Livro Inclusão Educação Sociedade

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INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

Organizadores:
Paola Regina Carloni (Coordenadora)
Arnaldo Cardoso Freire
Tatiana Carilly Oliveira Andrade
Copyright©2018 by: Inclusão, educação e sociedade

Conselho Editorial

Paola Regina Carloni (coordenadora)


SUMÁRIO
Karen Danielle Magri Ferreira Razera
Leilyane Oliveira Araújo Masson
Sandra Maria de Oliveira Apresentação................................................................................................ 7
Tainá Dal Bosco Silva
Tatiana Carilly Oliveira Andrade Prefácio......................................................................................................... 9

Capa: Bruno Haringl


Diagramação: Tallento Soluções 1 - Breve panorama dos fundamentos da educação inclusiva (Júlia Le-
Revisão: Rafael Simões mos Vieira)............................................................................................... 13
Impressão e Acabamento: Tallento Soluções 2 - Inclusão escolar e preconceito: avanços e limites da educação
inclusiva (Karen Danielle Magri Ferreira Razera).................................. 29
CIP - Brasil - Catalogação na Fonte 3 - O trabalho enquanto possibilidade de inclusão: as contradições
BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS entre a adaptação para o mercado e a humanização pelo reconhe-
cimento no trabalho (Paola Regina Carloni e Fernando Figueiredo dos
inc Inclusão, educação e Sociedade./ Paola Regina Carloni,
Arnaldo Cardoso Freire, Tatiana Carilly Oliveira Andrade Santos e Reis)........................................................................................... 39
(Org.).- Goiânia: Mundial Gráfica, 2018 4 - O mal-estar na educação inclusiva no país da cordialidade (Candice
Marques de Lima e Leilyane Oliveira Araújo Masson)............................. 53
234 Págs.
ISBN: 978-85-61960-47-6 5 - Entre as políticas educacionais e a escola: reflexões sobre o pro-
cesso de educação inclusiva (Tainá Dal Bosco Silva, Thales Cavalcanti
1. Inclusão. 2. Educação. 3. Sociedade. 4. Psicologia. I. Titulo. e Castro e Bárbara Cecília Alves Marques)............................................... 69
CDU: 301 6 - Tecnologias da informação e da comunicação nas práticas peda-
gógicas inclusivas: formação de professores e tecnologias assisti-
DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial da obra, vas (Sandra Maria de Oliveira)................................................................ 85
de qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito
do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei n.º 9610/98) é crime estabelecido
7 - Globalização, educação, inclusão? Perspectivas no ensino regular
pelo artigo 48 do Código Penal. (Adelmar Santos de Araújo, Hélio Augusto de Rezende Filho e Valkiria Ru-
fino dos Santos)......................................................................................101
8 - Temple, Donna e Tito: idiomas de corpos com TEA (Ana Beatriz
Impresso no Brasil Índice para catálogo sistemático:
Printed in Brazil CDU: 301 Machado de Freitas)............................................................................... 123
2018

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9 - Educação, transfobia e ciberespaço: um estudo etnográfico digi-
tal (Laionel Vieira da Silva e Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa)...... 137
10 - Experiência de um curso semipresencial para os professores do
Atendimento Educacional Especializado-AEE no Município de
Apresentação
Goiânia (Andréa Hayasaki Vieira)........................................................ 153
11 - O poder do discurso entre as ciências: educação e saúde, um
diálogo necessário (Nelma Alves Marques Pintor)............................ 165
12 - Metodologias ativas para a inclusão de alunos com deficiência
Este livro é resultado do trabalho e das pesquisas do Inclui – Nú-
auditiva: novas possibilidades no processo de ensino-aprendiza-
cleo de Estudos sobre o Ensino para a Pessoa com Deficiência da Faculda-
gem em biologia (Maurício dos Santos Araújo, Aracelli de Sousa Leite e
de Araguaia. Esse Núcleo de Estudos e Pesquisas foi criado pela direção
Sebastiana Ceci Sousa)........................................................................... 179
da Faculdade Araguaia no fim de 2016 quando convidaram a professora
13 - Ensino de ciências e deficiência visual: da invisibilidade à cons-
Paola Carloni para implantar e coordenar o Inclui.
trução de alternativas para a inclusão (Alexandre Fernando da Silva,
Ao longo de 2017 o Inclui realizou diversas palestras, encontros,
Dulce Nogueira da Fonseca, José Heleno Ferreira e Carlos Alexandre Viei-
reuniões, parcerias, grupos de estudos e ainda dois Seminários sobre in-
ra).......................................................................................................... 195
clusão trazendo pesquisadores da USP, UFG e outras instituições para
14- A (re)inclusão do idoso no mercado de trabalho e a mobilidade debater o tema e reuniu um público de mais de 500 pessoas. Este livro
urbana (Carla Manzi Muniz, Helen Pereira dos Santos Soares e Isabelle também faz parte dos projetos do Inclui em 2017.
Rocha Arão)........................................................................................... 209 O objetivo do livro é produzir conhecimentos sobre inclusão, di-
15 - A Inclusão Digital de idosos: possibilidades, oportunidades e vulgá-los e torná-los acessíveis à comunidade acadêmica. Assim, a coor-
desafios (Elisangela Gisele do Carmo, José Luiz Riani Costa, Renata Lau- denação do INCLUI juntamente com a direção da Faculdade Araguaia
dares Silva, Nara Heloisa Rodrigues e Gisele Maria Schwartz).............. 221 convidou a comunidade acadêmica por meio de um edital público para
participar do primeiro volume do livro do INCLUI com o tema: Inclusão,
Educação e Sociedade. Vários professores de todo o Brasil enviaram pro-
postas de capítulos para a seleção. Foram escolhidos os 15 melhores ca-
pítulos, que aqui estão neste volume, para compor o livro. Outros artigos
enviados para a seleção para o livro foram direcionados para a RENEFA-
RA - Revista Eletrônica de Educação da Faculdade Araguaia.
A seleção foi feita pelo Conselho Editorial, que foi convidado pela
coordenação do INCLUI e pela direção da Faculdade Araguaia para a
elaboração deste livro. Os artigos apresentados foram encaminhados
para leitura prévia às representantes do Conselho Editorial e reenviados

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aos(as) autores(as) com sugestões de modificações. Assim, tanto a veraci-
dade das informações, como a autoria dos artigos é de exclusiva respon-
sabilidade dos(as) autores(as).
O conselho editorial é composto pelas seguintes pesquisadoras:
Préfacio
Professora Doutora Paola Carloni (coordenadora); Professora Doutora
Tatiana Carilly; Professora Doutora Sandra Oliveira; Professora Dou-
tora Karen Ferreira Razera; Professora Mestra e Doutoranda Leilyane
Masson e Professora Mestra e Doutoranda Tainá Dal Bosco. A essas
O tema da inclusão se faz urgente em nossa sociedade. Pensar o
mulheres agradecemos imensamente a colaboração, sugestões, leituras e
processo em que todo ser humano possa estar inserido participando ple-
auxilio na organização deste livro.
namente da sociedade e fazendo parte de todas as situações que ele de-
seja participar com igualdade de condições e direitos é fundamental para
Paola Carloni - organizadora do livro e coordenadora do Inclui
a construção de uma sociedade justa e plena. Assim, na inclusão deve-se
dar o suporte necessário para que a pessoa tenha independência e possa
ter as mesmas condições de acesso que as demais a todos os nossos bens
culturais e materiais, seja o acesso físico aos lugares ou a possibilidade de
entendimento e participação plena na sociedade via educação e cultura em
seu sentido amplo.
Tentando possibilitar esse processo de inclusão, o século XX deu
um salto nas discussões, estudos e nas políticas de inclusão. Diversos foram
os marcos de avanços nesse processo, como a elaboração da Declaração de
Salamanca na Espanha em 1994, que estabelece diversas diretrizes para a
inclusão da pessoa com deficiência e abre o diálogo para se pensar a diversi-
dade em seu sentido amplo, e ainda as leis criadas para favorecer o processo
de inclusão no Brasil e em diversos países do mundo.
A partir da Declaração de Salamanca o mundo todo criou políticas
de inclusão e discussões sobre a diversidade e a democratização dos acessos
e condições sociais de toda a população. No Brasil, temos a criação de diver-
sas leis. A própria LDB de 1996 já estabelece a necessidade de se pensar o
respeito a diferença e o acesso de todos a educação. Depois dela várias ou-
tras leis foram criadas no sentido de promover a igualdade e a inclusão da
pessoa com deficiência. Dentre elas: a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002

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que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras provi- Desta maneira, estudos mais aprofundados se fazem necessários e
dências; a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 que institui a Política de extrema importância e urgência, além da tradução desses estudos em
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro ações que possam auxiliar o trabalho da sociedade, das escolas e dos edu-
Autista; a Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015 que institui o Programa cadores.
de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) e a lei nº 13.146, de 6 de Neste sentido, a criação de uma publicação do INCLUI - Núcleo
julho de 2015 que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defi- de Estudos sobre o Ensino para a Pessoa com Deficiência pretende reunir
ciência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). pesquisadores que possam dialogar e trocar conhecimentos, além de tornar
Todas essas leis são avanços fundamentais nos direitos das pessoas esses conhecimentos públicos e acessíveis.
com deficiências agora legalmente garantidos. No entanto, nem sempre a O desafio está posto.
sociedade, as escolas e os profissionais que nelas atuam sabem como pro- Que consigamos caminhar e avançar bastante com estas publicações.
ceder diante do processo de inclusão: Como tratar a diferença mantendo
a igualdade? Como promover um aprendizado efetivo? Como pensar as
síndromes e transtornos que acometem diversas pessoas e como inseri-las Paola Carloni – coordenadora do Inclui
no processo educacional? Como tratar e resolver as questões relacionadas Arnaldo Cardoso – diretor geral da Faculdade Araguaia
às necessidades especiais? Todas essas questões são de fundamental impor-
tância para o processo de inclusão e necessitam de pesquisas e conhecimen-
tos teóricos para serem respondidas.
Esse livro é fruto da tentativa de refletir teoricamente a partir de
autores e práticas para propiciar uma inclusão possível em uma sociedade
que ainda tem muito o que avançar nos aspectos da inclusão, pois durante
séculos a pessoa com deficiência esteve a margem dos processos sociais,
incluindo a própria educação. O avanço na discussão sobre a dignidade e a
igualdade da pessoa com deficiência apresenta um desafio aos educadores:
dar condições de acesso e igualdade para todas as pessoas. O próprio con-
ceito de inclusão possui contradições e divergências. Há diversas teorias e
olhares sociais influenciados pela cultura e visão do mundo da sociedade ou
do pesquisador. Não há consenso sobre as diversas síndromes e transtor-
nos quanto a seus sintomas e tratamentos e, em alguns casos, até mesmo
sobre a existência delas. Também não há consenso sobre como realizar o
processo de inclusão, sobre quais técnicas e estratégias se utilizar. Essa é
uma discussão ainda muito recente e pesquisadores e profissionais se en-
contram perdidos diante das estratégias e dos conceitos nesse processo.

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Breve panorama dos fundamentos
da educação inclusiva
Júlia Lemos Vieira1

Introdução

A partir de um breve panorama histórico da realidade relacional


entre pessoas comuns e pessoas com deficiências, o problema da marginali-
zação, da mistificação e da secularização científica em torno da questão da
deficiência será abordado para, em seguida, compreendermos a reação do
paradigma social da deficiência tendo o deslocamento de sujeitos do dis-
curso sobre a deficiência como estrutura. A seguir, avaliaremos o desafio
da realização efetiva do paradigma social e a questão da educação inclusiva
na realidade brasileira, considerando os aspectos mediadores no âmbito da
predominância da lógica do capital nas políticas educacionais.
Recentes descobertas arqueológicas têm trazido evidências de que
na antiguidade nem sempre crianças nascidas com deficiências eram mar-
ginalizadas ou, simplesmente, descartadas. Ao que parece, a Grécia Anti-
ga, sob a liderança de Esparta, algumas vezes não abandonava as crianças
diferentes à própria sorte em florestas e nem as atiravam num precipício.
Otto Marques da Silva, autor de “A Epopéia Ignorada” avalia que é possível
indicar diversas evidências de históricas adequações: ossos pré-históricos
que indicam que pessoas com deficiência sobreviviam, representações em
calcário de indivíduos com sequelas de poliomielite, obras de arte nas quais
1
Doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo.

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anões aparecem como trabalhadores participativos (SILVA, 1986). Entre- Os maiores expoentes da filosofia grega não deixam dúvidas de que
tanto, tais fatos não negam que as pessoas com deficiência, ao precisarem a valorização da formação humana de modo estruturado em elementos
de ajuda da comunidade para obter alimento, abrigo e segurança, junta- como harmonia, eurritmia, proporção, limite e medida implicava na recusa
mente com outros membros vulneráveis tais como as crianças e os idosos, daqueles que possuíam mutilação do corpo como iguais ou potencialmente
historicamente sempre estiveram em lugar de grande distância inclusiva iguais.
quando comparados a estes últimos. A mistificação em torno da questão durante o período medieval
trouxera tão-somente um alívio indigno: o acolhimento em instituições de
1 - A deficiência como segregação caridade ocorria apenas na medida em que eram consideradas passíveis
de terem salvas as suas almas possuídas pelo demônio, pois, do contrário,
Ainda que Dídimo, um teólogo cego entre os anos de 345 e 395 poderiam não apenas serem marginalizadas da sociedade, mas sofrerem as
tenha sido diretor da Escola de Alexandria, (CRESPO,2011 p. 3) a Paideia penas da inquisição (LISBOA, 2013). Além disso, tal como analisara Fou-
grega, criação educativa ímpar que irradia a imorredoura ação dos gregos cault, os abrigos para doentes na Idade Média foram sobretudo lugares
sobre todos os séculos (JAEGER, 2001) promoveu a exclusão quase total para morrer:
das pessoas que nasciam com qualquer tipo de deficiência. Aqueles que não
correspondiam aos padrões de excelência eram, em sua grande maioria, O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é doente que é
abandonados, perseguidos e assassinados. Nos Livros III, V e VII da Repú- preciso curar, mas o pobre que está morrendo. Dizia-se, correntemente,
blica, Platão (428-348 a.C.) dava as seguintes recomendações: nesta época, que o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer.
E o pessoal hospitalar não era fundamentalmente destinado a realizar
[...] (a Medicina e jurisprudência) cuidarão apenas dos cidadãos bem a cura do doente, mas a conseguir sua própria salvação. Era um pessoal
formados de corpo e alma, deixando morrer os que sejam corporalmente -- caritativo ou leigo – que estava no hospital para fazer uma obra de ca-
defeituosos [...] é o melhor tanto para esses desgraçados como para a ridade que lhe assegurasse a salvação eterna (FOUCAULT, 1979 apud
cidade em que vivem (PLATÃO, 1972, p. 716, apud CAMPOS, J. A. P. P.; CRESPO, 2011, p. 5).
PEDROSO, C. C.A.; ROCHA, J. C. M., p. 10).
[...] os (filhos) dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja O argumento foucaultiano do discurso como um produto das relações
disforme, escondê-los-ão num lugar interditado e oculto como convém de poder constituidor de realidades historicista a realidade dos supostos
(PLATÃO, 1949, p. 229, apud CAMPOS, J. A. P. P.; PEDROSO, C. C.A.; abrigos acolhedores do medievo. Mas, talvez ainda mais grave, seja a sua
ROCHA, J. C. M., p. 10). análise dos hospitais posteriores fundamentados no próprio saber científico
voltado para a cura. Os processos para a institucionalização decorrentes da
E Aristóteles, no capítulo 14 do livro IV da Política sugere: “Com desmistificação científica muitas vezes apenas secularizaram a possessão
respeito a conhecer quais os filhos que devem ser abandonados ou educa- demoníaca: os deficientes deveriam ser, em geral, isolados, mas agora sob
dos, precisa existir uma lei que proíba nutrir toda criança deforme” (ARIS- o discurso da ciência, a qual foi extremamente eficaz em conferir poder às
TÓTELES, 1966, p. 150 apud AMARAL, 1995, p. 44).

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instituições de reabilitação em termos paternalistas, permitindo uma con- modo, a Fase de Integração permaneceu segregacionista. A busca pela inte-
fusão entre direito e assistencialismo dificilmente dissolúvel. gração e desenvolvimento das pessoas com deficiência permaneceu dada em
A chamada Fase da Institucionalização, que se originou sobretudo discursos em que as mesmas são meros objetos silenciados e, portanto, sem
dos primeiros avanços da medicina, fundamentou-se na associação da defi- poder sobre sua própria definição e destino. A marginalização permanecia
ciência com doença, “vista por muitos como contagiosa, como uma ameaça na constituição da educação especial como um sistema paralelo à educação
para a sociedade, fazendo com que as pessoas vítimas da deficiência fossem comum.
isoladas, tratadas e institucionalizadas, em geral, em hospitais psiquiátricos
e/ou manicômios” (CAMPOS; PEDROSO; ROCHA, 2013, p. 11). O princípio da normalização teve sua origem nos países escandinavos,
É certo que houve algum avanço quando em 1770, Paris, o abade com Bank-Mikkelsen (1969) e Nirje (1969), que questionaram o abuso
Charles M. Eppée fundou a primeira instituição especializada para a educa- das instituições residenciais e das limitações que esse tipo de serviço
ção de “surdosmudos”, quando em 1784, Valentin Hauy fundou o Instituto sobrepunha em termos de estilo de vida. O princípio tinha como pres-
Nacional dos Jovens Cegos e quando, em 1800, o médico Jean Marc Itard suposto básico a idéia de que toda pessoa com deficiência teria o direito
usou pela primeira vez métodos sistematizados para o ensino de deficientes inalienável de experienciar um estilo ou padrão de vida que seria comum
mentais (MAZZOTTA, 2005). Mas somente no final do século XVIII e ou normal em sua cultura, e que a todos indistintamente deveriam ser
início do século XIX e do voltar-se da ciência para uma interlocução entre fornecidas oportunidades iguais de participação em todas as mesmas
as mais diversas áreas do conhecimento (médica, psicológica e social) é que atividades partilhadas por grupos de idades equivalentes (MENDES,
a superação da visão da deficiência como doença deu seus primeiros sinais. 2006, p. 389).
Houve o início de seu entendimento como estado ou condição, isto
é, condição na qual algumas pessoas se encontram e para a qual são neces- O problema com o princípio da normalização é que, ao colocar o in-
sárias ações específicas de cunho educacional, social, psicológica e médica, divíduo com necessidades especiais na classe comum sem que o professor
que venham a favorecer o desenvolvimento e ajustamento dessas pessoas. tenha suporte de um professor da área de educação especial, era centrado o
(CAMPOS; PEDROSO; ROCHA, 2013) problema na criança (MRECH, 1999). No interior do discurso científico, o
Iniciativas de medidas educacionais junto às pessoas com deficiência olhar sobre o deficiente não se alterava essencialmente. O paradigma mera-
surgiram então no bojo da ideia de ajustamento. As duas grandes guerras mente médico sobre a deficiência a tratava como uma questão de adaptação
mundiais e suas terríveis consequências que incorreram em diminuições das individual: com auxílio da ciência, a pessoa deficiente deveria ser “conser-
diferenças entre as pessoas com e sem deficiência estimularam a proliferação tada” e “normalizada” e tomar a iniciativa de esmerar-se para tornar-se
na Europa de escolas especiais não residenciais. Nessa chamada Fase da Cria- adaptada à sociedade.
ção de Serviços Educacionais ou Fase da Integração (CAMPOS; PEDROSO; Até a década de 1970, as provisões educacionais foram voltadas para
ROCHA, 2013) apareceram as primeiras iniciativas oficiais para as pessoas crianças e jovens que sempre haviam sido impedidos de acessar a escola
com necessidades especiais em torno de dinamismos vários, tendo a questão comum, ou para aqueles que até conseguiam ingressar, mas que passaram
da educação inclusiva como eixo. Institutos, escolas particulares e institui- a ser encaminhados para classes especiais por não avançarem no processo
ções especializadas em necessidades especiais foram fundadas. Mas, de algum educacional. A segregação era baseada na crença de que eles seriam mais

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bem atendidos em suas necessidades educacionais se ensinados em ambien- ras do corpo individual a diferença do grau de participação de uma pessoa
tes separados (MENDES, 2006, p. 387). na comunidade. São as condições do corpo social que determinam profun-
Nestes termos, pelas vias da ciência, fundamentou-se profundas ra- damente a experiência da deficiência. Trata-se de uma experiência objeti-
ízes da resistência da sociedade a “mudar suas estruturas e atitudes para va e subjetivamente (ideológica e simbolicamente) constituída. Foi preciso
incluir em seu seio as pessoas portadoras de deficiência” (SASSAKI, 1997, que a experiência da deficiência se tornasse potencialmente genérica e que,
p. 29). Foi isso que se alterou a partir das demandas do paradigma social. a exemplo de outros segmentos marginalizados, pessoas que experimen-
tam a deficiência começassem a se organizar e a falar por si mesmas “dando
2 - O paradigma social da deficiência início ao movimento social das pessoas com deficiência” (CRESPO, 2011,
p.16) para que, em contraste com o paradigma médico, se erigisse o para-
Nos anos 60, no Reino Unido as vozes dos próprios deficientes con- digma social.
tra a perspectiva do paradigma médico e com a proposta do chamado pa-
radigma social reclamaram a necessária substituição da abordagem segre- (...) intensificados basicamente na década de 1960, movimentos
gacionista da deficiência (CRESPO, 2011 p. 15). A partir dele, a deficiência sociais conscientizaram e sensibilizaram a sociedade sobre os pre-
deve ser abordada como uma experiência possível em sociedades nas quais juízos da segregação e da marginalização de indivíduos de grupos
pessoas com lesões possuem desvantagens excludentes no exercício de al- com status minoritários, tornando a segregação sistemática de
gumas atividades. Reconheceu-se que a exclusão tem seu lócus na hostili- qualquer grupo ou criança uma prática intolerável. Tal contexto
dade do meio ambiente social e não na lesão em si. Assim, pessoas podem alicerçou uma espécie de base moral para a proposta de integração
ter lesões sem necessariamente experimentarem a exclusão e, portanto, escolar, sob o argumento irrefutável de que todas as crianças com
sem necessariamente serem deficientes no sentido caro do termo. deficiências teriam o direito inalienável de participar de todos os
programas e atividades cotidianas que eram acessíveis para as de-
A incapacidade [ou deficiência] não é um atributo de um indivíduo, mas mais crianças (MENDES, 2006, p. 388).
sim um conjunto complexo de condições, muitas das quais criadas pelo
ambiente social. Assim, o enfrentamento do problema requer ação social As décadas de 1960 e 1970 foram caracterizadas, assim, como um
e é responsabilidade coletiva da sociedade fazer as modificações ambien- período de desinstitucionalização, marcado pelas primeiras tentativas de
tais necessárias para a participação plena das pessoas com incapacidade assegurarem educação pública para todas as crianças com necessidades es-
[ou deficiência] em todas as áreas da vida social. Portanto, é uma ques- peciais. O início do século XX no cenário norte-americano foi marcado pela
tão de atitude ou ideológica que requer mudanças sociais que, em nível criação das classes especiais nas escolas públicas. Por volta de 1940, foram
político, transformam-se em questões de direitos humanos. De acordo registrados os primeiros movimentos por parte da sociedade civil, em par-
com este modelo, a incapacidade [ou deficiência] é uma questão política ticular, pais de crianças com paralisia cerebral, e na década posterior, pais
(OPAS, 2003, p.32 apud CRESPO, 2011, p. 15). de crianças com deficiência mental. Conforme destaca Mazzotta (2005),
esses movimentos tinham por intuito estimular as organizações governa-
O paradigma social propugnou que não se deve conferir às estrutu- mentais norteamericanas a uma nova legislação de pesquisa, treinamento

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profissional e atendimento nas escolas públicas às crianças e jovens com a evolução científica e de toda a pesquisa a respeito das diferenças com-
deficiência mental e outras deficiências. portamentais, há ainda um longo caminho a seguir, a fim de que, princi-
Em 1977 foi aprovada uma lei nos Estados Unidos que instituiu ofi- palmente no que se refere ao nosso país, a compreensão, o tratamento e
cialmente o processo de mainstreaming que, de acordo com Kirk e Galla- o atendimento aos excepcionais se desenvolvam satisfatoriamente.
gher (1996) estudantes com deficiências deveriam ser colocados nas escolas
comuns de modo a coordenar a oferta de serviços educacionais especiais e A mudança na mentalidade e no comportamento de toda a sociedade
de serviços educacionais regulares. De algum modo, tratava-se de elaborar para o paradigma social ainda é uma luta e ocorre em graus e formas dife-
em âmbito nacional a Declaração dos direitos das pessoas deficientes publi- rente nas diversas sociedades. A percepção da normalidade da diferença é o
cada em 1975 e que havia ratificado em seu artigo 3º que que impulsiona a Fase Atual, caracterizada pela garantia do acesso e suces-
so de pessoas com necessidades educacionais especiais no ensino regular. A
As pessoas com deficiência têm o direito inerente ao respeito por sua questão que se coloca agora é o desafio da compreensão de que o processo
dignidade humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, de inclusão ultrapassa o âmbito da escola e encontra seus limites perante a
natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fun- lógica do capital.
damentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica antes
de tudo, no direito de desfrutar uma vida decente, tão normal e plena 3 - O desafio do paradigma social da inclusão
quanto possível (ONU, 2010, online).
Nos anos 80, mais uma vez a diminuição da distância entre as pessoas
O surgimento dos serviços educacionais de inclusão estruturados com e sem deficiência foi necessária para catalizar políticas públicas para de-
pela busca de participação plena das pessoas com necessidades especiais se ficientes tendo o paradigma social como fundamento. Em 1980 o Congresso
deu, assim, concomitantemente ao movimento protagonizado pelas pró- Mundial da Rehabilitation International, realizado em Winnipeg, no Canadá
prias demandas dos deficientes em prol de um processo de desinstituciona- divulgou, em sua Carta para a Década de 80 que, mesmo em tempo de paz,
lização das práticas médicas reducionistas ao assistencialismo paternalis- 10% da população têm algum tipo de deficiência em qualquer país (SAS-
ta. Ainda hoje a visão assistencialista encontra-se extremamente forte. De SAKI, 2000). Esse dado surpreendeu e chocou o mundo, mesmo sem consi-
acordo com Amiralian (1986, p. 3): derar que foram contestadas como insuficientes para apurar números supe-
riores de proporção de portadores de necessidades especiais principalmente
Há entidades que mantêm ainda o excepcional apenas em uma forma pelos institutos de pesquisas dos países mais pobres, nos quais ambientes
assistencial, isto é, são instituições que cuidam somente de suas necessi- insalubres, subnutrição, ausência de água limpa e de rede de esgoto agravam
dades físicas, sem propor condições para seu desenvolvimento. Expres- a deficiência enquanto experiência de marginalização.
sões ainda correntes como ‘fulano está possuído’, e a procura incessante O fato é que a maior possibilidade da experiência da deficiência é que
de benzedeiras e curandeiros, pela qual muitas vezes a família se dispõe tornou as políticas públicas mais eficientes, o que significa que ainda não
a viagens e gastos, expressam de forma sutil e encoberta uma crença no
foram essencialmente fundadas numa ética de dignidade humana – que im-
sobrenatural. Esses e outros exemplos nos mostram que, apesar de toda
plicaria numa eficiência ainda que se referisse a uma mera minoria - e sim de

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empatia empirista. Permeia, portanto, a realidade da lógica utilitarista, que trabalho docente em um cenário inclusivo, ao apontar possibilidades de
não contribui nem no âmbito moral para a eficiência da inclusão numa edu- ação aos docentes, mormente na época de publicação da matéria, quando
cação que englobe as amplas relações entre escola e comunidade. pairavam grandes dúvidas sobre o assunto, mesmo em questões elemen-
Como falar em educação inclusiva numa sociedade não só estrutu- tares. Havia, pois, uma carência objetiva na formação docente. Dado seu
ralmente excludente, mas que fundamenta o progresso num reducionismo poder de difusão nas escolas de todo o país, na qualidade de periódico
econômico em que o ganho depende necessariamente da exclusão? Que efici- educacional mais lido pelos docentes da educação básica, segundo já ex-
ência pode ter uma perspectiva de inclusão no bojo da cultura do mérito do plicitado na Introdução, NE supria, em parte, o anseio repentino por
produtivismo e do consumismo que sustenta o capital como um fim em si? informações quanto à escola inclusiva e as formas de se concretizá-la.
A problematização da inclusão aparece condicionada geralmente a Entretanto, em última análise, as dicas descambam para o utilitarismo
dois polos: o burocrático e o pedagógico (BEZERRA e ARAÚJO, 2012). pragmático, lembram um pequeno receituário; projetam para o profes-
Por um lado, a responsabilização do corpo diretivo em busca de apoios e in- sor a responsabilidade direta pela emergência da “inclusão que funcio-
fraestrutura, por outro a transformação interna da escola e de sua dinâmica na”, como revela o uso de verbos no imperativo: “consiga”, “pergunte”,
curricular. Mas, neste sentido, o núcleo teórico epistemológico da inclusão “use”, “garanta”, “busque”, “informe-se”, dentre outros exemplos (GUI-
está comprometido na ingênua pressuposição da ausência de mediações so- MARÃES, 2003, p. 44-45).
ciais amplas na realização das finalidades do projeto educacional.
Em concordância com Bezerra e Araújo (2012) é possível dizer que
Neste sentido, haveria um tom fetichista da pedagogia inclusiva em
as análises fetichistas da pedagogia inclusiva não abordam as problemáti-
trechos emblemáticos, os quais tratam o homem, como indivíduo singular
cas relações de discurso e de poder que permearam a ética empirista que
e genérico, subsumido pela por abstração metafísica. O conceito de diversi-
fez do paradigma social da deficiência fundamento das legislações apenas
dade, por exemplo, se erigiria como uma relação abstrata e não como uma
no bojo de um pragmatismo utilitarista.
relação real do aluno que precisa ser acolhido, bem como o professor não
O perigo do negligenciar a atitude filosófica dialética perante a re-
seria apreendido em sua realidade social e formativa.
alidade é a responsabilização do professor pelo êxito do programa, como
É certo que as adaptações curriculares para uma prática pedagógica
se este fosse um ser abstrato e desvinculado das inúmeras determinações
sobre sua atuação. Se por um lado é inegável a importância da qualificação inclusiva exigem a participação de uma rede colaborativa entre gestores,
e do interesse de uma docência coordenada entre os professores dos alunos professores, profissionais, funcionários, familiares e alunos, dado que o pro-
com deficiência e dos alunos comuns, por outro lado não cabe uma redução cesso de ensino não ocorre reduzido à uma dinâmica entre o professor e o
da constituição da educação inclusiva à mudança de atitude na docência. aluno, mas integra as relações sociais do aluno com os colegas, sua parti-
Numa análise de um artigo da Revista Nova Escola sobre educação cipação ativa na comunidade escolar nas relações com demais professores,
inclusiva, Bezerra e Araújo (2012, p. 277) chamam a atenção para o fato de gestores e funcionários. É inegável que o suporte infraestrutural de apoio
que: promovido pelos gestores, e sua interligação casa-escola e escola casa dada
na integração da família com o processo de aprendizagem são fundamen-
(...) a revista contribui para dirimir algumas dúvidas práticas sobre o tais no sentido de admitir a inclusão do aluno com necessidades especiais

22 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 23


na escola como parte de um processo maior de inclusão deste aluno na vida demandaram um rápido avanço de muitas técnicas administrativas de modo
em comunidade. Mas é preciso tratar das amplas mediações que determi- que de 1960 a 1969 o número de estabelecimentos de ensino especial para
nam objetivamente e subjetivamente as dificuldades da inclusão. pessoas com deficiência mental, por exemplo, simplesmente quadruplicou.
Em primeiro lugar, a década de 70 que trouxe as primeiras exigências Em 1973 o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) - que
do paradigma social no tratamento da deficiência é a mesma que trouxe o tinha por finalidade “planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da
desenvolvimento mais intenso das relações mercadológicas e de intercâmbio Educação Especial no período pré-escolar, nos ensinos de 1o e 2o graus,
cultural entre os países. A chamada “globalização” efetuou, sobretudo, hie- superior e supletivo” (MAZZOTTA, 2005, p. 56) – foi criado. No final da
rarquização ainda mais profunda dentre os Estados, de modo que a influência década de 70 foram implantados os primeiros cursos superiores de forma-
das políticas, ideias e valores do capital acabaram por se impor de maneira ção de professores e os primeiros programas de Pós-Graduação na área da
mais eficiente. A ideologia neoliberal, preconizada por Milton Friedman e educação especial. A proposta do CENESP caracterizava-se pelo princípio
Frederic Hayec, ao ser assimilada como uma cartilha incontestada pelos pa- de normalização na medida em que, por exemplo, visava a participação pro-
íses menos desenvolvidos para solucionar seus problemas sociais, políticos gressiva das pessoas com necessidades educacionais na vida em comunida-
e econômicos de modo a beneficiar, na verdade, os países ricos, surgiu como de “transformando-as” em pessoas “não-deficientes”.
uma dramatização do caráter capitalista de desfacelamento de todas as rela- Em termos concretos, as políticas educacionais no Brasil sofrem
ções sociais em valores de compra e venda. Em outras palavras, tratou-se de um atrelamento à preparação tecnicista para o mercado de trabalho, uma
um mais profundo impulso – que ainda segue seu fluxo - da mercantilização adequação à transmissão de saberes dogmáticos e acríticos nos termos da
do processo de ensino, de modo que a produtividade econômica e a geração finalidade da competitividade capitalista, uma reestruturação do espaço e
de lucro se sobrepõe ao desenvolvimento humanístico complexo. da pedagogia da escola em termos de um reducionismo à preparação para
o mercado de trabalho e, por fim, uma premissa de esvaziamento dos in-
4 - A educação inclusiva no Brasil vestimentos governamentais na educação e investimento em políticas de
terceirização ou privatização do ensino.
No Brasil, o marco inicial para os estudos das políticas de educação A partir dos anos 90, as políticas implementadas pelo Banco Mun-
especial foi o ano de 1960. Foram assumidas pelo governo federal campa- dial com subserviência da educação do Brasil ao pacote neoliberal se in-
nhas nacionais para promover reabilitação e assistência educacional em todo tensificaram, com destaque para o impulso do setor privado e para os or-
o país, tais como a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro (CESB) ganismos não – governamentais (ONGs) como agentes ativos no terreno
e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais educativo tanto nas decisões como na implementação. O Censo Escolar
(CADEME). Pais e familiares das pessoas com deficiência começaram tam- da Educação Básica de 2013 demonstrou a evidência da pratica neoliberal
bém a se organizar em busca da criação de escolas especiais para casos que com os dados de expansão da rede privada: “houve uma queda de 1,9% nas
não eram atendidos nas classes especiais das escolas públicas regulares2. Es- matrículas da rede pública em relação a 2012. Em contrapartida, a rede
sas instituições especializadas foram uma conquista importante para época e privada cresceu 3,5%, mantendo a tendência dos anos anteriores.” (INEP,
2
Como, por exemplo, a Associação de Pais e Amigos do Excepcional (APAE), que hoje possui mais de 1.000
2014, p. 14). Também chama a atenção os dados do Censo Escolar 2013 que
sedes em todo o Brasil. indicam que houve um aumento de matrícula no ensino fundamental sem
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um respectivo aumento de concluintes do ensino fundamental: especiais é preciso recursos técnicos e serviços diferenciados de apoio. O
que estamos falando quando tratamos de inclusão é de dar ao aluno com
A tendência atual mostra aumento no número de alunos que conseguem necessidades especiais as mesmas oportunidades educacionais que os de-
ultrapassar os anos iniciais do ensino fundamental. Daí a queda na matrí- mais alunos sem necessidades especiais, o que exige que os primeiros sejam
cula e a ampliação da demanda para os anos finais dessa etapa de ensino. tratados com atenção de diferença positiva em relação aos segundos. Do
Entretanto, para os anos finais, como a intensidade dessa dinâmica ainda contrário, uma simples realocação do aluno especial na classe comum, sem
não é a mesma observada nos anos iniciais, o aumento no número de con- encontrar as condições que necessita para aprender, irá necessariamente
cluintes do ensino fundamental se mostra discreto (INEP, 2014, p. 14). dramatizar a sua deficiência nos termos de experiência de exclusão, tal
como preconiza a definição de deficiência no paradigma social.
Se por um lado é evidente que “este fato reflete um aumento do nú- Na medida em que a estratégia de expansão das políticas e interesses
mero de alunos com idade adequada para a série no ensino fundamental”, do capital internacional se deu no sentido de restringir a educação ao papel
por outro lado é evidente também que ainda não suprimos satisfatoria- de reproduzir a força de trabalho para o capital, e formar consumidores, a
mente a exigência legal pelo estímulo à permanência do aluno comum na qualidade da educação ficou comprometida numa polarização de descentra-
escola. Dentro dessa realidade, temos um evidente problema em termos de lização acrítica, que resulta concretamente em defasagem de investimentos
inclusão dos alunos deficientes. Sobretudo quando as referências do Brasil de acordo com a demanda em termos infraestruturais e de docência, além
para educação inclusiva não são adequadas à essa realidade: de comprometer o papel do ensino como difusor do pensamento crítico e
da prática de inclusão.
O Brasil, na definição de diretrizes para a educação inclusiva, tem tido A transformação da escola exige não apenas a via discursiva ou
como referência alguns modelos estrangeiros que não são adequados às mesmo práxica segregada do processo real e histórico de vida da grande
nossas condições sociais, culturais e econômicas. Em outras palavras, o comunidade humana. Tal como afirmara Marx e Engels (2007), é inefi-
Brasil importa modelos de educação inclusiva, mas não garante o mesmo ciente propor aos homens um postulado moral segregado das mediações
nível de investimento. A consequência disso pode ser a banalização do determinantes para a realização de nossos ideais.
processo e os resultados insatisfatórios. Não sabemos exatamente qual o
melhor modelo de inclusão, pois eles são variados. Sabemos que é preciso Referências
que haja investimento. (CAMPOS; PEDROSO; ROCHA, 2013, p. 77).
AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência: em companhia de Hér-
É preciso que a política nacional de educação inclusiva não seja cules. São Paulo: Robe Editorial, 1995.
guiada pela perspectiva de diminuição do custo decorrente do fechamento AMIRALIAN, M. L. T. M. Psicologia do excepcional. Clara Regina
de programas e serviços e pela diminuição do financiamento às escolas Rappaport (Coord.). São Paulo: E.P.U., 1986.
especiais filantrópicas. A implementação da educação inclusiva não pode BEZZERA, G.F.; ARAÚJO, D. A. C. Filosofia e educação inclusiva:
significar, em nenhuma medida, a eliminação dos serviços existentes e sim reflexões críticas para a formação docente. In Inter-Ação. Dossiê 275. Goi-
a diversificação das opções. Para lidar com as mais diversas necessidades ânia, v. 37, n. 2, p. 267-285, jul./dez. 2012.

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CAMPOS, J. A. P. P.; PEDROSO, C. C.A.; ROCHA, J. C. M. Funda-
mentos da Educação Inclusiva. Batatais: Claretiano, 2013.
CRESPO, A. M. M. Pessoas deficientes, invisibilidade, saber e poder. In
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: Anpuh, jul. 2011.
GUIMARÃES, A. A inclusão que funciona. In Nova Escola: a revis-
Inclusão escolar e preconceito:
ta do professor, São Paulo, ano xviii, n. 165, p. 42-47, set. 2003. avanços e limites da educação inclusiva
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDU- Karen Danielle Magri Ferreira Razera3
CACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Censo Escolar da Educação
Básica 2013: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2014.
KIRK, S. A.; GALLAGHER, J. J. Educação da criança excepcional. Introdução
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
LISBOA, M. J. A. et al. Paideia: Tópicos de Filosofia e Educação. Este texto tem como objetivo refletir acerca de situações de inclusão
Batatais: Claretiano, 2013, p. 43. e preconceito em escolas. Os dados relatados neste trabalho foram coletados
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. Trad. Luis Cláudio de para uma pesquisa de doutorado que se propõem analisar diferentes métodos
Castro e Costa. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. pedagógicos em escolas de São Paulo. Foram selecionadas duas escolas desta
MAZZOTTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: história e políti- pesquisa, uma pública e uma privada, observando resultados referentes às
cas públicas. São Paulo: Cortez, 2005. situações de inclusão e preconceito em relação aos (às) “incluídos” (as). São
MENDES, E. G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no relatadas duas situações de contradição na inclusão, ou seja, situações que
Brasil. São Paulo: Revista Brasileira de Educação, v. 11, n. 33, set./dez., 2006. mostram, por um lado, avanços nas interações entre alunos e, no mesmo sen-
MRECH, L. M. Educação inclusiva: realidade ou utopia? São Paulo: tido, evidenciam preconceitos e limites que ainda existem na inclusão escolar.
Trabalho apresentado no evento do LIDE, Seminário educação inclusiva: Entende-se que esta sociedade é dividida em classes sociais e, por-
realidade ou utopia? Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, tanto, contraditória e excludente. Parte-se da hipótese que escolas que se
1999. Disponível em: <http://www. educacaoonline.pro.br/art_ei_reali- propõem inclusivas, não seriam capazes de serem plenamente inclusivas em
dade_ou_utopia.asp>. Acesso em: 11 jan. 2011. uma sociedade que é excludente em sua base.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Reconhecer os limites da inclusão, não implica em ser desfavorável
dos direitos das pessoas deficientes. Disponível em: http://portal.mec.gov. à educação inclusiva e sim em poder refletir sobre possibilidades de supera-
br/seesp/arquivos/pdf/dec_def.pdfAcesso em: 10 out. 2017. ção desses obstáculos para que ela seja plena (CROCHÍK, 2011). A discus-
SASSAKI, R. M., Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, ano são é realizada à luz dos autores da Teoria Crítica da Sociedade, para com-
IX, n. 43, mar. /abr. 2005, p. 9-10 e no Jornal do Sinepe - RJ (Sindicato dos preender a formação e o preconceito nesta sociedade contraditória. Além
Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado do Rio de Janeiro), disso, as reflexões são embasadas em autores recentes que versam sobre a
Niterói, ano XIV, n. 88, jul./set. 2005, p. 10-11. 3
Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universi-
dade de São Paulo.

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educação inclusiva, tais como Booth e Aiscow (2011) e Crochík (2011). (HORKHEIMER E ADORNO, 2002) que atinge constantemente as pes-
A educação deveria ter como objetivo a formação crítica dos indiví- soas, passando um ar de semelhança a tudo, a possibilidade de experiência,
duos e, especialmente, voltada contra a barbárie, o que, segundo Adorno que permite reflexão por parte dos indivíduos, fica extremamente restrita.
(1995) deveria ser o principal objetivo de toda educação. A formação ocorre As obras de arte, que deveriam propiciar uma crítica à sociedade, passam a
a partir da adaptação e identificação dos sujeitos com outros o que permite ser produzidas com conteúdos de fácil assimilação pelo consumidor. O pro-
sua diferenciação dos demais. O que se observa é que, muitas vezes, a edu- duto produzido pela indústria cultural não permite a participação crítica
cação se limita à adaptação à sociedade, transmitindo a ideia de que não há de quem ela atinge, proporcionando passividade frente aos interesses do
possibilidades de mudanças sociais, paralisando a crítica. Ao mesmo tempo, Capital, no entanto, ela é contraditória, pois, ao evidenciar as contradições
uma das principais ideologias transmitidas pelas escolas é de que há possi- sociais, contém em si a possibilidade de crítica ao que é perpetuado por ela.
bilidade de ascensão social por meio da educação e que depende unicamente O consumidor não é, a partir do Capital, um indivíduo, e sim um objeto que
do esforço do indivíduo, desconsiderando as contradições desta sociedade tem a possibilidade de consumir outras mercadorias. Essa classificação é
consequência de uma sociedade de classes que reflete o poder dos econo-
de classes. Com base nessa ideologia, propaga-se que a sociedade dispõe de
micamente mais fortes, os verdadeiros donos das indústrias que promovem
igualdade de possibilidades e omite-se as distinções sociais que aparecem
suas mercadorias como bens de necessidades iguais a todas as pessoas. A
desde a divisão de propriedade, gerando as classes sociais já destacadas e
educação que se estabelece na sociedade industrial, acaba, muitas vezes, por
divisão do trabalho em manual e intelectual.
seguir a mesma lógica das indústrias, oferecendo uma educação também
Cabe destacar que o duplo caráter da cultura é decorrente da divi-
padronizada aos sujeitos e acreditando que todos têm necessidades iguais.
são social do trabalho entre manual e intelectual, tornando a cultura, que
A educação baseada na lógica da indústria valoriza a produção e os que são
deveria estar diretamente vinculada à formação das pessoas, um “valor”
considerados (as) produtivos (as), podendo levar a exclusão ou inclusão à
intelectualizado ao qual os trabalhadores não tinham acesso (ADORNO, margem dos (as) que são julgados (as) como improdutivos (as).
2004). A cultura e educação, entendidas como “bens”, são monopolizadas A pseudocultura (uma “cultura” que não permite apropriação crítica
com o argumento de ser “arriscado” que os trabalhadores adquiram tais dos sujeitos) está relacionada à indústria cultural, uma vez que contribui
conhecimentos. A idealização de uma sociedade que correspondesse aos para o distanciamento da cultura, transformando-a em mercadoria para ser
princípios burgueses de indivíduos livres e iguais renega seus próprios fins consumida como entretenimento (ADORNO, 2004). A indústria cultural,
em uma sociedade em que a desigualdade está em sua base. com base nesta sociedade contraditória, colabora para transformar diver-
Para que esta sociedade se mantivesse, houve estratégias de mani- sas instâncias da vida em mercadoria, inclusive a relação entre os homens.
pulações e aceitação dessas manipulações de uma classe sobre outra, ca- Ressalta-se que a indústria cultural não transforma os homens em merca-
racterísticas da ideologia definida por Marx e repensada por Horkheimer dorias, pois esse processo é determinado por condições objetivas, mas ela
e Adorno. A educação não era a única forma de conservar a sociedade de fortalece esse processo. Questiona-se, portanto, as possibilidades de verda-
classes, mas ela tinha e tem uma influência importante para perpetuar pen- deira inclusão nesta sociedade que perpetua a relação entre pessoas como
samentos que reforçam o que interessa aos que estão no poder. se fossem mercadorias.
Outra forma de conservar a sociedade de classes é por meio das Cabe ressaltar que as pessoas não são indiferentes às tentativas de
mensagens perpetuadas pela indústria cultura. Frente à indústria cultural igualar as necessidades e diferenças de todos. Surgem movimentos voltados

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à inclusão, reivindicando educação como direito de todas as crianças. O movi- A história das pessoas com deficiência intelectual, como exemplo de
mento da educação inclusiva contou com o apoio da UNESCO e tem marcos outras minorias sociais, teve registros de “abandono, extermínio, superpro-
importantes em 1990, no Congresso realizado em Jomtien, e em 1994, na teção, segregação, integração e atualmente o processo de inclusão” (GAR-
Declaração de Salamanca (CROCHÍK e CROCHÍK, 2011; MENDES, 2006), GHETTI, MEDEIROS, NUERNBERG, 2013, p. 101). Ressalta-se que os
ambos com representantes de nações do mundo inteiro para discutir a edu- autores apresentam algum progresso histórico em relação às pessoas com
cação para todos. O conceito e os modelos de educação inclusiva variam em deficiência intelectual, no entanto, as pessoas com deficiência ainda viven-
relação a alguns autores. A educação inclusiva trata de receber todos os alu-
ciam todas as características mencionadas como historicamente superadas.
nos de minorias sociais entendendo que devem estudar com outros alunos
Destaca-se que atualmente o preconceito é condenável socialmente, o que
no ensino regular e que a escola deve se adaptar para receber o alunado no
já é um avanço em si, mas passa a assumir formas sutis de manifestações,
ambiente físico e em seu currículo (BOOTH e AISCOW, 2011). A educação
tais como “em vez de atribuir aspectos depreciativos a seus alvos, os pre-
inclusiva visa receber todos os alunos, apesar de comumente ser entendida
como inclusão de alunos com deficiência. Booth e Aiscow (2011) propõem conceituosos elogiam menos os que intimamente desprezam” ou, a pior
um Index para a Inclusão, com diversos questionamentos e propostas para forma de preconceito, na frieza (CROCHÍK, 2011, p. 66).
as escolas se tornarem mais inclusivas. A intenção dos autores é reunir uma Esta pesquisa não tem como objetivo identificar as motivações in-
perspectiva para reduzir a fragmentação de políticas e o excesso de iniciati- dividuais ou sociais para manifestação de preconceito em relação aos (às)
vas. O Index propõe que o pensamento de todos os envolvidos na instituição alunos (as) considerados (as) em inclusão. Propõem-se, neste momento,
escolar se modifique visando a inclusão, promovendo interações entre os su- evidenciar se o preconceito é manifestado por crianças em relação aos (às)
jeitos escolares e entre esses e a comunidade. Destaca-se, portanto, o caráter seus (suas) colegas e identificar avanços no que se refere às relações entre
abrange das propostas, pois não entende a escola como única responsável pessoas consideradas diferentes que são dificultadas pela própria sociedade,
pela inclusão, ao mesmo tempo que não extingue sua responsabilidade. pois considera-se que a formação nesta sociedade (contraditória, excluden-
Esta sociedade, no entanto, perpetua a ideologia e dificulta a for- te, de classes) dificulta o contato com a cultura, com crítica e a possibilidade
mação dos indivíduos. Uma das dificuldades em relação à inclusão é o pre- de democracia.
conceito, que tem características sociais, dado que não é inato e se refere
Muitas contradições ainda são encobertas e muitas pessoas são se-
a condições objetivas, e tem características individuais, próprias do sujeito
gregadas da educação, impulsionadas pelas condições objetivas e também
preconceituoso. Segundo Crochík (2011), o preconceito é uma forma de
pelas manifestações individuais, tal como o preconceito. No entanto, não
exclusão que se manifesta pela discriminação. O preconceito se refere ao
se pode desconsiderar que há avanços. Esta pesquisa propõe a análise de
sujeito preconceituoso e não à vítima de preconceito:
duas cenas para reflexão acerca da contradição da inclusão e preconceito
O preconceito não tem relação direta e imediata com a vítima, mas com no ambiente escolar.
quem não consegue deter o ódio a si mesmo e à sua condição social e
psíquica, dirigindo-o para outros grupos e pessoas; esse ódio é marca 1 - Material e Métodos
do preconceituoso, mesmo que apareça em suas formas aparentemente
mais inofensivas: o desprezo e a indiferença (CROCHÍK, 2011, p. 65). Os dados da pesquisa foram coletados a partir de observações em

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duas escolas, uma pública e outra privada, destacando, para este trabalho, interação entre os alunos é, pelo que foi observado, respeitosa e amigável,
elementos que evidenciam o processo de inclusão de alunos nessas esco- destacando-se diversas cenas em que os alunos são colaborativos uns com
las. Foram realizadas observações em diferentes situações, tais como, aulas os outros. Ressalta-se que havia diversos alunos com deficiência na esco-
em sala de aula, aulas de educação física e recreio. As observações foram la, inclusive na sala observada em que havia uma aluna com Síndrome de
transcritas e identificadas as principais cenas que envolvessem alunos (as) Down.
em inclusão. Duas cenas, mencionadas adiante, foram ressaltadas, especial- A cena escolhida ocorreu no horário do recreio, em que as turmas se
mente por sua contradição: evidencia avanços, mas também limites no que misturam: em uma quadra de areia pequena tinha cinco meninos jogando
tange o preconceito em relação aos alunos observados. As cenas seleciona- bola: um menino branco e loiro que orientava a brincadeira, outro menino
das foram analisadas qualitativamente, a partir das teorias anteriormente branco, um menino negro, um menino com características orientais e um
mencionadas. menino com deficiência (aparentemente intelectual) que, apesar de estar na
Os dados apresentados são elementos de uma pesquisa de doutora- quadra e correr atrás da bola, não participava ativamente da brincadeira.
do sobre escolas alternativas e tradicionais que foi avaliado e aprovado pelo
comitê de ética, submetido a partir da Plataforma Brasil, e os procedimen- Cena 2, observada na escola pública:
tos seguem o que foi estabelecido no projeto aprovado em 24 de junho de
2015 (CAAE 45197415.9.0000.5511). A escola pública observada também fica em uma região de São Paulo
com IDH considerado “muito elevado”. A escola prioriza o aprendizado ati-
2 - Resultados vo do aluno, com oportunidade de decisões por assembleias, rodas de con-
versa e atividades em que o aluno seja protagonista. A escola se destacou,
A seguir são apresentadas duas cenas que se destacaram nas obser- entre outras características, pelas manifestações de violência entre alunos e
vações nas escolas e que são analisadas nos seus avanços na discussão sobre entre alunos e professores ou profissionais. Os xingamentos e ofensas eram
educação inclusiva e nos limites que evidenciam. constantes, manifestações explícitas de preconceitos e inclusão à margem
de alguns colegas. Um dos casos de inclusão à margem era de um aluno
Cena 1, observada na escola particular: com deficiência (aparentemente intelectual) que circulava pela atividade da
aula de artes do corpo.
A escola particular observada fica em uma região nobre de São Pau- A cena escolhida envolve o aluno com deficiência mencionado: na
lo, com IDH considerado “muito elevado”. Trata-se de uma escola que es- aula de artes do corpo4, o grupo observado juntou-se com outros grupos e,
timula a formação dos professores e prioriza que os alunos sejam ativos em além de ter crianças de diferentes idades, havia duas crianças com deficiên-
seus desenvolvimentos, baseando-se no construtivismo. Os alunos da sala cia que tentavam brincar juntamente com as outras, mas eram ignoradas
observada estavam o tempo todo conversando, se movimentando e, algu- com frequência. Havia um inspetor que o acompanhava de perto, mas dei-
mas vezes, a professora tinha dificuldades em chamar a atenção para passar xava o aluno com deficiência relativamente livre para se enturmar. Apenas
atividades. A característica que se destaca dessa escola é a tecnologia: a sala em alguns momentos outros alunos interagiam com ele. Em um momento
é bem equipada com computador, projetor e notebooks para os alunos. A 4
O nome da disciplina foi modificado para preservar a identidade da escola.

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que o aluno com deficiência começou a ficar muito agitado e começou a se cando juntas não são frequentes nas observações realizadas, mas existiu e
debater, um colega o segurou e o abraçou, acalmando-o no mesmo instante. evidencia um avanço da educação inclusiva.
A cena 2 é ressaltada frente a tantas contradições: a escola pública pes-
3 - Discussão quisada, que se destacou pelas ofensas, foi a escola que também se destacou
por uma cena evidente de avanço na educação inclusiva. O aluno com deficiên-
As cenas descritas anteriormente retratam contradições da inclusão cia que foi observado não participava ativamente da atividade escolar, possuía
escolar. No caso da cena 1, a escola e as pessoas que a compõem, possuem um cuidador específico para ele, parecia não interagir com os colegas como os
bens materiais e vivem situações de menos violência na escola se comparada colegas interagiam entre eles. Tudo evidenciava uma inclusão à margem, no
com a escola pública em que ocorreu a cena 2. A distinção entre classes so- entanto, quando o aluno com deficiência começa a ter um descontrole emocio-
nal, ficando bastante agitado, um colega que estava próximo a ele o abraça e o
ciais é importante, pois afeta a escola em diversas possibilidades, como, por
acalma, mostrando que a educação inclusiva avança. Os alunos, na possibilida-
exemplo, algumas características da escola particular: acesso à tecnologia;
de de contato com o diferente, podem refletir e compreender as diferenças sem
informação; tratamento entre alunos e entre alunos e equipe escolar; profes-
propagar o medo (e possivelmente o ódio) frente às situações decorrentes da
sores melhor remunerados e com menor carga horária; salas com menos alu-
deficiência. Ressalta-se que, por meio do afeto em uma sociedade que propaga
nos etc. Na escola pública mencionada havia constantemente xingamentos e
a frieza entre as pessoas, foi possível uma situação de inclusão. Frente a tantas
ofensas. Cabe ressaltar que, no que se refere aos alunos em inclusão, as es-
ofensas entre alunos, a cena se destacou pela real possibilidade de interação en-
colas se assemelham, pois em ambas as escolas havia alunos com deficiência,
tre os alunos, inclusive com deficiências, acolhendo as necessidades do colega
entre outras minorias presentes, mas a inclusão era à margem, ou seja, havia
e acalmando-o.
um tratamento diferenciado com alunos de inclusão e esses não interagiam
com os demais como alunos sem deficiência, por exemplo. Conclusão
Na cena 1 destaca-se que a possibilidade de inclusão parecia se con-
firmar quando analisamos a diversidade de pessoas jogando bola (meninos Há muito a se questionar em relação à educação nesta sociedade, en-
brancos, negro, asiático, com deficiência) ao mesmo tempo em que era refu- tendendo também que as discussões sobre a educação ser direito de todos
tada, pois o menino com deficiência estava na quadra, mas não participava e a escola se adaptar às diferenças dos alunos já é, em si, um avanço. As es-
da brincadeira, enquanto o menino branco e loiro era o que se destacava colas observadas apresentam avanços importantes, bem como reproduzem
na brincadeira. A cena reproduz uma dinâmica da sociedade, evidenciando situações de preconceito com relação aos alunos considerados “incluídos”.
que são necessárias condições objetivas para que seja possível a inclusão. O Ressalta-se que, em uma sociedade contraditória, a educação pare-
preconceito se manifesta pela discriminação da pessoa com deficiência que ce se distanciar da formação crítica e reforça a pseudocultura, bem como
considera o colega como “café-com-leite”, o que não consegue “produzir” a frieza e o preconceito em relação aos excluídos. Pode-se observar que
como os demais que jogavam. A cena também mostra avanços na educação há propostas para mudanças nas atitudes escolares e apresentam limites e
inclusiva que devem ser destacados, pois há, ao menos, a possibilidade de avanços no âmbito da educação inclusiva.
interação, de conhecer o sujeito alvo de preconceito, de superação do pre- De acordo com os conceitos e observações apresentados, pode-se con-
conceito pela experiência. Cenas com tanta diversidade de crianças brin- cluir que a inclusão pode não ser possível, mas é possível ocorrer situações de

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inclusão, pontuais, mas que evidenciam avanços que não podem ser descon-
siderados, especialmente no que tange o objetivo da educação de se educar
contra à barbárie.

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ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: o mercado e a humanização pelo
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CROCHÍK, José L.; CROCHÍK, Nicole. Teoria crítica e educação tido, inclusive, em lei. O reconhecimento de si pelo trabalho é marca da
inclusiva. In: CROCHÍK, José L. (coord.). Preconceito e educação inclusiva. humanização. No entanto, há contradições que envolvem as relações de
Brasília: SDH/PR, 2011, p. 35-64. trabalho no capitalismo. Ao transformar o trabalho em trabalho alienado
GARGHETTI, Francine C.; MEDEIROS, José G.; NUERNBERG, há uma inversão desse processo, em que as pessoas deixam de se reconhe-
Adriano H. Breve história da deficiência intelectual. Revista Electrónica de cer no fruto do seu trabalho e passam a se objetificar e a objetificar os seres
Investigación y Docencia (REID), v. 10 julho, 2013, p. 101-116. Disponível humanos e a humanizar os objetos, impossibilitando a constituição de uma
em: <http://www.revistareid.net/revista/n10/REID10art6.pdf>. Acesso sociedade verdadeiramente humana.
5
Cursa o Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP).
em: 10 ago. 2017. Fez o mestrado em Educação pela Universidade Federal de Goiás (2010), instituição em que também obteve o título
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Dialética do Escla- de graduação em Comunicação Social - Jornalismo (2004), graduação em Psicologia (2012) e especialização Lato
Sensu em Assessoria de Comunicação (2007). Atualmente é professora na Faculdade Araguaia, nos cursos de Peda-
recimento. São Paulo: Zahar, 2002. gogia e Educação Física na graduação e em diversos cursos de pós-graduação tais como Psicopedagogia, Docência
Universitária, Comunicação e Marketing e outros. Coordena o curso de Pós Graduação Lato Sensu em Educação
MENDES, Enicéia G. A radicalização do debate sobre inclusão es- Inclusiva na Faculdade Araguaia e ainda o INCLUI - Núcleo De Estudos Sobre O Ensino Para A Pessoa Com
Deficiência. Trabalha também na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás em que ministra cursos de formação
colar no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v. 11 n. 33 set./dez., 200. em parceria com a Fundação Maurício Grabois. Tem experiência com formação nas áreas da Educação, Psicologia,
Comunicação Social e Metodologia Científica.
6
Possui graduação bacharelado e licenciatura em Psicologia pela UFG - Universidade Federal de Goiás (2011)
e mestrado de Psicologia Social pela USP - Universidade de São Paulo, na linha de pesquisa Psicologia Social,
Saúde Coletiva e Politicas, e atua profissionalmente como psicanalista, psicólogo clínico, professor de Psicologia
e Psicanálise no Centro Universitário UniEvangélica. Possui experiência profissional e de pesquisa em trata-
mento do uso problemático de álcool e outras drogas, Políticas Públicas e Psicologia de Grupos e Instituições.

38 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 39


A educação, que deveria formar para a emancipação, passa a ter nem sempre os objetivos explícitos coincidem com os implícitos. Os obje-
como objetivo a formação para o processo de adaptação ao mercado de tivos de propiciar autonomia e esclarecimento, que deveriam ser ineren-
trabalho. Essa constituição de alienação também ocorre nos processos da tes à educação, não ocorrem se não forem intencionalmente planejados e
inclusão na educação e no próprio trabalho. É preciso compreender as con- realizados. Uma educação que tem como objetivo formar para atender ao
tradições desse processo de inclusão, pois ela se dá em uma sociedade com mercado de trabalho terá uma formação orientada para o trabalho em uma
um funcionamento específico que influencia sua implantação. Propiciar à lógica produtivista e não para a possibilidade de reconhecimento humano
pessoa com deficiência sua inserção no mercado de trabalho é fundamental por meio do trabalho.
para o processo de humanização, no entanto, em uma sociedade contraditó- De acordo com o capítulo terceiro, artigo 205 da Constituição Bra-
ria, como a capitalista, esse trabalho acaba por adaptá-las à lógica de explo- sileira (BRASIL, 1988), a educação é direito de todos e “será promovida e
ração, alienação e objetificação. Compreender as contradições da educação incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvi-
que forma para o trabalho e do próprio trabalho na sociedade capitalista e a mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi-
inclusão por meio deles é o objetivo deste texto por meio de uma pesquisa cação para o trabalho”. Os documentos que regulamentam e organizam a
bibliográfica. educação no Brasil reafirmam esse propósito da educação estabelecendo
No item um se discute o que é a educação e qual a sua função na as diretrizes e as aplicações, tais como na LDB (BRASIL, 1996), no Plano
perspectiva de Adorno (2006) que explica que a função da educação deveria Nacional de Educação (BRASIL, 2014) e no próprio Estatuto da Pessoa
ser desbarbarizar e humanizar, função está perdida nas relações de domi- com Deficiência (BRASIL, 2015) em que se afirma que todas as pessoas
nação do capitalismo. Ainda neste item explica-se o que é trabalho e como com deficiência têm direito à educação formal e a inserção no mundo do
o trabalho se torna alienado no capitalismo na perspectiva de Marx (1964, trabalho. Percebe-se, nesses documentos, que a educação escolar, se preten-
2000), Marx e Engels (1998) e Marcuse (1978). de universal e visa formar cidadãos e trabalhadores.
No item 2, em que se finaliza o trabalho, se dialoga com a perspectiva No entanto, tanto as noções de cidadania, quanto a de trabalho, se
do item um para compreender as contradições envolvidas nos processos de apresentam como funções adaptativas do sujeito à sociedade. Na prática, o
inserção na educação e no mundo do trabalho das pessoas com deficiências. que se observa é que ser cidadão de direitos e ter direito ao trabalho é con-
dição de sobrevivência desligada de possibilidades de subversão. O cidadão
1 - Educação, inclusão e trabalho trabalhador precisa ser dócil. No capitalismo do século XXI, essa cidadania
se realiza no consumo e aqueles que não se encaixam nos padrões de consu-
Para Adorno (2006) a educação deveria ter como objetivo desbarba- mo são marginalizados. Assim, emancipar e formar para a autonomia, que
rizar os seres humanos. A humanização é um processo fundamental para o deveriam ser propósitos intrínsecos à educação, deixa de ser se ela se presta
qual a nossa espécie deveria se orientar. E esse processo deveria ocorrer via a outra lógica, como a adaptação ao mercado de trabalho e ao consumo.
educação. Uma educação que não se norteie para os processos de humani- Para uma educação que se volte para a diferenciação do sujeito por
zação e diferenciação, invés da desigualdade entre os humanos, dificilmente meio da cultura, é preciso formação humana em um sentido aprofundado
alcançará estes objetivos. e amplo: “A formação cultual é justamente aquilo para o que não existem à
A educação cumpre as funções para as quais ela se guia, contudo, disposição hábitos adequados; ela só pode ser adquirida mediante esforço

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espontâneo e interesse, não pode ser garantida simplesmente por meio da A produção de uma consciência verdadeira é, para Adorno (2006),
freqüência de cursos” (ADORNO, 2006, p. 64). o propósito da educação. Consciência essa que deveria conseguir compre-
Para Adorno (2006), a formação precisa abranger os aspectos da ender os processos de funcionamento social, numa realidade sócio histori-
cultura e precisa diferenciar o sujeito. A educação não deveria simplesmen- camente constituída, permeada de relações de dominação, formando para a
te prepará-lo para o mercado de trabalho por meio de um currículo con- diferenciação dos sujeitos e permitindo o seu reconhecimento pelo trabalho.
teudista, em que o conteúdo ensinado é mais importante do que a função
formativa em um sentido amplo da educação. Essa diferenciação é um pon- 1.1 - A concepção de trabalho e o trabalho alienado.
to fundamental na discussão sobre inclusão, pois apenas em uma sociedade
que respeita a diversidade e permite a diferença entre os sujeitos, sem a Para Marx e Engels (1998) o trabalho é possibilidade de reconhe-
desigualdade associada, é que se podem pensar processos efetivos de in- cimento e constituição humana. Os seres humanos se tornam verdadeira-
clusão. A mera transmissão de conteúdos sem uma reflexão crítica não é, mente humanos por meio da diferenciação possibilitada pela construção de
necessariamente, formativa. cultura que é o reflexo do seu trabalho. “A maneira como os indivíduos ma-
nifestam sua vida refletem exatamente o que eles são” (MARX e ENGELS,
Contudo, a educação não se apresenta atualmente como transmissão de
1998, p. 11). A materialidade da vida humana reflete os aspectos subjetivos.
conteúdos que permitam uma relação reflexiva com eles, o que só seria
Para os autores, formamos nossa subjetividade pelos aspectos culturais e
possível se visasse não à adaptação integrativa do indivíduo ao mundo
constituímos a sociedade como um processo de expressão das subjetivida-
do trabalho (embora esta tenha sua importância), mas à possibilidade
des, dialeticamente objetivando-as.
de aquele se diferenciar de si mesmo e das necessidades do mundo do
Assim, os seres humanos fundam a cultura e são constituídos por
trabalho através das diversas formas de expressão criadas pela cultura
ela. Eles nascem em uma sociedade historicamente determinada e passam
(CROCHIK, 1996, p. 98).
a determiná-la. Para os autores, é a realidade material que constitui a vida
subjetiva nesse processo de socialização. “Não é a consciência dos homens
Participar do mundo do trabalho, em que o sujeito poderia se reco-
nhecer como parte de uma cultura, porém diferenciado, deveria ser o pro- que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina
pósito e a função da educação. A mera transmissão de conhecimentos, que sua consciência” (MARX, 2000, p. 53). São os aspectos materiais e obje-
propicia a modelagem de pessoas para a adaptação ao mercado de trabalho tivos que tornam os seres humanos eles mesmos. É por meio da inserção
não propicia uma educação em um sentido formativo aprofundado. em um todo social que o sujeito se reconhece e se diferencia, por isso o
reconhecimento pelo trabalho é tão fundamental para os processos efetivos
A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção de inclusão. Apenas pelo reconhecimento em um todo social que eu posso
inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de me diferenciar e me sentir incluído fazendo parte de um processo. Ter um
pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu lugar social marcado pela capacidade de se reconhecer pelo trabalho é um
exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja aspecto fundamental dos processos de humanização.
característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produ- Marx (2000) explica que o ser humano é um ser social e só se cons-
ção de uma consciência verdadeira (ADORNO, 2006, p. 141). titui como humano em sociedade. “O homem é, no sentido mais literal, um

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zoon politikon, não só um animal social, mas um animal que só pode iso- Segundo Marcuse (1978, p. 253), “a verdadeira natureza do homem
lar-se em sociedade” (MARX, 2000, p. 26). Assim, participar efetivamente está na sua universalidade”. O ser humano só se torna humano em socieda-
de todos os aspectos do processo social é condição indispensável para a de e em uma relação com outros seres humanos, em um processo universal,
inclusão. em que todos estão efetivamente inseridos de maneira plena e diferenciada.
É por meio do trabalho que o ser humano se humaniza, se reconhece “O homem só é livre se todos os homens forem livres e existirem como
enquanto humano e se diferencia dos outros humanos, se percebendo parte ‘seres universais’” (MARCUSE, 1978, p. 254). Para Marcuse (1978), essa
de um todo, mas com diferenças. Quanto mais diferenças e mais respeito às é a verdadeira natureza humana, sua universalização. É somente em um
diferenças, mais humanizado será o processo. processo de universalidade e diferenciação que o desenvolvimento e a in-
Assim, não é possível pensar a inclusão sem a inserção da pessoa clusão poderão ocorrer em seu sentido estrito e que o ser humano poderá
com deficiência no mundo do trabalho, já desde os processos escolares. No ser verdadeiramente humano.
entanto, não se podem ignorar as contradições desse processo que se rela- A diferenciação e o reconhecimento humano, para Marx (2000),
cionam ao modo econômico da produção. dão-se pela autorrealização no trabalho. O trabalho é mais do que mera ati-
Marx (2000) explica que o trabalho é possibilidade de objetivação vidade econômica com o sentido de emprego, mas a produção da vida em si,
humana na realidade. “A realização do trabalho constitui simultaneamente atividade humana por excelência, que começa já desde os processos iniciais
a sua objectivação” (MARX, 1964, p. 159). Ao mesmo tempo em que o tra- de socialização, passando pela escola e pelo emprego, mas o trabalho está
balho permite que se estabeleça subjetividade, é por meio dele que a socie- para além disso, é a própria atividade humana.
dade humana vai sendo produzida. “Na produção a pessoa se objetiva; no
consumo a coisa se subjetiva” (MARX, 2000, p. 30). O trabalho é instância Longe de ser uma mera atividade econômica (Erwerbstatigkeit), o tra-
de sociabilidade e humanização, ele se dá pela transformação da natureza. balho é a ‘atividade existencial’ do homem, sua ‘atividade livre, cons-
Essa possibilidade de reconhecimento e constituição humana para ciente’ – não um meio de conservação da sua vida (lebensmittel), mas
a diferenciação é subvertida no processo capitalista em alienação, meca- um meio de desenvolvimento da sua ‘natureza universal’ (MARCUSE,
nização e indiferenciação em vez de reconhecimento e diferenciação. “O 1978, p. 253).
trabalho do proletário impede qualquer auto-realização; seu trabalho nega
toda sua existência” (MARCUSE, 1978, p. 267). Ao não se reconhecer no No capitalismo, o sujeito não se reconhece no seu trabalho e conse-
seu trabalho, o sujeito se torna alheio e estranho a si próprio, não se sentido quentemente não se diferencia do outro e não se reconhece em sua própria
parte de um todo pelo trabalho. O estar incluído e o se reconhecer se dá por vida e se relaciona com o objeto produzido por ele e com ele próprio como
meio de identidades prontas indiferenciadas e padronizadas, nichos de con- algo estranho a si mesmo. “O trabalhador põe a sua vida no objecto; porém
sumo. A diferenciação se torna impossível em um processo de alienação. Ao agora ela já não lhe pertence, mas ao objecto” (MARX, 1964, p. 160). Ao
contrário, há a ilusão de que é preciso se formatar a alguma configuração não se reconhecer, ele se torna estranho a si próprio e o trabalho (labuta)
pré-existente de personalidade ou estilo para se sentir existente e perten- se torna árduo e exaustivo.
cente ao grupo dominante. Ser diferente (do padrão dominante) passa a ser
experimentado como negativo.

44 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 45


A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o tra- so à educação, cumprindo assim com sua finalidade manifesta de preparo
balho se transforma em objecto, assume uma existência externa, mas para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996,
que existe independentemente, fora dele e a ele estranho e se torna um 2014 e 2015). Contudo, o aluno com deficiência expõe, com suas necessida-
poder autônomo em oposição com ele; que a vida que deu ao objecto se des, o fato escamoteado de que existem diferenças entre os humanos e que
torna uma força hostil e antagônica (MARX, 1964, p. 160). tanto nosso modelo de educação quanto o mundo do trabalho, seu objetivo,
tendem a aplainar essas diferenças, buscando padronizações e gerando de-
O ser humano se aliena não apenas do objeto fruto do trabalho, mas sigualdades. A educação formal produz uma pseudoformação (CROCHIK,
da própria humanidade, enquanto possibilidade de diferenciação de si e do 2011).
outro. “O ser estranho, a quem pertence o trabalho e o produto do traba- Se, por um lado, adaptar-se ao mercado de trabalho, de certa ma-
lho, a cujo serviço ele está o trabalho e a cuja fruição se destina o produto, neira significa indiferenciar-se por meio da alienação e do consumismo,
só pode ser o próprio homem” (MARX, 1964, p. 167). encaixando-se em uma função desligada de qualquer significado e possibi-
O trabalho, que deveria ser fonte de reconhecimento humano e diferen- lidade de reconhecimento para o sujeito, por outro lado não se integrar a
esse mundo do trabalho pode representar a incapacidade de emancipar-se
ciação, é alienado e a possibilidade de reflexão, por meio dele, transforma a vida
e, em última instancia, a ameaça à sobrevivência. Não há dúvidas de que
em uma mera existência sem sentido. “O trabalho alienado inverte a relação,
é preciso continuar e ampliar as políticas e práticas de inclusão da pessoa
uma vez que o homem, enquanto ser consciente, transforma a sua actividade
com deficiência, mas não se pode ignorar as contradições que emergem
vital, o seu ser, em simples meio de sua existência” (MARX, 1964, p. 165).
desse processo. Na inclusão precária que homogeneíza a todos, a exclusão
Assim, compreender o trabalho enquanto possibilidade de reconhe-
se produz: “De fato, o sistema capitalista, ou mais amplamente, a sociedade
cimento e diferenciação é fundamental para os processos de inclusão, pois
administrada, a tudo inclui, a todos integra: nada pode ficar de fora, porque
apenas em uma sociedade em que o trabalho se propuser a ser possibilidade
o que está de fora gera medo” (CROCHIK, p.69, 2011).
de reconhecimento humano é que poderá se pensar uma inclusão efetiva.
O processo de inclusão, desde seu começo na vida escolar, nos evi-
No entanto, não se podem desconsiderar os avanços que há no processo em dencia a necessidade de romper com o modelo de ensino reprodutivista,
que a pessoa com deficiência passa a fazer parte do mercado de trabalho, que além de reproduzir indiscriminadamente conteúdos e práticas didáti-
mesmo com todas essas contradições que envolvem a alienação do trabalho cas, reproduz também um modelo de dominação/submissão (ADORNO,
no capitalismo. Reconhecer as contradições é fundamental para não ideali- 2006). O aluno que não se adapta a esse modelo e passa a ser percebido
zar os progressos e nem desconsiderar o que já se avançou. desligado de qualquer determinação sócio histórico e cultural, passa a ser
reconhecido como fracassado e culpabilizado por isso. Com a obrigatorie-
2 - O trabalho enquanto possibilidade de emancipação dade da inclusão do aluno com deficiência, o professor, que também é um
ou adaptação da pessoa com deficiência trabalhador alienado e adaptado à realidade de seu trabalho, percebe que
apenas reproduzir suas antigas práticas não é suficiente para ter sucesso
Os processos de inclusão escolar da pessoa com deficiência, tanto no diante desta nova exigência. Instaura-se aí uma angústia que pode resultar
nível fundamental quanto no nível superior, visam tornar universal o aces- em mecanismos de defesa por parte do professor e da escola.

46 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 47


A dissonância produzida pela diferença que se apresenta na impos- balho, é essencial a inclusão, pois qualquer ruptura com os aspectos desse
sibilidade de realizar o trabalho tal qual sempre foi feito pode representar modelo só virá de dentro dele mesmo, pois o trabalho produz as subjetivi-
possibilidades de subversão ou nova adaptação. O risco de se padronizar dades que produzem esse mundo.
as deficiências e assim novamente aplainar as diferenças em blocos este- O próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2016) traz
reotipados, em que se produz uma metonímia do sujeito em relação a sua essa ideia de que é preciso incluir no mundo do trabalho em igualdade de
deficiência, é uma ameaça constante. O ato de colocar em contato pessoas oportunidade com as demais pessoas. Na Seção III do referido documento,
com e sem deficiência pode não ser suficiente para diminuir o preconceito. que versa sobre a inclusão da pessoa com deficiência no trabalho, temos:

Voltando à teoria da hipótese de contato, podemos dizer que quando o Art. 37. Constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no tra-
preconceito não é devido a defesas psicológicas, quando é superficial, o balho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as
contato e a experiência podem bastar para eliminá-lo; quando funciona demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária,
como um mecanismo de defesa psíquica que toma o indivíduo refratário na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento
á experiência, somente o contato não é suficiente. Por isso, ao derrubar de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente
os muros dos hospitais psiquiátricos, das escolas especiais, pode passar de trabalho.
a existir ou continuar a haver uma forma de segregação simbólica ou de Parágrafo único. A colocação competitiva da pessoa com deficiência
marginalização (CROCHIK, 2011, p.74). pode ocorrer por meio de trabalho com apoio, observadas as seguintes
diretrizes:
O preconceito surgido daí mostra-se na função de esconder do pre- I - prioridade no atendimento à pessoa com deficiência com maior difi-
conceituoso a fragilidade que o outro revela de si. Quando estereotipado e culdade de inserção no campo de trabalho;
caricaturado, a dificuldade ou fragilidade do outro dificilmente é identifi- II - provisão de suportes individualizados que atendam a necessidades
cado com a fragilidade e dificuldade que todos temos. O sujeito indiferen- específicas da pessoa com deficiência, inclusive a disponibilização de re-
ciado não suporta entrar em contato com o diferente e pode tentar negá-la, cursos de tecnologia assistiva, de agente facilitador e de apoio no am-
justifica-la ou mesmo superproteger a pessoa com deficiência (CROCHIK, biente de trabalho;
2011). III - respeito ao perfil vocacional e ao interesse da pessoa com deficiên-
Talvez, por isso se verifica que os empregos reservados às pessoas cia apoiada;
com deficiências ainda são, em sua maioria, em cargos escondidos e simples IV - oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas
como almoxarifados, estoques, telefonia e outros. Locais visíveis nas em- à definição de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclu-
presas, como o atendimento ao público, dificilmente são empregados por sive atitudinais;
pessoas com algum tipo de deficiência. V - realização de avaliações periódicas;
Mesmo mantendo o aspecto perverso de se incluir numa sociedade VI - articulação intersetorial das políticas públicas;
alienada, que não reconhece a diferença dos sujeitos e não possibilidade a VII - possibilidade de participação de organizações da sociedade civil.
emancipação pela via da educação, que está voltada para o mercado de tra- Art. 38. A entidade contratada para a realização de processo seletivo

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público ou privado para cargo, função ou emprego está obrigada à ob- Conclusão
servância do disposto nesta Lei e em outras normas de acessibilidade
vigentes (BRASIL, 2015). Muitos avanços se deram nas últimas décadas quando se pensa na
inserção da pessoa com deficiência na educação e no mundo do trabalho.
Percebe-se que mesmo em uma inclusão pautada pela competitivi- Esse processo é motivo para otimismos e para o fortalecimento da luta pela
dade do mundo do trabalho, é necessária uma adaptação do ambiente de inclusão. No entanto, desconsiderar as contradições que envolvem esse
trabalho, seus processos e das atitudes dos trabalhadores e contratantes processo pode deixá-lo mais difícil e mesmo levar a um pessimismo diante
perante as necessidades das pessoas com deficiência que pode significar, in- das dificuldades que se apresentam.
clusive, um investimento financeiro. Em uma lógica em que o trabalhador Compreender que uma sociedade excludente como a nossa não pode
é reduzido ao uno e igualado genericamente a seus pares, não reconhecer a incluir plenamente é condição para o processo de inclusão, pois ao se acre-
necessidade de um trabalhador, por sua deficiência ou por qualquer outro ditar que a inclusão foi efetiva porque a criança com deficiência está na
aspecto, diz da negação das identificações expressado pela frieza. escola e o adulto no trabalho e desconsiderar os processos de marginaliza-
ção nesses locais pode-se propiciar muito sofrimento ao sujeito marginali-
Não bastam adaptações arquitetônicas e atitudes favoráveis dos que con- zado, para quem já se acredita que a inclusão ocorreu. Da mesma maneira
vivem na escola, no trabalho, com as pessoas que têm deficiência, para que concluir que a inclusão é ruim porque marginaliza pode levar a volta
que essas não sofram preconceito, mas a ausência dessas adaptações e de processos de segregação e exclusão (escolas especiais ou mesmo o não
atitudes indica uma negligência, uma indiferença, que já é ofensiva a acesso da pessoa com deficiência a diversos locais hoje acessíveis com mui-
quem é esquecido; esse tipo de negligência é uma forma de preconceito tas dificuldades).
expressado pela frieza das relações existentes (CROCHIK, 2011, p.71).
Perceber que o contato com o diferente já é possibilidade de mu-
dança, mas que ele sozinho não é suficiente é fundamental para trabalhos
que envolvam o processo de aceitação à diversidade na sociedade. Para a
Diante de um cenário tão delicado, em que a necessidade de inclusão
inserção da pessoa com deficiência no trabalho é preciso considerar desde
da pessoa com deficiência, considerada diferente, se depara com a indife-
os processos contraditórios que envolvem a educação e o trabalho no ca-
rença propiciada pelo mundo do trabalho e da pseudoformação, percebe-se
pitalismo até a fundamental necessidade de se ter um trabalho, por mais
que o próprio paradigma da inclusão contém a exclusão. Nas relações pau-
alienante que ele seja.
tadas pelo capitalismo, estamos todos incluídos perversamente em situa-
ções de desigualdade estrutural. Aqueles que são diferentes, para se inclu-
Referências
írem, abrem mão de sua diferença para pertencer, mesmo que de maneira
marginal. Contudo, mesmo na marginalidade incipiente das instituições de ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e
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dores).
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lando tais mudanças com o conceito de cordialidade, ou de homem cordial,
do historiador Sérgio Buarque de Holanda.
Segundo Holanda (1995), o brasileiro é visto por estrangeiros que
visitam o país como afável, hospitaleiro, generoso, características que defi-
nem nossas relações com o outro. Até o emprego de palavras no diminutivo
é compreendido pelo autor como uma maneira de tornar as pessoas ou os
objetos mais familiares, tornando-os mais acessíveis aos sentidos e mais
próximos do coração. Da mesma maneira aparece a omissão do nome de
7
Psicóloga, mestra em psicologia, psicanalista, professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de
Goiás. E-mail: [email protected]
8
Psicóloga, Psicanalista membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, Mestre em
Educação, Doutoranda em Psicologia, Professora de Psicologia na Universidade Federal de Goiás. E-mail: leilya-
[email protected]

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família e emprega-se apenas o prenome nas relações sociais, que seria uma que não apresentam uma linearidade com a cultura na qual o sujeito está
forma de criar uma proximidade entre as pessoas e de torná-las mais ínti- inserido e se produzem numa complexidade que precisa ser compreendida
mas. e escutada em cada pessoa. De qualquer forma, é preciso entender como a
Tais formas de relações sociais são compreendidas pelo autor como cultura do homem cordial tem produzido na educação formas de relações
uma ética de fundo emotivo, que avança para as relações de trabalho e para humanas e discursos que atravessam as relações de trabalho, as relações
a religião. Nas primeiras, é necessário que as pessoas tornem-se amigas professor e aluno, a maneira como o professor é formado e sua forma de
para estabelecerem relações comerciais, que parecem ser impossíveis de ensinar.
acontecerem sem uma relação de amizade; e na religiosidade, um emblema No presente capítulo, as questões levantadas no parágrafo acima
do que foi mencionado seria a intimidade que o brasileiro trata os santos serão direcionadas para a educação inclusiva e para como os professores,
católicos, quase desrespeitosa, segundo o autor. (HOLANDA, 1995). constituídos na cultura da cordialidade, trabalham, pensam e se relacionam
Apesar de ser uma forma autêntica criada em nossa cultura e de com seus alunos e com o processo de ensino.
toda a simpatia com a qual o povo brasileiro é visto fora do país, a cordia-
lidade, alerta o historiador, não significa necessariamente boas maneiras e 1 - Considerações sobre a inclusão
civilidade.
O marco da educação inclusiva é a Declaração de Salamanca (1994)9,
Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o con-
um documento adotado por 88 governos e 25 organizações internacionais
trário da polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo
presentes na Conferência Mundial de Educação Especial. Em suma, o do-
fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mími-
cumento orienta que todas as crianças devem estudar em escolas regulares,
ca deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”:
o que muda a perspectiva de uma proposta de educação especial e no Brasil
é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso a po-
lidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-
reafirma a Constituição Federal10 (BRASIL, 1988), que determina no Art.
-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, 208: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garan-
quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que tia de (...) III- atendimento educacional especializado aos portadores de
permitirá a cada qual preservar inatas sua sensibilidade e suas emoções. deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Posteriormente,
(HOLANDA, 1995, p. 147). no ano de 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasilei-
ra11 (BRASIL, 1996) reafirma tal determinação: Art. 58 – “Entende-se por
As palavras do autor mostram a ambivalência e o conflito que esse educação especial, para efeitos dessa lei, a modalidade de educação escolar
homem cordial sofre e, para que possa continuar a pensar e a sentir como oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos por-
deseja, transmuta seu pensamento em uma fala cordial, isto é, simpática, tadores de necessidades especiais.”.
compreensiva e colaborativa, aparentemente livre de conflitos. A educação inclusiva no Brasil torna-se, além de uma orientação,
Tal modo de formação cultural também constitui, por conseguinte, 9
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf (acesso em 30 de maio de 2016).
10
Brasil (1988) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm (acesso em 30 de maio
a subjetividade do brasileiro, embora existam particularidades subjetivas de 2016).
11
Brasil (1996) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm (acesso em 30 de maio de 2016).

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uma determinação e a escola brasileira passa a ter de se defrontar com a Todas as crianças deverão ir para a escola, na qual deverão ser tratadas
questão de inserir o aluno com deficiência ou com necessidades educacio- como iguais, para que a partir disso possam surgir as diferenças. Não,
nais específicas12 em suas salas de aula. porém, as diferenças de cor, ou de amplitude perceptiva (mais ou menos
Há uma diferença importante entre as palavras inserir e incluir cegas, mais ou menos surdas, mais ou menos inteligentes), e sim aque-
quando se trata da escola. Na primeira situação, inserir pode ser matricular las que verdadeiramente interessam, ou seja, as diferenças subjetivas na
o aluno em uma escola comum e possibilitar que a frequente com regulari- apreensão do mundo, já que são essas diferenças que permitem o surgi-
dade. Quando se pensa em políticas educacionais, o simples fato de a pessoa mento de seus estilos e, portanto, do novo. Um novo singular que poderá
com N.E.E. estar matriculada e frequentando uma escola pode significar retornar ao social para revigorá-lo. (KUPFER, 2005, p. 23).
que está sendo também incluída, embora, ao se discutir a inclusão escolar e
suas implicações no processo de ensino-aprendizagem, tenha-se uma com- Assim, a escola precisa ser o lugar no qual as diferenças subjetivas
preensão mais abrangente desse processo. Nesse sentido, incluir significa possam surgir a partir da relação do aluno com a lei simbólica, que se tra-
duz na relação de respeito com o outro, nas obrigações do dia a dia das ati-
tornar esse aluno parte do contexto educacional, pois, além de frequentar
vidades educacionais. Incluir é, portanto, poder ajudar a surgir um sujeito
as aulas, deve fazer parte da vida educacional, desde a interação com os
onde ainda não talvez não exista e que a partir disso possa criar pensamen-
colegas e professores até seu processo de aprendizado.
tos e/ou objetos que o auxiliem nessa constituição subjetiva.
Incluir implica, portanto, um sentimento de pertencimento, de um
Ao longo do texto, foi utilizado, em alguns momentos, a terminolo-
lado, e de acolhimento, por outro. Pode ser possibilitar que os alunos façam
gia processo de inclusão. Conforme já foi tratado anteriormente em Lima
atividades juntos, mesmo que essas, em alguns momentos, sejam diferen-
e Cupolillo (2006), há uma relação dialética na inclusão com o seu opos-
ciadas, devido às condições subjetivas de alguns – intelectuais, sensoriais e
to a exclusão. Ambas são situações de continuidade e descontinuidade no
físicas. Nesse sentido, o aprendizado não é um processo único que acontece
contexto escolar. O aluno que é incluído, isto é, passa a fazer parte das
com todos da mesma forma. Para além das condições materiais necessárias,
situações escolares como um todo, já foi excluído desse contexto e pode ser
cada um aprende a partir de suas condições psíquicas, de seus interesses,
numa situação futura novamente excluído.
de seu desejo. Assim, para tornar esse conceito processo de inclusão/exclusão
Incluir também significa trabalhar as questões de igualdade e di- mais compreensível, irei utilizar a figura topológica da banda de Moebius13,
ferença no contexto escolar. Somos todos iguais perante a lei, embora se- que se constrói a partir de uma meia torção em uma fita retangular na qual
jamos diferentes subjetivamente. Equilibrar tais questões também pode suas extremidades se encontram. Essa figura apresenta um tipo de estrutu-
gerar confusão ao professor, pois como tratar o que é muito diferente de ra que subverte o espaço comum das representações, pois as noções de di-
maneira igual? A psicanalista Maria Cristina Machado Kupfer auxilia a reito e avesso passam a se conter uma na outra, na qual a fita tem somente
pensar essa contradição: um lado e uma borda. Dessa forma, representa as coisas que são colocadas
em relação de oposição.
12
O termo necessidades educacionais específicas (N.E.E.) é mais abrangente que deficiência, pois trata da in- 13
Jacques Lacan (psicanalista francês) utilizou-se de figuras topológicas para representar conceitos psicanalíti-
serção de grupos minoritários, como ciganos, índios, pessoas que precisam de atendimento educacional especial- cos. A banda de Moebius foi utilizada por ele para representar a dupla-inscrição freudiana de consciente-incons-
izado etc. Neste artigo utilizaremos os dois termos indistintamente. ciente. Utilizo-me aqui dessa figura para representar o processo dialético de inclusão-exclusão.

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Os processos de inclusão/exclusão, portanto, podem ser represen- penoso receber em suas salas de aula alunos com deficiência, terem de se
tados pela figura acima descrita. Como nesta, não há um dentro e um fora relacionar diariamente com pessoas para as quais a falta16, que para as pes-
de maneira estática, existindo assim uma passagem de um ao outro. Incluir soas sem deficiência aparece “apenas” psiquicamente, salta aos olhos, não
pode significar estar dentro, fazer parte de algo, e numa outra perspectiva, está escondida, recalcada, mas aparece em suas incapacidades de ver, ou de
devido às diferenças subjetivas de cada um, também é estar do lado de fora, escutar, ou se movimentar ou de entender o que está sendo falado.
não estar incluído em alguns momentos escolares14. Ademais, a sociedade está muito marcada por ideais de produtivida-
É preciso que o aluno seja reconhecido com um ser capaz de criar, de e de beleza corporal que têm constituído as subjetividades contemporâ-
produzir, brincar, amar e aprender. Nesse sentido, um olhar do professor neas. O mal-estar entre ser perfeito e ser deficiente aparece nos discursos
que o signifique como um sujeito pode possibilitar que ambos produzam de vida saudável, na necessidade da prática de atividades físicas e alimen-
algo novo numa relação professor-aluno. tação balanceada, com suplementação de produtos e de medicamentos que
Ensinar alunos sem deficiência pode parecer ao professor que to- possam preencher o vazio que é eminentemente humano. O psicanalista
dos são iguais e portanto, em uma sala de aula aparentemente homogênea, Joel Birman (2006) aponta como o corpo tem sido percebido:
pode-se trabalhar com apenas uma forma de ensinar e de avaliar, que dará
conta de todos (e de tudo). A onipotência infantil aparece fortemente em O corpo é o registro mais eminente no qual se enuncia o mal-estar. Todo
alguns discursos educacionais – sua majestade, o professor!15 mundo se queixa de que o corpo não funciona a contento. Imagina-se
A situação pode parecer resolvida quando o aluno é a imagem e sempre que algo deve ser feito para que a performance17 corpórea pos-
semelhança do professor. É por meio desse amor narcísico que se investe o sa melhorar. Sentimo-nos sempre faltosos, deixando de fazer tudo que
outro de qualidades que o tornam potencialmente capaz de aprender. Mas deveríamos, considerando as possibilidades oferecidas para o cuidado do
o que fazer quando esse aluno é tão diferente que Narciso não se vê mais corpo. Enfim, estamos sempre numa posição de dívida em relação a isso.
refletido nesse espelho? (BIRMAN, 2006, p. 175).
É diante do aluno com deficiência e da possibilidade de sua inserção
na sala de aula que o professor muitas vezes não consegue ensinar, isto é, Assim, para se incluir numa sociedade do espetáculo, na qual todos
transmitir o conteúdo, preparar atividades que o incluam e nem se relacio- têm de ser iguais no que diz respeito às performances físicas e de produti-
nar com o mesmo, deixando a cargo do professor de apoio ou do intérprete vidade, cada dia mais as pessoas buscam na medicalização possibilidades de
de libras o ensino desse aluno, os quais em tese estariam mais preparados maior rendimento físico e cognitivo, anulamento de emoções, como triste-
para atender alunos com N.E.E. za, numa busca de cura do que é (ser) humano. Esse ser humano que vive
A deficiência em nossa sociedade pode ser percebida como uma in- em conflito, que é faltoso, que sente tristezas e alegrias muitas vezes de
capacidade e para além disso, uma falta. Aponta para a nossa finitude e formas vertiginosas e com alterações muito rápidas.
nossa falta constitutiva. Assim, para muitos professores pode ser muito Por outro lado, o discurso medicalizador afirma cada vez mais o
14
Recentemente soube-se de uma situação em uma escola na qual o professor de educação física não possibilitou 16
Conceito psicanalítico no qual o ser humano, ser falante, diferentemente dos outros animais no quais o ins-
que um aluno com N.E.E. participasse de sua aula por entender que esse não estaria apto para as atividades que tinto indica o que precisam para a sobrevivência, tem uma falta estrutural de inscrição do objeto do desejo no
ali seriam realizadas. inconsciente.
15
Parafraseando Freud (2010), quando escreve “His Majesty the Baby”. 17
Grifo do autor

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sofrimento subjetivo, coloca em evidência o estresse, os transtornos de pâ- pode estar nas falas de professores que escuta-se recorrentemente quando
nico e alimentares e as alterações de humor. Ao se utilizar de classificações se trata do tema da inclusão. Em princípio, dizem que a inclusão é necessá-
de transtornos mentais cada vez mais abrangentes, cada peculiaridade hu- ria e tratam o tema de maneira amistosa. Em seguida surgem frases como:
mana passa a ser diagnosticada e passível de ser medicalizada, atendendo “não estou preparado para a inclusão”, “em minha formação docente não
assim a uma proposta de normalização. estudei sobre inclusão”, “a escola não tem estrutura para receber alunos
Na escola, a medicalização chega para identificar alunos que não com deficiência”, “na prática, a inclusão é muito diferente da teoria”, “é pre-
produzem como os ideais, negando-se suas subjetividades. Uma das pa- ciso ser médico ou psicólogo hoje em dia para ensinar”.
tologias que tem aparecido com frequência é o transtorno de déficit de Há vários fatores que podem estar envolvidos nesses discursos. De
atenção e hiperatividade (TDAH). Neste, o aluno aparece desinteressado fato, a formação docente é deficitária no que diz respeito a preparar o aluno
das atividades escolares, algumas vezes com comportamentos distraídos, de licenciatura para o trabalho com a diversidade. Geralmente, as discipli-
pouco atentos à aula e às atividades escolares, que se configura como déficit nas de licenciatura são reduzidas e ficam restritas ao seu campo, não haven-
de atenção, e/ou com comportamentos impulsivos, com grande movimento do uma interlocução com as outras disciplinas da matriz curricular. Além
corporal e inquietude, o famoso hiperativo. Pode-se pensar nesse sentido o disso, tais disciplinas já têm um conteúdo fixo, o que impede que o profes-
que pode estar acontecendo com o psiquismo desse aluno, com um mundo sor possa inserir temas de inclusão e tratá-los com a extensão e a profun-
interior em conflito, que ora o chama para si e ora o faz extravasar pensa- didade que lhes são necessárias. Nos estágios curriculares privilegia-se o
mentos e sentimentos por meio de comportamentos agressivos e/ou im- ensino das teorias referentes à disciplina (matemática, língua portuguesa,
pulsivos que podem indicar uma tentativa de simbolização ou a fragilidade ciências, por exemplo), não se fazendo uma articulação sobre o ensino de
e até mesmo falta dessa. determinada área a alunos com N.E.E. Como atualmente o ensino de libras
O contexto social precisa ser considerado nessas subjetividades é obrigatório para as licenciaturas (Lei n°. 10.436), pode-se pensar que a
apontadas como patológicas que aparecem na escola. Uma sociedade que inclusão está sendo ensinada e esquece-se que a língua brasileira de sinais
nos chama para atividades diversas ao longo de um dia ou ao mesmo tempo, é específica para as pessoas surdas e que na escola há outras diversidades
e quer que gozemos o máximo possível, aponta novamente para um mal-es- além dessa19.
tar nessas relações sujeito-cultura. Nas escolas, as barreiras arquitetônicas (falta de rampas, de elevado-
Pode surgir, portanto, um conflito no professor, que, além de não res, de sinalizadores para cegos, de corrimãos) podem dificultar a acessibili-
estar preparado para lidar com a própria falta e, no caso da inclusão, com dade do aluno, além da falta de materiais, que pode gerar dificuldade para o
a de seu aluno, entende que incluir pode ser tornar igual o que é diferente professor desenvolver trabalhos criativos e que produzam aprendizado. Há
e consequentemente curá-lo18. O professor sai de seu lugar de transmissão também as questões subjetivas que foram apresentadas acima.
de conhecimento, pois pode acreditar que não há como fazer esse trabalho
no contexto educacional, e acredita que esse aluno precisa ser curado, indo
assim para um lugar que ele não tem condição de operar. Essa incapacidade
19
Recentemente, em um evento da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, uma professora que
18
A esse respeito, sugere-se a leitura do texto “A inclusão causa o pior”, de Rinaldo Voltolini. Acesso em www. participou de uma mesa redonda intitulada Ensino, alteridade e minorias disse que as 60 horas da disciplina de
educacaoonline.pro.br. libras para as licenciaturas não habilita ninguém a ensinar para alunos surdos.

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2 - Inclusão e cordialidade “a inteligência”, “a beleza”, é algo que para não gerar angústia precisa ser
afastado22.
Todas essas questões são relevantes para se pensar a inclusão e A cordialidade, traço aprendido nas relações culturais, torna-se uma
como desenvolver maneiras de torná-la possível. Entretanto, pode-se escu- defesa e uma forma de continuar na mesma posição, porque no caso da
tar no discurso docente descrito acima uma característica muito presente inclusão, por mais que possa ter uma formação adequada, passar por for-
em nossa cultura, a cordialidade (HOLANDA, 1995). mação continuada, assistir palestras, entre outras possibilidades, o profes-
Conforme apresentado anteriormente é recorrente escutar de pro- sor parece continuar a se sentir incompetente diante de tantas síndromes,
fessores20 de formações diferentes e em contextos educacionais diversos, transtornos e deficiências – classificações contemporâneas que nada expli-
tanto oriundos de escolas públicas quanto privadas, que a inclusão é impor- cam e servem muitas vezes para a medicalização do sujeito e isenção de sua
tante e necessária, mas... que não estão preparados etc. Há uma contradição responsabilidade no mundo.
significativa entre falar da importância do assunto e, ao mesmo tempo, ne- Compreender essas características culturais que se presentificam em
gá-lo ao dizer-se incapaz para tal tipo de trabalho. cada sujeito por meio de sua fala pode ser uma forma de se pensar os rumos
Compreende-se que, quando concordam com a inclusão e até a enal- da inclusão educacional em nossa sociedade. Obrigar o professor, muitas
tecem, os professores estariam fazendo parte dessa característica peculiar vezes com uma formação profissional deficitária e sem condições subjetivas
que constitui nossa cultura, estariam sendo cordiais, aparentemente poli- de lidar com sujeitos que talvez careçam de muito mais que o aprendizado
dos, conforme ressalta Holanda (1995), mas, ao mesmo tempo, mantendo de conteúdos escolares, pode gerar situações desastrosas como se tem visto
seu pensamento bem resguardado: “Além disso a polidez é, de algum modo, em muitas escolas.
organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epi- Por outro lado, é preciso que os professores entendam que a forma-
dérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça ção profissional é para ensinar o aluno, seja ele de qualquer etnia, religião,
de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar orientação sexual. Olhar o outro e não se ver refletido nessa imagem pode
inatas sua sensibilidade e suas emoções.” (HOLANDA, 1995, p. 147). ser mortífero, angustiante, paralisante, mas também pode gerar novas for-
É claro que numa perspectiva em que se considera a subjetividade, mas de criatividade, para além das repetições cotidianas.
há de se compreender que o ser falante produz esse discurso a partir de
suas demandas que se constituem também a partir da cultura. Poderia ser 3 - A formação do professor em tempos de exclusão
assim “o que a cultura espera que eu seja?”; “em minha profissão, como
devo pensar?”. Um contexto em que predomina um procedimento racional instru-
Instaura-se portanto um mal-estar quando esse homem cordial se mentalizado produz e mantém uma educação direcionada para a adaptação,
depara com uma imagem distorcida, borrada, faltosa, que não corresponde que se distancia da crítica. Nesse sentido, apresenta um caráter de aprisio-
à imagem do aluno como ideal do eu21. Este aluno com deficiência não é namento do sujeito, contrário à sua possibilidade emancipatória, e se limita
20
Tais informações foram escutadas em cursos de inclusão na cidade de Goiânia e em cidades do interior de a fornecer um arsenal técnico e tecnológico em nome dos ideais de produti-
Goiás, em pesquisas de alunos da Faculdade de Letras (não publicadas) e em conversas informais.
21 22
Conceito freudiano apresentado no texto” Introdução ao narcisismo”: “A esse ideal do Eu dirige-se então o Neste artigo utiliza-se dois referencias teóricos que dialogam, a proposta de Sérgio Buarque de Holanda, que
amor a si mesmo que o Eu real desfrutou na infância. O narcisismo aparece deslocado para esse novo Eu ideal, mostra como a cordialidade constitui a cultura brasileira e a psicanálise, com seu método interpretativo, para a
que como o infantil se acha de posse de toda preciosa perfeição” (FREUD: 1914, p. 40). compreensão da subjetividade do professor.

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vidade e consumismo. Trata-se de uma razão aprisionada a interesses, que deveria esclarecer. O sentido da educação, desse modo, consiste em revelar
nega a temporalidade própria da formação cultural. o conflito como contradição no sentido oposto das falsas conciliações. O
Em um momento histórico no qual o progresso tecnológico avan- sentido emancipatório da experiência formativa consiste em, com base na
ça desacompanhado do progresso humano, cabe questionar a contribuição razão objetiva, estar-se atento às particularidades históricas sem abdicar da
decisiva da educação no contraponto ou na afirmação dessa realidade. A universalidade humana, do projeto humano de autonomia.
individualização do sujeito tomada como garantia de passividade e de con-
formismo e em nome de uma ilusão de liberdade e de autonomia, isenta 4 - A inclusão possível
o Estado e a sociedade de suas responsabilidades e culpabiliza os sujeitos
isolados pelo seu próprio êxito ou fracasso. “Conforme o ditado de que tudo A partir das reflexões acima, é provável que nunca haverá uma for-
depende unicamente das pessoas, atribuem às pessoas tudo o que depende mação ideal que dê conta de oferecer ao professor a possibilidade de estar
das condições objetivas, de tal modo que as condições existentes permane- preparado para trabalhar com qualquer síndrome ou deficiência, entenden-
cem intocadas”, afirma Adorno (1995, p. 36). A possibilidade de contrapon- do que o que parece incomodá-lo é não ter conhecimento teórico sobre isso.
to a essa racionalidade inicia-se com a análise crítica de tal processo, Nesse sentido, é impossível dar conta de todas as síndromes existentes,
além de desconsiderar o sujeito que existe aí. A educação está muito medi-
é necessário contrapor-se a uma tal ausência de consciência, é preciso calizada e isso parece distanciar o professor do processo de ensino-apren-
evitar que as pessoas golpeiem para os lados sem refletir a respeito de si dizagem e direcioná-lo a ser um “diagnosticador” de problemas do aluno,
próprias. A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a com ênfase na cura desse e seu encaminhamento para um profissional da
uma auto-reflexão crítica (ADORNO, 1995, p.121). saúde.
A formação docente tem de servir para possibilitar ao professor
A experiência formativa, possibilitaria o conhecimento, consideran- recursos educacionais e subjetivos para compreender que a transmissão
do a elaboração da relação do passado ao presente histórico. Está em causa de conhecimento é possível, independentemente das diferenças subjetivas
uma temporalidade que permite ou obstaculariza a formação, em especial, dos alunos. Isso não significa dar aula para cada aluno, o que seria impos-
a formação do professor. A educação formativa, nessa perspectiva, deveria sível, mas entender que cada pessoa tem uma história de vida, a partir de
negar a realidade, no sentido de contestar e questionar o procedimento suas relações familiares, culturais, socioeconômicas, que a constituem e a
racional que rege o statu quo e, operando com outra lógica, transformar o tornam única. Embora únicos, estamos todos inseridos numa cultura que
sujeito em sua relação dinâmica e contraditória com a realidade. “Para isso têm regras e formas de convívio, as quais todos os alunos serão inseridos23.
se exige tempo de mediação e continuidade, em oposição ao imediatismo e A educação que tem sido oferecida nas escolas é normalizadora, no
fragmentação da racionalidade formal coisificada”, como assinala Leo Maar sentido de que busca tornar o diferente igual, normal, como se houvesse tal
(1995, p. 25). possibilidade. O modelo médico de tratamento e cura é muito forte na so-
A experiência formativa, muito além do conhecimento científico,
23
Teve-se conhecimento de um caso em sala de aula sobre um aluno autista em uma escola que batia em todos os
busca a autonomia e seu conteúdo ético transcende o condicionamento so- colegas e saía da sala de aula com frequência. Um professor questionou a liberdade que tal aluno tinha e foi-lhe
cial. Mas o conhecimento científico na modernidade, cada vez mais com- explicado que o aluno era autista e por isso tinha esses comportamentos. Nesse sentido o aluno com autismo não
estava inserido sob a mesma lei que marcava todos os outros e um caminho seria mostrar-lhe que também fazia
prometido com o pragmatismo e o funcionalismo, acaba por encobrir o que parte desse contexto social e escolar.

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ciedade, pode-se perceber pelo lugar que é oferecido ao médico socialmen- escola preparados para ensinar esses alunos, estrangeiros em seu próprio
te. Quando escuta-se que o professor é desvalorizado, pode-se pensar que país? A inclusão possível precisa ser inventada no dia a dia da sala de aula
uma das possibilidades é a educação entender que a medicalização não é a e só será possível inventá-la se o professor se reconhecer como capaz de tal
saída para o ensino e a aprendizagem tornarem-se eficientes, mas é preciso invenção, a partir de uma formação que lhe dê status de sujeito.
identificar qual o lugar do professor na escola, suas competências e atribui-
ções serem valorizadas e bem definidas. O professor precisa ser incluído no Referências
processo de inclusão e sentir-se em condições de ensinar seus alunos.
Uma das queixas dos professores quanto à inclusão é que ela se deu ADORNO, T. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
“de cima para baixo”, ou seja, não foi uma solicitação dos professores, mas 1995.
os governos obrigaram-lhes a receberem alunos com N.E.E. nas escolas co- BIRMAN, J. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro:
muns. Isso não pode ser desconsiderado, mas não há como parar o que tem Civilização Brasileira, 2006.
sido feito em relação à inclusão e esperar que todos os professores estejam BRASIL. (s/d) Constituição da República Federativa do Brasil. Bra-
preparados para ela e a aceitem, pois estar preparado é uma grande ilusão.
sília: Presidência da República: Casa Civil, 1988. Disponível em: http://
Nesse sentido, a ideia de estar preparado seria um sintoma do bra-
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
sileiro, pois esse acredita não estar preparado nem para falar sua língua. A
______. Lei de diretrizes e bases da educação nacional: Lei nº 9.394,
Língua Portuguesa sempre está muito distante, no além-mar. Se não se é
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educa-
sujeito nem em sua própria língua, como ser sujeito, já que o que nos cons-
ção nacional. – 11. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara,
titui é a linguagem?
2015.
A cordialidade, enquanto traço cultural que constitui nossa subje-
DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: Sobre Princípios, Políticas e
tividade, pode ser uma forma de emperrar o processo de inclusão, pois o
professor diz que a acha importante, mas se defende dela, entretanto pode Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, 1994, Salaman-
ser uma saída para tornar a inclusão possível. Esse jeito amoroso, afetuoso ca-Espanha.
e, ao mesmo tempo, desrespeitoso do brasileiro precisa ser redirecionado FREUD, S. Introdução ao narcisismo, Ensaios de metapsicologia e
no discurso educacional, no sentido da aceitação de um outro que muitas outros textos. (1914 – 1916). Tradução de Paulo César de Souza. Compa-
vezes, de tão diferente, torna-se um estrangeiro. Esse estrangeiro, que, no nhia das Letras: São Paulo, 2010.
caso, é o aluno com necessidades específicas, precisa ser reconhecido como ______. O futuro de uma ilusão, O mal-estar na civilização e outros
um legítimo outro, detentor de um saber que pode auxiliar o professor em trabalhos. Vol. XXI (1927 – 1931). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
formas de como ensiná-lo. HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. Companhia das Letras: São Pau-
Em suma, é importante que se possa reconhecer a inclusão como lo, 1995.
uma necessidade, pois senão incorreríamos num erro de que há pessoas KUPFER, M. Cristina M. Inclusão escolar: a igualdade e a diferen-
melhores que outras, as quais são merecedoras de privilégios, que, no caso ça vistas pela psicanálise. In: COLLI, F. A. G.; KUPFER, M. C. M. (orgs.).
escolar, é o aluno considerado normal poder frequentar uma escola comum, Travessias Inclusão escolar: a experiência do grupo ponto – pré-escola te-
e os outros irem para outra escola. Estariam os professores dessa outra rapêutica lugar de vida. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. p. 17-27.

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LEO MAAR, W. À guisa de introdução: Adorno e a experiência
formativa. In: ADORNO, T. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1995a
LIMA, C. M.; CUPOLILLO, M. V. A teoria histórico-cultural e a
dialética inclusão/exclusão nas instituições de ensino. Linhas Críticas. Uni-
Entre as políticas educacionais e a escola:
versidade de Brasília, Faculdade de Educação. v. 1, n. 1, p. 263 – 278, 2006. reflexões sobre o processo de educação inclusiva
Tainá Dal Bosco Silva24
Thales Cavalcanti e Castro25
Bárbara Cecília Alves Marques26

Introdução

Temos assistido nos últimos anos avanços nas políticas e práticas


educacionais de educação inclusiva. Muitos alunos contam atualmente com
professores de apoio nas redes municipais e estaduais; escolas particulares
não podem recusar matrículas de alunos com necessidades educacionais
especiais; disciplinas de educação inclusiva têm sido criadas nos cursos de
graduação; salas especializadas em atender às demandas inclusivas na rede
regular (AEE); maior preocupação com a acessibilidade desses alunos nas
dependências da instituição.
O presente capítulo trata de uma pesquisa qualitativa que visa dis-
cutir e refletir acerca dos aspectos legais que norteiam a educação inclusiva,
abordando a existência de uma distância entre o que é preconizado pela lei
e o que de fato acontece nas escolas. As políticas educacionais do país pro-
moveram avanço significativo na inclusão de alunos com necessidades edu-
cacionais especiais, porém, como também demonstram os breves relatos de
experiência dos autores, ainda não garantem que o ensino regular, com os
membros da comunidade escolar, seja inclusivo para alunos com deficiência,
24
Psicóloga, Mestra em Psicologia (UFG) e Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano
(USP). Professora UFG e Faculdade Alfredo Nasser.
25
Psicólogo e Mestre em Psicologia (UFG), psicólogo do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação
(CEPAE/UFG).
26
Graduanda em Psicologia (UniAlfa).

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transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. FERRAZ, 2008; SILVA, 2016).
A despeito dos avanços, alguns problemas no processo de educação Pode-se apontar como um dos marcos da inclusão uma série de pre-
inclusiva na rede regular de ensino persistem. É comum pensarmos na in- ocupações e leis que passam a ser construídas no século XX:
clusão como o ápice de um processo que superou a exclusão, a segregação
e a integração - paradigmas que acompanham a relação entre a sociedade [...] nesse século, são criadas, no mundo inteiro, instituições especializa-
e a pessoa com deficiência ao longo da história. Contudo, para pensarmos das no atendimento das deficiências e implantados programas de reabi-
a inclusão no âmbito educacional é necessário lembrar que o processo de litação. Organizações intergovernamentais, como a ONU (Organização
inclusão como um todo - seja na escola, no trabalho ou na sociedade em das Nações Unidas), OMS (Organização Mundial da Saúde), UNESCO
geral - não é um processo linear. Trata-se de um processo histórico e social, (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
marcado pelas condições e contradições da realidade em que é produzido. e OIT (Organização Internacional do Trabalho), passam a apoiar a equi-
O primeiro desses paradigmas - o da exclusão - nos remete às so- paração de oportunidades para as pessoas com deficiência e a criar um
ciedades primitivas. Neste contexto, por exemplo, as pessoas com deficiên- intercâmbio de conhecimentos sobre a deficiência (CARVALHO-FREI-
cias não eram compreendidas como pertencentes ao grupo. E assim, eram TAS; MARQUES, 2007, p. 70).
abandonadas, excluídas de todo o processo social e logo das questões re-
lacionadas à educação. Esse entendimento passou a ser modificado na me- Assim, a partir dessas mudanças passam a ser criadas legislações
dida em que a Igreja Católica começou a difundir a compreensão de que o específicas para a inclusão das pessoas com deficiências na sociedade, no
corpo deficiente abrigava uma alma e assim conquistou o direito à vida. As mundo do trabalho e na escola. Nessa última, a escola, temos a inserção dos
crianças com deficiência passaram a ser recebidas nas rodas dos expostos, alunos com deficiência nas salas regulares, ou seja, como todos os alunos
foram acolhidas pela Igreja que começou a institucionalizá-las. Entretanto, da escola.
não compartilhavam a vida em comum, ficavam segregadas, escondidas nos O presente capítulo visa discutir alguns aspectos legais sobre a in-
mosteiros ou conventos e, embora recebessem cuidados e algum nível de clusão escolar e a distância entre o que é preconizado pelas políticas edu-
instrução, ainda eram segregadas, ou seja, colocadas à parte na sociedade cacionais e a realidade da escola. Visa também traçar alguns apontamentos
(MAKHOUL, 2007; FERRAZ, 2008; SILVA, 2016). sobre o papel do psicólogo no processo de inclusão escolar.
A integração é marcada por uma série de mudanças sociais, econô-
micas e políticas, com o surgimento de várias leis que passaram a garantir 1 - Materiais e Métodos
os direitos das pessoas com deficiência no âmbito social, do trabalho e edu-
cacional. O que caracterizou esse momento nas escolas foi o surgimento A discussão aqui apresentada trata-se de uma pesquisa documental
de salas e classes “especiais”, o que no Brasil teve início por volta de 1930, que tem como fontes duas leis que abordam a educação inclusiva, na moda-
para alunos com deficiência ou algum tipo de necessidade educacional es- lidade do ensino especial, sendo elas a última Lei de Diretrizes e Bases da
pecial. Dessa forma, esses alunos começaram a fazer parte da vida escolar Educação (BRASIL, 1996) e o Decreto nº 6.571/2008, que foi revogado e
e frequentar à escola, superando assim a segregação - momento em que entrou em vigor o Decreto nº 7.611/2011 que regulamenta o Atendimento
as pessoas com deficiência somente tinham acesso à educação por meio de Educacional Especializado (BRASIL, 2008). Na discussão sobre a legisla-
escolas especiais, ou seja, separado da escola regular (MAKHOUL, 2007; ção, serão apresentados breves relatos de experiência dos autores em suas

70 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 71


práticas de trabalho em escolas. É importante ressaltar que os relatos são oferta de serviço de apoio especializado quando necessário para atender as
referentes a experiências em escolas distintas e que o intuito não é com- especificidades dos alunos do ensino especial.
pará-las nem mesmo enfatizá-los em detrimento da exposição da pesquisa No artigo seguinte, 59º, é assegurada uma série de serviços, adap-
documental, mas ilustrar as diferentes vivências profissionais dos autores, tações, entre outros elementos aos alunos citados no parágrafo anterior.
de modo a tentar contribuir para uma melhor compreensão do atual cená- Entre os avanços é importante destacar a garantia de “currículos, métodos,
rio das políticas educacionais e a escola na educação inclusiva. técnicas, recursos educativos e organização específicos” (BRASIL, 1996)
Dessa forma, os casos escolhidos para ilustrar a discussão proposta para atender às necessidades dos alunos da educação especial. Esse é um
ao longo do texto são oriundos de relatos de experiência dos autores em ponto importante, uma vez que é a partir dele que devemos pensar as adap-
seus ambientes de trabalho como psicólogos escolares. Os relatos são de
tações curriculares, de atividade, de avaliação e até mesmo de didática em
dois contextos específicos, o primeiro da Secretaria Municipal de Educação
sala de aula regular para contemplar as necessidades educacionais de tais
de um município do interior do estado de Goiás, sendo assim de escolas da
alunos.
rede pública de ensino. Já o segundo, também na rede pública, é uma esco-
Outro ponto que merece destaque nesse artigo é no que refere-se à
la de pesquisa e de aplicação a educação no município de Goiânia. Ambos
contemplam desde a educação infantil até a segunda fase do ensino funda- formação dos professores. No texto da lei, inciso III, os sistemas de ensino
mental, e o segundo também conta com ensino médio. devem assegurar: “professores com especialização adequada em nível mé-
dio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do
2 - Resultados e Discussão ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes
comuns” (BRASIL, 1996). É notório que a formação do professor é ex-
Um dos marcos para a inclusão social e educacional das pessoas com tremamente necessária, entretanto a atuação na área de psicologia escolar
deficiência é a Declaração de Salamanca, documento formalizado em 1994, tem nos mostrado uma série de relatos de professores que não se sentem
na cidade de Salamanca, na Espanha como resultado de uma conferência preparados tecnicamente para o recebimento desse público em sala de aula.
com representantes de 88 governos e 25 organizações internacionais. A Há aqui uma certa distância entre o que é preconizado pela legislação e o
partir da aprovação deste documento e do compromisso firmado entre os que observamos nas escolas, sobretudo na rede pública.
países participantes, entre eles o Brasil, tem-se um considerável avanço nas Ainda nesse artigo, no inciso IV é destacada a:
legislações no que se refere à inclusão.
No Brasil, o início desse avanço pode ser observado a partir da úl-
educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na
tima Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996). O destaque
vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não re-
nesta lei, sobre educação inclusiva, é a inserção do capítulo V, que discute a
velarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante
Educação Especial.
articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que
Neste capítulo, o artigo 58º cita que a educação especial deve ser
apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou
preferencialmente oferecida na rede regular de ensino e define o público
psicomotora (BRASIL, 1996).
para esse tipo de atendimento “educandos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (BRA-
O trabalho tem uma função central na nossa sociedade, uma vez
SIL, 1996). Nos parágrafos desse artigo, podemos destacar como avanço a

72 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 73


que possibilita a construção de identidade do sujeito, pertencimento e re- O capítulo V mostra avanços quanto à inclusão de pessoas com de-
conhecimento social. A identidade do trabalhador está atrelada a este ser ficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
considerado útil, produtivo. Estar incluso, a partir de uma perspectiva libe- superdotação. A partir dele foram organizadas leis mais específicas sobre
ral, na nossa sociedade, é estar inserido na sociedade do consumo, ou seja, a Educação Especial, entre elas a que garante o Atendimento Educacional
do modo de produção da vida capitalista, a força de trabalho é explorada. Especializado (AEE).
Neste sentido, vale destacar que buscar a efetiva integração na vida em so- Em 2008, foi publicado o Decreto nº 6.571, que trata da ampliação da
ciedade por meio de uma educação para o trabalho, na perspectiva liberal, oferta de atendimento educacional especializado (AEE) na educação básica
não resulta em emancipação para o sujeito com necessidades educacionais e no ensino superior. Revogado, entra em vigor o Decreto nº 7.611/2011.
especiais. Uma de suas diretrizes é a implementação do AEE no Projeto Político
O artigo 59º aponta para a necessidade de criação de um cadastro Pedagógico de todas as instituições de ensino, incluindo a criação de salas
nacional de alunos com altas habilidades ou superdotação com a finalidade de recursos multifuncionais, tendo professores e outros profissionais espe-
de criar políticas públicas para esse público. Esse é um ponto interessante, cializados na tradução e interpretação de LIBRAS (BRASIL, 2009, 2015).
uma vez que quando pensamos em educação inclusiva usualmente lembra- É importante ressaltar que o AEE não vem substituir o ensino re-
mos dos alunos com deficiências e de transtorno do espectro autista.
gular. Este atendimento atua de maneira complementar e suplementar, uti-
Muitas vezes a informação de que o ensino especial deve contemplar
lizando recursos diferentes dos que podem ser utilizados na sala de aula
as necessidades de alunos com altas habilidades/superdotação causa surpre-
regular e proporcionando mais um atendimento escolar que beneficie o
sa aos profissionais que trabalham no âmbito educacional. Essa reação de-
aprendizado do aluno com necessidades educacionais especiais.
nuncia certa precariedade na formação da maioria de pedagogos e psicólogos
O Atendimento Educacional Especializado não se resume à sala de
escolares que durante a graduação não tiveram contato com disciplinas que
recursos multifuncionais ou a um espaço físico no ambiente escolar. Tra-
abordassem essa temática. Assim, os profissionais não têm formação técnica
ta-se de uma política educacional que deve guiar a inclusão de alunos com
para identificar os alunos com altas habilidades/superdotação, os quais aca-
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
bam sendo rotulados como indisciplinados ou desinteressados. Como con-
superdotação, na forma de adaptações de conteúdo e de metodologia, além
sequência, não é possível planejar adaptações curriculares e qualquer outra
forma de apoio em sala de aula. Desta forma, a maior parte dos trabalhos de flexibilização curricular.
desenvolvidos no âmbito da inclusão escolar excluem os alunos com super- O texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
dotação e altas habilidades. Negrini et al (2008) apontam que é necessário: da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) afirma que “para atuar na educação
especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continu-
Ressaltar a inclusão dos alunos com altas habilidades/superdotação ain- ada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos
da se faz necessário, uma vez que as escolas ainda não se sentem prepa- específicos da área”. Apesar de a legislação preconizar a contratação de
radas para atendê-los e, mesmo sem perceber, realizam práticas exclu- profissionais com formação adequada, muitas escolas não cumprem essa
dentes e desestimulantes para estes alunos, que vão à escola em busca de normativa.
novos desafios para a aprendizagem (NEGRINI ET AL, 2008, p. 282). Na Secretaria Municipal de Educação de uma cidade no interior de
Goiás onde foi possível vivenciar parte dos relatos de experiência descritos

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no atual artigo é possível observar que ao invés de contratar docentes no sem que se considere a existência concreta da escola” (ANGELUCCI et
cargo de professor de apoio, contrata-se estagiários estudantes de gradua- al, 2004, p. 60) no qual “isola-se o aluno que ‘não aprende’ da escola que o
ção. Contratação realizada sem nenhuma exigência de qualificação teórica ensina” (idem, p. 60). Segundo Angelucci e cols. (2004):
e/ou prática para trabalharem na educação inclusiva como profissionais. O
contato com esses profissionais torna clara a dificuldade na atuação com Predomina uma concepção de escola como lugar harmônico em que o
alunos com necessidades educacionais especiais. Não há condições mate- potencial de cada um encontra condições ideais para se desenvolver. A
riais e técnicas para o desenvolvimento do trabalho, colocando os contrata- tarefa da criança, nesse contexto, é desenvolver suas capacidades egóicas
dos em situação de desamparo frente às demandas impostas pela educação para lidar com uma realidade inquestionável. É a partir dessa concepção
inclusiva. que alguns pesquisadores estabelecem uma relação direta entre desem-
penho escolar e saúde mental. Cabe ao aluno adaptar-se, com a contri-
As dificuldades ressaltadas pelos professores de apoio referem-se a au- buição de professores e psicólogos. No interior de uma concepção de
sência de adaptações curriculares, de material de didática, do espaço físi- normalidade como adaptação, o não ajustamento à escola ou a insatisfa-
co da escola, bem como a falta de apoio da família e do professor regente, ção com características do ambiente escolar são incapacidade individual
do reconhecimento e credibilidade do seu trabalho. Condição que nos de orientar-se pelo princípio de realidade (ANGELUCCI, 2004, p. 60).
remete a própria indefinição de seu papel em relação a uma atuação de
caráter mais colaborativo com o professor, ainda que esta esteja presente Recorrendo ao relato de experiência para ilustrar a discussão, em
na legislação (JORDÃO, JORDÃO & TARTUCI, 2011, p. 11). discussões com professores em uma escola pública de Goiânia, sobre alunos
com necessidades educacionais especiais, é possível escutar falas de profes-
Como consequência dessa forma de contratação, é possível observar sores afirmando que alguns alunos são “preguiçosos”, “se aproveitam das
que esses profissionais apenas ‘‘deixam’’ que o aluno esteja presente na sala, dificuldades”, “não tentam fazer atividades”, “mentem”, “as mães fazem a
sem desenvolver nenhuma atividade ou limitando-o a atividades de ‘‘pintu- tarefa por elas”. Raramente questiona-se como o processo de inclusão é vi-
ra’’ ou ‘‘desenho’’ aleatórias sem finalidade pedagógica. Nesse caso, é possí- venciado pelo aluno, o que significa para o aluno estar aquém do nível dos
vel observar o paradigma de integração, em que o aluno com necessidade outros alunos, o que significa precisar do apoio de outrem para realizar ati-
educacional especial frequenta a escola regular entretanto não está incluso vidades. Raramente questiona-se o que faltou no processo de escolarização.
por não desenvolver as atividades curriculares previstas. Isto poderia ser Para uma melhor compreensão desta questão é necessário consi-
amenizado caso houvesse, por exemplo, orientação acerca do trabalho, com derar o contexto histórico, social e econômico no qual a escola se insere.
espaço para discussão de técnicas e materiais que possam auxiliá-los nas Seguindo a lógica neoliberal que prega que o sucesso depende do empenho
atividades com alunos com necessidades educacionais especiais. e desempenho dos indivíduos, a escola culpabiliza o aluno por suas difi-
No trabalho como psicólogo escolar, é possível notar em diversos culdades de aprendizagem, eximindo-se de sua responsabilidade enquanto
momentos uma tendência a atribuir ao sujeito a causa de suas dificuldades agente participante na produção do fracasso do aluno. A culpabilização do
escolares, como citado no parágrafo anterior, com a escola se eximindo aluno por seu insucesso obscurece o papel da escola neste evento (GIRON,
disto. A concepção sobre o fracasso do aluno aparece “como um fenômeno 2008).

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Por outro lado, assiste-se também a uma transformação no discurso presente na própria LDB (BRASIL, 1996) que no artigo 71 localiza o psicó-
sobre o insucesso do indivíduo deslocando-se o foco para fatores sociais. logo assim como outros profissionais como despesas adicionais à educação.
Passa-se de um modelo que parte de causas naturais como “dons” para ou- Entretanto, anteriormente, no artigo 58, como discutido, salienta a oferta
tros fatores como a responsabilização de pais e professores pelo insucesso de apoio especializado. Assim, o lugar e o fazer do psicólogo escolar ainda
do aluno sem que se atinja a lógica global do sistema deficiente que é a não está pronto. Caberia à psicologia escolar questionar o processo de in-
da ordem social vigente (BOURDIEU & CHAMPAGNE, 1999). No que clusão dos alunos com necessidades educacionais especiais considerando o
diz respeito à responsabilização do professor, Angelucci e colaboradoras contexto histórico, social e econômico no qual a escola se insere.
(2004) afirmam: É necessária a reflexão acerca da atuação do psicólogo escolar de
forma multidisciplinar e institucional, ou seja, juntamente com os profis-
Está presente nessa produção o pressuposto de que os alunos possuem sionais que atuam no âmbito educacional. Em relação ao exemplo discutido
dificuldades de ordem emocional, cultural, etc., que podem ser sanadas anteriormente - dos estagiários que atuam na educação inclusiva - é pos-
pelo professor se ele utilizar a técnica de ensino adequada. [...] prevê-se sível pensar que o psicólogo pode contribuir com alguns elementos para a
o ajustamento da criança a uma escola que, baseada na técnica correta,
formação desses profissionais, juntamente com o pedagogo com formação
em educação especial, ao pensar a adaptação curricular, de atividades e de
proporcionaria condições propícias ao desenvolvimento das potenciali-
avaliação. Pensar a formação desses estagiários é com certeza contribuir
dades dos aprendizes (ANGELUCCI, 2004, p. 61).
para que o aluno com necessidades educacionais especiais possa ser melhor
atendido. Entretanto ao pensar criticamente essa prática percebemos que
No geral, é possível observar que as explicações para o fracasso
ela é adaptativa, uma vez que não altera as bases de um sistema educacional
do aluno com necessidades educacionais especiais são buscadas na própria
não inclusivo.
criança - com apoio nos diagnósticos médicos e psicológicos -, na família
Durante décadas permaneceu a ideia de que a prática do psicólogo
e nos professores. Contudo, não se atinge a lógica global do funcionamen-
no interior da escola deveria ser pautada na avaliação de crianças e jovens
to escolar que não respeita os tempos de aprendizagem dos alunos - seja
com dificuldades de aprendizagem, cujo objetivo final era separar os ap-
alunos com deficiência intelectual ou altas habilidades e até mesmo alunos
tos dos não aptos ao processo educacional. De acordo com Patto (2015), a
com desenvolvimento típico -, que não prepara os professores para lidar
suposta diversidade teórica e metodológica presente na Psicologia Esco-
com as especificidades no desenvolvimento dos alunos, que não permite aos lar acoberta a verdadeira unidade ideológica presente neste campo, a qual
professores ter tempo para planejar atividades diferenciadas. reafirma o papel subserviente assumido ao longo de sua história, seja na
conservação da estrutura da escola tradicional ou mesmo da própria ordem
Conclusão social na qual ela se insere. Entretanto, Meira (2000) nos chama atenção
para o fato de que a necessidade de se fazer a crítica não pode nos tornar
Diante do que foi apontado, cabe questionar: qual o papel do psicó- cegos para as possibilidades significativas de avanços. É fato que o espectro
logo no contexto e no processo da educação inclusiva? adaptacionista presente em grande parte da produção teórica e também
Um primeiro ponto a ser destacado nessa discussão é a contradição nas práticas tem se colocado como a face mais visível da Psicologia Escolar.

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Igualmente notória, é a dificuldade em se pensar em uma práxis transfor- cionais estão abordando a discussão sobre uma educação inclusiva, o que é
madora em um processo educacional não democrático, contextualizado em relativamente recente na nossa história. Entretanto a existência da política
uma sociedade marcada por injustiças e desigualdades. não garante que a escola seja inclusiva.
O momento atual, segundo Guzzo e cols. (2010), é de tentar superar Os avanços na concepção acerca da educação inclusiva são impor-
esse modelo de atuação e produção de pesquisas, que dá ênfase aos proble- tantes representam mudanças positivas na escolarização de alunos com ne-
mas como próprios do indivíduo, obscurecendo a crítica às condições de cessidades educacionais especiais. No entanto, o caminho para a construção
desigualdade e exclusão que se naturalizam na sociedade. Isto também é de uma escola inclusiva requer, necessariamente, a construção de uma so-
presente quanto aos alunos público alvo da educação inclusiva, como foi
ciedade inclusiva. Está só será conquistada mediante o comprometimento
possível observar com os exemplos citados anteriormente. Além disso, é
com a superação das condições que a torna excludente.
possível realizar um trabalho interdisciplinar no qual, entre outras atribui-
Assim, a educação é ao mesmo tempo meio e fim para esse processo
ções, ajudaria a garantir que o diagnóstico destes alunos não seja utilizado
inclusivo: sem transformação na sociedade não há transformação na esco-
como justificativa para seu não aprendizado.
O documento do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que sinteti- la; do mesmo modo, sem transformação na escola não há transformação
za as discussões do Seminário Nacional do Ano da Educação aponta algu- na sociedade. Qualquer saída para uma escola efetivamente inclusiva deve
mas diretrizes e encaminhamentos para o trabalho do psicólogo escolar. Na propor uma mudança profunda no nosso sistema educacional, nas relações
perspectiva do sistema conselhos, a Psicologia Escolar deve ter como prio- de produção e, por consequência, no modelo social excludente.
ridade a construção de uma prática profissional comprometida com a in-
clusão social que seja capaz de romper definitivamente com as concepções Referências
classificatórias, fragmentadas e individualizantes. O trabalho do psicólogo
escolar deve ser interdisciplinar e priorizar sua dimensão institucional, seja ANGELUCCI, C. B. et al . O estado da arte da pesquisa sobre o
no espaço educativo formal ou não formal. O trabalho deve reafirmar a fracasso escolar (1991-2002): um estudo introdutório. Educ. Pesqui., São
perspectiva de projetos coletivos e contextualizados com os sujeitos e os Paulo, v. 30, n. 1, apr. 2004 . Disponível em http://www.scielo.br/pdf/
cenários do espaço escolar/educacional. Ressalta ainda o documento que a ep/v30n1/a04v30n1.pdf
Psicologia Escolar deve ter o compromisso de resgatar a função social da BOURDIEU, Pierre; CHAMPAGNE, Patrick. Os excluídos do in-
escola, que é a de possibilitar o amplo acesso aos bens culturais elaborados
terior. In: BOURDIEU, Pierre (org.). A miséria do mundo. Petrópolis: Vo-
no curso da história humana e promover a autonomia do indivíduo (CFP,
zes, 1999. p. 481-486.
2009).
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as di-
A relação entre a escola e a sociedade é contraditória e dialética.
retrizes e bases da educação nacional. Disponível em http://www.planalto.
Não cabe ao psicólogo a função messiânica de resolver tais contradições.
gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm.
A sociedade não é inclusiva, logo escola também não o é, os processos de
_______. Decreto n. 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe so-
segregação que acontecem como um todo na sociedade também acontecem
bre o atendimento educacional especializado, regulamenta o parágrafo úni-
na escola. Temos avançado nessa discussão uma vez que as políticas educa- co de art. 60 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta

80 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 81


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82 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 83


Tecnologias da informação e da comunicação
nas práticas pedagógicas inclusivas: formação
de professores e tecnologias assistivas
Sandra Maria de Oliveira27

Introdução

O senso escolar de 2016 demonstra que 57,8% das escolas brasilei-


ras têm alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
ou altas habilidades e que 82% destes alunos estão incluídos em classes
comuns. Este avanço está em sintonia com os desafios propostos pelo Plano
Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2014), que explicita que o Brasil
deve universalizar o acesso à Educação Básica e ao atendimento educacio-
nal especializado (AEE), preferencialmente na rede regular de ensino, a
crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades até 2024.
Os dados do Censo Escolar de 2015 (BRASIL, 2016) e 2016 (BRA-
SIL, 2017) revelam que as conquistas citadas anteriormente foram pre-
servadas, ou seja, não houve retrocessos. O total de matrículas desse pú-
blico específico aumentou cerca de 4% por ano (de 886.815, em 2014, para
971.372 em 2016). Da mesma forma, o percentual de matrículas em am-
bientes inclusivos continuou crescendo (de 698.768, em 2014, para 796.486
em 2016).
A regulamentação do Atendimento Educacional Especializado (AEE)
no Brasil passa pela elaboração de medidas tomadas pelo Ministério da Edu-
27
Doutora em Sociologia, com mestrado em História e Graduação em História e Pedagogia. Professora Titular
do Curso de Pedagogia da Faculdade Araguaia. Professora da SEDUCE-GO.

84 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 85


cação que tem como mote o documento publicado em janeiro de 2008 pelo um novo modelo de formação docente que requer um professor prepa-
Ministério da Educação intitulado “Política Nacional de Educação Especial rado para atuar em uma escola pautada na atenção à diversidade, para
na perspectiva da Educação Inclusiva” (BRASiL,2008a), o decreto nº. 6.751 desenvolver sua prática pedagógica considerando diferentes modos de
de setembro de 2008 que dispõe sobre o AEE (BRASiL,2008b) e a resolução aprender e ensinar, contrários a cultura escolar tradicional até então
nº 4, de 2 de outubro de 2009 (BRASIL, 2009), que é a proposta oficial para vigente, historicamente excludente, seletiva, pautada em um modelo
de ensino homogeneizador. Deve assim assegurar recursos, estratégias
as salas multifuncionais nas escolas públicas brasileiras.
e serviços diferenciados e alternativos para atender às especificidades
O documento Política Nacional de Educação Especial na perspec-
educacionais dos alunos que necessitam do AEE. (GIROTO, POKER E
tiva da Educação Inclusiva (BRASiL,2008a) versa sobre a orientação e
OMOTE, 2012, p. 12)
organização da Educação Especial nos sistemas educacionais brasileiros
tendo como perspectiva a Educação para a diversidade. De acordo com
Já o decreto 6.571 (BRASIL,2008b) dispõe sobre o AEE e tem entre
essa política, a Educação Especial deve ser ofertada em todas as etapas e seus objetivos a elaboração e utilização de recursos para que sejam feitos
modalidades de ensino através do Atendimento Educacional Especializado os ajustes necessários para a aprendizagem dos alunos portadores de ne-
(AEE), prevendo a disponibilização de recursos materiais e estratégias pe- cessidades especiais. Assim, o AEE deverá ser efetivado sob a perspectiva
dagógicas diferenciadas para alunos com deficiência, independente de qual da consolidação de diversas ações, dentre elas a formação de professores
seja, transtornos globais do desenvolvimento (TGC) e altas habilidades/ para o atendimento educacional especializado a ser realizado nas salas de
superdotação. Prevê também condições de acesso, permanência e aprendi- recursos multifuncionais, para que desenvolva competências para explorar
zagem destes alunos nas salas regulares de acordo coma faixa etária dos os materiais e recursos presentes nas salas de AEE.
demais alunos, e responsabilidade da escolarização tanto do professor re- Isso significa, dentre outras coisas, que possa tanto utilizar os recur-
gente como no professor especializado para turmas de AEE. sos existentes, como elaborar materiais e metodologias para alunos de AEE
Giroto, Poker e Omote (2012), afirmam que sem recursos, materiais e, orientar seu uso nas salas regulares. Estes materiais e recursos vão desde
e estratégias adequadas e adaptadas que atendam às necessidades educa- os mais simples até os mais elaborados e que exigem uma formação mais
cionais, torna-se difícil garantir participação nas atividades propostas, bem significativa, como é o caso das Tecnologias da Informação e da Comuni-
cação (TIC). As TIC são importantes instrumentos na inclusão a partir do
como no processo de interação com outros alunos e professores. Importan-
desenvolvimento de softwares que promovem grandes avanços ao ajudar nos
te ressaltar que o AEE é um aspecto complementar do processo de ensi-
processos de ensino-aprendizagem e na interação com o ambiente escolar.
no-aprendizagem, e não substitutivo. Trata-se de uma proposta pedagógi-
A resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009 (BRASIL, 2009), trata es-
ca que leva em consideração as limitações e deficiências, dando suporte e
pecificamente da implantação das salas multifuncionais, para o atendimen-
criando metodologias de ensino adequadas para que haja aprendizagem dos to a ser realizado em escolas regulares ou ainda, em centro de Atendimento
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGC) e Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias,
altas habilidades/superdotação. confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Se-
cretaria de Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito Federal
Neste sentido, a reorganização do sistema educacional, na perspectiva ou dos Municípios. Este atendimento deve ser oferecido no contraturno do
inclusiva, aponta para um novo modelo de escola e, consequentemente, aluno matriculado em escola regular:

86 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 87


Função complementar ou suplementar à formação do aluno por meio da moramento das TIC que cada vez mais, se torna acessível a uma grande
disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que parcela da população. Entretanto, há que se considerar que nem sempre
eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desen- são utilizadas de forma correta ou com uma finalidade específica, que não o
volvimento de sua aprendizagem. (BRASIL, 2009) entretenimento. Quando utilizadas a favor da educação, pode ser um fator
de busca por conhecimento. Busca esta que pode possibilitar que muitas
As tecnologias da Informação e da comunicação (TIC) se inserem pessoas, se sintam inseridas no meio social em que vivem.
no contexto da educação inclusiva como um importante instrumento que,
quando ligadas ao processo de inclusão são denominadas de tecnologias É fácil perceber que o mundo, com todas as suas representações sociais
assistivas. Neste caso, ela pode apoiar a ação pedagógica de professores nos e culturais, vem sendo profundamente modificado com o advento das T
processos de superação das limitações motoras, sensoriais, sociais e men-
ecnologias de I nformação e C omunicação (TIC). Os diferentes e ino-
tais, potencializando as capacidades dos alunos de AEE.
vadores ambientes de interação e aprendizado possibilitados por essas
O senso escolar de 2016 (BRASIL, 2017) traz que 85,9% dos matri-
tecnologias surgem como fatores estruturantes de novas alternativas e
culados estudam em escolas conectadas à internet. Dessa forma, faz-se se
concepções pedagógicas. As possibilidades tecnológicas hoje existentes,
faz necessário um atendimento estratégico que ajudem na aprendizagem
as quais viabilizam essas diferentes alternativas e concepções pedagó-
dos alunos de AEE, pois independente da dificuldade do aluno, a função
gicas, para além de meras ferramentas ou suportes para a realização de
social da escola é, para além de ensinar conteúdos programáticos, promo-
tarefas, e constituem elas mesmas em realidades que configuram novos
ver cidadania plena e, para tanto, a inclusão é um mecanismo para se atin-
ambientes de construção e produção de conhecimentos, que geram e
gir esse objetivo. O atendimento a este público específico pode ser feito
por caminhos diversos, nem todos aprendem da mesma forma e nem pela ampliam os contornos de uma lógica diferenciada nas relações do ho-
mesma estratégia, as limitações são diferentes. E as TIC tornaram-se im- mem com os saberes e com os processos de aprendizagem. (GALVÃO
portantes nesse processo na medida em que a inclusão se torna necessária FILHO, 2012, p. 66)
para a qualidade de vida do aluno e também para que se sinta como parte
da sociedade. As TIC possibilitam o aprendizado de alunos de AEE que nelas po-
dem encontrar apoio para aprender ou para se comunicar tornando-se um
1 - As tecnologias de informação e comunicação na edu- importante mecanismo que vai além do aprender, mas que passa a ser sinô-
cação: formação de professores. nimo de qualidade de vida. Segundo Galvão Filho (2012), uma sociedade
mais permeável a diversidade, questiona seus mecanismos de segregação
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) podem benefi- e vislumbra novos caminhos de inclusão social da pessoa com deficiência,
ciar pessoas de várias formas. Quando se trata especificamente da educação TGC ou altas habilidades/superdotação.
inclusiva, torna-se um material importante no processo de aprendizagem. Existe o equívoco no meio educacional e dos formuladores de po-
Mas, para que sejam utilizadas de maneira a efetivar um processo de ensi- líticas públicas que acreditam ser necessário a disponibilidade de um alto
no-aprendizagem faz-se necessário a formação tanto dos alunos como dos valor financeiro na aquisição dos recursos didáticos para alunos de AEE.
professores. Desconsidera-se assim, que existe um número incontável de possibilida-
No mundo de economia globalizada é visível o surgimento e apri-

88 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 89


des, de recursos simples e de baixo custo, que podem e devem ser dispo- O debate entorno da inclusão leva em consideração o convívio com a
nibilizados nas salas multifuncionais, devemos considerar também que es- diversidade no contexto escolar. Para tanto, é necessário dispor de recursos
tes recursos exijam disposição e criatividade, muitos materiais podem ser específicos e estratégias de ensino diferenciadas que garantam condições de
transformados, e dependem dos esforços e ajuda dos próprios professores. acessibilidade tanto ao currículo quanto a convivência no meio escolar e até
(GALVAO FILHO,2012, p.65) mesmo social. As TIC aplicadas de formas corretas à educação podem ser
Quando se trata de TIC, os professores devem percebê-las como ferramenta de acesso dos alunos de AEE a uma educação inclusiva, que seja
facilitadoras no processo de ensino-aprendizagem para a inclusão de crian- norteada pelos princípios básicos do direito à educação e a formação cidadã.
ças com necessidades de atendimento especializado. Segundo Santos (2010, O processo de aprendizagem dos alunos que fazem parte das tur-
pg. 53), “o educador deve explorar os recursos tecnológicos como facili- mas de AEE necessita de materiais e recursos especializados. As TIC são
tadores no processo de aprendizagem e de inclusão escolar e acreditar na importantes mecanismos no contexto de possibilitar o acesso ao currículo,
aprendizagem destas crianças”. Professores tem uma função primordial na porém, muitas vezes os profissionais da educação que atuam nessa área
aprendizagem por meio destes recursos. A partir do momento que aluno desconhecem ou subutilizam os recursos de tecnologias assistivas dispo-
tem acesso ao material tecnológico necessário à facilitação de sua aprendi- níveis. Isso acaba por dificultar o impacto positivo que podem causar na
zagem, é importante que haja um mediador nesse processo. possibilidade de inclusão, escolar ou social, destes alunos.
As TIC têm cada mais adentrado o ambiente escolar, exigindo É necessário que se pense em políticas públicas que garantam a for-
transformações nas práticas pedagógicas e portanto, na formação de pro- mação de professores para o uso das tecnologias em quaisquer que sejam os
fessores. Entretanto, os cursos de pedagogia e das demais licenciaturas ain- objetivos de ensino. Porém, no caso dos profissionais especializados nessa mo-
da não conseguem dar uma formação suficiente para que os profissionais dalidade de ensino a preocupação com o despreparo em dominar as tecnologias
da educação possam ter domínio sobre estas novas ferramentas. Isso se assistivas se torna mais eloquente, pois retira do aluno de AEE possibilidades
torna ainda mais crítico quando trata-se dos profissionais que atuam há de aprendizagem que ele não terá condições de acessar por outros recursos.
mais tempo. Ou seja, vivemos um momento que apesar do investimento por A formação de professores para o uso das TIC foi proposta para o
parte dos gestores públicos em instrumentos tecnológicos diversificados, curso de graduação em Pedagogia na resolução nº. 01 do Conselho Na-
professores não sabem como utiliza-los corretamente ficando subutilizados cional de Educação de 2006. Especificamente no artigo 5º consta que o
ou utilizados de forma errônea. profissional pedagogo deve estar apto a relacionar linguagens dos meios
de informação e comunicação à educação, mostrando domínio das TIC a
Em relação ao uso das TIC no AEE, a situação é ainda mais grave. A processos de aprendizagem significativos. (BRASIL, 2006)
ausência de profissionais capazes de utilizar os recursos de tecnologia Entretanto, os cursos de Pedagogia mesmo dispondo de disciplina
assistiva enviados pelo Estado para as salas de recursos multifuncionais especifica para o uso das TIC, ainda não dispõe das ferramentas necessá-
pode prejudicar ou mesmo impedir o desenvolvimento dos alunos que rias ou não possuem em sua base curricular a discussão necessária ao uso
dependem, muitas vezes, dessas ferramentas tecnológicas para terem das tecnologias para a inclusão de alunos de AEE, dificultando assim, a
acesso ao currículo e participarem das atividades propostas em sala de assimilação por parte dos profissionais para a proposição de experiências
pedagógicas significativas para esta modalidade de ensino.
aula. (GIROTO, POKER E OMOTE ,2012, p. 18).

90 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 91


A ênfase na discussão sobre o uso das TIC na escola, de modo geral e, pamentos de tecnologia assistiva através de programas: Salas de Recursos
em particular, na educação de pessoas com deficiências, TGD ou altas Multifuncionais, Escola Acessível e do próprio FUNDEB. O Ministério da
habilidades/superdotação, que constituem a demanda para o AEE, per- Educação introduziu o Serviço de Tecnologia Assistiva nas escolas públi-
mite a desconstrução de idéias equivocadas que perpassam a compre- cas por meio do Programa “Salas de Recursos Multifuncionais” (SRMF).
ensão sobre essa temática no ambiente escolar, além de possibilitar o As SRMF são espaços onde o professor especializado realiza o “Atendi-
acesso, principalmente por parte de professores que atuam no sistema mento Educacional Especializado” (AEE) para alunos com deficiência, no
de ensino, quer seja no ensino regular, quer seja no AEE, a subsídios contraturno escolar. O programa Escola Acessível disponibiliza verba di-
teóricos e práticos que fomentam o conhecimento e o uso apropriado retamente na escola na promoção da acessibilidade arquitetônica e compra
de diferentes recursos tecnológicos presentes na escola, tais como: a te-
de recursos de tecnologia assistiva.
levisão; o computador; a internet; as imagens; softwares; entre outros.
Ao se apropriar do conhecimento sobre o uso das TIC na educação
(GIROTO, POKER E OMOTE ,2012, p. 22).
inclusiva, sobretudo no que se refere as tecnologias assistivas, os professo-
res podem propor estratégias para o atendimento educacional dos alunos
É necessário a conscientização de que as TIC não substituem pro-
portadores de deficiências, TGC ou altas habilidades/superdotação. As tec-
fessores. Pelo contrário, são ferramentas didáticas que podem auxiliar na
nologias assistivas se enquadram não apenas como apoio aos professores e
aprendizagem dos alunos. Por isso a importância de formação dos professo-
alunos, mas também como suporte a orientação de uma mediação pedagó-
res para que haja a competência e a habilidade necessárias para a formulação
gica apropriada para estes alunos.
de metodologias adequadas para que aconteça a mediação entre o conheci-
mento e o aluno de AEE, tornando assim, imprescindível o conhecimento Espera-se que os professores de AEE reconheçam as necessidades
dos professores sobre as TIC e como utilizá-las no contexto da educação de recursos pedagógicos e de recursos de Tecnologia Assistiva necessárias
inclusiva, construindo práticas pedagógicas inerentes estes alunos. à participação de seus alunos nos desafios de aprendizagem que acontecem
no dia a dia da escola comum e nas salas regulares. É necessário que tra-
2 - Possibilidades de intervenção pedagógica com uso balhe junto ao aluno auxiliando-o no uso da tecnologia. Esta ferramenta é
das tecnologias assistivas na educação inclusiva importante para professores, alunos e escola de um modo geral, pois visa a
superação das barreiras e a participação do aluno no cotidiano escolar.
O termo tecnologia assistiva é utilizado para denominar e identifi- Utilizar a tecnologia como elemento de inclusão significa apropriar-
car recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habi- -se de material específico para proporcionar a equidade de possibilidades
lidades funcionais de pessoas com deficiência e/ou limitações, promovendo de aprendizagem em sala. Quando um determinado aluno não consegue
melhora na qualidade de vida, independência e inclusão. No Brasil este utilizar as mãos para digitar por exemplo, é necessário a intervenção. Essa
conceito foi introduzido no ano de 2006, por meio da Secretaria Especial intervenção é feita por meio de um material desenvolvido para possibilitar
dos Direitos Humanos da Presidência da República que criou, através da que este aluno se torne capacitado para tal função.
portaria 142 o Comitê de Ajuda Técnica, denominado CAT, formado por
especialistas para ajudarem na formulação de políticas públicas voltadas No nosso trabalho educacional, portanto, utilizamos adaptações com
para as Tecnologias Assistivas. a finalidade de possibilitar a interação no computador. Há alunos com
A rede pública de ensino possui financiamento para adquirir equi- deferentes graus de comprometimento motor, sensorial e/ou de comu-

92 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 93


nicação e linguagem, em processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, se ção. Nesse sentido, as TIC inseridas no contexto educacional são fundamen-
utiliza o computador por meio da tecnologia assistiva. (GALVÃO FI- tais nesse processo, pois é um importante aparato no auxílio do desenvolvi-
LHO,2008, p.54) mento da aprendizagem. Entretanto, a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais no ensino regular implica mudanças nas atitudes e nas
O computador e os programas que eles possuem ajudam os alunos práticas pedagógicas dos profissionais que participam do processo pedagó-
das turmas de AEE a superarem suas limitações. Isso se dá através de di- gico, da organização e da gestão na sala de aula e na própria escola enquanto
versos mecanismos, pois existem programas especiais que possibilitam ao instituição. (GALVÃO FILHO; MIRANDA, 2012, pg. 03)
aluno a interação com a máquina. A interação social e afetiva também se Segundo Galvão Filho e Miranda (2012) é na sala de recursos mul-
torna um fator importante para o aprendizado destes alunos. Dessa forma tifuncionais que os alunos têm a possibilidade de aprender a utilizar os
temos que jovens e crianças que precisam de atendimento especializado, recursos de tecnologia assistiva, cujo foco é o desenvolvimento da sua au-
seja por qual motivo for, encontram nas TIC um vasto ambiente de possibi- tonomia. Entretendo, segundo os autores, estes recursos não podem ser
lidades, onde os recursos podem ser de baixo custo, ocasionando qualidade exclusivamente utilizados nessas salas, pois a sua utilização encontra maior
de vida e respeito as suas limitações, quando se considera que estes alunos sentido quando os alunos os utilizam no ambiente escolar comum, como
tem a capacidade de aprender, desde que dadas as condições e respeito em apoio a sua escolarização. O aluno deve estar apto a utiliza-los na sala de
relação ao tempo necessário e as potencialidades de cada um. aula regular, na família e nos demais espaços sociais dos quais faz parte.
O computador, por exemplo, pode dispor de uma série de programas
que utilizados de forma adequada, são importantes ferramentas didáticas
A Tecnologia Assistiva (TA) vem dar suporte para efetivar o novo para-
para a aprendizagem dos alunos que necessitam de atendimento educacio-
digma da inclusão na escola e na Sociedade para Todos, que tem abalado
nal especializado, por possuir recursos de imagem, som, animações e efeitos
os preconceitos que as práticas e os discursos anteriores forjaram sobre
especiais, tornando o conteúdo mais acessível. Existem na internet, diver-
e pelas pessoas com deficiência. No entanto, o emprego das tecnologias,
sos sites onde podemos encontrar programas para download ou online, que
por mais promissor que possa ser, está invariavelmente sujeito as res-
tem como intuito facilitar a aprendizagem destes alunos.
trições de ordem cultural, econômica, social e convém examinar com
Galvão Filho (2012), divide as tecnologias assistivas em ambiente
realismo. Existe uma tensão entre as possibilidades oferecidas pela tec-
educacional em três grupos. O primeiro grupo trata-se das adaptações
nologia (elas próprias em mutação constante) e as condições de sua apli-
físicas ou órteses28 e que são utilizados por pessoas com paralisia cerebral.
cação: o sistema social e educacional e os modos de gestão devem abrir
Neste caso, um exemplo são as pulseiras de pesos que tem por objetivo
espaço à tecnologia em um determinado nível de desempenho. (GAL-
diminuir a amplitude do movimento e tem um abdutor de polegar com pon-
VÃO FILHO; MIRANDA, 2012, pg. 01)
teira que serve para ajudar o aluno na digitalização. Outro exemplo, é a tec-
nologia da haste fixada na cabeça para digitação, este objeto contém uma
A inclusão é um dos grandes desafios para a educação, principal-
ponteira onde o aluno ao movimentar a cabeça pode procurar a tecla do
mente quando se refere a pessoas com deficiência física, paralisia cerebral
computador, e a partir da ajuda do objeto escrever ou jogar, por exemplo.
ou com algum tipo de sequela provocada por acidente ou doença, tendo um
papel importante na vida dessas pessoas por ser um instrumento de socializa- 28
Adaptações físicas ou em orteses: Todos os aparelhos ou adaptações fixadas e utilizadas no corpo do aluno e
que facilitam a interação do mesmo com o computador.

94 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 95


O segundo grupo são as adaptações de hardware29. Podemos citar de aprendizagem dos alunos que necessitam de atendimento especializado,
como máscaras de teclado ou colmeia, que são objetos desenvolvidos para podendo facilitar sua participação nas diversas atividades que compõe a
serem colocados sobre o teclado do computador, para serem utilizados com rotina escolar.
quem tem maior dificuldade na coordenação motora, facilitando o manuseio Entretanto, apesar de estarmos vivenciando na atualidade o que se
com as teclas. No caso dos alunos que possuem dificuldades tanto na coor- chama de sociedade da informação, este é um movimento educacional que
denação motora como intelectual, o mesmo objeto pode ser utilizado, porém depende de diversos fatores para que tenha o mínimo de êxito. O primeiro
com tampões que tem a função de esconder algumas teclas, deixando expos- fator, é o que tange a própria perspectiva da inclusão e suas variadas nuan-
tos apenas as teclas necessárias ou que o aluno vai utilizar no momento. ces. Existe ainda uma dificuldade de compreensão teórica sobre este tema
O terceiro e último grupo são os Softwares especiais de acessibili- por parte dos professores o que acarreta na falta de habilidades e compe-
dade30. Estes softwares são programas desenvolvidos para simular teclado tências para desenvolver metodologias adequadas de ensino-aprendizagem
e mouse. Estes simuladores permitem que pessoas tetraplégicas, ou que para estes alunos. Importante citar ainda, que a maioria dos professores
possui pouca visão, possam se comunicar e trabalhar, ele funciona com um das turmas regulares desconhecem os marcos legais da inclusão escolar no
pequeno microfone que é colocado perto da boca do aluno, onde ele sopra Brasil, causando assim um descompasso entre os professores de AEE e os
e o programa executa. Este programa possibilitou que muitas pessoas te- de turmas comuns, onde na verdade, deve haver total interação.
traplégicas, que nunca escreveram antes, possam escrever, desenhar e par- O segundo fator é a falta de instrumentos concretos nas escolas,
ticipar de jogos on-line. onde a gestões escolar não dá tanta ênfase para a aquisição de materiais de
Estes são exemplos de como os computadores podem ser adaptados apoio para os professores de AEE, que trabalham na maioria das vezes sem
para atender alunos com deficiência física e motora. Entretanto, existem computador e, quando possuem é limitado, não tendo computadores que
atendam a quantidade de alunos ou mesmo tendo, estes não dispõem de sof-
ainda diversos programas para atender as diferentes demandas da inclusão,
twares e adaptações necessárias ao desenvolvimento da aprendizagem. Na
dentre elas a deficiência visual, ou para alunos com TGC e altas habilida-
maioria das vezes, acabam se tornando defasados, obsoletos e subutilizados.
des. Para cada necessidade, existem tecnologias da informação e da co-
O terceiro e último fator, é o que diz respeito a formação continuada
municação disponíveis. Porém, a utilização correta desse mecanismo exige
de professores para o uso das TIC em ambiente escolar, sobretudo nas salas
formação, pesquisa e metodologias pedagógicas adequadas.
de AEE. Falta por parte dos governantes políticas públicas que enfatizam
Considerações finais esta demanda específica e, por parte dos professores, o interesse, a disposi-
ção, as condições ou até mesmo o tempo necessário à esta formação.
Na perspectiva da educação inclusiva, as tecnologias da informação Desse modo, as TIC oferecem um leque de opções para as mudanças
estratégicas pelas quais precisam passar as mediações pedagógicas para
e da comunicação (TIC), podem favorecer a ampliação das possibilidades
o efetivo processo de ensino-aprendizagem dos alunos de AEE. Mas, es-
29
Adaptações de hardware: Todos os aparelhos ou adaptações presentes nos componentes físicos do computador, barram em problemas de ordem estrutural como as demais demandas da
nos periféricos, ou mesmo, quando os próprios periféricos, em máquina.
30
Softwares especiais de acessibilidade: São os componentes lógicos das TIC quando construídos como Tecno- educação pública brasileira.
logia Assistiva. Ou seja, são os programas especiais de computador que possibilitam ou facilitam a interação do Assim, faz-se necessário um olhar de tolerância e respeito para com
aluno com deficiência com a máquina.
as limitações individuais dos alunos que carecem de atendimento educacio-

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nal especializado, entretanto faz-se necessário também um olhar a partir - EDUFBA, 2012, p. 247-266.
das perspectivas de tornar esta modalidade de ensino como prioridade para GIROTO, Claudia Regina Mosca; POKER, Rosimar Bortolini;
o processo de inclusão, dando o suporte para a aquisição de bens mate- OMOTE, Sadao. Educação especial, formação de professores e o uso das
riais e para a formação de profissionais qualificados para que esta demanda tecnologias da informação e da comunicação: a construção de práticas peda-
educacional ocorra de forma a garantir aprendizagem e cidadania, direito gógicas inclusivas. In: As tecnologias nas práticas pedagógicas inclusivas.
constitucional básico, que não faz qualquer distinção sobre as condições de GIROTO, Claudia Regina Mosca; POKER, Rosimar Bortolini; OMOTE,
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98 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 99


Globalização, educação, inclusão?
Perspectivas no ensino regular
Adelmar Santos de Araújo31
Hélio Augusto de Rezende Filho32
Valkiria Rufino dos Santos33

Introdução

Objetiva-se, com este trabalho, compreender as relações entre edu-


cação e inclusão social e educacional no contexto da globalização em curso
no Brasil. Em termos metodológicos, foram analisados documentos oficiais
e textos em geral (artigos e trabalhos acadêmicos, livros etc.) sobre o tema,
sempre levando-se em consideração a necessidade de problematizar e con-
tribuir com o debate.
O artigo está dividido em três seções. A primeira traz uma discus-
são mais geral acerca da inclusão e da educação no contexto da globali-
zação, a partir de questões levantadas por Sander (2005), Santos (2016) e
outros teóricos. Em seguida discute-se o Programa Bolsa Família (PBF)
enquanto direito humano do cidadão e como ponto de partida para interro-
gar qual a melhor política pública para o enfrentamento da pobreza. Para
tanto se retoma, dentre outros textos e documentos, a Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos (1948) e a Silva e Silva (1997). A terceira seção
traz uma retrospectiva de marcos importantes na construção da educação
inclusiva no ensino regular com base em Costa e Leme (2015), Dellani e
Moraes (2012), Frias (2008), Mantoan (2003), dentre outros autores.
31
Doutor em Educação. Professor Pesquisador do Centro de Educação Popular e Pesquisas Econômicas e Sociais
– CEPPES/RJ e da Rede Estadual de Educação de Goiás.
32
Mestre em Sociologia, graduado em Direito. Professor de Direitos Humanos.
33
Prof.ª Esp. Rede Estadual de Educação de Goiás.

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1 - Globalização, educação, inclusão? Em termos práticos tem-se o seguinte.

A globalização iniciada com as grandes navegações seguiu um per- Os Estados abarrotados de recursos que seus bancos centrais atiram
curso que aparentemente estava dado: encurtar o mundo, aproximar pes- pela janela (para os fundos dos bancos internacionais e nacionais aos
soas. Todavia, o trajeto sinuoso da história nos proporciona um cenário quais estão associados) em pagamentos de altos juros de falsas dívidas
bem mais complexo. No emaranhado de relações criaram-se barreiras sem públicas, ao depositar essas reservas em bancos estadunidenses que pa-
precedentes no traçado de linhas que se cruzam. E, constantemente, nos gam juros cada vez mais baixos, realizam depósitos em divisas em plena
apresentam “novos e poderosos cenários que marcam profundamente a desvalorização, isto é, o dólar. Além disso, o Banco Central do Brasil
sociedade, a educação, o trabalho e toda a atividade humana” (SANDER, particularmente utiliza massivos e inflacionários recursos públicos (in-
2005, p. 18). clusive emissões) para comprar dólares, pretendendo conter (sem resul-
Do ponto de vista econômico, seguem-se algumas observações. tados contundentes) a valorização exagerada da moeda nacional (o real).
Produz-se assim uma exportação de lucros, juros e outras rendas de
A economia global interconecta todos os países dentro de um sistema capitais externos que debilitam nossa situação fiscal e cambial, quando
mundial extremamente desigual, no qual existe um centro formado por se deveria aproveitar essas reservas para realizar investimentos sociais,
economias com alta renda, forte produtividade e poder de condicionar produtivos e de infraestruturas necessários para o desenvolvimento da
e dominar as economias de menor desenvolvimento e riqueza. Essa região (SANTOS, 2016, p. 199).
economia mundial globalizada produz um desenvolvimento desigual e
combinado articulado de forma sistêmica. É característica desse sistema Ora, o deslocamento constante de recursos nacionais, que poderiam
uma grande instabilidade com períodos longos de alto crescimento e ou- ir para infraestruturas diversas, e resolver ou amenizar problemas graves
tros de baixo crescimento ou mesmo de acréscimo e recessão (SANTOS, de ordem estrutural, certamente amplia o fosso entre aqueles que neces-
2016, p. 195). sitam e as possíveis fontes provedoras de suas necessidades. E quando se
pensa o Brasil no contexto latino-americano após o “dilúvio neoliberal” e
O processo de globalização sua “cruzada privatista” (BORÓN, 1995) as projeções são ainda mais in-
quietantes.
impõe às nações o desafio de abrirem-se ao fluxo do mercado mundial
promovido pela universalização do capitalismo. Ao mesmo tempo, cada A fusão da crise fiscal com o discurso auto-incriminatório do Estado que
país necessita criar estratégias próprias, locais e em blocos regionais propagam os porta-vozes do neoliberalismo levou diversos governos da
para manter sua identidade e soberania (ALMEIDA, 2003, p. 33). A região a adotar políticas tão selvagens quanto imprudentes – e, em al-
questão da soberania e das tomadas de decisões se mostra premente guns casos, altamente corruptas – de desmantelamento de agências e
frente aos organismos internacionais que invadem e suprimem interes- empresas estatais ou paraestatais, cujos resultados, em termos da pro-
ses locais (ARAÚJO, 2013, p. 64-65). visão de bens públicos, são até agora francamente negativos (BORÓN,
1995, p. 79).

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Em face da significativa propagação da pobreza na América Latina, Nesse jogo é fundamental que se tenha a clareza da necessidade de
o autor aponta como missão do Estado esboçar um conjunto de “leis so- potencializarem-se as possibilidades através de um ininterrupto e pacien-
ciais que neutralizem e corrijam os desequilibrados efeitos das ‘falhas’ do cioso trabalho educativo, dentro e fora da escola. Contudo, o avanço da
mercado, que na América latina demonstraram uma colossal inaptidão para globalização da economia e da atividade humana,
resolver os problemas da educação, da moradia, da saúde, do meio ambiente
e do crescimento econômico” (BORÓN, 1995, p. 83) sob pena de pagar um aumenta o desafio de defender e preservar nossa identidade cultural nos
elevado custo por não fazer nada. esforços de reforma educacional. Uma das indicações desse desafio é a
tentativa de regulamentação, pela Organização internacional do Comér-
No campo da educação, segundo Benno Sander (2005, p. 78), as orga- cio (OMC), do ensino como produto globalizado. Esse movimento in-
nizações internacionais, em parceria com as regionais influenciam o ternacional se observa especialmente no ensino superior. Temos diante
processo de formulação de políticas públicas e orientam o desenvolvi- de nós o desafio de desenvolver uma instituição universitária aberta ao
mento da educação pelo mundo a fora. Em relação às experiências lati- universal, mas subordinada aos interesses e às aspirações locais. (SAN-
no-americanas, tem-se a ação da Organização das Nações Unidas para DER, 2005, p. 86)
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da OEA, do BID e do Bird
(ARAÚJO, 2013, p. 65). O movimento de transformação no princípio das relações humanas
e sociais fomentado pelo processo de globalização em curso globaliza o
Florestan Fernandes (1989), a partir de uma perspectiva da totalida- capital, a tecnologia, a gestão, a informação, os mercados internos, a violên-
de histórica, aponta elementos indicadores da responsabilidade cotidiana dos cia, as frustrações. Tudo isso converge para uma transformação do mundo
sujeitos sociais no âmbito do dinâmico movimento e da ação criativa, frente à do trabalho, sua organização e na produção de bens e serviços, como se o
tensão entre o macro e o micro. Observem-se essas duas relações dialéticas: ideário neoliberal fosse a “única via possível da sociabilidade humana que,
logicamente, torna-se cada vez mais utilitarista e individualista, reafirman-
1º) a transformação da Educação depende, naturalmente, de uma trans- do o liberalismo conservador” (FERREIRA, 2003, p. 11).
formação global e profunda da sociedade; 2º) a própria Educação funcio- Porém, fica evidente que a estrutura da economia global inviabiliza
na como um dos fatores de democratização da sociedade e o sentido de quaisquer intenções de se ampliar a distribuição de renda. Pois o fator que
qualquer ‘política educacional democrática’ tem em vista determinadas motiva o investimento e a “expansão produtiva no capitalismo está deter-
transformações essenciais da sociedade. Em termos de uma visão sin- minado pela busca do lucro e do monopólio da atividade econômica, que é o
tética e totalizadora, diríamos que educação e democratização da socie- resultado necessário da competição desbragada dos proprietários e dos in-
dade são entidades reais e processos concretos interdependentes – um divíduos concentradores em sua busca de prazer e poder” (SANTOS, 2016,
não se transforma nem pode transformar-se sem o outro; ambos se de- p. 207). Assim intensificam-se a espoliação e a exclusão de pessoas mundo
terminam reciprocamente e qualquer política educacional ‘democrática’ a fora, cuja pobreza se expressa nos 2 bilhões de seres humanos que vivem
teria de levar em conta essa totalidade histórica dinâmica e criadora. com uma renda inferior a seiscentos dólares por ano.
(FERNANDES, 1989, p. 13) Dessa maneira, as possibilidades via educação se esvaem, se mini-

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mizam. Para o autor, “existe uma correlação muito alta entre desigualdade pela Medida Provisória 132, de 20 de outubro de 2003, o qual reduz a de-
social e êxito escolar” (SANTOS, 2016, p. 209). E enquanto cresce o núme- sigualdade para famílias carentes com melhoria para o atendimento à sua
ro de seres humanos excluídos da vida social, especialmente do processo saúde e incentivo a educação dos filhos.
educacional, os privilegiados ampliam suas riquezas, dentre elas o conhe- Destarte, esse programa que ampliou e unificou programas anterio-
cimento. res encontra, desde então, contumaz oposição, por vê-lo como assistencia-
lista, cuja manutenção da pobreza torna-se conveniente a uma imediatici-
2 - Programa bolsa família (pbf): direito humano do ci- dade eleitoral; não obstante, esse fator medrar negativamente, aos poucos
dadão se desvanece diante do resultado de um trabalho que responde na forma
sócio distributiva, por seus objetivos alcançados, frente ao desenvolvimen-
Ao pensarmos sobre política social a ser adotada no Brasil, um dos to econômico a ser contemplado por todos. Vale dizer que estamos falan-
aspectos a ser destacado, em meio a esta distância abismal criada neste do, precipuamente, do acompanhamento da saúde de mulheres gestantes
país entre as classes sociais é tentar compreender de que forma a noção que devem manter a vacinação em dia e a educação de crianças de seis a
de pobreza se assenta na sociedade, ou, do que ela vem a ser, na medida dezessete anos com frequência na escola, fatores condicionantes que dão
a contrapartida para esse programa social que investe no capital humano.
da responsabilidade do Estado, em face de suas consequências que sempre
Nesse sentido, para as transferências de renda, além do Bolsa Família, para
ressurgem agonizantes e se polemiza num viés ideológico de conveniente
aqueles de extrema pobreza, remanesce o de renda cidadã, o qual também
contorno lúgubre. Isso desafia-nos com a pergunta, sobre qual a melhor
alcança famílias de renda social mínima, pois, a sua universalização, advém
política pública para o seu enfrentamento. Certamente, temos aí a busca de
da sociedade para complementar a renda daqueles que não têm uma pro-
uma identidade a ser trabalhada neste país se considerarmos valores pos-
dução participativa direta da riqueza do país, por sua exclusão. Porquanto,
tos e compreendidos pelos diferentes indivíduos, cujo convívio, na socieda-
para esse extremo, impõe-se uma imediata solução, que é direta e neces-
de brasileira significaria prover uma ação solidária numa escala subjetiva,
sária, mas paliativa, por se consubstanciar de um pernicioso fomento que
conquanto se veiculada, objetivamente, no âmbito de suas instituições.
tende a se perpetuar nas gerações seguintes, uma vez que a educação dos
Para tanto, o processo de proteção social para os brasileiros, parti-
filhos -, fator condicionante ao benefício social, está amealhada pela mesma
cularmente os de baixa renda, desde a Constituição Federal de 1988, tem precarização; é quando passamos a entender que a educação vincula-se de
dado à seguridade social, o amparo legal na sua forma institucional, seja a forma precária à bolsa família.
assistência social, saúde e previdência. Porquanto, ao debruçarmos aqui so-
Ora, a educação de qualidade deverá prover, por sua durabilidade,
bre o programa de transferência de renda para famílias pobres problemati-
o PBF, que veio para ser provisório, mas assemelha-se, por sua escassez, e
za-se, sobretudo, aquele por seu aspecto não contributivo; um problema de
ser, para este, a sua própria causa de existência. A inexistência desta garan-
aprofundamento social para uma política social que requer financiamento,
tia educacional, com qualidade, dentre outras garantias socioeconômicas
e uma efetiva gestão participativa dos conselhos de políticas públicas nos
mínimas, ao povo, oficializa um réquiem a se instituir com um solene e
Estados e Municípios. É o que podemos exemplificar, especificamente, o
perverso requinte institucional, sobremodo por estar alheio a um efetivo
programa de bolsa família (PBF) é um programa de transferência de renda
processo transformador. Como olvidar que, só a educação pode alevantar
do Governo Federal, sob condicionalidades, instituído no Governo Lula

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oportunidades igualitárias! Torna-se providencial esclarecer que já na Eu- no mercado. Urge que a sociedade amplie a necessidade de se repensar uma
ropa, mais que nos EUA, esse embate ideológico, sobre o chamado Esta- nova questão social cuja reformulação se possa redesenhar uma renovada
do de Bem-Estar-Social, (Welfare State), assim definido após a segunda e protetiva ordem social que relacione trabalho e produção. Com o desen-
grande guerra ganhou grande projeção, pois, o desenvolvimento industrial volvimento tecnológico, a produção pode ocorrer independentemente do
ampliou as riquezas materiais e problemas sociais advindos daí. Na contra- trabalho humano, permitindo que a constituição das rendas se desvincule,
mão disto, aqueles do liberalismo econômico num entrevero político, que mais e mais, da atividade produtiva. (SILVA E SILVA, 1997, p.19).
se arrasta até hoje questionam o liame que compatibilize as riquezas com Nesse sentido o comitê dos direitos humanos da ONU estabelece
a diminuição das desigualdades sociais. Ou seja, até quando haveremos de que a “formulação e a implementação das estratégias nacionais para o direi-
cavoucar e plantar nesta seara para colher uma resposta? Se ela se encontra to à alimentação requerem obediência total aos princípios de responsabili-
entremeada ao processo de desenvolvimento, já sabemos que há na política dade, transparência, participação, descentralização, capacidade legislativa e
desenvolvimentista, uma primazia tendenciosa a diminuir os serviços as- independência do judiciário.”
sistenciais reconhecidos por uns como simplesmente uma intervenção esta- Há de se ressaltar a relevância para os Programas de Renda Mínima
tal na economia, outros, por sua vez, reconhecem como direitos sociais por no combate à fome e à pobreza no sistema social europeu, posto que seja
compreender no seu teor valorativo, mais do que a significante melhoria uma política pública que trabalha em prol da autonomia e a independência
nos padrões de qualidade de vida dos cidadãos, mas consubstanciado como dos seres humanos em face dos mecanismos engendrados pelo mercado.
um direito do cidadão. Há um desafio para a gestão de política pública no Brasil em que a falta de
Torna-se relevante que, o mundo atravessado pela economia glo- saneamento básico e a falta de água potável, amplia a incidência de doenças
balizada, mergulhou milhares de jovens no desemprego, os quais se so- e isso perpassa pelas instituições de ensino. Convergi-las às instituições de
mam àqueles necessitados de programas sociais, a exemplo, do Programa proteção social são parte integrante do Estado democrático de direito, mas
de Bolsa Família, sejam eles, categorizados de hipossuficientes, e de várias que hodiernamente tendem a se precarizar por não conceber a todos uma
faixas etárias. Esse é o panorama de países como o Brasil, que tende a se renda mínima que lhes assegure o mínimo para a dignidade via universali-
ressentir mais do que os países desenvolvidos por não contar com uma dade do sistema de proteção social; a se justificar como um direito humano
plataforma industrial de tecnologia avançada, ora, isso tem efeito cascata propalado na carta das nações unidas. E o que é o direito para a sociedade
quanto à distribuição de renda com efeito no seu próprio sistema previden- que ao criá-lo passa a se submeter aos seus efeitos -, de controle social, para
ciário. É possível compreender que o contexto global de competição tecno- o processo isonômico de justiça? Ora, aos vulneráveis, a eles se destinam
lógica é causa que não se leva em conta, ainda quando se vê o subemprego direitos que a legislação lhes assegura. O que lhes possibilita, e há aí um
tender a se alastrar com a reforma trabalhista. Porquanto, para a atividade esforço para que possam litigar em igualdades de condições preconizadas
laboral, nesta “inovadora” pobreza encontram-se muitos desqualificados desde o artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição da República Federativa
para o mercado de trabalho com graves repercussões na desestabilização do Brasil, que consagra a prestação pelo Estado de assistência jurídica in-
das estruturas familiares, o que irrompe para a sociedade males de uma tegral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. O ideal
sobrevivência violenta a que muitos inativos estarão subjugados a necessi- é, durante o tempo determinado do programa de bolsa família – benefício
tarem dos benefícios que só podem sair de arrecadação provida pelos ativos mais direto à mãe, por se vincular a educação do filho e o programa de

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renda mínima, ao adulto, também de extrema pobreza, terem, respectiva- ganha importância por suas instituições numa direta relação com as neces-
mente de médio e curto prazo efetivo apoio por parte do Estado na busca da sidades locais é o município; este estaria de forma transparente, nas infor-
emancipação, profissional. Contudo a inserção desses beneficiários na vida mações e nas ações participativas objetivamente eficazes na subordinação
profissional, há alguns anos se problematizou nos atuais processos indus- a dispositivos instrumentais de exigibilidades administrativas dos direitos.
triais, seja por aqueles movidos por uma capital volátil - que busca rápidos
ganhos em curto prazo, e que se assenta sobre países cujo parque industrial 3 - Retrospectiva de marcos importantes na construção
é de tecnologia avançada, outrossim, também na China, por conduzir sua da educação inclusiva no ensino regular.
produção a um baixo custo à revelia dos direitos trabalhistas. Ora, isso se
apresenta de forma dispare e “não vistas” pela Organização Mundial do Co- A Educação inclusiva busca sanar perdas históricas, promovendo
mercio (OMC) se levarmos em conta que o Brasil, especificamente, perde uma prática pedagógica voltada para um ensino “multifacetado”, dinâmico
mercado para os manufaturados da China que inundam o comercio mun- e flexível no sentido de reestruturar o ensino aprendizagem compatível
dial; é quando, países produtores de commodities como Brasil que depende com a diversidade da gama de alunos existentes na escola contemporânea.
de investimentos externos, sistematicamente têm perdido muitos postos de Nesse sentido a revisão do PPP como instrumento de recursos das unida-
trabalho. A questão que nos apresenta, para uma política pública, é como des escolares necessita contemplar o atendimento à diversidade, os currí-
promover a inserção do beneficiário ao mundo do trabalho uma vez que culos devem ser flexibilizados, mas, principalmente os professores devem
está fragilizado pelas grandes corporações, as quais, ao migrar o seu volátil ter na agenda escolar o aperfeiçoamento de habilidades no trato com as
capital interfere no Estado na sua relação com o setor financeiro no fim de diferenças, necessidade e aparato primordial no atendimento desse alunado
saldar suas dívidas públicas. Porquanto, pensemos o caso da reinserção do diversificado. Pois, inclusão tem por meta proporcionar uma melhor qua-
beneficiário a uma atividade laboral, a qual não se daria por um trabalho es- lidade de vida, sem preconceitos, segregações ou estigmas ou mesmo ro-
tável, e mesmo não economicamente produtiva, mas legitimador do direito tulações, para que os sujeitos possam realmente gozar da cidadania plena.
a uma renda mínima. A legislação ressalta que os alunos com deficiência devem frequen-
Isso, segundo Ferreira (1997), “representaria uma dissociação his- tar a sala de aula com a turma regular e ter atendimento no AEE (Aten-
tórica e estrutural em relação ao valor que a categoria trabalho representa dimento Educacional Especializado) no contra turno, preferencialmente
para os atuais sistemas de proteção social estruturados na lógica assisten- na mesma unidade escolar. Para ter acesso ao material de apoio relativo
cial/ seguros sociais” (FERREIRA, 1997). às necessidades dos alunos com deficiência matriculados na escola, a Se-
A busca da legitimação do direito, tratada aqui, como direito dos cretaria de Educação deve enviar ao MEC um plano de ações articuladas
vulneráveis ao benefício, via programa Bolsa Família, vincular-se-ia às consonantes com a demanda e especificidades das respectivas necessidades
condições já estabelecidas, seja a saúde e a escolarização do filho, aliado das salas de AEE. Nesse sentido, a Educação Inclusiva ganha visibilidade
a um efetivo programa educacional, o que retiraria a obrigatoriedade da a partir do PNE (Plano Nacional de Educação) que traça em torno de 20
atividade economicamente produtiva; nesse sentido, depreende-se desse le- metas a serem cumpridas pelo Brasil em 10 anos. Além do PNE há outros
gitimar, entre direitos e obrigações, justa condição por neles se articular, o instrumentos relacionados a Inclusão Educacional tais como: Decretos,
princípio da solidariedade social. Nesta perspectiva o ente da federação que Portarias, Resoluções, notas técnicas e leis que corroboram com os debates.

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A Educação Especial ou Inclusiva estava sob a responsabilidade da (SE- Para a autora
ESP) Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação (MEC)
até 2011, atualmente essa pasta está vinculada à (SECADI) Secretaria de multiplicam-se as leituras de deficiência, representadas por diferentes
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. modelos; permanece, em certa proporção, o modelo metafísico, coexis-
De acordo com a primeira Conferência da Rede Americana de Or- tente com o modelo médico, o modelo educacional, o modelo da determi-
ganizações não Governamentais de pessoas com Deficiência e suas famílias, nação social e, aparecendo neste final do século, o modelo sócio-constru-
ocorrida em Caracas (Venezuela) nos dias 14 a 18 de outubro de 2002, de- tivista ou sócio-histórico. A origem do fenômeno, portanto, permanece
clararam o ano de 2004, o “ano das pessoas com deficiência e suas famílias”. sendo de natureza sócio-política- econômica, embora sua leitura seja
Também em 2002 a Declaração de Madrid definiu o parâmetro con- feita em diferentes dimensões, aparentemente desvinculada dessa rea-
ceitual para a construção de uma sociedade inclusiva, visando os direitos lidade. (p.66).
dos cidadãos com deficiência. Já em junho de 1994 com a Declaração de Sa-
lamanca/Espanha, a UNESCO realizou a Conferência Mundial sobre Ne- Em síntese, discute-se que a intencionalidade da normatização é
cessidades Educativas Especiais, objetivando acesso e qualidade; esta Con- uma ideologia que representa uma necessidade de incluir a deficiência do
ferência teve como signatários 92 países, dentre eles o Brasil, cujo principal indivíduo em uma sociedade mais ampla e complexa, ajudando-o a ter con-
objetivo foi delinear um plano: “todos os alunos devem aprender juntos, dições de atingir padrões de mobilidade equiparadas o mais próximo pos-
sempre que possível, independentemente das dificuldades e diferenças que sível da vida cotidiana dos demais indivíduos. Observa-se a importância de
apresentem.” Assim, nasce o que hoje se conhece por Educação Inclusiva compreensão do processo inicial da deficiência, pois dessa maneira facilita
ou especial. Aos 14 de dezembro foi assinada a resolução 45/891 da ONU, uma definição mais precisa do problema. Isto diminui as possibilidades da
a qual solicita ao mundo “uma mudança no foco do programa das Nações prática de estereotipar indivíduos.
Unidas no quesito deficiência pedindo mais que conscientização, partindo Nesse sentido os debates sobre Educação Inclusiva avançam bus-
para uma real ação, com o comprometimento de êxito global até o ano cando inserir gradativamente novos focos de direcionamentos, tanto na
2010”, conforme Portal Educação (19/08/2017). formulação de Leis e documentos afins quanto em discussões acerca da
Segundo Frias (2008) apud Sassaki (2005), se desejamos falar ou temática em conferências, fóruns, revistas especializadas em Inclusão, tra-
escrever construtivamente numa perspectiva inclusiva, sobre qualquer as- balhos acadêmicos, etc. Por exemplo, a revista Inclusão (Edição Especial,
sunto de cunho humano, é imprescindível conhecer e usar corretamente os v.4. nº1 Janeiro/junho2008, p.4/6) traz na integra uma entrevista com Fer-
termos técnicos, pois a terminologia correta é especialmente importante nando Haddad, então ministro da Educação sobre as Políticas educacionais,
quando abordamos assuntos tradicionalmente carregados de preconceitos, na qual o ministro esclarece alguns pontos importantes na questão da In-
estigmas e estereótipos. clusão. Na entrevista foi abordado se o esforço para a superação da exclu-
De acordo com Aranha (1995, p. 64) “o movimento pela integração são educacional poderia retroceder ou conseguir avançar sem entraves no
do deficiente é um produto de nossa História. Precisamos, entretanto, apre- processo de adaptação, ao que o ministro esclarece:
ender seu significado real para que possamos efetivá-lo como instrumento
de transformação da sociedade”.

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O debate evidenciou concepções diferenciadas acerca da educação es- na contemporaneidade concentra-se na Educação Inclusiva.
pecial, o que qualifica o processo, levando toda a sociedade a refletir Segundo Costa e Lemes:
sobre a perspectiva da educação inclusiva. O movimento pela inclusão
repercute e os grupos sociais avançam e se apropriam dos conceitos que A educação que temos direito e pela qual lutamos por sua efetivação em
estão sendo consolidados. A inclusão educacional é, hoje uma realidade práticas sociais que se convertem em meios de superação das desigual-
balizada pela evolução dos marcos legais e declarações internacionais, dades, da discriminação, da segregação e da manifestação do preceito,
onde o papel do MEC é definir uma política que estabeleça o diálogo possibilitando a experiência da inclusão entre os indivíduos em uma so-
com todos os segmentos da sociedade. ciedade humana. (p.9).

De acordo com Costa e Lemes (10/2015), a tradição de se fazer Dellani e Moraes (2012, p. 3) entendem que “a inclusão é uma ino-
política a favor dos interesses de um grupo em detrimento da coletividade, vação, cujo sentido tem sido muito distorcido e polemizado pelos mais di-
traz percalços para propostas que são impostas ao invés de se conscientizar ferentes segmentos educacionais”.
dos problemas balizadores em determinada realidade. Assim, as autoras Para esses autores a inclusão escolar continua sendo caminhos com-
apoiando-se em Bobbio (2004), defendem que o direito não é algo dado ou plexos, a devida efetivação dessa modalidade de ensino é ainda incipiente
e com muitos entraves a serem solucionados, pois que a maior dificuldade
mesmo conquistado, mas, sim um processo impregnado de interesses con-
está no fato de que não há o reconhecimento do “outro” como diferente,
frontados, que desembocam em decretos, declarações, leis, dentre outros
sintetizando a não aceitação das diferenças, logo não há a superação de
que potencializam a legitimidade das ações:
paradigmas tão arraigados na cultura social e isso, dizem os autores, são
frutos de nossa história. Citando Mantoan (2003) os autores explicam
A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função
que “a inclusão escolar faz repensar o papel da escola e conduz a adoção
prática, que empresta uma força particular às reivindicações dos mo-
de posturas mais solidárias e para a convivência”, pois esse é um conceito
vimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos
novo que carece de tempo para ser abstraído, implementado; necessita de
carecimentos materiais e morais; mas, ela se torna enganadora se obs-
mudança nos paradigmas, nas concepções educacionais, e principalmente
curecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito
na prática pedagógica.
reconhecido e protegido. (BOBBIO, 2004, p.9).
Assim, segundo Dellani e Moraes (2012) incluir requer mudança de
postura, de crítica, de novos olhares, uma vez que a escola não é uma “es-
As autoras apontam que os avanços educacionais são decorrentes de trutura pronta e acabada”. Portanto, exige uma mudança de mentalidade,
lutas de cunho democrático que visam uma sociedade de oportunidades e de reflexão, de valorização da diversidade humana.
igualdades sociais para todos. No entanto ressaltam a meta 04 que promul- Nesse sentido, refletir acerca da Inclusão Educacional ainda requer
ga a universalização da educação inclusiva não abarca o ingresso e perma- um projeto de currículo e de práticas pedagógicas que possam nortear os
nência de todos os alunos no ensino dito regular. Deixando clara a relação inúmeros caminhos que devem ser trilhados nessa nova demanda do ensino
“dialética” entre direito e o dever no sistema educacional. Direito esse, que aprendizagem. De acordo com Matos e Mendes (2014, p. 36), “atores e au-

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tores são desafiados a construir saberes capazes de responder às demandas pois as diferenças foram historicamente construídas de forma “hierarqui-
do cotidiano escolar relacionadas à convivência e aprendizagem na diversi- zadas”, excluindo grupos, marginalizando parcelas da sociedade e, princi-
dade”. Para as autoras, a teoria relacionada a esta temática implica entender palmente, levando ao ostracismo os “diferentes”, impedindo-os de exercer
a diversidade como “construção histórica, cultural e social das diferenças”, a plena cidadania.
o que significa que as relações de poder estão relacionadas ao contexto Mantoan (2003) afirma que “estamos ‘ressignificando’ o papel da
social. Portanto, as lutas propostas pelos movimentos que “politizam” o escola com professores, pais, comunidades interessadas e instalando, no seu
reconhecimento e o direito às diferenças são de extrema importância na cotidiano, formas mais solidárias e plurais de convivência. É a escola que
sociedade dita democrática. tem de mudar, e não os alunos para terem direito a ela!” E que o nosso papel
Mendes e Matos (2014) também questionam o currículo no senti- não é desempenhar pedagogia de “saberes” fechados e fragmentados, distri-
do de propor mudanças nas políticas públicas, no projeto pedagógico, que buídos em tempos e disciplinas aprisionados nas grades curriculares. Pois:
possa provocar efeitos reais nas Leis das diretrizes curriculares, propondo
um “lugar de luta e respeito pela diversidade”. Pois, segundo as autoras, os A perspectiva de se formar uma nova geração dentro de um projeto
debates relacionados à concepção dos diferentes modos de confeccionar as educacional inclusivo é fruto do exercício diário da cooperação e da fra-
diretrizes no quesito inclusão, já é um processo globalizado.
ternidade, do reconhecimento e do valor das diferenças, o que não exclui
Desse modo, as autoras entendem que o que hoje se conhece como
a interação com o universo do conhecimento em suas diferentes áreas
inclusão Educacional é, na verdade, “uma proposta de aplicação prática no
(MANTOAN, 2003, p. 8)
campo da educação”. Prática esta que

A inclusão escolar é um grande desafio, pois a noção de inclusão


implicaria na necessidade de reformas educacionais, prevendo alterações
e integração estão situados em polos opostos quando, na verdade, deve-
nos currículos, nas formas de avaliação, na formação dos professores,
riam compor um mesmo todo, de modo radical e sistemático, nos ambientes
nas estruturas físicas das escolas e na adoção de uma política educacio-
educacionais denominados regulares. Ou seja, para a autora “toda criança
nal mais democrática (MENDES E MATOS, 2014, p.39).
precisa da escola para aprender e não para marcar passo ou ser segregada
Pois, segundo as autoras: em classes especiais e atendimentos à parte.” (MANTOAN, 2003, p. 8-15).
O contexto educacional atualmente encontra-se saturado de raciona-
tratar a exclusão ou a inclusão escolar apenas como uma questão de lidade, propondo modalidades de ensino, tipos de serviços, grade curricular;
ordem epistemológica representa uma redução, uma vez que qualquer burocratizando assim a estrutura sistêmica organizacional da Educação, e
proposta de inclusão precisa considerar simultaneamente os aspectos com isso o modelo educacional demonstra sinais de fragilidade, de esgota-
sociais, econômicos e político-culturais nela envolvidos. (apud Neto, mento, de esvaziamento de ideias, revelando assim, uma crise “paradigmá-
2005) tica” em momentos de mudanças na mentalidade social. Isso sem falar na
organização curricular que fragmenta o conhecimento, em vez de inter-re-
Para tanto, o debate sobre a inclusão deve ter um cunho mais amplo lacioná-lo, com o contexto histórico, retirando a perspectiva de multidimen-
devido à complexidade e diversidade sociocultural dos sujeitos envolvidos, cionar a complexidade os problemas e soluções do cotidiano escolar.

116 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 117


Relações de poder presidem a produção das diferenças na escola, mas a olhamos para as políticas de proteção social, percebemos que o processo
partir de uma lógica que não mais se baseia na igualdade como categoria desencadeador se situa no conceito que se tem do salário mínimo no Brasil.
assegurada por princípios liberais, inventada e decretada, a priori, e que Sempre celebrado, há nele o cômodo vínculo ao discurso humanitário e
trata a realidade escolar com a ilusão da homogeneidade, promovendo filantrópico, referente aos bens sociais que, sob os cuidados do poder man-
e justificando a fragmentação do ensino em disciplinas, modalidades de tenedor referenda uma respeitável distância entre as classes sociais. Dife-
ensino regular ou especial, seriações, classificações, hierarquias de conhe- rentemente de um termómetro, cujo calor dilata o mercúrio, o salário não
cimentos. Por tudo isso, a inclusão é produto de uma educação plural, corresponde proporcionalmente à ascensão do produto interno bruto. Jus-
democrática e transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor, tamente por não haver mecanismos tais para este acondicionamento, tende
uma crise de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade haver na natureza do trabalho injustificado controle, por sua precariedade,
dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno. a partir de sua intermitência.
O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade Quanto à questão da inclusão educacional de alunos com deficiên-
fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais. O direito à diferença cia, este artigo buscou relacionar a prática e a teoria em perspectiva na
nas escolas desconstrói, portanto, o sistema atual de significação escolar Educação Inclusiva no Ensino Fundamental, a partir da Lei nº 13.146, de
excludente, normativo, elitista, com suas medidas e seus mecanismos de julho de 2015. Verificou-se que o debate acerca da Educação Inclusiva ain-
produção da identidade e da diferença. (MANTOAN, 2003, p.19). da está aquém da necessidade real de enfrentamento, pois se dá no âmbito
da incapacidade do indivíduo. Dessa maneira constata-se a existência de
Considerações Finais problemas sérios, sobretudo, advindos da desigualdade de oportunidades
e da presença indesejada de uma experiência significativa de uma prática
A fragilidade política deste nosso atual Estado Democrático de Di- discriminatória no país, com raízes históricas. Contudo, a adesão do Brasil
reito vem sendo requentada pela mídia no direcionamento da opinião pú- à Convenção da ONU (2006), dando direitos aos portadores de necessida-
blica em detrimento do que realmente deve prevalecer, ou seja, o mercado des especiais a uma Educação inclusiva nas escolas de Ensino regular pode
tem assumido um protagonismo nefasto diante de um direito social cons- sinalizar rumo a possibilidades de amadurecimento das discussões e de me-
titucional visto na Carta Magna no artigo 6º que afirma que são direitos lhorias para o setor. Mas, isso não será possível sem forte enfrentamento às
sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência contradições do mundo global, sob a égide do capital.
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desampara-
dos, na forma desta Constituição. Antes mesmo, já estabelece no Art. 3º Referências
como princípio fundamental da República Federativa do Brasil e anuncia
no seu inciso III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as de- ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto de. Globalização, liberalismo
sigualdades sociais e regionais. econômico e educação brasileira: quem controla a produção do conheci-
Reconhecer uma política pública como um direito humano tem sis- mento científico? In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.). A gestão
tematicamente aberto uma fronteira em relação ao pensamento neoliberal, da educação na sociedade mundializada. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.
que se contrapõe a isso por apoiar na dinâmica natural do mercado. Quando 32 – 51.

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tação (BRASIL, 2010) – têm merecido maior atenção na contemporaneida-
ZIMMERMANN, Clovis Roberto. Os programas sociais sob a ótica
de por parte das políticas públicas educacionais, sobretudo frente ao desafio
dos direitos humanos: o caso do Bolsa Família do governo Lula no Brasil.
de concretizar a perspectiva educacional inclusiva, firmada internacional-
Sur, Rev. int. direitos human. vol.3 no.4 São Paulo June 2006. mente pela Declaração de Salamanca em 1994 (UNESCO, 1998).
Na esteira dos fundamentos da Conferência de Educação para To-
dos, de 1990, a Declaração veio chamar o poder público à responsabilidade
para com o alunado que requer diferenciais de atendimento para que possa
aceder à escola e nela aprender, locomover-se, comunicar-se e interagir
com os pares da mesma faixa etária. Para tanto, esses alunos precisam de
recursos (materiais e humanos) que lhes garantam condições satisfatórias
de aprendizagem, autonomia, sociabilidade e desenvolvimento humano.
Nesse propósito, a Educação Especial deixa seu tradicional formato de es-
colarização apartada do sistema educacional regular e passa a transversali-
zar este último, constituindo-se atendimento de caráter pedagógico desti-
nado a dirimir empecilhos à aprendizagem e convivência na escola, sempre
que necessário.
Torna-se fundamental, nessa perspectiva, conhecer sobre as ne-
cessidades educacionais especiais (ou específicas). No entanto, há que se
34
Doutora em Educação pela PUC Goiás. Pedagoga e psicopedagoga. Área de atuação: educação especial e inclu-
siva. Professora do IFG-Câmpus Goiânia Oeste.

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questionar: o conhecimento sobre elas, enquanto entidades clínicas, seria A ausência da fala – ou suas limitações de expressão - aparece com-
suficiente para o empreendimento de uma intervenção pedagógica e rela- binada, aos olhos dos falantes e ouvintes, com um corpo desorganizado que
cional/comunicativa eficaz? Um perfil geral de cada entidade clínica deter- gesticula muito ou balbucia e cujos movimentos são descoordenados ou
mina um padrão de ensino, ou seja, um tipo de intervenção conforme tão desastrados. No entanto, ao tomarmos conhecimento do “olhar de dentro”
somente o diagnóstico médico? E, ainda que estejamos atentos e obedien- dos sujeitos, começamos a identificar uma leitura lógica de suas corporei-
tes aos critérios da ciência, a quem escutamos para tomar decisões? dades, uma linguagem, como nos casos de TEA dos quais aqui trataremos.
Situados historicamente como objetos do campo médico, os alunos
com algum tipo de deficiência ou transtorno do desenvolvimento são atendi- 1 - Leituras do perceber - o que dizem os sujeitos com
dos (“tratados”) conforme prescrições de especialistas que se pautam em diag- TEA?
nósticos gerais quanto ao funcionamento orgânico, as quais nem sempre se
coadunam com os anseios, necessidades e potencialidades dos sujeitos. O Con- A autoria verbal/escrita de sujeitos com autismo traz a público
gresso de Milão de Surdo-Mudez, por exemplo, realizado em 1890, decidiu o que Sacks (2006) denomina “inside narrative”, isto é, um discurso que
pela proibição das línguas de sinais na educação de surdos, pois supostamente venha de dentro, que parta do sujeito, algo cientificamente considerado
estas prejudicariam o desenvolvimento da fala. O Congresso foi conduzido por impossível desde a descrição do autismo – em 1943 por Leo Kanner. A
especialistas ouvintes, aos quais foi delegado o direito a voto. Aos surdos ali publicação da autobiografia Emergence: labeled autistic, por Temple Gran-
presentes, ao contrário, não foi conferido o direito de votar (STROBEL, 2009). din, em 1985 (traduzido no Brasil como “Uma menina estranha”), deixou
Portanto, vozes silenciadas antes mesmo do silenciamento oficial. inicialmente em dúvidas à comunidade científica sobre a congruência com
Em relação ao transtorno do espectro do autismo (TEA), os sujeitos o diagnóstico da autora (SACKS, 1995). No entanto, atualmente não só
que o apresentam também são enunciados por outrem, sem que tenham ratifica-se o diagnóstico, como também é reconhecido que Temple é uma
oportunidade de se enunciar. Ainda que verbalizassem, seria impossível pesquisadora sobre o espectro.
um discurso de consciência da própria condição, visto que estariam em um Seus escritos posteriores trazem outros relatos de experiências pes-
estado de permanente autós, ou seja, centrados em si mesmos, sem consci- soais e de outras pessoas com TEA. Em comum, o confronto com a incom-
ência da realidade ao redor, como que confinados em um mundo próprio preensão daqueles não se enquadram no espectro e o esforço para se fazerem
(SACKS, 2006). A vocalização, quando produzida, tão somente indicaria comunicantes, linguagem para o outro, não só pela palavra, mas também pelo
repetitividade de sons ou palavras ouvidas, mas não autoria. corpo em sua expressão e movimento. Posteriormente, outros autores com
No entanto, isso mudou quando Temple Grandin, em meados de espectro autista ganharam destaque internacional, como a artista australiana
1980, nos Estados Unidos, lançou sua autobiografia. Posteriormente, ou- Donna Williams e o jovem escritor Tito Mukhopadhyay, da Índia.
tras vieram a público. O conhecimento desses relatos torna-se fundamental Dentro dos limites deste artigo, falaremos acerca dos relatos desses
para a comunidade científica - incluindo educadores - , uma vez que abrem três autores e, a seguir, teceremos considerações sobre a pertinência de
a compreensão dos motivos que levam à exibição de determinados compor- compreender características de percepção e seus impactos na constituição
tamentos. Motivos que, à luz de observadores (olhar externo), sugeriam-se da corporeidade, com base no referencial fenomenológico do filósofo Mau-
irracionais ou eram identificados como estereotipias. rice Merleau-Ponty (2011).

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2 - Temple Grandin declara, até na roupa. Certas texturas a incomodavam. Por consequência,
comportava-se “mal” socialmente, quando era vestida com uma roupa dis-
Temple Grandin, 70 anos de idade, nascida nos Estados Unidos, tinta da que usava no dia a dia. Não obstante, sempre desejou ser abraçada
foi diagnosticada esquizofrênica, em princípio, e mais tarde como autista e sentir a sensação confortável que as pessoas demonstravam sentir sob
de alto funcionamento. Frequentou uma escola especial, de onde saiu para esse ato; no entanto, afastava-se instintivamente porque, quando era abra-
cursar ensino superior. Graduou-se em Psicologia, concluiu Ph.D em Ciên- çada, tinha a sensação assustadora de sufocamento por uma onda gigante
cia Animal, é engenheira, professora universitária e palestrante. Tornou-se (GRANDIN, 1992, 2006).
célebre por ter desenvolvido um sistema de abate do gado (e engenhos para A verdade é que não podia controlar a intensidade do gesto, o tom
tal) econômico e com reduzido estresse para as reses. ideal que transmitisse segurança, calma e conforto. Na juventude, ao ob-
Adotado em grande parte no Canadá e Estados Unidos, esse siste- servar como as reses pareciam se acalmar quando tinham seu corpo suave-
ma fundou-se na compreensão do raciocínio e da percepção dos animais, mente comprimido por tábuas de madeira, resolveu construir para si um
que seriam, segundo a idealizadora, semelhantes à lógica de autistas. Em artefato semelhante, que ficou conhecido com o máquina do abraço e foi
seu livro Na língua dos bichos (GRANDIN; JOHNSON, 2006) destaca que utilizado terapeuticamente com outros autistas. Por meio de uma corda,
frequentemente é chamada para “ver o que os outros não veem” com rela- o sujeito “abraçado” pode controlar a intensidade da compressão sobre o
ção a comportamentos irritadiços exibidos por animais nas fazendas. Qua- próprio corpo. Quando aperfeiçoou o invento recheando as tábuas de acol-
se sempre constata que o que os provoca são elementos que perturbam a choados, Temple declarou sentir uma sensação nova: “sentimentos sociais”
percepção sensorial, tais como: a sombra do movimento de pás do ventila- (GRANDIN, 2006). E, conforme notou Sacks (1995), no convívio com a
dor, cores ou balanços de alguns objetos próximos, alterações de contraste engenheira, houve até modificações no tom de voz: tornou-se mais suave.
luz e sombra ou de texturas do piso, indução a um tipo de marcha que não
condiz como movimento natural (por exemplo, o gado movimenta-se em 3 - Donna Williams/Polly Samuel (1963-2017)
circularidade e por isso pode entrar em estresse se obrigado a marchar em
fila indiana em um espaço estreito e no qual seja bruscamente reduzida sua Nascida na Austrália e registrada Donna, era mais comumente cha-
visibilidade). mada por Polly em seu círculo familiar e social mais próximo. Em 2015
Temple comenta que identifica com rapidez e precisão esses fato- mudou seu nome legalmente para Polly (Samuel é o sobrenome de casada).
res e se surpreende como as pessoas não autistas sequer lembram disso Foi considerada uma criança psicótica. Sua fala era pouco compreensível
(GRANDIN; JOHNSON, 2006). Ela comenta que perturbações sensoriais até os 9 anos de idade e seus sentidos e percepção, conforme declarado em
sempre a afetaram, principalmente as auditivas e táteis. Falar ao telefone seu website, eram caóticos, surreais, fragmentados e constantemente em
em um aeroporto, por exemplo, não lhe é possível, pois não consegue “iso- mutação, como se flutuassem. Por outro lado, desenvolveu uma sofisticada
lar” ou minimizar os ruídos de fundo. Todos os sons lhe afloram com muita capacidade de identificar e memorizar padrões sonoros, imitá-los e modifi-
intensidade. Daí razão, como afirma, de muitos autistas taparem os ouvidos cá-los/parodiá-los (WILLIAMS, 2017).
(GRANDIN, 1992). Diferentemente de Temple Grandin, que se percebe como pensado-
Em relação à hipersensibilidade tátil, isso se manifestava, segundo ra visual (ou seja, como alguém que pensa com imagens e não com pala-

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vras), Donna/Polly aprendia cinestesicamente - experimentando, tocando. 4 - Tito Mukhopadhyay
Sentia como se habitasse um corpo fragmentado juntamente com outras
numerosas partes de si, como se fosse composta por uma colcha de reta- Nascido na Índia em 1989 e hoje residente nos Estados Unidos,
lhos. Alcançou expressivo desenvolvimento nas áreas artísticas - pintura, Tito publicou sua autobiografia aos 11 anos, Beyond the silence: my life, the
escultura, música (instrumentos e canto), teatro, poesia e literatura. Gra- world and autism, com escritos desde os seus 8 anos de idade. Na infância foi
duou-se em Linguística e tornou-se professora (WILLIAMS, 2017). diagnosticado com quadro severo de autismo, que incluía mutismo e supos-
Em 1992 publicou sua autobiografia Nobody Nowhere, primeiro de ta deficiência intelectual. Não obstante, sua mãe, Soma, lia com frequência
seus dez livros. Entre 1996 e 2012 exerceu atividades de consultora sobre para o filho e criou um método de comunicação pelo qual Tito apontava
autismo. Daí em diante, com a saúde mais fragilizada por um câncer de letras em um tabuleiro. Assim, ele se desenvolveu de forma surpreendente
mama, aposentou-se da maior parte das atividades e viagens, mas conti- quanto à fluência na escrita, expressando elaboração – sintaxe, metáforas,
nuou a manter seu website e vínculos com a arte até o fim da vida. discurso poético, reflexões e autorreflexões – em nível muito acima do es-
Donna é referida por Temple Grandin em um de seus livros (GRAN- perado para sua idade. Seu discurso verbal, por outro lado, é ainda muito
DIN, 2006). A autora comenta que Williams não conseguia ver e ouvir ao pouco desenvolvido.
mesmo tempo mantendo a atenção por inteiro; se escutava alguém falar, Bialer (2016, p. 395-397) comenta a temática de um conto do autor,
perdia a “sintonia” do visual, e vice–versa; por isso preferia falar ao telefo- The mind tree, metafórico e com teor claramente autobiográfico:
ne, pois assim não se distraía olhando para o interlocutor.
Tal consideração chama a atenção, pois o que pode aparentar aversão A árvore-mente, que é a narradora em primeira pessoa do conto, faz uma
ao contato social, falta de educação, déficit de atenção ou estereotipia (“mania”) distinção entre uma árvore-mente como ela e as outras árvores que são
do quadro autístico (evitar o contato visual), pode ser uma tentativa de auto- somente plantas sem uma mente, incapazes de julgamento e de pensa-
-organização corporal, justamente para prestar atenção ao interlocutor, e não mento, dotadas somente de instintos. Há também outros seres que são
evitá-lo. dotados de uma mente como, por exemplo, a terra. A terra pode pensar
Donna/Polly sintetiza que ser autista é ter dificuldade em manter e sentir, mas assim como em relação à árvore, as pessoas não supõem que
conexões. Rejeitando estereótipos em relação ao autismo, considerava que ela seja sensível ou pensante. Uma das questões sobre as quais a árvore
o transtorno não existia concretamente (“o autismo”), mas sim uma série reflete é o fato de que embora tenha deduzido que a terra tem uma men-
de características decorrentes dele com as quais cada sujeito tinha de lidar, te, ela não consegue saber onde essa mente se localiza dentro do corpo
conforme a intensidade com que se apresentam. Encontrou pessoas com da terra (...) É interessante ressaltarmos a premente vontade da árvore
esse espectro muito mais empáticas, imaginativas e curiosas do que muitos de estabelecer contato com os outros, mas essas várias tentativas de co-
não autistas. A questão não seria, segundo ela, o que está oculto, mas sim o municação não são compreendidas ou são imperceptíveis.
que ainda não foi revelado a respeito (WILLIAMS, 1996).
Na autobiografia (MUKHOPADHYAY, 2000) Tito refere a si na
terceira pessoa do singular – “ele” recusava-se a aceitar a existência de
seu corpo e acreditava ser um espírito; acreditava que havia um mundo

128 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 129


dentro do espelho e que as imagens desse mundo seriam tão reais quanto Por que a fenomenologia? Trata-se de “(...) uma filosofia que re-
os objetos ao seu redor. Essa viagem ao mundo do espelho, proporcionada coloca a essência na existência, e não pensa que se possa compreender o
por sua imaginação, era o meio de se libertar dos ruídos do ambiente. Acre- homem e o mundo de outra forma, que não seja a partir de sua ‘facticida-
ditava também que, tão reais quanto suas mãos, eram as sombras destas, de’”. (MERLEAU-PONTY, 2011, p.1). Em suma, todo fenômeno humano
projetadas na parede. Assim, quando anoitecia e as sombras desapareciam, só pode ser compreendido na imbricação homem-mundo, nos meandros
sentia-se abandonado. Tito as procurava por toda parte. de sentido que o sujeito constitui em sua existência e à sua existência. E
Assustador também foi o momento em que não conseguiu mover o qualitativo dessa constituição depende, como aponta o filósofo, do modo
os lábios para cantar, após a descoberta de que o som da canção cantada perceber e perceber-se.
pela mãe era enunciado pelos lábios. Ele tentou fazer o mesmo em frente Merleau-Ponty (2004, 2011) define o corpo como elemento sine qua
ao espelho, mas a imagem mostrada não exibiu movimento nem música. O non da percepção, visto que dele depende o ser humano para entrar em
mundo da escrita – incluindo números e formas – figurou-lhe mobilidade contato com o mundo. É pelo corpo que o sujeito o habita, e o qualitativo
e possibilidade de transitar e criar por esses símbolos. Como ressalta, por do habitar depende de como esse sujeito é sensibilizado pela realidade em
eles fluía sua imaginação – poder criar jogos e imaginar cartas e diálogos questão. Nesse processo, constitui sua visão (ler/ver/pensar o mundo), que
possíveis com as palavras. nada mais é que a espessura, o desdobrar do pensamento sobre o quadro-
Tito declara sentir seus sentidos em hierarquia: percebe a audição -realidade, ou melhor, a imersão nessa “paisagem”, à semelhança de um
acima da visão e esta acima do tato (MUKERJEE, 2004). Dada à maior pintor no movimento de expressá-la.
sensibilidade auditiva, lhe é mais fácil prestar atenção às palavras e es- O filósofo assinala que “não há visão sem pensamento” e que “tudo o
crever a partir do que ouve (embora memorize visualmente muito bem as que se diz e se pensa da visão faz dela um pensamento”. No entanto, ponde-
formas e símbolos gráficos). Para ele é muito difícil prestar atenção às fisio- ra, “mas não basta pensar para ver. A visão é um pensamento condicionado,
nomias dos interlocutores e ao que eles falam, ao mesmo tempo. Prioriza, nasce por ocasião do que acontece no corpo, é ‘excitada’ a pensar por ele”
então, a via auditiva e evita o contato visual, para não se desconcentrar da (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 30, grifo do autor).
apreensão das palavras. Conforme escreveu, essas interferências o levaram Tomando essa perspectiva filosófica para a reflexão a partir dos au-
a sentir o “mundo fragmentado percebido através de sentidos isolados” torrelatos de sujeitos com TEA, interrogamos: que elementos prestam-se à
(MUKERJEE, 2004). Sente a necessidade de balançar as mãos até sentir atenção de cada corporeidade, que convocam o corpo a habitar/não habitar
seu corpo como um todo. o mundo, sob mais ou então menos intensidade?
Contextualizando, como compreender a imediata empatia de Tem-
5 - Do discurso dos sujeitos com TEA a um olhar feno- ple Grandin por animais? Ela própria aponta justificativas científicas, de
menológico sobre o corpo semelhanças de neurofuncionamento entre autistas e animais no que con-
cerne à sensorialidade. Nada questionamos quanto a isso; não buscamos
Delineamos uma reflexão filosófica a partir dos autorrelatos dos identificar aqui um mecanismo de causalidade de um funcionamento, mas
autores-sujeitos com TEA aqui referidos. Mais especificamente, reflexões entender o fenômeno e suas repercussões na existência. Grandin se con-
ancoradas na fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty. sidera eminentemente racional; acredita que não possui um inconsciente

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e que suas emoções restringem-se às básicas, isto é, àquelas regidas pelo imediatamente, o corpo como um todo se esquematiza, isto é, assume um
nível biológico, e não pela complexidade das relações sociais. Assim, sente “arranjo” (movimento dos membros, tônus muscular, preensão, tom da voz,
raiva, medo, alegria ou tristeza, mas não emoções como o ciúme, por exem- palavras) voltado a exercer a ação que o contexto o convoca.
plo (GRANDIN; JOHNSON, 2006). Polly/Donna sente que seu corpo “pode”, ao tocar, escrever, ma-
Como as pessoas não são transparentes na revelação das emoções, nipular, pintar, moldar... A via tátil se enraíza no que o mundo oferece à
para Temple é muito difícil apreender um enredo, seja ficcional, seja nas exploração e experimentação criativa para concretizar, ganhar forma. De
relações da vida real. Precisou, por exemplo, estudar expressões fisionô- forma semelhante, a música e o movimento, mesmo abstratos, como ela
micas e aprender o que cada uma significava. O sentido não lhe emergia mesma observa, fazem-se tangíveis quando intervêm nos padrões vocais e
naturalmente (SACKS, 1995). Por outro lado, o comportamento animal lhe nos padrões de toque (WILLIAMS, 1996). Portanto, conferem ao sujeito o
fala, transparece sentido, porque realmente é o que se presentifica, regido poder de intencionalidade referido por Merleau-Ponty, de por o corpo em
por emoções simples. jogo – corpo que é referido pela artista como peças de um quebra-cabeça - e
Apesar de Temple Grandin se declarar uma pessoa intelectual, de- assim alcançar a desejada comunicação.
pende de um alicerce na emocionalidade. E isso não só na relação com os Os conflitos de perceber-se por inteiro nos contornos do corpo e de
animais, mas também no âmbito pessoal. Quando declara que somente habitá-lo no tempo e no espaço também aparecem nos relatos de Tito. Con-
conseguiu sentir sentimentos bons (amor, gentileza) em nível interpes- jugar suas “duas personalidades”, como denomina - uma “pensante, cheia
soal, após ter sentido conforto físico, abraçada confortavelmente de fato de aprendizados e sentimentos” e uma “agente, estranha e cheia de ações”
(GRANDIN, 2006), deixa entrever que a “passagem” pelo corpo foi pri- – é um desafio (MUKERJEE, 2004). A metáfora da árvore-mente é reve-
mordial, tanto para a empatia quanto para ser capaz de explicar o sensível ladora: o desamparo da árvore pensante vem do esforço em se movimentar
que lhe perpassou. (portanto, fazer-se corpo próprio, movimentar-se com a intenção/intensi-
A multiartista Polly/Donna Williams não procura explicar de onde dade do desejo/”comando” impulsionado) e não concretizar o movimento
vem sua fluente expressividade pelas artes, se é um processo inconsciente com suficiência para ser percebido. Além disso, a árvore sabe que há uma
ou não, se são habilidades savant. Até os três anos de idade ela não percebia terra que enraíza, que corporifica, mas ela (árvore) não se sente enraizada.
o próprio corpo no espaço nem como ele poderia se dirigir às pessoas como Conforme a fenomenologia de Merleau-Ponty (2011), o ser humano
linguagem (por gestos, entonações, expressões faciais), tampouco estava se faz corpo-no-mundo sob um sentir, processo tão vital quanto a respira-
consciente do que os outros esperavam de si. Posteriormente tornou-se um ção. E é esse quale que confere a espessura do perceber e a elaboração dos
árduo problema pessoal se comunicar e se fazer compreendida; demandava sentidos de mundo e da própria existência daí decorrentes. Assim, o enrai-
esforço tentar sincronizar os movimentos do corpo, as expressões da face zamento – semelhantemente ao abraço – é fundamental para a constituição
e o tom de voz (WILLIAMS, 1996). Tal dificuldade remete ao conceito da personalidade.
merleau-pontyano de corpo próprio. Bialer (2016) reporta-se ao trecho do conto The mind tree em que
Segundo Merleau-Ponty (2011), o corpo, para se organizar enquanto a árvore tenta se sustentar em vão contra um vento forte e receia que ele
esquema corporal dinâmico e fazer-se “próprio”, precisa se mover com inten- lhe arranque as raízes. Quando um de seus galhos acerta um passarinho,
cionalidade, em sintonia na interação com o percebido, de uma forma natural, matando-o, é tomada por um sentimento de culpa:
não previamente racionalizada. Ele exemplifica o ato de atender ao telefone:

132 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 133


Podemos apontar nesse trecho a importância da vivência de ameaça da nha, elas não estão confinadas em mundos autós nem desejam permanecer
própria existência, de fragmentação do corpo próprio em decorrência da no isolamento. O que buscam é a congruência com sua aflorada sensibili-
incapacidade de defesa e da ação motora involuntária de assassinato do dade, com detalhes e lógicas perceptivas que em geral são insensíveis ao
outro por quem sente empatia. A árvore é tomada por um sentimento de “mundo adulto normal”.
culpa tão intenso que ofusca a possibilidade de sentir a dor de seu pró- Pensando nos princípios e na efetivação de uma educação que se faça
prio corpo, que acabou de perder um pedaço de si. A anestesia da dor do inclusiva, o aluno com TEA tem muito a ensinar - ensinar a (re)aprender a
corpo quebrado é concomitante a uma intensa dor psíquica. (BIALER, ver/perceber, se não com maior, certamente com diferente e aguçada sen-
2016, p. 399). sibilidade, tanto para ampliarmos a compreensão acerca do espectro, como
também para nos permitir adentrar caminhos distintos que enraízam sub-
Assim, Tito sugere que manifestações de insensibilidade à dor, ou jetividades, transcendendo generalizações de um diagnóstico.
então, aos olhos de outrem, de agressão ou autoagressão podem significar
empatia, dor psíquica, e não ausência da realidade. Muito ao contrário, tra- Referências
duz o desespero de busca de unidade corpórea para se conectar com ela sem
machucá-la. BIALER, Marina. A escrita terapêutica do autista: escritor Tito
Na vida real de Tito, o universo da escrita conferiu o enraizamento, Mukhopadhyay. Estilos da clínica. São Paulo, v. 21, n. 2, p. 390-411, maio/
a viabilidade de linguajar, não só pelo acesso e compreensão dos sentidos ago. 2016.
denotativos do idioma, mas sobretudo por conferir seiva e frutos a seu ima- BRASIL. Ministério da Educação. Marcos políticos-legais da edu-
ginário e potencial reflexivo. Assim, seu discurso corporificou-se “próprio”, cação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: Secretaria de
autor, transcendendo o esperado linguisticamente para a maioria das pes- Educação Especial, 2010.
soas com TEA. GRANDIN, Temple. An inside view of autism. In: SCHOPLER,
Eric; MESIBOV, Gary. High-functioning individuals with autism. New
Considerações York: Plenum Press, 1992. p. 105-128.
______. Thinking in Pictures: my life with autism. New York: Vin-
As experiências e discursos das pessoas com TEA revelam gradien- tage Books, 2006.
tes do espectro, os quais expressam diversidade de modos de perceber e ______; JOHNSON, Catherine. Na língua dos bichos. Rio de Janei-
corporeidades próprias. Merleau-Ponty (1945/2011, p. 244) assinala que ro: Rocco, 2006.
“toda linguagem ensina por si mesma e introduz seu sentido no espírito do MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. Tradução: Paulo
ouvinte”. Assim, cabe interrogar: que linguagem se tornará estruturante, Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
corpo, para cada sujeito com TEA? ______. Fenomenologia da percepção. Tradução: Carlos Alberto
Vimos que “idiomas” não são os mesmos. Afinal, o adentrar à paisa- Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
gem, diria Merleau-Ponty (2004), depende da singularidade da percepção, MUKERJEE, Madhusree. Um enigma transparente. Scientific
e esta depende do habitar do corpo no mundo. O que chama atenção é que American. jun, 2004. Tradução: Roberto Bech, para a Comunidade virtual
tal habitar é buscado pelas pessoas com TEA. Ao contrário do que se supu-

134 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 135


Autismo no Brasil. Disponível em: <http://omundomaravilhosodosautis-
tas.blogspot.com.br/2010/03/o-fantastico-tito-rajarshi-mukhopadhyay.
html>. Acesso em: 22 ago. 2017.
MUKHOPADHYAY, Tito. Beyond the silence: my life, the world
and autism. London: The National Autistic Society, 2000.
Educação, transfobia e ciberespaço:
SACKS, Oliver. Um antropólogo em Marte. Tradução: Bernardo um estudo etnográfico digital
Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Laionel Vieira da Silva35
______. Foreword. In: GRANDIN, Temple. Thinking in Pictures: Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa36
my life with autism. New York: Vintage Books, 2006.
STROBEL, Karin. História da educação de surdos. Florianópolis:
UFSC, 2009. Material da disciplina Licenciatura em Letras- Libras, UFSC, Introdução
modalidade a distância. Disponível em: < http://www.libras.ufsc.br/co-
lecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSur- A escola tem sido alvo de diversas pesquisas a respeito de seu po-
dos/assets/258/TextoBase_HistoriaEducacaoSurdos.pdf>. Acesso em: 25 tencial engendramento e reprodução de normas sexuais e de gênero vigen-
ago. 2017. tes, bem como ambiente hostil para aqueles (as) desviantes de tais normas
UNESCO. Declaração de Salamanca: sobre princípios, polí- (LOURO, 2003; TORRES, 2010; DINIS, 2011).
ticas e práticas na área das necessidades educativas especiais, 1994. Em relação especificamente à população transexual e travesti é pre-
Unesco, 1998. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/ima- sente ainda um alto nível de evasão escolar, devido justamente à cultura de
ges/0013/001393/139394por.pdf> Acesso em: 22 ago. 2017. intolerância e discriminação sempre presente contra estes (as), repercutin-
WILLIAMS, Donna. About Donna. Donna Williams front page. do diretamente no “fracasso escolar”, e consequentemente na dificuldade
Disponível em: <http://www.donnawilliams.net/about.html.>. Acesso de inserção no mercado de trabalho formal.
em: 23 ago. 2017. Os dados são apresentados pela Associação Nacional de Travestis
______. Autism: an inside-out approach. London (UK) and Phila- e Transexuais (ANTRA), que revela existir uma grande quantidade de
delphia (USA): Jessica Kingsley, 1996. travestis e transexuais em nosso país trabalhando dentro da prostituição,
em torno de 90%, impulsionados pela baixa escolarização e transfobia vi-
gente (LAPA, 2013).A mesma associação estima ainda, que 70% do público
transexual e travesti são vítimas da evasão escolar (LAPA, 2013), ocorri-
das pela heteronormatividade orquestrada pela escola e pela transfobia em
geral. Tais situações podem ser vistas através dos diferentes dispositivos
do binarismo heterossexista, que considera erroneamente, o gênero como
35
Graduado em Psicologia, Mestre em Ciências das Religiões, Especialista em extensão universitária e desenvol-
vimento sustentável e Doutorando em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba.
36
Graduando em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.

136 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 137


algo aprisionado à existência de uma genitália masculina ou feminina, e desses corpos indesejáveis, isto é, a expulsão, que hoje se constitui em
assim desenvolve-se a educação escolar a partir destas autoprofecias. um elemento importante da evasão escolar (CÉSAR, 2009, p.47).
O binarismo de gênero sugere performances de gênero desempe-
nhadas por homens e mulheres idealizadas de uma maneira completamente Devido a esse contexto complexo de violência a qual são submeti-
distintas uma da outra (Butler, 2003), buscando garantir a norma cissexual dos as pessoas transexuais e travestis, torna-se de extrema importância a
e dos “papéis de homem e mulher” de modo bastante rígidos. problematização sobre o papel educacional da escola na formação de iden-
A presença de pessoas transexuais e travestis desafia os mecanismos tidades sexuais e de gênero (CÉSAR, 2009; LOURO, 2003), uma vez que
de regulação do binarismo existente, fazendo com que se tornem vulnerá- tal instituição (como qualquer outra) não fornece aprendizados neutros ou
veis a atitudes e práticas discriminatórias, chamadas de transfobia. Definida longe de reproduções ideológicas (FREIRE, 1987).
por Jesus (2012), a transfobia é uma forma de comportamento hostil diri- A partir desse panorama, tivemos como objetivo analisar os discur-
gida a pessoas transexuais ou travestis, em função de uma identidade de sos de transfobia realizados por internautas em uma matéria jornalística
sobre direito à educação para população transexual e travesti.
gênero do sujeito destoante do gênero designado ao nascer.
Os conteúdos que legitimam a transfobia partem de diversas noções
normativas que garantem o funcionamento de uma inferiorização das pes-
1 - Metodologia
soas transexuais e travestis, afetando diretamente o seu acesso a direitos
Com o propósito de melhor compreender a relação entre os temas
mais básicos, como o direito à educação.
da transfobia e educação, analisamos discursos transfóbicos no ciberespaço
Tal lógica ocorre com grande visibilidade em aulas de educação fí-
direcionados à inserção de pessoas trans no espaço educacional.
sica, por exemplo, nas quais são reforçados comportamentos socialmente
Selecionamos uma matéria do site de notícias “G1”, publicada sobre
esperado por homens, como a virilidade, a iniciativa e a contenção emocio-
a reivindicação do direito à educação pelas mulheres trans. A matéria em
nal, enquanto subjuga-se os “homens efeminados” por não exibirem tais
questão inicia com a fala de uma travesti universitária “O preconceito e a
comportamentos (LOURO, 1997). O mesmo ocorre com as meninas natu- rejeição expulsam jovens e adultos transgêneros do sistema educacional
ralizadas como sendo mais calmas, frágeis e passivas, enquadrando-as em todos os dias” (G1, 2016).
categorias opostas a dos homens, e rigidamente distantes desses. A matéria explicita a presença da transfobia no ambiente escolar e a im-
Assim, a própria existência de uma pessoa transexual ou travesti portância de discutir temas como “gênero” na escola, no qual é possível perceber
quebra a naturalização mágica concebida pela instituição escolar, a possibi- a presença de muitos desses discursos nos próprios comentários da publicação.
lidade de transgredir os enquadramentos do binarismo provoca tentativas Dentre os comentários realizados pelos internautas sobre o assunto
de reações corretivas do próprio sistema binário, através da transfobia. abordado, foram encontrados discursos de transfobia com diferentes mo-
tivações, que buscamos compreender através desta pesquisa etnográfica.
[...] a experiência da transexualidade se torna verdadeiramente insu- Segundo autores como Sato e Souza (2001), a etnografia pode ser
portável do ponto de vista da instituição escolar, pois, diante de seus cor- definida como uma pesquisa que se realiza a partir da observação partici-
pos transformados, a fala competente da instituição não vê esperança de pante do cotidiano nas e sobre as instituições, e/ou através do registro de
retorno à norma heterossexual. Assim, aquilo que resta é o afastamento um determinado contexto, que se desenvolve naturalmente.

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Para este estudo utilizamos como metodologia a etnografia digi- Por tanto, tal metodologia revela-se pertinente na busca pela com-
tal, além disso, buscamos selecionar os comentários de cunho transfóbico preensão desse contexto cultural, que cada vez mais participa na constru-
postados pelos internautas que comentavam a publicação em diferentes ção de subjetividades, reforçando ou desconstruindo discursos existentes.
categorias. Por tanto, como critério de inclusão selecionamos alguns dos
comentários que tivessem teor de transfobia e como critério de exclusão, 2 - Resultados
aqueles que não possuíssem tal conteúdo.
Com o surgimento da internet, diversos novos espaços de socialização fo- Com a finalidade de melhor conhecer os discursos transfóbicos en-
ram criados no ciberespaço, dentre estes as redes sociais. Trata-se de instrumen- contrados nesta pesquisa, foram selecionadas três categorias principais a
tos de comunicação que favorecem momentos de interação humana, bastante respeito dos conteúdos coletados. As categorias foram: Transfobia escolar,
significativos para a compreensão de fenômenos sociais, e espaço pertinente aos transfobia religiosa e naturalização dos gêneros.
pesquisadores para o uso de pesquisas etnográficas (AMARAL, 2010). Foram selecionados trechos dos comentários dos pesquisados, que
Desse modo, as técnicas de pesquisa etnográficas digitais podem ilustram as modalidades de transfobia encontrada. Trata-se da reprodução
ser desenvolvidas no ciberespaço, sempre no “modo online” e vinculado ao fiel das falas dos pesquisados, que refletem uma parte da transfobia enfren-
off-line, estes nunca se desvinculam, ocorrendo através das relações esta- tada pela população transexual e travesti como pré-requisito às tentativas
belecidas entre o pesquisador e o próprio meio, em uma rede complexa de de acesso/permanência/sucesso escolar.
interação (AMARAL, 2010).
A relação estabelecida entre “mundo offline” e “mundo online”, con- 3 - Transfobia escolar
figura-se, portanto, em maneiras de socialização e trocas de discursos, re-
fletindo-se simultaneamente na construção de paradigmas sociais. Com a categoria “transfobia escolar” propriamente dita, apresenta-
mos os discursos encontrados nos quais a incompatibilidade entre transe-
Podemos sugerir, então, que uma mudança metodológica, a reivindicação xualidade e espaço escolar está explícita.
do contexto online como um local de campo etnográfico, foi crucial para É o tipo de lógica que reforça a ideia de “expulsão” das escolas já
se estabelecer o estatuto das comunicações via Internet como cultura. [...] mencionadas (Lapa, 2013), conforme pode ser observado na fala do inter-
É possível ir mais longe e sugerir que o nosso conhecimento da Internet nauta a seguir:
como um contexto cultural é intrinsecamente relacionado à aplicação da
etnografia. O método e o fenômeno definem um ao outro, numa relação Post 8: Ai você coloca seu filho do sexo masculino onde sua “professora”
de dependência mútua. O contexto online é definido como um contexto
é um travesti, qual a referência que ele vai ter? Sabemos que nessa idade
cultural pela demonstração de que a etnografia pode ser aplicada a ele. Po-
são influenciados e professores são heróis! Ai quando perguntarem a ele
dem-se estar confiantes de que a etnografia pode ser aplicada com sucesso
a contextos on-line, podemos ter a certeza de que estes são de fato contex- expriments demonstrated its paucity, ethnographic methods were able to demonstrate its cultural richness. It is
possible to go further and to suggest that our knowledge of the Internet as a cultural context is intrisically tied
tos culturais, uma vez que a etnografia é um método para a compreensão up with the aplication of ethnography. The method and the phenomenon define one another in a relationship of
da cultura. (HINE, 2005, p. 8)37. Tradução livre dos autores. mutual dependence. The online context is defined as a cultural context by the demonstration that ethnography
can be applied to it. If we can be confident that ethnography can successfully be applied to online contexts then
37
We might suggest, then, that a methodological shift, the claiming of the online contexto as an ethnographic we can rest assured that these are indeed cultural contexts, since ethnography is a method for understanding
field site, was crucial in establishing the status of Internet communications as culture. While psychocological culture. (HINE 2005, p.8).

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o que vai querer ser quando crescer? TRAVESTI PAPAI!!! (Internauta Post 21: Imagina um aluno tendo aula de ciência, aprende todas as carac-
8. Curtidas: 11. Descurtidas: 30). terísticas das mulheres e homens, todas as suas diferenças, aí chega um
pseudo educador e diz para aluno esquecer tudo que aprendeu e que não
É importante observar, que embora haja um preconceito dirigido à há diferença alguma entre homens e mulheres, é tudo uma “construção
existência de travestis em sala de aula, existe também um relativo número social, preconceito e etc”. (Internauta 21. Curtidas: 7. Descurtidas: 20).
de “descurtidas” neste comentário. O número de “descurtidas” é quase o
triplo, implicando certa desaprovação do comentário. Na fala exposta acima, com um número maior de “descurtidas” tam-
O internauta sugere a impossibilidade de uma travesti desempenhar bém, há uma necessidade de invocar uma interpretação de ciência para le-
a atividade docente, e sugere ainda que a simples presença delas enquanto gitimar “características das mulheres e homens”, reduzindo o papel das
professoras estariam atrapalhando a identidade de gênero escolar. A escola construções sociais sobre tais identidades.
passa a ser concebida como instituição cisgênero. O “pseudo educador” seria aquele que estuda o papel das constru-
O mesmo pensamento ocorre de maneira semelhante na lógica do ções sociais. Há um discurso que sugere o afastamento dos estudos de
gênero no contexto educacional, garantindo o predomínio do binarismo
internauta seguinte, porém é descrito com um pouco mais de detalhes:
como realidade única aceitável.
Ambos os casos buscaram garantir um tipo de ideologia sobre a
Post 9: Uma coisa é certa: tem que fazer um banheiro especial pra tooo-
educação na escola, naturalizada como única e pautada em princípios heter-
do esse povo! já é complicado com as lésbicas, imagine com trans - sem
normativos, restringindo tentativas de questionamentos.
preconceito, não é pelos de verdade e sim pelos maldosos, é muito fácil
um homem fingir isso pra fazer maldades, gravações e outras coisas. E
4 - Transfobia religiosa
também não concordo com essa tal de construção de gênero nas escolas,
nasce homem e mulher, se não se identifica faz as mudanças depois de
A transfobia religiosa é outra categoria bastante comum no discurso
adulto, e não criança adolescente que nem sabe o que quer da vida, isso
contra pessoas transexuais e travestis, objeto de estudo de Barbosa e Silva
não é assunto pra escola. (Internauta 9. Curtidas: 11. Descurtidas: 28).
(2016), no qual identificam bases fundamentalistas religiosas, heteronor-
mativas e teológicas na justificativa do preconceito.
Nesse comentário são apontados os seguintes aspectos: a dificulda-
Por vezes, destituído do entendimento de identidade de gênero, os
de da internauta usar o mesmo banheiro que uma mulher trans, e a necessi-
discursos transfóbicos mesclam-se à homofobia, como se colocassem tanto
dade de manter as discussões de gênero fora das escolas sinalizando serem
a sexualidade quanto a identidade de gênero na mesma categoria. Isso para
questões de “adulto”.
aquele que reproduz a transfobia religiosa.
Os números de “descurtidas” também foram maiores que os de “cur-
No primeiro exemplo temos:
tidas”. A percepção da internauta sugere certa “neutralidade” na educação,
embora na realidade implique a continuação dos paradigmas heternorma-
tivos vigentes, e hostis para a população transexual e travesti. Post 5: DEUS FEZ O HOMEM E A MULHER. AI VEM o sujinho
E como terceira ilustração, temos o seguinte comentário: com suas gambiarras... (Internauta 5. Curtidas: 9. Descurtidas: 10).

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A quantidade de “curtidas” e “descurtidas” seguem praticamente alidade em aberração ou pelo menos praticantes de algum pecado divino,
com o mesmo número. A afirmação que naturalmente se é homem ou mu- trata-se de uma categoria que se fundamenta em interpretações religiosas
lher confere àqueles que não seguem a regra cisgênero, um papel desviante próprias para legitimar o próprio discurso transfóbico religioso.
e inferiorizado. Tal categoria é encontrada nos diversos espaços sociais, não sendo
Acrescenta-se a esse pensamento o teor punitivo em que é associa- restrito a um espaço específico, assim, é possível somar-se a outras divisões
da a transexualidade como algo relativo ao diabo ou ao inferno, conforme de discurso, que buscam legitimar a transfobia, independente da categoria
exemplificado no comentário a seguir: justificada.

Post 12: Todo transsexual está condenado ao inferno, segundo a palavra 5 - Naturalização dos gêneros
do Senhor. Deus me livre dessas aberrações. (Internauta 12. Curtidas: 2.
Descurtidas: 37). A categoria “naturalização dos gêneros” remete a uma ideia errônea
em que gênero estaria enclausurado no sexo biológico designado ao sujeito
O pensamento da transfobia é justificado por uma teologia puniti- no momento de seu nascimento, e vinculado ainda à reprodução humana.
Referindo-se a certo binarismo de gênero profetizador de corpos e compor-
va e inferiorizante, atribuindo ao sagrado expectativas preconceituosas e
tamentos esperados (BARBOSA E SILVA, 2015).
sentenciando as pessoas transexuais e travestis a um lugar de sofrimento.
No primeiro exemplo temos o seguinte comentário:
Interessante notar que há um grande índice de reprovação do mes-
mo, o número de “descurtidas” chegou a 37, enquanto o de curtidas apenas
Post 3: [...] come o ** dele então e daqui nove meses me fala se vai nas-
2. Revela ser um dos comentários mais reprovados nesse estudo por outros
cer um filho. Lol. (Internauta 3. Curtidas: 4. Descurtidas: 4).
internautas.
Tais discursos podem ser ainda associados ao sentimento de “pena”,
Dividindo-se igualmente o número de curtidas e descurtidas, o in-
atribui-se a esse grupo uma série de justificativas nas quais conferem ao
ternauta invoca o tema da reprodução como se fosse necessário para legiti-
sagrado a possibilidade de libertá-lo de algum erro ou pecado.
mar o gênero feminino ou masculino de uma pessoa.
É possível notar algo semelhante na fala do próximo internauta:
Post 17: Jesus pode liberta-las, se elas quiserem do espírito da luxúria,
herdado de seus antepassados ou de suas transgressões. (Internauta 17. Post 11: Sou MULHER e me considero extremamente ofendida ao ter
Curtidas: 1. Descurtidas: 5). a mesma denominação desses 2 seres abomináveis!! isso não é, e nunca
será MULHER. isso é um absurdo!! (Internauta 11. Curtidas: 26. Des-
As reações desses comentários foram poucas, mas a maioria “des- curtidas: 145).
curtidas”. Percebe-se uma tentativa de justificar a transexualidade como
algo desviante a partir de uma norma supostamente divina. Há nesse caso uma reação contrária do público de modo geral, com uma
Nesses casos é presente um interesse em transformar a transexu- grande quantidade de descurtidas (145) referente ao comentário da internauta.

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Enfatiza-se a impossibilidade de mulheres trans e travestis serem mulheres, Os comentários expostos pelo internauta 8, “Ai você coloca seu filho
descaracterizando-as, e nomeando esse público como “abomináveis”. do sexo masculino onde sua “professora” é um travesti, qual a referência
O último internauta traz ainda outra leitura para justificar a “natu- que ele vai ter?” demonstra o reflexo do despreparo escolar com os temas
ralização de gêneros”: de gênero e sexualidade de uma maneira em geral.
O mesmo ocorre em boa parte de nossas escolas alimentadas pela
Post 19: “Mulheres”. Tem os cromossomos XX? Não? ENTÃO NÃO heteronormatividade (Louro, 2003), ecoando discursos semelhantes como
SÃO MULHERES E NUNCA SERÃO. Não tem estrutura interna de
os do internauta 9 e 21, ao sugerirem respectivamente, que não deve ha-
mulher, por mais que se mutilem externamente. NUNCA SERÃO. (In-
ver discussões de gênero na escola, e não tratar das construções sociais de
ternauta 19. Curtidas: 15. Descurtidas:4).
gênero.
Desse modo se constrói um modelo escolar cisgênero, altamente
O internauta 19 afirma enfaticamente que há uma sentença bioló-
gica como legitimadora de todo o desenvolvimento identitário de gênero. violento para aqueles que não fazem parte desse enquadre ideológico, ca-
Sugere ainda que as mudanças corporais realizadas pelas pessoas trans e muflado de neutralidade, no qual a já naturalizada desigualdade de gênero
travestis seriam na opinião dele, mutilações. e sexual busca constantemente se naturalizar.
Nesses casos apresentados é presente a necessidade por parte dos Quanto à transfobia religiosa, é possível observar a presença de va-
comentários, de reduzir o gênero a uma “ordem natural”, utilizando-se de lores fundamentalistas ou de grande teor religioso no reforço ao julgamen-
justificativas biologizantes ou reprodutivas. Há uma descaracterização da to transfóbico (BARBOSA E SILVA, 2016).
identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis de maneira geral. Para o internauta 5 “Deus fez o homem e a mulher”, qualquer outra
possibilidade estaria vinculada a um desvio dos planos divinos. Tais asso-
6 -Discussão ciações negativas da religiosidade conservadora com pessoas transexuais
e travestis são recorrentes na literatura científica (FERNANDES, 2013;
A partir das falas apresentadas é possível encontrar a presença de NATIVIDADE, 2013; BARBOSA E SILVA, 2016).
diversas categorias na produção da transfobia. Há uma soma de motivações Os comentários podem ser punitivos, desde os expressos com maior
que agem a favor da expulsão de pessoas transexuais e travestis da educa- nitidez como o do internauta 12 que afirma: “Todo transsexual está conde-
ção. nado ao inferno”, ou aqueles que colocam a transexualidade numa posição
Os materiais coletados corroboram com Oliveira e Porto (2016), no de algo passível de cura ou de conserto, como sugere o internauta 17, ao
qual há um esforço das pessoas transexuais e travestis pelos seus direitos afirmar que “Jesus pode liberta-las [...]”
mais básicos, inclusive pelo direito à educação. Natividade (2006) discute em seu artigo “Homossexualidade, gênero
e cura em perspectivas pastorais evangélicas”, algumas situações em que as
Além da impossibilidade de gozo de seus direitos básicos, essa popula- teologias conservadoras buscam uma restauração de determinados sujeitos
ção é frequentemente flagelada pelos “defensores da ordem e dos bons considerados desviantes da suposta ordem natural divina. Assim, as sexuali-
costumes”, que se valem de um pretexto higienizador para praticarem dades não heterossexuais e as pessoas transexuais e travestis seriam alvo de
os mais diversos atos de crueldade. (OLIVEIRA E PORTO, 2016, p.323) um arcabouço teológico inferiorizante.

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Além dessas situações a presença de certa “naturalização de gêne- a intenção de garantir o predomínio heteronormativo. Impõe-se através de
ros” é prática igualmente recorrente nos discursos de transfobia na litera- diferentes aspectos, mas sempre inferiorizando aqueles que ousam desviar-
tura científica (TORRES, 2010; FERNANDES, 2013; BARBOSA E SIL- -se da norma imaginada.
VA, 2015; BARBOSA E SILVA, 2016). São categorias meramente didáticas que não estão necessariamente
Para o internauta 3 ao dizer “[...] come o ** dele então e daqui nove separadas, mas que nos ajudam a compreender a complexa violência trans-
meses me fala se vai nascer um filho”. Garante a sobreposição da sentença fóbica.
biológica (e da habilidade reprodutiva sexual) em relação à identidade de
gênero. Considerações Finais
Há um forte caráter idealizado como pejorativo na aproximação
com as categorias “transexual e travesti”, como exemplificado na fala do Com base neste estudo foi possível compreender alguns dos princi-
internauta 11 “Sou MULHER e me considero extremamente ofendida ao pais conceitos sobre gênero e identidade de gênero, bem como conhecer um
ter a mesma denominação desses 2 seres abomináveis!! isso não é, e nunca breve panorama sobre a transfobia.
será MULHER. isso é um absurdo!!”.
A transfobia na escola é um fenômeno bastante recorrente que se ob-
jetiva nos altos índices de evasão escolar da população transexual e travesti,
Em diversas situações vemos as travestis como abjetas, em função de
bem como através dos discursos e ações violentas dirigidas a tal grupo.
uma série de exclusões na afirmação da categoria transexual e na pro-
Através desta pesquisa etnográfica digital foi possível conhecer al-
dução do que seria uma “verdadeira mulher”. Tais exclusões contingen-
gumas categorias do discurso transfóbico, como a transfobia escolar, trans-
ciais sinalizam múltiplos enunciados morais em jogo na construção des-
fobia religiosa, e a naturalização dos gêneros. Tais categorias são exemplos
sas diferenças [...]. (BARBOSA, 2013, p.377)
de discursos encontrados direcionados aos transexuais e travestis de ma-
neira em geral.
Tal pensamento de exclusão está igualmente presente na fala do
A transfobia escolar alerta a falsos perigos em manter a presença
internauta 19: “Tem os cromossomos XX? Não? ENTÃO NÃO SÃO MU-
de alguma pessoa transexual ou travesti na escola, que desestabilizaria a
LHERES E NUNCA SERÃO”. Trata-se de falas que buscam contribuir
instituição; a transfobia religiosa busca garantir a sua discriminação com
em um processo naturalizador de gênero, a serviço dos diferentes jogos da
bases teológicas; já a naturalização de gênero permite a uma errônea rela-
transfobia.
ção entre gênero e sexo biológico, totalmente enraizados em uma ideologia
Os discursos apresentados são algumas das vastas categorias de
heteronormativa compulsória.
opressão que vivem as pessoas transexuais e travestis na luta pela efeti-
Tais categorias são encontradas de maneiras isoladas e/ou comple-
vação do direito à educação. Não são, portanto, discursos isolados ou des-
mentando-se. Os discursos são reproduzidos com a finalidade de expulsar e
conectados, mas que possuem intersecções em comum, e frequentemente
inferiorizar o público transexual e travesti, reduzindo inclusive o seu aces-
acompanham uns aos outros. so a direitos, como o direito à educação.
A transfobia escolar, a transfobia religiosa e a naturalização dos gê- A efetivação do direito à educação mostra-se como um desafio, em
neros ocorrem com alguma frequência de maneira articulada, ambos com especial para os grupos vulneráveis, como exemplo, a população trans,

148 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 149


ocorrendo dificuldades no acesso e permanência no ambiente escolar. A es- no Brasil: homofobia, transfobia e intolerância religiosa. Saúde em Debate,
cola como uma das importantes instituições de formação humana, junto às v. 98, p. 485-492, 2013.
instituições religiosas, Estado, família e demais espaços sociais devem ser FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz
repensados em suas bases ideológicas para a construção de uma sociedade e Terra, 1987.
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Para tanto se faz necessária a problematização dos ideais binaristas ‘Merecemos isso’. Disponível em: <http://g1.globo.com/am/amazonas/
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presença de travestis, de homens e mulheres transexuais desestabiliza a
-merecemos-isso.html>. Acesso em: 30 Set. 2016.
rígida divisão de gênero imposta pela sociedade.
HINE, Christine. Virtual Methods and the Sociology of Cyber-So-
Desse modo, reitera-se a necessidade urgente de uma crescente dis-
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Revista do programa de pós-graduação em ciências da UFRN, v. 2, p. 1-21.
2010.
Experiência de um curso semipresencial para os
professores do Atendimento Educacional
Especializado-AEE no Município de Goiânia
Andréa Hayasaki Vieira38

Introdução

Primeiramente, para melhor compreensão, faz se necessário uma de-


finição do Atendimento Educacional Especializado(AEE), segundo a Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008a)

É uma modalidade que complementa e/ou suplementa a formação dos


alunos com conhecimentos e recursos específicos, que eliminam as bar-
reiras que impedem ou limitam sua participação com autonomia e inde-
pendência nas turmas comuns do ensino regular, não sendo substitutiva
à educação escolar regular. De acordo com este documento, o professor
deve ter como base de sua formação, inicial e continuada, conhecimentos
gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área
(BRASIL, 2008a, p.10).

Com a implementação do Decreto nº 6.571 de 17 de setembro de


2008, sendo este revogado pelo Decreto nº 7.611, de 2011, os sistemas de
ensino são obrigados a matricular os alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, nas classes
38
Mestre em Educação Básica pelo PPGEEB/CEPAE/UFG. Coordenadora Pedagógica do Centro Municipal de
Apoio a Inclusão da Secretaria Municipal de Educação- Goiânia (CMAI/SME/Go).
E-mail: [email protected]

152 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 153


comuns do ensino regular e no (AEE), ofertado em salas de Recursos Mul- logia de Vygotsky (1995), os quais sustentam que a pessoa com deficiência
tifuncionais ou em Centro de Atendimento Educacional Especializado da não é menos capaz, mas, ao contrário, possui competências cognitivas que
rede pública ou de Instituições comunitárias confessionais ou filantrópicas possibilitam uma organização ampliada de sua forma de aprender; fato que
sem fins lucrativos. exige do educador a identificação e a compreensão de estratégias de ensino
O AEE caracteriza-se por atendimento pedagógico e não clínico, que se adiantem ao seu desenvolvimento.
assim, não é obrigatório o laudo médico. O importante é que o direito das Também contribuíram para esta organização os pensamentos de
pessoas com deficiência à educação não poderá ser cerceado pela exigência Nóvoa (1995), Demo (2000), Mantoan (2006) e Freitas (2007), que defen-
de laudo médico (BRASIL, nota técnica nº 4/ 2014, p.3). A equipe de pro- dem uma formação sempre autogeradora de mudanças; as discussões de
fessores podem realizar avaliação pedagógica seguida de relatório para que Pretto (2009) sobre o uso interativo e formativo das TICs; e documentos
o aluno possa participar do AEE. oficiais (BRASIL 2008a, 2010a, 2012 e 2015) que versam sobre políticas
A função do professor do AEE é ampla, exigindo vários conhecimen- públicas nacionais de educação especial na perspectiva da inclusão.
tos para executar o seu trabalho, sua formação é de extrema importância e Assim, destaca-se alguns aspectos da pesquisa, com o intuito de
deve visar ao aprimoramento de sua prática pedagógica na escola. E é no contribuir com a formação dos professores do Atendimento Educacional
cotidiano escolar que acontecem as dúvidas, os questionamentos e as novas Especializado-AEE da Rede Municipal de Goiânia bem como para os pro-
ideias surgem. Saná-las, modificá-las e discuti-las implica num processo con- fessores da educação básica.
tínuo de formação de professores que não ocorre, somente, nos momentos
dos cursos de aperfeiçoamento. Ocorre, também, na reflexão das ações do dia 1 -Material e Métodos
a dia, juntamente com as formas de atuação e evolução do aluno.
Assim, como inovação e experimentação na formação continuada, Primeiramente, o curso piloto foi cadastrado e, posteriormente, va-
foi escolhido um curso semipresencial (projeto piloto) em que os profes- lidado no Programa de Extensão e Cultura (PROEC), pelo Sistema de In-
sores de AEE pudessem ser agentes ativos deste processo, que os estudos formação de Extensão e Cultura (SIEC).
teóricos pudessem contribuir nas práticas pedagógicas realizadas no aten- Para falar sobre a organização do Curso Piloto realizado nesta pes-
dimento ao aluno, público alvo da educação especial. quisa, é necessário pontuar alguns aspectos teóricos que explicam o pro-
O objetivo geral deste trabalho foi identificar uma estrutura de cursos cesso de sua construção, e que visam suprir os aspectos metodológicos que
de formação continuada que colabore com a prática autogeradora de trans- não pareciam ser privilegiados nos cursos existentes anteriormente.
formação do professor em salas de recursos multifuncionais. Para tanto, o Em se tratando das TICs, Carvalho (2001), Gonzalez (2002), Costa
planejamento das atividades visou: (re)conhecer o problema vivenciado pelos (2008) defendem que podem promover mudanças metodológicas impor-
próprios professores em suas salas de recursos multifuncionais; desenvolver tantes na prática pedagógica dos professores. Mas, por outro lado, pode se
estudos teóricos relacionando-os com suas práticas pedagógicas; e (re)orga- tornar simplesmente mais um recurso pedagógico. Freitas (2007) analisa
nizar seus Planos de Atendimento Educacional Especializado - PAEE, lan- que, desde 2000, a forma adotada pelos sistemas de ensino é condizente
çando mão de recursos da Tecnologia de Informação e Comunicação (TICs). com as recomendações dos organismos internacionais que visam a atender
Cada etapa foi desenvolvida segundo os Fundamentos da Defecto- às necessidades de formação de professores atrelada à redução de custos.

154 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 155


O curso foi organizado em 3 unidades de estudo: 1- Linguagem, meio da plataforma Moodle, utilizando layout simples, dividido em 3 colu-
Pensamento e Defectologia; 2- Letramento e Educação Inclusiva e 3- For- nas, com letras básicas em cor azul, como mostra a imagem abaixo:
mação de Professores e Tecnologia na Escola. Estas unidades foram di- Imagem 1: Aparência estrutural do curso piloto
vididas por aulas, totalizando 12 encontros presenciais entre os meses de
abril a novembro de 2015, com carga horária de 100 horas. Foi dividido
entre atividades não presenciais (estudos, leituras, atividades com os alu-
nos, discussões no Ambiente Virtual de Aprendizagem(AVA) e atividades
presenciais (teoria, atividades práticas e acesso ao AVA para postagens das
atividades e discussões em rede). Nos encontros presenciais, as aulas foram
expositivas/dialogadas, utilizando-se slides, textos, filmes, vídeos, fotos e
outros recursos.
Os encontros presenciais aconteceram a cada 15 dias, aos sábados
das 8h às 11h, exceto nos meses de junho e outubro devido a feriados e
à agenda dos professores. Os locais dos encontros presenciais foram: Bi-
blioteca Central da Universidade Federal de Goiás (UFG), Laboratório de
Informática do CEPAE e em uma Sala de Recurso Multifuncional (SRM) Fonte: http://ead.cepae.ufg.br/course/view.php?id=413
de uma escola da Rede Municipal de Educação (RME), devido à greve dos
servidores da UFG. Os profissionais que participaram até o final do curso Para o acesso ao AVA, todos os professores foram cadastrados e in-
foram professores do AEE do município de Goiânia, no total de 7 profes- seridos na sala virtual e os acessos foram feitos por meio de login e senha
sores. no primeiro encontro presencial. Neste encontro, foi realizado um “passo a
O ambiente virtual de aprendizagem (AVA) é “alimentado” confor- passo”, mostrando cada “janela”, onde cada item solicitado estava, e como
me o planejamento dos conteúdos do programa do plano de ensino, sendo iriam realizar a atividade. Nesse primeiro encontro presencial, também foi
estes organizados por unidades e aulas, e também pelas necessidades dos entregue uma pasta contendo: uma caneta, o termo de compromisso, plano
professores, por exemplo: criação do Repositório como local de armaze- de ensino e o texto “A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da
namento de dados que reúnem os materiais digitais de forma organizada; educação da criança anormal” (2011) a todos os professores. Os demais en-
criação de e-mail cooperativo, com acesso por meio de senha compartilha- contros foram organizados de acordo com as necessidades dos professores,
da, para que todos pudessem visualizar as fotos pelo google drive, pois pelo realizando estudos teóricos e práticos.
AVA não foi possível compartilhá-las, por não comportar a sua dimensão e Utilizou-se questionário com dez perguntas envolvendo a teoria e
a de todos os outros materiais, como vídeos e imagens; e criação, também, prática, formação continuada e as expectativas. Todos os dados coletados
de um grupo no whatsApp denominado “Inclusão e Letramento” que pos- durante a pesquisa foram registrados na Ambiente Virtual de Aprendiza-
sibilitou a comunicação com todos de forma rápida. gem(AVA) por meio das atividades realizadas e foram analisados atendendo
O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) foi construído por os objetivos propostos.

156 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 157


2 -Resultados e Discussão A construção e aplicação de recursos pedagógicos foram realizadas
nos locais de trabalho dos professores, juntamente com os alunos, consi-
Ao longo do curso, as mudanças, as transformações, os processos derando a problematização vivenciada no ambiente escolar e os aspectos
foram construídos de acordo com o meio social, em movimentos dinâmicos, teóricos. Segundo Vygotsky (2003), o professor exerce um papel funda-
sucessivos, ininterruptos e dotados de significados. E foi nesse movimento mental ao pensar em recursos e estratégias pedagógicas que favoreçam o
dialético que a pesquisa se concretizou. Nessa perspectiva, toda proposta desenvolvimento do aluno, pois é ele que orienta e direciona as atividades
inicial de atividade priorizou a problematização, pois o trabalho visou à de acordo com os objetivos que ele estabelece nas aulas; por isto, deve res-
busca de soluções para dificuldades reais, concretas, vividas nas salas de re- peitar a necessidade e o ritmo que os estudantes demonstraram: “processo
cursos multifuncionais. A execução das atividades passou por caminhos di- educativo, portanto, é trilateralmente ativo: o aluno, o professor e o meio
versificados, muitas vezes tortuosos e cheios de obstáculos, o que, segundo existente entre eles são ativos” (VYGOTSKY, 2003, p.79).
Vygotsky (2011), não se constitui um empecilho, mas uma oportunidade, A troca de experiência entre os professores no momento da aula foi
já que é nos obstáculos, nas dificuldades que o desenvolvimento ocorre; ou um fator importante, pois suscitou perguntas, promoveu a coparticipação
seja, é justamente nestes caminhos indiretos que devemos nos apegar para nas atividades, viabilizou sugestões de outras formas de aplicação dos re-
avançarmos no desenvolvimento. cursos pedagógicos.
Os problemas mencionados na prática pedagógica repercutiram
em outras atividades em um processo dialético, marcados por dinamismo Prof. 4: Esse curso tem proporcionado a troca de experiência entre nós,
e mudanças constantes do fazer pedagógico, por meio de articulações de professores, que vivenciamos no dia a dia momentos parecidos.
informações que integram os processos mentais.
Ao buscar a solução para um problema, imediatamente estabelece-
Ao final, concordaram que as leituras, as discussões, as trocas con-
mos conexão com a formação de conceitos, o que, para Vygotsky(2008),
tribuíram para a compreensão do porquê e do como modificar o atendimen-
se trata de uma “condição externa” que impulsiona “condições internas”.
to realizado no AEE, demonstrando, assim, a internalização dos conheci-
Para ele, a formação dos conceitos “começa na fase mais precoce da infân-
mentos.
cia, mas as funções intelectuais que, numa combinação específica formam
a base psicológica do processo da formação de conceitos, amadurecem, se
Prof. 2: Por meio da observação do experimento, concluí que o dificulta-
configuram e se desenvolvem somente na puberdade” (Vygotsky, 2008,
dor pode alavancar o desenvolvimento nas aprendizagens.
p.72) e perduram durante toda a vida das pessoas, em diferentes formas.
Em relação à experimentação, foram sugeridas algumas atividades, De fato, a internalização dos estudos teóricos realizados durante o
como: construção e aplicação de recursos pedagógicos com os alunos e so- curso foi imprescindível para que os professores pudessem refletir sobre
cialização com os demais professores; execução da atividade usando a TICs sua prática pedagógica e, assim, buscar novas estratégias e novos caminhos
com os professores e estes com os alunos e confecção de mural de fotos com para que os objetivos traçados pudessem ser cumpridos. Em uma perspec-
alunos. tiva dialética, esta é a desejada transformação.

158 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 159


Prof. 4: Através da leitura da teoria de Vygotsky, pude absorver e rever, professores. De fato, nesse processo dialético, ocorreu uma mudança signi-
principalmente, que os conflitos existem, sim, e fazem parte da aprendi- ficativa não apenas na prática desses professores de AEE, mas também, na
zagem, que devo ser mediadora e não a solucionadora de todos os pro- formação da pesquisadora.
blemas. Foram momentos ricos de aprendizado, em que todos colaboraram
e participaram, demonstrando que o desenvolvimento cognitivo é um pro-
Utilizando os recursos tecnológicos, os professores puderam obser- cesso longo e contínuo de aquisição de saberes, de internalização de conhe-
var que: cimentos e de autotransformação.
Durante este curso, alguns problemas ocorreram como: dificuldade
Prof. 1: As alunas se divertiram muito com as fotografias, tiraram vá- no acesso à plataforma, por não estar disponível nos dias dos encontros;
rias fotos, organizaram as poses e demonstraram entusiasmo; principal- indisponibilidade do espaço reservado aos encontros presenciais devido à
mente quando viram as fotos impressas, elas se lembraram de algumas greve; dificuldade na utilização da plataforma por parte dos professores;
e quem as havia tirado. Na hora de montar o álbum ficaram bastante discussões restritas nos fóruns; falta de retorno de algumas atividades pe-
animadas. los professores; necessidade de alterações imprevistas na condução das ati-
vidades. Porém, os problemas foram resolvidos totalmente ou parcialmen-
te, concluindo que é realmente nas dificuldades, nas rupturas, nos caminhos
Prof. 6: Foi um trabalho proveitoso com este aluno, a partir dele já rea-
indiretos que ocorre a aprendizagem.
lizei outras tarefas utilizando mais recursos tecnológicos
Assim, é importante destacar que as atividades sugeridas não têm
um padrão rígido a ser seguido, pois devem ser repensadas a partir das
Os resultados obtidos demonstraram que os recursos tecnológicos,
necessidades dos professores e realizadas conforme a percepção desta rea-
atrelados à compreensão teórica de seu uso significativo para a aprendiza-
lidade, com total autonomia de execução. Desta forma, precisa-se de maior
gem, podem contribuir para o desenvolvimento do aluno em vários aspec-
integração entre os professores, as unidades educacionais, as instituições
tos. Como disse a professora 3: A união de tecnologia e produção artesanal
especializadas, os profissionais da área da saúde, para que, juntos possam
mostrou ao educando o universo de possibilidades com o qual podemos
fazer a diferença na vida dos alunos.
trabalhar e aprender de maneira prazerosa.
É importante também que os professores desejem conhecer as po-
Referências
tencialidades pedagógicas das TICs, buscando dominar suas especificidades
técnicas para estabelecer uma relação crítica e avaliativa com as mesmas.
BRASIL. SEESP/MEC. MEC. Política Nacional de Educação Es-
pecial na Perspectiva da Educação Inclusiva, Brasília, 2008a
Conclusão
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162 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 163


O poder do discurso entre as ciências:
educação e saúde, um diálogo necessário
Nelma Alves Marques Pintor39

Introdução

É, no mínimo, instigante pensar a respeito de que causas, condições


ou fatores foram favoráveis à promoção da subserviência da educação ao
discurso médico sobre a aprendizagem dos alunos na escola nas primeiras
décadas do século XX. Será que essa submissão se justificava pelo fato de
considerá-lo um discurso científico? Se fora assim, procede a afirmação de
Foucault (2003) em seu texto “Da Arqueologia à Dinastia” ao afirmar que
não se pode sacralizar um tipo de discurso pelo fato de se dizer que ele é
científico, como foi feito com o discurso médico no Brasil, mesmo porque
é evidente que o discurso educativo comporta tanto saber como o discurso
médico e, decerto, de outros discursos de outros campos de conhecimento.
Então, por que os saberes da educação perderam o poder para solucionar os
problemas de aprendizagem nas escolas?
Este artigo objetiva estabelecer uma reflexão acerca da influência dos
discursos das ciências sobre a educação com ênfase no campo das ciências da
saúde, sobretudo a medicina e a psicologia, a partir das primeiras décadas do
século XX e se estendendo à primeira década do século XXI. Para tal, fará uma
breve incursão no período da medicina higienista e em algumas abordagens
dos estudos psicológicos de teóricos como Alfred Binet, Jean Piaget, Wallon e
39
Doutora em Saúde da Criança e da Mulher (IFF/FIOCRUZ), Mestre em Educação (UFF), Psicóloga (UNI-
CAP-PE) e Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Estácio Estácio de Sá - Niterói/RJ.
Endereço: Universidade Estácio de Sá. Rua da Conceição, 131. Centro. Niterói. CEP: 24020-085
E-mail: [email protected]
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3929705037181995
Telefone: 55+15-21-99156-0729

INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 165


Vygotsky pelo poder que exerceram, e ainda exercem, sobre a educação. Discu- Nesse sentido, não podemos deixar de destacar o alto nível de influência
te como o discurso do professor foi silenciado diante do domínio do discurso da que instituições financeiras, guardiãs do sistema capitalista internacio-
área médica e de outras ciências como a psicologia que se fizeram presentes na nal, como o Banco Mundial, exercem sobre as diretrizes e os planos
escola. Entretanto, as evidências indicadas em pesquisas comprovaram que ele educacionais e, particularmente, sobre aqueles referentes à formação de
não ocorreu apenas por opressão; mas também e fundamentalmente pela fragi- professores.
lidade de conhecimento teórico-prática dos agentes educativos. Ao final consi-
dera fundamental a articulação das políticas públicas de saúde e educação como Em se tratando das armadilhas encontradas nos discursos dos tex-
condição imprescindível nesse novo milênio a partir da efetiva implementação tos legais e das diretrizes pedagógicas resultantes das reformas educacio-
da intersetorialidade operacionalizada pela via do diálogo interdisciplinar en- nais, esses autores concordam que a despeito das promessas de toda ordem
tre os profissionais dos diversos campos de conhecimento. para os professores e do estilo sedutor dos documentos, “fica patenteada
nas entrelinhas e entre as palavras a condição de tarefeiros ou meros exe-
1 - O silenciamento da Educação cutores do trabalho pedagógico que lhes é destinada” (idem, p. 30).
Não é possível afirmar, entretanto, que a submissão teórica dos pro-
Com o estabelecimento da sociedade capitalista surge um novo tipo fessores e profissionais de educação a outros campos científicos ocorreu
de poder social, segundo Foucault (2003), que, por sua vez, passou a exigir apenas por opressão; mas também e fundamentalmente pela sua fragilidade
um novo modelo de educação. A hipótese é de que ela se sentiu pressionada teórico-prática que os impedia de uma maior ponderação e reflexividade
por uma nova ordem social a formar o homem para o mercado de trabalho, acerca da procedência e exequibilidade de aplicação das determinações das
atendendo a uma exigência do sistema de produção capitalista. Mesmo que outras ciências ao campo da educação brasileira. Tal fragilidade alimenta o
o interesse da massa dos estudantes se dirigisse para a aquisição de saberes substrato que sustenta e perpetua a heteronomia nas práxis dos profissio-
para outro tipo de formação que atendesse aos anseios individuais, havia nais de ensino. Não é raro que as pesquisas empíricas com professores no
um sistema de poder ideológico instaurado sutilmente em toda rede social cotidiano das escolas atualmente apontem para uma prática desarticulada
que obscurecia e invalidava o saber dos profissionais de educação atingindo, de uma abordagem teórica que a justifique. Dessa forma, muitas vezes é
por consequência, o saber dos estudantes. As muitas reformas nesse cam- possível comprovar a fragilidade da formação profissional quando os pro-
po durante o século XX no Brasil não garantiram a voz dos professores, fessores impõem o aluno como único responsável por sua dificuldade em
que permaneceram como operadores do ensino e, portanto, sem identidade aprender e por seu fracasso escolar.
profissional. O discurso do professor foi silenciado diante do domínio do A crise do processo formativo profundamente discutida nos estudos
discurso da área médica e de outras ciências que se fizeram presentes na de Adorno (2006) é característica da heteronomia profissional obstando a
escola estabelecendo princípios teóricos e normas de procedimento para o emancipação no campo da educação. Conclui-se que em face da heterono-
ensino e a aprendizagem dos alunos. É possível mensurar o silenciamento mia os profissionais de ensino tornaram-se dependentes do discurso médi-
dos professores, às vezes intencional, e outras vezes por força de mecanis- co – psicológico, fenômeno ainda observado no cotidiano da escola no Bra-
mos ideológicos instituídos pelo poder capitalista. Quanto a isso Linhares sil. Diante da frágil formação que lhe é dispensada e não se considerando
e Silva (2003, p. 19) afirmam que: um especialista em técnicas pedagógicas e procedimentos de pesquisa cien-

166 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 167


tífica, o professor se limita a ser um mero transmissor de conhecimentos e Entretanto, não cabe à Psicologia a responsabilidade exclusiva por
reprodutor de uma prática pedagógica arcaica e secular. essa intromissão; ela encontrou no campo educativo o terreno fértil para
plantar suas ideias na medida em que foi constantemente procurada pela
2 - O Discurso das Ciências no Campo da Educação: re- educação para explicar problemas relativos ao fenômeno educativo, segun-
lações da medicina e da psicologia com a aprendizagem do a autora.
escolar Isto posto, importa relembrar alguns acontecimentos históricos re-
lativos a esses dois campos de conhecimento, a fim de iluminar as condições
em que ocorreram as influências no âmbito da educação.
Como um dos fenômenos históricos mais contundentes do
Os estudos de Foucault (1977, 2001) são ímpares em desvendar como
processo de educação, as dificuldades de aprendizagem escolar têm
se constituíram os saberes médicos fundamentados gradativamente em um
sido o viés pelo qual diferentes ciências buscam a escola como cam-
discurso sobre os acometimentos de doenças que interferiam na saúde do
po de pesquisas e a aprendizagem como objeto de estudo. Nesse senti-
homem, desde os pontos de vista físico e orgânico, visíveis e palpáveis até
do, dois campos científicos se destacam instaurando teorias e práticas atingir o funcionamento mental, cujas causas invisíveis culminaram com
a serem adotadas pelos pedagogos nas escolas: a medicina e a psicologia. os estudos da medicina mental pela via do interesse pelo entendimento e
No âmbito da medicina, o médico é instituído com seus sabe- explicação da loucura. Fenômenos individuais, sociais e políticos ocuparam
res e poder para determinar o destino das escolas e dos escolares, re- o espaço de atenção da medicina que foi sendo instituída do poder de cura e
afirmando desta forma, segundo Stephanou (2006) a precariedade cuja verdade foi aceita de forma incondicional. A medicalização evoluiu do
da pedagogia para cuidar e educar crianças e jovens na escola. O po- foco no corpo individual se expandindo para o corpo social, com o surgi-
der do discurso médico dirigido para o campo da educação estrutu- mento da medicina social. À medicina coube o poder de erradicar a doença.
rou o processo de medicalização do ensino que se expandiu até a con- O final do século XIX e início do século XX foram considerados o
temporaneidade mobilizando grandes polêmicas e pesquisas na área. período de apogeu do Higienismo com a ciência médica tornando-se hege-
No que tange ao impacto do conhecimento psicológico sobre a edu- mônica em todo o mundo. O poder médico instituído pela sociedade e pelo
cação, ele se configurou pela ampliação do processo de patologização da Estado teve penetração em todos os espaços e setores sociais e, entre eles
aprendizagem com os educadores, buscando a psicologia para responder atingiu a educação e as condições de escolaridade dos alunos. A sociedade
foi (e permanece) medicalizada pela ação da ciência médica.
aos problemas de comportamento e de dificuldades de aprendizagem dos
Emerge desse período histórico a evidência de que o discurso mé-
alunos nas escolas. Nesta linha de pensamento, Lima (1990, p. 3) afirma:
dico se consolidou e esteve implicado com a educação e com a vida das
pessoas de forma determinante em diferentes épocas resultando em repre-
Esta relação da Psicologia com a Pedagogia nunca foi uma relação har-
sentações sociais de verdades absolutas tanto no campo da saúde como no
mônica e caracterizou-se, na maioria das vezes, por ser uma relação as-
simétrica, na qual a Psicologia tanto assumiu quanto foi considerada
campo da educação.
portadora de uma autoridade que ultrapassou, evidentemente, os limites Nas primeiras décadas do século XX, os médicos sistematizaram e
de sua competência. articularam saberes a serem acatados pelas famílias e pelas escolas, inter-
ferindo, assim, nas práticas de educação dos filhos e no processo de ensino
168 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 169
e na aprendizagem nas escolas. Ao poder médico e à sacralização de seu capazes de aprender, mesmo os que possuem algum tipo de deficiência (VY-
discurso era conferida a autoridade de expor críticas aos processos esco- GOTSKY, 1995). A capacidade de aprender só cessa com a morte do indi-
lares, aos programas de ensino considerados ultrapassados e ineficazes e víduo; todos carregam uma bagagem de potencialidade inata que será esti-
que exacerbavam na prática da memorização. Além disso, somavam-se as mulada satisfatoriamente ou não pelas condições sociculturais do ambiente
críticas quanto às condições de insalubridade dos prédios escolares e as individual e coletivo de cada um. Portanto, é inconcebível um diagnóstico
deficiências na formação dos professores (STEPHANOU; BASTOS, 2012). médico ou de qualquer outra especialidade que afirme a impossibilidade de
A influência do discurso médico sobre a educação determinou for- aprendizagem do aluno na escola. É lógico que para toda regra há exce-
mas de agir, pensar, sentir, e também o comportamento das crianças e dos ções; esta se aplica para os casos das pessoas em estado de vida vegetativa.
professores e prescreveu um modelo de educação à época. Desse modelo, Em relação à instituição de ensino e aos profissionais, o que se ob-
algumas condutas, comportamentos e procedimentos reminiscentes são serva é uma profunda desarticulação entre a prática da educação e os an-
observados nas práticas cotidianas nas escolas atualmente. seios do alunado. Uma prática da educação arcáica, reproduzindo modelos
Esse discurso hegemônico encontrou a escola brasileira nas primei- tradicionais e obsoletos comparativamente com a evolução tecnológica e de
ras décadas do século XX enfrentando sérios problemas relativos à evasão conhecimentos que hoje invadem o espaço escolar. O que impressiona é o
fato do grande número de pesquisas desenvolvidas nacional e internacio-
e ao fracasso da aprendizagem. As pesquisas mostram que era frequente
nalmente mostrando a ineficácia e improdutividade desse modelo de ensino
a busca por soluções médicas para o fracasso dos alunos, na tentativa de
fechado e apegado a princípios e normas ultrapassados, não são incorpora-
encontrar causas orgânicas que o justificasse, atribuindo ao aluno exclu-
dos pela educação para conferir mudança na prática pedagógica da escola.
sivamente a responsabilidade por sua não aprendizagem. Essa atitude deu
Mas, por outro lado, como desenvolver uma prática pedagógica inovadora,
margem ao surgimento da chamada “medicalização do fracasso escolar”
diante de uma frágil formação acadêmica dos professores e profissionais de
(COLLARES; MOYSÉS, 1996; WERNER, 2005).
ensino?
Por outro lado, enquanto os médicos continuam desenvolvendo po-
No âmbito das políticas públicas de educação e com o foco no tema
líticas de higienização pela via da prevenção, como por exemplo os progra-
deste estudo que aborda o diálogo entre os profissionais da educação e da
mas de vacinação em massa visando erradicar doenças e obter indivíduos
saúde, é visível a morosidade e até mesmo a inobservância na execução dos
sadios, capazes de um desenvolvimento saudável e de aprendizagem, ainda princípios contidos em políticas públicas emanadas dos poderes centrais
se observam altos índices de fracasso e de evasão escolar, além da exclusão nos campos institucionais a que se destinam. Usando como ilustração a
dos alunos com deficiência e dos julgados incapazes de aprender na escola. atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Atribuir ao estudante a incapacidade ou a dificuldade de aprender evidencia Inclusiva, regulamentada pelo MEC em 2008, ela apresenta entre os seus
a desresponsabilização da escola e uma postura de avaliação do problema objetivos a garantia de articulação intersetorial na implementação de polí-
de forma enviesada, na medida em que a aprendizagem se constitui em um ticas públicas e explicita:
processo que exige a interação de fatores diversos relacionados não apenas
ao estudante, mas à instituição de ensino e aos seus profissionais e, eviden- Para assegurar a intersetorialidade na implementação das políticas pú-
temente, às políticas públicas de educação do país. blicas a formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema
Em relação ao estudante há a defesa incontestável de que todos são educacional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em

170 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 171


parceria com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, aos minhamento, fechando um diagnóstico muito mais baseado na queixa do
atendimentos de saúde, à promoção de ações de assistência social, traba- professor, do que na busca de uma avaliação holística e em uma investiga-
lho e justiça (BRASIL, 2010). ção das condições biológicas, sociais e psicológicas do paciente. É comum
o profissional médico especificamente, sintonizar na doença e/ ou na de-
Entretanto, o que se percebe é uma total desarticulação entre os ficiência deixando de ver a criança, a pessoa que tem a doença, a deficiên-
diversos campos científicos revelada tanto em nível de Órgãos ministe- cia. (VYGOTSKY, 1995). Dessa forma, não raro são emitidos diagnósticos
riais, como por meio da prática e do ensino isolados dos professores das que tendem a interferir da dinâmica pedagógica e na soberania da escola
disciplinas curriculares no cotidiano das escolas. O diálogo está ausente na quanto à determinação dos procedimentos educacionais adequados para o
maioria dos espaços profissionais. A parceria entre os campos da saúde e aluno. Quando há fragilidade na formação do profissional da educação, a
da educação na implementação das políticas públicas, por sua vez, esbarra autoridade médica se impõe como norma, sem questionamentos e diálogo
em dificuldades estruturais e atitudinais de ambos os campos de conhe- entre as partes.
cimento. Em termos de estrutura de atendimento, há uma colocação por No campo da psicologia no Brasil foi notória a influência sobre a
parte dos profissionais da saúde que apontam a dinâmica do atendimento educação das práticas oriundas da Psicometria, período que emergiu a par-
como um fator complexificador para o estabelecimento de ações articuladas tir da criação do primeiro teste de inteligência pelo psicólogo Alfred Binet,
na França, em 1905. Deve-se ressaltar, no entanto, que a psicologia esco-
e conjuntas com os profissionais da educação, no trato das condições de
lar possui um arcabouço teórico e instrumental originário da medicina, o
aprendizagem dos alunos, a dinâmica do atendimento. Ou seja, enquanto
que lhe confere uma identidade baseada no modelo médico, segundo Pato
os professores convivem durante um ano letivo com um único grupo de
(1990).
alunos, o médico, por exemplo, chega a atender de 30 a 40 pacientes por dia
No início do século XX, a atuação quase exclusiva dos psicólogos no
em seu consultório ou no ambulatório do hospital (PINTOR, 2013). Essa
campo da educação estava direcionada para a aplicação de testes que tinham
dinâmica acarreta, muitas vezes, uma visão médica do aluno desencontrada
como principais objetivos: a) a classificação das crianças, com relação à sua
da visão do professor que acompanha diariamente o mesmo aluno em seu
capacidade para aproveitar os diferentes tipos de instrução escolar; b) a iden-
processo de aprendizagem.
tificação, de um lado, dos intelectualmente retardados e, de outro lado, dos
As atitudes dos profissionais dirigidas para o aluno com deficiência
bem dotados; c) o diagnóstico dos fracassos acadêmicos; d) o aconselhamen-
ou o que apresenta dificuldades escolares estão forjadas pelos estudos e co- to educacional e vocacional de estudantes de ginásios e universidades; e) a
nhecimento que possuem (ou não) acerca das condições e fatores que inter- seleção de candidatos para escolas profissionais e outras escolas especiais
ferem na aprendizagem humana. Assim, mais uma vez, a precária formação (ANASTASI, 1975).
do profissional de educação, mesmo de profissionais do campo “psi”, tende Enquanto modelo de avaliação de estudantes, os testes, que ainda es-
a atribuir ao aluno ou à sua família a responsabilidade por seu não apren- tão presentes em muitas instituições, embora com outros objetivos, têm sido
der, assumindo uma atitude de desresponsabilização e, consequentemente, alvo de muitas críticas por seus aspectos preditivos como prescritivos. Pri-
patologizando a condição do aluno. meiramente porque os testes padrões se baseiam no pressuposto de um aluno
Quanto ao profissional de saúde, em tese, ao tomar conhecimento tipo da cultura majoritária. Alunos de nível sociocultural desfavorecido po-
das queixas oriundas da escola tende a creditar o procedimento do enca-
dem não apresentar o mesmo desempenho no teste e receber uma classifica-
172 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 173
ção inadequada. Em segundo lugar, os testes apontam a fraqueza da própria autoestima dos professores, por meio de estudos e de pesquisa que os ca-
criança cujo diagnóstico serve para fixar o seu destino acadêmico na medida pacitem a intervir criticamente diante dos problemas de aprendizagem dos
em que estabelece um rótulo de sucesso ou de fracasso, de competente ou de alunos na escola.
incompetente, influenciando, muitas vezes, a probabilidade de o aluno vir a Considerações Finais
ser encaminhado para a escola especial, segregado do ensino comum. Final-
mente, o diagnóstico do teste não é capaz de construir métodos e programas A supremacia e a hegemonia desse discurso, muitas vezes autoritá-
educacionais que conduzam a superação das fraquezas dos alunos. rio, sobre a educação têm afastado e coibido uma interlocução mais estreita
Com base no pensamento de Wallon (1975), o método dos testes se entre os profissionais da educação e da saúde, a despeito da necessidade
constituiu exclusivamente em um meio de análise, de investigação e de me- desse diálogo.
dida; mas não ofereceu possibilidades de investigação do desenvolvimento e A perspectiva indica que o avanço das políticas públicas de saúde e
do processo de aprendizagem ou caminhos para que a partir dos resultados educação só será possível nesse novo milênio a partir da efetiva implemen-
dos testes fossem construídos novos programas educacionais e estratégias tação da intersetorialidade operacionalizada pela via do diálogo interdis-
de aprendizagem. ciplinar entre os profissionais dos diversos campos de conhecimento, com
Mesmo com o arrefecimento da onda de aplicação de testes nas es- foco para o tema em debate sobre os profissionais da educação e da saúde.
colas na segunda metade do século XX, os professores continuam a soli- Estudos como o de Collares e Moysés (1996), Belisário Filho (1999), Wer-
citar aos psicólogos formas de proceder com o fracasso escolar e também ner (2005), Glat, Fernandes e Fontes (2006), Pintor (2012) entre outros,
com os comportamentos inadequados e disruptivos em sala de aula. confirmam os ganhos que podem emergir do diálogo entre os profissio-
Além da influência dos testes no cotidiano das práticas pedagógicas, nais da educação e da saúde e, sobretudo, para os usuários desses serviços.
estudos como os de Piaget, de Wallon e de Vygotsky são utilizados pelos Nessa linha de discussão, tanto a educação pode se beneficiar com os co-
educadores muitas vezes de forma reducionista e superficial sem o devido nhecimentos das disciplinas da área médica, como a saúde pode enriquecer
aprofundamento teórico. Essas teorias do campo da psicologia foram ampla- sua prática ao conhecer as estratégias pedagógicas utilizadas pela educação
mente difundidas no Brasil e continuam com grande penetração nos circuitos para impulsionar o desenvolvimento infantil. Otimizar esse diálogo, mes-
acadêmicos escolares e universitários. Em contrapartida, é notória a desarti- mo reconhecendo o equilíbrio delicado existente no seu processamento,
culação entre o conhecimento teórico e a aplicação prática dessas abordagens permanece se constituindo em um grande desafio para a promoção da saú-
teóricas no cotidiano da escola denunciando a frágil formação do professor, de do aluno na escola e da população em geral, além de se impor como uma
contribuindo como um dos principais fatores inerentes ao fracasso escolar. exigência profissional e humana.
Os saberes do campo médico e do campo psicológico mobilizados Nessa linha de pensamento a respeito do diálogo, Paulo Freire
para buscar solucionar os problemas “da” e “na” escola permanecem institu- (1987, p. 79) afirma:
ídos no imaginário social com poder hegemônico capaz de ditar os saberes
e fazeres dos agentes educacionais. Tornam-se imprescindíveis profundos E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus
empreendimentos no campo das reformas sociais e educacionais que visem sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não
não apenas resgatar a voz, mas, principalmente, consolidar a identidade e pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem

174 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 175


tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos Faculdade de Educação: Faculdade de Ciências Médicas, 1996.
permutantes. FOUCAULT, M. Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2003.
Urge reconhecer que os saberes são diversos e complementares; por- _____ . História de la medicalización. Educación médica y salud, v.
tanto, a verdade não é privilégio nem está restrita a um único campo de 11, n. 1, p. 3-25, 1977.
conhecimento. Este não pode ser “doado” como uma dádiva; ele é em si in- _____ . O Nascimento da Clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense
completo, mas passível de ser complementado incessantemente pela busca de Universitária, 2001.
outros saberes. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e
A prática da dialogicidade, da interlocução é essencial entre os pro- Terra, 1987.
fissionais da educação e da saúde, pois o que se deseja é encontrar um con- GLAT, R.; FERNANDES, E. M.; PONTES, M. L. Educação e Saú-
senso entre os diversos campos de conhecimento que venha em direção ao de no atendimento integral e promoção da qualidade de vida de pessoas
respeito às diferentes posturas teóricas evitando-se a supremacia de umas com deficiência. Revista Linhas, v. 7, n. 2, jul./dez. 2006.
sobre as outras. Impedir o silenciamento forçado ou opcional de determi- LIMA, E. C. A. S. O Conhecimento Psicológico e suas relações com
nados profissionais diante da suposta autoridade de discursos específicos. a Educação. Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 48 out. /dez. 1990. p. 3 – 24.
Deseja-se dar a voz e ouvir os profissionais da educação e da saúde sobre LINHARES, C.; SILVA, W. C. Formação de Professores: travessia
o que eles têm a dizer acerca do aluno e de sua aprendizagem, mas, sobre- crítica de um labirinto legal. Brasília: Plano Editora, 2003.
tudo, ouvir o próprio aluno, para desvendar a educação a que tem direitos, MAIA, H. Saúde e Educação Juntas na Aprendizagem ou Por que o
enquanto cidadão. Professor deve Conhecer o Cérebro? In: MAIA, H. (Org.) Neuroeducação:
a relação entre Saúde e Educação. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.
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SP: Papirus, 1999.
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Terra, 2006. missão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
ANASTASI, A. Testes Psicológicos: teoria e aplicação. São Paulo: E. PINTOR, N.A.M. Espaço Integrado de Desenvolvimento e Esti-
P. U.: Editora da Universidade de São Paulo, 1975. mulação (EIDE): inclusão escolar na Rede Municipal de Educação de Ni-
BELISÁRIO FILHO, J. E. Inclusão: uma revolução na saúde. Rio de terói. Niterói, RJ: Intertexto, 2013.
Janeiro: WVA, 1999. _____ . Educação e Saúde: um diálogo necessário às políticas de
BRASIL. Marcos Políticos Legais da Educação Especial na Pers- atenção integral para pessoas com deficiência. Rev. Educ. Espec., Santa
pectiva da Educação Inclusiva. Brasília: Secretaria de Educação Especial, Maria, v. 25, n. 43, p. 203 – 216, maio/ago. 2012.
2010. STEPHANOU, M. Discursos Médicos, Educação e Ciência: escola e
COLLARES, C. A. L.; MOYSÉS, M. A. Preconceito no Cotidiano escolares sob exame. Trabalho, Educação e Saúde, v. 4 n. 1, p. 33 – 64. 2006.
Escolar: ensino e medicalização. São Paulo: Cortez: Campinas: UNICAP: STEPHANOU, M; BASTOS, MHC (Organizadoras) Histórias e

176 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 177


Memórias da Educação no Brasil. V.3. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
WALLON, H. Psicologia e Educação na Infância. Lisboa: Editorial
Estampa, 1975.
WERNER, J. Saúde & Educação: desenvolvimento e Aprendizagem
do aluno. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005.
Metodologias ativas para a inclusão de alunos
VYGOTSKY, L. S. Fundamentos de Defectologia. Obras Comple- com deficiência auditiva: novas possibilidades no
tas. Tomo Cinco. Ciudad de Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1995. processo de ensino-aprendizagem em biologia
Maurício dos Santos Araújo40
Aracelli de Sousa Leite41
Sebastiana Ceci Sousa42

Introdução

O processo de inclusão de pessoas com deficiência vem sendo discu-


tido, atualmente, no contexto social e educacional. A deficiência pode ser
caracterizada como a ausência ou a disfunção de uma estrutura anatômica,
fisiologia ou psíquica. Por isso, são observados cinco tipos, tais como: o
Transtorno do Espectro Autista (TEA), auditiva, física, mental e visual
(BRASIL, 2004). Sendo que a deficiência auditiva vem crescendo bastante,
pois, no último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE), são cerca de 1.799.885 pessoas no Brasil que apresentam
grande dificuldade no que diz respeito a essa deficiência (IBGE, 2010).
De acordo com a Constituição Federal de 1988, a educação é um
direito de todos os brasileiros, deve ser promovida e incentivada por todos
40
Graduado em Ciências Biológicas Pelos Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí - IFPI.
Mestrando em Genética e Melhoramento pela Universidade Federal do Piauí - UFPI. Está trabalhando atual-
mente na área de Genética Quantitativa com melhoramento de espécies vegetais e em Genética Toxicológica
com avaliações tóxicas, citotóxicas, genotóxicas e mutagênicas de chás extraídos de plantas medicinais.
41
Possui graduação em Licenciatura Plena em Biologia pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Piauí
(2005), mestrado em Genética e Toxicologia Aplicada pela Universidade Luterana do Brasil (2009) e doutorado
em Biotecnologia pela Rede de Biotecnologia do Nordeste (2015). Atualmente é professora do Instituto Federal
do Piauí. Tem experiência na área de Genética, com ênfase em Genética Toxicológica, e biotecnologia atuando
principalmente nos seguintes temas: toxicidade, citotoxicidade, genotoxicidade e antioxidante.
42
Doutora em Artes e Humanidades pela Universidade Nacional do Rosário – Argentina, atualmente é pro-
fessora efetiva do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – IFPI. Desenvolve trabalhos
interdisciplinares na Educação Básica, com escopo no ensino de Matemática.

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em colaboração com a sociedade e, ainda, seu preparo deve promover a ple- Segundo o Decreto Federal nº. 5.296 de 02 de dezembro de 2004,
na qualificação para o mundo do trabalho e uma prática cidadã (BRASIL, consideram 05 (cinco) tipos de deficiências: TEA, auditiva, física, mental e
1998). Tendo como ponto de partida essas concepções, as pessoas estão visual. A literatura enfatiza que desde a antiguidade, as pessoas que possuí-
exercendo esse direito educativo, mas, muitas vezes, a comunidade escolar am algum tipo de deficiência eram marginalizadas pela sociedade (BRASIL,
não está preparada para atender o aluno, principalmente aquele com defi- 2004). Com o passar dos anos, essas concepções foram se modificando, porém
ciência. O despreparo, às vezes, do professor em sua formação inicial pode identifica-se, ainda, a discriminação nas atitudes de muitas pessoas. Por isso,
contribuir para a realização de uma prática simplista (SHAW; ROCHA, através de estudos e debates sobre a temática, foi publicado um documen-
2017). to que retratava esse assunto, o qual foi discutido na Convenção Interna-
Nesse sentido, as atividades que visem à articulação entre teoria e cional Contra a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
prática e possibilitem a aprendizagem do aluno é de fundamental impor- Considera-se a discriminação como qualquer forma de exclusão, restrição ou
tância para a construção de uma escola inclusiva. A inserção do aluno com preferência por conta de qualquer fator inerente ao indivíduo, pois todas as
deficiência na rede regular de ensino é primordial, porém a escola deve se atividades sociais devem ser pautadas em princípios de igualdade, liberdade
e fraternidade de acordo com a constituição (NAZARI; MACHADO, 2014).
certificar se está havendo o processo de inclusão. Nessa perspectiva, esse
Na década de 1990, as pessoas com deficiência foram inseridas no
aluno deve ser ouvido para que juntos: escola, família e aluno possam bus-
ambiente educacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº.
car estratégias para melhorar a aprendizagem em sala de aula. Tendo como
9.394 de 20 de dezembro de 1996, instituiu a Educação Especial como uma
base o atual contexto em que a deficiência auditiva se encontra no Brasil, o
modalidade de ensino, que deve ser realizada preferencialmente na rede
presente estudo teve como objetivo analisar as contribuições de uma oficina
regular com o objetivo de integrar e incluir as pessoas com deficiência no
pedagógica utilizando metodologias ativas voltadas à deficiência auditiva,
mesmo ambiente onde os alunos ditos “normais” estão inclusos (BRASIL,
realizada com estudantes do curso Técnico em Informática do Instituto
2015b). Um marco de grande relevância no estudo dos processos sobre a
Federal do Piauí-IFPI/ Campus Floriano.
inclusão de pessoas com deficiência foi a Declaração de Salamanca, docu-
mento elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
1- Aspectos Legais sobre as Deficiências Ciência e a Cultura (UNESCO), que versa sobre a igualdade de oportuni-
dades para pessoas com deficiência, no qual os Estados devem oportunizar
A Lei nº. 13.146, de 6 de julho de 2015, instituiu a Lei Brasileira esse modelo educacional a essas pessoas de forma que integre ao currículo
de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que tem como objetivos assegurar escolar desses estudantes (BRASIL, 1994).
e promover condições que valorizem a igualdade e liberdade das pessoas Segundo o último censo realizado no Brasil no ano de 2010, pelo
com deficiência. Por isso, buscam-se atitudes voltadas para a inclusão social IBGE, existe cerca de 45.623.910 (quarenta e cinco milhões seiscentos e vin-
direcionada à prática cidadã (BRASIL, 2015a). Nesse sentido, considera-se te e três mil novecentas e dez), com algum tipo de deficiência, perfazendo um
uma pessoa com deficiência, aquela que é impossibilitada a longo prazo total de 23,9%. No Estado do Piauí, evidencia 860.430 (oitocentas e sessenta
por meio dos aspectos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais os quais mil quatrocentas e trinta) pessoas, atingindo cerca de 27,59%, sendo que um
dificultam a capacidade de participar de forma efetiva do convívio social e terço da população piauiense possui algum tipo de deficiência (IBGE, 2010).
de desenvolver determinadas atividades (BRANCO; PARIZOTTO, 2016).

180 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 181


2 - Deficiência Auditiva 3 - Metodologias Ativas no Processo de Ensino-Apren-
dizagem em Biologia
A deficiência auditiva pode ser entendida como a perda parcial ou
total, podendo ser ocasionada por uma má formação congênita ou algum A Biologia é uma área do conhecimento que tem a capacidade de
tipo de lesão no aparelho auditivo (SILVA; FELIPE, 2017). O processo de propiciar a seus alunos a correlação entre teoria e prática, através de ativi-
comunicação das pessoas surdas é realizado através da linguagem de sinais, dades pautadas em uma aprendizagem significativa (KRASILCHIK, 2016).
que facilita essa conversação. O manual intitulado “Superando as diferen- O conteúdo de ácidos nucleicos compreende o Ácido Desoxirribonucleico
ças: dicas e orientações de como se relacionar com pessoas com deficiência”, (DNA) e o Ácido Ribonucleico (RNA) que são importantes na expressão
criado pela Secretaria de Estado da Educação/SEDUC em parceria com o gênica, caracterizando parte integrante dos conteúdos de Biologia. Tra-
governo do Estado do Piauí, discutem estratégias que facilitam a comuni- balhar esse conteúdo no Ensino Médio, através de metodologias ativas, é
cação com as pessoas com deficiência auditiva. Segundo esse documento, um desafio inerente à prática formativa do professor, devido, muitas vezes,
no momento da conversação, mesmo que a pessoa não fale a Língua Bra- às dificuldades que os alunos possuem em abstrair os conceitos teóricos,
processos básicos e a visualização de forma prática desses processos bioló-
sileira de Sinais (LIBRAS), é importante que realize a comunicação, além
gicos, além do uso das Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs)
disso, para iniciar a conversa, é interessante que acene ou toque levemente
(MARTINEZ; PAIVA, 2008).
no braço para que ela possa entender sua intenção e falar diretamente com
A utilização de metodologias ativas no ensino de Biologia é de gran-
a pessoa com deficiência, a fim de que ela possa entender (DIFERENÇAS,
de relevância no contexto educacional. Esse modelo de ensino, coloca o
2017).
aluno como ser protagonista no processo de ensino-aprendizagem (MO-
De acordo com a Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002, foi aprovado
REIRA; RIBEIRO, 2016). As metodologias ativas são recursos importan-
a LIBRAS como a segunda língua brasileira. Entende-se como LIBRAS a
tes para a formação crítica e reflexiva dos alunos, pois promovem a capa-
comunicação e expressão por meio de sistema linguístico de caráter visu-
cidade de o aluno construir uma aprendizagem significativa. Durante esse
al-motora, com estrutura gramatical própria que possibilita a comunica-
processo, é comum a construção de materiais didáticos, jogos e ferramentas
ção entre essas pessoas. Foi incluída como parte integrante dos cursos de tecnológicas que favorecem a autonomia e curiosidade do aluno (BORGES;
formação inicial de professores, para que tenham essa experiência, princi- ALENCAR, 2014).
palmente no que diz respeito à deficiência auditava, além disso foi inserida O computador tornou-se, atualmente, uma ferramenta educacional de
no curso de fonoaudiologia como parte integrante da formação (BRASIL, grande valia no processo de ensino-aprendizagem. O uso de programas educa-
2002). Observa-se que muitas Instituições de Ensino Superior (IES), a par- tivos auxilia o professor em sua prática formativa, tornando esse conhecimen-
tir da implementação do Decreto-Lei nº. 5.626 de 2005, começaram a inse- to científico mais próximo da realidade dos alunos. Dessa forma, o programa
rir no currículo a LIBRAS enquanto disciplina formativa. Hand Talk é um exemplo de aplicativo que tem auxiliado a prática pedagógica,
no que se refere à tradução verbal ou escrita em tempo real em gestos de LI-
BRAS, ajudando-o aos alunos com deficiência auditiva (SANTOS, 2015).

182 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 183


4 - Materiais e Métodos a deficiência auditiva está sendo abordada no Brasil, apresentando questio-
namentos e ouvindo relatos dos alunos a respeito do preconceito, dificulda-
4.1 - Caracterização da Amostra des e casos de sucessos que já ocorreram no núcleo familiar dos estudantes.
Logo após, exibiu-se alguns vídeos autoexplicativos sobre o processo de
A pesquisa foi desenvolvida no Instituto Federal de Educação, Ci- inclusão de pessoas com deficiência no ambiente social e educacional. Além
ência e Tecnologia do Piauí – IFPI, Campus Floriano. O grupo amostral disso, apresentou-se as limitações das pessoas com deficiência auditiva no
foram 21 (vinte e um) alunos da 2º série do Ensino Médio integrado ao contexto social e as possibilidades educacionais disponíveis nos dias atuais,
curso técnico em informática. Inicialmente, adotou-se a técnica de rapport, como, por exemplo, a criação de recursos didáticos que podem auxiliá-los
na qual o pesquisador faz algumas visitas ao local pesquisado, a fim de co- durante esse processo formativo.
nhecer o cotidiano dos participantes, além de explicar qualquer dúvida que Tomando como base as concepções sobre inclusão, a turma foi dividida
venha a surgir sobre o estudo (BARBOSA, 2007). em 04 (quatro) grupos, sendo três contendo cinco alunos e um com seis. Foi
Adotou-se uma pesquisa com abordagem qualitativa com enfoque des- proposto aos alunos que criassem uma cartilha ilustrativa (Fanzine) sobre o
critivo. Para isso, buscou-se entender mais de perto o loco em que os partícipes conteúdo de Ácidos Nucleicos, onde deveriam apresentar ao longo do texto
estão inseridos, a fim de compreender suas ideologias, questionamentos e pontos o diálogo em LIBRAS. Para isso, utilizou-se de recorte e colagem de letras e
de vista, para que todos os aspectos intrínsecos e extrínsecos do estudo sejam figuras, desenhos e pintura manual com o objetivo de que os alunos correlacio-
apresentados. narem os gestos provenientes da Libras com o conteúdo trabalhado nas aulas
Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se um formulário ele- de Biologia.
trônico (pré-teste) com perguntas abertas e fechadas que foi disponibilizado O aplicativo utilizado foi Hand Talk. Ele é disponibilizado na pla-
na plataforma Google Forms, com o objetivo de identificar os conhecimentos taforma Android de forma grátis o qual ajuda o professor em sua prática
prévios dos alunos a respeito do processo de inclusão de pessoas com defi- pedagógica, pois converte o áudio e os caracteres em gestos provenientes
ciência auditiva, além de conhecer as dificuldades presentes no processo de da Libras. Baixou-se o aplicativo em 04 (quatro) tablet’s disponibilizados
ensino-aprendizagem em Biologia. Para Heidemann, Oliveira e Veit (2010), a pelo laboratório LIFE e distribuiu-os para cada grupo a fim de promove-
utilização de formulários em pesquisas científicas é de grande relevância, pois é rem diálogos e traduzir palavras específicas da Biologia para auxiliá-los na
considerada uma ferramenta que propicia ao pesquisador praticidade e rapidez confecção do Fanzine.
durante a coleta de dados.
4.3 - Coleta e Análise dos Dados
4.2 - Operacionalização da Oficina de LIBRAS
Após a concretização das atividades, aplicou-se o segundo formulá-
A oficina intitulada “Novas Possibilidades Inclusivas no Ensino de rio reflexivo (pós-teste) para identificar as contribuições deixadas através
Biologia” teve como objetivo abordar a temática deficiência em uma pers- da oficina. Os dados foram analisados tendo como parâmetro a análise de
pectiva educacional. A realização desta atividade foi concretizada no Labo- conteúdo proposta por Bardin (2011), pois é considerado um conjunto de
ratório Interdisciplinar para a Formação de Educadores para a Educação técnicas e procedimentos metodológicos que buscam identificar de forma
(LIFE), local que dispõe de um conjunto de recursos didáticos e tecnológi- sistemática os conhecimentos relativos da produção/recepção da mensa-
cos para a formação de professores para atuar na Educação Básica no IFPI. gem. Nessa perspectiva, essa análise foi categorizada a fim de identificar os
Inicialmente, foi ministrado uma aula sobre o atual contexto em que aspectos intrínsecos e extrínseco da investigação. Os partícipes foram ca-

184 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 185


tegorizados seguindo uma sequência lógica de suas transcrições, atribuin- a obrigatoriedade do Estado e da família em promover a educação em cola-
do-se (E=Estudante E1, E2, E3...), a fim de apresentar as suas concepções boração com a sociedade. Sendo que essa formação deve propiciar um pleno
ao longo do texto. desenvolvimento e preparo para a prática cidadã e o mercado de trabalho
(BRASIL, 1998).
5 - Resultados e Discussões A Biologia é uma área do conhecimento que detém muitos processos
e conceitos. Assim, necessita de uma maior interatividade durante a apre-
É sabido que o processo de inclusão de pessoas com deficiência vem
sentação dos conteúdos. A percepção dos estudantes sobre quais os recursos
sendo discutido atualmente, principalmente no âmbito educacional. Nessa
técnicos e pedagógicos podem ser utilizados pelo professor de Biologia para
perspectiva, os estudantes partícipes da pesquisa, apresentaram suas con-
facilitar o processo de ensino-aprendizagem de pessoas com deficiência au-
cepções sobre como as pessoas devem ser incluídas efetivamente na sala de
ditiva na rede regular de ensino está evidenciada na (Tabela 2).
aula (Tabela 1).

Tabela 2 – Atividades que podem ser utilizadas pelo professor de


Tabela 1 – Discussões dos estudantes do IFPI/Floriano sobre o
Biologia quando houver alunos com deficiência auditiva em sala de aula.
processo de inclusão de pessoas com deficiência no ambiente educacional e
os mecanismos de inclusão dessas pessoas.

Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).


Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).

Evidenciou-se que a maioria dos estudantes enumeram o direito à


Identificou-se que os estudantes apresentam o interprete de LI-
educação, e que a deficiência não pode impossibilitar o processo de escola-
BRAS como uma ferramenta que pode auxiliar o professor em sua prática
rização da pessoa com necessidades especial. Além disso, é importante, na
formativa. A utilização de metodologias ativas e atividades adaptadas para
perspectiva dos estudantes, que as pessoas com deficiência se sintam inclu-
esse novo público tornou-se uma das questões mais discutidas pelos alunos.
ídas por todos no ambiente educacional. Esses resultados vão ao encontro
Nesse sentido, a utilização de simuladores no processo de ensino-aprendi-
do que é discutido na Constituição Federal Brasileira, o qual discute sobre
zagem em Biologia tem chamado a atenção dos educadores, principalmente

186 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 187


por conseguirem em um curto período de tempo, mostrar um processo que tem um leque de possibilidades, podendo ser trabalhada de forma interativa
levaria milhares de anos na natureza (ARAÚJO; SOUSA; CRUZ, 2016). O por meio de atividades práticas e contextualizadas. O uso de recursos didá-
professor é um agente de transformação, e, por isso, sua prática deve favo- tico-pedagógicos tem contribuído de forma significativa para a construção
recer a todos os alunos a possibilidade de construir sua aprendizagem. As de uma aprendizagem significativa, pois coloca o aluno em uma perspectiva
percepções dos estudantes a respeito das aulas de Biologia estão descritas de protagonista do processo formativo (ROSA; LANDIM, 2014).
na (Tabela 3). A proposta da oficina foi desenvolver uma atividade, com o auxílio
do aplicativo Hand Talk, objetivando trabalhar os principais sinais referen-
Tabela 3 - Percepção dos estudantes sobre a postura docente no te ao conteúdo de ácido nucleico. A partir de então, criou-se um Fanzine, li-
processo de inclusão de alunos com deficiência no ambiente escolar. vreto com informações sobre o DNA e RNA, além de trabalhar o conteúdo
em uma perspectiva inclusiva através das LIBRAS (Figura 1).

Figura 1 – Fanzine construído pelos estudantes do curso Técnico


em informática do IFPI/Floriano sobre o conteúdo de ácidos nucleicos
trabalhado em LIBRAS.

Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).

Evidenciou-se que, 38% consideram a aula inclusiva, pois o profes-


sor possibilita em suas aulas a capacidade de todos os alunos, os ditos “nor-
mais” e os com deficiência auditava; 43% apresentaram que o professor A: capa do Fanzine produzido durante a oficina; B: descrição sobre os ácidos nucleicos na
trabalha em uma perspectiva inclusiva, porém há muitas dificuldades nesse língua brasileira de sinais e transcritos em português; C: estrutura molecular do ácido
ribonucleico e as bases nitrogenadas.
processo; e, 19% discutem a operacionalidade da aula de forma equitativa,
Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).
ou seja, igual para todos sem levar em conta as deficiências dos alunos com
deficiência.
A utilização de metodologias alternativas no ensino de Biologia tem
A utilização de programa e aplicativos no ambiente educacional vem
contribuindo para a construção de uma aprendizagem significativa, na per-
chamando a atenção da comunidade escolar, principalmente por conta da
cepção dos estudantes. Após a conclusão das atividades desenvolvidas, bus-
sua efetividade no processo de ensino-aprendizagem. Assim, 33% dos estu-
cou-se saber se a construção do Fanzine propiciou a assimilação de deter-
dantes consideram que é possível trabalhar determinados assuntos, por ou-
minados sinais em LIBRAS, e os resultados foram que 75% confirmaram
tro lado, 67% consideram que não é possível trabalhar conteúdos de Biolo-
que sim, os principais sinais, 5% não conseguiram correlacionar os termos
gia através dessas ferramentas tecnológicas. Nessa perspectiva, a Biologia
e 20% afirmaram que parcialmente, vendo a necessidade de mais atividades

188 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 189


como essas para que haja um melhor entendimento. Os resultados gerados Considerações Finais
através da oficina despertaram uma discussão ampla sobre a temática, pro-
movendo inúmeras possibilidades de ensino e de como trilhar esse percur- As pessoas com deficiência, durante anos, eram vistas como incapa-
so, conforme demonstrado na (Tabela 5). zes dentro do contexto social. O acesso à educação foi um direito conquis-
tado, porém não desfrutado por essas pessoas. Identificou-se que muitos
Tabela 5 – Contribuições da oficina na perspectiva dos estudantes alunos não tinham um conhecimento satisfatório sobre a deficiência auditi-
do IFPI/Floriano. va, nem a compreensão sobre a importância de inclusão educacional dessas
pessoas. Logo após a realização das atividades que faziam parte da oficina,
evidenciou-se a compreensão dos alunos sobre os direitos que o deficiente
auditivo possui.
A construção do Fanzine, aliado com a utilização do aplicativo Hand
Talk, possibilitou aos alunos a retomada do conteúdo de ácidos nucleicos
e a discussão sobre as possibilidades no ensino de pessoas com deficiência
auditiva em uma perspectiva interdisciplinar. Para isso, utilizaram como
ponto de partida a LIBRAS a fim de criar um material didático para se
trabalhar na disciplina de Biologia. Nesse sentido, os alunos apresentaram
os recursos tecnológicos como uma das estratégias que podem auxiliar o
professor em sua prática pedagógica.
Portanto, evidenciou-se que os alunos construíram um novo posi-
Fonte: Dados Empíricos da Pesquisa (2017).
cionamento sobre a deficiência auditiva e compreenderam a importância
do processo de inclusão para a formação de uma sociedade mais justa e
Para 95% dos estudantes é possível ao professor de Biologia traba- igualitária. O uso do aplicativo Hand Talk e do material didático Fanzine
lhar os conteúdos da disciplina de Biologia de forma mais interativa como, contribuíram de forma efetiva para a compreensão da temática, além de
por exemplo, a criação de um Fanzine. Por outro lado, 5% consideram que mostrar o leque de possibilidades que existe, atualmente, durante a prática
não, pois em muitos casos, pode fugir do controle e não haver a explicação formativa com alunos com deficiência auditiva. Dessa forma, cabe à escola
de determinados conteúdos. Portanto, o advento da globalização e o surgi- juntamente com professores, alunos e representantes legais discutir estra-
mento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) aju- tégias e possibilidades de ensino dessas pessoas com deficiência, pois todos
daram de forma significativa a vida dos surdos, principalmente no ambiente são capazes de apreender e possuem o direito legal.
escolar, familiar, social e no trabalho. Isso só foi possível depois da utilização
de programas computacionais e de aplicativos, como o Prodeaf, UniLibras e Referências
Handtalk que realizam a tradução instantânea do português para LIBRAS
e vice-versa, atuando no processo de comunicação (GALVÃO et al., 2016). ARAÚJO, M. S.; SOUSA, S. C.; CRUZ, E. R. A utilização do sof-

190 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 191


tware educativo como recurso didático tecnológico no ensino de seleção DIFERENÇAS. Superando as Diferenças: Dicas e orientações de
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sino de Ciências, v. 12, n. 1, p. 95-133, 2017.
SILVA, C. C. S.; FELIPE, M. S. A inclusão escolar de pessoas com
deficiência auditiva por meio de uma ferramenta 3D. Anais do Computer
on the Beach, v. 1, n.1, p. 505-508, 2017.
Ensino de ciências e deficiência visual:
da invisibilidade à construção de
alternativas para a inclusão
Alexandre Fernando da Silva43
Dulce Nogueira da Fonseca44
José Heleno Ferreira45
Carlos Alexandre Vieira 46

Introdução

A sociedade brasileira tem em sua construção histórica a sobreposi-


ção de determinados grupos em detrimento de minorias, realidade esta que
se reflete na formação do sistema educacional. Dessa forma, a reconstitui-
ção histórica das políticas educacionais, da organização e funcionamento dos
estabelecimentos escolares no país, dos processos que demarcam o acesso
à escolarização revela exclusões de grupos sociais minoritários quanto ao
direito à educação formal. Durante o período colonial o acesso ao sistema
educacional restringia-se aos homens e às elites econômicas. Essa condição
43
Licenciado e Bacharel em Química - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) - Fundação Educa-
cional de Divinópolis (FUNEDI) (2013), Mestre em Ciências - Universidade de Franca - UNIFRAN (2016) –
Doutorando em Ciências Universidade de Franca – UNIFRAN.
44
Bacharel em Psicologia - Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Divinópolis (2016),
Especialização em andamento em Neuropsicologia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
45
Graduado em Filosofia (Licenciatura) pelo Instituto de Ensino Superior e Pesquisa FUNEDI/UEMG (1986),
com especialização em Filosofia Contemporânea (PUC-MG) e Metodologia do Ensino de História (FUENDI/
UEMG) e mestrado em Mídia e Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001). Docente na
Educação Básica, atuando na área de Ciências Humanas, na Secretaria Municipal de Educação de Divinópolis e
no ensino superior, atuando como professor de Filosofia, Política Educacional e Metodologia Científica na Uni-
versidade do Estado de Minas Gerais - UEMG - Unidade Divinópolis.
46 Graduado em química, mestre em biotecnologia e doutor em Ciências. É docente no Centro Universitário
UNA nos cursos de Farmácia e Biomedicina, lecionando Química Analítica, Físico Química e Química Geral.
Na Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade de Divinópolis é coordenador do curso de química e
professor das disciplinas: química ambiental e química analítica.

194 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 195


começou a mudar a partir da metade do século passado, quando movimentos Em paralelo, os desafios no exercício do ensino-aprendizagem fa-
em torno da universalização do acesso ao sistema educacional foram levan- zem parte da prática profissional do educador. Problemas relacionados à
tados e culminaram nas leis que estabelecem o sistema educacional brasileiro indisciplina, desatenção e notas insuficientes integram assuntos relacio-
na atualidade (NASCIMENTO; FERNANDES e MENDONÇA, 2010). nados aos planos de ensino, e outra tarefa/motivo de preocupação a todo
Ainda hoje, a pessoa com alguma deficiência pode ter dificuldade de professor é lidar com as dificuldades de aprendizagem (MOSQUERA et al,
2015). A deficiência visual compõe o leque relacionado a estas dificuldades,
acesso às políticas públicas, mesmo em uma sociedade plural como a brasi-
e representa crianças, adolescentes e adultos com deficiência sensorial, cujo
leira, que por vezes ignora as diferenças e estabelece serviços públicos que
rendimento escolar pode apresentar-se potencialmente prejudicado, uma
desconsideram tal diversidade. Segundo dados do CENSO de 2010, dentre vez que as escolas, bem como os educadores, necessitam de preparação no
a população residente no Brasil, 23,9% possuem algum tipo de deficiência desenvolvimento de estratégias pedagógicas que atendam a esta parcela
considerando aquelas que foram investigadas: visual, auditiva, motora e de seus alunos (MOSQUERA et al, 2015; FREITAS e CARDOSO, 2015).
mental ou intelectual. A deficiência mais comum é a visual, que afeta 18,6% Discussões acerca do ensino de ciências para pessoas com deficiên-
da população. O grau de severidade classificado em acordo à percepção cia visual possuem base fundamentada na inclusão. O termo inclusão, em
dos próprios entrevistados sobre suas funcionalidades, mostra que 3,46% seu significado abrangente, ultrapassa os desígnios do campo das desvan-
possuem deficiência visual severa. Dentre o total de pessoas com alguma tagens sociais e das minorias vítimas de segregação e visa atender também
deficiência no Brasil, 1,6% são totalmente cegas, o que corresponde, em aqueles que, devido a uma fatalidade, como acidentes, a déficits do desen-
volvimento e/ou algum problema congênito se constituem como indiví-
números absolutos, a cerca de 729.696 pessoas (OLIVEIRA, 2010).
duos com necessidades especiais. A inclusão visa, portanto, a garantia de
Os números citados demonstram quanto significativa é a parcela da
igualdade de acesso à educação, o que objetiva transpor limitações marca-
população com deficiência, especialmente visual. No entanto, esta propor- das pela deficiência da visão, objeto de análise deste artigo (FREITAS e
cionalidade não se reflete nas salas de aula. Para além deste fato é preciso CARDOSO, 2015).
destacar que apenas o acesso universalizado à educação não é garantia de Diante do cenário apresentado, o presente texto tem por objetivo
que todos estejam de fato incluídos. Inclusão vai além da presença no am- discutir a importância do ensino científico para alunos com deficiência vi-
biente escolar, está no fato de compreender os alunos em sua diversidade sual como forma de inclusão efetiva aos processos de escolarização e de-
e buscar alternativas didáticas para que todos tenham acesso ao conheci- mais ambientes sociais. Visa ainda apresentar e discutir alternativas didáti-
mento de forma equânime. Este pressuposto está em consonância com os cas para que este ensino seja equânime e efetivo na inserção destas pessoas.
preceitos da Educação Inclusiva constantes da Declaração de Salamanca
de 1994, que afirma que pessoas com necessidades educacionais especiais
1 - O ensino de ciências nas escolas brasileiras
devem receber, indistintamente de suas limitações, educação equânime aos
O ensino brasileiro, historicamente, se defrontou com inúmeros desa-
demais (BRASIL, 1994). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional fios. Nos dias atuais, apesar dos avanços e do desenvolvimento econômico do
– lei 9.394 de 1996 – também estabelece estes preceitos e assegura às crian- país nas últimas décadas, alguns desafios persistem, dentre estes a universa-
ças com deficiência o direito de compartilhar classes comuns do ensino lização e especialmente a garantia de qualidade. A evasão escolar apresenta
regular sob a garantia de que suas necessidades específicas sejam atendidas índices alarmantes e são indicadores de que políticas públicas são ineficientes
(BRASIL, 1996; BRASIL, 2006). e necessitam de reestruturações. O relatório “Cenário da exclusão escolar

196 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 197


no Brasil”, divulgado em 2017 pelo UNICEF - Fundo das Nações Unidas Brasil apresenta frente a outros países. Em relação ao ensino de ciências
pela Infância e Adolescência, revelou que há 2,8 milhões de crianças e ado- e matemática, de acordo com o relatório Global Information Technology,
lescentes fora da escola no Brasil, sendo que deste total 57% (1,6 milhão) divulgado pelo Fórum Econômico Mundial no ano de 2016 (UNESCO,
são jovens com idades entre 15 e 17 anos (UNICEF, 2017). Várias são as 2016), ocupa apenas a 133° posição em ranking com 139 países. No Pro-
causas da evasão escolar dentre os jovens, mas todas possuem pontos comuns grama Internacional de Avaliação de Alunos (PISA – sigla de Program for
relacionadas a questões socioeconômicas, raciais, gênero e dificuldades de International Student Assessment), elaborado pela OCDE – Organização
acesso e inclusão de portadores de deficiência. A necessidade de inserção no para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, também divulgado em
mercado de trabalho leva estes jovens a conflitar as duas atividades e, diante 2016, o Brasil aparece apenas em 59° posição em ensino de ciências, consi-
das dificuldades impostas, optar por aquela que garante a subsistência. A derando avaliação realizada em 70 países (OCDE, 2016).
gravidez precoce é outro fator que contribui significativamente, o que leva O cenário apresentado está relacionado com vários outros fatores
muitas mulheres a deixarem os estudos (INSTITUTO UNIBANCO, 2017). que interferem na universalização e qualidade do ensino nas escolas de
O desafio de vencer a evasão está em paralelo ao desafio de propi- ensino médio do país. Os desafios de incluir e proporcionar educação de
ciar educação de qualidade àqueles que estão no ambiente escolar, e pos- qualidade têm relação direta com a valorização dos profissionais de educa-
sivelmente estas questões estão relacionadas, pois o ensino de qualidade ção para que tenham formação adequada ao atendimento à diversidade de
e motivador pode contribuir para que os jovens concluam os estudos. Por estudantes, à melhoria da estrutura escolar para acesso e oportunidade de
outro lado, a infraestrutura deficitária de muitas escolas impõe aos estu- alternativas didáticas através do uso de novas tecnologias e ambientes di-
dantes com deficiências desafios que precisam ser enfrentados diariamente. versificados. No entanto, a ineficácia ou ausência de políticas públicas atre-
Segundo o Censo Escolar de 2016, 57,8% das escolas do país têm alunos lada à falta de percepção da sociedade brasileira em relação a importância
com alguma deficiência “incluídos” em salas comuns. No entanto, o mes- da educação pública de qualidade e universalizada acarretam atrasos no de-
mo Censo revela que apenas 58% das escolas que oferecem ensino médio senvolvimento do sistema educacional. O resultado é visto nos indicadores
possuem sanitários adequados a estudantes com deficiência ou mobilidade educacionais e sociais, que revelam uma sociedade segregada, excludente
reduzida. Quanto à adequação das demais vias e dependências das escolas e despreparada para a multiplicidade e o dinamismo do mundo moderno.
este número é ainda menor, atingindo apenas 46,7% das escolas. Esse cená-
rio de inacessibilidade impacta no número de matrículas no ensino médio 2 - A visão e o processo de ensino-aprendizagem de ci-
por estudantes portadores de deficiência, que representam apenas 0,91% de ências
um total de 8,1 milhões de alunos (INEP, 2017).
Além destes desafios, há muito o que fazer para melhoria da qualidade O conhecimento científico é estabelecido pela experimentação dos
do ensino, especialmente no ensino de ciências. Sabe-se que a experimenta- fenômenos naturais, dessa forma o ensino de ciências é eminentemente ex-
ção é fundamental no estudo de ciências naturais, no entanto, o Brasil possui plorador dos sentidos. A visão como parte da percepção de mundo é funda-
um déficit enorme de laboratórios, apenas 51,3% das escolas de ensino médio mental no processo de ensino-aprendizagem. Como afirma Rubem Alves,
possuem laboratórios de ciências (INEP, 2017). Quando este quesito é ava- “a primeira função da educação é ensinar a ver”, através da visão o aluno
liado apenas em escolas públicas, o número é aterrador, apenas 8,19% das percebe o mundo em suas belezas e diferenças (ALVES, 2004).
escolas possuem laboratórios (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2017). O ato de lecionar ciências é um claro exemplo, a ilustração de sím-
Tais condições se refletem nos baixos índices educacionais que o bolos, fórmulas, cálculos e equações ocorre pela exploração da percepção do

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aluno, através de cores, sons, cheiros e tato. Substâncias que alteram sua cor à qual podem recorrer os educadores e educadoras, ao utilizar esta proprie-
através da variação do meio reacional, reações químicas que produzem sons dade seria formar objetos a partir de representações originais e explorar
ou mudanças de temperatura somente são percebidas pelo uso dos sentidos, outras percepções, como, por exemplo, o tato e o olfato. As pesquisas reve-
assim, quando um destes está ausente, é preciso criar alternativas didáticas lam que a imagem mental assemelha-se ao objeto físico inclusive em tama-
que possam conduzir o estudante com deficiência ao conhecimento científico. nho, e que os voluntários são capazes de descrever e desenhar a rotação e
A capacidade de aprender está relacionada com a exploração dos cinco sen- forma descritiva dos mesmos (MATLIN, 2004).
tidos que, uma vez comprometida, resultará na interferência da formação de Estudos neuropsicológicos a respeito do processamento visual de-
novos esquemas, o que significa que o aluno incorrerá em problemas capazes monstram que imaginação visual e percepção ativam áreas semelhantes do
de alterar sua capacidade em aprender (MOSQUERA et al 2015). córtex visual occipital, localizado na parte posterior do cérebro e, também,
O estudo das habilidades humanas, bem como a interação do indi- a possibilidade do desenvolvimento destes estímulos visuais concretos au-
víduo com o meio ambiente na perspectiva da neuropsicologia revela que xiliam nos processos de aprendizagem e memorização, proporcionando que
os sentidos surgiram para que os indivíduos se tornassem capazes de se os voluntários executem as determinadas tarefas oriundas das pesquisas
adaptar e interagir com o ambiente e, dentre os processos sensoriais, a vi- com mais eficiência e rapidez (MATLIN, 2004).
são é considerada a mais importante. Em síntese, é através da harmonia dos Decorre, da análise aqui apresentada, a afirmação de que a visão é
processos sensoriais que o indivíduo torna-se capaz de perceber o ambiente fundamental no processo de ensino-aprendizagem de ciências. Nesse sen-
ao seu redor e de interagir com o mesmo, favorecendo, assim, a melhor tido, o grande desafio de educadores consiste em utilizar alternativas di-
adaptação e também sua sobrevivência (CONSENZA e GUERRA, 2011). dáticas que estimulem outros sentidos e conduzam os estudantes com de-
No contexto do ensino-aprendizagem, atividades como a leitura e ficiência visual ao aprendizado científico no mesmo patamar que os demais
a escrita possibilitam o desenvolvimento das habilidades cognitivas e es- estudantes.
tão intrinsecamente relacionadas aos processos educacionais. Ocorre que
o ensino de ciências como química e física, por exemplo, necessitam de 3 - Alternativas didáticas para o ensino de ciência diante
estímulos que vão além da leitura, são utilizados em sua prática de ensino da deficiência visual
instrumentos laboratoriais e elementos químicos que, caso não sejam apre-
endidos pelos estudantes, não terão validade representativa. O ensino de ciências é inerentemente desafiador. Educadores preci-
Pesquisadores das áreas da educação e da neuropsicologia interes- sam cotidianamente lidar com o desafio de transpor os conceitos teóricos
sados na educação inclusiva de alunos com deficiência visual têm desenvol- dos livros e textos científicos para materializá-los diante dos sentidos dos
vido estudos a respeito da percepção visual e constataram que as imagens estudantes, através de aulas instigadoras e atrativas. Diante da diversidade
mentais geradas são armazenadas em um código analógico, que correspon- de percepções e personalidades em sala de aula esse desafio torna-se maior,
de a uma representação dos objetos. Este modelo aborda que a imaginação mas cabe aos educadores científicos encontrar soluções pedagógicas e me-
mental tem relação próxima com a percepção, as pesquisas demonstram todológicas que considerem a amplitude de diferenças, reconhecendo-as e
que a imagem mental de determinado objeto é decodificada de maneira valorizando-as (SOUZA e JUSTI, 2013). Estudantes com deficiência visual
semelhante à medida e ao formato do mesmo, o que atua como agente faci- incluídos no ambiente escolar podem ser motivadores para a quebra do pa-
litador do ensino a alunos com deficiência visual. Uma estratégia possível, radigma do método tradicional de ensino e para a construção de alternativas

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didáticas para que a inclusão seja efetiva e satisfaça os anseios dos alunos que um software. Tais alternativas podem ser utilizadas no ensino de conteúdos
não dispõem do sentido da visão, como também dos demais estudantes. que demandam imaginação e abstração do estudante, como o ensino de mo-
Os sentidos são os receptores através dos quais o indivíduo perce- delos atômicos, conteúdo que trata da matéria em suas menores partículas,
be o mundo e alternativas didáticas e pedagógicas que busquem explorá-los mas que precisa ser materializado em escala macroscópica para viabilizar o
pode ser o caminho para a inclusão de estudantes com deficiência visual. Na entendimento. O trabalho de Razuck e Guimarães (2013) demonstra o uso
ausência da visão, alternativas didáticas que explorem a percepção através de bolas de bilhares para exemplificar o modelo atômico de Dalton, esferas
dos outros sentidos podem ser ferramentas na construção de conhecimento fabricadas com massa de cimento representando o modelo de Thompsom e
e apropriação de conceitos científicos pelo estudante. A experiência visual engenhosos protótipos fabricados com arames, bolas e placas circulares de
é importante na representação de fenômenos químicos, como reações entre isopor sobrepostas para ilustrar os modelos atômicos de Rutherford e Bhor.
substâncias, mas reações químicas também podem ser representadas por A ciência química é repleta de códigos e símbolos, lecionar sem
odores. No trabalho de Teixeira (2010), o olfato é explorado através da com- esses ícones gráficos é exercício de imaginação e dos sentidos. A tabela
paração dos odores dos reagentes e produtos na produção de cola de caseína, periódica é peça fundamental no entendimento da química, assim, para in-
com limão, bicarbonato de sódio e leite. Em outro experimento, é possível
cluir estudantes deficientes visuais é preciso encontrar caminhos para que
estudar a velocidade de reações químicas através da sensação dos respingos
entendam essa ferramenta da química. A elaboração de tabelas periódicas
de gotículas de água durante a reação de comprimidos efervescentes.
com materiais alternativos para a facilitação do ensino-aprendizagem de
A escala de pH exige abstração para o entendimento, mas existem
estudantes deficientes visuais do ensino médio foi relatada por Resende
características sensoriais de substâncias que podem ser exemplificadas pelo
Filho et al (2009). Foram elaboradas duas tabelas periódicas em que os ele-
sabor. Substâncias ácidas possuem sabor azedo, como suco de limão e vina-
mentos químicos foram identificados considerando suas classificações em
gre, por outro lado, substâncias básicas como o leite de magnésia são ads-
metais, ametais ou gases nobres através de legendas em texturas. Outras
tringentes. Identificar substâncias através do paladar não é recomendado,
características, como estado físico e artificialidade dos elementos, foram
por ser possivelmente perigoso, mas sob a orientação do professor e com
identificados por legendas táteis. Informações como grupos e famílias dos
a adequada precaução, as células sensoriais da língua podem ser usadas na
elementos foram escritas em braile.
distinção de substâncias (USBERCO; SALVADOR, 2004).
As pessoas com deficiência visual possuem capacidades cognitivas
Instrumentos alternativos também podem ser utilizados no intuito
que vão além da visão e é possível explorá-las para a construção de concei-
de suprir a deficiência visual. O trabalho de Maciel, Filho e Prazeres (2016)
tos de ciências naturais. O ensino de vários fenômenos da física é enorme
relata a pesquisa de experimentos tradicionais e o desenvolvimento de ma-
desafio aos educadores, esta ciência está ligada diretamente à luz e as vá-
teriais como balança de prato e medidor de volume de líquidos para o ensi-
rias percepções além da visão devem ser usadas para instigar o estudante
no de deficientes visuais. Não somente experimentos e materiais podem ser
à construção de modelos mentais e propiciar a apropriação de conceitos
aprimorados, também os livros didáticos, como apresentado por Pires, Ra-
científicos. Azevedo e Santos (2014) utilizaram materiais táteis facilitado-
poso e Mól (2013). A experiência relatada pelos autores apresenta um livro
res para o ensino de conteúdos de óptica e, através do modelo de ciclos de
didático de química para o ensino médio que teve textos, imagens e demais
aprendizagem que conta com a atuação de mediadores entre aluno e co-
elementos gráficos convertidos para impressão em braile, através do uso de nhecimento, apresentaram recursos metodológicos propícios à facilitação

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do acesso à compreensão do conteúdo de física estudado. Nesta perspec- científico pode – e deve – ser inclusivo e respeitoso diante da multiplicidade
tiva, elementos gráficos fundamentais à compreensão de conceitos de físi- de indivíduos e cumprir papel na promoção do desenvolvimento intelectual
ca também são passíveis de alternativas. O relato apresentado por Fontes; em outras áreas do conhecimento, assim como promover o exercício da cida-
Cardoso e Ramos (2012) ilustra alternativa para construção de gráficos dania e a melhoria da qualidade de vida (UNESCO, 1983).
em material de relevo que possibilitou aos alunos com deficiência visual a
assimilação do processo e entendimento do conteúdo. Considerações Finais
A distinção entre disciplinas pode aparentar uma compartimen-
tação dos conhecimentos, mas a divisão arbitrária não condiz com a in- No decorrer deste texto buscou-se revelar o contexto atual das con-
ter-relação que existe entre as áreas específicas das ciências naturais. Há dições e desafios do ensino de ciências nas escolas brasileiras, sob a pers-
conectividade de conteúdos e conceitos, sendo a biologia a representação pectiva da inclusão de estudantes com deficiência visual. Explicita-se, ini-
de fenômenos complexos de física e química. Neste sentido, o ensino de cialmente, a invisibilidade a que estão relegadas as pessoas com deficiência
biologia como parte das ciências naturais também pode apresentar meios visual nos processos de escolarização. As condições relativas à infraestru-
alternativos aos estudantes com deficiências visuais. O distanciamento do
tura da grande maioria das escolas públicas, da qual a ausência de labora-
método tradicional de ensino, com o uso simples de quadro e giz, é con-
tórios é apenas um exemplo, demonstram o quanto o sistema educacional
traposto por metodologias didáticas que utilizam materiais comuns para o
ignora aqueles que possuem alguma deficiência e que, por isso, precisam e
ensino de ciências. No trabalho de Vaz et al (2012), é relatada a elaboração
têm direito a processos educativos que busquem incluí-los. A partir deste
de materiais didáticos adaptados para alunos com deficiência visual e apre-
ponto, foram apresentadas alternativas didáticas e metodológicas para su-
sentado estudo de sua aplicação no ensino de conteúdos abstratos como
prir a carência de recursos e políticas públicas inclusivas.
estruturas intracelulares e mecanismos de síntese de proteínas. Os modelos
A educação consiste em um mecanismo de mudança social a longo
foram considerados satisfatórios, propiciaram aos estudantes avaliados a
prazo, ações realizadas na atualidade somente produzirão resultados em dé-
apropriação de conceitos e conteúdos estudados.
cadas. No entanto, há que se afirmar a importância de educadores e educado-
Alternativas didáticas são vias importantes no contorno do desafio de
ras se mobilizarem diante dos desafios que lhes são impostos pela realidade
lecionar e incluir estudantes com deficiência visual no conhecimento cientí-
educacional e também diante do desafio de construir uma escola inclusiva,
fico. No entanto, o ato de lecionar ciências pode ser mais que a transmissão
um espaço no qual nenhum indivíduo seja condenado à invisibilidade.
de conteúdos e conceitos, pode ser instigador de pensamento crítico, contri-
A construção de uma escola plural, democrática e inclusiva é parte
buindo com o processo de formação para a cidadania. A ciência está intrin-
do longo processo histórico de lutas pela construção de uma sociedade in-
sicamente presente na vida moderna através dos diversos desenvolvimentos
clusiva. Noutras palavras, a exclusão, a invisibilidade das pessoas com defi-
tecnológicos, dessa forma o conhecimento científico é importante para a vida
ciência que se percebe no contexto escolar é reflexo dessa mesma situação
do estudante e consequentemente para a construção da sociedade e o desen-
no mundo do trabalho, nas demais instituições e setores que compõem a
volvimento socioeconômico e político do país. O ensino de ciências na edu-
sociedade brasileira. Mas afirma-se, neste texto, a contribuição que a escola
cação básica tem papel fundamental no fomento do pensamento lógico sobre
pode apresentar neste longo processo. Recorrendo ao educador brasileiro
problemas e equacionamento de questões cotidianas. Neste sentido, o ensino
Paulo Freire (1987), afirma-se que a escola sozinha não transformará a

204 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 205


realidade. Mas, também, que esta realidade não será transformada sem a 2017. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/
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mente à queda nas taxas de mortalidade ao longo dos anos. Estima-se que
Saraiva, 2002. 672 p.
em 2020 a participação relativa do idoso na população seja de aproximada-
VAZ, J.M.C.; PAULINO, A.L.S; BAZON, F.V.M.; KIILL, K.B.; OR-
mente 14% em todo o Brasil. (IBGE, 2008).
LANDO, T.C.; REIS, M.X.; MELLO, C. Material Didático para Ensino
de Biologia: Possibilidades de Inclusão. Revista Brasileira de Pesquisa em Pires (2007) discute a questão do envelhecimento fisiológico, desta-
Educação em Ciências Vol.12, No 3, 2012. cando que vários sistemas do organismo humano apresentam transforma-
ções com o processo de envelhecimento. Entre as alterações mais frequen-
tes dos idosos estão: dificuldade de mobilidade, diminuição da audição e
visão, perda da posição social pós-aposentadoria, solidão e medo associado
a perdas.
Para Ely e Dorneles (2006) com o aumento da população idosa,
cresce também a necessidade de espaços mais seguros e confortáveis para
47
Fisioterapeuta graduada pela Universidade Católica de Goiás. Especialista em Fisioterapia Traumato Orto-
pédica Desportiva e Especialista em Programa de Saúde da Família (PSF). Instrutora de Pilates. E-mail: carla-
[email protected]
48
Orientadora de TCC na Faculdade Araguaia. Mestre em Fisioterapia pela Universidade Federal de Pernam-
buco, Especialista em Geriatria e Gerontologia pelo Ensino Superior Bureau Jurídico - FMN, Especialista em
Docência Universitária e Graduada em Fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-Goiás.
E-mail: [email protected]
49
Docente na Faculdade Araguaia. Mestra em Ciências Ambientais e Saúde pela Pontifícia Universidade Ca-
tólica de Goiás (PUC-GO). Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho pelo RTG, especialista em
Ergonomia pelo CEAFI e especialista em Docência Universitária pela PUC-GO. Graduada em Fisioterapia pela
PUC-GO e graduada em Engenharia de Produção pela UNIVERSO. E-mail: [email protected]

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atender a grande demanda. Os mesmos autores relatam que, em função do manos, independentemente. É caracterizado como um processo dinâmico,
processo de envelhecimento, os idosos apresentam necessidades espaciais progressivo e irreversível, ligados intimamente a fatores biológicos, psíqui-
diferenciadas por serem usuários complexos visto que as modificações fi- cos e sociais (Fechine & Trompieri, 2012).
siológicas decorrentes do processo de envelhecimento acarretam em limi- Meireles (2000) também relata que o envelhecimento é um processo
tações no uso dos espaços e equipamentos. dinâmico e progressivo onde há modificações tanto morfológicas quanto
A mobilidade e acessibilidade da pessoa idosa estão diretamente re- funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam a perda de adap-
lacionadas com sua capacidade funcional. Assim, todas as condições pecu- tação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade.
liares ao envelhecimento do idoso requerem necessidades de adaptações O envelhecer trata-se de um processo degenerativo, caracterizado por
para que ele possa participar das atividades laborais. (LIMA COSTA e VE- menor eficiência funcional, com enfraquecimento dos mecanismos de defesa
RAS, 2003; PIRES, 2007). frente às variações ambientais e perda das reservas funcionais (REIS, 2009).
A inclusão do idoso no mercado de trabalho está intrinsicamente re- Giacheti e Duarte (1997), em seus estudos, pontuam que o envelhe-
lacionada à manutenção dos seus direitos sociais, como direito a autonomia cimento é considerado uma etapa do desenvolvimento natural, caracteriza-
(se relaciona com a mobilidade urbana) e direito de acessar serviços que da pela degenerescência psicofísica do ser humano. Por tratar-se de um fato
garantam condições de vida (saúde, trabalho, educação, lazer e moradia). universal comum a todos os seres vivos em idades avançadas, o envelheci-
A permanência do idoso no mercado de trabalho (ou a sua inclusão) mento é gradativo, lento e multidimensional e ocorre em indivíduos com
é uma questão em discussão, tanto do ponto de vista do impacto previ- realidades biopsicossociais particulares.
denciário quanto pela necessidade deste segmento da população se manter Ainda de acordo com os autores citados, as manifestações orgânicas
inserido nos processos sociais. e funcionais decorrentes do envelhecimento geralmente vêm acompanha-
A presente pesquisa trata-se de uma pesquisa de revisão da lite- das de perturbações fisiológicas e biológicas indiscutíveis, podendo atingir
ratura que teve por objetivo discutir os motivos pelos quais o idoso está o conjunto das aptidões físicas e mentais, uma vez que todas as células e
excluído do mercado de trabalho e propor adaptações que favoreçam a sua fibras nervosas são afetadas por ele (REIS, 2009). Soma-se as alterações
(re) inclusão a este espaço. neuromusculares a redução na condução nervosa associada à perda de mas-
sa muscular. (PIRES, 2007).
1 - O Processo de envelhecimento Reis (2009) acrescenta que na perspectiva biológica, o envelheci-
mento é considerado um processo que apresenta características universais,
A inserção social do idoso é diretamente proporcional às suas al- naturais, que não dependem da vontade do indivíduo. Dentre as modifica-
terações de saúde. Segundo Assis (2004), alterações físicas como perdas ções, estão: diminuição da massa óssea, atrofia da musculatura esquelética,
sensoriais (déficits auditivo e visual), déficits cognitivos, problemas oste- alteração do sistema de regulação de temperatura, diminuição da imuni-
omioarticulares e sequelas ou descontrole de doenças crônicas são fatores dade celular e aumento da predisposição a formar auto anticorpos e assim
que limitam a mobilidade e a independência do idoso prejudicando sua so- desenvolver doenças autoimunes.
ciabilidade, atividades diárias bem-estar. Além das alterações citadas, a pele torna-se mais seca, rugosa e flá-
O envelhecimento é um fenômeno que atinge todos os seres hu- cida, há desgaste dos ossos da maxila e mandíbula, perda da elasticidade do

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crânio, maior risco de infecção pela ineficácia dos mecanismos de limpeza o idoso retorne ao mercado de trabalho. O Estatuto do idoso, inclusive,
brônquica, comprometimento da mastigação em função da falta dos dentes contem leis que são consideradas como uma das mais avançadas do mundo,
e alterações mandibulares. (DUARTE, 2017). porém necessitam de investimentos públicos adequados. Um dos direitos
As doenças crônicas não são consequência do envelhecimento, no assegurados neste Estatuto é o Direito do idoso ao trabalho, que proíbe
entanto vêm acompanhadas deste processo, interferindo na capacidade fun- discriminação e limite de idade ao trabalho, exceto em casos de necessida-
cional da pessoa idosa. Muitas doenças, em especial as crônico-degenera- des físicas relacionadas com a idade. (BRASIL, 2003).
tivas estão relacionadas à idade. Lima-Costa e Veras (2003) em um estudo A criação de programas voltados para a capacitação do idoso e a
com 28.943 participantes a partir de 60 anos de idade constataram que preparação do trabalhador para a aposentadoria, estão entre os direitos as-
as doenças relatadas com maior freqüência pelas pessoas idosas foram hi- segurados ao idoso, de responsabilidade do poder público, que nem sempre
pertensão (43,9%), artrite/reumatismo (37,5%), doença do coração (19%) e são atendidos.
diabetes (10%). Nesse mesmo estudo 69% dos idosos relataram pelo menos Segundo Salgado (1980), a velhice é um tempo de “vazio social, pois
uma doença crônica, mostrando que o perfil epidemiológico da população são poucos os espaços nas comunidades que oportunizam uma existência
brasileira vem se alterando ao longo dos anos. socialmente produtiva para os velhos”. Amorim et al (2016) chamam a
atenção para a necessidade das políticas públicas e de medidas estruturais
2 - Inclusão do idoso no mercado de trabalho para atender a população idosa. O debate desta questão perpassa o finan-
ciamento da previdência social e a preocupação com as décadas de vida
Todas estas modificações fisiológicas decorrentes do processo de “inativa” após a aposentadoria.
envelhecimento somados a presença das doenças crônicas, acarretam em A participação do idoso no mercado de trabalho brasileiro é alta, em
limitações no uso dos espaços e equipamentos. Uma vez diminuída a sua relação a outros países. Segundo Furtado (2005) esta taxa de participação é
capacidade funcional, a pessoa idosa terá a mobilidade e acessibilidade re- de 46%. Maior do que em países como Estados Unidos, França, Alemanha,
duzidas na mesma proporção (ELY e DORNELES, 2006). Além disso, o Canadá e Japão.
indivíduo idoso poderá ser desqualificado para as suas atividades diárias, Em busca de manter o seu padrão de vida, complementar a renda
tendo a sua autonomia e independência comprometidas (REIS, 2009). social e manter os cuidados de saúde, o próprio idoso tem a iniciativa de se
A necessidade de se conhecer e adaptar o trabalho do idoso se torna manter no mercado de trabalho (Giambiagi et al, 2004; Queiroz e Ramalho,
cada vez mais indispensável, visto que o crescente envelhecimento popula- 2009). Ele toma esta atitude em busca de manter vida digna, visto que so-
cional está diretamente relacionado ao envelhecimento da População Eco- mente os proventos da aposentadoria não atendem suas demandas diárias
nomicamente Ativa (PEA). de sobrevivência.
Os idosos começaram a ser objeto de estudo de Saúde Pública com a O mercado de trabalho muitas vezes aceita o idoso, por vantagens
Constituição Federal de 1988, quando começaram os debates sobre a pro- econômicas e também trabalhistas, como o acesso gratuito do idoso ao
teção global aos idosos, surgindo assuntos complexos para formação de transporte público e redução de custos das empresas com a contribuição
políticas públicas (PAOLINI, 2016). para seguridade social (Damasceno e Cunha, 2011).
Legalmente não há impedimento ou qualquer penalidade para que No entanto, outros aspectos, além do econômico, merecem a atenção

212 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 213


na discussão sobre a permanência e re-inclusão desta população exercendo O desequilíbrio entre perdas e ganhos, presente na velhice, pode ser
suas funções laborativas. Os idosos economicamente ativos contam com um melhorado no trabalho através da utilização de equipamentos tecnológicos e
acúmulo de experiências, que é muito importante ao mercado de trabalho, de espaços educacionais direcionados a formação e atualização dos profissio-
uma vez que eles têm a capacidade de transformar dados em informação, nais idosos; levando a uma organização de trabalho satisfatório, privilegiando
gerando produtividade. (VANZELLA et al, 2011). o homem enquanto ser, de maneira individualizada e subjetiva, o que propicia
Soma-se a isso, o fato de trabalho ter um efeito protetor na perda a inclusão ou re-inclusão do idoso no mercado de trabalho. (Grunewald, 1997).
funcional de idosos. (d´Orsi et al, 2011). Em um estudo de coorte de base
populacional realizado com 1.667 idosos, os pesquisadores observaram que 3 - Mobilidade Urbana
a manutenção de trabalho remunerado destacou-se como um dos fatores in-
dependentes de proteção da perda funcional. Segundo eles, o efeito protetor Em relação às dificuldades espaciais encontradas pelas pessoas idosas
ocorre por mecanismos de suporte social. O convívio com outras pessoas no sistema de transporte coletivo Lunaro e Ferreira (2005) apresentam inú-
proporciona relações fundamentais de cooperação e interatividade. meros problemas que ocorrem em diversos locais de via pública, como calça-
A manutenção do idoso no mercado de trabalho assume importân- da com guias e rampas irregulares, mobiliário urbano mal colocado, vegeta-
cia a medida em que contribui para a redução da perda funcional e pela ção inadequada, piso em péssimas condições, inexistência de semáforos com
prevenção do isolamento social do idoso. Se manter ativo, economicamente uso exclusivo para pedestres aliada ao grande fluxo de veículos que trafegam.
ativo, em condições adaptadas a realidade do envelhecimento pode ser uma A NBR 9050 (ABNT, 2004) considera como parâmetros de acessibi-
saída para o isolamento social do idoso e suas conseqüências na perda de lidade, degraus e escadas fixas em rotas acessíveis, presença de corrimãos,
autonomia e independência. faixas de travessia de pedestres e rebaixamento de calçadas, dentre outros.
No entanto, para que o idoso possa permanecer no mercado de tra- Garantir acessibilidade, sobretudo à pessoa idosa, representa um
balho são necessárias adaptações, desde o acesso deste trabalhador ao local grande desafio devido à importância de abranger todas as necessidades
de trabalho até reorganização de rotinas, flexibilização da jornada de tra- destes usuários. Os autores Ely e Dorneles (2006) propõem orientações
balho e remanejamento de funções. É fundamental que o idoso se mantenha para a promoção da acessibilidade da pessoa idosa como: a facilitação das
no trabalho, em condições adaptadas às alterações inevitáveis do processo informações em placas, mapas, sinalizações sonoras, uso de cores diferentes
de envelhecimento. e com contrastes em áreas para idosos, mobiliário em cores diferenciadas
A idade não revela somente efeitos negativos de capacidades de traba- em relação às cores do ambiente, iluminação adequada, pisos e calçadas
lho, ela também propicia o acúmulo de experiência profissional, que favorece a com anti-derrapantes e anti-reflexos visando assim evitar acidentes e que-
elaboração e execução de tarefas e tomadas de decisões. das, faixas elevadas e alargadas as esquinas, altura dos assentos adaptada
Com toda a experiência que este trabalhador acumula em anos de para reduzir o esforço físico dos idosos.
trabalho, associada a políticas de profissional, este se prepara para assumir A qualidade ao atendimento prestado ao passageiro idoso é também
novos papéis no mundo do trabalho. Assim ele pode contribuir adminis- um aspecto relevante na acessibilidade da pessoa idosa ao transporte coletivo
trando treinamentos de novos trabalhadores, coordenando equipes, dentre urbano. Sousa (2005) destaca que alguns aspectos do idoso como mobilidade
outras possibilidades de atividades laborais. reduzida, alterações nos sistemas visual e auditivo e a lentificação dos mo-

214 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 215


vimentos corporais são conceitos fundamentais que devem ser conhecidos Conclusão
pelos profissionais que lidam diretamente com esta população, visando evitar
preconceitos e maus-tratos à pessoa idosa no ambiente urbano”. Com base nesta revisão foi possível observar que existem barreiras
O problema urbano é complexo e segundo Dias (2002), o caos ur- físicas, sejam elas intrínsecas (fisiológicas, como conseqüência do processo
bano é consequência da transformação infra-estrutural da sociedade bra- de envelhecimento) ou extrínsecas (barreiras arquitetônicas, falta de mo-
sileira, da sociedade global e que provoca, assim, migrações e modifica a bilidade urbana), que dificultam o acesso do idoso ao mercado de trabalho.
dinâmica de vida, impondo mudanças de valores nos aspectos considerados Mais agravante é a barreira social, relacionada principalmente ao
necessários, como vestuário, moradia, lazer e saúde. preconceito, que segrega ainda mais o sujeito desta faixa etária.
As cidades não estão adaptadas para atender as necessidades das A questão da inclusão do idoso ao mercado de trabalho será daqui a
pessoas com restrições de mobilidade e, paralelamente às queixas dos ido- poucos anos necessária não só para a manutenção da população economi-
sos, é fundamental considerar o espaço físico não só a partir dos aspectos camente ativa como também para manter a independência e autonomia da
estruturais, mas como os idosos interpretam o seu direito à cidade. Há pessoa idosa.
neste espaço físico, relações entre os sujeitos que o ocupam e que elaboram Conclui-se que é imprescindível a implementação de políticas pú-
mentalmente o espaço que usam. blicas que incentivem a inclusão e permanência do idoso no mercado de
Além das barreiras físicas, deve-se considerar as barreiras humanas, trabalho.
o desrespeito e a desconsideração de outros atores dispensado aos idosos
usuários do transporte. Caso a pessoa idosa continuar sendo desrespeitada Referências
em seus direitos, em sua dignidade como cidadãos, nenhum valor terá a legis-
AMORIM, W.A.C.; FEVORINI, F.B.; MELO, A.F.S.; TAVARES,
lação que legitima a política pública, quem tanto avançou ao longo dos anos,
A.S. O mercado de trabalho para trabalhadores com 50 anos ou mais no
nenhum valor terá o rompimento das barreiras físicas de acessibilidade.
Brasil. Temas de economia aplicada, dezembro, 2016.
As mudanças ocorrerão a partir de um trabalho de conscientização
ASSIS, M. E ARAÚJO, T.D. Atividade e postura corporal. In A.L.
da população sobre o processo de envelhecimento através de campanhas
Saldanha e, C.P. Caldas (Ed), Saúde do Idoso: a arte de cuidar. 2a edição.
educativas, ações do Ministério Público e envolvimento das empresas ope-
Rio de janeiro: Interciência, p.83-86, 2004.
radoras do Sistema de Transportes para facilitação do acesso da pessoa
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR
idosa ao uso do transporte coletivo urbano.
9050: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos ur-
Nessa sociedade que valoriza o ser humano pelo que ele faz, manter
banos. Rio de Janeiro, 2004.
o idoso ativo no trabalho e oferecer condições de acessibilidade vai além de
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o
questões econômicas. O mais importante é que a pessoa idosa permaneça
Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial [da Republica
em suas atividades laborais, como meio de se manter inserida socialmente
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 3 out. 2003. Disponível em: <http://
e acima de tudo, minimizar o impacto do envelhecimento em sua indepen-
www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003 /L10.741.htm>. Acesso em: 15
dência e autonomia.
jul. 2017.

216 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 217


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Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, Centro

218 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 219


A inclusão digital de idosos:
possibilidades, oportunidades e desafios
Elisangela Gisele do Carmo50
José Luiz Riani Costa51
Renata Laudares Silva52
Nara Heloisa Rodrigues53
Gisele Maria Schwartz54

Introdução

A atual conjuntura demográfica do país apresenta um grande per-


centual de pessoas idosas, o qual tende a aumentar significantemente nas
próximas décadas (IBGE, 2015). Diante desta realidade iminente, o cres-
cente predomínio das novas tecnologias na dinâmica do cotidiano das pes-
soas é um desafio a ser enfrentado (SANTOS; CIPRIANO, 2014), especial-
mente, no que tange à necessidade de investir esforços para a inclusão das
pessoas idosas no ambiente tecnológico.
As tecnologias são representadas pelas denominadas Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC), as quais compõem os dispositivos
eletrônicos utilizados como mecanismos e ferramentas, com a finalidade
de armazenar e disseminar dados utilizados para o acesso aos conteúdos
50
LEL-Laboratório de Estudos do Lazer, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: [email protected].
51
LAFE-Laboratório de Atividade Física e Envelhecimento, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadu-
al Paulista (UNESP). E-mail: [email protected].
52
LEL-Laboratório de Estudos do Lazer, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: [email protected].
53
LEL-Laboratório de Estudos do Lazer, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: [email protected].
54
LEL-Laboratório de Estudos do Lazer, DEF/IB-Campus Rio Claro, Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: [email protected].

220 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 221


disponibilizados online. A Internet é o principal meio de comunicação e de mais informações acerca de assuntos relacionados à saúde. Outros achados
informação, contendo inúmeras possibilidades para angariar mais conheci- da mesma pesquisa mostram que os benefícios do acesso às TIC propicia-
mento e, também, entretenimento, sendo provinda de sites disponibilizados ram aos participantes melhorias das funções cognitivas e de menor inci-
no conteúdo virtual, baseados em jogos, música, filmes, notícias jornalísti- dência de depressão, sugerindo que a maior interação social seja o motivo
cas, além de conteúdos educacionais, como cursos online e informações de de tal diminuição desta patologia (EUROPEAN COMMISSION, 2013).
diversos temas que o usuário queira acessar (CASTELLS, 2016). Embora já se tenham alguns estudos acadêmicos associando esse
Desta maneira, a inclusão digital é um fator importante para o de- campo das TIC com a população idosa, este representa um enfoque emergen-
senvolvimento das sociedades, tendo impacto em inúmeros setores da vida te, haja vista que existem, ainda, muitos desafios a serem elucidados. Além
humana, sendo que, no processo de envelhecimento, pode ser um incentivo disto, o atual cenário contemporâneo, o qual está cada dia mais tecnológico,
a mais para o envelhecimento ativo (CZAJA, 2017). Diversos estudos re- já tem atraído algumas pessoas idosas, contudo, ainda existe pouca compre-
centes, desenvolvidos em níveis nacional e internacional, têm apresentado ensão acerca das dificuldades de inclusão digital e dos impactos da utilização
evidências de utilização da Internet como um campo que propicia efetiva das TIC por esta população. Sendo assim, este estudo, de natureza qualitati-
contribuição para qualidade de vida das pessoas idosas, pelo fato de ser va, teve por objetivo investigar a influência da tecnologia na vida dos idosos
um importante estímulo cognitivo, minimizando declínios psíquicos, além e os pontos fortes e fracos da inclusão digital, na visão de idosos.
de ser um forte aliado à manutenção e ao incentivo ao aumento da rede
social (DAMANT et al., 2016; FOWLER, GENTRY, REISENWITZ, 1 - Procedimentos Metodológicos
2015; GONZÁLEZ, RAMÍREZ, VIADEL, 2015; GOUVEIA, MATOS,
SCHOUTEN, 2017; MARQUES, SCHNEIDER, D’ORSI, 2016; OKONJI O presente estudo, transversal, prospectivo e exploratório fez uso
et al., 2015; SHILLAIR et al., 2015; VIEIRA et al., 2016 ). de abordagem qualitativa. A amostra intencional foi composta por 20 par-
A Universidade de Exeter, localizada em Exeter, no interior da In- ticipantes, com idade igual ou acima de 60 anos, residentes no município
glaterra, realizou uma pesquisa denominada Activating and Guiding the de Rio Claro, interior do Estado de São Paulo, recrutados em Grupos de
Engagement of Seniors through Social Media (AGES 2.0). Este estudo Terceira Idade, Associações de Aposentados, Projetos de Extensão Uni-
teve por objetivo analisar de que forma as TIC, especialmente a utilização versitária, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Conselho
das redes sociais, poderiam ajudar na interação social de idosos institucio- Municipal do Idoso de Rio Claro-SP.
nalizados ou não e quais os efeitos desta interação na saúde de maneira Todos os participantes que se dispuseram a participar da pesquisa
global e consequente qualidade de vida dos mesmos. leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como
Como resultado do AGES 2.0, a maior predileção para utilização critério de inclusão, os participantes não poderiam apresentar comprometi-
das TIC pelos idosos, tanto institucionalizados, como não institucionaliza- mento cognitivo, sendo, portanto, utilizado o Mini Exame do Estado Men-
dos, foi relatada a favor das redes sociais, a qual é utilizada, sobretudo, para tal-MEEM (FOLSTEIN et al., 1975), com utilização de pontuação suge-
contato com familiares e amigos, ou para fazer novas amizades, além disso, rida por Brucki et al. (2003), para verificar a presença ou não, de prejuízo
os idosos participantes desse estudo também afirmaram que, por meio do cognitivo. Estes elementos constituem excerto de projeto de pesquisa, o
mecanismo de busca feita pela Internet, no site Google®, procuram por qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade

222 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 223


Estadual Paulista-UNESP, Campus Rio Claro-SP, sob o número de proto- afirmaram que utilizam o computador e o celular, principalmente para
colo CAAE: 35765514.7.0000.5465. acessar a Internet. Os outros 15% da amostra afirmaram não utilizar as
Para a coleta dos dados, o instrumento utilizado foi uma entrevista TIC em seu cotidiano, pelo fato de não saberem como manusear os equipa-
estruturada contendo duas perguntas abertas. Tais questões foram refe- mentos. Porém, todos os participantes, tanto os que utilizam, com os que
rentes à utilização/aceitação tecnologias, além dos pontos fortes e fracos não utilizam, concordam que as TIC influenciam de maneira positiva, com
da inclusão digital. As entrevistas realizadas foram gravadas em áudio, por ampliação de conhecimento e de acesso a conteúdos interessantes. Ade-
meio da utilização de um gravador digital, e, posteriormente, transcritas mais, os participantes afirmam que por meio das TIC mantém contatos
com o uso do software de acesso gratuito Express Scribe Free Transcrip- com familiares, que moram em outro país ou em locais distantes, além de
tion Software (NCH Software, 2014). Para manter o sigilo a identidade dos manter amizades antigas e novas. A fala de dois diferentes participantes
participantes, no texto há a indicação por nomes fictícios seguido da idade. exemplificam esta afirmação:
Os dados foram analisados com base na utilização da Técnica de Análise de
Conteúdo proposta por Bardin (2016), com elaboração de dois Eixos, cria- [...] Até os livros que eu estudo, nos estudos de alto conhecimento de
dos a priori referentes aos objetivos do estudo, a saber: Eixo 1: “Utilização espiritualidade, também busco na internet [...] (Giovana, 53 anos).
das TIC” e Eixo 2: “Pontos Fortes e Fracos da Inclusão Digital”.
[...] com respeito a influência da tecnologia, eu tenho que dizer que está
2 - Resultados e Discussão exercendo um papel fundamental na vida, né? [...] inclusive, eu acabei
de participar agora...[...] de um curso de 160 horas, né, de operador de
Os dados demográficos da amostra apontam que, dos 20 participan- computador [...] (Júlio, 61 anos).
tes, 90% são do gênero feminino e 10% do gênero masculino e a faixa etária
média ficou concentrada em 68 anos de idade. Com relação à escolaridade, Esses dados encontrados se assemelham ao estudo de Raymundo
a média de anos de estudo foi de 12,5, sendo que 40% dos participantes (2013), o qual obteve 97% de aceitação no uso desta ferramenta tecnológica.
possuem Ensino Superior Completo, 25% têm o Ensino Fundamental, 20% Em pesquisas mais recentes, como as desenvolvidas por Carleto e Santana
têm o Ensino Médio Completo, 10% têm o Ensino Técnico, 5% têm o En- (2017), foi apontada uma frequência crescente de idosos em Programas de
sino Superior Incompleto e 5% o Ensino Superior com Pós-Graduação. Inclusão Digital e que utilizam as TIC para finalidades semelhantes às en-
Quanto ao estado civil, 50% afirmaram ser casados, 30% viúvos, 20% soltei- contradas neste estudo. Quanto ao fato de uma pequena parcela dos partici-
ros, 10% separados/divorciados. As classes socioeconômicas prevalentes, pantes do presente estudo (três participantes) terem afirmado não utilizar
classificadas por meio de questionário aplicado na amostra (ABEP, 2014), as TIC em seu cotidiano, alegando desconhecimento e falta de preparo para
indicou que 30% dos participantes estão na classe B1, seguidos de 25% na usar os equipamentos, o estudo de Carleto e Santana (2017) analisa este des-
classe A2. Com relação aos dados coletados referentes à entrevista estrutu- preparo da amostra do estudo, em que os idosos atestaram a necessidade de
rada, procedeu-se à análise dos eixos temáticos. ter cognição saudável e boa memória, juntamente com habilidades práxicas
Com relação ao Eixo 1: “Utilização das TIC”, os resultados eviden- e sensoriais, além de que, ter escolaridade é uma condição fundamental para
ciaram que, do total da amostra, 17 entrevistados, correspondendo à 85%, que haja facilidade de aprendizagem e manuseio destas tecnologias.

224 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 225


O Eixo 2: “Pontos Fortes e Fracos da Inclusão Digital” mostra que [...] mas, nos dias de hoje, a tecnologia tá sendo, de uma maneira tre-
a inclusão digital na vida cotidiana dos participantes é considerada com as- menda, né, de uma maneira impactante mesmo, em todas às áreas(...)
pectos positivos e também com aspectos negativos. Com relação aos pontos para o desenvolvimento humano mesmo, né, da medicina, na psicologia,
fracos, foram citadas a limitação que muitos idosos ainda possuem no uso e e, enfim são todos os campos, aonde o ser humano, aonde o cidadão, a
a dificuldade na seleção da qualidade das informações. pessoa vamos dizer assim, de 0 aos 100 anos, né, tem este acesso e usu-
frui de tudo isso, então é bastante esta influência, é tremenda, e é aonde
Entre os pontos fracos também foi evidenciada a dificuldade em se con- nós não temos aonde fugir (Júlio, 61 anos).
seguir acesso a informações fidedignas. Sendo assim, as pessoas pro-
curam buscar fontes que apresentem mais credibilidade, como sites de [...] então, qualquer lado que eu olho, eu vejo a existência do avanço
médicos famosos, ou jornais e revistas de grande impacto. Estas concep- tecnológico, né? E acho que isso aí é muito bom pra gente. Seja na parte
ções podem ser verificadas nas falas apresentadas: de informática, em outras áreas, então, os avanços da medicina, graças
a tecnologia hoje tem disponível muita coisa. Então é uma influência
Então, acredito que, é realmente necessário que a pessoa venha a utilizar muito grande, na vida de todos nós, né? (Miguel, 66 anos).
este recurso acessível, mas também acredito que dependendo de como
se usa a Internet, fanatiza muito. Então se for com a devida moderação Os estudos de Costa, Veloso e Ribeiro (2016) e de Araújo, Ribeiro e
é bom, tem influência boa, né, ocorre uma mudança de 360 graus, né, na Paul (2016), analisaram esta evolução tecnológica na integração dos servi-
vida da gente (Júlio, 61 anos). ços voltados ao fomento de hábitos saudáveis. Os autores salientaram que,
as informações divulgadas por meio do ambiente virtual, são analisadas e
[...] tem o lado negativo também, esse lado da alienação, esse lado da utilizadas pelas pessoas idosas, as quais, a partir delas, buscam modificar
violência, que eu acho que ela tem uma influência, né? No caso é neces- hábitos, comportamentos e gerar tomadas de decisão acerca da saúde, no
sário se atentar a estas coisas e saber lidar para não ser influenciado e sentido de promover um envelhecimento ativo. Os avanços da medicina em
melhor usar toda a tecnologia disponível, né (Leonardo, 67 anos). diversos campos, também foram apontados como elementos que colaboram
com a catalisação de mudanças de hábitos.
Com relação aos aspectos positivos, os idosos se posicionaram como Outro ponto positivo acerca da utilização das TIC, o qual foi apon-
favoráveis à utilização das TIC, uma vez que estas agregam muitos fatores tado pelos idosos é referente à facilidade da manutenção dos contatos com
significativos. Há uma evidente concordância desses entrevistados, acer- familiares e amigos, residentes fora do país ou em outros Estados e municí-
ca dos inúmeros benefícios advindos da evolução tecnológica, nas diversas pios, além da perspectiva de desenvolvimento de novas amizades, ocorren-
áreas. O desenvolvimento de diferentes setores da sociedade, proporciona- do por conta do uso das redes sociais. O estudo de Alves e Oliveira (2015)
do pela evolução da tecnologia, é algo inquestionável na visão dos idosos denota esta condição da utilização das TIC pelas pessoas idosas, no que se
entrevistados e este progresso se torna fortemente visível na área da saúde, refere à importância de manter e de atualizar a rede de contatos por meio
como demonstrado nas falas que se seguem: das redes sociais. Os autores salientam, ainda, o sentimento de pertenci-
mento e de satisfação nos relacionamentos pessoais propiciados por essa

226 | INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE INCLUSÃO, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE | 227


rede de contato, sendo este um fator relevante para os idosos, haja vista para os idosos estarem imersos no universo digital e fazerem-se presentes,
que estes possuem intuitos diferentes das demais faixas etárias quanto ao usufruindo estas possibilidades no tempo livre.
uso das redes. Um participante simplifica esta importância em uma frase: A possibilidade de desenvolvimento do turismo virtual também
foi evidenciada positivamente nas falas dos entrevistados. A aquisição de
[...] de repente você quer conversar com a pessoa, sente saudades, quer conteúdos ligados a novas culturas e a possibilidade de visitação virtual a
saber como as pessoas estão, quer contar as novidades, quer ouvir as museus e diversos outros atrativos turísticos, ressaltam a positividade no
novidades e assim por diante, né, se você tem contato no Facebook e tal, uso das TIC. De acordo com os estudos de Carvalho (2016), as TIC favore-
tudo é muito rápido e muito bom esta proximidade, mesmo por tecnolo- cem o aporte de conhecimentos gerais e específicos, gera aprendizagem de
gia. (Agatha, 71 anos) maneira facilitada, o que, em tempos remotos, era dificultado e demandava
tempo. O exemplo da fala, a seguir, ilustra esta questão evidenciada:
Estes relatos exemplificam essa condição positiva, em que a utiliza-
ção das TIC pode conduzir a experiências inovadoras no campo da tecnolo- O ponto forte da Internet, e que nos deixa felizes, é de a gente poder
gia, ao despertar pensamentos e comportamentos proativos. Esses aspectos buscar informações, estas informações podem ser de qualquer tipo e
corroboram os apontados nos resultados do estudo de Ujiie et al. (2017).
também procuro bastante guia de viagens e de locais que gostaria ou
Conforme esses autores, as TIC podem contribuir de maneira efetiva na
que vou viajar, além disso, a gente tem contatos com pessoas de fora de
vida dos indivíduos, uma vez que estas os incitam a buscar e a desenvolver
pessoas que estão morando fora e que tem blogs, e a gente se informa
maior confiança, capacidade e autonomia.
tudo. (Vitória, 68 anos)
Chen e Schulz (2016) realizaram uma revisão sistemática, explora-
ram o efeito das TIC na redução do isolamento social entre os idosos. Em
seus resultados, os autores ressaltaram quatro importantes focos referen-
Conclusão
tes aos objetivos de utilização, sendo eles: conectar-se ao mundo exterior,
O presente estudo investigou a influência das TIC na vida dos ido-
apoio social, engajar-se em atividades de interesse e aumentar a autocon-
fiança. Percebe-se, portanto, que as TIC revigoram a percepção de empo- sos e os pontos fortes e fracos da inclusão digital, na visão de idosos, resi-
deramento no trato tecnológico, gerando impactos positivos em diversos dentes em um município no interior do Estado de São Paulo. Os resultados
aspectos, como a socialização e a sensação de pertencimento. mostram que os idosos possuem fortes tendências à utilização das TIC,
Os participantes evocaram, em seus relatos que, ao fazerem uso da pautadas, principalmente, no aprimoramento das relações sociais. Os ido-
Internet por meio das TIC, sentiram-se satisfeitos e inclusos socialmente sos evidenciaram pontos interessantes, sobretudo, no que diz respeito ao
(AZEVEDO, 2016). Este fato está relacionado ao uso destas ferramentas, alcance que a tecnologia proporciona, no que tange aos inúmeros conteú-
as quais, segundo o autor, proporcionam o encurtamento das distâncias, dos disseminados no ambiente virtual. Também ficou patente a influência
favorecendo a interação social com os familiares e amigos distantes. destes conteúdos no cotidiano dos mesmos.
Mais um ponto positivo pode ser percebido no conteúdo das falas Entretanto, ainda que esses pontos positivos tenham sido percebi-
dos entrevistados, fazendo relação ao conteúdo virtual disponibilizado, tais dos pelos entrevistados, estes também apontaram aspectos negativos, os
como jogos, cursos e filmes. Esses elementos são considerados incentivos quais conduzem a novos desafios a serem elucidados. Entre esses pontos,

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foram ressaltados a falta de oportunidade ainda vigente, de acesso às TIC, do desenvolvimento da competência informacional na terceira idade. 2016.
tanto por problemas financeiros, quanto pela falta de conhecimento especí- 68f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biblioteconomia),
fico para lidar com os recursos tecnológicos. Além disto, a incerteza sobre Departamento de Ciência da Informação, Universidade Federal do Rio
a credibilidade das informações ali expressas também gera desconforto. Grande do Norte, 2016. Disponível em: <https://monografias.ufrn.br/js-
Sendo assim, o estudo conclui que, apesar da influência positiva res- pui/handle/123456789/3795>. Acesso em: 01 set. 2017.
saltada no que tange ao uso das TIC por indivíduos idosos, ainda há lacu- ALVES, V. P.; OLIVEIRA, R. C.. Tecnologias de comunicação e in-
nas, como esta relatada sobre a limitação no acesso às tecnologias. Uma teração e envelhecimento humano: a busca da inclusão social pela inclusão
das alternativas para minimizar essa discrepância da falta de conhecimento digital. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano-RB-
para o acesso às tecnologias entre os idosos, poderia ser a coparticipação CEH, Passo Fundo, v. 12, n. 3, p. 234-244, 2015.
de idosos no processo de aprendizagem do uso das TIC. Esta metodologia ARAÚJO, L.; RIBEIRO, O.; PAUL, C.. Envelhecimento bem suce-
foi sugerida por Santiago, Schwartz e Kawaguti (2015), tendo como base dido e longevidade avançada. Actas de Gerontologia, Porto, Portugal, v2,
um idoso ensinando outro idoso a lidar com as tecnologias. Esta forma de n.1, 2016, p. 1-11, 2016.
aprendizado pode ser aplicada em cursos específicos de inclusão digital, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS E PESQUISA.
assim como, por amigos ou conhecidos, para que, assim, seja criada uma Critério de Classificação Econômica Brasil 2014. Disponível em:<http://
corrente de conhecimento. www.abep.org/new/criterioBrasil.aspx> Acesso em: 01 set. 2017.
O estudo tem como limitação o número reduzido de participantes, ten- AZEVEDO, C.. Tecnologias e pessoas mais velhas: as novas tec-
do em vista que diversos idosos não atendiam aos critérios de inclusão. Além nologias de informação e comunicação nas relações sociais de seniores em
disto, muitos idosos não se sentiram confortáveis em participar, quando a abor- Portugal: 2013: 8º SOPCOM: “Comunicação Global, Cultura e Tecno-
dagem afirmava a utilização de tecnologias. Tornam-se necessárias outras ma- logia”. In: Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação-2013: 8°
neiras de seleção de participantes, para se ampliarem os resultados do estudo. SOPCOM: “Comunicação Global, Cultura e Tecnologia”, 8., 2013, Lisboa.
Este estudo tem implicações para futuras investigações acerca do as- Actas... Lisboa: Escola Superior de Comunicação Social, 2013. v. 8, p. 1171-
sunto da inclusão digital de idosos, assim como, sobre a sua importância no 1175. Disponível em: <http://revistas.ua.pt/index.php/sopcom/article/
contexto atual das sociedades. Para tanto, é indispensável a atenção de gesto- view/4410>. Acesso em: 01 set. 2017.
res envolvidos na elaboração de políticas públicas relacionadas ao idoso, para BARDIN, L.. Análise de Conteúdo. Tradução: Luís Augusto Pinhei-
a criação e a implantação de novas ações, as quais universalize este acesso às ro. São Paulo: Edições 70, 2016. 211p.
TIC, para que a população idosa realmente se inclua neste ambiente virtual e BRUCKI, S. M. D.; NITRINI, R.; CARAMELLI, P.; BERTOLUC-
possa desfrutar de todos os benefícios e conteúdos disponíveis online. CI, P. H. F.; OKAMOTO, H. I. Sugestões para o uso do Mini Exame do
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