Geografias Culturais Da Música: Ana Francisca Azevedo Beatriz Helena Furlanetto Miguel Bandeira Duarte (Eds.)
Geografias Culturais Da Música: Ana Francisca Azevedo Beatriz Helena Furlanetto Miguel Bandeira Duarte (Eds.)
Geografias Culturais Da Música: Ana Francisca Azevedo Beatriz Helena Furlanetto Miguel Bandeira Duarte (Eds.)
GEOGRAFIAS
emocionais que se organizam em cada imaginação
geográfica, ou, talvez o maior desafio, a tentativa de
superação de uma tradição de aprisionamento da ideia
CULTURAIS
de paisagem à dimensão puramente visual: da
paisagem como experiência óptica à paisagem como
miguel bandeira duarte (eds.)
beatriz helena furlanetto
ana francisca azevedo
experiência hática. E se a música faz espaço, produz
DA MÚSICA
viagens no tempo e no sentido, pois também ela resulta
de uma profunda relação com os lugares tornados
expressão.
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da notação musical estabelece relações com a imagem, num plano mental
fora do suporte, como também uma aproximação sinestésica entre o som e
a imagem, numa expressiva interação entre a audição e a visão.
Fig. 1. Ilustração para Lettre sur les sourds et les muets (Diderot, 1751, pp. 212, 214): fragmento
musical anonimo. Desenho sobre uma gravura de Frans van Mieris, Les effets de la peste, 1725.
191
Diderot estabelecia relações entre ambos:
La pensée rapide caractérise d’un trait; or, plus l’expression des arts
est vague, plus l’imagination est à l’aise.
Il faut entendre dans la musique vocale ce qu’elle exprime. Je fais
dire à une symphonie bien faite presque ce qu’il me plaît; et comme
je sais mieux que personne la manière de m’affecter, par l’expérience
que j’ai de mon propre cœur, il est rare que l’expression que je donne
aux sons, analogue à ma situation actuelle, sérieuse, tendre ou gaie,
ne me touche plus qu’une autre qui serait moins à mon choix. Il en
est à peu près de même de l’esquisse et du tableau. Je vois dans le
tableau une chose prononcée: combien dans l’esquisse y supposé-je
de choses qui y sont à peine annoncées! (1966, p. 123)
192
impulso irrepetível da mesma forma como a paisagem se anuncia: estrutura
num só toque sobre a folha de papel, registando a síntese da ideia sobre
partes de um conjunto mais amplo.
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A capacidade de observar elementos de uma paisagem em ambos
os registos remete para uma imaginação estimulada. Para a unificação
de alguns traçados cuja peculiaridade é encontrarem-se relativamente
próximos, serem produzidos com tensões variáveis e orientarem para uma
direção, como um vetor. Trata-se de uma interferência da imaginação
no processo de perceção conhecido como reificação. Os dois registos
apresentam uma clareza da marca que cria um campo próprio, um valor
cujo sentido é remetido para a apreciação do conjunto. O traço tem aqui um
valor objetual. É evidente tratarem-se de “paisagens” distintas, no entanto a
distribuição das marcas pelo campo gráfico estabelece uma relação de cima/
baixo, esquerda/direita, cheio/vazio à qual o observador se liga através de
um conjunto primário de orientação e de indícios de profundidade. Num
todo, incluindo a direção do olhar, constrói-se uma narrativa de experiência
no desenho e, fora dele, num lugar.
194
que se espera multidimensional, a começar pelo carácter invulgar do
movimento e a revelação progressiva de novos contextos. De facto, o trabalho
performativo ultrapassa a interpretação sensorial e propõe uma construção /
estrutura paisagística sobre uma expressão relativamente abstrata.
195
a ligação mais ou menos imediata. Trata-se de um conjunto de avaliações
espaciais que apenas vagamente se encontram referenciadas, onde as
relações espaciais ocupam posições relativas e não absolutas.
Quando o observador se propõe a ver espaço em qualquer uma
destas representações, a identificar a imagem como uma paisagem, fá-lo a
partir de um conjunto de informações que permitem muito rapidamente
detetar a sua tipologia, urbana, campestre, etc., nomeadamente através da
abertura ou fecho da configuração espacial. Em geral este reconhecimento
rápido designado por scene gist acaba por ser determinante em processos
importantes como a dedicação da atenção1. Numa representação esquemática
como a que se propõe generalizadamente nas imagens de suporte do texto
o grau da abertura, não propondo a determinação da profundidade através
de uma perspetiva, implica uma dependência mais da textura e dos efeitos
atmosféricos (refletindo-se, estes últimos, na qualidade sólida ou fragmentar
da linha). É neste contexto que se desenvolve uma apetência para a dimensão
pictórica da imagem, à vez algo que tanto facilita a expressão como permite
uma interpretação com um carácter mais livre. Este estímulo, possivelmente
menos ordenado, apresenta-se como uma possibilidade de leitura contínua
evitando paragens relativas a lacunas de informação. É neste sentido de uma
certa velocidade de leitura ou interpretação que L. W. Renninger e J. Malik
(2004, pp. 2301-2311) defendem um modelo de reconhecimento baseado
em texturas, formando pistas holísticas por todo o campo visual, em lugar
de se deter em características particulares de cada objeto.
O reconhecimento da paisagem a partir de uma matriz textural
permitirá um enfoque maior no ambiente do que nos objetos que o definem.
Enquanto metodologia para uma perceção estruturada, a exploração
da textura estabelece uma ordem que não obedece necessariamente à
tridimensionalidade, apenas à variação do comprimento, da espessura, da
direção e da separação entre marcas. No entanto, em termos de representação,
um desenho que assenta num gesto baseado numa determinação rítmica
(Fig. 6) pode bem não fornecer uma informação correta, pela falta de
ordem, correção no dimensionamento e direção no registo da textura, que
deriva do encadeamento ou determinação.
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Fig. 6. Marcello Mercado, Das Kapital - Capital Opera Oratorium,
Graphic Notations, Graphic notations, Score, Experimental music (1996 – 2009).
Lápis sobre papel, 21 cm x 29,7 cm. (Cortesia do artista).
197
horizontalidade das linhas da pauta com a horizontalidade da paisagem ou
a noção de carácter orgânico e menos regular dos elementos naturais que
permite um inter-relacionamento com formas análogas. Quanto às linhas
verticais, são fundamentais no reconhecimento retiniano2, a verticalidade é
uma referencia ótica desenvolvida com a condição de bipede do ser humano.
Marcam indiscutivelmente tudo o que atravessa o horizonte associando-se a
tudo o que se ergue da terra. Depois, as subtis variações na espessura e tensão
da linha criam uma ligação empática com o observador. Parte desta ligação
atua também na pele, na sua potência sensorial. O desenho e a paisagem
produzem uma diversidade estímulos, nomeadamente mecânicos, estáticos:
pressão; dinâmicos: riscar, de vibração e de tracção/elasticidade. Capacitam
uma energia cinética que traduz textura, pressão, temperatura e rigidez a
partir da variação rítmica das sensações.
O gesto mimetiza tanto a natureza exterior ao indivíduo como a sua
dinâmica emocional. O gesto caligráfico representa um impulso puro como
ideia espontânea ou como reação instantânea. Nele a forma equivale ao seu
sentido, expressando uma atitude física e mental em uníssono. O caracter
pessoal, intimista, da comunicação do extemporâneo atua como mnemónica
para o reviver da experiência sensorial. Apesar de se tratar de uma síntese
funciona como chave de ativação para uma experiência ou performance
posterior. Como síntese, o traçado carrega uma carga emocional que
será transformada em conteúdo semântico pelo intérprete da imagem,
oferecendo-se ao fenómeno criativo da reconstrução da experiência. A
exposição destas marcas, não se tratando do modo de comunicação mais
eficiente, é aquele que mais revela sobre a intenção do seu emissor.
O carácter abstrato destes traçados permite também o seu uso como
mediadores sensoriais. No caso de Raewyn Turner (Fig. 7), o desenho é
descrito como sonoro, sendo utilizado em conjunto com outros relativos a
diferentes peças de música como proposta para a temporada de concertos
Four Senses, em parceria com o artista Tony Brooks. A particularidade deste
evento reside no facto de os seus intérpretes serem surdos. Compreende
propostas direcionadas para a visão, o olfato, a audição e o toque, a serem
interpretados por um coletivo de dança com deficiência, um grupo coral de
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surdos e um cantor invisual, além de uma orquestra sinfónica. A descrição
gráfica serve como estrutura a performances multi-sensoriais pelo facto de
no registo, o traçado, se organizar espacialmente através do movimento do
corpo e do seu gesticulado.
Fig. 7. Raewyn Turner, Sound drawing: Brahms, Hungarian Dance nº 10, 2002.
(Cortesia da artista)
199
de modelos no sentido de cumprir com a imagem mental ou a ideia que
configurou a intenção. A emergência da espontaneidade coincide com um
hiato temporal que permite uma resolução, normalmente numa rutura com
o simbólico das convenções e pleno da contingencialidade do contexto
criativo.
Quanto maior for a experiência melhor será, em potência, a
capacidade de expressão da ideia. No caso particular do desenho,
em concreto do esquisso, esse conhecimento será determinante na
modelação da perceção como, também, na diversidade de escolhas a
realizar e respetivas adaptações. Uma combinação entre vocabulário
e gramática traduz-se no desenho para uma relação entre os
elementos gráficos, a plasticidade dos materiais que os produzem
e, como gramática, a modelação expressiva apropriada à disposição
do temperamento. A prática confere uma fluência explícita, a qual
pode atuar de forma mecânica ou, quando mediada pela sensação,
modular-se de maneira poética. (Duarte, 2016, p. 211
Referências bibliográficas
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Berkowitz, A. L. (2010). The Improvising Mind: Cognition and Creativity in the
Musical Moment. New York: Oxford University Press.
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extracted from a glance at a scene. Journal of Experimental Psychology, 103,
597 - 600.
Diderot, D. (1751). Lettre sur les sourds et les muets. [s.l.; s.n.]
Diderot, D. (1966). Oeuvres Complètes de Diderot. Liechtenstein: Kraus Reprint LTD..
Duarte, M. B. (2015). Do Movimento na Paisagem (2004-2007). Encontros Estúdio
UM, 12, 43 - 57
______ (2016). O Lugar e o Objecto como Circunstância do Esquisso (Tese de
doutoramento). Lisboa: FBAUL.
Larson et al. (2014). The Spatiotemporal Dynamics of Scene Gist Recognition.
Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance.
American Psychological Association, 40 (2), 471 - 487.
Purves, D. et al. (eds.) (2008). Neuroscience (4. ed.). Sunderland: Sinauer Associates,
Inc..
Renninger, L. & Malik, J. (2004). When is scene identification just texture
recognition? Vision Research, 44, 2301-2311
200
Índice
3 Apresentação
13 Geografia e Música.
A Tocadora da Roda de Giacometti
Ana Francisca de Azevedo
93 Mozart e La Confidence:
a História por detrás das Variações mais Célebres
de todos os Tempos
Luís Pipa
221
165 Paisagem e Visualidade na Música:
Lugares e Universos Paralelos
Paulo Freire de Almeida
222
Notas biográficas
223
Beatriz Helena Furlanetto
Pianista, pesquisadora e professora de Música de Câmara da Universidade
Estadual do Paraná, Campus I – Escola de Música e Belas Artes do
Paraná, onde concluiu o Bacharelado em Instrumento/Piano (1991) e a
Especialização em Piano (1993). Mestre em Educação (2006) pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Doutora em Geografia (2014) pela
Universidade Federal do Paraná, com estágio doutoral na Università degli
Studi di Urbino Carlo Bo, Itália. Tem publicado trabalhos sobre geografia da
música, tema das pesquisas em desenvolvimento no estágio pós-doutoral
no Departamento de Geografia da Universidade do Minho.
Francisco Monteiro
Iniciou os seus estudos de piano no Porto com Helena Costa, tendo
terminado o Curso Superior de Piano no Conservatório da cidade. É
diplomado pela Universidade de Música de Viena – Áustria (Diploma de
concerto – piano, classe de Noel Flores), pela Fac. Letras da Universidade
de Coimbra (Mestrado em Ciências Musicais, Interpretação e Educação
Musical, orientador Gerard Doderer) e pela Universidade de Sheffield
- Reino Unido (Doutoramento em Música Contemporânea, A geração
de Darmstadt Portuguesa, orientadores Peter Hill e George Nicholson).
Pianista (solista e grupos de câmara), compositor, maestro e investigador
(INET-MD, DeCA, Universidade de Aveiro), é Professor Coordenador
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da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto. Tem
trabalhos diversos publicados sobre Jorge Peixinho, Emmanuel Nunes,
música contemporânea, análise, teoria e estética musical.
Joana Gama
Pianista e investigadora portuguesa que se desdobra em múltiplos projetos
– a solo e em colaborações – nas áreas do cinema, da dança, do teatro,
da fotografia e da música. Estudou no Conservatório de Música Calouste
Gulbenkian de Braga, na Royal Academy of Music de Londres e na Escola
Superior de Música de Lisboa, onde completou a Licenciatura em Piano. Em
2010, na classe de António Rosado, concluiu o Mestrado em Interpretação
na Universidade de Évora, onde defendeu em 2017 a tese de doutoramento
Estudos Interpretativos sobre música portuguesa contemporânea para piano:
o caso particular da música evocativa de elementos culturais portugueses,
como bolseira da FCT. Grande parte dos seus projectos mais recentes estão
editados em disco – em editoras como Room40, MPMP, Shhpuma e Pianola
– e receberam elogios da crítica especializada.
Luís Pipa
Pianista e professor de Piano e Música de Câmara na Universidade do
Minho. É Doutorado em Performance pela Universidade de Leeds, Master of
Music in Performance Studies pela Universidade de Reading, e diplomado em
piano com distinção pelo Conservatório de Música do Porto; estudou ainda
na Academia Superior de Música e Artes Dramáticas de Viena - Áustria.
Publica regularmente artigos sobre técnica, interpretação e pedagogia
pianística em revistas nacionais e internacionais. Como pianista tem uma
extensa carreira a solo, tendo ainda colaborado com grandes solistas,
maestros e orquestras de renome. Orientou diversas master classes de piano
em numerosos países europeus e integra regularmente júris internacionais
de concursos pianísticos. As suas várias gravações em CD abarcam desde o
repertório Barroco ao do século XX, incluindo algumas das suas próprias
composições. Uma crítica do Piano Journal (2014) ao seu CD Portugal (DN,
2009) descreve Luís Pipa como um pianista de grande “profundidade, poder
e nobreza”. As últimas gravações incluem um duplo CD com obras de W.A
225
Mozart (Tradisom, 2018) e outro com obras de Vianna da Motta (Toccata
Classics, 2018). É o atual presidente da delegação portuguesa da European
Piano Teachers Association (EPTA-Portugal) e vice presidente da EPTA
Internacional.
Margareth Milani
Professora adjunta da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/Campus
de Curitiba I/Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), Brasil,
desde 1994. Doutora em Práticas Interpretativas/Piano pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (2016) com a tese Percepções e concepções
sobre corpo, gesto, técnica pianística e suas relações nas vivências de alunos
de piano de dois cursos de Graduação em Música. Mestre em Execução
Musical/Piano pela Universidade Federal da Bahia (2008) com a dissertação
Prelúdios Tropicais de Guerra-Peixe: uma análise estrutural e sua projeção na
concepção interpretativa da obra. Especialista em Educação Musical/Piano
pela EMBAP (1997) com a monografia Algumas reflexões sobre o ensino do
piano. Bacharel em Instrumento/Piano pela EMBAP (1989). Experiência na
área de Música com ênfase em Performance Instrumental/Piano, Música de
Câmera, Educação Musical e Pedagogia do Piano.
226
se dedicado ao estudo da perceção do espaço e das formas contemporâneas
de representação da paisagem em pintura e desenho, especialmente no
tema das paisagens anónimas e comuns da periferia e do quotidiano. Como
artista visual dedica-se à série de desenhos “Sombra Eléctrica”.
Vincenzo Riso
Professor Associado na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho
(EAUM) desde 2011, onde, durante vários anos tem sido responsável pelos
cursos do Laboratório de Urbanística (1º ano MIARQ) e mais recentemente
do Atelier Património e Reabilitação (5º ano MIARQ). De 2012 a 2015
exerceu ainda o cargo de Presidente da EAUM. Em 1994 licenciou-se
pela Faculdade de Arquitectura da Universidade de Florença e aqui, em
2006, doutorou-se. Desde então tem vindo a desenvolver uma actividade
de investigação baseada no princípio inspirador da ‘renovação’, entendido
como manifestação da multiplicidade e da temporalidade dos processos de
construção em qualquer escala de intervenção, do edifício até ao território
extenso. Tem publicado vários ensaios em livros e revistas internacionais e
em 2008 foi premiado no Bruno Zevi prize for a critical essay about Modern
Architecture.
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Editores
Ana Francisca Azevedo
Beatriz Helena Furlanetto
Miguel Bandeira Duarte
Autores
Ana Francisca Azevedo
Beatriz Helena Furlanetto
Carlos Alberto Assis
Francisco Monteiro
Luís Pipa
Joana Gama
Margareth Milani
Miguel Bandeira Duarte
Paulo Freire de Almeida
Vincenzo Riso
Conceção gráfica
Miguel Bandeira Duarte
Capa a partir de W. van der Kloet, séc. XVIII, MNS / UM
Ano
2018
Impressão
Diário do Minho
Depósito legal
450018/18
ISBN
978-989-8963-00-0
229