Folhas Caídas de Almeida Garrett

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3.

FOLHAS CAÍDAS DE ALMEIDA GARRETT

APONTAMENTOS DE POEMAS SELECIONADOS (OS MAIS RELEVANTES A MEU VER)

1. IGNOTO DEO – termo latino, remete, não só para uma tendência clássica do autor, como,
também, para uma para uma composição poética carregada de de apontamentos reveladores de uma
conceção platónica
- este Deus, desconhecido, como se pode compreender pelo título, já referido, também, na
advertência, pode, na linha da temática amorosa predominante da obra, corresponder ao retrato de
uma mulher-anjo, portadora de traços caraterísticos praticamente divinos, apontados pelo autor
- o subtítulo do poema – D.D.D. - acrónimo cuja significação se traduz em “Dat (Dá), Donat
(Oferece -no sentido extremo, sacrifica), Dedicat (dedica/consagra), que podem apontar para o
ritual vassálico evocado pelo sujeito poético (reconstituição da tradição popular portuguesa – ideia
semelhante ao Romanceiro – recuperar as cantigas medievais portuguesas)
- logo no primeiro verso, no qual o sujeito poético se dirige ao Deus já referido, é possível constatar
a existência de um sujeito, o “eu” (dada a narração em primeira pessoa, típica do tom confessional e
intimista caraterístico da estética romântica – a individualização do eu) - “Creio em Ti, Deus” (v.1.)
- v.3. “És: - o que és não sei.” - o típico “Je ne sais quoi”, a indeterminação da emoção
- vv.4 -6. “Deriva/ Meu ser do Teu: luz… e treva. / Em que – indistintas! - se envolve/ Este espírito
agitado.” - podemos estar perante uma contradição – um ser que deriva de um outro, sendo este
último, perfeito, por definição, não deveria revelar-se envolto em treva e dominado pela agitação
( estado de espírito conotado negativamente)
- vv. 11 – 13 “Só vive de eterno ardor/ O que está sempre a aspirar/ Ao infinito donde veio.” - o
sujeito reitera o seu estado de espírito, admitindo sentir desespero, dor e sofrimento – admite aspirar
ao ideal, aqui concretizado como Deus, ao qual equivale naturalmente, o Amor, causa do seu
sofrimento – este amor, pode ser materializado sob a forma da mulher-anjo, a qual, apresentará, à
partida as caraterísticas, de seguida, enumeradas - “Beleza és Tu, luz és Tu,/ Verdade és Tu só.”
(vv.14 -15)
- vivendo o Romantismo de contradições, natural será pensar que, se esta entidade divina, à qual o
sujeito poético dedica a sua vida, representa os pares positivos possíveis de qualquer dicotomia, sob
a qual a corrente literária jaz, o sujeito poético será o representante do par negativo – daí,
provavelmente, o sofrimento que sente
- expressa a apetência para um idealismo de caráter platónico, valorizando o ideal de Beleza,
Verdade, Pureza do sentimento amoroso
- vv. 23 – 24 “Só por Ti os pode ver/ O que inspirado se afasta” - ideia clássica platónica, de
inspiração como um sopro divino
- vv. 30 – 34 “Eu, consagrado/ A Teu altar, me prostro e a combatida/ Existência aqui ponho, aqui
votado/ Fica este livro – confissão sincera/ Da alma que a Ti voou e em Ti só ‘spera”
- coloca a entidade à qual se dirige num plano superior, o que legitima, desde, logo, a atitude de
subjugação, na medida em que admite curvar toda a sua existência e vida perante si – existência
combatida porque vive do conflito interior que o Amor, enquanto Ideal lhe provoca, na medida em
que não o consegue alcançar
- a posição de superioridade, base da atitude vassálica, é enfatizada pela utilização de deíticos – os
de segunda pessoa, referente ao Deus ao qual se dirige, que se encontra numa posição elevada e,
como tal, os seus pronomes são grafados com letra maiúscula, enquanto que aqueles, que se referem
a si, próprio, ao sujeito, se encontram grafados com letra minúscula
- para além disto, admite, indubitavelmente, o caráter confessional da produção poética, iniciada por
este poema - “confissão sincera” (v.33)

2. ADEUS
- O sujeito poético dirige-se a um “tu”, a mulher amada, a qual admite ter usado, como meio para
obter prazer (físico), quando, na realidade, a não amava – o “tu” é portanto uma figura feminina
vítima da ausência de sentimento amoroso, pelo sujeito - “Choro porque não te amei” (v.5)
- como é percetível pelo título da composição, o poema retrata um momento de despedida
- o relato é realizado no presente, sendo este o ponto de partida necessário à evocação dum passado,
pretérito, e à perspetivação de um futuro, no qual o sujeito poético não terá, jamais, a sua amada
(“Perdida serás – perdida” - v. 60)
- vv.20 – 23 “Há-de sim, serás vingada, /E o meu castigo há-de ser/ Ciúme de ver-te amada, /
Remorso de te perder.” - o Amor será o destino da sua amada, um Amor que esta merece e que o
sujeito poético não foi capaz de lhe oferecer. Assim sendo, a inexistência do sentimento amoroso e a
objetificação da mulher, com a qual se envolveu, apenas, fisicamente (“E que pude, a sangue-frio, /
Cobarde, infame, vilão, /Gozar-te – mentir sem brio/ Sem alma, sem dó, sem pejo(...)” - vv. 64 a
67), tendo sido a razão do seu sofrimento (da amada - “Tanta lágrima verteste, / Tanto esse orvalho
celeste/ Derramado o viste em vão / Na seara de abrolhos (…) - vv. 41 - 45) terão como
consequência, o ciúme e o próprio remorso, que serão sentido pelo “eu” lírico quando esta encontrar
um novo amor – ideia reiterada, mais à frente ( “Amarás...sim, hás-de amar, / Amar deves… Muito
embora.../ Oh! Mas noutro hás-de sonhar/ Os sonhos de oiro encantados/ Que o mundo chamou
amores” - vv. 47 – 51)
- esta culpa que será sentida, pode aludir o leitor ao tópico da expiação, caraterística romântica, na
medida em que o sujeito terá de ser castigado e punindo pelo “crime” (v. 69), que cometeu
-vv. 70 – 71 “Não chores, anjo do Céu, / Que o desonrado sou eu” - reitera novamente a SUA culpa,
pelo que a mulher que usou não deve entristecer, porque nada fez de errado, o mal existe nela, não
nela, ela é um “anjo do céu” - novamente coloca-se num plano inferior ao da mulher, tal como,
afirma, diretamente, em versos posteriores, que denotam esta diferença de níveis existente entre o
“eu” e o “tu” - “De tua divina estrela (…) Alta está no firmamento/ De mais e de mais é bela/ Para o
baixo pensamento/ Com que em má hora a fitei” (vv. 86 – 92) – atenção aos adjetivos “alta” e
“baixo”, fundamentais na construção dos dois planos nos quais se movem os intervenientes
- vv. 72 – 78 “Perdoar-me tu?… Não mereço. /A imundo cardo voraz/ Essas pérolas de preço/ Não
as deites; é capaz/ De as desprezar na torpeza/ De sua bruta natureza.” - o sujeito poético não se
sente merecedor de um possível perdão das suas atitudes bestiais (= besta; “bruta natureza”, sem
emoções e empatia para com a mulher, pelo que não merece a empatia desta) – pelo que fez, julga
não ser sensato, e se esta mulher lhe desse o perdão (simbolizado pelas pérolas referidas, enquanto
bens preciosos e dignos de estima), este poderia ser capaz de o desprezar
– estes versos poderão ser considerados uma reconstituição poética do provérbio português “dar
pérolas aos porcos”, denotando, mais uma vez, a influência da cultura popular em Garrett
- dicotomia romântico – sujeito como extremo negativo, a amada como extremo positivo - “Que
volte a sua beleza/ Do azul do céu a pureza,/ E que a mim me deixe aqui/ Nas trevas em que nasci/
Trevas negras, densas, feias” (vv. 95 – 99)

3. QUANDO EU SONHAVA
- remete para um tempo passado – morfema de tempo modo aspeto do verbo sonhar, conjugado no
imperfeito – implicará um contraste entre dois tempos – passado e presente, entre dois pontos de
vista, respetivamente, a ilusão e o confronto com a realidade – dicotomia clássico vs romântico –
razão vs emoção
- adota, desde logo, o cariz confessional, patente em toda a obra
- o verbo sonhar remete para a ilusão, para uma idealização da amada, meramente, no passado, no
qual a ação, conotada pelo verbo principal, se desenrolou
- “Que nos meus sonhos a via;/ E era assim que me fugia, / Apenas eu despertava/ Essa imagem
fugidia/ Que nunca pude alcançar” - modelo camoniano ou petrarquista de mulher inatingível,
inalcançável, inteligível, com a qual a concretização física do amor é impossível, daí nunca ter
sentido prazer (“Prazer não sabia o que era” - v. 15)
- o sonho é, obviamente, relacionado com a ilusão, com a inconsciência, contrária à razão, daí que o
poeta se sinta desperto, voltando, mais uma vez, a recorrer à razão, que o faz compreender a
fatalidade do amor sentido, uma vez que este não é, de todo, recíproco
- o desespero que sente, por ter compreendido a realidade solitária e unilateral do seu amor (traços
da poesia trovadoresca), leva-o a questionar o porquê de ter despertado, o porquê de não ter
continuado a sonhar, uma vez que o sonho seria vida e a realidade é, infelizmente, a ausência da sua
vida, ou seja a morte – ideia de amor como motor essencial da sua vida, o ar que respira, daí que
afirme “Eu sonhava – mas vivia” (v.14) - sem a amada morre, conhecendo, finalmente, a dor “Mas
dor, não na conhecia...” (v.16)
- Este poema remete, indubitavelmente, pelo seu sentido, para um outro, ao qual decidi atentar nesta
análise, o qual foi, aliás, lecionado em aula – o poema “Não és tu” - tentativa de posse do ideal
através de uma visão ideal, uma imagem fantasiada ou imaginada da mulher (“Aquela visão que eu
vi/ Quando eu sonhava de amor, /Quando em sonhos me perdi” -vv. 4 - 6), verificando, no final, que
esta não corresponde à idealização levada a cabo (“Mas não és tu… ai! Não és: / Toda a ilusão se
desfez/ Não és aquela que eu vi, / Não és a mesma visão,/ Que essa tinha coração, / Tinha, que eu
bem lho senti.” - vv. 25 - 30)

4. O ANJO CAÍDO
- A trama do poema é regida por duas forças superiores e antagónicas, uma celeste (a figura
feminina) e a outra terrena (o sujeito poético), correspondentes a 2 seres de natureza idêntica à
anteriormente referida
- o antagonismo presente no poema talvez justifique o facto de a seta acertar o anjo e não ser o
próprio anjo o emissor da flecha, como seria de pensar (imagem de Cupido – afirmação do
afastamento do poeta relativamente aos padrões literários arcádicos), de tal sorte que acaba por cair
– sendo o anjo a representação da amada, podemos inferir que, mais uma vez, à semelhança do
poema “Adeus”, anteriormente interpretado, esta nutre uma enorme paixão por um homem, o “eu”
lírico, que se afirma enquanto incapaz de a amar, não retribuindo o afeto que lhe é direcionado, a
amada nada recebeu em troca, para além de sofrimento - “Vi-o a taça do prazer/ Por ao lábio que
tremia… E só lágrimas beber.” (vv. 19 - 21)
- pelo título, compreendemos, desde início, o facto de o narrador se deparar com a degradação do
ideal formado – o anjo caído equivale ao domínio da ilusão caído por terra, à degradação do ideal
construído, por meio do choque com a realidade (à semelhança do poema anteriormente analisado)
- trata-se de um ano caído, sem asa, sem liberdade – pode assim funcionar como:
- alegoria da romântica perda, pela qual sofrem os românticos
- representação da perda da ingenuidade e do não-ideal, pois o anjo, sem asa, com os pés no chão,
não pode voar, nem, consequentemente, sonhar, de modo que acaba por encarar o real – real, este,
encarado pelo sujeito poético que compreende que, na verdade, não a ama
- o ideal é construído de modo narcisista, o poeta, simplesmente, visiona a mulher como lhe
convém, torna-a depósito daquilo que, realmente, deseja, das suas mais puras vontades, e, como tal,
não a perceciona na sua totalidade, destacando, meramente, os seus traços mais positivos, os quais,
pela caraterização edificada convergem no ideal (o poeta já admitiu, no poema Ignoto Deo, a sua
aspiração ao ideia) - “Ninguém mais na Terra o via, / Era eu só que o conhecia…” (vv. 22 – 24) -
“Porque ele outra alma não tinha, /Outra alma se não a minha...” (vv. 43 - 44)
- assim sendo, o poeta, pelo choque com a realidade, sente-se incapaz de amar esse anjo, que em
nada corresponde ao ideal formado, e o anjo, imerso em sofrimento, apenas pode ser salvo, quando
amado
- nada impossibilidade do sujeito amar e do anjo ser amado, ambos partilham o mesmo destino, a
morte - “Porque eu e o meu ser perdi / E ele à vida não volveu… / Mas da morte que eu morri/
Também o infeliz morreu” - o anjo arrasta o sujeito poético na sua queda, porque este acaba por se
sentir culpado do sentimento que nela provoca

5. ESTE INFERNO DE AMAR


- o poema apresenta dois momentos distintos, com caraterísticas, igualmente, distintas
- 1º momento: estrofe 1: reflete a expressão de um “eu” num tempo presente e, por isso, dentro dos
canônes próprios do modo lírico
- 2º momento: estrofes 2 e 3: retratam dois momentos passados distintos. com caraterísticas
narrativas (junção dos géneros):
- narrador autodiegético ( na primeira pessoa e personagem principal)
- personagens ( eu, ela)
- espaço (algures)
- tempo (passado – patente nos verbos conjugados no pretérito perfeito e no pretérito imperfeito do
indicativo)
- ação (verbos que denotam movimento – verbos sublinhados)
- Lembram o passado, este passado, porém, evoca duas temporalidades diferentes:
- 1º passado evocado – estrofe 2 – passado antes de conhecer a amada – um passado de sonho,
“vivido” com serenidade e em paz
- 2º passado evocado – estrofe 3 – passado depois de conhecer a amada – o tal “inferno de amar”
- na primeira estrofe – confissão hiperbólica, na qual tece 3 questões, às quais responde, de seguida
– associando o amor a uma chama (ideia camoniana), questiona-se relativamente à identidade de
quem foi capaz de acender (“Quem mo pôs n’alma… quem foi?” - v. 2), em si, essa mesma chama,
quem ousou desperta-lo do sonho em que dormia (estrofe 2 – reitera esta questão - “Quem me veio,
ai de mim! Despertar? - v. 12) o modo como tal aconteceu (“Como é que se veio atear” - v.5) e
quando acabará (“Quando – ai quando se há-de ela apagar? - v.6)
- nas seguintes estrofes, o poeta só não encontra a resposta para as pergunta formulada no sexto
verso quanto ao fim do inferno em que vive, de resto a entidade da amada, assim como o momento
e modo como tal inferno despoletou, em si, no seu peito, são os dados revelados
- neste poema, é percetível a contrariedade do sentimento amoroso, para o sujeito poético este amor,
é simultaneamente vida e morte - “Esta chama que alenta e consome, / Que é vida – e que a vida
destrói” (vv. 3 – 4) – deve entender-se este último verso transcrito como um hipérbato, na medida
em que não é a vida que destrói o sentimento, mas o sentimento que destrói a vida, transportando o
sujeito para o sofrimento atual em que vive
- esta ideia é concluída na última estrofe - “Mas nessa hora a viver comecei...” (v. 18) – conclui-se
que, apesar da serenidade e da paz que sentida, antes de conhecer a mulher-fatal mencionada, o
sujeito poético considera esse tempo algo irreal (“Era um sonho talvez… - foi um sonho - /Em que
paz tão serena a dormi!/ Oh! Que doce era aquele sonhar… /Quem me veio, ai de mim!” - vv. 9 –
12), isto é, a ausência de vida, a vida para si é este “inferno” em que, agora, vive – o amor surge
como gerador de vida e, simultaneamente, seu destruidor

6. DESTINO
- este poema constitui a auto-justificação do apaixonado, no sentido de resolver o dilema moral em
que se debate: a sua submissão ao poder do amor como expressão do fatalismo próprio de todas as
coisas da natureza, ao qual, da mesma forma que os elementos naturais e biológicos que menciona,
não pode fugir, porque é indispensável à sua razão de existir – na última estrofe, a mulher é vista
como elemento indispensável à sua sobrevivência
- o sujeito comporta-se como um ser sujeito a Leis que lhe escapam, por compreender que o seu
destino não é obra gerida ou determinada por si
- primeira estrofe: questionamento da natureza, através do emprego de sucessivas interrogações
retóricas – questiona-se sob a forma como estes elementos adquirem o conhecimento para
realizarem as suas funções, as quais, aparentemente, desempenham de modo inconsciente e
instintivo (“Quem disse à estrela o caminho/ Que ela há-de seguir no céu? / A fabricar o seu ninho/
Como é que a ave aprendeu? / Quem diz à planta: . Florece! / E ao mudo verme que tece/ Sua
mortalha de seda/ Os fios quem lhos enreda? - vv. 1 - 8)
- segunda estrofe: seguimento da interrogação retórica (“Ensinou alguém à abelha/ Que no prado
anda a zumbir/ Se à flor branca ou se à vermelha/ O seu mel há-de ir pedir? - vv. 9 - 12) – o sujeito
poético deixa para trás a focalização omnisciente e adota uma focalização interna - a meio,
apercebe-se que ele próprio faz algo sem se aperceber, que ele próprio vive para algo, embora
ninguém lhe tenha dito para o fazer, para amar, e, mesmo assim, o faz (“Ai! Não mo disse ninguém”
- v. 16) – vive para a amada, sendo o seu amor o seu bem mais precioso (“Teu amor todo o meu
bem…” - v. 15)
- terceira estrofe: volta a mencionar seres que cumprem instintivamente o seu destino (“Como a
abelha corre ao prado/ Como no céu gira a estrela, /Como a todo o ente o seu fado/ Por instinto se
revela” - vv. 17 - 20), da mesma forma que ele cumpre o seu, o qual é, por sua vez, cumprido no
seio da amada (“Eu no teu seio divino/ Vim cumprir o meu destino...” - vv. 21 -22)
- ainda, nesta estrofe, é concretizado o ritual vassálico (“Vim, que em ti só sei viver, /Só por ti posso
morrer” - vv. 23 - 24), adotando, o sujeito lírico, uma atitude de vassalagem, submissão e
subjugação em relação ao objeto do seu amor (caraterística das cantigas trovadorescas – reiterada,
de modo mais explícito, no poema “Preito” - analisado mais abaixo neste resumo)

7. GOZO E DOR – o termo gozo remete para o envolvimento físico, sexual, sensual entre o sujeito
poético e a mulher, objeto do seu amor carnal/ o termo dor remete para o choque resultante da
perceção de que o amor físico e o prazer que deste resulta, ao contrário do que o sujeito pensa, não é
absoluto, é meramente momentâneo, pelo que lhe sucede um enorme vazio – contrariedades do
sentimento amoroso – O sujeito compreende que a plenitude do sentimento não é possível, apenas
pela obtenção de prazer, daí que seja levado por um vazio da alma

8. BELA DE AMOR
– neste poema, o sujeito poético admite-se como responsável pela beleza da sua amada, na medida
em que apresenta a perfeita noção do narcisismo incutido nos traços da amada, que o cativam – tem
a perfeita noção dessa conversão da realidade, por meio dos sentido imbuídos no desejo que o
domina, ao qual se subjuga (remeter para o resumo do poema “O Anjo Caído”- o ideal é construído
de modo narcisista, o poeta, simplesmente, visiona a mulher como lhe convém, torna-a depósito
daquilo que, realmente, deseja, das suas mais puras vontades, e, como tal, não a perceciona na sua
totalidade, destacando, meramente, os seus traços mais positivos, os quais, pela caraterização
edificada convergem no ideal (o poeta já admitiu, no poema Ignoto Deo, a sua aspiração ao ideia) -
“Ninguém mais na Terra o via, / Era eu só que o conhecia…” (vv. 22 – 24) - “Porque ele outra alma
não tinha, /Outra alma se não a minha...” (vv. 43 – 44)
- basicamente a beleza da mulher tem como origem o sujeito, é ele que a torna “bela de (através de)
amor”
- remeter para o poema “Beleza” - “Vem do amor a Beleza, /Como a luz vem da chama, / É lei da
Natureza: Queres ser bela? - ama.” (vv.1-4)

9. OS CINCO SENTIDOS
- neste poema, todos os sentidos são voltados à forma feminina, o sujeito poético torna-se
impassível ao mundo exterior, ou seja, é cego, surdo e incapaz de sentir o toque, o cheiro ou
qualquer outra beleza que seria capaz de o cativar, pelos sentidos, numa situação normal, se não a d
mulher, à qual é devoto
- os sentidos são referidos de forma sequencial – 1ª estrofe: visão (“Em toda a natureza/ Não vejo
outra beleza/ Se não a ti – a ti!”) – 2ª estrofe: audição (“Não oiço a melodia, / Nem sinto outra
harmonia/ Se não a ti – a ti!”) – 3ª estrofe: olfato (Sei… não sinto: a minha alma não aspira, /Não
percebe, não toma/ Se não o doce aroma/ Que vem de ti – de ti!”) – 4ª estrofe: paladar (“Famintos
meus desejos/ Estão… mas é de beijos, / É só de ti – de ti!”) – 5ª estrofe: tato (“quem poderia/
Sentir outras carícias, / Tocar noutras delícias/ Senão em ti – em ti!”)
- o trovador assume um tom excessivo, colocando a beleza dessa mulher acima de todas as belezas
da natureza, a qual surge como divina, harmoniosa, agradável, suave – caraterísticas da amada
suplantas a um romantismo idealizado e exacerbado – denotam uma mulher elevada, uma mulher-
anjo

10. NÃO TE AMO


- O sujeito poético dirige-se à amada, como um grito de libertação ou de sublimação do sentimento
que o consome
- Constata-se um “eu” lírico centrado no próprio sentimento conflituoso, apontando para um sujeito
envolvido pela irracionalidade caraterística do sentimento amoroso
- parece estar em conflito consigo mesmo, já que afirma não amar a pessoa à qual o poema se
dirige, mas para negar tal amor, faz uso de uma linguagem carregada de emotividade e
passionalidade
- a utilização da primeira pessoa do singular permite concluir que a universalidade árcade dá lugar à
exaltação de um subjetivismo exacerbado por parte do “eu” lírico. Revela-se, portanto, uma atitude
carregada de egocentrismo por parte do eu lírico, o que se permite reiterar sua vinculação à estética
romântica. Durante todo o poema, o eu lírico está centrado no próprio sentimento, cultivando o seu
“eu” interior, prevalecendo o individualismo e omitindo toda e qualquer manifestação da amada,
- v.1. “Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.” - confronto de termos – querer e amar –
conotados, respetivamente, com o amor sensual e o segundo com o amor espiritual ou platónico
- Além disso, observa-se a relação estabelecida entre a morte e a amada, como que a revelar o
escapismo psicológico ao qual recorre o eu lírico. No primeiro verso, o “amar” está relacionado à
“alma” e o querer (“quero-te”) está relacionado ao corpo.
- Já no segundo verso, o eu lírico relaciona a “alma” com a “calma”, e, no terceiro verso, a “calma”
ao “jazigo”, que introduz no poema o campo semântico da morte. Entre os versos 5 e 7, encontra-se
uma segunda referência ao campo semântico da morte, ainda relacionando a amada ao momento
fúnebre. À medida que o eu lírico afirma que traz consigo “a vida – nem sentida” nota-se um sentir
mais atrelado à morte do que à vida. Típico do homem romântico, o eu lírico revela-se em uma
constante fuga da vida através da projeção de seu eu na morte.
- Além disso, observa-se a presença do elemento noturno, também caracteristicamente romântico,
na medida em que o eu lírico metaforiza a amada utilizando o vocábulo “estrela” (verso 14).
- Em seguida, encontra-se uma série de elementos que se leva a associar essa amada a algo que
funde o encantado (em uma acepção ao feitiço, ao envolvimento, quiçá a uma sensualidade
malograda) ao sublime, o que também é fundamental na estética romântica.
- Assim, ao mesmo tempo em que é bela (verso 13), essa amada funciona como uma espécie de
elemento de mau agouro, o que é possível depreender-se pelos seguintes adjetivos: “aziaga” que
caracteriza a “estrela” no verso 14, e “azado” que se refere a “feitiço” no verso 18.
- Outrossim, percebe-se o distanciamento do ideal de beleza clássica que essa amada apresenta, pois
na medida em que sua beleza é capaz de causar “medo” e “terror”, a desarmonia está instalada nesse
ser. Ao contrário dessa beleza desarmônica presente no poema de Garrett, lembre-se que a harmonia
constitui elemento básico da beleza clássica, a qual é muito recorrente na estética árcade.

- LEIXA PREN – nas duas primeiras estrofes, o último verso funciona como uma espécie de refrão,
que é interrompido nas estrofes 3 e 4, mas que é retomado, embora, parcialmente, nas 2 últimas
- funciona como mecanismo de persuasão, em que o sujeito procura racionalizar o conflito vivido
- Além do ponto de exclamação, encontram-se presentes, ainda, o ponto de interrogação e as
reticências, os quais reiteram a ideia de que o eu lírico está distante do pensamento lógico e da
razão, aproximando-se do estado emocional

- É REITERADA A INCAPACIDADE DE AMAR DO SUJEITO, O QUAL APENAS UTILIZA A


MULHER COMO MEIO PARA A OBTENÇÃO DE PRAZER – AMOR MERAMENTE
SENSUAL – EM SEMELHANÇA AO POEMA “ADEUS”, O SUJEITO SENTE REMORSO
DADA A INDIGNIDADE DO QUERER FÍSICO - “E infame sou, porque te quero; e tanto/ Que de
mim tenho espanto” (3ª estrofe – vv. 21 -22)
11. ANJO ÉS
- este poema demonstra bem o papel da mulher na vida do sujeito poético
1ª estrofe:
- esta mulher-anjo tem capacidade para dominar e subjugar a si o eu, sendo a sua força evidenciada
pela persistência e determinação do sujeito – será esta força ou influência da mulher sob o homem,
que a leva a afirmar que esta não é mulher, mas, sim, um anjo – antítese relativamente ao paradigma
social que descreve, geralmente, a mulher como ser mais fraco do que o homem
- a força que o próprio sujeito reconhece caraterizá-lo, através de um jogo de contrastes, o qual tem
como objetivo reforçar, ainda mais, a força do “tu” ( a amada)
- a razão masculina rende-se ao capricho feminino, a fortaleza da alma masculina que nada respeita,
confessa, então, sujeitar-se ao poder feminino
- o sujeito não se deixa subjugar por nada nem ninguém, apenas, pela sua amada, o que o leva a
revelar ou confessar a sua angústia e a sua insegurança diante de algo mais forte do que ele próprios
– amada exerce, sobre si, um força sobre-humana (qualidade de anjo)

2ª estrofe:
- perceção das verdadeiras qualidades deste anjo que, em nada, coincidem com a idealização levada
a cabo pelo sujeito; este não encontra na mulher os os traços angelicais:
- na aparência (pureza, brancura das nuvens), o eu não encontra a pureza das rosas
- no seio ardente, não encontra o pudor, dado que esta não possui um véu cobrindo-a
- a beleza dos olhos não traz a ideia/impressão da pureza espiritual, de tal modo que tece uma
questão, no final da estrofe, acerca da sua origem , será este anjo divino ou demoníaco?

3ª estrofe:
- mesmo assim, apesar da inquietação que sente quanto às qualidades e origens deste anjo, desta
mulher, o sujeito poético, tendo noção da fatalidade do seu amor, decide entregar-se a este

12. VÍBORA
- revolta contra o poder avassalador da paixão, assente na dicotomia vida/morte
- estrofe 1: desilusão provocada pelo amor
- estrofe 2: consequências deste amo = MORTE
13. BARCA BELA
- género de cantiga trovadoresca, mais precisamente no género de uma barcarola medieval,
sobretudo a nível do léxico ligado à temática marítima e às atividades piscatórias
- conflito dramático entre três personagens:
- 1. pescador, a quem o sujeito poético se dirige
- 2. sujeito poético, que aconselha o pescador
- 3. “ela” - sereia – mulher-fatal
- a bipartição das estrofes garante um tom melódico ao poema, assemelhando o seu ritmo ao ritmo
ondulante do mar
- a interjeição “OH!” acentua um certo clima de fatalidade e dramatismo

SÍNTESE TEMÁTICA:

1. AMOR SENSUAL
- em vez de um sentimento passivo, contemplativo, Garrett canta o amor que se repercute no nos
sentidos, amor que atinge a máxima expressão na máxima erotização do corpo. Tudo isto numa
linguagem estética de rara beleza, destinada a fazer o retraio do delírio passional.

2. AMOR INTENSO E VIVIDO


- o lirismo garrettiano é muito pessoal, confissão sincera de alguém que muito amou os que amou
apaixonadamente.
- a expressão de um amor sentido e vivido já não é uma simulação ou idealização de um amor,
simplesmente intelectualizado e expresso em moldes convencionais, como nos clássicos.

3. CONTRADIÇÕES AMOROSAS
- o amor cantado está repleto de contradições entre um passado que foi “um doce sonhar” e um
presente que é “um inferno de amar”; entre dois seres que nunca se completam, antes geram o vazio
- a mulher é representada como um objeto de desejo nunca atingido ou, quando atingido, logo
afastado ou distanciado.
- é superlativada nas suas caraterísticas: é um anjo, mas um ajo caído, luz e trevas.
- o sujeito amoroso confessa repetidamente a sua incapacidade de amar, porque busca o prazer
físico como se fosse absoluto.
- por isso, a cada momento de prazer sucede um momento de vazio, pois é da natureza desse prazer,
ser momentâneo
4. PARATEATRALIDADE
- encontramos, em vários poemas, os falsos diálogos, dirigidos a um “tu” ausente aos olhos do
leitor, mas capaz de o provocar

FOLHAS CAÍDAS – A INOVAÇÃO:


NA FORMA:
1. abandono dos modelos arcádicos e dos géneros clássicos
- preferência pela redondilha de rima emparelhada, cruzada ou alternada, apresentada em quadras,
sextilhas ou estrofes com mais versos – variedade estrófica
- influência das formas da poesia popular (quadras, refrão/ leixa pren)
- tom coloquial
- sinais de pontuação mais ao serviço da expressividade do que da lógica

NA TEMÁTICA:
- amor em que o poeta foi amado e não amou – Adeus!
- amor em que o poeta amou e foi correspondido – Gozo e Dor
- amor em que o poeta ama e não é correspondido – Não és Tu
- amor que dá vida – Rste Inferno de Amar
- amor que mata – Víbora

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