2 Ficha 8ºB
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Sören, pai de Hans, era um homem alto, magro, com olhos cor de porcelana azul, os
traços secos e belas mãos sensíveis que mais tarde, durante gerações, os seus
descendentes herdaram. Nele, como na igreja luterana 1, havia algo de austero2 e solene,
apaixonado e frio.
5 Os seus irmãos mais novos – Gustav e Niels – tinham morrido no naufrágio de um
veleiro que lhe pertencia. Sören sabia que o seu barco era um bom barco onde ele
próprio inspecionara com minúcia cada cabo e cada tábua, sabia que os seus jovens
irmãos eram perfeitos homens do mar e hábil e competente o capitão a quem tudo
entregara. No entanto,
10 o navio naufragou quando a experiência e o cálculo não mediram exatamente a força e a
proximidade do temporal.
Mal a notícia do naufrágio foi confirmada pelo cargueiro 3 inglês que dois dias depois
recolhera ao largo os destroços do veleiro desmantelado – o mastro partido, as boias, o
bote virado – Sören vendeu os seus barcos e comprou terras no interior da ilha. Dizia-se
15 mesmo que nunca mais olhara o mar. Dizia-se mesmo que nesse dia tinha chicoteado o
mar.
No entanto Hans suspirava e nas longas noites de inverno procurava ouvir, quando o
vento soprava do sul, entre o sussurrar dos abetos 4, o distante, adivinhando, rumor da
rebentação. Carregado de imaginações queria ser, como os seus tios e avós, marinheiro.
20 Não para navegar apenas entre as ilhas e as costas do Norte, seguindo nas ondas frias os
cardumes de peixe. Queria navegar para o sul. Imaginava as grandes solidões do oceano,
o surgir solene dos promontórios, as praias onde baloiçavam coqueiros e onde chega até
ao mar a respiração dos desertos. Imaginava as ilhas de coral azul que são como os olhos
azuis do mar. Imaginava o tumulto, o calor, o cheiro a canela e laranja das terras
25 meridionais.
Queria ser um daqueles homens que a bordo do seu barco viviam rente ao
maravilhamento e ao pavor, um daqueles homens de andar baloiçado, com a cara
queimada por mil sóis, a roupa desbotada e rija de sal, o corpo direito como um mastro,
os ombros largos de remar e o peito dilatado pela respiração dos temporais. Um daqueles
30 homens cuja ausência era sonhada e cujo regresso, mal o navio ao longe se avistava, fazia
acorrer ao cais as mulheres e as crianças de Vig 5 e a história que eles contavam era
repetida e contada de boca em boca, de geração em geração, como se cada um a tivesse
vivido.
Sophia de Mello Breyner Andresen, “Saga”, Histórias da terra e do mar, Porto, Figueirinhas, 2006.
1
relativo à doutrina de Lutero, que, no século XVI, reformou a doutrina e a prática da Igreja Católica, o que originou
a Reforma Protestante.
2
rigoroso, sério.
3
navio de carga.
4
árvores da família das pináceas, como o pinheiro.
5
localidade onde vivia Hans.
4. “Dizia-se mesmo que nesse dia tinha chicoteado o mar.” (linhas 21-22)
4.1.Identifica o recurso expressivo presente na frase anterior.
5. Tendo por base os dois últimos parágrafos, explica qual era o maior sonho de Hans.
6. Lê a afirmação:
Neste excerto do conto “Saga”, o mar é o espaço onde a morte se confronta com a vida.
Explica por que razão a afirmação é verdadeira, de acordo com o sentido global do excerto.
Fundamenta a tua resposta com dois exemplos do texto.