Dissertacao PatrimonioContendasBens
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Dissertacao PatrimonioContendasBens
(1650-1750)
Belém
2012
RAIMUNDO MOREIRA DAS NEVES NETO
(1650-1750)
Belém
2012
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)
(1650-1750)
Banca examinadora:
Abstract
This thesis examines the Society of Jesus estate properties in the colonial State
of Maranhão and Grão-Pará, a northern province of Portuguese America, throughout the
second half of the seventeenth and first half of the eighteenth centuries. It addresses
three main issues. First, the various ways by which this religious order acquired its
many properties. Second, the maximization of the Jesuits‟ profits from the direct
management of their properties and trade. Third, the problems that derived from the
recurrent denial of the Society to pay the royal tithes. These were the main problems
which originated the strong opposition the Society of Jesus had to deal with,
especially from the Portuguese settlers, during the colonial period.
Abreviaturas
ABAPP: Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará.
ABNRJ: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
AHU: Arquivo Histórico Ultramarino.
ARSI: Archivum Romanum Societatis Iesu.
ANTT: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
CJ: Cartório Jesuítico.
IEB/USP/ML: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo – Coleção
Manuel Lamego.
Agradecimentos
Após ter dado o ponto final desta dissertação de mestrado, é chegada a ocasião
de agradecer a todos aqueles que, de diversos modos, contribuíram para a sua
elaboração.
De modo especial, deixo registrado meu agradecimento ao Prof. Dr. Rafael Ivan
Chambouleyron, meu orientador. Por tudo o que fez visando o amadurecimento da
pesquisa que agora apresento: a bolsa de Iniciação Científica do CNPq; os empréstimos
de inúmeros livros; o fornecimento de vasta documentação custodiada em arquivos
portugueses e as criteriosas orientações desde a graduação… Por tudo isso o meu muito
obrigado!
Chegar ao ensino superior num país onde as desigualdades sociais são tão
gritantes é tarefa que requer grande empenho por parte dos pais de quem almeja esse
sonho. Fazer um mestrado, por outro lado, exige ainda maior esforço da família, porto
seguro de onde tudo parte e para onde tudo volta. Assim, quero agradecer aos meus pais
Raimundo Moreira das Neves Filho e Ana Luzia Neves das Neves: vocês foram e
continuam sendo os meus maiores exemplos de perseverança, caráter e desprendimento.
No início do meu percurso acadêmico pude contar com o apoio de algumas
pessoas. Dona Nazaré, antiga arquivista do Memorial (hoje Centro de Memória da
Amazônia - CMA), foi quem primeiro me incentivou a estudar história colonial,
indicando a crônica do padre Bettendorff e os anais do governador Berredo. Se não
fosse a senhora, hoje poderia estar em outra área. De igual modo, agradeço ao diretor do
CMA, Prof. Dr. Antonio Otaviano, pela confiança em ter me concedido aquela bolsa-
trabalho para organizar parte dos acervos da instituição.
Durante a pesquisa contei com o valioso apoio do jesuíta padre Ilário Govoni,
grande estudioso do apostolado inaciano nas paragens amazônicas. Agradeço as
diversas oportunidades em que fui recebido pelo senhor na Biblioteca da Capela de
Lourdes, apontando-me obras que poderiam auxiliar e tirando inúmeras dúvidas que
surgiam ao longo dos estudos. De igual modo, sou grato pelas cópias de documentos
custodiados no ARSI que o senhor, muito gentilmente, me cedeu.
A banca de qualificação muito ajudou no aprofundamento da pesquisa. Assim,
não posso esquecer-me das preciosas dicas que os professores Dr. José Alves e Dr. Karl
Arenz dispensaram naquele momento. O meu débito com os dois se majora ao levar em
consideração as conversas/orientações de corredor. De modo particular, ao prof. Alves
ainda devo o contato com os documentos da coleção Lamego, do Instituto de Estudos
Brasileiros (USP).
Enquanto graduando, durante a ANPUH nacional do Ceará, tive a honra de ser
convidado pela Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Bohn Martins (UNISINOS) a participar do
grupo por ela liderado e intitulado “Jesuítas nas Américas”. Nos inúmeros eventos do
grupo pude amadurecer algumas ideias e até mesmo abandonar outras. Nas reuniões
conheci o Prof. Dr. Luiz Fernando Medeiros Rodrigues (UNISINOS), o qual certa vez
veio a clarear algumas visões que tinha sobre a relação entre o padroado e os jesuítas.
De igual modo, sou muito grato pelas críticas da Prof. Dr.ª Maria de Deus Beites Manso
(Universidade de Évora) que enriqueceram a pesquisa agora apresentada.
Quando a pesquisa apresentou questões mais delicadas, sobretudo com os
dízimos, cheguei a solicitar algum auxílio, via e-mail, ao Prof. Dr. Paulo Assunção
(Universidade São Judas Tadeu), pesquisador versado nas imbricações do patrimônio
material inaciano. Ao senhor o meu sincero agradecimento por todas as elucidativas
respostas. De igual modo sou grato ao Prof. Dr. José Antonio Andrade Araújo (UFF)
pela cortesia do envio do livro de sua autoria intitulado “A quadra perfeita: um estudo
sobre a arquitetura rural jesuítica”. Sua obra muito contribuiu nesta pesquisa.
Os amigos foram parte importante do processo de feitura desta dissertação. Com
eles tive momentos de descontração tão necessários para a reorganização mental após
tantas horas de leitura documental, bibliográfica e da tessitura destas páginas. Entre os
amigos que me acompanham desde a graduação se destacam: Claudinha, estudiosa das
“perebas” coloniais, grande amiga e exemplo de simplicidade; Amandinha, pessoa
muito agradável e que sempre me fez rir em momentos mais graves; Fred, outro
colonialista que estuda os franciscanos, parceiro em simpósios e mini-cursos dos quais
ficamos a frente; Alik e Rhuan, com os quais participei de inúmeros eventos com
temáticas jesuíticas; Iara Walena, menina encantadora, com quem aprendi que cada
derrota pode ser ofuscada por um sem número de novas vitórias; Vanice Siqueira, a
quem sempre recorri em diversas oportunidades.
No mestrado, tive a feliz oportunidade de conhecer pessoas que se somaram ao
meu rol de amigos. Assim, não tenho como esquecer das amigas Regina e Marley, com
as quais passei alguns jogos da seleção brasileira (copa do mundo de 2010) fazendo
trabalhos da disciplina da prof. Dr.ª Magda Ricci. David Feio, grande figura, foi outro
amigo com o qual sempre estive a jogar conversa fora ou trocar sugestões de leitura.
À Aline Viana, minha grande amiga dos campos marajoara. Dedicada, nunca se
furtou a estar presente quando “precisava de um ombro”, principalmente nas “crises
acadêmicas”. Nos bancos do “UFPa Pedreira” (o famigerado “306”), tínhamos, pelo
menos, uma hora diária para pormos os assuntos em dia. Com o estreitamento da
amizade, os encontros quase que diários passaram a ser feitos em minha casa, onde nos
finais de semana sempre preparávamos (e ainda preparamos) um “folguedo melhorado”.
Nossos passeios gastronômicos pelas pizzarias de Belém – com Luciana Batista, Marília
e Neto Imbiriba – não só contribuíram para entupir as artérias, mas também para arejar
uma mente que só pensava em jesuítas. Ainda hoje guardo na memória o fatídico e
hilário episódio ao pé da Serra da Ibiapaba (Ceará), marco central da nossa relação de
amizade.
Finalmente, meus agradecimentos à Cecília Patello (vulgo “tia”), mais que
amiga, uma irmã: a você devo muito, pela nossa grande e devocional amizade. Como
colonialista, foste a revisora de quase todos os trabalhos que escrevi, inspirando-me
força e confiança em tudo que eu fazia. Sempre que surgia a oportunidade de um
congresso, lá estávamos a fazer planos para que fôssemos juntos. De ônibus, cruzamos
boa parte do Brasil. Quando chegou a hora da viagem mais longa (ANPUH nacional em
2011), que exigia a agilidade do avião, quis o destino (podemos chamar de aeromoça),
nos separar justamente em um momento de inigualável pânico. O teu gigantesco
desprendimento, em repetidos momentos, chegou a comover-me e tirar lágrimas dos
olhos. Tenho-te na mais alta consideração.
Índice
Introdução ................................................................................................................. 11
I. O século XVII e as primeiras conquistas ........................................................................... 18
Conquista e administração das propriedades ................................................................. 21
Propriedades nas cercanias da capitania de São Luis do Maranhão .................................... 28
A fazenda de Anindiba e a prática do arrendamento ..................................................... 28
As Terras de São Marcos: jesuítas versus mercedários .................................................. 34
A ilha de São Francisco e a nova fortaleza na barra de São Luis ................................... 37
O engenho do Rio Itapecuru e o testamenteiro do Capitão Muniz ................................. 42
Propriedades nas cercanias da Capitania de Belém do Pará ............................................... 47
A Fazenda de Jaguarari ................................................................................................ 48
O engenho de Ibirajuba e a Irmã Catarina da Costa ...................................................... 56
A Fazenda de Gibirié e as terras de Joseph da Cunha de Eça......................................... 62
As fazendas do Marajó ................................................................................................ 64
II. As atividades temporais da Companhia de Jesus ............................................................ 69
Comércio jesuítico ....................................................................................................... 75
Fim da década de 1720 e início da década de 1730 ....................................................... 80
Década de 1740 ........................................................................................................... 85
Os índios e os privilégios da companhia de Jesus ......................................................... 87
Intrigas em torno das atividades temporais ................................................................... 96
III. A grave questão dos dízimos ......................................................................................... 109
A questão do padroado e os dízimos eclesiásticos no império português ..................... 109
Os dízimos eclesiásticos no Maranhão e Grão-Pará .................................................... 116
Dízimos ou direitos alfandegários? ............................................................................ 124
Terras de fundação e tombamento das fazendas.......................................................... 128
A proibição do traspasso das terras de leigos aos jesuítas ............................................ 139
Dízimos aos índios .................................................................................................... 143
O conflito com os arrematadores dos dízimos............................................................. 146
Conclusão................................................................................................................. 151
Fontes manuscritas ........................................................................................................ 153
Fontes impressas............................................................................................................ 160
Bibliografia ................................................................................................................... 166
11
Introdução
Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor Divino, e ao povo caridade,
Amam somente mandos e riquezas,
Simulando justiça e integridade.
Da feia tirania e da aspereza
Fazem direito e vã severidade.
Leis em favor do Rei se estabelecem;
As em favor do povo só perecem.
Luís Vaz de Camões
Os Lusíadas, canto IX, estrofe 28
O que Camões teria em mente ao fazer esses versos de Os Lusíadas? Para José
Eduardo Franco, apesar de o poeta português não citar diretamente a Companhia de
Jesus, tais estrofes (e tantas outras) demonstram que estamos “perante um caso
emblemático de manifestação de anti-jesuitismo, perscrutável nos silêncios, ausências e
omissões da literatura e da história”. Segundo Franco, a primeira estrofe citada faz
alusão à “demanda jesuítica de poder político e econômico”. Já a segunda, seria
referente à “usurpação” do nome de Jesus para a Companhia. Contudo, se os versos de
Camões tiveram os inacianos como inspiração, pode-se perceber que o poeta
desconsiderou as Missões jesuíticas que por aquela época já estavam estabelecidas…
como estais sem irdes a pregar a santa fé?1
O nome da Ordem, de fato, gerou polêmica até mesmo no seio da Igreja. Assim,
o Papa Sixto IV (1585-1590) chegou a pedir ao Padre Geral Claudio Aquaviva a sua
mudança. No entanto, Gregório XIV (1590-1591) acabou mantendo-o.2 Para além do
termo Jesus, o Companhia parece, de igual modo, ter um significado em sua escolha,
1
FFRANCO, José Eduardo. “Os jesuítas em questão: apreciações contrastantes. Camões e Luís de
Granada”. Revista Camoniana, vol.1, nº1 (jun/dez 2010), pp. 159-192.
2
Ibidem.
12
3
Dizem os autores: “O próprio nome original dos jesuítas, Societas Iesu, literalmente Sociedade de Jesus,
remete à constituição de uma organização feita para agir no mundo, para agir onde fosse necessária, seja
nas missões, na educação ou junto dos reis para aconselhá-los. Sociedades eram as companhias criadas
para o comércio no Oriente. O próprio nome pelo qual a Sociedade de Jesus foi traduzido para as línguas
modernas (Companhia de Jesus) parece mostrar a proximidade com a organização mercantil. COSTA,
Célio Juvenal & MENEZES, Sezinando Luiz. “A racionalidade mercantil na evangelização jesuítica no
Brasil”. In: Anais da XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas. Fronteiras e identidades:
povos indígenas e missões religiosas. Dourados/MS: Universidade Federal da Grande Dourados, 2010.
4
CASTELNAU-L‟ESTOILE, Charlote de. Operários de uma vinha estéril. Os jesuítas e a conversão dos
índios no Brasil – 1580-1620. Bauru/SP: EDUSC, 2006, p.398.
5
LOYOLA, Ignace. Écrits. Paris: Desclée de Brouwer, 1991. pp. 872-873 apud CASTELNAU-
L‟ESTOILE, Charlote de. Operários de uma vinha estéril, pp. 398. Grifos nossos.
6
“Carta Circular do N.M. P. Geral Miguel Angelo Tamborino para o P. Provincial do Brasil”. Roma, 30
de setembro de 1709. In: LAMEGO, Alberto. A terra Goytacá: à luz de documentos inéditos.
Bruxelas/Paris: L‟edition D‟art Gaudio, 1925, tomo III, 368-377 (Apêndice, no qual vai a transcrição
completa do documento).
13
7
LEITE, Serafim. Artes e ofícios dos jesuítas no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Edições Brotéria/Livros
de Portugal, 1953, p. 6.
8
ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo:
EdUSP, 2004, p. 18.
9
As obras de maior fôlego, nesse sentido, são: COLMENARES, German. Las haciendas de los jesuítas
en el Nuevo Reino de Granada. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 1969; CUSHNER, Nicholas
P. Farm and Factory: the Jesuits and the development of agrarian capitalism in colonial Quito, 1600-
1767. Albany: SUNY Press, 1982; CUSHNER, Nicholas P. Jesuit ranches and the agrarian development
of colonial Argentina, 1650-1767. Albany: SUNY Press, 1983; KONRAD, Herman. Una hacienda de los
jesuítas en el México colonial, Santa Lucía, 1576-1767. México, Fondo de Cultura Económica, 1989;
ALDEN, Dauril. The making of an enterprise. The Society of Jesus in Portugal, its empire, and beyond.
1540-1750. Stanford: Stanford University Press, 1996; ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos.
14
descritivo, pois tivemos o objetivo de apenas fazer um quadro geral sobre as aquisições
daquelas propriedades. Assim, será recorrente a utilização de trechos de alguns
cronistas, notadamente os do padre João Felipe Bettendorff. Por outro lado, o capítulo
será descritivo pois, via de regra, a aquisição das fazendas não gerava tantos litígios.
Contudo, quando esses ocorreram, buscamos mostrar como padres reitores e
procuradores tentaram equacionar essas pendências e, mais uma vez, a figura de
Bettendorff dominará a cena. Para além das crônicas inacianas, essa primeira parte foi
alicerçada em documentos do Cartório Jesuítico e que foram despachados pelas esferas
da administração colonial e reinol no intuito de conceder ou confirmar cada propriedade
aos padres.
O segundo capítulo, intitulado As atividades temporais da Companhia de Jesus,
traz uma análise sobre o comércio praticado pela Ordem, sobretudo das drogas do
sertão, uma das especificidades do trato jesuítico nas paragens amazônicas. Contudo,
para além das especiarias coletadas no interior das matas, também procuramos mostrar
como os padres participaram do desejo da Coroa em fomentar o cultivo daqueles
gêneros que até então só se encontravam nos sertões. Os privilégios reais que foram
dispensados a Ordem também são analisados nessa parte. De tal feita, as críticas dos
colonos referentes ao comércio das drogas do sertão, à jurisdição temporal dos padres
sobre os aldeamentos e aos privilégios inacianos formaram outro ponto de análise para o
segundo capítulo. Ainda nesse sentido, intentamos mostrar como a mudança de
governadores (ora a favor, ora contra o apostolado da Ordem) afetava, de alguma forma,
a política inaciana referente à maximização do seu patrimônio por meio do comércio.
O terceiro e último capítulo, intitulado A grave questão dos dízimos, traz o
ponto mais delicado desta dissertação. Nele debatemos a relação entre a Companhia e o
monarca português que, enquanto Grão-mestre da Ordem de Cristo, tinha a faculdade de
recolher os dízimos dos gêneros cultivados tanto por colonos quanto por eclesiásticos.
Nesse sentido, foi necessário um breve exame sobre o padroado régio pelo qual a Santa
Sé conferiu inúmeros direitos e deveres ao rei de Portugal. O ponto central da análise
consiste na recusa da Companhia de Jesus em tributar os mesmos dízimos, defendendo-
se de tal tributação por diversas vias: alegação de privilégio papal, isenção real e
apelações na Coroa – já que durante as apelações os contratadores dos dízimos não
poderiam obrigar a Ordem a pagar aqueles impostos. Acrescente-se a isso a estratégia
dos padres em querer tombar as propriedades dos colégios como “terras de fundação”
das quais, por isenção real, jamais deveriam arcar com aqueles tributos. Como se tratava
17
1
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “Vieira e os conflitos com os colonos do Pará e Maranhão”. Luso-
Brazilian Review, vol. 40, nº 1 (2003), p.79.
2
ARENZ, Karl Heinz. “Um modus vivendi para a Amazônia portuguesa: João Felipe Bettendorff e o
regimento das Missões”. In: Anais da XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas.
Fronteiras e identidades: povos indígenas e missões religiosas. Dourados/MS: Universidade Federal da
Grande Dourados, 2010, p.4.
3
“Lei que se passou pelo secretário de Estado em 9 de abril de 1655 sobre os índios do Maranhão”.
Lisboa, 9 de abril de 1655. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro [ABNRJ], vol. 66 (1948),
pp.25-28.
4
“Regimento dado a André Vidal de Negreiros, Governador do Estado do Maranhão e Grão Pará, em
cinqüenta e oito artigos”. Lisboa, 14 de abril de 1655. ABAPP, vol.1 (1902), pp. 25-45.
19
5
“Provisão em forma de lei sobre a liberdade dos índios”. 12 de setembro de 1663. ABNRJ, vol.66
(1948), pp. 29-31.
6
CHAMBOULEYRON, Rafael. “„Duplicados clamores‟: queixas e rebeliões na Amazônia colonial.
(Século XVII)”. Projeto História, São Paulo, n.33 (dez. 2006), pp.159-178.
20
7
SOUZA E MELLO, Márcia Eliane Alves de. “O regimento das missões: poder e negociação na
Amazônia portuguesa”. CLIO. Série História do Nordeste (UFPE), vol. 27 (2009), pp. 46-75.
8
CHAMBOULEYRON, Rafael. “O Regimento para Gomes Freire, governador do Maranhão”. Revista
do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, v. 169, p. 403-433, 2008. Para consultar o mencionado
alvará: “Alvará em forma de lei expedido pelo Secretário de Estado que derroga as demais leis que se hão
passado sobre os índios do Maranhão”. Lisboa, 28 de abril de 1688. ABNRJ, vol.66 (1948), pp. 97-101.
9
“Sobre mandar separar distritos e encarregar aos padres de Santo Antonio as missões do Cabo do
Norte”. Lisboa, 19 de março de 1693. ABNRJ, vol.66 (1948), pp. 142-144.
21
10
Nesse sentido Dauril Alden lembra que, inicialmente, a política de aquisições de terra da Companhia de
Jesus foi sobremaneira marcada pela beneficência de doadores particulares e, é claro, pelas doações reais.
Contudo, ela logo percebeu a necessidade de outros meios pelos quais veio a se tornar uma importante
proprietária de terras nas possessões portuguesas. ALDEN, Dauril. The making of an enterprise. The
Society of Jesus in Portugal, its empire, and beyond. 1540-1750. Stanford: Stanford University Press,
1996, p. 376.
11
Sobre a educação na Amazônia colonial, ver: CHAMBOULEYRON, Rafael & ARENZ, Karl Heinz &
NEVES NETO, Raimundo Moreira das. “„Quem doutrine e ensine os filhos daqueles moradores‟: a
Companhia de Jesus, seus colégios e o ensino na Amazônia colonial”. HistedBR On-line, número especial
(outubro de 2011), pp. 61-82.
12
Todavia, Franco ressalta que estudar tal “manual conspiracionista atribuído falsamente aos Jesuítas é
contribuir para a compreensão das intensas polêmicas que se acenderam em torno do jesuitismo”.
FRANCO, José Eduardo. “As Monita Secreta: história de um best-seller antijesuítico”. Percursos,
23
leitor poderá indagar, não sem razão, como a Ordem tratava de equacionar tantos
problemas advindos da conquista e administração de seu vasto patrimônio?
Como resposta à última indagação podemos afirmar, seguramente, que a própria
estrutura hierárquica da Companhia de Jesus trazia em si alguns personagens
específicos com autoridade e preparo necessários tanto para administrar os bens da
Ordem, quanto para debelar as demandas decorrentes deles: são tais personagens os
padres reitor e procurador. Acima de reitores e procuradores, centralizando as suas
ações administrativas, estava o colégio, entidade que na Missão gozava de total
autonomia nos assuntos de cunho financeiro.
A esse respeito, Luis de Bivar Guerra levanta uma questão de grande
importância para o presente estudo. Ao analisar a administração inaciana sentencia que
ela era mais perfeita “que o da contabilidade e administração da fazenda real”,
marcando, em sua época, “um progresso acentuado”.13 Apóia seu argumento em farta
documentação de alguns colégios de Portugal como os de Évora, Elvas e Bragança,
dando grande ênfase ao terceiro. Tomando como base os livros deste colégio alega que
a administração jesuítica tinha por fim último um “ajustado equilíbrio entre os
rendimentos dos bens e a despesa”.14 Dando base a sua tese recorre tanto aos livros
mestres (Razam), onde se lançavam as despesas e receitas dos colégios, como aos livros
auxiliares, entre eles, dos juros e foros, das contas com a Província, borrador dos
rendimentos, da rouparia, da botica, da despensa ou da ucharia, das esmolas, da
enfermaria, da livraria e das capelas.15
Florianópolis, vol.4, nº 1, julho de 2003, p.94. Diz-nos o historiador Jonathan Wright que a Monita
secreta teria surgido como obra do jesuíta expulso Jerônimo Zahorowski, na Cracóvia, em 1613,
alcançando 22 edições em sete idiomas até a altura de 1700, “cada uma delas detalhando orientações de
condutas secretas por meio das quais os jesuítas supostamente teriam tentado solapar a civilização
européia”. WRIGHT, Jonathan. Os jesuítas, missões, mitos e histórias. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2006, p. 149. Em estudo sobre o tema o jesuíta Paul Bernard cita cada uma das sobreditas 22 edições.
Todavia, alega que apenas duas delas não eram anônimas, a saber: LUCIUS, Luis. L‟histoire jésuitique.
Bâle, 1627 e RUCKERI, Michel. Constitutions ou Avis secrets de la Comp. de Jésus. Groningue, 1654. O
jesuíta explica que além da clandestinidade tais edições sofreram alguma metamorfose, algumas incluindo
um capítulo inédito. BERNARD, Paul. Les instructions secrètes des Jésuites: Etude critique. Paris:
Bloud, 1903, pp.18-19.
13
GUERRA, Luís de Bivar. “A administração e contabilidade da Companhia de Jesus, nos séculos XVII
e XVIII”. Separata do nº 13 da Revista do Centro de Estudos Econômicos. Lisboa, 1953, p.168.
14
Ibidem, p. 169.
15
Ibidem, pp.172-173.
24
Para o caso do Maranhão tivemos contato apenas com os livros mestres, que
serão analisados no segundo capítulo, permanecendo ainda encoberta a preciosidade de
informações custodiadas nos livros auxiliares. Todavia, por ora, podemos afirmar que
tais livros revelam a meticulosidade dos jesuítas com relação a suas despesas e receitas.
Por eles podemos perceber parte da estrutura administrativa da Ordem e, de modo
específico, a ação dos padres procuradores, personagens que se farão presentes por todo
este trabalho. Passemos a analisar a “ordem administrativa da Ordem”.
Inúmeras eram as posições que os religiosos poderiam ter na Companhia de
Jesus – de superior geral até coadjutor temporal. Todavia, são duas as “patentes” que no
momento nos interessam: as de padre procurador e padre reitor. Ambos trabalhavam
intensamente na conquista/maximização de bens e resolução de pleitos que envolviam o
patrimônio material jesuítico. Pedidos de sesmarias às autoridades, recebimento de
doações por parte de devotos, solicitação de côngrua (ou aumento da mesma), compra
de terras, representação às diversas instâncias quando de litígios que envolvessem uma
dada propriedade ou um dado privilégio e, é claro, a administração das fazendas: eis
alguns trabalhos que no Maranhão eram exercidos por reitores e procuradores. É
conveniente lembrar que esse último cargo havia sido pensado especialmente para tais
assuntos. Contudo, os colégios, como entidades autônomas da Missão, precisavam ter
maior liberdade para resolver, por meio de seus reitores, os pleitos que os envolviam.
De tal feita, não raras vezes, procuradores e reitores aparecem lado a lado na defesa dos
interesses da Ordem; ou, como diria German Colmenares:
O Procurador estava destinado a ajudar o Reitor do colégio nas matérias
financeiras (…) quase sempre seu nome figurava, ao lado do Reitor, como parte
nos contratos, particularmente nas aquisições de imóveis.16
16
COLMENARES, German. Las haciendas de los jesuítas en el Nuevo Reino de Granada. Bogotá:
Universidad Nacional de Colombia, 1969, p.35.
25
que tem de 300 mil réis” à Companhia para o sustento de seus missionários, o que teria
levado a aumentá-la para 700 mil réis. Com tal aumento o monarca deixava claro que o
número de noviços aumentaria e, deste modo, para que os mesmos viessem a ser
beneficiados com a dita consignação “bastará que apresentem certidões dos
procuradores de cada um dos colégios, assinada pelo reitor”.17 Tal composição de
poderes no seio da Companhia era muito bem entendida, e utilizada, tanto pelo rei e
seus conselheiros, quanto pelos governadores da Conquista. Todavia, também era
empregada pela própria Ordem em situações que geravam grande escândalo na
população. Foi assim que os procuradores Bento da Fonseca e Jacinto de Carvalho
chegaram a se envolver numa embrulhada, referente à usura, como veremos
oportunamente.
As ações adotadas pelos padres imediatamente após a chegada da Companhia de
Jesus nas paragens amazônicas em nada destoaram daquelas que foram tomadas em
outras regiões. Sendo assim, as preocupações iniciais foram as mesmas, basicamente,
como inserir a ordem religiosa na sociedade colonial e, assim, alcançar, por diversos
meios, doações de terras para a ereção de colégios, criação de animais, plantio de
diversos gêneros e tantas outras atividades. A edificação de um colégio constituía um
dos maiores objetivos dos padres, pois ele serviria como instituição articuladora da
administração dos demais bens materiais da Companhia de Jesus. Vejamos as
orientações que o próprio Inácio de Loyola deu aos padres enviados à Alemanha para
que fundassem um colégio:
Procure-se fundar o colégio de modo a não parecer que os nossos intervêm, mas
a se ver que o fazem pelo bem da Alemanha, sem aparência nenhuma de
ambição ou cobiça. Será conveniente também advertir que a Companhia não
quer para si, dos colégios, senão o trabalho e o exercício da caridade, pois usa
as rendas em benefício dos estudantes pobres, para que, acabados os estudos,
sejam operários úteis na vinha de Cristo.18
17
“Acentua de novo a utilidade de continuarem os padres da Companhia de Jesus nas Missões e regula o
modo de ser dos noviciados nas suas respectivas casas”. Lisboa, 4 de janeiro de 1687. Annaes da
Bibliotheca e Archivo Publico do Pará, tomo I (1902), doc. 41, pp. 90-91.
18
LOYOLA, Inácio SJ. Cartas de Santo Inácio de Loyola. [Organização de Armando Cardoso SJ]. São
Paulo: Edições Loyola, 1993, vol.III, p. 64.
26
19
Segundo Araújo, “esta observação deriva da característica de os pátios internos das edificações de
outras ordens estarem afastados do corpo da edificação propriamente dito, por uma galeria de circulação,
que cria dois ambientes distintos: o pátio e a circulação, separados por pilastras ou colunas, sustentando,
em geral, arcadas. A diferenciação da iluminação entre a galeria e o pátio produz o ambiente „de sossego
e recolhimento‟, citado por Lúcio Costa, enfatizado em alguns casos por jardins e vegetação. No pátio das
residências jesuíticas, a ausência da galeria, ou galeria cobrindo apenas parte do perímetro, implica o uso
do pátio como circulação, delimitado pelas paredes da edificação e com iluminação direta, o que pode ser
traduzido como a falta da atmosfera de sossego e recolhimento”. ARAÚJO, José Antonio Andrade de. A
quadra perfeita: um estudo sobre a arquitetura rural jesuítica. Rio de Janeiro: Madgráfica, 2000, pp. 71-
72. Em outras palavras, toda a extensão do pátio jesuítico era destinada à circulação.
20
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Portugália/INL,
1943, vol. IV, p. 171.
21
Ibidem, p. 167.
22
LEITE,Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro:
Portugália/Civilização Brasileira, 1938, vol. I, p. 107.
27
23
Karl Arenz sintetiza do seguinte modo a preparação acadêmica do jesuíta: “Durante os anos de sua
formação, entre 1635 e 1659, ele percorreu uma faixa de terras na Europa ocidental onde as áreas de
cultura latina e germânica se entrecruzam. Os deslocamentos nesta área explicam o fato de Bettendorff
falar fluentemente seis línguas: alemão, francês, italiano, flamengo, espanhol e latim. O jovem
freqüentou, sucessivamente, o curso das humanidades no colégio jesuítico em Luxemburgo, sua terra
natal; fez a filosofia na universidade de Trier (hoje na Alemanha); estudou o direito civil na universidade
de Cuneo (hoje na Itália); entrou no noviciado da Província Galo-Belga em Tournai (hoje na Bélgica);
realizou os estágios pedagógicos – as chamadas regências – em diversos colégios dos Países-Baixos
Espanhóis (Douai, Lille, Dinant, Luxemburgo, Namur et Huy); e, finalmente, fez os estudos teológicos na
universidade de Douai (hoje na França)”. ARENZ, Karl Heinz. “Do Alzette ao Amazonas: vida e obra do
padre João Felipe Bettendorff (1625-1698)”. Revista Estudos Amazônicos. Vol. V, n° 1, 2010, pp. 27-28.
28
24
FONSECA, Bento da, SJ. “Apontamentos para a chronica da Companhia de Jesus no Maranhão”.
Biblioteca Nacional de Portugal, Reservados, códice 4516, f.60.
25
Em 30 de janeiro de 1592, Apolônia Bustamante prestava depoimento à mesa inquisitorial instalada na
Bahia, por ocasião daquela visitação. Tal confissão se inicia assim: “Disse ser cigana, natural de Évora,
filha de Francisco Mendonça, cigano, e de sua mulher Maria Bustamante, cigana, defuntos, de idade de
trinta anos pouco mais ou menos, casada com Alonso de la Paz, castelhano, morador nesta cidade, que
veio degredada por furto”. Para consultar todo o depoimento, com as acusações que lhe eram imputadas,
ver: VAINFAS, Ronaldo. Confissões da Bahia: Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, pp. 265-267.
26
ARAÚJO, Domingos de, SJ. “Chronica da Companhia de Jesus da missam do Maranham”. 1720.
Biblioteca Pública de Évora, códice CXV/2-11, f.106-106v.
29
então reitor do colégio de Nossa Senhora da Luz, padre João Felipe Bettendorff, para
que tal légua fosse concedida em sesmaria (tratava-se de uma nova carta de sesmaria
para a mesma terra, e não confirmação).27 Em primeiro de dezembro de 1694, o
governador Antonio Albuquerque Coelho de Carvalho concede nova data de sesmaria
ao reitor daquele colégio, padre Diogo da Costa. Em verdade, tais terras já haviam sido
doadas anteriormente pelo governador Francisco Coelho de Carvalho (no início do
século XVII) e posteriormente, como já visto, por Inácio Coelho da Silva.28 Mas então o
que fazia os jesuítas pedirem tantas datas para a mesma propriedade, Anindiba? Há duas
possíveis respostas.
Antes de tudo vale ressaltar, conforme atenta Carmen Alveal, dentre outros
autores, que apesar de o governador do Estado ter o poder de dar uma sesmaria, caberia
ao monarca confirmar a dita posse, dentro de certo prazo, geralmente três anos.29 Para
que a dita terra fosse confirmada era necessário que seus possuidores pagassem os
dízimos dos gêneros que produzissem nela (sendo obrigatório o cultivo da terra); não os
pagando, a terra não seria confirmada e, assim, perdia-se a posse dela, o que nos remete
ao conceito de propriedade condicionada, cunhado por Laura Beck e ampliado por
Alveal.30 Mais à frente, ao tratarmos da questão dos dízimos, veremos que a Companhia
quase sempre se negava a pagar tais tributos, o que em tese deveria impedir a
confirmação de suas fazendas. Ela, todavia, utilizava-se do estratagema de sempre pedir
novas datas de sesmaria para uma mesma propriedade, para assim ter um novo prazo
para confirmá-la e, por conseguinte, não perder sua posse.
27
“Confirmaçaõ de hua legoa de terra [p.r] o g.or Ign.co Coelho da Silva do Coll.o de N.a S. da Luz do
Maranham &. que he a de Anindyba”. Século XVII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 17.
28
“2ª carta de Cismaria da terra de Anhindiba”. 1694. ANTT, CJ, maço 83, doc. 3.
29
Na América portuguesa, tais prazos variaram, conforme aponta Carmen Alveal. Todavia, de mais certo
é que, conforme aponta a historiadora, baseada em outra autora, Laura Beck Varela, as sesmarias se
comportavam como propriedades condicionadas. Vale a pena destacar um trecho de sua obra, que muito
nos ajudará na compreensão dos conflitos entre jesuítas, moradores, administração colonial e o Monarca.
Diz Alveal: “A autora [Laura Beck Varela] define as sesmarias como propriedades condicionadas, ou
seja, não absolutas, uma vez que deveriam preencher certos pré-requisitos e de estarem sujeitas aos
ditames da Coroa, e eu acrescentaria ainda, das autoridades coloniais, que nem sempre seguiram as
ordens provenientes de Portugal”. ALVEAL, Carmen. Converting Land and Property in the Portuguese
Atlantic World 16th- 18th Century. Baltimore, Dissertation submitted to Johns Hopkins University, 2007,
p. 69. O estudo ao qual se refere Alveal é: VARELA, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade
moderna: um estudo de história do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
30
“Propriedade condicionada” no sentido empregado por ambas as autoras citadas na nota anterior.
30
Entretanto, tal artifício não parece ter sido a motivação para tantos
requerimentos de datas referentes a Anindiba. É que as terras jesuíticas tidas como
“propriedades de fundação”, a exemplo desta fazenda, eram isentas de pagar dízimos.
Destarte, outra é a resposta à nossa indagação. É que um tal João Monteiro Cabral,
foreiro naquelas terras por acordo com os padres jesuítas, intentava tomar posse,
ilegalmente, de parte delas. Além desse caso, havia outros que punham em risco o pleno
domínio daquela propriedade por parte dos religiosos, o que levava os padres a pedirem,
incessantemente, novas datas que o atestassem. Antes de adentrarmos especificamente
no caso de João Monteiro será válido analisar sumariamente a postura da Companhia de
Jesus naquilo que tange à prática do arrendamento.
Ao analisar principalmente as propriedades inacianas na América portuguesa,
Paulo de Assunção alega que o “arrendamento era uma solução econômica viável. Um
contrato de locação, por tempo determinado, garantia aos jesuítas a propriedade e a
obtenção de renda”. 31 De fato, a prática mostrou-se recorrente não só entre os jesuítas
das conquistas de Portugal, mas também das terras de Castela, a exemplo dos colégios
de Salta e Buenos Aires, analisados por Nicholas Cushner, que explica que neles os
foreiros pagavam as suas rendas em gêneros, notadamente em trigo.32 Referindo-se ao
Colégio de Buenos Aires, Beatriz Franzen lembra ainda que os colégios da Companhia
não podiam ficar na dependência exclusiva das esmolas e, como saída, o arrendamento
era uma alternativa interessante para a Ordem. Ao aludir a uma Carta ânua elaborada
pelo padre Lozano a autora adverte que o mesmo colégio havia construído dois grupos
de casas para aquela função.33 Todavia, não raras vezes, esse simples e eficaz método de
maximização financeira veio a gerar muitos embaraços aos padres. A inadimplência no
pagamento das quantias das terras arrendadas e a falta de conhecimento sobre a pessoa
que as iria arrendar, por vezes, faziam de tal prática algo não recomendado.
A questão é complexa e constituiu o que Herman Konrad batizou de a “primeira
crise de consciência na Nova Espanha”. É que, no México colonial, a Companhia de
31
ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São
Paulo: EdUSP, 2004, p. 339.
32
CUSHNER, Nicholas P. Jesuit ranches and the agrarian development of colonial Argentina, 1650-
1767. Albany: SUNY Press, 1983, p. 76.
33
FRANZEN, Beatriz Vasconcelos. “Os colégios da Província jesuítica do Paraguai (1607-1767). Um
estudo de caso: a fundação do segundo colégio de Buenos Aires – o colégio do alto de San Pedro”. In:
FRANZEN, Beatriz Vasconcelos. Jesuítas Portugueses e espanhóis no sul do Brasil e Paraguai
coloniais. São Leopoldo/RS: Editora Unisinos, 2003, p. 111.
31
34
KONRAD, Herman. Una hacienda de los jesuítas en el México colonial, Santa Lucía, 1576-1767.
México, Fondo de Cultura Económica, 1989, p. 49.
35
Ibidem, p. 56.
36
Ibidem, p. 51.
37
Ibidem, p.59.
38
GUERRA, Luís de Bivar. A administração e contabilidade da Companhia de Jesus, nos séculos XVII e
XVIII, p. 169.
39
ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos, p.339.
32
40
ANTONIL, André João [João Antônio Andreoni S.J.]. Cultura e opulência do Brasil. 3º ed. Belo
Horizonte / São Paulo: Ed. Itatiaia/Ed. da Universidade de São Paulo, 1982, p.78.
41
BETTENDORFF, João Felipe. Crônica dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão.
Belém: SECULT, 1990, pp. 330-31.
33
sesmarias, visto usar tão mal dele, e o não poderá servir jamais, salvo por mercê
de S.M., que Deus guarde, digo, de S.A., que Deus guarde.42
42
“Sentença s.e a legoa de terra de Anhandiba, que antigam.te se chamava de Carnapijó”. 13 de maio de
1680. ANTT, CJ, maço 82, doc. 31.
43
Ibidem.
44
Ibidem.
45
FONSECA, Bento da, SJ. Apontamentos para a chronica da Companhia de Jesus no Maranhão, f.60v.
34
expressos nos documentos analisados. Contudo, tal episódio serve para ponderarmos a
ação dos reitores na defesa do patrimônio da Ordem, como foi o caso do reitor padre
Bettendorff (então pela segunda vez reitor do Colégio da Luz), logo acionado pelo
superior da Missão para equacionar o pleito, do qual logrou êxito. Anindiba, como
vimos, foi uma fazenda legada pelo casal Pero Dias Moreno e Apolônia Bustamante.
Todavia, não apenas com doações de devotos o patrimônio da Companhia de Jesus foi
amealhado no Maranhão. Por inúmeras vezes a Ordem teve de recorrer a compras
diretas, método valorizado por motivos que mais à frente analisaremos. Esse foi o caso
de duas propriedades, estrategicamente vizinhas: a Ilha de São Francisco e as terras de
São Marcos.
Aquele “porém” fez toda a diferença entre uma compra pacífica e o litígio que a
mesma veio ocasionar. Pelo interesse de ambas as ordens religiosas fica claro a
qualidade daquelas paragens para criação de gado, com pastos e águas necessárias.
Logo que tomaram ciência do intento do jesuíta padre Bettendorff, os padres de Nossa
Senhora das Mercês exibiram um “escritinho” que teria lhes sido dado por um
procurador de Dona Maria Sardinha e no qual ela prometeria lhes vender as suas terras.
Não satisfeito ao ver seus intentos malograrem, o jesuíta buscou falar com a dita
senhora. Ela alegou que nunca houvera aquele compromisso, a não ser o do aforamento,
e que, portanto, a propriedade estava sem impedimento para venda. Também teria
46
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 263. Grifos nossos.
35
afirmado, segundo o padre Bettendorff, que “se as viesse vender seria aos padres de
Nossa Senhora da Luz”.47
Apesar da oposição mercedária, o padre Bettendorff resolveu pagar o preço
avaliado da propriedade, 120 mil réis, “os quais logo lhe mandei pagar em seiscentas
varas de pano de algodão”.48 Todavia, com o intuito de embaraçar aquela compra, os
padres das Mercês, por meio do “seu comendador frei Luís Pestana, meteram logo
petição ao juiz ordinário, que era então Bartolomeu de Berreiros, para se proibir aos
escrivães de fazer escritura”. De tal feita, a venda das terras de São Marcos não poderia
ser concretizada. Entretanto, como Dona Maria Sardinha estava mesmo disposta a
vender as suas terras, logo “fez outra petição de queixa ao ouvidor-geral, o qual deu
uma repreensão ao juiz por ter procedido incivilmente e mandou que todos os escrivães
pudessem fazer a escritura que eu [Bettendorff] quisesse sobre as terras de São
Marcos”.49 De fato, existe, no acervo do Cartório Jesuítico, a escritura de compra e
venda feita em 29 de maio de 1676, continuando Bettendorff, sem surpresa alguma, o
seu segundo mandato de reitor do colégio da Luz.50 Constata-se que a Ilha de São
Francisco fora adquirida antes do que as terras de São Marcos já que aquela fora
comprada pelo padre Vieira, sendo este expulso do Maranhão no ano de 1661.
Conta-nos Bettendorff que, uma vez concretizada a compra, logo confirmada por
carta de sesmaria, os padres mercedários não se conformaram e “armaram-nos pleitos
para mostrarem ser nula a venda e compra daquelas terras”. Continua dizendo que como
foram “vencidos sempre em todas as instâncias (…) e para não se tirarem de tudo
daquela banda, compraram uma sorte de terras junto à Casa de Nossa Senhora da Luz
(…) mas logo a venderam ao Colégio, sendo eu pela terceira vez dele reitor [1688-
47
Ibidem, p. 264.
48
A moeda circulante no Estado do Maranhão e Pará até meados do século XVIII era algodão,
notadamente na capitania do Maranhão, e diversos gêneros, como cacau, cravo e açúcar, principalmente
na capitania do Pará. LIMA, Alan da Silva. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”. Moeda natural e
moeda metálica na Amazônia colonial (1706-1750). Belém: Universidade Federal do Pará, 2006. 225p.
(Dissertação de Mestrado, História Social da Amazônia); LIMA, Alam da Silva & IGLIORI, Danilo
Camargo & CHAMBOULEYRON, Rafael. Plata, paño, cacao y clavo. “Dinero de la tierra” en la
Amazonía portuguesa (c. 1640-1750). Fronteras de la Historia, Bogotá, vol. 14, nº 2 (2009), pp. 205-27.
49
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, pp. 264-265.
50
“Traslado das datas, e escripturas das terras do Coll. o de N.a S.a da Luz do Maranham” [Escritura da
terra de São Marcos. 29 de maio de 1676]. Século XVII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 18.
36
51
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 265. Grifos nossos.
52
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Portugália/INL,
1943, vol.III, p. 139.
53
Ibidem.
54
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 455.
37
55
“Traslado das datas, e escrituras das terras do coll. o”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 18.
56
“Com as cartas que escrevem o Governador e o engenheiro do Estado do Maranhão, sobre o estado em
que se acha a fortaleza da ponta de João dias”. 2 de abril de 1691. Arquivo Histórico Ultramarino [AHU],
códice 274 (consultas do Maranhão), f. 75; “Com as cartas que escrevem o Governador e o engenheiro do
Estado do Maranhão, sobre o estado em que se acha a fortaleza da ponta de João dias”. 1691. AHU,
códice 274 (consultas do Maranhão), ff.81-81v; “sobre o que escreve o Governador do Maranhão acerca
da fortaleza da ponta de João Dias estar acabada, e guarnecida com peças de artilharia, e gente, e da
necessidade para sua defença”. 28 de novembro de 1693. AHU, códice 274 (consultas do Maranhão),
ff.96-96v. Todos esses documentos revelam o estado de constante ruína no qual se encontrava a fortaleza.
Contudo, tratam de problemas internos, sem fazer menção à sua ilustre vizinha ilha de São Francisco,
propriedade da Companhia de Jesus.
38
57
“Traslado de documentos pedido pelo padre José Vidigal sobre a fortaleza”. 1718. ANTT, CJ, maço 86,
doc. 131.
58
“O Governador do Estado do Maranhão dá conta em que se acha a fortaleza da barra da cidade de São
Luis e de ser conveniente mudasse para o sítio chamado de São Francisco, e vai a carta, e informação que
se acusam” [que inclui a decisão de 1716 em se fazer nova fortaleza]. 17 de julho de 1717. AHU, códice
274 (consultas do Maranhão), ff. 247v-248.
39
jesuíta. Mais que isso: enquanto o rei não se manifestava com relação ao fato de aquela
terra ser da Companhia, os padres trataram logo de embargar a dita obra.59
Em um dado momento várias autoridades se reuniram na ponta da ilha de São
Francisco “para o efeito de delinear o terreno para a fortaleza que S.M. (…) ordena se
faça no dito sítio”. Entre as autoridades, estavam o governador Cristóvão da Costa
Freire; o “capitão maior desta praça”, Francisco Manuel da Nóbrega de Vasconcelos; o
engenheiro Custódio Pereira; o provedor da Fazenda real, Gregório de Andrade da
Fonseca; e o procurador da Coroa e Fazenda, José Barbosa Maciel. Todos reunidos,
quando “aí pareceu presente o reverendo padre João de Avelar da Companhia de Jesus
procurador geral do Colégio e o reverendo padre reitor José Vidigal como constou da
procuração que apresentou”. A questão agora tinha uma reviravolta (com a oposição
conjunta de reitor e procurador), pois o padre Vidigal apresentou um requerimento ao
governador e ao provedor
Dizendo e requerendo o dito padre procurador que em nome do dito colégio
impugnava a dita medição que se pretendia fazer no dito sítio pertencente ao
dito colégio, e embargava a posse que se intentava tomar do dito terreno até
segunda resolução de S.M. tudo na forma que se continha no dito requerimento
protestando juntamente (…) o direito do dito colégio de que se lhe passasse
certidão para ressalva de seu direito, o qual mandou o dito Provedor se lhe
passasse.60
59
“Traslado de documentos pedido pelo padre José Vidigal sobre a fortaleza”. 1718. ANTT, CJ, maço 86,
doc. 131. Grifos nossos.
60
Ibidem.
40
a Companhia de Jesus tentava “controverter esta questão”. De tal feita ele propunha
uma nova solução:
Me parece se faça a fortaleza de novo no mesmo sítio da antiga, mas mais
entrada que a primeira 200 pés (…) também me parece que à nova fortaleza se
lhe dê maior altura de alicerces (…) e a cantaria para seu revestimento vá deste
reino [devido] ser a daquele estado [de] curta duração, como todos afirmam. 61
61
“Papel assinado pelo Engenheiro Manuel de Azevedo”. 1721. ANTT, CJ, maço 86, doc. 130.
62
“Sobre a fortaleza da barra na ilha de S. Marcos”. 1721. ANTT, CJ , maço 86, doc. 129.
63
“Denúncia apresentada por João Gomes Pereira ao Provedor-Mor da Fazenda Real sobre
irregularidades na aquisição de terras por parte dos padres da Companhia de Jesus. Acompanha-se a
relação das fazendas e terras da referida Companhia, na cidade do Maranhão, bem como lista de
testemunhas”. São Luis, 12 de setembro de 1744. Instituto de Estudos Brasileiro/ Universidade de São
Paulo – Coleção Manuel Lamego [IEB/USP-COL.ML]. Códice 43, doc. 16. A data do documento dista
bastante do contexto do pleito, o que nos faz pensar que o denunciante ou lembrava ou tomava nota dele
por via de outras pessoas.
41
são os casos das doações que, vez e outra, eram ameaçadas por herdeiros do benfeitor.
Todavia, conforme salienta o jesuíta Antonil, não sem maiores cuidados a compra direta
haveria de ser realizada. Advertia o religioso que era imprescindível uma série de
precauções no sentido de evitar litígios posteriores. Assim o jesuíta sugere ao
comprador que:
Nem conclua a compra, antes de ver com seus olhos que é o que compra, que
títulos de domínio tem o vendedor, e se os ditos bens são vinculados ou livres, e
se têm parte neles órfãos, mosteiros ou igrejas (…) Veja também as
demarcações das terras, se foram medidas por justiça, e se os marcos estão em
ser, ou se há mister aviventá-los, que tais são os co-heréus a saber, se amigos de
justiça, de verdade e de paz, ou pelo contrário, trapaceiros desinquietos e
violentos; porque não há pior peste que um mau vizinho.64
64
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil, pp. 77-78.
65
Ibidem, p. 78.
42
66
João Francisco de Lisboa atribui ao desânimo decorrente da idade avançada de Bento Maciel Parente
parte do sucesso da invasão holandesa. Ressalta ainda que como o dito Governador era também capitão
donatário da capitania do Cabo do Norte, logo despachou para lá alguns soldados que prestavam serviço
em São Luis, já que aquela sua possessão estava igualmente ameaçada. Mais que isso, lembra que de
início houve uma relação amistosa entre o governador do Maranhão e o general holandês enviado por
Maurício de Nassau. Sobre essa questão ver: LISBOA, João Francisco. Obras de João Francisco de
Lisboa [Jornal do Timon]. São Luis do Maranhão: editores e revisores Luiz Carlos Preira de Castro e o
Dr. A. Henrique Leal,1865, vol. II, livro III [Invasão holandesa], pp. 141-187.
43
passaram-se ao rio Itapecuru, investindo sobre o forte dele, “matando os que estavam
nela [porta do forte] de presídio por estarem dormindo e descuidados, e no mesmo
tempo a todos aqueles que estavam repartidos pelos engenhos do rio Itapecuru”.67
O resto das investidas contra os holandeses não constitui matéria para esse estudo,
todavia, não podemos esquecer que é saindo de tal período de constantes guerras no
Brasil e Maranhão, ameaçando a produção açucareira de um e outro, que o Colégio da
Luz passará a lutar pela defesa do seu engenho em Itapecuru. Portanto, não devemos
negligenciar o fato de que o dito colégio sustentava uma posição privilegiada em
relação aos demais moradores do Maranhão, já que saíra de tal período com um dos
engenhos que foram reconquistados aos holandeses.
Ainda sobre a questão holandesa, dando ênfase ao personagem que aqui nos
interessa, que é o capitão Muniz, Cezar Augusto Marques em seu Dicionário Histórico-
geográfico da Província do Maranhão, nos diz que “na noite de 30 de setembro de
1642 foram atacados e rendidos sucessivamente os cinco engenhos do Itapecuru, dois de
Muniz Berreiros, dois de dois filhos naturais de Bento Maciel, e um de Antonio
Teixeira”.68
Cezar Augusto ainda adverte que ao chegar ao Maranhão, o dito Antonio Muniz
logo enfrentou alguns embaraços por ser “muito jovem ainda para tomar conta de
governo tão importante”. Todavia, tal inexperiência seria debelada já que “querendo
destruí-la Diogo de Mendonça impôs a Muniz Berreiros a obrigação de se aconselhar
nas matérias mais graves com o padre Luis Figueira da Companhia de Jesus, de tantas
letras como virtudes”.69 O referido conselheiro jesuítico parece ter galgado uma boa
dose de confiança ao seu aconselhado, já que este, tempos depois, deixaria a educação
do seu filho a cargo dos padres e, como recompensa disso, legou ao colégio da Luz o
67
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 60-61. É conveniente lembrar, nesse sentido, que foi o próprio capitão Antonio Muniz
Berreiros quem deixou por usufruto o seu engenho aos padres até a maioridade de seu filho, conforme
veremos. Lembra Bettendorff que morto o capitão Muniz, tomou o seu lugar Antonio Teixeira de Melo,
que “rechaçou os holandeses pelejando assim ele com Pero Maciel Parente, capitão-mor do Pará, e seu
irmão João Velho do Vale, como uns leões, e os índios, todos do mesmo modo, com frechas hervadas”.
Ibidem, p. 63.
68
MARQUES, Cezar Augusto. Dicionário Histórico Geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Cia. Editora Fon-Fon e Seleta, 1970, p.407.
69
Marques ainda pondera que Berreiros “foi quem segundo a condição com que veio nomeado
procurador da fazenda do Maranhão, estabeleceu aqui, em 1622, os primeiros engenhos de açúcar, nas
margens do Itapecuru” Ibidem, p. 63.
44
usufruto de um de seus engenhos até a maioridade do dito menino. Ação que, como
veremos mais à frente, gerou graves pleitos para a Ordem.
Aparente fica a importância da atividade açucareira para a Companhia de Jesus,
incluindo aí o comércio entre colégios, o que no segundo capítulo será desenvolvido ao
estudarmos especificamente o comércio inaciano. De tal feita, podemos compreender o
pleito que a Ordem moveu quando teve ameaçado o usufruto do seu engenho no rio
Itapecuru, capitania do Maranhão. Além do usufruto até seu filho atingir a maioridade,
para poder governá-lo, como vimos, o capitão impunha que do exato momento de seu
falecimento até a idade adulta do seu filho, este deveria ser educado pelos padres, no
mencionado colégio. Em tais condições o engenho foi passado em deixa de testamento
aos discípulos de Santo Inácio.
Refere Bettendorff que “porque o engenho era falto de escravos e bois e outras
coisas, puseram os padres nele os seus escravos e bois de sua roça de Anindiba para
fazê-lo mais corrente e rendoso”.70 Entretanto, já estando os padres à frente da
administração do engenho, no ano de 1649, veio a ocorrer um levante de alguns índios
Uruatis, do qual resultou o assassínio de dois padres e um irmão.
Mortos os sacerdotes, logo chegaram notícias à cidade de São Luis, da qual
partiram ao engenho alguns representantes da justiça, os quais passaram a fazer o
inventário de tudo o que havia. Nesse momento surge o testamenteiro do capitão
Antonio Muniz, Antonio de Gouvêa, que toma posse de parte dos bens, sendo o
engenho vendido em praça pública ao sargento Arnau. Segundo o padre Bettendorff,
Tomou entrega do que lá havia pertencente ao engenho o testamenteiro do
defunto Antonio Muniz Berreiros (…) e não foi possível acudir tão depressa
que não tivessem perdido várias coisas, principalmente papéis tocantes às
fazendas dos padres, vendeu-se o engenho na praça e o arrematou o Sargento
Mor (…) sem embaraço de estar vivo […] o filho natural do senhor dele. 71
70
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 68.
71
Ibidem, p.71.
45
72
Ibidem, p.76.
73
Ibidem, p. 204.
46
com sua morte haverem-se perdido todos os documentos de que para benefício
da mesma justiça nos podíamos valer; sobretudo que nós vínhamos só tratar da
conversão da gentilidade e salvação das almas, e que era contra o intento da
nossa missão e instituto divertimo-nos a estas temporalidades 74
Após tal ponderação o jesuíta prossegue sua carta, da qual extraímos a citação
que colocamos no início deste capítulo de dissertação de mestrado, à qual peço aos
leitores uma rápida releitura. Sendo assim, ao menos aparentemente, Antonio Vieira
tentava minimizar a importância do patrimônio material para a Companhia afastando-a
das intrigas decorrentes do tema. A questão não é nova e constituiu, como dissemos ao
citar Herman Konrad, “a primeira crise de consciência” no México colonial. Semelhante
crise foi a que envolveu, já no caso do Brasil, duas correntes, conforme nos lembra
Assunção, ao se reportar ao estudo de Jorge Couto. Uma era defendida pelo Padre
Manuel da Nóbrega, sendo a sua opositora aquela que tinha como principal nome o
padre Luis da Grã. Enquanto a primeira tentava salvaguardar a tese de que a Companhia
necessitava tanto da constituição de bens materiais quanto da posse de escravos para a
consecução da seara divina; a segunda “pregava o ideal de pobreza e era contrária à
incorporação de bens de raiz, bem como a utilização da mão-de-obra”.75 Assim como no
México, a questão exigiu uma reunião da congregação provincial, em 1568, da qual
resultou a vitória da corrente de Nóbrega, já que aos colégios foram confirmados os
direitos de possuírem fazendas e comprarem escravos. 76 Contudo, alguns anos depois,
era o próprio padre geral Claudio Aquaviva que relativizava a necessidade do poder
temporal que os jesuítas tinham sobre os índios, já que tal jurisdição colocaria em risco
o espírito missionário inaciano. 77 Com isso não queremos trasladar ao Maranhão crises
internas da Companhia que ocorreram em outras partes.
A preocupação de Antonio Vieira, que em certa medida remete ao
posicionamento de Luis da Grã, nos revela a preocupação da Companhia com relação ao
seu patrimônio material. Apreensão que era constante, pois mais do que ninguém ela
74
Carta ao Provincial do Brasil. 22 de Maio de 1653. In: VIEIRA, Antonio. Cartas [Organização e notas
de João Lúcio de Azevedo e prefácio de Alcir Pécora]. São Paulo: Globo, 2008, vol. I, p. 261.
75
COUTO, Jorge. O colégio jesuítico do recife e o destino do seu patrimônio (1759-1777). Tese de
mestrado em história moderna de Portugal apresentada à faculdade de letras da Universidade de Lisboa,
1990, p. 220 apud ASSUNÇÃO, Paulo. Negócios jesuíticos, p. 243.
76
ASSUNÇÃO, Paulo. Negócios jesuíticos, p. 248.
77
CASTELNEAU-L‟ESTOILE, Charlotte de; ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. “Une mission
glorieuse et profitable. Réforme missionnaire et économie sucirère dans la province jésuite du Brésil au
début du XVIIe siècle”. Revue de synthèse, Paris, 4ª série, n. 2-3,1999, p.338.
47
sabia que dos seus bens materiais dependia o sucesso da missão. Portanto, a ela
restavam apenas duas alternativas: a primeira era evitar qualquer pendência por via de
aquisições mais seguras possíveis, como ressaltou Antonil; a segunda era tratar tais
demandas do melhor modo possível, lembremos dos casos em que ela tentava evitar
maiores escândalos, pagando certas quantias para fugir de pleitos na justiça. Nesse
sentido, Jonathan Wright, atenta, de forma irônica, ao fato de que “fazia bastante
sentido pintar a Companhia como avarenta, porque, não sendo uma ordem mendicante,
realmente procurou financiar o evangelismo através de uma série fenomenal de
atividades comerciais”.78
78
WRIGHT, Jonathan. Os jesuítas, missões, mitos e histórias, p. 157.
79
“Satisfaça ao que S.M. ordena sobre se fundar um seminário na cidade do Pará”. 28 de setembro de
1723 AHU, códice 209 (consultas do Maranhão), ff. 11-11v.
48
A Fazenda de Jaguarari
Doação muito recorrente na documentação jesuítica é a fazenda de Jaguarari, no
Pará. Serafim Leite alega que tal fazenda fora doada pelo casal Bernardo Serrão Palmela
e sua esposa Isabel da Costa no tempo que era reitor de Santo Alexandre o padre
Francisco Veloso (1663-1668).83 De fato, na documentação do Cartório Jesuítico
verificamos que ela foi passada ao colégio de Santo Alexandre por instrumento de
doação datado de 3 de fevereiro de 1667. Tal instrumento de doação deixava claro que
somente o casal poderia em vida gozar “os frutos que granjearem, e deles poderão fazer
dos ditos frutos o que lhes parecerem, e aproveitarem-lhe deles na forma que melhor
80
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil,vol. IV, p. 171.
81
“Parecer dos padres do Colégio de Santo Alexandre sobre proposta do padre visitador Jacinto de
Carvalho para que o colégio do Pará prestasse assistência àquele do Maranhão. Ponderavam que o auxílio
anual em dinheiro só poderia ser dado a partir de 1728, devido às inúmeras obrigações daquele colégio”.
[IEB/USP-COL.ML]. Códice 43, doc. 105.
82
COUTO, Jorge. Um estabelecimento jesuíta no nordeste do Brasil: o colégio de Recife. Separata dos
Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian,vol. XXXIV. Lisboa/Paris, 1996, pp. 575-76.
83
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol.III, p. 302.
49
lhes tiverem; e outrossim os usos na mesma forma dos frutos, e poderão gozar, e
possuir”.84 Em outras palavras, enquanto o casal estivesse vivo, o usufruto de suas
propriedades ainda lhes pertenceria. O mesmo instrumento de doação assevera que tal
atitude foi determinada, pois “depois que foram casados, não tiveram filhos que possam
ser seus herdeiros forçados (…) e por descargo de suas consciências, e serviço de Deus,
ser este o caminho mais bem acertado, e por esmola do serviço de Deus”. 85 Não
obstante, Bettendorff esclarece que o casal impunha a condição de que “os padres os
sustentassem enquanto vivessem (…) até que Deus os levou para si, mandando-se fazer
seus enterros com toda honra (…) avisando nosso muito reverendo padre geral para que
os fizesse gozarem de tudo o que a Companhia dispõe em semelhantes matérias”.86
Por ocasião do traspasso daquela fazenda, o próprio Bernardo Ribeiro Serrão
(chamado por Serafim Leite e por Bettendorff como Bernardo Serrão Palmela) fez uma
sumária descrição dos bens que passava ao colégio. Entre os escravos:
primeiramente catorze escravos machos, doze escravas fêmeas, cinco
tapanhunas com a mulata Dorothea com suas crias de dois anos, e destes ficam
três forros por vontade dos doadores, a saber Anna, com seu filho Diogo e a
mulata Dorothea.
84
“Cartas de datas e doação de Jagoarî”. Século XVII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 15.
85
Ibidem.
86
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 251-252.
87
“Doação q fez Bernardo P.ra Serraõ a este Coll.o da faz.da de Sagararí. Autto de posse”. Século XVII.
ANTT, CJ, maço 82, doc.9; “Cartas de datas e doação de Jagoarî”. Século XVII. ANTT, CJ, maço 82,
doc.15.
50
afirma Leite e os documentos atrás analisados da Torre do Tombo, segue adiante uma
breve transcrição do documento do ARSI referente aos bens de Jaguarari:
Tem esta fazenda [Jaguarari] meia légua de terra de frente, que principia no Rio
Acará e corre pelo Rio Moju acima até o sítio, que chamam de Bibr.ª, e uma
légua de centro de frente do mesmo Rio Moju, tem outra meia légua de terra,
aonde se faziam as lavouras. Tem mais umas casas assobradadas com cubículos,
cozinha, refeitório e dispensa e 2 loges para águardente; milho, arroz e mais
despejos, e seu quintal murado com cacau, café e mais uma engenhoca, com
uma tacha e um tacho de cobre para mel e águardente, com 6 alambiques de
cobre, com todos os preparos necessários, mais 20 cabeças de gado vacum, 13
ovelhas. Tem mais uma igreja nova com sua torre e dois sinos, um altar e seu
retábulo dourado, um ornamento rico e com mais ornamentos, de todas as cores,
6 castiçais dourados, uma cruz com o S. Lenho e 7 imagens; uma sacristia, um
cálice e uma âmbula. Tem mais uma olaria com um forno dentro; 3 rodas para
fazer potes com tudo o mais necessário. Tem mais um sítio na mesma terra com
sua roça nova, uma casa, com 3 fornos e uma roda para fazer farinha: Tem mais
um sítio pelo mesmo rio adiante da Taboca, à mão direita com meia légua de
terra de frente e 2 léguas de centro com 2 cacoais. 88
Citação longa a anterior, mas que se faz necessária para a melhor ilustração do
funcionamento de uma fazenda jesuítica. Percebe-se que Jaguarari possuía mais do que
uma propriedade, sendo as mesmas gerenciadas por uma fazenda principal. Inegável é a
ampliação de seus bens desde a sua doação pelo dito casal até o desterro dos padres, em
1759, fruto de uma administração que sempre visava à maximização dos recursos.
Nesse sentido, Dauril Alden lembra-nos que, durante o século XVI, a Companhia de
Jesus nutria a crença de que poderia sustentar seu apostolado por via de doações e
esmolas, concepção que ela veio a reavaliar antes mesmo do ocaso da dita centúria,
tratando de criar mecanismos para a maximização do retorno das terras doadas pela
Coroa e particulares benfeitores.89
Na América espanhola, de igual modo, os exemplos nos mostram que as
propriedades jesuíticas eram conhecidas por seus aglomerados de fazendas, resultado de
uma ampla política de anexação de terras vizinhas. Como caso exemplar temos a
fazenda de Santa Lucía, no México colonial, que englobava as suas “anexas”. A partir
da análise dessa propriedade, Herman Konrad lança luz sobre o processo de formação
de uma fazenda jesuítica. Explica-nos que ela era caracterizada, assim como as
88
“Inventário do que pertence à fazenda de Jagoarari”. Roma, 1767, Archivum Romanum Societatis Iesu
ARSI, Bras. 28.
89
ALDEN, Dauril. The making of an enterprise, p. 402.
51
90
KONRAD, Herman. Una hacienda de los jesuítas en el México colonial, pp. 48-49.
91
“Inventário do que pertence à fazenda de Jagoarari”. Roma, 1767. ARSI, Bras. 28.
92
CHAMBOULEYRON, Rafael. “Terras e poder na Amazônia colonial (séculos XVII-XVIII)”.
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime. Lisboa 18 a 21 de
Maio de 2011, p. 5.
52
o qual sem mais reparo lhas concedeu contra o direito de Bernardo Serrão
Palmela 93
Na tentativa de reaver suas terras, Bernardo Palmela logo moveu pleito contra
Manuel Soeiro, com alegação de que elas lhes pertenciam por carta de data e sesmaria
anterior. A Companhia logo entendeu que da boa resolução do litígio dependia a posse
por completo de toda a fazenda de Jaguarari pelo colégio e, assim, não tardou a entrar
ela própria em ação por duas das vias das quais ela sempre lançava mão. Assim, a
Ordem primeiramente propôs um acordo pelo qual pagaria certo montante para que seu
opositor largasse o pleito de modo a não levá-lo à justiça. Como a proposta não logrou
êxito, teve de recorrer judicialmente, o que quase lhes veio a subtrair aquela ponta de
terra da fazenda de Jaguarari.
O colégio de Santo Alexandre estava atento não só ao perigo representado por
Manuel Soeiro, como também àquele referente a uma eventual requisição de posse por
parte de Vicente de Oliveira. Eram, portanto, dois os riscos. Contudo, Bettendorff soube
tirar proveito do caso, opondo ambas as ameaças para debelar uma de cada vez. De tal
feita, defendeu o colégio de Santo Alexandre ponderando que “nem Vicente de Oliveira
em algum tempo alegou coisa alguma contra Manuel Soeiro, o que havia de fazer se as
terras de Juquiri lhe pertenceram, nem o Palmela as havia defender se entendera que já
não eram suas”. 94 Bernardo Serrão já havia dado o primeiro passo no contra-ataque a
Manuel Soeiro, todavia, como vimos, foi a Companhia que previu o contencioso com
Vicente de Oliveira, preparando de antemão sua argumentação para caso a mesma fosse
necessária, como de fato foi. Antes disso, foi também ela quem levou adiante o pleito
iniciado contra Soeiro.
Conforme já dito, com o intuito de resolver este pleito, o padre Manuel Zuzarte
lançou mão de um estratagema muito empregado pela Companhia com o desígnio de
evitar maiores escândalos no tocante ao seu patrimônio: fez a proposta de avaliar a terra
da demanda e pagar o preço dela a Manuel Soeiro – que já a havia alcançado por carta
de sesmaria –, com a condição de deixá-la livre ao colégio do Pará, proposta aceita por
Soeiro. Todavia, antes de receber a quantia se foi a Portugal. Não obstante, com o correr
93
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 252.
94
Ibidem
53
95
Ibidem
96
Ibidem, pp. 252-53.
97
Ibidem, p. 253.
98
Ibidem.
54
alegava que Vicente de Oliveira não havia feito caso quando o governador Rui Vaz de
Siqueira havia passado por sesmaria aquela terra a Manuel Soeiro.99
Claramente podemos compreender o grande empenho desprendido pelo colégio
do Pará no sentido de não perder a dita ponta da fazenda de Jaguarari. Em verdade, ao
defender logo de imediato as suas terras, o colégio evitava o dispêndio que poderia ter
com uma possível compra daquela terra que, de sua, passaria ser sua vizinha. Portanto,
se a fazenda de Jaguarari veio a ser expandida com a política de anexação de terras
vizinhas, isso só veio ocorrer a partir da propriedade inteira legada pelo casal Bernardo
Serrão e Isabel da Costa. Para além disso, há de se ressaltar a relevância desta fazenda
jesuítica enquanto mantenedora tanto do colégio, quanto das demais ações que dele
irradiavam (o que veremos no capítulo seguinte). Nesse sentido, não sem razão, Beatriz
Vasconcelos Franzen nos lembra que, para a Companhia de Jesus, a fazenda era “uma
unidade econômica que produzia alimentos, formava mão-de-obra especializada e
fornecia as rendas necessárias para atender aos colégios, às casas e aos aldeamentos por
ela sustentados”.100 Portanto, dos recursos financeiros alcançados por elas dependia o
bom êxito de todo o apostolado jesuítico na educação, saúde, catequese etc.
No caso anterior, apreendemos a estratégia da Companhia de Jesus em pagar certa
quantia tendo como escopo uma resolução mais célere nas demandas que a envolviam.
Entretanto, ela também recebia somas em dinheiro para desistir de alguns litígios.
Assim, permita-nos o leitor uma curta digressão à capitania do Maranhão, é Bettendorff
quem relata um caso que envolveu os padres do colégio de São Luis e Manuel
Beckman, quando este pagou a quantia de três mil cruzados em açúcar “pela herança da
terça que o pai de Maria de Cáceres”, com a qual era casado, lhe tinha deixado.
Conforme ressalta o próprio cronista, como João Pereira de Cáceres era senhor de um
engenho com mais de cem escravos no rio Mearim, no Maranhão, a quantia paga de três
mil cruzados ainda era insuficiente para sanar os possíveis prejuízos da Ordem. O
jesuíta explica o conflito do seguinte modo:
Mas como os herdeiros fizeram pleito aos Padres, querendo que várias coisas se
haviam de tirar da terça e não do monte-mor, como cuidavam os padres Antonio
Vieira, Manuel Nunes e outros, entrando eu por superior daquela casa, vendo
99
Ibidem.
100
FRANZEN, Beatriz Vasconcelos. “Jesuítas no Brasil e Paraguai coloniais: aldeamentos e reduções. As
fazendas jesuíticas no Brasil”. In: FRANZEN, Beatriz Vasconcelos. Jesuítas Portugueses e espanhóis no
sul do Brasil e Paraguai coloniais, p. 46.
55
101
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 250.
102
Ibidem, pp. 250-51.
103
Ibidem, p. 282.
56
O mérito para ter carta de irmandade, como acima fica claro, passava também
pelo fato de o agraciado ser um dos “homens mais abonados do Maranhão”. O próprio
cronista alega que, durante seu superiorado na Missão, João Pereira Barbosa e sua
esposa, enquanto irmãos da Ordem, “prometeram dar três mil cruzados para a fábrica da
igreja nova”.105 Outros tantos moradores foram cativados com o título de Irmão da
Companhia de Jesus, e como tais passaram a fazer parte do alicerce que a Ordem erigia
no intuito de manter uma ampla rede de benfeitores. Lembremos ainda dos casos dos
irmãos por carta de irmandade de João Herrera da Fonseca, Catarina da Costa e Antonia
de Menezes, alguns já citados neste estudo. Todavia, não queremos asseverar com isso
que as relações eram sempre estáveis, visto que a documentação tem mostrado que
assim não o era.
104
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 166.
105
Ibidem.
106
Sobre os engenhos na região amazônica colonial, ver: MARQUES, Fernando Luiz Tavares. Modelo
da agroindústria canavieira colonial no estuário amazônico: estudo arqueológico de engenhos dos
séculos XVIII e XIX. Porto Alegre, Tese de Doutorado (História), Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, 2004. De modo específico, entre os engenhos estudados, a tese apresenta uma análise
sobre o engenho jesuítico de Jaguarari – sobre o qual falaremos mais adiante.
57
Interessante notarmos, conforme ressaltado por Serafim Leite, que foi o jesuíta
Antonio Vieira quem celebrou o casamento do dito casal.107 Nada obstante, o padre
Bettendorff salienta a grande amizade entre a Companhia e o casal, ambos agraciados
com cartas de “irmãos” da Ordem. Tanto é assim que, segundo o cronista, quando do
motim de 1661, “João Herrera da Fonseca, nosso irmão e marido da nossa irmã Dona
Catarina da Costa” havia sido provocado por amotinadores vindos do Maranhão “para
que com sua câmara se levantasse também contra os padres”. Todavia, o mesmo capitão
“tão longe esteve de consentir em sua maldade que mandou prender um deles e
derrubou muitas árvores pelo igarapé para lhes dificultar a passagem”.108 Tal atitude
quase lhe custou muito caro, pois, segundo o cronista, o próprio governador do
Maranhão, Dom Pedro de Melo, tinha parte no motim, sendo que de São Luis “vinham
avisos que haviam de ir-lhe queimar o engenho [de João Herrera] e prendê-lo
afrontosamente” devido o apoio aos padres. Diante de tal situação, os jesuítas pediram
ao dito capitão que soltasse o amotinador, “porém não o quis fazer sem primeiro mandar
aviso particular a todos os missionários da perseguição que o Demônio lhes
levantava”.109 É oportuno observarmos que a ameaça de queimar o engenho do capitão
João Herrera da Fonseca atingiria diretamente aos padres, já que o mesmo havia sido
construído para a Ordem. Nesse sentido Serafim Leite alega que o capitão teria feito
Nela [fazenda principal de Ibirajuba] um engenho para a Companhia com a
ajuda desta. Deixou-o à Companhia, e o usufruto a sua mulher, ou como ela
própria escreve ao Geral, deixou-lhe os bens a ela se não se tornasse a casar; e
se se casasse, ao Colégio do Pará.110
107
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol.III, p. 303.
108
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 167.
109
Ibidem, p. 176.
110
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol.III, p. 303.
58
assim não tenho herdeiro forçado”. Por tal motivo ele fazia por seus herdeiros a sua
esposa e o Colégio do Pará.111
O padre Leite afirma que, falecido o capitão João Herrera da Fonseca, em 1674,
e decorrido certo período, D. Catarina da Costa veio a casar-se em segundas núpcias
com o capitão João Pereira Seixas (filho do capitão-mor Francisco de Seixas Pinto)
“que tratou de fazer composição com o reitor do Colégio, que deu 4.000 cruzados”.112
Portanto, parece-nos que tal acordo, com o pagamento da dita quantia, fora necessário
para que o casal não passasse suas terras ao Colégio, já que a verba de testamento de
João Herrera da Fonseca previa tal ação em caso de segundas núpcias. Leite atenta que
mesmo após a morte do capitão Seixas, em 1691, “ainda deve ter havido alguma dúvida
depois disso, finalmente resolvida a bem, de mútuo acordo”.113 De fato, o padre
Bettendorff alega que, após a morte do segundo marido de Dona Catarina, muitas foram
as “línguas murmuradoras, que espalhavam que os padres apertariam com ela,
obrigando-a a pagar até perdas e danos, recebendo desde a morte de seu primeiro
marido”.114
Bettendorff foi quem resolveu tal embrulhada, tentando pôr fim aos boatos de
que a Ordem haveria de se aproveitar da viúva. Segundo o cronista:
Mas concertou-se tudo, conforme eu tinha ficado, com licença de nosso muito
reverendo padre geral Tirso Gonçalves, em vida de seu segundo marido, o
sargento-mor João Pereira de Seixas, se bem que pusesse no Reino, à sua custa
e risco, quatro mil cruzados efetivos, sem mais coisa alguma.115
111
“Verba de testamento. S.e o q. nos deixou João Herrera da Fonc.a marido de D. C.na. Pará” Século
XVII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 32. Grifos nossos.
112
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol.III, p. 303.
113
Ibidem.
114
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 611.
115
Ibidem.
59
mais amarga que a própria Monita que traz em anexo, tomando o dito escrito como
verdadeiro), consta o capítulo intitulado “como é preciso conversar com as viúvas e
dispor dos bens que elas têm”. Por mais auto-explicativo que seja o título, convém
destacar um parágrafo do capítulo:
Que se uma viúva durante sua vida não der inteiramente seus bens à
Companhia, que se lhe exponham, na ocasião propícia, e sobretudo quando ela
estiver doente ou em grande perigo de vida, a pobreza e a novidade de diversos
colégios, assim como a grande quantidade dos que ainda não foram fundados, e
que se a leve com doçura e com força a fazer; para esse fim, gastos sobre os
quais ela possa fundar sua glória eterna.116
116
SAUVESTRE, Charles. Instruções secretas dos jesuítas [contendo a Monita Secreta]. São Paulo:
Madras, 2004, p. 96. Nesse particular, ao se referir a Monita, mas sem dela fazer juízo sobre sua
veracidade, afirma Wright: “Quando morria um homem rico, assim a Monita revelou, jesuítas de boa
aparência e bons de conversa começavam a cercar a agora rica viúva, aconselhando-a, dizendo a ela que
casar-se de novo era uma péssima idéia, que seria muito melhor que adotasse uma vida de oração e
isolamento e que permitisse que a Companhia tirasse dela o fardo das conseqüências degradantes e
perturbadoras de uma herança abundante” [o que tudo encontramos no capítulo citado da edição de
Sauvestre]. WRIGHT, Jonathan. Os jesuítas, missões, mitos e histórias, p. 149.
117
Franco lembra que as Monita não tiveram tradução em português antes da expulsão de 1759, mas
sendo amplamente utilizadas nos ataques pré-pombalinos. Nesse momento o historiador cita como
exemplos os capítulos do Silva Nunes. Nesse particular transcrevo aqui uma valiosa nota de rodapé de seu
estudo: “Podemos observar o recurso às Monita secreta como documento autoritativo em memoriais
antijesuíticos endereçados à Corte portuguesa para criticar a ação dos Jesuítas no Brasil, no quadro do seu
conflito com os colonos e por causa da dilemática polêmica em torno da escravização dos ameríndios.
Disto são um bom exemplo os acutilantes memoriais de Paulo Silva Nunes elaborados nas décadas de 20
e 30 do século XVIII”. FRANCO, José Eduardo. As Monita Secreta: história de um best-seller
antijesuítico, p.101 (nota de rodapé nº 29).
60
118
“Carta de data […] Araguai, frontr.a ao Eng.o de [Ibirajuba] m.ce feita a D. Cn.a da Costa e depões
passada a este Coll.o do Para”. (XVII e XVIII). ANTT, CJ, maço 83, doc.5.
119
“Ilha do engenho”. 1720. ANTT, CJ, maço 82, doc. 36.
120
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol.III, p. 304.
121
“Lista do que tinha o colégio do Pará na fazenda de Hybyrajuba”. Roma, 1767. ARSI, Bras. 28.
61
Assim como Jaguarari, a atividade açucareira de Ibirajuba era amparada por uma
ampla rede de ofícios como olaria e casa de canoas. Tais ofícios, em verdade,
constituíam valiosa colaboração não só aos inacianos como aos demais leigos que
trabalhavam no engenho, na olaria, na casa das canoas etc. Franzen atenta a essa
questão ao afirmar que
As fazendas foram os grandes centros de produção jesuítica na América
portuguesa (…) como grande complexo autônomo que eram, necessitavam de
suporte operacional, pequenas carpintarias, ferrarias, tecelagem, e as oficinas
artesanais orientadas pelos padres alcançaram tal nível de eficiência e qualidade
que se transformaram em verdadeiras escolas de ofícios.123
122
“Requerimento do reitor e religiosos do Colégio jesuíta de Santo Alexandre da cidade de Belém do
Grão-Pará, para o rei [D. João V], solicitando provisão para que o ouvidor-geral do Pará, [Luís Barbosa
de Lima], possa continuar os autos de demarcação, medição e tombo das terras que pertencem ao referido
Colégio”. Anexo: bilhete e lista. 1732. AHU (avulsos do Pará), cx. 13, doc. 1223.
123
FRANZEN, Beatriz Vasconcelos. “Jesuítas no Brasil e Paraguai coloniais: aldeamentos e reduções. As
fazendas jesuíticas no Brasil”, p. 45.
124
ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos, p. 252.
125
CUSHNER, Nicholas P. Farm and Factory: the Jesuits and the development of agrarian capitalism in
colonial Quito, 1600-1767. Albany: SUNY Press, 1982, p. 67.
62
126
“Carta de data de […] léguas de terra frontr.a a Gibirié, m.ce feita a Joseph deça, e depoes por troca a
este Coll.o do Parà” (XVIII?). Século XVII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 21.
127
BETTENDORFF, João Felipe, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no
Maranhão, p. 191.
128
Ibidem, p. 64.
63
129
“Escriptura de troque e permutaçam que faz o Reverendo Padre Antonio da Cunha Reytor do Collegio
de Sancto Alexandre da Companhia de Jesus em nome do dito Collegio com o cappitam Joseph Dessa
morador nesta cidade”. 1720. ANTT, CJ, maço 82, doc. 27; “Petiçaõ de Joseph da Cunha Deça e o q se
[…] no Cons. Pará”. 1707. ANTT, CJ, maço 82, doc. 22; “Traslado de uma carta de data”. Século XVIII.
ANTT, CJ, maço 82, doc. 23; “Carta de data ao colégio de Santo Alexandre, pelo governador do
Maranhão”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 24.
130
“Carta de datta e sesmaria porque V.M. hâ por bem conçeder novamente em nome de Sua Mag.de q
Ds. g.de ao cap.m Joseph da Cunha Decca duas legoas de terra na Ilha [Tanrabioca] comessando do
marco de Manoel Soeiro Lobato correndo pello Iguarapê q vay p.a a costa de Mortiguara; e asy mais
meya legoa de terra em hua ilha pequena dezerta frontr.a as ditas terras como nesta se declara”. 1706.
ANTT, CJ, maço 86, doc. 174.
131
“Demarcaçaõ das terras de Gibiriê”; ANTT, CJ, maço 83, doc. 4; “Traslado da data de sesmaria feita
por Francisco Rodrigues Pimenta ao colégio de Santo Alexandre”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82,
doc. 30.
64
Gibirié, o seu reitor pede nova data de sesmaria dela, alcançada em 18 de outubro de
1707, para assim ter prazo hábil de confirmação.132 Desta feita percebemos a
importância dada à parte alcançada ao senhor Eça por troca, já que ela comporia, junto à
herança legada por Francisco Pimenta, a fazenda maior de Gibirié. Se por falta de
confirmação a mesma fosse retirada, de nada teria servido a manobra da permutação
feita anteriormente entre o Reitor e Simão da Cunha de Eça.
No já citado documento sobre a denúncia dos dízimos que as fazendas jesuíticas
se negavam a pagar encontramos, entre outros, listadas as seguintes atividades
referentes a Gibirié:
A quarta fazenda que é de Gibirié herdada de um Francisco Rodrigues se julga
ter esta 100 pessoas de serviço, nela se fabrica todos os anos três canoas grandes
que costumam vender por 400$000 cada uma que importam em 1:200$ que
havendo de pagar dízimos importa: 120$000.
Nesta fazenda se colhe cada ano 100 @ de cacau de que tocam ao dízimo 10@
que importam: 36$000.
E do mesmo modo uma oficina de tabuados em que se fabricarão vinte dúzias
de […] para o navio que há poucos anos se fez nesta terra, e as venderam por
400$000 que havendo de pagar dízimos tocam a este: 40$000.
E assim mais se acha na dita fazenda outra oficina de ferreiros, a qual rende
cada ano 400$000 que havendo de pagar dízimo, pertence o que adiante se vê:
40$000.
Também tem esta fazenda uma fábrica de teares que anualmente se trabalha
nela de que recebem cada ano ao menos 20 rolos de pano que vendidos a
30$000 o rolo importa em 600$000 de que toca ao dízimo: 60$000.133
As fazendas do Marajó
Aqui adentraremos inteiramente ao século XVIII, visto que a documentação que
temos nos fornece apenas dados dessa centúria. Nos documentos sobre os pastos do
Marajó também aparece o nome de um tal Simão da Cunha de Eça, que talvez seja o
mesmo José da Cunha de Eça, ou parente seu. De certo é que a Companhia havia
arrematado algumas terras que pertenciam ao Simão de Eça, localizadas no Marajó.
Assim, em 17 de fevereiro de 1719, o colégio do Pará dava um lance arrematando em
132
“Traslado de carta de sesmaria”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 83, doc. 6; “Carta de data ao colégio
de Santo Alexandre, pelo governador do Maranhão”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 26.
133
“Requerimento do reitor e religiosos do Colégio jesuíta de Santo Alexandre da cidade de Belém do
Grão-Pará, para o rei [D. João V], solicitando provisão para que o ouvidor-geral do Pará, [Luís Barbosa
de Lima], possa continuar os autos de demarcação, medição e tombo das terras que pertencem ao referido
Colégio”. Anexo: bilhete e lista. 1732. AHU (avulsos do Pará), cx. 13, doc. 1223.
65
praça pública duas léguas de terra e trinta e duas cabeças de gado “que pelo Fisco Real
se confiscaram a Simão da Cunha de Eça”.134 Foi o Barão da Ilha Grande de Joanes
(Marajó) Luis Gonçalo de Sousa de Macedo que havia concedido as duas léguas de terra
a Cunha de Eça, em 27 de fevereiro de 1715. O mesmo Barão viria a beneficiar
diretamente os projetos inacianos no Marajó. Passemos a analisar tal região, não sem
alguma dificuldade, dado ao elevado número de propriedades e à falta de documentos
que detalhe a conquista de cada uma delas.
Tantas eram as fazendas que, não sem razão, Serafim Leite alega que por
questão de melhor administração elas teriam sido unificadas, dando origem aos dois
grupos principais que encontramos na documentação: as fazendas do Marajó e as do
Arari. Constituía o primeiro complexo os currais de São Braz, São Francisco Xavier e
Nossa Senhora do Rosário, esta, a sede administrativa. O segundo complexo era
formado pelas fazendas dos Remédios, de São José, Menino Jesus e Santo Inácio.135 De
fato, ao analisar o inventário produzido pelos padres Manuel Luis e Caetano Xavier,
quando da expulsão do Grão Pará e Maranhão, em 1759, percebe-se que os mesmos
inventariaram os bens das fazendas do Marajó e do Arari. Todavia, foram cuidadosos ao
expor tudo o que havia em cada uma das fazendas anexas que compunham aquelas
duas. Não é viável transcrever aqui o que o inventário mostra. Todavia, há uma nota
muito interessante após o fim do arrolamento dos bens do complexo do Marajó, que
juntando todas as ditas propriedades consistia em “6 léguas de terra de frente, correndo
pelo rio acima”. É o seguinte:
Havia em todos estes currais 2.500 cabeças de gado vacum, pouco mais ou
menos, 72 cavalos de serviço. Mais um lote de 8 éguas com seus filhos, 20
cabeças de porcos e porcas, entre grandes e pequenos. Onde tenho copiado
fielmente. Roma, Palácio de Sora, 17 de março de 1767. Pelo Padre Manuel
Luis.136
Pela nota acima percebemos duas coisas: a primeira é que essa parte do
inventário foi feita pelo padre Manuel Luis; a segunda trata-se da confirmação do
período em que ele foi feito, pós-expulsão de 1759. Diz-nos mais, o local onde tal
134
“Rematação das terras de Suaçurana que foraõ de Simaõ da Cunha Deça, cujo tt.o, e mães próprio he o
Fisco Real”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 34.
135
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasi, vol.III, p. 249.
136
“Inventário do que possuía a fazenda do Marajó”. Roma, 1767. ARSI, Bras. 28.
66
137
Lá estavam os jesuítas depois da expulsão de 1759, tanto é que em seguida a sua assinatura o autor
apõe uma nota curiosa: “Este mesmo dia, foi um dos mais alegres que tivemos depois que chegamos à
Itália, porquanto nos chegaram cartas dos que estavam presos em São Gião, entre elas uma para o Pe.
Bernardo de Aguiar, do Pe. Bonomi, ambos da Vice-Província do Maranhão; outra para o Pe. Antonio
Martins da mesma Vice-Província de seu irmão, que tinha vindo para São Gião, de Macau”. Roma, 1767,
ARSI, Bras. 28. São Gião, em verdade, era a Torre de São Julião da Barra, no litoral próxima a Lisboa,
onde os padres expulsos ficaram prisioneiros, chegando nela em três de dezembro de 1760. O jesuíta
Lourenço Kaulem descreve a nova vida dos missionários em São Julião. Antes ficaram prisioneiros no
Grão Pará e Maranhão, pois meses antes (junho) aportava em São Luis uma nau de guerra com ordens
para o desterro dos jesuítas, de lá se passou ao Pará. Assim, os padres de ambos os colégios foram
aprisionados e levados ao Reino, para a prisão definitiva. RODRIGUES, Luiz Fernando Medeiros SJ. As
prisões e o destino dos jesuítas do Grão Pará e Maranhão: narrativa apologética, paradigma de resistência
ao anti-jesuitismo. CLIO. Série História do Nordeste (UFPE), Recife, vol. 27, nº 1, pp. 9-45. 2009
138
“Tt.o dos curraes do Marajó – Parâ” Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 29.
67
139
A esse respeito, ver: CHAMBOULEYRON, Rafael & NEVES NETO, Raimundo Moreira das. “Os
jesuítas e o aumento e conservação do Estado do Maranhão e Pará (século XVII)”. CLIO. Série História
do Nordeste (UFPE), vol. 27 (2009), pp. 76-104.
140
AZEVEDO, João Lúcio. “Capítulo VI: o organismo colonial”. In: Os jesuítas no Grão Pará, pp.123-
154.
141
“Acusa-se a recepção do que informou o Governador respeito á sorte de terras pretendida pelo Reitor
da Companhia de Jesus no Pará…”. Lisboa, 12 de junho de 1715. Annaes da Bibliotheca e Archivo
Publico do Pará, tomo I (1902), doc. 104, pp. 146-147.
142
ASSUNÇÃO, Paulo. Negócios jesuíticos, p. 248.
68
•
Como podemos perceber ao longo deste capítulo, o processo de aquisição das
primeiras propriedades, no século XVII, não gerou tantos problemas a Companhia de
Jesus. Daí esta primeira parte ter sido bem mais descritiva. No entanto, do XVII para o
XVIII, a Ordem sentiu a necessidade de maximizar o seu patrimônio, por via de
inúmeras atividades. Aí se encontra a raiz das contendas entre colonos e jesuítas. Em
outras palavras: a administração direta das fazendas (muitas que foram mostradas no
primeiro capítulo) pelo jesuítas, principalmente em razão do comércio engendrado
nelas, gerará as repetidas acusações de enriquecimento ilícito, em detrimento da fazenda
real e do tão alardeado estado de miséria dos moradores. Essa matéria será analisada no
capítulo a seguir.
69
1
FRANÇA, Eduardo D‟Oliveira. Portugal na época da restauração. São Paulo: HUCITEC, 1997, p.359.
2
Ibidem, 360.
70
Portugal sofreu uma séria baixa no comércio de pimenta que fazia com a Europa, em
fins da mesma centúria. 3
Sintomático, conforme aponta Luiz Carlos Soares, que mesmo antes da trégua de
1609, os Estados Gerais Holandeses colocassem em funcionamento a Companhia das
Índias Orientais, em 1602. Entretanto, não somente no Oriente o comércio português
veio a amargar tal concorrência. É que em 1621 era criada a Companhia das Índias
Ocidentais que em duas oportunidades tentou ocupar as praças açucareiras do nordeste
do Brasil, na Bahia (1624-1625) e Pernambuco (1630-1654).4 Conforme já visto em
capítulo anterior, acrescentam-se as tentativas de Holanda em tomar posse de regiões
açucareiras (como o rio Itapecuru na parte oriental da capitania do Maranhão) e a
própria invasão à cidade de São Luis, durante a primeira metade do século XVII.5 É
nesse ínterim, e com receio do ataque das potências marítimas européias que
anteriormente eram inimigas da Espanha (para além da Holanda) e passaram a ser de
Portugal, devido à união das coroas, que o Estado do Maranhão e Grão Pará foi
fundado, em 1621. Região de complexa administração, por corresponder a uma fronteira
um tanto quanto frágil, o que não apenas ameaçava a Amazônia colonial como também
o Estado do Brasil (nordeste), contíguo a ela.6
Apesar das incursões ao Brasil, Fernando Antonio Novais, não sem razão, alega
que todo esse contexto conflituoso deslocou “o eixo dinâmico de sua economia imperial
[de Portugal], reorganizando-se o seu quadro geo-econômico, que, de base
3
BOXER, Charles. O império marítimo português (1415-1825). São Paulo: Companhia das Letras, 2002,
p.74.
4
SOARES, Luiz Carlos. “As guerras comerciais no século XVII: uma „longa guerra‟ entre as potências
européias. In: VAINFAS, Ronaldo & MONTEIRO, Rodrigo Bentes (orgs.). Império de várias faces:
relações de poder no mundo ibérico da época moderna. São Paulo: Alameda, 2009, p. 233.
5
Ver: LISBOA, João Francisco. Obras de João Francisco de Lisboa,1865, vol. II, livro III [Invasão
holandesa], pp. 141-187.
6
Em verdade, o início da colonização maranhense por luso-pernambucanos foi extremamente
conflituoso. Antes mesmo dos impasses com os holandeses os conquistadores tiveram que banir os
franceses que haviam montado praça em São Luis. Sobre o assunto ver: COUTO, Jorge. “As tentativas
portuguesas de colonização do Maranhão e o projeto da França Equinocial”. In: VENTURA, Maria da
Graça A. (org.) A União Ibérica e o Mundo Atlântico. Segundas jornadas de história Ibero-Americana.
Portimão: 1996. Para uma a abordagem mais ampla do problema, para além das ameaças holandesa e
francesa, ver: CARDOSO, Alírio Carvalho. “A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na
geopolítica da União Ibérica (1596-1626)”. Revista Brasileira de História. Vol. 31, nº 61; São Paulo,
2011.
71
7
NOVAIS, Fernando Antonio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777- 1808). São
Paulo: HUCITEC, 1981, p.19.
8
ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p.15.
9
Ibidem, p.12.
10
CARDOSO, Alírio Carvalho. “Outra Ásia para o Império: fórmulas para a integração do Maranhão à
economia oceânica (1609-1656)”. In: CHAMBOULEYRON, Rafael & ALONSO, José Luis Ruiz-
Peinado (orgs). T(r)ópicos de história. Gente, espaço e tempo na Amazônia (séculos XVII a XXI). Belém:
Ed. Açaí/Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de Memória da
Amazônia (UFPA), 2010, pp. 19-20.
11
ARENZ, Karl Heinz. “Do Alzette ao Amazonas: vida e obra do padre João Felipe Bettendorff (1625-
1698)”, p.44.
72
soberano tratava de incentivar a produção a partir das mercês régias, já que ela era “em
razão da grande conveniência que disso resultará a minha fazenda e aumento desse
Estado”.12 Uma semana após, insistia no assunto, mas agora com os oficiais da câmara
de Belém. Recomendava que “a exemplo de ambos [governador e provedor] vos
apliqueis a esta cultura por ser o meio mais conveniente para se aumentar essa
capitania”. Mais uma vez recorria às mercês. Expunha: “conforme a quantidade de
plantas que cultivarem e a qualidade de suas pessoas se lhe haverá respeito para de mim
haverem aquelas mercês que houver por bem”. 13
Os apelos de Dom Pedro parecem ter logrado êxito. Assim, em duas cartas de 19
de agosto de 1678, o monarca agradecia ao governador e ao provedor pelo empenho de
ambos. Em uma delas, reconhecia o comprometimento do governador Inácio Coelho da
Silva em manifestar aos moradores “a grande utilidade que resultaria do cacau e
baunilha”, sendo que “se tinha já plantado algum [alguns pés] particularmente os
religiosos da Companhia”. 14 Já ao provedor da fazenda, Dom Fernando Ramires,
agradecia a sua diligência na junta que se fez para debater o assunto “com os oficiais da
câmara e prelados das religiões, na qual se mostraram todos mui conformes”.15
Como vimos pelas ordens de Dom Pedro, é forçoso que consideremos as
tentativas de cultivo (agricultura) de tais especiarias por parte da Coroa portuguesa em
solo amazônico para além das expedições de coleta ao sertão. Nesse sentido, em recente
estudo, Rafael Chambouleyron colocou em pauta a antiga questão da relação entre
agricultura e extrativismo para a Amazônia colonial. O autor pondera que “a
experiência brasileira (isto é, do Estado do Brasil) representava um horizonte para as
capitanias do Maranhão e Pará (…) horizonte e não modelo, que foi a maneira a partir
da qual boa parte da historiografia pensou a relação entre as duas regiões [Estados do
12
“Para o Governador do Maranhão. Sobre se lhe dizer a forma em que se manda tratar da cultura das
baunilhas e cacau”. Lisboa, primeiro de dezembro de 1677. ABNRJ, vol. 66 (1948), p. 41.
13
“Para os oficiais da câmara do Pará. Sobre a cultura do cacau e baunilhas”. Lisboa, oito de dezembro de
1677. ABNRJ, vol. 66 (1948), pp.45-46.
14
“Para o governador do Maranhão. Planta do cacau e baunilha”. Lisboa, 19 de agosto de 1678. ABNRJ,
vol. 66 (1948), p.46.
15
“Para o provedor da fazenda do Maranhão. Planta do cacau e baunilhas.” Lisboa, 19 de agosto de 1678.
ABNRJ, vol. 66 (1948), pp.46-47. Ainda sobre o assunto, ver também: “Para o governador do Maranhão”.
Lisboa, 13 de janeiro de 1678. ABNRJ, vol. 66 (1948), p. 47; “Para o provedor da fazenda do Maranhão”.
13 de janeiro de 1679. ABNRJ, vol. 66 (1948), pp. 47-48.
73
16
CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia colonial (1640-
1706). Belém: Ed. Açaí/Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de
Memória da Amazônia (UFPA), 2010, p.126.
17
Ibidem, p.122.
18
Sobre a atividade açucareira da região, para além da já citada tese de Fernando Luiz Tavares Marques,
ver: CUNHA, Ana Paula Macedo. Engenhos e engenhocas: a atividade açucareira no Estado do
Maranhão e Grão Pará (1706-1750). Belém, Dissertação de Mestrado (História), Universidade Federal
do Pará, 2009.
19
RUSSEL-WOOD, A. J. R. “Centros e Periferias no Mundo Luso-Brasileiro, 1500-1808”. Revista
Brasileira de História. Vol. 18. nº. 36; São Paulo, 1998.
74
20
ANGELO-MENEZES, Maria de Nazaré. “O sistema agrário do Vale do Tocantins Colonial: agricultura
para consumo e para exportação”. Revista Projeto Historia: Espaço e Cultura. São Paulo, n.18, 1999,
p.239.
21
Ibidem, p.240.
22
Ibidem, p. 241.
23
CARDOSO, Alírio Carvalho & CHAMBOULEYRON, Rafael Ivan. “O advogado do império: um
jurista discute o direito de comércio dos padres do Maranhão no século XVII”. In: Ciências Humanas em
Revista. São Luis, v.4, n.1, junho de 2006.
75
apresentou ao monarca. Por ele percebemos que o conflito de jurisdições distintas, civil
e eclesiástica, poderia ser evitado. Acompanhemos o raciocínio do jurista:
Já porém vejo que se me pode opor que se os clérigos e frades forem desta lei
transgressores, e sem licença se atreverem a ir ao sertão, não há nos ministros
seculares jurisdição para os castigar. Reconheço a dúvida, porém além de que
esta mesma procede, se a lei for dirigida contra eles. Respondo que este clérigo
ou frade não é possível que vá acompanhado somente com os índios, e é força
que se acompanhe de alguns outros leigos, e tanta que na lei ou provisão se
puserem penas a todos os que acompanharem; logo, os clérigos não irão.24
Em verdade, o parecer de Oliveira longe está de ser uma voz pregando no deserto.
Para além dele, o comércio jesuítico encontrou vários opositores.
Comércio jesuítico
Lugar privilegiado para a análise do comércio jesuítico, os livros de receita e
despesa dos colégios do Pará e Maranhão dão a exata medida das atividades temporais
que a Ordem praticava. Os livros que possuímos do colégio do Pará se encaixam no
recorte temporal entre 1682 e 1715, havendo um grande lapso entre 1690-1713, para o
qual não possuímos registros (Tabela 1). Para além disso, temos ainda uma lista dos
lucros do cacau que o padre José do Vidigal exportou no ano de 1736, que
corresponderam a 2:062$150 réis. 25 Para o colégio do Maranhão tivemos oportunidade
de entrar em contato com apenas um desses livros que é balizado pelos anos de 1682 e
1685. De modo geral, eram embarcados produtos como cravo, açúcar, cacau e salsa. Os
destinos de tais gêneros que foram nomeados nos livros de receita são Rio de Janeiro,
Bahia e Pernambuco – regiões assinaladas por colégios da Companhia, o que nos sugere
um comércio entre colégios. De resto, na maior parte das vezes, aparece apenas que
foram enviadas tantas caixas de tal produto, mas sem precisar o destinatário.
Nos livros de despesas são registrados gastos como a matalotagem dos
missionários quando de deslocamentos; pensões dos noviços e gastos com ornamentos.
Contudo, a maior surpresa desses livros está na primeira linha de cada um deles. Trata-
se do débito que a receita do ano anterior não conseguiu cobrir. Cabe aqui uma ressalva:
24
“Parecer que na Junta dos Negócios do Maranhão deu Manuel Lopes de Oliveira sobre a lei que se
pretendia fazer para que eclesiásticos não tirassem especiarias”. Instituto dos Arquivos Nacional/Torre do
Tombo, Manuscritos da Livraria, n. 1051, pp.103-105. In: Ibidem. (Ao final do artigo supra de Cardoso e
Chambouleyron vai, em anexo, a transcrição integral do documento).
25
“Conta do que mandou o R.P.V. Prov.al Joseph Vidigal por conta do comum da V. Prov.a em a monção
do ano de 1736”. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 23.
76
tais débitos eram internos à própria Ordem. A Companhia não devia, via de regra, a
outras esferas. Assim, por exemplo, os colégios entre si pediam empréstimos para sanar
as suas contas, a exemplo do já mencionado caso entre os colégios Nossa Senhora da
Luz e Santo Alexandre. De tal feita, dos oito livros que consultamos para o colégio do
Pará apenas dois apresentam saldo positivo, pois os padres procuradores encontravam
problemas na hora de fechar as contas quando consideravam o débito do período
anterior. Interessante observarmos que de 1685 (um ano após a revolta de Beckman) até
1715, o colégio do Pará ficou em débito ou não obteve receita alguma. O século XVII,
portanto, não foi apenas um período de crise política para a Companhia de Jesus com o
Regimento das Missões e a repartição das Missões no Rio Amazonas, foi também, ao
que parece, um momento de certa privação financeira.
Nesses livros de despesas também eram anotados dispêndios como os “vários
mimos feitos a pessoas favorecedoras da missão”, conforme registrou Francisco de
Matos no livro de despesas do colégio do Pará do ano de 1688.26 Abaixo segue uma
tabela com o saldo final de cada livro entre receitas e despesas. Entretanto, podemos
incorrer em erros. O motivo é que a maior parte dos livros não esclarece nem o mês
inicial nem o mês final da contagem, o que por vezes dá a entender que dois livros
abrangem o ano limite entre eles. Daí tivemos o cuidado, até onde achamos que estava
correto, de separá-los. Já os livros que ficaram a cargo do padre Miguel Cardoso são
marcados pela precisão das datas limite.
26
“Relação, feita por Francisco de Mattos, da receita e da despesa do colégio do Pará”. 1688. IEB/USP-
COL.ML. Códice 43, doc. 39.
77
Tabela 1
Contas do Colégio de Santo Alexandre no intervalo de 1682-1715. (em réis) 27
Doc. Período da avaliação e seu encarregado Saldo (positivo ou negativo)
35 Para o ano de 1682 (Francisco de Matos) Positivo de 192$448
36 1682 – 1685 (não identificado) Positivo de 255$099
37 Para o ano de 1685 (não identificado) Negativo de 301$968
Tabela 2
Contas do Colégio de Nossa Senhora da Luz para o período entre 1682-1655. (em
réis) 28
Doc. Período da avaliação e seu encarregado Saldo (positivo ou negativo)
36 1682 – 1685 (não identificado) Positivo de 281$388
27
A tabela foi montada a partir dos resultados gerais dos livros que se encontram nos seguintes
documentos: “Relação feita por Francisco de Mattos, da despesa e receita do Colégio do Pará”. 1682.
[1682]. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 35; “Relação das dívidas dos colégios do Pará e do
Maranhão”. 1682[1685]. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 36; “Relação da despesa do Colégio do
Pará”. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 37; “Relação, feita por Francisco de Mattos do Colégio do
Pará”. 1685. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 38; “Relação, feita por Francisco de Mattos, da receita e
da despesa do colégio do Pará”. 1688. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 39; “Relação feita por
Francisco de Mattos, da despesa do colégio do Pará, no ano de 1690 e declaração de que, naquele ano,
não houve receita”. 1690. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 40; “Conta ajustada de despesa e receita
geral do Padre Procurador Miguel Cardoso com o colégio do Pará de um ano, e quatro meses que teve
princípio a primeiro de outubro de 1713, e fim último de janeiro de 1715”. IEB/USP-COL.ML. Códice 43,
doc. 42; “Conta ajusta de despesa e receita do Padre Miguel Cardoso com o colégio do Pará de dez meses
que começaram a primeiro de março, e acabaram o último de dezembro com a qual faz entrega a seu
superior o padre Antonio de Andrade”. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 43.
28
“Relação das dívidas dos colégios do Pará e do Maranhão”. 1682[1685]. IEB/USP-COL.ML. Códice
43, doc. 36.
78
1730) parece estar ligado diretamente ao maior fôlego que a produção do cacau ganhou
na Amazônia portuguesa a partir do ano de 1725, chegando à década de 1730 como uma
grande concorrente dos demais centros produtores da região amazônica. 29 Não à toa, o
cacau era o principal produto do comércio jesuítico.
Daí em diante não tivemos mais contato com dados dos livros de receita e
despesa. Contudo, algo nos chama bastante a atenção: é justamente quando os livros de
receita e despesa indicam a recuperação da Ordem que a administração colonial passa a
fazer várias projeções dos bens jesuíticos. Isso sugere que, a partir da década de 1710, a
Ordem não só se reabilitou como também passou a fazer um grosso comércio das
drogas do sertão e mais produtos que granjeava em suas fazendas. Tanto é assim que a
questão dos dízimos ganha maior fôlego da primeira metade do século XVIII em diante.
O século XVII, como já dissemos no início desta dissertação, foi um período bastante
conturbado no qual a Ordem enfrentava a administração colonial e os colonos para
poder se estabelecer na região. Outro aspecto é que, conforme indicaremos em tabela
mais adiante, a década de 1730 esteve marcada pela atividade de produção de canoas
tanto nas fazendas quanto nas aldeias jesuíticas, indispensável para as expedições das
drogas do sertão. Tal fato parece ter sido subsidiário ao bom desempenho dos negócios
jesuíticos que as contas apontaram para o ano de 1736.
Outro ponto que sugere o vigor dos negócios jesuíticos com a recuperação das
suas atividades comerciais é uma embrulhada que envolveu a Ordem e os interesses da
Coroa, situação que se estendeu de 1715 até a década de 1730. É que, em 1715, a
Companhia de Jesus teria se oferecido para fazer uma nova alfândega para a cidade de
Belém “a sua custa de pedra e cal” no mesmo rio que a antiga, só que um pouco mais
distante. Por meios que não foram noticiados, essa possível proposta chegou ao
Conselho Ultramarino que ouviu algumas autoridades, todas bastante interessadas
naquela empreitada, como o procurador da fazenda que afirmava que os jesuítas se
ofereciam a fazer “tão grande despesa em incomparável utilidade”. 30 O Conselho
ofereceu a proposta ao rei que por carta de primeiro de julho de 1715 aceitou tão
29
ALDEN, Dauril. O significado da produção de cacau na região amazônica. Belém: Universidade
Federal do Pará (UFPA)\Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA)\Programa internacional de
formação de especialistas em desenvolvimento de áreas amazônicas(FIPAM), 1974.
30
O governador e capitão general do Estado do Maranhão e Provedor da Fazenda do Pará dão conta de se
oferecerem os padres da Companhia a fazer a sua custa umas casas de pedra e cal para servirem de
alfândega em que se despachem e recolham as fazendas”. Lisboa, 28 de maio de 1715. AHU, códice 274,
(consultas do Maranhão e Pará), ff. 242-242v.
79
valoroso préstimo a Fazenda Real. Passaram dez anos e, como nada tinha sido feito,
Dom João V novamente escrevia mostrando seu interesse na obra. Já em 1730, o
provedor da fazenda real do Pará, vendo aquela tão inesperada proposta inaciana cair no
esquecimento, despachava missiva ao rei expondo que “lhe parecia, que por bem do
[…] serviço, e arrecadação dos direitos, e livros mande-se logo fazer a dita obra antes
que eles [jesuítas] se arrependessem”. De tal feita, por carta régia de 1732, foi dada
ordem para que a Companhia se manifestasse e dissesse se queria ou não fazer aquela
obra.31
O monarca não ficou sem resposta. O padre José Vidigal respondeu que apesar de ter
buscado “com diligência o arquivo e livros deste colégio” não teria encontrado
semelhante proposta feita pelos jesuítas à Fazenda Real. Dizia, contudo, que apenas
tinha “notícia vaga” de que alguns prelados haviam feito a dita oferta, mas que por força
de não terem visto a planta que requisitavam não teriam feito a obra. Apesar disso,
Vidigal dá meia volta e conclui: “me não é possível aceitar nem rejeitar a referida obra,
antes de se fazer a dita planta para a vista dela dar a resposta que se me oferecer em
atenção a este serviço real, e bem deste colégio”. Ora, a despeito da embrulhada, fica
patente o traquejo da Ordem em tais questões. Primeiro porque o Conselho Ultramarino
e o rei reconheceram que os padres tinham cabedal suficiente para aquela construção,
assim como conhecimento técnico necessário para o desenvolvimento da obra. Já foi
dito no capítulo inicial dessa dissertação que o pátio do colégio do Pará funcionava
como uma alfândega na qual eram despachadas as drogas que os discípulos de Santo
Inácio colhiam com seus índios aldeados. Por outro lado, o próprio provedor da fazenda
do Pará, assistindo na mesma capitania, experimentava a competência dos padres
naquele particular. Tanto é assim que o padre José Vidigal não se furtou a pensar na
possibilidade. De mais certo é que a “alfândega do pátio do colégio” continuava a todo
vapor nas suas funções. Entrada a década de 1730, mais uma vez a Companhia figurava
como a Ordem que mais trato tinha com o comércio.
31
Mande o governador fazer pelo sargento mor-engenheiro uma planta para uma alfândega, no mesmo
sítio em que existe a alfândega velha, porém mais ampla que esta. Informe enquanto importa a obra e se
os jesuítas a não querem fazer conforme a sua oferta anterior, aceita pela resolução régia de primeiro de
julho de 1715”. ABAPP, tomo V (1906), doc. 362, pp. 401-404.
80
32
SANTOS, Fabiano Vilaça dos. “Pedras do ofício: Alexandre de Souza Freire e os jesuítas mo Estado do
Maranhão (1728-1732)”. Anais da XXV Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH).
Rio de Janeiro: SBPH, 2005.
81
fonte de miséria para várias localidades do Estado. Assim, São Luis do Maranhão estava
reduzida a
Grande pobreza e miséria e o mesmo os mais povos circunvizinhos e as
fortificações todas, umas arruinadas, e outras totalmente destruídas, nascidas
todas estas ruínas, não só da falta de operários, mas também do embaraço, que
ocasionam àqueles moradores os Padres da Companhia impossibilitando-os na
introdução do cacau vedando-lhes a passagem dos rios resultando disso um
notório prejuízo a minha real fazenda.33
33
Guarde-se ou revogue-se a ordem de apresentação prévia de folha corrida para ir buscar os gêneros do
sertão, conforme houver ou não disposição legal e anterior sobre ela; impeça-se que os missionários se
apossem dos aludidos gêneros e tenham qualquer outra negociação, não expressa na lei”. Lisboa, 27 de
setembro de 1729. ABAPP, tomo IV (1905), doc. 300, pp. 58-61.
34
Ibidem.
82
pelo qual se percebe que apenas 42 canoas foram à coleta do cacau, sendo que devido à
grande safra do gênero seriam necessárias 150. Dom João V arremata alegando que “o
motivo de tudo isto [é] que os índios que se haviam de distribuir pelos moradores
ficassem crescendo para os missionários”. 35
Interessante atentarmos à observação do governador do Maranhão, Alexandre de
Souza Freire, com relação ao cacau de Caracas. Conforme nos mostra Dauril Alden, a
Venezuela se destacou na América do Sul como a principal fornecedora de cacau para
vários mercados na Europa e para o México. De igual modo, utilizando mudas vindas
da Venezuela ou Trindad, os holandeses iniciaram o cultivo do gênero no Suriname, a
partir de 1680. Nos idos de 1730, o Suriname já figurava como grande produtor, mas a
qualidade do seu produto estaria muito abaixo do que era proveniente de Caracas, como
podemos inferir pelo preço mais elevado que Amsterdã pagava por este último.36
A década de 1730, na Amazônia, foi marcada por uma ampla atividade
cacaueira. Não à toa Alexandre de Souza Freire fez aquela observação ao rei, já em
setembro de 1728.37 Conforme aponta Dauril Alden, a Coroa portuguesa vinha
alentando o sonho de aumentar grandemente a produção de cacau no Pará e, para tanto,
condicionou o pagamento do salário do governador João da Maia da Gama (1722-1728)
ao envio anual para Lisboa de certa quantidade de cacau. Ora, de imediato este
governador passou a facilitar as licenças necessárias pelas quais as canoas deveriam ser
autorizadas a subir os rios na busca do gênero. Como muito bem atenta o autor, várias
fontes apontam para a alta do cacau na Amazônia portuguesa a partir do ano de 1725,
durante o governo de Maia da Gama.38 De tal feita, não é de se estranhar a denúncia de
Alexandre de Souza Freire sobre a falta de canoas necessárias para a busca do produto
nos sertões devido ao considerável controle da Companhia de Jesus sobre a produção
daquele meio de transporte.
Em inventário produzido pelo próprio Alexandre de Souza Freire, no início da
década de 1730, elaboramos a tabela abaixo respeitando os dados conforme posto em tal
35
Ibidem.
36
ALDEN, Dauril. O significado da produção de cacau na região amazônica, p. 21.
37
Guarde-se ou revogue-se a ordem de apresentação prévia de folha corrida para ir buscar os gêneros do
sertão, conforme houver ou não disposição legal e anterior sobre ela; impeça-se que os missionários se
apossem dos aludidos gêneros e tenham qualquer outra negociação, não expressa na lei”. Lisboa, 27 de
setembro de 1729. ABAPP, tomo IV (1905), doc. 300, pp. 58-61.
38
ALDEN, Dauril. O significado da produção de cacau na região amazônica, p. 30.
83
Tabela 3
Produção de canoas e tábuas nas fazendas e aldeias jesuíticas (c. 1730).39
Valor de Valor de
Produção Produção
Nome da venda das venda de
anual de anual de Observação
fazenda tábuas (em cada canoa
tábuas canoas
réis) (em réis)
Oficina de
Gibirié *** 3 400$000 ***
tabuados.
Venderam uma canoa a
Fazenda Real pelo preço de
Engenho de
*** *** 4 400$000 “oito pessoas do gentil da
Ibirajuba terra”, o que totalizava no
preço de 800$000 réis
Venderam uma canoa a
Fazenda Real pelo preço de
Engenho de 20 dúzias de 10$000 a
3 400$000 “nove pessoas do gentil da
Jaguarari tabuado dúzia terra”, o que totalizava no
preço de 900$000 réis
Produção Valor de Produção Valor de
Nome da
anual de venda das anual de venda de Observação
aldeia
tábuas tábuas canoas cada canoa
Mortigura e 12 dúzias de 10$000 a
3 300$000 ***
Sumuuma tabuados dúzia
20 dúzias de 10$000 a
Dos Bocas 4 300$000 ***
tabuado dúzia
Cumarú e “cinco e
*** *** 400$000 ***
Arucará seis”
39
“Requerimento do reitor e religiosos do Colégio jesuíta de Santo Alexandre da cidade de Belém do
Grão-Pará, para o rei [D. João V], solicitando provisão para que o ouvidor-geral do Pará, [Luís Barbosa
de Lima], possa continuar os autos de demarcação, medição e tombo das terras que pertencem ao referido
Colégio”. 1732. AHU, Pará (Avulsos), cx. 13, dc. 1223.
40
“Requerimento do reitor e religiosos do Colégio jesuíta de Santo Alexandre da cidade de Belém do
Grão-Pará, para o rei [D. João V], solicitando provisão para que o ouvidor-geral do Pará, [Luís Barbosa
84
governador estiverem despidos de qualquer reserva temos que as ordens religiosas (de
modo específico a Companhia) faziam um grosso comércio. É que as exportações de
cacau (de religiosos e moradores) pelo porto de Belém nos anos de 1730, 1731 e 1732
(período do governo de Souza Freire) foram, respectivamente: 22.064,22, 16.299,70,
32.741,31 arrobas.41 Ora, se os dados estiverem corretos, as ordens religiosas
respondiam por uma parte expressiva no envio de cacau em qualquer um desses anos,
chegando a ultrapassar a metade do envio para o ano de 1731.
Controle da jurisdição da mão-de-obra indígena, comércio das drogas e demais
gêneros cultivados em suas fazendas e a questão da recusa do pagamento dos dízimos
não foram os únicos aspectos que moveram os ânimos dos moradores da Amazônia
colonial, gerando os “escândalos” como os que citamos ao longo deste estudo. Há
outros tantos, igualmente denunciados em repetidas cartas enviadas a metrópole. Nesse
sentido, temos ainda os casos de usura, como o que envolveu nada menos do que dois
padres Procuradores da Companhia de Jesus: Jacinto de Carvalho e Bento da Fonseca.
Certa vez, o padre procurador geral do Maranhão Jacinto de Carvalho emprestou
a juros certa quantia ao casal João Álvares de Carvalho e Albuquerque e Dona Flávia
Rosa de Castro. Por uma série de razões o casal não se viu em condições de pagar
aquele empréstimo pelo que o novo padre procurador, Bento da Fonseca, teve a ideia de
“comprar” algumas propriedades deles, amortizando parte da dívida. As casas
chegariam ao valor de 10 mil cruzados. Diz o documento:
E logo pelos ditos João Álvares de Carvalho e Albuquerque e sua mulher Dona
Flavia Rosa de Castro foi dito em presença das testemunhas abaixo assinadas,
que eles de sua livre vontade e sem constrangimento de pessoa alguma estavam
ajustados a vender, como com títulos vendido tem de hoje para todo o sempre as
ditas casas ao Reverendo Padre Bento da Fonseca como procurador Geral de
sua Província da Companhia de Jesus do Maranhão por preço, e quantia certa de
dez mil cruzados cuja quantia ficará abatida da maior quantia de 20$ cruzados,
que os mesmos vendedores deviam ao dito Padre Procurador Geral os quais lhe
havia dado a juro o reverendo Padre Jacinto de Carvalho em três partes a saber:
de Lima], possa continuar os autos de demarcação, medição e tombo das terras que pertencem ao referido
Colégio”. 1732. AHU, Pará (Avulsos), cx. 13, dc. 1223.
41
Ofício do governador e capitão-general do Estado do Pará e Rio Negro, João Pereira Caldas, para o
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, enviando os mapas dos gêneros
exportados daquela capitania desde 1756 a 1777. 31 de agosto de 1778. AHU, Pará (avulsos), cx.80, doc.
6627. Em verdade esse mapa inclui os dados das exportações desde o ano de 1730.
85
Década de 1740
Certa vez, quando de uma das muitas confusões que envolveram os jesuítas no
tocante ao pagamento dos dízimos, o escrivão e secretário da fazenda real e alfândega
da capitania do Pará fez uma estimativa do que as ordens religiosas mandaram do porto
de Belém do Pará em direção à cidade de Lisboa (Tabela 4). Expressiva é a diferença
entre a Companhia de Jesus e as demais ordens no trato com tais gêneros. Entretanto,
analisando o mapa dos gêneros exportados pelo porto da capitania do Pará para o
mesmo período por seculares e religiosos, elaborado muitos anos depois a partir dos
registros da alfândega (Tabela 5) percebemos que as exportações de todas as Ordens
religiosas se diluem significativamente, notadamente da Companhia de Jesus com
relação ao cacau (situação que uma pesquisa mais ampla sobre o comércio no Estado do
Maranhão e Pará poderá elucidar). Vejamos:
42
“Forçaz p.a a Escript.a das Cazas” “. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 89, doc. 11.
86
Tabela 4
Registro dos gêneros que as ordens religiosas embarcaram para a cidade de Lisboa
no intervalo entre 1743 e 1745 (em arrobas).43
Tabela 5
Mapa dos gêneros exportados pelo porto do Pará entre os anos de 1743 e 1745 (em
arrobas).44
Gêneros 1743 1744 1745 Total SJ % SJ
Cacau 63:299@10 74:511@23 57:129@31 194:939@64 10:665@26 5,47 %
Café 358@31 367@ 21 648@11 1:373@63 56@25 4,09 %
Salsa 606@7 561@6 1:114@4 2282@7 349@04 15,29 %
Cravo fino 206@30 278@30 460@12 944@72 379@25 40,14 %
Cravo grosso 1:453@10 1:822@14 1:971@22 5246@46 1:336@00 25,46 %
Açúcar 3:501 1:696@ 27 5:503@22 10:700@49 316@28 2,95 %
O governador estava ciente das cifras referentes às ordens religiosas. Mais que
isso: ele foi examinar os livros de registros da fortaleza de Gurupá para ver o que as
ordens haviam coletado nos sertões naquele período, chegando ao valor de 18.690
43
Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, Lourenço de Anvéres Pacheco, para o rei D.
João V, dando seu parecer relativamente ao comércio de cacau e de outros produtos do sertão praticado
pelos religiosos no Pará. Anexos: certidões, carta, provisões, carta de confirmação e relações. 20 de
outubro de 1747. AHU, Pará (Avulsos), caixa 29, doc. 2799.
44
Ofício do governador e capitão-general do Estado do Pará e Rio Negro, João Pereira Caldas, para o
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, enviando os mapas dos gêneros
exportados daquela capitania desde 1756 a 1777. 31 de agosto de 1778. AHU, Pará (avulsos), cx.80, doc.
6627. Em verdade esse mapa inclui os dados das exportações desde o ano de 1730.
87
arrobas coletadas e declaradas (por todas as ordens, e para os três mencionados anos na
tabela). De tal feita, arredondando o número do embarque para 16.280 e o subtraindo
das 18.690 arrobas afirmava que sobravam “2.410@ que poderão ser as que despendem
no que lhe é preciso”.45 A estarem certas as contas e considerações do governador
Francisco Pedro de Mendonça Gurjão, podemos inferir que a maior parte das drogas
coletadas (não entrou a produção cultivável das fazendas religiosas, com as exceções do
café e açúcar) era destinada à exportação. Talvez isso explique a grande ânsia por parte
delas na busca por privilégios que as isentassem do pagamento de tributos referentes ao
comércio com o reino, mesmo sendo irrisória a totalidade de suas exportações no início
da década de 1740, quando comparada ao conjunto das exportações do Pará. Há de se
perceber, também, que, dentre as ordens religiosas, a Companhia de Jesus responde pelo
maior montante exportado, o que aponta o seu maior vigor na defesa de seus privilégios.
Todas as demais atividades que até agora elencamos nos mostram que a Ordem
tentava, por várias vias, complementar a verba que recebia da Coroa em razão do
regime de Padroado. Tais verbas eram doadas em forma de diversos privilégios que, via
de regra, eram alvo das hostilidades dos colonos. Referimo-nos aqui não apenas às
isenções alfandegárias ou côngruas, mas também, e sobretudo, às polêmicas aldeias de
administração privativa.
45
Carta do Governador e Capitão General do Estado do Maranhão e Pará, Francisco Pedro de Mendonça
Gorjão, para o rei D. João V, relativa aos direitos cobrados sobre os produtos do sertão e à ação dos
sacerdotes da Companhia de Jesus. Pará, 28 de setembro de 1747. AHU, Pará (Avulsos), caixa 29,
doc.2785.
46
Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, Lourenço de Anvéres Pacheco, para o rei D.
João V, dando seu parecer relativamente ao comércio de cacau e de outros produtos do sertão praticado
pelos religiosos no Pará. Anexos: certidões, carta, provisões, carta de confirmação e relações. 20 de
outubro de 1747. AHU, Pará (Avulsos), caixa 29, doc.2799.
88
47
FONSECA, Bento da. Apontamentos para a chronica da Companhia de Jesus no Maranhão, f.104.
48
Ibidem, 102v.
49
Ibidem, 104v.
89
50
“Acentua de novo a utilidade de continuarem os padres da Companhia de Jesus nas Missões e regula o
modo de ser dos noviciados nas suas respectivas casas”. Lisboa, 4 de janeiro de 1687. ABAPP, tomo I
(1902), doc. 41, pp. 90-91.
51
“Que se não falte com os vinte e cinco casais de índios a que tem direito os Missionários da Companhia
de Jesus”. Lisboa, 25 de março de 1688. ABAPP, tomo I (1902), doc. 46, p.95.
52
“Que aos padres da Companhia de Jesus deve o Governador prestar sempre todo o auxílio e proteção”.
Lisboa, 25 de março de 1688. ABAPP, tomo I (1902), doc. 47, pp. 95-96.
90
nos quais recomendo que se faça toda a estimação dos missionários”.53 Ora, apesar das
repreensões aos excessos contra os inacianos, devemos lembrar que, como ressalvou
Décio de Alencar Guzmán, o governo de Berredo sinalizou a inflexão sofrida na política
metropolitana para o Estado do Maranhão no sentido de “restringir a influência dos
jesuítas, em especial no trato com os indígenas”.54
Guzmán ressalta que os Anais Históricos de Berredo, “sobre as ações
portuguesas na região”, devem ser entendidos como a necessidade de um manuscrito
que fizesse frente aos demais que eram organizados pelos padres da Companhia, a
exemplo das três crônicas que àquela época já circulavam na Europa e que “em muitos
aspectos não se afilava com o projeto da coroa”. São as crônicas dos padres João Felipe
Bettendorff (1627-1698); Domingos de Araújo (1672-1734) e Jacinto de Carvalho
(1677-1744).55 Acrescente-se a isso as inúmeras cartas inacianas, de modo especial as
do padre Antonio Vieira. Contudo, Berredo não atacava a Ordem somente por via da
sua crônica.
Pela altura de 1720 o padre Manuel de Seixas acusava o capitão-mor de São
Luis do Maranhão de tirar “violentamente os índios na aldeia de Maracu”. A questão
toda consistia no fato de que a mesma aldeia fora concedida por provisão real ao colégio
de Nossa Senhora da Luz. De tal feita, foi dada ordem para que o governador Berredo se
manifestasse sobre a situação. Berredo é bastante astuto e diplomático: não atacando
diretamente a Companhia de Jesus, provavelmente em decorrência das repetidas ordens
régias que intentavam apaziguar os ânimos na conquista, prefere tecer inúmeros elogios
ao procedimento do capitão-mor de São Luis que figura como “tão zeloso do real
serviço” e “observante das ordens de seus superiores”. Todavia, Berredo precisava
explicar aquela atitude de um modo mais convincente e, para tanto, dava mais uma
alfinetada na Ordem.
Afirma ao rei que pelo fato de a aldeia de Maracu ser “das mais populosas desse
Estado” não seria possível a defesa da capitania isentando os seus índios desse trabalho,
já que as demais aldeias eram deficitárias naquele ponto. Afirma que as aldeias do
53
“Os capítulos do regimento, attinentes (sic) ao respeito e veneração que se deve ter com os
missionários, parece que não são observados”. Lisboa, 8 de junho de 1720. ABAPP, tomo I (1902), doc.
125, pp. 172-173.
54
GUZMÁN, Décio de Alencar. “Bernardo Pereira de Berredo: historiador da Amazônia”. In: FONTES,
Edilza Joana Oliveira & NETO, José Maia Bezerra (orgs). Diálogos entre história, literatura e Memória.
Belém: Paka-Tatu, 2007, p.189.
55
Ibidem.
91
Itapecuru e do Icatu não poderiam concorrer para aquele serviço. De igual modo,
insinua que a aldeia de São José “que é mais crescida, há de acudir precisamente aos
contratadores dos dízimos, e carnes, de donde não podem divertir [os índios]”. Posto
assim, Berredo não deixava outro caminho se não a utilização da aldeia de privilégio da
Companhia para os serviços de defesa da capitania. Não sem razão, Dom João V ordena
que se observe “inviolavelmente o privilégio que têm estes religiosos sobre os índios
desta aldeia de Maracu” fazendo a importante ressalva de que em caso da necessidade
pública de expedições de guerra, ou outra que seja “inevitável”, os índios poderiam ser
tirados sem “violência, nem em tanta quantidade, que prejudique a aldeia”. 56
A aldeia de Maracu, por ser tão populosa, sempre foi alvo da cobiça das
autoridades coloniais. Em 1730, nova embrulhada de considerada gravidade. Agora era
o próprio plenipotenciário visitador-geral das Missões, padre Jacinto de Carvalho, que
investia contra o governador Alexandre de Souza Freire (o mesmo que era abertamente
contrário a Ordem) em dupla acusação. Alegava que em uma dada oportunidade o dito
governador havia passado uma portaria ao “capitão Francisco de Almeida cabo da
escolta que assistia no Mearim” para que este requeresse três índios ao principal da
aldeia de Maracu “independente dos superiores da Companhia”. O visitador deixa claro
que o reitor do colégio da Luz já havia dado ao mesmo capitão oito índios e que na
época da polêmica portaria ele estava ainda com cinco deles.
Mas as denúncias não param por aí: Jacinto de Carvalho acrescenta que, em
outra oportunidade, Alexandre de Souza Freire havia montado uma tropa para
“descobrir umas minas de ouro que se tinham fingido haver no sertão do Rio Pindaré”.
Para tanto, pelo regimento da tropa, o governador tinha dado ordens para que o cabo
que estava à frente dela fosse até a aldeia de Maracu e “dela tirasse os índios que lhe
fossem necessários”. Como o visitador ficou sabendo de tal intento, logo declarou o
privilégio que os padres tinham e que, no entanto, caso fossem necessários índios ele os
forneceria sem ser necessária aquela atitude desrespeitosa. Como foi dito que era
preciso apenas dois índios guias, Jacinto de Carvalho entregou uma carta ao cabo da
tropa que ficou encarregado de a levar ao missionário residente em Maracu; carta pela
qual o visitador ordenava a concessão dos dois índios guias.
56
“Que respeitem os privilégios da Companhia de Jesus na aldeia de Maracu, na capitania de São Luis,
salvo no caso de guerra ao gentio do corso”. Lisboa, 5 de fevereiro de 1721. ABAPP, tomo I (1902), doc.
129, pp. 178-179.
92
Tudo estaria resolvido, se assim ocorresse, o que não teve lugar. Empunhando a
carta que deveria ser levada ao missionário de Maracu, o cabo da tropa deixou-se ficar
um pouco distante da aldeia, pelo período da noite, quando deu ordens para que
soldados armados assaltassem as casas dos índios “com ordem que lhe trouxessem
quantos achassem”. Cativaram dez índios, pois os demais fugiram para os matos,
desarticulando a aldeia jesuítica, “e que não sendo ainda isso bastante se detiveram [os
soldados] três dias correndo os matos e roças buscando os índios escondidos”. Com tais
acusações de possíveis desmandos do governador, Dom João V repreendeu vivamente
aquela atitude pelo que mandou se respeitasse o regimento e “repetidas ordens
minhas”.57 De fato, inúmeras são as cartas régias que ordenam a observação dos
privilégios jesuíticos, como as aldeias de administração privativa. Nesse sentido, mais
uma vez, em 11 de fevereiro de 1730, Dom João V alegava que já havia sido dada uma
ordem no ano de 1680 para que a Companhia povoasse “uma aldeia no rio Pindaré para
se substituir a alternativa da repartição da outra já situada que eu lhes concedi insolidum
para o seu serviço”.58 Ao que tudo indica o rei se referia à aldeia de Maracu.
Os embates em torno da mão-de-obra indígena nos direcionam a um ponto de
considerada envergadura para a Companhia de Jesus, a questão da jurisdição espiritual e
temporal dos índios. Não é nossa intenção aprofundar tal tópico nesta dissertação.
Contudo, esta dupla jurisdição nos sugere que, para além da evangelização dos
autóctones, os padres estavam envolvidos em uma gama de atividades mundanas como
atrás apontamos. Em outras palavras: sem o suporte dos índios aldeados aqueles
empreendimentos (como o comércio das drogas do sertão) seriam inviáveis. De tal feita,
a detenção dos poderes espirituais e temporais sobre os aldeamentos e as atividades
“temporais” decorrentes do segundo poder logo se tornaram motivo de grandes queixas
por parte dos moradores.
Sabidamente a Companhia de Jesus ficou por longo tempo responsável pela
repartição dos índios. As aldeias missionárias constituíam fonte do trabalho para toda a
57
“Cumpra e faça cumprir o governador o regimento e as ordens sobre os privilégios da Companhia de
Jesus”. Lisboa, 10 de fevereiro de 1730. ABAPP, tomo III (1904), doc. 248, pp. 281-283.
58
“Consulte o Governador a Junta das Missões e informe depois com o seu parecer a representação dos
oficiais da câmara de São Luis do Maranhão contra os padres da Companhia de Jesus, que se querem
furtar a obrigação de povoar e dirigir a aldeia do rio Pindaré”. Lisboa, 11 de fevereiro de 1730. ABAPP,
tomo III (1904), doc. 251, pp. 286-287.
93
colônia. Sobre tal questão, ainda no início da Missão, em carta de 1652 ao provincial do
Brasil, padre Antonio Vieira dizia que os padres haviam representado
Ao Conselho e S.M., que a rogos nossos foi servido aliviar-nos deste cuidado,
como também do de sermos repartidores dos índios, que por provisão antiga
estava encarregado ao Padre Luís Figueira, e seria um seminário de ódios e
contradições.59
Vieira sabia do que falava. Estava ciente dos embates com os colonos quando
estes alegavam que a Ordem utilizava os índios de repartição em proveito próprio. 60
Contudo, como a repartição dos índios continuou sendo quase que exclusividade da
Companhia de Jesus, aquele seminário de ódios e contradições veio a ocasionar alguns
graves ataques a Ordem, como são exemplares o motim de 1661 e a Revolta de
Beckman, de 1684. É que apesar da proposta inicial do padre Vieira em se largar a
ocupação de repartidores dos índios, a Missão jesuítica do Maranhão seguiu sendo
marcada pela inseparabilidade dos poderes temporal e espiritual sobre os índios. Nesse
sentido, acompanhemos a argumentação do padre João Felipe Bettendorff:
A segunda coisa, de que vos quero advertir, é que não haveis de estranhar que
vou sempre ajuntando o governo espiritual com o temporal, porque sendo que
os tivessem os missionários ambos juntos acerca dos índios, ou os não tivessem
juntos, mas um só que é o espiritual, contudo andaram sempre e andarão tão
anexos, que forçosamente os missionários se devem valer dos governadores e
capitães-mores para efetuar na salvação das almas o que pretendem, além do
que por esta via melhor se conhecerá o que se obrou em qualquer tempo na
missão. 61
59
“Carta ao padre Provincial do Brasil”. 14 de novembro de 1652. In: VIEIRA, Antonio. Cartas
[Organização e notas de João Lúcio de Azevedo e prefácio de Alcir Pécora]. São Paulo: Globo, 2008,
vol.I, p. 222.
60
Para uma rápida leitura e observação geral do cenário conflituoso em relação a mão-de-obra indígena
ver, entre outros: SOUZA, James O. “Mão-de-obra indígena na Amazônia colonial”. Em tempo de
Histórias, nº 6, 2002; LIMA, Ana Lúcia Sales. “A Coroa, colonizadores e missionários: embates em torno
da escravidão do gentio brasílico”. In: Anais da XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas.
Fronteiras e identidades: povos indígenas e missões religiosas. Dourados/MS: Universidade Federal da
Grande Dourados, 2010. Ver também o já citado trabalho de SOUZA JÚNIOR, José Alves de. Tramas do
cotidiano: religião, política, guerra e negócios no Grão Pará do setecentos. Um estudo sobre a
Companhia de Jesus e a Política pombalina. São Paulo, Tese de Doutorado (História), Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2009.
61
BETTENDORFF, João Felipe. Crônica dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão,
p.3.
94
esferas de poder não estava na pauta da Missão do extremo norte, por mais que
inicialmente o padre Antonio Vieira tenha aventado algo semelhante e logo em seguida
percebido que tal solução não seria viável à Ordem. Portanto, a pontual observação de
Bettendorff representa muito bem a necessidade da dupla jurisdição jesuítica em relação
aos autóctones. José Alves de Souza Junior salienta que
Os jesuítas objetivaram conseguir o controle absoluto das populações indígenas
do Brasil e, se isso não era possível em toda a Colônia, no Norte, conquistado
tardiamente e sem despertar inicialmente grande interesse na Metrópole, esse
objetivo se mostrava viável de ser atingido. 62
62
SOUZA JUNIOR, José Alves. “Jesuítas, colonos e índios: a disputa pelo controle e exploração do
trabalho indígena”. In: CHAMBOULEYRON, Rafael & ALONSO, José Luis Ruiz-Peinado (orgs).
T(r)ópicos de história. Gente, espaço e tempo na Amazônia (séculos XVII a XXI). Belém: Ed.
Açaí/Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de Memória da
Amazônia (UFPA), 2010, p. 60.
63
TORRES-LONDOÑO, Fernando. “La experiencia religiosa jesuita y la crónica misionera de Pará y
Maranhão en el siglo XVII”. In: MARZAL, Manuel M., SJ (org.). Un reino de la frontera: las misiones
jesuíticas en la América colonial. Lima: Abya-Ayala/Pontificia Universidad Católica del Perú, 1999, p.
23.
64
MELLO, Márcia Eliane Alves Souza e. “O Regimento das Missões: poder e negociação na Amazônia
Portuguesa”, Clio – Revista de Pesquisa Histórica, Recife, vol. 27, nº 1 (2009).
95
65
PERRONE-MOISÈS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista
do período colonial (séculos VXI a XVIII)”. In: CUNHA, Maria Manuela Carneiro da (Org.). História
dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992,
p. 115-132.
66
MELLO, Márcia Eliane Alves Souza e. “O Regimento das Missões: poder e negociação na Amazônia
Portuguesa”, pp. 48-70.
96
Além de descer mais índios para o serviço da Coroa e moradores, a Companhia não
entraria mais na repartição já que a ela foram destinadas duas aldeias exclusivas.
Entretanto, o benefício real das aldeias de administração exclusiva é uma prática
anterior, datando, pelo menos, do ano de 1652, conforme vimos anteriormente. De mais
certo é que nem o regimento (suplantado pelo diretório dos índios, em 1755) nem as
inúmeras resoluções da coroa conseguiram por um termo às intrigas entre jesuítas e
colonos. Vejamos.
67
“Comunica que o rei mandou ao padre provincial da Companhia de Jesus conhecer dos abusos dos seus
subordinados”. Lisboa, 28 de junho de 1729. ABAPP, tomo IV (1905), doc. 297, p. 55.
68
Ibidem, idem.
97
69
“Sobre os índios que os padres da Companhia de Jesus possuem nas suas roças”. Lisboa, 23 de março
de 1688. ABAPP, tomo I (1902), doc. 43, p.92. No documento aparece o nome de “aldeia do Piriaré”.
Contudo, fica-nos uma questão: não seria “aldeia do Pindaré”, fazendo alusão ao rio de mesmo nome?
70
“Com a carta inclusa do Capitão do Itapecuru Pedro Paulo da Silva, com que dá conta dos padres
missionários da Companhia de Jesus lhe impedirem se intrometer-se na aldeia dos índios tobajaras”.
AHU, códice 274 (consultas do Maranhão), f. 126v.
98
de junho de 1731, em Santa Maria do Icatu, pelos senhores Francisco Rabelo de Paiva,
Mateus Francisco Carvalho, João de Faria, Antonio da Costa e Mendes e Inácio Mendes
da Costa.71
Não só no Maranhão ocorriam tais demandas. O Pará, por ser recortado pelo
labirinto de rios que formava a bacia amazônica, tanto fertilizando suas terras como
permitindo a locomoção fluvial, também foi palco de grandes embates entre padres e
colonos no tocante à questão das drogas do sertão. Assim, os oficiais da câmara do Pará,
em carta de 13 de março de 1703, representavam ao Conselho Ultramarino o fato de os
missionários tirarem “aos índios das suas missões para mandarem ao cravo e cacau, e
outras negociações”. Embasados em tal argumento requeriam uma atitude drástica que
servisse de remédio à situação, pelo que pediam ao rei que “se tire a temporalidade dos
índios forros a todos os missionários, pois deste modo cessarão os clamores de todos
aqueles moradores”. O Conselho Ultramarino, embora reconhecesse que os padres
abusavam “do que dispõem o Direito Canônico [em] se empregarem em negociações
ilícitas”, recomendava ao soberano que
Não convém que de nenhuma maneira se tirem aos religiosos o domínio
temporal que têm nos mesmos índios como pai de família para os ensinarem,
doutrinarem e empregarem naquele trabalho necessário para sustento dos
mesmos índios, e conservação de suas famílias, e ainda também para o alimento
dos mesmos missionários.72
71
“Informe o governador sobre a pretensão dos oficiais da câmara da vila de Santa Maria do Icatu, com
respeito aos soldados das casas fortes e aos índios que os jesuítas lhes tomaram”. Lisboa, 10 de dezembro
de 1731. ABAPP, tomo V (1906), doc. 344, pp.366-369. Em anexo: [carta dos oficiais da câmara de
Icatu]. Vila de Santa Maria de Icatu. 24 de junho de 1731.
72
“Sobre a queixa que fazem os missionários da Câmara do Pará dos missionários daquele Estado de
investirem os índios das missões para mandarem ao cravo e cacau e outras negociações”. Lisboa, 28 de
setembro de 1703. AHU, códice 274 (consultas do Maranhão), ff. 172v – 173.
99
seu regimento, o governador denunciava que “os padres da Companhia em todas essas
lavouras têm ocupado índios”. Assim, Alexandre de Souza Freire consultava Dom João
para saber se ele deveria “consentir ou não no quebramento desse mesmo capítulo”.
Dom João é enfático, ordena que o tal capítulo seja observado não somente com “os
padres da Companhia, mas de todas as mais religiões que há nesse Estado”.73
Menos de dois anos após a citada carta, o rei se manifestava por outra, de 11 de
janeiro de 1731. Nela, repreendia o governador por não ter acatado a sua ordem:
Vendo-me o que me escrevestes em carta de 13 de maio do ano passado,
representando-me os fundamentos porque não executareis a ordem que se vos
expediu em 1º de agosto de 1729 (…) Me pareceu dizer-vos que não obrastes o
que devíeis, em deixar de cumprir a ordem que se vos enviou a qual não
necessita de declaração porque se refere ao capítulo do vosso regimento. 74
73
“Cumpra o governador o capítulo do seu regimento que proíbe aos religiosos cultivarem com os índios
canaviais e tabacos”. Lisboa, primeiro de agosto de 1729. ABAPP, tomo IV (1905), doc. 299, p.58.
74
“Fez mal o governador em não cumprir a ordem sobre a proibição de lavrarem os missionários
canaviais e tabacos”. Lisboa, onze de janeiro de 1731. ABAPP, tomo IV (1905), doc. 302, p.66.
100
75
“Determina a fundação de um hospício da Companhia de Jesus no Ceará, e dá instruções sobre as
sesmarias concedidas aos índios ao longo da costa”. Lisboa, 8 de janeiro de 1697. ABAPP, tomo I (1902),
doc. 62, pp. 107-108.
76
Iibdem.
77
“Para o Governador e Capitão-geral de Pernambuco Caetano de Melo de Castro”. Lisboa, 8 de janeiro
de 1697. In: STUDART, Guilherme. Notas para a história do Ceará. Brasília: Senado Federal/Conselho
Editorial, 2004, pp. 221-222.
78
“Carta de Dom João ao Governador e Capitão-geral de Pernambuco”. 17 de março de 1721. In: Ibidem,
pp. 223-224.
101
Ceará. Contudo, deixemos de lado essa matéria e voltemos aos conflitos que dizem
respeito às terras dos índios.
Movido pela invasão das terras dos índios Tremembé pelos irmãos João Lopes,
José Lopes, Manuel Lopes, mais um primo chamado Manuel da Rocha e um tal
Dionísio Pereira, o monarca, em 25 de janeiro de 1728, despachava uma missiva pela
qual declarava serem “justíssimas queixas” que o padre João Tavares da Companhia de
Jesus lhe apresentava. O monarca afirmava ao governador que a Companhia de Jesus
havia padecido por cinco anos “trabalhos, fomes e sedes para os aldear [os Tremembé]”
e que para os manter e levantar uma igreja havia pedido algumas esmolas e feito alguns
currais naquelas terras em que os ditos índios eram “naturais senhores e possuidores” já
que haviam pedido ao governador anterior “duas léguas de terra para os ditos currais e
aldeia”. A questão toda era que aqueles invasores (um deles, Dionísio Pereira, fugitivo
de Jaguaribe “por mortes e crimes”) haviam colocado os seus currais nas mesmas terras
dos Tremembé. O litígio se arrastava desde o governo anterior ao de Alexandre de
Souza Freire, pelo que o rei, em atitude mais incisiva, ordenava ao mestre de campo da
conquista que prendesse, castigasse e mandasse para Angola os “facinorosos por temer
que façam um levantamento e deitem fora ao dito missionário e seus índios”.79 De certo
os acontecimentos de 1661 e 1684 ainda ressoavam tanto na Conquista quanto na
Coroa.
O caso dos irmãos Lopes parece ter se arrastado por mais alguns anos, como
percebemos pela carta régia de 29 de novembro de 1731. A missiva acrescenta um
ponto importante à questão. Primeiramente o monarca asseverava “que em nada destes
cumprimento à referida ordem de 7 de julho de 1730 que se vos expediu”, pelo que
novamente ordenava ao governador: “deis cumprimento à dita ordem como vos está
ordenado mandando meter de posse aos índios Tremembé das quatro léguas de terra que
lhes pertence e proceder contra os Lopes na forma da mesma Ordem”. Ora, agora
apareciam não duas (como no documento passado), mas sim quatro léguas de terra.
Mais que isso: é citado o governador que deu as quatro léguas aos índios, trata-se de
João Maia da Gama: “léguas de terra e ilhas dos cajueiros que lhe foram dadas pelo
79
“Defenda o Governador os índios da nação Trememes de toda a violência e perturbação, e os conserve
nas suas terras fazendo toda a diligencia para prender os malfeitores que os tem perseguido”. Lisboa, 25
de janeiro de 1728. ABAPP, tomo II (1902), doc.205, pp. 208-209.
102
80
“Não obstante as suas ponderações, reponha o governador os índios taramanbés na posse das suas
terras, como lhe foi ordenado em 7 de julho de 1730”. Lisboa, 29 de novembro de 1731. ABAPP, tomo V
(1906), doc.339, pp. 350-351.
81
MELO, Vanice Siqueira. “Os „senhores absolutos de toda a costa‟ foram aldeados: o estabelecimento
da aldeia dos Tremembé e o conflito com os curraleiros (século XVII-XVIII)”. In: Anais do III Encontro
Internacional de História Colonial: cultura, poderes e sociabilidades no mundo atlântico (séc. XV-
XVIII). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2010, p. 762.
82
“Carta do governador João da Maia da Gama, para o rei Dom João V”. Belém, 29 de setembro de 1727.
AHU, Maranhão (Avulsos), cx. 10, doc. 940. Vai em anexo a carta do Pe. João Tavares, datada de 15 de
julho de 1727.
83
MELO, Vanice Siqueira. “Os „senhores absolutos de toda a costa‟ foram aldeados: o estabelecimento
da aldeia dos Tremembé e o conflito com os curraleiros (século XVII-XVIII)”, p.762.
84
“Não é da alçada do governador intrometer-se nas matérias de justiça, nem seqüestrar autos que se
encontram no juízo do ouvidor geral”. Lisboa, 16 de fevereiro de 1728. ABAPP, tomo II (1902), doc.212,
pp. 215-216.
103
juízo do ouvidor geral”.85 Ao que tudo indica, o caso foi uma manobra da Companhia
de Jesus com o governador para que a Ordem tanto alcançasse aquela propriedade
quanto para ter os ditos índios como seus aldeados no mesmo terreno. Como salientou
Fabiano Vilaça dos Santos, a possível aliança entre João Maia da Gama e os jesuítas foi
motivo de um ácido inventário que Paulo da Silva Nunes enviou a Coroa sobre os
imaginados maus procedimentos do governador no Maranhão. Amparado, entre outras
fontes, pelo trecho que a seguir transcrevemos, Vilaça afirma que para Silva Nunes tão
logo Maia da Gama pôs os pés no Estado:
Foi decompondo a maior nobreza daquelas repúblicas, em público, sem para
isso terem dado a mínima causa, sem atender (…) aos privilégios que gozam
aqueles cidadãos (…) pelos serviços que os pais e avôs daqueles vassalos
fizeram à Coroa (…) na expulsão dos holandeses da cidade de São Luis do
Maranhão (…) pretendendo-lhes os filhos no corpo da guarda, não sendo
soldados, e em umas casinhas imundas e subterrâneas que tem debaixo das
casas em que vive o dito governador (…) tudo a fim de destruir aqueles
moradores em vingança dos padres da Companhia.86
85
Ibidem.
86
“Capítulos sobre os maus procedimentos do governador e capitão general do Estado do Maranhão João
da Maia da Gama”. Belém, s.d. BN – Ref. 6, 3, 10. fl. 25-50v. Apud SANTOS, Fabiano Vilaça dos. “A
reação dos „cidadãos‟ do Estado do Maranhão aos „maus procedimentos‟ do governador João da Maia da
Gama (1722-1728). Anais da XXIV Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH).
Curitiba, SBPH, 2004. Grifos nossos.
87
AZEVEDO, João Lúcio. Os jesuítas no Grão Pará, p.165.
88
Para um breve histórico das contentas protagonizadas por Silva Nunes, ver: DIAS, Joel Santos. Os
„verdadeiros‟ conservadores do Maranhão: poder local, redes de clientela e cultura política na
Amazônia colonial (Primeira metade do século XVIII). Belém, Dissertação de Mestrado (História),
Universidade Federal do Pará, 2008, pp. 107-140.
104
engajado demais no comércio das especiarias de modo a prejudicar o tesouro real. Por
esse período a Companhia pôde contar com a defesa de duas personalidades: o padre
Jacinto de Carvalho e o já mencionado ex-governador João da Maia da Gama. O
primeiro, enquanto procurador das missões jesuíticas no Maranhão, escreveu em 1729
uma profunda contestação às indagações de Silva Nunes. Já Maia da Gama, que teve
como confessor justamente o padre Jacinto de Carvalho (ao responder uma consulta do
Conselho Ultramarino) alegou que os memoriais de Silva Nunes não tinham o menor
fundamento. No entanto, as hostilidades contra a Ordem ganhavam fôlego. Em 1734,
como ressalta Dauril Alden, a Coroa enviou o desembargador Duarte dos Santos ao
Maranhão para averiguar se as acusações tinham ou não fundamento. O parecer do
desembargador foi favorável à Ordem ao deixar claro que ela não cometia os excessos
que Silva Nunes alegava.89
Para o Desembargador não havia excesso no comércio praticado pelos jesuítas.
Contudo, para dar um fim em tal situação, sugeriu ao rei para que ordenasse “que na
Junta das Missões se lhe determinem as côngruas”, pois de tal feita iriam “parar os
missionários de todo o gênero de negociações”. 90 Naturalmente a Ordem não cessou
suas atividades, pois para ela estava claro que o financiamento da Missão não poderia
depender apenas das benesses reais.
Pelo documento que citaremos abaixo, é patente que, para Silva Nunes, a
Companhia não respeitava a repartição dos índios conforme as regras do Regimento das
Missões de 1686:
Os missionários e seus prelados usam da dita administração temporal tão
despoticamente, que se aproveitam dos índios das Missões, não só da primeira
parte, mas também da segunda e terceira para as suas negociações particulares,
de tal sorte, que mandando os governadores e capitães-generais daquele Estado
buscar índios às aldeias para as expedições do serviço real (…), umas vezes
lhos não dão os missionários, e outras muito menos dos que lhe pedem, e da
mesma sorte os moradores, pelos terem fora das aldeias, e metidos nos matos
89
ALDEN, Dauril. “Aspectos econômicos da expulsão dos jesuítas do Brasil”. In: KEITH, H.H. &
EDWARDS, S.F. (org.). Conflito e continuidade na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1970, pp. 42-48.
90
“Pela parte dos moradores daquele Estado se diz que os missionários não pagam dízimos dos frutos, e
porque nesta matéria há muita grande desordem nas conquistas convém que o Desembargador Francisco
dos Santos Duarte informe o que achou neste particular, e quando não lhe baste a memória que dele tiver,
se pode mandar informar com exatidão aos provedores, e ouvidores do Pará e Maranhão para V.M. tomar
a resolução que tiver por conveniente”. Lisboa, década de 1730. AHU, códice 209 (consultas do
Maranhão), f.175.
105
(…) de onde os mandam ao negócio (…) dos sertões e para outras fábricas e
lavouras que tem nas missões e junto delas e nas fazendas dos seus conventos e
colégios.91
Paulo da Silva Nunes não foi o único letrado a se levantar contra a Ordem, no
Maranhão. Antes disso o Estado se viu às voltas com os distúrbios causados pelo letrado
Manuel Gomes de Carvalho. Em sua dissertação, Joel Santos Dias relata que o dito
advogado teria interferido no litígio entre o vigário-geral e o capitão da fortaleza da
Barra, Luís Vieira da Costa quando este teria sido aconselhado por Carvalho a não
devolver certos papéis ao cartório eclesiástico. De igual modo, na capitania do
Maranhão, Carvalho ainda foi acusado pela morte do juiz de órfãos Diogo de Campelo,
crime pelo qual recebeu absolvição por parte do Ouvidor.92 Nada obstante aos desatinos
do letrado contra a administração colonial, expressivo foi o caso dos seus pasquins
difamatórios contra a Companhia de Jesus.
Em 6 de janeiro de 1706, o ouvidor da capitania do Pará, Antonio da Costa,
despachava ao Conselho Ultramarino uma missiva com a cópia de um pasquim pelo
qual se percebia a “má inclinação que mostram algumas pessoas daquela capitania aos
religiosos da Companhia de Jesus”. O Conselho ao intuir que tal atitude objetivava
comover os ânimos dos moradores para “que se expulsem estes religiosos, não sendo
esta a primeira vez que o puseram em execução”, logo sugere ao rei que ordenasse a
continuação da devassa até o número de cem pessoas, que estava sendo procedida pelo
ouvidor.93 Interessante notarmos como o Conselho guardava a recente memória das
expulsões de 1661 e 1684, pelo que temia um terceiro evento. A embrulhada ganhou
fôlego com as denúncias do vigário do Pará o qual “teve para obrigar a muitas pessoas a
darem cumprimento dos testamentos”. Contudo, sua tarefa foi embaraçada pelo letrado
“Manuel Gomes de Carvalho, por impedir o apresentar-lhe o testamento do defunto
91
Pareceres de João da Maia da Gama, Governador que foi do Maranhão sobre os requerimentos que a El
Rei apresentou Paulo da Silva Nunes contra os missionários. Belém, 21 de setembro de 1728. IHGB. Arq.
1235, fls. 90-95v. Apud SANTOS, Fabiano Vilaça dos. “A reação dos „cidadãos‟ do Estado do Maranhão
aos „maus procedimentos‟ do governador João da Maia da Gama (1722-1728)
92
DIAS, Joel Santos. Os „verdadeiros‟ conservadores do Maranhão: poder local, redes de clientela e
cultura política na Amazônia colonial (Primeira metade do século XVIII), pp. 102-103.
93
“Sobre o que escreve o Ouvidor Geral da capitania do Pará acerca do excesso e má inclinação que
mostram ter algumas pessoas daquela capitania aos religiosos da Companhia de Jesus, e vai a carta, e
cópia de um pasquim que se acusa”. 10 de maio de 1706. AHU, códice 274 (consultas do Maranhão), ff.
178-178v.
106
João Herrera da Fonseca”.94 Ora, vimos no primeiro capítulo que o casal João Herrera
da Fonseca e Isabel da Costa deixou por testamento aos padres jesuítas a muito próspera
fazenda de Ibirajuba, no Pará. Embora não tenhamos encontrado um documento que
relacione os fatos, tudo indica que Carvalho intentava prejudicar a posse inaciana da
dita fazenda.
Após tantos desatinos no Maranhão, parecia natural que fosse dada ordem de
prisão a Manuel Gomes de Carvalho. Ademais, o rastro de confusões geradas pelo
letrado atravessava o oceano. Sua polêmica trajetória está descrita em uma das consultas
do Conselho Ultramarino:
Se confirmavam por haver sido degradado deste Reino para aquele Estado, e era
certo que não foi por virtuoso e por não caber no Maranhão, fora mandado para
o Pará, onde continuava nos seus desmandos, inquietando aquele povo, com
tiranias; que estas informações, e estas conjeturas são suficientíssimas para que
se ordene ao governador que de presente vai para aquele Estado, que logo
mande prender e preso o remeta a este Limoeiro, donde será conveniente seja
desnaturalizado deste Reino e mandado sair dele debaixo de graves penas, pois
nem coube nele pelos seus delitos, nem cabe na Conquista para onde foi
degradado, e seria porém conveniente, que ao depois de preso o Governador
tome sua informação do seu procedimento; como também o ouvidor geral que
remeta as informações com ele preso para total averiguação do caso. 95
Para além das rusgas com a Companhia de Jesus, com os pasquins afixados nas
portas de suas igrejas numa ampla campanha “jesuitófoba”, Carvalho não coube nem no
reino nem na conquista por todo o seu histórico de desordens. Entretanto, as “grandes
queixas que houve da sua pessoa do mesmo estilo do seu mau ânimo e procedimento”
ou os demais ataques como os de Silva Nunes não devem ser motivo de uma visão
enviesada pela qual alguns pesquisadores se furtam a ponderar a boa relação entre
inacianos e administração colonial, quando esta relação era de benefício mútuo. Nesse
sentido, significativa é uma carta de 1710 pela qual o rei determinava ser imperativo
que os padres da Companhia continuassem “no descobrimento do Jari” mesmo em
detrimento das queixas dos padres da Conceição e Santo Antônio que alegavam “serem
94
“O Vigário Geral da Capitania do Pará dá conta das causas que teve para obrigar a muitas pessoas a
apresentarem os testamentos, e darem comprimento a eles e das que teve para proceder com censuras
contra Manuel Gomes de Carvalho, e vai a carta que se acusa”. 11 de maio de 1706. AHU, códice 274
(consultas do Maranhão), f. 180.
95
“O Capitão Mor do Pará, Ouvidor Geral, oficiais da Câmara e Vigário Geral da mesma capitania dão
conta do mau procedimento do letrado Manuel Gomes de Carvalho, e vão as cartas que se acusam”.
Cinco de junho de 1706. AHU, códice 274 (consultas do Maranhão), f. 180v.
107
os tais índios dos distritos que lhe estão assinalados”. Determinava o monarca ao
governador que se acha “nos padres da Companhia o melhor préstimo para semelhantes
descimentos”. Já aos franciscanos das ditas duas províncias, protestava o rei, “se
emendem, e procedam como os padres da Companhia”. 96
Ainda no sentido do que apontávamos anteriormente, parece-nos singular o
requerimento de duas nações indígenas do rio Tocantins, os Jaguari e os Tacaiuna.
Ambas, em 1721, mandaram ao superior das missões “seus embaixadores pedindo-lhe
enviassem missionários da Companhia para os doutrinar na fé católica, prometendo que
todos se fariam cristãos e seriam meus fiéis vassalos”. Posta assim a questão cresce aos
olhos, com tamanha aceitação dos índios. Contudo, ao mesmo passo que foi destinado o
jesuíta Manuel da Mota para missionar naquelas paragens, a Ordem sentia a necessidade
de obter a companhia de “alguns portugueses e de alguns índios das aldeias do Pará”
para alguma eventualidade. Tudo isso, pois o “dito rio era povoado de outras mesmas
nações bárbaras, e para que essas não se atrevam a impedir a pregação do evangelho,
nem ofender aos que se fizessem cristãos”.97
•
Ao fim deste capítulo podemos afirmar que o grosso da atividade comercial
jesuítica dizia respeito às drogas do sertão. Contudo, vimos que a Ordem exportava pelo
porto de Belém gêneros como açúcar e café, produtos estes que não eram buscados no
sertão e sim cultivados em suas fazendas. Facilitando tal prática estava a quase primazia
de jurisdição temporal sobre os aldeamentos que haveriam de fornecer a mão-de-obra
aos serviços da Conquista. Somem-se a isso os vários privilégios reais e um requintado
esquema organizacional/administrativo inaciano. No entanto, como vimos, as atividades
dos colégios de Santo Alexandre e Nossa Senhora da Luz vieram a sofrer grandes
oposições por parte dos colonos.
A mudança dos governadores do Estado, de igual modo, interferia nos planos
inacianos. Se houve um governador pouco simpático à Missão como Bernardo Pereira
de Berredo (1718-1722), a sorte não deixaria de sorrir aos padres com um João da Maia
96
“Descobrimento e exploração do Rio Jary. Neste encargo prefiram os padres da Companhia de Jesus,
porque a tais empresas só os leva o serviço de Deus e do Rei”. Lisboa, 2 de julho de 1710. ABAPP, tomo
I (1902), doc.88, pp. 130-131.
97
“As nações dos índios Jaguaris e Tacayunas, habitantes do rio Tocantins, pediram ao Superior da
Missões da Companhia de Jesus, alguns missionários jesuítas que os doutrinassem”. Lisboa, 25 de
fevereiro de 1722. ABAPP, tomo I (1902), doc.141, pp. 193-194.
108
da Gama (1722-1728), que tanto os beneficiou, que depois fora substituído por
Alexandre de Souza Freire (1728-1732) – outro opositor aos jesuítas. Assim, lidando
com todas essas circunstâncias, favoráveis ou não, a Companhia seguia no seu projeto
mesmo após os acontecimentos de 1661 e 1684 e o aperto da Coroa com relação aos
dízimos, bem notório na primeira metade do século XVIII.
A questão do pagamento dos dízimos, em verdade, consistiu na maior ofensiva
que a Ordem veio a enfrentar em seus negócios. Se na colônia os padres tinham que
lidar, vez e outra, com algum governador mal afeto aos seus interesses, na Coroa ela
tinha de prestar contas ao rei que, enquanto Grão-mestre da Ordem de Cristo, tinha
todos os poderes para tributar os dízimos nos produtos que os discípulos de Santo Inácio
cultivavam ou recolhiam na Amazônia. Tal matéria será analisada no capítulo seguinte.
109
1
“Carta que El Señor Obispo de la Puebla respondió al padre Provincial Andrés de Rada”. Angeles, 4 de
maio 1649. In: Don Juan de Palafox y Mendoza: su Virreinato en La Nueva España, sus contiendas com
los PP. Jesuítas, sus partidários em Puebla, sus apariciones, sus escritos escogidos etc etc. México:
Librería de la VDA. DE CH. BOURET, 1906. Tradução nossa.
110
auxílio do Vice-rei, nomearam por conservadores dois padres dominicanos e com eles
ameaçaram com Pena de Excomunhão Maior tanto o Bispo de Puebla quanto o seu
Provisor, que era o Bispo eleito de Honduras, caso não se revogassem alguns éditos que
obrigavam a Companhia a ter licença do Ordinário para os ditos sacramentos; pelo que a
dupla excomunhão veio a ocorrer. Ao que consta, os jesuítas aproveitaram algumas
pendências entre o então Vice-rei da Nova Espanha e o Bispo, conflitos que diziam
respeito a matérias de jurisdição.2 Contudo, conforme sugere o trecho da carta-resposta
de Palafox, motivou a dupla excomunhão a sua oposição aos inacianos em respeito ao
não pagamento dos dízimos: “só porque defendo o dote de minha esposa nos dízimos”.
Conforme pondera Herman W. Konrad, as ações de Palafox visavam a “deixar sem
efeito a resolução de 1538, ditada pela Audiência em favor das isenções dos dízimos”.
Nada obstante, já em 1614, o Conselho das Índias havia despachado em favor da
cobrança dos dízimos aos regulares (que incluía os jesuítas). A questão não se resolveu
com tal resolução e, assim, em “1639, o Bispo de Puebla se converteu em porta-voz
oficial dos pontos de vista do clero secular, e depois em seu cargo de Vice-rei pretendeu
obrigar aos jesuítas a pagar o dízimo”. 3 Ora, como visto já em sua carta, Palafox foi não
apenas Bispo de Puebla, como Arcebispo do México, Decano do Conselho das Índias e
Vice-rei da Nova Espanha, entre outros títulos. Apesar da oposição de Palafox, em 1648
o
rei Felipe IV enviou uma série de cédulas em as quais censurava ao Vice-rei, ao
Arcebispo e aos funcionários da Audiência, em primeiro lugar por terem
permitido o conflito com os jesuítas. Ao mesmo tempo, deu instruções
específicas a Palafox no sentido de que favorecesse aos jesuítas em sua diocese.
Os jesuítas finalmente perderam a guerra e no transcurso das décadas foram
obrigados a pagar o dízimo sobre a produção de suas fazendas.4
2
“Introduccíon noticiosa para la inteligência de estas cartas, com la mayor puntualidad del hecho y
algunos ejemplos al asunto”. In: Don Juan de Palafox y Mendoza.
3
KONRAD, Herman. Una hacienda de los jesuítas en el México colonial, Santa Lucía, 1576-1767, p. 92.
4
Ibidem., pp. 92-93.
111
não pagamento dos dízimos pelos jesuítas, nas possessões portuguesas do continente,
mais precisamente no Estado do Maranhão, conforme veremos, foi o Bispo que
ameaçou os inacianos de Excomunhão maior ipso facto in currenda caso eles se
recusassem a tributar tais impostos. Passemos a analisar o padroado ibérico naquilo que
tange à questão dos dízimos, dando ênfase ao padroado português.
•
Ao nos debruçarmos sobre tão espinhoso tema que é o Padroado durante o
período da expansão marítima da época moderna devemos lembrar que tais direitos
foram concedidos paulatinamente pela Santa Sé Romana aos reis ibéricos. Nesse
sentido, em vasto estudo publicado recentemente, Alceu Kuhnen lembra que seu
surgimento na igreja esteve mais ligado a “uma simples concessão honorífica e
espiritual, de forma esporádica e específica, até chegar à sua maturação plena, como
prática generalizada em toda a igreja, apresentando uma delimitação jurídica bem
definida”. Kuhnen alega que somente durante o século XI, com os papas reformadores,
“foram clarificadas as definições canônicas do jus patronatus”. Em verdade, o padroado
eclesiástico foi originado não somente pelo jus patronatus romano, como também pela
inflexão sofrida por ele quando das invasões bárbaras naquele império, entrando em
contato com o costume germânico do mundium e beneficium.5 Na idade moderna,
aquele poder simplesmente honorífico e espiritual, clarificado no século XI, logo passou
a ser um instrumento valioso na expansão da fé católica ao atrelar a força do padroado à
figura dos reis ibéricos. Como exemplo desse movimento, dando um pulo ao século
XV, analisemos mais detidamente o assunto que aqui nos interessa, que são os dízimos.
Segundo o padre Oscar de Oliveira, em 13 de março de 1455, o Papa Calixto III,
por meio da Bula Inter Caetera, concedia ao Grão-Prior da Ordem de Cristo “jurisdição
ordinária episcopal, como prelado nulius diocesis, com sede no convento de Tomar, em
todas as terras ultramarinas conquistadas ou por conquistar”.6 Ora, como bem lembra
Alceu Kuhnen, pelo fato de não existir uma diocese (nulius diocesis) que respondesse
por essa região, o Papa concedia poderes equiparáveis ao de Bispo à instituição
eclesiástica que era a Ordem de Cristo, sendo seu Mestre, Administrador e governador o
Infante Dom Henrique. Contudo, como o infante era pessoa leiga, havia o impedimento
5
KUHNEN, Alceu. As origens da igreja no Brasil: 1500 a 1552. Bauru, SP: EDUSC, 2005, pp. 29-32.
6
OLIVEIRA, Oscar. Os dízimos eclesiásticos do Brasil: nos períodos da colônia e do império. Roma:
Pontifícia Universitas Gregoriana, 1937, p. 35.
112
para que ele tomasse posse de tais poderes. Atentando para tal impedimento, o Sumo
Pontífice resolveu que tal jurisdição religiosa fosse efetuada pelo “Prior Mor da Ordem,
revestido de ordem sacra”, conforme atenta Alceu Kuhnen. 7 Entrando no assunto que
aqui nos interessa, o autor faz uma valiosíssima ressalva:
Um outro elemento importante que normalmente tem passado despercebido
pelos estudiosos da Bula Inter caetera: o Papa Calixto III confirmara uma
antiga concessão de seus antecessores, que a Sé Apostólica havia concedido
para a sua perpetuidade, ou seja, dera o direito a D. Henrique de reter para si
todos os rendimentos da Ordem, os quais deveriam ser aplicados nas conquistas.
Desse modo, o Mestre da Ordem fora confirmado pelo Pontífice nos seus
direitos de administrador e governador de todos os bens, rendimentos e
sobretudo dos dízimos – já que o rendimento eclesiástico mais importante era o
dízimo eclesiástico – da Ordem de Cristo.8
7
KUHNEN. As origens da igreja no Brasil: 1500 a 1552, pp.62-63.
8
Ibidem, p. 64.
9
OLIVEIRA. Os dízimos eclesiásticos do Brasil: nos períodos da colônia e do império, p. 45.
10
KUHNEN. As origens da igreja no Brasil: 1500 a 1552, p.65.
113
11
BOXER, Charles. A igreja e a expansão ibérica (1440 -1770). Lisboa: Edições 70, 1978, p. 100.
12
KUHNEN. As origens da igreja no Brasil: 1500 a 1552, p. 101.
13
Ora, a diocese de Funchal não representou um corte no poder do Mestrado da Ordem de Cristo, mas
somente um “reordenamento da jurisdição eclesiástica da Ordem”, como defende Kuhnen na seguinte
passagem: “é importante notar que o privilégio de jurisdição eclesiástica da Ordem de Cristo não foi
abolido completamente com a extinção da condição nulius dioceses. O papa extinguiu, tão somente, a
jurisdição eclesiástica da Ordem no seu aspecto espiritual, que competia ao Prior Mor ou Vigário do
Tomar, revestido de ordem sacra. Já a sua jurisdição eclesiástica na sua temporalidade, exercida pelo
Mestre da Ordem, ficou intocável, permitindo a Dom Manuel e seus sucessores continuarem na
administração livre e plena dos rendimentos da Ordem, sobretudo dos dízimos, e no domínio dos bens
eclesiásticos”. Ibidem, p. 93.
114
defensores jamais esclareceram foi se tal legislação recebeu algum dia sanção
da Coroa, de modo a ser aplicável no Brasil. 14
Ao fazer esse comentário, Dauril Alden nos remete à obra do padre Oscar
Oliveira. No trecho indicado, Oliveira arrola várias indicações de documentos que dão
conta dos privilégios com relação à isenção do pagamento dos dízimos por parte da
Companhia de Jesus. Segundo o autor:
Chegamos a saber que de fato a Companhia de Jesus goza de privilégios de
isenção dos dízimos. Com efeito, Paulo III, a 18 de outubro de 1549, pela bula
Licet debitum concedia à Companhia o privilégio de não tributar dízimos, ainda
que fossem papais, o que foi confirmado pela bula Exponi Nobis de Pio IV,
dada em 19 de agosto de 1561. Gregório XIII, na sua bula Pastoralis Officii, de
3 de janeiro de 1578, derrogava o capítulo Nuper de Inocêncio III que, no IV
Concílio de Latrão havia decretado que todas as religiões deveriam pagar
dízimos das terras que daí por diante, ao passarem às suas mãos já estivessem
sujeitas ao tributo decimal. 15
É interessante ressaltar que, tanto Dauril Alden quanto o padre Oscar Oliveira,
ao discorrerem sobre a questão dos dízimos, sempre fazem referência aos documentos
pontifícios. As bulas papais, neste sentido, guardam especial gravidade. A elas recorrem
os jesuítas ao alegarem o direito da isenção destes tributos. Entretanto, apesar das ditas
bulas, o impasse nunca chegou a um termo. É imperativo atentarmos que somente
durante um mesmo século, o século XVI, inúmeras bulas foram despachadas. Se por um
turno elas davam poder ao monarca para gerenciar a receita dos dízimos, por outro elas
isentavam a Companhia daquela tributação, conforme alerta o padre Oliveira. Por outro
lado, entrando no século XVII, Alden lembra que Dom Pedro II, em 1684, renovou um
antigo privilégio passado aos inacianos por Dom Sebastião no século XVI. Como já
falamos no capítulo anterior, tratava-se de um alvará expedido no reinado de Dom
Sebastião isentando os jesuítas de todos os direitos alfandegários sobre as mercadorias
que a Ordem importava e exportava do Brasil. 16 A Ordem também recorreu a tal
privilégio para se esquivar das investidas da Coroa na questão dos dízimos. Entretanto,
como veremos em momento oportuno, tal atitude gerou mais polêmica para a própria
Companhia de Jesus, pois seus opositores alegavam a distinção entre direitos
alfandegários (mencionados no alvará de Dom Sebastião) e dízimos.
14
ALDEN, Dauril. “Aspectos econômicos da expulsão dos jesuítas do Brasil”, p. 41.
15
OLIVEIRA. Dízimos eclesiásticos no Brasil, p.70.
16
ALDEN. “Aspectos econômicos da expulsão dos jesuítas do Brasil”, p. 39.
115
17
HOONAERT, Eduardo [et al.]. História da Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo:
primeira época, período colonial. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, pp. 38-39.
18
Ibidem, p. 40.
116
19
Em 30 de agosto de 1677, o Papa Inocêncio III criou a diocese do Maranhão, fazendo parte dela o Pará
e mais uma vasta região. Contudo, em 4 de março de 1719, Sua Santidade, Clemente XI, erigia a diocese
do Pará por meio da Bula Copiosus in misericordia. Interessante notarmos que a dita bula não deixou de
lado os poderes conferidos ao rei de Portugal (enquanto Grão-mestre da Ordem de Cristo), graças ao
Padroado. Assim, Dom Antonio de Almeida Lustosa ressaltava que “a mesma bula confere ao Bispo de
Santa Maria de Belém o direito de instituir as próprias Dignidades, Canonicatos, Prebendas e Benefícios,
conforme a apresentação dos reis de Portugal, e eleva a igreja de Nossa Senhora das Graças à categoria
de Catedral”. ALMEIDA LUSTOSA, D. Antônio. D. Macedo Costa: Bispo do Pará. Belém:
SECULT,1992, pp. 10-13. Grifos nossos.
20
OLIVEIRA, Oscar. Os dízimos eclesiásticos do Brasil: nos períodos da colônia e do império, p. 42.
21
“DECRETO do rei D. João V, ordenando o envio de doze mil cruzados anuais, com base no
rendimento dos dízimos da capitania do Pará, destinados ao pagamento dos ministros eclesiásticos e mais
despesas da nova catedral daquela capitania”. 5 de maio de 1724. AHU, Pará (Avulsos), cx. 8, doc. 690.
117
22
Azevedo, João Lúcio de. Os Jesuítas no Grão-Pará: Suas missões e a colonização, Bosquejo histórico.
Belém: Secult, 1999, p.197.
23
“Regula o despacho das drogas da Caza da India em Lisboa…”. 19 de setembro de 1676. ABAPP, tomo
I (1902), pp. 64-65.
118
não caberia apenas tributar as ordens religiosas, mas também auxiliá-las em suas
missões.
Especificamente com relação aos jesuítas temos a carta régia de 4 de janeiro de
1687 ao governador Artur de Sá de Menezes. 24 Por ela era engrossada a verba da
consignação aos jesuítas do Maranhão e Grão Pará. Como podemos atestar, o papel do
monarca era significativo: dele vinham as constantes resoluções para que as Ordens
pagassem os dízimos, o que elas quase sempre se negavam a fazer, e, ao mesmo tempo,
era ele também o responsável pela manutenção do culto divino. Este caráter duplo
acabava gerando para a Ordem alguns problemas de compreensão sobre o “verdadeiro”
papel do monarca português ante a expansão da fé católica. Havia uma ambigüidade que
não se explicava para a Companhia de Jesus, ou ao menos era isso o que ela alegava. Se
não, vejamos.
Por meio de carta expedida, em 23 de janeiro de 1712, ao governador Cristóvão
da Costa Freire, o rei mostrava-se satisfeito com o trabalho dos jesuítas nos descimentos
de índios, pois tal trabalho beneficiava os moradores com o acesso a mão-de-obra e,
mais que isso, aumentava a receita dos dízimos. A carta faz referência às aldeias de
repartição. Trata-se de uma resposta a outra missiva enviada ao monarca, em 24 de
julho de 1711, por aquele mesmo governador. Nela, Costa Freire expunha “o quanto se
convém continuar-se com os descimentos dos Índios, que se fazem com os Missionários
dos padres da Companhia do Rio Amazonas para as aldeias de repartição”. De tal feita,
em sua resposta, o rei lembrava que do início do governo de Cristóvão da Costa Freire
(1707) até aquele período (no qual ele escrevia), os dízimos do Estado do Maranhão
haviam aumentado em 10 mil cruzados e que isto se devia aos índios descidos. No
tocante à conservação do Estado do Maranhão a partir dos descimentos de índios por
missionários jesuítas o monarca era enfático ao expor ao governador: “e entendeis que
sem o descimento deles, se não podia conservar esse Estado pelo serviço que fazem aos
moradores”.25
Podemos abstrair da carta régia acima citada que a Coroa reconhecia que a
Companhia de Jesus participava ativamente na conquista de mão-de-obra para o
24
“Accentua de novo a utilidade de continuarem os padres da Companhia de Jesus nas Missões e regula o
modo de ser dos noviciados nas suas respectivas casas”. Lisboa, 4 de janeiro de 1687. ABAPP, tomo I
(1902), pp. 90-91.
25
“Descimentos no rio das Amazonas”. Lisboa, 23 de janeiro de 1712. ABAPP, tomo I (1902), doc. 95, p.
137.
119
26
“Sobre o que o provedor da fazenda real da capitania do Pará dá conta do que tem obrado em execução
de várias ordens que lhe foram para que as religiões daquela capitania pagassem os dízimos das fazendas
que possuíssem; e vão os papéis que se acusam”. AHU, códice 209 (consultas do Maranhão), ff.122 –
124.
27
“CARTA do [padre do Colégio de Santo Antão], Jacinto de Carvalho para o rei [D. João V], sobre a
suspeita de furto dos dízimos feito pelo padre jesuíta Júlio Pereira, procurador das Missões”. 31 de maio
de 1740. AHU, Pará (Avulsos), cx. 23, doc. 2188.
120
28
“Da proposição errada e perniciosa aos dízimos reais do dito Senhor que proferiu no mesmo Estado o
padre Julio Pereira da Companhia de Jesus”. 30 de maio de 1740. AHU, códice 209 (consultas do
Maranhão), ff.-138v-139.
121
Jesus como uma Ordem docente na capitania do Pará, onde sempre ensinava que ações
daquela espécie eram passíveis de punição. Ora, essa era a política inaciana e, de rebote,
também era a professada pelo padre Julio Pereira. De tal feita, a acusação caía por terra.
No intuito de minimizar o caso também advertia que tais práticas difamatórias eram
habituais contra os inacianos como uma forma de “afrontar a Companhia atribuindo-lhe
proposições errôneas (…) muito usado entre os hereges de França, (…) e o que ali obra
a heresia, obra no Pará a inveja, ódio e má querença, com que sempre perseguiram a
Companhia por amor dos pobres, e miseráveis índios”.29
A desenvoltura do jesuíta parece ter convencido o Conselho Ultramarino, já que
quando ouvido o procurador da Fazenda da Coroa, este teria declarado ao mesmo
Conselho que “lhe parecia se não devia insistir mais neste ponto, e que ao provedor da
Fazenda [do Maranhão] se devia mandar a cópia da sua resposta [dele procurador do
reino], para que pelo meio que lhe parecer mais suave e sem estrondo a faça pública em
toda aquela capitania”. Ora, podemos deduzir que o procurador da Coroa já havia sido
informado bem antes sobre o fato já que ele pediu ao provedor da Fazenda do Maranhão
para que não insistisse naquele ponto. Tudo indica que a administração colonial vinha
insistindo naquela denúncia. Assim, o procurador da Coroa pediu ao provedor do
Maranhão para que tomasse uma resolução menos escandalosa possível nesse particular,
o que não ocorreu.
Se, por um lado, a Companhia alegava que conhecia as diretrizes metropolitanas
sobre os dízimos, que reconhecia o poder do rei enquanto Grão-mestre, e por isso
jamais um membro seu iria fazer uma proposição como aquela, por outro lado, o
provedor da Fazenda do Pará, Félix Gomes de Figueredo, buscou gente igualmente
capacitada para contra-atacar. Assim, foi consultar o Bispo do Pará. Inicialmente, em
carta de 21 de outubro de 1740, afirma que tal proposição “não foi proferida diante dele
só, mas também dos oficiais da fazenda de V.M.”, e de tais “lembranças” iria remeter
relatos ao Conselho.30 Portanto, o primeiro ponto foi simplesmente garantir que o
episódio tinha ocorrido. Agora restava rebater a defesa de Jacinto de Carvalho naquilo
29
Ibidem.
30
“Sobre a conta que dá o provedor da Fazenda Real do Pará acerca de uma justificação que os padres da
Companhia pretendem fazer para mostrar serem falsas as contas que o dito provedor dá a V.M. sendo um
dos artigos justificativos a respeito da doutrina errônea, que o padre Julio Pereira di Serra, que havia de
defender publicamente que o que se pagariam tempo do embarque que não eram dízimos se não direitos”.
7 de maio de 1741. AHU, códice 209 (consultas do Maranhão), ff.-144-145v.
122
que o jesuíta tomou como ponto forte de sua justificação: a doutrina, que tanto afastaria
a Companhia de tamanhos escândalos. Astuto, de modo a dar mais crédito a sua contra-
argumentação, Félix Gomes de Figueredo, ao ponderar que lhe faltava o traquejo
necessário para tratar de tema tão espinhoso que era a “doutrina”, expõe que “para que
V.M. venha na certeza de que a dita doutrina dos padres se distava, e seguia naquela
cidade faz presente a V.M. que se consultou ao Excelentíssimo Bispo”. Tal consulta foi
necessária, pois conforme expõe o provedor ao se reportar à defesa jesuítica vista
anteriormente “se deixa ver a inteligência [do padre Julio Pereira], que lhe davam os
ditos padres”.31 É que, conforme havia afirmado o padre Jacinto de Carvalho, a
Companhia não era uma “religião de ignorantes” e “são inumeráveis os autores da
Companhia” e, mais que isso, “que na mesma cidade do Pará tem havido muitos lentes
da mesma Companhia”.32 Com o auxílio do Bispo agora o debate estaria em pé de
igualdade, ao menos pensava o provedor da Fazenda do Pará.
O Bispo Dom Frei Guilherme de São José 33 (religioso do Tomar), segundo
Bispo de Belém entre 1739 e 1748, inicia sua ponderação ajuizando que tais dízimos
“foram concedidos pela Sé Apostólica com condições de pagarem as côngruas aos
Ministros eclesiásticos ou a quem V.M. tem transferido os ditos dízimos”. Defendia
ainda que não se podiam colocar tais obstáculos em tal tributação utilizando o
subterfúgio de alegar que “os ditos dízimos são direitos e não dízimos”, estratagema
muito empregado pela Companhia conforme veremos. Ressaltava que, por parte da
Coroa, eram previstas leis penais a tais sonegações. Contudo, era enfático ao declarar
“que as ditas leis penais (…) não tiram o pecado do furto dos ditos dízimos”, e, portanto
“anexamos pena de excomunhão maior ipso facto in currenda a quem não pagar os
ditos dízimos passando de um cruzado, quer sendo no tempo do embarque, quer fora
dele”.
Como podemos perceber, Dom Guilherme justificou a sua censura eclesiástica, a
ameaça de excomunhão, com base naquele estratagema da Companhia, quando esta
alegava que os dízimos eram direitos. Cabe uma ressalva: em momento anterior
31
Ibidem.
32
“Da proposição errada e perniciosa aos dízimos reais do dito Senhor que proferiu no mesmo Estado o
padre Julio Pereira da Companhia de Jesus”. 30 de maio de 1740. AHU, códice 209 (consultas do
Maranhão), ff.-138v-139.
33
Dom Antônio de Almeida Lustosa nos informa sobre D. Frei Guilherme de São José afirmando que tal
bispo era religioso do Tomar, estando à frente do Bispado entre 10 de agosto de 1739 e agosto de 1748,
renunciando nessa data. ALMEIDA LUSTOSA, D. Antônio. D. Macedo Costa: Bispo do Pará, p. 14.
123
O que quis dizer o provedor com tal afirmação? O que ele intentava? Já que
adentramos tal assunto, o da diferença entre dízimos e direitos alfandegários, deixemos
de lado a controvérsia referente ao padre Julio Pereira e passemos a analisar mais
detidamente esta questão, por meio da qual também entenderemos a alegação de Dom
Guilherme.
34
No site da Arquidiocese de Belém do Pará consta o seguinte histórico do bispo: “Nasceu em Lisboa, em
1686, e pertencia à Ordem de Cristo de Tomar. Sagrado em 1738, tomou posse no ano seguinte.
Renunciou ao bispado e retornou a Portugal, em 1748. No seu governo, foi inaugurado o convento de
Santo Antônio (1743) e iniciada a construção da Catedral (1748). O padre Gabriel Malagrida, por
iniciativa particular, fundou um Seminário em Belém (fechado posteriormente)”. Consultar em:
www.arquidiocesedebelem.org.br.
124
35
“Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, Lourenço de Anvéres Pacheco, para o rei D.
João V, dando seu parecer relativamente ao comércio de cacau e de outros produtos do sertão praticado
pelos religiosos no Pará”. Anexos: certidões, carta, provisões, carta de confirmação e relações. 20 de
outubro de 1747. AHU, Pará (Avulsos), caixa 29, doc. 2799.
125
direitos alfandegários. 36 Caso seja dízimo, isso levantaria uma questão: o mesmo
imposto seria cobrado não somente do que fosse plantado pelos religiosos em suas
fazendas, mas também daquilo que buscassem no sertão, como é o caso das “200
arrobas de quaisquer gêneros que do sertão trouxerem”. De fato, como lembra Rafael
Chambouleyron, o desenvolvimento da economia na Amazônia acabou engendrando
novos dízimos como os “do „cacau e cravo‟ e os dízimos da „salsa‟, cobrados somente
no Pará”. Nesse sentido, como ressalta o historiador, o bando publicado em 1686 pelo
governador Gomes Freire de Andrade determinando que as canoas que fizessem
entradas nos sertões se registrassem em Belém e Gurupá, confirmado em 1688 pelo rei,
tinha duas intenções: a primeira, e mais clara, era ter ciência se estava havendo
apresamento de índios para a então ilícita escravização. A segunda dizia respeito a “uma
atenção com o controle da própria produção e coleta das drogas”.37 Que fique bem
entendido: tais dízimos eram cobrados das drogas recolhidas no sertão e não somente
dos gêneros cultivados pelos moradores.
Para além da questão posta acima, o que até agora podemos afirmar com maior
segurança é que a Companhia estava isenta dos tributos alfandegários. Já adentrado o
século XVIII, vendo jesuítas e franciscanos isentos daqueles tributos, os carmelitas
resolvem pedir semelhante mercê. Assim, o rei expunha que o Vigário Provincial da
Ordem do Carmo no Maranhão, Frei Inácio da Conceição, havia lhe apresentado que:
Não pagando os padres da Companhia, Piedade, e Conceição, me pediam
ordenasse que nas alfândegas das capitanias do Maranhão e Pará, se dê livre de
direitos tudo o que for (…) Hei por bem se dêem livres de direitos da dízima as
coisas que remeterem os ditos religiosos para o seu provimento. 38
36
“Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, José da Silva Távora, para o rei [D. João V],
sobre o pagamento dos direitos nos contratos dos dízimos de cravo, cacau e salsa, aos religiosos da
Ordem de Santo António do Maranhão e aos padres da Companhia de Jesus”. 25 de agosto de 1724.
AHU, Pará (Avulsos), caixa. 8, doc. 707.
37
CHAMBOULEYRON, Rafael. “Mazelas da fazenda real na Amazônia seiscentista”. In:
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de & ALVES, Moema Bacelar (orgs.). Tesouros da memória: história e
patrimônio no Grão-Pará. Belém: Ministério da Fazenda/Museu de Arte Sacra de Belém, 2009, p. 20.
Para uma maior análise do caso consultar: “Alvará em forma de lei sobre as canoas que forem a saque do
pau cravo e cacau do sertão do Maranhão”. Lisboa, 23 de março de 1688. ABNRJ, vol. 66 (1948), pp. 87-
88; “Regimento de que hão de usar os capitães da capitania do Gurupá”. Lisboa, 23 de março de 1688.
ABNRJ, vol. 66 (1948), pp. 89-91.
38
“Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, Lourenço de Anvéres Pacheco, para o rei D.
João V, dando seu parecer relativamente ao comércio de cacau e de outros produtos do sertão praticado
pelos religiosos no Pará”. Anexos: certidões, carta, provisões, carta de confirmação e relações. 20 de
outubro de 1747. AHU, Pará (Avulsos), caixa 29, doc.2799.
126
39
“Requerimento do reitor e mais religiosos da Companhia de Jesus do Colégio de Santo Alexandre da
cidade de Belém do Pará, para o rei [D. João V], solicitando ordem régia, para que o provedor da Fazenda
Real da capitania do Pará, [Félix Gomes de Figueiredo] não os obrigue ao pagamento dos dízimos, até
que se obtenha resposta à apelação por eles apresentada no Juízo dos Feitos da Fazenda sobre esta
matéria”. Anterior a 1739. AHU, Pará (Avulsos), caixa 22, doc. 2025.
40
“Requerimento do contratador dos Dízimos Reais da capitania do Pará, João Francisco, para o rei [D.
João V], solicitando que na Casa da Índia não sejam pagos aos padres da Companhia de Jesus, sem que
estes paguem os dízimos que devem”. Anterior a 1745. AHU, Pará (Avulsos), caixa 28, doc.2602.
127
reino”. Para o jesuíta o requerimento do contratador tinha duas finalidades: uma era de
representar ao rei que ele não poderia arcar com o pagamento do contrato; o outro era
tentar
Restringir a graça, e privilégio, que V.M. e os Senhores reis seus antecessores
concederam à Companhia de Jesus no Brasil, Maranhão, pelos relevantes
serviços que ela lhe tem feito, e continua a fazer nas mesmas conquistas.41
Não podemos perder de vista que o pleito entre o contratador dos dízimos e a
Companhia é referente ao pagamento de dízimos, e não de direitos alfandegários. Então,
qual seria o privilégio alegado anteriormente pelo padre Bento da Fonseca? Um pouco
mais adiante na sua defesa o jesuíta afirma:
Este privilégio foi concedido pelo sereníssimo rei Dom Sebastião de gloriosa
memória, e confirmado pelos senhores reis seus sucessores, e por V.M. a
província do Brasil, à qual pertence o Maranhão, em remuneração dos serviços,
que a Companhia lhe tem feito, e continua a fazer nas ditas conquistas, como
melhor consta do dito privilégio.42
Em alguns momentos, um único pleito em torno dos dízimos envolvia mais que
uma ordem religiosa, a exemplo do que envolvera os religiosos de Santo Antonio e os
da Companhia. Tudo gravitou em torno da já mencionada provisão real de 7 de janeiro
de 1698, que declarava isentas do pagamento dos dízimos 200 arrobas de quaisquer
gêneros trazidos do sertão pelos religiosos de santo Antonio. Apesar da clareza do texto
da provisão tais religiosos entenderam que eles deveriam receber da Fazenda Real a
quantia referente aos dízimos daqueles produtos, em vez de apenas os não tributarem. O
provedor da Fazenda do Pará e então contratador dos dízimos da capitania, José da Silva
Távora, decidiu denunciar tal mal-entendido ao rei através de carta de 25 de agosto de
1724. Nela o provedor também denunciava algumas negociações estranhas entre os
41
Ibidem.
42
Ibidem.
43
Ibidem.
128
Como vimos, a questão da cobrança dos dízimos era muito delicada, pois a
Companhia alegava que tais tributos faziam parte da isenção passada pelo rei Dom
Sebastião. Por outro lado, os contratadores declaravam que o monarca teria apenas
isentado o pagamento dos direitos alfandegários, e não dos gêneros granjeados em suas
fazendas. Em outro tópico explicaremos mais detidamente a relação entre os
contratadores dos dízimos e os jesuítas. Antes disso, vejamos uma outra estratégia
utilizada pela Ordem para escapar da tributação daqueles impostos: as terras de
fundação.
44
“Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, José da Silva Távora, para o rei [D. João V],
sobre o pagamento dos direitos nos contratos dos dízimos de cravo, cacau e salsa, aos religiosos da
Ordem de Santo António do Maranhão e aos padres da Companhia de Jesus”. Belém do Pará, 25 de
agosto de 1724. AHU, Pará (Avulsos), caixa 8, doc. 707.
45
LIMA, Alam da Silva. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”. Moeda natural e moeda metálica
na Amazônia colonial (1706-1750). Belém, Dissertação de Mestrado (História), Universidade Federal do
Pará, 2006, p.50.
129
Viu-se a vossa carta de 31 de março do ano passado com as respostas que vos
deram os religiosos dessa capitania à notificação que lhe mandastes fazer como
se vos ordenou para pagarem dízimos de todas as fazendas que possuem, exceto
aquelas com que teve princípio a sua fundação. E pareceu-me ordenar-vos que
dos frutos da terra que as religiões pagavam dízimos ou seus antecessores e
foram arrendados a Bartolomeu Pereira do Quintal no seu contrato procedais
executivamente como dispõe na Ordenança, exceto os frutos das fazendas que
as religiões tiveram na sua fundação, e de que nunca pagarão dízimos.46
46
“Para o provedor da Fazenda do Pará. Sobre a noteficação que mandou fazer aos religiosos daquele
Estado para pagarem o Dizimo das Fazendas, que possuem nelle”. Lisboa, 11 de janeiro de 1701. Anais
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro [ABNRJ], vol. 66 (1948), pp. 203-204. Grifos nossos.
47
“Petiçaõ sobre as terras de Anhindiba. Mandousse ja pedir informaçaõ” (XVIII). ANTT, CJ, maço 89,
doc. 41. Grifos nossos.
130
48
“Marca-se o prazo de dois anos para que os prelados das religiões mandem confirmar suas cartas de
datas no reino e paguem os dízimos atrasados, sob pena de lhes serem confiscadas as que possuem e
dadas a outrem”. ABAPP, tomo I, pp. 148-49. 1902 – grifos nossos.
49
“Se findo o prazo marcado de dois anos as Ordens Religiosas não confirmarem as suas sesmarias no
reino, o governador poderá concede-las aos moradores que as requererem para cultivo”. Lisboa, 13 de
novembro de 1717. ABAPP, tomo I (1902), pp. 153-54.
50
“Carta Del Rey sobre as terras dos Coll.os senaõ darem”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc.35.
131
51
Ibidem.
52
“Requerimento do reitor e mais religiosos da Companhia de Jesus do Colégio de Santo Alexandre da
cidade de Belém do Pará, para o rei [D. João V], solicitando ordem régia, para que o provedor da Fazenda
Real da capitania do Pará, [Félix Gomes de Figueiredo] não os obrigue ao pagamento dos dízimos, até
que se obtenha resposta à apelação por eles apresentada no Juízo dos Feitos da Fazenda sobre esta
matéria”. AHU, Pará (Avulsos), cx. 22, doc. 2025.
53
Ibidem.
54
Ibidem.
132
55
A questão do “oxímoro pobreza-opulência” no Maranhão, conforme pondera Chambouleyron, a partir
de documentos de autores pouco conhecidos, é mais ampla. É que em fins do século XVII a sociedade
colonial tomava pé da verdadeira situação do Estado devido ao maior conhecimento sobre ele, deixando
de lado a visão puramente opulenta da região descrita nos textos até então. A miséria passou fazer parte
do vocabulário colonial, mas atrelando-se ao fator humano (e não aos recursos naturais): falta de
povoadores, colonos que se recusavam a trabalhar, uma administração colonial que explorava
demasiadamente os recursos da região em detrimento dos moradores, acusação essa última também
destinada aos clérigos, como a Companhia de Jesus. CHAMBOULEYRON, Rafael. “Opulência e miséria
na Amazônia seiscentista”. Raízes da Amazônia, vol.1, n.1 (2005), pp.105-124.
133
56
ALVEAL, Carmen. Converting Land and Property in the Portuguese Atlantic World 16th- 18th
Century, pp. 225-226.
57
“Requerimento do reitor e religiosos do Colégio jesuíta de Santo Alexandre da cidade de Belém do
Grão-Pará, para o rei [D. João V], solicitando provisão para que o ouvidor-geral do Pará, [Luís Barbosa
de Lima], possa continuar os autos de demarcação, medição e tombo das terras que pertencem ao referido
Colégio”. 1732. AHU, Pará (Avulsos), cx. 13, dc. 1223.
134
alcançado alguns despachos por parte dos governadores. Assim, aquelas terras estariam
devolutas para que fossem passadas aos moradores que as requeressem, como de fato
ocorreu. Entre os oficiais da Câmara de Belém que deram depoimento ao ouvidor-geral,
em 24 de setembro de 1732, estavam: os juízes Roque Beckman de Albuquerque,
Baltasar do Rego Barbosa (sesmeiro com terras vizinhas da fazenda de Jaguarari, dos
padres jesuítas)58; os vereadores Antonio de Faria, Antonio Furtado de Vasconcelos
(sesmeiro), João Antonio de Siqueira e o procurador Tomás Gonçalves de Andrade
(sesmeiro). Em verdade, tais depoimentos só confirmaram o teor das declarações
anteriores colhidas também pelo ouvidor-geral Luís Barbosa a alguns moradores da
cidade, em 23 de agosto daquele mesmo ano.59 O teor de tais declarações é
significativo, pois põe em cheque a defesa da Companhia quando pautada pelo
“aumento e conservação” do Estado. Se não, vejamos.
O primeiro depoente foi o Jacob Correia de Miranda (sesmeiro), de 60 anos de
idade e morador em Belém havia 10 anos. Dizia que os padres, ao fazerem tombamento
das terras, “expulsaram muitos moradores das suas fazendas que com muito trabalho
tinham fabricado de cacuais […] pagando os dízimos a Real Majestade com datas e
confirmações do dito senhor [rei] há muitos anos”. O problema, para o depoente, era
que, devido à falta de documentos fidedignos da ação da Companhia, “se segura grande
prejuízo à Fazenda de S.M. na falta dos dízimos”. Já o primeiro testemunho traz a
afirmação de que aquelas terras tanto estavam na posse dos moradores como eles já
vinham pagando os dízimos delas, condição necessária para a confirmação real.
Lembremos que, conforme denúncia já vista, a Companhia teria alcançado aquelas
58
Como dissemos, Baltasar do Rego Barbosa tinha uma propriedade contígua à fazenda jesuítica de
Jaguarari. Se Baltasar estava em litígio com a Companhia, não tivemos notícias. Contudo, é sintomático o
fato denunciado de que a Ordem intentava tombar parcelas de terra dos seus vizinhos. A concessão da
sesmaria de Baltasar foi feita pelo Governador João da Maia da Gama, em 1º de março de 1727. A
confirmação se deu em 8 de março de 1728. Vejamos um trecho da solicitação feita por Baltasar do Rego
Barbosa: “que ele se acha sem terras próprias para fabricar suas lavouras, e porque no rio Moju se acham
coisa de 600 braças, pouco mais ou menos de terra devoluta, que começa do marco das terras do engenho
de Amanigituba, que é de Jerônimo Vaz Vieira, correndo para o marco das terras de Jaguarari, fazenda
dos reverendos padres da Companhia de Jesus, indo rio acima, à mão esquerda, com 1 légua de fundo”.
ANTT, Chancelarias, Dom João V, livro 71, ff. 323-323v; Arquivo Público do Estado do Pará [APEP],
Sesmarias, livro 3, ff. 41-41v. Grifos nossos.
59
“Carta dos oficiais da Câmara da cidade de Belém do Pará para o rei [D. João V], sobre as queixas dos
moradores contra os padres da Companhia de Jesus e da Ordem do Carmo, por usurparem as suas
sesmarias já demarcadas e confirmadas” [Anexo: “Sumário de testemunhas que mandou fazer o Doutor
ouvidor Geral Luís Barbosa sobre o conhecido na provisão junta”]. 1732. AHU, Pará (Avulsos), cx. 14,
doc. 1316.
135
terras sem tomar posse delas. De tal feita, foram passadas a quem pudesse cultivá-las e
pudesse arcar com as despesas dos dízimos.
Antônio Faria, outro depoente, de 65 anos de idade, alertava que o tombamento
havia ocorrido de modo arbitrário, através do rio e com o auxílio de um piloto não
prático chamado Manuel de Freitas. Para Antonio Faria, o Colégio, ao tomar a iniciativa
de tombar as terras através do rio, tinha por objetivo tombar mais terras do que lhe
pertencia, muitas delas já cultivadas com plantações de cacau. Reafirma a preocupação
com o prejuízo da Real Fazenda decorrente do não pagamento dos dízimos daqueles
frutos por parte dos padres. Já Antonio Figueira dos Santos, 69 anos, foi mais enfático.
Explicava que por força do alvará de 1729, os jesuítas pretenderam granjear a “muitos
sítios, roças e fazendas que tinham sido fabricadas e povoadas com cacuais”,
propriedades que estavam nas posses de seus donos “por cartas de datas de sesmarias
medidas e demarcadas pelo provedor da fazenda com confirmação de S.M.”.60
As apreciações formuladas pelos depoentes nos encaminham para dois pontos
nevrálgicos: 1) a Companhia de Jesus feria, indevidamente, a posse de propriedades já
doadas e confirmadas, atropelando, de tal feita, as autoridades do rei (que confirmava a
sesmaria) e do governador (que concedia tal sesmaria a quem merecesse); 2) após a
indevida (para os depoentes) reintegração de posse, a Companhia não pagaria os
dízimos dos produtos por ela cultivados, já que alegava – também indevidamente
segundo os depoentes – estar isenta de tais impostos. É notável, nesse sentido, o
argumento dos três moradores com relação ao prejuízo da Real Fazenda. Os moradores,
no intuito de voltar à posse de suas propriedades, argúem de modo a comprovar o
cultivo daquelas terras, o que refletia no aumento da receita dos dízimos da real fazenda
ao contrário do total desrespeito da Companhia no tocante aos mesmos tributos.
Em documento datado de 2 de fevereiro de 1732, anterior aos depoimentos dos
oficiais da câmera de Belém e dos três moradores da mesma cidade, percebe-se certa
preocupação por parte da Companhia de Jesus do Colégio de Santo Alexandre. Ocorre
que o ouvidor Francisco de Andrade Ribeiro, a quem o rei havia encarregado, em 1729,
o tombamento das terras do colégio, largava seu cargo, deixando inacabada tal tarefa.
Desta feita não restava outra alternativa aos padres do Pará se não recorrer ao rei para
que o mesmo ouvidor prosseguisse naquela empreitada, ou para que o ouvidor que
viesse a substituí-lo no cargo findasse o serviço. Foi até sugerido o nome do Dr. Luís
60
Ibidem.
136
61
“Requerimento do reitor e religiosos do Colégio jesuíta de Santo Alexandre da cidade de Belém do
Grão-Pará…”1732. AHU, Pará (Avulsos), cx. 13, dc. 1223.
62
“Sobre a conta que dá o provedor da Fazenda Real do Pará acerca de uma justificação que os padres da
Companhia pretendem fazer para mostrar serem falsas as contas que o dito provedor dá a V.M. sendo um
dos artigos justificativos a respeito da doutrina errônea, que o padre Julio Pereira di Serra, que havia de
defender publicamente que o que se pagariam tempo do embarque que não eram dízimos se não direitos”.
7 de maio de 1741. AHU, códice 209 (consultas do Maranhão), ff. 144-145v.
137
Fonseca e de um clérigo. Todavia, a Ordem deixava claro que até essas únicas duas
pendências já estavam resolvidas, pois haviam alcançado sentença favorável. Contudo,
quem havia dado tal sentença em favor dos padres? Aqui reside o ponto da discórdia.
Ora, o provedor alegava que tal sentença favorável aos padres havia sido dada na
ouvidoria. Contudo, como o próprio ouvidor estava no processo de tombamento das
fazendas jesuíticas, foi necessário passar aquelas duas demandas para a esfera da
provedoria, como se fez. Nessa segunda instância, provedoria, a sentença foi
desfavorável aos padres de modo que eles haveriam de ser despejados das terras de
Isabel e do clérigo. Entretanto, mais uma vez entra em cena o ouvidor quem,
influenciado pela Companhia ao ver sua sorte mudar, relativiza a sentença do
provedor.63 Era patente o conflito entre jurisdições, pelo que o provedor pedia ao rei:
que deste extraordinário procedimento de que já dera conta a V.M. merecia o
ouvidor geral uma grande repreensão para se evitarem confusões de
jurisdições.64
Daqui em diante não foram encontrados mais documentos que tratassem desse
episódio. Contudo, em documento analisado anteriormente que traz os depoimentos dos
moradores lesados pelo tombamento, há um extenso e interessante anexo capaz de nos
dar a dimensão do evento. Ele se inicia da seguinte forma:
Possuem os padres da Companhia de Jesus nesta capitania do Pará várias
fazendas populosas, de que tiram muitíssimo lucro sem dela pagarem dízimo a
S.M. que Deus guarde, por cuja causa perde o dito senhor todos os anos muitos
mil cruzados de que se tem originado a falta de dinheiro com que se acha a real
fazenda.65
63
O provedor fala nos seguintes termos: “Alcançaram (os jesuítas) sentença a seu favor; mas foi na
ouvidoria, depois que por causa dos tombos fizeram passar as causas pertencentes à provedoria aonde a
dita [?] tinha alcançado duas sentenças em que lhe julgaram por boas as demarcações [as demarcações da
Isabel e do clérigo, não a da Companhia] que tinha feito pelas quais fizeram lançar os padres fora das
suas terras demarcadas, e sendo o dito despejo mandado fazer por ordem do provedor dera os padres da
Companhia uma força na presença do ouvidor como juiz dos seus tombos; e o ouvidor a aceitou, e
sentenciou, como extra juiz superior que pudesse tomar conhecimento das sentenças proferidas pelo
provedor da Fazenda”. Ibidem. Grifos nossos.
64
Ibidem.
65
“Requerimento do reitor e religiosos do Colégio jesuíta de Santo Alexandre da cidade de Belém do
Grão-Pará…” [Anexo: uma relação das propriedades jesuíticas e os valores dos dízimos que cada uma
deveria tributar]. 1732. AHU, Pará (Avulsos), cx. 13, dc. 1223.
138
[Parágrafo 97] Ajuntando-se com o rendimento das suas fazendas que atrás se
declara de 23:775$000.
66
Ibidem.
139
Sobre este episódio o rei resolvia que o governador mandasse “logo exibir aos
ditos religiosos os títulos das fazendas que têm”. 67
Como percebemos pelo documento acima, o traspasso de terras aos religiosos
consistia em grave problema quando da execução da cobrança dos dízimos pelos
arrematadores. É notório que o patrimônio jesuítico, como vimos, e das demais ordens,
fora formado, dentre outros fatores, a partir de várias doações de devotos leigos. Em
outras palavras, em um primeiro momento os particulares recebiam dos governadores
sesmarias que, num segundo momento, eram deixadas por doação à Companhia de
Jesus pelos ditos moradores. Tal processo, denominado de traspasso, logo despertou a
67
“Para o governador do Maranhão [Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho]. Sobre os religiosos
não quererem pagar o dizimo se ordena ao governador que os obrigue a mostrarem os títulos desta
isenção e que não o fazendo proceda contra eles por meio de sequestro”. 2 de novembro de 1692. ABNRJ,
vol. 66 (1948), p. 130.
140
atenção real. É que, conforme vimos, para que o morador tivesse pleno domínio daquela
propriedade passada por sesmaria pelo governador do Maranhão era necessário que ele
pedisse a sua confirmação ao próprio monarca, que só a confirmaria caso as ditas terras
viessem pagando os dízimos de tudo que produziam. Como a Ordem quase sempre se
negava a pagar os dízimos, o monarca, no intuito de tomar pé da situação, foi impondo
empecilhos àqueles traspassos. Contudo, caso ele viesse a confirmar a transferência da
terra, os padres deveriam pagar os dízimos do mesmo modo como os antigos donos
laicos tributavam. Ora, como inúmeras propriedades laicas continuavam sendo passadas
aos jesuítas, que não levavam em consideração a condição de pagar os dízimos (caso do
documento anterior), a Coroa resolveu tomar uma atitude mais drástica: em carta régia
de 27 de junho de 1711, o rei determinava que
nas concessões, e mercês de terras, que fizerdes [o governador] aos moradores
desse Estado, se tire a condição de nelas não sucederem religiões por nenhum
título, e acontecendo a eles possuindo-as, seja com o encargo de delas se
deverem, e pagarem dízimos, como se fossem possuídas por seculares […] Hei
por bem, que as não possam possuir sem licença minha.68
68
“Que as Ordens religiosas pagam os dízimos das terras e fazendas que possuírem…”. Lisboa, 27 de
junho de 1711. ABAPP, tomo I (1902), pp. 136-37. Grifos nossos.
141
Seria conveniente ordenar V.M. nas concessões e mercês de terras que faz aos
moradores daquele estado se tirasse a condição de nelas não se sucederem
religiosos para nenhum título, e acontecendo, e eles possuindo-as fossem com o
encargo de delas se deverem e pagarem dízimos.69
69
“Consulta do Conselho Ultramarino para o rei D. João V, sobre a carta do provedor da Fazenda Real do
Pará, João Mendes de Aragão, sobre os rendimentos da Igreja daquela capitania e respectiva arrecadação
dos dízimos”. 21 de abril de 1711. AHU, Pará (Avulsos), caixa 6, doc. 464. Cf. “Sobre o que escreveu o
provedor da Fazenda da capitania do Pará acerca da ordem que teve para mandar relação do rendimento
que tinham as religiões, e fazer por arrecadar os dízimos das terras e bens que possuem”. 21 de abril de
1711. AHU, códice 274 (consultas do Maranhão), ff. 208-208v.
70
Ibidem.
71
“Que as Ordens religiosas pagam os dízimos das terras e fazendas que possuírem…”. Lisboa, 27 de
junho de 1711. ABAPP, tomo I (1902), pp. 136-37.
142
própria, sendo que tudo o que ele possuía pertencia a sua fundação como bens
necessários e precisos para a subsistência dos padres. Deste modo, a Ordem intentava
uma sentença que não permitisse a cobrança de dízimos de todas as terras de Santo
Alexandre.
Apesar de o processo estar pendente no Juízo da Coroa, o procurador da Fazenda
do Pará extraiu “sentenças do processo e com elas por despacho do provedor da mesma
Fazenda” mandou notificar aos padres sobre a liquidação e execução da dita sentença;
mandou também notificar para que os mestres dos navios não embarcassem os gêneros
que os padres intentavam enviar ao reino sem que eles provassem terem pago os direitos
e dízimos.72 Assim sendo, a Companhia havia levado um duro golpe. Vale ressaltar que
o decreto sobre a isenção alfandegária, que fora passado por Dom Sebastião e depois
renovado por vários reis, ainda estava válido. No entanto, o que valeria este decreto com
o despacho do provedor?
Apesar da proibição real de 1711, os traspassos de bens de raiz aos jesuítas
continuavam conforme uma carta-denúncia, de 18 de outubro de 1739, dos oficiais da
Câmara do Pará ao rei. Nela, era apontado que não somente as terras dos padres, como
também os negócios decorrentes delas eram em total prejuízo dos demais moradores e,
por tal motivo, pediam que aquele traspasso fosse proibido. Entretanto, o rei respondeu
alegando ser “supérfula a nova proibição que apontais, quando pela ordenação se acha
determinado que as religiões não podem possuir bens de raiz sem expressa licença
minha”. Contudo, em atitude mais prudente, ao tomar ciência de que apesar de a dita
proibição os traspassos continuavam, ordenava “que denunciem as fazendas que as
religiões desse Estado possuem sem licença minha alcançada na forma determinada pela
lei”. 73
72
“Requerimento do reitor e mais religiosos da Companhia de Jesus do Colégio de Santo Alexandre da
cidade de Belém do Pará, para o rei [D. João V], solicitando ordem régia, para que o provedor da Fazenda
Real da capitania do Pará, [Félix Gomes de Figueiredo] não os obrigue ao pagamento dos dízimos, até
que se obtenha resposta à apelação por eles apresentada no Juízo dos Feitos da Fazenda sobre esta
matéria”. Anterior a 1739. AHU, Pará (Avulsos), caixa 22, doc. 2025.
73
“Carta do [governador e capitão-general do Estado do Maranhão e Pará], João de Abreu de Castelo
Branco, para o rei [D. João V], sobre as queixas dos oficiais da Câmara de Belém do Pará relativas aos
religiosos que possuem bens de raiz sem licença real”. Anexo: provisões e informações (minutas).
Anterior a 1741. AHU, Pará (Avulsos), caixa 24, doc. 2220.
143
74
A bibliografia sobre o tema é vasta. Entre outras, podemos citar as seguintes obras: AZEVEDO, João
Lúcio de. Os Jesuítas no Grão-Pará: Suas missões e a colonização, Bosquejo histórico. Belém: Secult,
1999; DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no
norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações
dos descobrimentos portugueses, 2000; CARDOSO, Alírio. Insubordinados, mas sempre devotos: poder
local, acordos e conflitos no antigo Estado do Maranhão (1607-1653). Campinas, Dissertação de
Mestrado (História), Universidade Estadual de Campinas, 2002; COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para
o mar. Um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a partir da Colônia: o caso do diretório
dos índios (1751-1798). São Paulo, Tese de Doutorado (História), Universidade de São Paulo, 2005 e
SOUZA JÚNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerra e negócios no Grão
Pará do setecentos. Um estudo sobre a Companhia de Jesus e a Política pombalina. São Paulo, Tese de
Doutorado (História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.
75
“Deve o governador informar o que percebem as ordens do Maranhão e do Pará; se pagam os índios
que empregam em seus serviços, e como o fazem”. Lisboa, 6 de setembro de 1727. ABAPP. Belém:
Governo do Pará, tomo II (1902), p. 190.
144
grande proveito disso eles estariam aptos a tributar tais impostos. Mais que isso: o
intento aqui é também calcular o quanto as ordens deveriam pagar de dízimos levando
em consideração o que elas adquiriam a partir do trabalho dos índios. Claro está que o
monarca tentava de todos os modos tomar pé da real situação da produção das ordens,
com a finalidade de calcular os dízimos que elas deixavam de pagar.
Parece que Dom João obteve poucas respostas, e nada favoráveis, como
podemos abstrair da carta régia de 17 de agosto de 1730, enviada ao mesmo governador.
Primeiro informava que ele havia tomado conhecimento de que o salário dos índios era
bastante limitado, pelo que cobrava alguma providência. Assim, ordenava a Alexandre
de Souza Freire para que
Ouvindo as câmaras do mesmo Estado, e o provedor da Fazenda real taxem o
acrescentamento que parecer justo e racionável; examinando se há provisão
minha que isente aos índios de pagar dízimos dos frutos, que colhem das terras
assinaladas para o seu sustento, e dos gados e criações que nelas se produzem,
porque a sua posse não é tão antiga, que o livre desta obrigação; e também
deveis averiguar se do cacau, cravo e outros frutos que se extraem do sertão, se
se paga o dízimo, e em que forma ouvindo sobretudo os procuradores gerais das
Missões, e o provedor da fazenda.76
Nota-se que o monarca recebera alguma negativa ao tentar impor aos índios a
tributação dos dízimos, talvez por conta da ação da própria Companhia de Jesus que,
como veremos, opunha-se a essa cobrança.
Em 18 de junho de 1731, Alexandre de Souza Freire respondia ao rei explicando
que, em conformidade com as Câmaras de Belém e de São Luís e com parecer favorável
do provedor da Fazenda, o salário dos índios havia sido aumentado de duas para três
varas de pano. De igual modo também informava que não havia encontrado qualquer
ordem régia isentando os índios da tributação dos dízimos. Contudo, ponderava que
A posse que estão de os não pagarem [é] tão imemorial, como eles reduzidos as
povoações de suas aldeias, aonde também se não achavam alguns com mais
bens, nem lavouras, que quatro covas de mandioca, que lhe não basta para o seu
sustento, e de gados e criações não sabíeis, que nenhum os tenha.77
76
“Manda o rei que o governador consulte as Câmaras do Estado e o provedor da real fazenda, e de
acordo com eles, aumente o salário que se dá aos índios e que é muito diminuto”. Lisboa, 17 de agosto de
1730. ABAPP, tomo III (1904), pp. 313-314.
77
“Informe de novo o governador, ouvindo por escrito as Câmaras, sobre as razões que há para se taxar
por preço inferior o trabalho dos índios”. Lisboa, 18 de fevereiro de 1732. ABAPP, tomo V (1906), pp.
382-383
145
78
“Satisfaça ao que S.M. ordena sobre se fundar um seminário na cidade do Pará”. 28 de setembro de
1723. AHU, códice 209 (consultas do Maranhão), f.14. Grifos nossos.
146
rendas reais, ainda que se propor-se aos contratadores este maior aumento dos
dízimos. 79
79
“Ofício de Bento da Fonseca, sobre o salário dos índios escravos e a problemática do pagamento dos
dízimos de vários produtos”. São Luís do Maranhão, 25 de junho de 1731. AHU, Maranhão (Avulsos),
caixa 18, doc.1912.
80
Ibidem.
81
LIMA, Alam da Silva. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”, pp.45-46. O estudo no qual se apóia
é: GROSS, Sue Ellen Anderson. The economic life of the Estado do Maranhão e Grão Pará, 1668-1751.
Tese de Doutorado (História), Tulane University (EUA), 1969.
147
Como foi visto, às Ordens religiosas era dispensado o pagamento dos dízimos
das terras com as quais tiveram princípio no Estado, valendo os tributos para as demais
fazendas religiosas. Posto desse modo, parece que a tarefa do arrematador dos dízimos
não era tão espinhosa em se tratando de fazendas eclesiásticas. No entanto, como em
algumas ocasiões era inviável determinar as origens das propriedades religiosas, ocorreu
que, no ano de 1702, o contratador dos dízimos do Pará acabou desistindo de executar a
cobrança “atemorizado das ameaças que os prelados lhe fizeram”. A solução encontrada
pelo rei, para que a Coroa não sofresse mais este prejuízo, foi ordenar que o provedor da
Fazenda acompanhasse ao contratador em tais cobranças. Caso o contratador não
conseguisse executá-las, por empecilho posto pelas ordens religiosas, o provedor
deveria assumir tal função. O rei ainda pedia ao governador que mandasse “uma lista
82
LIMA. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”, p. 48. O documento utilizado para a elaboração de
tal quadro foi: “Relação dos contratos relativos à capitania do Pará”. Belém, 1749. AHU, Pará (Avulsos),
caixa 31, doc. 2899.
148
dos bens que as Religiões de sua fundação e de que nunca pagarão dízimo”. 83 É
interessante notarmos que, de fato, os contratadores se valeram desta Ordem Real.
Assim, em carta régia ao provedor da Fazenda do Maranhão, o rei expunha que Manuel
Borges havia arrematado os dízimos da capitania do Maranhão pelo espaço de seis anos,
sendo iniciado este período em 1700, e tendo o dito arrematador a
Fé de que os religiosos os haviam também pagar das fazendas que possuem por
heranças, legados e outros quaisquer títulos não sendo os da sua fundação na
forma que eu tenho resoluto lhe deviam os prelados das Religiões e
principalmente os padres da Companhia pagar.84
83
“Para o provedor da Fazenda do Pará. Sobre as execuções dos Dízimos das Fazendas dos religiosos
exceto aquelas que tiveram seu princípio com essa isenção”. Lisboa, 16 de novembro de 1702. Anais da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro [ABNRJ], vol. 66 (1948), p.225.
84
“Para o provedor da Fazenda do Maranhão. Sobre fazer dar execução a ordem de dezessete de janeiro
de mil setecentos e um a respeito dos dízimos que os padres da Companhia recusam pagar”. Lisboa, 10 de
dezembro de 1707. ABNRJ, vol. 67 (1948), p.20.
85
Ibidem.
149
86
“Para o governador e Capitão Geral do Maranhão. Sobre a cobrança dos dízimos e contenda que sobre
eles houve com os religiosos Mercenários”. Lisboa, 4 de abril de 1709. ABNRJ, vol. 67 (1948), pp. 37-38.
87
“Para o provedor da Fazenda do Maranhão. Sobre executar ao contratador Manoel Borges de Quadros
pela parte dos dízimos que tocarão aos religiosos”. Lisboa, 29 de janeiro de 1712. ABNRJ, vol. 67 (1948),
pp. 100-101.
150
contratadores dos dízimos da capitania do Maranhão, pois por ordem real a eles haviam
sido concedidos índios para melhor proceder a cobrança. No entanto, os índios eram
utilizados em interesses particulares dos contratadores quando eram mandados “ao sal e
cobrir as casas”.88
•
Ao fim deste capítulo é importante ressaltarmos a especificidade do Estado do
Maranhão a respeito do assunto que aqui tratamos, pois além dos dízimos que os
moradores deviam pagar dos frutos que eles próprios cultivavam em suas propriedades
(o que era imperativo para a manutenção da posse da terra, por meio de sua confirmação
pelo rei) havia também os dízimos referentes à colheita das drogas do sertão, como os
do “cravo e cacau” e da salsa. Ambos os dízimos, do cultivo dos gêneros e da coleta das
drogas, também se impunham às ordens religiosas (com a exceção das 200 arrobas de
drogas referentes aos padres de Santo Antonio). Contudo, fica patente a oposição da
Companhia de Jesus em relação a tal tributação, o que a levava a relativizar o poder do
rei enquanto Grão-mestre da Ordem de Cristo.
88
“Para o governador do Maranhão. Sobre que se ordena ao governador que constando-lhe que os
contratadores dos Dízimos e Marchantes não usam de índios para o Ministério que lhe foram concedidos,
o faça emendar”. Lisboa, 27 de maio de 1718. ABNRJ, vol. 67 (1948), p. 155.
151
Conclusão
Fontes manuscritas
Crônicas jesuíticas
Maço 82
“Doação q fez Bernardo P.ra Serraõ a este Coll.o da faz.da de Sagararí. Autto de posse”.
Século XVII. ANTT, CJ, maço 82, doc.9.
“Cartas de datas e doação de Jagoarî”. Século XVII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 15.
“Confirmaçaõ de hua legoa de terra [p.r] o g.or Ign.co Coelho da Silva do Coll.o de N.a
S. da Luz do Maranham &. que he a de Anindyba”. Século XVII. ANTT, CJ, maço
82, doc. 17.
“Traslado das datas, e escripturas das terras do Coll. o de N.a S.a da Luz do Maranham”
[Escritura da terra de São Marcos. 29 de maio de 1676]. Século XVII. ANTT, CJ,
maço 82, doc. 18.
“Carta de data de […] léguas de terra frontr.a a Gibirié, m.ce feita a Joseph deça, e
depoes por troca a este Coll.o do Parà” (XVIII?). Século XVII. ANTT, CJ, maço 82,
doc. 21.
“Petiçaõ de Joseph da Cunha Deça e o q se […] no Cons. Pará”. 1707. ANTT, CJ, maço
82, doc. 22.
“Traslado de uma carta de data”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 23.
“Traslado de carta de sesmaria”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 83, doc. 6; “Carta de
data ao colégio de Santo Alexandre, pelo governador do Maranhão”. Século XVIII.
ANTT, CJ, maço 82, doc. 26.
“Tt.o dos curraes do Marajó – Parâ” Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 29.
“Demarcaçaõ das terras de Gibiriê”; ANTT, CJ, maço 83, doc. 4; “Traslado da data de
sesmaria feita por Francisco Rodrigues Pimenta ao colégio de Santo Alexandre”.
Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 30.
“Verba de testamento. S.e o q. nos deixou João Herrera da Fonc.a marido de D. C.na.
Pará” Século XVII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 32.
“Carta dEl rey sobre as terras dos Coll. os senaõ darem”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço
82, doc.35.
“Rematação das terras de Suaçurana que foraõ de Simaõ da Cunha Deça, cujo tt.o, e
mães próprio he o Fisco Real”. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 82, doc. 34.
Maço 83
“2ª carta de Cismaria da terra de Anhindiba”. 1694. ANTT, CJ, maço 83, doc. 3.
“Carta de data […] Araguai, frontr.a ao Eng.o de [Ibirajuba] m.ce feita a D. Cn.a da
Costa e depões passada a este Coll.o do Para”. (XVII e XVIII). ANTT, CJ, maço 83,
doc.5.
Maço 86
“Sobre a fortaleza da barra na ilha de S. Marcos”. 1721. ANTT, CJ , maço 86, doc. 129.
“Papel assinado pelo Engenheiro Manuel de Azevedo”. 1721. ANTT, CJ, maço 86, doc.
130.
“Traslado de documentos pedido pelo padre José Vidigal sobre a fortaleza”. 1718.
ANTT, CJ, maço 86, doc. 131.
155
“Carta de datta e sesmaria porque V.M. hâ por bem conçeder novamente em nome de
Sua Mag.de q Ds. g.de ao cap.m Joseph da Cunha Decca duas legoas de terra na Ilha
[Tanrabioca] comessando do marco de Manoel Soeiro Lobato correndo pello
Iguarapê q vay p.a a costa de Mortiguara; e asy mais meya legoa de terra em hua ilha
pequena dezerta frontr.a as ditas terras como nesta se declara”. 1706. ANTT, CJ,
maço 86, doc. 174.
Maço 89
“Forçaz p.a a Escript.a das Cazas” “. Século XVIII. ANTT, CJ, maço 89, doc. 11.
“O Vigário Geral da Capitania do Pará dá conta das causas que teve para obrigar a
muitas pessoas a apresentarem os testamentos, e darem comprimento a eles e das que
teve para proceder com censuras contra Manuel Gomes de Carvalho, e vai a carta
que se acusa”. 11 de maio de 1706. AHU, códice 274 (consultas do Maranhão), f.
180.
“O Capitão Mor do Pará, Ouvidor Geral, oficiais da Câmara e Vigário Geral da mesma
capitania dão conta do mau procedimento do letrado Manuel Gomes de Carvalho, e
156
vão as cartas que se acusam”. Cinco de junho de 1706. AHU, códice 274 (consultas
do Maranhão), f. 180v.
“Sobre a queixa que fazem os missionários da Câmara do Pará dos missionários daquele
Estado de investirem os índios das missões para mandarem ao cravo e cacau e outras
negociações”. Lisboa, 28 de setembro de 1703. AHU, códice 274 (consultas do
Maranhão), ff. 172v – 173.
“Com a carta inclusa do Capitão do Itapecuru Pedro Paulo da Silva, com que dá conta
dos padres missionários da Companhia de Jesus lhe impedirem se intrometer-se na
aldeia dos índios tobajaras”. AHU, códice 274 (consultas do Maranhão), f. 126v.
“Sobre o que o provedor da fazenda real da capitania do Pará dá conta do que tem
obrado em execução de várias ordens que lhe foram para que as religiões daquela
capitania pagassem os dízimos das fazendas que possuíssem; e vão os papéis que se
acusam”. AHU, códice 209 (consultas do Maranhão), ff.122 – 124.
“Da proposição errada e perniciosa aos dízimos reais do dito Senhor que proferiu no
mesmo Estado o padre Julio Pereira da Companhia de Jesus”. 30 de maio de 1740.
AHU, códice 209 (consultas do Maranhão), ff.-138v-139.
157
“Sobre a conta que dá o provedor da Fazenda Real do Pará acerca de uma justificação
que os padres da Companhia pretendem fazer para mostrar serem falsas as contas que
o dito provedor dá a V.M. sendo um dos artigos justificativos a respeito da doutrina
errônea, que o padre Julio Pereira di Serra, que havia de defender publicamente que o
que se pagariam tempo do embarque que não eram dízimos se não direitos”. 7 de
maio de 1741. AHU, códice 209 (consultas do Maranhão), ff.-144-145v.
“Pela parte dos moradores daquele Estado se diz que os missionários não pagam
dízimos dos frutos, e porque nesta matéria há muita grande desordem nas conquistas
convém que o Desembargador Francisco dos Santos Duarte informe o que achou
neste particular, e quando não lhe baste a memória que dele tiver, se pode mandar
informar com exatidão aos provedores, e ouvidores do Pará e Maranhão para V.M.
tomar a resolução que tiver por conveniente”. Lisboa, década de 1730. AHU, códice
209 (consultas do Maranhão), f.175.
Avulsos do Pará
“DECRETO do rei D. João V, ordenando o envio de doze mil cruzados anuais, com
base no rendimento dos dízimos da capitania do Pará, destinados ao pagamento dos
ministros eclesiásticos e mais despesas da nova catedral daquela capitania”. 5 de
maio de 1724. AHU, Pará (Avulsos), cx. 8, doc. 690.
“Carta dos oficiais da Câmara da cidade de Belém do Pará para o rei [D. João V], sobre
as queixas dos moradores contra os padres da Companhia de Jesus e da Ordem do
Carmo, por usurparem as suas sesmarias já demarcadas e confirmadas” [Anexo:
“Sumário de testemunhas que mandou fazer o Doutor ouvidor Geral Luís Barbosa
sobre o conhecido na provisão junta”] . 1732. AHU, Pará (Avulsos), cx. 14, doc.
1316.
“Carta do provedor da Fazenda Real da capitania do Pará, José da Silva Távora, para o
rei [D. João V], sobre o pagamento dos direitos nos contratos dos dízimos de cravo,
cacau e salsa, aos religiosos da Ordem de Santo António do Maranhão e aos padres
da Companhia de Jesus”. 25 de agosto de 1724. AHU, Pará (Avulsos), caixa. 8, doc.
707.
“CARTA do [padre do Colégio de Santo Antão], Jacinto de Carvalho para o rei [D. João
V], sobre a suspeita de furto dos dízimos feito pelo padre jesuíta Júlio Pereira,
procurador das Missões”. 31 de maio de 1740. AHU, Pará (Avulsos), cx. 23, doc.
2188.
“Relação dos contratos relativos à capitania do Pará”. Belém, 1749. AHU, Pará
(Avulsos), caixa 31, doc. 2899.
Avulsos do Maranhão
“Carta do governador João da Maia da Gama, para o rei Dom João V”. Belém, 29 de
setembro de 1727. AHU, Maranhão (Avulsos), cx. 10, doc. 940. Vai em anexo a carta
do padre João Tavares, datada de 15 de julho de 1727.
159
“Conta do que mandou o R.P.V. Prov.al Joseph Vidigal por conta do comum da V.
Prov.a em a monção do ano de 1736”. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 23.
“Relação feita por Francisco de Mattos, da despesa e receita do Colégio do Pará”. 1682.
[1682]. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 35.
“Relação feita por Francisco de Mattos, da despesa do colégio do Pará, no ano de 1690
e declaração de que, naquele ano, não houve receita”. 1690. IEB/USP-COL.ML.
Códice 43, doc. 40.
“Conta ajustada de despesa e receita geral do Padre Procurador Miguel Cardoso com o
colégio do Pará de um ano, e quatro meses que teve princípio a primeiro de outubro
de 1713, e fim último de janeiro de 1715”. IEB/USP-COL.ML. Códice 43, doc. 42.
“Conta ajusta de despesa e receita do Padre Miguel Cardoso com o colégio do Pará de
dez meses que começaram a primeiro de março, e acabaram o último de dezembro
com a qual faz entrega a seu superior o padre Antonio de Andrade”. IEB/USP-
COL.ML. Códice 43, doc. 43.
“Parecer dos padres do Colégio de Santo Alexandre sobre proposta do padre visitador
Jacinto de Carvalho para que o colégio do Pará prestasse assistência àquele do
Maranhão. Ponderavam que o auxílio anual em dinheiro só poderia ser dado a partir
160
Fontes impressas
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Maranhão”. Lisboa, 9 de abril de 1655. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro [ABNRJ], vol. 66 (1948), pp.25-28.
“Para o Governador do Maranhão. Sobre se lhe dizer a forma em que se manda tratar da
cultura das baunilhas e cacau”. Lisboa, primeiro de dezembro de 1677. ABNRJ, vol.
66 (1948), p. 41.
161
“Para os oficiais da câmara do Pará. Sobre a cultura do cacau e baunilhas”. Lisboa, oito
de dezembro de 1677. ABNRJ, vol. 66 (1948), pp.45-46.
“Alvará em forma de lei sobre as canoas que forem a saque do pau cravo e cacau do
sertão do Maranhão”. Lisboa, 23 de março de 1688. ABNRJ, vol. 66 (1948), pp. 87-
88.
“Alvará em forma de lei expedido pelo Secretário de Estado que derroga as demais leis
que se hão passado sobre os índios do Maranhão”. Lisboa, 28 de abril de 1688.
ABNRJ, vol.66 (1948), pp. 97-101.
“Sobre mandar separar distritos e encarregar aos padres de Santo Antonio as missões do
Cabo do Norte”. Lisboa, 19 de março de 1693. ABNRJ, vol.66 (1948), pp. 142-144.
“Para o provedor da Fazenda do Pará. Sobre a noteficação que mandou fazer aos
religiosos daquele Estado para pagarem o Dizimo das Fazendas, que possuem nelle”.
Lisboa, 11 de janeiro de 1701. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
[ABNRJ], vol. 66 (1948), pp. 203-204.
“Para o provedor da Fazenda do Pará. Sobre as execuções dos Dízimos das Fazendas
dos religiosos exceto aquelas que tiverão seu principio com essa isempção”. Lisboa,
16 de novembro de 1702. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro [ABNRJ],
vol. 66 (1948), p.225.
Tomo I (1902)
“Regimento dado a André Vidal de Negreiros, Governador do Estado do Maranhão e
Grão Pará, em cinqüenta e oito artigos”. Lisboa, 14 de abril de 1655. ABAPP, vol.1
(1902), pp. 25-45.
“Que se não falte com os vinte e cinco casais de índios a que tem direito os
Missionários da Companhia de Jesus”. Lisboa, 25 de março de 1688. ABAPP, tomo I
(1902), doc. 46, p.95.
“Sobre os índios que os padres da Companhia de Jesus possuem nas suas roças”.
Lisboa, 23 de março de 1688. ABAPP, tomo I (1902), doc. 43, p.92.
“Que aos padres da Companhia de Jesus deve o Governador prestar sempre todo o
auxílio e proteção”. Lisboa, 25 de março de 1688. ABAPP, tomo I (1902), doc. 47,
pp. 95-96.
“Que as Ordens religiosas pagam os dízimos das terras e fazendas que possuírem…”.
Lisboa, 27 de junho de 1711. ABAPP, tomo I (1902), pp. 136-37.
“Marca-se o prazo de dois anos para que os prelados das religiões mandem confirmar
suas cartas de datas no reino e paguem os dízimos atrasados, sob pena de lhes serem
confiscadas as que possuem e dadas a outrem”. ABAPP, tomo I, pp. 148-49.
“Se findo o prazo marcado de dois anos as Ordens Religiosas não confirmarem as suas
Sesmarias no reino, o governador poderá concede-las aos moradores que as
requererem para cultivo”. Lisboa, 13 de novembro de 1717. ABAPP, tomo I (1902),
pp. 153-54.
“Os capítulos do regimento, attinentes (sic) ao respeito e veneração que se deve ter com
os missionários, parece que não são observados”. Lisboa, 8 de junho de 1720.
ABAPP, tomo I (1902), doc. 125, pp. 172-173.
“As nações dos índios Jaguaris e Tacayunas, habitantes do rio Tocantins, pediram ao
Superior da Missões da Companhia de Jesus, alguns missionários jesuítas que os
doutrinassem”. Lisboa, 25 de fevereiro de 1722. ABAPP, tomo I (1902), doc.141, pp.
193-194.
Tomo II (1902)
“Deve o governador informar o que percebem as ordens do Maranhão e do Pará; se
pagam os índios que empregam em seus serviços, e como o fazem”. Lisboa, 6 de
setembro de 1727. ABAPP. Belém: Governo do Pará, tomo II (1902), p. 190.
“Consulte o Governador a Junta das Missões e informe depois com o seu parecer a
representação dos oficiais da câmara de São Luis do Maranhão contra os padres da
Companhia de Jesus, que se querem furtar a obrigação de povoar e dirigir a aldeia do
rio Pindaré”. Lisboa, 11 de fevereiro de 1730. ABAPP, tomo III (1904), doc. 251, pp.
286-287.
Tomo IV (1905)
“Comunica que o rei mandou ao padre provincial da Companhia de Jesus conhecer dos
abusos dos seus subordinados”. Lisboa, 28 de junho de 1729. ABAPP, tomo IV
(1905), doc. 297, p. 55.
“Cumpra o governador o capítulo do seu regimento que proíbe aos religiosos cultivarem
com os índios canaviais e tabacos”. Lisboa, primeiro de agosto de 1729. ABAPP,
tomo IV (1905), doc. 299, p.58.
Tomo V (1906)
“Não obstante as suas ponderações, reponha o governador os índios taramanbés na
posse das suas terras, como lhe foi ordenado em 7 de julho de 1730”. Lisboa, 29 de
novembro de 1731. ABAPP, tomo V (1906), doc.339, pp. 350-351.
165
“Informe o governador sobre a pretensão dos oficiais da câmara da vila de Santa Maria
do Icatu, com respeito aos soldados das casas fortes e aos índios que os jesuítas lhes
tomaram”. Lisboa, 10 de dezembro de 1731. ABAPP, tomo V (1906), doc. 344,
pp.366-369.
“Informe de novo o governador, ouvindo por escrito as Câmaras, sobre as razões que há
para se taxar por preço inferior o trabalho dos índios”. Lisboa, 18 de fevereiro de
1732. ABAPP, tomo V (1906), pp. 382-383
“Mande o governador fazer pelo sargento mor-engenheiro uma planta para uma
alfândega, no mesmo sítio em que existe a alfândega velha, porém mais ampla que
esta. Informe enquanto importa a obra e se os jesuítas a não querem fazer conforme a
sua oferta anterior, aceita pela resolução régia de primeiro de julho de 1715”.
ABAPP, tomo V (1906), doc. 362, pp. 401-404.
166
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