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A Arte de Argumentar Gerenciando Razdo e Emocado 13? edicao ampliadaDADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: Apresente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o cbjetive de oferecer contelide para uso parcial em pesquisas ¢ estudes académicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusive de compra futura. E expressam ente proibida e totalmente repndiével a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente contetido Sobre nos: O Le Livros e sews parceiros disponibilizam contetido de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que 0 conhecimento e a educagdo devem ser acessiveis ¢ livres a toda e qualquer pessoa. Vocé pode encontrar mais obras em nosso site: Lal. qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link "Quando o mundo estiver wiido na busca do conhecimento, ¢ nie mais lutando Por dinheto ¢ poder, entiia nossa sociedade poderd enfim evoliar a wn novo nivel” ‘eLtvrosAABTE DE ARGUMENTAR, GERENCIANDO RAZAO E EMOCAO Antonio Suarez Abreu af Atelié Editorial.SUMARIO Por que Aprender a Argumentar? Gerenciando Informagao Gerenciando Relagio Argumentar, Convencer e Persuadir Um Pouce de Histiria Tnrefas da Retérica Classica Senso Comum, Paradoxe e Maravilhamento Condicdes da Argumentacdo O Anditério Auditéria Universal e Auditério Particular Convencendo as Pessoas As Técnicas Argumentativas Argumentos Quase Légicos Argumenios Fundameniados na Estrutura do Real Cuidado com as Falacias no Formais Cone lustio Inatingente Argumentum ad Baculum Argumentum ad Hominem Argumentum ad Ignorantiam Argumentum ad Misericordiam Argumentum ad Populum Argumentum ad Verecundiam Argumento da Causa Fala Argumento da Pargunta Complexa Dando Visibilidade aos Argumentos— Os Recursos de Presenga Persuadindo as Pessoas Emogées e Valores As Hierarquias de Valores Alterando a Hierarquia de Valores — Os Lugares da ArgumentagdioLugar de Quantidade Lugar de Qualidade Lugar de Ordem Lugar de Esséncia Lugar de Pessoa Lugar do Existents Afimal de Contas, o Que E Argumentar? Aprendendo a “Desenhar™ e a “Pintar” com as Palavras Figuras Retiricas Figuras de Som Figuras de Palavra Metonimia Metafora Figuras de Construgao Pleonazma Hipalage Angfora Epistrofe Concatenay do Figuras de Pensamento Aantitese Paradoxo Aluséia Conclusio Palavras Finais BibliografiaPOR QUE APRENDER A ARGUMENTAR? A ideia de que vivemos em sociedade comporta, no tempo presente, duas ordens de reflexdo. A primeira é que essa sociedade crescen e se expandu demais. Ha cem anos, a prande atriz francesa Sarah Bernhard, ndo confiando inteiramente no sistema dos correios, mantinha, entre seus criados, uma jovem encarregada de entregar suas cartes ua cidade de Paris. Se ele vivesse hoje entre nés, poderia usar, além de um sistema de correio infinitamente mais aperfeigoado e confidvel, um telefone, um fax, ou a iternet, além de poder, acessando a TV a cabo, assistir, em tempo real, a tudo aquilo que acontece nas partes mais remotas do planeta_ A outra reflexdo € que, vitimados por uma educacdo desestimulante, submetides ao julgamento critico da opiniao publica, massificados pela m vivemos nossas vidas adiando ou perdendo nossos sonhoz e isso nos torna mnfelies. Até mesmo pessoas que comseguem sucesso financerro e prestigio pessoal acabam tendo esse destino. Basta ler a biografia de gente famosa, como Howard Hughes, Elvis Presley, a princesa Diana, para sucumbir a essa evidéncia. Todos eles sofreram a doenga da solidic, uma doenga que nos separa até mesmo doz nossos familiares, com quem, muitas vezes, vivemos em um chma didrio de discussGes ¢ ressentimentos. Todos nos teriamos muito mais éxito em nossas vidas, produairiamos muito mais e seriamos muito mais felizes, se nos preocupdssemos em gerenciar nossa Telagdes com as pessoas que noz rodelam, desde o campo profissional até ao pessoal. Mas para isso é necessério saber conversar com elas, argumentar, para que exponham seus pontos de vista, seus motives ¢ para que nos também possamos fazer o mesmo. Segundo o senso comum, argumenter é vencer alguém, forgd-lo a submeter- se 4 nossa vontade. Definigao errada! Von Clausewitz, o génio militar alemai utiliza-a pata defimr GUERRA «¢ ndo ARGUMENTACAQ. Seja em familia, no trabalho, no esporte ou na politica, saber argumentar é, em primeiro Ingar, saber integrar-se 20 tmiverso do outro. E também obter aquilo que queremos, mas de modo cooperative e construtivo, traduzindo nossa verdade dentro da verdade do outro. Escrevi este livro para convencer a3 pessoas de que ndo basta ser inteligente, ter uma boa formacdo universitiria, falar varias linguas, para ser bem-sucedido. Meu objetivo é convencé-las de que 0 verdadeiro sucesto depende da habilidade de relacionamento interpessoal, da capacidade de compreender e comunicarideias e emogtes.GERENCIANDO INFORMACAO Em pesquisa recentemente realizda nos Estados Unidos, chegow-se a conclusdo de que, entre as competincias mecessdrias para que o pais continue lider mundial neste século que se inicia, estd a de gerenciamento da informacio por meio da comunicagZo oral e escrita, on seja, a capacidade de ler, falar e escrever bem. Isso nos leva a penzar muito seriamente na necessidade de desenvolver essas habilidades, pois passamos a maior parte do tempo defendendo nosso pontos de vista, falando com pesos, tentando motivar nossos filhos. 34 é coisa sabida que o mais importante ndo slo as informagdes em si, mas o ato de transforma-las em conhecimento. As mformagdes sfo tijolos e o conhecimento é 0 edificio que construimos com eles. Mas onde é que vamos buscar esses tijolos? A maior parte das pessoas os obtém unicamente dentro da miidia escrita e falada. Ora, desde 1924, filésofos como Theodor Adomo, Walter Benjamm e, mais tarde, Herbert Marcuse e Erich Fromm nos alertaram sobre os perigos da cultura de massa e da indistria cultural Na verdade, a midia nos oferece uma espécie de “visio tubular” das coisas. E como se olhassemos zpenas a parte da realidade que ela nos permite olhar, e da maneira como ela quer que nés a interpretemos. Ha alzuns anos, depois da queda do presidente Ferdinand Marcos, das Filipinas, os jornais do mundo inteiro publicaram uma foto do closer da primeira- dama, Imelda Marcos, dando destaque a uma incrivel quantidade de pares de sapatos li existente. Por causa disso, Imelda passou a ser conhecida mundialmente como uma mulher fiitil por possuir uma enorme quantidade de sapatos. Durante seu julgamento, na Corte Federal da cidade de Nova York ao fim do qual foi absolvida, os jornais locais enviavam reporteres ao tribunal, com a exclusiva missdo de fotografar-lhe oz pés, para que pudessem publicar, no dia seguinte, o modelo que ela estaria usando. O resultado foi frustrante, pois ela usou, em todas as sessGes do uri, um mesmo par de sapatos pretos. Por essa época, ela confidenciou a seu advogado Gerry Spence! que nunca tinha comprado aqueles sapatos divulgados pela midia. Nas Filipinas, ha muitas fabricas de sapatos ¢, todos os anos, ela recebia dessas fabricas, gratuitamente, colegdes completas deles, pois todas queriam proclamar que a primeira-dama usava seus produtos. Ora, Imelda calgava um mimero grande ¢, por esse motivo, era sempre dificil encontrar outras mulheres a quem pudesse dar o3 seus sapatos. Joga-los fora seria pior, uma vez que isso iia produzir constrangimentos j unto aos fabricantes. Ela, entéo, smplesmente colecionava-os. Apesar disso, até hoje amaior parte das pessoas ainda conserva a imagem da esposa de Ferdinand Marcos imposta pela midia, como uma pessoa fiitil_ atacada de uma espécie de doenga mental, por possuir uma quantidade imensa de sapatos. Além do almhamento de pontos de vista, existem ainda os processos de manipulacdo. Durante a Guerra do Golfo, as televisdes do mundo inteiro exibiram dues imagens de forte impacto: uma deles mostrava incubadoras desligadas pelos iraquianos, com criangas prematuras vaitianas mortas; outra, passaros sujos de petréleo por uma maré negra provocada também pelo: iraquianos. Ambas as imagens eram falsas As incubadoras eram uma montagem. A maré negra era real, mas tinha acontecido a milhares de quilémetros dos “cruéis” iraquianos. ‘Como nos defender de tudo isso? Simplesmente, obtendo mformacées em outras fontes. Quantos lixtos vocé leu no ano que passou? Informativos e formativos? E literatura? Quando falo em literatura, nio me estou referindo aos best-sellers, mas aos clissicos. Vocé ja leu Shakespeare, Thomas Mann, Goethe, Machado de Assis? Parece uma tarefa dificil, mas no ¢. Hamlet de Shalespeare, por exemplo, é uma peca de teatro que se 18 em dois dias! E quanta coisa se aprende sobre a alma hum ana! Paul Valéry, um grande poeta e critico francés, nos diz a respeito da leitura de ficgdo: “Penso sinceramente que, se todos os homens néo pudessem viver uma quantidade de outras vidas além da sua, eles no poderiam viver a sua™. Isso também no é novidade, para o grande escritor peruano Mario Vargas Llosa, que diz ‘Condenados a uma existéncia que nunca esta a altura de seus sonhos, os seres humanos tiveram que inventar um subterfiigio para escapar de seu confmamento dentro dos limites do possivel: a ficedo. Ela Ihes permite viver mais e melhor, ser outros sem deixar de ser o que jd so, deslocar-se no espago e no tempo sem sair de sen lugar nem de sua hora e viver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente ¢ das paixdes, sem perder o juizo ou trairo coracdo?. Por meio da leitura, podemos, pois, realizar o sauddvel exercicio de conhecer as pessoas € as coisas, sem limites no espago e no tempo. Descobrimos, também, uma outra maneira de transformar o mundo, pela transformagao de nossa propria mente. Isso acontece, quando nés adquirimos a capacidade de ver o: mesmos panoramas com novos olhos. Mas, além da ficcdo, podemos ler também outras obras importantes, como Casa-Grande ¢ Senzala de Gilberto Free ou A Era dos Extremos — O Breve Século XX, de Eric Hobsbawm! Vale a pena também ler o livro intitulade O Mundo de Sofia, do autor noruegués Jesteim Gaarder. Trata-se de um romance que conta a historia da filosofia, emoldurando as ligdes dentro do cotidiano deuma menina de qumze anos de idade. Enfim, leitura é um programa para uma vida interra_ Talvez no micio, vocé encontre alguma dificuldade, mas, 4 medida que for lendo, verd que o préximo lixro sempre fica mais facil, pois seu repertirio vai ganhando aguilo que os fisicos chamam de “massa critica” e, 3 partir dai, voce tera condigdes de fazer uma leitura mais seletiva da midia. criticar as informagées e construir um conhecimento original A propésito, a revista Teja publicou, tempos atrs, alguns comentarios sobre 0 ensino das Humanidades na Liberal Art School de Middlebury, nos Estados Unidos. Vale a pena ler alguns trechos desses com entirios: Essa é a esséncia da educagdo por meio do estdo das humanidades: desenvolver o pensamento, sem nenluma utilidade ou objetivo pratico Educa-se 2 cabeca, aprende-se a pensar, estudando literatura, grego, filosofia. No final das contas, é supremamente util. Cabega feita no é pouca coisa. E essa gente, afiada no estudo dos cléssicos, que as grandes empresas querem contratar. As empresas citadas na lista das 500 maiores pela revista Fortme nfo vio procurar administradores ou engenheiros para os seus fituros quadros dirigentes, mas sim essas pessoas ilustradas nos cléssicos e que poucas disciplinas “praticas” cursaram*, 1. Gerry Spence, How to Argue and Win Every Time. pp. 94-96. 2. CE Philippe Breton, Manjpulagdio da Palavra, p. 12. 3. Mario Vargas Llosa, Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 1995 4 Teja, ano 31,33, p. 112GERENCIANDO RELACS Quando entramos em contato com o outro, nfo gerenciamos apenas informagées, mas também a nossa relagdo com ele. Um dom dia, um muito obrigado, as formas de tratamento (vocé, a senhora), tudo isso é gerenciamento de relagdo. Muitas vezes, ao introduzirmos um assunto, construimos antes uma espécie de “preficio gerenciador de relagio”. O personagem Riobaldo, dialogando com seu interlocutor, em Grande Sertéio — Veredas, diz Mas o senkor é homem sobrevindo, sensato, fiel como papel, 0 senhor me ouve, pensa © repensa, ¢ rediz, entic me ajuda. Assim, é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertenga. Vou lhe falar Lhe falo do sertio. Do que no sei Um grande serio! Nao sei, Ninguém ainda sabe. 8 umas rarissimas pessoas — e sd estas poucas veredas, veredazinhas. O que muito Ihe agradeco é a sua fineza de atencaol A tmica informagdo desse texto é que Riobaldo, vai falar do serto, coisa pouce comhecida. O resto é gerenciamente de relagdo. As vezes, um didlogo é puro gerenciamento de relagdo. E 0 que acontece quando duas pessoas falam sobre o tempo ou quando dois namorados conversam entre si O que dizem é redundante. Se um diz— Eu te amol, isso € coisa que 0 outro j4 sabe. Mesmo assim, pergunta outra ver — Vocé me ama? E recebe a mesma resposta. E ficam horas a fio nessa redundancia amorosa, em que 0 importante ndo é trocar informagdes, mas sentir em plenitude a presenca do outro. Depois que o relacionamento evolui e se casam, passam a sentir-se mais seguros, um em relacgdo ao outro, e ai comecam a nepligenciar a parte carinhosa, sensivel entre os dois, para cuidar de aspectos mais préticos. Por esse motivo € que, no espago privado, acabamos gerenciando mais informagdo e menos relagdo. Dentro de casa, raramente as pessoas dizem por favor ou muito obrigado. No espaco publico, até mesmo por motivo de sobrevivéncia social, as pessoas procuram, com maior ou menor sucesso, gerenciar, além da informacdo, a relagdo. No mundo de hoje e no futuro que nos espera, é muito importante saber gerenciar telagio. O mundo est4 passando por uma mudanga em relacdo a0 emprego industrial e rural No campo, para o futuro, a perspectiva é termos apenas 2% da populacdo interagindo com uma agricultura altamentemecanizads. Nas cidades, menos de 20% trabalharo nas mdustrias robotizadas e informatizadas. © resto (mais de $0%) ficard na drea de servigos. Ora, servigos implicam clientes e clientes implicam bom gerenciamento de relagéo. O trabalho do futuro dependera, pois, do relacionamento. Mesmo os profissionais bberais dependem dele. O médico ou o dentista de sucesso néo ¢ necessariamente aquele que emtrou em primeiro lugar no vestibular e fez um curso tecnicamente perferto. E aquele que é capaz de se relacionar de maneira positiva com seus clientes, de conguistar sua confianga ¢ amizade Um exemplo dessa mudanca é o fato de que algumas concessionérias de automdéveis descobriram, em pleno século XXI_ a tavola redonda. Vocé se lembra daquels ideia genial do rei Artur de substituir 2 mesa retangular, a qual ele se sentava com os cavaleiros, e diate da qual eram disputados Ingares em termos de hierarquia, por uma mesa redonda, em que todos eram iguais? As concessionarias estio fazendo a mesma coisa. Estdo substitundo as mesinhas retangulares em que o cliente ficava “frente a frente” com o vendedor representando a empresa, por mesinhas redondas (pequenas tdvolas redondas), onde ambos se sentam lado a lado, o que favorece um relacionamento mais informal e menos hierarquico. No plano da vida pessoal, ndo é diferente. Quantas pessoas nés conhecemos, gente famosa, bonita, rica, com prestigio, mas extremamente infeliz, por no saber se telacionar com o outro! A verdade é que ninguém é feliz sozinho, mas, 30 mesmo tempo. temos medo de nos relacionar com o préximo. Conseguimos diminuir a distincia que nos separa das partes mais longinquas do mundo, por meio da aviagdo a jato, da tevé a cabo, da internet, mas ndo conseguimo: dimimuir a distincia que nos separa do nosso proximo. E quando conversamos com as pessoas, falamos sobre tudo: futebol, automobilismo. politica, moda. comida, mas falamos apenas superficialmente sobre nds mesmos e, assim, no conhecemos o outro e ele também no nos conhece! Temos medo de entrar em contato com o outro em nivel pestoal, mas precizamos vencer esse medo! Ha pessoas que vestem uma espécie de armadura virtual para se defender. O tempo passa e elas ndo percebem que esta armadura ndo as esti protegendo, esta apenas escondendo as feridas da sua solidio. O outro deve ser visto por nés como uma aventura. Temos de arriscar! Nés munca estamos diante de pessoas prontas e também ndo somos pessoas prontas. Ao contrario, é no relacionamento com 0 outro que nos vamos construinde como pessoas humanas e ganhando condigSes de sermos felies. Femmando Pessoa nos fala da frustragao de quem no foi capaz de viver essa aventura: Pensaste ja quio invisiveis somos uns para os outros? Meditaste ja em quanto nos desconhecemos? Vemo-nos ¢ ndo nos vemos. Ouvimo-nos ¢ cada um escuta apenas uma voz que esta dentro de si. As palavras dos outros so erros do nosso. 2 ouvir, naufragios do nosso entender?. Muitas vezes, temos medo do poder do outro e por is20 nos retraimos. Muitas pessoas temem o poder de seus chefes, de pessoas de nivel social mais elevado, as vezes de seus proprios pais, maridos e esposas. A primeira grande verdade que temos de aprender é que NOS ATURAMOS OS DESPOTAS QUE NOS QUEREMOS ATURAR. © poder que alguém tem sobre mim é uma concessio minha! Explosdes de raiva, ameagas, acusagGes nfo revelam poder, maz fraqueza! Minhas agGes so a fonte do poder do outro. Certa vez, uma amiga associou-se ao clube de uma cidade para a qual se havia mudado recentemente. Ao comegar a frequenta-lo com os filhos, teve alzumas surpresas desagradaveis. A piscina era cercada por grades e, antes de usd-la, tmham todos de tomar uma ducha & apresentar as carteiras do clube, embora jé tivessem feito isso na portaria. Uma das criangas, que tinha entrado com uma mochila, teve de retormar ao vestidrio para despejar seu conteudo em um recipiente de plastico transparente, para que os fiscaiz da piscina pudessem verificar o que estava ttansportando. Ao voltar a piscima, teve de tomar outta ducha € apresemtar novamente a cartema. Quando aleuém queria tomar refrizerante ou um sorvete, nio podia fazé-lo dentro do recinto da piscina. Tinha de sair, ir até o bar e voltar depois, repetindo a ducha e 2 apresentagdo da carteira. Depois de initeis reclamagGes a funcionarios e 4 diregdo, minha amiga decid mudar de clube e ficar livre daquela rotma mfernal. Ao associar-se a0 clube, sem que soubesse, ela tinha dado a sens fimciondrios e diretores o poder de controlar seus passos. Bastou sair dele para ficar livre desse poder! Minha mente ¢ também a fonte do poder do outro. Para que eu me liberte, preciso primeiro libertar minha mente. Na Austrélia, em uma ‘ribo aborigine em que existiam prdticas semelhantes ao vodu, o xam4> podia condenar alguém 4 morte, simplesmente apontando-o com um osso ¢ ordenando-Ihe que morresse. E 0 indio apontado de fato morria, sem cometer suicidio, de morte natural, pois ele estava preso dentro de sua propria mente ao poder do xamd. Cientistas que estiveram fazendo pesquisas nesse local, em 1925, pediram ao xamd que hes ordenasse morrer, utilizando o mesmo procedimento usado com os membros da tribo, ¢ nada hes acontecen. Durante a Idade Média4, sobretudo por mfluéncia de Santo Agostmho, a Igreja condenava a pritica do sexo, mesmo entre pessoas casadas, nos dias santificados, 20s domingos, quarenta dias antes da Pascoa. pelo menos vinte dias antes do Natal, trés dias antes de receber a comunhio. Os periodos de contingncia chegavam a cinco meses 20 ano e os fidis, com justia razio, se queixavam de que nao thes sobrava muito tempo. Entretanto, procuravam Tespettar as proibigées, sobretudo as mulheres, pois morriam de medo de queDeus as visse em pecado e tivessem de confessar-se aos padres, que tinham o poder de aplicar as terriveis penas dos Penitenciais3. Essas condenacdes varlavam entre ficar meses a pdo ¢ agua até a prisio em regime fechado. Apenas a titalo de exemplo, para o sexo oral a pena era de deza quinze anos de prisfo, enquanto que para o assassinato premeditado era de sete anos. Foi por essa época, no século XIII, na cidade de Lausanne, na Suiga francesa, que cinco mulheres, entrando na Catedral para a festa do padroeiro, sofreram uma espécie de ataque epilético, pelo remorso de terem feito amor com seus miarides no dia anterior. Somente depois de confessarem esse “terrivel pecado” ¢ manifestarem sincero arrependimento, voltaram ao estado normal. A mente delas dava aos sacerdotes e a Igreja o poder de fazi-las ficar doentes e ter ataques. 1. Guimaraes Rosa, Grande Serio — Veredas, p. 84. 2. Fernando Pessoa, Livro do Desassossego. p. 69. 3. Xamd — nome de feiticeiros da Asia Setentrional e, por extensio, de feiticeiros de todas as sociedades consideradas mferiores. 4. Cf. Clemara Bidarra, “A Construgdo do Amor e do Erotismo no Discurso Literdrio: Uma Perspectiva Historica dentro do Pensamento Ocidental”, pp. 39-44. 3. Livros que continham catdlogos de pecados e uma lista de peniténcias para cada um deles. Os mais antigos Penitenciais vem dos mosteiros da Irlanda, onde foram compostos pelos abadesARGUMENTAR, CONVENCER E PERSUADIR ARGUMENTAR é a arte de convencer e persuadiz. CONVENCER é saber gerenciar mformagdo, é falar 4 razio do outro, demonstrando, provando. Etmologicamente, significa VENCER JUNTO COM O OUTRO (com + vencer) e nao CONTRA o outro. PERSUADIR é saber gerenciar relacao, é falar 4 emogio do cutro. A origem dessa palavra estd ligada 4 preposigdo PER, “por meio de”, e a SUADA, densa romana da persuasio. Significava “fazer algo por meio do auxiho dimo”. Mas em que CONVENCER se diferencia de PERSUADIR? Convencer é construir algo no campo das ideias. Quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nds. Persuadir é construir no terreno das emogées, é sensibilizar o outro para agir Quando persuadimos alguém, ese alguém realiza algo que desejamos que ele realize. Muitas vezes, conseguimos convencer as pessoas, maz nfo conseguimo: persuadi-las. Podemos convencer um filho de que o estudo é importante e, apesar disso, ele contmuar negligenciando suas tarefas escolares. Podemos convencer um fumante de que o cigarro faz mal 4 satide, e, apesar disso, ele continuar fumando. Algumas vezes, uma pessoa jd esti persuadida a fazer alguma coisa e precisa apenas ser convencida, Precisa de um empurrdozinho Tacional de sua propria comsciéncia ou da de outra pessoa, para fazer o que deseja. E o caso de um amigo que quer comprar um carro de luxo, tem dimherro para isso, mas hesita em faz8-lo, por achar mera vaidade. Precisamos apenas dar-Ihe uma “boa razio” para que ele faca o negécio. As vezs, uma pestoa pode ser persuadida a fazer alguma coisa, sem estar convencida. E 0 caso de alguém que consulta uma cartomante ou vai a um curandeiro, apesar de, Tacionalmente, ndo acreditar em nada disso. ARGUMENTAR E, POIS, EM ULTIMA ANALISE, A ARTE DE, GERENCIANDO INFORMACAO, CONVENCER O OUTRO DE ALGUMA COISA NO PLANO DAS IDEIAS E DE, GERENCIANDO RELACAO, PERSUADI-LO, NO PLANO DAS EMOCOES, A FAZER ALGUMA COISA QUE NOS DESEJAMOS QUE ELE FACA.UM POUCO DE HISTORIA Arretérica, ou arte de convencer e persuadir, surgiu em Atenas, na Grécia antiga, por volta de 427 a.C., quando os atemienses, tendo consolidado ma pratica os principios do legislador Sélon, estavam vivendo a primeira experiéncia de democracia de que se tem noticia na Histéria. Ora, dentro desse novo estado de coisas, sem a presenga de autoriterismo de qualquer espécie, era muito importante que o: cidadios conseguissem dominar a arte de bem falar e de argumentar com as pessoas, maz assembleias populares e nos tribunals. Para satisfazer essa mecessidade, afluiram a Atenas, vindo sobretudo das colémias eregas da época, mestres itinerantes que tmham competéncia para ensinar essa arte. Eles se autodenominavam SOFISTAS, sibios, aqueles que professam a sabedoria. Os mais importantes foram Protagoras e Gorgias. ‘Como mestres itinerantes, os sofistas faziam muitas viagens e, por esse motivo, conheciam diversos usos e costumes. Isso Ihes dava uma visdo de mundo muito mais abrangente do que tnham os atenienses da época ¢ thes permiia mostrar 4 seus ahmos que uma questio podia admitir diferentes pontos de vista. Um des principios propostes por eles era o de que muitos des comportamentos humanos ndo eram naturais, mas criados pela sociedade. Como exemplo, citavam o “sentimento do pudor™. Contradizendo os atenlenses, que acreditavam que fosse algo natural, os professores de retérica afirmavam, por experiéncia propria, que, em muitos lugares por que tinham passado, a exposigdo de certas partes do corpo e certos habitos tides como normais, se vistos em Atenas, causariam perplexidade e constrangimento. Foi esse tipo de pensamento que deve ter provocado a célebre afirmacdo de Protigoras: O homem é a medida de todas as coisas, que 0 levou, inclusive, a afirmar que o verdadeiro sdbio ¢ aquele capaz de julzar a3 coisas segundo az circunstincias em que elas se inserem e nfo aquele que pretende expressar verdades absolutas. Aretérica, a0 contrério da filosofia da época. profeseada principalmente por Sécrates @ Platio, trabalhava, pois, com a teoria dos pomtos de vista ou paradigmas, aplicados sobre os objetos de seu estudo. Por esse motivo, foi inevitével o conflito entre retéricos ou sofistas, de um lado: e os fildsofos, de outro, que trabalhavam apenas com dicotomias como verdadeiro'falso, bom/mau etc. TAREFAS DA RETORICA CLASSICAA primeira tarefa da retirica cldssica tinha natureza heuristical. Tratava-se de descobrir temas conceituais para discussio. Um dos temas mais célebres, escolhido por Gorgias, foi“o direito que a paixdo tem de se impor sobre a razio. Para defender essa tese. Gorgias escreveu um discurso intitulado Elogio a Helena,em 414 aC. Austria de Helena de Troia é uma das mais conhecidas da mitologia grega. Helena, esposa de Menelau, rei da cidade de Esparta, foi raptada por Paris, principe troiano, que a gamhara como prémio da deusa Vénus. Esse rapto deu crigem a guerra de Troia, que os gregos promoveram para resgetar Helena. A questio colocada por Gargias era que Helena, apezar de casada com Menelau e, do ponto de vista moral, ligada a ele, tinha também o direito de apaixonar-ze por Paris, dando vazdo aos seus sentimentos. Na verdade, Vénus prometera a Paris ndo apenas Helena, mas o AMOR de Helena. Eis, 2 seguir, um pequeno trecho do Elogio a Helena Eu quero, raciocinando com Iigica sobre a infelic tradigdo a ela referente [referente a Helena]. liberd-la de toda acuzagdo e fazer cessar a ignorancia, demonstrando que seus acusadores esto equivocados. [...] Se o que originou seus atos fol o amor, ndo é dificil apagar a acusagdo de culpa em que dizem que ela mcorreu. As coisas que vemos t2m a natureza propria de cada uma delas e ndo a que nds queremos. Ademais, mediante a percep¢do visual, 2 alma é modelada em seu modo de ser Assim, quando a vista contempla pessoas inimigas revestidas de armadura guerreira com ornamentos guerreiros de bronze e ferro, ofensivos e defensivos, se aterroriza e atertoriza sua alma, de maneira que muitas vezes fugimos cheios de pavor, ainda que ndo haja um perigo imimente. [...] Portanto, se o olho de Helena originou em sua alma desejo e paixdo amorosa pelo corpo de Paris, o que hd nisso de assombroso? Se o amor um deus, como poderia ter resistide e vencer o divino poder dos deuses quem é mais fraco do que eles? Se se trata de uma enfermidade humana e de um erro da mente, ndo ha que s¢ censurar como se fossze uma culpa, mas considerd-la - D apenas uma md sorte?. SENSO COMUM, PARADOXO E MARAVILHAMENTO Tudo aquilo que pensamos e fazemos é fruto dos discursos que nes constroem enquamto seres psicossociais. Na sociedade em que vivemos, somos moldados por uma infinidade de discursos: discurso cientifico, discurso juridico, discurso politico, discurso religioso, discurso do senso comum eto. Paramos 0 automével diante de um sinal vermelho porque essa atitude foi estabelecida pelo discurso juridico das leis de transito. Votamos em tal candidato de tal partida porque esse tipo de voto foi conquisiado pelo discurso politico desse candidato.Entre todos os discursos qué nos governam, o mais sigmificativo deles é o DISCURSO DO SENSO COMUM. Trata-se de um discurso que permeia todas as classes sociais, formando a chamada opinido piiblica. Tanto uma pessoa hum ilde e iletrada quanto um executive de alto nivel, com curso universitirio completo, costumam dizer que os politicos so, em geral, corruptos ou que 0 brasileiro é relaxado e preguigoso. Na verdade, o discurso do senso comum no é um discurso articulado; é formado por fragmentos de discursos articulados. Uma fonte desse discurso slo os ditos populares, como Devagar se vaiao lange, Agua mole em pedra dura tanto bate até que fura etc. Esse discurso tem um poder enorme de dar sentido 4 vida cotidiana e manter o starus quo vigente, mas tende a s€I, 20 mesmo tempo, retrogrado e mamiqueista. Podemos até mesmo dizer que os momentos das srandes descobertas, das grandes invencdes, foram também momentos em que as pessoas foram capazes de opor-se ao discurso do senso comum. Geralmente, essas pessoas, em um primeiro instante, se tormam alvo da incompreensio da massa que defende o senso comum. Foi o que aconteceu com a chamada Revolta da Vacmma, uma rebelide popular ocorrida no Rio de Janeiro, de 12.4 15 de novembro de 1904, quando Oswaldo Cruz, diretor-geral da Saude Publica do governo Rodrigues Alves, quis vacinar a populacdo da cidade contra a febre amarels. A opinido geral era de que se tratava de inocular a doenga nas pessogs, Dizem que até mesmo Rui Barbosa posicionou-se contra a medida, alegando o constrangimento das senhoras em expor o brago nu pata tomar a vacina. Os cariocas, inflamados, levantaram barricadas, quebraram lampides de iluminag4o publica e incendiaram alguns bondes da cidade Woltando a Atenas e aos professores de retérica, uma das técnicas mais utilizadas por eles, para arejar a cabega dos atenienses contra o discurso do senso comum, era a de criar paradoxos — opinides contrarias ao senso comum — levando, dessa maneira, seus ouvintes on leitores a experimentarem aquilo que chamavam MARAVILHAMENTO, a capacidade de voltar a se surpreender com aguilo que o habito vai tomando comum. Essa palawra foi substituida no expressionismo alemdo, no surrealismo francés e, sobretudo, no formalismo Tusso, pela palavra ESTRANHAMENTO, defimida como a capacidade de tornar novo aquilo que j se tomo habitual em nossas vidas. Nesse sentido, o Elogio a Helena de Gorgias foi paradoxal, pois contrariava o senso comum da época Uma das técnicas do paradoxo era criar discursos 2 partir de um antimodelo, ou seja, escolhia-se algum tema sobre o qual ja houvesse uma opinifo formada pelo senso comum ¢ escrevia-se um texto contrariando essa opimido. Era o antimodelo. Houve momentos em que floresceram em Atenas discursos iniciados sempre pela palavra CONTRA: Contra os Fisicos, Contra Erebo? ete. Aretorica classica se baseava, portanto, ma diversidade de pontos de vista, no verossimil, ¢ nio em verdades absolutas. Isso fez com que a dialética ¢ a filosofia da época se aliassem contra ela. Platio, por exemplo, em sua obra chamadaGorgias, procura mostrar que a retorica visava apenas aos resultados, enquanto que a filosofia visava sempre a0 verdadeiro. Isso fezcom que a retérica decaisse perante a opiniio publica (discurso do senso comum) durante séculos. A prépria palavra SOFISTA passou a designar pessoa de ma-fé que procura enganar ufilizando argumentos falsos. O interessante é que o proprio Platio, na sua Repiidlica, utiliza amplamente 03 recursos retéricos que ele proprio condenava. Nietzsche comentou, ao seu estilo, que o primeiro motivo que levou Platio a atacar Gérgias foi que Gargias, além de seu sucesso politico, era rico ¢ amado pelos atenienses. Dizem, também, que um dos motives do declinio da retérica foi que a experiéncia democratica dos gregos foi muito curta. Acabou em 404 a.C, quando Atenas foi subjugada por Esparta, ficando assim elimmado o espaco para a Inte critica de ideias ¢ 0 debate de opmides. ‘Nos dias de hoje, a partir dos estudos da Nova Retirica e do chamado Grupo u, de Liége, na Bélgica, a retorica foi amplamente reabilitada, tendo sido, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, beneficiada pelos estudos de omtras ciémcias que se configuraram nesse século, como 2 Linguistica, Semidtica, a Pragmatica e a Andlise do Discurso. Os métodos retoricos da exploragdo da verossimilhanga e dos diferentes pontos de vista sobre um objeto ou situago tém sido o motor que vem impulsionando o grande avango modemno da ciéncia e da tecnologia. Um bom exemplo disso s40 0s trabalhos do médico americano Judah Folkman, no campo da cancerologia, O fundamento de sza pesquisa é um ponto de vista totalmente diferente do de seus pares. Segundo ele, é possivel combater um tumor cancerigeno, cortando seu suprimento de sangue, por meio da eliminaglo da vascularizagdo do tumor. Ababilidade de ver e sentir um objeto on uma situacdo sob diferentes pontos de vista é importante em qualquer 4rea. pois estd ligada ao exercicio da criatividade. Diz nos a esse respeito Femando Pessoa: A imica maneira de teres sensacdes novas é construires-te uma alma nova. Baldado esforco o teu se queres sentir outra: coisas sem sentires de outra mianeira, e sentires-te de outta maneira sem mudares de alma. Porque as coisas sd COMO nds a sentimos — ha quanto tempo sabes tu isto sem o saberes?-e€ 0 unico modo de haver coisas novas, de sentir coisas novas é haver novidade no senti-les4. Uma carta de amor, por exemplo, pode ser entendida apenas como uma forma de uma pessoa transmitir a ontra seus sentimentos. Mas pode também ser entendida de muitas outras maneiras, como no seguinte trecho de Rubem Alves. Uma carta de amor é um papel que liga duas solidées. A mulher estd 26. Se haoutras pessoas na casa, ela as deixou Bem pode ser que as coisas que estionela escritas no sejam nenhum segredo, que possam ser contadas a todos. Mas, para que a carta seja de amor, ela tem de ser lida em soliddo. Como se 0 amante estivesze dizendo: “Escrevo para que vocé fique sozinha ...” E este ato de leitura solitéria que estabelece a cumplicidade. Pois foi da solido que a carta nasceu. A carta de amor é o objeto que o amante faz para tornar suportivel o seu abandono. Olho para o céu. Vejo a Alfa Centauro, Os astrénomos me dim que a estrela que agora vejo é a estrela que foi, hd dois anos. Pois foi este o tempo que sua luz levou para chegar até os meus olhos. O que eu vejo é o que ndo mais existe. E sera imitil que eu me pergunte: “Como serd ela agora? Existira ainda?” Respostas a estas perguntas eu 20 vou conseguir daqui a dois anos, quando a sua luz chegar até mim. A sua luz esté sempre atrasada. Vejo sempre aquilo que ja foi ... Nisto as cartas se parecem com as estrelas. Acarta que a mulher tem mas mos, que marca o seu momento de solidio, pertence a um momento que nao existe mais. Ela nada diz sobre o presente do amante distante. Dai a sua dor O zmante que escreve alonga os seus bragos para um momento que ainda nfo existe. A amante que lé alonga os seus bragos para um momento que nao mais existe. Acarta de amor é um abragar do vazio?. 1. Heuristica é o método de analise que visa ao descobrimento é ao estudo de verdades cientificas. A palavra se origina do verbo grezo euritko, que significa “achar”, “encontrar” 2. Gorgias, Fragmentosy Estimonios, pp. 90-91. Atradugdo é minka. 3. Filho de Caos da Noite. Foi transformado em rio e precipitado nos Infernos, por ter ajudado os Tits. 4, Fernando Pessoa, Livre do Desassossego. vol. 1,p. 94. 5. Rubem Alves, “Cartas de Amor”, Retorna e Terno, pp. 44-45.CONDICOES DA ARGUMENTACAO A primeira condipao da argumentagdio é ter definida uma tese e saber para que tipo de problema essa tese é resposta. Se queremos vender um produto, nossa tese é o proprio produto. Mas isco nfo basta. E preciso saber qual a necessidade que © produto vai satisfazer Um bom vendedor é alzuém capaz de identificar necessidades ¢ satisfazé-las. Um bom vendedor de carros saberd vender um automével de passeio a um cliente que se locomove apenas no asfalto e um utilitario aquele que tem de enfrentar estradas de terra. No plano das ideias, as teses so as préprias ideias, mas é preciso saber quais as perguntas que estio em sua origem. Se eu quero vender a ideia de que é preciso sempre poupar um pouco de dinheiro, eu tenho de saber que a pergunta basica é:—O que eu faco com o dinheiro que recebo? Muitas pessoas se queixam de que, naz reunijes da empresa, suas boas ideias nunca sfo levadas em consideragdo. O que essas pessoas mdo percebem é que essas idelas sdo respostas a perguntas que elas fizeram a si mesmas, dentro de suas cabegas. Ora, de nada adianta langar uma ideis para um grupo que ndo conhece a pergunta. E preciso primeiro fazer a pergunta ao grupo. Quando todos estiverem procurando uma solugdo, ai, sim, é o momento de langar a ideia, como se langa uma semente em UM campo previamente adubado. Uma segunda condigio da argumentagdo é ter uma “linguagem comum™ com o auditério. Somos nés que temos de nos adaptar a: condigdes intelectuais e sociais daqueles que nos ouvem, e ndo o comtrdrio. Temos de ter um especial cuidado para ndo usar termos de informatica para quem ndo é da drea de informatica, on de engenharia, para quem no é da 4rea de engenharia, e assim por diante. Durante 2 campanha para a prefeitura de Sao Paulo, em 1985, Janio Quadros conton com o apoio do deputado e ex-ministro Delfim Neto. Durante um comicio para moradores de um bairro de periferia, Delfim terminou sua fala dizendo: “- A grande causa da processo byflaciondrio é 0 déficit argamentério!” Logo depois, Jinio chamon Delfim de lado e disse: “—Daitim, ole para a cara daquale sujeite ali. O qua vac8 acha que ela entendeu do seu discursa? Ele nfo sabe a que é processo. Nao sabe o que é inflaciondrio. No sabe o que é déficit E no tem a menor idaia do que é orgamentirio. Da préxima vez, diga assim: — A causa da carestia é a roubalheira do gaverno! “ Em um processo argumentative, nés somos os imicos responsiveis pela clareza de tudo aquilo que dissermos. Se houver alguma falha de comunicaglo, aculpa é exclusivamente nossa! ‘A terceira condigdio da argumentagdo é ter um contato positive com o auditério, com o outro. Estamos falando outra vez de gerenciamento de relacdo. Numea diga, por exemplo, que vai usar cinco minutos de aleuém. se vai precisar de vinte minutos. E preferivel, nesse caso, dizer que vai usar meia hora. Muitas vezes, hd necessidade de respeitar hierarquies e agendas. Faga isso com sinceridade e bom humor. Outra fonte de contato positive com o outro é saber ouvi-lo. Noventa e nove por cento das pessoas nfo sabem ouvir. A maior parte de nés tem a tendéncia de falar o tempo todo. E preciso desenvolver a capacidade da audiéncia empatica. PATHOS, em grego, além de enfermidade, significa SENTIMENTO. EM, preposigdo, significa DENTRO DE. Ouvir com empatia quer dizer, pois, ouvir dentro do sentimento do outro. . As palavras sdo escolhidas mconscientemente. E preciso prestar atengdo a elas. E preciso prestar atencdo também ao som da voz do outro! E por meio da voz que expressamos alegria, desespero, tristeza, medo on raiva. As vezes, a maneira como uma pessoa usa sua voznos da muito mais informacies sobre ela do que o sentido Iégico daquilo que diz. Devemos também aprender a “ouvir” com noszos clhos! A postura corporal do outro, suas expressdes facizis, a maneira como anda, como gesticula e até mesmo a maneira como se veste nos dio mmformacées preciosas. O poeta e semioticista Décio Pignatari costuma dizer que o homem precisa aprender a “OUVIVER”, verbo que ele inventou a partir de OUVIR, VERe VIVER. Fmalmente, a quarta condigao e a mais mportante delas: agi de forma ética_ Isso quer dizer que devemos argumentar com o outro de forma honesta e transparente. Caso contrério, ARGUMENTACAO fica sendo sintnimo de MANIPULACAQ. © fate de agirmes com honestidade nos confere uma caracteristica importante em um processo argumentativo: a CREDIBILIDADE. Para ter credibilidade é preciso apenas comportar-se de modo verdadeiro, sem medo de revelar propdsitos e emogdes Assim como as pessoas possuem “detectores inconscientes” de interesse sexual em relagdo 20 sexo oposto, capazes de decodificar posturas corporais, expresses faciais e tom de voz, elas também possuem “detectores de credibilidade” em relacdo ao outro. Para ter credibilidade, basta procurar a crianca que existe dentro de nés. As criancas no dizem aquilo em que ndo acreditam e nio fingem o que nfo sentem. Se esto tristes, seus rostos refletem nitidamente a tristeza. Se estio alegres, refletem essa alegria. Ao longo da vida, nés, adultos, é que desaprendemos a espontaneidade, depois que outros adultos nos ensinaram a separar nossa inteligéncia de nossaz emocées.O AUDITORIO O anditério é 0 conjunto de pessoas que queremos convencer e persuadir. Seu tamanho varia muito. Pode ser do tamanho de um pais, durante uma comunicacdo em rede nacional de radio e televisdo, pode ser um pequeno grupo. dentro de uma empress, mas pode ser apenas uma tnica pessoa: um amigo, um chente, cu um namorado ou namorada. E preciso nfo confundir interlocutor com auditirio. Um repérter que entrevista vocé ndo é seu auditorio, € apenas seu mterlocutor. O auditério sie os leitores do jornal ou os telespectadores em suas casas. O ex-presidente Figueiredo costumava fazer esse tipo de confus¥o. Certa vez uma garotinha que alguém tinha colocado em seu colo Ihe fez a seguinte pergunta: - O que o senhor faria, se seu pai ganhasse saldrio-minimo? - Dava wm tire na cuca’, responden 0 presidente, sem perceber que a garota era apenas uma interlocutora instruida astuclosamente por algum adulto. O verdademo auditério era o povo brasileo que assistia 4 televisdo, o que ficou comprovado pelas pesadas criticas dos jornais, no dia secuinte AUDITORIO UNIVERSAL E AUDITORIO PARTICULAR Anditério universal é um conjunto de pessoas sobre cujas varidveis nfo temos controle. O piiblico que assiste a um programa de televisdo configura um auditério universal. SA0 homens e mulheres de todas as classes sociais, de idades diferentes, diferentes profissées, diferentes niveis de instrugio e de diferentes regides do pais. Auditorio particular é um conjunto de pessoas cujas varidveis controlamos. Uma turma de alunas de uma escola de segundo gran configura um anditério particular Trata-se de pessoas jovens, do sexo feminine, com omeano nivel de escolaridade Aguele que vei argumentar precisa adaptar-se ao seu auditério. Diz 0 provérbio que 4 comida deve agradar aos convidados e no ao cazinhe iro. Mas temos de ter um cuidado muito importante quando estamos diante de um anditério particular: o de nunca manifestar um ponto de vista que no possa ser defendido também dentro de um auditério universal. Isso, por dois motivos: ética e autointeresse. Quando vocé explora o preconceito ou a inimimde de um grupo em relagdo a outros grupos, além de ndo estar sendo ético, essa forma de agir pode vollar-se contra vocé, quando e onde vocé menos estiver esperando. Lembra-se da lei de Murphy? Quer um exemplo? Em 1997, um alto executivo daTexaco, nos Estados Unidos, utilizou, em uma reunido fechada da presidéncia (guditério particular), argumentos racistas, tendo como alvo um fimeiondrio negro da empresa. A noticia vazou no 36 dentro da companhia, mas em todo o pais (auditdrio universal). Como resultado, a Texaco foi condenada a pagar uma indenizado de 179 milhdes de délares 2 seus funciondrios negros, a titulo de reparacdo de danos moraisCONVENCENDO AS PESSOAS Ao iniciar um processo argumentative visando ac convencimento, nio devemos propor de imediato nossa tese principal, a ideia que queremos “vender™ a0 nosso auditério. Devemos, antes, preparar o terreno para ela, propondo alguma outra tese, com a qual nosso anditirio possa antes concordar Quando Ronald Reagan foi candidato pela primeira vez presidéncia dos Estados Unidos, antes de pedir aos americanos que votaszem nel, fez-Ihes a seguinte pergunta — Voces estiio hoje melhores do que estavam hé quatro anos? E claro que Reagan sabia que a resposta era NAO. No governo Carter, que estava terminando, a taxa de desemprego aumentara, havia uma imflacdo elevada para os padrBes do pais e havia trezentos reféns americanos presos ha mais de um ano na Embaixada americana no Iri. Somente depois de fazer essa pergunta e deixar as pessoas pensarem na resposia é que pediu que votassem nele, ¢ sabemos que ele ganhou néo somente aquela eleigdo, mas também a seguinte. Essa tese preparatoria chama-se TESE DE ADESAO INICIAL. Uma vez que © auditérie concorde com ela, a argumentagde ganha estabilidade, pois ¢ facil partir dela para a tese principal. As teses de adesio inicial fmdamentam-se em FATOS on em PRESUNCOES. A tese de Reagan fundamentou-se num fato: o de que os americanos estavam tendo uma vida pior, sob o governo Carter Se quisermos, por exemplo, defender o Nave Cédigo Brasileiro de Transito (tese principal) é importante levar nosso auditério a concordar previamente com um fato: o de que, depois de implantado esse cddigo, houve uma diminuigdo de 50% das mortes no transito (tese de adesdio imicial) Neném Prancha, um técmico carioca de futebol de varzea, utilizava uma curiosa técnica de argumentacdo, como tese de adesdo imicial, para convencer seus jogadores aprendizes a manter a bola no chlo, em jogo rasteiro, em vez de levanté-la em jogadas de efeito, mas imiteis para quem esté comegando a aprender os fundamentos do futebol. Dizia ele acs meninos: — Olhem aqui: a bola ¢ feita de cour. O couro vem da vaca. Avaca gosta de grama. Por isvo a bola tem que ser jogada rasteira, na gramal.. As presumgées so suposices fimdamentadas dentro daquilo que é normal ou verossimil. Se alguém que vocé espera esti demorando a chegar, vocé podepresumir uma série de motivos: ele pode ter esquecido o compromisso, pode ter recebido uma visita inesperada, pode ter ficado retido no transito, e assim por diante. Tudo isso so presungées. Imaginar, contudo, que a pessoa esperada tenha sido sequestrada por um ET ow que tenha, no meio do caminho, decidido participar de uma maratona, no so presungdes, pois esses motivos fogem a0 conceito de normalidade on verossimilhanga Assisti certa vez a um filme em que um jovem estava sendo acusado de assassinato. Durante o juleamento, o advogado de defeza utiliza uma prescdo como tese de adesdo inicial Mostra ele aos jurados que o comportamento normal de um criminoso, depois de matar sua vitima, é afastar-se rapidamente do local do crime e desfazer-se da arma utilizada, atirando-a num rio ou em algum outro local pouce acessivel Ora, 0 réu em questio tinha sido preso por ter sido denunciado A policia, por meio de um telefonema anémimo. Quando a policia o procurou, encontrou-o dormindo um sono tranquilo em sua propria casa, com a arma do crime, limpa de impressBes digitais, jogada debaixo da cama. A tese principal do advogado era a de que o réu era inocente da acusacio, mas, antes de defendé-la, conseguiu que os jurados concordassem com a presungdo de que era muito pouco provavel que alguém fosse tio inexperiente a ponto de atirar a arma do crime sob a propria cama €, ao mesmo tempo, tio experiente a ponto de ter apagado previamente as impressdes digitais.
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