Filosofia - Texto 01 - 2º Ano - CPM

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CPM FILOSOFIA – TEXTO 01

O QUE É FILOSOFIA? Portanto, Filosofia não é um conhecimento pronto e acabado


transmitido por meio de lições e exposições exatas e

A origem da palavra filosofia matematicamente formatadas. Pelo contrário, Filosofia é


uma atitude, um modo próprio de se posicionar frente à
realidade, levando o homem ao questionamento constante
dos fatos, ideias, acontecimentos, valores, enfim, tudo o
que faz parte da vida humana.

O que é Filosofia
Ao longo do tempo, o termo filosofia foi utilizado de modos
e com significados distintos ao de sua origem. Buscaremos
agora a definição do que é Filosofia tal como estudamos
nas escolas e faculdades e a diferença desta definição em
relação aos demais usos do termo.

Podemos apontar, pelo menos, três definições distintas


de filosofia:

1. Modo de viver ou sabedoria de vida: entendida desta


forma, a filosofia tem um caráter pessoal. É a maneira
que um indivíduo particular tem de ver o mundo e
de se portar diante das situações. Quando o sujeito
afirma “esta é a minha filosofia de vida”, ele está
Auguste Rodin

dizendo que é desta ou daquela maneira que ele


encara a vida e dá significado às ideias, aos fatos e
a si próprio.
O Pensador, 1881. Bronze 71,5 x 40 x 58 cm.
2. Pensamento ou origem das ideias: neste caso,
Comumente utilizada e pouco conhecida, a palavra Filosofia,
a filosofia é tida como o simples ato de pensar.
ao longo de seus 2500 anos de existência, foi tomando
Ao afirmar “estou filosofando”, o sujeito na verdade
significados novos. Para definirmos melhor o que realmente
está dizendo que está pensando sobre algo, pura
é e do que trata a Filosofia, enquanto modo e tentativa
e simplesmente. Esta concepção de filosofia, por
de conhecer, iniciamos definindo o significado da palavra.
vezes, principalmente para o senso comum, leva à
A palavra filosofia vem do grego philosophia, que significa banalização do termo, pois dá a impressão de que
amor à sabedoria, amizade pelo saber. (Philos: amor, filosofia é um pensamento não sistemático, um
amizade; sophia: sabedoria). Filósofo, portanto, é aquele “viajar” desconectado da realidade e do mundo.
que ama o saber e por isso o busca constantemente. Seria um pensamento que “sai de nenhum lugar
Mesmo não sendo um fato comprovado, acredita-seque e leva a lugar nenhum”, contrariando exatamente
o primeiro homem a utilizar a palavra filosofia foi Pitágoras a própria filosofia.
de Samos (século V a.C.), ao se referir a si e àqueles que, 3. Busca da verdade e fundamentação teórica sobre o
entre a multidão que ia assistir aos jogos olímpicos, se homem e o mundo: a filosofia, vista em sua concepção
dedicavam à observação de tudo e de todos, buscando o mais correta, é um modo de pensar o mundo, buscando,
conhecimento sobre as pessoas, os fatos,enfim, sobre tudo através da análise, da crítica, do questionamento,
o que faz parte da vida do homem. A partir desse fato, da reflexão, a própria verdade sobre o homem,
podemos compreender o dito pitagórico que resume o a sociedade, o pensamento, enfim, tudo o que pode ser
“espírito”, a “essência” da Filosofia e doato de filosofar: pensado e que diz respeito à vida humana e à cultura.
“[...] a sabedoria pertence aos deuses, mas os homens Nesse sentido, a filosofia sempre ocupou um lugar
podem desejá-la, tornando-se filósofos”. privilegiado, pois, além de constituir-se um conjunto
O pensamento filosófico

de ideias e teorias elaboradas desde seu surgimento Filosofia é, na verdade, um pensamento que busca as raízes
na Grécia, no século VI a. C., até os dias atuais, é uma do processo, busca um conhecimento profundo e rejeita
atitude frente ao mundo, tentando compreendê-lo a superficialidade do conhecimento. É um pensamento
de modo racional. Tudo o que diz respeito ao homem rigoroso, uma vez que busca formular um encadeamento
e à realidade que o cerca é objeto do pensamento de ideias que levarão a conclusões coerentes, não aceitando
filosófico. Nesse sentido, filosofia é a busca incessante contradições e ambiguidades. É um pensamento de
da verdade, do conhecimento verdadeiro que, apesar totalidade, de conjunto, pois busca um conhecimento que
de muitas vezes transitório, deve ser constantemente não fragmenta o real, proporcionando uma visão total da
buscado, levando a significações sobre a realidade, o realidade em suas explicações e teorias. Enfim, Filosofia não
homem e o mundo. se confunde com nenhuma outra forma de ser e compreender
a realidade e o homem, mas está além de todas as formas

O que não é Filosofia de conhecimento quando questiona o que é o homem e a


própria realidade.
Outro modo de entendermos as especificidades do
pensamento filosófico pode ser trabalhado pela
compreensão do que não é Filosofia.
A atitude filosófica: questionar
sempre e em todas as
Filosofia não é ciência. Apesar de, em seu nascimento,
com os pré-socráticos, Filosofia e ciência não se dividirem,
circunstâncias
logo depois desse período, já com Sócrates, a Filosofia e as Quando nascemos, recebemos informações de todosos

FILOSOFIA
ciências seguiram caminhos distintos, uma vez que, se estas que nos cercam. Nossa família, a escola, os meiosde
têm um objeto de estudo determinado, aquela não o tem. Isso
comunicação, nossos vizinhos, enfim, todos os que
significa que a Física, a Medicina, a Química, a Engenharia,
participam do crescimento e desenvolvimento da criança
o Direito e todas as outras ciências têm seus objetos de
contribuem, cada um a seu modo, para a formação dos
estudo determinados, como o movimento dos corpos, caso
valores, ideias, conceitos, preconceitos e tudo o que faz
da Física, as leis e o seu papel social, no caso do Direito.
parte de nossa formação individual, moral e social. A isso
A Filosofia, porém, não tem um objeto de estudo
chamamos educação. Esse processo é normal e acontece
determinado. Dizemos que a Filosofia busca a verdade e,
com todos os indivíduos de uma sociedade, sem exceção.
nesse sentido, permeia os modos de conhecer de todas as
Nesse sentido é que se justifica a frase que diz sermos
ciências, servindo como fonte questionadora e crítica de
frutos do meio cultural, social e moral em que vivemos.
todas as ciências. Por tudo isso, compreendemos por que
a Filosofia era conhecida na Antiguidade como a ciência das Porém, em um determinado momento de nossa existência,
ciências. é necessário que todas essas ideias e valores, que até então
foram recebidos passivamente, do exterior para o interior,
Filosofia não é religião, embora seja uma forma de
se individualizem. O homem, já amadurecido intelectual e
questionamento sobre as explicações religiosas e suas
moralmente, deve encontrar um sentido próprio sobre o que
origens, levando o homem a olhar criticamente para as
até então ele apreendeu de forma espontânea e acrítica.
diversas formas de manifestação religiosa e suas
particularidades. Filosofia se baseia principalmente na razão, A esse processo de crítica, de individualização, de busca

e a religião, por sua vez, na fé. Ambas, Filosofia e religião, do sentido dos valores, ideias, conceitos e preconceitos

são formas distintas e legítimas de explicação do homem chamamos atitude filosófica.

e do mundo, porém, com bases e fundamentos diferentes. A atitude filosófica nos leva ao questionamento de tudo

Filosofia não é pensar em nada, não é um pensamento o que até então achamos natural. Aprendemos uma
assistemático, sem objetivos e sem critérios. Pelo contrário, infinidade de coisas ao longo da vida e, geralmente, não as
Filosofia é um modo de pensar sistemático, com começo, meio questionamos, pois cremos que aquilo existe ou que as coisas
e fim. Uma busca teórica de fundamentar a realidade de forma são como aprendemos. Vejamos um exemplo. Acreditamos
racional e compreensível, utilizando argumentos lógicos que que de fato a Terra gira em torno do Sol, pois dessa forma nos
defendam suas conclusões e que possam ser inteligíveis a todos. ensinaram na escola. Porém, nem sempre se acreditou nisso.
CPM FILOSOFIA – TEXTO 01

Por mais de 1 000 anos, os homens acreditaram que o


O mais importante: sábio x filósofo
Sol girava em torno da Terra, e essa crença, durante esse
período, era tida como verdadeira. Até que um dia essa
[...] a Filosofia não é a revelação feita ao ignorante por
convicção veio abaixo, com as descobertas científicas de
quem sabe tudo, mas o diálogo entre iguais que se fazem
homens como o astrônomo e sacerdote católico Nicolau
cúmplices em sua mútua submissão à força da razão e não
Copérnico (1473-1543). Mas o que aconteceu para que
à razão da força.
deixassem de acreditar que a Terra estava no centro do
SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. Tradução de
universo? Simplesmente questionaram aquilo com que os
Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2.
homens tinham se acostumado, aquelas crenças e verdades
tidas até então como únicas e inquestionáveis. Isso é atitude Dos deuses nenhum filosofa, nem deseja tornar-se sábio,
filosófica: questionar tudo e em todas as circunstâncias, pois o é; nem se algum outro é sábio, não filosofa. Nem,
buscando a fundamentação teórica dos fatos, ideias e por sua vez, os ignorantes filosofam ou desejam tornar-se
valores, visando, sobretudo, ao entendimento correto e ao sábios. Pois é isto mesmo que é difícil com relação à
conhecimento verdadeiro das coisas. ignorância: aquele que não é nem belo nem bom nem
sábio considera sê-lo o suficiente. Aquele que não se
Essa atitude filosófica deve assumir um papel fundamental
considera ser desprovido de algo não deseja aquilo de que
na vida dos indivíduos, porém não é essa a realidade. Nem
não acredita precisar.
todos têm disposição para questionar, criticar, buscar a
verdade, pois essa tarefa é difícil, inquietante e desafia o PLATÃO. Banquete, 204A1-7.

que é “normal”. Assim, por essa dificuldade, a maioria dos


Sócrates, filósofo grego do séc. V a.C., reconhecido por
indivíduos se acomoda com o “normal”, o corriqueiro, o que
alguns como um dos mais importantes pensadores da
todos pensam e fazem. A isso chamamos senso comum,
história, fazia uma afirmação que resume o verdadeiro
que se caracteriza por ser um conhecimento superficial,
espírito do filósofo: “Só sei que nada sei”. Por mais
acrítico, passivo, baseado em superstições e crenças, sem
desconcertante que pareça tal afirmação, essa é exatamente
se preocupar com a verdade das coisas.
a postura do filósofo frente à realidade.
O desafio da Filosofia é desenvolver essa atitude filosófica.
Já dissemos que a Filosofia é, acima de tudo, uma busca
O questionamento do porquê das coisas, ideias, fatos e permanente pelo saber, pelo conhecimento do mundo e de
valores serem como são; o que são essas coisas, ideias, si mesmo, atendendo à aspiração mais profunda do homem,
fatos e valores; como são e quais as consequências disso que o diferencia essencialmente dos outros animais, que
em nossa vida. é a necessidade de conhecer. Conhecer o quê? Tudo.
A sua própria essência, o mundo, a sociedade, a origem
Embora difícil, essa atitude filosófica pode ser tomada por
do universo, os sentimentos, o bem e o mal, se há vida
todos. De uma forma didática, podemos dividi-la em
após a morte, se Deus existe, etc. A Filosofia nos leva,
dois passos distintos, que levam a uma conclusão
através da atitude filosófica, a querer conhecer. Porém, esse
filosófica. O primeiro passo é a negação. Neste, o
conhecimento não é propriedade de uma pessoa ou dos
sujeito nega a ideia, o valor, o preconceito, afastando-se
mais inteligentes e cultos. A grande beleza da Filosofia é
dele e dizendo “essa ideia, valor, preconceito não é meu que, através dela, compreendemos que o conhecimento não
pois não fui eu quem o pensou. Simplesmente o recebi e pertence a um homem ou a um grupo de bem-aventurados.
aceitei de forma passiva a acrítica”; o segundo passo é Mesmo os grandes filósofos da história, como Platão,
o questionar, perguntar, inquirir, criticar o que, como e por Aristóteles, Descartes, Pascal, Kant, Sartre, Wittgenstein,
que essa ideia, valor, preconceito é, como é, buscando seu não encontraram respostas definitivas para todos os seus
significado, sua razão, sua fundamentação teórica e lógica. questionamentos. Aliás, o próprio conceito de verdade sofreu
Como consequência desses dois passos, a negação e o mudanças ao longo do tempo e é uma questão filosófica.
questionamento, alcançamos então a conclusão, que seria Assim, entendemos exatamente a diferença entre aquele
o resultado do processo filosófico. Essa pode confirmar que se diz sábio e o filósofo. O sábio acreditaque a
ou negar a ideia, o valor, o conceito original, porém deverá verdade é sua propriedade. Acredita que sabe tudo e,
proporcionar um sentido pessoal, individual e lógico para portanto, se fecha ao novo, ao questionamento,à crítica,
aquela ideia, valor, conceito ou preconceito. pois crê que está certo em tudo o que diz.
O pensamento filosófico

Ao contrário, o filósofo acredita que não sabe nada, isto é, 02. EXPLIQUE por que, no caso das meninas-lobo, elas,
reconhece que tudo o que sabe pode ser transitório; que as mesmo que de forma parcial, foram capazes de se adaptar
verdades alcançadas não são últimas e que seu conhecimento ao mundo humano. Algum outro animal teria a mesma
é ínfimo diante de tudo o que há para conhecer. Por isso, capacidade? JUSTIFIQUE sua resposta.
sua postura é de abertura, de investigação, de busca
constante da verdade, mesmo que não a encontre nunca. 03. [...] o homem não aperfeiçoou seu equipamento

Isto é ser filósofo: reconhecer sua própria limitação, sua hereditário através de modificações corporais perceptíveis

ignorância frente a tudo o que há para ser conhecido e buscar em seu esqueleto. Não obstante, pôde ajustar-se a um

incessantemente o conhecimento da verdade. número maior de ambientes do que qualquer outra


criatura [...]

Nos trens e carros que constrói, pode superar a mais

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO rápida lebre ou avestruz. Nos aviões, pode subir mais alto
que a águia, e, com os telescópios, ver mais longe que o
gavião. Com armas de fogo, pode derrubar animais que
01. REDIJA um texto justificando a seguinte afirmação:
“Nascer é ao mesmo tempo nascer no mundo e nascer nem o tigre ousa atacar.

do mundo.” CHILDE, V. Gordon. A evolução cultural do homem.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966. p. 40-41.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção.
São Paulo: Martins Fontes. 1999. p. 608.
De acordo com o fragmento do texto, EXPLIQUE as
diferenças fundamentais entre os homens e os animais
02. A partir de seus conhecimentos, EXPLIQUE a seguinte

FILOSOFIA
e como os homens podem superar suas determinações
afirmação: o homem é o único ser que vive em um mundo
aberto. físicas naturais.

04. EXPLIQUE a seguinte citação de Freud: “[...] Mas o


03. “[...] a filosofia não é a revelação feita ao ignorante por
natural instinto agressivo do homem, a hostilidade de
quem sabe tudo, mas o diálogo entre iguais que se fazem
cúmplices em sua mútua submissão à força da razão e cada um contra todos e a de todos contra cada um, se

não à razão da força.” opõe a esse programa da civilização.”

SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. Tradução de Mônica


Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2.
05. Uma aranha executa operações semelhantes às do
tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto
A partir desse trecho, JUSTIFIQUE por que a Filosofia
humano com a construção dos favos de suas colméias.
se baseia na “força da razão e não na razão da força”.
Mas o que distingue, de antemão, o pior arquitetoda
melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça,

EXERCÍCIOS PROPOSTOS antes de construí-lo em cera. No fim do processo de


trabalho, obtém-se um resultado que já no início deste
existiu na imaginação do trabalhador, e portanto
01. o homem não passa de um caniço, o mais frágil da
idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da
natureza; mas é um caniço pensante. Não é preciso que
forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na
o universo inteiro se arme para esmagá-lo; um vapor,
matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina,
uma gota d’água é suficiente para matá-lo. Mas quando
como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual
o universo o esmagar, o homem será ainda mais nobre
tem de subordinar sua vontade.
do que aquele que o mata, porque ele sabe que morre e
o universo não tem nenhum conhecimento da vantagem MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Nova Cultural,
que leva sobre ele. Toda a nossa dignidade consiste, pois, 1985, V. I, p. 149-150.

no pensamento. É nele que devemos nos revelar e não


De acordo com o texto de Marx, EXPLIQUE por que
no espaço e no tempo que não sabemos como ocupar.
somente o homem pode trabalhar.
Trabalhemos para bem pensar [...]
PASCAL, Blaise. Pensamentos. Tradução de Sérgio Millet. 06. EXPLIQUE, com suas palavras, os vários significados da
São Paulo: Abril Cultural, 1979.
palavra filosofia e JUSTIFIQUE por que somente um
A partir do trecho, REDIJA um texto respondendo à deles se enquadra no conceito de filosofia tal como a
seguinte pergunta: o que é o homem? estudamos.
FILOSOFIA
A origem da Filosofia
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA por que a civilização ocidental, sob influência dos gregos,
portanto, da Filosofia, tomou uma direção completamente
diferente da civilização oriental.

A origem existencial da Filosofia Assim, podemos compreender como, por exemplo,


os gregos tomaram dos egípcios alguns conhecimentos
A origem da Filosofia data dos séculos VII e VI a.C. Foi na
m at e m át i c o -g e om é t ri c os sobre a nat ureza. Tais
Grécia, na região da Jônia, na cidade de Mileto, que esse
conhecimentos possuem para os egípcios um caráter
modo de conhecimento ganhou forma e se estabeleceu
claramente prático, como a utilização de cálculos para
como maneira de compreender o mundo. Portanto, pode-
medir a quantidade de gêneros alimentícios, para medir
se afirmar que a Filosofia é fruto do gênio helênico, ou seja,
a área dos campos após as inundações do Rio Nilo, para
é fruto da genialidade dos gregos. É por causa do
se realizar medidas e projeções na construção das
nascimento da Filosofia na Grécia que costumeiramente se
pirâmides. Tais usos são claramente racionais. Mas
diz que a “Grécia é o berço da civilização ocidental”. De fato, vejamos a matemática sob a ótica da Filosofia, quando
a Filosofia apresenta-se como a “rainha das ciências”. Tal foi apropriada pelos gregos. Reelaborados pelos gregos,
característica se deve exatamente ao fato de a Filosofia ter os conhecimentos matemáticos adquirem um caráter
sido o primeiro modo de conhecer o mundo e os homens de qualitativo. Com o trabalho desenvolvido pelos pitagóricos,
forma estritamente racional. os gregos transformaram o uso da matemática com fins
práticos em uma teoria geral e sistemática dos números e

As influências dos povos orientais das figuras geométricas. De modo mais simples: enquanto
o conhecimento matemático dos egípcios usava o cálculo
O início da civilização grega, que foi a primeira a se com fins práticos, Pitágoras (o primeiro a utilizar a palavra
desenvolver na Europa, se dá por volta do século XX a. C., filosofia) buscou alcançar a realidade matemática que existia
com a junção ou encontro das culturas minoica e micênica. por detrás daquilo que é perceptível aos sentidos humanos.
Tal civilização habitou a Península Balcânica, a mais oriental Se o mundo, aparentemente, é aquilo que está posto às
do sul da Europa, rodeada de inúmeras ilhas. Graças ao seu experiências humanas, a filosofia pitagórica (e boa parte da
relevo montanhoso, inúmeras comunidades isoladas e Filosofia, pelos menos até Descartes, no século XVII) vai
autônomas se desenvolveram, formando, a partir do século buscar aquilo que está para além da aparência, procurando

VIII a.C., as pólis gregas ou cidades-estado. Isso significa compreender ou apreender a causa primeira, a essência
última das coisas. Perceba que o pensamento pitagórico
que, antes dos gregos, vários outros povos já contavam
busca compreender a natureza numa generalidade muito
com uma história de vários séculos. Mas por que a
mais ampla do que daquilo que se apresenta aos nossos
Filosofia nasceu com os gregos, mesmo sendo estes
sentidos. Pitágoras investiga a estrutura invisível da natureza
antecedidos por civilizações bastante desenvolvidas, como
que, para ele, é de tipo matemático e alcançada apenas pela
a dos egípcios, dos babilônios, dos caldeus, dos chineses e
atividade puramente racional.
dos persas, por exemplo?
Enfim, a Filosofia é um modo de pensar a realidade, um
Há de se considerar, para compreendermos a genialidade modo de compreensão do mundo, que surge com os gregos
dos gregos na origem da Filosofia, o caráter não puramente dos séculos VII e VI a.C. e que, devido a razões históricas
quantitativo, mas qualitativo de suas pesquisas, o que e políticas, posteriormente se tornou o modo de pensar
representa uma absoluta e extraordinária novidade. o mundo de toda a cultura europeia ocidental, da qual,
Somente através dessa constatação é possível compreender como povo colonizado, nós participamos.
CPM FILOSOFIA – TEXTO 01

A origem histórica da Filosofia 1. Viagens marítimas: a pouca fertilidade do solo


acidentado, característica marcante do território no
qual viviam as comunidades gregas, foi compensada
pela presença de excelentes portos naturais, o
MACEDÔNIA
que permitiu o grande desenvolvimento das viagens
marítimas. Tais viagens ajudaram no
desencantamento do universo, na desmistificação
ÉPIR
ÁSI A
MEN R
da natureza, quando os homens, viajando em alto-
O
TESSÁLIA
mar, percebem a inexistência daquilo que os mitos
LIDI
MAR EGEU
narravam como monstros marinhos, abismos e
A
terras dos deuses, os quais faziam parte do
Atenas
Éfeso imaginário do povo daquela época. Dessa forma, as
PELOPONESO
viagens marítimas são como o estopim que detona
MAR
JÔNICO
Esparta Mileto
um gradativo descrédito das explicações mágico-
imaginárias da natureza.
RO DES
É interessante notarmos a estreita ligação que unia os
Cnossos gregos ao mar e a importância deste para o progresso
Cumae
CRETA
Nápoles
Taranto daquela civilização. Diante do aumento expressivo da
Editoria de arte

Magna Grécia população nas principais cidades-estado, como Atenas,


Siracusa os gregos se viram obrigados a fundar muitas colônias
na região do Mediterrâneo em busca de terras férteis
Mapa da Grécia: a civilização grega desenvolve-se no para a agricultura e o sustento da população.
Mediterrâneo Oriental
2. Invenção do calendário: a invenção do calendário
Dissemos que a Filosofia tem data e local de nascimento: concede aos gregos o “domínio” do tempo. Se no
Grécia, fins do século VII e início do VI a.C., na região da contexto dos mitos eram os deuses que determinavam
Jônia (nas colônias da Ásia Menor), na cidade de Mileto. o tempo e eventos da natureza, como as estações
do ano, agora, com a divisão do tempo e o modo
Uma das grandes questões em relação ao nascimento
de calculá-lo, os homens tornam-se capazes de
da Filosofia é saber o porquê de seu nascimento e por
identificar a sua regularidade, não necessitando da
que ela nasceu especificamente com os gregos. Duas
interferência e vontade dos deuses.
foram as teses levantadas: a do “milagre grego” ea do
orientalismo. 3. Surgimento da vida urbana: com o crescimento do
comércio, impulsionado pelas trocas comerciais,
A tese do “milagre grego” defenderá que a Filosofia surgiu
possíveis graças às viagens marítimas, algumas
na Grécia como um verdadeiro milagre, ou seja, que não
cidades se despontam como centros comerciais.
houve qualquer precedente para o seu surgimento. Foi um
A primeira dessas cidades é Mileto, que não por acaso
acontecimento espontâneo e não há um contexto original que
é a cidade natal da Filosofia. Tal crescimento faz
justifique sua origem. Considera-se, assim, que esse modo
surgir uma nova classe constituída de comerciantes
de pensar e conceber o mundo e o homem simplesmente
e artesãos, que representam um outro polo de poder,
apareceu, e uma das razões para seu aparecimento é a
opondo-se à aristocracia de sangue e proprietários
genialidade dos gregos.
de terra que, até então, representavam e detinham
Outra explicação, a do orientalismo, dirá que a Filosofia o poder na cidade. Essa nova classe, como uma
nasceu com as transformações realizadas pelos gregos espécie de mecenas da Antiguidade, investiu e
sobre conhecimentos advindos dos povos orientais, como estimulou as artes, o desenvolvimento das técnicas
a agrimensura dos egípcios, a astrologia dos babilônios e e o conhecimento, o que proporcionou um ambiente
outros. propício ao surgimento da Filosofia.

Hoje, ambas as teorias, “milagre grego” e orientalismo, foram 4. Escrita alfabética: se até então a tradição mítica se
superadas. Acredita-se atualmente que a Filosofia foi fruto sustentava sob uma tradição exclusivamente oral,
das condições históricas da Grécia dos séculos VII e VI a.C., transmitida de geração para geração pela fala, fato
que proporcionaram condições favoráveis ao surgimento que justifica o aparecimento de várias versões para
desse novo modo de pensar. Por isso, alguns estudiosos o mesmo mito, com a invenção da escrita alfabética,
da Filosofia, se referindo ao nascimento dessa forma de o mito é colocado no papel, é escrito, o que contribuiu
pensamento, dirão que ela é “filha da pólis”. Porém, que decisivamente para que se pudesse identificar seus
condições são essas? Podemos destacar os seguintes fatores: pormenores e suas contradições internas.
A origem da Filosofia

5. Política: sem dúvida, a política foi um dos aspectos


mais importantes para o nascimento da Filosofia,
MITOLOGIA
que tem como uma de suas características mais
importantes a presença do discurso racional, o logos O mito: uma forma especial de
como sustentação, por meio de princípios lógicos, de
suas verdades e argumentos. A política traz consigo
explicar o universo e o homem
dois aspectos importantíssimos:

A – Com a formação da pólis, agora governada


democraticamente pelos cidadãos, surge
o espaço para as discussões políticas, que são
o modo de organização e administração da
cidade. A Ágora, ou praça pública, é o coração
da cidade, lugar onde são feitas discussões
e deliberações sobre as leis e outros assuntos
importantes para o bem da cidade. Há de se
destacar que, com a contribuição e a consolidação
da cidade-estado, da pólis, o grego descobriu-se
como verdadeiro cidadão (pertencente à pólis).
Tal posição não é mera contingência, mas faz
parte e constitui a própria essência do homem
grego que se vê somente como pertencente

FILOSOFIA
a um todo coletivo. Dessa forma, o estado
tornou-se o horizonte ético do homem grego
e assim permaneceu até a era helenística.Os
cidadãos sentiram os fins do estado como seus

Jacob Jordaens
próprios fins, o bem do estado como seu
próprio bem, a grandeza do estado como sua
própria grandeza e a liberdade do estado como
sua própria liberdade (REALE, Giovanni. Prometheus
História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. São
Como foi dito, a civilização grega não nasceu junto à
Paulo: Paulus, 2003. V. I. p. 10).
Filosofia nos séculos VII e VI a.C. Esse povo tem suas
B – Ao conceberem por conta própria e segundo origens no século XX a.C. Também dissemos que o homem
seus próprios critérios as leis da cidade, tais leis não se contenta em não saber as coisas, ou seja, faz parte
passam a coincidir com a vontade dos homens da natureza humana buscar o conhecimento. Nas palavras
e não mais são impostas pela tradição e de Aristóteles, “por natureza, todos os homens aspiram
autoridade religiosas. A lei torna-se, então, pelo saber”.
expressão da coletividade humana que, pela
Se a Filosofia nasce treze séculos depois do surgimento da
racionalidade, tenta reproduzir na legislação da
civilização grega, como os homens respondiam à pergunta
cidade a própria ordem do cosmos.
“de onde veio o mundo” durante esse período?
Desse modo, a política, com a discussão das leis
As duas “ferramentas” básicas que o homem tem para
e a tomada de deliberações importantes à vida da
explicar o universo são a razão e a imaginação. Logo,
pólis, estimula e exige um pensamento, um discurso
podemos dizer que, antes de utilizar a razão, manifestada
racional, uma discussão política que necessariamente
no conhecimento filosófico, os gregos procuraram, como
precisa de alto grau de inteligibilidade, coerência,
todos os povos do mundo, explicar a origem do universo
permitindo a comunicação clara entre os cidadãos
e para tal utilizaram da imaginação a fim de compreender
e seus pares. Tal necessidade faz surgir a semente
do pensamento filosófico que, obedecendo a regras o funcionamento da natureza, da sociedade e o próprio
e princípios lógicos, não admite uma explicação que homem. Enfim, como forma de compreender o cosmos,
não se fundamente na razão livre ou que tenha como foi elaborada uma cosmogonia (tentativa de explicar o
base as explicações misteriosas e incompreensíveis nascimento, a origem do universo ou do cosmos por meio
do mito. Aqui se encontra a justificativa para a de narrativas imaginárias que remetem à fantasia, às formas
afirmação de que a Filosofia é “filha da pólis”. religiosas e míticas de expressão).
CPM FILOSOFIA – TEXTO 01

O que é o mito Dessa forma, o mito é a forma primeira de explicar o


mundo, a natureza e o próprio homem, tanto em sua
A palavra “mito” vem do grego mythos, que significa um dimensão interna quanto em sua dimensão externa. Nesse
modo particular de discurso que é fictício, proveniente da modo de conhecer, a imaginação exerce papel predominante
imaginação, sendo que de certo modo é identificado como como forma de levar o homem a uma harmonia com o mundo
uma “mentira”. que o cerca e de dar sentido à vida, à própria existência
O mito é uma forma particular de ver e tentar compreender humana e também encontrar um sentido no mundo.
o mundo baseada na imaginação. Voltado mais para os afetos
e sentimentos humanos do que ao rigor lógico-científico, A mitologia grega
ele não se preocupa com a coerência de seus discursos
e argumentos, tampouco com as provas que poderiam
torná-lo verdadeiro.

O mito é uma forma de o ser humano se situar no mundo.


Nas sociedades tribais, o mito apresenta-se como um modo
fantasioso, acrítico e ingênuo de explicação utilizado como
maneira de estabelecer algumas verdades que explicariam
tanto os fenômenos naturais quanto a própria vida, os
hábitos, os sentimentos e a moral dos homens dentro de
uma sociedade cultural.

Diferentemente da Filosofia, que se pauta em um raciocínio


elaborado e empiricamente comprovado na realidade,o
mito nasce como uma forma de expressão que se constróino
imaginário de determinada comunidade, quando estase
vê diante da ferocidade e dos mistérios da natureza, dos
fenômenos naturais, como o dia e a noite, o trovão,o
terremoto, o nascimento e a morte de homens e outros
seres. Dessa forma, o mito exerce o papel de “porto seguro”,
ele dá segurança e protege os homens contra aquilo que é
incontrolável e desconhecido. Assim, há uma qualificação
da natureza e de seus fenômenos que se apresentam então Hércules e Atena
como bons ou maus, amigos ou inimigos, aliados ou
A religiosidade grega, como na maior parte dos povos
contrários aos homens e às sociedades.
da Antiguidade, era politeísta. Os deuses gregos eram
Se a natureza ganha vida própria com os mitos, é antropomórficos (antropo: homem; morphos: forma).
necessário que, por meio dos ritos, as forças e vontadesda Dessa forma, tais divindades possuíam características
natureza sejam aplacadas ou cultuadas. Dessa forma, os tipicamente humanas: sentiam prazer, iravam-se, maquinavam
ritos, que são tão somente manifestações de mito realizadas para se vingarem dos deuses ou dos homens, se apaixonavam,
em práticas cerimoniais, têm como finalidade interferir traíam, sentiam ciúmes. Enfim, os deuses possuíam todas as
na “vontade” da natureza, que agiria sempre de forma características e sentimentos que identificamos como humanos,
intencional, a favor ou contra os homens. quer sejam bons ou maus, qualidades e defeitos. Porém, por
serem deuses, tinham poderes sobrenaturais, além de serem
Dessa forma, o mito está intimamente ligado à magia,
imortais, motivo por que permaneciam eternamente jovens.
aos sentimentos, bons ou maus, à fantasia e às forças
sobrenaturais que interferem, inexplicavelmente, na vida dos Tais deuses habitavam o Monte Olimpo, a montanha mais
homens e da sociedade e nas manifestações da natureza. alta da Grécia. No alto da montanha, eles se reuniam para
se divertir, dançar, comer, cantar, etc.
A função do mito Cada um dos deuses tinha uma condição ou atributo
Pelo que foi dito, o mito tem, dentro das sociedades especial, sendo responsável por determinado fenômeno
primitivas e tribais, a função de acomodar e tranquilizar o natural ou por algo concernente à vida dos homens em
ser humano diante de um mundo misterioso e assustador. aspectos econômicos, políticos, sociais ou culturais. Entre os
Encarnado nos ritos, o mito é para os homens uma forma mais importantes, citamos: Zeus, o chefe dos deuses e o
de apaziguamento das forças sobrenaturais e serve como mais poderoso entre eles, que possuía o poder do raio com o
baliza que garanta um comportamento linear e moral, qual castigava todos os que por ventura o desafiassem ou se
possibilitando a ordem social. opusessem às suas determinações; Afrodite, a deusa do amor;
A origem da Filosofia

Apolo, deus da música e da poesia; Ares, deus da guerra; Por outro lado, analisando o conteúdo, veremos que
Ártemis, deusa das montanhas, bosques e caça; Atena, a Filosofia não rompe definitivamente com o mito, uma
deusa da sabedoria e da estratégia militar; Caos, deus do vez que, em grande parte, os problemas tratados pela
indefinido, da desordem, daquilo que havia antes do cosmos; Filosofia são os mesmos que os mitos buscavam responder.
Cárites, deusas da beleza; Eros, deus do amor; Hades, deus Por exemplo, a questão da origem do universo e de seu
do mundo dos mortos; Gaia, deusa da Terra. funcionamento, antes explicada pela mitologia sempre por
meio de alusões ao campo divino, a Filosofia tentará explicar
Além dos deuses, na mitologia grega também há a
com base na busca pré-socrática pelo princípio primeiro e
presença de semideuses, heróis responsáveis por feitos
unificador da natureza, denominado por eles de Arché.
extraordinários, nascidos da relação amorosa entre deuses
e humanos. Entre os mais importantes, citamos: Teseu, que Dessa forma, é incorreto afirmar que a Filosofia rompeu
derrotou o minotauro. Hércules, que teve de cumprir doze radicalmente com os mitos. De alguma maneira, o que se
tarefas dadas a ele pelo oráculo de Delfos; Perseu, famoso observa, principalmente no início do pensamento filosófico, no
por ter decapitado a medusa. período pré-socrático ou cosmológico e também no período
antropológico ou socrático, é uma complementaridade de mito
É importante ressaltar que os deuses e os mitos diziam
e Filosofia na tentativa de conhecer e explicar a realidade.
respeito tanto à ordem do universo e da natureza quanto aos
aspectos da vida do homem, da condição humana, como os Não há de se pensar em mito como uma mentira e Filosofia
sentimentos, as habilidades, por exemplo, do artesanato, da como uma verdade.
construção, da fala e argumentação, da sedução, e também
a vida em sociedade, etc. [...] mito e logos são as duas metades da linguagem, duas
funções igualmente fundamentais da vida do espírito.
As histórias míticas na Grécia Antiga não são fruto da O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer.

FILOSOFIA
capacidade imaginativa de um só autor ou autores, mas O logos é verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à
são produtos de uma tradição cultural de um povo, a qual “lógica”; é falso quando dissimula alguma burla secreta
tem seu início impossível de ser determinado. Os principais (sofisma). Mas o mito tem por finalidade apenas a si
poetas, considerados os grandes responsáveis pela maior mesmo. Acredita-se ou não nele, conforme a própria
parte do conhecimento sobre a mitologia grega que temos vontade, mediante um ato de fé, caso pareça “belo” ou
em nossos dias – Homero, que escreveu Ilíada e Odisséia verossímil, ou simplesmente porque se quer acreditar.
O mito, assim, atrai em torno de si toda parcela do irracional
(século IX a.C.) e Hesíodo, que produziu a Teogonia (século
existente no pensamento humano; por sua própria
VIII a.C.) –, na verdade não são os autores dessesmitos,
natureza, é aparentado à arte, em todas as suas criações.
mas o que fizeram foi registrar os relatos orais da tradição
dos muitos povos que habitaram a Grécia desde oséculo XV
Brasiliense, 1982. p. 8-9.
a.C.

Como dito, por se tratar de formas de conhecimento


A trajetória do mito ao logos distintos, mito e Filosofia não podem ser colocados como
É comum encontrarmos autores que dizem que na opostos ou pensados sob uma lógica de verdadeiro ou falso,
passagem da consciência mítica à consciência filosófica, certo ou errado. Trata-se de modos de conhecer diferentes
ou seja, na passagem de uma visão imaginária para uma e particulares. A aceitação do mito se fundamenta na
visão racional da realidade, houve uma ruptura radical autoridade de quem diz, pois pressupõe uma adesão
com a tradição e cultura gregas marcadas, antes, pelas daqueles que o recebem. Já a aceitação da Filosofia se
explicações religiosas, e agora pela Filosofia. Tal posição concentra naquilo que se diz, pois admite, ao contrário do
deve ser considerada em duas perspectivas: a da forma e mito, uma atitude crítica e investigativa. O mito é dado aos
a do conteúdo. homens pela revelação ou visão dos videntes (poetas
rapsodos que tinham o dom da vidência e transmitiam aos
Se analisarmos a forma de explicação própria da homens as mensagens dadas pelos deuses). Ele se baseia
mitologia em contraposição à da Filosofia, perceberemos na fé / confiança daqueles que o recebem como verdade e
que há sim uma ruptura dos primeiros filósofos com essa não necessita de justificativa nem de provas para ser aceito
forma imaginária de conhecimento, baseada na fantasia, e seguido. A Filosofia, ao contrário, deve ser justificada
no sobrenatural, no mistério, no sagrado e na magia. racionalmente, pois, se assim não for, o argumento torna-se
A Filosofia buscará suas explicações com fundamentos na inválido e não será aceito. O mito aceita contradições internas
razão, na observação da natureza, da phisys, justamente em seu discurso, já a Filosofia não aceita contradições, uma
como fizeram os primeiros filósofos, os pré-socráticos, que vez que deve ser inteligível e coerente com os princípios
estudaremos em seguida. básicos do pensamento lógico.

Editora Bernoulli
CPM FILOSOFIA – TEXTO 01

A FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA dirigiam inúmeras caravanas provenientes de vários locais,


principalmente do Oriente, que traziam a essas cidades
OU NATURALISTA suas mercadorias para depois serem levadas a outroslocais
e regiões do Mediterrâneo. Consequentemente, movidos
por interesses comerciais, várias culturas que aí se
Os filósofos pré-socráticos ou encontravam trocavam as mais variadas informações,
inclusive sobre as tradições culturais míticas próprias de
filósofos da natureza cada um desses povos, o que fez com que eles percebessem
as inúmeras formas e histórias diferentes com um só
Recebem o nome de pré-socráticos os pensadores
objetivo, o de explicar a realidade. Qual história estaria
fundadores da Filosofia, que, cronologicamente, são
correta? Qual seria a verdadeira? As inúmeras variações
anteriores a Sócrates, sendo que alguns chegaram a ser seus
míticas levaram os gregos a perceber que poderia haver
contemporâneos. A marca principal do pensamento desses
uma relativização dos mitos, e, consequentemente, que
primeiros filósofos é sua preocupação com a natureza e sua
nenhum deles poderia ser absolutamente verdadeiro.
origem. Veremos adiante a importância de Sócrates para
a Filosofia, que representa uma reviravolta devido à sua Dessa maneira, a Filosofia ou, nesse primeiro período, as
preocupação com o ético-político, ou seja, o seu foco será explicações filosófico-científicas vão se despontando com a
o homem e a sociedade, ao contrário dos pré-socráticos, tentativa dos gregos de explicarem o universo, a natureza
que se preocupavam com a origem do cosmos ou da physis. e o próprio homem de forma diferente. Agora, o universo
passa a ser visto não como algo secreto e misterioso,
Diante das inúmeras transformações históricas, políticas
passível de ser decifrado somente por poucos escolhidos. Ao
e sociais ocorridas na Grécia dos séculos VII e VI a.C., como
contrário, todas as coisas são encaradas como possíveis de
já tratamos anteriormente, as explicações míticas foram se
serem conhecidas pelo homem que, apoiado em sua própria
tornando cada vez mais insuficientes como forma de
capacidade racional e em sua curiosidade observadora,
compreensão do mundo, do homem e da natureza.As
se põe em busca da explicação do mundo pela própria
explicações míticas que se fundamentam na autoridade do
observação das coisas, não se encontrando mais em uma
poeta ou vidente que as contava, com a perda gradativado
realidade sobrenatural e inacessível. O cosmos se abre à
poder por parte deste, também vão perdendo sua força e,
possibilidade do conhecimento. Os mistérios são descartados
consequentemente, vão se tornando distantes das
e o homem põe-se a pensar. Enfim, nasce a Filosofia.
aspirações dos gregos ao conhecimento.

De fato, desse ponto de vista, o pensamento mítico tem


O mito ainda sobrevive
uma característica até certo ponto paradoxal. Se, por uma
É comum, quando falamos em sala de aula sobre o
lado, pretende fornecer uma explicação da realidade, por nascimento da Filosofia, algum aluno fazer a seguinte
outro lado, recorre nesta explicação ao mistério e ao pergunta: mas e os mitos, eles foram descartados? Ou,
sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não se pode quando estamos lendo algum trecho da obra de Platãoem
explicar, que não se pode compreender por estar fora do que Sócrates se refere aos deuses, o aluno perguntar:mas
plano da compreensão humana. A explicação dada pelo os mitos não foram superados? Por que Platão, sendoum
pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, na filósofo, continua a se referir aos deuses?
impossibilidade do conhecimento.
Aqui, faz-se necessária uma observação sobre o processo
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos
pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar de modificação da função social do mito a partir do
Editora, 1997. p. 21. nascimento da Filosofia.

Com o aparecimento das explicações filosófico-científicas,


Uma interessante e importantíssima transformação os mitos vão gradativamente perdendo sua força enquanto
ocorrida na Grécia dos séculos VII e VI a.C. nos ajuda a única e inquestionável forma de explicação da realidade.
compreender como pouco a pouco o mito vai perdendo A ruptura com a forma do mito não se dá de maneira brusca
sua força explicativa da realidade. Essa transformação se e radical. Observe que o mito ainda ocupa um lugar de
deu com a interação ocorrida nas colônias gregas da Jônia, destaque nas sociedades atuais como forma de manifestação
principalmente Mileto (onde nasce a Filosofia), de várias da fé de determinadas pessoas ou como maneira de
culturas diferentes. Por se tratar de cidades que tinham explicar aquilo que até então é inexplicável, principalmente
importantes portos e entrepostos comerciais, para lá se pela ciência.

20 Coleção Estudo
A origem da Filosofia

Na cultura e civilização gregas, o mito continua exercendo Ao elaborarem uma cosmologia, os pré-socráticos
um papel importante para as pessoas, ainda que ele vá, consideram que o universo segue uma ordem. Aqui
gradativamente, mudando sua função naquela sociedade. compreendemos o termo cosmos como harmonia. Seu
Se antes do nascimento da Filosofia o mito era a única forma contrário é o caos, que é a desordem, a desarmonia. Os gregos
possível de explicar a origem do mundo e as mudanças tanto entendiam que o universo, portanto, era organizado, tinha
da natureza quanto dos homens e da sociedade, a partir dos uma ordem, e essa ordem era possível exatamente por
séculos VII e VI a.C., o mito perderá tal função explicativa, haver uma racionalidade no cosmos. Assim, o cosmos pode
passando a fazer parte da tradição cultural do povo grego. ser compreendido também como uma ordenação racional,
O mito ainda será amplamente utilizado como uma Paideia,
hierárquica, em que há uma relação de causalidade entre
ou forma de educar o povo, transmitindo, principalmente
os vários elementos, conferindo esse ordenamento à
por meio das tragédias, os ensinamentos morais que irão
natureza. Ora, se o universo segue essa ordem, então ele
forjando o caráter do homem grego.
é um cosmos, e este é racionalmente organizado. Se se
compreende essa racionalidade, esse ordenamento, essa
O que buscavam os primeiros relação hierárquica de causa e efeito, compreende-se
filósofos o próp rio univers o. É essa compreens ão que os pré-
socráticos buscavam.
Os pensadores pré-socráticos, chamados por Aristóteles de
physiólogos ou pensadores da natureza (physis: natureza; Nesse mesmo caminho, os pensadores naturalistas
logos: razão, pensamento), são os primeiros homens buscavam encontrar o logos, entendido como discurso
da história a se dedicarem a encontrar uma explicação racional. O logos difere fundamentalmente do mythos, que
puramente racional para a origem do universo. O objetivo se baseia na imaginação, na narrativa poética e fantasiosa
dos pré-socráticos representa o oposto daquilo que os como modo de compreender o real. Se o mito não necessita

FILOSOFIA
mitos realizavam. Enquanto estes explicavam a realidade de razões, o logos é essencialmente sustentado pelas razões
pela imaginação, aqueles queriam explicá-la pela razão, dadas àquilo que se conhece ou se quer conhecer. Por isso,
sem apelar a nada fantasioso e sobrenatural. Como foi dito ao dizer que os primeiros filósofos elaboraram explicações
anteriormente, a natureza e o mundo podem ser explicados ou discursos racionais sobre a natureza, dizemos que eles
pelo homem, de forma que não há mais mistério. É nisto elaboraram um logos. Esse logos consiste então em uma
que os primeiros filósofos acreditavam. explicação racional, argumentativa, na qual as explicações
e razões são sustentadas por meio de uma argumentação
Podemos afirmar que o objeto de estudo dos pensadores
da natureza é a physis ou a realidade natural. Eles buscam as sistemática e, ainda, sujeita à crítica e discussão.

causas dos processos e fenômenos naturais. Assim, a chave O pensamento dos pré-socráticos, principalmente da
que leva ao conhecimento da natureza encontra-se na própria escola jônica, não pretende, de forma alguma, ser dogmático,
natureza e não fora dela. Eles acreditavam que na natureza tudo e essa característica marca fundamentalmente a filosofia
agia e se transformava de acordo com uma relação de causa e desses primeiros pensadores. As respostas apresentadas não
efeito. Ou seja, tudo o que existe é um efeito de alguma causa querem se impor como verdades absolutas, ao contrário,
anterior. Desse modo, se se encontra a causa de um efeito, são passíveis de discussão, de crítica, de discordância,
essa causa, por sua vez, também se constitui como efeito exatamente porque são respostas e posições construídas
de uma outra causa anterior, da mesma forma, essa terceira
pelo homem e não respostas dadas por uma divindade, as
causa seria o efeito de uma quarta e assim sucessivamente.
quais não admitem oposição e reformulações. O melhor
Contudo, essa busca pela causa de um efeito poderia levar a
exemplo dessa característica tipicamente filosófica é que os
investigação ao infinito, pois tudo seria um efeito de alguma
discípulos mais importantes de Tales, Anaximandroe
causa que é também o efeito de uma outra causa anterior.
Anaxímenes, não concordaram com seu mestre sobre sua
Deste nexo causal entre tudo o que existe no universo, entre os
Arché, a água, e propuseram respostas diferentes,
fenômenos da natureza, nasce a ciência dos pré-socráticos. Se
respectivamente, o Ápeiron e o ar.
tal busca continuasse nessa lógica, os pré-socráticos cairiam em
uma busca infinita, o que, à semelhança dos mitos, tornaria a 1. Arché (Arkhé): o que está à frente. Essa palavra possui
Filosofia algo misterioso e inexplicável. Não admitindo a hipótese dois significados principais: 1) o que está à frente e por isso
de sair de uma explicação fantasiosa para entrar em outra, é o começo ou o princípio de tudo; 2) o que está à frente,
foi necessário admitir que deveria haver uma causa primeira, e por isso tem o comando de todo o restante. No primeiro
um princípio ou conjunto de princípios, uma matéria-prima significado, o mais relevante em relação ao princípio buscado
original, denominada Arché1, que teria dado início a todo o pelos pré-socráticos, Arché é fundamento, origem, princípio,
o que está no princípio ou na origem, o que está no começo
processo de transformação da natureza. É desse princípio
de modo absoluto.
original que os pensadores pré-socráticos estão à procura.

Editora Bernoulli
CPM FILOSOFIA – TEXTO 01

O que pensavam os pré-socráticos Da vida de Pitágoras nada se sabe. Alguns dirão que ele
pode nem ter existido, e que esse nome foi utilizado para
- a Arché - unir os adeptos de uma seita filosófico-religiosa. Porém, isso
Uma das principais dificuldades ao estudarmos o pouco importa para a Filosofia. Diz-se que nasceu em Samos
pensamento dos pré-socráticos é que o que se conhece deles e se estabeleceu mais tarde em Crotona, na Magna Grécia,
provém de fontes indiretas, ou seja, não se tem acesso às onde fundou uma confraria religiosa misteriosa, que mais
obras escritas pelos próprios filósofos, somente se conhece tarde chegou a tomar o poder naquela cidade.
o que outros (entre os principais, Aristóteles) escreveram Sua filosofia: os pitagóricos (termo que se refere aos
sobre seus pensamentos. Dessa forma, apenas podemos ter seguidores de Pitágoras ou pertencentes a essa seita
contato com partes diminutas de suas obras, seja porque religiosa, uma vez que esta não se divide da existência
se perderam na Antiguidade, seja porque, possivelmente, de seu fundador) afirmavam que a Arché do universo
de alguns deles não houve sequer obra escrita, sendo seus eram os números. Isso porque a natureza ou a physis é o
ensinamentos transmitidos exclusivamente pela oralidade. número, ou seja, seriam proporções harmoniosas entre as

Uma observação importante a ser realizada sobre o coisas. Portanto, o mundo seria regido por essas mesmas
pensamento dos pré-socráticos e suas investigações acerca proporções. Assim, segundo os pitagóricos, os números são

da Arché do universo é que há uma diferença fundamental as causas primeiras de todas as coisas.

que separa esses pensadores em dois grandes grupos: os Os pitagóricos, devido à sua filosofia, exerceram forte
pensadores da escola italiana e os pensadores da escola influência no desenvolvimento da matemática grega,
jônica. Tal diferença se reflete nos pensamentos dos dois sobretudo no campo da geometria.
mais importantes pré-socráticos: Parmênides e Heráclito.
PARMÊNIDES
A escola italiana caracteriza-se por buscar a Arché do
universo não em coisas ou substâncias materiais, ou seja, Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser.
concretas, que podem ser percebidas pelos sentidos. Os E nada não é.
pensadores dessa escola buscarão respostas mais Sobre a Natureza. In: Os Pré-Socráticos. v. 3; 6. São Paulo:
Abril Cultural, 2000. p. 123. Coleção Os Pensadores.
abstratas e menos voltadas para uma definição a partir de
uma matéria concreta encontrada na natureza, como a água
Nascido em Eleia por volta de 500 a.C., Parmênides
ou outro elemento. Ao contrário, se referem a conceitos representa um dos mais importantes pensadores pré-
totalmente abstratos e não perceptíveis pelos sentidos, como socráticos. Segundo alguns autores, ele foi o fundador da
os números de Pitágoras. ontologia – disciplina que busca o conhecimento do serem
A escola jônica, por outro lado, caracteriza-se por buscar sua realidade mesma, ou, de forma mais simples, da
na natureza física, nas coisas concretas, o princípio da essência última dos seres. Pelo que tudo indica, Parmênides

physis. Ou seja, os pensadores que fazem parte dessa escola se encontrou com Sócrates quando este ainda era jovem.
Seu pensamento influenciou de forma determinante a
buscam, em geral, nos elementos naturais, aquele que seria
filosofia, principalmente de Platão e Aristóteles, pois é
o princípio e a causa de todos os seres do universo.
concedida a ele a prerrogativa de ser o filósofo do Ser
Além das es c ol as re fe ri d as, t e re m os t am b é m (a realidade última de todas as coisas em seu sentido
a chamada segunda fase do pensamento pré-socrático, mais abstrato e fundamental), inaugurando, dessa forma,
denominada pluralista. a metafísica.

Falemos de cada escola e de cada pensador. Sua filosofia: é adversário dos mobilistas, dizendo que
o movimento não existe, por isso ficou conhecido como
Escola italiana ou eleata defensor de uma concepção monista dos seres. Introduz na
Filosofia a diferença entre essência e aparência, sendo que
PITÁGORAS esta muda constantemente (constitui o caminho da Doxa,
da opinião, que é mutável e, portanto, instável) e aquela é
Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às o caminho da Verdade, da Alétheia, que é imutável. Dessa
matemáticas, foram os primeiros a fazê-la progredir. maneira, contrariando o mobilismo de Heráclito, dirá que a
Dominando-as, chegaram à conclusão de que o princípio via da opinião, da Doxa, não leva o homem ao conhecimento
das matemáticas é o princípio de todas as coisas. verdadeiro, mas tão somente às opiniões variáveis sobre
os aspectos mutáveis e passageiros das coisas. Segundo
ARISTÓTELES. Metafísica. 1, 5, 985b
Parmênides, o caminho correto do conhecimento é a via
da verdade, que conduz o homem para além da aparência,
A origem da Filosofia

tal via é a verdade única, imóvel, eterna, imutável, sem A grandeza do pensamento de Tales está no fato de
princípio nem fim, contínua e indivisível. O único acesso que, pela primeira vez na história, ele pergunta não pela
à verdade do ser é o caminho da razão, do pensamento, qualidade da natureza (se é boa ou má), mas sobre do que
afastando-se da opinião formada pelos hábitos, impressões é feita a natureza.
sensíveis, que são por si só ilusórias, imprecisas e mutáveis.
ANAXIMANDRO (cerca de 610-547 a.C.)
A opinião se prende à experiência sensorial. Por outro lado,
a via da verdade é a do puro pensamento, da atividade
Princípio (arkhé) dos seres... ele disse que era o
intelectiva sem o uso dos sentidos. Por isso, ao afirmar que o
ilimitado [...]
Ser é, ele está se referindo ao caminho do conhecimento do
mundo naquilo que ultrapassa a aparência e que é, portanto, SIMPLÍCIO. Física, 24, 13.

único, eterno, contínuo, indivisível e imóvel. O Ser exclui,


Pouco se sabe sobre a vida de Anaximandro. É conhecido
então, toda mudança e transformação. O que muda é o Não
como discípulo e sucessor de Tales. Ele teria sido geógrafo,
Ser. Parmênides dirá que este, na realidade, não existe,pois,
matemático, astrônomo e político. Ao que parece, escreveu
por estar em constante mudança, no mesmo momentoque é,
um livro intitulado Sobre a Natureza que é considerado
deixa de ser, portanto, não é absolutamente nada.
a primeira obra filosófica escrita em língua grega, mas
Escola jônica tal obra se perdeu, restando dela apenas alguns poucos
fragmentos. A ele é atribuída a confecção do primeiro
TALES (cerca de 625/624-558 a.C.)
mapa-múndi que continha todo o mundo habitado de sua
época. Criou o relógio solar e introduziu o uso do esquadro
[...] Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser água [o
(gnómon) para a medição das distâncias entre as estrelas,
princípio] (e por este motivo também que declarouque

FILOSOFIA
sendo o iniciador da astronomia grega.
a terra está sobre a água), levado sem dúvida a esta
concepção por ver que o alimento de todas as coisas Sua filosofia: ao contrário de seu mestre Tales, que dizia
é úmido [...] que a Arché é a água ou o úmido, portanto, uma matéria
(água) ou qualidade (úmido) verificável na natureza por
meio dos sentidos, Anaximandro dirá que o princípio e causa
geradora do universo é o Ápeiron. O Ápeiron é o ilimitado,
Tales é considerado por Aristóteles como o primeiro filósofo
indefinido e indeterminado, aquilo que, não sendo nenhuma
da história, iniciador da filosofia da physis ou da natureza.
Tudo que sabemos sobre Tales provém de fontes secundárias, coisa material, nenhum elemento da natureza e nenhuma

pois ele não deixou registros escritos. Pelos relatos sobre qualidade da physis, dá origem a todas elas.

sua vida, Tales foi um político atuante, buscando uma união O Ápeiron é algo totalmente abstrato, não é possível ser
entre as cidades da Jônia, com o objetivo de enfrentarem conhecido em termos de existência sensível, mas somente
os persas. Ficou conhecido por ter previsto um eclipse solar, pode ser concebido pelo pensamento. Dessa forma,
além de descobrir a constelação Ursa Menor. Apesar de ser Anaximandro dirá que a natureza, a physis só pode ser
atribuída a ele a autoria do “Teorema de Tales”, é pouco compreendida pela razão humana. O mundo todo é criado
provável que tenha sido ele mesmo que o fez. pelo movimento circular do Ápeiron, que primeiro faz surgir
Sua filosofia: Segundo Tales, a água é a Arché do o quente (fogo) e o frio (ar), em seguida separam-se o seco
universo, a causa primeira, a matéria básica e fundamental (terra) e o úmido (água).
da qual todas as coisas se originaram. Na verdade, ao se
ANAXÍMENES (cerca de 585-528/525 a.C.)
referir à água, ele quer dizer que tudo é úmido. E por que
Tales pensou que a Arché era a água? Uma das principais
Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém
hipóteses diz que o filósofo observou que a água apresenta-se
unidos, assim todo o cosmos, sopro e ar o mantêm.
sob diversos estados, em que estão todos os seres da
natureza, sólido, líquido e gasoso. Outro motivo seria que AÉCIO, I, 3.4

a água está intimamente ligada à vida, ou seja, tudo o


Também um dos filósofos de Mileto (alguns dirão que o
que é vivo ou traz a vida é úmido. Ao viajar ao Egito, Tales
mais importante pensador da escola milesiana), Anaxímenes
percebeu como a terra desértica se tornava fértil quando
dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a
da cheia do Rio Nilo. Além disso, conta-se que ele observou
afirmar que a Lua recebe sua luz do Sol. Seu livro, escrito
que nas altas montanhas foram encontrados alguns fósseis
em prosa, recebe o mesmo nome da obra de Anaximandro,
de animais marinhos, o que o levou a concluir que, no início,
Sobre a Natureza.
o mundo era coberto pela água.
CPM FILOSOFIA = TEXTO 01

Sua filosofia: De acordo com Anaxímenes, o princípio, Heráclito a realidade só pode ser compreendida por meio da
a Arché do cosmos é o ar (pneuma). Para ele, o Ápeiron sensibilidade, dos sentidos, pois, se tudo está em constante
de seu companheiro Anaximandro, concebido como mudança, não há nada que esteja para além da aparência,
ilimitado, indefinido e indeterminado, se aproximava muito portanto, o que se percebe dos seres é sua aparência na
do caos, da desordem anterior à criação do cosmos constante mudança. Porém, a razão última das coisas,
(universo ordenado). Dessa forma, acredita que, apesar de o logos, só pode ser encontrado pelo pensamento.
ser ilimitado e eterno, o princípio ou Arché do universo não
pode ser indeterminado, porque a razão não poderia Escola pluralista
pensar aquilo que não tivesse determinação.
ANAXÁGORAS (cerca de 500-428 a.C.)
Percebemos que Anaxímenes, ao se referir ao ar, não faz
a opção por algo natural que seja concreto, como a água Anaxágoras de Clazômenas, [...] afirma que os princípios
de Tales, e também não opta por algo completamente são infinitos. Quase todas as coisas, formadas de partes
indeterminado e abstrato, como o Ápeiron de Anaximandro. semelhantes (homeomerias) como a água e o fogo, diz ele
Ao se referir ao ar, este não seria tão concreto como a água, que são geradas e destruídas por combinação e destruição.
nem tão abstrato como o Ápeiron. E por que o ar? Porque ele
ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3.
está presente, difundido em todos os lugares. É o primeiro
e último ato de um ser vivo, que ao nascer respira pela
Anaxágoras passou cerca de trinta anos em Atenas, onde
primeira vez e ao morrer respira pela última vez.
fundou a primeira escola da cidade. No ano de 431 a.C., foi
acusado de não acreditar nos deuses por dizer que o Sol é
HERÁCLITO (cerca de 540-470 a.C.)
uma pedra incandescente e que a Lua era uma terra e não
uma deusa. Pelo que parece, foi preso, mas logo depois
Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque
fugiu para Lâmpsaco, outra cidade da Jônia. Sua obra Sobre
o rio não é mais o mesmo.
a Natureza, da qual resta uma pequena parte, é a fonte
PLUTARCO. Coriolano, 18 p. 392 B. mais confiável de seu pensamento. Foi físico, matemático,
astrônomo e meteorologista.
Nascido na cidade de Éfeso, Heráclito ficou conhecido pelo
codinome “O Obscuro”, ou “Heráclito, o fazedor de enigmas”, Sua filosofia: Anaxágoras disse que a realidade é
devido à sua escrita de difícil compreensão e interpretação. composta de uma infinidade de pequenos elementos a que
Como Parmênides, pode ser considerado um dos grandes ele denomina de homeomerias. Tal como sementes, esses
fundadores da Filosofia. Outros estudiosos dirão que é o elementos seriam a união de tudo o que existe. Dessa
mais importante dos pré-socráticos. Diz-se de Heráclito que forma, tanto os quatro elementos quanto todas as oposições
desprezava a plebe, não intervinha na política da cidade, encontradas na natureza, como quente-frio, estão presentes
desprezava os antigos poetas como Hesíodo e Homero, os em todas as coisas em proporções diferentes. Assim, a physis
filósofos e a religião de seu tempo. Escreveu um livro em seria composta dessas sementes ou homeomerias, de forma
prosa no dialeto de sua cidade natal também chamado Sobre que esse conceito representa a Arché de Anaxágoras.
a Natureza. DEMÓCRITO (cerca de 460-370 a.C.)
Sua filosofia: é considerado um dos principais defensores
Átomo (i. e., não-cortáveis), maciços (i.e., unidades),
do mobilismo, concepção que dirá que todas as coisas
grande vazio, seção, ritmo (i. e.; forma), contato, direção,
naturais estão em constante movimento, em constante
entrelaçamento, turbilhão (termos encontrados num
mudança. Tudo muda o tempo todo, tudo está num
papiro restaurado, em que Demócrito é acusado de plagiar
constante devir, num fluxo contínuo de mudança. Essa ideia,
A Grande Ordem do Mundo, de Leucipo).
a mais conhecida de sua filosofia, é importante, porém seu
pensamento vai além disso. A ideia de logos é fundamental (Fragmento 1) Papiro Herculano, 1788
na filosofia heraclitiana. O logos seria o princípio unificador
da realidade e elemento básico da racionalidade do cosmos. Nascido em Abdera, colônia jônica da Trácia. Diz-se que
Mesmo estando toda a realidade em constante fluxo, em foi um dos pré-socráticos que mais produziu e escreveu.
mudança, o logos representa a unidade dentro dessa O pensamento de Demócrito se confunde com o de seu
pluralidade. Tal unidade em meio à mudança, ou a unidade discípulo Leucipo, sendo difícil comprovar a autoria das obras
na pluralidade, pode ser compreendida como a unidade dos escritas atribuídas a Demócrito. Teria viajado pelo Egito,
opostos. Dia e noite, frio e quente, vida e morte são opostos Mesopotâmia e Pérsia antes de se estabelecer em Atenas.
que se complementam. O fogo representaria aquele Sua filosofia: Demócrito é o grande sistematizadordo
elemento que dá dinamismo à realidade, pois ele tudo atomismo, doutrina que acredita que o universo,a
transforma, tudo muda. Ao contrário de Parmênides, para physis, é formado por átomos. A palavra átomo significa
A origem da Filosofia

não divisível, a menor parte das coisas que não se pode


dividir em outras partes. Os átomos são partículas infinitas
EXERCÍCIOS PROPOSTOS
e invisíveis que compõem os objetos materiais e dãoorigem
01. EXPLIQUE as hipóteses do “Milagre grego” e do
aos fenômenos observados e ao movimento de orientalismo para o nascimento da Filosofia e JUSTIFIQUE
transformação dos seres. por que ambas não são corretas.

EMPÉDOCLES (cerca de 490-435 a.C.)


02. Entre as transformações históricas ocorridas na Grécia dos
A um dado momento, do Uno saiu o Múltiplo. Por divisão séculos VII e VI a.C., uma das principais está relacionada
– fogo, água, terra e ar altaneiros; e o Uno se formou do às navegações marítimas. EXPLIQUE sua importância
Múltiplo. Ódio, temível, de peso igual a cada um, e o Amor para o nascimento da filosofia.
entre eles.
03. O mito é o nada que é tudo.
SIMPLÍCIO. Física, 157.
O mesmo sol que abre os céus
Natural de Agrigento, na Sicília, Empédocles é conhecido É um mito brilhante e mudo.
por ser um político, poeta, dramaturgo, homem de ciência,
Fernando Pessoa
médico e cosmólogo, místico e inventor da eloquência. Por
combater a tirania em Agrigento, foi expulso da cidade e Durante muitos anos, os mitos marcaram a vida dos
perambulou errante por toda a Grécia. Parece que morreu gregos e seus modos de ver e interagir com o mundo
na guerra de Peloponeso (Atenas contra Esparta), mesmo ou a physis. REDIJA um texto explicando o que
que a lenda diga que morreu ao se atirar no vulcão Etna para representavam os mitos para a cultura grega e suas
provar que era imortal ou um deus. Escreveu dois poemas: diferenças em relação à Filosofia.

Sobre a Natureza e Purificações.

FILOSOFIA
04. O mito é uma forma autônoma de pensamento e de vida.
Sua filosofia: ao contrário de alguns pré-socráticos que
Nesse sentido, a validade e a função do mito não são
buscavam um único princípio das coisas, Empédocles secundárias e subordinadas em relação ao conhecimento
defenderá que são os quatro elementos, fogo, terra, água racional, mas originárias e primárias, situando-se num
e ar que constituem o universo, ou seja, que a Arché plano diferente do plano do intelecto, porém dotado de
da natureza são os quatro elementos que se unem e se igual dignidade [...]
separam, formando os diversos seres da natureza, porém em
MITO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
proporções diferentes em cada ser. Esses quatro elementos
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
são separados e unidos pelo ódio, que busca a diferença,
e pelo amor, que faz reunir as semelhanças, ou seja, pelo De acordo com a definição anterior, EXPLIQUE por
amor os elementos se unem e pelo ódio os seres se separam. que o conhecimento mítico tem a mesma dignidade do
conhecimento filosófico.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 05. Na Antigüidade clássica, o mito é considerado um produto


01. EXPLIQUE, com suas palavras, a seguinte afirmação: a inferior ou deformado da atividade intelectual. A ele era
Filosofia é filha da Pólis. atribuída, no máximo, “verossimilhança”, enquanto a
‘verdade’ pertencia aos produtos genuínos do intelecto.
02. O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer. Esse foi o ponto de vista de Platão e de Aristóteles. Platão
O logos é verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à contrapõe o mito à verdade ou à narrativa verdadeira
“lógica”; é falso quando dissimula alguma burla secreta (Górg., 523 a), mas ao mesmo tempo atribui-lhe
(sofisma). [...] O mito, assim, atrai em torno de si toda verossimilhança, o que, em certos campos, é a única
parcela do irracional existente no pensamento humano; validade a que o discurso humano pode aspirar (Tini., 29
por sua própria natureza, é aparentado à arte, em todas d) e, em outros, expressa o que de melhor e mais
as suas criações verdadeiro se pode encontrar (Górg., 527 a). Também
GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. 3ª edição. São Paulo: para Platão o M. constitui a “via humana mais curta” para
Brasiliense, 1982. p. 8-9. a persuasão [...]
MITO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
REDIJA um texto diferenciando a racionalidade do logos e
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
a irracionalidade do mito de acordo com o trecho anterior.
EXPLIQUE por que, segundo essa definição, o mito
03. De acordo com o estudado, FAçA um quadro comparativo é considerado mentira para pensadores como Platão
diferenciando as características do mito das características e Aristóteles. Você concorda com esta posição?
da Filosofia. JUSTIFIQUE sua resposta.

Editora Bernoulli
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CPM FILOSOFIA – TEXTO 01

06. Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude
que representam.A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o
que mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.

OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invençãoda filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.

A partir do trecho e de outros conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto explicando a “guinada de atitude” representada pelos pré-
socráticos.

07. “Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser. E nada não é”.
Sobre a Natureza, vv. 3; 6.

“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é mais o mesmo”.

PLUTARCO. Coriolano, 18 p. 392 B.

Os fragmentos anteriores se referem ao pensamento dos dois mais importantes pré-socráticos, Parmênides e Heráclito. De acordo com o
estudado, FAçA uma relaçãoentre a filosofia desses dois pensadores da physis,estabelecendo as semelhanças e as diferenças entre eles.

08. REDIJA um texto explicando o objetivo da filosofia pré-socrática e o que buscava encontrar para explicar a origemdo universo

APOSTILA ADAPTADA DO SISTEMA BERNOULLI

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