o estúdio de
tatuagem que você estava reformando em LoDo. Acho que ela não pretendia
me contar, mas acabou escapando... ela te viu na TV e disse: “Esse é o pai de
Hyde".
Sabia que seria esse o resultado, senti isso assim que a ouvi dizer que eu
havia dormido com sua amiga. Fúria, uísque e uma mulher muito triste e bonita
me levaram a tomar decisões ruins. Eu transava desde os quinze anos e podia
contar nos dedos de uma das mãos as vezes em que fiz sexo sem proteção.
Infelizmente, uma dessas vezes foi no dia em que saí da prisão.
– Você está me dizendo que engravidei sua falecida amiga?
Parecia grosseiro, mas minha cabeça estava confusa e, de repente, sentia
dificuldade para respirar. O chão sob minhas botas parecia menos sólido do
que um minuto antes e, dentro de mim, uma voz gritava que ela era mentirosa e
queria expulsá-la dali.
Ela assentiu.
– Sim. Bem, na época não achei nada demais. Halloran teve muitos
namorados, e Hyde teve muitos “tios especiais” ao longo dos anos. Eu não
teria te incomodado, nunca teria tentado encontrá-lo se não fosse uma
emergência. Devido ao modo como ela morreu e por seu histórico de uso de
drogas, o Estado levou Hyde. Ele está sob a tutela da Assistência Social, no
momento a caminho de um abrigo. Se você não fizer algo, vão tentar colocá-lo
em um orfanato e, depois, encontrar pais para adotá-lo. Ele vai se perder no
sistema.
Me surpreendi e dei um passo para trás.
– Se eu não fizer algo? Sério, moça, nem sei se o que você está dizendo é
verdade.
Ela balançou a cabeça e enfiou a mão no bolso de trás, de onde tirou um
celular.
– Sei que isso é repentino, sei que é maluco. Mas Halloran não tinha muitos
familiares, e os que sobraram não têm nenhuma relação com ela nem com
Hyde, por isso não há ninguém que possa ou que se interesse em cuidar dele.
Eu me ofereci, mas estou sempre viajando a trabalho, e minha ficha criminal
não é exatamente imaculada, por isso me recusaram no ato. Eu também tinha
uns hábitos ruins e gostava dos homens errados quando era mais jovem.
Felizmente me endireitei antes de ser tarde demais – ela engoliu em seco. – Eu
poderia muito bem ter acabado como minha amiga.
Aquela mulher me olhou e voltou a atenção para o telefone.
– Pode parecer maluco e difícil de acreditar, mas você tem um filho e, se
não fizer algo logo, ele vai acabar como nada além de um número no arquivo
de algum assistente social.
Foi minha vez de me mostrar incrédulo. Senti vontade de pedir que ela
fosse embora. Senti vontade de dizer que ela era maluca e que não falava
coisa com coisa, mas nunca fui de fugir das responsabilidades ou das
encrencas em que me metia. Então, quando ela me mostrou o celular, eu o
peguei de sua mão como se ele fosse me morder.
Segurei o equipamento e olhei, meio anestesiado, para a foto de uma loira
muito bonita com um menininho no colo, que usava uma calça jeans rasgada e
uma camiseta dos Transformers. Ele tinha cabelos castanho-escuros e
ondulados, olhos grandes de um verde claro e calmo e um sorriso sem alguns
dentes. Também tinha uma covinha muito familiar no rosto gordinho. Ele era
alto para a idade, e, enquanto olhava para a imagem à minha frente, tive a
impressão de ver uma foto de minha infância. Minha mão perdeu a força, e o
telefone caiu no chão.
Echo não disse nada. Então abaixou-se para pegar o aparelho e o segurou
na minha frente.
– Há centenas de outras, se quiser ver. A semelhança assusta, não? Por isso
perdi o controle ao vê-lo sair da casa. Parece que estou olhando para Hyde no
futuro, quando ele crescer. Ele é a sua cara. Acabou de fazer cinco anos, então
pode fazer as contas se a foto não bastar para convencê-lo de que ele é seu
filho.
Ele se parecia comigo, sim. Parecia muito.
Passei a mão pela barba e a observei com atenção.
– Por que sua amiga nunca me procurou? Por que não pediu ajuda? – pensar
que uma parte de mim, um ser humano pequeno que eu havia ajudado a fazer,
estava no mundo todos aqueles anos sem que eu soubesse fez com que um
pouco da antiga raiva e do ressentimento que eu lutava para manter sob
controle voltassem a ferver dentro de mim.
– Eu já disse, ela voltou para o cara com quem estava. Acho que ela só
soube quem era o pai de Hyde quando ele nasceu. Ficou bem claro que não era
do namorado dela, um mexicano, porque Hyde não tinha os mesmos traços – a
mulher se retraiu e enfiou o telefone no bolso de novo. – O namorado a
agrediu tanto quando ela saiu do hospital que ela quase morreu. Isso fez com
que ela entrasse na linha por um tempo, porque não queria que seu filho
recém-nascido ficasse sem mãe, mas, quanto mais Hyde crescia, mais
Halloran retomava os velhos hábitos. Ela provavelmente poderia ter
procurado você para mostrar seu filho, mas se preocupava mais em ir atrás de
drogas e em manter o mais novo namorado, em vez de se fazer algo que
trouxesse benefícios ao filho. Como eu disse, Halloran era doce e gentil, mas
não era uma mãe muito boa. Bem, acho que ela tentava ser, mas não sabia
como. Hyde passou por coisas ruins em seus poucos anos de existência. Você
poderia fazer uma enorme diferença na vida do menino, sr. Fuller. Ele é uma
criança ótima, extrovertida e engraçada. Não daria para saber pelo que já
passou só olhando para ele. Ele merece um lar de verdade. Merece um pai que
o ame e cuide dele.
Pousei a mão em meu martelo e suspirei. Sentia que o mundo todo estava
girando na outra direção.
– Eu tenho um filho? – não sabia bem se tinha dito aquilo ou apenas
pensado, mas as palavras pareciam esquisitas. Ela concordou de novo e, dessa
vez, sua expressão estava tomada por solidariedade e compreensão.
– Olha, sei que é um choque. Sei que você pode voltar para dentro dessa
casa e não fazer nada, por achar que estou mentindo ou que sou louca, mas eu
precisava correr esse risco, porque a última pessoa que deveria ser forçada a
sofrer por tantas escolhas ruins da mãe é a criança. Ele me deixa arrependida
por não ter vivido de um jeito melhor desde o começo para poder ajudá-lo.
– Minha história não vai me fazer ganhar prêmios ou fazer alguém pensar
que sou o melhor pai do mundo – eu sabia muito bem que meus pecados do
passado teriam efeito duradouro.
– Talvez. Mas não acha que deveria pelo menos tentar? Vai conseguir ficar
com a consciência tranquila se houver a menor chance de Hyde ser seu filho e
desconhecidos se tornarem responsáveis pela criação dele? Eu passei pelo
sistema. Não é nada legal, e a maioria das crianças que vêm dele acabam na
cadeia ou ainda piores do que quando entraram. Se você pudesse impedir isso,
por que não impediria?
Sabia que ela tinha razão, porque Rowdy havia passado a infância em um
orfanato e a adolescência com tutores. Não era exatamente problemático e
nunca tinha sido preso, mas sempre que contava sobre o passado, não falava
de lembranças felizes, de sol e arco-íris.
Suspirei de novo e levei uma mão à nuca.
– Certo, moça... ou melhor, Echo, não vou prometer nada, mas de fato tenho
uma conhecida que é advogada cível, então vou falar com ela e ver o que ela
acha que devo fazer. Imagino que o primeiro passo é provar que o garoto é
mesmo meu filho. Sua amiga não colocou meu nome na certidão de
nascimento, certo?
A morena voltou a contrair os lábios e balançou a cabeça, negando.
– Está em branco. Peguei o documento logo depois do enterro, quando o
Estado foi buscar Hyde. Pensei que encontraria um nome, mas, como eu disse,
acho que ela não sabia bem quem era o pai e sentia tanto medo de seu
namorado na época que não colocaria o nome de outro homem de jeito
nenhum. A única informação que recebi foi quando ela mencionou você ao vê-
lo na TV. Fui até o estúdio de tatuagem e perguntei o nome da pessoa que tinha
feito as reformas. A loirinha cheia de tatuagens da recepção não queria dizer
seu nome sem saber o motivo. Falei que procurava alguém para reformar meu
apartamento. Acho que ela não acreditou em mim. Por sorte, um dos rapazes
que trabalha lá tinha seu cartão e me entregou.
Eu sabia exatamente como aquela loirinha tatuada agia, então ainda bem
que um dos sujeitos havia entrado na conversa. Ainda que essa moça não fosse
totalmente confiável, eu devia a mim mesmo, ao menino e, infelizmente, à
mulher que havia me ajudado a afogar as mágoas em álcool e sexo, quando eu
estava me sentindo tão perdido e sozinho, descobrir se o menininho era mesmo
meu filho.
– Então, não prometo nada, mas vou conversar com a advogada para saber
o que ela acha que precisa ser feito. Está bem?
A mulher concordou, e vi o alívio tomar seu rosto.
– Acho que isso é mais do que eu esperava quando decidi procurá-lo. Você
poderia apenas ter me mandado embora sem ouvir nada do que eu tinha a
dizer, então estou considerando vitória o fato de você ter ouvido,
independentemente do que acontecer daqui pra frente – ela abriu um sorriso.
– Obrigada.
Virou-se e começou a caminhar em direção ao pequeno carro híbrido que vi
estacionado atrás da minha caminhonete, na frente da casa. Eu a chamei antes
que ela atravessasse o quintal.
– Echo – a mulher parou e se virou para me olhar, erguendo as
sobrancelhas. – Se eu der o número do meu celular, você pode enviar uma foto
do menino por mensagem de texto? – dei de ombros. – Pode ser que ajude a
explicar a situação à advogada, já que não sou muito bom com palavras.
Ela inclinou a cabeça um pouco para o lado e estreitou os olhos.
– Faço isso com uma condição.
– E qual é?
– Chame-o de Hyde, sr. Fuller. Ele tem nome.
Soltei um palavrão discretamente. Eu não vinha falando o nome do menino
de propósito. Porque dizê-lo tornava tudo real demais. Fazia com que ele se
tornasse real demais.
– Pode, por favor, enviar uma foto de Hyde para mim, então?
– Envio com prazer.
Rabisquei meu telefone, e ela pegou o celular para registrá-lo. Não disse
nada ao caminhar de volta ao carro, entrar e partir. Eu voltava para a casa,
com a mente a toda velocidade, quando meu telefone apitou indicando a
chegada de várias mensagens.
Disse a mim mesmo para esperar e ler tudo depois do trabalho, que as
mensagens podiam esperar, mas acabei me sentando nos degraus prejudicados
da casa e procurei as fotos.
Eram todas de um menininho rindo e brincando. Em todas as imagens, ele
estava sorrindo e feliz. Parecia ser muito solto e tranquilo, o que era incrível,
levando em conta as coisas pelas quais ele tinha passado, segundo o que Echo
mencionou. Ele era pequeno e inocente demais para ter que passar não só pela
morte repentina da mãe, mas também pelo choque de ser deixado aos cuidados
de desconhecidos. Eu não sabia ao certo se ele era meu, apesar de a
semelhança ser inegável, mas estava prestes a estragar qualquer possibilidade
que eu tinha com Sayer Cole pedindo para ela me ajudar a descobrir.
Se ela já me achava um ex-detento sem chance com ela, definitivamente
ficaria longe de mim ao descobrir que havia a forte possibilidade de eu ter
engravidado uma mulher de quem eu nem me lembrava em uma noite de
bebedeira e sexo desprotegido.
Mas não importava se ela nunca se interessaria por mim como eu me
interessava por ela, desde que ela me ajudasse a ajudar o menino.
No momento, Hyde e tudo o que eu podia fazer para ajudá-lo eram minha
prioridade, sem convencer a adorável advogada a ir para a cama comigo...
apesar de eu ainda não ter cem por cento de certeza de estar pronto para tirar
esse sonho de minha lista.
CAPÍTULO 3
Sayer
–D Eu bebericava
?
IA DIFÍCIL
um martini com gotas de limão e tentava esfregar as
têmporas para aliviar uma dor latejante que insistia em continuar desde a hora
do almoço. Corei quando Quaid comentou meu gesto e tentei imaginar minha
cara após mais uma noite sem dormir. Normalmente eu agia de um modo que
podia ser considerado profissional e grosseiro. Não brincava em serviço, e
ser uma mulher bonita no mundo jurídico era sempre uma desvantagem quando
precisava ser levada a sério, por isso fazia questão de ter um comportamento
calculado e prático o tempo todo.
– Eu tive semanas complicadas. Não tenho dormido bem e estou no meio de
não um, mas de dois casos de guarda, os quais têm consumido meu tempo de
um jeito inacreditável. Um dia ainda verei um cliente que realmente coloque o
bem-estar de seu filho em primeiro lugar.
Forcei um sorriso torto e observei Quaid puxar o nó da gravata, que estava
frouxo na base da garganta. Ele era lindo de morrer.
Várias mulheres no bar não paravam de torcer o pescoço em nossa direção,
e a garçonete, ao servi-lo, quase havia derrubado o uísque com gelo no colo
dele, que havia sorrido para ela. Seus cabelos tinham o corte da moda, eram
mais curtos nas laterais e mais compridos em cima, penteados como se ele
fosse para uma sessão de fotos para uma revista de produtos caros.
Quaid usava tudo de marca e não tinha vergonha de ostentar. Seus olhos
tinham um tom incomum de azul, que se alternava entre o azul-claro desbotado
e o cinza. Seu olhar era calculado e focado. Nada nele era relaxado nem
espontâneo, e, apesar de ele dominar seu espaço e de esbanjar autoconfiança,
tratava-se de algo muito mais explícito do que o que Zeb fazia.
Senti vontade de me bater.
Eu estava saindo com Quaid especificamente para poder esquecer Zeb e,
ainda assim, tinha dificuldade para me concentrar naquele monte de gostosura
dentro de um terno caro à minha frente.
Ele ergueu uma sobrancelha loira e pegou sua bebida. Sorriu para mim
antes de levar o copo aos lábios, e eu quis ter uma conversa séria com minha
vagina por sequer ter se importado nem se interessado.
– Eu seria incapaz de trabalhar como advogado de família. As crianças são
complicadas demais, a emoção envolvida nesses casos me parece exaustiva.
Todo dia lido com adultos que tentam manipular o sistema e a lei. Vê-los fazer
isso com os próprios filhos, usando-os como peões... – ele balançou a cabeça,
e tive a impressão de ter ouvido uma das mulheres do bar suspirar encantada
do outro lado do salão. – É muita mentira.
– Bem, eu não saberia lidar com pessoas culpadas saindo impunes de
situações das quais não deveriam se livrar. Não tenho muita fé que alguns
juízes possam tomar as decisões certas no que diz respeito à lei. As pessoas se
deixam levar muito pelo charme e por palavras bonitas.
Ele ergueu a outra sobrancelha, como havia feito com a primeira.
– Você não confia no sistema?
Não era uma opinião muito popular entre meus colegas, mas eu já tinha
visto coisas demais, tinha vivido tempo suficiente e visto o que acontecia
quando o sistema falhava, para investir toda a minha fé em uma estrutura falha.
Terminei minha bebida e dei de ombros dizendo:
– Acredito que o sistema é falho, e é por isso que trabalho com o que
trabalho. Algumas dessas crianças precisam ter alguém que lute por elas,
independentemente do que aconteça. O sistema pode falhar, mas eu não
falharei.
Quaid contraiu os lábios e se recostou na cadeira enquanto me observava
com atenção. Foi uma bela olhada. Objetiva, provocativa, aposto que
funcionava muito bem ele olhar daquele jeito para uma testemunha no tribunal,
mas eu conhecia todas as cartas que os advogados têm na manga, porque eu
também as usava. Sorri para ele e fiz um aceno para que o garçom se
aproximasse e eu pudesse pedir mais uma bebida.
– E o que me diz de alguém que se sente infeliz e quer ver sangue? O que
me diz de alguém que só quer fazer a outra pessoa sofrer? Como você ajuda
nessa situação? Você luta pelo que é certo e justo nesses casos?
Fui esperta o bastante para saber que ele falava da ex-esposa.
Não era segredo entre nós, advogados de Denver, que ela havia dado o
golpe em Quaid e que ele tivera sorte de escapar ainda com os bens em seu
nome. Eles eram namorados de adolescência e, quando as coisas deram
errado, deram muito errado.
Havia boatos de infidelidade das duas partes, mas nada havia sido revelado
e, como minha empresa era a melhor na nossa área, Quaid escapou com a
reputação e a fortuna intactas. Ele ainda tinha que desembolsar uma boa
quantia todo mês para a pensão, mas, de modo geral, considerávamos o acordo
uma vitória de nossa parte. Aparentemente, ele não tinha a mesma opinião.
– Todo mundo merece ser representado. Não é nisso que se baseia o ilustre
sistema? Eu não cuido de muitos casos de divórcio por esse mesmo motivo,
mas sei que eles podem ser feios. Pessoas felizes não se separam, então,
quando o casamento termina, acho que todos os envolvidos procuram em que
colocar a culpa e procuram um canal para liberar toda a mágoa – ele riu, mas
não havia bom humor ali. – Você já foi casada?
Balancei a cabeça, negando.
– Não. Já fui noiva, e terminou amigavelmente, mas vejo essa situação
todos os dias no escritório. Algo que deveria unir os casais, deixá-los felizes,
acaba por deixá-los tristes como nunca.
– Fale mais – era impossível ignorar a amargura em sua voz.
Ele murmurou outra coisa que não ouvi e abriu o sorriso arrebatador a
tempo de a garçonete derramar metade de minha bebida sobre a mesa ao me
servir.
Revirei os olhos para ele.
– É sério isso?
Ele riu.
– As mulheres me curtem.
– Aposto que sim – e como não curtiriam? Ele era lindo, inteligente demais,
eloquente, charmoso, exalava sofisticação e confiança e tinha aquele sorriso
de matar. Eu era uma baita idiota por não reagir a nada daquilo. Se pudesse,
bateria em mim mesma. Por que não conseguia me endireitar?
– Mas você não. Bem, está claro que você gosta de mim, mas não está a
fim. Não posso dizer que uma mulher já tenha cancelado um encontro comigo
mais de uma vez.
Meus cabelos estavam presos em uma trança e um coque na nuca, mas, se
estivessem soltos, eu os estaria enrolando no dedo, com nervosismo. Um
hábito ruim que meu pai detestava. Eu havia passado a juventude toda fazendo
qualquer coisa para evitar seus olhares de reprovação e suas palavras
cortantes, mas uma parte dos hábitos menos interessantes ele não tinha
conseguido tirar de mim.
– Ando ocupada. Meus casos estão complicados, eu estava no meio de uma
reforma em casa e tenho tentado passar bastante tempo com meu irmão – era
complicado explicar às pessoas por que eu estava obcecada em estar com
Rowdy e fazer parte da vida dele, por isso escolhi a meia verdade que contava
a todos que me perguntavam. – Não passamos muito tempo juntos na infância,
e sinto que estou compensando o tempo perdido agora que meu pai morreu.
A promessa de ter alguém, qualquer que fosse essa pessoa, a quem eu fosse
ligada, a quem eu pudesse chamar de família e com quem pudesse contar, a
ideia de não precisar mais ser sozinha, solitária, só por minha conta, me
tornava determinada a encontrar um lugar para mim não apenas em Denver,
mas na vida de Rowdy.
Para minha sorte, meu irmão mais novo era um homem gentil e carinhoso e,
depois de um início ruim, ele havia começado a me aceitar de braços abertos.
Meu irmão há muito perdido era a melhor coisa que já me tinha acontecido.
– Bem, obrigado por reservar um tempo para mim hoje, apesar de achar que
nós dois temos ideias diferentes sobre este encontro.
Eu me retraí e peguei o martini meio sem jeito, e ele continuou a falar.
– Você é uma mulher adorável, Sayer. É decidida, inteligente e dedicada ao
seu trabalho. Temos muito em comum, acho, e esperava que houvesse uma
conexão maior entre nós. Acho que poderia haver, mas você não parece
interessada em deixar que as coisas se desenvolvam.
Bebi o resto do drinque com tanta rapidez que acabei tossindo e com os
olhos marejados. Fiquei aterrorizada com o papelão que estava fazendo, mas
Quaid não se mexeu e não desviou o olhar do meu.
Levei uma mão ao peito e disse que adoraria beber um copo de água,
quando a garçonete parou para me observar e perguntar se eu estava bem.
– Quaid – comecei a tossir de novo e senti vontade de me enfiar embaixo
da mesa e morrer. Demorei um copo de água e cinco minutos para conseguir
responder. – Você se divorciou há poucos meses. Não tem como estar pronto
para um novo relacionamento.
Ele abriu um sorriso safado e franziu as sobrancelhas de um modo
inegavelmente sensual.
– Quem falou em relacionamento? Você é atraente, ocupada e independente.
Não precisa de mim para mais nada além de sexo. Nós dois somos solteiros e
nos damos bem. Pensei que tudo isso seria ótimo até a primeira vez em que me
deu um bolo. Tenho a sensação de que, apesar de você ser muito discreta, há
outra pessoa em sua vida. E não, não estou falando de seu irmão.
Minha nossa, dava para a coisa toda ficar mais embaraçosa? Sim, havia
outro homem na minha vida, só que esse outro homem não fazia ideia de que
eu estava apaixonada por ele, nem de que eu acabava com meu vibrador por
nutrir uma paixãozinha idiota. Não que Quaid precisasse saber disso.
Então eu falei:
– Não tem mais ninguém, mas, mesmo assim, acho que eu não me sentiria
bem na situação que você propõe – ajeitei a gola de minha camisa e, em minha
mente, ouvi meu pai me repreender. – Sou meio antiquada e chata no que diz
respeito a relacionamentos, Quaid. Não tenho muita facilidade para lidar com
amizades coloridas – e se ele me levasse para a cama e acabasse entediado?
Eu não queria nem sonhar com fofocas sobre o caso se espalhando pelo
tribunal. Isso acabaria comigo.
– Compreendo. Acho que entendi isso quando você cancelou pela segunda
vez.
Sorri para ele.
– Mas gosto de você como amigo, e nossas conversas me agradam. É bom
ter alguém com quem posso discutir sobre a lei.
Ele revirou os olhos dessa vez.
– Claro que você gosta de mim, como amigo, não pra levar para a cama.
Como eu disse, todas as mulheres me curtem, de um jeito ou de outro.
Nós dois rimos. Sempre fui péssima quando o assunto era homens.
Um defeito totalmente meu, não podia colocar a culpa em meu pai. Eu não
sabia como me envolver com eles e, ainda assim, me manter afastada e em
segurança. Ninguém queria namorar ou fazer amor com uma escultura de gelo,
e era isso que eu acabava sendo para os homens. Foi a única maneira que
encontrei de sobreviver às críticas de meu pai na infância. Quando fazem com
que nos sintamos as pessoas mais idiotas do mundo, o fracasso dos fracassos,
só por demonstrarmos qualquer tipo de emoção, ainda que seja o choro no
enterro da mãe, aprendemos depressa que, se não tivermos sentimentos, eles
não podem ser destruídos.
A desaprovação silenciosa e o desdém sem fim podem ser muito
prejudiciais quando são as únicas coisas que recebemos na infância.
E, agora, Zeb Fuller não só ameaçava derreter a capa de gelo que me fazia
sentir segura, mas estava tornando impossível eu não sentir as coisas. Coisas
muito intensas, fortes e viciantes. Não à toa eu me sentia igualmente
aterrorizada e obcecada por ele.
O resto da noite passou com tranquilidade. Conversamos como amigos
sobre o sistema judiciário. Eu não estava mentindo. Gostava, sim, de Quaid e
valorizava sua perspicácia e facilidade no flerte, apesar de não estar
interessada, mas, quando meu celular vibrou indicando a chegada de uma
mensagem de texto no momento em que eu entrava em casa, toda a atração e o
desejo que eu queria ter sentido por ele ganharam vida, porque vi o nome de
Zeb na tela.
Ele enviou uma mensagem perguntando se eu estaria em casa no sábado.
Por um segundo fiquei tão animada que quase respondi com um SIM em letras
garrafais. Quando me acalmei, respondi que precisava trabalhar um pouco,
mas que ele podia passar lá na hora do almoço.
Nem pensei em perguntar por que ele queria falar comigo, e ele não
explicou, respondendo depressa com um ATÉ SÁBADO.
Às duas da madrugada do dia em que ele iria à minha casa, desisti de tentar
dormir e entrei em meu escritório na intenção de usar a falta de sono para
trabalhar um pouco, pelo menos. Mas me sentei à mesa e assisti à Buffy, por
horas, na Netflix, sem fazer trabalho nenhum, só pensando no que Zeb podia
querer comigo. Precisei de poucos episódios até decidir que apoiava Spike
totalmente. Afinal, ele era um bad boy inglês e gostoso. Não tinha como não
torcer para que ele e Buffy superassem as diferenças óbvias e encontrassem o
amor.
Não tinha esperança de conseguir dormir, mas, quando finalmente me
arrastei para a cama, perto das cinco da manhã, depois de Poppy me
repreender, meu corpo se rendeu e minha mente se calou assim que encostei a
cabeça no travesseiro. Sem sonhos com o homem lindo e barbado e sem
fantasias intermináveis envolvendo todas as coisas que eu queria muito fazer
com ele. Houve apenas a escuridão e, por fim, o sono feliz, profundo e intenso.
Eu havia chegado ao fim da linha, e não restava mais nada para minha psique
ou meu corpo entregarem.
Ao sentir uma mão delicada tocar meu ombro algum tempo depois, poderia
jurar que havia acabado de fechar os olhos. Me sentei na cama e olhei para
Poppy, enquanto tentava entender o que estava acontecendo. Fiquei confusa
por um tempo, porque o quarto estava todo tomado pela luz do dia e porque
ela estava vestida para sair. Também fiquei surpresa ao vê-la em meu quarto e
por ela ter me tocado por vontade própria.
– Que horas são? – afastei os cabelos despenteados do rosto e estiquei os
braços para cima. Gemi ao sentir todos os ossos de meu pescoço estalarem
com o movimento.
Poppy mexeu em sua trança comprida e me disse:
– É meio-dia e cinco. Zeb está lá embaixo há dez minutos à sua espera. Eu
disse que você não tem dormido muito bem, e ele falou que podia ir embora e
voltar outro dia, mas, como achei que você não ia querer isso, decidi te
acordar.
Primeiro, fiquei olhando para Poppy como se ela estivesse falando outra
língua, mas logo soltei um palavrão e afastei os cobertores.
– Você só pode estar brincando. Finalmente consegui dormir depois de
meses em um inferno insone e quase perdi a visita da pessoa que tem tirado
meu sono? Não dá para acreditar.
Em outra situação, não teria admitido que Zeb era o motivo de minha
insônia. Isso mostra como eu estava fora do normal. Todas as emoções
malucas me tomaram de novo.
Saí da cama e parei ao me ver no espelho de corpo inteiro que ficava na
porta do armário. Meus cabelos estavam muito desgrenhados. Parecia que uma
família inteira de esquilos tinha feito um ninho em minha cabeça durante a
noite.
Meu rosto estava pálido de assustar, e os olhos estavam grandes demais,
como se eu estivesse assustada, quase aterrorizada. Estava usando a blusa
justa e a calça de ginástica confortável que sempre usava para dormir, a última
roupa com a qual queria que Zeb me visse. Mas não queria deixá-lo esperando
mais do que ele já havia esperado, por isso decidi ficar com aquela roupa
mesmo, ainda que, só de pensar em aparecer na frente dele sem estar bem
arrumada e pronta, eu me sentisse mal. Eu parecia estar indo para a batalha
sem a armadura.
Me apressei para vestir uma camiseta que cobrisse os pontos em meu peito
que também pareciam animados para vê-lo e corri pelo quarto até encontrar
uma escova no banheiro, a qual passei pelos cabelos até alisá-los o suficiente
para fazer um rabo de cavalo. Cobri a cabeça com uma bandana e rapidamente
passei um pouco de blush para não parecer uma figurante do The Walking
Dead.
Poppy observou a cena sorrindo e balançando a cabeça, reprovando meu
desespero.
– Desculpa, eu teria acordado você antes, mas estava conversando com
minha irmã ao telefone e perdi a noção do tempo. Só percebi que estava tarde
quando a campainha tocou. Entrei em pânico por um segundo, pensando que
pudesse ser um desconhecido para quem eu teria que abrir a porta e com quem
teria que tentar conversar, até que me lembrei de você ter dito que Zeb viria
aqui. Se posso ajudá-la a ficar mais calma, digo que ele parece tão tenso e
estressado quanto você neste momento.
Isso me fez parar um pouco enquanto saía do quarto. Olhei para Poppy,
sentada na beira da cama.
– É mesmo? Ele disse o que veio fazer aqui?
Ela balançou a cabeça, negando.
– Não. Só entrou e disse que estava feliz em me ver, que estou linda, mas
fez isso sem sorrir. Quando falei que te chamaria e voltaria em um minuto, ele
murmurou que esperaria em seu escritório.
Que estranho. Zeb era sempre charmoso e tranquilo. Tinha um sorriso fácil
e dava risadas estrondosas. Normalmente ele se esforçava para deixar Poppy
tranquila e nunca parecia irritado com nada. Se havia agido de modo abrupto e
distante com ela, então algo estava errado, e aquela visita não era cordial.
Respirei fundo e passei as mãos suadas pelo tecido fino da calça.
– Certo. Bem, acho que vou ver o que ele quer, então. Obrigada por me
acordar.
– Sem problema. Você está melhor. Obviamente precisava descansar.
Não, eu tinha certeza de que precisava mesmo era deixar que o homem que
me esperava lá embaixo me fodesse loucamente, para então poder parar de
sonhar com ele, mas preferiria que cortassem minha língua com uma faca cega
a admitir isso.
Desci a escada de dois em dois degraus e praticamente saí correndo pela
sala de estar até a sala na parte da frente da casa, que Zeb havia transformado
em escritório para mim. A porta estava entreaberta, então, quando a abri com
força total, ela se arreganhou e bateu na parede fazendo barulho.
O som fez com que Zeb se virasse de onde ele estava, olhando para fora
através de uma das grandes janelas atrás da mesa. Eu me retraí ao ver sua
reação e me obriguei a me acalmar. Abri um sorriso que esperava parecer
simpático e andei bem mais devagar pela sala. Estremeci quando os olhos
verde-escuros dele pousaram em mim e senti lugares secretos de meu corpo
ficarem tensos e começarem a formigar.
– Oi, Zeb. Como você está? – a pergunta pareceu forçada até para mim
mesma, e percebi que ele havia notado a tensão no meu tom de voz quando
franziu as sobrancelhas escuras acima dos olhos cor de mato.
– Já estive melhor – ele suspirou, e vi seu olhar descer da minha cabeça até
a ponta de meus pés descalços. Remexi os dedos de maneira involuntária,
quando o olhar dele pareceu se fixar nas unhas dos meus pés, pintadas com
uma cor chamativa. Como tudo o que eu vestia costumava ter tom pastel, preto
ou cinza, com algo neutro por baixo, gostava de deixar as unhas o mais
chamativas possível. Era difícil verem meus dedos dos pés, mas, quando Zeb
olhou para eles e esboçou um sorriso por baixo da barba ao redor de sua boca,
senti o coração acelerar. Até seu sorriso era intenso e parecia ser de alguém
valente.
– A Poppy disse que você parecia um pouco tenso ao chegar, então acho
que esta visita não é social. Em que posso ajudar? – até que mantive o tom de
voz calmo e profissional, levando em conta que queria ronronar e me esfregar
contra ele. Mas eu conseguiria ser profissional. Em relação ao fato de estar
excitada e com calor só pela proximidade com Zeb, não sabia o que fazer.
Ele suspirou e deu a volta até a parte da frente da mesa.
Recostou-se na cadeira e cruzou os braços acima do peito amplo, esticando
o tecido fino da camiseta e fazendo os bíceps aumentarem. Foi um colírio que
eu teria apreciado muito mais, se não tivesse notado um músculo saltar em seu
rosto, embaixo dos pelos que o cobriam, e a emoção em seus olhos, que
ficaram mais escuros do que o verde profundo, passando a quase preto. Ao
sentir que as coisas logo ficariam sérias, caminhei para fechar a porta que
acabara de abrir com tudo e, então, me sentei em uma das cadeiras cor de
creme que havia comprado para combinar com o resto da decoração sóbria do
escritório. Quando me sentei, olhei para ele e vi, em seu rosto de traços fortes,
o conflito que ele travava com o assunto que o havia levado até minha casa.
Nos observamos em silêncio.
– Eu não quis perturbar a Poppy. Sei que ela é sensível e tem todo direito
de ser. Pensei que estivesse me controlando melhor do que estou, mas algo
sobre ter admitido em voz alta o que estou prestes a contar me deixou bem
abalado – ele soltou o ar e olhou diretamente em meus olhos. – Eu fiz besteira,
Sayer. Fiz besteira de verdade e acho que você é a única pessoa que pode me
ajudar a consertar o que fiz.
Assustada com as palavras e com a intensidade com que ele as dizia, me
recostei na cadeira e cruzei os braços.
– Está falando sobre minha ajuda profissional?
As pessoa me pediam conselho jurídico o tempo todo, então eu diria o que
sabia com alegria se achasse que aquilo pudesse ajudá-lo de alguma forma. Na
verdade, senti vontade de respirar aliviada. Os negócios, a lei, a verdade nua
e crua... eu sabia lidar com isso sem dificuldade. Mas não sabia enfrentar nada
que envolvesse lidar com alguém de modo emotivo e pessoal.
Quando você desliga suas emoções a fim de sobreviver, fica quase
impossível voltar a ligá-las, mesmo diante de alguém com quem você se
importa.
Zeb riu, mas não estava descontraído.
– Sim, preciso de sua ajuda profissional e, talvez, de ajuda pessoal
também, considerando que você sabe como é descobrir ter uma pessoa da
família que não conheceu e sobre quem ninguém te contou. Você sabe como é
ver seu mundo virar de cabeça para baixo em poucos segundos.
Me afastei um pouco e precisei de um minuto para organizar meus
pensamentos, antes de perguntar:
– Você também tem um irmão sobre o qual sua família nunca contou? –
parecia muito improvável, mas eu estava sem uma peça da história, e ele não
parecia ter pressa de encaixá-la. Eu não conseguia acreditar que ele estivesse
em uma situação parecida com aquela na qual fiquei quando meu pai morreu e
seu testamento foi lido, revelando que eu tinha um irmão. O safado não teve a
pachorra de me contar. Sempre fazendo o papel de mau caráter, brincando com
as pessoas que ele deveria amar como se não existíssemos para nada além de
sua diversão. Seus jogos e suas brincadeiras tinham sido exaustivos, mas o
último joguinho não deu certo. Graças a Deus. Eu me sentia tão solitária na
infância, tão triste e isolada, que, ao descobrir sobre Rowdy, deixei tudo da
minha antiga vida em Seattle e parti para o Colorado o mais rapidamente
possível. Foi a única vez na vida em que agi sem pensar. Foi a única vez na
vida em que me permiti sentir... até aquele fatídico dia em que conheci Zeb.
Não escondia de ninguém que considerava Rowdy a melhor coisa que havia
acontecido comigo, então, se era sobre isso que Zeb estava falando, eu teria
muito a contar.
Ele afastou a cadeira da mesa e começou a andar de um lado para o outro,
na minha frente. Eu tentava entender exatamente o que estava acontecendo
enquanto ele pensava diante de meus olhos, mas não conseguia parar de
observar seus músculos dos ombros e das costas tensos e flexionados sob a
camiseta, cada vez que ele chegava ao fim do tapete e se virava para andar na
outra direção. O sujeito era gostoso mesmo quando estava com problemas, e
eu me senti um pouco culpada por não conseguir controlar meu fascínio por
ele.
– Não um irmão... um filho – Zeb parou na minha frente, e aquelas palavras
caíram como um muro entre nós. – Existe a possibilidade de eu ter
engravidado uma mulher assim que saí da prisão. Pode ser que eu tenha um
filho de cinco anos por aí.
Percebi que fiquei boquiaberta e me senti aliviada por ter dado uma
corzinha artificial ao meu rosto, porque, se antes eu estava corada pela
proximidade com ele, certamente agora devia estar pálida diante daquela
revelação.
– Uma possibilidade, mas você não tem certeza? – era o que eu perguntava
a qualquer cliente na mesma situação. – Tem alguém atrás de você pedindo
pensão alimentícia?
Ele balançou a cabeça e começou a andar de novo.
– Não. Foi um caso de uma única noite, e a mãe sequer sabia quem era o
pai antes de o bebê nascer. Ela faleceu recentemente, e o menininho está sob a
tutela do Estado. A amiga da mulher me encontrou, me disse que sou o pai da
criança e implorou para que eu o tire do abrigo do governo. Não me lembro da
mulher nem do sexo, mas me lembro bem do dia, porque é o dia em que fui
solto, e o tempo condiz com a época. O garoto acabou de completar cinco
anos, de acordo com a amiga que me encontrou.
Franzi a testa e controlei a vontade de me levantar, agarrar seu braço e
pedir para que ele parasse de andar de um lado para o outro, para que eu
pudesse conversar sem ter que torcer o pescoço.
– Então a desconhecida apenas despejou tudo isso em cima de você, sem a
mãe por perto, e você acreditou na palavra dela? – ele precisava ser mais
esperto do que isso.
Minha cara de espanto finalmente fez com que ele parasse na minha frente e
me olhasse. Arfei surpresa quando ele se inclinou de leve e segurou o celular
diante do meu rosto.
– Não. Eu achei que ela era doida e ameacei mandá-la embora do local da
reforma, até ela me mostrar uma foto do menino – olhei chocada para uma
imagem de Zeb em miniatura na tela do telefone. – Essa prova me fez ouvir o
que ela tinha a dizer.
Sem pensar, peguei o telefone da mão cheia de calos dele e toquei o
rostinho lindo que me encarava.
– Ele é a sua cara.
Zeb riu.
– Percebi. Por isso estou aqui.
Não consegui parar de olhar para o menininho. Então sem olhar para a
frente, perguntei:
– Não há outros parentes? Avós, tios e tias que possam ficar com ele
enquanto nós resolvemos a questão da paternidade? – me retraí ao perceber
que havia dito “nós”, como se fosse um problema para o qual encontraríamos
uma solução juntos. Até onde eu sabia, Zeb só queria um conselho ou o nome
de outro bom advogado. Pensar que outra pessoa poderia ajudá-lo a resolver a
questão problemática no tribunal fez os pelos de minha nuca se arrepiarem.
– De acordo com a amiga que me trouxe a informação, a mãe levava um
estilo de vida bem perigoso. Ela não estava em contato com a família havia
anos. O menininho não tem ninguém e, se ele é meu filho, preciso fazer o certo
por ele, e o quanto antes.
Engoli em seco e entreguei o telefone quando ele estendeu a mão para pegá-
lo. Levei a mão ao peito, porque meu coração batia tão acelerado que pensei
que Zeb seria capaz de vê-lo através de minha pele ou de camadas de roupa.
– Isso é muito admirável, Zeb.
– Não, não é. Se ele é mesmo meu filho, eu deveria estar cuidando dele
desde sempre. Ele não deveria estar nessa situação, porque eu estava bêbado
demais e muito arrasado para pensar em usar camisinha. Não é culpa dele que
a mãe era uma viciada e que tomava decisões horrorosas. Nenhuma criança
deveria sofrer pelas decisões ruins que os adultos de sua vida tomam. Ele
merece mais do que isso.
Concordava, mas também achava que ele estava sendo meio duro consigo
mesmo. Eu conhecia muitos homens que, se estivessem na mesma situação,
teriam ignorado a notícia de que eram pai e fingiriam que nada tinha
acontecido.
Como a conversa havia se tornado séria bem depressa, não me sentia mais
à vontade sentada, enquanto Zeb permanecia de pé. Me levantei e adotei a
posição em que ele estava antes, recostada na mesa de tampo de vidro. Apoiei
as mãos ao lado do corpo para poder tamborilar as unhas na superfície. Outro
hábito inconsciente que eu tinha e que meu pai abominava. Ele detestava tanto
isso que eu tinha uma lembrança clara, dos meus catorze anos, de ele me
repreendendo e me castigando, mandando-me para o quarto no meio de um
jantar em família preparado em nossa casa quando sua empresa venceu uma
disputa importante. Foi aterrorizante ser exposta diante dos colegas e da
família dos colegas dele por algo tão pequeno, algo tão aparentemente
insignificante. Meu pai me ignorou por dias, com cara feia. Ele me disse que
eu não servia para ficar entre as pessoas, que não tinha modos e que ele havia
me criado para ser melhor do que aquilo. Sua reprovação me irritava como se
insetos percorressem meu corpo sempre que eu fazia algo de que ele não
gostava. Eu aprendi a me comportar como se nada do que ele dissesse ou
fizesse me incomodasse. Me estremecia um pouco ao ver sua cara feia em
minhas lembranças e, no mesmo instante, parei de tamborilar as unhas.
– O que você quer fazer, Zeb? Quer ter certeza de que o menino é seu filho
e, se for, entrar com um pedido de guarda integral? Qual é seu plano?
Ele se posicionou na minha frente, e nos olhamos por um momento
demorado, em silêncio. Ele deu um passo à frente, até as pontas de suas botas
surradas da marca Red Wings quase tocarem meus dedos de unhas pintadas.
Ele abaixou a cabeça, e ficamos cara a cara. Parei de respirar quando ele
esticou os braços e apoiou as mãos nas minhas. Ele era mais alto do que eu,
mas meus seios alcançavam a metade de seu peito, e ele estava curvado o
suficiente para que todas as partes de seu corpo com as quais eu havia
sonhado ficassem pressionadas contra as minhas. Vi uma veia grossa latejar na
lateral de seu pescoço. Aquilo era o mais próximo que eu já tinha chegado de
Zeb, e percebi que a proximidade não ajudaria na minha insônia. Ele havia
estado em todos os lugares, mas, ainda assim, não perto o bastante.
– Meu plano é você, Sayer.
Abri a boca e voltei a fechá-la. Ergui as sobrancelhas e senti que corava do
pescoço para cima. Os olhos dele estavam tão escuros naquele momento, que
era quase impossível ver as pupilas, toda sua respiração era sentida por mim.
Senti a tensão dele e a minha em minha língua. O sabor de cada uma era muito
diferente, cada uma tinha um gosto particular.
– O que isso quer dizer, exatamente? – minha voz estava fraca e trêmula, e
não era possível esconder o modo como meu corpo reagia à proximidade com
ele. Pensei nas roupas que usava para trabalhar, mas o tecido fino de meu
pijama evidenciava como eu estava corada e como meus mamilos haviam
ficado tensos e podiam ser notados.
Ele notou.
Zeb deu um passo à frente, passou as mãos ásperas em meus braços até elas
envolverem meus ombros.
– Quero que você me ajude, Sayer. Preciso que você me ajude a passar por
isso. Preciso que você me ajude a ajudar esse menininho, ainda que ele não
seja meu.
Ele olhou em meus olhos, e eu sentia que estava sendo fundida no chão do
escritório. Assenti de leve.
– Claro que vou te ajudar, Zeb. Vou começar a levantar a papelada de que
precisamos para resolver a questão da paternidade na segunda. Você vai
precisar fazer um exame de DNA, e vamos mandar uma petição ao Estado para
que façam o exame no garotinho também – eu realizava muito trabalho pro
bono para famílias na comunidade, e aquele era um caso que eu gostaria de
assumir sem cobrar, apesar de saber que Zeb ganhava dinheiro suficiente para
pagar os meus honorários.
Ele suspirou, e me surpreendi quando ele abaixou a cabeça encostando-a
contra a minha. Senti sua barba em meu rosto e tive vontade de gemer diante
da suavidade surpreendente dela. Também senti vontade de esfregar meu rosto
nela como uma gata.
– Não, acho que você não entende o que estou pedindo. Quero que você me
ajude porque sou eu, Sayer. Não por ser seu trabalho e o que você faz.
A voz grave dele vibrou em minha pele, e, de repente, me senti lançada em
um universo alternativo, um universo no qual eu só podia sentir as coisas. Com
cuidado, pousei uma mão no meio do peito largo de Zeb e me surpreendi ao
ver que seu coração batia tão rápido e tão alterado quanto o meu.
– Claro que o fato de ser você e de nos conhecemos torna as coisas mais
complexas em um nível pessoal. Por que você pensaria o contrário? – eu
estava em uma situação muito difícil para me concentrar, porque ele havia
dado mais um passo à frente, e ficamos ainda mais unidos. Além disso, ele
levou as mãos ao meu rosto, uma de cada lado. As palmas de suas mãos eram
ásperas, e senti vontade de me acomodar nelas.
– Por você ter passado três meses driblando minhas tentativas e ignorando
todo elogio que faço a você. Todo o tempo em que trabalhei na sua casa, você
se esforçou para que as coisas entre nós continuassem estritamente
profissionais. Mas não pode negar que, quando nos aproximamos, rola algo
que não tem nada de profissional. Quero sua ajuda, Sayer, mas também quero
você.
Franzi a testa ao ouvir isso e levantei as mãos para segurar os braços de
Zeb. Não me espantei quando meus dedos não se tocaram ao redor de seus
pulsos. Ele era grande e másculo. Era a imagem perfeita de um homem, e eu
não tinha ideia do que fazer com tudo isso nem com o fato de ele ter acabado
de me dizer que eu não era a única sofrendo com o que parecia ser um caso
fatal de tesão reprimido.
– Pensei que você só estivesse sendo simpático. Você joga charme pra todo
mundo. Pensei ser um hábito e não queria tornar as coisas esquisitas entre nós,
já que você tinha muito o que fazer aqui na casa – sem contar que não queria
tentar explicar minha bagagem e meu problema crônico de pensar demais em
todas as minhas atitudes.
Zeb era um sujeito bacana. Não transaria comigo sem me conhecer, e eu
sentia enjoo só de pensar que ele poderia conhecer alguma parte minha de
verdade, alguma parte da pessoa que pisava em ovos todos os dias, da pessoa
que sempre esperava o pior, da pessoa que passou a vida toda torcendo para
alcançar o nível de expectativa estabelecido por todos os homens a quem ela
mais odiava. Zeb não gostaria muito dessa pessoa. Ninguém gostava.
Ele jogou a cabeça para trás e enrugou as sobrancelhas, contrariado.
Contraiu os lábios, e vi sua mandíbula tensa sob a barba.
– Você achou que eu queria te levar pra cama por hábito? Que não tenho o
menor controle perto de uma mulher bonita e quero apenas trepar com quem
aparece na vizinhança? Meu Deus, Sayer, você me acha um babaca comedor!
Apertei os punhos dele e fiz cara brava ao sentir sua pulsação aumentar sob
meu toque.
– Não te acho um babaca nem um comedor, Zeb, mas também não tenho
experiência com homens como você.
– O que isso quer dizer? Que tipo de homem eu sou?
Ele estava ficando irado e frustrado, e eu não o julgava. Era difícil explicar
por que ele era tudo o que eu queria, mas tudo que eu não podia ter. Estávamos
em níveis diferentes quando o assunto era nossa personalidade, e eu sabia que
não havia como alguém tão intenso e expressivo quanto ele se interessar por
uma pessoa tão fechada como eu. Eu era a pedra de gelo no quesito
disponibilidade emocional, e ele era a labareda. No olhar dele, vi a
intensidade de sua irritação enquanto ele esperava minha resposta abalada.
– Você é um homem confiante e determinado. Um homem que está
acostumado a ver mulheres caindo a seus pés. Um homem excitante e
interessante – ergui uma sobrancelha para olhar para ele. – É um homem
tatuado que dirige uma caminhonete vintage por aí, um homem que não se
importa em se sujar e que consegue criar coisas para viver. Isso é o oposto de
tudo o que já vi, Zeb.
Ele parou de franzir as sobrancelhas e as ergueu, fazendo com que
desaparecessem por baixo dos cabelos escuros. Um sorriso que só poderia ser
descrito como malicioso apareceu sob sua barba, e ele segurou meu rosto com
mais pressão.
– Pensei que você diria que sou um homem com passado. Um homem que já
foi preso. Pensei que diria que o tipo de homem com quem você não tem
experiência é um homem com meu histórico. Você me surpreendeu.
Se eu fosse um tipo diferente de mulher, poderia dar um tapa na cara dele
pela ignorância.
– Onde você esteve não define quem você é, Zeb. Eu disse quando nos
conhecemos que entendo que as pessoas erram.
Ele resmungou e aproximou o rosto do meu.
– E aqui estou eu, em sua casa, com mais um erro. Quer que eu te ensine
sobre homens como eu, Sayer? Sou bem simples de entender.
Não acreditei naquilo nem por um segundo, por isso abri a boca para falar.
Não havia nada de simples na intensidade. Mas não consegui emitir nem um
som porque, antes de dizer alguma coisa, de repente acabei sabendo como era
ser beijada por um homem com barba. Ele abaixou a cabeça e grudou a boca
dele na minha.
Foi incrível.
Seus lábios estavam quentes e macios quando pousaram nos meus, e o roçar
de sua barba criou atrito suficiente contra minha pele para me fazer estremecer
toda. Ele ainda segurava meu rosto, então inclinou minha cabeça para trás.
Enquanto eu tentava aceitar o fato de aquilo estar acontecendo, ele invadiu
minha boca com sua língua, e eu pensei que acabaria desmaiando de prazer.
Eu já havia beijado. Gostava de beijar. Gostava da união das bocas e de
como era possível saber que tipo de homem tinha em mãos analisando sua
habilidade ou a falta dela em um ato tão simples. Gostava de o beijo ser algo
íntimo e envolvente, sem a necessidade de colocar todas as cartas na mesa.
Porém, mais do que isso, gostava de o beijo mostrar exatamente o nível de
interesse do sujeito. Se fosse um beijinho no rosto ou um selinho, não havia
tesão. Se fossem lábios pressionados sem uso da língua, ele considerava a
mulher atraente e beijável, mas provavelmente não se esforçaria para
conquistá-la. Se houvesse um roçar de dentes e um movimento de língua, havia
promessa e potencial.
E também havia o que Zeb estava fazendo comigo. Parecia uma conquista.
Uma vitória. Uma batalha disputada e vencida. Ele parecia fazer de um jeito
para que eu nunca mais na vida conseguisse beijar alguém sem comparar com
o beijo que ele estava me dando, com a sensação dos lábios intensos dele
contrastando com a barba macia contra a minha pele. Era mais do que um
beijo, era uma sobrecarga de sensações, e todas as barreiras transparentes em
mim estavam se rachando.
Os lábios de Zeb eram firmes e incansáveis contra os meus. Sua língua
dançava com a minha, enquanto ele resvalava os dentes com delicadeza em
meu lábio inferior. Eu sentia o beijo criar sensações em todo o meu corpo e
conseguia apenas me manter ali e deixá-lo me devorar, enquanto gemia e
tremia contra ele. Acho que o beijei também. Eu queria muito retribuir, mas
estava perdida demais na sensação, presa demais na fantasia que se tornava
realidade e no fato de tudo ser muito melhor do que aquilo para o que eu
estava preparada, por isso pode ser que eu tenha apenas ficado ali como uma
tonta, sem reação.
Quando ele finalmente se afastou, após explorar todos os cantos escondidos
que eu tinha na boca e na língua, sua respiração estava ofegante, e seus olhos
estavam vidrados de desejo e de algo mais profundo.
– Homens como eu gostam de ação, Sayer. Somos muito melhores em fazer
do que em dizer – ele soltou meu rosto e deu um passo para trás. Não havia
como negar que a parte da frente de sua calça jeans desbotada estava muito
mais justa. Meu Deus, eu queria passar as mãos em cima daquele volume
enorme. – Desejo você desde o primeiro dia em que nos vimos no bar, quando
você estava com Rowdy.
Pigarreei antes de tentar falar. Minha cabeça ainda girava, meus sentidos e
minha libido haviam sido tomados de assalto, e eu tentava retomar meu bom
senso.
– Zeb... – o nome saiu estridente, apesar de eu ter tentado me acalmar. –
Gosto de você e te acho incrivelmente atraente, mas você não me conhece, e
acho que não estaria interessado em mim se me conhecesse. Está claro que
existe atração entre nós, mas não posso depender só de química, não sou assim
– apesar de às vezes desejar ser. – Ainda assim, posso ajudá-lo com a
situação do menino. Vamos resolver tudo juntos, por isso não se preocupe, as
coisas não serão esquisitas entre nós. Podemos esquecer esse beijo e nos
concentrar no que importa.
Eu nunca me esqueceria daquele beijo... nunca na vida.
Ele rosnou como um animal. Apoiou as mãos no quadril esguio e estreitou
os olhos, que agora estavam da cor normal.
– Sayer, quer sair comigo?
Abri a boca para dizer que sim, óbvio, mas que não era uma boa ideia,
considerando as outras coisas que estavam acontecendo na vida dele no
momento. Também não queria entediá-lo e correr o risco de ele descobrir
como eu era sem graça. Mas, antes que eu pudesse falar, ele levantou uma das
mãos e me apontou um dedo.
– Não me venha com resposta idiota de advogada nem me diga o que acha
que você deveria dizer. Apenas diga sim ou não: quer sair comigo?
Dessa maneira, sincera e direta, só havia uma coisa que eu podia responder
sem mentir.
– Sim, quero sair com você, Zeb – por mais que, provavelmente, isso fosse
acabar de um jeito péssimo.
Ele sorriu, e eu senti meus joelhos fraquejarem.
– Certo, então vou dar um jeito. Vamos sair, e você verá que pode lidar com
alguém como eu... Acho que vou curtir essa parte.
Ele deu um passo para a frente, e me assustei quando ele me puxou em um
abraço de um braço só.
– Obrigado. Sabia que você me salvaria.
Isso era pressão demais, e vivi um momento de pânico ao pensar no que
aconteceria se eu o decepcionasse em um tribunal ou em um encontro.
– Vamos dar um jeito. Sou muito boa em meu trabalho, e as crianças foram
minha motivação para ser advogada de direito de família, eu queria ajudá-las
– porque ninguém tinha me ajudado. – A propósito, qual é o nome dele?
– Hyde. O nome dele é Hyde.
Claro que sim. Um Zeb miniatura não poderia ter outro nome que não fosse
bacana e incomum.
– Vou cuidar de você, de vocês dois – minha voz foi abafada pelo tecido da
camisa de Zeb, mas eu tinha certeza de que ele havia ouvido, porque me
abraçou com mais força.
Eu já estava me aproximando demais, me derretendo. Estava fazendo
promessas que não poderia cumprir. Era isso o que acontecia quando a
emoção começava a atravessar as rachaduras no gelo.
CAPÍTULO 4
Zeb
Sayer
E U ESTAVA SENTADA À MINHA MESA, MEXENDO, SEM SABER O QUE FAZER DIREITO, EM
uma enorme papelada, em arquivos de casos, quando ouvi uma leve batida à
porta do escritório. Frustrada, afastei o papel cheio de palavras que meus
olhos cansados não tinham conseguido ler e disse à pessoa do lado de fora
para entrar.
Carla Dragon era uma excelente assistente jurídica, a única que não havia
me irritado nas últimas semanas. Eu sabia que estava mais do que tensa, longe
de manter meu foco, como normalmente fazia, desde que o Estado havia
aceitado realizar o exame de DNA em Hyde para ser comparado ao de Zeb.
Sabia que não deveria me envolver tanto com o resultado como estava me
envolvendo, mas cada dia que passava era como se eu estivesse esperando
uma bigorna enorme cair em nossa cabeça. Era como se a resposta fosse quase
tão importante para mim quanto para Zeb. Com isso, experimentava novas
emoções que me tiravam do eixo e me deixavam muito desconfortável.
Zeb telefonava mais ou menos a cada dois dias para ver se havia alguma
novidade, apesar de eu sempre dizer que o avisaria assim que a papelada
chegasse à minha mesa. Sua ansiedade e o tempo que passava pensando no
resultado do exame só serviam para aumentar minha intranquilidade, e eu
sabia que ele estava bem ansioso para fazer as coisas acontecerem, para
apressar tudo e poder ter acesso à criança. Admirava isso e o admirava
também, mas havia certa dúvida latejando em meu peito, porque, apesar de
conversar com o empreiteiro quase todo dia, ele ainda não havia dito nada
sobre o encontro para o qual havia ficado de me convidar.
Logicamente eu sabia que o momento não era o melhor para isso, e que nós
dois tínhamos assuntos muito mais importantes a tratar no momento, mas a
antiga incerteza contra a qual passei a vida lutando, que havia criado raízes em
mim reforçando a ideia de que eu não era boa o suficiente, que não era digna
da atenção nem do tempo de ninguém, me cutucava, por mais que me
esforçasse para afastá-la. Zeb não estava me ignorando nem me tratando mal,
mas a lembrança da sensação de que alguém por quem eu me importava não se
importava comigo gerava certo incômodo.
– Oi, tudo bem? Esta é a terceira vez na semana em que você permanece em
sua mesa muito tempo depois de seus sócios terem ido para casa – Carla
entrou no escritório e se sentou à minha frente, na mesa atipicamente
bagunçada. Olhei o arquivo de papel pardo que ela segurava e estreitei os
olhos. Carla era uma jovem adorável e muito sagaz, rápida e muito focada na
carreira que queria seguir. Não me surpreendia ela também estar trabalhando
até tarde. Sabia que, no momento, estava feliz por ser uma assistente jurídica
em uma das principais empresas de advocacia do Colorado, mas ela deixava
claro que, um dia, queria estar sentada à mesa grande e bagunçada, lidando
com os arquivos. Carla trabalhava em período integral para nós e tinha uma
família. Eu não fazia ideia de como ela conseguiria terminar a faculdade de
direito, mas admirava sua vontade e sua confiança de que poderia lidar com
tudo. Eu precisava de um pouco daquela atitude decidida.
Em Seattle, minha vida tinha sido estruturada, rígida e dolorosamente
previsível. Ao me desligar de lá, ao mandar a cautela às favas e vir para o
Colorado, me vi em um território bastante desconhecido. Engatinhava em
quase todos os aspectos de minha vida fora do trabalho, porque tudo era
novidade. Eu tinha uma família para a qual não precisava implorar afeto.
Tinha alguém que sabia como amar e ser amado sem joguinhos. Tinha
sentimentos por um homem que ameaçavam me engolir. E tinha alguém que
precisava que eu fosse forte, para ajudar a fechar uma ferida, mas eu não
passava de um ferimento feio e aberto. Não acreditava estar fazendo as coisas
do jeito certo fora do tribunal, mas estava tentando.
– Estou só correndo atrás do prejuízo. Não sei como consegui me atrasar
tanto, mas me atrasei.
Ela ergueu as sobrancelhas e inclinou a cabeça, indicando o arquivo aberto
na minha frente, em cima da bagunça dos outros.
– Será que é porque você não fez nada além de olhar para esse arquivo nas
duas últimas semanas? Sempre que estou em seu escritório, ele está aberto na
mesa, e você aí, olhando fixamente para ele.
Não havia como não olhar a foto em preto e branco de Zeb, nem seus lábios
contraídos de raiva na foto. Foto de uma época muito anterior à de agora, que
ele tem barba, e eu não conseguia me conformar ao ver como ele era jovem e
parecia furioso na imagem. Aquele não era o Zeb Fuller que eu conhecia e
com quem sonhava toda noite, mas uma versão de Zeb que existia e com a qual
era difícil lidar quando o assunto era o menino. Pensar que a paixão podia ser
tão selvagem e perigosa me assombrava.
Sabia tudo sobre a acusação de lesão corporal e sobre ele não ter
recorrido, mas apenas decidido cumprir sua pena. O mais surpreendente no
caso era a acusação de colocar em risco um incapaz.
O relatório da polícia era vago, assim como as anotações do advogado do
Estado que havia cuidado do caso de Zeb. Mas, pelo que consegui entender,
ele tinha ido atrás do namorado da irmã e o agredido o suficiente para deixá-
lo no hospital por algumas semanas. A agressão ao outro homem havia
acontecido no apartamento da irmã de Zeb e na presença da filhinha da moça,
então com três anos.
O policial responsável pelo flagrante relatou que a criança estava
aterrorizada e chorosa. Disse que a menina sequer olhou para ele, nem parou
de gritar quando ele interveio na situação, e que por isso havia incluído a
acusação de que Zeb havia exposto a criança a uma situação de risco. Não era
incomum a polícia incluir essa acusação em caso de pais fisicamente violentos
que se digladiavam sem pensar em como suas atitudes podiam afetar o bem-
estar mental dos filhos. Era um pouco mais incomum que a acusação recaísse
em um parente da criança, sobretudo em alguém que não morava com ela e, no
caso de Zeb, isso seria ainda mais complicado de ser julgado.
– Ele é meu amigo, então o caso se tornou pessoal. Estou mais envolvida
nele do que deveria, provavelmente.
Carla abriu um sorriso cúmplice e inclinou-se para a frente com o envelope
na mão.
– Ele é um amigo bonito. Vejo que você quer que as coisas fiquem muito
pessoais com ele – revirei os olhos e peguei, em meio à bagunça, o envelope
que ela me entregava. Meu coração deu vários saltos e decidiu começar a
dançar tango quando vi, na etiqueta, o nome do laboratório que o Estado usava
em todos os exames.
Minha reação deve ter me denunciado, porque Carla riu um pouco ao se
levantar.
– Eu estava indo embora, mas tive que deixar um pedido de divórcio no
correio para ser enviado amanhã cedo e vi o sujeito das entregas deixar coisas
na recepção. Sabia que você queria isto o mais rápido possível.
– Ah, obrigada – segurei o envelope como se dentro dele houvesse algo
valioso e muito frágil. O conteúdo daquele envelope de papel pardo mudaria
vidas. Ele deveria estar envolto em algo mais forte do que papel.
Carla atravessou a sala em direção à porta e parou na entrada.
– Você não vai abri-lo? Pensei que rasgaria o envelope na hora, já que anda
tão focada e tão obcecada com esse caso há semanas.
Olhei o envelope e a assistente e, lentamente, balancei a cabeça, negando.
Era comum o advogado que representava o solicitante em um caso de
comprovação de paternidade ver o resultado e pensar na melhor maneira de
dar a notícia, ruim ou boa, ao cliente. Mas, nesse caso em especial, sabia que
Zeb precisava ser a pessoa a abrir o envelope. Precisava ser a primeira
pessoa a ver o resultado e confirmar se Hyde era mesmo dele. Eu sentia, em
meu íntimo, que levar o resultado do exame e deixar que ele próprio
descobrisse a resposta era o jeito certo de proceder.
– Não. Neste caso acho que o cliente precisa ver o resultado primeiro.
– Diferente do modo como costumamos lidar nos casos de exame de
paternidade – seu tom de voz era questionador, e comecei a procurar meu
celular na bagunça sobre a mesa. Precisava de vinte minutos para organizar
tudo e colocar a mente e o espaço de trabalho em ordem de novo.
– Como disse, esse cliente é um amigo meu, e as coisas são bem fora do
comum – incluindo o modo irracional com que meu corpo, e tudo dentro de
mim, era afetado assim que eu olhava para Zeb.
– Certo. É pessoal. Cuidado com isso, Sayer. Tornar pessoal qualquer coisa
relacionada à justiça é um caminho para o desastre. Quantos clientes você teve
que precisaram ser persuadidos, porque o amor não bastava para lutar contra o
protocolo e as ordens do juiz? Você é uma grande advogada, e parece que seu
amigo precisa que você seja isso mais do que qualquer outra coisa – ela disse
boa-noite e deixou a porta do escritório aberta, porque eu era, oficialmente, a
última pessoa dentro do luxuoso prédio em Lower Downtown Denver.
Tamborilei os dedos no telefone sobre o arquivo aberto em que o jovem
Zeb me olhava em preto e branco. Mesmo aquela imagem fazia meu coração se
acelerar. O alerta de Carla fazia sentido... até demais.
Se o resultado que eu segurava fosse positivo e comprovasse a paternidade,
então Zeb precisaria que eu fosse sua representante legal muito mais do que
uma mulher super a fim dele. Eu seria muito mais útil no âmbito profissional
do que no pessoal e, ainda que me sentisse muito triste com a ideia, percebi
que era assim que eu precisaria abordar a situação com ele a partir de então.
Precisava trazer de volta a rainha do gelo, como eu havia sido no período em
que ele trabalhou na minha casa. De alguma maneira, precisava ignorar o tesão
irracional e me lembrar que éramos duas pessoas com muito pouco em comum
e sem a menor chance de um relacionamento romântico que desse certo.
Fechei a pasta com aquele rosto que me seguia para todos os lados, peguei
o telefone e procurei o contato de Zeb. O telefone tocou várias vezes, o que
achei esquisito, porque ele estava muito ansioso para saber do resultado. Em
geral, me apressava para atender suas chamadas ou ligar de volta, então,
quando minha chamada caiu na caixa postal, franzi a testa e logo comecei a
pensar no que, e em quem, poderia estar tomando o tempo dele. Foram
pensamentos sem controle. Frustrada e um pouco irritada comigo mesma,
joguei o envelope em cima do arquivo agora fechado e disse a mim mesma que
deixaria Zeb ali, no escritório, com centenas de outros casos sobre a mesa e
enchendo os armários.
Estava tirando os grampos de meus cabelos, retirando os saltos e a meia-
calça para vestir meus tênis rosa-choque da Vans, o qual havia comprado
quando fui ao shopping com a moderna e estilosa namorada do meu irmão.
Eles eram confortáveis e casuais e, antes de me mudar para o Colorado, nunca
os teria usado. Nem quando saí da casa de meu pai para ir à faculdade. Só
após decidir correr o risco de ir para Denver e conhecer Rowdy, comecei a
dar passinhos de formiga na direção de não analisar todas as decisões,
pensando em como elas me afetariam. Eu podia usar sapatos cor-de-rosa
porque eles eram bonitinhos, sem temer ser criticada por essa escolha. Apenas
meu pai podia ver algo simples como um par de sapatos e transformá-lo em
um reflexo do valor e dos defeitos de alguém.
Estava pegando meu laptop para colocar na bolsa quando o telefone tocou
onde eu o havia deixado. O som foi assustadoramente alto no silêncio do
escritório e, ao ver o nome de Zeb na tela, resmunguei e senti minha pulsação
aumentar.
Passei os dedos pelos cabelos soltos e levei o telefone à orelha. Assim que
atendi, ouvi uma respiração ofegante e muito barulho ao fundo.
– Alô? – atendi e ouvi a voz grave de Zeb gritar ordens a alguém que
obviamente não era eu.
– Você precisa mandar alguém entrar no fosso ao lado da entrada da casa
com um ímã. Não quero os vizinhos me enchendo a paciência por causa de
pregos nos pneus deles. Já ficaram putos porque coloquei vocês para trabalhar
até tarde nas duas últimas noites. Alô? Sayer, é você? Você me ligou? Tem
novidades?
Ele parecia agitado e ansioso como sempre que conversávamos, e senti
vergonha de mim mesma por ter pensado qualquer coisa diferente só porque
ele não conseguiu atender meu telefonema. Me inclinei para a frente e apoiei a
testa na beirada da mesa com um baque.
– Sayer? Você está bem? O que está acontecendo? – ótimo, agora ele estava
preocupado comigo porque eu estava agindo como uma idiota.
Respirei fundo e disse a mim mesma que precisava me recompor.
– Tudo bem. Ainda estou no escritório e acabei recebendo
correspondências fora do expediente. Algo que você vai querer ver. Ia me
oferecer para levar na sua casa, mas parece que você também está
trabalhando. Pode vir ao meu escritório de manhã, se quiser.
Ele ficou calado do outro lado da linha. Ouvi os homens de sua equipe ao
fundo e o som de carros, enquanto ele respirava baixo em meu ouvido.
– Zeb? – não queria perguntar se ele estava bem, porque sabia que não
estava. Sua vida mudaria, mesmo que o menininho adorável que era a sua cara
não fosse seu filho. Ainda que Hyde não fosse seu filho, eu tinha a sensação de
que saber que o menino estava preso no sistema, sem família nem ninguém
para cuidar dele, não seria algo com que Zeb ficaria bem. Ele gostava de
consertar as coisas, e aquele menininho certamente estava em sua lista de
projetos.
Ele pigarreou, e consegui imaginá-lo andando de um lado para o outro,
passando a mão livre pelos cabelos caídos na testa. Quem imaginaria que ser
desleixado pudesse ser tão sensual?
– Você viu? O resultado, quero dizer... Eu sou pai?
Levei a mão ao peito ao sentir o coração apertar com a última palavra dele,
que saiu embargada. Não tinha mais como manter as coisas profissionais.
– Não, não abri o envelope. Achei que é algo que você precisa fazer. Sei
como você anda preocupado.
Ele riu de um jeito tão feio e tão áspero que senti a pele arrepiar.
– Preocupado? Até parece. Sayer, tenho a sensação de que o mundo parou
de girar, como se tudo o que faço ou digo estivesse ao contrário, porque não
consigo pensar em nada além do menino. Já faz semanas, e ele ainda está sob a
guarda do Estado, sozinho e, é muito provável, aterrorizado. Ele precisa saber
que tem uma família. Precisa saber que tem a mim – Zeb disse mais um
palavrão e então suspirou. – Tive um problema com a instalação de um novo
sistema elétrico na obra que estou fazendo, e depois meu amigo Asa me pediu
para ver um espaço no qual ele está pensando em investir, por isso estou uma
semana atrasado nessa reforma. Estou em cima dos rapazes esta semana e
ainda tenho algumas coisas para terminar hoje. Detesto ter que pedir isso,
porque o local parece ter sido assolado por um tornado, mas você se
importaria em passar por aqui com o resultado, a caminho de sua casa? Se não
puder, posso ir à sua casa mais tarde para buscá-lo. Acho que não tenho
paciência para esperar até amanhã.
Peguei o envelope da mesa e o enfiei na bolsa.
– Vou até você. Só me dê o endereço.
Seu suspiro de alívio foi audível. Então ele me deu um endereço que ficava
em uma parte de Denver que eu não conhecia bem, chamada Highlands. Anotei
a informação e disse que logo estaria lá. Mas não sem antes perguntar com
cuidado:
– Zeb, você quer chamar alguém da sua família ou um amigo? Sei que está
esperando há muito tempo pelo resultado desse exame, mas quando o vir,
quando tudo se tornar real, pode ser que não queira enfrentar o momento
sozinho.
Mais de uma vez eu tinha visto como notícias difíceis podiam deixar uma
pessoa mal. Queria garantir que Zeb teria todo o apoio de que precisasse para
suavizar o baque.
– Você vai estar aqui, certo? – a voz dele saiu rouca, e o arrepio que senti
ao ouvir aquilo nada tinha a ver com receio dessa vez.
– Sim, estarei.
– Então, você é a única pessoa de que preciso no momento de descobrir se
sou mesmo o pai de Hyde. Sinceramente, se o resultado for negativo, acho que
minha mãe teria uma reação pior do que a minha. Ela já está chamando o
menino de neto. Não quero decepcioná-la – sua voz se alterou quando ele
disse isso.
Concordei, ainda que ele não pudesse me ver, e ajeitei os cabelos. Eles
estavam enrolados e despenteados por terem ficado presos o dia todo.
– Certo, até já.
Ele resmungou um tchau e eu, por um momento, entrei em pânico tentando
decidir se deveria vestir a meia-calça e calçar os saltos de novo, para, mesmo
que não conseguisse me sentir profissional em relação a ele e ao caso, talvez
parecer profissional, mas então decidi que ele já vinha esperando há muito
tempo por aquele documento e que minha insegurança e minhas bobagens não
eram motivos bons o bastante para deixá-lo esperar mais.
Tranquei o escritório, desci pelo elevador e me despedi do guarda que
cuidava do prédio após o expediente.
O endereço que Zeb havia me passado levava a uma região da cidade que
era próxima da parte mais baixa do centro, do outro lado da rodovia. Era um
bairro que obviamente estava em processo de valorização, e as novas
fachadas das lojas, ao lado das antigas e malcuidadas comprovavam isso. Era
o tipo de lugar que os corretores de imóveis classificavam como “promissor”,
e era obviamente um bairro que podia compensar muito para um investidor
que soubesse o que estava fazendo no complicado mercado imobiliário.
Quando parei na frente da casa indicada no endereço, ficou claro que o sujeito
sabia bem o que estava fazendo.
A casa dele era a mais feia do quarteirão. Estava em estado desolador de
desleixo e parecia destruída e prestes a ruir. E parecia ainda pior por causa
das casas bem-construídas e bem-cuidadas que ficavam dos dois lados. Havia
crianças brincando ruidosamente no quintal das duas lindas casas vizinhas, e
me observaram com curiosidade quando estacionei atrás de um jipe sujo de
lama. Quando saí do meu carro e segui em direção à porta da frente da velha
casa, percebi que os pneus do veículo ostensivamente masculino chegavam
quase à minha cintura. Só podia ser do Zeb. Qualquer outra pessoa ficaria
péssima dirigindo um monstrengo daqueles pela cidade. Ele era o único
homem, grande e barbado o suficiente, para fazê-lo.
Nem precisei levantar a mão para bater à porta. Assim que pisei no último
degrau com meu tênis cor-de-rosa, a porta de ferro forjado e vidro se abriu e
eu fui levada para dentro por mãos firmes. Eu me choquei com um peito suado
e forte coberto por uma fina camada de algodão. Retribuí o abraço quase
sufocante e dei um tapinha nas costas de músculos firmes e bem trabalhados,
dizendo a mim mesma que abraçá-lo e tocá-lo eram condutas ruins sob aquelas
circunstâncias, apesar de querer muito fazer isso.
– Vai ficar tudo bem, prometo – minhas palavras meio se perderam em seu
peito forte, mas ele deve ter ouvido, porque me soltou em seguida.
Olhos da cor de um pinheiro me observaram da cabeça aos pés. Quando
pararam nos tênis cor-de-rosa em meus pés, ele sorriu.
– Esses tênis não combinam nem um pouco com as suas roupas, Sayer.
Eu suspirei e tentei não babar muito quando vi que ele ainda usava o cinto
de ferramentas por cima da calça jeans desbotada. Um pouco da pele firme,
bronzeada e coberta de pelos escuros aparecia entre a cintura da calça e a
barra da camiseta. Senti vontade de cair de joelhos e lamber toda a região.
Aquilo era uma sobrecarga de testosterona e meu corpo feminino não estava
preparado para o efeito daquela imagem. Meu Deus, havia algo inegavelmente
sensual a respeito de um homem que sabia usar as mãos. Havia algo que fazia
com que todo o meu corpo ficasse ofegante e interessado por saber que ele era
capaz de quebrar coisas com sua força e, em seguida, consertá-las facilmente.
– Eu estava indo para casa. Passar o dia de salto é péssimo. Não sou como
a Salem, que por acaso escolheu estes tênis. Preciso dar um tempo para os
meus pés – dei de ombros. – Mas obrigada por notar.
Ele riu e me levou para dentro da velha casa.
Paredes tinham sido derrubadas, parte do chão tinha sido arrancado, as
lâmpadas estavam penduradas por fios no teto. Ele tinha razão. Parecia mesmo
que um tornado havia assolado o lugar.
– São bonitinhos. Você poderia usar tênis do Bob Esponja e ainda assim
arrasar, Sayer. Eu só estava tentando diminuir um pouco a tensão. As coisas
estão bem estressantes no momento, sabe? – ele olhou para trás e estendeu a
mão para me segurar quando tropecei em uma tábua do chão que não tinha sido
pregada. Graças a Deus eu tinha tirado os saltos. Teria caído de cara e
morrido de vergonha.
– Desculpa pela bagunça. Comprei a casa em um leilão da prefeitura.
Estava prestes a ser demolida, por isso consegui comprá-la por quase nada.
Mas o preço condiz muito com a condição atual. É uma catástrofe agora, mas
quando eu terminar, vai ser a casa mais bacana do bairro, e do jeito que as
pessoas estão tomando essa parte da cidade, vou conseguir tirar dez vezes
mais o que investi – ele me puxou para o lado dele quando tropecei de novo, e
riu por cima de minha cabeça quando entrou, por uma abertura na parede, no
que já devia ter sido uma cozinha. – Este é o único cômodo que não está
imundo e que tem lugar para nos sentarmos. Em grande parte, porque ainda não
começamos a mexer aqui.
Havia ali o que parecia ser uma mesa antiga de cozinha coberta de manchas
de tinta e algumas cadeiras dobráveis de metal em más condições ao redor.
Zeb soltou e segurou o cinto de ferramentas com uma das mãos. Colocou-o
sobre a mesa, fazendo barulho, e eu estremeci um pouco porque o som era
sensual. Ele passou a mão pelos cabelos e pedacinhos de gesso e também
poeira se espalharam em todas as direções.
– Tenho certeza de que vai ficar incrível quando você terminar. Pude
comprovar seu talento e sua habilidade. – Eu me sentei em uma das cadeiras
que ele puxou para mim e engoli em seco quando ele se inclinou, deixando seu
rosto na altura do meu, e abriu um sorriso malicioso. Senti vontade de dizer
que ele poderia me comer quando e onde quisesse. As sensações
desconhecidas que ele trazia à tona em mim eram de dar medo por serem
muito cruas e fortes.
– Ah, Sayer, você não sabe de nada de meu talento e de minha habilidade...
pelo menos, não ainda – ele se recostou na mesa ao meu lado enquanto fiquei
olhando para ele feito tonta. – Mas isso fica para outra ocasião – ele esticou o
braço e remexeu os dedos fazendo um movimento para que eu entregasse o
envelope a ele. – Vamos ver.
Enfiei a mão na bolsa e tirei o envelope comprido. Eu o entreguei a ele e vi
seu peito se expandir quando ele respirou fundo. Passou a mão na barba, algo
que eu já tinha notado que ele fazia quando estava pensando muito em alguma
coisa.
– Parece tão inofensivo, não é? Como se fosse uma correspondência
qualquer e não algo que pode mudar o rumo da minha vida para sempre.
Fiquei um pouco surpresa, porque eu tinha pensado a mesma coisa quando
Carla entregou o envelope para mim momentos antes. Prendi uma mecha dos
cabelos atrás da orelha e disse a ele:
– Você ficaria surpreso se visse como alguns papéis acabam sendo
importantes para nós. Fazemos um esforço enorme para conseguir um diploma
para podermos pendurá-lo na parede. Elegemos o líder mundial enfiando um
papel na urna. Algumas pessoas procuram sem parar pela pessoa certa para
poderem ter uma certidão de casamento, e nem vamos começar a falar sobre a
importância dos papéis que alguém deixa quando não está mais entre nós – ao
ouvir o que eu dizia, seus olhos escureceram. – Quando peguei o testamento de
meu pai, meu mundo todo mudou. Aqueles papéis foram tudo para mim, então
entendo por que estes são tão importantes para você.
Quando recebi meu primeiro papel importante, meu diploma do ensino
médio, meu pai permaneceu tenso durante a cerimônia, com os lábios
contraídos de raiva por eu ter tido que dividir o posto de oradora da turma
com outra aluna. Eu deveria ter sido a melhor aluna da sala, e, sinceramente,
acho que ele só não se levantou e foi embora porque ficaria muito feio entre os
outros pais presentes. Quando reprovei no exame da ordem na primeira vez em
que o fiz, pensei que ele me deserdaria. Eu podia passar horas pensando em
todas as decepções que causei ao longo da vida. Eu precisava de um abraço,
de algum tipo de conforto, mas só recebi desprezo. Foi só o que recebi dele.
O testamento de meu pai foi outro pedaço de papel que mudou minha vida
para sempre. Nele, ele finalmente contava que era pai de outro filho, um filho
com quem ele queria que eu dividisse suas propriedades. Um filho com quem
ele nunca tivera nenhum vínculo. Um filho que ele havia abandonado. Um filho
por quem fiquei obcecada assim que soube de sua existência, pois o fato de
ele existir significava que eu não estava mais sozinha. Era um simples pedaço
de papel que meu pai tinha deixado que finalmente me deu uma família. Um
pedaço de papel que me trouxe alguém que me amava e tratava com gentileza e
cuidado, coisas de que eu desesperadamente precisava. Eu nunca
desvalorizaria o poder de algo que parecia tão inofensivo quanto um pedaço
de papel sabendo o poder que ele tinha.
Ficamos nos olhando em silêncio até ele respirar fundo e começar a mexer
na aba do envelope.
– Eu pensei que estava pronto para qualquer resultado... positivo ou
negativo, mas agora acho que só seria capaz de aceitar uma resposta.
Estiquei o braço e apoiei a mão no antebraço dele enquanto ele mexia no
monte de papéis que retirou do envelope. As mãos grandes tremiam e os olhos
tinham ganhado um tom muito próximo do preto.
– Vai dar tudo certo independentemente do resultado. Vamos cuidar disso.
Há opções, Zeb.
Ele assentiu distraidamente enquanto seus olhos percorriam os papéis
desesperadamente. Contraiu os lábios com a barba emoldurando-os, seu rosto
ficou pálido e, em seguida, corado. Ele me olhou e, sem nada dizer, me
devolveu os papéis.
Eu os peguei da mão dele, mas não os analisei. Não conseguia dizer, por
sua reação, se ele precisava de um abraço ou de um tapa na cara.
– O que está dizendo? Você é o pai de Hyde?
Ele só ficou me olhando em silêncio, com a respiração ofegante enquanto
nos observávamos. Eu estava me preparando para ler os resultados quando ele
sussurrou de repente:
– Tenho um filho. Sou pai – sua voz estava tão embargada, tão cheia de
emoção e sentimento, que quase doía ouvi-lo falar. Eu havia me treinado para
não sentir nada, ou para controlar os sentimentos, ser forte e me manter focada.
Mas ali estava aquele homenzarrão sentindo tudo de uma vez, e eu nunca tinha
visto ninguém tão agitado e feliz.
– Zeb? – aquilo era meio pergunta, meio preocupação.
Ele se virou para me olhar e mais uma vez, disse:
– Sou pai. Aquele menininho é meu.
– Parabéns. Mal posso esperar para apresentá-lo a seu filho.
Ele esboçou um sorriso e seus olhos se escureceram. Não me aguentei
quando vi seus dentes, e todo o profissionalismo foi por água abaixo.
Eu fiquei de pé, deixei os resultados sobre a mesa bagunçada, segurei seu
rosto barbado e fiz algo que nunca tinha feito.
Beijei um garoto.
O que quer dizer que tomei a iniciativa. Era tão incomum, tão diferente de
como eu costumava agir, que mais uma vez tive a impressão de que havia
alguém dentro de mim, controlando minhas atitudes. Era como se a Sayer de
antes de Denver nunca tivesse existido.
Eu o puxei para mim, grudei minha boca na dele, e o beijei como louca. Foi
um dos melhores e mais corajosos momentos da minha vida, tão intenso quanto
o momento em que fui atrás de meu irmão e o localizei. Se o modo como ele
reagiu era prova de alguma coisa, Zeb adorou me ver agindo como alguém que
eu não era.
CAPÍTULO 6
Zeb
F IQUEI CHOCADO.
Dividido entre o encanto e o terror.
Por dentro estava perdendo o controle, mas, por fora, tudo se concentrava
em Sayer ter me beijado com sua boca macia e sagaz. Minha reação a seu
beijo e ao modo quente e intenso com que meu sangue começou a correr era
muito mais fácil de analisar, muito mais fácil de fazer com que eu me
entregasse, do que as emoções ligadas ao outro assunto, mais assustadoras,
que me aguardavam.
Hyde era meu filho, e isso mudaria minha vida, mas naquele momento,
naquele breve instante, podia apenas beijar Sayer e abraçá-la, como morria de
vontade de fazer desde sempre. Ela parecia a única coisa certa e imutável em
meu novo mundo. Queria me agarrar a ela, me manter preso à segurança que
seu comportamento direto e simples me dava. Porém, mais do que qualquer
uma dessas coisas, queria enrolar minha língua na dela e tocar seu corpo sem
parar. Queria agradecer a ela com as mãos e a boca por ela não me ver como
um fracassado, como se eu tivesse estragado tudo de novo. Havia cometido um
erro e faria o que pudesse para consertá-lo, e ela entendia isso. Pelo menos, o
modo como estávamos nos agarrando dava a impressão de que entendia.
Eu não era um sujeito ruim, mas havia errado, e ela ver isso, ela aceitar
sem questionar, pressionando o corpo contra o meu como se já não estivesse
perto o bastante, me dava vontade de devorá-la.
Aumentei a pressão de meus lábios contra os de Sayer. Passei as mãos por
sua cintura fina, a fim de girá-la e ela acabar de costas contra a beirada da
mesa e, então, eu poder pressionar meu corpo contra o dela.
Eu estava sujo após um dia de trabalho pesado, mas ela não parecia se
importar com a poeira e o suor, já que enfiava os dedos entre as mechas de
meus cabelos desgrenhados. Minhas mãos ásperas subiam por suas roupas, e
comecei a puxar a barra de sua camisa de seda para tirá-la de dentro da saia.
Sayer retribuiu meu beijo com intensidade, passando a língua rapidamente
pela minha, e seus dentes se afundaram na curva de meu lábio quando me
afastei um pouquinho para verificar se não a estava machucando com minha
barba.
Ela ficava linda com os grandes olhos azuis vidrados de tesão. Quando ela
passou a língua pelo lábio superior úmido, resmunguei e parei de tentar ser
cuidadoso com sua roupa bonita. Enfiei as mãos por baixo de sua blusa,
subindo pelas costelas, até meus dedos encontrarem uma borda de cetim e
renda. Poderia apostar uma boa grana que aquela mulher usava uma roupa
íntima mais cara do que a parcela do meu jipe. Meu pau latejou quando pensei
em vê-la vestindo nada além das peças íntimas. Eu já ficava duro só de estar
perto de Sayer, mas sentir o toque aveludado de sua pele contra a minha fez
meu sangue correr com intensidade e encher meu pau, tornando a situação atrás
de meu zíper sem dúvida desconfortável.
Ela me observou em silêncio. Passei o polegar pela barra do sutiã tentando
ver a reação na imensidão azul de seus olhos. Havia paixão intensa neles, mas
estavam em conflito, com evidente incerteza. Sayer não me pedia para parar, e
sua respiração estava tão ofegante quanto a minha, mas havia um quê de
desespero quando ela puxou meus cabelos. Quando interrompi o beijo, ela não
se mexeu nem deu início a outro toque, nem a outro beijo.
Sorri e usei a ponta do polegar para vencer a barreira de renda que me
afastava do contorno de seus seios. Sayer era uma mulher mais alta do que a
média, o que era bom quando estávamos próximos assim. Na região em que
meus dedos traçavam um caminho perigoso e proibido, ela era macia e farta.
Os seios eram maiores do que pareciam atrás daquele sutiã, e eu tinha certeza
de que a roupa que ela usava e que eu não estava vendo era tão linda quanto a
peça que eu tocava.
– Vai me mandar parar? – minha voz estava tomada de desejo e de todas as
sensações guardadas dentro de mim que procuravam vazão.
Ela soltou um suspiro e levou as mãos dos meus cabelos aos ombros.
Piscou aqueles olhos azuis e passou a língua pelos lábios outra vez.
– Talvez, então você deveria me beijar de novo para eu me esquecer que
isso tudo é inadequado e que preciso pôr fim nesta situação agora.
Não precisou pedir duas vezes. Coloquei a mão que não estava em seu seio
no meio de suas costas e pressionei, para ela se aproximar ainda mais de mim
e eu ter acesso não só a sua boca receptiva, mas à curva elegante de seu
pescoço e à concha delicada de sua orelha, enquanto seus cabelos sedosos e
loiros caíam para o lado. Parei de brincadeira e ergui o sutiã para tirá-lo do
caminho e poder acariciar a ponta de seu mamilo proeminente com a palma da
mão.
Ela gemeu, e eu não parei de beijá-la, abafando o som. Sayer estava
relaxada e entregue, derretendo em minha boca e envolvendo meu corpo como
se não tivesse mais ossos nem estrutura para se manter de pé. Eu era a única
coisa que a mantinha firme e a fazia ronronar de satisfação. Se ela me desse a
chance, eu a modelaria, a moldaria em algo composto apenas de desejo,
vontade, necessidade e satisfação.
Mexi a mão embaixo de sua camisa até conseguir tocar aquele mamilo duro
e impaciente com os dedos. Queria tanto lambê-lo que já sentia o gosto
adocicado na boca. Me afastei do calor e da pressão de sua boca para não
apenas ver como meu toque a afetava, como também respirar e tentar ganhar
espaço, porque, por mais que eu quisesse, sabia que não colocaria as mãos
nem a boca embaixo de sua saia hoje. Não tinha como negar que havia uma
faísca entre nós, um tipo de tensão que nos levava um ao outro, mas Sayer não
era o tipo de mulher que deixava um homem colocá-la em cima de uma mesa
velha de cozinha para fazer o que quisesse. Pelo menos não achava que fosse,
até sua mão escorregar do meu ombro e começar a descer pelo centro do meu
peito, em direção ao ponto no qual havia todos os tipos de problema
esperando por ela atrás do cinto.
O carinho de seus dedos através do algodão fino de minha camiseta era
melhor e mais intenso do que os toques no meu corpo nu de que eu conseguia
me lembrar. Aquela mulher me tirava do eixo sem muito esforço, e essa foi
uma revelação surpreendente, considerando que eu precisava demais dela em
mais de uma área da minha vida.
Passei a barba em seu rosto e sorri quando ela deu risada. Pareceu tão leve
e feliz, que repeti só para poder ouvir de novo. Quando seus dedos pararam na
fivela pesada de meu cinto, puxei o ar e dei uma apertadinha no mamilo com o
qual estava brincando, antes de tirar a mão de seu sutiã e abrir um espaço
entre nós dois.
Tracei a curva de sua orelha com a ponta da língua e senti seu corpo tremer
em resposta. Registrei a informação de que Sayer gostava de carícias na
orelha e sussurrei:
– Não sei até onde você quer ir, mas, se abrir meu cinto, aposto que vamos
muito mais longe do que você esperava. Por mim, seria ótimo, mas algo me diz
que por você não. Quero foder você, Sayer, mas acho que podemos fazer em
um lugar melhor do que nesta mesa de cozinha que pode não aguentar nosso
peso. Não do jeito que quero você e com as coisas que quero fazer. Disse que
teríamos um encontro; é melhor me deixar fazer isso antes de pegar meu pau.
Ela emitiu um som, mistura de guincho e gemido de frustração. Levou as
duas mãos à minha barriga e me empurrou um pouco. Dei um passo para trás, e
ela deu a volta em mim, puxando o sutiã e voltando a camisa para o lugar certo
enquanto se movimentava. Então enrolou os cabelos com a mão e os jogou
para trás. Seu rosto estava um pouco corado, e vi a leve vermelhidão que
minha barba havia deixado em seu pescoço e seu queixo. As marcas deveriam
ter feito com que me sentisse mal, mas não me senti. Elas me davam vontade
de sorrir e bater no peito, declarando, a quem quisesse ouvir, que ela era
minha. Eu havia deixado minhas marcas em Sayer, e isso a tornava inacessível
a qualquer outro homem.
– Desculpa, perdi um pouco a noção. Você faz isso comigo – sua voz saiu
baixa, e percebi que ela estava acanhada, como se admitir que sentia a mesma
vontade que eu fosse algo de que se envergonhar.
Quando ela levou a mão à bolsa, suspirei e me estiquei para segurar seu
braço. Ela me olhou, e senti o estômago revirar ao ver algo nebuloso e
desagradável surgir em seus olhos azuis. Eu me viraria do avesso para
acalmá-la se soubesse que aquela confusão era culpa minha, mas percebi que,
independentemente do que ela estivesse pensando, tratava-se de uma questão
só dela.
– Talvez você faça a mesma coisa comigo, Sayer. Sabe disso, não é? Meu
mundo acabou de ficar muito mais complicado, e você é a única coisa que
torna tudo mais fácil de administrar. Preciso de você.
Suas narinas se abriram um pouco mais, e ela concordou, decidida.
– Você precisa de mim... para que eu faça meu trabalho, e farei. Disse que
vamos passar por isso, e vamos. Não vou te decepcionar.
Suas palavras me pareceram um tipo de afirmação que ela praticava na
frente do espelho. Franzi o cenho.
– Preciso de você, Sayer. Inteira.
Ela apenas balançou a cabeça e deu um tapinha em meus dedos, que
seguravam seu braço com mais força do que eu pretendia.
– Não se preocupe, Zeb, você terá o melhor de mim – ela se afastou e deu
alguns passos em direção à porta. – Em algum momento desta semana, entrarei
com um pedido para que você possa visitar Hyde. Provavelmente terá que ser
uma visita monitorada e em um local designado pela justiça.
Sayer voltava a agir como advogada e a falar comigo como se eu fosse um
cliente em seu escritório, e não como o sujeito que quase a havia deitado
naquela mesa bamba e transado com ela.
– Em qual lugar isso deve acontecer? – cruzei os braços diante do peito e
me recostei à mesa, irritado e sexualmente frustrado. Deveria ter permitido
que ela arrancasse minha roupa.
– Normalmente, em qualquer ponto da cidade, com supervisão para a
situação não ser pesada para a criança nem para os pais. O Colorado tem
algumas instituições muito boas que ajudam as crianças que acabam sob a
guarda do Estado.
Resmunguei.
– Desde que eu consiga encontrar o moleque e passar um tempo com ele
antes de as coisas começarem a ser feitas, não me importa onde nem quem
estará olhando.
Pensar que ficaria frente a frente com meu filho, com o carinha ao qual eu
havia ajudado a dar vida, fazia toda a felicidade e toda a dúvida voltarem a
me tomar.
– Vou resolver isso. E, sinceramente, Zeb, parabéns. Esse menininho é
muito sortudo por ter você como pai.
Estreitei os olhos, quando ela enrugou um pouco o nariz ao passar os dedos
pelas marcas vermelhas que minha barba havia deixado em seu pescoço.
– Sou sortudo por ter você comigo, Sayer.
Ela assentiu distraidamente e passou os dedos pelas marcas menores no
queixo. Dei uma risadinha, e ela me observou com uma sobrancelha erguida.
Levantei as duas sobrancelhas e as enruguei em seguida.
– Imagine só como será quando eu enfiar minha cara no meio das suas
pernas. As coisas entre nós estão longe de estarem resolvidas.
Minhas palavras a fizeram corar, mas ela não rebateu.
– Entro em contato quando tiver notícias da justiça. As coisas começarão a
andar depressa agora que resolvemos a questão da paternidade. Bem, depressa
dentro do que o sistema judiciário permite. Até breve.
Ela saiu, e eu suspirei forte, virando para pegar meu cinto de ferramentas
da mesa. Parecia que eu ainda tinha um monte de trabalho para fazer... na casa
e na mulher.
E na minha vida, agora que tinha um filho, com quem estava determinado a
dividi-la.
Sayer
Q UANDO POPPY SAIU DE CASA COM ROWDY, ERA COMO SE ESTIVESSE VENDO MINHA
filha se formar ou alcançar algo muito importante na vida. Poppy não era
exatamente uma reclusa, mas quase. Ela ia ao mercado e à Target, mas nunca
saía para fazer coisas divertidas. Não procurava interagir com outras pessoas,
muito menos com pessoas do sexo oposto, então o fato de ela sair para jantar,
por vontade própria, com meu irmão, só os dois, foi algo importante. Devo até
ter ficado um pouco emocionada quando perguntei se ela queria que eu fosse
junto, para ela se sentir à vontade, e Poppy disse que não precisava. Parecia,
enfim, que seu caminho para a recuperação se tornava menos íngreme.
Independentemente da trajetória, eu ficava muito feliz por ela ter muitas
pessoas dispostas a andar a seu lado e quis abraçar meu irmão por ser tão
incrível e se recusar a desistir da amiga de infância.
Não fiquei nem um pouco surpresa quando meu telefone tocou, assim que
Poppy e Rowdy partiram. Era noite de quinta, sabia que Salem sairia com seu
grupo de amigas e que me chamaria para ir junto. Em geral, eu tentava deixar
as noites de quinta livres para isso, porque gostava muito das amigas de
Salem. As jovens eram todas interessantes, engraçadas, inteligentes e, talvez o
que eu admirasse mais, todas eram apaixonadas e protegiam muito os homens
que formavam a família escolhida pelo meu irmão mais novo. Elas também
eram muito gentis e receptivas e nunca me deixavam de lado, mesmo sabendo
que não me encaixava perfeitamente no grupo.
Apesar de admirar as belas artes que cobriam grande parte do corpo delas
e de gostar muito de ouvir as histórias ligadas à maternidade e a problemas de
relacionamento, não eram assuntos com os quais conseguia me identificar. Na
adolescência não pensava naquele tipo de transformação corporal e, agora, na
fase adulta, tão envolvida em meu mundo profissional, não via mais lugar para
isso. Sem falar que aquelas cores permanentes eram aterrorizantes para
alguém que só tinha coragem de usá-las nos dedos dos pés e, então, cobri-las
com sapatilhas nude.
Também não fazia ideia de como era criar um filho trabalhando ou
estudando em período integral, nem me entregar tão profundamente a alguém
na tentativa de, ao mesmo tempo, ser bem-sucedida e feliz. Para mim, Salem e
suas amigas eram supermulheres, e eu tinha muita sorte de elas me acolherem e
parecerem gostar de mim. Também aquecia meu coração o modo como elas
haviam ajudado Poppy, tentando, de modo delicado, porém firme, fazer com
que ela retomasse a própria vida. A preocupação e a gentileza daquelas
mulheres iam muito além do fato de Poppy ser irmã de Salem e podiam ser
atribuídas ao fato de elas serem mulheres simplesmente incríveis, que queriam
ver outra mulher curada e saudável.
E tinha a forma como tratavam seus parceiros. Todas, incluindo Salem,
haviam se apaixonado por homens fortes, difíceis e complicados. Todas
tinham maridos e namorados que davam um certo trabalho, e elas nunca
reclamavam nem pediam alguém mais fácil. Acho que era isso o que me atraía
mais nelas. Não me cansava de ouvi-las contar sobre os desafios e as
recompensas de amar os homens que amavam. Era lindo. Era especial. Era de
doer o coração, porque eu duvidava que um dia teria alguém tão apaixonado e
tão disposto a lutar por mim, a enfrentar os muros de gelo que eu havia
construído para me manter segura e isolada a maior parte da vida.
Agradeci a Salem, mas recusei o convite, principalmente porque não queria
ter que arrumar os cabelos nem me vestir para sair. Conversamos por alguns
minutos, e percebi que ela estava tão emotiva e esperançosa quanto eu por
Poppy não só ter saído de casa, mas por ter feito isso sozinha na companhia de
um homem. Conversamos um pouco, apaixonadas, sobre como Rowdy era
maravilhoso, e eu deixei uma dica, sutil como um elefante, de que meu irmão
seria um excelente pai. Ela riu, mas, mesmo pelo telefone, pude perceber um
toque especial em sua voz, e, se fosse apostar, apostaria um bom dinheiro que
no futuro próximo eu teria um lindo sobrinho ou uma linda sobrinha para
mimar.
Ao desligar, dei de cara com uma casa que, de repente, havia se tornado
silenciosa demais e com uma mente barulhenta demais. A ideia de ter alguém
lutando por mim, apaixonado e investindo em mim, obviamente me fez
começar a pensar em Zeb. Se eu já estava apaixonada por ele antes, não pude
impedir o aumento dessa paixão desenfreada, a mudança de meu sentimento
para algo mais profundo, maior e mais intenso ao vê-lo conhecer seu filho.
Ver o modo delicado e cuidadoso com que ele lidava com o menininho foi
demais para o meu coração e meus ovários.
Não importava ele ser pai biológico de Hyde, nem que o garoto estivesse
apaixonado por Zeb, a justiça tinha um procedimento a seguir, e perguntas
sobre a ficha de antecedentes criminais de Zeb já haviam começado a ser
feitas. Teríamos a primeira audiência na segunda, e eu sabia que ele estava
muito nervoso por isso.
Não havia nada que ele pudesse fazer para mudar o passado, e parecia
muito injusto isso ter grande impacto em seu futuro. Ele precisava que eu
estivesse muito bem, por dentro de todos os assuntos e pronta para lutar por
ele. Pensar que poderia decepcionar Zeb e o pequeno Hyde acabava comigo, e
era a possibilidade de não conseguir uma vitória para a dupla de olhos verdes
que estava, então, tirando meu sono à noite, não mais os sonhos intensos e
sensuais.
Apesar de a distância profissional ser necessária, e sabendo que ela
deveria ter existido desde o começo, eu não deixava de desejar que as coisas
fossem diferentes e de sonhar com o encontro que agora parecia não passar de
uma série de palavras vazias. Meu pai martelava em minha mente, sem parar,
que a única coisa atrás da qual eu deveria correr era a perfeição, um
desempenho impecável nos estudos e, depois, no trabalho. Para ele, era aí que
o valor estava. Em manifestações tangíveis e externas de sucesso. Querer algo
ou alguém de modo pessoal era algo fútil e egoísta, e me neguei esse luxo
muitas vezes. Um dos motivos pelos quais eu não era boa com os homens. Não
sabia como estar com um homem apenas por desejá-lo.
Durante toda a vida eu havia buscado parceiros que eu podia levar para
casa e que resistiriam ao escrutínio de meu pai. Eles tinham que ter boa
aparência, bom comportamento e um bom passado. Como faziam eu me sentir,
como me tratavam, como vivíamos juntos quando as luzes se apagavam eram
coisas secundárias para meu pai. Sempre foi uma fachada, nunca um
relacionamento de verdade. Nathan era o melhor exemplo disso. A única vez
em que meu pai pareceu aprovar algo relacionado a mim foi quando Nathan
colocou uma aliança em meu dedo. Não importava se nos entediávamos um
com o outro e se não havia paixão entre nós.
Como se meus intensos pensamentos tivessem puxado Zeb para a grande
autopiedade em que me sentia perdida, meu telefone vibrou em minha mão
com uma mensagem dele, enquanto eu andava sem rumo pelos cômodos
vazios.
Estremeci ao ver seu nome e, silenciosamente, me repreendi por reagir de
modo tão intenso apenas com aquele nome na tela. Sua mensagem era simples,
mas, por algum motivo, parecia ter mais significado e emoção do que as três
palavras indicavam.
Você pode falar?
Mordi o lábio enquanto decidia como responder. Não conversava com
meus clientes após o expediente e já estava tendo dificuldade para separar o
lado profissional do pessoal no caso dele. Suspirei e digitei:
Posso. Quer que eu te ligue?
Eu havia começado aquele processo primeiro como amiga dele, e não era
justo com Zeb que meu coração se distanciasse por causa de sua situação. Ele
provavelmente estava nervoso e assustado com o que viria na próxima
semana, e eu era a única pessoa que podia acalmá-lo um pouco.
Ele demorou alguns minutos para responder, e detestei não poder fazer nada
além de encarar a tela e andar de um lado para o outro, esperando para ver o
que ele ia dizer. Eu estava agindo como uma adolescente apaixonada, e isso
era ridículo. Resmunguei e fui para a cozinha pegar uma taça de vinho, e então
o telefone tocou, fazendo com que eu me sobressaltasse. Não estava preparada
para que ele me telefonasse naquele momento e senti uma onda de ansiedade
antes de atender, mas logo disse a mim mesma para me recompor e deslizei o
dedo pela tela.
– Oi. Está tudo bem? – ouvi uma buzina de carro de onde ele estava me
ligando e, antes de conversar comigo, Zeb murmurou algo que não era para
mim,.
– Não, não está, porra. Estou morrendo de medo por causa da audiência na
segunda. Não consigo pensar direito e estou fazendo várias bobagens, o que
não é bom, porque mexo com ferramentas elétricas na maior parte do tempo –
ele suspirou, e senti muita vontade de abraçá-lo. – Pedi a cor errada de tinta
para a sala de estar na casa que estou reformando, e os pintores vieram fazer o
trabalho hoje. É azul... porcaria de azul, caramba, e agora preciso consertar
isso para os homens de minha equipe não me matarem. Preciso passar outra
camada de tinta nas paredes para que os rapazes possam continuar o trabalho
amanhã. Estou esgotando minha equipe porque tenho perdido muito tempo de
trabalho ultimamente, e isso pode ser o limite. Vou ter que trabalhar a noite
toda. Preciso que você me diga que tudo vai ficar bem, Sayer. Estou
enlouquecendo aqui.
Não queria mentir para ele, por isso bufei e falei:
– O caso tem alguns desafios, Zeb. Já conversamos sobre eles, mas a
representante viu como você se deu bem com Hyde, e está claro que o melhor
lugar para ele é com você. Só precisamos convencer o tribunal disso, e você
deve deixar isso comigo. É por isso que sou seu plano, lembra?
Ele soltou mais um palavrão, e ouvi a porta de seu carro ser aberta.
– Só queria que aquela prisão não me assombrasse sempre que penso nos
motivos possíveis para o juiz não me dar a guarda de Hyde.
Fechei os olhos com força ao perceber que sua voz estava tomada de
arrependimento pelos atos do passado.
– Você precisa ser grato, porque, por piores que as circunstâncias possam
ter sido para você chegar a ser preso, elas, de um modo torto, te levaram ao
Hyde. Vejo como você olha pra ele, Zeb. Não há arrependimento ali, ainda que
o caminho até ele tenha sido tortuoso.
Ele suspirou outra vez.
– Você é muito boa nessa história de advocacia, Sayer. Se ainda não
agradeci o suficiente, agradeço de novo. Não sei o que faria sem você.
Coloquei uma mão sobre os olhos e apertei as têmporas com os dedos. As
palavras de Zeb mexiam muito comigo, em vários aspectos. Sentia que as
emoções que ele me despertava puxavam todas as coisas que eu tentava manter
guardadas.
– Fico feliz em ajudar. Não é sempre que tenho a certeza de que o pai que
está lutando pela guarda é a melhor opção para a criança. Estamos fazendo a
coisa certa aqui, e você precisa ter fé de que a justiça e os poderes envolvidos
verão isso. Uma batalha por vez, Zeb. É o que podemos fazer, está bem?
Ele ficou em silêncio por muito tempo, mas ouvi sua respiração até ele,
finalmente, resmungar um pouco e responder:
– Bem, então a batalha que tenho a enfrentar agora são essas paredes
horrorosas. Obrigado por me acalmar. É impossível não torcer pelo melhor
depois de conversar com você.
Talvez fosse o silêncio profundo em casa ou a emoção na voz dele. Talvez
fosse o fato de, por mais que eu tentasse manter uma divisão clara entre nós
dois, sempre ficar disposta demais a cruzar esse limite quando uma
oportunidade surgia.
Como uma tola.
Após me chamar de tola de várias maneiras diferentes, falei:
– Não vou fazer nada hoje à noite, e Poppy saiu com Rowdy, então, se você
precisar de mais mãos para ajudar com a pintura, posso ir até aí – senti
vontade de resmungar. Eu era a pessoa menos habilidosa do mundo todo e
acho que nunca havia sequer segurado um pincel na vida, mas a ideia de
passar um tempo a sós com ele era tentadora demais, então ignorei tudo e torci
para que ele também ignorasse.
Ele deu uma risadinha.
– Está falando sério?
Dei de ombros, apesar de ele não conseguir me ver.
– Claro. Por que não?
– Bom, não vou recusar mão de obra gratuita, ainda mais quando essa mão
de obra é você. Você tem alguma roupa que possa sujar de tinta, Say? O que
faço costuma ser sujo – ele falou com um tom um pouco mais baixo, e as
palavras roucas me fizeram estremecer.
Era impossível não notar o duplo sentido, e isso fez minha pele esquentar
de dentro para fora. Sem contar que ninguém nunca tinha me chamado de Say.
Eu não era o tipo de pessoa que curtia apelidos. Meu pai não teria aprovado e,
assim, sempre dizia “Sayer”. Zeb me chamar de Say parecia algo íntimo.
Parecia mais familiar do que eu deveria estar me permitindo ser com ele.
Ainda assim, não disse nada além de:
– Tenho algumas peças, claro. Vou me trocar e chego daqui a pouco.
Ele voltou a me agradecer, e fiquei muito contente por não ter ninguém por
perto para me ver tropeçar ao subir as escadas correndo e começar a procurar
uma roupa nas gavetas como uma doida. As coisas caíam dos cabides e das
prateleiras, e acabei com uma pilha de roupas no chão, que se enroscaram nos
meus pés e me fizeram tropeçar de novo. Enfim, por desespero e porque eu
não tinha nenhuma peça velha ou já manchada, decidi que as roupas que usava
na academia teriam que servir. Continuei com a calça de lycra que havia
vestido após o trabalho, coloquei um top com proteção e sustentação para os
seios, os dois na cor cinza, e enfiei os pés nos tênis de corrida, pretos com
listras rosa-choque nas laterais. De modo geral, um look normal e
desinteressante, como as coisas que usava para trabalhar, mas pelo menos eu
não choraria se precisasse jogar uma das peças fora por estarem manchadas de
tinta e estragadas.
Prendi os cabelos em uma trança para trás e saí praticamente correndo
porta afora. Me obriguei a me acalmar durante o trajeto, dizendo a mim mesma
que parecer tão animada ao encontrá-lo fora do ambiente de trabalho passaria
a mensagem errada. Eu podia ser sua advogada e sua amiga. Eu era bem forte,
e meu coração era frio graças ao modo como o mantinha contido, o bastante
para deixar as coisas mais pesadas e densas que sentia por ele de lado e,
simplesmente, aproveitar um tempo casual em sua companhia, enquanto
oferecia ajuda. Era só uma amiga ajudando outro amigo.
Sim, sei. Eu não estava acreditando naquilo, então Zeb reconheceria a
verdade.
Apesar do embaraço que meus hormônios descontrolados podiam causar,
passei pelo jipe enorme dele com a cabeça erguida e a respiração presa. A
porta da frente estava entreaberta, e vi luz e ouvi música vindo de algum lugar
dentro da casa.
Atravessei a sala passando pelo lixo e pela bagunça espalhada. Apesar de
as coisas ainda estarem bem fora de ordem, foi incrível ver como Zeb e os
rapazes haviam mudado a casa em poucas semanas. Onde antes só tinha
buracos, agora havia passagens para os outros cômodos, e vi que eles já
tinham começado a mexer na cozinha. Todas as coisas velhas foram retiradas,
restando paredes vazias e uma tela novinha na qual Zeb podia trabalhar.
Segui o som do blues que Zeb estava ouvindo até o que acreditei ser a sala
de estar da casa. Pensei que ele já estaria trabalhando nas paredes de cor azul,
“porcaria de azul”. Elas não estavam feias, gostei de como estavam claras e
alegres. Mas Zeb estava sentado em um balde branco, olhando concentrado
para o telefone. Havia um sorriso discreto estampado em seu rosto, e, por um
momento, fiquei tentada a me virar, voltar correndo para o carro e ir para
casa. Não queria invadir a privacidade dele, mas, enquanto eu olhava, ele
levantou a cabeça de repente, e aqueles olhos verdes me prenderam. Um
pouco de minha indecisão deve ter ficado evidente em meu rosto, porque ele
levantou o telefone e me disse:
– Minha sobrinha não para de enviar mensagem de texto do telefone de
minha irmã. Beryl arrumou um namorado novo e não está pronta para
apresentá-lo à família, por isso tenho importunado a Joss à procura de
informações.
Pigarreei um pouco.
– Isso não é muito inteligente se você está mandando mensagem pelo
telefone da mãe dela. Sua irmã certamente vai ver.
Ele riu.
– Quero que ela veja. Minha irmã não namora muito desde o que aconteceu
com seu ex. Quero que ela seja feliz, e, se esse sujeito fizer isso, quero
conhecê-lo. É um direito que tenho como irmão.
Entrei mais na sala, e ele se levantou.
– Zebulon e Beryl? Sua mãe deu a vocês o nome de dois exploradores
famosos.
Ele ergueu uma sobrancelha, e seu sorriso ficou maior por baixo da barba,
que cobria toda a parte inferior de seu rosto.
– Poucas pessoas percebem isso. Acho que ela desejava coisas grandiosas
para nós. Pena que somos dois filhos normais. E você? De onde veio “Sayer”?
É bem incomum.
Hesitei olhando Zeb, que se aproximou mais de mim.
Não estava preparada para o modo como aquela pergunta inocente me
jogaria de cabeça em um lugar que eu raramente visitava desde que meu pai
havia morrido. Respirei fundo e fiz uma careta quando minhas narinas se
abriram um pouco mais.
– Na verdade, era o nome de solteira de minha mãe: Abigail Sayer. Acho
que me dar esse nome foi uma maneira que ela encontrou de manter uma parte
sua viva depois que meu pai tomou o controle de sua vida inteira – nunca
falava sobre minha mãe. Era difícil demais, e todas as coisas que eu me
esforçava muito para não sentir ameaçavam me derrubar quando eu pensava
nela.
Ele estreitou os olhos, enquanto pensava um pouco.
– Sei que seu pai morreu há pouco tempo, mas você nunca falou da sua mãe.
Ela ainda está viva?
Essa era a última pergunta que eu queria responder, mas, considerando que
eu sabia tudo sobre ele e os erros que o haviam moldado, achei que deveria
dar uma breve explicação do inferno que foi meu passado. Apoiei o peso do
corpo no outro pé e deixei meus olhos percorrerem o piso de madeira gasto
sob meus tênis.
– Minha mãe morreu quando eu era adolescente. Ela se matou – ela partiu e
me abandonou sabendo muito bem o monstro que deixava comigo. Um monstro
que ela havia amado até o último suspiro. Um cretino a quem ela havia
implorado amor e atenção até ser morta por ele.
Até hoje, as lembranças ainda eram fortes, e a imagem dela pálida, sem
movimento e nitidamente morta na banheira onde a encontrei estava marcada
para sempre em minha mente. Não desaparecia nunca, presa a mim com a
mesma força da lembrança de meu pai me repreendendo por chorar de modo
histérico no velório dela. Eu estava fazendo escândalo, e isso não era bom.
Ele já estava envergonhado pela desgraça que minha mãe havia causado ao
tirar a própria vida, então não permitiria que sua filha o envergonhasse ainda
mais. Ele me mandou parar de chorar... então parei, para sempre.
Em vez de questionar como ele lidava comigo, ou de me ater à morte de
minha mãe, eu tinha lembranças nítidas de todos no velório, amigos e
familiares dizendo a meu pai que sentiam muito orgulho por ele lidar com a
morte de modo tão estoico e que estavam muito impressionados por verem que
eu me comportava muito bem. Eu era condicionada e treinada a agir daquele
modo.
– Merda. Sinto muito – Zeb deu alguns passos mais para perto. Levantei a
cabeça e olhei em seus olhos intensos.
– Tudo bem. Bom, não está tudo bem, claro que não, mas eu lido com isso e
agora tenho Rowdy e Salem. E Poppy, como um bônus, então eles meio que
compensam tudo o que perdi no passado – compensam e não compensam, mas
eu não podia entrar nesse assunto com Zeb. Seria como rolar e mostrar minha
barriga, e eu já estava mais do que exposta no que dizia respeito a esse sujeito
dinâmico.
Ele não pareceu acreditar em mim, mas não insistiu. Em vez disso,
aproximou-se de uma das janelas da sala e tirou uma sacola branca sem
estampa do parapeito. Eu não a tinha visto antes, mas, agora que ele a
segurava, não tinha como não sentir o cheiro delicioso e obviamente cheio de
gordura e ruim para o hálito que vinha lá de dentro.
– Me atrasei tanto hoje que não almocei, então pensei em comprar algo no
Home Depot quando fui lá buscar lixa. Peguei algo para você, se estiver com
fome e não tiver medo do carrinho de cachorro-quente. Também tem cerveja e
alguns refrigerantes na geladeira da cozinha.
Nunca tinha comido cachorro-quente de carrinho, então não sabia se tinha
medo de comer ou não. Outra coisa na qual Sayer pré-Denver nunca sequer
tinha pensado. O que havia dentro daquela sacola tinha um cheiro melhor do
que qualquer refeição de restaurante cinco estrelas em que eu já tinha comido,
por isso estendi a mão, e ele colocou algo quente e envolvido em papel
prateado nela.
Zeb apontou outro balde branco, e eu me sentei enquanto abria a comida.
No mesmo instante, chucrute e mostarda pingaram em meu colo. Xinguei, e
Zeb riu de mim. Estreitei os olhos, mas fiquei surpresa por sua risada não ter
me deixado fria. Perguntei enquanto comia:
– Por que você não dirige sua caminhonete bacana durante a semana?
Ele ergueu as duas sobrancelhas, e precisei esperá-lo terminar de mastigar
para me responder:
– Minha caminhonete bacana? A International? Conheço cerca de cem
garotos de dezesseis anos que discordariam de você e não achariam o jipe
legal. Principalmente aqui no Colorado.
Dei de ombros e desisti de tentar comer o cachorro-quente com delicadeza.
Tinha certeza de que meu rosto estava todo amarelo, mas não me importei.
Aquilo era delicioso. A Sayer de Seattle não fazia ideia de quanta coisa
deliciosa escondida em um carrinho de cachorro-quente ela vinha perdendo.
– Gosto da velha caminhonete. É bonita, muito interessante ver algo
daquele tipo reformado e bem cuidado.
– Amo minha caminhonete. Por isso não a levo para as obras. Há sempre
pregos e outras coisas jogadas de qualquer jeito. Tento preservá-la.
Fiz uma careta.
– A caminhonete é como uma garota?
Ele riu outra vez e comeu o resto do cachorro-quente. Fiquei impressionada
em ver que ele comia sem sujar o rosto todo. Um talento admirável, pensei
enquanto continuava a me sujar.
– Claro. Ela é bonitona, elegante, resistente, exige muito dinheiro para
seguir funcionando e para ficar bonita. Ela só é boa comigo se eu for bom com
ela, então claro que é como uma garota.
Revirei os olhos e limpei as mãos na calça quando terminei o jantar. Por um
instante, pensei em como meu pai ficaria horrorizado, mas deixei esse
pensamento de lado e me concentrei em Zeb, só nele.
– Quanto tempo demorou para você reformá-la?
Ele deu de ombros, ficou de pé e se movimentou para abrir o enorme balde
de tinta branca que estava usando como cadeira.
– Meu amigo Wheeler me vendeu a carcaça por quase nada quando saí da
prisão. Estudamos juntos no ensino médio, e acho que ele sabia que eu
precisava de algo para me manter ocupado, porque o único tipo de trabalho
que eu conseguia encontrar ao sair era trabalho ruim, que pagava pouco. Toda
semana dava um pouco de dinheiro para ele aqui e acolá, e ele encontrava uma
parte ou uma peça do motor. Devagar e sempre, nós a montamos inteira. Assim
descobri que precisava encontrar um modo a longo prazo de me sustentar. O
fato de eu ter sido preso não me tornava um trabalhador inútil ou vagabundo.
Me cansei muito de ser tratado como um cidadão inferior por causa de um
erro.
Ele me olhou nos olhos, e só pude balançar a cabeça solidariamente,
enquanto ele despejava tinta em bandejas e pegava alguns rolos de uma sacola
de plástico.
– Conheci Rowdy por meio de Wheeler. Ele havia feito um monte de
tatuagens em Wheeler, e quando contei a Wheeler que queria algo para me
lembrar de não fazer coisas idiotas, que me custassem anos de vida, ele me
recomendou Rowdy e o estúdio Marcados. Foi Rowdy quem me recomendou
aos donos do estúdio quando eles decidiram abrir e reformar uma nova loja no
centro da cidade. Parecia que tudo tinha que acontecer, sabe?
Eu sabia. Tudo estava ligado com fios finos do destino e, quando um deles
se apertava ou se soltava, era surpreendente o impacto que causava. Meio da
forma como eu tinha acabado ali com Zeb.
Ele fez um gesto para eu me aproximar da parede e me mostrou como
passar a tinta na superfície com um W enorme e, então, como voltar e
preencher os espaços. Devo ter feito cara de perdida, porque ele repassou as
cuidadosas instruções com paciência e calma. Quando senti que havia
entendido tudo, perguntei:
– E que tatuagem Rowdy fez para que você se lembrasse de pensar antes de
agir?
Ele estendeu o braço e apontou com o rolo para uma ampulheta quebrada,
que cobria seu antebraço todo e a mão, com a areia escapando e caindo sobre
tijolos que formavam um muro ao redor de seu punho, tudo unido. Zeb virou o
braço e me mostrou a gaiola caída nas costas da mão e o bando de corvos
pretos que se alinhavam em uma árvore, tudo pintado de preto do outro lado.
– Tudo o que me faz lembrar de como é ruim estar preso enquanto a vida
segue em frente para todos, sem você. Ele fez um ótimo trabalho.
Concordei e voltei a prestar atenção na parede.
– Ele é muito talentoso. Sinto orgulho dele. Acho incrível que ele tenha
conseguido encontrar uma maneira de ganhar a vida com algo que realmente
ama. É incrível o modo como consegue deixar sua marca nas pessoas, para o
bem.
Zeb fez um barulho discreto.
– Deve estar no sangue.
Aquela foi uma das coisas mais bacanas que já tinham me dito e, se Zeb não
tomasse cuidado, eu acabaria largando o pincel para pular em cima dele.
Agradeci, baixinho, mas me recusei a desviar o olhar da tarefa a ser feita.
Minha determinação no caso já era frágil... com tanta gentileza, acabaria
deixando de existir.
Passamos a hora seguinte em silêncio, trabalhando sem parar em uma
parede e depois na outra. O movimento repetitivo e o som do rolo na parede
eram surpreendentemente calmantes, assim como a música que tocava no
celular de Zeb. Não era bem country, nem rock, mas era o melhor da mistura
dos dois, e gostei muito. Trabalhamos em silêncio a maior parte do tempo,
com uma ou outra pergunta de vez em quando, e então, em determinado
momento, Zeb me perguntou se podia tirar a camisa. Estava mais quente do
que o inferno naquela casa antiga, sem ar condicionado que funcionasse,
apesar de ser fim do outono, então respondi que ele podia tirar, sim, é claro.
Aquilo mexeu comigo... da melhor maneira possível.
Quando ele cruzou os braços e tirou a camiseta de algodão do monte de
músculos fortes que adornavam seu peito e sua barriga, senti a boca seca. Ele
parecia se movimentar em câmera lenta, revelando mais pele, mais tatuagem,
centímetro a centímetro, me provocando com pedaços de seu corpo malhado.
Senti vontade de lamber meus lábios, e depois lambê-lo, mas se fizesse isso
ele me perceberia olhando como uma tarada. Seu corpo todo era rígido e
colorido. Tive muita dificuldade para não olhar aquele monte de músculos
definidos e decorados e acabei desistindo. Olhei sempre que ele não estava
virado na minha direção.
Pelo canto do olho, vi as asas do grande pássaro de fogo que cobria suas
costelas se abrirem e se movimentarem enquanto ele pintava a parte de cima
da parede. Também tentei não observar o modo como uma pinup sedutora,
sentada em um martelo, me provocava com as palavras “bata com força”
sempre que seus bíceps enormes se flexionavam. Zeb tinha tatuagens e cores
no corpo inteiro, e eu queria tocar cada centímetro. Eu estava tão preocupada
em tentar observá-lo, em vez de fazer o que tinha que fazer, que me esqueci de
onde estava a bandeja de tinta e acabei tropeçando naquela porcaria, o que,
claro, fez uma enorme sujeira, no meu corpo e no chão.
Para deixar tudo pior, o barulho me assustou tanto que soltei o rolo, e ele
saiu voando como uma arma e acabou acertando a pinup no braço direito de
Zeb, no meio da cara sorridente dela.
– Ai, meu Deus. Zeb, me desculpa! – imediatamente me ajoelhei e tentei
evitar que a tinta fosse além do papel que ele havia colocado no chão antes de
eu chegar. – Eu não queria te dar mais trabalho. Que desastre.
– Sayer...
– Sério, quem faz isso? Ai... Normalmente não sou tão desastrada assim –
eu não ouvia o que ele dizia, só ouvi quando disse meu nome de novo. Minhas
mãos estavam cobertas de tinta branca, assim como minhas roupas. A tinta
havia se espalhado por todos os cantos, e percebi que eu estava piorando a
sujeira. Era tudo culpa dele... por me distrair tanto e ser tão sensual, másculo e
simplesmente perfeito em toda a sua glória musculosa... Claro que não
consegui me concentrar em minha atividade e fiz sujeira.
Senti uma mão pesada no ombro e olhei para Zeb assustada. Ele estava
sorrindo, e me esqueci do que ia dizer quando ele se abaixou e passou um
dedo em meu nariz. O dedo saiu coberto de tinta branca.
– Você está toda pintada.
Resmunguei e fiquei de pé, olhando minhas mãos cheias de tinta.
– Eu sei. Sinto muito.
– Não se desculpe. A sala está quase pronta, foi só um acidente. Os pisos
ainda não foram feitos, então, mesmo que vaze tinta para o contrapiso, não
teremos problemas. Tudo bem?
Não acreditei muito nele, mas não sabia o que mais fazer, por isso dei de
ombros e relaxei.
– Tudo bem.
Ele deu um passo na minha direção e colocou o dedo embaixo do meu
queixo, me forçando a olhar dentro daqueles olhos verdes.
– Sabe o que é um problema?
Sem pensar, pousei a mão no centro de seu peito e observei a marca que
havia deixado onde seu coração batia forte e pesado. Ele era tão cheio de vida
e real, como se tudo em que tivesse posto as mãos antes fosse de mentira.
– O quê? – minha voz saiu mais parecida com um sussurro do que qualquer
outra coisa.
– Nós estamos juntos, paguei o jantar, conversamos sobre nossas famílias,
coisa e tal. Compartilhamos informação. Isso foi um encontro, Sayer. Talvez
não tenha sido o melhor encontro do mundo, mas, ainda assim, foi um
encontro, então você sabe o que isso quer dizer.
Sabia? Ainda tentava entender que aquilo tinha sido um tipo de encontro
quando ele abaixou a cabeça na direção da minha e meus lábios formigaram
com sua barba tocando neles de leve.
– Quer dizer que estamos em um encontro, e agora, com certeza, você
deveria pegar meu pau... e muito. Meu cavalheirismo tem limite e, com você,
ele chegou ao fim da linha.
Arfei.
– Ah.
Aquilo me tomou de um jeito delicioso. Nunca pedi que ele fosse um
cavalheiro e, para ser sincera, um dos motivos pelos quais me sentia tão
atraída era ele parecer muito intenso e selvagem para os padrões com os quais
eu estava acostumada e com os quais ficava extremamente entediada.
– Isso, quero te ouvir arfar muitas vezes enquanto estiver dentro de você.
Quando Zeb me beijou, passei a me preocupar com outro tipo de bagunça.
Não teria como arrumar os destroços do meu coração e do meu corpo quando
esse homem terminasse o que queria comigo, e tudo isso parecia um enorme
problema, apesar de eu não conseguir pôr um ponto-final. Era uma bagunça
que eu pretendia encarar e pela qual não pediria desculpa, ainda que isso
fosse contra tudo o que eu tinha enraizado em meu íntimo.
CAPÍTULO 8
Zeb
A tragédia que vi nascer nos olhos de Sayer. Eu não daria tempo para ela
TINTA ESPALHADA PELO CONTRAPISO FOI UMA CATÁSTROFE PEQUENA COMPARADA À
Sayer
Zeb
Sayer
Zeb
Sayer
O LHEI COM CARA FEIA PARA A BELA VENDEDORA VESTIDA DE MODO MUITO PARECIDO
ao que eu costumava me vestir depois do trabalho, quando ela se
aproximou de onde Zeb estava, indignado com o preço da roupa de cama
infantil. Ela já tinha perguntado se podia nos ajudar a encontrar algo na
enorme loja de departamento dentro do moderno Cherry Creek Mall. E eu já
havia dito uma vez que sabia exatamente onde precisávamos ir, por isso só
podia concluir que seu retorno tinha mais a ver com o traseiro de Zeb, que
enchia a calça jeans desbotada, e com seu peito largo, que deixava a camisa
esticada, do que com um desejo sincero de ajudar.
Quando ela viu minha cara, afastou-se, e Zeb se aproximou para devolver a
embalagem de um conjunto de lençol com muitos fios, algo que um menininho
nem sabia que existia, à prateleira. Ele passou as mãos pelos cabelos
ondulados e se virou para mim frustrado. Vi uma senhora que olhava tapetes
de banheiro na mesma seção dar um pulo e se afastar correndo para outro
corredor, como se Zeb fosse o Lobo Mau e estivesse prestes a soprar a loja
toda. Eu gostava da aparência dele, gostava muito. Ele passava a impressão de
poder enfrentar o mundo todo e sair vencedor, mas isso aparentemente
intimidava a clientela comum. Revirei os olhos e me virei para ele, que
segurou meu cotovelo e começou a me levar para fora da seção de roupa de
cama.
– Eles não têm lençóis com estampa de trem ou de super-heróis? Quem
gasta quinhentos paus em um jogo de lençol que a criança vai parar de usar em
alguns anos, quando precisar de uma cama maior?
Sua frustração era bonitinha.
– Eu gasto. Nem vou dizer quanto custam os lençóis da minha cama.
Ele me olhou e passou o braço em meus ombros. A mesma senhora suspirou
com desdém ao nos ver passar, e então foi a vez da vendedora me olhar com
cara feia quando caminhamos para fora da loja.
– Gosto dos seus lençóis – havia um toque de bom humor e insinuação na
voz dele. – Mas sua cama poderia ser forrada por uma lixa, desde que você
estivesse nua em cima dela, e eu nem notaria.
– Ai – murmurei, mas não ignorei a onda de prazer que senti após ouvir
aquela afirmação.
Zeb riu e deixou o olhar percorrer as demais lojas com modernas fachadas
e vitrines com decoração minimalista.
– Não vou encontrar roupa de cama para o quarto de uma criança neste
shopping, não é?
Zeb me enviou uma mensagem de texto, me chamando para comprar coisas
para o quarto de Hyde, e pensei em dizer não. Parecia íntimo demais,
permanente demais. Parecia que, dia após dia, ele tentava abrir espaço em
minha vida, mas também se esforçava para manter um espaço em sua vida
cheia de compromissos. Eu estava no meu limite, prestes a me entregar e
mergulhar com ele. Estava pendurada naquele precipício, me segurando na
beirada, e era muito assustador. No lugar onde não havia nada além de
desolação e vazio, eu sabia que estava segura, mesmo sozinha, o que me doía.
Sabia que, se me soltasse, a queda poderia me matar, o impacto me destruiria,
por isso continuava me segurando àquele local familiar, a fim de me manter
firme. Por mais que me agarrasse àquele penhasco, sem querer me entregar a
todas as emoções que ele despertava em mim, Zeb estava sempre ali embaixo,
me puxando, me arrastando e me fazendo cair em cima dele e dentro de cada
promessa de amor que o via querer fazer.
Quando hesitei, ele me disse que já havia chamado Beryl, mas que Joss
estava doente e sua mãe já tinha algo para fazer. Ele insistiu que precisava do
bom senso feminino para ajudá-lo a comprar as coisas certas para o filho, e eu
não resisti, mas o único lugar para compras que conhecia em Denver era o
Cherry Creek. Assim que ele entrou no estacionamento, deu para ver que seu
jipe encardido não combinava com as Mercedes e os Audi dali, e nossa ida à
Nordstrom serviu apenas para deixar claro que onde eu comprava minhas
coisas não era onde Zeb comprava as dele. Ainda que as moças que
trabalhavam ali gostassem daquele colírio.
– Tem uma Bed Bath & Beyond do outro lado do shopping. Aposto que eles
têm lençóis de trenzinho – pensando bem, talvez devêssemos ter começado por
ali. A rede de lojas era muito mais a cara de Zeb e vendia muito mais coisas
para crianças, de modo geral. – Eu te disse que não sou muito boa em decorar
coisas, meu negócio são tons pastéis em tudo – tons pastéis não eram
ofensivos. Se é que existia cor ofensiva. Para o meu pai, existia. De acordo
com ele, tudo podia ser julgado e tudo podia ter defeito, caso ele pudesse usar
aquilo para fazer outra pessoa se sentir mal com o que gostava ou com o que
lhe dava prazer.
Zeb me puxou para mais perto e beijou minha cabeça, enquanto várias
pessoas saíam de perto de nós dois. Ele exigia espaço, e todos pareciam abrir
espaço para ele automaticamente. Era incrível de ver, e eu sentia um arrepio
ao saber que tinha a sorte de ser aquela para quem ele estava abrindo espaço.
– Você pensa que seu negócio são tons pastéis, mas gosta de cores e gosta
de coisas diferentes e divertidas. Só guarda isso onde acha que ninguém vá
ver.
Fiz cara feia e me afastei um pouco dele. Zeb não me deixou ir muito longe.
Assim que um espaço começou a aparecer entre nós, ele segurou minha mão.
Eu não conseguia me lembrar de nenhum momento em minha vida em que
alguém havia segurado minha mão. Nem minha mãe, nem meu pai, nem
Nathan... ninguém além de Zeb, e isso me pegou. Ao mesmo tempo, quis me
afastar e puxá-lo para perto para ele nunca mais se afastar. Aquele apego que
eu tinha ao que havia acontecido antes se afrouxou ainda mais. Eu estava me
segurando com as pontas dos dedos agora.
– Do que está falando? Tudo na minha casa é calmo e neutro. Tudo que
tenho é de cor básica, comum. Até meu carro é cinza.
Ele resmungou e apertou minha mão.
– Mas aposto um milhão de dólares que sua roupa íntima é roxa ou azul e
que as unhas dos pés são pintadas com alguma cor maluca, têm desenhos. Suas
roupas de ginástica são preta e cinza, mas cada uma das peças tem listras ou
manchas coloridas na estampa. Sem falar que você podia ter pagado alguém
para pintar aquela parede vermelha de sua cozinha ou ter comprado uma casa
nova ou reformada, em vez de gastar uma fortuna para restaurar e customizar
aquela lindeza antiga. Você tem seu “tchan”, Sayer. É sutil, mas existe, e é
lindo quando alguém consegue ver isso.
Quase parei de andar para processar o que ele dizia. Nunca tinha pensado
nas coisas em minha vida que eu fazia só por mim, pela alegria que elas me
davam, como um “tchan”. Eu as considerava um prazer incomum, daqueles que
eu ainda tinha dificuldade para acreditar que gostava, aqueles sobre os quais
esperava que um morto me dissesse que eram fúteis e dispensáveis. Nunca
percebi que Zeb os notava.
Ele puxou minha mão para me fazer acelerar o passo e me olhou dizendo:
– Não pense nem por um segundo que nunca notei que você não consegue
tirar a mão de minhas tatuagens. Não que eu vá reclamar, mas a maioria das
mulheres gosta no começo e, depois, fica entediada, porque elas se tornam
parte do cenário. Você, não. Por mais que as veja ou as beije, você sempre
quer explorá-las, absorvê-las. Você mais do que gosta de cores, Sayer. Você as
valoriza e adora.
Meu Deus, ele sempre me mostrava a verdade... sempre.
Soltei o ar e olhei para Zeb pelo canto do olho, porque percebi que ele
observava minha reação.
– Na minha infância, tudo tinha que ser certinho. Meu pai era meticuloso
com cada detalhe de minha vida. Para começar, ele sempre quis um filho e
ficou decepcionado assim que nasci. Foi a primeira coisa de uma lista enorme
de decepções com as quais o atingi ao longo da vida. O que eu vestia, como
deixava os cabelos, a maquiagem que usava, quem eram meus amigos, como
era meu quarto, tudo estava sujeito à sua aprovação, e nada nunca satisfazia
suas expectativas. Ele detestava tudo a meu respeito e tudo o que eu fazia,
então, aos dez ou onze anos, entendi que era mais fácil deixar tudo discreto,
neutro. Ele tinha mais dificuldade em separar o bege do creme. Marfim, preto
e branco se tornaram o básico e, assim, ele podia me controlar a maior parte
do tempo – balancei um pouco a cabeça quando finalmente chegamos à loja
bem iluminada. – Levei muito disso para os meus hábitos na vida adulta, mas
acho que, conforme fui envelhecendo, os detalhes das coisas que eu gostava
entraram em minha rotina, sem que eu percebesse direito – abri um sorriso
torto. – E eu gosto daquela parede vermelha. Vou continuar com ela mesmo
quando a Poppy se mudar.
Ele soltou minha mão e apoiou a dele no fim das minhas costas, enquanto
me guiava para dentro da loja na frente dele. Baixinho, para que só eu pudesse
ouvir, ele perguntou:
– O que aconteceu com sua mãe, Sayer? Se seu pai era tão ruim e
controlador, por que ela não tomou uma atitude para impedi-lo? Por que ficou
com ele? Por que ela não te protegeu dele?
Aquelas eram perguntas que haviam me atormentado e me ajudado a manter
o coração em segurança e frio até hoje. Não pude evitar cerrar os punhos e
apertar as unhas na carne com tanta força que chegou a doer quando respondi.
– Ela o amava. Ela o amava mesmo, de verdade, e isso a matou. Nunca se
importou como ele era cruel e terrível com ela. Todos os dias, ela tentava
agradá-lo, ser a esposa perfeita e fazer de mim a filha perfeita. Ela só queria a
aprovação dele, uma forma de afeto e gentileza, e ele sabia disso, por isso
adorava atormentá-la de propósito.
Lembranças surgiram e fugiram do controle que eu tinha sobre elas. Elas
retorciam todas as emoções que Zeb havia liberado dentro de mim e faziam
meu estômago arder e a área do meu coração latejar dolorosamente.
– Ele a traía e dizia que ela não era tão bonita quanto suas amantes. Ela
passava fome, fazia exercícios físicos à exaustão. Ela mudava os cabelos,
fazia cirurgias plásticas, e ele ria dela, dizendo que ela nunca seria perfeita.
Ele queria um filho, já que ela tinha estragado tudo comigo, mas ela estava
doente, não só na cabeça, e não conseguia levar uma gravidez até o fim. Ele a
considerava inútil, mas ela não parava de tentar agradá-lo. Sua vida se
resumia a tentar atingir uma linha de chegada impossível de alcançar, na qual
ele finalmente a amaria tanto quanto ela o amava. Ela morreu porque sabia que
nunca o faria feliz e não conseguia conviver com esse fato. Ela me deixou com
ele, sabendo como ele era e do que era capaz. Acho que nunca vou perdoá-la
por isso – agi como alguém sem coração. Cruel. Fui uma pessoa horrível por
me sentir assim, mas era verdade. Se eu a perdoasse, as comportas se abririam
e não teria como segurar as coisas dolorosas, feias e agonizantes que se
escondiam no escuro. Se eu as deixasse livres com o perdão, não haveria mais
como ignorá-las, e eu não sabia bem se era forte o suficiente para isso.
Zeb não respondeu, enquanto caminhávamos em direção a uma seção de
roupas de cama infantil coloridas. Eu já conseguia ver um conjunto com o logo
do Superman e do Batman e outro com um trem. Zeb gostou de um conjunto
com vários carros e caminhonetes vintage e pegou ainda tapete e cortinas para
combinar. Foi divertido ver a animação dele, e meu coração dava pulos por
saber que Hyde tinha um pai que o amava e que nunca faria com que ele
passasse pelos horrores pelos quais eu havia passado. Minha verdade era
muito mais desagradável e muito mais difícil de digerir do que a de Zeb.
Concordei quando ele me pediu para escolher outro conjunto de roupa de
cama para o quarto. Escolhi um bem colorido, com formas geométricas
espalhadas. Não tinha carros nem caminhões, mas não destoaria muito de
todas as outras coisas que ele havia escolhido e era alegre e divertido.
Cumpria o propósito de deixar o lugar mais simpático para Hyde e para
qualquer assistente que passasse por ali, pois veria que Zeb estava
reorganizando a vida para seu filho.
A etiqueta de preço era totalmente razoável, e a moça do caixa que nos
atendeu tinha piercing no nariz e dreadlocks e não deu a mínima para Zeb,
todo tatuado e barbado. Eu me repreendi por tê-lo levado à loja de
departamento cara. O erro fez com que me sentisse tola e desligada. Assim
como o silêncio entre nós dois enquanto voltávamos para o jipe dele.
Zeb jogou as sacolas na parte de trás do veículo e deu a volta para abrir a
porta para mim. O jipe estava todo sujo de lama e tinha manchas de outras
coisas, já que ficava estacionado na frente das obras, por isso ele não me
deixava entrar sem me ajudar. Brincava dizendo que não teria dinheiro para
comprar outro de meus terninhos caso eu me sujasse, e agora eu começava a
pensar se aquilo era de fato uma preocupação para ele.
Ele levou uma mão à maçaneta da porta e outra à curva de minha cintura.
Abaixou a cabeça um pouco para nossos olhos ficarem na mesma altura e
disse baixinho:
– Seu pai era um idiota, e eu queria que ele ainda estivesse vivo para eu
acabar com ele, mas sua mãe... – ele balançou a cabeça lentamente. – Às vezes
não conseguimos controlar os sentimentos. Vi minha irmã sofrer por anos. Ela
detestava o que o sujeito fazia com ela, mas também o amava. Se você deixar
todas essas coisas que você fez para sobreviver ao seu pai e todo o
ressentimento que tem em relação à sua mãe tomarem espaço, nunca vai ter
lugar dentro de você para todas as coisas que quer sentir. Todas essas
tranqueiras tomam espaço e não deixam o passado ir embora e o futuro chegar.
Desviei os olhos quando ele abriu a porta e levou as duas mãos à minha
cintura para me ajudar a entrar no carro. Quando ele se acomodou ao meu
lado, no banco do motorista, suspirei e murmurei:
– Não sei bem se o solo é forte o suficiente para construir algo nele caso o
passado seja retirado.
Ele virou o pescoço ao dar ré e sair da vaga e apoiou a mão em minha
coxa.
– Só é preciso alguém com conhecimento para isso. Felizmente, para nós
dois, sou especialista em construções em solos incertos.
Isso me fez rir um pouco, e entrelacei os dedos nos dele enquanto ele
dirigia para fora da vaga. Olhei ao redor, quando ele tomou a direção oposta
na qual precisaria seguir para me deixar em minha casa.
– Aonde você está indo?
– Estou morrendo de fome e quero beber alguma coisa. O Bar fica a poucos
quarteirões daqui, na Broadway, então achei que podíamos parar e comer
alguma coisa – seus olhos verdes brilharam, e ele sorriu. – Não se preocupe,
não vou considerar essa saída um encontro, já que você parece alérgica à
ideia.
Ri baixinho. O problema não era eu não querer um encontro com ele, era só
que pensar em namorá-lo fazia tudo isso parecer muito mais real. No
momento, tinha me convencido de que teríamos apenas sexo e trabalho. Em
algum momento, o trabalho acabaria, assim que ele ganhasse a guarda, e o
sexo passaria a acontecer com menos frequência. Duvidava que ele
continuasse se esforçando para me ver. As emoções não precisariam entrar em
cena se mantivéssemos as coisas restritas ao trabalho e ao sexo... pelo menos
se eu tivesse feito isso direito desde o começo, não teríamos precisado ir
além, mas fracassei. Muito.
– É só um hambúrguer e uma bebida, Say. Não te pedi em casamento.
Hesitei ao ouvir aquelas palavras e percebi que havia congelado no banco
de passageiro. Engoli em seco e me remexi um pouco.
– Certo. Desculpa. Não era minha intenção entrar em pânico.
– Mas entrou. Em algum momento, você vai ter que passar um tempo
comigo fora do quarto e do tribunal, Sayer. Tenho um filho de cinco anos que
vai morar comigo em breve, e isso significa que sou um sujeito que vem com
um pacote. Passar tempo comigo vai ganhar um novo sentido com Hyde por
perto.
Ele apertou minha coxa, e tentei não entrar em pânico com sua revelação.
Ele pretendia se esforçar. O que estava acontecendo?
Pigarreei.
– Acho que vamos ver como as coisas ficam quando elas acontecerem.
– Por que parece que você está usando uma tática de advogados para evitar
o assunto? – ele parecia irritado, mas já estávamos na frente do Bar, então não
me dei ao trabalho de explicar que eu realmente estava tentando trocar de
assunto a todo custo. Nós funcionávamos muito bem nus e entrelaçados. Mas
eu não tinha muita certeza de como aquilo seria na vida real e, de repente, me
segurei mais à beira do abismo, me livrando alguns centímetros do perigo do
amor e do desejo.
– Vamos entrar e comer. Também estou com fome. Adoro o hambúrguer da
Darcy. Podemos conversar depois sobre o que virá.
Ele resmungou, mas deu a volta para me ajudar a sair, mesmo assim.
Quando estava parada na frente dele, com suas mãos na minha cintura, não
fiquei surpresa quando ele abaixou a cabeça e me beijou... com intensidade.
Ele sempre fazia isso quando eu postergava uma conversa que ele queria ter
sobre o estado atual de nosso relacionamento. Era só um lembrete físico de
que ele estava deixando as coisas passarem, mas apenas por um tempo.
– Em algum momento, não poderemos mais adiar, Say. Só haverá o agora, e
você terá que decidir o que fazer com ele.
O Bar estava lotado, e fomos tomados pelo barulho e pelo burburinho assim
que abrimos as portas. Um homem grande com pele bonita, que ia um pouco
além do tom dourado de um forte bronzeado, cumprimentou Zeb e acenou para
mim. Ele era bonito e aparentava ser firme como Zeb, por isso retribui o
cumprimento e decidi não me atrapalhar com as palavras, não dizendo oi. Os
olhos dele tinham um tom incomum de azul-claro que se espalhava até o
amarelado forte do contorno de fora. Nunca tinha visto nada assim, e era
difícil não encará-lo sempre que estava perto dele. Já tinha visto Dash
Churchill algumas vezes ao passar no Bar para beber algo com as meninas e,
apesar de ele sempre ter sido educado, nunca foi o que eu consideraria
simpático, mesmo quando me orientava a chamá-lo de Church naquele sotaque
lento e denso do Mississippi. A mesma coisa não podia ser dita sobre a ruiva
baixinha e divertida que era Dixie Carmichael. A garçonete que trabalhava ali
havia muito tempo era a melhor amiga de todo mundo e não hesitou em abraçar
Zeb e a mim, e ele precisou se abaixar bem para que ela conseguisse alcançá-
lo.
– Ai, meu Deus, não vejo vocês há um tempão. As coisas estão malucas
aqui hoje, então pode ser que seja difícil encontrar um lugar para sentar – ela
arregalou os olhos.
Zeb passou a mão pela barba e observou o bar cheio.
– O que está rolando hoje?
Dixie deu de ombros, o que fez com que seus cachos ruivos pulassem.
– A banda é um dos achados do Jet. Sempre que ele manda uma banda, o
lugar lota, e Asa não está aqui para cuidar do bar, porque está tentando se
mudar pra sua nova casa, então estamos só com Danny, que é bem novo, e
Zack, totalmente novo. Os dois são bons, mas não tão rápidos quanto Asa. Eu
deveria ligar para o Rome, mas com Cora grávida e prestes a dar à luz, só
farei isso em uma emergência.
Ela foi fazendo uma lista de nomes familiares que formavam o grupo de
homens e mulheres que meu irmão chamava de amigos. Balancei a cabeça
como se estivesse acompanhando e dei um tapinha no ombro de Zeb.
– Tente encontrar uma mesa. Vou lavar as mãos antes de comer – eu
precisava de um minuto para me recompor. Minha máscara estava caindo, e a
mulher que tentava espiar por trás dela começava a dominar minha vida
inteira.
Ele concordou e se afastou, enquanto comecei a passar pelas pessoas que
bloqueavam meu caminho até o banheiro. Parei quando tocaram meu ombro de
leve. Os olhos castanhos de Dixie brilharam para mim, muito carinhosos.
– Então, você e o montanha, hein?
A pergunta era inocente e, ao mesmo tempo, não era.
– Estou ajudando Zeb com um monte de coisas, e isso nos levou a passar
muito tempo juntos – aquela era uma resposta típica de advogado, para não ter
que falar sobre meu relacionamento com o barbado grandão.
Dixie riu e, realmente, a única pessoa que conseguia rir daquele jeito sendo
adulta e ainda ficar bonitinha e sensual era aquela baixinha cheia de energia.
– Ele quer se aproximar de você faz tempo, e eu sempre achei que o
sentimento era mútuo. Bom, independentemente do que seja, que bom para
vocês. Adoro quando pessoas boas se encontram, ainda que não pareçam se
encaixar. Na minha opinião, assim é melhor ainda.
Ela olhou de canto de olho para o segurança de pele bronzeada e de volta
para mim.
– Façam um ao outro felizes. É só o que importa. Preciso anotar outro
pedido e gritar com o sujeito novo para se preparar. Se Zeb encontrar um lugar
para sentar, vou levar uma Coors Light para vocês na mesa.
E assim ela se afastou, e eu retomei a batalha para ir ao banheiro. Nunca
tinha estado no Bar em uma noite tão lotada e não sabia bem qual era o
público. Parecia haver muitos alunos jovens de faculdade, que deviam
estavam ali por causa da banda que tocaria mais tarde. Também havia um
grande grupo de mulheres e homens vestidos com roupas parecidas com as
minhas, os quais evidentemente tinham parado ali para tomar alguma coisa
depois do trabalho, e também havia outros grupos menores e diversos, pessoas
que pareciam ter escolhido qualquer bar velho para beber.
Passei entre os clientes barulhentos e entrei no banheiro. Precisei esperar
na fila e, pela primeira vez, não me senti um peixe fora da água, porque vi que
a mulher à minha frente estava usando um terninho Mauro Grifoni bem mais
caro do que qualquer coisa que eu costumava usar para trabalhar. Também era
de um tom azul-ardósia muito bonito e, antes de chegar a minha vez de entrar
no banheiro, salvei a página em meu celular para poder comprar um depois.
Azul-ardósia era bonito e também colorido. Não era uma cor neutra, e se eu
comprasse uma roupa dessa cor não teria como esconder, quando a usasse, que
estava com algo diferente, de que gostava, mas não revelava.
Estava guardando o telefone na bolsa quando trombei em alguém no
corredor estreito. Levantei as mãos para me equilibrar e olhei nos olhos
confusos e obviamente embriagados do homem em quem trombei. Ele estava
meio dentro, meio fora do terno. A camisa estava desabotoada até metade do
peito, apesar de ele ainda estar com a gravata no lugar. Ele se balançou com as
pernas inconstantes e me levou consigo, porque segurava meus braços.
Dei-lhe o que esperava que se parecesse com um sorriso simpático, e não
uma careta, e disse:
– Com licença – tentei me afastar dele.
– Você é linda... e tão alta. Aposto que suas pernas são incríveis.
Me retrai no mesmo momento, diante da cantada mole, e me esforcei de
verdade para me afastar dele. Fiquei incomodada ao ver que os outros homens
e as outras mulheres que entravam e saíam do banheiro não se davam ao
trabalho de dizer nada ao rapaz.
– Tem uma pessoa me esperando. Você precisa me soltar... agora.
Dei ênfase à última palavra e ele me empurrou com a mão em meu peito.
Resmungou e apertou ainda mais meus braços, o que me fez gritar. Certamente
eu acabaria com vários hematomas por causa dele.
– Não quero te soltar. Quero te beijar – ele estava tão bêbado que as
palavras se uniam, e nós quase caímos de novo quando ele se inclinou na
minha direção.
Irritada, pus a mão em cima dos lábios dele e empurrei com o máximo de
força que pude.
– Nojento. Me solta.
Ganhei um pouco de espaço, mas, quando o sujeito percebeu que não
conseguiria encostar a boca na minha, me deu um chacoalhão forte, que fez
minha cabeça balançar. Gritei surpresa quando ele gritou comigo que eu era
uma vaca fresca, que deveria ficar feliz por alguém querer beijar minha cara
de bunda.
Eu ia responder que havia alguém naquele mesmo bar que adorava beijar
minha cara de bunda, quando esse alguém apareceu do nada, e o sujeito
bêbado acabou prensado na parede com cento e tantos quilos de Zeb Fuller
furioso em sua cara.
Zeb não gritou. Não fez escândalo. Simplesmente levantou o sujeito do
chão, pela camisa e ameaçou fazer coisas bem horríveis com ele, falando
baixinho e assustadoramente. Mas não eram bem ameaças. Eram promessas, e
o bêbado sabia disso. Ele me olhou por cima dos ombros de Zeb pedindo
ajuda. Suspirei e dei um passo à frente para pousar uma mão em seu ombro.
Ele parecia um predador prestes a atacar sua presa.
– Zeb, solte-o.
– Ele segurou você. Fez você gritar. Não vai sair daqui sem sangrar.
Ele sibilava entredentes, enquanto chacoalhava o homem de um jeito
parecido ao que tinha acabado de acontecer comigo. Nunca o tinha visto
daquele jeito... bom, não era verdade. Ele estava bem parecido com o Zeb
daquela foto do arquivo sobre a minha mesa, o que me causou pânico, e fiquei
sem ar. Ele não podia pegar aquele caminho de novo.
Pensar que Zeb podia perder as estribeiras, perdendo tudo o que havia se
esforçado tanto para conseguir por minha causa, fez o que pensar em minha
mãe e falar sobre meu pai não tinham conseguido fazer. Os portões se abriram,
a tomada foi puxada, os muros caíram e todo medo, desejo, vontade, sonho e
pesadelo que eu tinha surgiram. Não estava sentindo uma coisa, mas todas as
coisas que mantive presas por muito tempo, e bastou para me colocar de
joelhos. Parei de respirar, parei de pensar e deixei que a inundação de tudo
aquilo de que eu havia tentado fingir por tanto tempo tomasse conta de mim.
Zeb tinha muito o que perder, e eu me recusava a ser a causadora disso. Eu
não podia atrapalhar o futuro dele com Hyde. Se fizesse isso, mereceria todas
as palavras odiosas que meu pai já tinha me dito. O desprezo e a humilhação
que eram minha realidade finalmente seriam merecidos, e eu não podia
permitir isso. Nem por um segundo. Palavras antigas sobre valor e dignidade,
sobre não ser suficiente, começaram a descer por minha coluna. Sabia como
era crescer sem um pingo de amor e não havia a menor chance de eu colocar
Hyde nessa situação. Nunca faria Zeb se sacrificar dessa forma por mim.
Envolvi seu músculo grande com a mão a fim de mantê-lo firme e conseguir
falar diretamente em seu ouvido. Minha voz estava trêmula e rouca, mas ele
estava tão concentrado no homem que queria machucar que duvido que tenha
percebido.
– Você tem muita coisa em jogo para querer chacoalhar esse sujeito como
uma boneca de pano. Não espere alguém chamar a polícia. É a pior coisa que
poderia acontecer tão perto de conseguir a guarda.
O homem roncou, e Zeb manteve o braço preso contra seu pescoço,
impedindo a passagem do ar.
– Ele pôs as mãos em você.
– Eu sei, mas eu tinha a situação sob controle – não tinha, na realidade, e no
momento eu estava mais sem controle do que nunca. Mas havia mais coisa em
jogo do que aquele bêbado idiota e o instinto natural de Zeb de proteger as
pessoas a quem amava. Meus hematomas sumiriam, mas se ele perdesse o
Hyde por algo tão idiota... Eu nunca conseguiria viver com uma consequência
assim.
– Solte-o, por favor – eu estava implorando e prestes a chorar. Sentia o
desespero em tirá-lo dali me puxar com mãos fortes.
Senti que um pouco da tensão deixava seus ombros e, de repente, ele deu
um passo para trás e deixou o homem cair no chão, trêmulo e assustado.
– Não ponha as mãos em ninguém, otário.
O rapaz piscou, confuso, e assentiu lentamente. Apoiei uma mão nas costas
de Zeb e senti vontade de chorar quando ele se afastou do homem. Era por isso
que as emoções eram perigosas. Elas doíam muito e eram muitas com as quais
lidar. Eu sentia as minhas caírem ao meu redor. Ele partiu entre as pessoas, e
eu fui logo atrás encontrar Church.
– Um idiota bêbado acabou de agarrá-la no corredor. Ele a chacoalhou e
segurou. E não soltava.
Church ficou tenso, com os olhos peculiares bem sérios e concentrados na
direção indicada por Zeb.
– A camisa dele está meio aberta e ele está usando uma gravata vermelha.
O imbecil teve sorte de eu não o ter enforcado com aquilo.
– Estou nessa. Vamos dar uma bronca nele. Quer que eu chame a polícia?
– Não – apareci atrás de Zeb e balancei a cabeça desesperada. – Está tudo
bem comigo. Não chame a polícia.
– Tem certeza? – Church cruzou os braços à frente do peito e, se
estivéssemos em outra situação, eu teria observado como seu peito ficou maior
sob a camiseta preta e justa.
Ele era mesmo muito lindo e intenso.
– Certeza absoluta. Vamos, Zeb.
Os dois trocaram olhares que, aparentemente, expressavam coisas que iam
além de meu conhecimento, e então fui guiada para fora e acomodada no banco
da frente do jipe, envolvida em um silêncio sepulcral quando Zeb se sentou ao
meu lado. Não consegui aguentar mais do que alguns minutos e falei:
– Me desculpa.
Ele virou a cabeça tão depressa que fiquei surpresa por não termos perdido
o controle do jipe.
– Pelo quê?
Dei de ombros.
– Por tudo – por não lidar com isso de um jeito melhor. Por achar que eu
conseguiria e acabar frustrada. Por não conseguir ser tão apaixonada e
amorosa quanto ele era. Por não ser corajosa o bastante para confiar que ele
podia soprar vida em meu coração maltratado como tinha feito na casa.
– Não suporto ver homens agarrando mulheres. É complicado pra mim – eu
sabia que era. Só podia ser depois do que tinha acontecido com a irmã dele.
– Estava tudo bem, eu estava bem. Estava enfrentando a situação. Você tem
muita coisa em jogo para se meter em situações assim no momento.
Ele resmungou, e vi suas mãos agarrarem o volante com força.
– Quando você diz coisas assim, parece minha advogada, não minha
namorada. Sempre que alguém machucar você, fizer ameaças ou te causar
medo, vou interferir, Sayer. Eu me importo com você... eu a...
Eu o interrompi antes que ele pudesse concluir o pensamento. Não podia
ouvir aquilo. Se permitisse que ele dissesse, a onda me levaria. Respirei
fundo, reuni os pedaços da minha concha e me preparei para fazer o que eu
sabia que deveria ter feito desde o começo para nos manter seguros. Estendi o
braço e pousei a mão em sua perna e esperei até ele virar a cabeça e me olhar.
– Sou sua advogada, Zeb. Quero o melhor para você e seu filho – parecia
que o “depois” havia chegado antes do que esperávamos. Sabia ser sua
advogada e me entregava totalmente a isso. Não permitiria que ele arriscasse
nada por mim. Nem seu coração. Nem seu filho. Nem seu futuro... nada, não
quando não podia oferecer nada em troca.
Ele permaneceu em silêncio enquanto íamos para a minha casa e, ao parar e
desligar o motor, soube que aquele adeus doeria mais do que qualquer outro
que eu já tinha dito.
Seus olhos verdes estavam intensos, cheios de coisas dolorosas, e, de
repente, senti o impacto deles sobre mim, sobre minha pele sensível. Ele
inspirou e expirou com tanta força, que senti o ar em minha pele como se
estivesse carregado de esperança e de sonhos que eu havia tomado.
– Então, como vai ser? Você quer ser minha advogada? Quer resolver todos
os problemas que tem sozinha e lidar com todo mundo que tentar te machucar
sozinha, apesar de eu estar bem aqui? Sei que tenho muito a perder se me
enfiar em encrenca, Sayer. Compreendo que há muito em jogo; o que não
entendo é como você consegue ignorar que é uma dessas coisas para as quais
estou me esforçando para ser melhor – ele ergueu as sobrancelhas. – Você me
viu, como sou, desde o começo, Sayer. Por que tem tanta dificuldade de
acreditar que também vi você, como é, desde o começo?
Ele me faria chorar. Mordi o lábio inferior e caminhei em direção à porta,
mas antes que pudesse abri-la, ele apareceu. Aparecia sempre, naquele ponto
na minha frente que parecia pertencer só a ele.
Apoiei as mãos dele em meu rosto e senti quando ele correu os polegares
sobre minha face. Fiquei surpresa com a umidade deixada por ele, o caminho
percorrido pelas lágrimas.
– Não sei mais o que fazer aqui, Say. Construí uma casa para você. Fiz
amor com você. Dei todas as cores e te ajudei a comemorá-las. Te fiz derreter
muitas vezes. Quero dizer o quanto me importo com você... pode me dizer o
que mais posso fazer?
O mundo.
Esse homem grande e forte tinha me dado o mundo, e eu não conseguia fazer
nada com ele. Pela primeira vez, minhas mãos ficaram muito frias, enquanto
meu coração parecia queimar dentro do peito. Tantos sentimentos. Tanto medo.
Era muita coisa para entender enquanto eu era levada pela correnteza. Tentei
pegar a única coisa que parecia estável, que parecia enraizada. E levei a mão
até ele.
Agarrei sua camisa, puxei seus lábios em direção aos meus. Sussurrei que
queria que ele gozasse dentro de mim mais uma vez e fiz tudo isso sabendo
que Zebulon Fuller seria o primeiro e o último sujeito que eu havia beijado,
porque eu estava mudando, escorregando e me tornando uma pessoa que não
era antes nem depois, mas uma mistura confusa das duas coisas. Ele tinha que
ter algo melhor do que aquilo. Eu era metade uma mulher perdida nos horrores
do passado e metade uma mulher descobrindo o que queria e precisava em
uma vida que era sua. Ele merecia alguém inteiro, assim como seu filho.
Ele me destruiu com tanta sinceridade e receptividade. Eu nos destruí por
não ter espaço dentro de mim. Mesmo com as emoções que eu vinha
expurgando e vomitando, deixando um vazio, ainda não conseguia encontrar
um lugar para manter todas aquelas coisas maravilhosas que ele tentava me
dar.
CAPÍTULO 14
Zeb
E LA ME DEU UM BEIJO DE DESPEDIDA, E ENTREI COM ELA EM SUA CASA. AQUELA ERA
uma ótima oportunidade para eu praticar pensar sobre as consequências de
minhas ações antes de mergulhar de cabeça de forma imprudente. Uma pena
que não fosse parar e fazer nada além de me apaixonar ainda mais por Sayer.
Era uma tolice. Provavelmente uma tolice ainda maior do que passar a noite
com a mãe de Hyde quando eu estava desequilibrado e ferido, depois de mais
de dois anos sem liberdade nenhuma. As duas experiências acabariam
deixando marcas em quem eu era e em como amava. Sabia que Sayer me
magoaria e estava disposto a deixar que isso acontecesse. Ela estava fria
como sempre tinha sido por fora, a pele como gelo onde quer que nos
tocássemos.
Por dentro, ela era um inferno, uma tempestade de muitas emoções, que
deixavam seus olhos claros nublados e selvagens. Mais uma vez pensei que
ela era uma tormenta, uma explosão que acabaria comigo, e queria que ela me
detonasse.
Todos os sentimentos que eu tinha por ela, bons, ruins, incertos e safados,
queimavam dentro de mim querendo transbordar e alcançá-la. Agora, ela se
derreteria totalmente por mim, porque não havia mais muros de gelo me
impedindo de chegar ao íntimo. Eu havia feito o trabalho pesado, aberto
espaço para mim e para meu filho em sua vida, reorganizado um espaço que
era só meu; agora dependia dela encontrar uma maneira de se livrar de todo o
lixo para que eu pudesse tomar o resto do que era meu.
Abri os botões de minha camisa de flanela assim que a porta do quarto dela
se fechou atrás de nós. Eu a deixaria nessa casa que havia construído para ela
e deixaria o máximo que pudesse de mim com ela, para que, ainda que
quisesse, Sayer não conseguisse me esquecer e não conseguisse ignorar o que
eu sabia que representávamos um ao outro.
Observei com as pálpebras pesadas ela tirar o blazer e se virar na minha
direção.
Ela era linda, e tudo isso era muito trágico. Disse a mim mesmo para sair e
ir embora antes que as coisas ficassem mais complicadas e fodidas entre nós.
Mas então ela tirou a camisa, o sutiã caiu no chão e suas mãos de repente
estavam embaixo da camiseta que eu tinha vestido por baixo da flanela para
me proteger do frio do outono. Seu toque estava firme e muito mais direto do
que o normal, quando punha as mãos em mim.
Ela gostava de passar os dedos em mim, gostava de me explorar e acariciar
com um toque leve. Parecia querer pegar algo. Como se quisesse se apegar a
mim, apesar de estar me afastando com as duas mãos. Quando me dei conta,
ela havia aberto minha calça e tirava o jeans e minha cueca da frente. Apesar
de minha cabeça e de meu coração saberem que isso era uma despedida, meu
pau não parecia se importar com a dor que viria. Ele se acomodou em suas
mãos, e ela me olhou com aqueles olhos conflituosos. Não foi bonito ver. Foi
feio e triste. A tormenta estava dentro dela, em ondas, e quase morri por saber
que não tinha habilidade nem conhecimento para consertar aquilo. Não havia
como consertar Sayer Cole. Ela precisava ser derrubada e reconstruída do
zero.
Eu estava mais do que pronto para essa mulher. Não havia mais nada que eu
pudesse oferecer ou criar para ela, então me afastei de suas mãos, ela gemeu
um pouco, e meu pau protestou. Então pousei as mãos em seus ombros para
que ela pudesse se virar de costas para mim. Eu não sabia se conseguiria sair
dessa vivo, com aqueles olhos tumultuosos implorando para que eu
melhorasse as coisas. Eu havia feito tudo o que podia.
Agora, dependia totalmente dela.
Abri o zíper de sua calça e desci o tecido cinza-carvão por suas pernas
compridas. Como suspeitava ao comentar sobre sua roupa íntima no shopping,
o conjunto era de um azul-turquesa profundo e me agradava muito. Também
tirei aquelas peças, ainda sem virá-la de frente para mim, e deslizei a mão na
parte de trás de seu pescoço. Seus cabelos ainda estavam enrolados e
amarrados no topo da cabeça, sua pele estava exposta e isso a deixava mais
vulnerável.
Beijei seu ombro nu. Lambi a veia que pulsava meu nome enquanto latejava
na lateral de seu pescoço. Corri o nariz pela bela curva de sua mandíbula e me
aproximei ainda mais para sussurrar em seu ouvido:
– Quando isto terminar e eu estiver saindo, vou dizer que te amo.
Ela ficou tensa e tentou se virar para me olhar. Não deixei. Escorreguei uma
mão por baixo de seu braço até tocar seu seio, que encheu minha mão. A ponta
rosada e delicada imediatamente se destacou e pressionou minha pele. Usei o
quadril para direcioná-la para a beirada da cama, já que minhas pernas ainda
estavam meio presas dentro da calça. Eu não tinha a intenção de me despir
mais.
Eu a amava, mas não podia fazer amor com ela naquele momento. Estava
irritado demais. Irritado com ela. Irritado comigo mesmo por ter entrado
sabendo que aquilo acabaria em sofrimento. E irritado de modo geral com
toda a situação. Merecíamos ser felizes. Merecíamos fazer com que desse
certo. Eu ficava enfurecido por não poder forçar as coisas para que fossem
como eu queria. Estava acostumado a conseguir que minha persistência e
minha teimosia me dessem o que eu queria.
Ela obedeceu meu comando silencioso para subir na cama, de joelhos. A
posição deixava aquela bunda deliciosa virada para cima e sua entrada já
úmida e brilhante perfeitamente alinhada com meu pau. Ela cruzou os braços e
encostou a testa na cama, incapaz, acredito, de me olhar depois do que lhe
disse. Eu a amava, sim. Independentemente de quem fosse e
independentemente de quem decidisse ser, mas não poderia me apaixonar mais
enquanto não houvesse espaço dentro dela para retribuir meu amor.
Passei os dedos por sua coluna e enchi a mão na curva de seu quadril.
Queria entrar com tudo. Queria puxar seus cabelos, usar meus dentes em toda
aquela pele delicada. Queria passar o rosto em cada centímetro de pele e
deixar marcas nela com minha barba. Queria usar a língua para atormentá-la,
para levá-la à beira do prazer e, então, tomá-lo como ela havia feito com todo
o amor que eu tinha por ela. Queria usar tudo que normalmente lhe dava prazer
para lhe causar dor. Eu estava sofrendo e sabia que ela também. A diferença
era que ela tinha o poder de fazer a dor parar. Toda a dor e a mágoa estavam
em suas mãos, ela só precisava deixá-las e pegar as outras coisas que eu
oferecia, coisas como amor e o juntos para sempre.
Apertei seu quadril com os dedos de uma das mãos e deixei os outros
percorrerem aquelas pequenas depressões na base de sua coluna, pelas quais
era apaixonado. Deslizei a mão pela curva voluptuosa de seu traseiro e não
enrolei quando cheguei a seu centro já quente e cheio de desejo. Entrei de uma
vez, apliquei pressão em meus dedos, e falei para ela aguentar quando percebi
seu espasmo invadir repentinamente seu corpo.
Não foi muito bom. Não foi nada suave nem romântico, mas eu estava me
sentindo bem direto e safado. Uma despedida assim não seria fácil para
nenhum dos dois, imaginei.
Ela estava quente e macia sob meu toque. O oposto de tudo que ficava
trancado quando ela me olhava. Ela era firme, gostosa e se movimentava no
ritmo de meus dedos em movimento. Tentou levantar a cabeça, e eu sabia que
ela me olharia e eu não seria capaz de negar a conexão, a tentativa de salvar
nós dois do afogamento enquanto a corrente dentro dela nos separava cada vez
mais. Soltei seu quadril e me inclinei para a frente para enfiar a mão em seus
cabelos. Puxei com pouco cuidado, espalhando o elástico e os vários grampos
pela cama e pelo chão. As mechas loiras desceram em ondas infinitas sobre
seus ombros e sobre minha mão, que esperava.
Agarrei seus cabelos e os usei para mantê-la onde eu queria que ela ficasse,
o mais longe de mim possível, apesar de meus dedos estarem dentro dela e de
meu pau estar se esfregando à vontade na depressão de seu traseiro perfeito
exposto para mim. Senti ela murmurar um som de incômodo quando a fivela do
cinto bateu na parte de trás de suas pernas, mas ainda não queria parar o que
estava fazendo com ela. Nós dois estávamos incomodados, até onde eu sabia.
Ela começou a emitir sons curtos, rosnados, e senti seu corpo se aquecer e
ficar mais tenso onde eu a manipulava. Ela estava quase gozando, quase
deixando que eu lhe oferecesse a última coisa que podia oferecer, prazer e
lembranças, e eu sabia que me arrependeria se oferecesse aquilo sem penetrá-
la para dividir o momento.
Tirei os dedos de seu centro agora encharcado e a levei para mais perto da
beira da cama. Isso fez com que ela empinasse a bunda ainda mais, e não
precisei de muito esforço para me afundar em sua carne quente. Senti seus
músculos se contraírem ao meu redor e revirei os olhos, porque a sensação era
ótima. Eu podia não estar gostando de nenhum de nós no momento, mas não
havia como negar que sempre amaria aquilo. Adorar o corpo dela com o meu
nunca seria algo feio ou brutal. Não havia castigo quando estávamos juntos, só
aceitação e beleza. Eu era um idiota por pensar diferente.
Vapor... calor e gelo criavam vapor. Fervia e subia entre nós, borbulhava
muito e intensamente.
Não aguentava mais a distância. Não tolerava fodê-la e não estar com ela
enquanto o fazia. Então, aproveitei a mão em seus cabelos para fazer suas
costas ficarem pressionadas diante do meu corpo para que, quando ela virasse
a cabeça para me olhar, nossos olhos estivessem a poucos centímetros.
Ela estava chorando.
Grandes lágrimas rolavam de seus olhos enquanto trocávamos um olhar.
Levei uma mão a seu seio e apertei, e a outra foi até seu coração para que
eu pudesse senti-lo bater formando meu nome em código. Diminuí a
velocidade com que entrava e saía de Sayer. Diminuí minha fúria encostando
meus lábios nos dela de leve. Acalmei meu coração ao perceber que aquelas
lágrimas eram o gelo que ela guardava dentro de si derretendo.
Havia esperança. Era pequena. Fugaz. Escondia-se atrás de muitas outras
coisas que pareciam muito mais importantes. Mas estava ali e não seria
ignorada.
Eu a beijei de verdade. A beijei com todas as minhas forças. A beijei com o
desespero e o medo que tinha sentido na primeira vez em que nossos lábios se
tocaram. A beijei com força e fúria suficientes para os quais eu sabia que ela
tinha que abrir espaço. Ela retribuiu da mesma maneira. Foi um choque de
lábios e dentes. Um duelo de línguas e de corações em disparada. Foi
escorregadio, uma bagunça de todas as melhores maneiras e, quando imitei o
movimento que meu quadril fazia enquanto eu a penetrava com cada vez mais
força, ela gemeu em minha boca e segurou minha cabeça como se eu fosse sua
boia salva-vidas.
Eu não era. Ela tinha que salvar a si mesma, mas eu ficaria por perto,
esperando à margem, para pegá-la quando isso acontecesse, quando a
tempestade na qual ela estava presa diminuísse e os ventos uivantes que
balançavam suas emoções de um lado para o outro se aquietassem dentro dela.
Apertei seu mamilo saliente entre os dedos e então o circulei com o
polegar. Ela estava ofegante e uma das mãos tocou a minha onde eu ainda
cobria seu coração. Segurei sua mão livre e a arrastei sobre sua barriga lisa
até nós dois tocarmos a junção de suas coxas. Eu sabia como tocá-la agora,
como fazer com que ela perdesse o controle com apenas uma leve pressão.
Conhecia todos os seus pontos secretos de prazer e como manipulá-los para
que ela se abrisse para mim.
– Ainda quero observar, mas não hoje. Hoje, quero sentir. Quero nos sentir
juntos e entender do que você está desistindo.
Ela resmungou quando eu mandei que abrisse os dedos ao redor de onde eu
entrava e saía de seu corpo.
O estímulo extra de seu toque e a leve pressão que ela aplicava fizeram
com que eu revirasse os olhos de prazer, enquanto usava o dedo indicador
para fazer movimentos circulares em seu clitóris. Tudo entre nós estava
amarrado com tanta força e pronto para explodir que ninguém precisava de
mais estímulo, mas era delicioso.
Seus dedos a arreganhavam. Senti tudo molhado e quente e percebi o
aumento de minha frequência cardíaca e o modo como o prazer quase tirou
minhas forças. Fiz ainda mais pressão, usei um toque mais firme do que
normalmente usava naquela partezinha sensível que cantava sob meus dedos e
continuei a devorar sua boca como se fosse minha última refeição.
Ela afundou as unhas na parte de trás da minha cabeça e jogou a própria
cabeça para trás para gritar meu nome. Ela não era muito de gritar na cama, em
geral só me estimulava com seus gemidinhos, que faziam com que eu me
sentisse o rei do sexo. Mas o grito... Deus... o grito estridente, de deixá-la
rouca, foi o som mais lindo que já ouvi. Meu nome nunca ficou tão lindo. Ela o
possuía agora que não tinha como negar depois de se render dessa forma.
Eu a soltei, e ela se dobrou para a frente para eu voltar a segurar seu
quadril com vontade e comê-la com força. Não demorou muito, não com meu
nome ainda ecoando em meus ouvidos e o corpo de Sayer me puxando com
contrações desesperadas.
Gozei tão forte que minha visão ficou escura.
Gozei tão forte que meus joelhos fraquejaram e eu quase caí em cima dela.
Gozei tão forte que senti a vibração nos dentes de trás.
Gozei tão forte que sabia que ela ia me sentir durante dias e dias após
minha partida, porque eu a estaria sentindo.
Quando minha respiração voltou ao normal e consegui enxergar de novo,
corri as duas mãos, paralelamente, em sua coluna e por seus cabelos agora
absurdamente despenteados e me movimentei para sair dela e beijar a parte de
trás de seu pescoço.
O desespero voltou quando separei nossos corpos cansados, mas dessa vez
não parecia que iria me destruir.
Dei um passo para trás, me afastando da cama, e vesti a calça. Ela rolou de
barriga para cima e olhou diretamente para o teto. Estava muito linda e
marcada por minhas mãos e minha boca. Seu peito estava vermelho, os seios
ainda tinham marcas rosadas feitas por minhas mãos e, na região em que suas
pernas se uniam, nossa despedida aparecia escorrendo para fora, brilhante e
real.
Ela levantou as mãos e envolveu o pescoço com elas, enquanto continuava
a olhar para o teto. Era como se estivesse tentando segurar aquele grito dentro
de si. Mas não tinha como voltar. Nós dois ouvimos.
– O que quase aconteceu hoje... Não posso ser o motivo de aquele
menininho perder você. Não posso ser a pessoa egoísta e despreocupada que
meu pai passou a vida toda tentando me convencer de que eu era.
Hesitei, um pouco surpreso com a revelação, e me abaixei para pegar
minha camisa do chão.
– Você nunca seria despreocupada nem egoísta, Sayer. Você não tem nem
um pouco disso dentro de você – passei as mãos pelos cabelos e os puxei com
força suficiente para encher meus olhos de lágrimas. – Você quer ser o robô
sem emoção que precisou ser para sobreviver ao seu pai e à morte de sua mãe,
e é uma escolha que está fazendo de modo consciente, mesmo sabendo que
existem outras opções. É o que está escolhendo quando poderia escolher a
mim, quando poderia escolher a nós. Eu sei que é um risco, mas um risco que
correríamos juntos – suspirei enquanto vestia minha camisa, sem me importar
em encontrar a camiseta. – Amo você, e você sabe. O que escolhe fazer em
relação a isso é problema seu.
Vi suas mãos se apertarem reflexivamente, ainda envolvendo seu pescoço, e
me perguntei se todas as emoções que ela mantinha presas dentro de si
estavam subindo para enforcá-la.
Dei o passo necessário para que meus joelhos tocassem os delas e me
inclinei para poder colocar as mãos em suas cabeça. Olhei Sayer enquanto ela
continuava chorando e me olhava com aqueles olhos molhados. Partes do
iceberg estavam se separando, e as bordas cortantes a dividiam em pedaços.
Encostei os lábios em sua testa e sussurrei contra sua pele.
– Eu escolho você, Sayer. Namorada, advogada e tudo o que você é entre
uma coisa e outra, é o que escolho. Escolho nós dois. Quando você estiver
pronta para aceitar isso, me procure – me afastei dela e abri um sorriso que
não era feliz nem bem-humorado. – Nos vemos no tribunal.
Minha última tentativa havia sido feita. Agora eu só podia amá-la e deixá-
la.
Sayer
J Á FAZIA QUASE UM MÊS DESDE QUE ZEB SAÍRA DE MEU QUARTO, ME DEIXANDO
arrasada em uma poça de tristeza que eu mesma havia causado. Estava me
afogando em todas as decisões que tinham me levado àquela situação, e todas
as palavras que ele me disse ao sair me envolviam e me prendiam em
verdades duras.
Ainda precisava conversar com ele sobre o caso. A justiça queria que um
assistente social fosse à casa dele verificar as condições, antes de Hyde
começar a passar as noites lá, e senti um peso enorme no coração quando Zeb
respondeu que eles podiam ir e que achava que eu não precisava estar
presente nesse dia. Ele respondia a cada mensagem de texto minha sobre Hyde
com uma única palavra: “bem”, “ótimo”, “tranquilo”. Todo e-mail que eu
enviava, perguntando se ele já tinha ido à escola matricular Hyde e se tinha
verificado se as vacinas do garoto estavam em dia, era respondido apenas com
os fatos e as cópias dos documentos que eu pudesse precisar apresentar caso
me pedissem para provar se Zeb era proativo como pai.
Compreendia que ele precisou se afastar porque não dei outra opção.
Compreendia que eu não tinha dado nada pelo que valesse a pena lutar, mas a
perda doía mesmo assim. Sabia que o espaço que ele tinha aberto para si
dentro da minha vida e do meu coração não seria preenchido com mais nada e
fui ficando dolorosamente consciente de que estar sozinha e me sentir solitária
eram dois monstros diferentes.
Por pior que fosse a sensação de estar sozinha, ela não se comparava à
sensação de me sentir solitária.
Estar sozinha era algo vazio e cavernoso. Era algo que crescia dentro de
mim, que não acabava, e a dor ecoava rasa e chata. Sentir-me solitária era
diferente. A sensação de estar solitária me consumia a ponto de explodir. Era
tão grande que eu não fazia ideia de como ela não atravessava minha pele. A
sensação de estar solitária gritava alto e sem parar em meus ouvidos. O grito
estridente era uma mistura bem feia de culpa, desejo, medo e fúria. E não
havia nada de fácil em me sentir solitária. Aquilo me queimava, muito, em
todos os pontos mais sensíveis. Queimava todas as feridas agora abertas e
sangrando sem parar, e acabei forçada a fazer algo sobre elas, ou acabaria
sangrando até morrer.
Queria ser a mulher que eu era quando estava com Zeb o tempo todo. Era
ela quem eu estava escolhendo e, mesmo com essa decisão tomada, não tinha
certeza de quais passos precisava tomar para mantê-la por perto para sempre.
Sabia que precisaria me armar da melhor maneira para a última audiência
no tribunal. Seria a primeira vez em que veria Zeb depois de semanas, e ele
não estaria sozinho. Sua mãe e sua irmã estariam lá para ouvir o veredicto
final, por isso me senti em desvantagem, apesar de estarmos todos do mesmo
lado naquela luta. Eu sabia que precisava deixar a mulher que eu estava me
esforçando para ser tomar a dianteira se quisesse passar pela audiência com
minha postura e meu profissionalismo intactos. Comprei uma roupa nova da
mesma vendedora invejosa que havia cercado Zeb no dia em que fomos
procurar roupa de cama e me senti estranhamente satisfeita quando ela me
disse, meio mal-humorada, que o tom roxo vibrante do terninho não combinava
com muitas pessoas, mas ficava bom em mim. Pensei que seus olhos fossem
saltar das órbitas quando comprei uma camisa amarelo chamativa para usar
por baixo. Talvez fosse demais, chamativa demais, mas eu não me importava...
e isso era libertador.
Também decidi que meus cabelos compridos e simplórios precisavam ir
embora. A única coisa que eu fazia com meus cabelos era amarrá-los ou
prendê-los para trás, para ele não chamar atenção.
Mas eu merecia um pouco de atenção. Queria um pouco de atenção.
Marquei um horário para cortar alguns dedos dos cabelos e, já que estava no
salão de beleza, decidi fazer mechas de vários tons de loiro na vasta
cabeleira. O resultado final ficou atraente e moderno. Muito mais ostentoso e
chamativo do que qualquer outro corte que eu já tivesse usado antes.
A máscara estava caindo por completo, e a mulher que enfrenteva o mundo
sem ela podia não ter dominado tudo ainda, mas estava chegando lá. Ainda
que com passinhos de formiga, como roupas novas e coloridas e um corte de
cabelo chique.
Quando o dia da última audiência de Zeb chegou, sugeri que fizéssemos a
reunião pré-tribunal no meu escritório, com todo mundo, como havíamos feito
antes, mas Zeb recusou e falou que ele e a família me encontrariam no tribunal.
Falou comigo como se fosse um desconhecido. Em sua voz grave, não havia
qualquer sinal de descontração nem insinuações. Ele estava falando comigo
como todos os outros clientes, e isso me doeu. Não havia sinal de nosso
relacionamento anterior nem nada pessoal em seu tom de voz.
Ele usar minhas próprias táticas comigo foi como levar um banho de água
fria. O choque do impacto tomou meus membros, que logo ficaram
anestesiados. Eu merecia aquilo, mas ainda assim a frieza me abalava. Era
muito mais fácil não sentir, fingir que não ligava. A onda de emoções era livre
e não havia como escapar, já que ela rolava e fluía para dentro de mim, e Zeb
era a força gravitacional que a controlava.
Ao chegar ao tribunal, vi seu jipe estacionado na rua, e isso fez meu
coração acelerar. Não me lembrava de nenhum momento de minha vida em que
quisera tanto ver alguém. Nem mesmo quando me mudei para Denver e
comecei a procurar Rowdy. Eu só queria olhar para Zeb. Queria vê-lo e
respirá-lo. Queria estar no vórtice que ele criava ao seu redor dando uma
impressão de segurança e tranquilidade. Queria ouvir sua voz e observar suas
mãos tocarem a barba, enquanto ele pensava.
Sentia falta de todas as coisas grandes relacionadas a tê-lo em minha vida,
mas também as pequenas, as especiais que tornavam Zeb quem ele era...
Estava louca por uma dose delas.
Estava chegando à entrada quando meu telefone tocou. Parei para tirá-lo da
bolsa. Podia ser alguém do escritório para falar sobre alguma coisa de que eu
precisaria antes da audiência, mas quase derrubei o aparelho ao ver o número
familiar, de Seattle, piscar na tela. Apoiei a bolsa na dobra do braço e levei o
telefone à orelha.
– Nathan? – não consegui disfarçar o choque na voz.
– Uh... oi, Sayer. Quanto tempo.
“Quanto tempo” era bondade demais da parte dele. Devolvi a aliança a ele,
disse que estava me mudando para o Colorado para encontrar meu irmão e,
desde então, não havíamos conversado. Fazia um ano desde que tinha ouvido
sua voz pela última vez.
– Está tudo bem? Estou entrando no tribunal para um caso importante. Não
tenho muito tempo para conversar.
Ele riu, sem achar graça nenhuma, e me lembrei por que nunca teríamos
dado certo.
– Você está sempre entrando no tribunal para um caso importante. Acho que
algumas coisas nunca mudam.
Não gostei de ele estar tentando me diminuir ou tentando diminuir o que eu
fazia, mas eu havia terminado a relação, então imaginava que ele tinha o
direito de ser meio idiota.
– O que você quer, Nathan?
– Bem, sei que as chances são pequenas, mas estou em Denver por alguns
dias para encontrar um possível novo cliente. Pensei que você pudesse querer
beber alguma coisa para colocarmos as novidades em dia.
Quase tropecei ao ouvir aquilo. Segurei o telefone com mais força e olhei
na direção da entrada do prédio.
Eu parecia estar de pé em uma encruzilhada entre o meu passado e o meu
futuro, e se desse um passo errado acabaria perdendo um e caindo
perigosamente no outro.
Parei por um segundo, em vez de aceitar automaticamente só no intuito de
ser educada. Enquanto namorava Nathan, não gostava muito de sair com ele.
Não parecia haver nada de errado com o rapaz, mas ele só não era tão
interessante quanto meu trabalho e, desde que nos separamos, não senti falta
dele. Eu não estava louca de vontade de retomar contato e passar uma hora
com ele me perguntando sobre o que eu vinha fazendo, tendo que responder
que estava exatamente do mesmo jeito de quando deixei Seattle, exceto pelo
fato de agora ter um irmão a quem eu amava, uma colega de casa por quem
daria a vida e um homem que me amava, mas a quem meu medo não me
deixava amar. Suspirei e respondi de um jeito sincero e direto.
– Não, não quero colocar as novidades em dia, Nathan – não senti culpa,
preocupação nem recriminação, porque a mulher que eu era agora, a mulher
que eu era quando estava com Zeb, não precisava se sentir mal por dizer não.
Não queria vê-lo e não havia nada que me obrigasse, além de minha reação
reflexiva que sempre fazia o mais fácil. Era libertador dizer não sem a menor
preocupação com a reação do outro lado.
Ele suspirou, e eu olhei para a tela do telefone para saber as horas. Ainda
tinha alguns minutos, mas o que me esperava dentro do tribunal era bem mais
importante para mim do que a reação de Nathan.
– Meu Deus, Sayer, você continua uma pedra de gelo.
Ri um pouco, porque não era mais assim. A mulher que eu era agora tinha
momentos de frieza e de calor, sentia tudo, incluindo irritação por ele ser
egoísta o suficiente e achar que o tempo dele era mais valioso do que o meu.
– Não, Nathan, não sou assim. Sou apenas ocupada.
– Você estava sempre ocupada. Foi isso o que nos impediu de nos conectar.
Suspirei pesado e parei ao chegar à porta do tribunal. O que nos impediu de
nos conectar foi o fato de eu não amá-lo e de ele não me amar... pelo menos
quem eu realmente sou.
Vi algo cor-de-rosa e fiquei boquiaberta ao reconhecer a mesma jovem que
estava fazendo Quaid sofrer, na última vez em que estive aqui, sair com tudo
do tribunal. Ela era muito bonita de perto, de um jeito surpreendentemente
delicado, que não combinava com seu cabelo rosa-choque nem com os lábios
contraídos de raiva. Não consegui ver a cor de seus olhos quando ela passou
correndo por mim, mas vi sua maquiagem toda borrada e marcas de lágrimas
em seu rosto. Quaid estava logo atrás dela, com a aparência polida e
profissional de sempre em um terno cinza, exceto por seus cabelos estarem
todos arrepiados, como se ele os tivesse puxado em todas as direções. Ele não
pareceu me notar, e eu estava prestes a chamá-lo, mas virei e o vi puxar a
jovem pelo braço, a fim de impedi-la de se afastar ainda mais. Ele a virou e
gritou algo que não consegui entender. Isso me fez querer interromper, porque
era evidente que ele estava prestes a perder o controle. No entanto, quando
comecei a falar, Quaid ergueu a mulher, que ficou na ponta dos pés, até seus
lábios ficarem na mesma altura e ele beijá-la.
Fiquei chocada com a cena.
Quaid puxou a garota para mais perto, e ela cedeu com um pouco de
relutância, então passou os braços pelos ombros largos dele. A cor. O risco. O
algo mais do que o amor que as pessoas precisavam para ficarem juntas para
sempre. O algo mais que faz a gente lutar para ser melhor para as pessoas que
sinceramente se importavam conosco.
Quaid e a garota de cabelos cor-de-rosa e temperamento forte não pareciam
combinar. O divórcio havia marcado Quaid e o deixado mais duro. Ela era
jovem demais para ele e parecia muito iludida. Sem falar que ela era cliente
dele... de um caso criminal, mas eu via algo especial no modo como ele a
tocava, mesmo quando ela se afastou, deu um tapa em seu belo rosto e foi
embora; havia mais entre eles. Era vibrante. Era cheio de vida e me fez sentir
inveja daquilo de que eu havia me afastado por vontade própria.
Sentia falta de tudo relacionado a estar com Zeb.
– Sayer? — havia me esquecido totalmente de Nathan do outro lado da
linha e entrei no prédio antes que Quaid pudesse me ver testemunhando seu
momento intenso com a garota. Eu estava um pouco abalada e não sabia
exatamente por quê.
– Estou me preparando para passar pela segurança. Preciso ir.
Sinceramente espero que um dia você conheça alguém que faça você querer
fazer mais, Nathan.
Não me dei ao trabalho de explicar. Ele murmurou um adeus meio amargo,
e eu desliguei para que pudesse passar tudo pelo raio X e pelo detector de
metal. Estava nervosa ao entrar na sala em que Zeb e sua família estavam à
minha espera, antes da sessão final.
Tentei disfarçar, mas parte de minha ansiedade deve ter ficado aparente em
meu rosto, quando olhei naqueles olhos verdes, porque, antes de conseguir
dizer oi, uma mulher adorável e de cabelos pretos, que só podia ser a mãe
dele, apareceu na minha frente, forçando-me a tirar os olhos dele, com a mão
estendida.
– Oi. Sou Melissa Fuller. Não tenho palavras para agradecer todo o
trabalho que tem feito para ajudar Zeb e Hyde. Mal podemos esperar para tê-
lo em casa para sempre.
Zeb resmungou do outro lado da sala e ouvi as palavras “Esta é minha
advogada, Sayer Cole”. Não ignorei a ênfase que ele deu à palavra
“advogada”. Me retraí, apesar de ser aquele o papel escolhido por mim em
sua vida. Mas ainda era dolorido quando ele me dava o que eu queria... ou o
que eu achava que queria.
Apertei a mão da mulher e pigarreei. Zeb me olhava de onde estava
recostado, na parede, mas eu o ignorei e apertei a mão da outra mulher
presente. Ela se parecia muito com Zeb, por isso concluí ser sua irmã. Quando
ela se apresentou como Beryl e me olhou de cima a baixo, me analisando, me
senti julgada; não de um jeito ruim, mas a mulher certamente estava avaliando
meu valor. Senti vontade de dizer que eu sabia que o irmão dela merecia mais
do que as coisas que eu tinha feito com ele recentemente, mas só disse à mãe
deles:
– Zeb precisou fazer a maior parte do trabalho. Eu só fiz as coisas andarem.
Hyde deveria estar em casa com sua família. Fiquei feliz por ajudar a fazer
isso acontecer.
Olhei para Zeb pelo canto do olho, mas ele não se mexeu. Vi que um
músculo saltou em seu rosto sob a barba e que ele franzia as sobrancelhas
como se pensasse em algo muito complicado. Senti vontade de passar a mão
naquela ruga para alisá-la. Coloquei a bolsa sobre a mesa e pedi para as
mulheres se sentarem, para eu poder explicar brevemente o que aconteceria
quando nos reuníssemos com o juiz.
Olhei Zeb e perguntei, baixinho, se ele queria se aproximar de nós.
Ele balançou a cabeça, recusando, e ficou onde estava, parado como uma
estátua ranzinza e tomando espaço com cara de descontentamento e irritação.
Ele não estava contente comigo, e isso eu entendia. Eu também não estava
muito contente comigo mesma. Mas estava melhorando.
Quando as mulheres se sentaram à minha frente, falei sobre o que
aconteceria se o juiz decidisse que queria falar com elas sobre o desempenho
de Zeb como pai. Alertei Beryl que, se ela fosse chamada, havia uma boa
chance de a história do pai de Joss ser abordada, até a parte da prisão de Zeb.
Pedi para ela manter a calma, contar apenas os fatos e se concentrar em como
Zeb agia com a filha dela agora. Pedi para ela dizer que não tinha a menor
preocupação em deixar Joss aos cuidados de Zeb e se concentrar no progresso
que ele tinha feito desde sua época na prisão. Sorri e falei que ela só
precisava contar ao juiz por que Zeb era um ótimo irmão e tio, e a isso ela
respondeu:
– Fácil, fácil.
Gostei dela de imediato, e isso fez com que eu me sentisse ainda pior por
ser a causa do clima ruim que sentíamos no canto da sala.
A mulher assentiu com seriedade e continuou a me olhar como se estivesse
tentando entender como eu era. Se encontrasse uma resposta, eu imploraria
para ela me contar, porque, independentemente do mecanismo que tinha sido
usado para me criar e me fazer funcionar por anos, ele parecia estar quebrado
agora, com todas as molas para fora e esticadas.
Me virei para a mãe de Zeb e vi que ela olhava para mim e para o filho
dela, observando tudo com seus olhos verdes. Tamborilei as unhas na mesa
como sempre fazia quando estava nervosa e não me dei ao trabalho de parar
quando ela enfim voltou a me olhar.
– Se o juiz chamá-la, será sobretudo para falar sobre tomar conta do Hyde
depois da aula até Zeb sair do trabalho. Ele vai perguntar quantas horas
pretende reservar aos cuidados do menino, como pensa em lidar com um
garoto de cinco anos com suas tarefas diárias e pode ser que peça sua opinião
sobre como acha que Zeb vai lidar com a paternidade em período integral.
Você só precisa apresentar uma opinião em sintonia com a de Beryl e
mostrar ao tribunal que Hyde já faz parte da família. O juiz já quer que ele
fique com Zeb, então precisamos convencê-lo de que tomou a decisão certa.
Ela sorriu para mim, e vi que foi dela que Zeb puxou a covinha.
– Zeb tem feito um belo trabalho com Hyde até aqui. Talvez ele seja um
pouco mais bonzinho do que eu era com ele nessa idade, mas está aprendendo
– ela me olhou com as sobrancelhas erguidas e estendeu o braço para tocar
minhas mãos inquietas.
– Mas ser mãe solteira nunca é ideal. É bom ter alguém por perto para lidar
com as dificuldades do dia a dia e com as tribulações de criar uma família.
Forcei meus dedos a pararem e olhei para trás, na direção do filho dela.
Zeb ainda me observava, e seu rosto estava ainda mais sério depois das
palavras de sua mãe. Por fim, ele se afastou da parede e fez um gesto como se
fosse passar as mãos pelos cabelos, mas se lembrou de que eles estavam
penteados com gel e apresentáveis para a audiência. Parou no meio do
caminho e bufou.
– Beryl e eu crescemos muito bem, mamãe. Prometo que não vou acabar
com a vida do Hyde se formos só eu e ele a maior parte do tempo.
Ela riu e todos nos levantamos quando falei que estava na hora de irmos
para a sala de audiência.
– Claro que você não vai acabar com a vida dele, Zeb, e obviamente não
tem como, na face deste planeta, você e aquele menininho adorável ficarem
sozinhos por muito tempo.
Ela podia estar falando com o filho, mas olhava para mim ao dizer aquilo.
Lançou para mim aquele olhar de quem sabia o que estava dizendo ao
caminhar em direção à porta. Era a verdade de Melissa Fuller, e me atingiu
com força.
O que ela queria dizer era óbvio. Era para eu me resolver depressa ou outra
pessoa que não estivesse com medo, que não estivesse procurando, tomaria
meu lugar e não haveria mais ninguém a culpar por tudo que eu perderia. Zeb
tinha mais do que só a covinha da mãe: a decisão e a sinceridade doa a quem
doer obviamente tinham vindo dela também.
Zeb parou na minha frente ao passar pela porta, e olhei para ele com tudo o
que havia dentro de mim brilhando em meus olhos.
– Boa sorte hoje – minha voz estava embargada e cheia de desejo por ele.
Suas narinas se alargaram quando ele suspirou com força. Zeb ergueu a mão
na direção do meu rosto como se fosse acariciá-lo, mas não o fez. Senti
vontade de chorar quando ele fez isso.
– Não preciso de sorte. Tenho você. Gostei do seu cabelo, e você está linda
hoje – as palavras dele me envolveram e me abraçaram forte. Queria me
aconchegar naquela sensação e me esquecer da dor de sua ausência, que vinha
sendo minha companhia constante nas últimas semanas. Deixei que ele
caminhasse na minha frente e esperei um minuto, parando para me curvar e
apoiar as mãos nos joelhos na tentativa de recuperar meu fôlego. Aquele
malditos sentimentos acabavam comigo quando liberados.
Chegando à sala de audiência, o clima era de otimismo, o que me deixou
surpresa. A incerteza pesada que havia nos dominado na primeira vez em que
havíamos estado ali não foi encontrada. A situação não parecia passar de uma
formalidade. Seguimos todo o protocolo quando o juiz entrou na sala, e
respondi a todas as perguntas da mesa, enquanto repassávamos as visitas em
casa, o progresso de Zeb nas aulas que ele precisou fazer e os detalhes de tudo
o que o juiz havia nos passado na última audiência. O juiz pareceu satisfeito
com o progresso de Zeb e pediu para que ele se levantasse e se aproximasse.
Balancei a cabeça para incentivá-lo e relembrei que ele só precisava ser
sincero. Afinal, era o que ele fazia de melhor.
– Como têm sido os pernoites de fim de semana, sr. Fuller?
Zeb deu de ombros, se endireitou e falou de modo claro e firme:
– Houve uma transição. Hyde tem muito medo de ficar sozinho, e acho que
ele fica um pouco sensível ao passar da minha casa para o abrigo. Ele sempre
pergunta se vou voltar para buscá-lo. E o menino viveria só de pizza se eu
deixasse, por isso houve algumas situações em que ele chorou quando eu quis
que ele comesse como uma pessoa normal.
Isso fez o juiz rir, o que me fez sorrir.
– Cuidamos disso. Minha mãe e minha irmã têm sido ótimas, e a mãe de
Hyde tinha uma boa amiga de quem ele era próximo. Ela já foi visitá-lo, por
isso acho que ele sabe que estamos fazendo de tudo para que ele fique o mais
à vontade possível. Pode ser que eu o mime um pouco, mas sei que tenho
muito tempo perdido a compensar.
– E a transição para adaptar o menino à sua rotina? Escola, cuidados,
convênio médico? Como estão essas coisas?
– Hyde só vai para o jardim de infância no outono, já que ele faz
aniversário no fim do ano. Vou matriculá-lo no mesmo distrito de minha
sobrinha, para que minha mãe possa pegá-lo e cuidar dele até eu sair do
trabalho. A Joss já o ama e prefiro que ele fique com a família, e não na
creche.
Ele olhou para a mãe e ela assentiu. O juiz observou a interação por cima
dos óculos e fez uma anotação no arquivo aberto sobre a mesa.
– E o convênio médico?
Vi os ombros de Zeb ficarem tensos, mas ele respondeu à pergunta com
sinceridade:
– Como sou autônomo, essa parte é mais difícil. Tenho que esperar o fim do
ciclo para colocá-lo como meu dependente, por isso, até lá, ele contará com o
programa do governo.
– E minha recomendação para a terapia? O senhor disse que a criança tem
dificuldades ao ser separada do senhor e quando fica sozinha.
– Minha irmã me deu o nome do médico ao qual ela levou minha sobrinha
depois do incidente alguns anos atrás, e marquei uma primeira sessão para
daqui a algumas semanas. Quero ter certeza de que Hyde se sente à vontade
com o profissional antes de começarmos qualquer coisa a longo prazo.
Mais anotações, mas a satisfação era clara no rosto do juiz. Tudo estava
indo muito bem, e eu não tinha mais tanto o que fazer. Achava até que ele não
chamaria a mãe e a irmã de Zeb para falar.
O juiz balançou a cabeça e fez mais algumas anotações.
– Como têm sido as adaptações em sua vida social, sr. Fuller?
Zeb passou os olhos por mim e de volta ao juiz. Me forcei a não começar a
rir, já que o juiz acompanhou o olhar.
– Não tenho tido muita vida social ultimamente, Meritíssimo. Tenho
trabalhado e organizado as coisas para o meu filho. Estou à espera de alguém
especial. Não permitirei que ninguém com quem eu não esteja seriamente
envolvido tenha contato com Hyde. Ele já se decepcionou com muitos adultos
na vida.
O juiz tirou os óculos e sorriu discretamente.
– Essa é uma resposta muito boa, sr. Fuller. Na verdade, estou bem contente
com tudo o que o senhor me contou e com todos os passos que tomou para
facilitar o processo de guarda. Sente-se. Advogada, pode se aproximar da
bancada, por gentileza?
Eu não esperava ser chamada, mas mantive o rosto inexpressivo para não
deixar nada transparecer ao passar por Zeb rumo ao banco. Ele me lançou um
olhar curioso, mas como eu não tinha a menor ideia do que estava acontecendo
só dei de ombros levemente e caminhei com passos decididos até parar na
frente do juiz.
Ele empurrou o microfone que estava à sua frente para o lado, cruzou os
braços sobre a mesa e se inclinou olhando diretamente para mim.
– A senhora esteve à minha frente diversas vezes nos últimos anos por
casos diferentes, sra. Cole. É intensa, dedicada e determinada a fazer o que é
certo a seus clientes. Gosto de recebê-la em meu tribunal.
Hesitei, chocada, e apoiei o peso do corpo no outro pé.
– Uh, obrigada, Meritíssimo.
– A senhora luta por seus clientes com a crença óbvia de que está fazendo o
melhor para eles. Nesse caso, sei que a senhora está representando o pai, mas
quero saber: se fosse a criança por quem a senhora estivesse lutando, ainda
estaria convencida de que o melhor lugar para ela é sob os cuidados do Sr.
Fuller?
Abri a boca e a fechei de novo. Era inédito que um juiz perguntasse a
opinião de um advogado em um assunto como esse.
– Meritíssimo, eu...
– Quero sua opinião sincera, sra. Cole. Essa criança deve ser entregue aos
cuidados de seu cliente de modo permanente?
A verdade. A minha verdade... finalmente. Era a coisa mais fácil do mundo
para mim dizer a esse homem quem Zeb mais amava no mundo.
– Zeb ama o menino e Hyde o ama também. Eles são uma equipe e, apesar
de eu reconhecer que os dois têm muito o que aprender, não haveria melhor
professor. Zeb nunca, de jeito nenhum, vai desistir de Hyde,
independentemente dos problemas que a criança possa apresentar em seus
anos de formação. Ele trabalhará muito, incansavelmente, para garantir que o
menino não passe necessidade, e nunca conheci um homem mais disposto a
abrir o próprio coração e sua casa a alguém. Sinceramente, Meritíssimo,
gostaria de ter essa certeza, em todos os meus casos, de que a criança em
questão estivesse indo exatamente para onde deveria ir.
O juiz ergueu as sobrancelhas.
– Os dois parecem bem próximos da senhora também, sra. Cole. Os
relatórios das duas representantes do Estado e da assistente social que visitou
a casa mencionaram que o menino e o pai falam da senhora com frequência.
Eu me senti corar.
– Esse caso começou de um jeito pessoal e se tornou ainda mais conforme
pude conhecer as pessoas envolvidas mais intimamente.
Talvez tenha sido uma escolha ruim de palavras, porque o juiz saberia que
eu quis dizer que Zeb e eu estávamos envolvidos sexualmente, mas não me
importei. Não havia nada do que me envergonhar. A mulher sem a máscara
sabia disso ao ficar ali, confiante e sem medo de ser julgada.
– É raro que uma criança, nas circunstâncias em que Hyde se encontrava,
tenha tantas pessoas preocupadas com seu bem-estar. Ele tem muita sorte.
Assenti como uma tola.
– Ele tem, mas todos nós temos. Ele é uma criança ótima, Meritíssimo.
O juiz concordou de novo e pegou seus óculos.
– A senhora é uma pessoa especial, sra. Cole. Neste tribunal e, se tivesse
que dar minha opinião, fora daqui também. Não se esqueça disso depois de
meu veredicto.
Fechei os olhos de modo breve, já que as palavras dele ecoavam a
afirmação de Zeb de que ele estava esperando alguém especial em sua vida.
Respirei fundo tentando me estabilizar e voltei à mesa quando o juiz falou para
eu me sentar para ele dar o veredicto final.
– No que diz respeito a este tribunal, o sr. Fuller satisfez todas as
exigências da corte e forneceu provas que bastam para mostrar que está
disposto e tem capacidade de assumir a responsabilidade pelo bem-estar
físico e financeiro do menor Hyde Bishop. A corte se reserva o direito de
checar a situação da criança pelos primeiros cinco anos de custódia, de
maneira intermitente, mas depois disso o senhor poderá criar seu filho como
julgar adequado, sr. Fuller.
Ele pegou o martelo mas, antes de batê-lo, falou:
– Aproveito para dizer que é muito alegre, para um oficial como eu, ver um
homem transformar a vida, aceitar responsabilidades e tomar decisões
altruístas e sensíveis. Eu não conhecia o senhor antes, sr. Fuller, mas o homem
que está de pé à minha frente é o tipo de pai que eu gostaria que toda criança
tivesse.
O martelo bateu na superfície de madeira, o juiz saiu com sua roupa preta, e
eu me virei para Zeb com um sorriso enorme quando sua mãe e a irmã se
levantaram e lentamente se aproximaram.
Eu queria esticar o braço e tocá-lo, abraçá-lo e comemorar com ele. Seus
olhos brilhavam muito, e seu sorriso era contagiante, por isso não tive como
não retribuir.
– Você ganhou – sussurrei as palavras, apesar do nó na garganta.
Seu sorriso diminuiu um pouco e ele se levantou. Fiquei paralisada quando
ele se inclinou e beijou minha testa.
– Ainda não, o jogo ainda não terminou – ele se endireitou e me olhou com
olhos sérios. – Obrigada, Sayer, você me deu tudo.
Ele se afastou de mim e abraçou sua família. Todos dividiram um abraço e
ouvi a mãe dele chorar.
A vitória era muito doce, mas ver Zeb se afastar com ela porque eu não
estava pronta para permitir que ele a dividisse comigo parecia a maior perda
do mundo inteiro para mim.
CAPÍTULO 16
Zeb
H YDE ESTAVA SOB MINHA GUARDA HAVIA DUAS SEMANAS, QUANDO ROWDY LIGOU E ME
disse que todo mundo se reuniria na casa do Asa e de sua namorada Royal
para uma festa de inauguração. Disse que todo mundo queria conhecer o
menininho sobre o qual Sayer tinha falado tanto e que estava me mantendo
ocupado. Eu não vinha encontrando os meus amigos desde o início do
processo e sabia que, por um lado, eu também queria muito ir, porque havia a
pequena possibilidade de Sayer estar presente. Concordei em ir para passar
uma hora e evitei perguntar ao meu amigo Rowdy se a irmã dele estava
pensando em aparecer. Eu sabia que ele iria querer saber o que estava
acontecendo, ou melhor, o que não estava mais acontecendo entre nós dois e,
se ele não tocasse no assunto, eu também não tocaria.
Aquela era uma ferida aberta que não precisava ser piorada.
Sair da vida de Sayer era uma das coisas mais difíceis que eu já tinha feito.
Vê-la no tribunal, ouvi-la falando ao juiz sobre o amor que eu sentia por Hyde
e ainda assim não conseguir tomar um pouco disso para si, apesar de
oferecido livremente, me fez desabar quando pensei estar me controlando.
Quando ela me disse que eu havia ganhado, senti vontade de agarrá-la e
perguntar como ela era capaz de dizer aquilo se não conversávamos havia um
mês. Não havia vitória se ela não estivesse onde deveria estar. Ela tinha que
estar comigo, com meu filho, e nós tínhamos que ser uma família. Ela havia
lutado para que as coisas ficassem assim, e era quem estava abandonando os
louros.
Hyde brincava na sala de estar quando fui pegá-lo para irmos à festa. Ele
havia se acostumado a ficar comigo com relativa facilidade, apesar de ainda
termos certas dificuldades à noite. Ele não gostava do escuro. Não gostava de
ficar sozinho. Não gostava de dormir a noite inteira em seu quarto. Eu estava
me acostumando a acordar de manhã e ver um corpinho aconchegado do meu
lado, na cama. Ele também não gostava quando eu precisava deixá-lo com
minha mãe para trabalhar. Sempre que ia buscá-lo no começo da noite, ele
corria para o meu colo como se tivéssemos ficado separado por meses, e não
apenas horas, e como se estivesse surpreso por eu ter voltado. Eu ficava
arrasado por ele se sentir tão inseguro, mas a única coisa que podia fazer era
voltar. Eu sempre voltaria para Hyde até que ele se desse conta de que não
havia nada com que se preocupar.
– Está pronto para ir, rapazinho?
Ele se virou para me olhar de onde brincava com caminhões no chão da
sala e franziu a pequena testa.
– A Joss vai estar lá?
Que Deus abençoasse minha sobrinha. Ela era uma pestinha e não sabia
parar de falar, mas havia se afeiçoado muito ao menininho, e os dois eram
unha e carne.
– Não. Veremos muitos amigos meus que querem te conhecer. Pode ser que
haja uma menininha chamada Remy lá, mas ela é bem pequena, então não sei
se ela vai saber brincar com você.
A filha de Rome e de Cora era igualzinha à sua mãe, que parecia uma
bonequinha e um furacão de tanta energia.
– Vou levar meus caminhõezinhos para garantir – ele ficou de pé e me
entregou os brinquedos de plástico.
– Boa ideia. Não se esqueça de pegar sua touca e as luvas.
Denver estava tomada pelo inverno e, apesar de ainda ser o começo e não
estar nevando, as temperaturas estavam caindo abaixo de zero com frequência.
Eu começava a me arrepender de todas as vezes em que dei trabalho à minha
mãe na hora de vestir roupas quentes, já que Hyde foi resmungando ao quarto.
Aparentemente, meninos pequenos detestavam se aquecer, e era uma luta
conseguir fazer com que meu filho ficasse agasalhado.
Vesti meu casaco e enfiei os caminhões nos bolsos.
Peguei a chave do jipe e esperei Hyde sair de seu quarto. Ele tinha vestido
a touca e uma das luvas, e estava com a testa enrugada.
– Só achei uma – ele esticou a mão para me mostrar, e eu olhei para ele
com uma sobrancelha erguida.
– Onde está a outra?
Ele deu de ombros e enfiou os pés nos tênis pretos Converse que
combinavam com os meus.
– Sei lá. Perdi.
Suspirei e tirei a luva de sua outra mão. Teria que começar a comprar luvas
aos montes.
– Acha que pode ter deixado a outra na casa da vovó?
Ele deu de ombros outra vez.
– Talvez. Está bravo comigo? – ele tremeu o lábio inferior ao perguntar.
Peguei sua mão sem luva e saí de casa com ele.
– Não, não estou bravo com você. Eu também perdia muitas luvas quando
tinha o seu tamanho. Só quero que fique aquecido, lembra? É minha obrigação
cuidar de você.
Eu tomava o cuidado de andar devagar, para ele, com suas pernas bem
menores, conseguir me acompanhar.
– Vou me esforçar mais.
Sorri para ele.
– Obrigado, amigão.
– Zeb – parei e o peguei no colo para poder colocá-lo dentro do jipe.
Quando estávamos frente a frente, ele perguntou:
– Se seus amigos vão estar lá, a Sayer vai estar lá? Estou com saudade
dela.
Agora que ele ficava comigo o tempo todo, ela não ia mais visitá-lo depois
do trabalho. Queria falar com ela sobre isso, dizer que ela estava tomando as
decisões erradas, mas sabia que ela precisava decidir sozinha. Eu continuava
a ter esperança, mas o passado ainda exercia grande poder sobre ela, e eu não
poderia fazer mais nada se ela não se livrasse dele.
Foi um soco no estômago.
Apertei o ombro de Hyde e o acomodei em sua cadeirinha.
– Não sei. Pode ser que ela esteja. Também estou com saudade.
– Ligue para ela. Você disse que eu podia ligar, então por que não liga? –
mais uma vez a lógica de uma criança de cinco anos.
– Olha, amigão... acho que ela gostaria de falar com você se você ligasse.
Comigo, nem tanto... São coisas complicadas de adultos com as quais você
não precisa se preocupar, tá?
Ele não falava muito sobre ela, mas, sempre que falava, eu ficava chateado.
Ele era pequeno demais para ter perdido tanto. Ele concordou e me olhou com
os cílios compridos.
– Tudo bem, Zeb.
Fechei a porta e dei a volta no jipe para entrar no lado do motorista. Nós
dois ficamos em silêncio enquanto eu dirigia pelo bairro residencial onde Asa
tinha comprado sua casa. Eu sabia que Hyde estava pensando, porque ele
estava mexendo os pés e mordendo o lábio inferior. Já conhecia o menino
muito bem e sabia que ele viria com mais perguntas para as quais eu
provavelmente não tinha resposta. Tentava ser sincero com ele. Tentava ser tão
direto e carinhoso quanto conseguia, mas, às vezes, a vida não era justa e nem
sempre o final era feliz. Eu detestava dizer que sua mãe se encaixava nessa
categoria.
– Zeb?
Olhei para ele.
– Fala, amigão.
– Como você consegue cuidar melhor de mim do que minha mãe conseguia?
– foi uma pergunta inocente, mas nem tanto.
Era para me mostrar quanto eu tinha a perder se não cuidasse dele da
melhor maneira. Hyde era a minha segunda chance, a oportunidade de provar
que eu era um homem diferente do sujeito de cabeça quente que agia sem
pensar. Ele não entenderia isso, então disse:
– Eu tive sua avó e sua tia Beryl para me mostrar como fazer direito. Eu
também fiz coisas erradas alguns anos atrás, tomei decisões bem ruins e vi o
que aconteceria comigo se eu não encontrasse uma maneira de cuidar de mim
mesmo e das pessoas que amo. Aprendi com meus erros e aprendi com as
pessoas que me amavam. Acho que sua mãe não conseguiu fazer isso. Nem
sempre vou ser melhor do que ela nos cuidados com você, amigão. Nós dois
vamos errar aqui e ali, mas vamos aprender ao longo do caminho e vamos nos
tornar melhores nisso no fim das contas.
Ele esticou as mãos para mim e remexeu os dedos, e sorri para ele, porque
ele entendeu. O menino era muito esperto e entendia muitas coisas. Ele não
deveria ter enfrentado tanta coisa na vida como já havia enfrentado. Um dos
meus objetivos era fazer com que ele pudesse ser um menino normal a partir
de agora.
– Se Sayer quiser ajudar você a cuidar de si mesmo e de mim, vai ser
incrível.
Olhei para ele com o canto de olho e recebi um sorriso enorme e
desdentado. Dava até para achar que o rapazinho estava tentando bancar o
cupido.
– Vou me lembrar disso.
A casa de Asa foi fácil de encontrar, já que havia muitos carros
estacionados na frente dela. Peguei a mão de Hyde, que estava parecendo uma
pedra de gelo – obrigado, luva desaparecida –, e o levei até a porta. Não me
dei ao trabalho de bater, já que sabia que todo mundo estava à nossa espera, e
fui envolvido na atmosfera de comemoração e de família assim que entramos.
Ouvi risadas. Estava passando futebol na TV. Ouvi vozes graves conversando
de modo bem-humorado.
Aquele lugar estava tomado de família, risos e amor. Eu tinha sentido
saudade e estava muito feliz por mim e meu filho podermos fazer parte
daquilo.
Pendurei nossos casacos nos ganchos da parede no corredor e tirei os
caminhões de Hyde dos bolsos. Dei um a ele e fiquei com o outro, já que ainda
segurava sua mão enquanto caminhávamos ao que eu imaginava ser a cozinha,
lugar em que as pessoas costumavam se encontrar quando nos reuníamos.
Fomos interceptados por uma menininha loira após atravessarmos alguns
metros.
Remy Archer estava muito linda com seu rabo de cavalo miniatura no topo
da cabeça. Ela ainda tinha carinha de bebê, mas muita firmeza nas pernas, e
caminhou até Hyde com os olhos azuis brilhando.
Ela apontou um dos caminhões que ele segurava e disse com um tom muito
sério:
– Meu.
Hyde me olhou com ar de dúvida, e mostrei a ele o caminhão que ainda
segurava.
– Pode dar esse pra ela. Você pode pegar o outro para brincarem juntos.
Hyde abriu a boca e percebi que ele queria contra-argumentar, quando
Remy se aproximou mais e colocou uma mão no caminhão e a outra no rosto
de Hyde. Demorei um pouco para perceber que ela estava tocando a covinha
dele. Ele se jogou para trás e fez cara feia para a menininha, o que me fez rir
quando ele entregou o caminhão a ela.
– Pegue isto – ele parecia tão chateado que acabei sentindo pena dele.
A menininha pegou o brinquedo e abriu um sorriso sem dentes quando sua
mãe assustada e muito grávida apareceu. Vi os olhos multicoloridos de Cora
brilharem ao nos ver, e ela abriu um sorriso enorme ao ver Hyde.
– Estávamos querendo saber quando vocês chegariam – ela levou uma mão
à grande barriga e se aproximou. – Minha nossa, você é a cara do seu pai. Que
lindo você é, meu amiguinho.
– Sou o Hyde – ele me olhou e sorriu. – Meu pai é um gigante. Então eu
também vou ser um gigante.
Cora jogou a cabeça para trás e riu.
– Você provavelmente tem razão. Mas não se assuste, porque temos outros
gigantes por aqui hoje. É um prazer conhecer você, Hyde. Sou a Cora e a
ladrazinha que pegou seu caminhão é a Remy. Pode chamá-la de RJ, se quiser.
Na maior parte do tempo, ela é inofensiva.
A menininha olhou para a mãe e abriu um sorriso, como se soubesse
exatamente o que estava sendo dito a seu respeito. Não queria ser Rome para
lidar com essa pestinha quando ela crescesse mais.
Hyde pegou o caminhão da minha mão e, apesar de ter resmungado, não
reclamou quando Remy pegou sua mão e começou a levá-lo para dentro da
casa. Cora levou uma mão ao coração e suspirou.
– Ai, meu Deus, acho que a minha filha está de olho em seu primeiro crush.
Não é para menos. Ele é adorável, Zeb.
Sorri e levei uma mão à nuca.
– Ele é um bom menino. Depois de tudo pelo que passou... – balancei a
cabeça. – Ele merece o mundo.
Ela se aproximou de mim, e eu não me afastei quando ela me abraçou,
apesar de ser muito difícil abraçá-la com aquele barrigão.
– E você, papai? O que merece por dar o mundo a ele? – Cora era assim.
Muito sincera.
– Ainda estou cuidando disso. Tem sido um pouco mais difícil do que
pensei.
Ela se afastou, e eu a acompanhei casa adentro.
O som das vozes ficou mais alto, e ouvi Hyde falar sobre gigantes em algum
lugar próximo dali.
– Ela já foi embora. Estava aqui com Poppy, mas com tantas pessoas e tanto
barulho... – Cora deu de ombros. – Poppy ficou paralisada, e Sayer a levou
para casa. Acho que ela não queria ir embora, mas ela é muito protetora com
aquela moça. Acho que Salem se ressente por Poppy depender tanto de Sayer
e não dela.
– Ela sabia que viríamos?
Cora fez que sim com a cabeça.
– Rowdy disse a ela. Zeb, aquela mulher está apaixonada por você e pelo
seu filho. Ela fala sobre Hyde do mesmo jeito que eu falo sobre Remy. Ela fica
toda feliz quando diz seu nome, e nós dois sabemos que ela não é esse tipo de
pessoa.
Suspirei.
– Ela sabe ser.
Cora me olhou quando nos aproximamos dos outros.
– Para você, ela pode ser. E para mais ninguém. Não sei o que aconteceu
entre vocês dois, mas sei que você não deveria desistir se deseja ficar com
ela.
– Não tem nada a ver com desistir, tem a ver com ela ceder – falei, mas não
sei se ela me ouviu, porque fomos separados por um monte de homens, a
maioria tão grande ou maior do que eu. Muitos tapas nas costas. Muitos
parabéns e, em determinado momento, Rowdy me deu charutos nos quais
estava escrito “É um menino”. Fiquei feliz por ver que Hyde parecia
fascinado, e não assustado, com todas as pessoas coloridas ao seu redor. Ele
também parecia à vontade com Remy atrás dele o tempo todo. Ela estava
grudada nele, o que fez Cora rir e Rome olhar para meu filho e para mim de
um jeito muito cômico. Dei de ombros ao ver a cara dele.
Recebi uma enxurrada de bons votos e de novidades. Foi barulhento e
divertido, então, quando Rowdy me chamou ao me ver saindo do banheiro, eu
não estava preparado. Eu devia ter imaginado que ele me diria alguma coisa,
afinal, eu teria feito a mesma coisa se fosse ele. Eu conhecia bem a
necessidade fraternal de proteger e defender.
Ele estava encostado na parede com os braços cruzados à frente do peito.
Passei as mãos na calça jeans e ergui o queixo.
– Fiz o melhor que pude, cara. Depende só dela agora.
Ele ergueu as sobrancelhas loiras.
– Simples assim?
– Simples assim – era simples, sim.
– As coisas pareciam estar nos trilhos durante um tempo. Quer me dizer o
que aconteceu para ter ferrado com tudo? Ela é minha irmã, Zeb, e você é meu
amigo. Sinto que se posso ajudar a resolver isso, é o que devo fazer.
– O que aconteceu é que eu disse que precisava que ela fosse mais do que
minha advogada. Disse que precisava que ela fosse tudo, e ela disse que não
podia. Ela se perdeu em algum lugar onde ela não importava muito para as
pessoas a quem deveria importar, e não consigo ajudá-la a sair dali.
Ele franziu um pouco a testa e se afastou da parede.
– Mas ela é ótima comigo. Ela lutou para ter minha presença em sua vida
mesmo quando resisti, e ela é incrível com a Poppy. Não dá para dizer que ela
não ama aquela menina como se fosse uma irmã.
Passei as duas mãos na cabeça e dei de ombros.
– Vocês são a única família dela. Aquele idiota que a criou e a mãe dela
não contam. Ela vai se apegar a você com todas as forças, porque acha que,
sem você, ficará sozinha... sozinha de verdade. E Poppy parece um passarinho
de asa quebrada. Sayer está cuidando para que ela se cure, mas sabe que um
dia Poppy conseguirá voar de novo, por isso não se preocupa com sua partida,
porque sabe que ela precisa partir. Comigo, Sayer tem que correr o risco para
ver se vou ficar, se estarei a seu lado independentemente do que acontecer, se
vou amá-la mesmo que as coisas não sejam sempre fáceis. Ela precisa saber
que vou! E precisa acreditar que isso é suficiente, mais do que suficiente, e
não posso convencê-la disso. Ela precisa saber e acreditar. Tem que ser a
verdade dela.
Ele assoviou baixo e levantou as mãos.
– Eu estava prestes a fazer um discurso para dizer por que ela é incrível e
sobre você ter que encontrar uma maneira de chegar até seu coração
maravilhoso, mas você acabou de fazer isso.
Eu ri.
– Também tenho uma irmã, sei como é.
Ele esticou o braço para tocar meu ombro e me sacudiu de leve.
– A propósito, Rome me contou sobre a confusão no Bar umas semanas
atrás. Sei que poderia ter sido ruim para você agredir alguém com tudo o que
estava acontecendo no processo de guarda, mas obrigado por proteger minha
irmã.
Fiquei surpreso.
– O Church contou o que aconteceu?
– Sim, mas ele também viu a fita. O sujeito estava segurando Sayer, que
estava aterrorizada. Você fez a coisa certa – ele apertou meu ombro de novo,
já que eu não soube o que dizer. – E também acho que você fez a coisa certa
antes – passou a falar mais baixo e se inclinou para a frente, aproximando-se
ainda mais. – Às vezes, temos que sofrer e desistir de uma parte nossa para
fazer a coisa certa para alguém que amamos. Já passei por isso.
Ele se afastou de mim, mas eu ainda conseguia sentir suas palavras pesarem
em meus ombros. Eu não conhecia a história inteira de Rowdy, mas sabia que,
quando mais novo, ele tinha feito algo parecido ao que havia me colocado na
cadeia. Eu perdi anos da minha vida, ele perdeu uma bolsa de estudos integral.
Eu não sabia se era a mesma coisa, mas me senti um pouco melhor por ele
saber pelo que eu havia passado antes e pelo que passava agora. Assim como
sua irmã, não me criticou sobre o que eu poderia ter feito diferente, apenas
aceitou o que eu tinha feito.
Uma parte de mim, sempre tão cansada, foi acalmada.
Voltamos para a sala de estar, onde todo mundo estava relaxando. Hyde
estava sentado no chão assistindo TV, e Remy estava deitada ao lado dele,
dormindo. Rome me parou com a mão em meu peito antes que eu pudesse
pegar meu filho e me despedir.
– E aí? – perguntei. Rome Archer era um dos poucos sujeitos que eu
conhecia com quem não precisava abaixar a cabeça para conversar olhando
em seus olhos. E se isso não fosse intimidante por si só, a cicatriz que cortava
seu rosto e seus lábios contraídos eram.
– Minha filha parece ter curtido o seu filho.
Eu ri.
– Ela tem dois anos. Acho que você tem um minuto antes de começar a se
preocupar com ela correndo atrás de garotos.
Ele resmungou e se virou para olhar as duas crianças.
– Ele me parece um bom menino.
– Se for como o pai, não me preocupo se ela correr atrás dele. Não vou
deixar que ela o pegue até que eu esteja pronto, mas essa correria foi a única
coisa que finalmente a cansou.
Dei um tapinha em suas costas, porque Rome não era o tipo de homem para
quem sorríamos.
– Obrigado, cara, fico muito agradecido.
– Vi o que aconteceu com sua mulher. O Church ficou puto. O Bar está cada
vez mais cheio, e ele não pode estar em todos os lugares. Talvez eu precise
contratar mais seguranças.
– Church é um sujeito legal. Ele leva seu trabalho a sério.
Rome fez um barulho.
– Ele leva a segurança, principalmente a segurança das mulheres, a sério.
Duvido que o bêbado vá colocar a mão em alguma outra mulher por um tempo.
Aquilo me deixou absurdamente satisfeito. Talvez eu não conseguisse pôr
as mãos no sujeito, mas estava feliz por outra pessoa, alguém muito mais
aterrorizante do que eu um dia seria, ter ensinado a ele como tratar uma
mulher.
– Ótimo. Vou pegar o Hyde e ir para casa. Preciso trabalhar amanhã e tenho
que deixá-lo na casa da minha mãe bem cedo.
Rome assentiu e apoiou a mão em meu ombro.
– Foi bom te ver. Vê se não some. Remy precisa de um amigo com quem
brincar.
Concordei, peguei meu filho sonolento no colo, vesti seu casaco com
dificuldade e o acomodei dentro do carro. Eu estava quase em casa quando
minha mãe ligou, disse que não estava se sentindo muito bem e pediu para eu
ver se Beryl podia cuidar do Hyde por um dia. Falei que Wes havia levado
Beryl e Joss para viajar no fim de semana, mas pedi que ela não se
preocupasse com isso. Eu encontraria alguém para cuidar dele e, se não
encontrasse, simplesmente faltaria ao trabalho.
Claro, por ser tão atento e observador, Hyde ouviu a conversa toda.
– O que você acha, rapazinho? Devo pedir para a sua tia Echo ficar com
você amanhã?
Ele pensou na pergunta por um segundo e balançou a cabeça, negando.
– Você deveria pedir para Sayer. Assim podemos construir mais castelos.
Eu imaginava que ele diria isso, por isso suspirei e concordei em ligar para
ela quando chegássemos em casa.
Hyde tomou banho tranquilamente e relutou, como sempre fazia, quando
tentei levá-lo para a cama. Eu não me importava quando ele ia para a minha
cama no meio da noite, mas sempre insistia para que começasse a noite de
sono na própria cama. Acendi a luz noturna, me deitei com ele e li uma
história antes de dormir. Seus olhos se fecharam, e ele estava quase dormindo
quando murmurou:
– Você prometeu ligar para Sayer.
– Vou ligar – e ligaria, assim que ele dormisse, para ele não me ver
andando de um lado para o outro da casa, tendo um ataque de nervosismo.
Tirei minhas roupas e me deitei na cama antes de procurar o nome dela em
meus contatos. Apertei o botão e prendi a respiração até ouvir sua voz
sonolenta do outro lado da linha. Nem tinha olhado no relógio, mas, quando
olhei, vi que eram dez e pouco da noite.
– Acordei você?
Ela deu uma risada sonolenta.
– Uh, não. Não tenho dormido muito bem. Está tudo bem?
Fiquei pensando que talvez ela não estivesse dormindo porque eu não
estava ali a seu lado. Queria muito que fosse isso. Meu pau ficou duro só de
ouvir sua voz. Eu não devia ser o único sofrendo por não estarmos juntos.
– Está tudo bem. Na verdade, liguei para pedir um favor. Minha mãe não
pode ficar com o Hyde amanhã, e minha irmã está fora da cidade. Ele é muito
sensível no que diz respeito à pessoa com quem passa o dia, quando vou
trabalhar, e ao perguntar com quem ele queria ficar, ele respondeu você.
– Comigo? – ela parecia chocada.
– Sim, você. Ele gosta de você e sente sua falta – ele não era o único na
casa que se sentia assim.
– Hum, claro. Pode trazê-lo. Tenho um pouco de trabalho para fazer em
casa amanhã, mas posso resolver tudo antes de vocês chegarem.
– Ótimo. Ele vai adorar.
– Ah, sim, eu também. Estou com saudade dele.
Eu sentia saudade daquele “ah”. Sentia saudade de beijá-la e de senti-la em
minha boca. Sentia saudade dela ao redor do meu pau enquanto ela me
chupava. Sentia saudade de ouvi-la gritar surpresa sempre que a fazia gozar
pela segunda vez. Sentia a expressão de choque em seu rosto quando ela dizia
“ah” sempre que se surpreendia.
– Sim. Você pode vê-lo... e pode me ver também... sempre que quiser, Say.
Só precisa decidir. Até amanhã e boa noite.
Ela emitiu um resmungo, e percebi claramente que estava levando a mão à
base do pescoço como fazia quando tentava entender como estava se sentindo
em relação a alguma coisa.
– Boa noite também, Zeb.
Desliguei o telefone e o deixei do lado vazio da cama... o lado da cama em
que ela deveria estar.
CAPÍTULO 17
Sayer
E U SABIA QUE PRECISAVA TRABALHAR ANTES DE ZEB APARECER COM HYDE, MAS É
óbvio que não conseguia me concentrar de jeito nenhum. Em vez de estragar
o caso todo, decidi que tentaria fazer panquecas para o café da manhã, por
isso vesti uma calça jeans e uma blusa larga e corri ao mercado para comprar
mistura de panqueca. Já que estava lá, também peguei umas frutas e uns
petiscos. Minha despensa de casa certamente não tinha coisas de que crianças
gostavam. Na verdade, também não tinha muitas coisas de que adultos
gostavam. Eu estava atrasada quando passei pelo caixa e joguei tudo dentro do
carro. De repente, estava andando de um lado para o outro na cozinha e
olhando o relógio no fogão, em vez de prestar atenção nas panquecas.
Era uma mistura preparada, por isso deveria ter sido impossível errar.
Impossível para qualquer pessoa, menos para mim. Uma nuvem de fumaça
subiu do fogão, e acabei tossindo e engasgando. Corri para jogar a frigideira,
com a massa preta e tudo, dentro da pia, e abri a torneira na esperança de que
os detectores de fumaça não fossem acionados. Queimei as pontas dos dedos e
tinha certeza de que havia massa de panqueca em meus cabelos. Comecei a
gritar todos os palavrões que conhecia quando um som estridente ecoou pela
casa.
Primeiro achei que eu não tinha sido rápida o suficiente com o desastre no
fogão e que os detectores haviam sido acionados, mas então fez-se uma pausa
antes de o barulho começar de novo, e percebi que havia alguém tocando a
campainha. Corri para fora da cozinha tão depressa que tropecei em meus
próprios pés e caí de quatro com um “poft”. Eu estava nervosa por dentro e
por fora, mas precisava me recompor ou a campainha acabaria acordando
Poppy, e Zeb veria que eu estava um caos e não deixaria Hyde sob meus
cuidados.
Abri a porta quando Hyde estava na ponta dos pés para alcançar a
campainha de novo. Ele voltou a apoiar os pés no chão e sorriu para mim.
Meu Deus, ele era a cara do homem indecifrável atrás dele. Fiquei me
perguntando se seria grosseiro da minha parte olhar para ele sem parar, o dia
inteiro, enquanto me arrependia do tempo que havíamos passado separados.
– Oi.
– O que tem no seu rosto? – Hyde apontou o próprio rosto e eu usei as
costas da mão para esfregar a massa grudenta que estava ali.
Suspirei e deixei os dois entrarem.
– Tentei fazer panqueca no café da manhã. Não deu muito certo.
O sorriso de Hyde ficou ainda maior, e Zeb ergueu uma sobrancelha para
mim.
– Por que você estava tentando fazer panquecas?
Dei de ombros e tentei não olhar para ele para não comê-lo com os olhos.
Ele estava muito perto, mas a distância entre nós era enorme.
– Pensei que Hyde pudesse gostar de comer panqueca no café da manhã.
Pensei que elas fossem fáceis de fazer. Me enganei.
Ele balançou a cabeça e relutou, mas acabou sorrindo. Com isso, sua barba
se ergueu, e os olhos verdes brilharam.
– Você conseguiu passar no exame da ordem dos advogados em dois
estados, mas não consegue fazer panquecas?
Me irritei um pouco e cruzei os braços à frente do peito.
– Quando quero comer panquecas, normalmente vou a algum lugar e peço
para alguém prepará-las.
Ele riu e esticou o braço para tirar as luvas, o casaco e a touca de Hyde.
– O rapazinho aqui não é muito exigente com o café da manhã, mas se ele
disser que só dou pizza para ele comer, é mentira.
Hyde fez uma careta quando Zeb remexeu seus cabelos.
– Você está nos fazendo um grande favor passando o dia com ele. Não é,
amigão?
Hyde concordou decidido e pegou minha mão. Olhei para ele e não
consegui não sorrir ao ver aquele rostinho adorável.
– Se quiser comer panqueca, Sayer, eu te ajudo a fazer. Sou um bom
ajudante, não sou, Zeb?
– Você é, sim, meu chapa. Fique bonzinho com Sayer e não se esqueça: se
forem sair...
Hyde o interrompeu antes que ele pudesse terminar de falar.
– Devo vestir as luvas e minha touca. Pode deixar.
Meu Deus, eles ficavam lindos juntos. Fazia poucas semanas, mas eles já
estavam em grande sintonia. Eles dificultavam minha respiração. Era
impossível não me apaixonar.
– Ele vai se manter entretido, na maior parte do tempo, então só brinque
com ele e faça companhia. Ele costuma tirar as luvas e jogá-las em qualquer
lugar. Se você for sair com ele, lembre-se disso, por favor.
Concordei e olhei para baixo quando Hyde puxou a mão que ele ainda
estava segurando.
– Vamos fazer panquecas, Sayer.
Disse que sim e olhei para Zeb, que nos observava com um olhar dividido
entre tristeza e amor verdadeiro. Aquilo arrancou todos os pensamentos de
minha mente e matou o que quer que eu pretendesse falar a ele.
– Até mais tarde.
– Tchau, Zeb – Hyde soltou minha mão e correu em direção ao pai. Zeb se
abaixou e pegou o menino segundos antes de ele se chocar com seus joelhos.
Ele o levantou e beijou seu rosto.
– Sua barba pinica.
Com certeza pinicava. Fiquei corada com a lembrança inadequada. Hyde
aproximou a boca do ouvido de Zeb e sussurrou algo, como toda criança fazia,
e eu conseguia ouvir tudo o que ele dizia.
– Você volta para me buscar mais tarde, não é, Zeb?
Respirei tão fundo que doeu. Vi os olhos de Zeb passarem pelos meus antes
de ajeitar Hyde em seu colo para ficarem cara a cara, olhos verdes com olhos
verdes.
– Sempre vou voltar para buscar você, Hyde.
O menininho olhou para ele por um minuto com seriedade e se remexeu
indicando que queria ir para o chão.
Zeb e eu nos entreolhamos, e tudo o que eu queria dizer, tudo que eu sabia
que deveria dizer a ele, pairou ali, pesado e sem movimento entre nós. Eu
queria fazer o que Hyde fez: correr para seus braços e me jogar para ele me
pegar.
– Tchau, Zeb. Tenha um bom dia no trabalho.
Ele resmungou um pouco.
– Obrigado, Sayer. Vejo vocês mais tarde.
Pousei a mão no ombro pequeno de Hyde e nós dois observamos Zeb se
afastar, com os olhos cheios de saudade. Assim que fechei a porta, toquei
Hyde com meu quadril e inclinei a cabeça em direção à cozinha.
– Acho que agora podemos ir em segurança se você quiser tentar de novo
comigo.
– Sim. Estou com um pouco de fome – me virei para guiá-lo até a cozinha
que ainda cheirava a comida queimada e olhei para trás, para observá-lo
quando ouvi suas risadas incontroláveis.
– Qual é a graça?
Ele apoiou as mãos na barriga, inclinou a cabeça de cabelos pretos para
trás e riu tanto que vi todos os dentes que estavam faltando.
Fiz um bico para ele e, de modo brincalhão, cruzei os braços sobre o peito.
– Vamos, Hyde. Também quero rir.
Ele continuou rindo e apontou para o meu traseiro.
– Você fez uma baita sujeira.
Com certeza, e ao ver o pai dele sair pela porta sem poder tocá-lo, sem
poder beijá-lo ou abraçá-lo, me lembrei disso como um belo tapa na cara.
Claro que eu não conseguia ver meu próprio traseiro, então parei na frente da
geladeira de aço escovado e me virei para ver do que ele tanto ria. Em cada
um dos bolsos da minha calça, havia uma marca de mão bem evidente,
obviamente deixada em minha primeira tentativa de fazer panquecas.
Revirei os olhos e balancei a cabeça diante do meu fracasso.
– Fiz uma baita sujeira mesmo. Parece que faço isso sempre – ajudei Hyde
a subir em um dos bancos ao redor da ilha. Peguei uma tigela limpa e uma
colher e coloquei as duas na frente dele enquanto media mais mistura e pegava
o leite de dentro da geladeira outra vez.
– Zeb diz que não tem problema fazer sujeira, desde que a gente limpe tudo
depois – parecia que o Zeb havia assumido a paternidade como um pato se
adapta à água.
– Seu pai é cheio dos bons conselhos.
Ele franziu a testa enquanto eu adicionava o leite à mistura na tigela, e pedi
para ele mexer. Pensei que ele estivesse concentrado na tarefa, mas, quando
ele voltou a falar, fiquei surpresa.
– Todo mundo chama o Zeb de meu pai.
Apoiei os cotovelos no balcão e o queixo na mão.
– Ele é seu pai. Não sei do que mais poderíamos chamá-lo.
Ele me olhou, escondeu o lábio inferior e o soltou com um barulhinho.
– Ele era meu amigo antes de ser meu pai.
– Tem razão. Ele era e ainda é seu amigo apesar de também ser seu pai.
– Às vezes, sinto vontade de chamar o Zeb de papai.
Respirei fundo. Eu não sabia se era comigo que ele deveria estar
conversando sobre isso.
– Tente dissolver o maior número de bolotas que conseguir – apontei uma
bolota de massa na tigela e me aproximei para poder me recostar no balcão ao
lado dele. – Você já contou ao Zeb que talvez queira chamá-lo de papai?
Ele balançou a cabeça, e ouvi seus pezinhos baterem embaixo do balcão.
– Não. E se ele não gostar?
Estiquei o braço, toquei seu queixo e inclinei seu rostinho para que ele me
olhasse.
– Hyde, você acha que Zeb é sincero com você?
O menininho me observou pensativo por um segundo, e tentei não me retrair
quando ele soltou a colher e deixou que ela escorregasse toda para dentro da
tigela, sugada pela massa gosmenta.
– Sim. O Zeb não mente.
– Então, se você contar a ele que quer chamá-lo de papai, então sabe que
ele vai dizer o que acha sobre isso. Aposto cem dólares com você que isso vai
deixá-lo muito feliz e que ele pode até chorar – era uma aposta perdida. Eu
sabia que ganharia a aposta e perderia o dinheiro, porque não havia como Zeb
não chorar quando Hyde fizesse essa pergunta. Cem dólares seriam suficientes
para o rapazinho comprar um monte de pizzas e tornar o momento emotivo
entre pai e filho ainda mais especial.
Mexi as sobrancelhas, o que fez Hyde rir.
– Zeb não vai chorar – ele parecia ter certeza do que dizia. O menininho
adorável não fazia ideia do efeito que ele exercia em seu pai grande e
barbado.
Estendi a mão.
– Aposto cem dólares que ele chora.
Hyde pegou minha mão e enrugou o rosto, concentrado.
– Mas não tenho cem dólares. Só tenho dez moedas de vinte e cinco
centavos.
Dava para o menino ser mais fofo? A resposta era um grande “de jeito
nenhum!”.
– Você não tem que me dar suas moedas. Se Zeb não chorar quando
perguntar isso a ele e você ganhar a aposta, você só precisa me dar um
abração. Fechado?
Ele balançou minha mão com força e sorriu.
– Fechado.
Eu o puxei mais para perto. Meu nariz quase encostou no dele e sussurrei:
– Quer saber um segredo?
Ele arregalou os olhos verdes e balançou a cabeça de um jeito tão vigoroso
que, por um segundo, pensei que ele fosse cair do banco. Encostei os lábios
em sua pele macia de bebê e dei uma bitoca.
– Não importa para o seu pai como você vai chamá-lo... Papai, Zeb,
Zebulo, Velho, Gigante, Capitão Barba, Lenhador... ele só se importa com o
fato de você estar aqui para chamá-lo. Ele só quer você, Hyde. Não importa o
que aconteça, quero que se lembre disso. Está bem?
Ele concordou depressa, e eu me afastei levando a tigela até o fogão para
tentar fazer panquecas de novo, assim que encontrei outra colher. De jeito
nenhum pegaria aquela que estava no fundo da tigela. Acabaria com massa em
mais lugares do corpo ainda.
Eu estava com tudo pronto e bem concentrada na tarefa quando ouvi a voz
de Hyde do outro lado do cômodo.
– Por que você só tem uma parede vermelha? – ele desceu do banco e
parou na frente da parede vermelha, analisando-a com a cabeça inclinada para
o lado, de leve.
– Na verdade, foi seu pai quem a pintou para mim. Uma amiga minha mora
comigo, e ele pediu para ela escolher uma cor que a deixasse feliz. Foi essa a
cor que ela escolheu.
– Gostei dela. É alegre.
– Também gosto. Quando as panquecas estiverem prontas, não queimadas
dessa vez, espero, podemos ir acordar a Poppy e você pode dizer isso para
ela. Vai deixá-la feliz.
– Vai pedir para meu pai pintar mais?
Senti minhas costas ficarem tensas na frente do fogão, enquanto a manteiga
derretia e chiava na frigideira. Fiquei me perguntando se ele tinha percebido
que havia se referido a Zeb como pai.
– Não, não vou pedir. Só essa parede.
Ele se aproximou de mim, e eu o adverti para não colocar as mãos em cima
do fogão.
– Você gosta delas assim?
Olhei para ele.
– Assim como?
– Tudo tão chato. A parede vermelha é melhor.
Mordi meu lábio e virei a cabeça para olhar a parede vermelha.
– Você tem razão. Vermelha fica melhor.
E não, eu não gostava do resto da casa, tudo sério e chato. Precisava ser
confortável. Eu sentia que a parte de dentro não tinha personalidade e que
todas as paredes de tom neutro riam de mim quando eu passava por elas.
Suspirei e tirei a frigideira do fogão.
– Vamos chamar a Poppy e devorar nossa obra de arte, está bem?
Ele me acompanhou sem dizer nada.
Felizmente, Poppy já estava de pé e na sala de estar quando fomos chamá-
la. Eu deveria ter imaginado que ela não conseguiria dormir depois de ter sido
acordada pela campainha. Hyde gostou dela na hora, e nós três passamos o
resto da manhã comendo panquecas, pintando desenhos e brincando de banda
com panelas e tampas. Hyde era um ótimo baterista, e fiquei surpresa ao ver
como Poppy se saía bem tocando air guitar. Eu, por minha vez, acabei como a
vocalista, o que foi péssimo para eles, já que eu só sabia a letra de canções de
heavy metal dos anos 1980. Depois que cantei duas vezes “Pour some sugar
on me”, Poppy jogou a toalha e falou que precisava tirar um cochilo. Hyde
também parecia meio sonolento, então o acomodei no sofá para assistir
Nickelodeon. Ele dormiu antes de eu pegar um cobertor para cobri-lo.
Eu achava que precisava ir ao escritório pegar meu computador e fazer o
trabalho que esperava por mim, mas só consegui ficar ali, paralisada, como se
estivesse colada no chão, olhando aquele menininho precioso. Ele era tão
querido, tão resiliente, considerando tudo pelo que tinha passado. Eu não fazia
ideia de como ele conseguia ser tão confiante e tão receptivo ao amor, mas me
sentia incrivelmente grata por isso. Eu poderia aprender muito com ele.
Me sobressaltei quando Poppy tocou meu cotovelo e inclinou a cabeça na
direção de meu escritório. Eu a segui em silêncio para não acordar Hyde e
funguei um pouco ao perceber que meus olhos estavam marejados, lágrimas
que ameaçavam escorrer. Todos aqueles sentimentos eram demais e
começavam a vazar de mim com frequência agora.
– Pensei que você fosse cochilar.
– Eu ia, mas comecei a pensar em uma coisa e quis falar com você a
respeito para não perder a coragem – ela retorceu as mãos e começou a andar
de um lado para o outro na minha frente. Ela se mexia como um passarinho e
me deixou ansiosa.
– Você sabe que pode falar comigo sobre qualquer coisa, Poppy.
Ela engoliu em seco, eu ouvi.
– Eu sei... bem, sobre qualquer coisa a meu respeito, mas quero falar sobre
você, Sayer, e é difícil para mim dizer isso, depois de todas as coisas
incríveis que você fez por mim.
Ela conseguiu me pegar desprevenida.
– Hum, certo, estou ouvindo.
Ela respirou fundo e obviamente estava controlando o nervosismo, mas
acabou dizendo:
– Você seria uma ótima mãe.
Hesitei, chocada, porque não era o que eu estava esperando ouvir.
– Como é?
Ela mexeu as mãos trêmulas para prender os cabelos atrás das orelhas e vi
quando ela ficou corada.
– Sei que você sofre pelo modo como sua mãe morreu e acha que ela
abandonou você, mas Sayer... – ela esticou o braço e pousou a mão no meu. –
Você nunca faria igual com ninguém. Observei você com Hyde a manhã toda e
pude ver como você o ama.
Pousei a mão sobre a dela e dei um tapinha.
– Ele é só um menininho, Poppy. É impossível não gostar dele.
Ela me olhou de um modo mais firme, com seus olhos cor de mel.
– É mesmo? Porque se isso fosse verdade, a mãe dele estaria fazendo
panquecas para o café da manhã dele, não você.
Abri a boca para rebater e voltei a fechá-la, porque ela tinha razão.
– Não é só isso. Quando você me recebeu sem questionar porque eu não
conseguia conviver com homens, nem mesmo com o homem em quem mais
confio no mundo, achei que você estava sendo meu anjo da guarda. Eu não
teria sobrevivido sem você, Sayer.
– Não – automaticamente neguei meu papel em sua recuperação. – Você é
uma lutadora, Poppy.
Ela resmungou baixinho e ergueu as sobrancelhas loiras.
– Sou? Porque você me jogou a boia salva-vidas alguns meses atrás, e o
que tenho feito é boiar torcendo para não me afogar. Não estou nadando,
Sayer, mas você me amou, me protegeu, me abrigou e lutou por mim quando eu
mesma não lutei. Você fez tudo para mim, tudo o que sua mãe não fez por você.
Me sobressaltei enquanto ela me olhava com seriedade.
– Seu pai tentou fazer com que você acreditasse que não era boa o
suficiente, que não bastava, mas você é mais mãe daquele menino e de mim do
que as nossas mães foram. Você se importa mais conosco do que as pessoas
cuja principal tarefa no mundo é nos amar e nos proteger. Então você também
precisa começar a nadar, Sayer. Depois de tudo que quase nos afogou no
passado, devemos isso a nós mesmas, precisamos ser corajosas e fazer mais
do que boiar.
Abri a boca e a fechei, como um peixe. As lágrimas que vinham se
acumulando enquanto eu a observava com o coração na boca começaram a
rolar.
– Eu... onde... o que fez você dizer isso, Poppy?
Seus olhos também brilhavam, mas aquela casca dentro da qual ela estava
fechada desde que havia começado a viver comigo estava se rachando, e uma
criatura nova e vibrante começava a surgir.
– Em parte, depois de ver você com Hyde hoje e em parte por ter visto
aqueles casais felizes na festa ontem. Sinto saudade da minha vida. Sinto
saudade da minha irmã. Sinto saudade de conseguir abraçar Rowdy sem ter um
ataque de pânico. Quero estar por perto para ver os bebês nascendo e os
casamentos. Quero fazer parte da minha família de novo, por isso preciso
aprender a ficar sozinha e a me sentir bem assim. Preciso assumir o controle
para que, em algum momento da vida, eu possa entregá-lo à pessoa certa – ela
apontou um dedo para mim e o mexeu em círculo. – E você, você precisa
aprender a não ficar sozinha. Precisa correr o risco com o menino e com o pai
dele. Você ama muito mais do que sua mãe e precisa saber que tem muito mais
a oferecer a este mundo do que a pessoa em que seu pai tentou te transformar.
Deixe o modo como esses meninos amam você e o modo como você os ama te
definir, Sayer. Seja essa mulher, e não a outra que seu pai queria que você
fosse.
– Uh... – eu não sabia bem o que dizer, mas, quando ela se aproximou e me
deu o primeiro abraço de verdade desde sua chegada na minha casa, não pude
fazer nada além de retribuir enquanto chorávamos juntas. Merecíamos ser
corajosas e tínhamos sobrevivido a muita coisa. As marcas que aquele abuso
havia deixado nela eram mais visíveis e tangíveis do que as marcas que um
tipo totalmente diferente de abuso havia deixado em mim. Ambas eram
profundas. Ambas marcavam o modo como vivíamos e amávamos, mas se ela
podia superar as circunstâncias, não havia motivo para eu não conseguir fazer
a mesma coisa.
Ela se afastou e limpou o rosto molhado.
– Vou pedir a Rowdy para me ajudar a comprar um carro e vou voltar a
trabalhar — devo ter feito cara de chocada, porque ela riu. – Pode ser que não
aconteça amanhã, mas em breve. Também vou me mudar. Preciso de um lugar
meu, o que quer dizer que você vai ficar com um monte de cômodos vazios –
ela caminhou em direção à porta e olhou para trás. – Pense nisso.
Ela não estava apenas nadando, estava dando braçadas em direção à
margem, e eu precisava seguir seu exemplo. Eu estava dando passos de
formiga e, se não quisesse perder Zeb e Hyde para sempre, precisava começar
a avançar direito.
– Sayer? – a porta se abriu, e Hyde entrou esfregando os olhos. Ele estava
fazendo um bico, e os cílios estavam esticados, como se ele também tivesse
chorado.
– Você está bem, querido? – ele balançou a cabeça negando, então me
sentei em uma das cadeiras do escritório e deixei que ele se aconchegasse em
meu colo. Passei os dedos em seus cabelos. Ele apoiou o rosto em meu peito e
fungou. – Quer me dizer o que está acontecendo? Você não dormiu muito. Teve
um sonho ruim?
Ele negou balançando a cabeça outra vez, e seus cabelos macios roçaram
em meu queixo.
– Está com saudade do seu pai? Podemos ligar para ele para saber como
ele está, se você quiser.
Mais uma vez, ele balançou a cabeça e se aconchegou ainda mais.
– Não sei mais o que fazer, amigão. Você vai ter que me ajudar para eu
poder melhorar o que está ruim, está bem?
Ele se afundou ainda mais contra meu corpo e passou a mão em minha
cintura. Seus cílios molhados se uniram de novo e ele suspirou.
– Você não estava lá. Abri os olhos e você não estava lá. Senti saudade.
Jesus. Se havia alguém que exigia que eu fosse forte, era esse menino. Não
havia tempo para pensar no passado nem temer a incerteza do futuro com
aquelas palavras doces acalmando toda a minha alma. Hyde não se importava
se eu não estava onde sentia que deveria estar para poder ser o tipo de pessoa
que ele merecia ter em sua vida. Ele sentiu minha falta porque se importava
comigo. Fiz com que ele chorasse porque era importante para ele e ele
confiava em mim. A verdade simples nisso desfez os nós de minha história e
revelou tudo. Ele sentia minha falta, e Zeb me amava.
Eu, tão esquisita.
Eu, tão reservada.
Eu, que sabia ser fria e distante.
Eu, que tentava fazer panquecas mesmo sem saber.
Eu, que não defendia bandidos.
Eu, que tentava fazer a coisa certa pelos motivos errados.
Eu, que fazia sexo selvagem encostada em uma parede recém-pintada.
Eles se importavam com todas as minhas versões, e todas elas eram
suficientes para me tornar uma pessoa digna do amor deles. Beijei a cabeça de
Hyde.
– Sinto muito por ter te deixado sozinho. A Poppy quis conversar comigo, e
eu não quis te acordar. Também senti saudade, Hyde.
– Tudo bem – e estava. Estava, mesmo. Pela primeira vez em muito, muito
tempo, parecia que as coisas ficariam bem. Enfim soube exatamente o que
queria e como conseguir. Não aconteceria da noite para o dia. Eu havia
causado muita dor a Zeb, mas minha base finalmente estava firme, a fundação
era estável. Ainda havia um pouco de entulho a ser removido, mas, assim que
o removesse, permitiria a ele construir o que quisesse nesse espaço.
Hyde tirou um cochilo de verdade em meu colo e acordou uma hora depois
querendo brincar lá fora. Demorei vinte minutos para vestir as luvas e a touca
nele e, quando saímos, ele viu que estava muito frio e quis entrar de novo.
Acabamos brincando de esconde-esconde e jogo da velha por horas, até Zeb
aparecer no começo da tarde.
Ele pareceu surpreso por Hyde não ter corrido para vê-lo e, em vez disso,
apenas tê-lo levado à cozinha para mostrar todos os desenhos que tinha feito,
os quais pendurei na geladeira. Hyde não parava de falar, e Zeb me olhava
como se eu fosse uma alienígena. Sorri quando ele franziu a testa para mim e,
em algum momento de nossa interação, Hyde deve ter percebido que havia
perdido a atenção dos adultos, porque puxou a mão de Zeb e resmungou:
– Papai, por que não está olhando para o meu desenho?
Zeb virou a cabeça tão depressa que pensei que teria um torcicolo, e vi
quando ele abriu a boca, assustado e piscou depressa.
– Você me chamou de papai?
Hyde arregalou os olhos e olhou para mim e para Zeb, depois para Zeb e
para mim. Meneei a cabeça para incentivá-lo e disse, sem emitir som:
– É isso aí.
– Hum... Posso? A Sayer disse que posso – Zeb virou a cabeça para me
olhar, e não consegui deixar de sorrir. Seus olhos verdes pareciam grama
depois da chuva.
– Claro que pode. Sou seu papai e sinto um orgulho enorme disso. Pode me
chamar do que quiser, Hyde.
O menininho gritou ao ser abraçado pelo homenzarrão e senti uma pontinha
de inveja. Eu também queria estar naquele abraço.
– Está chorando? A Sayer disse que você choraria. Ela disse que me daria
cem dólares se você chorasse! – Hyde se afastou e olhou com atenção para o
rosto do pai. Era difícil de ver por causa da barba mas, como eu previa, no
rosto moreno de Zeb havia uma única lágrima brilhante. – Você me deve cem
dólares.
Zeb soltou o menino e se endireitou. Então me lançou um olhar
questionador. Eu só dei de ombros. Ele entendeu que eu sabia o que
aconteceria e que havia feito as coisas de modo que Hyde saísse ganhando,
não precisei explicar.
– Vou entregar o dinheiro a seu pai, para ele cuidar do valor, mas prometo
que vou pagar.
– Parece que vocês dois tiveram um bom dia.
Hyde assentiu decidido.
– Eu amo Sayer.
Vi o pomo-de-adão de Zeb subir e descer.
– Bom saber, rapazinho.
Pigarreei e joguei parte do cabelo para trás.
– Sinceramente, adorei ficar com ele hoje. Se sua mãe precisar de um
descanso no fim de semana, enquanto você estiver trabalhando, vou adorar
passar o dia com ele.
O rosto de Zeb ficou mais sério enquanto ele me analisava com cuidado.
– Sério?
– Sério – deixei a certeza evidente em meus olhos.
Ele emitiu um som, e vi suas mãos se cerrarem em punhos.
– Ei, amigão, vá buscar seu casaco para eu poder conversar um pouco com
Sayer.
– Você vai pegar meu dinheiro?
Zeb riu.
– Sim, vou pegar seu dinheiro – pezinhos correram para fora da cozinha e,
assim que ficamos sozinhos, Zeb caminhou na minha direção e me encostou no
balcão, até eu estar presa entre seus braços.
– Está pronta para nos escolher, Sayer?
Me lembrei da vez em que ele me encostou no carro após a audiência e me
beijou. Queria fazer a mesma coisa com ele, mas não tínhamos muito tempo até
sermos interrompidos por uma criança, e era claro que as feridas que eu havia
causado nele precisavam de cuidados.
Apoiei uma mão em seu peito e olhei Zeb com meu coração recém-
derretido no olhar.
– Estou nadando, Zeb. Não estou na margem ainda, mas estou tentando
chegar lá. Você confiou em mim para ficar com Hyde todo esse tempo. Preciso
que confie um mim um pouco mais.
– E por que deveria?
Agarrei sua camisa de flanela e o puxei para baixo para ficarmos frente a
frente.
– Porque antes de poder escolher você, antes de poder escolher Hyde,
tenho que escolher a mim mesma, e é o que tenho tentado fazer – eu esperava
que isso fizesse sentido para ele, porque era o primeiro passo grande que eu
precisava dar. – Não é tão fácil.
Ele bufou, e senti o ar em meus lábios como um beijo-fantasma.
– Estou esperando à margem há muito tempo, Sayer.
– Eu sei, Zeb. Por favor, confie em mim.
Ele se afastou do balcão quando Hyde voltou correndo para a cozinha. Seus
olhos não entregaram nada, e sua boca não sorria quando ele falou:
– Você ainda é meu único plano, Sayer, isso nunca mudou.
Aquilo fez meu coração se encher de alegria, porque eu não tinha a intenção
de decepcioná-lo dessa vez. Nós dois podíamos vencer, e dessa vez seria uma
vitória que duraria para sempre.
CAPÍTULO 18
Zeb
E U NÃO SABIA BEM O QUE PENSAR SOBRE A REPENTINA REVELAÇÃO DE SAYER, DE QUE
ela estava tentando atravessar as águas lodosas de seu passado para chegar
até mim, e não sabia bem se podia fazer o que ela me pedia e simplesmente
confiar nela. Mas quando o fim de semana chegou, me peguei lhe telefonando
para perguntar se ela ainda topava ficar com Hyde o dia todo. Ele não tinha
parado de falar nela desde que o busquei em sua casa, por isso achava que não
seria má ideia eles passarem o dia juntos. Ela disse que cuidaria dele, com
certeza, e me pegou desprevenido ao me perguntar qual era minha cor
preferida.
Obviamente a resposta era azul. Azul da cor do oceano, brilhante e
turbulento. Ela ficou quieta do outro lado da linha por um segundo e então me
disse que pegaria o Hyde em minha casa e o levaria de volta, se eu não me
opusesse. Disse que tinha algumas coisas para resolver na rua e que o levaria
com ela. Tentei alertá-la que um menino de cinco anos, por mais bem
comportado que fosse, como Hyde era, acrescentava pelo menos uma hora no
tempo que demorávamos para fazer as coisas. Ela riu e falou que daria tudo
certo. Tentei alertá-la de novo quando tirei a cadeirinha de Hyde de meu jipe e
a coloquei em seu Lexus. Ela só sorriu e disse que tudo daria certo. Ela
também me olhou como se quisesse arrancar toda a minha roupa e me atacar
bem ali no estacionamento do condomínio. Era tudo muito confuso, e meu
coração e minha cabeça estavam em conflito tentando entender o sentido
daquilo.
Enviei-lhe uma mensagem de texto para avisar que estava voltando da obra
e indo para casa. Recentemente, eu havia comprado uma casa vitoriana não
muito distante da casa dela e estava cuidando para transformar os cômodos
independentes em uma única casa para uma família de novo. Era um projeto
enorme, mas eu sabia que, assim que o trabalho fosse finalizado, o retorno de
meu investimento seria enorme. Falei que podia buscar meu filho já que estava
tão perto, mas ela respondeu com um NÃO! com letras maiúsculas e disse que
o entregaria dentro de uma hora.
Quando apareceu no meu apartamento, ela e Hyde pareciam meio cansados,
mas os olhos verdes de meu filho brilhavam de animação e alegria. Também
havia manchas azuis que pareciam ser de tinta em seus cabelos e em suas
mãos. Ele me abraçou na altura dos olhos e correu na direção de seu quarto
para tirar o casaco e as luvas.
Sayer também estava com tinta no rosto e nos cabelos loiros. Sua aparência
sempre impecável havia desaparecido e dado lugar a um visual de jeans
manchado e blusa de moletom grande demais para ela.
– Vocês fizeram guerra de tinta? – estiquei o braço para pegar uma mecha
de seus cabelos, soltando em seguida.
Ela riu e balançou a cabeça.
– Mais ou menos. Estamos trabalhando em um projeto secreto.
Aquilo me deixou curioso, então me recostei na porta e cruzei os braços.
Tenho que admitir que massageou meu ego vê-la arregalar os olhos ao me
observar. Ela passou a ponta da língua no lábio inferior e eu rosnei para ela.
Eu queria acompanhar o caminho úmido com minha própria língua e morder a
curva carnuda dele. Além do tempo em que fiquei preso, aquele era meu
período mais longo sem sexo, e eu estava começando a ficar meio doido.
Todos os movimentos dela pareciam um convite ou feitos para me provocar.
– Que tipo de projeto secreto? – minha voz saiu rouca, e a vi estremecer.
– Você vai descobrir em breve. Posso vir buscar o Hyde no próximo
sábado também?
Quis dizer que ela só poderia ter meu filho se estivesse disposta a ficar
comigo também, mas percebi que seu processo era denso e complexo. Ela
avançava lentamente, e a única coisa que eu podia fazer era esperar do outro
lado.
– Sim, pode pegá-lo no próximo sábado. Acho que minha mãe gosta de ter
um dia de folga. Você quer entrar e jantar conosco? Provavelmente vou deixar
Hyde pedir pizza.
Ela inclinou a cabeça e concordou.
– Claro. Adoraria.
Nós três passamos o resto da noite comendo pizza, assistindo um filme
bobo feito para famílias e rindo. Tentei fazer Hyde me contar qual era o
projeto secreto que ele estava desenvolvendo na casa de Sayer, mas ele só ria
e trocava um olhar cúmplice com ela e repetia sem parar que era surpresa. Ele
também me disse que sua cor preferida era vermelho, que a cor preferida de
Sayer era verde e que Poppy gostava de roxo. Eu não sabia por que ele estava
me contando isso, mas quando acompanhei Sayer até seu carro na hora de ir
embora, a pressionei contra a lateral do veículo e a prendi entre meu corpo e o
metal frio.
– Sua cor preferida é verde, então?
Ela esboçou um sorriso, ergueu a mão e a apoiou em meu rosto. Suas unhas
deslizaram levemente por minha barba e isso fez meu corpo todo ficar tenso.
– E a sua cor preferida é azul, então?
Sorri para ela.
– Touché. Espero que você resolva logo seus problemas, Say. Sinto sua
falta pra caralho.
Me afastei do carro dela e observei seu olhar se voltar para o chão.
– Estou cuidando disso – ela disse.
Suspirei, e minha respiração saiu branca devido ao frio.
– Sei que está. A reforma exige tempo e sempre acontece algo inesperado
atrás das paredes quando você as derruba. Até o próximo fim de semana.
E U ESTAVA EM CIMA DE
com força.
ZEB, E ELE ME PENETRAVA FUNDO ENQUANTO EU CAVALGAVA
Uma de suas mãos estava em meu quadril, a outra segurava meu seio em
movimento, enquanto ele brincava com meu mamilo a ponto de doer e arder
um pouco. Eu arfava como se tivesse corrido uma maratona, e minhas mãos
apertavam a tatuagem de seu peito enquanto eu sentia o orgasmo se formar e
me cegar. Estava muito perto. Eu estava muito perto. Só precisava do toque de
seu dedo áspero em meu clitóris para acabar comigo, e eu imploraria por isso,
se precisasse.
– Zeb... me toca – pedi com um sussurro e continuei me movimentando
desesperadamente. Se ele não agisse, eu não teria problemas para me resolver.
Olhei-o para que ele seguisse o programa e, então, suspirei quando sua mão
saiu de meu quadril e seguiu para onde eu precisava.
Ele deslizou o dedo em minha pele escorregadia e me provocou ao me
mandar me inclinar para a frente e beijá-lo. Me remexi um pouco e gemi de
satisfação quando ele finalmente fez contato. Era ali mesmo, e a sensação era
ótima. Ele sempre fazia muito bem.
Meus lábios estavam prestes a encontrar os dele, prestes a engolir seu
gemido enquanto eu esfregava meu corpo, com força, pronta para me entregar
à sensação que só ele conseguia causar quando, de repente, nós dois paramos
e nos separamos um do outro como se nossos corpos estivessem em chamas.
Passinhos e a porta do quarto se abrindo nos fizeram dividir um olhar
frustrado e bem-humorado. Hyde de repente apareceu ao lado do pai na cama.
– Tive um pesadelo.
Puxei o edredom até o queixo e torci para a luz que vinha do corredor não
permitir que ele visse que Zeb e eu estávamos corados e suados.
– Teve mesmo? Ou só não quer dormir no seu quarto? Já conversamos
sobre isso, rapazinho.
Apesar de eu ter dado a Zeb a chave de minha casa, meses antes, nós dois
concordamos que seria melhor esperar um pouco para uma nova mudança para
Hyde, em tão pouco tempo. Assim, fazia oito meses que passávamos da minha
casa ao apartamento dele tentando fazer com que o menininho se acostumasse
com a ideia de morar aqui em período integral.
Ele e Zeb tinham se mudado oficialmente duas semanas antes e, pelo menos
três noites por semana, Hyde queria dormir entre nós dois na cama. Zeb
costumava deixar, mas eu duvidava que isso aconteceria hoje. Ajustar uma
vida sexual ativa com a rotina de um menino curioso de cinco anos tinha se
tornado interessante para nós dois. Não preciso dizer que o chuveiro era um
lugar de muita ação e que eu havia me tornado muito habilidosa na arte de
gozar sem tirar muitas peças de roupa.
– O meu quarto fica longe – o quarto dele era em um andar abaixo da suíte
master, e ele havia passado muitas noites nele enquanto Zeb e eu esperávamos
para morar juntos. Na minha opinião, ele sentia saudade de Poppy, que antes
ocupava um quarto no mesmo andar. Ela havia se mudado para o próprio
apartamento uma semana antes de os meninos tornarem a minha casa a casa
deles.
– Não é tão longe assim, Hyde.
– Posso dormir com vocês hoje? – ele estava choroso e era tarde, mas Zeb
ainda estava excitado e com os olhos tomados de desejo.
– Hoje, não, amigão. Você precisa se acostumar com seu quarto. Vai ser seu
de agora em diante. Lembra-se do trabalhão que você e Sayer tiveram para
deixá-lo especial só para você?
Ele tentou me olhar por cima da cama, mas eu estava me escondendo
embaixo dos cobertores e atrás do corpo grande de Zeb.
– Sim, eu me lembro – ele fez um bico adorável, e eu quase ri do resmungo
de Zeb. Ele passou as mãos pelos cabelos, desgrenhados e despenteados pelo
toque das minhas mãos.
– O que acha de eu ir ao seu quarto para ler uma história? Fico com você
até que volte a dormir.
Observei Hyde considerar a proposta e concordar, finalmente.
– Tá bem. Sayer, você quer ir com a gente para ouvir uma história?
Ri e tentei disfarçar tossindo.
– Obrigada, querido, mas hoje não. Vá com seu pai e nos vemos amanhã
cedo.
Ele franziu a testa.
– Gosto do meu quarto. Juro.
– Eu sei que você gosta dele, Hyde. Às vezes essa casa velha faz barulhos e
pode ser difícil dormir. Tudo bem.
Zeb me pediu para eu lhe entregar a calça que havia tirado de seu corpo
minutos antes. Ele se ajeitou e se inclinou na minha direção para me beijar. Eu
nunca me cansava da sensação de sua barba em minha pele. Adorava senti-la
agora tanto quanto adorei senti-la na primeira vez em que o beijei. Levei os
dedos à nova tatuagem na lateral de seu pescoço, de um homem segurando uma
máscara parecida com um monstro sobre metade de seu rosto. Dr. Jekyll e seu
Hyde para sempre gravados, para quem quisesse ver. Era a visão de Zeb do
orgulho paternal, e eu adorava ver como a tatuagem era ele, em essência. Não
era o nome de Hyde, mas uma tradução mais literal que o menininho
entenderia quando fosse maior.
– Já volto.
Ri baixinho e me escondi mais embaixo das cobertas.
– Estarei aqui – eu não iria a lugar nenhum, independentemente de quantos
orgasmos avassaladores pudessem ser interrompidos.
Observei meu homem sem camisa, tatuado, sarado, gigante e agora
sexualmente frustrado tocar o filho como se ele fosse feito de cristal, levando-
o para fora do quarto, e pensei em como tinha sido tola ao temer todo o espaço
que ele tomava. Com a presença dele em todas as partes, não havia lugar para
que as coisas ruins entrassem. Todos os dias, ele fazia com que eu sentisse que
era digna dele, que ele era digno de mim e que nós dois éramos dignos dessa
vida e de todas as coisas maravilhosas nela. Talvez eu não tivesse recebido
tudo ainda, mas não estava com medo de passar o resto da vida trabalhando
para isso.
E era trabalhoso. Às vezes eu queria voltar aos velhos hábitos, me fechar e
deixar todo mundo para fora, porque me sentia sobrecarregada dos
sentimentos e do amor que existiam em mim todos os dias. Eu lutava contra
isso e lutava com intensidade. Meus meninos e eu merecíamos mais.
Conversar sobre as coisas ajudava também. Assim que Poppy se mudou,
ela começou a ir a um terapeuta para falar sobre a agressão sofrida e sobre seu
passado. A sessão individual não havia ajudado muito, mas ela encontrou um
grupo de mulheres sobreviventes de agressões, e ouvir outras mulheres
contarem suas histórias, vendo que algumas tinham vivido coisas piores do
que ela, fazia toda a diferença na ajuda de que ela precisava para ter uma vida
independente de novo. Observá-la ser tão corajosa me ajudava a ser corajosa
e me ajudava a dar nome à terrível agressão emocional a qual eu havia
sobrevivido nas mãos de meu pai.
Quando consegui dar um nome, quando o demônio ganhou um nome, passou
a ser mais fácil falar com Zeb sobre isso e até discutir o passado com Rowdy.
Eu também era uma sobrevivente, agora que não estava mais à deriva.
Me remexi embaixo dos cobertores e respirei fundo quando meus mamilos
ainda duros tocaram o tecido. As luzes estavam apagadas, a porta estava
fechada, e eu ainda sentia o latejar do desejo percorrendo meu corpo. Um
orgasmo me esperava, e decidi que não havia nada de errado em buscá-lo
sozinha enquanto Zeb estava ocupado. E ficaria devendo um para ele mais
tarde. Como se isso fosse problema!
Senti minhas pernas se abrirem e desci a mão pela barriga em direção à
fenda que ainda estava inchada e úmida, ali onde Zeb havia me tocado. O
primeiro toque de meus dedos me fez estremecer. Não demoraria muito para
chegar lá, porque meu homem era extremamente bom no que fazia, e eu já
estava estimulada. Suspirei no escuro quando comecei a me esfregar
lentamente, com movimentos circulares ao redor do clitóris inchado. A
sensação era boa, mas nem de longe igual à causada pelos dedos ásperos de
Zeb. Gritei de susto quando o edredom foi arrancado de mim e pisquei ao ver
Zeb na ponta da cama me olhando com cara de predador.
– Não pare por minha causa. Você sabe como gosto de ver você se
masturbar – ele tirou a calça jeans, e eu fiquei tensa.
– Hyde?
– Dormindo como uma pedra. Não cheguei nem na metade do livro. Ele está
se ajustando. Só precisa de um tempo – ele sorriu por baixo da barba. – Se
você não vai terminar para mim, vou ter que fazer por você.
Gritei seu nome quando ele segurou meu tornozelo e me puxou em direção à
ponta da cama de lençóis pecaminosamente caros. Antes que eu pudesse
protestar, ele abriu minhas pernas e enfiou o rosto entre minhas coxas
trêmulas. Sua língua passava pelo meu clitóris e sua barba raspava de modo
provocativo a pele de minhas coxas. Eu não conseguia respirar.
Aquele orgasmo que eu teria que buscar sozinha havia voltado a ser sua
prioridade, e ele cuidava de mim com a boca e com os dedos. Gemi
profundamente e gozei em sua língua, já que ele se recusou a sair dali. Ele se
afastou para poder beijar meu umbigo e engatinhou para cima de mim para
penetrar meu corpo saciado.
Queria dizer que, depois daquele orgasmo, não havia mais nada que ele
pudesse me dar, mas, como sempre, encontrei mais, porque era ele, e ele
sempre valia tudo.
Envolvi seu corpo com minhas pernas. Ele se ajoelhou entre elas e
começou a me penetrar com movimentos lentos e curtos. Nos observamos com
atenção enquanto ele aumentava o prazer, guiando o desejo como se tivesse
vida própria, até eu me contorcer embaixo dele e meu corpo implorar para
gozar.
Ele se esticou em cima de mim para se movimentar depressa e com força e,
quando me dei conta, estávamos gozando juntos, agarrados um ao outro,
esperando o mundo parar de rodar. Ele escondeu o rosto na lateral do meu,
enquanto eu passava as mãos por seus ombros tatuados e fortes.
– Hyde me perguntou se você se importaria se ele começasse a te chamar
de mãe.
As palavras saíram suaves e talvez tenham sido as mais importantes que
ouvi. Elas eram muito mais poderosas do que as que meu pai cuspia.
Pigarreei e abracei seu grande corpo com o meu corpo todo.
– O que você respondeu?
Ele riu baixinho em meu ouvido e mexeu o queixo para que a barba fizesse
cócegas em meu pescoço.
– Apostei cem dólares que, quando ele perguntasse, você acabaria
chorando – eu não era a única pessoa que sabia fazer apostas, então o
adorável menininho de cinco anos ganharia uma boa grana.
Enfiei os dedos em seus cabelos e o segurei bem perto de meu corpo.
– Você vai ficar devendo cem dólares a ele.
– Foi o que pensei. Say?
– Sim? – esfreguei meu rosto no dele e me aconcheguei mais em seu corpo.
Queria continuar embaixo dele, ligada a ele dessa forma para sempre.
– Meu filho quer que você seja mãe dele e, se eu tiver mais filhos no futuro,
quero fazer isso com você, então você provavelmente deveria se casar
comigo.
Fiquei tensa embaixo dele e segurei um punhado de cabelo para poder
erguer sua cabeça e forçá-lo a me olhar.
– Você acabou de me pedir em casamento?
– Hum... sim. Bom, acabei de fazer você gozar duas vezes de um jeito
espetacular, então achei que assim você teria maior dificuldade para dizer não
– seus olhos brilharam, ele se inclinou para a frente e encostou os lábios nos
meus. – Te dei esta casa. Você ganhou o meu coração e o de Hyde desde o
começo. Você sabe que teremos filhos lindos e que você será a melhor mãe do
mundo. Quero te dar uma aliança, Sayer. Faço questão de que seja clássica e
colorida. Que seja forte e bonita. Encontrarei uma aliança que brilhe de dentro
para fora, como você – ele mexeu as sobrancelhas para mim. – E, quando
encontrar, vou me ajoelhar e pedir do jeito certo, mas diga sim, Sayer. Você
pode ser todas as outras coisas maravilhosas que já é, mas pode acrescentar
mãe e esposa a essa lista.
Pisquei para ele e, claro, só havia uma resposta a escolher.
– Sim, Zeb, quero me casar com você. Não precisa se ajoelhar, porque
deste jeito está perfeito para mim.
Foi assim que o homem que escolhi para ficar comigo para sempre me
pediu para ser dele.
Nada poderia ser melhor do que isso.
NOTA DA AUTORA
medo de amar quando o parceiro está ALI, PRONTO, incrível, disposto e tudo
UMA
mais, porém, meus amigos, precisava acontecer! Não porque acho que todo
tipo de mulher mereça espaço em meus livros, mas porque há mulheres por aí
que precisam saber que não estão sozinhas. Não há nada de errado em não ser
o tipo calorosa e amorosa. C Sinceramente, muitas vezes eu mesma não sou
assim.
Sayer é muito importante, seu passado e a mulher que ela se força para ser
são um lembrete assustador de que o abuso pode acontecer de diversas
formas, além da física, e de que todo abuso deixa sua marca e seu impacto em
quem é afetado por ele.
Criar Sayer foi um projeto grande e pessoal, porque houve uma época em
minha vida na qual vi alguém de quem gostava muito se transformar em uma
pessoa diferente, em pouquíssimo tempo, nas mãos de um habilidoso agressor
emocional.
Eu não fazia ideia de como parar aquilo nem de como ajudar, mas também
entendo bem a frustração de Zeb com a situação. (A pessoa que eu conhecia se
esforçou muito para se curar e tomou passos importantes, mas a mudança, a
luta, foi grande demais, e perdemos contato, apesar de eu saber que ela venceu
a batalha, como Sayer vence, na história).
Vi essa pessoa se fechar por completo, desaparecer e se tornar tão distante
que era como se estivesse presa dentro de si, sem esperança de sair. Fiquei
arrasada ao presenciar seu sofrimento e fiquei ainda mais arrasada quando as
coisas pelas quais ela passava foram ignoradas, porque ninguém conseguia ver
a causa daquela mudança.
Todas as formas de abuso e agressão são terríveis, horrorosas, mas a
paciência, o amor e a compreensão são muito importantes para ajudar um
sobrevivente a se curar.
Não sou especialista nem posso falar por quem já sofreu essa situação, mas
sou alguém que se importa muito com as pessoas... com todas as pessoas.
Por isso, deixarei estes números aqui e, caso conheça alguém que esteja
sofrendo algum tipo de agressão, não hesite:
Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças
e Adolescentes: Disque 100
Central de Atendimento à Mulher: Disque 180
PLAYLIST DE
"Mas ela tem uma coisa que não sei explicar. O jeito de se
curvar sobre mim, de dizer meu nome suspirando como se
estivesse rezando, o cheiro de luz do sol e doçura e tudo de
mais delicioso..."
Quando Jet Keller sobe no palco com aquela voz meio rouca,
dedilhando intensos acordes de guitarra, todas as garotas
vão à loucura. O corpo tatuado, o cabelo rebelde e o olhar
sedutor fazem desse roqueiro um grande conquistador, capaz
de levar a mulher que quiser para a cama.
Muitos garotos sonham com a estudante de química, Ayden
Cross. Seus olhos cor de uísque, as pernas supercompridas,
o ar de mistério e até o seu sotaque fazem qualquer um
perder o juízo. Mas Jet é o único homem capaz de
enlouquecê-la e tirá-la de sua vida certinha.
Há muito tempo que Ayd e Jet se desejam, mas por
acreditarem que são um o oposto do outro, têm evitado essa
paixão. Porém, um desejo assim tão ardente não pode ser
contido por muito tempo e o que está para acontecer entre
esses dois será avassalador.
Notas quentes é um romance tórrido, cheio de revelações e
com intensas cenas de amor que irão ficar gravadas em você
tal como um rock sedutor.
Destaques do livro
A autora é best-seller do New York Times e do USA Today.